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Luiz Carlos Barros Couto GRR20128826 O uso de elementos estruturais do blues na improvisação de Amilton Godoy: um estudo sobre a aquisição da expertise na prática da música instrumental brasileira improvisada Monografia apresentada à disciplina OA027 – Trabalho de Conclusão de Curso Bacharelado como requisito parcial à conclusão do Curso de Bacharelado em Música - Departamento de Artes, Setor de Artes, Comunicação e Design da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Danilo Ramos CURITIBA 2015

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Luiz Carlos Barros Couto

GRR20128826

O uso de elementos estruturais do blues na improvisação de Amilton Godoy: um estudo sobre

a aquisição da expertise na prática da música instrumental brasileira improvisada

Monografia apresentada à disciplina OA027 – Trabalho de Conclusão de Curso Bacharelado como requisito parcial à conclusão do Curso de Bacharelado em Música - Departamento de Artes, Setor de Artes, Comunicação e Design da Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Danilo Ramos

CURITIBA

2015

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AGRADECIMENTOS

Quando pensei a quem deveria agradecer por algum tipo de auxílio a mim, levei em

consideração não só este trabalho de conclusão de curso, mas também pessoas que me ajudaram na

minha formação musical durante toda a universidade.

A primeira pessoa que gostaria de agradecer é o professor Danilo Ramos, o Dan. E esse

agradecimento não se restringe apenas a orientação, mas também a tudo que me ensinou durante o

curso. Aprendi muito nas aulas de harmonia; cresci muito como músico por causa dessas aulas e

desenvolvi o meu gosto especial pela matéria, devido às aulas de harmonia popular que tive. A

orientação do trabalho apenas refletiu o ótimo profissional que é, ajudando-me durante todo o

processo para chegar neste resultado. Lembrarei para sempre tanto das ótimas aulas de harmonia

que tive, como da orientação nesse trabalho de conclusão de curso. Aprendi muito e por isso

agradeço ao Dan.

Também gostaria de fazer um agradecimento ao professor José Estevam Gava por tudo o

que me ensinou, por ter sido um exemplo de organização e por ter “apadrinhado” uma idéia que

tornou-se realidade: um grupo de estudos de blues na UFPR. Realizei uma vontade que tinha:

difundir o blues dentro do meio universitário. Obrigado, professor.

Agradeço também a todos os professores que me ensinaram algo durante o curso. Aprendi

muito sobre o que fazer e o que não fazer. Evoluí como músico em cada uma das aulas memoráveis

que tive e que lembrarei para sempre. Muito obrigado professores Hugo, Indioney, Norton

(agradeço também por integrar a banca avaliadora do meu TCC), Rosane, Roseane, Álvaro, Silvana

(faço também um agradecimento especial aqui pela oportunidade de monitoria que me foi dada),

Fernando, Edwin, Bini, Zélia, Dottori: muito obrigado!

Agradeço ao meu colega Gustavo pela colaboração nas transcrições dos improvisos e

agradeço a minha colega/amiga Anaiz pela ajuda na revisão das transcrições, assim como pelas

ótimas conversas acadêmicas que de algum modo me ajudaram nesse trabalho.

Por fim agradeço a minha namorada, Manu, tanto pelo auxílio nesse trabalho (com a figura

do modelo de improvisação), como também pela compreensão nos momentos que tive que me

ausentar para elaborar/escrever esse trabalho ou estudar e fazer todos os trabalhos que tive durante o

curso, uma vez que tive uma rotina universitária pesada devido ao meu trabalho, tendo que me

dedicar à universidade e assuntos correlatos no que deveria ser o momento de descanso ou lazer

com ela.

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“Quem passou pela vida em branca nuvem

E em plácido repouso adormeceu,

Quem não sentiu o frio da desgraça,

Quem passou pela vida e não sofreu,

Foi espectro de homem, e não homem,

Só passou pela vida, não viveu.”

Francisco Otaviano

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RESUMO

O objetivo desta pesquisa é verificar como os elementos estruturais do blues são utilizados por Amilton Godoy em improvisações do Zimbo Trio. A pesquisa foi desenvolvida em três etapas: (1) revisão da literatura sobre improvisação e expertise e suas possíveis aplicações na música instrumental brasileira improvisada, procurando a definição de conceitos e explanação histórica deste estilo musical; (2) seleção de cinco solos de Amilton Godoy em improvisações do Zimbo Trio que contenham elementos estruturais característicos do blues; (3) Transcrição e análise rítmica, harmônica e melódica desse material musical, buscando-se verificar como este músico aplica os elementos característicos do blues nos solos selecionados. O uso moderado de elementos estruturais do blues foi identificado como a principal estratégia cognitiva para a aquisição de expertise musical em improvisos que visem uma sonoridade semelhante à obtida por Amilton Godoy. O desenvolvimento dessas estratégias pode ser associado a um estudo deliberado que leve em conta a prática de escalas blues (tradicional e maior) aplicadas em semicolcheias ou em tercinas (em referência ao shuffle) e ao cuidado para que a mensagem musical a ser comunicada ao ouvintes não descaracterize a identificação de temas reconhecidos internacionalmente pela indústria fonográfica como canções no contexto da bossa nova. Palavras-chave: improvisação; blues; Amilton Godoy; Zimbo Trio; expertise musical.

ABSTRACT

The purpose of this research is to verify how blues fundamentals elements are employed in Zimbo Trio improvisations. This research has been developed in three steps: (1) a literature review about improvisation and expertise and its possible applications in the improvised Brazilian instrumental music, looking for the definition of concepts and historical explanation of this musical style; (2) selection of five Zimbo Trio improvisation solos which contain blues fundamental elements; (3) transcription and rhythmic, melodic and harmonic analysis of this musical material, in order to verify how this musician applies blues fundamentals elements in the solos chosen. The moderate use of blues fundamentals elements was identified as the primary cognitive strategy for acquiring expertise in musical improvisations aiming to a sound similar to that obtained by Amilton Godoy. The development of these strategies can be associated to a debilerate study that takes into account practical of blues scales (major or minor) applied to octave-notes or in triplets (in reference to shuffle) and to a special care in which the musical message to be communicated to listeners do not defeat the identification of musical themes internationally recognized by the music industry as songs in bossa nova context. Key-words: improvisation; blues; Amilton Godoy; Zimbo Trio; musical expertise.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1. Modelo de improvisação (Kenny & Gellrich, 2002. pp.125) ........................................... 10

Figura 2. Escala blues em dó (notação nossa). ............................................................................... 13

Figura 3. Escala blues maior em dó (notação nossa) ...................................................................... 13

Figura 4. Exemplo de harmonia tradicional no blues contendo os acordes I, IV e V em dó (notação

nossa). ........................................................................................................................................... 14

Figura 5. Exemplo de harmonia tradicional de blues menor contendo os acordes Im, IV e V em dó

(notação nossa). ............................................................................................................................ 14

Figura 6. Exemplo de progressão slow change blues (notação nossa) ............................................ 15

Figura 7. Exemplo de progressão fast change blues (notação nossa) .............................................. 15

Figura 8. Exemplo de progressão five chord blues (notação nossa) ................................................ 16

Figura 9. Exemplo de progressão jazzy blues (notação nossa) ........................................................ 16

Figura 10. Exemplo de progressão be-bop blues (notação nossa) ................................................... 17

Figura 11. Célula rítmica típica do blues, o shuffle (notação nossa). .............................................. 17

Figura 12. Utilização da escala blues em acordes dominantes (Chediak, 2009. pp. 345). ............... 21

Figura 13 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o

tema Garota de ipanema (notação nossa) ...................................................................................... 27

Figura 14 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o

tema Samba de uma nota só (notação nossa) ................................................................................. 28

Figura 15 análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o

tema Triste (notação nossa) ........................................................................................................... 29

Figura 16 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o

tema Balanço zona sul (notação nossa) ......................................................................................... 29

Figura 17 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o

tema Brigas nunca mais (notação nossa) ....................................................................................... 30

LISTA DE TABELAS

TABELA 1. TÍTULO DAS OBRAS ESCOLHIDAS PARA ANÁLISE NO PRESENTE ESTUDO, BEM COMO OS ÁLBUNS QUE ELAS INTEGRAM, O ANO E SEUS RESPECTIVOS COMPOSITORES ........................................................................................................................ 28

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 1

2. REVISÃO DA LITERATURA ................................................................................................ 3

2.1 Expertise musical ................................................................................................................. 3

2.2 Improvisação ....................................................................................................................... 5

2.3 O modelo de improvisação proposto por Kenny e Gellrich ............................................... 7

2.4 Blues: aspectos históricos e definições .............................................................................. 12

2.5 Música instrumental brasileira improvisada ................................................................... 19

2.6 Influências do blues na música instrumental brasileira improvisada ............................. 21

2.7 Zimbo Trio e o CLAM ...................................................................................................... 22

2.8 Propósito da presente pesquisa ......................................................................................... 24

3. METODOLOGIA .................................................................................................................. 25

3.1 Material musical a ser analisado....................................................................................... 25

3.2 Materiais e equipamentos ................................................................................................. 26

3.3 Análise de dados ................................................................................................................ 26

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................................. 27

4.1 Análise das transcrições .................................................................................................... 27

4.2 Discussão ............................................................................................................................ 31

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. ................................................................................................. 34

6. REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 36

7. ANEXOS ................................................................................................................................. 38

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1. INTRODUÇÃO

Após ter me matriculado no curso de música da UFPR e a todo o universo musical ao qual

fui exposto durante o curso e após ter tido a oportunidade de participar em dois grupos de pesquisa,

várias questões surgiram em minha mente. Há algum tipo de conexão entre a prática do blues e a

prática da música instrumental brasileira improvisada? O blues faz parte das ferramentas de

aquisição da expertise na música instrumental brasileira improvisada? Esses dois estilos de música

compartilham pontos em comum? Se compartilham, quais seriam esses pontos e como eles

deveriam ser analisados, estudados e descritos em uma pesquisa? Estas foram as questões

norteadoras para a realização deste trabalho.

Minha trajetória como músico se inicia na adolescência influenciada por grupos musicais

do cenário rock n’ roll do final dos anos 80. Ao passar dos anos, tocando violão e depois guitarra,

procurei me interessar sobre a origem desse estilo e foi aí que encontrei o blues. Com isso, passei

anos tocando blues1 e meus primeiros trabalhos como músico profissional foram tocando blues.

Após um período de atividade, cessei essas atividades e me dediquei a outras áreas, mas tendo

sempre o blues como horizonte no estudo de música e força motriz principal na minha vida musical.

Após o início dos meus estudos dentro da vida universitária e após tomar conhecimento de outros

estilos de música, especialmente a música instrumental brasileira improvisada, surgiu-me a

pergunta de como situar o blues nesse contexto musical brasileiro, aliás; faria o blues parte desse

contexto?

Os primeiros indícios, após escutas mais atentas e conversas com músicos mais

experientes, mostraram que sim; o blues faz parte do contexto da música instrumental brasileira

improvisada e os improvisadores utilizam elementos do blues em suas improvisações. Portanto,

procura-se verificar, no presente trabalho, como a utilização dos elementos do blues na

improvisação está ligada à aquisição da expertise musical no contexto da música instrumental

brasileira improvisada. Assim, torna-se possível a contextualização de um estilo, o blues, que

aparentemente e em um primeiro momento é estranho ao contexto musical brasileiro.

