lucitacunhamatosmestrado-adolescentes em conflito com a lei
TRANSCRIPT
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Universidade Estadual do Cear
Lucita Cunha Matos
PRISIONEIROS DO ESTIGMA: REPRESENTAES
SOCIAIS SOBRE ADOLESCENTE INFRATOR
Fortaleza Cear
2004
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M425p Matos, Lucita Cunha. Prisioneiros do estigma: representaes sociais sobre adolescente infrator / Lucita Cunha Matos. 2004.148p. Orientadora: Profa. Dra. Maria Lcia Duarte Pereira. Projeto de Dissertao (Mestrado em Sade da Criana e do Adolescente) Universidade Estadual do Cear, Centro de Cincias da Sade. 1. Adolescente. 2. Representaes sociais. 3. Estigma. I. Universidade Estadual do Cear, Centro de Cincias da Sade.CDD:155.5
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Universidade Estadual do Cear
Lucita Cunha Matos
PRISIONEIROS DO ESTIGMA: REPRESENTAES
SOCIAIS SOBRE ADOLESCENTE INFRATOR
Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado Profissional
em Sade da Criana e do Adolescente, da Universidade
Estadual do Cear, como requisito parcial para obteno do
grau de Mestre em Sade da Criana e do Adolescente.
Orientadora: Prof Dr Maria Lcia Duarte Pereira
Fortaleza Cear
2004
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR
CENTRO DE CINCIAS DA SADE
MESTRADO PROFISSIONAL EM SADE DA CRIANA E DO ADOLESCENTE
Ttulo do Trabalho: Prisioneiros do estigma: representaes sociais sobre adolescente infrator
Autora: Lucita Cunha Matos
Defesa em: _____/____/_____
Banca Examinadora
_________________________________________ Prof Dr Maria Lcia Duarte Pereira Orientadora
_________________________________________ Prof Dr Antnia Silva Paredes Moreira - UFPB
_________________________________________ Prof Dr Sheva Maia da Nbrega - UFPE
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Dedico este trabalho aos meus filhos Camille e Thiago.
Que os anos jamais lhes roubem a sensibilidade com
que hoje olham para os muitos adolescentes que
percorrem os tortuosos descaminhos da vida e que
jamais desistam do compromisso com a construo de
um mundo mais justo.
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AGRADECIMENTOS
Prof Dr Maria Lcia Duarte Pereira, orientadora e amiga, pela
dedicada ateno a mim dispensada na elaborao deste trabalho.
Prof Dr Sheva Maia da Nbrega que, com extrema competncia,
emprestou valiosa contribuio s reflexes aqui empreendidas.
Walhirtes Frota de Albuquerque, amiga querida, pelo incentivo e
confiana.
Mirlnia Smara Maciel, pelo apoio incondicional realizao deste
trabalho.
Aos muitos colegas de trabalho, que gentilmente colaboraram para o
processo de coleta de dados e, em especial, Mnica Arajo Gomes, por
sua incansvel disposio para partilhar idias.
Aos adolescentes e mes, sujeitos deste estudo, por dividirem comigo
fragmentos de sua vida.
