lucitacunhamatosmestrado-adolescentes em conflito com a lei

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Universidade Estadual do Ceará Lucita Cunha Matos PRISIONEIROS DO ESTIGMA: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE ADOLESCENTE INFRATOR Fortaleza – Ceará 2004

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  • Universidade Estadual do Cear

    Lucita Cunha Matos

    PRISIONEIROS DO ESTIGMA: REPRESENTAES

    SOCIAIS SOBRE ADOLESCENTE INFRATOR

    Fortaleza Cear

    2004

  • M425p Matos, Lucita Cunha. Prisioneiros do estigma: representaes sociais sobre adolescente infrator / Lucita Cunha Matos. 2004.148p. Orientadora: Profa. Dra. Maria Lcia Duarte Pereira. Projeto de Dissertao (Mestrado em Sade da Criana e do Adolescente) Universidade Estadual do Cear, Centro de Cincias da Sade. 1. Adolescente. 2. Representaes sociais. 3. Estigma. I. Universidade Estadual do Cear, Centro de Cincias da Sade.CDD:155.5

  • Universidade Estadual do Cear

    Lucita Cunha Matos

    PRISIONEIROS DO ESTIGMA: REPRESENTAES

    SOCIAIS SOBRE ADOLESCENTE INFRATOR

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado Profissional

    em Sade da Criana e do Adolescente, da Universidade

    Estadual do Cear, como requisito parcial para obteno do

    grau de Mestre em Sade da Criana e do Adolescente.

    Orientadora: Prof Dr Maria Lcia Duarte Pereira

    Fortaleza Cear

    2004

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR

    CENTRO DE CINCIAS DA SADE

    MESTRADO PROFISSIONAL EM SADE DA CRIANA E DO ADOLESCENTE

    Ttulo do Trabalho: Prisioneiros do estigma: representaes sociais sobre adolescente infrator

    Autora: Lucita Cunha Matos

    Defesa em: _____/____/_____

    Banca Examinadora

    _________________________________________ Prof Dr Maria Lcia Duarte Pereira Orientadora

    _________________________________________ Prof Dr Antnia Silva Paredes Moreira - UFPB

    _________________________________________ Prof Dr Sheva Maia da Nbrega - UFPE

  • Dedico este trabalho aos meus filhos Camille e Thiago.

    Que os anos jamais lhes roubem a sensibilidade com

    que hoje olham para os muitos adolescentes que

    percorrem os tortuosos descaminhos da vida e que

    jamais desistam do compromisso com a construo de

    um mundo mais justo.

  • AGRADECIMENTOS

    Prof Dr Maria Lcia Duarte Pereira, orientadora e amiga, pela

    dedicada ateno a mim dispensada na elaborao deste trabalho.

    Prof Dr Sheva Maia da Nbrega que, com extrema competncia,

    emprestou valiosa contribuio s reflexes aqui empreendidas.

    Walhirtes Frota de Albuquerque, amiga querida, pelo incentivo e

    confiana.

    Mirlnia Smara Maciel, pelo apoio incondicional realizao deste

    trabalho.

    Aos muitos colegas de trabalho, que gentilmente colaboraram para o

    processo de coleta de dados e, em especial, Mnica Arajo Gomes, por

    sua incansvel disposio para partilhar idias.

    Aos adolescentes e mes, sujeitos deste estudo, por dividirem comigo

    fragmentos de sua vida.

  • RESUMO

    A crescente participao de adolescentes no mundo do crime transformou-se em fenmeno contemporneo de grandes propores, sendo resultante do complexo quadro da violncia que impregna o cotidiano das relaes humanas em todo o mundo. A partir de ento, a sociedade mobilizou-se para compreender este fenmeno e elegeu a categoria adolescente infrator para nela acomodar as suas explicaes e organizar o modo de se posicionar perante a nova realidade. O presente estudo teve por objetivo apreender as representaes sociais sobre adolescente infrator, elaboradas por adolescentes autores de homicdios ou latrocnios, privados de liberdade por sentena judicial, e por mes de adolescentes infratores, recortando do contexto social mais amplo um grupo de sujeitos que tm sua vida diretamente vinculada a esse objeto de investigao. Trata-se de um estudo de campo de tipo exploratrio, com abordagem quantitativa e qualitativa, tendo por base a teoria das representaes sociais. A pesquisa foi realizada em trs centros de internao para adolescentes, coordenados pela Secretaria de Ao Social, localizados em Fortaleza-Cear. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram: Teste de Associao Livre de Palavras, aplicado a 112 sujeitos, e entrevista semi-estruturada, aplicada a 32 sujeitos. Os dados coletados no teste foram processados no soft Tri-Deux Mots e as entrevistas, submetidas anlise de contedo temtica. Os resultados dessa anlise apontaram seis categorias (caracterizao do adolescente, caracterizao do adolescente infrator, causas para o ingresso no mundo do crime, percepo do eu, perspectivas de mudana e expresses subjetivas) e sinalizaram representaes sociais coincidentes entre os grupos, expondo sentimentos ambivalentes, reveladores do processo de incorporao do estigma na construo do autoconceito.

    Palavras-chave: Adolescente infrator. Estigma. Representao social.

  • ABSTRACT

    The increasing participation of teenagers in the world of crime has become a contemporary phenomenon of great proportions resulting from the complex violence situation that impregnates the day-to-day of the human relations all over the world. From that point, the society started to do something in order to understand this phenomenon and elected the violator teenager category for it to accommodate its explanations and organize the way of placing itself before the new reality. The present study has as an objective to apprehend the social representations about the violator teenager elaborated by the adolescents who commit crimes or armed robberies, deprived of freedom due to judicial sentence and by mothers of violator teenagers, abstracting from the more ample social context a group of subjects that have their lives directly connected to the investigation objective. This an exploratory field study with a quantitative and qualitative approach, having as a base the theory of the social representations. The research was performed in three centers of confinement for adolescents, coordinated by the Social Action State Secretary located in Fortaleza, Cear. The tools used for collecting the data were: Test of Free Association of Words applied for 112 subjects and a semi-structured interview applied for 32 subjects. The collected data during the test were processed using the software Tri-Deux-Mots and the interviews were pointed six categories (Characterization of the teenager, Characterization of the Violator Teenager, Causes for Entering the World of Crime, Perception of the I, Perspectives of Changes and Subjective Expressions) and signaled social representations coinciding within the groups, exposing ambivalent feelings revealing a process of incorporation of the stigma in the construction of the self-concept.

    Key-words: Violator Teenager. Stigma. Social Representation.

  • SUMRIO

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS..........................................................................12

    LISTA DE FIGURAS, QUADROS E TABELAS..............................................................13

    APRESENTAO................................................................................................13

    CAPTULO 1.......................................................................................................18

    DO FENMENO AO OBJETO: O RECORTE DE UMA SUBJETIVIDADE.......19

    CAPTULO 2........................................................................................................34

    REFERENCIAL TERICO...................................................................................35

    2.1 SOBRE A TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS........................................35

    2.2 SOBRE A FUNO DAS REPRESENTAES SOCIAIS.......................................39

    2.3 SOBRE O PROCESSO DE FORMAO DAS REPRESENTAES SOCIAIS......42

    CAPTULO 3........................................................................................................47

    CAMINHO METODOLGICO..............................................................................48

    3.1 NATUREZA DO ESTUDO........................................................................................48

    3.2 O CAMPO DE ESTUDO...........................................................................................49

    3.3 OS SUJEITOS.........................................................................................................51

    3.4 OS INSTRUMENTOS...............................................................................................52

    3.5 PROCEDIMENTOS PARA COLETA DE DADOS...................................................55

    3.6 ANLISE E TRATAMENTO DOS DADOS..............................................................57

    3.6.1 Anlise de contedo................................................................................................573.6.2 Anlise Fatorial de Correspondncia.......................................................................65

    CAPTULO 4........................................................................................................68

    CONSTRUO DAS REPRESENTAES SOCIAIS SOBRE ADOLESCENTE INFRATOR............................................................................................................69

    4.1 A CONSTRUO DAS REPRESENTAES SOCIAIS SOBRE ADOLESCENTE INFRATOR A PARTIR DA ANLISE DE CONTEDO..................................................71

  • 4.1.1 Descries sobre adolescente.................................................................................71 4.1.2 Descries sobre Adolescente Infrator...................................................................78 4.1.3 Causas do Ingresso no Mundo do Crime...............................................................83 4.1.4 Perspectiva de mudana......................................................................................914.1.4 Percepo do eu...................................................................................................98 4.1.6 Expresses subjetivas.........................................................................................106

    4.2 A CONSTRUO DAS REPRESENTAES SOCIAIS SOBRE ADOLESCENTE INFRATOR A PARTIR DA ANLISE FATORIAL DE CORRESPONDNCIA..............110

    CAPTULO 5......................................................................................................118

    CONSIDERAES FINAIS...............................................................................119

    REFERNCIAS..................................................................................................124

    ANEXOS.............................................................................................................130

    COMPORTAMENTAIS.................................................................................................140

    Mes..............................................................................................................................140

    VIVENCIAIS.................................................................................................................140

    Adolescentes................................................................................................................140

    Mes..............................................................................................................................140COMPORTAMENTAIS...................................................................................................141Adolescentes..................................................................................................................141Mes..............................................................................................................................141VIVENCIAIS...................................................................................................................141Adolescentes..................................................................................................................141Mes..............................................................................................................................141SOCIOINTERACIONAIS................................................................................................142Adolescentes..................................................................................................................142 Mes...............................................142FAMILIARES..................................................................................................................142Adolescentes..................................................................................................................142