Pretende-se, ao final desta pesquisa, apontar o uso dos elementos estruturais do blues na

música instrumental brasileira improvisada, contribuindo, assim, para que músicos passem a utilizar

esses elementos encontrados em suas improvisações, de maneira a adquirirem uma maior expertise

musical. Essa é a justificativa para a sua realização.

1 Definições de blues, expertise, improvisação, música instrumental brasileira improvisada e outros conceitos expostos nesta introdução serão apresentadas ao decorrer do presente trabalho.

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O trabalho foi realizado pelo viés da cognição musical e tendo em vista temas como

improvisação e aquisição de expertise em música. O apontamento principal do trabalho é

demonstrar que para o performer adquirir expertise em música instrumental brasileira improsivada,

o blues faz parte do conjunto de habilidades que ele deve adquirir ao longo de sua prática musical.

Para tanto, além do levantamento bibliográfico realizado sobre o tema, iniciando no blues,

passando por música instrumental brasileira improvisada, assim como conceitos da cognição sobre

expertise e improvisação, o trabalho também se dará na seleção dos trechos musicais de

performances improvisatórias da música brasileira instrumental e consequente análise rítmica,

melódica e harmônica de solos de improvisação para encontrar os elementos estruturais do blues

como parte do vocabulário do instrumentista brasileiro. A partir de transcrições musicais desses

solos, foram realizados apontamentos em relação ao uso de elementos estruturais do blues durante o

discurso musical. A análise, feita na forma de apontamento, foi utilizada como uma ferramenta de

pesquisa para demonstrar que um improvisador expert em música brasileira improvisada (no caso, o

pianista do Zimbo Trio, Amilton Godoy) utiliza elementos do blues em seus improvisos, uma vez

que o presente trabalho faz parte de um projeto maior intitulado “A aquisição de expertise musical

no piano brasileiro improvisado”.

Sendo assim, a pesquisa tem como objetivo geral verificar como a utilização de elementos

estruturais do blues poderão contribuir para a aquisição da expertise em performances de música

instrumental brasileira improvisada. Os objetivos específicos do presente trabalho são: (1) discorrer

sobre como a improvisação e expertise são estudadas na cognição musical e o modelo de

impovisação de Kenny e Gellrich (2002); (2) contextualização histórica e definições de conceitos

sobre blues, música instrumental brasileira improvisada e Zimbo Trio; (3) escuta e transcrição de

gravações de improvisos de algumas peças de música instrumental brasileira improvisada tocada

pelo Zimbo Trio que utilizem elementos estruturais do blues; (4) análise dos improvisos

selecionados; (5) discutir os resultados das análises com o modelos de improvisação de Kenny e

Gellrich (2002), no intuito de fornecer ao performer estratégias de aprendizagem que visem à

execução de improvisações que levem em conta a expressividade da linguagem musical dos estilos

musicais em questão.

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2. REVISÃO DA LITERATURA

2.1. Expertise musical

Para Ericsson (2006), a expertise se refere a características, habilidades e conhecimentos

que distinguem experts de novatos e/ou pessoas com menos experiência em determinada atividade

humana. Em algumas áreas, existem critérios objetivos para a identificação de experts, que são, de

maneira consistente, capazes de exibir uma performance de nível superior àquele encontrado na

média de uma determinada população em tarefas representativas na área em questão. O autor ainda

alega que um expert é alguém muito habilidoso, amplamente reconhecido como confiável fonte de

conhecimento, técnica ou habilidade, cujo julgamento é concedido geralmente pelo público ou

pares.

Para Chi (2006) expert é um trabalhador de destaque ou brilhante; altamente reconhecido

por pares, cujos julgamentos são de maneira incomum precisos e confiáveis, cuja performance

mostra habilidade consumada e economia de esforço e quem consegue lidar efetivamente com

certos tipos de casos raros ou casos complicados. Um expert é alguém que possui habilidades

especiais ou conhecimento derivado de experiência extensa em subáreas. De acordo com Hunt

(2006) tornar-se um expert em quase qualquer coisa requer literalmente anos de trabalho. As

pessoas somente irão fazer algo se obtiverem sucesso inicial, apreciarem o trabalho e estiverem

apoiadas socialmente. Expertise não é somente um assunto cognitivo.

Para Ackerman e Beier, (2006) o estudo científico da expertise envolve a confiabilidade e

validade das medições em nível de preditores-alvo, que envolve o desenvolvimento de medidas de

aptidão que possam prever quais indivíduos irão desenvolver os níveis de performance expert e ao

nível de critérios. Estes autores ainda consideram tarefas que estão dentro das capacidades da

maioria dos intérpretes ou executantes e a diminuiçao da variabilidade inter-sujeito.

O que parece limitar o desempenho no início da prática de tarefas, para iniciantes, são as

mesmas habilidades que são aproveitadas por medidas de inteligência distintas, como memória e

raciocínio. As diferenças individuais nessas habilidades podem determinar o quão bem um aluno

compreende o que é necessário para seu aprendizado na situação da tarefa e quão eficaz o aluno está

na elaboração de estratégias e planos para a realização da tarefa. O desempenho expert nestas

tarefas é, portanto, influenciado conjuntamente por diferenças individuais no conhecimento de

domínio e por habilidades intelectuais gerais.

Na música, esse domínio do conhecimento pode ser observado por meio da prática da

improvisação. Para Ackerman e Beier (2006) informações sobre estruturas de conhecimento do

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indivíduo, ou seja, os padrões de conhecimentos e habilidades que o indivíduo tem de um domínio

específico também podem ser utilizados no contexto da classificação da expertise.

Para Galvão (2006), tocar um instrumento musical é uma das mais complexas atividades

humanas pelo tipo de demanda que esta atividade traz ao sistema de conhecimento do indivíduo

como um todo, envolvendo uma interdependência de aspectos cognitivos, sinestésicos e emocionais

realizados por meio de uma coordenação entre os sistemas auditivos e visuais, que se articulam com

o controle motor fino. De acordo com o autor, para se tornar um expert, o músico deve levar em

conta quatro aspectos cognitivos: estudo deliberado, auto regulação, memória e ansiedade.

O estudo deliberado é a organização prática de estudo do músico que o levará à expertise,

colocará o quanto ele estudará e praticará até que alcance um determinado objetivo. A auto

regulação diz respeito aos mecanismos que as pessoas usam para controlar o seu próprio processo

de aprendizagem. Trata-se do estabelecimento de um objetivo ou norma de estudo por meio do

controle do próprio progresso, em relação ao uso de estratégias como monitoração, elaboração e

gerenciamento de esforço. A memorização refere-se ao material e conteúdo previamente estudado

pelo músico. Por fim, o quarto aspecto cognitivo relacionado à aquisição de expertise pelo músico é

ansiedade, que pode ser facilitadora ou debilitadora e depende de uma combinação de fatores

alheios à performance.

De acordo com Lehmann e Gruber (2006), não se sabe se a prática é uma condição

suficiente para a conquista de uma performance de alto nível, mas é certamente necessária para o

desenvolvimento cognitivo, fisiológico e para as adaptações psicomotoras observadas em experts.

Para esses autores, embora a prática seja onipresente durante o desenvolvimento da expertise na

música, o seu papel e manifestação não é idêntica em todos os gêneros musicais. Diferentes estilos

musicais são característicos para específicas culturas musicais, uma vez que eles possuem seus

respectivos tipos de prática. A maior parte das pesquisas sobre expertise musical foi conduzida na

tradição de conservatório clássica – também conhecido como tradição de música ocidental.

Investigações sobre comparações entre aquisição de expertise no jazz ou estilos considerados

populares com a música de concerto europeia têm mostrado resultados distintos. Segundo Lehmann,

Sloboda e Woody (2007), pianistas e violonistas que estudam em conservatórios britânicos iniciam

suas práticas musicais cedo (por volta dos oito anos de idade), enquanto guitarristas de jazz neste

mesmo contexto cultural iniciam seus estudos mais tarde, na adolescência, por volta dos 15 anos de

idade.

Como colocado por Lehmann e Gruber (2006), não somente a prática acumulada de horas é

necessária para se tornar um expert, mas também a escolha de como essas horas serão empregadas

na prática. Assim, diferentes instrumentos possuem tipos de prática musical distintos para se

alcançar a expertise; um violinista terá que empregar um número diferente de horas do que um

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pianista, por exemplo. Segundo os autores, um instrumentista de música clássica irá passar muito

mais tempo estudando sozinho do que um guitarrista de jazz, que terá que desenvolver

principalmente atividades musicais em grupo para alcançar determinado nível na perfomance.

Entretanto, os autores apontam a avaliação do instrumentistas por um tutor como uma atividade

extremamente necessária, até que eles adquiram autonomia para se auto-avaliar.

Em relação às habilidades cognitivas empregadas no processo aquisição de expertise,

Lehmann e Gruber (2006) apontam a memória e a capacidade de resolução de problemas como

cruciais para tal desenvolvimento. Mesmo que a memorização não seja o objetivo principal e

imediato, a capacidade de retenção de informação nos experts, principalmente em longo prazo,

aparece como uma habilidade cognitiva a ser treinada. Contudo, o treino dessa habilidade cognitiva

não aparece somente como a capacidade de o músico expert em reter informação, mas

principalmente, uma habilidade seletiva, por meio da retenção de informação útil e relevante para a

performance a ser desenvolvida.

Além dessas habilidades cognitivas, Lehmann e Gruber observaram também a necessidade

de adaptações fisiológicas dos experts em função da atividade que eles realizam. Neste sentido, o

corpo do instrumentista parece se adaptar à atividade que realiza com o objetivo de aumentar o

nível de sua execução instrumental. Uma adaptação fisiológica relevante apontada pelos autores é a

adaptação cerebral, ou seja, o cérebro dos experts parece mudar conforme o histórico de suas

práticas. Para Lehmann e Gruber, pode-se concluir que a prática e o estudo da música leva a

mudanças funcionais e estruturais substanciais no cérebro da pessoa, o que provoca alterações,

consequentemente, em sua capacidade de processamento de informação. Uma última adaptação

fisiológica citada por Lehmann e Gruber é da capacidade auditiva refinada que o expert adquire,

conseguindo identificar uma gama maior de frequências e dinâmicas do que os não músicos. Apesar

de os fatores fisiológicos serem limitadores para a aquisição de expertise na performance musical de

determinados indivíduos, os autores ainda apontam as condições sociais, históricas e ambientais em

que o indivíduo está inserido como determinantes para influenciar a capacidade de o músico em se

tornar expert ou não.

2.2. Improvisação

Allorto (1996) define a improvisação musical como uma composição extemporânea,

elaborada in loco por um ou mais executantes de música. Segundo o autor, normalmente,

improvisa-se sobre um tema, uma melodia qualquer, uma sucessão de acordes, muito embora

também possa-se improvisar sem qualquer ponto de partida preexistente. Para Kenny e Gellrich

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(2002), a improvisação musical é o conjunto de decisões tomadas pelo intérprete com as restrições

temporais da própria performance.