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RESUMO
A crescente participao de adolescentes no mundo do crime transformou-se em fenmeno contemporneo de grandes propores, sendo resultante do complexo quadro da violncia que impregna o cotidiano das relaes humanas em todo o mundo. A partir de ento, a sociedade mobilizou-se para compreender este fenmeno e elegeu a categoria adolescente infrator para nela acomodar as suas explicaes e organizar o modo de se posicionar perante a nova realidade. O presente estudo teve por objetivo apreender as representaes sociais sobre adolescente infrator, elaboradas por adolescentes autores de homicdios ou latrocnios, privados de liberdade por sentena judicial, e por mes de adolescentes infratores, recortando do contexto social mais amplo um grupo de sujeitos que tm sua vida diretamente vinculada a esse objeto de investigao. Trata-se de um estudo de campo de tipo exploratrio, com abordagem quantitativa e qualitativa, tendo por base a teoria das representaes sociais. A pesquisa foi realizada em trs centros de internao para adolescentes, coordenados pela Secretaria de Ao Social, localizados em Fortaleza-Cear. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram: Teste de Associao Livre de Palavras, aplicado a 112 sujeitos, e entrevista semi-estruturada, aplicada a 32 sujeitos. Os dados coletados no teste foram processados no soft Tri-Deux Mots e as entrevistas, submetidas anlise de contedo temtica. Os resultados dessa anlise apontaram seis categorias (caracterizao do adolescente, caracterizao do adolescente infrator, causas para o ingresso no mundo do crime, percepo do eu, perspectivas de mudana e expresses subjetivas) e sinalizaram representaes sociais coincidentes entre os grupos, expondo sentimentos ambivalentes, reveladores do processo de incorporao do estigma na construo do autoconceito.
Palavras-chave: Adolescente infrator. Estigma. Representao social.
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ABSTRACT
The increasing participation of teenagers in the world of crime has become a contemporary phenomenon of great proportions resulting from the complex violence situation that impregnates the day-to-day of the human relations all over the world. From that point, the society started to do something in order to understand this phenomenon and elected the violator teenager category for it to accommodate its explanations and organize the way of placing itself before the new reality. The present study has as an objective to apprehend the social representations about the violator teenager elaborated by the adolescents who commit crimes or armed robberies, deprived of freedom due to judicial sentence and by mothers of violator teenagers, abstracting from the more ample social context a group of subjects that have their lives directly connected to the investigation objective. This an exploratory field study with a quantitative and qualitative approach, having as a base the theory of the social representations. The research was performed in three centers of confinement for adolescents, coordinated by the Social Action State Secretary located in Fortaleza, Cear. The tools used for collecting the data were: Test of Free Association of Words applied for 112 subjects and a semi-structured interview applied for 32 subjects. The collected data during the test were processed using the software Tri-Deux-Mots and the interviews were pointed six categories (Characterization of the teenager, Characterization of the Violator Teenager, Causes for Entering the World of Crime, Perception of the I, Perspectives of Changes and Subjective Expressions) and signaled social representations coinciding within the groups, exposing ambivalent feelings revealing a process of incorporation of the stigma in the construction of the self-concept.
Key-words: Violator Teenager. Stigma. Social Representation.
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SUMRIO
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS..........................................................................12
LISTA DE FIGURAS, QUADROS E TABELAS..............................................................13
APRESENTAO................................................................................................13
CAPTULO 1.......................................................................................................18
DO FENMENO AO OBJETO: O RECORTE DE UMA SUBJETIVIDADE.......19
CAPTULO 2........................................................................................................34
REFERENCIAL TERICO...................................................................................35
2.1 SOBRE A TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS........................................35
2.2 SOBRE A FUNO DAS REPRESENTAES SOCIAIS.......................................39
2.3 SOBRE O PROCESSO DE FORMAO DAS REPRESENTAES SOCIAIS......42
CAPTULO 3........................................................................................................47
CAMINHO METODOLGICO..............................................................................48
3.1 NATUREZA DO ESTUDO........................................................................................48
3.2 O CAMPO DE ESTUDO...........................................................................................49
3.3 OS SUJEITOS.........................................................................................................51
3.4 OS INSTRUMENTOS...............................................................................................52
3.5 PROCEDIMENTOS PARA COLETA DE DADOS...................................................55
3.6 ANLISE E TRATAMENTO DOS DADOS..............................................................57
3.6.1 Anlise de contedo................................................................................................573.6.2 Anlise Fatorial de Correspondncia.......................................................................65
CAPTULO 4........................................................................................................68
CONSTRUO DAS REPRESENTAES SOCIAIS SOBRE ADOLESCENTE INFRATOR............................................................................................................69
4.1 A CONSTRUO DAS REPRESENTAES SOCIAIS SOBRE ADOLESCENTE INFRATOR A PARTIR DA ANLISE DE CONTEDO..................................................71