    PSICOLGICAS.........................................................................................................143

    Adolescentes................................................................................................................143

    Mes..............................................................................................................................143

    SOCIOECONMICAS.................................................................................................143

    Adolescentes................................................................................................................143

    Mes..............................................................................................................................143

    PESSOAL....................................................................................................................144

    Adolescentes................................................................................................................144

    Mes..............................................................................................................................144

    SOCIAL........................................................................................................................144

  • Adolescentes................................................................................................................144

    Mes..............................................................................................................................144

    FAMILIAR.....................................................................................................................145

    Adolescentes................................................................................................................145

    Mes..............................................................................................................................145

    INSTITUCIONAL..........................................................................................................145

    Adolescentes................................................................................................................145

    Mes..............................................................................................................................145

    ESPIRITUAL................................................................................................................145

    Adolescentes................................................................................................................145

    Mes..............................................................................................................................145

    AUTOPERCEPO.....................................................................................................146

    Adolescentes................................................................................................................146

    IDEALIZADA..................................................................................................................146

    HETEROPERCEPO................................................................................................147

    Adolescentes................................................................................................................147

    Mes..............................................................................................................................147

    SENTIMENTOS...........................................................................................................148

    Adolescentes................................................................................................................148

    Mes..............................................................................................................................148

    PENSAMENTOS..........................................................................................................148

    Adolescentes................................................................................................................148

    Mes..............................................................................................................................149

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AFC Anlise Fatorial de Correspondncia

    CONEP Conselho Nacional de Sade sobre Pesquisas envolvendo Seres Humanos

    CPF Contribuio por Fator

    ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

    FEBEMCE Fundao Estadual do Bem-Estar do Menor do Cear

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    ONU Organizao das Naes Unidas

    RS Representao Social

    SAS Secretaria da Ao Social

    TRS Teoria das Representaes Sociais

    UNESCO Organizao Educacional Cientfica e Cultural das Naes Unidas

    UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia

  • LISTA DE FIGURAS, QUADROS E TABELAS

    Figura 1 Plano de anlise............................................................................................59

    Figura 2 Descries sobre adolescente......................................................................62

    Figura 3 Descries sobre adolescente infrator..........................................................63

    Figura 4 Causas do ingresso no mundo do crime.......................................................63

    Figura 5 Percepo do eu...........................................................................................64

    Figura 6 Perspectiva de mudana...............................................................................64

    Figura 7 Expresses subjetivas...................................................................................65

    Quadro 1 Perfil dos sujeitos segundo as variveis sociodemogrficas........................52

    Quadro 2 Distribuio das categorias e subcategorias simblicas sobre adolescente infrator............................................................................................................................61

    ................................................................................................................................140

    Tabela 2 Distribuio das freqncias, percentuais e qui-quadrado da categoria descries sobre adolescente infrator e subcategorias, segundo o grupo de adolescentes autores de atos infracionais e mes.........................................................79

    Tabela 3 Distribuio das freqncias, percentuais e qui-quadrado da categoria causas do ingresso no mundo do crime e subcategorias, segundo o grupo de adolescentes autores de atos infracionais e mes.........................................................84

    Tabela 4 Distribuio das freqncias, percentuais e qui-quadrado da categoria perspectiva de mudana e subcategorias, segundo o grupo de adolescente autores de atos infracionais e de mes............................................................................................92

    Tabela 5 Distribuio das freqncias, percentuais e qui-quadrado da categoria percepo do eu e subcategorias, segundo o grupo de adolescentes autores de atos infracionais e de mes...................................................................................................99

    Tabela 6 Distribuio das freqncias, percentuais e qui-quadrado da categoria expresses subjetivas e subcategorias, segundo o grupo de adolescente autores de atos infracionais e de mes..........................................................................................107

    Tabela 7 Freqncia de palavras evocadas pelos grupos de adolescentes e de mes......................................................................................................................................113

  • Coabitou o homem com Eva, sua mulher. Esta concebeu e deu luz a Caim. Ento disse: adquiri um varo com o auxlio do SENHOR.Depois deu luz a Abel, seu irmo. Abel foi pastor de ovelhas, e Caim, lavrador.

    Aconteceu que no fim de uns tempos trouxe Caim do fruto da terra uma oferta ao SENHOR. Abel, por sua vez, trouxe das primcias do seu rebanho, e da gordura deste. Agradou-se o SENHOR de Abel e de sua oferta; ao passo que de Caim e de sua oferta no se agradou. Irou-se, pois, sobremaneira Caim, e descaiu-lhe o semblante.

    Ento lhe disse o SENHOR: Por que andas irado? E por que descaiu o teu semblante? Se procederes bem, no certo que sers aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz porta; o seu desejo ser contra ti, mas a ti cumpre domin-lo.

    Disse Caim a Abel, seu irmo: Vamos ao campo. Estando eles no campo, sucedeu que se levantou Caim contra Abel, seu irmo, e o matou. Disse o SENHOR a Caim: Onde est Abel, teu irmo? Ele respondeu: No sei. Acaso sou eu tutor de meu irmo? E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue do teu irmo clama da terra a mim.

    s agora, pois, maldito por sobre a terra cuja boca se abriu para receber de tuas mos o sangue de teu irmo. Quando lavrares o solo no te dar ele a sua fora; sers fugitivo e errante pela terra. Ento disse Caim ao SENHOR: tamanho o meu castigo, que j no posso suport-lo.

    Eis que hoje me lanas da face da terra, e da tua presena hei de esconder-me; serei fugitivo e errante pela terra; quem comigo se encontrar me matar. O SENHOR, porm, lhe disse: Assim qualquer que matar a Caim ser vingado sete vezes. E ps o SENHOR um sinal em Caim para que o no ferisse de morte quem quer que o encontrasse.Retirou-se Caim da presena do SENHOR, e habitou na terra de Node, ao Oriente do den.

    Livro de Gneses, cap. 4, 1-16

  • APRESENTAO

  • Estamos construindo um mundo cada vez mais violento; exercitamos no

    cotidiano a violncia. Tratamos sem carinho o nosso planeta e no nos importamos

    com a sua mutilao; tratamos sem carinho os nossos irmos, nossos semelhantes

    e no nos importamos com a sua dor. Estamos nos acostumando violncia que

    no mais nos indigna ou sequer nos surpreende.

    Os nossos adolescentes so os filhos do mundo. Esto aprendendo a

    lio que no ousamos escrever de forma diferente e nem nos damos conta de que

    precisamos faz-lo. O preo que pagamos alto. Estamos de luto pelo crescente

    nmero de jovens em todo o mundo que adentram o mundo do crime e dele muitas

    vezes no podem sair. Estes ocultam-se por detrs da mscara de marginais,

    endurecem o olhar, a expresso do rosto, sufocam a sensibilidade de tal forma que

    j no parece possvel se perceberem e serem percebidos de outro modo. Mas, se

    nos dispusermos a olhar seus olhos, a escutar sua alma, procurando esgarar as

    fronteiras do que est posto, poderemos, talvez, descortinar novos horizontes e

    convid-los a fazer o mesmo.

    Em 1982, recm-formada em Psicologia, ingressei no mundo do trabalho

    na extinta Fundao Estadual do Bem-Estar do Menor do Cear FEBEMCE que

    desenvolvia a poltica social de assistncia a crianas e adolescentes caracterizados

    como carentes, perdidos, abandonados e infratores. Ainda regidos pelo antigo

    Cdigo de Menores, j deparvamos naquela poca com garotos e garotas que

    praticavam a violncia e que eram retirados do convvio sociofamiliar e recolhidos

    em unidades estaduais de privao de liberdade. O fato que esses adolescentes,

    chamados menores, eram em nmero pequeno e s alguns deles cometiam atos

    muito graves como homicdio ou latrocnio.

    14

  • Muitas indagaes surgidas da prtica profissional como psicloga de

    uma instituio pblica voltada para a rea social suscitaram o interesse de

    investigar os fatores subjacentes ao ingresso do adolescente no mundo do crime,

    em busca de respostas que poderiam estar no somente no saber das cincias, mas

    tambm sendo gestadas no imaginrio dos sujeitos que vivenciam essa realidade,

    atravs de suas relaes no mundo.

    As representaes sociais enprenham o contexto social e so patrimnio

    comum dos seus vrios atores, constituindo-se um conhecimento partilhado a partir

    do qual os sentimentos e comportamentos so organizados. O aumento do nmero

    de jovens autores de atos infracionais fez nascer a representao social adolescente

    infrator. Assim, a compreenso e a socializao do fenmeno passam a servir de

    base para orientar a comunicao dos homens. Apoiar este estudo na Teoria das

    Representaes Sociais torna possvel perceber os sujeitos sociais no emaranhado

    do mundo significante, construdo na teia relacional da histria humana. As

    consideraes que sero feitas a partir de seus resultados certamente ampliaro o

    conhecimento na rea das representaes sociais sobre adolescente autor de ato

    infracional.