Azzara & Grunow (2006) alega que a improvisação musical guarda semelhanças com a

composição, sugerindo que ambas pressupõem um processo criativo e cognitivo para acontecer,

considerando-a como uma expressão espontânea de ideias musicais significativas. Contudo, há

posições conflitantes a esse conceito. Para Sloboda (2008), quando o musicista improvisa, partes de

seu córtex pré-frontal são ativadas, de maneira que, do ponto de vista cognitivo, pode-se associar

esta atividade com uma atividade escolar, como por exemplo, planejar, implementar tarefas e/ou

resolver problemas. Segundo o autor, o improvisador não possui tempo suficiente para escolher e

analisar possibilidades quando está executando seu improviso, servindo-se da primeira solução que

julga como sendo a mais adequada, ao contrário da composição, em que o músico tem tempo o

suficiente para testar soluções diferentes até que encontre aquela que seja mais funcional no

momento de sua performance.

Para Thompson e Lehmann (2004), a improvisação está mais perto da leitura à primeira

vista de uma partitura do que propriamente da composição musical. Segundo o autor, a

improvisação e a leitura à primeira vista exigem prática e acúmulo de conhecimento prévio para a

sua execução e a questão temporal influencia a execução; de fato, em ambas as atividades não há

muito tempo disponível para a tomada de decisões durante a performance. A partir da premissa

deste acúmulo de conhecimento prévio, é possível se supor que, assim como qualquer outra

habilidade musical, a aquisição de expertise na prática da improvisação musical parece estar

relacionada a uma prática deliberada, conforme os pressupostos estabelecidos por Ericsson (2006).

No intuito de verificar como um indivíduo adquire expertise na prática da improvisação

musical, Lehmann, Sloboda e Woody (2007) sugerem que, para a execução de uma improvisação,

faz-se necessário um estudo prévio do estilo no qual se pretende improvisar, especialmente em

relação a aspectos musicais relacionados à harmonia, uso de escalas, estrutura da peça (número de

compassos, forma), entre outros. Assim, os autores consideram uma improvisação como sendo

vertical aquela que é construída sobre acordes e que requer do improvisador a identificação das

funções tonais dos acordes, do modo e das cadências musicais envolvidas. Esta construção é feita

previamente por meio da análise musical da peça a ser executada.

Em um estudo conduzido por Hargreaves, Cork e Setton (1991), foi requisitado que

pianistas de jazz profissionais e semiprofissionais improvisassem sobre uma base harmônica e logo

após o momento de improvisação eles foram questionados sobre o que eles pensavam durante a

improvisação. Os pianistas semiprofissionais não conseguiram apontar com exatidão o que

pensavam no momento da improvisação, mostrando que não estavam totalmente conscientes das

progressões harmônicas e cadências que executaram, resultando, assim, em frases relativamente

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curtas e com poucos ornamentos. Os músicos profissionais, em contrapartida, conseguiram

responder a questão com maior precisão, inclusive detalhando sobre as progressões harmônicas e

cadências executadas. A conclusão do estudo foi a de que a preparação do performer para a

execução de uma improvisação mais elaborada abrange um estudo prévio que proporciona uma

preparação adequada para a execução da improvisação.

2.3 O modelo de improvisação proposto por Kenny e Gellrich

Para Kenny e Gellrich (2002) o termo improvisação incorpora uma multiplicidade de

significados musicais, comportamentos e práticas. Uma característica comum em todas

improvisações, no entanto, é que as decisões criativas dos performers são realizadas levando-se em

conta as restrições temporais da própria performance. Sendo assim, os autores consideram a

improvisação como uma arte por excelência, que requer não somente um vida de preparação por um

amplo espectro de experiências formativas musicais e não musicais, mas também habilidades

ecléticas e sofisticadas. A restrição temporal determina que a criação improvisatória deve ocorrer

simultaneamente à própria improvisação. Tais restrições temporais necessitam de uma série de

mecanismos elaborados para facilitar a improvisação em tempo real. A partir de uma perspectiva

psicológica, essas restrições se dividem em duas categorias: internas (psicológicas) e externas

(socioculturais).

De acordo com Kenny e Gellrich (2002), a restrição interna mais importante é a base de

conhecimento. Esta bagagem de conhecimento previamente adquirido mostra que o improvisador

traz para a improvisação materiais musicais, excertos, repertórios, habilidades secundárias,

estratégias de percepção, estratégias para resolução de problemas, memória hierarquizada de

estruturas e esquemas e programações motoras generalizadas. Esta base de conhecimento usada por

improvisadores envolve tipicamente uma internalização de material fonte/base, que é idiomático a

determinada. Em relação às restrições externas do improvisador, há os referenciais socioculturais,

que irão influenciar a improvisação de alguma maneira, ou seja, a maneira com que o conhecimento

sobre improvisação e o material improvisatório é empregado irá constituir a maneira de o

improvisador tocar. Os autores ainda apontam duas funções desses referenciais que têm

fundamental importância na prática da improvisação musical: a habilidade de limitar as escolhas

improvisatórias de acordo com diretrizes apropriadas a cada estilo musical e o papel que o ouvinte

da improvisação tem durante a performance. Neste sentido, improvisadores habilidosos parecem ser

capazes de manipular os ouvintes, criando e quebrando expectativas de maneira consciente. Com

isso, estabelece-se que são dois os pontos cruciais formadores da improvisação em nível de

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excelência: o conhecimento previamente adquirido pelo músico e a comunicação dele com o seu

ouvinte.

Todas essas condições fazem parte do conjunto de fatores que exercem, de algum modo,

influência na improvisação. Contudo, improvisadores experimentam estados que não possuem

controle cognitivo (ou não estão cientes desses). Há situações em que improvisadores se entregam

ao momento criativo. Essas experiências de pico, também chamado de estado de fluxo, vão além do

controle cognitivo do improvisador. Para Csikszentmihalyi e Rich (1997), uma vez possuído pelo

momento, músicos começam a esquecer problemas pessoais, perder consciência de autocrítica,

perder a noção da passagem do tempo e, finalmente, sentir que a atividade que estão realizando (a

improvisação) deve ser feita por si só, esquecendo qualquer tipo de conexão com o mundo exterior.

Além disso, tratando-se de uma habilidade musical que é feita em tempo real, devido à sua

restrição temporal, também faz parte da improvisação arriscar-se e cometer erros. Ao realizar a

improvisação tradicional no jazz, em que por muitas vezes utiliza-se uma escala diferente a cada

acorde, o improvisador aumenta a chance de tocar notas que não fazem parte da escala e/ou não

estavam por ele planejadas. Quanto mais internalizada e sólida a base de conhecimento do autor,

menores são as chances de tocar notas erradas e mais riscos irá assumir durante a improvisação,

uma vez que os processos fazem parte do seu conhecimento base mais sólido (Sudnow, 1978).

Sendo assim, presume-se que a prática da improvisação musical envolve uma série de

fatores, desde o processo de se adquirir as habilidades cognitivas necessárias para a realização da

improvisação, como os fatores socioculturais, externos, que irão influenciá-la, de algum modo.

Segundo Kenny e Gellrich (2002),os improvisadores mais habilidosos se rendem ao momento da

improvisação, alcançando o chamado estado de fluxo, no qual o músico não possui consciência

efetiva dos processos cognitivos empregados; ele apenas realiza e externaliza as habilidades que

foram por ele adquiridas no curso de seus estudos musicais. Por fim, os improvisadores parecem

assumir e aceitar riscos durante a improvisação como parte natural do processo improvisatório, que

são evitados por meio da automação do acesso ao conhecimento base.

O modelo de improvisação de Kenny e Gellrich (2002) combina oito diferentes tipos de

etapas que podem ser observadas durante a prática da improvisação. Segundo os autores, os

improvisadores tipicamente mudam de uma para outra, mas não combinam duas ou mais etapas

simultaneamente. Além disso, estas etapas não estão organizadas em ordem hierárquica. Tais

etapas podem ser assim classificadas:

- Etapa 01: antecipação de curto prazo. Nesta etapa, em algum ponto da improvisação, os

eventos musicais são antecipados dentro de um intervalo de tempo estimado de um a três segundos.

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Contudo, essas notas antecipadas não podem ser tocadas por, no mínimo, 0.3 segundos depois que a

decisão de tocá-la foi tomada;

- Etapa 02: antecipação em médio prazo. Tratam-se de eventos musicais que ocorrem no

intervalo entre 3 a 12 segundos, podendo ser antecipados e projetados ao futuro;

- Etapa 03: antecipação em longo prazo. Trata-se da projeção de planos em longo prazo

dentro da improvisação, que funcionam como um lembrete a respeito do que e quando algo será

tocado.

Estas três primeiras etapas da prática improvisatória acontecem antes de o músico tocar a

nota propriamente dita, ou seja, antes da realização in loco da improvisação. As próximas etapas

acontecem após a nota ou notas terem sido executadas:

- Etapa 04: lembrança em curto prazo. Nesta etapa, os eventos musicais realizados nos

últimos segundos podem ser lembrados, em um processo no qual a concentração é focada nos

eventos principais;

- Etapa 05: é a lembrança de médio prazo. Nesta etapa, os eventos musicais que ocorreram

nos últimos 4, 8 ou 16 compassos podem ser lembrados para proverem um resumo preciso da frase

musical que foi executada.

- Etapa 06: lembrança de longo prazo. Nesta etapa, o improvisador é capaz de recordar toda a

improvisação, desde sua origem até o presente momento.

- Etapa 07: trata-se do estado de fluxo, em que o improvisador geralmente é capaz de

concentrar toda a sua atenção no momento em que está improvisando, “esquecendo” do que se

passa ao seu redor;

- Etapa 08: trata-se de uma etapa que ocorre após o fim da execução musical, a partir de uma

construção que leva em conta uma espécie de relatório mental (ou parecer) das ideias musicais

empregadas para futuras improvisações, podendo elas ser reunidas a partir do que pode ser

lembrado. Por exemplo, uma nota não pretendida ou uma frase que o improvisador tenha criado

poderão ser usadas novamente em outra improvisação.

A figura 1 abaixo ilustra o modelo de improvisação criado por Kenny e Gellrich (2002):

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Figura 1. Modelo de improvisação (Kenny & Gellrich, 2002. pp.125)

Para Gellrich (2002), a partir de entrevistas não publicadas com improvisadores experts, as

etapas mais utilizadas na prática da improvisação são a primeira (01), a segunda (02) e a sétima

(07).

Com relação ao ensino da improvisação, a literatura científica aponta duas abordagens

pedagógicas: a prática deliberada e a transcendência. A prática da improvisação envolve uma vida

de preparação no pensamento musical, para que músicos possam responder artisticamente, assim

como espontaneamente, durante as improvisações. Essa preparação se dá por meio da prática

deliberada. Trata-se de uma prática com fim específico de se adquirir uma habilidade improvisatória

e, por consequência, expertise (Weisberg, 1999; Pressing, 1998; Lehmann & Ericsson, 1997). A

literatura na área de cognição musical aponta maneiras em que o músico pode realizar a prática

deliberada no curso de sua vida musical, incluindo o trabalho em conjunto com um professor, a

absorção de exemplos de práticas improvisatórias (performances) de experts, estudos de teoria e

análise musical e o trabalho interativo com pares durante ensaios e apresentações (Kenny &

Gellrich, 2002).

