luz no caminho

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Importante: O material aqui disponibilizado é para uso dos Associados da Loja Virtual e Membros da Sociedade Teosófica, devidamente cadastrados. Para se associar clique AQUI LUZ NO CAMINHO A edição deste número de "O Teosofista" foi dedicada à publicação dos comentários expostos pela nossa Presidente Internacional, Sra. Radha Burnier, à obra Luz no Caminho na XI Escola de Verão - Brasília - Janeiro de 1990. Todavia, estão aqui publicados somente os comentários à primeira parte da obra. Essa clássica obra do ocultismo, atribuída a certos Mestres de Sabedoria, e transcrita por Mabel Collins, é geralmente considerada difícil ou enigmática pelo leigo, na medida que foi escrita em forma de aforismos paradoxais. Cabe ao leitor meditar sobre o conteúdo e desenvolvendo seu próprio discernimento, encontrar o ponto justo de equilíbrio entre cada par de opostos. Da mesma forma a sabedoria não pode ser transmitida como uma informação ou uma receita, ela depende do desenvolvimento de uma sensibilidade inteligente que descubra a proporção justa e equilibrada em cada circunstância da vida. Por isso, sabedoria em latim provém de SAPERE, verbo que refere tanto a saber quanto a sabor. A sabedoria é uma forma de sensibilidade, não se ensina apenas pelo intelecto. Similarmente, não podemos ensinar ninguém a andar de bicicleta, cabe a cada um, pela própria experiência desenvolver aquela sensibilidade que encontra a justa proporção no movimento da direção que permite à bicicleta manter-se em equilíbrio. Assim, mais vale a meditação sobre o que se leu do que a leitura em si mesma. Blavatsky sugeria que para cada dez minutos de leitura deveria haver duas horas de reflexão sobre o conteúdo. Possa o conteúdo desta edição ser útil ao leitor nesta reflexiva tarefa de exercício do discernimento. 1ª Conferência 2ª Conferência 3ª Conferência 4ª Conferência

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Luz No Caminho

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Page 1: Luz No Caminho

● Importante: O material aqui disponibilizado é para uso dos Associados da Loja Virtual e Membros da Sociedade Teosófica, devidamente cadastrados.

● Para se associar clique AQUI

LUZ NO CAMINHO

A edição deste número de "O Teosofista" foi dedicada à publicação dos comentários expostos pela nossa Presidente Internacional, Sra. Radha Burnier, à obra Luz no Caminho na XI Escola de Verão - Brasília - Janeiro de 1990. Todavia, estão aqui publicados somente os comentários à primeira parte da obra.

Essa clássica obra do ocultismo, atribuída a certos Mestres de Sabedoria, e transcrita por Mabel Collins, é geralmente considerada difícil ou enigmática pelo leigo, na medida que foi escrita em forma de aforismos paradoxais. Cabe ao leitor meditar sobre o conteúdo e desenvolvendo seu próprio discernimento, encontrar o ponto justo de equilíbrio entre cada par de opostos.

Da mesma forma a sabedoria não pode ser transmitida como uma informação ou uma receita, ela depende do desenvolvimento de uma sensibilidade inteligente que descubra a proporção justa e equilibrada em cada circunstância da vida. Por isso, sabedoria em latim provém de SAPERE, verbo que refere tanto a saber quanto a sabor. A sabedoria é uma forma de sensibilidade, não se ensina apenas pelo intelecto.

Similarmente, não podemos ensinar ninguém a andar de bicicleta, cabe a cada um, pela própria experiência desenvolver aquela sensibilidade que encontra a justa proporção no movimento da direção que permite à bicicleta manter-se em equilíbrio.

Assim, mais vale a meditação sobre o que se leu do que a leitura em si mesma. Blavatsky sugeria que para cada dez minutos de leitura deveria haver duas horas de reflexão sobre o conteúdo.

Possa o conteúdo desta edição ser útil ao leitor nesta reflexiva tarefa de exercício do discernimento.

1ª Conferência

2ª Conferência

3ª Conferência

4ª Conferência

Page 3: Luz No Caminho

LUZ NO CAMINHO* Radha Burnier

Primeira Conferência da Sra. Radha Burnier sobre "Luz no Caminho".

Luz no Caminho é uma expressão muito antiga dada àqueles que querem trilhar o Caminho. Na introdução ao livro, C. W. Leadbeater cita que ele foi traduzido para o grego, há muito tempo, por um dos Mestres de Sabedoria, o qual deu algumas explicações para aquelas regras que eram as instruções originais. A essas instruções originais foram adicionadas mais notas por outro Adepto que as ditou em inglês. O livro, como nós o conhecemos, contém todos esses três elementos, que são: as regras simples, porém difíceis. as explicações de um dos Adeptos e as notas posteriores de outro Adepto.

No início, foi escrito para aqueles que ignoram a Sabedoria Oriental, pois as regras originais eram usadas por discípulos do Caminho, no Oriente. Era uma prática muito comum no Oriente dar instruções através de sentenças muito curtas, visto não ser proposta do Mestre acumular na cabeça do discípulo instruções e informações, mas, sim, sugerir alguns pontos sobre os quais ele próprio poderia ponderar, porque o discípulo deve despertar nele mesmo a percepção espiritual. E isto não surge, de forma alguma, através do recebimento de instruções, de palavras do Mestre e da repetição delas, mas sim, através da penetração profunda no significado das palavras. Isso exige um esforço muito grande da parte do discípulo. E o primeiro esforço é o de escutar com o coração totalmente dedicado.

A maior parte de nós não escuta coisa alguma. Os nossos ouvidos escutam alguns sons, mas nossa alma, por assim dizer, não recebe o conteúdo desses sons. Quando estamos escutando com apenas uma parte da nossa consciência, a outra parte está pensando a respeito de outra coisa e por isso é um escutar muito parcial. O discípulo deve aprender a escutar sem nada que distraia sua mente.

Será que vocês podem escutar as palavras de Luz no Caminho dessa forma? Essa é uma disciplina que todo aquele que é sério sobre o Caminho deve adquirir. E depois de escutar, ele tem de fazer um esforço para ver um significado em todos os seus aspectos.

Com freqüência, olhamos para alguma coisa sob um ângulo apenas. Não com relação aos ensinamentos, mas com relação a tudo. Imaginem que contactemos uma outra pessoa e olhemos um lado dessa pessoa. Mas a pessoa pode ser muito diferente daquilo que nós vemos, pois existem nela muitos elementos ocultos. Quando olhamos apenas para um lado, nunca entenderemos a realidade completa da pessoa. Por isso uma outra parte dessa disciplina é aprender a olhar de todos os ângulos. Quando dizemos todos os ângulos, também queremos dizer a profundidade daquilo que está diante de nós, pois em toda parte da vida existe um lado oculto. Se olharmos para uma folha, lá fora, o que vemos com nossos olhos não é apenas a folha. Existe algo oculto lá, também. Mas quando pensamos que já conhecemos a folha porque vimos uma parte dela, caímos

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na ilusão de que já a conhecemos, o que, então, nos fecha a porta para a verdade que existe sobre essa folha.

Isso é verdadeiro para qualquer ensinamento. Quando o instrutor fala podemos pensar que sabemos. Mas não devemos cair nesse erro. Não podemos saber o que o instrutor diz ou o que ele sabe porque a sua consciência está num nível diferente. Por isso lemos que manter a mente aberta para penetrar cada vez mais no sentido. Tudo isso é parte do esforço que o discípulo deve fazer. E quando ele passa a fazê-lo, começa a ver com o olho interno da intuição.

A intuição significa a mente purificada; a mente iluminada sobre toda auto-ilusão e engano. A mente purificada significa uma mente harmônica, que está em harmonia com toda a vida. A intuição ou olho interno envolve isso e muito mais do que isso. E, portanto, a intenção do Mestre é despertar a intuição ou a percepção interna do discípulo. Eis por que ele não dá instruções longas, mas sim poucas sentenças; e é trabalho do discípulo fazer o esforço para descobrir o imenso significado de cada sentença.

Encontramos o mesmo método adotado nos Sutras de Patanjali, na Ioga e outros similares. As sentenças, cada frase, podem ser difíceis de ser entendidas ou talvez pareçam muito simples. E elas podem ser simples, mas são muito ricas em significado. E o discípulo é chamado a fazer o máximo para encontrar o significado total da sentença.

As regras em Luz no Caminho são desse tipo. E mesmo as explicações e notas dos outros dois Adeptos não dizem tudo a respeito das regras. Nós temos de descobrir. Se vocês leram essas notas, esse livro, também notaram que existem muitos paradoxos nelas. Existe um paradoxo nas primeiras três sentenças. Por exemplo: a primeira diz "Mata a

ambição". Mas é seguida pela explicação "Trabalha como trabalham os que são ambiciosos". As outras duas sentenças também são dessa forma. E aí podemos encontrar, por exemplo, sentenças como "Mata a ambição', "Mata o desejo de viver", e assim por diante. Mas essas sentenças são seguidas por outras que dizem "Deseja unicamente o que está em ti", ou seja, são seguidas por outra sentença que começa com a palavra "deseja". Aí está um outro paradoxo, porque a ambição é um desejo forte. Num lugar é dito que você deve matar a ambição, no outro que deve desejar. Mas todos os paradoxos apontam para uma verdade importante que está subjacente. Por exemplo: no que diz respeito à questão da ambição, nós temos que entender que uma grande energia é necessária para que se percorra a Senda.

Se vocês lerem A Voz do Silêncio, existe lá uma lista de qualificações necessárias para se percorrer o Caminho. Uma delas é "vírya", que H.P.B. traduz como energia indomável. É dito que uma pessoa que percorre o Caminho deve ser como um alpinista, que diz: "eu atinjo o topo da montanha ou, então, morrerei". O Caminho é árduo e muito inclinado. Ele pode ser rochoso e perigoso. Mas ele tem a forte determinação de seguir adiante. Por isso deve haver essa grande determinação e energia. Mas não deve haver nenhuma ambição nessa energia. Ambição significa dizer "eu quero isso para mim; eu quero atingir o topo; eu quero alcançar, eu quero tornar-me algo". Será que pode haver energia sem esse "eu"?

O paradoxo aponta para o fato de que essa energia existe e o discípulo deve encontrá-la. Sendo assim, existem alguns paradoxos em Luz no Caminho. E o paradoxo não pode ser resolvido pela mente inferior. A mente inferior só poderá ver contradição em tudo isso. Mas a percepção interna da qual nós falamos, e que chamamos intuição, pode entender que não existe contradição no

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paradoxo.

Tudo o que eu disse é apenas preliminar para mostrar que aquele que quer estudar Luz no Caminho, aquele que quer entender as verdadeiras instruções em Luz no Caminho deve procurar acumular toda a energia dentro dele mesmo. tem de trabalhar muito.

H.P.B. diz que Teosofia, no verdadeiro sentido da palavra, não é para pessoas preguiçosas e, certamente que o Caminho também não o é. Existem descobertas maravilhosas a serem feitas nesse Caminho, porém elas não vêm para aquelas pessoas que estão agarrando-se a coisas menores. Elas têm ce abandonar o menor para alcançar o maior, sem fazer qualquer condição. sem pedir nenhuma vez por recompensa. E esse é um outro paradoxo no Caminho, ou seja, de que a pessoa que não pede recompensa para si mesma é altamente recompensada Mas aquela que busca para si mesma descobre que não tem nada nas mãos.

Depois disso, vamos nos voltar para aquilo que é dito no livro.

Ele começa dizendo: "Estas regras foram escritas para todos os discípulos: Segue-as."

Essa é uma sentença muito importante (ela é um pouco diferente em inglês: "presta atenção a elas: dedica-te às regras"). E isso diz respeito àquilo que estávamos falando no começo. Essa frase "Presta atenção às regras" significa: recebe essas regras completamente no teu coração, não apenas em algum cantinho do teu cérebro. Recebê-las e se demorar um pouco considerando o que foi dito. Olhar para elas cuidadosamente, de todos os pontos de vista. Tentar descobrir o que está subjacente e não apenas na superfície.

Krishnamurti usou um exemplo muito bonito: ele disse: "Suponha que você tenha uma jóia muito bela e preciosa no seu bolso. Se você apenas a mantém no bolso, ela não tem qualquer valor; você poderia também manter ali uma pedra qualquer. É preciso que você pegue a jóia e olhe para ela; veja sua beleza; veja que cores maravilhosas brilham daquela jóia! Então, depois que você olhou e absorveu algo dela, aí sim você pode colocá-la de volta no bolso. Depois de algum tempo você tem que tirar de novo a pedra e sentir a beleza dela."

Quando você tem um ensinamento valioso é a mesma coisa que essa jóia. Você tem que recebê-lo, olhar para ele e ver o que ele tem para lhe mostrar. E quando dizemos "atente, preste atenção, considere as regras", significa tudo isso. A importância disso toma-se ainda mais clara porque o mesmo acontece em algumas páginas do livro.

Na primeira regra 'Mata a ambição", a explicação diz: "Mesmo quando essa primeira regra pareça tão fácil e singela, não a considereis levianamente." Se você passar por ela rapidamente deterá apenas o significado superficial. Essa sentença é como aquela jóia maravilhosa - você tem de mantê-la e considerá-la de vez em quando.

Novamente na outra página se diz, a respeito das duas próximas regras: "Fixa a tua atenção nelas e não te deixes enganar facilmente pelo teu próprio coração..." E mais adiante, na regra 17, que é: "Busque o Caminho", não passe para a frente rapidamente. Pare e considere por um tempo.' Portanto, muitas vezes isso é dito aqui. Mas vamos ver o que acontece conosco. Nós escutamos alguma coisa que é de grande valor do ponto de vista espiritual. Nós nos demoramos sobre ele? Nós damos

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uma pausa para meditar, para pensar? Nós vemos, com freqüência, quando alguma coisa é dita num grupo, logo depois outra pessoa já tem algo muito diferente para dizer. Rápido demais para fazer uma outra pergunta. Rápido demais para prosseguir em outra direção. Isso significa que não observamos direito o que foi dito primeiro. Não consideramos propriamente aquilo; imediatamente já estamos falando, considerando, murmurando sobre uma outra coisa. E isso não vai ajudar nesse tipo de trabalho. Por isso, antes de prosseguir vamos prestar atenção, considerar bem o que o Mestre quer dizer com essa expressão "Atenta, presta atenção, considera essas regras".

No livro Aos Pés do Mestre, que a maior parte de vocês deve conhecer, se diz que o Mestre nunca fala duas vezes. Ele dá uma instrução ou uma sugestão, e se você não recebe essa instrução está perdida. Não que ele não seja amável, e sim que ele não quer simplesmente lhe empurrar idéia alguma. A menos que você esteja naquele estado de mente e de coração que recebe e que olha, caso contrário o que Ele diz não será de nenhuma ajuda. E, portanto, ele não vai repetir a instrução e sim esperar até que você tenha produzido, trabalhado aquelas condições dentro de você. Portanto não vamos dizer: "sim, eu estou considerando essas regras". Talvez devamos considerar bem, pensar bem, tentar entender o que significa "prestar atenção à regra".

Devo dizer que se eu continuar nesse ritmo não vou conseguir cobrir mu to do livro. Mas é muito importante para nós estudarmos da forma correta, ao invés de simplesmente passar por muitas páginas.

Na parte preliminar existem quatro sentenças. Cada uma delas requer bastante atenção. Porém juntas elas apontam para aquele estado de recepção que foi mencionado anteriormente. A primeira sentença diz "Antes que os olhos possam ver, devem ser incapazes de lágrimas". Aqui também há um paradoxo. Isso não significa que nós devemos ter um coração duro, incapaz de derramar lágrimas por aqueles que sofrem. Mas c fato é que a maior parte de nós nunca derrama lágrimas pelos que sofrem. Podemos pensar que o fazemos, mas, com freqüência, as lágrimas são por nós mesmos. Quando alguém próximo de nós está sofrendo, sentimos pena. Podemos sentir dor porque a outra pessoa sofre e acreditamos que nos solidarizamos e sentimos compaixão por ela. Mas nós derramamos lágrimas apenas porque aquela outra pessoa nos é próxima.

Todo o mundo está sofrendo. Existe grande dor em toda parte. E nós nem sequer pensamos a respeito. Estamos, simplesmente, perdidos em nossa pequena vida de cosas pessoas, sentindo pena de nossos

problemas feitos por nós mesmos. Portanto, não derramamos lágrimas pelo sofrimento de outro: é apenas quando alguém está relacionado a nós, alguém que está próximo de nós, alguém de quem gostamos, que nós sentimos dor. Porém quando se trata de alguém distante, em alguma parte do mundo, então não sentimos nada. Portanto, de uma certa forma, de uma forma mais sutil, estamos chorando por nós mesmos.

Por que sou assim? Por que não tenho mais alegria? Por que não posso receber mais afeição? Por que a minha saúde não está melhor? Portanto, existe esta autopreocupação. Mas o discípulo que é receptivo aos ensinamentos deve começar a se liberar desse tipo de restrição. Ele deve aprender a não derramar lágrimas por si mesmo, e a escutar o chamado do mundo inteiro, que está em dor, que está em sofrimento. Não como uma teoria, não como uma insatisfação emocional e ocasional, mas de uma forma real, embasada em sua própria mente.

Suponho que vocês leram algo a respeito da vida de Buda. Buda significa "o Iluminado', "o

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Desperto". Existem muitas dúvidas se a sua vida é histórica mesmo, pelo menos em todos os seus detalhes. Mas ela mostra a alegoria de um homem. A história diz que Buda viveu em um palácio muito belo, rodeado de jardins maravilhosos. Ele tinha tudo que um príncipe podia ter: uma família muito bonita; todos os confortos: todo mundo era agradável com ele e ele viveu dessa forma por muitos anos. Mas, então, o vento trouxe a ele um som. E nesse som ele ouviu algo a respeito da dor. E ele se tornou perturbado com aquilo. Mas continuou a viver dentro do palácio, rodeado por jardins. Outra vez veio o chamado, e ele começou a escutar que o mundo inteiro estava chorando. Então ele abandonou o palácio e foi buscar sabedoria. Simplificando a história, existe a condição humana: o palácio e os jardins são as nossas preocupações pessoais, o nosso estado de esquecimento, onde as coisas que interessam são o nosso próprio conforto e prazer, a afeição que nós recebemos e daí por diante. Então vivemos esquecidos de tudo o mais. Ocasionalmente podemos escutar o choro de dor que vem de fora. Muitas vezes podemos chorar porque o nosso próprio conforto está perturbado, que pode ser tanto o conforto físico quanto o psicológico. Um dia chega a hora em que escutamos algo vindo do mundo, de fora. Porém, logo depois nos afundamos de novo em nossas próprias preocupações. Portanto, ser incapaz de lágrimas significa se levantar acima desse estado de esquecimento, estado onde tudo o que interessa, o que importa é a nossa própria felicidade, o nosso próprio bem-estar e satisfação. Mesmo se pensarmos a respeito de outra coisa, acabamos voltando para esse esta

do. Mas nós temos que sair dessa condição.

A outra sentença que segue fala de algo que é similar. Como eu disse, se formos analisar cada uma em detalhes não passaremos de sete páginas nesses sete dias, ou talvez nem mesmo isso. Nós temos que examinar essas sentenças em nossas casas, quando formos embora depois.

"Antes que o ouvido possa ouvir, deve ter perdido a sensibilidade", diz a próxima sentença Aqui também temos que entender de forma correta; isso não significa que não devemos escutar de forma apropriada. Por outro lado, temos que escutar com muita atenção. Mas existe um tipo de sensibilidade que surge da autopreocupação. Por exemplo: suponha que uma pessoa esteja um pouco cansada e naquela hora ela nos diz alguma coisa dura ou desagradável. Por quanto tempo essas palavras se repetem em nossa mente? Escutamos essas palavras repetidamente e interpretamos de forma que repitam a dor que tivemos ao escutá-las. Tentamos descobrir qual motivo a pessoa teve para dizer aquilo e, neste caso, muita energia é desperdiçada neste tipo de escutar, ou de prestar atenção a coisas inúteis. Alguém conta uma história sobre outra pessoa e nós recebemos avidamente aquilo; repetimos, passando a história para outras pessoas. Ou seja, muito do que escutamos é inútil ou danoso, e coloca a nossa própria mente em confusão. Mas acreditamos que tudo isso é atividade normal.

Perder a sensibilidade à maledicência. Ele deve tornar-se insensível aos insultos que machucam, pois essas coisas não têm importância. Krishnamurti costumava dizer: 'pode você viver sem um único sofrimento, uma mágoa?" Alguém diz algo: "Por que é necessário levar adiante isso? Prosseguir causando mágoas a outras pessoas através da repetição eterna disso?" Portanto, será que nossos ouvidos podem parar de escutar esse tipo de coisa? E se os ouvidos se tomam insensíveis a isso, eles se tornam altamente sensíveis a outras coisas e isso também é um paradoxo. Porque dentro da consciência não existe nada que seja inútil, não existe confusão, não existe torvelinho de pensamentos: existe claridade, existe espaço, pois se estamos em confusão não podemos ser receptivos. Se a mente está o tempo todo dizendo todo tipo de coisas, como ela pode escutar? E, portanto, antes que o ouvido possa ouvir, deve ter perdido a sensibilidade.

Igualmente, na próxima frase: "Antes que a voz possa falar em presença dos Mestres, deve ter

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perdido a possibilidade de ferir." Eu gostaria de analisar isso, mas as pessoas devem fazer isso por si mesmas.

"Antes que a alma possa erguer-se na presença dos Mestres, é necessário que seus pés tenham sido lavados no sangue do coração." Essa é uma sentença difícil de ser entendida. Talvez ela signifique que a personalidade deve começar a se desintegrar. A personalidade foi cultuada, foi construída através de muitas encarnações. A personalidade é a natureza exterior do homem, portanto, ela é como os pés e ela deve ter um fim. É a mesma coisa do que dizer que ela deve ser lavada no sangue do coração. É apenas quando o discípulo começa a se purificar dessa forma que ele dá sua atenção completa aos ensinamentos. Isso não significa que as pessoas se tornaram perfeitas assim, pois se você tivesse se tornado perfeito não haveria necessidade de qualquer ensinamento. Mas você deve começar a purificar a sua visão, sua audição e a sua natureza completa - isso foi dito em muitas tradições espirituais. Na tradição Vedanta da Índia se diz: "Antes que a pessoa possa ir a um Mestre espiritual, ela deve preparar-se." E como é que se faz isso? Faz-se adquirindo as qualificações que são dadas no Livro Aos Pés do Mestre. Isso não significa que ele atinja uma perfeita 'viveka', uma perfeita "Vayragya". Mas ele deve ter feito já algum começo antes de procurar o Mestre, pois ele compreende a importância dessas coisas. Portanto, o início deve partir do discípulo, depois o Mestre pode ajudar. Porém a maior parte das pessoas não quer fazer esse começo. Queremos viver dentro do nosso mundo, da nossa auto-satisfação, queremos que algum Mestre espiritual ou guru venha e comece o trabalho, mas isso não pode ocorrer. Temos que aprender de um forma dolorosa, se não começarmos a fazer um esforço agora? Estudaremos isso quando chegarmos a primeira regra: "Mata a ambição."

Pergunta: O que significa "Falar na presença dos Mestres"?