    Este trabalho encontra-se dividido em cinco captulos. O primeiro aborda

    a violncia de um modo geral e ajusta o foco para o fenmeno do ingresso do

    adolescente no mundo do crime, realidade que a sociedade cientfica e leiga busca

    compreender. O captulo aborda, ainda, dados sobre a situao do adolescente

    envolvido com a prtica infracional, no pas e no estado, discutindo o processo de

    construo de sua identidade marginal. O segundo captulo faz consideraes gerais

    sobre a Teoria das Representaes Sociais, suas funes e processos de formao,

    incluindo reflexes sobre a representao social de adolescente infrator e suas

    interfaces em cada um desses momentos. O terceiro captulo discorre sobre a

    metodologia do estudo, situa a sua natureza e o campo de pesquisa e descreve os

    sujeitos e os procedimentos a serem adotados para a sua realizao. O quarto

    captulo apresenta a elaborao das representaes sociais feitas pelos sujeitos,

    primeiramente a partir da descrio e anlise dos resultados das entrevistas e, em

    seguida, por meio dos resultados do Teste de Associao Livre de Palavras. As

    respostas referenciadas pelos grupos foram consideradas luz da Teoria das

    15

  • Representaes Sociais e relacionadas a contedos tericos que ampliaram a sua

    anlise. O quinto captulo contempla questionamentos sobre os resultados do

    trabalho e a sua aplicabilidade.

    16

  • No haver pr-disposies; haver disposies, isto , capacidades disponveis

    para viver a histria e capacidades disponveis para deformar o registro da

    histria, tornando-a estria.

    No haver, na mente do homem, virtude ou pecado original.

    Ningum herdar dos ancestrais sua estria, pois a construo da prpria estria

    ser o fator humano do homem. Que no falte mente do homem nenhum

    instrumento e nenhuma ferramenta para construir a estria sobre a histria:

    nenhuma magia lhe seja negada, desde inocentes devaneios at a criao do

    inexistente.

    Di Loreto

  • CAPTULO 1

  • DO FENMENO AO OBJETO: O RECORTE DE UMA SUBJETIVIDADE

    A histria da humanidade, ao longo do tempo, tem marcas de sentimentos

    como dio, solidariedade, ambio, generosidade, assim como, de uma gama

    infinita de aes imersas na dimenso ora explcita, ora inconsciente do desejo. De

    tal forma o homem recria a sua realidade que, embora o longo caminho trilhado se

    faa parecer perdido tamanha a sua vastido, um fio condutor jamais rompido

    garante a nossa irmandade. Parece haver uma memria sensorial biolgica que nos

    d a sensao de que partilhamos atitudes e emoes comuns desde o incio dos

    tempos e que carregamos no rosto um pouco de todos os outros humanos.

    A violncia no uma inveno da contemporaneidade. Para alm dos

    estudos cientficos que informam sobre os infindveis conflitos humanos e disputas

    por bens materiais ou simblicos, a prpria narrativa bblica tambm fala do primeiro

    homicdio da humanidade, praticado por Caim contra seu irmo Abel. Movido por

    sentimento misto de inveja e raiva, Caim cometeu o assassinato pelo qual recebeu a

    maldio de Deus e o transmitiu como legado aos seus descendentes. A verso

    bblica desse fratricdio pe por terra a utopia de um mundo de homens apenas

    amorosos e solidrios e autoriza a possibilidade de sua natureza tambm cruel.

    Se, para a sobrevivncia da espcie, o homem necessita estabelecer

    pactos de cooperao o fato inconteste de estarmos nos multiplicando a cada dia

    prova isso as trocas interacionais tambm esto inevitavelmente sujeitas aos

    conflitos a ela inerentes. A agressividade faz parte da condio humana, vez que

    19

  • possibilita ao organismo a sua defesa. Gaiarsa (1993) destacou essa importncia,

    dando nfase no apenas ao lado concreto da conservao da vida, mas ao fato de

    que, pela agressividade, podemos investir na conquista de nossos ideais, naquilo

    que identificamos como significativo para o nosso crescimento e amadurecimento.

    Por outro lado, oportuno questionar: o que motiva o homem a adotar

    comportamentos destrutivos, a ser predador de si prprio? Na verdade, nenhuma

    explicao linear poderia dar conta de sua abrangncia multifatorial. Se recortes

    podem ser feitos para compreender a violncia focalizando prismas biolgicos,

    psicolgicos ou sociais, ainda assim no seria possvel fazer uma ruptura entre as

    dimenses individuais e relacionais para localiz-la. A violncia parece atravessar o

    homem-corpo e o corpo social, alinhavando-os em suas fissuras, lanando no ar o

    questionamento sobre os limites de seu territrio.

    Inmeros so os caminhos que tm sido percorridos para a compreenso

    desse fenmeno no intuito de se chegar a uma identificao dos fatores que, pelo

    menos em parte, expliquem a violncia que a est posta. Estudiosos de vrias

    reas vm contribuindo nesse sentido, agregando a esse esforo coletivo o saber

    particular de suas cincias. Assim sendo, psiclogos, psicanalistas, socilogos,

    antroplogos, neurofisiologistas, filsofos, cientistas polticos, entre outros,

    participam da inesgotvel busca de tornar a violncia um fenmeno compreensvel e

    passvel de sofrer interferncia.

    A psicanlise trouxe importante contribuio para a compreenso do

    psiquismo humano. Freud (1997) afirmou que o homem tem uma tendncia natural

    agresso, o que acabaria pondo em risco a integridade e a existncia da civilizao.

    Diante da impossibilidade de anulao dessa fora destrutiva, ao invs de dirigi-la

    contra o semelhante, aos homens cabe canaliz-la para outros focos, de modo que

    seja investida de forma positiva nos objetos do seu mundo. Esse mecanismo de

    controle do instinto agressivo cria a condio para a convivncia dos homens,

    mantidos sob um permanente estado de tenso, o que exige um elevado gasto de

    energia por parte de todos. Segundo enfatizou Freud (1997, p. 67).

    20

  • o elemento de verdade por trs disso tudo, elemento que as pessoas esto to dispostas a repudiar, que os homens no so criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no mximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrrio, so criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa cota de agressividade.

    Assim, na teoria psicanaltica, o sonho de uma sociedade pacfica, de

    uma aldeia global onde todos partilhem a vida fraternalmente, expresso na poesia de

    canes que emocionam geraes, uma utopia. certo que a humanidade tem

    conseguido fazer predominar o esprito de convivncia e realizaes entre os

    humanos, entretanto, jamais conseguir, com xito, silenciar os demnios que

    aguardam irrequietos a oportunidade de emergir por entre as fendas de seus

    superegos. Enquanto a psicanlise prev a imortalidade da violncia, os homens

    continuam sonhando com o amor e a harmonia em suas relaes e, igualmente,

    imortalizando a esperana de que conseguiro construir um mundo de paz.

    Apesar de a disposio agressiva poder ser pensada como instintiva, o

    mesmo no se pode dizer da violncia. Esta construda no cotidiano da vida,

    ensinada pelos nossos pares e com eles aprendida, ou melhor, a transformao

    da agressividade em sua face mais escura. Para Costa (1999, p. 31), a violncia o

    emprego desejado da agressividade, com fins destrutivos. O reconhecimento dessa

    dimenso genuinamente humana do desejo e do prazer com o sofrimento alheio,

    quer como autores, quer como espectadores, exige de ns bem mais que uma

    postura crtica mas coloca-nos diante da responsabilidade individual pelo destino do

    nosso mundo.

    Se o recuo no tempo nos faz conhecedores de que a violncia nasceu

    com o homem, ento por que nossa inclinao para apont-la como um dos

    fenmenos sociais mais perturbadores da atualidade? Cabe aqui atentar para o fato

    de que hoje vivemos num planeta extremamente populoso, segundo a Organizao

    das Naes Unidas ONU (IBGE,2000), com mais de 6 bilhes de pessoas,

    populao esta que aumenta anualmente em 75 milhes, sendo que a metade tem

    menos de 25 anos de idade. no sculo XX que acontece a exploso demogrfica,

    principalmente nos pases do terceiro mundo. No Brasil, as estatsticas do Instituto

    21

  • Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE (2000) sobre a populao revelaram um

    pas com quase 170.000.000 de pessoas.

    Alm disso, aprendemos a divulgar informaes com uma velocidade

    jamais imaginada, o que nos deixa atualizados em relao a todos os feitos

    humanos em todos os lugares, no quase exato momento em que ocorrem. As

    notcias sobre as conquistas de nossos semelhantes nos unem num sentimento

    positivo de orgulho, mas as notcias sobre a violncia cotidiana nos deixam a

    assustadora sensao de que temos uma incapacidade de cuidar de nossa vida e

    do nosso habitat. Amargamos a sensao de que somos uma sociedade cruel que

    se compraz com a destruio e o sofrimento do outro. Para Gauer (2001, p.14) essa

    situao traz como resultado um estado geral de indiferena, na qual o bem e o mal

    expostos ao olhar, sem intermediao, tornam-se um simples dado do cotidiano,

    entre tantos outros, e talvez no o menos incmodo.

    A violncia em rede que ora testemunhamos sugere ainda a anlise de

    outros componentes, partindo da premissa de que a nova ordem social decorrente

    da revoluo digital que sucedeu a modernidade trouxe profundas mudanas na

    viso de mundo e no comportamento dos homens. Os alicerces erguidos pela

    sociedade moderna, ancorados na concepo da ordem e da disciplina e que

    objetivavam estabilizar o desequilbrio gerado pela revoluo industrial, ruram.

    Entramos na era da velocidade. Em um curto espao de tempo, tivemos

    que ajustar o ritmo de nossa vida s transformaes radicais introduzidas no

    efmero social. A sociedade ps-moderna cunhou para si a marca da transgresso.

    Transgredimos todas as conhecidas e estveis fronteiras temporais e geogrficas e,

    ao rompermos essas barreiras seculares, ampliamos o nosso desejo inquieto de

    poder e liberdade, embora tenhamos de pagar um preo alto por essa conquista. O

    usufruto desse prazer nos fez tambm acuados pelo medo e insegurana diante do

    desconhecido que se descortinou, convindo avaliar os reflexos de toda essa

    angstia do homem ps-moderno que ainda no incorporou os novos referenciais da

    vida contempornea.