Segundo os autores, um dos principais objetivos da prática deliberada é encorajar a expertise

improvisatória por meio da internalização de um intenso desenvolvimento de conhecimento base. A

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diferença entre um improvisador expert e um não expert se mostra no quanto sofisticada,

automatizada e personalizada as estruturas improvisatórias se tornam. Improvisadores novatos, por

exemplo, tendem a acessar materiais de um conhecimento base de maneira literal, repetindo frases

aprendidas, ao passo que improvisadores experts são capazes de realizar conexões sofisticadas com

o material previamente aprendido. Para os músicos, essas conexões se desenvolvem por meio de

práticas deliberadas bem estabelecidas e rotineiras.

A transcendência pode ser entendida como um alto estado de consciência que se move além

dos limites do conhecimento base previamente adquirido pelo performer. Trata-se de um estado de

consciência que, como a prática deliberada, pode ser encorajado no início da formação do

improvisador, não precisando ser cultivado tardiamente até que o improvisador atinja estágios

avançados de desenvolvimento, como implica a prática deliberada. Contudo, a transcendência se

mostra mais difícil e complexa de ser estudada em forma de pesquisa.

Segundo Kenny e Gellrich (2002), os improvisadores necessitam dominar o hardware da

improvisação: padrões, melodias, progressões de acordes, modulações, condução de vozes,

contraponto e coordenação entre progressões de acordes e padrões melódicos. Após dominar o

hardware, o software da improvisação pode ser desenvolvido: regras sistemáticas que assistem à

construção de melodias, frases, ideias musicais mais amplas, trabalho com motivos melódicos e

estabelecimento de relações entre diferentes partes da improvisação. Ambos, hardware e software,

devem ser praticados sistematicamente e separadamente. Neste sentido, para os autores, o

improvisador deve manter sua prática deliberada atualizada e sofisticada, assim como aprender a

transcender, buscando novos elementos para sua improvisação.

O senso comum parece concordar que o jazz pode ser o método primário de ensino de

improvisação na cultura ocidental. Neste sentido, o binômio escala/acorde2 parece ser o caminho

mais usado para se alcançar altas habilidades improvisatórias neste contexto. Bastos e Piedade

(2006) afirmam que a bossa-nova, por exemplo, serve de apoio para a música instrumental

brasileira improvisada e essa dialogava com o jazz estadunidense. Portanto, é possível que na

música instrumental brasileira improvisada, experts utilizem elementos do blues em suas

improvisações dentro deste binômio.

Neste sentido, pode-se inferir a hipótese de que, durante a prática deliberada e focada para a

música instrumental brasileira improvisada, os experts possam dedicar uma parte de seus estudos ao

blues, ao ponto de utilizar elementos deste estilo musical como ferramentas em suas improvisações.

Esta hipótese é averiguada no curso do desenvolvimento deste trabalho.

2 O improvisador no jazz, cria melodias baseadas no encademanto de acordes. (Malson e Bellest, 1986).

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2.4 Blues: aspectos históricos e definições

O blues é uma forma musical afro-americana que surgiu após a guerra de secessão nos

Estados Unidos3. Ao contrário do que é comumente visto, a origem geográfica do blues não se deu

no delta do rio Mississippi, nas vizinhanças da cidade estadunidense de Nova Orleans, mas sim, no

delta do rio Yazoo, região de pântanos e plantações de algodão (Muggiati, 2001). O blues surge em

um contexto social de pós abolição da escravatura nos Estados Unidos. Contudo, como em outros

países, o fim oficial da escravidão não se deu rapidamente de forma prática na vida dos ex-escravos.

Os negros, ainda vivendo em uma situação de marginalidade social, a comunidade

africana, que era densa, pobre e isolada, buscou de alguma maneira, formas de entretenimento.

Parte dela se concentrou na vida religiosa hibrída com tradições africanas e locais, dando origem ao

spiritual4, que por sua vez resultou no gospel; outra parte desta população se concentrou em

tradições musicais que deram origem ao blues.

Com relação ao desenvolvimento histórico da prática do blues, Mugiatti (2001) alega que

os negros trouxeram aos Estados Unidos sua expressão vocal básica, os hollers, gritos de

entonações incomuns de cunho religioso. Segundo o autor, por ordem dos seus donos, os escravos

não podiam possuir instrumentos de sopro e/ou percussão, fazendo com que as manifestações

musicais fossem estritamente vocais. Seguindo as tradições musicais africanas, esses escravos

cantavam suas músicas em diversas ocasiões, em especial, nas chamadas work-songs, canções para

ditar o ritmo do trabalho árduo, mas também em celebrações religiosas e de entretenimento.

Para Berendt e Huesmann (2014) os negros cantavam durante o trabalho pois era mais fácil

trabalhar, o ritmo das canções marcavam o ritmo do trabalho. Segundo Hobsbawm (1989) em sua

forma original o blues é essencialmente uma música acompanhada; mais precisamente uma música

antifônica, na longa tradição africana de canto e resposta.

Como se tratava de uma música estritamente vocal, as melodias percorriam intervalos

musicais que não necessariamente percorriam a distância de um tom e/ou semitom de acordo com o

sistema temperado5. Segundo Mugiatti (2001), foi por conta disso que surgiram as chamadas blue

notes, as notas características que dão a sonoridade típica do blues. Este autor afirma ainda que a

célula básica do blues é a própria blue note. Assim, ao cantarem as melodias tradicionalmente

africanas, os (ex) escravos percorriam linhas melódicas contendo três intervalos em destaque: uma

terça menor, uma quinta diminuta ou quarta aumentada e uma sétima menor. Quando tomaram

3 Considerada a primeira guerra moderna da história, a Guerra da Secessão (1861-1865) foi uma luta sangrenta que opôs o Sul escravista e o Norte industrializado dos Estados Unidos. (Ameur, 2010). 4 Estilo musical surgido no fim do século XIX, caracterizadado por retomar cantos religiosos de tradição europeia com costumes africanos (Malson e Bellest, 1986). 5 Sistema que divide uma escala do dó a dó em doze semitons iguais. (Medaglia, 2008).

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contato com os instrumentos e com a teoria/harmonia musical europeia, essa tradição vocal passou

para os instrumentos e pôde ser traduzida em uma escala pentatônica menor contendo uma nota de

passagem, indicada por um círculo, entre o IV e o V grau da escala, conforme figura 2 abaixo:

Figura 2. Escala blues em dó (notação nossa).

Segundo Ottaviano (2014), a terça menor e a sétima menor dão a característica de modo

menor à escala acima ilustrada e a quarta aumentada, indicada acima através de círculo, é utilizada

como nota de passagem e possui nela a sonoridade típica do blues. Contudo, há também a escala de

blues maior. Nessa escala, parte-se do raciocínio de uma pentatônica maior6 e a nota de passagem

na escala de blues maior passa a ser uma nona aumentada (#9) ou, enarmonicamente, uma terça

menor (b3). Na escala de blues maior a nota de passagem, indicada na figura 3 abaixo, conterá a

sonoridade típica do blues. Sendo assim, a escala de blues maior será a escala pentatônica maior

somada a uma nota de passagem entre o grau II e III, conforme figura 3 abaixo:

Figura 3. Escala blues maior em dó (notação nossa)

Para Farias (2009), a diferença na utilização das escalas se dá no tipo de harmonia em que

ela será empregada. A escala de blues tradicional, por exemplo, costuma ser “usada em progressões

de blues maior ou menor”. Para Farias (2009), a escala de blues maior é usada apenas na progressão

harmônica I-IV-V, que será demonstrada adiante.

Segundo Wisnik (1989), outras tradições musicais utilizam escalas pentatônicas, formadas

por cinco notas, e foram encontradas na China, Indonésia, África e América, mas apenas a escala

blues utiliza essa nota de passagem no quarto grau aumentado (ou no quinto grau diminuto). Com

isso, esta escala leva o nome do estilo e pode ser atualmente encontrada com esse nome em diversos

6 A escala pentatônica maior pode ser encarada como um sendo a escala maior sem o 4º e o 7º graus ou como um arpejo maior com sexta e nona (Farias, 2009)

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livros de teoria e harmonia. Entretanto, além desta escala, existem outros elementos que

caracterizam o blues: a harmonia e a quadratura métrica/ritmo. Segundo Malson e Bellest (1989),

este estilo musical caracteriza-se, geralmente, por uma quadratura métrica de 12 compassos, uma

estrutura harmônica com um encadeamento específico de acordes e um aspecto melódio com

frequente emprego de notas facultativas conhecidas por blue notes.

A harmonia tradicional do blues é relativamente simples se comparada a outros estilos

musicais. Ao longo dos anos, o estilo se desenvolveu e novas possibilidades harmônicas surgiram a

partir do uso de substituições de acordes, inverções, modalismos e outros recursos. Contudo, a

harmonia tradicional do blues tem como base três acordes: aqueles formados sobre o grau I, IV e V

(Ottaviano, 2014). Porém, estes acordes não seguem as funções tradicionais da harmonia tonal,

sendo eles do tipo maior com sétima menor, o que, na música de concerto, como um exemplo mas

não somente, geralmente só ocorrem no V grau na harmonia tradicional (Schoenberg, 2011). A

figura 4 abaixo ilustra os três acordes acima mencionados e a maneira como são tradicionalmente

empregados no blues na tonalidade de dó maior:

Figura 4. Exemplo de harmonia tradicional no blues contendo os acordes I, IV e V em dó (notação nossa).

Além desse emprego dos acordes maiores acima demonstrados, há também o blues menor.

Para Rubin (1999), o blues se torna menor quando o grau I acima é substituído por um acorde

menor com a sétima menor. Para Rubin (1999), a substituição do grau V por graus IV e V menores

é facultativa e o caráter de blues menor se faz especificamente com a substituição do grau I acima

mencionada. Sendo assim, um exemplo de harmonia de um blues menor é demonstrado na figura 5:

Figura 5. Exemplo de harmonia tradicional de blues menor contendo os acordes Im, IV e V em dó (notação nossa).

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O terceiro elemento que caracteriza o blues é sua quadratura métrica e seu ritmo.

Estruturalmente, o blues acabou se fixando em uma forma bastante rigorosa: 12 compassos

divididos em três partes iguais dentro de um esquema do tipo A-A-B, com um acorde diferente

sublinhando cada parte. Para Eskridge (2014), essa quadratura métrica de 12 compassos possui três

formas mais usadas: o slow change blues, o fast change blues e o five chord blues. O slow change

blues é demonstrado na figura 6 abaixo:

Figura 6. Exemplo de progressão slow change blues (notação nossa)

O fast change blues se diferencia do slow change blues já no segundo compasso. No fast

change blues, o grau IV já aparece no segundo compasso e também no compasso 10. Nos

compassos 11 e 12, os três acordes aparecem em sequência antes de se retornar ao início da

convenção, como pode-se observar na figura 7 abaixo:

Figura 7. Exemplo de progressão fast change blues (notação nossa)

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O terceiro tipo mais comum de blues seguindo a quadratura métrica de 12 compassos é o

five chord blues. Nessa convenção, além dos graus I, IV e V, também são usados os graus VI e II

antes de se chegar ao grau V no compasso 10, conforme observa-se na figura 8 abaixo:

Figura 8. Exemplo de progressão five chord blues (notação nossa)

O blues possui outras variações e convenções, como o blues de oito e/ou 16 compassos

(Ottaviano, 2014), com outros acordes que o aproxima do jazz, criando assim o jazzy blues,

exemplificado na figura 9 abaixo, que se caracteriza por um estilo que utiliza a mesma métrica,

ritmos e celulas rítmicas do blues mas com acordes geralmente utilizados no jazz (Rubin, 1999).

