luiz fux- nós, os juízes - 03:03:2011

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Assine 0800 703 3000 SAC Bate-papo E-mail E-mail Grátis Shopping B São Paulo, quinta-feira, 03 de março de 2011 Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros TENDÊNCIAS/DEBATES Nós, os juízes LUIZ FUX Cumpre ao juiz combater o farisaísmo, desmascarar a impostura, proteger os que padecem e reclamar a herança dos deserdados pela pátria Outono de 1982. Sete horas da manhã. Beijo a minha esposa, que fazia a mamadeira da nossa primeira filha, e dirijo-me à praça 15 para pegar a barca com destino a Niterói; minha primeira comarca. Acabara de ser aprovado no concurso da magistratura. Verão de 2011, dia 3 de março, beijo a minha família, agora integrada pelo meu primeiro neto, e preparo-me para ingressar no recinto do Supremo Tribunal Federal para ocupar a 11ª cadeira, vaga. Fui nomeado para a mais alta corte do país. Um sonho realizado, que me leva às lágrimas enquanto escrevo. A presente digressão, longe do ufanismo, revela testamento de fé aos juízes de carreira; esses nobres trabalhadores que dedicam suas vidas ao mais alto apostolado a que um homem pode se entregar nesse mundo de Deus: a magistratura. Os juízes, na tarefa árdua de julgar as agruras da vida humana, suas misérias e aberrações, devem ser olímpicos na postura, na técnica, na independência e na sensibilidade, além da enciclopédica formação cultural que se lhes exige. São altos e raros os predicados que o povo espera de seus juízes: nobreza de caráter, elevação moral, imparcialidade insuspeita, tudo envolto na mais variada e profunda cultura. Os juízes têm amor à justiça: enfrentam diuturnamente com a espada da deusa Têmis o conflito entre a lei e o justo, tratam os opulentos com altivez e os indigentes com caridade. Nesse mister, assemelhado às atividades sacras, cumpre ao juiz substituir o falso pelo verdadeiro, combater o farisaísmo, desmascarar a impostura, proteger os que padecem e reclamar a herança dos deserdados pela pátria. O símbolo da justiça plena, ajustada a esses nobres magistrados brasileiros, é a vinheta com que o editor Paolo Barile homenageou Piero Calamandrei na sua obra "Eles, os Juízes, Vistos por um Advogado". A vinheta era composta de

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Artigo publicado pelo Ministro do STF, Luiz Fux, acerca da função da judicatura.

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São Paulo, quinta-feira, 03 de março de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Nós, os juízes LUIZ FUX

Cumpre ao juiz combater ofarisaísmo, desmascarar aimpostura, proteger os que padeceme reclamar a herança dos deserdadospela pátria

Outono de 1982. Sete horas da manhã. Beijo a minha esposa,que fazia a mamadeira da nossa primeira filha, e dirijo-me àpraça 15 para pegar a barca com destino a Niterói; minhaprimeira comarca. Acabara de ser aprovado no concurso damagistratura.Verão de 2011, dia 3 de março, beijo a minha família, agoraintegrada pelo meu primeiro neto, e preparo-me paraingressar no recinto do Supremo Tribunal Federal paraocupar a 11ª cadeira, vaga. Fui nomeado para a mais altacorte do país. Um sonho realizado, que me leva às lágrimasenquanto escrevo.A presente digressão, longe do ufanismo, revela testamentode fé aos juízes de carreira; esses nobres trabalhadores quededicam suas vidas ao mais alto apostolado a que um homempode se entregar nesse mundo de Deus: a magistratura.Os juízes, na tarefa árdua de julgar as agruras da vidahumana, suas misérias e aberrações, devem ser olímpicos napostura, na técnica, na independência e na sensibilidade,além da enciclopédica formação cultural que se lhes exige.São altos e raros os predicados que o povo espera de seusjuízes: nobreza de caráter, elevação moral, imparcialidadeinsuspeita, tudo envolto na mais variada e profunda cultura.Os juízes têm amor à justiça: enfrentam diuturnamente com aespada da deusa Têmis o conflito entre a lei e o justo, tratam

os opulentos com altivez e os indigentes com caridade.Nesse mister, assemelhado às atividades sacras, cumpre aojuiz substituir o falso pelo verdadeiro, combater o farisaísmo,desmascarar a impostura, proteger os que padecem ereclamar a herança dos deserdados pela pátria.O símbolo da justiça plena, ajustada a esses nobresmagistrados brasileiros, é a vinheta com que o editor PaoloBarile homenageou Piero Calamandrei na sua obra "Eles, osJuízes, Vistos por um Advogado". A vinheta era composta de

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Juízes, Vistos por um Advogado". A vinheta era composta deuma balança com dois pratos, como todo equipamentosemelhante. Num deles havia um volumoso código; noutro,uma rosa; ela, a balança, pendia mais para o prato em que sedebruçava a flor, numa demonstração inequívoca de que,diante da injustiça da lei, hão de prevalecer a beleza, acaridade e a poesia humanas.Assim são os juízes do meu país, essa pátria amada, Brasil,que acolheu meus ancestrais exilados da perseguição nazista,esse Brasil que é o ar que respiro, o berço dos meus filhos edo meu neto e, infelizmente, o túmulo de meu querido esaudoso pai, que merecia viver esse meu momento que seaproxima.Senti-me no dever de transmitir aos juízes de carreira do meupaís que é possível alcançar o sonho que nos impele dia a diaa perseguir a nossa estrela guia.Senhores juízes brasileiros! Lutem incessantemente pelosseus ideais, porque eu, nessas horas que antecedem a minhaposse, acredito que a vida é feita de heroísmos.Agradeço o estímulo espiritual que me emprestaram com aforça do pensamento de que agora era a nossa hora: a dosjuízes de carreira.Pronto. Chegou a hora. A Banda dos Fuzileiros Navaisacabou de entoar o nosso hino nacional, vou emocionadopara o "juramento de fidelidade à Constituição Brasileira",não sem antes deixá-los, nas palavras de Chaplin, uma últimamensagem: "É certo que irás encontrar situaçõestempestuosas novamente, mas haverá de ver sempre o ladobom da chuva que cai, e não a faceta do raio que destrói.Tu és jovem.Atender a quem te chama é belo, lutar por quem te rejeita équase chegar à perfeição.A juventude precisa de sonhos e se nutrir de lembranças,assim como o leito dos rios precisa da água que rola e ocoração necessita de afeto.Não faças do amanhã o sinônimo de nunca, nem o ontem teseja o mesmo que nunca mais.Teus passos ficaram.Olhes para trás, mas vá em frente, pois há muitos queprecisam que chegues para poderem seguir-te".

LUIZ FUX toma posse hoje como ministro do Supremo Tribunal Federal.

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