Resposta: "Falar na presença dos Mestres" pode significar começar a se comunicar com eles. Uma pessoa pode estar em frente a um grande instrutor espiritual e ainda assim não estar em presença daquela pessoa, pois a pessoa sábia não é. só aquele corpo físico: ela não é a sua aparência exterior. mas, sim, o seu estado de consciência no qual existe a Sabedoria. É claro que, externamente, pode-se falar o que quiser na frente de um homem sábio. Possivelmente é o que faria a maior parte de nós. Suponhamos que, agora mesmo. encontrássemos uma pessoa iluminada. Talvez não pudéssemos lucrar nada com isso. Provavelmente faríamos algum comentário comum e superficial, assim como fazemos entre nós. Podemos não ser capazes de fazer uma Pergunta: que realmente valha a pena. pois o nosso próprio modo de vida tem sido tão superficial' Agias se essas sentenças são entendidas e nós já começamos a purificar a nossa natureza interna, então estamos mais em contato e afinados com ele.

O que significa o poder de ferir da voz? É a personalidade que é tão fale, que é cheia de orgulho e, por isso, fere os outros. Ou, então, é ambiciosa, quer algo e, por isso, fere alguém. Enquanto o eu, o self, é tão forte ele fere. O Mestre é uma pessoa onde esse tipo de coisa não existe mais. E, por isso, não podemos nos comunicar com ele; podemos estar na frente dele e não estar em sua presença, o que é uma coisa diferente. Mas, quando a personalidade começa a se tomar subordinada, o que é o mesmo que dizer que quando existe pureza crescendo internamente, aí se pode falar com o Mestre e comunicar-se pelo menos um pouco.

Em todos esses ensinamentos podem existir outros, ainda. C.W. Leadbeater diz na introdução que o livro pode conter instruções mesmo num estado muito avançado. Ou seja, pode haver muito mais relacionado do que se tentou aqui explicar. O que se está dizendo é apenas um entendimento particular do livro. Se você meditar a respeito de tudo isso poderá, possivelmente, encontrar significados posteriores.

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Pergunta: Poderia desenvolver mais sobre "os pés tenham sido lavados no sangue do coração"?

Resposta: Como eu disse, essas sentenças podem ter muitas camadas de significado. Já dissemos o que significaria, o que é a presença do Mestre. Estar na presença do Mestre não é a mesma coisa do que encontrá-lo fisicamente, ou astralmente, com seus corpos físico ou astral, se é que ele tem tais corpos; isso significa estar consciente de algo da sua natureza e, apenas então, você está em sua presença, sob a sua influência. Aí você compreende algo dessa divindade, que é parte de sua natureza.

Existe uma pequena diferença entre o que está na frase anterior e nesta, pois na frase anterior é dito: "Antes que a voz possa falar em presença dos Mestres e na outra frase: "Antes que a alma possa erguer-se na presença dos Mestres". Talvez o que se queira dizer é que deve haver um contato mais estreito, mais íntimo. É possível estar na presença, vislumbrar algo daquela natureza e depois se afastar dela. Porém, erguer-se na presença dos Mestres significa um relacionamento mais estável. (É porque em Português a palavra é erguer-se, mas deveria ser "permanecer", "chegar e ficar lá"). Para tal ocorrer, os pés devem ter sido lavados no sangue do coração.

Essa é uma frase muito difícil de ser entendida. Já foi dito que talvez ela queira dizer que a personalidade deve começar a se desintegrar.

Quando a personalidade começa a ser morta causa na pessoa uma série de sofrimentos. Tente fazer de uma forma menor e você perceberá. Sentimos orgulho surgindo dentre de nós, e percebemos que ele pertence à personalidade e não à natureza real, que é a natureza divina dentro de nós. Coloque esse orgulho de lado e verá que tal atitude requer uma luta. E é sobre isto que o Baghavad Gita começa tratando.

A Dra. Besant explica na sua introdução que: Aluna é o discípulo e Krisnha é a sua natureza superior, o Instrutor. Não existe diferença entre o Instrutor e a nossa própria natureza interna, natureza de Cristo dentro de nós. Aluna tem que lutar contra todas aquelas pessoas com as quais ele estava intimamente ligado. O livro diz de forma poética que ele teve que lutar contra seus primos, tios, professores ou instrutores. Ele achou tão difícil que, em certo ponto, disse que não iria lutar. Quem são os tios, primos e todos esses? Todos eles são os hábitos, as tendências, as características da personalidade que nós construímos. Suponha que eu tenha construído o orgulho dentro de mim; deste modo eu me tomo familiar comigo mesmo e com o meu orgulho. Eu acho que o orgulho é parte de mim mesmo. E o pior disso é que a maior parte das pessoas diz: "eu sou assim e não posso fazer nada". Portanto, é muito difícil lutar contra aquilo a que nós já nos acostumamos, com aquilo que já nos tornamos apegados. Posso ter-me tomado apegado a minha própria imagem; posso pensar que pertenço a uma família muito boa. E sem essa imagem eu sinto que não sou a mesma. Mas o que é a família nessa atual encarnação? Ninguém se toma mais virtuoso por causa da família na qual nasceu.

Portanto, lutar contra esse apego a tudo quanto é familiar é muito difícil. Como Arjuna, podemos desistir e dizer que abandonamos a luta. Mas, é preciso lutar e derramar sangue. Não fisicamente, não como uma forma de agressão, mas é a luta contra todas as ilusões que existem na personalidade. Porque a luta é dura, traz então esse tipo de dor, de mágoa, de sofrimento, que dá origem a esse tipo de frase como "lavado no sangue do coração".

Pergunta: O livro diz que as regras são dirigidas a discípulos. Os comentários que a Sra. Radha

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Burnier fez na Escola de Verão da Argentina, há alguns anos atrás, enfatizou que o discípulo é aquele que aprende? Em um texto budista antigo, é dito que Bodhicitta, a reta motivação, é a única coisa que conduz à Senda. Aprender a aprender é aprender que nós não somos um eu, um ego separado dos outros?

Resposta: Diz-se que etimologicamente as palavras discípulo, assim como disciplina, tem o significado de aprendizado, aprender. Aprender e uma coisa muito difícil. Eu não quero dizer aprender mahamática ou aprender francês ou algo deste gênero, mas aprender sobre a vida. A vida é muito misteriosa, muito profunda, sem limites, e contém extraordinários significados. O seu coração é a paz. Como descobrir tudo isso? O propósito que está na vida? Um dos Adeptos d¢ que tudo na existência individual, assim como na existência global, tem um significado latente e um propósito oculto. Ele está lá num pequeno inseto; está na pessoa de quem nós não gostamos. Talvez esteja nas próprias circunstâncias pelas quais nós somos compelidos a viver. Este significado e este propósito estão em toda parte, no movimento da vida. E é preciso aprender a respeito disto. Mas com freqüência pensamos que já o descobrimos. Devemos converter a vida, transforma-la em alguma outra coisa. Também pensamos que devemos converter a nós mesmos em uma outra coisa, ao invés de tentar descobrir aquele significado e aquele propósito dentro de nós mesmos, dentro da nossa própria natureza. E ficamos satisfeitos sem tentar aprender. E é isso que eu quis dizer quando falei em aprender a aprender. Aprenda que existe algo para ser aprendido. De fato, há alguma coisa muito importante, grande, para ser aprendida que é o sentido completo e natureza da vida. O bodhicitta é conectado com isso. Bodhi é similar a Buda; é um estado de consciência no qual existe compreensão, no qual existe consciência, percepção do significado, da beleza do que estávamos falando. Portanto, esse Bodhicitta só pode vir quando a mente está aberta, se ela está aprendendo, se ela tem a humildade de tentar perceber o que está na vida, e não está cheia de autovontades como "eu quero fazer isso, eu quero tomar-me algo, eu quero converter outras pessoas de acordo com as minhas idéias". E é, portanto, esse estado de mente que é chamado Bodhicitta, que é um estado sensível de mente. cheio de harmonia e compreensão, que vem dessa abordagem que podemos chamar de aprender.

Pergunta: Basicamente, tenho observado algumas dificuldades que as pessoas encontram em trilhar uma busca espiritual. Algumas pessoas, por exemplo, julgam que a evolução espiritual é uma coisa inatingível e dizem: "vou deixar para uma outra vida". Outras pessoas, ao contrário, começam a enfrentar o sofrimento decorrente da tomada de consciência de estar consciente da dificuldade, e nesse estado parecem que se identificam com o sofrimento e não conseguem transcender ou cessar o sofrimento. Outras pessoas, por outro lado, oscilam entre esses dois extremos. A Sra. Radha Burnier teria alguma idéia, alguma sugestão para cada tipo de abordagem?

Resposta: Não se pode resolver os problemas de outra pessoa. Se uma outra pessoa está oscilando entre isso ou aquilo, você não pode fazer nada a respeito. Nós podemos ver o que está acontecendo e isso é tudo. Mas o importante é descobrir o que está acontecendo dentro de uma alma, dentro de uma mente. E, talvez, isso também esteja acontecendo dentro de uma alma, dentro de uma mente. E, talvez, isso também esteja acontecendo dentro da mente daquele que olha. Então, comece aí. Se você não puder resolver dentro de sua própria mente, então não poderá ajudar a outra pessoa. Não é verdade que as pessoas vejam e digam: "eu não posso fazê-lo". Não é verdade que elas querem fazer, mas não podem fazer. Uma pessoa que realmente quer mudar, muda. Uma pessoa que, realmente, quer parar de fumar, para de fumar. Eu ouvi vários médicos dizendo isso. Existem pessoas que dizem que fumar é ruim, causa câncer, etc, e portanto, vão tentar parar de fumar. Isso significa que a mente está num estado de incerteza, ela não vê com clareza que é danoso fumar. A mente diz: "é perigoso, faz mal, mas, também, há prazer associado e eu não sei o que prefiro". As pessoas que vêem, com clareza, que é perigoso, que faz mal, então

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decidem e param. E é isso que estávamos falando no nosso estudo. E é isso, também, que estávamos tentando olhar na nossa meditação da manhã.

Se vemos que o egoísmo é a raiz do sofrimento, não o meu egoísmo ou o seu egoísmo, mas o egoísmo, e o egoísmo como tal é a causa do sofrimento. Se nós vemos isso, então comecemos a trabalhar nisso. Mas, se nós não vemos que existe sofrimento, aí dizemos: "sim, existe sofrimento, mas eu também tenho prazer, afinal de contas o mundo é muito bonito". Então, nós não queremos ver o outro lado. Então, não queremos ver que, por séculos e milênios, a humanidade tem vivido de uma forma trágica. E, se vemos isso, começamos a perguntar qual é a causa. E vemos que a causa se encontra no estado da mente. Se vemos isso, fazemos algo a respeito. De outra forma nós estamos em dúvida. Daí uma pessoa dizer que: "eu vejo isso". É por isso que é necessário ponderar e meditar bastante, para converter o que podemos estar pensando a respeito e ver realmente o real. Transformar meras idéias em convicções, tudo isso deve ser trazido para dentro de nós mesmos. E não importa o que as outras pessoas são, sob esse ponto de vista.

(*) Radha Burnier, presidente internacional da Sociedade Teosófica.

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LUZ NO CAMINHO* Radha Burnier

Segunda Conferência da Sra. Radha Burnier sobre "Luz no Caminho".

Nós nos aproximamos da primeira das regras que diz: "Mata a ambição". Existem muitas pessoas no mundo lutando amargamente pelo poder, lutando pelo sucesso, competindo pelo dinheiro, querendo supremacia. Se vocês disserem para elas: "Mata a ambição", isso não vai ter significado algum. Nós não podemos estar nessa categoria. A nossa vida, por muito tempo, tem sido uma vida de ambição, numa pequena escala, talvez. E se é dito: "você não deve ter ambição", nós podemos também não entender. Alguns podem dizer. "eu tenho o propósito de substituir uma ambição por uma outra melhor. É bom se desejar coisas superiores e não inferiores". Mas esta regra diz categoricamente: "Mata a ambição". Para ser capaz de entender o seu significado é necessário uma preparação e é sobre isso que nós estávamos falando ontem.

A não ser que uma pessoa tenha, até um certo ponto, se observado a si própria e observado que o seu poder de percepção foi reduzido, em vista da sua autopreocupação, que o seu poder de ouvir e extrair o significado está obstruído pela sua insensibilidade; que a sua personalidade é muito forte para que possa entender o significado da vida. A não ser que tenha chegado ao ponto de poder ver isso, pelo menos, numa pequena escala, a não ser que consiga, pelo menos, ter começado a erradicar essas preocupações pessoais, esta regra, assim como aquelas que a seguem, não conseguirá traduzir o seu verdadeiro significado.

Antes que seja possível escutar o ensinamento espiritual, cada pessoa deve preparar a si própria até um certo ponto, ao menos. Nós não estamos dizendo que é preciso tomar-se um indivíduo perfeito. Ontem à noite, alguém veio até a mim e perguntou: "isso quer dizer que 24 horas por dia eu devo viver sem o 'eu'?" Não estamos querendo dizer isso, mas nós devemos ter começado a dar um passo ou dois na direção correta. À medida em que começamos passo a passo, a nossa compreensão dos ensinamentos cresce. À medida em que tentamos praticar aquilo que nós já entendemos, a capacidade de conhecer mais toma-se ainda maior e é isso que é dito na introdução. A introdução diz que a não ser que ele seja capaz de viver os ensinamentos, ele não será capaz de compreendê-los. Se ele não pratica o livro, então será como um livro selado para ele. Ele achará que o livro é não-prático e sem utilidade. Isso acontece com a maior parte das pessoas que ouvem as palavras 'Mata a ambição". Elas irão verificar que a expressão não é prática, portanto, inútil. Como é possível viver sem ambição num mundo onde todos estão competindo? Um grupo de estudantes perguntou a Krishnamurti justamente essa questão: "se eu seguir esse ensinamento não conseguirei sobreviver". E Krishnamurti disse: "Não sobreviva, então:' Porque o que nós queremos dizer com sobreviver? Significa ter um pouco mais, mais dinheiro, melhor posição e assim por diante. Mas, se nós não dermos importância a essas coisas, não morreremos. Talvez tenhamos um pouco menos de dinheiro que teríamos de outra forma. Talvez tenhamos que viver uma vida mais simples, mas podemos crescer de uma maneira melhor, internamente. Então, é um erro pensar que não é possível viver sem ambição. A Bíblia diz "aquele que perder a sua vida, encontra a vida

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eterna. "Então esse tipo de sobrevivência quer dizer que nós morremos espiritualmente, mas nós não agüentamos viver dessa maneira, através da ambição, competição, etc. Nós podemos encontrar uma nova vida, que é mais gloriosa e mais feliz.

Vamos seguir para a nota que existe sobre esta regra. "A ambição é o primeiro defeito, a grande tentadora do homem, que se eleva acima de seus semelhantes. É a forma mais simples de procurar a recompensa. É ela que, continuamente, desvia o homem de suas possibilidades superiores. Entretanto, é um instrutor necessário. Os seus resultados convertem-se em pó e cinza na boca; como a morte e o retraimento, demonstra, finalmente, ao homem, que trabalhar para si é trabalhar para uma decepção inevitável. Porém, mesmo quando esta primeira regra pareça tão fácil e singela, não a considereis levianamente, porque estes vícios do homem ordinário sofrem uma transformação sutil e reaparecem sob outro aspecto no coração do, discípulo." É um instrutor necessário, significa que durante um longo período de vida é parte da vida de todas as pessoas. Madame Blavatsky menciona em A Doutrina Secreta que toda pessoa tem dentro de si o homem-animal e o homem-divino. Parte da pessoa a chama para as coisas materiais, cegando-a com as ilusões da vida material. Mas existe uma outra parte que a leva para a vida superior, não a deixa descansar até que ela tenha encontrado algo superior e eterno. A vida humana é a luta entre os dois.

Ontem nós mencionamos que o Baghavad Gita faz uma alegoria

dessa luta. O que é esse homem-animal? E aquilo que herdamos através do nosso sistema físico, e a mente que se desenvolveu através da vida ra corpo físico, através de várias eras, através de encarnações.

Se olharmos para a vida de um animal médio - não aquele animal que foi colocado numa jaula para satisfazer o homem: estas pequenas criaturas que são aprisionadas pelo homem não têm nenhuma chance, os seres humanos estão prejudicando estes animais, não só fisicamente, mas no seu crescimento natural. Mas os animais, os pássaros, etc., que nascem sob condições naturais têm que desenvolver certos instintos. Vamos imaginar, por exemplo, um pequeno veado na floresta. Quando nasce ele é inocente, não conhece nada. Mas ele aprende com sua mãe quem é o inimigo; qual o cheiro do inimigo; de que direção o vento pode trazer aquele cheiro. Ele aprende que pode viver calmamente quando existe um animal amigo. Aprende a separar o amigo do inimigo. Ele tem de sobreviver, então demarca seu território. Vocês sabem que um animal não deve entrar no território de outro animal, sem que haja uma disputa sobre isso. Eles têm suas próprias regras. Como vimos, várias tendências são desenvolvidas desde aquele estágio primário, no sistema físico. O desejo da sobrevivência significa obter a comida a todo custo, dominando o que existe ao redor, distinguindo o amigo do inimigo. Tudo isso faz parte do nosso cérebro, porque ele tem um passado biológico.

Krishnamurti comumente dizia que o cérebro tem uma idade milenar. E esse é o cérebro animal, com todas as tendências, tornadas ainda piores pelos nossos poderes mentais, porque o animal faz tudo isto inocentemente, instintivamente, quando é necessário para a sua sobrevivência. Mas o ser humano carrega esta mesma tendência, esta mesma ação mecânica no seu cérebro. Mas ele a colocou a serviço do seu pensamento.

Superar o semelhante é algo que vem de um passado muito longínquo, uma tendência já cultivada. Isso significa não dar importância ao que ocorre aos outros. Na vida humana, ele tem de aprender que essa não é a maneira a ser seguida. Ele tem de deixar para trás a sua herança animal. 0 cérebro velho tem de morrer. 0 melhor da mente tem de entrar no coração do ser humano. No início

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o ser humano não aprende isto através da inteligência, mas pelo processo inevitável do chama. Então ele tem a ambição de conseguir mais que as outras pessoas. E isto é comumente algo sem sentido. Nós sabemos de pessoas como o Sr. Ferdinando Marcos. que tinha sapatos para usar todos os dias, por sete anos, Mas esse desejo de ter sempre mais é algo totalmente irracional: é uma busca mecânica que nós deixamos que viesse a crescer.

Nas pessoas, essa busca mecânica existe num grau menor ou maior. Nós talvez venhamos a coletar uma série de objetos que não precisamos e colocamos no nosso quarto. Talvez venhamos a acumular uma série de idéias e informações e carregamos nosso cérebro com todas estas informações. Talvez nós tentemos recolher a apreciação de todos, reconhecimento de todos e concordando com todos. Algumas pessoas concordam com a pessoa "A" que fala uma coisa e com a pessoa "B" que diz o oposto, porque querem a aprovação de ambos. Assim existe ambição por coisas mais diversas. Pela aprovação, apreciação, por dinheiro, por informação. Existe uma ganância contínua e nós nos apegamos a uma variedade de coisas, a pessoas, a certas condições, a objetos e assim por diante. E o que o carma ensina é que tudo isto transforma-se em poeira e cinza. A pessoa segue buscando poder ou dinheiro, e sua ambição a torna muito bem sucedida. Mas de repente ela percebe que com todo esse dinheiro e poder, ela está só; ninguém liga para ela, porque ela é daquela forma; ela não tem amigos; as pessoas às quais ela se apega morrem. Essas coisas acontecem na realidade. Então, de alguma forma, na sua consciência, uma pequena mudança ocorre. Ela descobre que aquele poder e dinheiro não trouxeram, na realidade, felicidade, nem mesmo o verdadeiro sentimento de segurança. Porém, mesmo assim ela continua buscando dinheiro e poder, e novamente o mesmo ocorre. E através desse processo doloroso, ela finalmente descobre que essas coisas não têm valor.

Talvez nós tenhamos percebido que o dinheiro e o poder não têm muito significado, mas aquela busca, aquele impulso pode continuar a existir dentro de nós. Nós desfrutamos um certo poder sobre os nossos filhos ou sobre algumas pessoas que vivem próximas de nós. Nós podemos ainda estar apegados a pequenos objetos que possuímos. Se isto existe de um modo pequeno, como uma semente, pode, de repente, crescer para algo muito grande, quando a oportunidade aparece.

Muitos de nós acreditamos que a tentação está do lado de fora Quando aparece uma mulher muito bonita, o homem é tentando a agir errado. Quando existem objetos tentadores, bonitos, busca-se mais e mais deles. Se existe um bolo maravilhoso, nós somos tentados a comê-lo, mas a tentação não está nos objetos, no bolo ou na mulher, está, apenas, na mente. Se aquele desejo de obter está na mente, se existe o desejo de obter sensação, excitação, sempre aparecerão objetos e circunstâncias para oferecer uma tentação. Assim nunca é possível escapar da tentação. O que pode ser feito é esvaziar a mente do desejo. Isto é o que o processo do carma ensina

A Dra. Besant foi, por longo tempo, presidente mundial da ST e também uma pessoa muito sábia Ela indicava o seguinte: existem experiências típicas que todos têm que passar. Por exemplo, a experiência da perda Se uma pessoa perde dinheiro, talvez na Bolsa de Valores, daí ela diz: 'é preciso aprender ser mais astuto na Bolsa de Valores. Se uma pessoa perde algumas coisas porque o ladrão entrou em casa, então, ela diz: "Preciso tomar a minha residência mais segura'. Uma pessoa perde a afeição de outro indivíduo, então ela diz: "Buscarei outra pessoa que possa substituir essa afeição". E ela perde a afeição pela segunda vez: "Então eu tentarei esquecer buscando algum tipo de distração". Nós pensamos que todas estas experiências são diferentes e que nós precisamos buscar soluções diferentes para cada uma delas. No caso, tornamos a casa mais segura, no outro caso buscamos uma distração e assim por diante. Nós todos passamos pela mesma experiência: a experiência da perda de alguma coisa: perder afeição, perder dinheiro, perder reputação etc. O carma vai trazer de volta esta experiência numa variedade muito grande de

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formas, até que a pessoa perceba que o apego é a causa da dor e não mais se tome apegada a nada, que não é a mesma coisa que não ter afeição ou amor, é justamente o contrário, porque uma pessoa que está apegada exige atenção, exige reciprocidade e muitas outras coisas. Quando existe verdadeira afeição ou amor, não existe nenhuma exigência. É o dar puro. Assim a pessoa que está apegada não pode ter amor. O amor é muito maior e muito mais feliz do que o apego. Então, o carma ensina que as pessoas devem se livrar desse apego e devem devora mente onde o amor possa florescer.

O carma, por um novo processo, ensina às pessoas a não serem ambiciosas para obter as coisas. É um processo doloroso. A pessoa não quer aprender de uma forma inteligente e rápida, mas chega um momento em que a pessoa já refletiu sobre isto. A beleza da vida humana é que nós podemos entender observando a vida a nossa volta. Não precisamos tomar-nos pessoas drogadas para descobrir que isso é muito ruim. Nem precisamos ver os drogados; lemos sobre isso e nunca vamos aproximar-nos da droga.