Figura 9. Exemplo de progressão jazzy blues (notação nossa)

Segundo o autor, outra variação de blues é o be-bop blues, que utiliza acordes com a

sétima maior dentro da estrutura blues, exemplificado na figura 10 abaixo.

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Figura 10. Exemplo de progressão

Em relação ao ritmo, o blues

uma acentuação rítmica denominada

no blues atende, em geral, à fórmula de compasso composto 12/8. No entanto, pode

escrevê-lo em compasso simples 4/4, mas adotando imprescindivelmente o grupo rítmico de ter

de colcheia com quiáltera (grupo rítmico alterado), isto é, a figura colcheia passa a valer 1/3 de

tempo, tal como no compasso composto.

Para Rubin (1999) o shuffle

rítmicas causadas pelos trens ao se movimentarem sobre os trilhos no sul dos Estados Unidos no

início do século. A célula rítmica shuffle

blues, como pode-se observar na figura 9 abaixo:

Figura 11. Célula rítmica típica do blues, o shuffle (notação nossa).

Em relação aos temas encontrados nas letras de

(2014), mais da metade das letras de

Muggiati (2001), o blues tratava em seu início também dos temas conte

compositores. Trens, ferrovias e estradas utilizadas pelos negros do sul dos Estados Unidos para

fugirem para o norte do país também eram temas recorrentes. Bebidas, descobertas tecnológi

início do século e política também faziam parte do material literário que os compositores de

do início do século utilizavam. Conforme colocado por Muggiati (2001)

. Exemplo de progressão be-bop blues (notação nossa)

blues geralmente está construído sobre um compasso 12/8 e

acentuação rítmica denominada shuffle rythm (Muggiati, 2001). Para Ottaviano (2014)

atende, em geral, à fórmula de compasso composto 12/8. No entanto, pode

lo em compasso simples 4/4, mas adotando imprescindivelmente o grupo rítmico de ter

de colcheia com quiáltera (grupo rítmico alterado), isto é, a figura colcheia passa a valer 1/3 de

tempo, tal como no compasso composto.

shuffle pode ter se originado na tentativa de se imitar as células

ao se movimentarem sobre os trilhos no sul dos Estados Unidos no

shuffle é, na verdade, a principal célula no discurso musical do

se observar na figura 9 abaixo:

ula rítmica típica do blues, o shuffle (notação nossa).

Em relação aos temas encontrados nas letras de blues, de acordo com Berendt e Huesmann

mais da metade das letras de blues falam sobre amor. Contudo, como colocado pro

tratava em seu início também dos temas contemporâneos aos seus

Trens, ferrovias e estradas utilizadas pelos negros do sul dos Estados Unidos para

fugirem para o norte do país também eram temas recorrentes. Bebidas, descobertas tecnológi

início do século e política também faziam parte do material literário que os compositores de

Conforme colocado por Muggiati (2001), os únicos temas que não

17

compasso 12/8 e sobre

Para Ottaviano (2014), o ritmo

atende, em geral, à fórmula de compasso composto 12/8. No entanto, pode-se também

lo em compasso simples 4/4, mas adotando imprescindivelmente o grupo rítmico de tercina

de colcheia com quiáltera (grupo rítmico alterado), isto é, a figura colcheia passa a valer 1/3 de

pode ter se originado na tentativa de se imitar as células

ao se movimentarem sobre os trilhos no sul dos Estados Unidos no

no discurso musical do

, de acordo com Berendt e Huesmann

falam sobre amor. Contudo, como colocado pro

mporâneos aos seus

Trens, ferrovias e estradas utilizadas pelos negros do sul dos Estados Unidos para

fugirem para o norte do país também eram temas recorrentes. Bebidas, descobertas tecnológicas do

início do século e política também faziam parte do material literário que os compositores de blues

os únicos temas que não

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faziam parte das letras nos blues eram os temas ligados à elite branca do início do século, uma vez

que pareciam não condizerem com a realidade dos negros que compunham blues.

Durante o seu processo de consolidação como estilo musical, o jazz recebeu forte

influência do blues, uma vez que teve suas raízes na música afro-americana do início do séc. XX e o

blues é considerado como uma das contribuições mais fabulosas da arte profana afro-americana

(Malson, 1989). Este fato pode ser corroborado ainda por Hobsbawm (1989):

O blues não é um estilo ou uma fase do jazz, mas um substrato permanente de todos os estilos; não é todo o jazz, mas é o seu núcleo. Nenhum músico ou banda que não possa tocá-lo alcançará as alturas das conquistas do jazz. E o momento em que o blues deixar de fazer parte do jazz será o momento em que o jazz, como o conhecemos, deixará de existir (Hobsbawm, 1989, p.125).

Charlie Parker, ícone do jazz, também dá importância ao blues quando diz que “é uma

pena ver que muitos dos jovens músicos que estão começando a aparecer não conhecem ou se

esqueceram dos seus fundamentos: o blues. É a base do jazz” (Hobsbawm, 1989). Segundo o autor,

o blues mostrou ser uma base singularmente adequada para a improvisação individual ou coletiva

em jazz, vale dizer, para a composição jazzística. Berendt e Huesmann (2014) apontam que as

linhas melódicas do blues são amplamente usadas no jazz, fato que evidencia o quanto o jazz, em

sua universalidade, alimenta-se de elementos oriundos do blues, tratando-se ou não de um blues

padrão. Berendt e Huesmann ainda citam a opinião do pianista de jazz Billy Taylor sobre a

influência do blues no jazz:

Desconheço um único jazzista importante – antigo, recente, do período intermediário dos anos de 1930 ou do cool jazz – que não tenha manifestado grande respeito e afetividade pelo blues, tocasse ele blues ou não. Ou o espírito do blues estava presente em sua forma de tocar ou ele não era realmente um grande jazzista (Berendt e Huesmann, 2014, p.196).

No Brasil, o blues propriamente dito teve seus primeiros grupos musicais formados a partir

da década de 1970. Antes disso, de acordo com Muggiati (2001), o blues que chegava ao Brasil

vinha de forma indireta, com os grupos musicais de baile de jazz da década de 30, no primeiro

festival de jazz no Brasil realizado em 1956, ou embutido no rock n’ roll estadunidense que chegou

ao Brasil na década de 50/60 ou ainda com o rock britânico da década de 60. Festivais de jazz no

fim da década de 70 e início da década de 80, como o São Paulo Jazz Festival, Rio-Monterey ou o

Free Jazz trouxeram ao Brasil nomes do blues como John Lee Hooker, B.B. King, Albert Collins

dentre outros.

Em 1989 na cidade de Ribeirão Preto aconteceu o primeiro festival exclusivo de blues

(Muggiati, 2001) que contou com a participação de nomes conhecidos do blues como Buddy Guy,

Junior Wells e Etta James, além dos brasileiros André Christovam e o grupo de blues Blues Etílicos.

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No fim da década de 1980, André Christovam, Celso Blues Boy e o angolano radicado no Brasil

Nuno Mindelis se consolidaram como nomes conhecidos no cenário brasileiro de blues e artistas

que possuem no blues influências musicais. O multi-instrumentista Ed Motta e o grupo musical

Barão Vermelho também contribuíram para colocar o blues em voga no Brasil (Muggiati, 2001).

2.5. Música instrumental brasileira improvisada

Bahiana (1979) define música popular brasileira instrumental como “formas musicais

cunhadas na informação do jazz e à geração de seus praticantes, os instrumentistas dispersos da

bossa-nova e o desinteresse do mercado e da indústria fonográfica”. Bastos e Piedade (2006) afirmam

que uma característica específica da música instrumental brasileira é o fato de ela excluir a letra e o

cantor. Rodrigues (2006) reforça esta questão:

Então, podemos, em princípio e de forma bem generalizada, considerar a música popular instrumental brasileira como uma música destinada ao entretenimento, podendo englobar grande variedade de gêneros e estilos, e as peças musicais em geral apresentam curta duração, podendo infringir estes limites e tangenciar com a música de concerto, em especial quando o conteúdo musical chega a um grau maior de sofisticação estética e complexidade formal (Rodrigues, 2006, pp.12).

Para Bastos e Piedade (2006), o desenvolvimento inicial da música instrumental brasileira

improvisada, que segundo os autores também é jazz brasileiro principalmente no cenário

internacional, inicia nas raízes da música popular brasileira, a modinha e o lundu, sendo ambas

consideradas como ponto pacífico entre os musicólogos como origem da música popular brasileira. A

modinha brasileira teria uma característica rítmica acentuada que lhe é vital e é compartilhada em

outras vertentes da música popular brasileira. Para Bastos e Pieadade (2006), é relevante ressaltar que

a modinha não é música instrumental. Contudo, possui um lirismo melancólico que constitui uma

faceta da musicalidade brasileira que se faz presente em outras vertentes, como o choro e a própria

música instrumental brasileira improvisada, aparecendo em temas e improvisos.

Para Alvarenga (1950), o lundu deu à música brasileira características musicológicas

importantes, como a sistematização da síncope e o emprego da sétima abaixa, ou seja, acordes de

sétima menor. Esta autora, que cita o lundu e a modinha como estilos musicais importantes para o

desenvolvimento da música instrumental brasileira improvisada, atribui especial importância ao

choro, vertente da música brasileira improvisada muito praticada até o presente. Para Bastos e

Piedade (2006), em termos formais, o choro tem normalmente três partes em forma rondó (ABACA)

e se caracteriza por ser necessariamente modulante. Com a prática do choro, consolida-se uma

aproximação da música brasileira instrumental improvisada com o jazz.

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Como colocado por Bastos e Piedade (2006), um aspecto comum entre o jazz e o choro é,

sem dúvida, a improvisação generalizada e o caráter de interação entre os músicos na perfomance da

música instrumental. Os autores apontam ainda a forma do improviso como uma atividade

diretamente ligada à prática do jazz norte-americano, muito embora diferenças peculiares distinguem

um de outro: enquanto no choro o improviso deve ser entendido como uma variação da melodia do

tema principal, no jazz norte-americano, o improviso é muito mais a criação de novas melodias sobre

uma harmonia fixa (Bastos e Piedade, 2006).