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4.1.1 Descries sobre adolescente.................................................................................71 4.1.2 Descries sobre Adolescente Infrator...................................................................78 4.1.3 Causas do Ingresso no Mundo do Crime...............................................................83 4.1.4 Perspectiva de mudana......................................................................................914.1.4 Percepo do eu...................................................................................................98 4.1.6 Expresses subjetivas.........................................................................................106
4.2 A CONSTRUO DAS REPRESENTAES SOCIAIS SOBRE ADOLESCENTE INFRATOR A PARTIR DA ANLISE FATORIAL DE CORRESPONDNCIA..............110
CAPTULO 5......................................................................................................118
CONSIDERAES FINAIS...............................................................................119
REFERNCIAS..................................................................................................124
ANEXOS.............................................................................................................130
COMPORTAMENTAIS.................................................................................................140
Mes..............................................................................................................................140
VIVENCIAIS.................................................................................................................140
Adolescentes................................................................................................................140
Mes..............................................................................................................................140COMPORTAMENTAIS...................................................................................................141Adolescentes..................................................................................................................141Mes..............................................................................................................................141VIVENCIAIS...................................................................................................................141Adolescentes..................................................................................................................141Mes..............................................................................................................................141SOCIOINTERACIONAIS................................................................................................142Adolescentes..................................................................................................................142 Mes...............................................142FAMILIARES..................................................................................................................142Adolescentes..................................................................................................................142
PSICOLGICAS.........................................................................................................143
Adolescentes................................................................................................................143
Mes..............................................................................................................................143
SOCIOECONMICAS.................................................................................................143
Adolescentes................................................................................................................143
Mes..............................................................................................................................143
PESSOAL....................................................................................................................144
Adolescentes................................................................................................................144
Mes..............................................................................................................................144
SOCIAL........................................................................................................................144
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Adolescentes................................................................................................................144
Mes..............................................................................................................................144
FAMILIAR.....................................................................................................................145
Adolescentes................................................................................................................145
Mes..............................................................................................................................145
INSTITUCIONAL..........................................................................................................145
Adolescentes................................................................................................................145
Mes..............................................................................................................................145
ESPIRITUAL................................................................................................................145
Adolescentes................................................................................................................145
Mes..............................................................................................................................145
AUTOPERCEPO.....................................................................................................146
Adolescentes................................................................................................................146
IDEALIZADA..................................................................................................................146
HETEROPERCEPO................................................................................................147
Adolescentes................................................................................................................147