Se fôssemos inteligentes, perceberíamos que a ambição não traz nada que valha realmente a pena, que seja verdadeiro. Este é o caminho para a verdadeira felicidade. As pessoas que se tomam apegadas sofrem. As pessoas bem-sucedidas são muitas vezes tristes, miseráveis.

Então, vamos colocar de lado todo tipo de ambição. E o carma traz a pessoa até este ponto e este é o único da Senda. Não que o seio da ambição tenha sido varrido completamente do interior da pessoa. Mas a sua mente já lhe mostrou que o mais razoável a se fazer é colocar de lado a ambição.

"Porém, mesmo quando esta primeira regra pareça tão fácil e singela, não a considereis levianamente, porque estes vícios do homem ordinário sofrem uma transformação sutil e reaparecem sob outro aspecto do coração do discípulo. É fácil dizer. "Não serei ambicioso", mas não o é tanto dizer. "Quando o Mestre ler meu coração encontra-lo-á limpo de toda mancha". O artista puro, que trabalha por amor a sua obra, está algumas vezes mais firmemente colocado no verdadeiro Caminho, do que o ocultista que imagina haver apartado de si o interesse próprio, porém, na realidade apenas alargou os limites da experiência do desejo e transferiu seus interesses a coisas relacionadas com a sua maior expansão de vida."

Talvez alguns de nós não tenhamos chegado ainda a esse ponto, porque ainda somos ambiciosos por coisas comuns, ainda apegados a objetos sem sentido e temporais. As pessoas físicas que nós vemos também são objetos temporais, mas, pelo menos, visualizamos a direção. E à medida em que prosseguimos, talvez a ambição não tenha formas tão densas, ela se torna mais sutil. Pode haver ambição pelas experiências espirituais, que leva um número muito grande de pessoas a falsos gurus, para finalmente perceberem que não receberam nada Pode haver ambição de se obter algum tipo diferente de experiência, no plano espiritual. Pode haver ambição de ser diferente de outras pessoas, se colocando num nível espiritual superior. E também o desejo de obter favores do instrutor. Assim a ambição pode tornar-se diferente, mas, na sua substância, a ambição pode permanecer a mesma. Pode haver um nível muito alto de decepção em tudo isso. A pessoa pode dizer: "eu não tenho ambição por nada, eu estou trabalhando por uma causa, por uma organização." Ela transforma a causa ou a organização em uma projeção da sua ambição. Então, no final, tudo é a mesma coisa. É necessário aprender essas formas mais sutis de ambição que chegam até nós.

Está dito que o artista puro, que trabalha pelo amor da sua obra, está no caminho correto mais que o assim-chamado ocultista. Existem, muito poucos artistas que assim o fazem, a maior parte deles

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são mundanos e ambiciosos, cheios de seu próprio eu. Mas nós podemos compreender o que está dito aqui. Pode haver amor a obra pela própria obra. É possível se amar alguma coisa pela própria beleza que está nela embutida, não porque aquilo precisa ser feito e não porque vai trazer alguma recompensa, uma recompensa no nível material ou no nível psicológico. Esse é um dos ensinamentos mais importantes do Baghavad Gita, aprender a agir sem buscar o fruto da ação, e sim porque a ação é correta e aquele trabalho precisa ser feito. Um estado de coração e mente, onde não existe nada pessoal, nenhuma busca egoísta, tanto no nível sutil como no nível mais óbvio.

Vamos refletir sobre essas regras. Está dito: "não te deixes enganar facilmente pelo teu próprio coração". Se a pessoa não estiver determinante honesta consigo própria, encarando a si própria cara a cara, é impossível se prosseguir no Caminho, na Senda. Porque vai apenas parecer que ela está progredindo, mas o egoísmo e a ambição dentro de si permanecerá e quando a oportunidade aparecer isto fará com que ela caia. E isto é demonstrado nas vidas de Jesus e Buda, que eu acho que podem ser alegóricas. Dizem que o primo de Buda - Devadata - era um dos monges que ficava a sua volta. Ele parecia estar recebendo os ensinamentos de Buda. Mas quando Buda se tomou mais velho, Devadata disse-lhe: "Você já está muito velho, você deve, então, se aposentar e deixe que eu tome seu lugar'. Então a sua ambição tomou conta de si e arruinou o trabalho que vinha sendo feito. Como pode ocorrer o fato de Judas estar tão próximo de Cristo? Ele tinha que estar tão diluído, de alguma forma, senão não estaria tão próximo de Cristo. Mas o mal que estava oculto dentro dele subitamente surgiu. Este é o aviso alegórico que eu mencionava e existem muitos outros exemplos como este.

Aquele que quer seguir a Senda não se deve enganar, deve observar a si próprio com muito cuidado, com muita honestidade. Existe segurança na conscientização de que o egoísmo pode sempre aparecer como uma erva daninha. Você tem uma certa porção de terreno e remove com todo cuidado as ervas daninhas, mas sempre novas ervas surgem. Se você não estiver continuamente removendo as novas ervas, outras virão. Assim, as sementes da ambição estão na mente, e é necessário estar continuamente atento, para remover estas ervas na medida em que elas apareçam. Preferencialmente antes que elas se tornem maiores. É por isso que está dito: "... pois agora, no linear, um erro pode remediar-se. Mas, se o levas contigo, crescerá e dará seus frutos (Isto provavelmente será uma planta e uma fruta ruim), e então terás que sofrer amargamente ao destruí-lo." Algo similar está dito em A Voz do Silêncio, também. O espelho de sua mente deve ser mantido limpo, constantemente, deve-se remover a poeira que é recolhida no vidro. À medida em que a poeira se

acumula, você deve limpá-la. Se você não limpar a casa durante alguns meses, ela se toma tão suja que fica muito difícil de ser limpa. Mas, se você regularmente estiver limpando, toma-se muito mais fácil. Se você mantiver a atenção constante sobre o seu ser, não vai criar poeira no espelho da mente, é muito mais fácil do que se você apenas a olha ocasionalmente, porque, então, você não saberá o que fazer.

Vamos seguir para as próximas duas regras e apenas lê-Ias, porque não haverá tempo suficiente para nos aprofundarmos nelas.

"Mata o desejo de viver." Mas "Respeita a vida como fazem os que a desejam." 'Mata o desejo de conforto". Mas "Sé tão feliz como os que v vem para a felicidade."

A isto está relacionada uma explicação que é paralela ao que nós já lemos. "Procura em teu

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coração a raiz do mal e arranca-a Esta raiz vive no coração do discípulo fervoroso, tanto quanto no do homem de desejos. Somente o forte pode destruí-Ia. O fraco tem que esperar o seu crescimento, sua frutificação e sua morte. É esta planta que vive e se desenvolve através das idades. Floresce quando o homem acumulou em si existências inumeráveis. Aquele que quiser entrar na senda do poder, deve arrancá-la de seu coração. E então do coração brotará sangue, e a vida toda do homem parecerá dissipar-se por completo."

O coração tem que sangrar nesse sentido, ou seja, que essa ambição, esse sentido do eu tem que ser arrancado. Mas é melhor não deixá-lo crescer dessa forma, mas começar o trabalho imediatamente. Temos que nos livrar de todos estes pequenos galhos e depois cortarmos todo o resto e ganharmos força para poder arrancar a raiz. Este trabalho está implícito na idéia "Mata o desejo de viver." "Mata o desejo pelo conforto." Porque este é o sentimento do eu presente, que tenta manter-se de todas as formas. Nós não podemos cometer suicídio, não é isso que está sendo dito. É correto se manter num estado de saúde, neste sentido o desejo pela vida é natural.

No entanto, o que nós pensamos que é a vida, na realidade, não é a vida. Por exemplo, pensamos que se não existe nenhuma excitação, não existe vida. Muitas pessoas têm um número muito grande de idéias e pensam que se abandonarem essas idéias estarão perdendo a sua vida. Então, as pessoas dão a si próprias uma certa identidade e, sem esta identidade, acham que a vida não tem sentido.

Similarmente nós nos identificamos com o nosso conforto - pode ser um conforto mental, não apenas um conforto físico. Se nos apegamos a uma ideologia, nos apegamos ao grupo que propaga tal ideologia e isso nos dá uma satisfação mental, no sentido de segurança de pertencer a este grupo. Mas esta ideologia pode ser estúpida, por isso que uma pessoa que nasce num país muçulmano adota a ideologia muçulmana; se nasce num país católico adota a ideologia católica; num país comunista se toma um comunista ardente. É o que há de mais fácil de se fazer. cair no padrão que está a nossa volta, sem examiná-lo. Isso dá um conforto psicológico e nós queremos que aquilo que nos dá uma certa segurança psicológica seja a verdade.

Perguntas: Ontem foi dito sobre aquela determinação de chegar lá, fazendo analogia com o alpinista, ou até de morrer, se for o caso. Como esta determinação, para nós, pode ser ou não ser ambição?

Resposta: Essa é uma questão importante, porque se nós não conseguirmos ver a diferença, vamos cair na decepção. Eis uma questão que foi tratada por várias escolas e instrutores espirituais. No Caminho óctuplo do Budismo, um dos elementos é o reto esforço. É o esforço ambição? O que é que o esforço significa? "Eu quero alcançar algo; eu quero ver um certo resultado do meu esforço". Mas, será que Buda estava ensinando algo errado? Krishnamurti, por exemplo, condenou o esforço e não foi o único, porque na Vedanta não se fala sobre esforço. Fala-se sobre a compreensão, sobre o conhecer. Mas existem trabalhos da Vedanta que dizem que nada pode ser alcançado no campo espiritual se não houver um esforço pessoal. Existe o uso da energia que vem através da compreensão. No livro Aos Pés do Mestre está dito que a primeira qualificação é o discernimento espiritual. Isto é viveka, é tentar verificar se aquilo que nós entendemos como verdadeiro, que vale a pena, se realmente é assim.

Eu alcancei aqui muitas idéias, por exemplo. Eu tenho que examinar qual o valor que existe nestas idéias. Será que vale a pena eu me tornar apegada a elas? Muito em breve terei que me afastar de todas. Porque, então, eu me coloco num estado de dependência em relação a elas? Isso não quer

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dizer que nós devemos renunciar a todas as coisas, mas, internamente, temos que reconhecer a relatividade de todas as coisas, dos objetos, do nosso estado mental, de nossas buscas. A partir deste examinar, não casualmente, a conseqüência natural é se abandonar todas essas coisas quando se percebe que elas não têm valor. E este estado que é descrito como segunda qualificação - Vairagya - que significa o não-apego.

Se você se afastar das coisas um pouco só, isto aumenta seu poder de discernimento, porque o apego é algo que obstrui, obscurece a mente e se você exerce o seu discernimento, vai cada vez mais se descartando dessas coisas inúteis. E isto coloca em movimento algo que vai numa direção nova Então, a ambição decresce até ao processo de se perceber o que é real do que é irreal. Como real quero dizer algo que é duradouro, eterno, algo que vai trazer verdadeira paz e felicidade. Por outro lado, nós passamos a observar a vida.

Ontem alguém me perguntou: "Você fala do sofrimento, e existe também a alegria? Não existe também beleza em toda parte?" É claro que existe a beleza e a alegria em tudo que existe a nossa volta, e esta beleza pertence a algo que é eterno. Não é a beleza do objeto, mas a beleza do eterno que se revela através do objeto. Se nós vermos desta forma não nos apegaremos no objeto, mas seremos atraídos por aquilo que está por trás do objeto e que é eterno.

Então essa determinação, que pode ser inclusive uma palavra errada, é uma clareza sobre a direção que estamos tomando. Nós deixamos de lado tudo aquilo que não tem valor supremo. Krishnamurti fala do estado onde não há escolha, porque, em sua linguagem, onde existe escolha, existe confusão. A mente diz: "Existe dinheiro, existe satisfação de todo tipo. Eu gosto de tudo isto. Estou apegado a isto. Se me afasto de tudo isto, tenho medo do que me acontecerá. Mas tudo ainda não me satisfaz. Estou frustrado; estou num processo doloroso. As pessoas dizem que existe algo mais. Ocasionalmente também sinto que existe algo diferente, um tipo diferente de felicidade, um novo relacionamento com a vida. E, talvez, isto me traga uma satisfação ainda maior do que essas coisas me trazem. Então me pergunto: devo escolher isso ou aquilo? Mas estou atraído por ambos. Eu quero ambos".

Krishnamurti então diz: "Isso é estado de confusão, de indecisão e não determinação". Mas quando a sua mente se tornou totalmente clara, através da observação e do uso da inteligência, todas essas coisas passam a ser vistas como sem sentido, sem uso, temporais e relativas. A verdadeira beleza, a verdadeira alegria, o verdadeiro significado está em outro lugar. Não existe escolha, a pessoa simplesmente segue naquela direção. A analogia do alpinista é interessante porque a montanha é algo tão sublime, tão supremo! Quando você vê o topo da montanha não há como escolher e você acaba seguindo aquele caminho. A diferença é que, no caso, o eu está trabalhando: "Eu quero isso. Isso me dá segurança'. No outro caso, o homem é que está mais em ação: apenas a beleza, a grandiosidade do que está na minha frente é que está me atraindo.

Está dito no livro que deve ser o eterno que atrai pela sua beleza, não o desejo de crescimento. É muito importante refletir sobre o que vale a pena e o que não vale a pena. o que é relativo e se existe algo que não é relativo: o que é transitório e o que não é transitório, porém eterno.

Pergunta: Existe uma passagem no texto que é particularmente interessante porque parece um pouco fatalista; é dito: "Somente o forte pode destruí-la (a raiz do mal). O fraco tem que esperar seu crescimento, sua frutificação e sua morte".

Resposta: Como nós dissemos ontem, essas sentenças podem ter várias camadas de significados,

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mas se nós tomarmos o seu significado em seu sentido mais simples, a pessoa que está mergulhada na vida, que está fazendo com que o processo mecânico do carena extinga alguma coisa em si, está esperando que esta coisa cresça e pelas batalhas do carena faz com que gradualmente ela morra. Não é necessário seguir esperando mais sofrimento e mais agonia. Nós podemos começar a refletir e esta reflexão já é em si o movimento em uma nova direção. Isto requer uma certa quantidade de força, de energia. Daí porque é tão difícil estudarmos algo que é de natureza mais profunda. Como é difícil onde se penetra mais profundamente, onde se leva mais tempo em cima de certos conceitos! E como é difícil traduzir em vivência aquelas coisas que nós compreendemos! Nós temos que reunir nossa força e fazê-lo, e se nós o fizermos seremos capazes de modificar o cursam do carena e o curso da própria vida.

As pessoas dizem: "Se as circunstâncias fossem diferentes eu poderia levar outro tipo de vida", essas pessoas não entendem. Mas o forte diz: "Eu começarei a levar um novo tipo de vida e as circunstâncias começarão a muda', porque assim estaremos usufruindo de nossas verdadeiras forças espirituais e isso faz com as circunstâncias mudem. O carma não é algo inalterável e fatalista. Podemos começar a liberar forças que modifiquem esse carena e se assim não o fizermos ele tomará o seu curso mecânico.

Pergunta: Eu só queria fazer um desdobramento da Pergunta: anterior que é o seguinte: é dito que essa planta da ambição nasce no coração e floresce através das idades e que só o forte pode combatê-la, e mais adiante que a ambição é um instrutor necessário. No esquema evolutivo. a ambição, o desejo. é algo inevitável?

Resposta: Alguns de vocês devem já ter ouvido sobre o Caminho da Ida e o Caminho do Retomo. Mesmo que vocês não tenham escutado sobre estes dois caminhos, devem ter escutado a história do filho pródigo, que saiu caminhando por toda parte, porém um dia decidiu voltar para a casa do Pai. É a mesma coisa: o caminho da descida, o caminho da saída, da exteriorização é sempre no sentido das coisas mais materiais. O envolvimento cada vez maior com as coisas do mundo - eis onde a ambição tem o seu lugar - é o instrutor necessário neste sentido, porque através da ambição existe o despertar da mente.

De acordo com os ensinamentos espirituais, a vida existe em toda parte. A pedra não é algo inanimado, é algo vivo. Cada átomo de matéria é vida, mas a vida está adormecida; a consciência que acompanha a vida está em latência. Existe um sufi famoso que diz: "A vida está dormindo no mineral, sonha no vegetal, desperta no animal e chega à plenitude no homem".

Na primeira fase da evolução humana, a ambição faz com que o ser busque a experiência e a variedade de experiências estimula as suas respostas, isto significa que a consciência, gradualmente, vai despertando do seu estado dormente. Mas está respondendo apenas às coisas materiais, o que leva um período muito longo. É claro que o tempo é uma ilusão, mas isto é um outro assunto.

Porém, chegando no ponto final, ele tem que retornar. E este retorno não tem nada a ver com a Resposta: às coisas externas; a Resposta: puramente às coisas materiais, mas sim responder à verdade que existe naquela natureza - este é o caminho de retorno. Retornar à verdade da qual tudo surgiu como manifestação. Eis uma guinada completa, um retorno de 180 graus.

Então qual é o sentido da ida, se nós temos que abandonar tudo isso e retornar outra vez? A ambição pode ser necessária na obtenção deste objetivo, mas o caminho real começa com o

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retomo. Nós temos que, gradualmente, nos livrarmos desta ambição que foi necessária no passado, mas que não é mais e isto tem que ser feito constante e persistentemente.

Pergunta: Somente quando a pessoa estiver sozinha e tiver passado por uma série de atribuições, estiver no silêncio e na solidão é que ela é capaz de perceber que já conseguiu superar a ambição?

Resposta: Nós podemos não estar sós quando pensamos que estamos. Podemos não estar longe da guerraa quando nos encontramos no estado em que não estamos lutando. Eu não digo que nós devamos procurar a guerra, mas nós não podemos nos enrolar simplesmente nos abstendo de certas coisas. Podemos estar fisicamente só e, no entanto, muitos pensamentos podem estar surgindo internamente; pode haver um torvelinho de muitos desejos. Pode ser que não estejamos lutando externamente, mas haja, no nosso interior, agressão. Nós, então não podemos imaginar que estamos livres apenas porque superficialmente não existe sinal de aprisionamento. Não existe, pois, sentido em nos isolarmos desta maneira Nós temos que ver nossa ambição manifestando-se à medida que nós nos relacionamos com as pessoas e com as coisas. Como já dissemos, a tentação não está do lado de fora; a tentação é um estado mental - a mente é que está repleta de desejos. Podemos estar no meio de várias pessoas drogadas e não sermos tentados pelas drogas; podemos estar próximo de diversos objetos e não estarmos atraídos ou apegados a estes objetos. Isto não quer dizer que devamos nos colocar no meio destas várias tentações, mas sim que nas circunstâncias em que nós nos encontramos vamos estar atentos às nossas próprias respostas.

Quando a ambição está operando, existe um desejo de conforto ou de algo mais. E se nós não estivermos relacionados com as coisas externamente, nós podemos não ter a oportunidade de observar o que jaz dentro de nós. Então, o melhor é não procurar a fuga Existem relatos de vidas dentro de claustros, o que deve ser interessante. Pois vemos que nesses lugares não existe nenhum tipo de tentação. Mesmo assim, há o mesmo tipo de luta como ciúmes; alguém querendo ser favorito da pessoa que está liderando; descontentamento com uma série de coisas, ou seja, não importa onde a pessoa esteja, o que importa é como a pessoa responde.

(*) Presidente Internacional da Sociedade Teosófica.

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LUZ NO CAMINHO* Radha Burnier

Terceira Conferência da Sra. Radha Burnier sobre "Luz no Caminho".

Ontem nós tocamos, levemente, na segunda regra: "Mata o desejo de viver." Nós dissemos que isto não se refere a uma condição patológica. É uma coisa normal o nosso desejo de viver, já que fomos colocados no corpo físico. Sendo que é correto cuidar do corpo físico até ao ponto razoável. Seria uma visão imbecil se expor a uma situação de perigo, a não ser que houvesse uma razão muito forte para tal.

O desejo de viver é o de se manter como nós estamos no presente, da maneira que nós conhecemos a nós próprios. Cada um de nós tem um conceito de si, seja homem ou mulher, e isto é que nós acharmos que é viver. Assim, nós não gostamos de estar divorciados desta imagem de nós próprios. Podemos gostar de uma versão modificada de nós projetada no futuro, mas, mesmo assim, enquanto de acordo com os nossos próprios conceitos.

Essa imagem que temos de nós não é uma imagem real. O desejo de continuar a ser o que nós somos, mesmo que de uma forma modificada, é uma obstrução a uma mudança total. Isto também está referido nos Yoga Sutras de Patanjali, como abinyvesha, o desejo de ser. É o desejo de permanecer como uma entidade separada o que nos faz sentir como sendo indivíduos e que temos uma identidade própria, em grande parte baseados no corpo físico, embora a consciência inteligente do ser possa reconhecer que o corpo físico é um instrumento que ela utiliza - "eu não sou apenas um corpo". Inconscientemente, o corpo estabelece uma identidade do que nós consideramos ser nós mesmos. Quando sentimos e dizemos "eu estou com dor': quando o corpo está mais idoso, e isto é uma coisa inevitável, começamos a ficar insatisfeitos. Se o corpo nasce num determinado país, numa determinada raça, nós nos identificamos com aquele país e com aquela raça, embora o corpo tenha uma existência puramente temporal. De maneira errada, nós nos apegamos a uma identidade que pertence somente ao corpo e às características do corpo. Da mesma forma, nós nos identificamos com sensações, emoções e pensamentos. A totalidade disto é que nós chamamos de experiência.

Assim, a experiência dá uma identidade ao que nós denominamos de eu. Eu me lembro do que me aconteceu alguns dias atrás ou ontem; lembro se foi uma sensação de prazer, de dor ou qualquer outra. As reações e as experiências fazem com que nós construamos uma descrição. Assim podemos dizer. "Sou uma pessoa inteligente", ou então, "sou uma pessoa que sofre muito". E todos estes conceitos e pensamentos colocados juntos são 'a minha identidade, o meu ser - isto que eu chamo a minha vida, e eu gosto de manter tudo dentro de uma proporção razoável. Se eu sofro, quero modificar tal condição sem modificar o meu conceito de pessoa que está sofrendo. Se eu tenho o conceito de ser inteligente, quero modificar este conceito pensando que sou ainda mais inteligente ou ainda mais reconhecida como uma pessoa inteligente."

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Quando a pessoa fala de sua vida existem muitas identificações que estão apegadas a este conceito, e o desejo de continuar com uma identidade que tem continuidade, não apenas nesta vida, mas nas vidas futuras. As pessoas imaginam-se no futuro, no céu e pensam a respeito de si próprias como elas são. E as religiões também divulgam esta idéia, as pessoas sentadas numa nuvem com uma harpa. Talvez o céu seja algo completamente diferente. Mas a idéia desta continuidade é muito satisfatória, e o mesmo ocorre com a reencarnação.

A reencarnação pode ser um fato: até que se tenha aprendido todas as lições que se têm de aprender, pode-se precisar retornar ao mundo, sem se manter apegado a nada, mas aprendendo o significado de tudo. No nível fenomenal isto pode continuar, embora a reencarnação possa ser verdadeira neste sentido, nós usamos o querer para dar uma continuidade a esta própria mente, para nos colocarmos numa posição confortável em que não deixaríamos de existir e continuaríamos numa próxima reencarnação ainda, talvez, desfrutando melhor da vida.