Durante o desenvolvimento de uma das fases da música instrumental brasileira improvisada

surgiu a bossa nova. Considera-se essa fase apenas como uma das fases da música instrumental

brasileira improvisada, uma vez que o choro (que é mais antigo do que a bossa-nova) também possui

improvisação. Contudo, como colocado por Bastos e Piedade (2006), a improvisação no choro é

diferente da improvisação no jazz, que acabou influenciando essa música instrumental brasileira

improvisada. O improviso no choro deve ser entendido como uma variação da melodia do tema

principal. No jazz, o improviso está mais ligado a ciração de novas melodias em cima de uma

harmonia fixa. No choro, o solista improvisador toca a melodia com liberdade para interpretá-la,

floreá-la, variá-la, mas deve se preocupar em manter seus traços temáticos sempre claros (Bastos e

Piedade, 2006).

Com início no anos 50, no Rio de Janeiro, a bossa nova uniu cantores, instrumentistas e

compositores amantes do jazz estadunidense, da música brasileira e da música de concerto de tradição

européia. Para Bastos e Piedade (2006) a influência do jazz na bossa-nova é reconhecida pelos

próprios bossanovistas. Contudo, a bossa nova possui raízes também estabelecidas na própria música

brasileira e ao mesmo tempo em que ela tornava-se conhecida em todo mundo, toda uma geração de

instrumentistas influenciados pelo jazz se envolvia com esse gênero.

Segundo Bastos e Piedade (2006), instrumentistas formavam grupos que tocavam um

repertório de bossa nova e jazz instrumental, muitos inclusive utilizando-se de uma formação clássica

de jazz trio, com piano, contrabaixo e bateria. É nesse universo instrumental da bossa nova que surge

a música instrumental brasileira improvisada, que cresceu, portanto, apoiando-se, portanto, menos no

choro e mais na bossa nova, aí destacando o encontro deste estilo musical com o jazz estadunidense.

O encontro real entre Stan Getz e João Gilberto simboliza um diálogo entre as musicalidade da bossa

nova e do jazz, que para Bastos e Piedade (2006) é uma das características fundamentais da música

instrumental brasileira improvisada. Uma outra característica peculiar da música instrumental

brasileira é a exclusão do uso da letra. Apesar de a voz ser utilizada na música instrumental brasileira,

ela é empregada como um instrumento. Como apontado por Bastos e Piedade (2006), há obras que

utilizam a voz como instrumento, sem se preocupar com a letra, como Mundo verde esperança, de

Hermeto Pascoal ou Meu Brasil, de Teco Cardoso. Na música instrumental, a voz é utilizada como

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instrumento, dobrando a melodia ou fazendo contracantos, o que parece deixar o cantor no mesmo

patamar hierárquico que os outros instrumentistas.

2.6 Influências do blues na música instrumental brasileira improvisada

Alguns métodos de ensino de improvisação em música brasileira publicados na última

década parecem dedicar capítulos exclusivos a utilização da escala pentatônica e de sonoridades do

blues. Este fato pode ser encontrado nas obras do músico brasileiro e autor de livros didáticos de

música brasileira Nelson Faria, em seus livros intitulados A arte da improvisação (2009) e Acordes,

arpejos e escalas para violão e guitarra (2009). Este fato também pode ser identificado nos livros

intitulados Harmonia e Improvisação (volumes I e II) de Almir Chediak (2009). Tais obras vêm

sendo utilizadas em escolas de música e conservatórios brasileiros e esta parece ser uma primeira

pista relacionada ao fato de que a escala blues é utilizada na música instrumental brasileira

improvisada.

Neste sentido, Chediak (2009) propõe o uso da escala blues sobre acordes dominantes,

conforme figura 4 abaixo:

Figura 12. Utilização da escala blues em acordes dominantes (Chediak, 2009. pp. 345).

Segundo o autor, quando da utilização de um acorde dominante (sendo ele primário e/ou

secundário), faz-se possível a utilização da escala blues na improvisação.

Assim como os livros didáticos, a literatura científica parece apontar novamente uma

conexão mais próxima entre o blues e a bossa-nova, a partir do fato de que os artistas que iniciaram

a bossa-nova tiveram, de alguma forma, algum tipo de contato com o blues. A quadratura métrica, o

ritmo, a escala e a harmonia do blues não aparecem em sua integralidade nas composições de bossa-

nova. Contudo, é razoável a ideia de que o blues fez parte, em algum nível, como elemento

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formador da bossa-nova, como colocado pelo professor da universidade de Georgetown, Bryan

McCann:

(...) considerando-se a pesquisa do mundo do jazz no Rio de Janeiro no final dos anos 50 e início dos anos 60, revela-se a profunda influência do blues na explosão da bossa nova naquele mesmo período. A exploração dessa influência ajuda a iluminar a estrutura da bossa nova, explica por que os músicos de jazz dos Estados Unidos se apegaram à bossa com tanto entusiasmo e leva em consideração algumas suposições sobre gênero existentes há muito tempo (McCann, 2010, p.14).

Para Bahiana (1979) o último grande momento da música instrumental no Brasil havia sido

a bossa-nova. A origem da música instrumental brasileira improvisada está atrelada à bossa-nova.

Formações de grupos que posteriormente se destacariam na execução de música instrumental

brasileira improvisada, se deu nesse período e/ou após ele, levando-se em consideração que a bossa-

nova encontrou seu auge entre os anos de 1958 e 1962 (Gava, 2002). Entretanto, o objetivo desse

trabalho não é realizar os apontamentos de influência direta do blues na bossa-nova, mas sim a

utilização do blues na música instrumental brasileira improvisada.

Para Bastos e Piedade (2006), a música instrumental brasileira improvisada tem como uma

de suas características fundamentais uma proximidade com o jazz estadunidense. Como já apontado

nesse trabalho, o blues foi uma das bases originadoras do jazz estadunidense e por isso, indiretamente

faz parte da música instrumental brasileira improvisada. Esse ponto é retomado na discussão final do

presente trabalho, fazendo-se a ligação entre os temas aqui expostos e as análises dos trechos

selecionados de música instrumental brasileira improvisada que contêm elementos estruturais do

blues em suas execuções.

2.7. Zimbo Trio e o CLAM

De acordo com Suzigan (2006), o Zimbo Trio é um grupo de instrumentistas de música

instrumental brasileira. A formação original do grupo, que permaneceu a mesma por 37 anos, de 1964

até 2001, era composta por Amilton Godoy, Luiz Chaves e Rubens Alberto Barsotti.

Amilton Godoy, pianista, compositor e arranjador, nasceu em Bauru em 2 de março de 1941,

Estado de São Paulo. Pertencente a uma família de músicos, possui dois irmãos (Adilson e Amilson

Godoy), ambos pianistas, compositores e arranjadores no cenário musical brasileiro. Em São Paulo,

Amilton completou sua formação musical na Escola Magdalena Taglaferro, com a professora Nellie

Braga e com a pianista que dá nome a escola. Nessa escola, ele estudou técnica pianística e

interpretação. Em relação ao jazz e à música popular, segundo coloca Suzigan (2006), Amilton teve

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formação autonôma, ouvindo discos de pianistas estadunidenses como Bud Powell, Horace Silver,

Thelonius Monk, Oscar Peterson, Bill Evans e Chick Corea.

Luiz Chaves nasceu em Belém do Pará em 27 de agosto de 1931, iniciou os seus estudos de

música com seus pais e irmãos mais velhos. A escolha pelo contrabaixo veio através da admiração

pelo instrumento ao ouvir as gravações do trio de Nat King Cole e do quarteto do Maestro Radamés

Gnatalli. Transferindo-se para São Paulo, estudou contrabaixo com Maurício Ferreira, primeiro

contrabaixista da Orquestra Sinfônica Municipal (Suzigan, 2006). Rubens (Rubinho) Alberto

Barsotti nasceu em São Paulo em 16 de outubro de 1932 Adquiriu interesse pela bateria ouvindo

ritmistas estadunidenses de jazz como Art Blakey, Buddy Rich, Jo Jones, Kenny Clark, Max Roach,

Philly Jo Jones e Sidney Catlet, que o influenciaram em seu desenvolvimento como músico

autodidata (Suzigan, 2006).

De acordo com Suzigan (2006), a idéia inicial de formar o grupo de música instrumental

brasileira Zimbo Trio aconteceu em 1963, durante uma turnê de Rubens Alberto Barsotti e Luiz

Chaves em Portillo, no Chile. Ao voltar ao Brasil, Rubens e Luiz Chaves passaram a tocar com o

pianista Moacyr Peixoto na Boite Baiúca. Com a saída desse pianista, Amilton Godoy foi convidado,

originando-se assim o Zimbo Trio. Além de executar suas próprias composições, o grupo fez

releituras de canções para música instrumental de diversos artitas brasileiros, como por exemplo Tom

Jobim, Milton Nascimento, Edu Lobo, Chico Buarque, Baden Powell, Carlos Lyra, Gilberto Gil, João

Bosco, Djavan, Ary Barroso, Pixinguinha, Ivan Lins, Francis Hime, Egberto Gismonti, Hermeto

Pascoal, Luis Bonfá, Johnny Alf, Durval Ferreira, Bororó, Noel Rosa, Nelson Cavaquinho e Villa-

Lobos. Em virtude do falecimento de Luiz Chaves em 2007, o Zimbo Trio continou suas atividades

com uma nova formação, sendo o integrante original Amilton Godoy ainda o pianista, Mario

Andreotti o contrabaixista e Pércio Sápia o baterista. Atualmente, Amilton Godoy ainda se apresenta,

mas sem utilizar o nome Zimbo Trio (Suzigan, 2006), devido a desentendimentos com a família do

baterista Rubens Barsotti em relação aos direitos de uso do nome Zimbo Trio.

Além da contribuição à música popular brasileira instrumental propriamente dita, o Zimbo

Trio contribui para a formação dos músicos brasileiros. Em 1973 os músicos integrantes do Zimbo

trio fundaram, em conjunto ao baterista João Rodrigues Ariza, o CLAM – Centro Livre de

Aprendizagem Musical (Suzigan, 2006). Na epóca da fundação do CLAM, os conservatórios de

ensino de música no Brasil possuíam uma divisão muito rígida entre música popular brasileira

(excluída dos conservatórios) e a música de tradição europeia. O CLAM surgiu para suprir essa

lacuna no ensino da música popular brasileira instrumental e, como coloca a autora, oferecia

ambiente diferente aos tradicionais da época:

O CLAM caracterizou-se por apresentar um ambiente extremamente musical. Não era raro encontrar e escutar músicos importantes do cenário artístico nacional e internacional. Músicos de outros países

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que estavam em nosso país fazendo shows, visitavam a escola e tinham um grande interesse em conhecer sua metodologia, ouvir alunos e professores e tocar com o Zimbo Trio (Suzigan, 2006, p. 36).

Outra citação da mesma autora sobre o CLAM:

Um dos objetivos principais do CLAM era desenvolver no aluno a capacidade de compor, de criar seus próprios arranjos. Não era objetivo da escola que todos os alunos tocassem do mesmo jeito, mas, que, ao tocarem a mesma música utilizando os mesmos elementos e nível prático-teórico, apresentassem resultado e sonoridade diferentes. Todos os alunos com um pouco de interesse e dedicação eram capazes de desenvolver uma forma própria de tocar e apresentar um bom desempenho, construindo o conhecimento desde o início do processo de ensino-aprendizagem. (Suzigan, 2006, p. 53).