Mes..............................................................................................................................147
SENTIMENTOS...........................................................................................................148
Adolescentes................................................................................................................148
Mes..............................................................................................................................148
PENSAMENTOS..........................................................................................................148
Adolescentes................................................................................................................148
Mes..............................................................................................................................149
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AFC Anlise Fatorial de Correspondncia
CONEP Conselho Nacional de Sade sobre Pesquisas envolvendo Seres Humanos
CPF Contribuio por Fator
ECA Estatuto da Criana e do Adolescente
FEBEMCE Fundao Estadual do Bem-Estar do Menor do Cear
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ONU Organizao das Naes Unidas
RS Representao Social
SAS Secretaria da Ao Social
TRS Teoria das Representaes Sociais
UNESCO Organizao Educacional Cientfica e Cultural das Naes Unidas
UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia
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LISTA DE FIGURAS, QUADROS E TABELAS
Figura 1 Plano de anlise............................................................................................59
Figura 2 Descries sobre adolescente......................................................................62
Figura 3 Descries sobre adolescente infrator..........................................................63
Figura 4 Causas do ingresso no mundo do crime.......................................................63
Figura 5 Percepo do eu...........................................................................................64
Figura 6 Perspectiva de mudana...............................................................................64
Figura 7 Expresses subjetivas...................................................................................65
Quadro 1 Perfil dos sujeitos segundo as variveis sociodemogrficas........................52
Quadro 2 Distribuio das categorias e subcategorias simblicas sobre adolescente infrator............................................................................................................................61
................................................................................................................................140
Tabela 2 Distribuio das freqncias, percentuais e qui-quadrado da categoria descries sobre adolescente infrator e subcategorias, segundo o grupo de adolescentes autores de atos infracionais e mes.........................................................79
Tabela 3 Distribuio das freqncias, percentuais e qui-quadrado da categoria causas do ingresso no mundo do crime e subcategorias, segundo o grupo de adolescentes autores de atos infracionais e mes.........................................................84
Tabela 4 Distribuio das freqncias, percentuais e qui-quadrado da categoria perspectiva de mudana e subcategorias, segundo o grupo de adolescente autores de atos infracionais e de mes............................................................................................92
Tabela 5 Distribuio das freqncias, percentuais e qui-quadrado da categoria percepo do eu e subcategorias, segundo o grupo de adolescentes autores de atos infracionais e de mes...................................................................................................99
Tabela 6 Distribuio das freqncias, percentuais e qui-quadrado da categoria expresses subjetivas e subcategorias, segundo o grupo de adolescente autores de atos infracionais e de mes..........................................................................................107
Tabela 7 Freqncia de palavras evocadas pelos grupos de adolescentes e de mes......................................................................................................................................113
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Coabitou o homem com Eva, sua mulher. Esta concebeu e deu luz a Caim. Ento disse: adquiri um varo com o auxlio do SENHOR.Depois deu luz a Abel, seu irmo. Abel foi pastor de ovelhas, e Caim, lavrador.
Aconteceu que no fim de uns tempos trouxe Caim do fruto da terra uma oferta ao SENHOR. Abel, por sua vez, trouxe das primcias do seu rebanho, e da gordura deste. Agradou-se o SENHOR de Abel e de sua oferta; ao passo que de Caim e de sua oferta no se agradou. Irou-se, pois, sobremaneira Caim, e descaiu-lhe o semblante.
Ento lhe disse o SENHOR: Por que andas irado? E por que descaiu o teu semblante? Se procederes bem, no certo que sers aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz porta; o seu desejo ser contra ti, mas a ti cumpre domin-lo.
Disse Caim a Abel, seu irmo: Vamos ao campo. Estando eles no campo, sucedeu que se levantou Caim contra Abel, seu irmo, e o matou. Disse o SENHOR a Caim: Onde est Abel, teu irmo? Ele respondeu: No sei. Acaso sou eu tutor de meu irmo? E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue do teu irmo clama da terra a mim.
s agora, pois, maldito por sobre a terra cuja boca se abriu para receber de tuas mos o sangue de teu irmo. Quando lavrares o solo no te dar ele a sua fora; sers fugitivo e errante pela terra. Ento disse Caim ao SENHOR: tamanho o meu castigo, que j no posso suport-lo.
Eis que hoje me lanas da face da terra, e da tua presena hei de esconder-me; serei fugitivo e errante pela terra; quem comigo se encontrar me matar. O SENHOR, porm, lhe disse: Assim qualquer que matar a Caim ser vingado sete vezes. E ps o SENHOR um sinal em Caim para que o no ferisse de morte quem quer que o encontrasse.Retirou-se Caim da presena do SENHOR, e habitou na terra de Node, ao Oriente do den.
Livro de Gneses, cap. 4, 1-16
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APRESENTAO
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Estamos construindo um mundo cada vez mais violento; exercitamos no
cotidiano a violncia. Tratamos sem carinho o nosso planeta e no nos importamos
com a sua mutilao; tratamos sem carinho os nossos irmos, nossos semelhantes
e no nos importamos com a sua dor. Estamos nos acostumando violncia que
no mais nos indigna ou sequer nos surpreende.