Tudo isso é um tipo de ilusão. A vida pode ser algo muito diferente dessa identidade conceituai, porque tudo isso é parte de um mundo temporal ou os nossos conceitos de experiência desaparecerão. Dessa forma, a auto-identidade tem de ser descartada. E nós podemos perguntar. "E o que virá depois disso?" Não podemos imaginar o que virá depois, porque qualquer coisa que pensarmos será apenas um pensamento a mais na mente. É pelo fato de não sabermos o que ocorrerá se abandonarmos a identidade que temos medo de fazê-lo.

Essa questão já foi explicada através de várias analogias. Dizem que é como um pequeno passarinho que tem de aprender a voar. se ele se apega ao galho onde ele está e tem medo de sair de lá, ele nunca voará. Se ele diz: "como vou voar se nunca voei antes?", ele ficará preso àquele galho. Ele precisa libertar-se e então, de repente, ele se sente no ar. Assim é o que consideramos a vida e a nós próprios. É a limitação que deve terminar.

Esta frase tem um significado muito profundo: "Não vivas no presente nem no futuro, mas sim no eterno". Isso parece uma contradição do ensinamento que é dado em outra parte, onde é dito que se deve viver apenas no presente. Mas, de fato, não há contradição. É apenas um uso diferenciado das palavras, porque nunca vivemos absolutamente no presente. Aquele que nós chamamos.o presente tem em si todas as memórias do passado e tem várias projeções do futuro. Nem o passado, nem o futuro existem na realidade. Nós podemos ter experimentado algo no passado, mas isso já passou, já caiu no esquecimento. O que nós consideramos como passado existe apenas na memória de nossa mente, como memória, como uma impressão ou como uma tendência. Da mesma forma, o outro não existe, pois quando se chega ao futuro, ele já se tornou presente, exceto aquilo que existe na mente, como imaginação a respeito do futuro. Assim o passado é memória ou impressão, o futuro é fantasia e imaginação. E tudo isto está preenchendo a nossa mente no presente. Nós nunca, então, entramos em contato com o presente como tal. Somente quando a mente está vazia dessas memórias, das suas projeções e fantasias é que há o contato imediato com o presente. Dessa forma não há continuidade no presente, nem pode haver, porque a continuidade é criada apenas na mente.

"Vejo uma árvore" e aí percebemos que há dois anos atrás ela era menor e que agora ela cresceu. Ou então se diz: "Agora é inverno. A primavera chegará e a árvore mudará". Tudo isso está acontecendo apenas na nossa mente, porque a mente relacionou o que ela estava vendo anteriormente e o que ela está vendo agora. Está querendo reunir a memória com a realidade presente, está, portanto, comparando. Então se diz: "Ela está mais velha, está mais alta". Mas na realidade, no presente, ela não existe. Apenas aquilo que é existe no presente. Ela não é nem mais velha, nem mais nova; não é primavera nem inverno. O que existe é apenas o que é.

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É interessante que naquela maravilhosa língua que é o sânscrito a palavra que significa verdade é táttva e a sua tradução literal é "a natureza do que é, o estado de ser'. E isto é que é o presente. De acordo com certos ensinamentos budistas, cada momento se mantém por si próprio, não existe continuidade entre momentos, a não ser no nosso pensamento. Já que nós criamos continuidade dentro de nossas próprias cabeças, nós não vemos o que, na realidade, existe ali. No estado de ser do momento, aquele momento que não tem dimensão, não tem tempo, o eterno existe; mas no presente, onde existem as memórias do passado, as comparações que vêm do passado, as imaginações a respeito do futuro e o futuro em relação com o presente, neste tipo de presente obscuro, o temo não existe. Assim está dito: "Não vivas no presente nem no futuro, mas sim ra eterno". Ali não pode florescer esta erva gigantesca; a própria atmosfera do pensamento eterno apaga esta mancha da existência.

Esta erva daninha representa o egoísmo, a identidade separatista. E nós já analisamos em que consiste esta identidade. Essas são coisas pequenas e transitórias, as identidades são criadas de experiências que retemos na memória. Por exemplo: se nosso corpo é amarelo, branco, negro; se pensamos a respeito de nós próprios como pessoas educadas ou não educadas. Tudo isso são como sombras que passam, e aquilo que é passageiro não pode manter-se quando o eterno é aquilo que se deseja contactar. Quando nós percebemos que tudo isso é de natureza relativa e temporal, irreais, como as nuvens que vêm e vão, então esta erva que é o egoísmo, no sentido da separatividade, começa a secar e a cair.

Esta regra está relacionada com a regra seguinte: "Mata todo sentimento de separatividade". Em primeiro lugar, nós temos que estar atentos para o fato de que nós operamos com esse sentimento de separatividade, porque nós não temos a estrutura total da identidade. Nós não a examinamos com atenção. Nós repetimos sobre o quão irreal ela é, a natureza relativa da sua existência, a sua pouca importância, porque nós não dedicamos atenção suficiente. Então nós podemos dizer que acreditamos na unidade e cooperação, na harmonia e na fraternidade, mas as nossas palavras e os nossos atos tornam-se uma negativa disto. Nós não vemos essa erva como tal e não fazemos o trabalho necessário para matá-la. Esse sentimento de separatividade é a razão de muita miséria e decepção. A maior parte dos problemas que as pessoas experimentam vêm do seu próprio sentimento de separatividade. Vamos supor que alguém não nos dá alguma coisa, que nós esperávamos receber. Ao invés de pensar: "Por que ela não está me dando isso?" Por que, então, essa outra pessoa não faz algo diferente? como tentar, então, refletir sobre o fato: "Ela não é diferente de mim", Assim não importa o que está sendo dado, pois como pode uma unidade dar para outra unidade? Não importa se o que está sendo dado está com ela ou está comigo. E se pensarmos com cuidado sobre isto, reduz o nosso sentimento de desgosto.

Se existe solidão é porque nos sentimos separados dos demais. Se existe um sentimento de unidade com tudo que existe, com as pessoas, com a natureza, nós somos parte desta unidade e não existe diferença entre as coisas externas e nós próprios. Não pode existir um sentimento de solidão. Toda solidão é um sentimento de separatividade. Toda forma de autopiedade é separatividade. Na base disto tudo está o conceito de que "eu sou dessa forma" "Por que eu preciso ser dessa forma?" Assim, o sentimento de separatividade, que é criado pelo pensamento - o pensamento que se identifica com uma série de coisas transitórias e pequenas, que são todas reunidas e descritas como sendo o eu - é responsável pelo nosso sofrimento. Isto é algo muito difícil de ser compreendido, a não ser que nos trabalhemos sobre isto. Mas é como se fosse um mantra mágico, porque se nós conseguirmos tratar este problema, nós nos tornamos totalmente independentes de qualquer coisa externa para atingir a felicidade.

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Tanto a nossa felicidade quanto a nossa infelicidade são criadas por nós mesmos. E tomar-se capaz de ser infeliz é um tipo de escravidão, de apego. Todo tipo de dependência é escravidão. Neste sentido nós somos todos escravos. Quando nós somos livres não dependemos de nada mais. Isto não é um estado de arrogância, de superioridade, pelo contrário, é a total inexistência daquele eu que é a fonte de tudo isto.

Vamos seguir para a nota a respeito dessa regra "Não imagines que podes separar-te do homem malvado ou do insensato. Eles são tu mesmo, se bem que em menor grau do que o teu amigo ou teu Mestre. Mas, se deixas arraigar-se em ti a idéia de separação de qualquer coisa ou pessoa má, ao agires assim, crias carena que te ligará àquela coisa ou pessoa, até que a tua alma reconheça que não pode estar isolada."

Nós não percebemos que a vida neste mundo denso e material existe para que nós possamos aprender algo maravilhoso. Essa magnífica realização pode ser descrita de formas diversas, podemos dizer que é harmonia, unidade, beleza, paz, amor e, até que a lição seja totalmente compreendida, sem dúvidas e sem retorno, em toda a sua profundidade, nós temos que continuar experimentando.

Ontem nós já falamos como é que o carena dá continuidade às experiências, porque o carena é o instrutor. Se o estudante não aprendeu as lições da forma apropriada, ele tem que estudá-las de forma diferente. O bom professor pode colocar a lição um pouco diferente, dando um novo tipo de ilustração. Mas a essência da lição será a mesma. É algo assim

que o carena faz. E se nós nos desviarmos do homem mal ou do homem bobo, é porque nós não conhecemos a maravilha da unidade. Experiências virão até nós que nos farão perceber a grandiosidade da unidade. É assim que o cama nos mantém presos àquela pessoa ou coisa que nós desaprovamos, e de tudo que nós nos desviamos.

Ontem nós dissemos que quando existe um determinado tipo de circunstância - aquilo que nós intitulamos perda - não tentamos aprender o que essa experiência está nos mostrando, pelo contrário, tentamos joga-la no futuro. Então fugimos para uma outra experiência procurando satisfação que venha a substituí-ia, e nós fazemos tudo, menos aprender a lição. Assim, também no futuro, nós perderemos as coisas e, como dissemos, a lição poderá vir de uma forma diferente. Pode-se perder objetos, pode-se perder afeição, pode-se perder reputação, da mesma forma, se nós nos desviamos de certas pessoas, física ou internamente, se certas pessoas são repugnantes para nós, ao longo de muitas vidas nós seremos colocados ao lado dessa pessoa ou pessoas similares, até que venhamos a perceber que aquilo que a pessoa é externamente, independente disso, ela compartilha da vida interna conosco. Nós somos ela e ela é nós. Então, porque chamar essa outra pessoa de uma pessoa ruim ou boba?

Krishnamurti dizia: "Como é que você sabe que você é uma pessoa lenta mentalmente? Como você pode reconhecer que você é inteligente? Só porque você compara. Você criou uma escala artificial na sociedade ou na sua própria mente. Você mede as pessoas baseado nas suas idéias bobas." Então nós denominamos uma pessoa ignorante e outra inteligente, e que o outro é ignorante e nós somos inteligentes. De uma certa forma nos sentimos vaidosos e quando vemos alguém melhor que nós sentimos inveja. De qualquer modo isto é um rótulo que inventamos dentro de nós. Na realidade, cada pessoa é o que é. Eu não quero dizer que não existam valores morais, porque os valores morais dependem das realizações espirituais da qual nós já falamos.

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Uma das facetas da realização espiritual é a realização da unidade. Logo, o pensamento baseado no sentimento da unidade é correto, quando não é baseado neste conceito, ele é errado. Ferir alguma coisa ou criar qualquer dano a alguma coisa, matando seja animal ou homem, é errado dentro desta perspectiva de unidade. Como já foi dito, nós podemos reconhecer o pecado sem deixar de gostar do pecador, porque a pessoa que mata ou fere não é um animal, mas é um homem cego. Nós também somos cegos quando nós agimos fora do sentido de unidade.

Pode ser apenas uma questão de grau. Num determinado momento nós fazemos de uma forma e no outro momento fazemos exatamente da outra forma. Então, se nós sentimos o ato dentro desta sensação de unidade, existe uma percepção correta Mas se nós assistirmos um ato com repugnância no nosso interior, nós vivemos de uma forma distorcida E o processo do calma nos trará essa experiência, ajudando-nos a descobrir o sentido da unidade em todas as circunstâncias.

Ontem nós participamos de uma entrevista na TV e a entrevistadora perguntou a respeito da paz. Não é possível que haja paz a não ser que haja essa percepção da unidade, porque sempre que nós agimos a partir de um sentimento de separatividade, nós fazemos coisas que perturbam a paz. Então, refletindo a respeito de tudo isso, nós aceleramos o progresso na senda, se não nós seguimos naquele ritmo lento, aprendendo através das experiências e do calma. "Relembra que o pecado e o opróbrio do mundo são o teu pecado e o teu opróbrio".

Nós compartilhamos o que outras pessoas experimentaram, ou talvez o pecado esteja apenas tomando uma forma diferente dentro de nós, ou, talvez, uma cor diferente. A isto se soma o nosso sentido de ego, o sentido de separatividade do eu. Outra pessoa pode ser desagradável, mas não quer dizer que é uma pessoa ruim. Mas nós somos ciumentos ou invejosos, então essa outra pessoa nos diz que nós somos ruins. Não existe muita diferença entre os dois. O sentido de separatividade se manifesta como ser desagradável, no caso daquela pessoa, e como inveja no nosso caso. Mas ambas compartilham do mesmo pecado: todos sentimos esta separatividade. É por isso que Krishnamurti dizia que enquanto nós estivermos na corrente do mundano (ele não usou a palavra mundano, mas eu estou usando como uma explicação, que significa o amor ao poder e a tudo que é mundano: o orgulho e o egoísmo de toda forma), enquanto nós estivermos nessa corrente não seremos diferentes, não seremos indivíduos, porque tanto o pecado como a vergonha são comuns a todos nós. Somente a pessoa que conseguiu sair da correnteza e que se libertou, somente esta pessoa é um verdadeiro indivíduo.

É bom lembrar que o pecado e a vergonha do mundo são o nosso pecado e a nossa vergonha, nós somos parte dele. Nós vamos dizer que nós não somos egoístas, mas que outra pessoa é. Mas isso é uma pequena satisfação. Porque, como nós dissemos ontem, uma vez que a semente esteja lá, ela certamente brotará e crescerá Nós podemos notar isso em muitos casos. Por exemplo, uma pessoa que parece decente quando chega a uma posição de poder se toma corrupta e terrível. Isso é

explicado pelo fato de aquele amor pelo poder estava oculto. Pois, dentro de nós, todo tipo dessas sementes podem estar presentes. Sendo assim, nós não podemos dizer que somos melhores. Nós não poderemos ser melhores se não existirem as circunstâncias que extrairão de nós estas sementes. "E antes que tenhas obtido o conhecimento, é preciso que hajas passado por todos os lugares, tanto imundos como puros. Portanto, tem presente que o vestuário manchado, cujo contato te repugna hoje, pode ter sido o teu de ontem, ou talvez o seja amanhã E se, horrorizado, dele apartas o olhar, um vez lançado sobre teus ombros, mais aderirá a ti."

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A primeira frase não quer dizer que nós devemos nos dirigir a todo tipo de lugares sujos, mas significa que em todas as circunstâncias precisamos aprender a não sermos tocados, como a fábula da folha de lótus que mesmo colocada na água não fica úmida Assim nós temos que passar por vários tipos de experiência, sem sentir o sentimento de separação entre os outros e nós próprios. "Abstém-te, não para permaneceres limpo, mas porque abster-te é um dever."

Pergunta: Eu gostaria que a Sra. comentasse a frase 'Mata o desejo de conforto".

Resposta: Eu havia passado esse aforismo porque temos pouco tempo, poucos dias e seria impossível cobrir todo o livro. E nós tocamos neste assunto rapidamente ontem.

Porque buscamos o conforto? Tem a ver com o sentido, a vontade de ter uma vida em separado. Nós dissemos que o desejo de viver é um desejo de viver em separado. Porém o desejo de ser separado é algo não natural, podemos dizer, porque a Verdade real e subjacente é a Unidade. Nós estamos indo contra essa Verdade absoluta quando tentamos nos manter separados. Nós temos que trabalhar continuamente, de forma a não ter esta identidade. Num certo sentido, o eu é muito quebradiço, e noutro ele é muito persistente, difícil de se descartar, porque não é natural. Em vista das verdades supremas ele não pode-se manter para sempre. Devemos continuar mantendo a nossa identidade com o eu.

Nos sentimos confortáveis quando alguém nos diz que somos uma pessoa boa, quando fazemos um bom trabalho, quando somos espertos. Por que nós queremos que outras pessoas nos digam isto? Porque existe muita incerteza a respeito de tudo dentro de nós. Nós sabemos que o eu não é tão bom assim. Alguma coisa dentro de nós diz que este sentido de separatividade não é correto. Isto é verdade dentro de nós, aquilo que ma e por isto queremos a todo custo manter essa noção a respeito de nós mesmos. Nós sabemos que o eu criado pela mente é algo de duração limitada, pode até ter duração longa, mas é limitada. Logo, existe um sentido básico de insegurança em todas as pessoas. Não nos sentimos seguros de podermos nos manter como somos, da maneira que somos, e passamos a buscar segurança em muitas outras coisas.

Algum instrutor chegará e dirá: "Você está muito bem. Farei tudo para que você tenha boas experiências agora e nas vidas futuras, contanto que você me pague o suficiente." Ou então alguém produz uma ideologia e um número enorme de pessoas se apega a essa ideologia e nós achamos que poderíamos nos unir a esse grupo. Ou então sentimos segurança nos apegando a um indivíduo em particular, e pensamos: "eu sinto que todo mundo está me ameaçando psicologicamente e o meu namorado, ou seja lá quem for, faz-me sentir um pouco mais seguro." Este é o tipo de conforto que a mente está buscando. Ela não está buscando uma verdadeira mudança, o que é chamada de mudança revolucionária. Ela gosta de permanecer onde está, com o seu próprio conceito a respeita de si, verificado somente até o ponto de não perder o sentido de continuidade. O desejo de continuidade é relativo à continuidade do corpo físico, ou no nível psicológico, o sentido básico de insegurança.

Enquanto nós estivermos apegados a idéia do eu, estaremos sujeitos à insegurança. Não haverá fim ao conforto que buscamos, porque qualquer conforto que buscamos desaparecerá um dia, porque o conforto é de natureza fútil. Então, a mente precisa perceber que está buscando o conforto - uma panacéia para a sua existência incerta. Mas se ela percebe a natureza da sua própria estrutura, as coisas voláteis que ela criou para si própria, toda esta casa entra em colapso. E é isso que o Buda disse (Nós não sabemos se ele disse de verdade, mas, pelo menos, a tradição afirma que ele assim disse): "Muitas casas foram construídas por mim e eu fiz dessas casas prisões, mas,

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finalmente, eu vi a Luz, e toda a estrutura entrou em colapso." Ou seja, todo aquele desejo de construir segurança, de se manter separado entrou em colapso.

Essas regras são partes de uma totalidade, e portanto estão relacionadas entre si. Porque o problema da vida é um todo. E quanto mais refletirmos sobre ela, mais aprenderemos a respeito da nossa própria natureza e mais claramente se apresentará a saída. Realmente o livro trata da Luz no Caminho.

Pergunta: A Sra. falou que o sentido de solidão é decorrente da percepção de separatividade em relação a tudo e a tocos. Com isso a Sra. está querendo dizer que nesse nosso processo, deveríamos, gradualmente, ir percebendo a irrealidade do eu como entidade separada?

Resposta: Sim. A irrealidade ou realidade relativa do eu tem que ser percebida. Falo da realidade relativa porque no tempo presente ele parece muito verdadeiro. Da mesma forma que o sonho parece verdadeiro enquanto ele dura, e só quando se acorda é que se percebe que o sonho era irreal. Assim, se você desperta para o sentido de unidade, mesmo que seja de vez em quando, mesmo que seja de uma forma limitada, nesse momento o sonho é percebido como uma fantasia A única ressalva é que eu não daria ênfase à gradualidade, porque se nós acreditamos na gradualidade nós não colocamos a nossa energia nesse processo.

Pergunta: Ao longo do processo educacional, as pessoas têm um ego que não está bem estruturado. Devido a certas falhas educacionais, nosso ego não é muito bem construído. É possível transcender o ego que não está bem estruturado ou é necessário estruturá-lo primeiro para, depois, transcendê-lo?

Resposta: Não devemos nos preocupar com a formação do ego, porque da maneira que ele é hoje, para todos, já está muito cheia de si próprio. Todas as pessoas nascem já com o ego muito forte. Como nós já abordamos antes, já nascemos com o ego que foi fortalecido ao longo de muitas encarnações. Uma criança pequena tem uma mente ainda não desenvolvida. Já que a ciente é um pouco vaga, ela não consegue expressar plenamente o egoísmo. Infelizmente uma série de doutrinas psicológicas nos ensinam a cultivar o ego. Como verdadeira educação, deveriam preocupar-se em mostrar que existe apenas uma única existência, uma única vida, que o nosso bem está relacionado com o bem de todas as pessoas. É lamentável que a educação se preocupe em aumentar mais o egocentrismo daquelas pessoas que já têm o ego muito expandido.

As crianças que não desenvolveram muito a sua mente têm uma sensibilidade natural, um sentido instintivo de simpatia, na maior parte dos casos. Vocês podem reparar como uma criança pequena se relaciona ao encontrar uma outra criança - as idéias mentais ainda não se desenvolveram. Elas parecem muito contentes ao bancar, embora briguem de vez em quando, mas não é uma briga séria, não se preocupam se a outra criança é pobre ou rica, se tem a pele escura ou clara. Elas têm um sentimento natural em relação aos animais e por muitas coisas. E nós ajudamos a desenvolver o sentido de separatividade, a pensar que nós somos americanos, ou isso ou aquilo. A tendência moderna é ensiná-las a sentir a sua própria identidade.

A educação não é o que se poderia designar como boa educação, do ponto de vista espiritual. Existe um lindo drama escrito por um poeta sânscrito chamado Kalidasa: ele descreve um ashram, um centro espiritual de um sábio e, em termos poéticos, ele mostra como as pessoas que viviam nesse ashram encaravam todas as árvores corno amigas. E não queriam beber antes que as árvores tivessem também a sua bebida As garotas gostavam de se enfeitar, mas elas não gostavam

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de retirar as flores das plantas, porque elas sentiam que as plantas eram uma delas. Então elas só pegavam aquelas flores que caíam no chão, a sua volta Elas sentiam que os passarinhos falavam para elas. Toda a descrição é assim. E nesse caso, a educação que foi dada às crianças era de uma ordem totalmente diferente: não uma educação voltada para o estabelecimento do ego, mas voltada para a eliminação do ego.

Pergunta: Quando nós tomamos contato com ensinamentos genuinamente espirituais, somos convidados e exortados a compreender a irrealidade do eu. Mas a mente, por assim dizer, em processo talvez de autodefesa, começa a criar o "eu superior". Nós até compreendemos que a nível da personalidade a egocentricidade, ainda mais aflorada, deve realmente morrer. Mas imediatamente nós criamos um refúgio que é o 'eu superior". Não existe um 'eu personalidade", mas existe um "eu superior' que é o eterno. Com relação a isto, o que é essencialmente o "eu" e se é real esse processo do "eu superior' e qual é a sua essência?

Resposta: A verdade está em toda parte, em mim, em cada átomo, em cada parte, mas a verdade não tem nada a ver com o que a mente inventa, tanto a minha quanto a sua. Se você cria na sua mente a idéia do eu inferior, eu superior ou qualquer outra coisa, tudo isto é uma projeção mental - a verdade do ser, a verdade da vida não tem a ver com isto. Pergunta: Se as filosofias em geral, as profundas, enfatizam a irrealidade, ou que o eu é um conceito, é curioso que ainda hoje vemos vários e vários livros editados pela TTH, onde estão reforçando, do início ao fim, o ego. E fecha à mente a possibilidade de uma nova perspectiva. Por que essa outra ênfase - de que o ego não existe, de que o eu superior não existe ou de que o eu espiritual também não existe - é difícil de ser encontrada na literatura teosófica tradicional?