O CLAM continua ativo e atualmente é dirigido pelo pianista e fundador da escola Amilton

Godoy. De acordo com Suzigan (2006), o CLAM é responsável pela educação e formação musical de

mais de 15 mil alunos. O surgimento do CLAM coincide com o surgimento da música popular

instrumental brasileira, quando compara-se a data de fundação da escola com os trabalhos redigidos

por Bahiana (1979) e Bastos e Piedade (2006): o movimento de música instrumental pós bossa-nova

que se expandiu e desdobrou-se após a década de 1960 no Brasil. O CLAM e consequentemente o

Zimbo Trio deixaram como herança um rico material de ensino e aprendizagem de música popular

brasileira instrumental (Suzigan, 2006).

2.8. Propósito da presente pesquisa

A revisão da literatura do presente trabalho contemplou termos que fazem uma conexão, no

sentido de estabelecer-se os propósitos teóricos para a realização da presente pesquisa. Foram eles: a

definição do conceito de expertise e expert, um modelo proposto para a prática da improvisação (o de

Kenny e Gellrich, 2002) oriundo do jazz norte-americano, a apresentação de aspectos históricos do

blues (bem como de seus aspectos estruturais) e da música popular brasileira improvisada e,

finalmente, um breve histórico sobre o Zimbo Trio, Amilton Godoy e o CLAM, curso de música

voltado à prática da música popular brasileira improvisada, criado pelos integrantes desse grupo. Essa

conexão contribui para o entendimento do objetivo geral dessa pesquisa, que é verificar como os

elementos estruturais do blues são utilizados em improvisações do Zimbo Trio e, a partir dos

pressupostos do modelo de Kenny e Gellrich, pretende-se identificar estratégias cognitivas que visem

a aplicação desses elementos para a aquisição de expertise musical na prática da música popular

brasileira improvisada.

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3. METODOLOGIA

O delineamento da presente pesquisa é documental. Gil (1994) define a pesquisa

documental como aquela que vale-se de materiais que ainda não receberam um tratamento analítico,

ou que ainda podem ser reelaborados, de acordo com os objetivos da pesquisa, tais

como:documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, contratos, diários, filmes, fotografias,

partituras musicais, gravações, entre outros. Nesta pesquisa, foram feitas transcrições de cinco

improvisos realizados por Amilton Godoy em performances do Zimbo Trio, no intuito de verificar

de que maneira as estruturas do blues são pensadas e utilizadas no discurso musical do pianista em

questão. Os materiais a serem analisados são descritos a seguir.

3.1 Material musical a ser analisado

A tabela 1 abaixo ilustra o material musical selecionado para as análises do presente

estudo:

TABELA 1. TÍTULO DAS OBRAS ESCOLHIDAS PARA ANÁLISE NO PRESENTE ESTUDO, BEM COMO OS ÁLBUNS QUE ELAS INTEGRAM, O ANO E SEUS RESPECTIVOS COMPOSITORES

Este trabalho faz parte de um projeto de pesquisa intitulado “Aquisição de expertise

musical no piano brasileiro improvisado”, desenvolvido pelo professor Danilo Ramos junto à

UFPR, líder e fundador do GRUME (Grupo de pesquisa em música e expertise). Trata-se de um

projeto do tipo “guarda-chuva”7 que engloba uma série de outros subprojetos de alunos de pós-

graduação (níveis mestrado e doutorado) e graduação (contemplando trabalhos de iniciação

7 Os projetos de pesquisa do tipo guarda-chuva referem-se aos projetos de pesquisa criados pelos docentes de instituições públicas, visando a produtividade científica no decorrer de seus planos de carreira em suas respectivas áreas de atuação, conforme normas da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Música Álbum Ano Compositores

1. Garota de Ipanema Caminhos Cruzados 1995 Tom Jobim e Vinícius de Moraes

2. Samba de Uma Nota Só Zimbo Trio 1965 Tom Jobim e Newton Mendonça

3. Triste Zimbo Trio 1965 Tom Jobim

4. Balanço Zona Sul Zimbo Trio vol. II 1966 Tito Madi

5. Brigas Nunca Mais Caminhos Cruzados 1995 Tom Jobim

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científica e trabalhos de conclusão de curso, como este). Como parte desse projeto guarda-chuva, o

presente trabalho foi desenvolvido em parceria com o aluno Gustavo Aleixo Derenievicz e seu

projeto de iniciação científica intitulado “modelos cognitivos aplicados a estratégias de

improvisação em performances musicais de Amilton Godoy”. As transcrições utilizadas para a

mensuração dos objetivos da presente pesquisa foram feitas a partir do projeto de iniciação

científica do aluno Gustavo, enquanto que a revisão sistemática delas foram feitas por mim, com o

auxílio do professor Danilo. Enquanto o projeto do aluno Gustavo buscava mapear todos os

parâmetros de estrutura musical (contornos melódicos, sequências harmônicas, desenvolvimento do

percurso rítmico, dinâmicas, dedilhados, etc.) empregados por Amilton Godoy em suas

improvisações, este projeto se concentrou especificamente ao uso de parâmetros estruturais

relacionado ao blues, a partir da hipótese de que este estilo musical possa estar bastante relacionado

com o resultado da sonoridade musical obtida pelo pianista em questão. Os cinco solos escolhidos

para a análise foram selecionados a partir de atividades prévias de escuta musical. Nessas

atividades, feitas em conjunto, foi identificada uma forte influência do blues na improvisação de

Amilton Godoy nos cinco solos selecionados.

3.2 Materiais e equipamentos

Foi utilizado um computador da marca ACER modelo Aspire, para escuta, seleção,

manipulação, edição, transcrição e análise dos trechos musicais. O software Transcribe 8® foi

utilizado para as transcrições dos trechos musicais selecionados e o software Finale 2014® foi

utilizado para a editoração das transcrições.

3.3 Análise de dados

As obras escolhidas para a análsie descritas na tabela 1 acima, consituem-se de quatro

interpretações do Zimbo Trio de composições de Tom Jobim e uma interpretação de Tito Madi.

Jusfica-se a escolha das peças analisadas pelo fato de estarem inseridas dentro de um mesmo estilo

musical, bossa-nova, e por possuírem semelhanças quanto a parâmetros de estrutura musical, como

andamento, dinâmicas, contornos melódicos, entre outros. A transcrição completa das obras,

dispostas no Anexo 01, deu-se através da escuta dos improvisos em velocidade reduzida em 50% a

75% utilizando-se do software Transcribe 8®. As obras foram transcritas no software Finale 2014®

e após, verificadas e revisadas mais uma vez utilizando-se o software Transcribe 8®.

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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Análise das transcrições.

A análise das transcrições dos improvisos selecionados foram realizadas com o objetivo de

encontrar elementos estruturais do blues identificados nas atividades prévias de escuta destes

improvisos para, em seguida, estabelecer a relação entre a expertise, blues e música brasileira

instrumental improvisada, utilizando-se dos pressupostos de Kenny e Gellrich (2002). Tais

elementos estão destacados na apresentação dos trechos musicais retirados das transcrições. Além

disso, há ainda a indicação de qual elemento do blues está presente em cada trecho. Apesar de

alguns pequenos trechos dos improvisos selecionados terem sido realizados a partir de estruturas

harmônicas em bloco, isto é, estruturas verticais harmônicas construídas a partir da nota da melodia

do solo, foram consideradas, para efeito de análise, apenas as notas da melodia executada por

Amilton Godoy, uma vez que as estruturas em blocos não costumam ser executadas da mesma

maneira no blues.

O primeiro improviso analisado foi o de Garota de Ipanema. Nesse improviso, Amilton

Godoy utilizou a escala blues em Fá, nos compassos 5 até 10 e a escala de blues em Sol, presente

nos compassos 11, 12 e 13, como observado na figura 13 abaixo.

Figura 13 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o tema Garota de

ipanema (notação nossa)

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Observa-se nesse improviso, demonstrado na figura 13, que Amilton Godoy utiliza a escala

blues não apenas sobre um acorde específico, mas sim por toda uma sequência de acordes, em uma

cadência tradicional do jazz, a cadência IIm – V7 – I7M. A escala de fá blues maior se caracteriza

pela passagem da terça menor (ou #9) para a terça maior dentro da escala. Ritmicamente, observa-

se que ele utiliza majoritariamente colcheias na execução da escala. Notam-se também acentos em

algumas notas, mas sem padrão definido. A escala de sol blues caracterizou-se pelo uso da quarta

aumentada e também o uso da passagem da terça menor (ou #9) para terça maior, ou seja, aqui

Amilton Godoy utiliza tanto a quarta aumentada como nota de passagem como também a passagem

entre terça menor para terça maior. Nota-se também o uso majoritário de colcheias. Em ambos os

usos das duas escalas blues neste improviso, Amilton Godoy utiliza a região média do piano em sua

a execução.

O segundo improviso analisado foi o executado na música Samba de uma nota só. EM um

trecho desse improviso, Amilton Godoy utilizou já no primeiro compasso uma escala blues em dó,

caracterizada pela passagem da quarta aumentada, conforme a figura 14 abaixo:

Figura 14 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o tema Samba de

uma nota só (notação nossa)

Nota-se que a nota mi, segunda nota do improviso, é natural, o que demonstra que Amilton

Godoy usa a terça maior da escala de dó blues, mas não como nota de passagem. Percebe-se ainda

que não há acentuação semínimas são majoritariamente empregadas nessa passagem, que é efetuada

na região média do piano. Após esse momento inicial do improviso, Amilton Godoy volta a utilizar

a escala blues menor nos compassos 28 e 29, dessa vez em lá, que também se caracteriza pela

quarta aumentada nesse improviso, executado em uma região mais aguda do piano. Ritmicamente,

colcheias foram utilzadas nesse improviso, sem acentuação.

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O terceiro improviso analisado foi o da música Triste. Nesse improviso, não foi encontrado

nenhum elemento estrutural do blues. Contudo, há em alguns trechos do improviso o uso de

tercinas, que podem indicar alguma presença do shuffle, conforme observado na figura 15 abaixo:

Figura 15 análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o tema Triste

O quarto improviso analisado foi na música Balanço zona sul, conforme indica a figura 16

abaixo:

Figura 16 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o tema Balanço zona

sul (notação nossa)

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Nesse improviso, foi encontrado o uso da escala blues maior em fá, nos compassos 7 e 8,

assim como nos compassos 16 e 17, ambas caracterizadas pelas passagem de terça menor para terça

maior. A escala é usada majoritariamente utilizando-se colcheias e sem acentuação nos compassos 7

e 8 e nos compassos 16 e 17, observa-se o uso das tercinas, o que indica o uso da célula rítmica

típica do blues, o shuffle. Observa-se também o uso da escala blues maior em fá em uma cadência

tradicional do jazz, a cadência IIm – V7 – I7M, tanto de fá (compassos 16 e 17) como em si bemol

(compasso 7 e 8). Nesse improviso, também se encontrou o uso da escala blues maior em sol, nos

compassos 14 e 15, caracterizada tanto pela passagem de terça menor para terça maior, quanto pela

passagem na quarta aumentada, executada sobre um acorde de sol maior com sétima menor (acorde

dominante). A passagem é executada majoritariamente em colcheias com uma execução em tercinas

em semínima. Ambas as escalas são executadas em regiões médias do piano.