    22

  • Nessa reflexo, certamente no podemos deixar de considerar a

    globalizao da economia e os seus significativos impactos na formao da

    subjetividade social do homem. A falta de oportunidades de emprego, o

    empobrecimento das populaes, o acirramento das desigualdades sociais fazem

    parte dessa macroestrutura que passa, por sua vez, a afetar os prprios sujeitos, na

    sua individualidade, na sua forma de pensar e sentir a vida. Esse quadro, acima de

    tudo, tem se agravado com o srio problema das drogas, aqui entendido desde o

    uso abusivo at o trfico.

    Silva (2001, p.38), em sua anlise sobre a violncia, insistiu na

    impossibilidade de se apreender a sua essncia em razo da existncia de suas

    mltiplas e difusas camadas constitutivas. Na tentativa de definir seus contornos,

    afirmou que

    um complexo simblico e social s se torna inteligvel quando as explicaes para entend-lo e as propostas para resolv-lo no so isoladas analiticamente, mas integradas compreensivamente ao prprio objeto constitudo. O conjunto de tais verses agrega necessariamente novas propriedades ao objeto, tornando incua e ingnua toda tentativa de isolamento do fenmeno em suas manifestaes estruturais. exatamenteno interior contraditrio de suas multiplicidades interpretativas que o complexo se esclarece em suas propriedades multi facetadas e permite identificar as mltiplas causas que o condicionam.

    Conceituar a violncia tarefa complexa uma vez que o seu significado

    uma construo social modelado pela linguagem na qual estamos todos

    mergulhados. Se o ato em si to antigo quando o prprio homem a sua conotao

    simblica relativamente recente. Escobar (2003, p.192) procurou definir a

    violncia, extraindo-a do territrio da agressividade e destacou o desequilbrio das

    foras empregadas pelos sujeitos envolvidos, tanto no nvel fsico quanto no

    psicolgico, afirmando que

    podemos falar, portanto, de uma ao que leva coisificao do sujeito humano, um assujeitamento do ser ou de seres que desta forma perdem visibilidade enquanto sujeitos iguais nos seus direitos e demarcados por suas singulares diferenas.

    Como fenmeno do mundo moderno e globalizado, a violncia hoje um

    modo de relao, um modelo educativo, perpetuado e ensinado pelos prprios

    atores sociais, nos seus diversos ciclos de vida. Alm de mobilizar as pessoas em

    23

  • torno de tragdias cotidianas, cantada em msicas populares e maquiada pelos

    programas televisivos, despertando risos e aplausos de uma platia meio

    anestesiada e pouco questionadora. Mello (2002) chamou a ateno para a relao

    entre vida urbana, violncia e representao das identidades dos sujeitos, afirmando

    que a distribuio geogrfica dos ricos e pobres na cidade, exibindo entre si luxo e

    misria, incomodando uns aos outros e tendo acesso desigual aos objetos de desejo

    ofertados, influencia profundamente a forma como cada grupo se percebe. O fosso

    existente entre os ideais democrticos e essa violncia estrutural impregnada nas

    relaes sociais, que naturaliza o direito de cidadania para apenas alguns, contribui

    para a distoro dos olhares que entre si trocam ricos e pobres. O segmento pobre,

    tido como inferior, arrasta outros adjetivos como diferente e perigoso, designaes

    tomadas, nesse caso, como sinnimas.

    Tem-se por certo que a violncia em nossos dias no particularidade do

    mundo adulto. No meio desse turbilho mundano, a juventude, aberta s novas

    aprendizagens e emoes, cercada pela seduo das drogas, tem sido atingida em

    cheio. O preocupante aumento do consumo de drogas e o paralelo crescimento do

    nmero de adolescentes no mundo do crime parecem haver se tornado uma

    questo de abrangncia planetria. No Brasil, a gritante desigualdade social e o

    aumento de sua populao infanto-juvenil pobre trouxeram como conseqncia, a

    partir da dcada de 80, a invaso da esfera pblica por crianas e adolescentes que

    passaram a demarcar novos territrios de socializao, mostrando cabalmente que o

    lar no conseguia cumprir a sua misso de domesticar os cidados do futuro.

    Violados em seus direitos fundamentais, foram batizados pelo estigma de menores

    de rua, o que abriu para a sociedade um frtil campo simblico. Essa denominao,

    tida a partir de ento como uma categoria analtica no discurso cientfico, facilitou a

    instalao de toda sorte de prticas, consubstanciadas na explorao desses

    menores pelos adultos.

    O estigma comportava uma longa lista de vocbulos (pivetes, prostitutas,

    vagabundos, marginais) que acabavam por direcionar para a minoria explorada a

    responsabilidade pela sua existncia, ocultando, estrategicamente, seu mecanismo

    de produo. O estigma provoca uma demarcao clara de espaos, hierarquizando

    as relaes atravs das prticas discursivas que o sustentam. Segundo Foucault

    24

  • (1999, p.164), a formao dos discursos e a genealogia do saber devem ser

    analisados a partir no dos tipos de conscincia, das modalidades de percepo ou

    das formas de ideologia, mas das tticas e estratgias de poder. A fronteira entre o

    exerccio do poder e a violncia tnue. Se, de uma forma escancarada, alguns

    menores de rua ingressaram na marginalidade, reescrevendo e reafirmando seu

    autoconceito estigmatizado que em ltima instncia o nico vis que lhes

    confirma como pessoas por outro lado, um novo fenmeno se desenrolava,

    protegido pelo silncio da classe social favorecida: o fato de que um grande nmero

    de adolescentes considerados ricos passavam a cometer atos infracionais graves

    cada vez com mais freqncia. E assim, a violncia praticada por adolescentes

    deixava exposta a dura realidade do pas.

    Volpi (2002) apresentou uma pesquisa quantitativa sobre o perfil do

    adolescente brasileiro privado de liberdade, no perodo de outubro de 1995 a abril de

    1996, envolvendo vinte e seis estados e o Distrito Federal, realizada pelo Movimento

    Nacional de Meninos e Meninas de Rua/DF, com apoio do UNICEF. Os resultados

    informaram que 73,3% do universo pesquisado era procedente de famlias que

    tinham uma renda de at dois salrios mnimos; 82,8% encontravam-se na faixa

    etria de 15 a 18 anos; 94,8% eram do sexo masculino; 15,4% eram analfabetos;

    53% eram usurios de drogas; 42% eram procedentes das capitais. Segundo essa

    pesquisa, o roubo foi a prtica infracional que mais ocasionou a privao de

    liberdade, correspondendo a um percentual de 33,4%, contra um percentual de

    19,1% de atos praticados contra a pessoa humana.

    Godoy (2002) fez referncia no jornal O Estado de So Paulo a um

    estudo feito pela Secretaria de Segurana Pblica de So Paulo sobre os principais

    crimes cometidos exclusivamente por menores de idade, nessa capital, em 2001. O

    estudo destacou que, sozinhos, eles foram responsveis por 2,7% do total de crimes

    registrados pela Polcia Civil, com participao importante na estatstica de

    homicdios e latrocnios, respondendo por 4,8% do total dos casos. Ainda com

    relao ao mesmo ano, a Polcia Militar paulista informou que foram registrados

    29.107 casos qualificados de atos infracionais praticados por menores de idade, em

    um total de quatro milhes de ocorrncias atendidas no estado.

    25

  • Em relao ao Estado do Cear, no que tange violncia praticada por

    adolescentes, constata-se que o perfil do autor de ato infracional no se distancia do

    perfil do adolescente brasileiro nessa condio, o que se comprova nos diferentes

    estudos realizados. O crescimento da capital cearense tem sido grande nos ltimos

    anos e a condio de misria da maioria de seus habitantes se expande em igual

    medida. A urbanizao de seus espaos e o fortalecimento do turismo tm atrado

    no s o turista, mas tambm um elevado nmero de famlias pobres das zonas

    rurais. A lacuna nas polticas sociais bsicas habitao, trabalho, educao,

    sade, lazer, etc e a proliferao de favelas tm tido como conseqncias graves

    a elevao dos nveis de violncia de um modo geral e a facilitao do ingresso do

    adolescente cearense no mundo do crime.

    A transcrio numrica da realidade cearense nessa rea pode ser

    melhor compreendida a partir dos dados estatsticos1 do ano de 2003, relativos ao

    adolescente envolvido com a prtica infracional. Foram encaminhados para a

    Unidade de Recepo Lus Barros Montenegro da Secretaria da Ao Social 1875

    adolescentes acusados da prtica de ato infracional, dos quais 1444 encontravam-

    se na faixa etria de 15 a 17 anos, o que correspondeu a um percentual de 77%

    desse universo. Vale ressaltar, ainda, que os adolescentes dessa faixa de idade

    foram responsveis por 84 crimes que culminaram com a morte da vtima.

    A violncia extrema, como expresso da ao humana, revela a viso de

    mundo e de homem que banaliza a vida e elimina a tica como suporte para as

    relaes pessoais. A consolidao do padro relacional centrado na violncia que

    parece naturalizado no mundo moderno hoje o modelo de educao de uma

    sociedade que, apesar de perpetu-lo, recrimina-o e exige a sua erradicao.

    Verificamos, com base nesses dados, que a quase totalidade dos

    adolescentes atendidos eram do sexo masculino, perfazendo um total de 90,6%.