Resposta: Eu não acho que a literatura teosófica enfatize o eu como uma realidade. Existem meios de percepção que chegam até á mente quando ela está livre. Ver se existe alguma verdade que possa vir através daquela apresentação, depende de mantermos a nossa mente livre, à medida em que olharmos para essas coisas, estando preocupados apenas em encontrar a verdade a qualquer nível. Desta forma não encontraremos confusão ou contradição. Existe muita coisa na literatura escrita por HPB que diz que o eu, o self, como nós percebemos, tem que ser destruído. Se você ler mais adiante, como Os Mestres e a Senda, o mesmo está sendo indicado. Pode ser a verdade em diferentes níveis, como nós já dissemos.

Existe este nível da existência fenomenal, e nós podemos descartar tudo isso dizendo que é apenas ilusão, pois é um fato dentro de um certo nível. E a este nível fenomenal pertence a reencarnação e, também, o ego, no sentido teosófico, que reencarna. Aprender alguma coisa a respeito disto tudo tem de ter a sua utilidade, pode ter tido um propósito bem definido, no momento em que este ensinamento nos foi dado.

Alguns de nós estávamos falando sobre a questão da reencarnação ontem e foi mencionado que Krishnamurti nunca falou sobre a reencarnação. Alguém perguntou, certa vez, a Krishnamurti se a reencarnação era verdadeira ou não, e ele respondeu que a reencarnação é "um fato mas não é verdade". Isso quer dizer que no nível fenomenal existe, mas do ponto de vista transcendente tudo que está no mundo fenomenal é irreal. Os budistas e os hindus sempre falaram em termos de duas realidades, inclusive eles falaram da realidade empírica e da realidade transcendente. No nível empírico, do ponto de vista funcional, nós temos que aceitar certas coisas e temos que comentar a respeito dessas coisas e temos que, talvez, entender a lógica por trás delas. É algo como a Física de Newton e a Física de Einstein, que tem uma lógica no seu próprio nível. Mas nós não podemos estacionar nesta compreensão do mundo no nível puramente fenomenal, nós temos que penetrar e chegar até um outro nível. E, talvez, nós precisamos dessa literatura teosófica a qual apresenta as

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coisas de um ponto de vista diferente. Sendo assim. não recomendo que coloquem de lado essa literatura, mas que prossigamos a partir daí.

(*) Presidente Internacional da Sociedade Teosófica.

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LUZ NO CAMINHO* Radha Burnier

Quarta Conferência da Sra. Radha Burnier sobre "Luz no Caminho".

Nós chegamos à sexta regra que diz: "Mata o desejo de sensação." E a regra 8 é um comentário que diz: "Estuda a sensação e observa-a, porque unicamente assim podes começar a ciência do conhecimento próprio e colocar o pé no primeiro degrau da escada."

É importante notar que a regra diz: "Mata o desejo de sensação" e não diz "mata a sensação". A sensação é natural e se nós não a sentíssemos estaríamos mortos no plano físico. Os sentidos são os meios através dos quais constatamos a vida, e pelos quais podemos observar todas as formas, movimentos e a beleza da vida. Ser capaz de sentir cada vez mais e de forma cada vez mais sutil é parte do processo evolutivo. Mas o desejo de sensação já é diferente, pois nos coloca num estado de apego com uma sensação específica Como sabemos, existem os cinco sentidos através dos quais contatamos a vida. Mas quando existe desejo por uma sensação em particular, então fechamos a porta para contatos posteriores, contatos maiores. E, também, fechamos a porta para os contatos que vêm através de outros sentidos. Existe, neste caso, um apego a um tipo particular de sensação.

Podemos pensar em muitos exemplos desse tipo. Suponha que exista, por exemplo, desejo de sensação do paladar, o que talvez seja uma das sensações mais primitivas, a menos que o tato seja mais primitivo ainda Então, como dissemos, é natural provar algo doce, salgado, ou azedo. Porém, quando nos tornamos apegados a um tipo particular de paladar e o desejo para repetir esse paladar se torna forte, aí nos tomamos insensíveis para qualquer outro tipo de paladar. Existem países onde as pessoas comem com muito tempero. E é onde, naturalmente, existe um maior desejo para o paladar forte desses temperos, e como conseqüência tais pessoas se tornam insensíveis a paladares mais refinados.

O mesmo pode acontecer com relação a todos os outros sentidos. Se nós nos tornamos apegados a formas rudimentares de som, sons altos, estimuladores, é como se fechássemos a porta para contatos posteriores e mais sutis de audição. Torna-se difícil estar consciente de sons mais sutis e à beleza de nuances mais sutis. Logo, o apego à sensação é uma forma de se limitar, colocando-se apegado a um tipo especial de experiência, o que significa fechar-se para todo o resto do mundo. É assim que acontece com a maior parte das pessoas, se tornam escravas de sensações limitadas. Só uma pessoa que não tem um desejo forte por nenhum tipo de sensação, aquela que se permite contactar com o mundo a partir de qualquer direção, só esta é capaz de ter a experiência mais ampla possível. Inclusive, talvez, alguma coisa que esteja além das próprias sensações.

Como j8 foi dito, a primeira verdade dita pelo Buda foi em relação ao sofrimento. Por milhares de séculos, em todas as partes, tem existido sofrimento. E o Buda disse: "Observe isso! Observe como o ser humano

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torna a sua vida infeliz, não só a sua própria, mas a da humanidade como um todo. Examine a causa disso." Bem, existem muitas pessoas que diriam imediatamente: "também não existe a beleza e o prazer na vida? Por que você só fala a respeito do sofrimento?" E isso é particularmente verdadeiro no Ocidente, que é uma sociedade orientada na direção do prazer. É claro que existe beleza em todas as partes. Toda vida na natureza é maravilhosamente bela. Mas a Pergunta: é esta: "Será que nós realmente nos permitimos entrar em contato com essa beleza?" Eu receio que não fazemos isso, pois, imediatamente, personalizamos tudo. Constatamos a beleza, digamos, com os nossos olhos e, prontamente, nós sentimos, temos sensações e nos apegamos a ela. Existe um arrepio de prazer porque sentimos que "eu estou gostando disto, e me dá um grande impulso". E, portanto, não é a verdadeira beleza que contactamos; o que contactamos está corrompido pela experiência da visão, e isso é uma forma de apego à sensação.

Acho que todos que observarem com atenção verão que é assim, que o fato de se aproveitar, gostar da beleza, se toma mais importante que a própria beleza. E então passamos a buscar a repetição da experiência ou de algo parecido. A vida se torna, dessa forma, uma busca por prazer, felicidade e daí por diante. Mas uma mente que tem esse tipo de desejo não vê a beleza e nem mesmo se torna consciente do sofrimento. Na verdade, o prazer se torna uma barreira para se ver o que realmente existe, pois na natureza há uma grande beleza, e um grande mistério. E na vida humana existe um grande sofrimento, mesmo quando pensamos que estamos bem, o sofrimento está logo por ali e a mente não quer ver, pois ela tem a intenção de escapar do sofrimento e de aproveitar e de gostar das coisas. Por isso que se diz que há sofrimento, o qual é resistência a isso, mas preferimos ver outra coisa e nos apegarmos a ela Porém a mente deve estar internamente livre para ver o que for que exista de fato, para contactar a vida como ela é, para receber a mensagem da vida Assim é preciso aprender com a sensação, o que é contactar a vida com toda a forma em que ela se apresenta. É preciso que se aprenda a partir da observação calma, e a observação só pode existir quando não se está tentando pegar, alcançar, alguma coisa. Pode-se observar que a mente tem esse hábito de pegar. E se observarmos a sensação e a nossa Resposta: à sensação, começaremos a aprender sobre nós mesmos, e iniciaremos a ciência do autoconhecimento - é este o primeiro degrau da escada.

A próxima regra, número sete, diz: "Mata a sede de crescimento. Cresce como cresce a flor, inconscientemente, mas ardendo em ânsias do entreabrir sua alma à brisa. Assim é como deves avançar abrindo a tua alma ao eterno. Mas há de ser o eterno o que deve desenvolver a tua força e a tua beleza e não o desejo de crescimento."

Como dissemos ontem, essas regras estão interconectadas entre si. Se aprendermos a usar os nossos sentidos corretamente, então não apenas veremos formas de beleza, ouviremos belos sons ou entraremos em contato com as maravilhas da natureza, mas, tanto mais calmamente nos comunicarmos, mais começaremos a perceber que a beleza da forma é perecível. Ela é meramente um símbolo, algo que aponta para uma beleza que é eterna. A beleza, ela própria, não pertence a forma alguma. Ela está na própria natureza da verdade eterna. Ela se manifesta em muitas formas diferentes e as formas têm importância relativa e temporárias, e se tornar apegado às formas é uma tolice, porém perceber além da forma, a beleza sem forma, a verdade eterna que se expressa através da beleza, isso, sim, é sabedoria.

É esse eterno que deve empurrar alguém para frente e oferecer a mensagem a nossa alma Por isso que o comentário diz: "Mas há de ser o eterno que deve desenvolver a tua força e tua beleza'. Quando vemos algo maravilhoso, somos naturalmente atraídos para aquilo - isso não é ambição nem desejo de crescimento. Existe uma máxima oculta antiga que diz: "semelhante atrai

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semelhante", "o divino que está dentro é atraído para o divino que está fora". Portanto, é uma percepção clarificada que cria este movimento que é crescimento, mas não é ambição. É o que se diz aqui no livro: "Porque, no primeiro caso, florescerás com a louçania da pureza, e no outro te endurecerás com a avassaladora paixão da importância pessoal." Cada uma dessas regras requer uma grande quantidade de meditação e de consideração. Todos nós podemos aborda-Ias em profundidade muito maior. Mas isto não poderá ser feito agora, de forma que prosseguiremos com as outras três regras.

As próximas regras são: 9 - "Deseja unicamente o que está em ti." 10 - "Deseja unicamente o que está fora do teu alcance." 11 - "Deseja unicamente o que é inatingível." 12 - "Porque em ti está a luz do mundo,

a única luz que pode ser projetada sobre o caminho. Se és incapaz de percebê-la dentro de ti, é inútil que a procures noutra parte. Está fora do teu alcance, porque, quando chegares a ela, já não te encontrarás a ti mesmo. É inatingível, porque retrocede sempre. Estarás no seio da luz, mas nunca tocarás a chama."

"Deseja unicamente o que está em ti, pois em ti está a luz no caminho, a única luz que pode ser projetada sobre o caminho." Nestas regras, a palavra "deseja" deve ser compreendida corretamente, ela significa: veja a importância disso, a beleza e a verdade disso. Pois como dissemos, podemos ver essa verdade e essa beleza, mesmo que em pequena proporção, e neste estado será sempre em pequena proporção. Se vemos a beleza da vida interior, da vida espiritual, aí não ficaremos apartados dela.

As pessoas que estão lutando e acham que não podem percorrer o caminho são aquelas que não tiveram nem mesmo um vislumbre dele. Portanto, se entendermos que a luz está apenas dentro de nós, então não estaremos a busca-la sempre em várias partes. Isso é novamente um paradoxo, pois a luz está em todas as partes, em todas as coisas, mas só se pode encontra-la através da luz interior.

0 que é a luz? Não devemos pensar em algo do tipo da luz física. A luz significa algo que revela para nós as coisas. Suponhamos que esta sala esteja completamente escura, à meia-noite, com todas essas pessoas aqui e as máquinas também. Mas talvez uma pessoa não veja que tudo isso está aqui, pois está tudo escuro. Então, quando se acende a luz, veremos que está tudo aqui. Tudo já existia, mas não existia para nós enquanto estava escuro. Portanto, a luz é aquilo que revela as coisas para nós, ou seja, é apenas a nossa própria consciência.

Consciência significa a faculdade de estar consciente, de estar desperto. Nesta acepção, a consciência está restrita a um nível muito pequeno. Na medida em que esta faculdade de estar desperto cresce, as pessoas se tornam conscientes de mais coisas. H.P.B. deu uma ilustração muito bela em A Doutrina Secreta - não vou repetir as palavras exatas, mas o sentido do que foi dito. Imaginem que existe um quadro, uma pintura muito bela, uma obra-prima de arte e a mente de um selvagem está olhando para essa obra porque essa mente ainda não está desenvolvida, ela nem vê que existe uma pintura. Ela não vê o desenho, ou seja, o relacionamento entre todas as cores e linhas, e por parecer-lhe simplesmente algo sem sentido, tinta atirada ao acaso sobre a tela O selvagem pensa que talvez seja melhor pegar aquele quadro e colocá-lo no chão para sentar nele. Mas se essa mente se tomar mais desperta, mais sensível, ela começará a ver que existe um padrão ali, existe um desenho, e que todas as luzes e cores são componentes desse quadro, desse desenho. Então o ser dirá: "Sim, aqui há uma árvore, uma vaca". Mas isso é tudo que ele vê, não há

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mais nada para ele ali. Porém, quando a mente se desenvolver um pouco mais, se tomar mais cultivada, elaborada, aí ela verá não apenas um desenho, um quadro, mas também a beleza sugerida por aquele quadro.

No entanto, a beleza pode ser sentida em níveis diferentes. E mesmo a pessoa que vê a beleza pode vê-Ia de forma superficial. Mas a consciência se toma depois ainda mais desperta, se torna consciente da beleza em profundidade. E essas coisas não podem ser descritas de uma pessoa para outra. Suponhamos que tentemos dizer à mente do selvagem que existe beleza ali. Isso não significa nada para ele que não a vê. Se dissermos a uma pessoa pouco desenvolvida que existe sabedoria nas palavras de um homem sábio, ela não entenderá o que isso quer dizer. Se existe uma pessoa muito materialista e dizemos a ela que é importante entender a expressão "Mata a ambição", ela dirá: "Não fale bobagem para mim." Portanto, a menos que a própria consciência da pessoa se desabroche, ela não poderá ver. Essa é a única luz que nós temos.

Para uma pessoa que tenha uma consciência adormecida, pouco lúcida, embotada, ninguém pode expor conceitos sutis. Sendo assim, essa qualidade da mente tem de ser mudada. É por isso que um dos Mahatmas disse em uma de suas cartas: "A iluminação tem que vir de dentro". Se não fosse assim, seria muito fácil tornar as pessoas sábias. Se distribuíssemos um panfleto, todas se tomariam virtuosas, por exemplo. Porém não acontece assim, pois cada um tem de perceber e entender por si mesmo. E não existe fim para aquilo que a consciência pode revelar, como toda a profundidade e beleza da vida, em toda parte. Ou seja, não existe limite de crescimento, pode-se crescer ilimitadamente. Que beleza, que paz e verdade pode-se receber!

Se olharmos no final desta seção do livro, na página 27, ali se fala das três Verdades da Teosofia. A primeira Verdade diz: "A alma do homem é imortal e o seu futuro é o de algo cujo crescimento e esplendor

não têm limites." É isso que significa se tomar um Buda. Se vocês lerem um livro maravilhoso chamado A Luz da Ásia, ali existe uma descrição da iluminação e de como todas as coisas do universo se revelaram à consciência de Buda. E aqui se diz: "Se és incapaz de perceber a luz dentro de ti, é inútil que a procures noutra parte."

É motivada pela ignorância essa busca aqui e ali para encontrar um Mestre que traga essa luz para nós. Temos dito, aqui, que para receber a Verdade de um Mestre é preciso que antes se esteja preparado. Isso significa que devemos antes despertar a nossa própria consciência, purificá-la de todos os elementos que a obstruem. É por isso que o caráter da pessoa é de tão grande importância.

Conhecemos a frase: "O ódio cega". Acredito que todas as pessoas sabem que isso é verdade. Se nos permitimos ter raiva a toda hora, significa que estamos colocando um impedimento sobre nossa própria percepção. Aqueles chamados sábios são todos dessa forma. Onde existe ciúme, orgulho etc., então, para nosso próprio bem, senão para outro fim qualquer, é preciso nos livrar de todo esse mal. H.P.B. disse que qualquer sentimento de mau-afeto e malícia serão de grande impedimento. Ou seja, todos os sentimentos que estão baseados no ódio são obstrutivos. E todos os sentimentos relativos ao amor são úteis.

No livro A Voz do Silêncio existe a sentença: "Antes que a alma possa ver, deve ser conseguida a harmonia interior..." Se sofremos, temos inveja, malícia, então não existe harmonia dentro de nós. Portanto, é muito importante dar atenção às coisas que estão dentro da nossa consciência ou

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estado de mente, para limpá-la de todos os elementos que a obstruem, para torná-la capaz de maior clareza.

Krishnamurti diz: "Aprende a observar, aprende a escutar, aprende a aprender." Se, de fato, experimentarmos esses níveis, mesmo que por um breve momento, passa existir clareza dentro da consciência. Ao invés de falarmos muito, vamos supor que, por um instante, passemos a escutar calmamente, quietamente. Escutar não significa estar escutando aparentemente e por dentro estar pensando em várias coisas. Quando estamos realmente escutando, não existe pensamento na mente. Portanto, escutar ou aprender são formas de tomar nossa consciência mais sensitiva e mais desperta. E na medida em que a consciência se toma mais pura, mais clara, mais sensível, mais capaz de compreender em profundidade as sutilezas, ela é como uma luz que revela a natureza da vida e não apenas a aparência das coisas, porém o significado e o propósito de tudo, sua beleza e sua verdade.

A outra frase diz: 'Deseja unicamente o que está fora de teu alcance (...) Está fora de teu alcance, porque, quando chegares a ela, já não te encontrarás a ti mesmo:' E como foi dito, nós começamos a perceber através do que é temporal. Se podemos ver a beleza imperecível através da forma perecível, naquele momento, então, não estaremos mais lá. Talvez cada um de nós já tenha tido alguma pequena experiência deste tipo: uma experiência de uma beleza inesperada. É quando a mente se torna completamente calma e parada e não existe nenhum pensamento sobre o "eu estou aqui e eu estou vendo a beleza" - naquele momento o eu se retirou. E isso é apenas um pequeno vislumbre cio que pode ocorrer. A pessoa que se torna consciente daquilo que está fora, do que está além, não é uma pessoa, ela deixa de ser, no sentido de que o "eu" como nós o conhecemos não existe mais.

"Deseja unicamente o que é inatingível. (...) É inatingível porque retrocede sempre. Entrarás no seio da luz, mas nunca tocarás a chama." Krishnamurti disse uma vez: "Onde o eu está o outro não está." Ele usou a palavra outro para aquilo que está além, que é eterno - o imensurável, como ele disse. E onde o imensurável está não pode haver o eu pessoal inferior.

Existe um santo cristão que falou a respeito da jornada para Deus e aí, então, a jornada em Deus, porque as profundezas dessa realidade eterna podem ser tais que a totalidade dela talvez nunca possa ser conhecida. E também porque não há ninguém para conhecê-la, é claro. Esses são os mistérios últimos que nós podemos até nos debruçar sobre eles, mas, no momento, não poderemos compreender.

Há no livro três regras que começam com a palavra "desejo". "Deseja ardentemente o poder. Deseja ardentemente a paz. Deseja as possessões acima de tudo." E o comentário que se segue deixa claro que as palavras possessões e poder não têm o significado usual e ordinário do termo. Pode-se então perguntar por que usar a palavra possessão? Em primeira lugar, essa à uma tradução de um termo muito antigo. É dito que foi traduzido primeiro para o grego e depois para o inglês. Seja como for, nós podemos examinar esta palavra: possessão.

As coisas que possuímos são todas materiais, coisas que foram colocadas juntas. Se pegamos um objeto qualquer. ele é feito de vários elementos e tudo aquilo que foi construído, um dia será destruído. As montanhas podem parecer estar lá por muitos séculos, mas elas não são permanentes, pois elas são compostas, são construídas. Os filósofos falam a respeito do termo composto, que tudo aquilo que é composta pode ser decomposto. No entanto, nós pensamos que possuímos alguma coisa, que podemos mantê-la conosco - o nosso próprio corpo, o de outra

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pessoa, dinheiro, enfim coisas materiais: mas nenhuma dessas coisas podem ser mantidas e, portanto, não são possessões reais. Mesmo que se mantenha o dinheiro no banco para o resto da vida, quando o corpo desintegrar as possessões se vão e as únicas coisas que podem permanecer são aquelas que pertencem à esfera do eterno. E, portanto, estas são as únicas possessões que podem haver. E não são possessões no sentido ordinário do termo, pois elas não podem ser mantidas por nenhum indivíduo.

Existe essa beleza da vida sobre a qual falamos, e ela é a possessão de todas as almas puras que existem, pois todos aqueles que são internamente puros podem experimentar a beleza, igualmente qualquer outra pessoa. E, no entanto, ninguém pode possuí-Ia para si mesmo. Por isso se diz: "Anula as possessões próprias da alma pura, a fim de que possas acumular riquezas para aquele espírito comum de vida, que é o teu único ser verdadeiro."

Da mesma forma, a palavra poder está empregada aqui de uma forma incomum. "É esse o poder que deve aspirar o discípulo, o poder que o fará aparecer como nada aos olhos dos homens." Para os olhos do mundo, o homem poderoso é um homem importante e todas as pessoas olham para ele. Porém esse poder também é de uma natureza irreal e aflitiva, é uma realidade passageira. O verdadeiro poder existe apenas quando toda a irrealidade está terminada, está extinta. Esse "eu" de que falamos, esse "eu" que se sente separado, é a fonte de todas as ilusões, a grande erva daninha, como foi chamado. É apenas quando isso cessa de existir, quando a consciência está pura, só então ela pode descobrir a natureza do poder. E esse poder não tem nada a ver com a dominação, não tem nada a ver com o fazer a sua vontade ser sentida em outra parte, pois a consciência pura é una com a consciência universal e ela descobre que existe apenas uma vontade, que é a vontade divina. E esta vontade funciona de acordo com o seu extraordinário poder e inteligência. O poder que está associado à vontade pessoal é pequeno e infrutífero. E daí o único poder que deve ser buscado é aquele que se torna um com toda a vida e trabalha de acordo com a vontade da vida.

Esta regra "Deseja ardentemente a paz acredito que seja bem mais fácil de ser entendida. Existe uma paz que nada pode perturbar e esta paz vem quando não se busca nada do que está fora. É a paz que vem da consciência que é buscada da forma como falamos. Pois então se descobre a verdadeira e completa natureza da vida e a verdade sobre a vida No coração da vida existe a paz. A paz que não pode ser descrita, mas apenas pode ser conhecida em profundidade dentro de nossa própria consciência.

E agora vamos para às perguntas.

Pergunta: Eu não entendi bem as regras 10 e 11. "Deseja unicamente o que está fora de teu alcance" e Deseja unicamente o que é inatingível.

Resposta: A regra anterior diz: "Deseja unicamente o que está em ti. A menos que a sua própria consciência esteja na condição de ver, ela não poderá ver. Pode haver um belo pôr-do-sol, porém ele não existe para uma pessoa que não tenha uma visão correta No entanto, se essa consciência que está interna floresce... Quando dizemos floresce, queremos dizer que sua capacidade se alarga. 0 que é a capacidade da consciência? Estar consciente? E nós estamos conscientes de que? Já somos conscientes de algumas coisas e em algum nível. Eu estou consciente de vocês e vocês de mim. Ou melhor dizendo, eu estou consciente de como vocês se parecem e vocês estão conscientes de como eu pareço. Estamos também conscientes de outras coisas que estão aqui. Mas será que essa forma de aparecer é tudo? Ou será que existe muito mais sobre a vida? Na vida

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de vocês, na minha, na vida de todo mundo, na vida como um todo? Eu não estou falando meramente do plano astral ou algo como isso. E sim de algo além, no sentido de um propósito bem grande ou significados ocultos - a verdade.