Por fim, o último improviso analisado foi o de Brigas nunca mais, conforme indica a

figura 17 abaixo:

Figura 17 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o tema Brigas nunca

mais (notação nossa)

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Já no início do improviso, nos compassos 1, 2 e 3, Amilton Godoy utilizou a escala blues em

dó, demonstrado pelo uso da quarta aumentada e também da terça menor, o mi bemol. Nesse

improviso, há a presença do shuffle por meio do uso de uma tercina durante a passagem do

improviso. Após isso, nos compassos 21 e 22 ele volta a utilizar escala blues maior, mas em fá,

caracterizada pela passagem de uma quarta aumentada e a passagem da nona aumentada ou terça

menor para uma terça maior. Ambas as escalas são executadas majoritariamente pelo uso de

colcheias.

4.2 Discussão

O ponto considerado como o mais importante a ser levado em conta a partir das análises dos

solos acima que visam a formação de músicos experts na prática do improviso da música popular

instrumental brasileira são as restrições internas e externas colocadas por Kenny e Gellrich (2002).

Considerando-se o referencial interno da base de conhecimento como sendo o mais relevante

para o improviso, de acordo com Kenny e Gellrich (2002), esta bagagem de conhecimento

previamente adquirido mostra que o improvisador traz para a improvisação materiais musicais,

excertos, repertórios, habilidades secundárias, estratégias de percepção, estratégias para resolução

de problemas, memória hierarquizada de estruturas e esquemas e programações motoras

generalizadas. Essa base de conhecimento envolve tipicamente uma internalização de material

fonte/base, que é idiomático em relação ao estilo musical a ser trabalhado. Nesse sentido, é possível

inferir-se que alguns elementos estruturais do blues, como a escala blues e a célula rítmica típica do

blues, o shuffle parecem fazer parte da base de conhecimento do pianista Amilton Godoy, uma vez

que ele os utilizou da maneira pontual em seus improvisos. Nesse sentido, parece que o domínio

técnico de alguns parâmetros desse estilo musical fazem parte de seu vocabulário improvisatório,

que conta, além do blues, com várias outras escalas e técnicas de improvisação (como a montagem

de improvisos a partir de estruturas de acordes em bloco, por exemplo).

Em relação às restrições externas do improvisador, como colocado por Kenny e Gellrich

(2002), existem os referenciais socioculturais, que irão influenciar a improvisação de alguma

maneira, ou seja, a maneira com que o conhecimento sobre improvisação e o material

improvisatório é empregado irá constituir a maneira de o improvisador tocar. Os autores ainda

apontam duas funções desses referenciais que têm fundamental importância na prática da

improvisação musical: a habilidade de limitar as escolhas improvisatórias de acordo com diretrizes

apropriadas a cada estilo musical e o papel que o ouvinte exerce durante a improvisação. Observa-

se que alguns parâmetros estruturais do blues são empregados por Amilton Godoy nos improvisos

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do Zimbo Trio com parcimônia, mesmo que usados em improvisos diferentes e momentos

diferentes de uma mesma música. Pode-se inferir que o improvisador em questão tenha limitado

suas escolhas improvisatórias em função da sonoridade a ser obtida sobre o estilo musical em que

está tocando.

O Zimbo Trio não é reconhecido pela indústria fonográfica como sendo um trio de blues,

mas sim, um trio de música instrumental brasileira improvisada, ou jazz brasileiro. Por isso,

acredita-se que os elementos estruturais do blues tenham sido empregados nos improvisos

analisados de maneira cuidadosa a ponto de não descaracterizar a linguagem dos temas a serem

apresentados, que são internacionalmente reconhecidos pela indústria fonográfica como temas de

bossa nova. Assim, a maneira pela qual as escalas blues são usadas nos improvisos não

descaracteriza o estilo musical a ser executado, mas mesmo assim, faz com que a sonoridade do

blues apareça nos improvisos, dando o sotaque peculiar a eles. Os resultados desta pesquisa

parecem indicar que o uso de uma escala qualquer, sendo ela de blues ou não, parece não

caracterizar completamente o estilo musical em questão. Entretanto, é possível inferir-se que o uso

de uma escala de um determinado estilo musical em um improviso pode ser uma das ferramentas

para caracterizá-lo. Acredita-se que o uso de uma determinada escala musical aliado à maneiras

peculiares de ela ser tocada pode contribuir para a identificação de um estilo musical.

Para se tornar expert em um estilo musical, acredita-se que o músico deva levar em

consideração sua experiência de escuta e envolvimento musical com este estilo. Nesse sentido,

conforme apontam Kenny e Gellrich (2002) sobre as restrições temporais externas do improviso,

essa experiência de escuta promove a enculturação (mas no presente caso, do tipo musical), definida

por Hoebel e Frost (1999) como o processo pelo qual o indivíduo aprende e assimila os padrões de

uma cultura. Pode-se inferir, portanto, que uma intensa experiência de escuta musical pode

contribuir para que um músico de torne expert no estilo proposto. Tal enculturação pode ser

contemplada pelo acesso facilitado aos meios de comunicação e recursos tecnológicos atuais no

qual o músico dispõe, como vídeos e performances disponíveis por meio da rede mundial de

computadores.

A partir dos resultados obtidos na presente pesquisa, sugere-se a seguinte proposta

pedagógica: para se utilizar alguns elementos estruturais do blues como ferramentas para a

aquisição da expertise no intuito de se improvisar de modo a buscar a sonoridade obtida por

Amilton Godoy, o músico deve estudar a escala blues, tanto a tradicional quanto a maior, pois

observou-se que ambas foram utilizadas pelo pianista em seus improvisos, em algumas vezes de

maneira misturada. Sugere-se, assim, durante o seu estudo liberado, que o músico atribua uma

atenção especial ao uso da quarta aumentada e de passagens de terça menor para maior em uma

mesma frase. O estudante pode, então, criar essas frases e estudá-la de maneira a adquirir esta

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restrição temporal interna proposta por Kenny e Gellrich (2002). Tais escalas poderão ser usadas

nos improvisos sobre acordes isolados ou sobre uma cadência, tendo o cuidado de empregá-las no

máximo por cinco compassos, de modo a não descaracterizar a sonoridade pretendida. Sugere-se,

ainda, que o improvisador realize uma frase com o uso da escala blues e, logo em seguida, busque

outra alternativa de linguagem para sua improvisação, para que os referencias socioculturais

externos (Kenny e Gellrich, 2002) sejam preservados. Finalmente, uma última sugestão impica no

estudo deliberado de passagens com o uso de tercinas, visando a sonoridade do shuffle em seus

improvisos, também de madeira moderada, como observou-se nas transcrições dos solos

selecionados para a presente pesquisa.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

O objetivo desta pesquisa foi verificar como os elementos estruturais do blues são utilizados

em improvisações do Zimbo Trio. Ela foi desenvolvida em três etapas: (1) revisão da literatura

sobre improvisação e expertise e suas possíveis aplicações na música instrumental brasileira

improvisada, procurando a definição de conceitos e explanação histórica deste estilo musical; (2)

seleção de cinco solos de improvisação do Zimbo Trio que contenham elementos estruturais

característicos do blues; (3) Transcrição e análise rítmica, harmônica e melódica desse material

musical, buscando-se verificar como a aplicação de elementos característicos do blues nos solos

selecionados é realizada. A partir dos pressupostos do modelo de Kenny e Gellrich, algumas

estratégias cognitivas foram identificadas no intuito de aplicar, de maneira adequada, os elementos

estruturais do blues para a aquisição de expertise musical em improvisos semelhantes ao de Amilton

Godoy: o conhecimento previamente adquirido pelo músico a partir de restrições temporais internas

na prática da improvisação, que no presente estudo foram identificados como o uso das escalas

blues (tradicional e maior) e o uso de tercinas para dar a sonoridade shuffle e a comunicação

expressiva do pianista com os seus ouvintes, de modo a não comprometer o entendimento da

linguagem musical a ser desenvolvida em suas performances: a não descaracterização de temas

reconhecidos internacionalmente pela indústria fonográfica como temas de bossa nova. Nesse caso,

o blues faz parte desse conhecimento previamente adquirido e é usado como parte do vocabulário

improvisatório do Amilton Godoy nos improvisos do Zimbo Trio. Nesse sentido, os resultados da

presente pesquisa indicam que o modelo cognitivo de improvisação proposto por Kenny e Gellrich

(2002) no contexto do jazz norte-americano pode ser aplicado na prática da música popular

instrumental brasileira improvisada.

Considerando-se Amilton Godoy como um expert em música instrumental brasileira

improvisada, e o Zimbo Trio como um dos grupos musicais mais relevantes para este estilo musical

(sendo, inclusive, reconhecido internacionalmente por sua excelência musical), conclui-se que o

estudo sistemático dos elementos estruturais do blues como restrições internas (por meio da prática

deliberada de estudo das duas escalas blues e do shuffle) e dos restritores temporais externos (por

meio de atividades de escuta, transcrição e análise musical de improvisos do grupo) pode contribuir

para que o músico adquira uma expertise musical específica, no intuito de comunicar a seu ouvinte

uma linguagem musical característica: a de Amilton Godoy.

Para estudos futuros, sugere-se a análise de outros estilos musicais como ferramenta para

aquisição de expertise em música instrumental brasileira improvisada, visando uma reflexão sobre a

maneira com a qual o improvisador utiliza as ferramentas que adquiriu previamente através de

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estudo deliberado a partir do uso das restrições temporais internas proposta pelo modelo de Kenny e

Gellrich (2002). Esses estudos poderão ser realizados, inclusive, a partir dos próprios improvisos

transpostos para a realização desta pesquisa. Uma outra sugestão para estudos futuros seria a de

verificar o uso de padrões de escalas e improvisos executados por diferentes performers sobre um

mesmo tema no âmbito da música popular brasileira improvisada (Garota de Ipanema, por

exemplo). Este estudo possibilitaria a mensuração da amplitude do uso das restrições temporais

internas necessárias para a aquisição de expertise no estilo musical em questão. Finalmente, a

última sugestão para a verificação da natureza das restrições temporais internas adquiridas pelos

experts da música instrumental brasileira improvisada envolveria a análise de uma amostra maior de

temas, visando uma quantidade mais ampla de improvisos. Acredita-se que esse estudo poderia

culminar em uma dissertação de mestrado. Nessa direção, tais transcrições, análises e discussões,

tendo como referencial teórico o modelo de improvisação proposto por Kenny e Gellrich (2002)

fornecerão ferramentas importantes para nortear uma proposta de estudo que vise mensurar de

forma mais abrangente algumas habilidades e competências musicais necessárias para a aquisição

de expertise em música instrumental brasileira improvisada.

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7. ANEXOS

Transcrição do improviso em Garota de ipanema.

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Transcrição do improviso em Samba de uma nota só.

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Transcrição do improviso em Brigas nunca mais.

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Transcrição do improviso em Balanço zona sul.

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Transcrição do improviso em Triste.

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