    Podemos buscar na construo dos papis de gnero uma das explicaes para

    esse fato. A agressividade eleita para compor a identidade masculina sendo,

    diretamente, associada violncia. O resultado desse movimento culturalmente

    1 Unidade de Recepo Lus B. Montenegro/SAS Estatstica anual

    26

  • construdo, amparado pelos parmetros da competitividade e sucesso, a formao

    de homens condenados a ser violentos porque retiraram da agressividade seu

    contedo positivo.

    A realidade institucional mostra que a quase totalidade dos adolescentes

    privados de liberdade pertencem classe social menos favorecida, embora existam

    registros de garotos sentenciados com medida de internao, provenientes de

    famlias com boa condio financeira. Igualmente verdade que um nmero

    significativo deles so procedentes de famlias cujos pais biolgicos no vivem

    juntos e a me assume um papel expressivo quanto responsabilidade financeira

    da casa. O enfraquecimento ou a ausncia da figura paterna na vida desse

    adolescente e o maior espao que a figura materna passa a ocupar na sua vida

    parecem explicar a maior aproximao desta no seu acompanhamento durante o

    perodo de internao.

    Apesar de ainda ser o adulto o maior responsvel pelo cometimento da

    violncia, os destaques da imprensa para a realidade acima descrita e os enfoques

    errneos feitos pela mesma sobre o Estatuto da Criana e do Adolescente esto

    contribuindo sobremaneira para a formao de uma atitude de revolta social para

    com o adolescente infrator e para a imagem que tem sido elaborada sobre ele e

    por ele prprio. De tal forma essa situao se consolida no imaginrio social que,

    apesar de a realidade numrica informar que o adolescente muito mais vtima do

    que autor de violncia, o mito de sua periculosidade e impunidade tem se

    sobreposto aos fatos. A populao credita ao adolescente uma elevada parcela dos

    crimes praticados no pas, deixando de se indignar com o ndice elevado da

    violncia a que submetido.

    Estudo sobre violncia, realizado pela UNESCO, relativo aos anos de

    1979 a 1996, constatou que significativamente superior o percentual de mortes por

    homicdios e outras violncias entre jovens de 15 a 24 anos, se considerada a

    populao em geral. Em relao aos dados colhidos por esse estudo, Waiselfisz

    (1998, p.37) informou que no pas, em 1996, 35% das mortes de jovens tiveram sua

    origem em homicdios e outras violncias, quando para o conjunto das idades essa

    taxa foi de 6,4%. Nesse campo adquiriram trgica relevncia as regies Sudeste e

    27

  • Nordeste, onde 40.3 e 33,1% dos jovens, respectivamente, morreram por essa

    causa.

    Alm da violncia concreta, fsica, que muitas vezes ceifa a vida de

    muitos adolescentes brasileiros, podemos voltar o pensamento para a violncia

    difusa, no nomeada, mas estampada no rosto do pas, aquela que fruto da nossa

    gritante desigualdade social. Brando (2000) acrescentou a essas consideraes

    uma reflexo sobre o processo de vitimizao indireta a que esto submetidos os

    adolescentes, em decorrncia de a sua condio de excluso social oferecer uma

    baixa proteo contra seu ingresso no mundo do crime. Assim sendo, seu trabalho

    mostrou que um elevado nmero de adolescentes internados na Febem de So

    Paulo tinha baixa escolaridade (apenas 2,7% estavam acima da 8 srie) e que um

    expressivo nmero de adolescentes negros eram pertencentes a famlias com renda

    mensal inferior s mdias do municpio.

    Segundo o pesquisador, o nmero de internos na Febem de So Paulo

    em 1995 era de 2104, chegando a 3968 em 1999, o que representou cerca de 53%

    dos adolescentes internados no pas. Avanando na anlise dessa violncia

    estrutural que se abate sobre aqueles de baixo poder aquisitivo, Brando levantou a

    hiptese de que esse crescente numrico registrado tambm pode ser devido, entre

    outras causas, ao reduzido nmero de procuradores que o Poder Judicirio

    disponibiliza para a defesa dos adolescentes.

    O Estatuto da Criana e do Adolescente ECA, promulgado em 1990,

    reconhece como adolescente toda pessoa que se encontra no intervalo etrio entre

    12 e 18 anos, podendo, excepcionalmente, ser aplicado a pessoas entre 18 e 21

    anos de idade. Por essa razo, somente a partir do limite mnimo de 12 anos,

    poder uma pessoa estar sujeita a uma medida privativa de liberdade. Essa medida

    s determinada diante do cometimento de ato infracional grave correspondente a

    outro definido como crime no mundo adulto. Aps essa sentena judicial, o

    sentenciado poder passar at trs anos em uma unidade fechada, perodo que

    chega a corresponder metade de sua adolescncia.

    28

  • Uma instituio cerceadora da liberdade e detentora do controle do corpo

    j tem por si s o peso da definio daqueles que abriga. Embora as diretrizes legais

    exijam que as unidades de atendimento ao adolescente infrator sejam espaos

    educativos e facilitadores do seu desenvolvimento (Brasil, 1990), estas, em geral,

    so a face concreta e cruel do poder. Segundo Foucault (1999, p.73), a sua

    existncia a prova da dominao serena do Bem sobre o Mal, da ordem sobre a

    desordem. O contato com o adolescente que se encontra privado de liberdade por

    prtica de ato infracional revela nas entrelinhas o seu auto-retrato, cujo processo de

    elaborao se d de forma inconsciente.

    Uma grande inquietao de todos aqueles que trabalham com esses

    adolescentes a reincidncia. difcil entender por que a opresso de um centro

    educacional, a solido, as dores experienciadas, os inmeros planos de fuga e,

    finalmente, a to esperada alegria pela conquista da liberdade, no so suficientes

    para afastar a escolha de retornar ao mesmo lugar e por que o adolescente comete

    novas infraes graves, expondo-se ao risco tangvel da volta. As razes podem ser

    complexas, mas h algo que certamente parte intrnseca desse retorno: a

    autodefinio. O autoconceito, quando est alicerado sobre um estigma, parece

    recair sobre a pessoa como uma profecia negra, minando-lhe a crena em suas

    potencialidades, levando-a exausto e, finalmente, desistncia de se redimir

    perante o outro. A auto-estima atingida poder esmagar o homem que, muitas

    vezes, para evitar isso, transforma a sua identidade negativa em fora propulsora

    para sua vida.

    A identidade marginal adquire um valor invertido, motivo de orgulho e

    reconhecimento do jovem entre seus pares, ao mesmo tempo em que se transforma

    em crcere dentro do qual ele abdica de suas esperanas de libertao. Watzlawick

    (1967, p.76) ressaltou que as pessoas, no nvel de relao, no comunicam sobre

    os fatos situados fora de suas relaes, mas oferecem-se mutuamente definies

    dessa relao e, por implicao, delas prprias. Segundo o autor, a percepo que

    uma pessoa tem de outra e a forma como ela a expressa influenciar a

    autopercepo. Esse um processo dinmico e contnuo que se estabelece em

    todas as trocas relacionais, alm de ser um elemento estruturante de toda definio

    de eu em nvel coletivo e individual.

    29

  • A sociedade, pressionada por esse crescente de violncia e acuada

    diante de seus jovens infratores, tem passado a desacreditar neles, tambm

    formando sobre eles um conceito negativo que lhes transmitido ininterruptamente.

    Assim, esses adolescentes esto condenados, at por si prprios, a se movimentar

    nos limites de um estigma perverso cada vez mais difcil de romper. Quando se

    estigmatiza algum, estabelece-se uma linha separatria entre ele e os demais,

    ditos normais. Vejam-se as palavras de Goffman (1988, p.15) a esse respeito:

    acreditamos que algum com um estigma no seja completamente humano.

    O cotidiano desse trabalho nos fez testemunhar uma srie de aspectos

    que so indicativos do funcionamento dessa identidade marginal. Alm do elevado

    nmero de adolescentes que reincidem na prtica infracional, verificamos que os

    apelidos com os quais so batizados tambm traduzem esse autoconceito. A quase

    totalidade dos apelidos so de cunho depreciativo, absolutamente distintos daqueles

    com os quais so apelidados os adolescentes de classe social mais favorecida.

    Verificamos tambm que seus corpos so tatuados com imagens e palavras que

    destacam o tema violncia e morte. Assim, fica expresso na linguagem verbal e no-

    verbal de cada jovem que cometeu ato infracional a denominao de infrator.

    Quando um adolescente pratica um ato infracional, o que passa a ser

    considerado no mais a sua ao, que tem um sentido circunstancial, mas ele

    prprio, rotulado pela ao que o adjetivar a partir de ento. Esse movimento se

    far no sutil contorno entre as esferas do ESTAR e do SER e ter conseqncias

    importantes em sua vida. O grande desafio de um adolescente privado de liberdade

    passa a ser, em primeira instncia, a desconstruo do estigma que sobre ele pesa

    para que possa em seguida resignificar sua identidade negativa. O espao relacional

    o espao da comunicao. Atravs da linguagem, os homens expressam

    pensamentos, percepes e sentimentos sobre si prprios e sobre a realidade que

    os envolve, tornando possvel a elaborao das representaes sociais,

    conhecimento comum que possibilita aos grupos a criao de laos identificatrios, a

    partir da viso de mundo que partilham e que lhes orienta e justifica a conduta.

    Adolescente infrator uma das representaes sociais criadas para

    responder ao fenmeno crescente do ingresso do adolescente no mundo do crime.

    30

  • Na condio de sistema de valores, idias e prticas, essa representao permite

    aos homens a construo da alteridade, ou seja, daquilo que passam a definir como

    diferente de si. Trata-se, pois, de um emaranhado simblico que vai alm do

    concreto para adentrar as dimenses psicolgica, social e cultural dos grupos,

    contendo em seu bojo a articulao entre a realidade e a lenda, a racionalidade e a

    emoo dos homens.