Além das formas tudo pode ser parte de um mistério. 0 que esta regra está dizendo é que existe. Não devemos assumir como certo que aquilo que conhecemos é o que de fato existe. Se encontramos muitas coisas sem sentido e caóticas na vida e pensamos que é tudo o que há, talvez até mesmo esse caos sem sentido seja parte de um sentido maior, mais amplo. A dor e o sofrimento desta vida podem ser parte de algo maior que não é sofrimento e dor. Mais tarde, na segunda parte do livro, existe uma afirmação que diz: "Escuta o canto da vida. (...) Em todo coração humano existe uma natural melodia, uma obscura fonte. Pode estar coberta. oculta e silenciosa por completo: porém ali está. E toda a vida não é apenas um choro de dor. É um canto. Escutar esse som não é apenas prazer. É algo muito mais maravilhoso, indescritivelmente maravilhoso. Apenas fragmentos desta grande canção vem aos nossos ouvidos enquanto somos apenas homens. Mas cem o tempo podemos começar a escutar mais desta canção. "E esta linguagem não é um grito, como poderias supor tu que és surdo, mas um canto."

Quando dizemos que está além, tudo isso está incluído na expressão, todo o mistério e o significado da vida E devemos aspirar compreender essas coisas, aprender a entender o que quer se dizer "Deseja

unicamente o que está fora de teu alcance." Krishnamurti diz que nós nos tomamos apegados, limitados pelo que é conhecido, pelo que conhecemos e por aquilo que pensamos possível ser conhecido. Isto parece para nós ser a única realidade. Aquilo que pensamos que pode ser conhecido é baseado apenas no que já conhecemos, mas o desconhecido pode estar além de tudo, na profundidade da experiência que nós, talvez, não tenhamos tocado de forma alguma E esta profundidade não tem limite, embora a palavra profundidade não pareça ser tão boa, pois sugere apenas uma dimensão. O desconhecido não é algo que se possa medir e, por isso, é inatingível.

(Comentário do tradutor: A tradução seria melhor assim "Deseja apenas o que está além de você" e não 'Mora de teu alcance".)

Pergunta: Eu gostaria de emitir um comentário sobre a regra número 6: "Mata o desejo de sensação". Krishnamurti diz que quando uma pessoa busca o prazer ela já sofre, ela já tem ansiedade. E por outro lado, se a pessoa consegue abraçar a dor, como ele diz na Canção da vida, surge uma certa alegria.

Resposta: Acho que nós já abordamos um pouco essa questão. Todas as pessoas estão buscando ser felizes. Mesmo quando estamos buscando aquilo que pensamos que seja a vida espiritual, existe provavelmente na nossa mente consciente ou inconsciente aquilo que pode trazer uma felicidade mais estável, mais permanente. Pois a vida aqui é difícil. de uma forma ou de outra, portanto existe essa busca de felicidade. E quando o "eu" está buscando a felicidade, como se falou, é como se estivéssemos indo sempre numa trilha única e não víssemos as outras coisas. Estamos preocupados em descobrir essa coisa para nós mesmos. E existe o sofrimento que está em toda parte e esse sofrimento vem logo atrás da pessoa que está buscando felicidade, e pode, inclusive, alcançá-la, ou então vir logo depois da curva.

Talvez o que Krishnamurti queira dizer seja: ao invés de estar buscando felicidade, permaneça bem onde você está. Se o sofrimento vier, encontre-o e descubra o que ele tem para lhe ensinar", Pois

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se o que vem até nós - sela felicidade ou tristeza - nos encontrar sem resistência, de uma forma receptiva, sem buscar nada, talvez, então, descubramos toda uma mensagem de riqueza.

Pergunta: Se uma pessoa tem consciência de que abraçando a dor ela encontra alegria, isso não pode tornar-se masoquismo? E quanto à linguagem, ela está muito alta, não tão acessível.

Resposta: Talvez a linguagem usada seja um tanto elevada e não se pode fazer muito a respeito, pois estamos estudando um livro que tem ensinamentos muito profundos e se está profundo demais, sempre podemos começar, com um outro livro talvez mais simples, alguma coisa mais acessível, como o livro Aos Pés do Mestre, que é mais simples de ser entendido, mas não mais simples de ser praticado. Talvez, se nós começarmos tentando entender coisas mais simples, mas praticá-las, de fato, talvez, então, essa prática nos permita compreender coisas mais difíceis. Eu acredito que isso é uma verdade absoluta. Não é preciso que nos sintamos desconfortáveis se não podemos entender algo que está elevado demais: o importante é começar de onde se está e seguir adiante, pois pode-se começar de um nível muito elevado e, depois, se estagnar lá e isso não traz bem nenhum. Isto não quer dizer que devamos estar sempre rodando em torno do que é confortável para nós, sem tentar seguir adiante: como os americanos dizem: "Forcem, exercitem a sua mente."

Quanto à questão de se tornar masoquista no abraçar a dor, acredito que palavras deste tipo não devem ser tomadas literalmente, mas no espírito em que foram usada. Se nós literalmente abraçarmos a dor, isso é masoquismo, mas olhemos de outra forma: Nós dizemos que não devemos gostar da dor, não devemos ser masoquistas, e seguimos adiante até encontrar algo que seja prazeroso, porém tudo que encontramos de prazeroso tem um outro lado, o qual é um lado de dor. Podemos, por exemplo, achar que é um prazer nos ligar a alguma pessoa, e depois de algum tempo essa pessoa não nos querer mais - o que parece ser algo comum neste pais! Veja, portanto como o sofrimento se torna dor.

É como se deitar numa cama e dizer. "Como é gostoso estar deitado'. E se a pessoa permanecer por muito tempo deitada, aquilo se torna doloroso. Como visto, a busca do prazer é um convite à dor. E portanto a busca da dor, talvez, não seja menos masoquismo do que a outra coisa que foi mencionada. A busca do prazer talvez seja também uma forma de masoquismo. Talvez seja uma coisa mais sábia não sair atrás do prazer. Não estamos aconselhando que devemos querer a dor, no entanto, o que for que venha de dor ou de prazer que nós tentemos aceitar e compreender. O importante é a compreensão.

Se existe dor, então qual é a fonte da dor? Ela está na situação ou está dentro de nós? Se permanecermos cora a dor, então poderemos entendê-la e talvez nos tomar totalmente livre dela. Mas estamos tentando escapar da dor talvez nunca venhamos a entendê-la. Escapar significa ir para algum outro lugar, tentar disfarçar a situação e fingir que não é o que é. encontrar outras pessoas para dizer que agora está bem e daí por diante. Se fazemos isso, não permitimos então à dor que nos diga a que veio. Krisnhamurti, com freqüência, diz: "Deixem que as coisas floresçam e se mostrem para vocês e aí elas se afastarão." Com freqüência é difícil se entender as palavras de Krishnamurti. Se permitirmos que o ciúme floresça, significa que vamos nos tornar cada vez mais ciumentos? Não foi isto que ele quis dizer, e sim: "Olhe para o ciúme, não tente acobertá-lo:' Se surge o ciúme, dizemos: "As pessoas não gostam de ciúme, então deixe-me fingir que não sou ciumento." Não tenhamos o ciúme como um segredo para nós mesmos, encaremo-no firmemente e vejamos todas suas implicações! É isso que se quer dizer com: "permita que o ciúme floresça."

Um botão está fechado e quando ele floresce toda a flor se abre e se pode ver sua natureza

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completa. Então, quando vemos a natureza completa do ciúme ou seja lá do que for - suas origens, as suas implicações, o dano que ele produz - quando se vê tudo isso, então ele chega a um fim. Mas se nos recusarmos a olhar a totalidade do que está acontecendo e pretendermos fingir que somos virtuosos, ele surge de novo. Muitos de nós, acredito, gostamos de pensar que somos virtuosos, não gostamos de olhar para os nossos pecados e defeitos. Entretanto, é extremamente útil olhar de forma completa para esses defeitos. Isso não ? nenhuma espécie de masoquismo, mas sim uma forma de aprendizado. E "abraçar a dor" é uma frase que quer dizer algo desse gênero.

Se um filho de vocês morre, então vocês têm dor: não tente escapar da dor, mas tente entender qual é o sentido da dor, a causa da dor, o que está na sua própria mente que faz com que você sofra. Este aprendizado é muito importante.

Pergunta: Esta frase "Está fora cio teu alcance. porque, quando chegares a ela já não te encontraras a ti mesmo" ela se relaciona com a idéia de que quando alcançar a luz já não haverá o 'eu'?

Resposta: Não se pode colocar de uma forma seqüencial: quando você alcançar, então seu ego deixa de existir". Ou será que é da outra fama?: Quando seu ego deixa de existir, então, ai, você percebe a luz? Acho que não se pode analisar e colocar dessa forma. Existe um processo completo que é aquilo que se quer dizer com a jornada Nesse processo, aos poucos, o sentido de ego é aparado, é podado. E dentro de poucos anos, se alguém é muito observador, honesto consigo mesmo e não simplesmente tenta encontrar escapatórias, é possível podar bastante (esse podar no sentido positivo, de se fazer, se consertar). Quando o ego está subjugado e não agressivo, então se começa a ver um pouco mais, um pouco mais de verdade, e se estar um pouco menos apegado a irrealidades. E na medida que o poder de percepção da pessoa cresce, ele permite que a pessoa veja os movimentos do ego de uma forma melhor. E, por isso, quando chega ao ponto em que se pode ver aquilo que está além, neste ponto o ego está bastante subjugado e, de tempos em tempos, ele pode ainda surgir.

Como já foi dito, mesmo muito antes desse estágio, com um vislumbre, alguma experiência, pode acontecer do ego dar uma desaparecida. Pode-se viajar, por exemplo, e ir ver os Himalayas. É uma visão maravilhosa e, por um momento, esquecemos de nós mesmos, naquela beleza, naquela grandeza. Por ser uma pequena experiência do "eu" não estar lá. Porém, só na medida em que trabalharmos em nossa vida e o 'eu" se tornar cada vez menos insistente, a ponto de ter perdido toda a sua agressividade.

Esses são os momentos em que começamos a ter um vislumbre maior sobre a natureza interna das coisas. E por que sentimos que existe algo dentro ou algo além, passamos a aspirar naquela direção. Por isso que a regra diz: "Deseja unicamente o que está fora de teu alcance." Se o "eu" está completamente perdido, o que está além ainda está lá. E então a questão relativa ao desejar não existe mais. Mas é nesse estágio, quando se compreende que há algo além - intuitivamente se está, pelo menos, um pouquinho consciente de que ele está lá -é nessa altura que você começa a aspirar em direção ao que está além.

(*) Presidente Internacional da Sociedade Teosófica.

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LUZ NO CAMINHO* Radha Burnier

Quinta Conferência da Sra. Radha Burnier sobre "Luz no Caminho".

A regra 17 diz: "Procura o caminho" e é seguida imediatamente por uma nota: "0 discípulo dirá - Estudaria eu estes pensamentos, se não procurasse o caminho? - E não te apresses a passar adiante, Detém-te e medita um pouco. É realmente o caminho que desejas, ou é que a tua fantasia te oferece uma vaga perspectiva de elevadas alturas para escalar, ou um grande futuro para abarcar? Tem presente a advertência. 0 caminho há de ser buscado por ser o caminho, e sem ter em conta os teus pés que o devem percorrer".

A advertência é nunca assumir que a nossa atitude - ou desejos - está certa, ou seja, torná-la por correta e pronto. A maior parte de nós reluta em ver o que está dentro de nós mesmos. Por exemplo: se temos uma diferença com outra pessoa podemos dizer que não temos nenhum tipo de falta de fraternidade para com a outra pessoa e sim que ela é uma pessoa difícil e por isso existe o atrito.

Nunca devemos chegar a conclusões rápidas como essa, mas estar sempre preparado para se reexaminar calmamente, com cuidado. E mesmo assim, ainda poderemos não perceber direito o que está na nossa própria mente, pois aquilo que não queremos ver a fundo no nosso inconsciente (no subconsciente) parece que, pelo menos no momento, não existe. É necessário, portanto, prestar atenção permanente, pois o que não existe, por algum período de tempo, pode surgir quando se está prestando atenção. E a Pergunta: que fazemos aqui é: será que estamos buscando realmente o caminho? Ou existem motivos de interesse pessoal? Ou estamos buscando alguma experiência de tipo refinado? Ou tentando escapar das dificuldades e dos nossos problemas? Ou nos imaginamos num nível mais elevado? Esse tipo de motivação pode permanecer oculto no subconsciente, nos levando a nos enganar e pensar que o que buscamos é de fato o caminho espiritual. Então, cevemos olhar e nos perguntar constantemente: o que é que estamos realmente buscando?

Aqueles de vocês que leram o livro sobre Krishnamurti talvez se lembrarão. Ele diz em algum lugar que está vigiando, assim como um

gato vigia um rato. O rato sabe que o gato está olhando. E aí ele tenta se mover sem ser notado. Mas o gato observa com tanto cuidado, que vê o menor movimento. De forma similar, o auto-interesse não quer ser notado e pode tentar trabalhar sem que seja percebido. E devemos ser muito vigilantes para que possamos notá-lo.

A meditação também pode ser uma forma de auto-interesse. Se existe um motivo do "eu" para meditação, ela nunca pode ser bem sucedida. E com freqüência, a meditação é feita com o objetivo de se alcançar algo. O que pode provar, em última análise, ser contra-producente.

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A busca do caminho é também bem similar. Se permitirmos que a automotivação exista, por algum tempo, talvez até por um período longo pode parecer que estamos fazendo progresso. Mas, em algum momento, sem que nós percebamos, ela nos alcançará e trará uma queda. Por isso esse aviso é dado. Não passe sobre esta questão rapidamente. Não conclua assim: "eu estou seguindo o caminho porque não estou buscando nada para mim mesmo." E não só agora, mas repetidamente nós temos que olhar com atenção e fazer-nos essa pergunta. O caminho deve ser buscado porque ele é correto.

Nós vemos, como foi dito, que a vida humana é cheia de tumulto, não apenas a vida de uma pessoa, mas a vida humana em geral. Como diz o livro A Voz do Silêncio, em cada flor existe uma serpente enrolada na haste. E para cada satisfação, para cada prazer, existe algo mais ali. E percebendo tudo isso, logo o caminho é buscado, pois a própria humanidade, como um todo, precisa de um caminho diferente. A pessoa que percebe de que deve haver um fim para a ansiedade da alma humana: para os seus medos, esperanças, desapontamentos e dificuldades vindas de várias direções. Aqueles que refletiram ou meditaram podem também ter um vislumbre de que existe uma possibilidade diferente para o ser humano.

Nós lemos a respeito da vida de homens santos, seres humanos nos quais parece não haver tumulto e sim um profundo sentimento de paz, pessoas nas quais não existem barreiras, mas, sim, o amor abundante, inexorável, não escolhendo qual o objeto do amor. Existem seres humanos que são amplamente puros por dentro, em quem não existe sinal de egoísmo. Talvez nós tenhamos lido a respeito da vida dessas pessoas santas. E com um pouco de sorte. talvez até já tenhamos encontrado algum deles ou alguém que está a caminho de atingir isso. Portanto, direta ou indiretamente, se nós tivermos um vislumbre de um outro tipo de viver, um outro tipo de ser, tal beleza nos diz, então, qual é o caminho e nos atrai a trilhar esse caminho. E também neste caso a questão não é do "eu" estar trilhando o caminho, do "eu" estar alcançando alguma coisa ou algum lugar. O caminho é percorrido por que se percebe, pelo menos em algum nível, o que a vida humana não precisa ser e o que ela pode ser a tragédia do ser humano médio e a glória do homem aperfeiçoado. Em ambos os casos existe a inspiração da energia usada para trilhar o caminho, o que não tem nada a ver com o fato de querer algo para nós mesmos.

Diz-se que existem muitas batalhas a serem travadas antes que a pessoa possa chegar ao fim desse caminho. O caminho, a senda, somos nós mesmos e a transformação que deve tomar lugar dentro de nós. Não é algo de fora. A dificuldade relacionada com o uso das palavras, como caminho, estar percorrendo o caminho, é que sempre parece algo que está fora de nós. Mas, o caminho na verdade significa a mudança das qualidades da mente, da consciência, como o ser da pessoa.

Como dissemos ontem, existe o sentimento da existência como um ser em separado, um ser individual, o qual é a fonte de toda a imoralidade. Não existe nenhuma imoralidade que não seja produto do sentido do "eu', do ego. A pessoa que está tentando percorrer a senda, não está preocupada com as meras convenções sociais, pois as convenções sociais podem dizer que algo é moral, quando é, na verdade, imoral ou então fazer o oposto, declarar como imoral algo que não tem nada de imoral. Por outro lado, aquele que é sério a respeito do trilhar essa senda, não pode negligenciar a busca do que é realmente uma ética e uma moralidade verdadeira.

HPB diz que a ética é a alma da Teosofia. Em todas as tradições religiosas existe um ensinamento básico relacionado com a ética. O mandamento cristão diz: "Não matarás". É claro que ninguém se

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importa com isso. E mesmo que se importe, talvez pense que a regra signifique: não mate o ser humano. A não ser que o Estado mande você ir lutar na guerra, ou então que a igreja diga a você para fazer uma guerra santa. Mas o mandamento não aborda nenhuma destas qualificações. Ele diz a mesma coisa que diz a Ioga, sobre a=sa, a qual vai um pouco mais adiante, não dizendo apenas "não matarás mas, também, não provocarás dor. E existem outros conselhos similares.

Em todas as verdadeiras tradições religiosas e espirituais, essas regras não são sugeridas para serem obedecidas cegamente, no entanto, com relação a algumas coisas fundamentas, é melhor obedecer cegamente ao que fazer o contrário. Para o nosso próprio bem, senão para o bem de todos.

Vamos compreender essa questão a respeito do matar ou de provocar dor. Talvez digamos que "não queremos que a religião ou qualquer pessoa nos diga o que fazer e o que não fazer, eu faço o que eu quero."

Mas se fazemos assim nos tornamos insensíveis à dor e à vida de outros seres humanos e a de outros seres vivos, sejam humanos ou sejam não-humanos, animal ou planta, inseto ou peixe. Esse tipo de insensibilidade é muito danoso para se percorrer o caminho, visto que esse caminho é exatamente um crescimento da sensibilidade. Nós nos tornamos cada vez mais unificados com uma e todas as formas de vida. Portanto, se em nome da liberdade nós nos tornamos calejados, insensíveis, poderemos assim provocar um dano enorme a nós mesmos. Sendo assim, é melhor, neste caso, obedecer mesmo que seja a uma regra tradicional, como "Não matarás". Porém seria ainda melhor se percebêssemos o porque disto.

E como decorrência dessa compreensão, da inteligência, da consciência do fato, aí então não fazermos. Na verdade, quando existe a compreensão, não se realiza o ato; quando entendemos, então, que toda a vida é una, que outra forma de vida é tão preciosa quanto a nossa e o crescimento de outra é tão importante quanto o nosso crescimento, então tratamos essa outra forma com respeito e reverência. Quando fazemos isso, tornamos, então, a qualidade de nossa própria consciência mais sensível, pois agindo assim, reduzimos o sentido de separatividade, o do 'eu", que é a fonte de todos os problemas ocorridos no caminho. Não se pode, no entanto, ignorar a questão da moralidade, o que significa o verdadeiro viver ético, pois toda a virtude está baseada na unidade, no sentido de não-separatividade e toda a imoralidade resulta do sentido de "eu', do sentido de separatividade.

Tudo isso deve ser observado pelo candidato ao caminho. Em cada passo, é necessário, como diz o livro, parar e considerar bem "o que eu" estou fazendo, qual a validade das minhas ações" e ação aqui significa também pensamentos, reações emocionais, palavras, além de ações físicas. "Ou é o mesmo impulso animal que trabalha dentro de mim, incapaz de uma reflexão ou de inteligência? Ou será a minha consciência que permite a si mesma se expandir porque eu estou observando com inteligência"?

É portanto essa transformação interna que se pode chamar de transformação do sentido do eu" para a virtude - que é o caminho. Não devemos imaginá-lo como sendo algo fora de nós mesmos. algo que possa ser feito em nosso nome Dor outra pessoa. Num famoso trabalho de uma ordem de Sancaracharya, chamado Viveka Shudamani - A Jóia Suprema da Sabedoria, ele diz que algumas coisas podem ser feitas em seu nome por outra pessoa. Se nós assumimos alguma dívida, alguém pode pagar a nossa dívida, mas se nós estamos doentes, uma outra pessoa não pode tomar remédio em nosso lugar.

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De forma similar, ninguém pode percorrer o caminho por nós, ninguém pode nos levar desse lugar para aquele outro. Cada pessoa tem que caminhar por si mesma, pois o caminho é essa mudança da própria consciência. Como foi dito, é a mudança do estado de egoísmo e separatividade, para o estado de virtude, que é a unidade e harmonia. Cada homem é para si mesmo o caminho absoluto, a verdade e a vida. (Isto está na regra 20.) Porque ele é o caminho, a verdade está lá dentro de sua própria consciência, a vida é dele mesmo, e não a vida de outra pessoa.

Como vimos, está tudo dentro de nós, como conseqüência da mudança do egoísmo à pureza total. E se começarmos o caminho visando conseguir algo para nós mesmos, existirá aí uma contradição obvia. Logo, o caminho deve ser buscado por si mesmo, o que requer uma grande dose de reflexão, de auto-exame, de honestidade e inteligência.

As duas regras seguintes dizem: "Busca o caminho, retirando-te para o interior". "Busca o caminho, avançando resolutamente para o exterior." Na medida em que a pessoa continua a experimentar e a praticar - e por experimentar não quero dizer "fazer o que se quer', mas sim testar os ensinamentos, trabalhando-os em sua própria vida - então ela descobrirá que o dentro e fora são a mesma coisa. Mas, no começo, parece que existe o interior e o exterior. que a pessoa que está vendo é algo diferente daquilo que está sendo visto, porém, mais tarde essa diferença some.

A regra 20 diz: "Busca-o, mas não em uma direção única. Para cada temperamento existe uma via que parece a mais desejável." Infelizmente; isso se torna causa de atrito entre as pessoas, mesmo entre aqueles que são razoavelmente sinceros quanto ao trilhar esse caminho, porque pensam que o melhor caminho para si deve também ser o melhor para os outros. No entanto, não é isso que acontece, porque cada pessoa está em seu próprio lugar e em sua própria situação dentro da evolução. Diz-se que apenas um Buda pode saber o que é correto para cada pessoa, em seu próprio estágio, e qual ensinamento pode levar aquela pessoa um pouco mais adiante. a partir do ponto onde está. Mas nós não somos Budas e não devemos imaginar que sabemos o que serve para os outros.

O caminho tem muitos aspectos que são mencionados aqui: devoção. contemplação religiosa. ardor de progresso - que é bastante difícil de ser entendido - laborioso sacrifício de si mesmo e estudiosa observação da vida. "Nenhuma destas coisas por si só faz adiantar ao discípulo mais que um passo. Todos os degraus são necessários para subir a escada" A pessoa deve florescer em todos os seus aspectos, simultaneamente. Todos esses aspectos mencionados são como se fossem pétalas de uma flor. E quando a flor se abre. existe perfeição total.

Em um homem perfeito não existe, digamos, apenas perfeição de sabedoria, pois não existe sabedoria onde não existe compaixão e amor. A pessoa que é perfeita em sabedoria deve ser perfeita em amor também e não pode haver amor sem pureza, ou seja, uma completa ausência de auto-interesse. De fato, a questão do auto-interesse não surge porque não existe o "eu" da forma como nós o conhecemos. A sabedoria perfeita significa o amor perfeito, a pureza perfeita. E quando não existe o "eu" então existe a paz completa -- todas essas coisas são únicas, o que é a perfeição. E quando a alma desabrocha, floresce, ela mostra todas estas características de perfeição.

Seria um erro imaginar que alguém pode desenvolver-se apenas em uma direção. Pegue como exemplo a devoção que é mencionada aqui. Nós podemos ter um certo conceito a respeito de devoção que faz ela parecer algo diferente da contemplação religiosa, diferente da observação estudiosa. Mas a devoção que não traz junto essas outras coisas, não é a verdadeira devoção. A verdadeira devoção significa a total auto-entrega, rendição total do "eu". Não é uma questão da

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pessoa permanecer em frente a algo do qual ela quer receber graças. Não é uma satisfação emocional. Mas um desistir completo de si, abrir mão de tudo que se quer, da auto-existência. Desistir disto para o universal.

E como é que esta devoção pode acontecer se não existir contemplação, observação? A menos que se esteja observando, tentando ver se o "eu" permanece na busca de sobrevivência, então não se pode abrir mão de tudo isso completamente. No Baghavad Gita se diz que existem tipos diferentes de devotos: aqueles que querem sabedoria, aqueles que querem ser salvos do sofrimento e aqueles que querem outra coisa, como bênçãos. Mas o verdadeiro devoto é aquele que não pede coisa alguma, aquele que tem uma confiança total na vida. para usar as palavras de Clara Cood, e na sabedoria e na bondade desse poder que é a vida. Esse tipo de devoção não é fácil e requer muito trabalho. Daí a expressão o laborioso sacrifício de si mesmo está relacionado na devoção. Como o livro diz: Todos os degraus são necessários para subir a escada. Os vícios dos homens se convertem em degraus da escada, um a um à A proporção que vão sendo dominados" Pois todos os vícios ou defeitos que temos são desafios. Não é algo que deve ser protegido e mantido, mas algo que está nos desafiando a ser dominado.

Se temos a força para dominar o vício, então existe progresso. Porque, nesse caso, o espírito dentro de nós, o Atma, começa a funcionar. A palavra Atma é uma palavra que abrange muito, ela significa a inteligência espiritual mais elevada, a natureza mais refinada da consciência, aquilo que é uno com toda a existência. Portanto, é a transcendência dos vícios dentro de nós mesmos. É uma conquista do espírito, pois o vício é uma expressão da natureza material e vencer um vício significa que a natureza mais elevada está em funcionamento. Daí se diz que a natureza completa do homem deve ser usada com sabedoria. A individualidade completa deve ser abarcada com firmeza.

Ambas, individualidade ou personalidade, foram criadas através das eras. Já discutimos que isso tem um certo propósito, o qual está mencionado aqui. Pois é através do desenvolvimento dessa individualidade que existe o crescimento gradual da inteligência - a inteligência para alcançar a vida que está além da individualidade.

A mente se desenvolve através do crescimento da individualidade ou da personalidade. A mente aprende a distinguir entre as coisas, a ser aguda, exata, clara, mas ela só é capaz de trabalhar em um certo campo, em uma certa esfera e não está ainda inspirada pela inteligência superior. Mas, como dissemos, com a ajuda do processo cármico, a mente começa a não apenas distinguir entre as características das coisas materiais, mas também tem a inteligência para discernir entre o que é material e mecânico, e o que é espiritual e criativo. Então, nós compreendemos que é com esse objetivo que toda a vida sobre esta Terra existe, encarnação após encarnação. Ou seja, é para que essa inteligência superior desenvolva a si mesma e para que ela domine as inclinações da mente e do corpo.

A advertência aqui diz: "Busca-o submergindo-te nas misteriosas e esplêndidas profundidades do mais íntimo do teu ser." Pois esse tipo de inteligência espiritual não vem sob a forma de informação que está nos livros, mas é uma questão de saber o que tem valor. No pensamento hindu se diz que a realidade última que se chama Brahma é o valor mais elevado. um valor absoluto. Mas nós tomamos várias outras coisas como sendo também de valor. E o discernimento espiritual faz justamente com que nos rejeitemos as coisas que têm menos valor, e caminhemos na direção daquilo que tem duração mais prolongada. Esse poder de discernimento está dentro de nós e não está no nível da mente, pois a mente não é capaz de entender o valor verdadeiro. Ela é dirigida pelo ambiente, condicionada pelo que a circunda, caindo em ilusão no que tange ao real valor. Portanto, é preciso ir mais profundo do que a mente a fim de encontrar a fonte do discernimento verdadeiro.

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Para usar a terminologia teosófica, é a natureza de Buddhi que é capaz de tal discernimento. Buddhi, algumas vezes, é traduzido como intuição, mas a palavra intuição pode ser muito mal interpretada. Pois se existe algum tipo de desejo inconsciente nós podemos imaginar que é uma forma de intuição. Mas a percepção verdadeira não é nenhum tipo desses desejos ocultos - é uma clareza a respeito daquilo que é realmente duradouro e valioso. E para se atingi-Ia é preciso que se vá bem fundo dentro de nós mesmos. O Bhagavad Gita diz algo que é bem parecido com o que Krishnamurti disse, embora numa linguagem diferente: "quando existem muitas escolhas que a mente pode perceber então existe confusão na mente e a mente está sempre vendo muitas escolhas." O Gita diz que a mente tem muitas ramificações, mas Buddhi não tem nenhuma escolha. Ele vê que apenas o eterno tem valor, apenas a verdade deve ser seguida. E, por isso, Buddhi não tem escolha e nenhuma necessidade de escolha apenas tão-somente clareza de percepção.

Na medida em que prosseguimos nesse caminho, temos que testar as nossas experiências, nossas reações e pensamentos. Testá-las sob a luz da inteligência espiritual - que pode discernir o que é valor verdadeiro. Se tentarmos com seriedade, ficaremos conscientes dos problemas e das dificuldades, da decepção, das trevas, e aí sentiremos simpatia em relação a outros que também estão lutando. E a própria luta tem a sua beleza, pois tudo isso é parte do curso natural das coisas: o desenvolvimento da personalidade, a sua luta e a transcendência dessa personalidade. É esta a vida humana, com suas tristezas e, finalmente, suas recompensas. E vemos a beleza de tudo isso mesmo quando outros estão lutando. -

Um outro conselho é dado: "Busca-o estudando as leis do ser, as leis da natureza, as leis do sobrenatural: e busca-o prosternando a tua alma ante a pequena estrela que arde no interior. Enquanto vigias e adoras com perseverança, a sua luz irá sendo cada vez mais brilhante.' Na tradição do Oriente, fala-se a respeito de um pedinte pobre: ele acha que não tem coisa alguma e deve caminhar vagando e conseguir alguma coisa. Ele vai pedindo as coisas para as pessoas. vai roubar coisas. E, no geral, ele é miserável. Mas se o pedinte compreender que não é um pedinte, então ele se toma um rei. Por alguma razão, ele colocou a roupa de pedinte, mas ele compreende que tem tudo. Não é preciso pedir nem tirar coisa alguma É esta a condição de todos os seres humanos.

Identificamos a nós mesmos com essa pequena e medíocre personalidade, a mente externa e miserável, que sente que precisa pegar isso, conseguir aquilo. Mas se podemos prestar atenção e olhar com profundidade dentro de nós, vamos descobrir aquela natureza real, aquela que não precisa de nada porque já tem tudo. Então, através de olhar, de considerar, podemos ter um vislumbre de tudo. E o livro diz: "Vigias e adoras". E não é um tipo de autoglorificação, mas a consciência de que dentro de nós existe a presença divina. De fato, se descobrirmos essa presença divina dentro, descobriremos que está em toda parte. As pessoas têm falado a respeito da consciência de Deus e isso é a descoberta da essência de todas as coisas. E isso deve começar através de compreender a essência dentro de nós mesmos. Quando então saberemos que encontramos o começo do caminho. Mas, se tivermos dúvida sobre a nossa própria natureza, duvidarmos que existe uma grande riqueza espiritual dentro de nós, aí teremos muitos problemas.

Pergunta: Quando se descobre a lei simples que comanda todas as outras leis, é o próprio princípio que quer ser dito aqui: "é inatingível porque retrocede sempre:'? Esse retroceder é por que encontramos a lei simples, que é a origem, que comanda todas as outras leis?

Resposta: Não entendo exatamente a pergunta. Eu não vejo como uma lei pode estar retrocedendo.

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O que é inatingível é o ser absoluto. E porque nesse ser absoluto existe profundeza sem fim, então não podemos nunca tocar o fundo: quanto mais caminhamos, mais adiante está o final. Quando o ser absoluto se manifesta, existem leis funcionando nessa manifestação. As leis são uma expressão dessa realidade. Mas eu não vejo como as leis possam retroceder. É verdade que existe uma lei das leis, que poderíamos chamar de Lei simples. O Mahatma diz que essa Lei Una é a Lei da Harmonia. Porém, não devemos nos enganar, dizendo que compreendemos que existe apenas uma Lei simples. Nós não compreendemos isso de forma alguma. Apenas temos um concedo de que ceve haver uma única regra simples. Para entender isso, precisaríamos estar uno com esta única Lei, estar uno com essa harmonia, que não é a harmonia só dentro de uma pessoa, mas a harmonia da manifestação completa.

Pergunta: Foi dito que para se iniciar o caminho se faz necessário uma energia Eu tenho a dificuldade de saber que tipo de energia é essa, se essa energia é do interior, se essa energia é do exterior ou se é uma energia só. Se é uma coisa só, interior e exterior.

Resposta: Acho que já falamos sobre isso. Existe apenas uma energia, que é a energia verdadeira. Ela não está dentro ou fora É a energia da própria vida, no sentido mais amplo do termo. Mas nós não permitimos a essa energia que funcione, pois estamos colocando obstáculos a essa energia da vida. Esse obstáculo está embutido no conceito de que "eu sou diferente do resto'. É como se fosse uma grande pedra que está impedindo o fluxo das águas da vida. Pois quando nós dizemos: "eu sou", estamos negando a própria vida, estamos nos separando da vida. Mas a energia da vida é tão forte que ela não vai permitir nem mesmo a essa grande pedra permanecer lá, para sempre e está sempre empurrando essa pedra para fora do caminho. Mas se nós ajudarmos, o fluxo virá muito mais rápido.

Pergunta. Há alguém que não come carne por tentar alcançar o desenvolvimento, mas, por outro lado, deseja, é claro, como corpo emocional, comer carne. Esse conflito da repressão de não comer carne e do desejo de comê-la, como podemos entender?

Resposta: Não é só essa pessoa que está em conflito. Todo mundo está em conflito, querendo e, ao mesmo tempo, não querendo as coisas. Eu tenho certeza que é uma questão certa. Como também serve para todos nós, pois veremos o que acontece com a mente: ela quer estar sempre vagando de um lado para o outro. Mas quando ela vaga dessa forma, nós nos cansamos e então queremos a paz. E quando estamos em paz e quietos por um tempo. ficamos aborrecidos. Queremos, então, outras atrações para que a mente continue vagando.

Esse conflito não é algo comum? Existe esse conflito em todas as pessoas. E a forma de resolve-lo é através da reflexão. A compreensão do que diz respeito a tudo isso. Se uma pessoa quer comer carne, mas ela também sente que não deveria come-la, talvez se ela refletir um pouco sobre o assunto, ela poderá compreender que não existe razão para fazê-lo. 0 corpo não precisa disso, e sim a mente que se tornou apegada a um sabor particular ou acostumada a um hábito particular que está puxando nessa direção.

A reflexão também mostrará que a mente que está desejando uma coisa como essa. ou qualquer outra, reduz a liberdade da pessoa. Adotando costumes impensados, ficando induzida a caminhar numa certa direção, faz com que a pessoa se torne insensível, como foi dito.

Vocês sabem como é a produção de carne, atualmente? Os animais não são mortos rapidamente. Desde o momento em que eles nascem, eles são mantidos em condições terríveis e miseráveis.

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Uma das técnicas usadas é não permitir que o animal ou pássaro se mova, ele tem que ficar parado. Ele fica confinado numa pequena jaula ou caixa, pois ele se torna mais gordo, rapidamente, quando não é permitido mover-se. E aí o empresário economiza um pouquinho de dinheiro com cada um dos animais, possivelmente muito dinheiro com muitos animais. Portanto, milhões de animais são mantidos em miséria, do nascimento até a morte. E a mente se toma indiferente a esse sofrimento.

Se eu ficar contando para vocês todo o sofrimento que passam os animais, gastaria a manhã toda. Mas devemos estar conscientes disso, sabendo o que acontece. Portanto, se você quer agradar a sua mente ou sua língua a esse preço, significa que a mente se permite tomar-se bastante insensível. Nós estamos causando muita miséria a essas criaturas e muitos danos a nós mesmos. A reflexão deveria nos mostrar tudo isso, e se uma pessoa acredita no carma ou se sente convencida de que deve haver uma lei desse tipo - o que corresponde a outro tipo de lei, no mundo físico - então ela compreende que não existe arbitrariedade na existência da manifestação e todas as coisas trabalham de acordo com a Lei, tanto no nível físico como no moral as causas e os efeitos estão relacionados, e, portanto, não pode fazer nenhum bem para a humanidade causar tanto sofrimento aos animais.

Quanto mais a pessoa refletir sobre o assunto, mais claramente verá que não há razão para comer carne. Se refletir ainda mais profundamente, não poderá mais fazê-lo. Esse conflito, assim como qualquer outro, pode ser resolvido somente através da reflexão. Teillard Chardin diz em um de seus livros que a verdadeira qualidade da mente humana é a reflexão, e se a reflexão não existe, então a pessoa não está levando uma vida humana, está levando algo que é menos do que uma vida humana.

Além da questão da carne, existem também outros conflitos. Não existe conflito quando nós estamos em atrito com outra pessoa? na família, com os amigos, com os colegas. Nos sentimos mal e miseráveis. E podemos tentar disfarçar esse sentimento, dizendo que a outra pessoa é muito ruim. O próprio fato de dizermos que ele está errado', mostra que já nos sentimos desconfortável. E nós vamos tentar justificar esse desconforto de muitas formas, porque existe uma parte de nós mesmos, de nosso eu real, que sabe que harmonia é uma lei da natureza, e ele sabe isso por si mesmo, dentro de si, e não na cabeça. E é por isso que quando existe desarmonia, nos sentimos desconfortável, nos sentimos pouco a vontade. Mas existe também um outro lado que diz: "o meu orgulho não me permitirá conversar com essa pessoa. Eu não vou dar o primeiro passo. Eu respeito a minha posição dando ótimos argumentos. Eu faço isso para o bem do trabalho." Todo tipo de desculpa.

Nós podemos fazer coisa diferente para o bem do trabalho, em nome do trabalho, e não sentir desarmonia. Pode haver diferença e, no entanto, afeição. Por que não? É apenas o conflito entre o orgulho e a personalidade, e o desejo instintivo pela harmonia. Esse conflito cria tal tipo de problema. E é um conflito experimentado por todos e todos devem resolvê-lo. Caso contrário, nos sentiremos cada vez mais desconfortáveis.

Um dia vai haver uma explosão, uma crise e aí nos sentiremos forçados a fazer algo. E, se somos inteligentes, devemos refletir sobre o problema e resolve-lo aqui e agora. Portanto, o conflito, de muitas formas, existe na mente humana, que é parte do desafio que enfrentamos no estágio humano, pois é esse o estágio no qual o homem-animal está lutando contra o homem-divino. Nós estamos todos no campo de batalha de Kurukshetra.

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Pergunta: Jung afirma que o crescimento espiritual começa com o trabalho de desenvolvimento da identidade da individualidade. Como a Sra. vê essa questão? Gostaria que a Sra. desse uma definição correta do "eu'.

Resposta: A Resposta: é muito simples. Eu não conheço bastante bem a psicologia de Jung para responder essa pergunta. Eu não sei se o que ele disse foi colocado num contexto correto, quais são as palavras que ele usou. Portanto, você deve trabalhar na Resposta: por si mesma ou então conversar com alguém que conheça Jung.

(*) Presidente Internacional da Sociedade Teosófica.

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LUZ NO CAMINHO* Radha Burnier

Sexta Conferência da Sra. Radha Burnier sobre "Luz no Caminho".

Eu vou tentar terminar a primeira parte do livro esta manhã, o que significa que nós vamos precisar correr um pouco para terminar o que falta. Ontem nós estudamos que a individualidade tem que ser reconhecida não como algo em si. Durante várias encarnações ela foi construída de modo que a inteligência pudesse desenvolver-se - a inteligência que ajudará a transcender a individualidade, e encontrar uma vida de uma natureza diferente. O que parece ser um período de luta e de dificuldades, na realidade é um meio maravilhoso através do qual essa transcendência pode ocorrer.

O livro diz: "Busca-o submergindo-te nas misteriosas e esplêndidas profundidades do mais íntimo do teu ser. Busca-o provando toda a experiência". E a nota a respeito dessa regra nos lembra que testar a experiência não significa ceder à sedução da experiência; ir atrás da experiência não é a mesma coisa que testar a experiência. Talvez se não colocarmos de forma diferente se tornará mais claro: testar a experiência significa utilizar cada experiência como um teste da sua própria inteligência. A palavra inteligência estou dando o significado de inteligência espiritual, e não a inteligência mais material, mundana.

Está dito que: "Antes de converter-te em ocultista, podes fazê-lo, porém não depois. Uma vez que tenhas escolhido o caminho e nele penetrado, já não podes, sem receio, ceder a tais seduções." Porque se nos tornarmos vítima da sedução, cairemos numa desilusão. Existe uma passagem bem conhecida no Bhagavad Gita, que fala sobre isso: que o contacto com os sentidos produz os desejos, e o desejo leva à raiva, e a raiva leva à desilusão, e a desilusão leva a total perda de orientação. (Estou simplificando esta passagem por conveniência). A não ser que se queira perder a própria direção, a direção sendo a Senda, não se pode ceder à desilusão quando se está levando a sério o caminho.

'Mas, não condenes o homem que cede (...) Tem presente - ó discípulo! - que, por grande que seja o abismo que existe entre o homem virtuoso e o pecador, é ainda maior entre o homem virtuoso e aquele que obteve o conhecimento:' Uma pessoa ignorante quando é comparada conosco, nos parece uma pessoa boba. Nós não podemos compreender por que ela é como é. Então existe um sentimento de intolerância e superioridade, nós sentimos que ela deveria ser diferente, mas se nós nos vemos em comparação com pessoas iluminadas, aos seus olhos talvez nós sejamos ainda mais ignorantes, ainda mais bobos. Porém, pelo fato deles serem iluminados, essa diferença não os faz intolerantes. Por outro lado eles têm o desejo ainda mais forte de poder ajudar. Está sendo apontado que esta deveria ser a nossa atitude em relação àqueles que estão cedendo à sedução.

"Estende-lhe a mão como a um teu irmão peregrino..." Esse sentimento de superioridade em termos de virtude é por si só um sinal de ignorância. Uma pessoa realmente realizada espiritualmente não

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sente a diferença entre o instrutor e o aluno, ela vive no sentimento da unidade, mesmo com o pecador e com o homem miserável. Mas quando estamos no estado de ignorância, com ausência de luz, é aí que esse tipo de intolerância surge na mente, nós pensamos como as outras pessoas deveriam ser e isso é uma confirmação do nosso sentimento de superioridade, pela maneira como nós medimos as pessoas. Todo ato de se medir é ignorância, é ilusão. "Portanto, guarda-te de imaginar, antes do tempo, que és alguma coisa distinta da massa."

Eu acho que esse é um aviso muito importante, porque inconscientemente sempre encontramos desculpas para nos sentirmos melhor do que os outros. Ou nós achamos que nós compreendemos mais, ou que nós somos mais fraternos, ou mais virtuosos, ou que nós agimos de maneira mais correta. Todo esse tipo de sentimento deve ser observado. O verdadeiro estado da sabedoria é não ter sentimento quanto a ser inferior ou superior, porque existe uma essência divina em todas as pessoas. E quando nós perdemos a visão disto, nós estamos imersos na ignorância.

Está dito: "Não os censures nem te apartes deles: antes pelo contrário, procura aliviar algum tanto o pesado carma que o mundo oprime. presta a tua ajuda aos poucos braços vigorosos que impedem as potências das trevas de obter uma completa vitória." Como nós podemos ajudar a levantar, mesmo que seja uma pouco, o pesado carma do mundo? já que nós participamos do carma de todo mundo, de nossa nação, das pessoas com as quais vivemos - nós estamos inextricavelmente ligados a todos. A não ser que nós estejamos presos no canto do carma, enquanto não estivermos totalmente livres internamente, nós compartilhamos do carma da totalidade.

Portanto, somente quando mudamos a nós próprios, até ao máximo que conseguirmos fazê-lo, nós levantamos um pouco este carma do mundo. Porque nós estamos afetando o carma total através de nossas emoções, de nossos pensamentos e de nossa maneira de ser. E também estamos sendo afetados por esse carma total, nós não podemos fugir nem ficar de lado. A questão é a seguinte: o que nós somos está tornando esse carma mais leve ou não?

A frase: "presta a tua ajuda aos poucos braços vigorosos que impedem as potências das trevas de obter uma completa vitória", também tem que ser compreendida dentro desse contexto, porque se as trevas penetram na nossa mente, nós estamos ajudando a que elas venham a envolver a humanidade. Como Krishnamurti já indicou várias vezes: "nós somos o mundo, o mundo somos nós." A nossa mente é a mente total. Se as trevas não estão na nossa mente, até ao ponto que for possível, nós estamos contribuindo para que elas não penetrem na mente global. A grande fraternidade dos seres iluminados está trabalhando continuamente para ajudar aqueles que querem ajudar a si próprios. Essas são as poucas mãos fortes que conseguem manter afastadas as trevas, inspirando toda inclinação boa, encorajando toda luta na direção da luz. E se nós temos a boa vontade para cooperar nesse sentido, então existe um grande sentimento de alegria. "Agindo desta forma, começarás a participar da felicidade, que, em verdade, acarreta um terrível trabalho e uma tristeza profunda, porém que é também um manancial de delícias sem fim."

Essa frase parece um pouco mistificadora - se é um companheirismo de satisfação, de amor, por que atrairia a tristeza e o sofrimento? Por que quando conseguimos dominar a nós próprias aceleramos o nosso progresso. Como já dissemos, existe um progresso lento que vai desenrolando-se através das idades. E a pessoa até acredita que pode direcionar a sua própria evolução e ajudar também toda humanidade, porque ela está consciente da direção que é esse caminho, essa senda. Isso dá uma força adicional para trilhar o caminho, já que existe essa aceleração. todas as conseqüências carmicas ocorrerão mais rapidamente. Talvez tenha-se então que suportar muitas dificuldades, de fato tão mais rapidamente a pessoa evolui, mais rapidamente ela terá que assumir as conseqüências das vidas anteriores.