    Nesse processo de mesclagem entre o individual e o coletivo que recorta

    de cada um o consciente e o inconsciente, torna-se possvel a elaborao de

    smbolos que serviro de base para que os sujeitos sociais signifiquem o mundo e

    possam apreend-lo, ao mesmo tempo em que nele descobrem seu territrio e o

    lugar do outro. Jodelet (2001, p.22) procurou simplificar o complexo que existe na

    definio das representaes sociais, sintetizando-a como uma forma de

    conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prtico, e que

    contribui para a construo de uma realidade comum a um conjunto social.

    O fato de o Brasil possuir um avanado instrumento jurdico na rea dos

    direitos da criana e do adolescente tem provocado um crescente interesse por esse

    segmento da populao em diversos ramos do conhecimento, tais como o direito, a

    psicologia, a pedagogia, a sociologia, entre tantos. O ECA foi gestado em um tempo que testemunha a marcha dos adolescentes brasileiros no territrio do crime, o que

    , no mnimo, um convite a uma pausa para reflexo. Em paralelo, o correspondente

    aprofundamento no estudo das representaes sociais por pesquisadores brasileiros

    tem oportunizado a realizao de um espesso nmero de pesquisas amparadas por

    esse referencial terico que elegem como objetos de investigao o adolescente

    infrator, seus familiares ou educadores (ALVES e OLIVEIRA, 2003; LIMA et al, 2003;

    GOMES et al, 2003; BARROS e GONTIS, 2003; ESPNDULA e SANTOS, 2003).

    Estudos dessa natureza vm tornando possvel ampliar o entendimento de como

    esses atores sociais elaboraram sua compreenso sobre temticas relacionadas aos

    adolescentes envolvidos com a prtica infracional, produzida no campo dos

    encontros humanos e mediada pelo complexo sistema miditico de informaes.

    Em relao, portanto, produo e circulao da representao social de

    adolescente infrator, a mdia tem exercido esse papel com merecido destaque

    31

  • atravs da imprensa falada e escrita, na medida em que anuncia estatsticas,

    comentrios e imagens sobre o jovem autor de ato infracional, apoiada na prpria

    realidade do aumento de sua participao no mundo do crime. A circulao dessa

    representao d vazo a uma elaborada teoria de causalidade que muitas vezes

    adentra o campo moralista do senso comum, deixando de fora a leitura crtica de

    seu mecanismo de elaborao. Por oportuno, convm aqui indagar: Qual a idia que

    infratores e suas mes tm sobre as causas geradoras de um adolescente

    infrator? At que ponto ambos os grupos consideram possvel que o adolescente

    que cometeu ato infracional seja capaz de elaborar um projeto de vida que no

    perpasse pela infracionalidade?

    As indagaes acima podem ser agrupadas em torno de

    questionamentos mais amplos, cujas respostas sejam buscadas na seara das

    cincias. Nesse sentido, elegemos como objetivo desse estudo apreender as representaes sociais sobre adolescente infrator elaboradas por adolescentes infratores e suas mes, assim como verificar a importncia dessas representaes nos espaos comunicacionais e como diretriz para seus comportamentos.

    Destacamos a relevncia deste trabalho medida que poder ser

    utilizado como instrumento pedaggico para se trabalhar com adolescentes, vez que

    sugere pistas para uma reflexo crtica sobre o processo de formao das

    representaes sociais, levando em conta a possibilidade de sua desconstruo,

    razo por que constitui um caminho para a transformao dos atores sociais.

    Ressalte-se ainda que poder contribuir para a orientao de programas oficiais

    voltados a adolescentes que cometem atos infracionais, possibilitando a

    conscientizao dos atores institucionais sobre as conseqncias do estigma na

    formao da personalidade.

    32

  • Uma, e apenas uma capacidade ser negada ao homem: a de ser inconseqente.

    Portanto, no lhe ser facultada a capacidade de fazer desaparecer os efeitos e as

    conseqncias das magias. Haver sempre um dbito a ser pago pela mente, e / ou

    pelo corpo, e / ou pelos outros homens.

    A estria ser construda sobre o enredo da histria: ser a sua verso trgica ou

    sua verso cmica, mas ser sempre a sua verso. No ser, portanto, o homem,

    produto mecnico e automtico, nem de sua particular histria, nem da Histria.

    Quando a construo da histria for insuportavelmente dolorosa, vazia ou

    vergonhosa, os afastamentos podero ser to extremos que a estria resultante

    costuma chamar-se insana.

    Di Loreto.

  • CAPTULO 2

  • REFERENCIAL TERICO

    2.1 SOBRE A TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS

    Este estudo ter como eixo central de suas reflexes a Teoria das

    Representaes Sociais formulada por Serge Moscovici (1978), com o intuito de

    contribuir para uma maior compreenso da problemtica do adolescente autor de

    ato infracional. A escolha desse referencial terico se deu em razo de estarmos

    lidando nesse estudo com a dimenso simblica elaborada pelos atores sociais nos

    espaos comunicacionais e por ser esta, em tese, determinante de suas atitudes nos

    aspectos afetivo, cognitivo e comportamental.

    A violncia praticada por adolescentes , na verdade, o fenmeno aqui

    estudado, sendo dele recortado um aspecto especfico para se constituir como tema

    de investigao. Em razo de sua amplitude, o fenmeno impalpvel, podendo ser

    apreendido apenas parcialmente, a partir da delimitao de seus mltiplos aspectos

    submetidos ao controle da investigao. O objeto de representao social deste

    estudo ser o adolescente infrator, dada a importncia que essa temtica vem

    adquirindo no contexto cultural do mundo inteiro, o que tem lhe dado uma

    significativa espessura social.

    No final do sc. XIX, Durkheim escreveu o livro O Suicdio, no qual

    reconhecia o crescente da fora individual sobre o todo social, em razo do

    desmonte do feudalismo, que se deu aps a Revoluo Industrial. Apesar dessa

    35

  • constatao, no sculo seguinte, o autor elaborou o conceito de representao

    coletiva, situando-o como um conhecimento comum, gestado socialmente, que

    possibilita uma forma homognea de pensamento e comportamento entre os grupos

    humanos. Permaneceu fiel concepo da primazia do coletivo sobre o indivduo,

    provavelmente em razo de viver em uma poca de predominncia dos referenciais

    positivistas das cincias psicolgica e social, quando qualquer abordagem do

    homem e do ambiente social passava por uma vertente explicativa mecanicista.

    O seu pensamento sofreu forte influncia da perspectiva dicotmica que

    fazia uma ntida demarcao entre pessoa e sociedade. Para ele, a sociedade era

    entendida como um ente vivo, capaz de sentimentos e idias prprias e, por esse

    prisma, capaz de fazer valer a sua verdade sobre as verdades menores de cada

    homem. Conforme Durkheim (1978, p.79),

    as representaes coletivas traduzem a maneira como o grupo se pensa nas suas relaes com os objetos que o afetam. Para compreender como a sociedade se representa a si prpria e ao mundo que a rodeia, precisamos considerar a natureza da sociedade e no a dos indivduos.

    Na separao que fez entre as representaes coletivas e as individuais,

    o socilogo procurou demarcar os campos da sociologia e da psicologia, voltando

    seu interesse para a primeira, porquanto acreditava ser possvel analisar e

    compreender a realidade social luz da objetividade cientfica. Apesar de suas

    idias terem adormecido silenciosas por algumas dcadas, Durkheim contribuiu, de

    forma significativa, para o estabelecimento das relaes entre a sociologia e a

    psicologia social.

    Moscovici (2001), reconhecendo a importncia do pensamento do

    socilogo atrs mencionado para o estudo da relao entre o conhecimento do

    senso comum e o comportamento humano, passou a considerar que, na gnese

    dessa teoria, seria possvel buscar uma nova verdade para a cincia dos homens. A

    sua percepo do mundo moderno, caracterizado pelo dinamismo de constantes

    mudanas, foi decisiva para a leitura crtica que fez das idias de Durkheim sobre as

    36

  • representaes coletivas, elaborando, a partir de ento, o conceito de

    representaes sociais.

    Para Moscovici (2003, p.49), as representaes sociais so fenmenos

    especficos que esto relacionados com um modo particular de compreender e de se

    comunicar um modo que cria tanto a realidade como o senso comum. No

    contnuo processo das trocas interacionais, os sujeitos sociais vo produzindo

    prticas cotidianas que estruturam a formao de valores e comportamentos,

    atravs dos quais cada indivduo apreende o mundo e o significa. Assinalou com

    isso o poder do homem sobre seu mundo, enfatizando seu potencial criador e

    transformador e sua capacidade de participar ativamente da construo da histria.

    O autor pensou nas representaes sociais como um fenmeno social

    tecido pelo homem, sendo que, ao mesmo tempo em que o antecede, o sucede no

    curso da histria, renovando-se como uma criao contnua, portadora das marcas

    de todos os outros saberes que procuram explicar as indagaes humanas. Nesse

    sentido, estamos condenados a produzir e reproduzir representaes, uma vez que

    estamos inscritos no ambiente sociocultural de uma dada sociedade, no seu

    substrato lingstico, na rede de signos e smbolos eleitos para ver, sentir e interagir

    com o mundo. Cotejando as dimenses psicolgica e social das representaes,

    Moscovici (2003, p.211) afirmou que

    elas possuem um aspecto impessoal, no sentido de pertencer a todos; elas so a representao de outros, pertencentes a outras pessoas ou a outro grupo; e elas so uma representao pessoal, percebida afetivamente como pertencente ao ego.

    De acordo com Farr (1995, p.44), a teoria de Moscovici freqentemente

    classificada, com muita propriedade, como uma forma sociolgica da Psicologia

    Social. O estreito intercmbio estabelecido por Moscovici entre as duas cincias

    nos aspectos individual e social, zonas indivisveis na produo do saber popular,

    serviu para abrir um novo campo de estudos interdisciplinares dentro da Psicologia

    Social, constituindo-se hoje uma referncia terica para um grande nmero de

    trabalhos desenvolvidos por psiclogos nas reas das relaes sociais,

    37

  • comunicao, linguagem, difuso de saberes, entre outras. O processo de

    transformao de representao coletiva em social traduz, certamente, o prprio

    caminho da humanidade. Alm das fronteiras que delineiam uma verdade defendida,

    fasca algo que no particularidade de um determinado autor, mas faz parte do

    legado atemporal do homem para o homem. assim no campo cientfico, filosfico,

    religioso e artstico.

    Jodelet (2001, p.22) reconheceu a complexidade de elementos que se

    agregam na composio das representaes sociais e criou uma definio que

    procura dar conta de sua totalidade, afirmando que

    como fenmenos cognitivos, envolvem a pertena social dos indivduos com as implicaes afetivas e normativas, com as interiorizaes de experincias, prticas, modelos de condutas e pensamento, socialmente inculcados ou transmitidos pela comunicao social, que a ela esto ligados.

    As representaes sociais articulam a realidade externa e interna do

    sujeito, estando por essa razo prenhes das emoes atravs das quais ele

    consegue perceber o mundo e lhe atribuir sentidos de verdade. Assim sendo,

    podemos destacar a sua dupla natureza: como sociais, so a produo consensual

    dos humanos; como restrita aos afetos individuais, so testemunho da sua

    capacidade de recriao da realidade.

    O cometimento de ato infracional por adolescentes passou a exigir um

    olhar especial dos estudiosos, uma vez que, pela sua magnitude, encontra-se hoje

    nas representaes no s dos diversos segmentos sociais, mas tambm nas dos

    prprios adolescentes denominados infratores e de seus familiares mais prximos.

    O ingresso do adolescente no mundo do crime e a criao da representao social

    de adolescente infrator obrigaram a sociedade a elaborar um conhecimento sobre

    o problema em si, na tentativa de compreend-lo e assim poder conviver com a sua

    concretude. A sua realidade toma forma emergindo da pluralidade do social ao

    mesmo tempo em que se materializa, fazendo a travessia pela subjetividade do

    homem,ou seja, penetrando na fronteira dos afetos, dos desejos e das iluses.

    38

  • 2.2 SOBRE A FUNO DAS REPRESENTAES SOCIAIS

    Moscovici (2001, p.63), ao falar das representaes sociais nas

    sociedades modernas, afirmou que elas ocuparam a lacuna dos mitos e lendas.

    Durante um longo intervalo de tempo, esses saberes ofereceram aos povos as

    explicaes para a origem da vida e do universo, sendo transmitidos por aqueles a

    quem era conferido o direito de faz-lo. A contemporaneidade dispe de uma

    poderosa tecnologia para a produo e transmisso do conhecimento. Se por um

    lado a cincia supera a cada dia seus prprios limites, reelaborando as noes de

    verdade j estabelecidas, por outro, a dinmica da comunicao, cada vez mais

    ousada e criativa, dilata os contornos da linguagem humana, permitindo

    imaginao um vo inimaginvel.

    Nbrega (1990) citou as duas grandes funes atribudas por Moscovici

    em 1961 s representaes sociais, que justificavam a sua importncia para a vida

    social: funo do saber e funo de orientao. Os homens precisam fazer uma

    leitura comum da complexa realidade social, tendo uma certeza razovel de que a

    compreendem e podem lidar com ela. De outra forma, no seria suportvel viver a

    vida, em razo de que seriam invadidos pela angstia do estranhamento frente aos

    estmulos recebidos. As representaes sociais funcionam, pois, como um anteparo

    protetor, permitindo aos homens que elaborem um saber comum por meio do qual

    explicam os fatos com que deparam no cotidiano. A explicao da realidade d

    sentido ao mundo e, estando posta aos olhos de todos, os homens no podem

    aguardar que aqueles legitimados a proclamar a verdade o faam, para,

    posteriormente, apenas aceitarem-na. Eles precisam da verdade, imediatamente,

    razo pela qual se antecipam na sua gestao e a partilham. nesse sentido que

    podemos pensar a funo do saber das representaes sociais.

    De acordo com Abric (1998), a funo de orientao da conduta est

    relacionada ao complexo cognitivo que envolve a formao das representaes

    sociais. Nesse sentido, a sociedade organiza o seu conjunto de valores que lhe

    permite um horizonte de pensamentos, sentimentos e comportamentos a serem

    adotados diante da realidade.

    39

  • O autor acrescentou mais duas funes s representaes sociais: a

    identitria e a justificadora. Em relao primeira, trabalhou a idia de que as

    representaes sociais mobilizam o sentido de pertena, vital para todos os homens.

    As duas funes, inicialmente propostas por Moscovici, conduzem terceira,

    medida que a partilha de explicaes da realidade e do sistema de valores que

    orientam as prticas permite a criao de laos grupais que identificam os grupos e

    seus membros. A propsito da funo justificadora, pode-se afirmar que, se atravs

    das representaes sociais, os indivduos podem antecipar sua ao sobre a

    realidade, da mesma forma, podem justific-la aps realizada. Nesse sentido, Abric

    (1998, p.30) assinalou que a representao tem por funo preservar e justificar a

    diferenciao social, e ela pode estereotipar as relaes entre os grupos, contribuir

    para a discriminao ou para a manuteno da distncia social entre eles.

    Cabe aqui um parntese para tratar dos esteretipos e da forma como

    interferem nas relaes intergrupais. Schulze (1996, p.114) os incluiu num amplo

    processo de categorizao, afirmando que este processo tem, como sua principal

    funo, simplificar ou tornar sistemtica a abundante e complexa quantidade de

    informaes que o organismo humano recebe do ambiente. Dessa forma, a

    categorizao se presta demarcao dos territrios grupais e fornece diretrizes de

    como os homens devem agir uns com os outros.

    Os esteretipos, se atrelados a preconceitos, intensificam o nvel de

    conflito entre esses espaos, enrijecendo as fronteiras que os separam, criando para

    cada grupo um sistema de valores prprios e produzindo a formao de uma

    identidade grupal. A categorizao de uma pessoa por um estigma est imersa

    nessa reflexo sobre as representaes sociais. Assim, a imputao de um estigma

    ser feita mediante toda a incorporao j realizada das estruturas do mundo social

    nesse sentido, um produto delas e tambm contribuir para o reforo e

    manuteno dessas estruturas, sendo, por esse ngulo, produtora da

    representao. O indivduo estigmatizado tender a incorporar sua identidade a

    mesma crena que o outro tem dele. Segundo Goffman (1988, p.16),

    40

  • os seus sentimentos mais profundos sobre o que ele podem confundir a sua sensao de ser uma pessoa normal, um ser humano como qualquer outro, uma criatura, portanto, que merece um destino agradvel e uma oportunidade legtima .

    Esteretipos e estigmas contribuem para intensificar conflitos e polarizar

    os grupos sociais, delineando a alteridade. Esse outro negativo adquire uma

    importncia fundamental nas sociedades humanas, pois funciona como o lugar no

    qual podemos depositar aquilo que no aceitamos em ns ou que no queremos

    para ns. Possibilita-nos, pois, usufruir a sensao de conscincia tranqila de que

    somos homens de bem. A partir do que est sendo aqui discutido sobre as

    representaes sociais e suas funes e, em especial, a essa referncia aos

    desdobramentos da funo justificadora, entendemos que as representaes sociais

    sobre o adolescente que cometeu ato infracional e a que ele prprio forma de si

    mesmo estaro evidentes em todos os discursos lingsticos, atitudes e expresses

    corporais a ele relacionados e por ele assumidos.

    Moscovici (1996) assinalou que todas as pessoas e grupos sociais

    buscam o reconhecimento de sua existncia e, mais que isso, buscam a aprovao

    e o bem-querer. A grande questo que, quando pessoas ou grupos se tornam

    transparentes como minorias sociais, perdem as chances de aprovao e afeto

    pelas maiorias. Ainda assim, muitas vezes, correm os riscos inerentes a essa

    desqualificao, construindo foras ativas e estratgicas, tirando disso proveito

    prprio. Em razo da descrena que sobre elas se abate, as minorias aprendem a

    criar couraas resistentes que as habilitam a conviver com essas situaes de

    desconforto, passando a ignorar sua falta de crdito e apreciao.

    Vale lembrar que a representao que delimita os grupos pelo

    estabelecimento da alteridade acontece ao mesmo tempo nos diferentes espaos

    que se criam. A partir disso, cada uma dessas funes citadas ser posta em

    movimento paralelo. Cada grupo se instrumentalizar com seus prprios recursos,

    construindo seus confins e seu pertencimento, percebendo a si e ao outro com o

    olhar que tomaram por emprstimo do substrato cognitivo-afetivo do tecido social

    que j est, por sua vez, modelado pela contribuio individual subjetiva de cada

    sujeito. A compreenso de como o adolescente autor de ato infracional e sua me

    41

  • elaboram a representao adolescente infrator permitir melhor entender os seus

    processos comunicacionais, os seus comportamentos e o seu movimento dentro do

    palco das minorias.