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Às vezes as pessoas perguntam: "Por que será que as pessoas boas sofrem, enquanto o pecador parece se livrar muito bem de tudo? Existe uma certa lógica nisso, porque o carma é o instrutor. A pessoa dita má é uma pessoa ignorante ou pouco desenvolvida - essa é a pessoa que cria bastante carma negativo. Se tudo chegasse a ela de retorno imediatamente, ela não lucraria nada com isso. Em tudo que retorna existe algo a ser aprendido. Então a lição é dada dentro da medida correta, o calma chega até a pessoa quando ela já está pronta para suportá-lo, ou aprender com ele. Quanto mais inteligente a pessoa se toma, mais ela pode aprender, e mais lições ela estará aprendendo. E quando se está definitivamente na Senda, há a necessidade de se trabalhar tudo que ficou pendente. Então pode haver sofrimento e turbulências mas a pessoa sabe como ir de encontro a isso tudo, e junto com isso existe uma satisfação que é crescente.

Nós sabemos que a maior parte do sofrimento a que o ser humano está submetido se encontra na sua psique. Vamos pensar no que ocorre, por exemplo, com o corpo físico: a dor física não é tão ruim, nós já observamos com certeza um animal ferido - ele apenas deita pacientemente, de forma quieta, ele tenta fazer com que a dor adormeça. Nós não fazemos isso, nós lutamos contra ela mentalmente, nós pensamos: por que será que aconteceu isso? o que ocorrerá no futuro? por que deveria ter acontecido comigo? e assim por diante. Mesmo se o trem se atrasa, não se pode fazer nada quanto a isso. Mas a mente continua a dizer: "por que ele chegou atrasado?" E nós olhamos no relógio a cada meio minuto. Veja o que a mente faz a si própria! A mente tem que aprender a se colocar na posição correta, em relação a tudo que lhe vem de experiência. Isso é inteligência. E assim ela aprende a partir dessa experiência, ela cresce em virtude, em capacidade, em faculdades. A partir de cada dor existe um lucro.

Vamos seguir para a próxima regra.

"Busca a flor que desabrocha durante o silêncio que segue à tormenta..." Essa tormenta é o transcender da personalidade, quando toda natureza cedeu para o ser superior, então a flor floresce. A nota diz que: "O desabrochar da flor é o glorioso momento em que a percepção se desperta." Que percepção é essa? Nós todos pensamos que estamos percebendo, talvez seja muito difícil descrever o que é.

Nós tentamos noutro dia, através da análise que foi trazida por H.P.B., perceber que pode existir uma visão num nível diferente. Uma pessoa pode olhar um quadro sem perceber que aquilo ali é um quadro. Ela pode perceber que é um quadro, mas não estar desperta para sua beleza, para passar para uma nova dimensão de significado. Isto é a percepção: um tipo de despertar que ocorre na consciência. Consciência implica estar consciente -vemos uma flor eras não estamos despertos para sua beleza. Quando estamos atentos a sua beleza. o que ocorre? A flor não mudou, ela ainda é a mesma, mas alguma coisa na consciência, que não estava sensível anteriormente, agora se tornou sensível. Alguma área da sua consciência se abriu. Então a percepção é este tipo de estar desperto, e quando existe esse despertar para um novo nível de significado, começa-se a perceber o todo da vida de maneira totalmente diferente, e com ela vem consciência, sabedoria e confiança E começa-se a compreender qual é o significado da vida.

E existe nesse momento um grande estado de estar maravilhado e uma grande percepção de calma. Um silêncio profundo, diz o livro, que prova que o caminho foi encontrado. "Podes chamá-lo como quiseres; é uma voz que fala onde não há ninguém que fale; é um mensageiro que vem, mensageiro sem forma nem substância, ou antes é a flor da alma que se abriu. Não há metáfora que possa descrevê-lo" visto que, obviamente, é uma experiência.

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Certas pessoas temporariamente tiveram o que se chama uma expansão de consciência, não através de drogas, mas naturalmente. Por alguns instantes a pessoa subitamente está desperta para a totalidade da existência. E existem livros que descrevem o que essas pessoas sentiram até ao ponto em que é possível descrever. Todos eles dizem: "não é possível descrever". Todos dizem que surge uma nova energia no corpo. Ele pode ser sentido e procurado, mas não descrito. Está dito: "O silêncio pode durar apenas um momento, ou pode prolongar-se por milhares de anos, porém, terá fim. Contudo, reterás contigo a sua força. Uma e outra vez terás que dar e ganhar a batalha", porque o despertar do ser superior não é o mesmo que atingir a completa liberação.

No Yoga Sutra menciona-se um estado irreversível de iluminação, este é o estágio final, mas antes disso existe um outro tipo de despertar. Esse despertar pode desaparecer, mas alguma coisa permanece com o discípulo, isso permite que ele prossiga melhor e permite que ele carregue uma força maior consigo. E repetidamente a batalha tem de ser lutada e novamente vencida, porque a personalidade ainda não foi totalmente subjugada. Mas quando tal percepção desperta no indivíduo, então tal pessoa, é dito: 'é capaz de entrar no Templo do Saber, onde encontrará sempre o seu Mestre. O mestre pode não ser uma pessoa, pode ser a sua própria voz interna. mas ele será capaz de ouvi-la.

Aqueles que estudaram A Voz do Silêncio não devem confundir o significado que está sendo dado aqui neste livro, Luz no Caminho, e em A Voz ao Silêncio: a luz na terra que é ao mesmo tempo a fala da instrução. Aqui está implícito o significado do local onde se pode realmente aprender, e isto está descrito nos próximos parágrafos.

"Os que pedem, obterão." Até que a percepção desperte, as pessoas nem sabem como buscar, como perguntar realmente. Porque o homem ordinário está sempre pedindo, continuamente. Mas ele está pedindo apenas com a sua mente. E a mente pode ser escutada apenas no plano onde atua. Se nós pedirmos com uma parte da nossa mente, por sabedoria, ou mesmo com a totalidade da nossa mente, mas num nível puramente intelectual, isso não trará como resultado uma resposta, a não ser no seu próprio nível - nós encontraremos respostas intelectuais, informações no nível mental. E tudo isso é estéril, o livro então diz: "Pedir é sentir a fome interna, o desejo da aspiração espiritual." 0 pedir mental é ambição, porém esse anseio, esse pedir do ser como um todo não é ambição e sim a energia do ser interior tentando quebrar a concha que está cercando a si próprio.

Esse anseio é como o anseio de uma pessoa que está imerso dentro d'água e anseia pelo ar, com todo o seu ser ele anseia pelo ar. A razão pela qual nós não temos essa aspiração interna, é porque as coisas comuns nos parecem muito reais. Mas uma vez que a percepção tenha despertado - mesmo que por um período curto de tempo - não é que as coisas comuns desapareçam, todas elas estão lá mas com significados novos, então nós não mais teremos dúvidas se queremos isso ou se queremos aquilo. A percepção espiritual é algo muito mais belo, muito mais significativo. Essa aspiração é de todo o coração.

O livro diz: "Ler, no sentido oculto, é ler com os olhos do espírito. (...) Ser capaz de ler, significa ter obtido, em grau mínimo, o poder de satisfazer esta fome." Porque, nesse caso, se percebe que essa fome não pode ser satisfeita apenas querendo-se mais e mais, num nível externo. Vejam o que a maioria das pessoas entendem por obtenção do nível espiritual: nós queremos sempre mais e mais palavras, mais livros, mais informação, mais coisas do mesmo nível no qual estamos funcionando. Não é um novo nível de significado que nós estamos buscando receber e perceber. "A mente pode reconhecer a verdade, mas o espírito não a pode receber." Se sabe a conhecida frase: "A letra mata. Nós podemos conhecer literalmente tantas coisas, as palavras de A Luz no Caminhe por

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exemplo, mas qual é o significado profundo do que está sendo dito? Isto não pode ser apreendido pelo pensamento, só o espírito, o ser interno pode recebê-lo totalmente. Porém. é-lhe impossível aprender, enquanto não tiver ganho a primeira grande batalha. As mesmas coisas estão ditas mais adiante, como sendo do Templo do Saber: Os que pedem. Obterão. Os que desejam ler, lerão. Os que desejam aprender, aprenderão.' É nesse estágio que o Mestre pode dizer: "A paz seja contigo."

O livro diz que essa frase não pode ser pronunciada pelo Mestre, a não ser para discípulos que são como ele. É claro que o discípulo não pode ser idêntico ao Mestre, o que se quer dizer é que o discípulo deve estar sintonizado com o Mestre. Porque se não existe essa sintonia, não existe possibilidade de comunicação, as suas vibrações não alcançarão o outro, por assim dizer.

Seguem então as três verdades que são ditas imortais, são verdades que são absolutas e não podem ser perdidas, que são partes da existência, da manifestação. Podem existir eras em que não há ninguém para pronunciar essas verdades, mas mesmo que elas não sejam pronunciadas elas lá estarão.

As três verdades:

I - "A alma do homem é imortal e o seu futuro é de algo cujo crescimento e esplendor não têm limites.

II - 0 princípio que dá vida mora em nós e fora de nós: é imortal e eternamente benéfico: não é ouvido, nem visto, nem apreendido pelo olfato, mas pode ser percebido pelo homem desejoso de o perceber.

III - Cada homem é o seu absoluto legislador, o dispensador da glória ou das trevas para si próprio: é o decretador de sua vida, recompensa e punição.

Estas Verdades, grandes como a própria vida, são simples como a mente do mais simples dos homens. Alimentai com elas os famintos. Porém, existem profundidades onde mesmo o pé do gigante não pode alcançar o fundo. E as verdades que são a essência da Teosofia são desse tipo. Já foi mencionada alguma coisa sabre a primeira verdade, ontem. "A alma do homem é imortal", o que significa que o essencial nele não tem começo nem fim. Tudo que tem um início tem que ter um fim. Mas nós pensamos que tivemos um começo com o nosso nascimento, que é apenas o nascimento desse corpo em particular, porque nós pensamos ser apenas isto, então nós também temos medo do fim do corpo. Mas a pessoa que está totalmente consciente desta verdade não tem medo. A natureza da vida é eterna. Como o Bhagavad Gita da: o corpo é corro vestes que nós colocamos, que jogamos fora quando estão gastas, não tem nenhuma importância. a não ser como algo para ser usado no tempo presente.

Nos também imaginamos que nós somos pessoas pequenas e mesquinhas. Nós também queremos futuros pequenos para nós próprios: nós precisamos nos dedicar a trabalhar esse futuro, mas quando se percebe a verdadeira natureza do ser humano - que a sua realidade é a alma, a consciência interna - percebe-se então que não existe limite para o futuro. Porque não existe limite para o estado de despertar que há nessa consciência. Sendo único toda vida, e sendo a vida ilimitada, o seu crescimento e esplendor não têm limites.

"O princípio que dá a vida mora em nós e fora de nós; é imortal e eternamente benéfico, não é ouvido, nem visto, nem apreendido pelo olfato..." Como está dito aqui, não é a vida no sentido

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particular, mas a vida sobre a qual não podemos falar a não ser como princípio, ou talvez como uma energia desconhecida e intangível. Mas pode ser percebida por aquele que deseja a percepção, porém não com a mente ou com os sentidos, e sim com a faculdade de percepção que pertence à natureza interna.

A terceira verdade fala sobre qual é a natureza essencial do ser humano, que todo o poder para trazer à tona o seu crescimento está dentro de si próprio. E não é uma criatura pobre e dependente - esta é a beleza do ser humano. Infelizmente imaginamos a nós próprios como sendo pessoas miseráveis e dependentes, mas aquele que percebe que o seu futuro depende de si, descobre o segredo da paz e da felicidade. Toda pessoa tem essa opção de realizar tudo aquilo que é bom para si, ou, em alguns casos mais raros, de se arruinar. A possibilidade de se arruinar totalmente é muito rara porque vai contra o sentido de evolução. Mas a literatura oculta se refere a esses casos em que existe um contínuo crescimento do egoísmo, até que a pessoa seja a personificação do mal, então a natureza acaba destruindo-a. Mas existem muitas forças que trabalharão para evitar que isso possa ocorrer. O caminho normal é o crescimento dentro da bondade. É claro que não me refiro à bondade no sentido comum do termo, mas à suprema bondade que está associada ao princípio que dá a vida, que é eternamente beneficente.

No pensamento hindu se fala desse poder eternamente beneficente como Shiva: a própria palavra Shiva tem esse significado, e ela se refere à única verdade que existe, ao futuro da pessoa que toma a sua vida em suas próprias mãos. É a glória de realizar aquilo que é eternamente beneficente. Nós paramos aqui. Não é possível agora ou em qualquer tempo chegar-se a compreender o total significado desse livro. Nós deveremos estar satisfeitos se tivermos um pequeno impulso de seguir adiante, para refletir e meditar mais. Ver o que está por dentro das palavras, e não meramente o som externo.

Pergunta: O que são os poderes das trevas? Estão implícitos nos conjuntos dos dualismos ou são algo inerente ao próprio desenvolvimento da Manifestação?

Resposta: Na Carta dos Mahatmas está dito que não existe mal na natureza. Alguns acham que a manifestação e a matéria são coisas más: não existe mal nelas, e sim limitações. E claro que se considerando limitação como uma forma de escuridão, de trevas. Porém o verdadeiro mal está apenas na mente humana O poder das trevas pode ser o acúmulo de todos os pensamentos egoístas da humanidade, o que é um grande poder. Muitas vezes as pessoas são levadas a fazer aquilo que elas não querem fazer, porque a atmosfera está carregada de todo tipo de pensamentos obscuros. E nós devemos ser muito cuidadosos para não sermos influenciados por eles. E pode ser que exista indivíduos que se deixaram levar muito por esses pensamentos negativos, que acreditam no egoísmo, que de certa forma personificam essas trevas totais. Como nós dissemos ontem, ou nós estamos adicionando um pouco mais a essas trevas, ou tentamos clareá-las um pouco. Dependendo do grau de separatividade que os nossos pensamentos contém. Até um certo ponto nós estamos do lado dos poderes das trevas, nós somos aliados deles. Mas purificando ao máximo que nós conseguirmos a nossa natureza interna, nós estamos evitando que esses poderes possam dominar.

Pergunta: O Evangelho Cristão diz que não cai um fio de cabelo da cabeça sem que Deus saiba. Os poderes das trevas existem como mal necessário à evolução? E eles estão em parte por trás da violência do mundo, como droga, violência armada, destruição do planeta, egoísmo, medo desenfreado, etc. O trabalho da Sociedade Teosófica, como outros sérios, freiam a vitória das trevas, não é mesmo?!

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Resposta: Se você quiser pensar assim, nós poderemos imaginar que o trabalho da Sociedade Teosófica está colocando um freio às trevas.

Quanto à Pergunta: referente à necessidade das trevas para a evolução, é difícil dizer se as trevas existem como um mal necessário à evolução. Nós sabemos que no nível humano de evolução é que uma ação consciente deve ocorrer. É por isso que se descreve que no início havia uma percepção inconsciente.

Ao seu modo, cada criatura vive dentro da sua própria perfeição. Existe o estágio cio homem que está consciente da imperfeição. O homem é capaz de estar consciente do que ele faz. Mas essa percepção vem através da luta. E, enquanto isso, ele faz todo tipo de ações tolas. E ele aprende a lição e se direciona no sentido da perfeição consciente, que é o estágio do ser humano perfeito. Nesse estágio intermediário de consciência de ser imperfeito, qual é a natureza da sua queda? Essa inabilidade de desenvolver a sua capacidade mental sem distorcer essa capacidade.

O desenvolvimento da personalidade, basicamente o da mente, ocorre através de várias encarnações. Pode esse desenvolvimento ocorrer sem o desenvolvimento do sentido da separatividade? Até a nossa evolução atual isto não ocorreu. E nós observamos um tremendo desenvolvimento intelectual e todo mal que a mente tem feito, que são as trevas. Eu não posso responder a Pergunta: se seria possível desenvolver a mente sem, ao mesmo tempo, desenvolver o sentido de separatividade. Vocês podem perguntar ao Dhyan-Chohan se alguma vez vocês o encontrarem. Mas o fato é que existe esse mal que os seres humanos criaram, o mal do egoísmo. O egoísmo cria a crueldade, a maldade. Como nós poderemos libertar a humanidade disto? Que é o mesmo que perguntar armo nós poderemos libertar a nós próprios desse estágio infeliz. Não será esse o trabalho da Sociedade Teosófica? Certamente o é. Porque nós estamos falando a respeito dessa mudança interior, que é a mudança do egoísmo para o altruísmo. O altruísmo que não é para objetos em particular, mas que é universal.

Pergunta: As regras numeradas são para explicar as regras não-numeradas? E qual é a menos importante dessas regras?

Resposta: Eu acho que todas são importantes. Não se pode dizer que uma é mais importante que a outra. Quando tal Pergunta: é feita, nós não podemos assumir que exista uma Resposta: determinada, que ela está guardada e que eu possa trazê-la até vocês. Todas as pessoas devem tentar ler o texto com os olhos da intuição, e não apenas com os olhos da mente. mas recebendo o significado com o espírito. Não importa se você numera de uma forma ou de outra, se as vinte e uma regras são comentários sobre as quatro primeiras ou não.

Suponhamos que haja um erro na numeração de todos os números quando nós editarmos novamente o livro, será que isso faz diferença? Isso não é nada importante. O importante é conseguir captar o seu significado. E pode não ser o que eu estou dizendo, visto que cada pessoa deve perceber o significado por si própria E se nós refletirmos sobre isso vamos verificar que o significado que extraímos hoje pode ser diferente do significado que extrairemos daqui a dois anos. Já que se espera que nesse período a sensibilidade tenha crescido, tenha-se desenvolvido, e nós selamos capazes de extrairmos um significado mais rico.

Pergunta: Poderia explicar o significado de perceber ou percepção? Resposta: Eu acho que nós já tratamos esse assunto, mas eu vou tentar falar um pouco mais. O que nós normalmente entendemos por percepção? Perceber significa ver. Ver o que? Nós vemos como certa coisa

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parece. Nós vemos as cores, as texturas, todas as características de uma coisa.

Algumas vezes existe uma visão que não se faz através dos olhos físicos. O cientista vê a conexão entre duas coisas. Newton percebeu quando lhe caiu uma maçã na cabeça, os olhos físicos viram a maçã caindo. E nós já vimos muitas coisas caindo, mas Newton percebeu algo mais: ele percebeu a relação que havia entre a maçã que foi desalojada e a Terra. Essa relação não é visível para os sentidos físicos, mas pode ser uma realidade. Pode ser uma realidade ainda maior que a dos objetos físicos, porque a maçã apodrece e deixa de ser uma maçã. Algum dia pode ser que a Terra deixe de existir, porém esta relação pode continuar existindo na natureza, a relação de massas de tipos diferentes.

Perceber significa poder ver em níveis diferentes. Em alguns casos é ver os objetos físicos e ver a relação invisível entre esses objetos. Vamos supor que nós consigamos ver a relação entre as leis através da evolução, através do crescimento da natureza. Qual o significado disto? É algo bastante intangível, e no entanto é claro como a luz do dia para a pessoa que pode percebê-lo. Então a percepção é o ver que pode ocorrer em diferentes níveis. A percepção espiritual é a capacidade de ver o que ocorre nos níveis mais profundos.

Pergunta: A questão do "não matar'. que foi mencionada anteriormente, deveria ser estendida também não só ao vegetarianismo como também ao fato de não se utilizar objetos de couro, como sapatos, bolsas ou qualquer outro objeto de origem animal. E se o não matar refere-se também ao não ferir, por que mesmo pessoas na Senda são obrigadas a ferir outras pessoas. mesmo que não o desejem, corro por exemplo Gautama Buda, que feriu a sua esposa e as pessoas que ali ficaram.

Resposta: A idéia "não matar' deriva do princípio de que a vida é um todo. A Dra. Besant diz que a essência da espiritualidade é a percepção dessa unidade fundamental. Isto também foi dito pelos budistas e outros. Se nós agimos de maneira a violar essa unidade, nós apenas ferimos ou matamos outras pessoas, o que é a mesma coisa, mas nós também nos ferimos, porque tornamos a nossa consciência obtusa e insensível. E isto cria uma obstrução à possibilidade de progresso.

Nós não precisamos fazer essa diferenciação sutil entre ferir e matar, porque é uma questão de grau. O ponto é, se nós queremos estar dentro desse caminho espiritual deveremos reduzir todo tipo de ofensa ao mínimo, ou seja, ao limite razoável. Quando nós estamos caminhando podemos eventualmente matar formigas, será que deveremos andar tendo sempre uma lente para examinar onde vamos pisar?! Isso é um absurdo. Mas não quer dizer que deveremos sair por aí causando ofensas às coisas. Então, tem que haver um bom senso para diminuirmos o mal que fazemos.

Se usamos materiais derivados de animal, e se estamos preocupados com a questão de ahimsa - o que significa estar voltado para a verdade absoluta da vida - devemos verificar como é que certos materiais são produzidos. Não podemos dar uma Resposta: sobre poder usar ou não poder usar. Gandhi incentivou as pessoas a usarem sandálias de couro de animais que haviam morrido de morte natural, isso não quer dizer que vocês não devam usar esse material. Porém, como é que o produto é obtido? Muitas pessoas hoje usam cosméticos, e isso não é considerado um produto animal, mas é fruto de um cruel sofrimento de animais, porque são feitos utilizando animais como cobaias. Vocês já verificaram, por exemplo, que coelhos são colocados em cativeiros e diversos produtos são postos nos seus olhos para serem testados? Dessa forma, o xampu que usamos pode não ser um produto animal, mas pode ser um produto da crueldade. Então é preferível usar a sandália que Gandhi recomendou, de animas que morreram naturalmente. do que o xampu que não é feito de produto animal.

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Se vocês estão interessados podem obter produtos similares que não são resultados de crueldades. As pessoas devem verificar o quanto elas podem diminuir o grau de ofensa que fazem à natureza, a todos os seres. e diminui-lo ao mínimo.

Certa vez fizeram a Pergunta: a Dra. lanthe Hoskins que é atualmente presidente as Seção inglesa. e é uma pessoa muito conhecida na sede da Seção Inglesa existe um aviso que diz "não fumar" e uma pessoa chegou e disse: "H.P.B. fumava, por que eu não posso fumar aqui?"; E a Sra. Hoskins disse: se você fizer tudo que H.P.B. fez aí eu vou considerar a sua questão.

Se você é um Buda, a questão de deixar sua família e ir em busca de iluminação tem um significado totalmente diferente. Os grandes instrutores estão preocupados com o bem espiritual. Algumas vezes a pessoa pode se sentir ferida mentalmente. Se um instrutor coloca para alguém alguns fatos desagradáveis, que podem ser necessários, a sua personalidade pode se sentir fenda, mas isso pode ser útil para o seu bem espiritual. E o instrutor dentro de sua sabedoria sabe como fazê-lo.

(*) Presidente Internacional da Sociedade Teosófica.

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