    2.3 SOBRE O PROCESSO DE FORMAO DAS REPRESENTAES SOCIAIS

    Ao criar a sua teoria sobre o saber do senso comum, Moscovici (2003)

    tambm se ocupou em analisar a forma como as representaes sociais se

    estruturam, concebendo duas etapas gerais nesse processo: objetivao e

    ancoragem. Essas etapas, na verdade, no esto separadas ou hierarquizadas, mas

    articuladas, sendo estudadas individualmente apenas com fins didticos. Envolvem

    os aspectos figurativo e simblico, a articulao entre as dimenses psicolgica e

    social, o esforo e a necessidade humana de lidar com o real, o concreto, o familiar,

    de modo a dar sentido ao mundo. Na possibilidade de desmembramento desses

    processos, poderamos caracterizar a objetivao como o processo de formao de

    imagens, no qual o sujeito d corpo visual ao que lhe abstrato; relativamente

    ancoragem, podemos caracteriz-la como o processo de tornar familiar o

    desconhecido, no qual o sujeito integra o novo ao sistema cognitivo j existente.

    Vala (2000, p.465) discorreu sobre a objetivao e as fases de construo

    seletiva, esquematizao e naturalizao, destacando que o sujeito apreende do

    contedo terico do objeto alguns elementos para relacion-los com os outros,

    agregando-os em um sistema de imagens antes de atribuir ao objeto o carter de

    natural, guardando uma relativa coerncia. Segundo suas palavras, no s o

    abstrato se torna concreto atravs da sua expresso em imagens e metforas, como

    o que era percepo se torna realidade, tornando equivalente a realidade e os

    conceitos".

    esse um desenho mental que fazemos, metaforicamente, da realidade

    externa que nos circunda, em nossa incansvel tentativa de internalizar o que

    palpvel no mundo. Em relao ancoragem, Vala lembrou que esta pode,

    42

  • igualmente, ser considerada anterior ou posterior objetivao, enfatizando a

    articulao dialtica que as mantm unidas. Justificando a posio anterior da

    ancoragem, o autor ressalta que, medida que o sujeito no se encontra inserido

    em um vazio mental, mas contaminado pelo seu universo simblico, antes de

    desenhar o esquema icnico do objeto, j o faz ancorado em esquemas conceituais

    j consolidados em seu meio. No que tange posio posterior, o autor a situou

    como etapa subseqente ao movimento do sujeito de construir sua estrutura

    imagtica para, em seguida, ancor-la na bagagem conceitual j existente no seu

    contexto social. Jovchelovitch (2000, p.82) enriqueceu a compreenso desses

    processos que esto na gnese das representaes sociais afirmando que

    Objetivar condensar significados - diferentes que podem ser ameaadores, ou indizveis para faz-los familiares, domesticados. Ao assim fazer, sujeitos sociais ancoram o desconhecido em uma realidade j institucionalizada e deslocam a geografia de significados estabelecidos que as sociedades lutam para perpetuar.

    Objetivando e ancorando, os sujeitos fazem investimentos simblicos

    sobre os fenmenos emergentes do seu contexto social, favorecendo o intercmbio

    entre o senso comum e a cincia, dada a porosidade de suas fronteiras. Pela

    comunicao interpessoal e intergrupal, fazem circular as representaes que

    conseguem elaborar sobre a novidade, saciados pela sensao de dominao do

    desconhecido. Apesar de no se dar conta, o homem o criador da realidade que

    no existe em si, mas guarda consistncia e significado pela traduo que lhe

    dada, no inesgotvel processo comunicacional das criaturas sociais.

    Quando Vala (2000) fez referncia ancoragem das representaes

    sociais no sistema de comunicao, citando a difuso, a propagao e a

    propaganda como as formas pelas quais circulam, igualmente ressaltou o carter

    consensual, hegemnico ou polmico que assumem a partir de ento. Pela difuso,

    as mensagens so lanadas sem vnculo entre o emissor e o receptor, atingindo

    vrios pblicos e suscitando pontos de vista variados, o que possibilita a formao

    de opinies.

    43

  • Pela propagao, as mensagens, j estruturadas, so dirigidas a um

    grupo especfico como argumento de defesa da idia, possibilitando a formao de

    atitudes em relao a determinado fenmeno e a antecipao do comportamento, de

    modo a manter o vnculo entre emissor e receptor. Pela propaganda, a mensagem

    circula, gerando conflitos, separando grupos e atribuindo-lhes uma identidade

    positiva ou negativa. nesse trmite que se d a formao de esteretipos no

    como uma categoria criada pelo grupo, mas para ele.

    Vala (2000, p.493) comentou ainda o crescente papel da televiso na

    estruturao do carter hegemnico de determinadas representaes sociais e a

    forma como essa modalidade de presso influencia os comportamentos humanos.

    Em sua viso, a expresso do audiovisual mergulhou-nos num mundo de rostos,

    imagens e smbolos, nos quais se inscrevem as idias mais abstratas, conferindo-

    lhes a materialidade de que necessitam para viver, reproduzir-se e tornar-se

    realidade.

    A televiso, como o meio de comunicao de massa mais popular,

    incrustrada no seio de milhares de lares, veicula para uma infinidade de

    telespectadores o rosto da violncia praticada por adolescentes. Esse fenmeno

    adquire, ento, uma face material para a qual convergiro significaes emocionais

    da populao e sobre a qual se formar uma teia de argumentaes que ajudaro

    na sua descrio, na explicao de suas causas e no modelo de conduta esperada

    para fazer-lhe frente.

    Se as explicaes de causalidade encontradas so de natureza

    individual, entendemos que isso influenciar as opinies e atitudes sociais no

    tocante defesa da reduo da maioridade penal e o conseqente encarceramento

    do adolescente no quase limite da infncia, manifestadas pelo regozijo frente s

    torturas infligidas aos adolescentes por policiais ou populares. Ressalte-se que j

    ganha corpo na sociedade a defesa da priso perptua ou pena de morte como

    crena de que a reside a eliminao do problema. Se, por outro lado, as pessoas

    ancoram as explicaes sobre o fenmeno em causas sociais, adotam atitudes e

    condutas diferentes daquelas, numa flagrante mudana de tica. Segue, a esse

    respeito, o pensamento de Vala (2000, p.481):

    44

  • Ora, quando os indivduos se questionam sobre fenmenos sociais como a pobreza, o desemprego, a sade, a violncia ou o insucesso escolar, acionam as teorias que coletivamente construram sobre estes mesmos fenmenos, e no quadro dessas teorias que procuram e estruturam as explicaes.

    Marchon (2003), em uma reflexo sobre a violncia dos dias atuais,

    dentro de uma leitura psicanaltica que articula o registro do inconsciente com o

    comportamento manifesto, observou que a nossa iniqidade social custa caro.

    Fabricamos misria, corrupo e violncia e internalizamos a culpa pela nossa

    insanidade. Nos confins do interior humano, o reflexo da responsabilidade pelas

    razes sociais da violncia conduz a uma postura que s vezes oscila entre a

    crueldade e a impunidade. Somos seres cruis quando nos esmeramos em tratar

    desumanamente os humanos, nossos irmos. Construmos crceres indignos para

    prender os violentos e no volvemos nosso olhar para os que ali se contorcem. Por

    outro lado, somos negligentes quando aceitamos tacitamente a impunidade como se

    desejssemos conceder-lhes a liberdade, para sermos castigados pelo medo que

    nos provoca a sua soltura. Afirmou Marchon (2003, p.50) que

    Como ns sabemos que temos estas culpas, doentiamente deixamos milhares de criminosos sem punio e permitimos que os que so presos possam fugir com a maior facilidade. No h como escapar de nossa responsabilidade pessoal pelo que acontece no mundo social de que participamos.

    A partir do que foi abordado acima sobre as representaes sociais,

    podemos destacar como eixo fundamental de sua definio o fato de que consistem

    no saber do senso comum, intimamente ligado comunicao. Se um determinado

    fato social ganha consistncia, os sujeitos sociais tecem a sua prpria teoria sobre

    ele, orientados por um modelo de pensamento prtico. Esse pensamento lhes

    permitir edificar um substrato comum, a partir do qual podero compreend-lo,

    domin-lo e se posicionar. Para usar a expresso weberiana, os grupos constroem

    uma viso de mundo que aplaca a angstia frente ao novo, tornando-o familiar,

    fortalecendo laos entre os indivduos e demarcando suas fronteiras.

    45

  • O que ento a verdade? Uma multido movente de metforas, de metonmias,

    de antropomorfismos, em resumo, um conjunto de relaes potica e

    retoricamente erguidas, transpostas, enfeitadas, e que, depois de um longo uso,

    parecem a um povo firmes, canoniais e constrangedoras: as verdades so iluses

    que ns esquecemos que o so, metforas que foram usadas e que perderam a sua

    fora sensvel, moedas que perderam seu cunho e que a partir de ento entram

    em considerao, j no como moeda, mas apenas como metal.

    Nietzsche

  • CAPTULO 3

  • CAMINHO METODOLGICO

    3.1 NATUREZA DO ESTUDO

    Realizar-se- um estudo de campo exploratrio, de carter quantitativo e

    qualitativo, embasado no referencial terico das representaes sociais, atribuindo-

    se absoluta prioridade ao discurso dos sujeitos como fonte de informao para a

    anlise das representaes que elaboram.

    Respeitante a estudo exploratrio, cite-se a posio de Gil (1999, p.43):

    as pesquisas exploratrias tm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e

    modificar conceitos e idias, tendo em vista, a formulao de problemas mais