Os nossos adolescentes so os filhos do mundo. Esto aprendendo a
lio que no ousamos escrever de forma diferente e nem nos damos conta de que
precisamos faz-lo. O preo que pagamos alto. Estamos de luto pelo crescente
nmero de jovens em todo o mundo que adentram o mundo do crime e dele muitas
vezes no podem sair. Estes ocultam-se por detrs da mscara de marginais,
endurecem o olhar, a expresso do rosto, sufocam a sensibilidade de tal forma que
j no parece possvel se perceberem e serem percebidos de outro modo. Mas, se
nos dispusermos a olhar seus olhos, a escutar sua alma, procurando esgarar as
fronteiras do que est posto, poderemos, talvez, descortinar novos horizontes e
convid-los a fazer o mesmo.
Em 1982, recm-formada em Psicologia, ingressei no mundo do trabalho
na extinta Fundao Estadual do Bem-Estar do Menor do Cear FEBEMCE que
desenvolvia a poltica social de assistncia a crianas e adolescentes caracterizados
como carentes, perdidos, abandonados e infratores. Ainda regidos pelo antigo
Cdigo de Menores, j deparvamos naquela poca com garotos e garotas que
praticavam a violncia e que eram retirados do convvio sociofamiliar e recolhidos
em unidades estaduais de privao de liberdade. O fato que esses adolescentes,
chamados menores, eram em nmero pequeno e s alguns deles cometiam atos
muito graves como homicdio ou latrocnio.
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Muitas indagaes surgidas da prtica profissional como psicloga de
uma instituio pblica voltada para a rea social suscitaram o interesse de
investigar os fatores subjacentes ao ingresso do adolescente no mundo do crime,
em busca de respostas que poderiam estar no somente no saber das cincias, mas
tambm sendo gestadas no imaginrio dos sujeitos que vivenciam essa realidade,
atravs de suas relaes no mundo.
As representaes sociais enprenham o contexto social e so patrimnio
comum dos seus vrios atores, constituindo-se um conhecimento partilhado a partir
do qual os sentimentos e comportamentos so organizados. O aumento do nmero
de jovens autores de atos infracionais fez nascer a representao social adolescente
infrator. Assim, a compreenso e a socializao do fenmeno passam a servir de
base para orientar a comunicao dos homens. Apoiar este estudo na Teoria das
Representaes Sociais torna possvel perceber os sujeitos sociais no emaranhado
do mundo significante, construdo na teia relacional da histria humana. As
consideraes que sero feitas a partir de seus resultados certamente ampliaro o
conhecimento na rea das representaes sociais sobre adolescente autor de ato
infracional.
Este trabalho encontra-se dividido em cinco captulos. O primeiro aborda
a violncia de um modo geral e ajusta o foco para o fenmeno do ingresso do
adolescente no mundo do crime, realidade que a sociedade cientfica e leiga busca
compreender. O captulo aborda, ainda, dados sobre a situao do adolescente
envolvido com a prtica infracional, no pas e no estado, discutindo o processo de
construo de sua identidade marginal. O segundo captulo faz consideraes gerais
sobre a Teoria das Representaes Sociais, suas funes e processos de formao,
incluindo reflexes sobre a representao social de adolescente infrator e suas
interfaces em cada um desses momentos. O terceiro captulo discorre sobre a
metodologia do estudo, situa a sua natureza e o campo de pesquisa e descreve os
sujeitos e os procedimentos a serem adotados para a sua realizao. O quarto
captulo apresenta a elaborao das representaes sociais feitas pelos sujeitos,
primeiramente a partir da descrio e anlise dos resultados das entrevistas e, em
seguida, por meio dos resultados do Teste de Associao Livre de Palavras. As
respostas referenciadas pelos grupos foram consideradas luz da Teoria das
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Representaes Sociais e relacionadas a contedos tericos que ampliaram a sua
anlise. O quinto captulo contempla questionamentos sobre os resultados do
trabalho e a sua aplicabilidade.
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No haver pr-disposies; haver disposies, isto , capacidades disponveis
para viver a histria e capacidades disponveis para deformar o registro da
histria, tornando-a estria.
No haver, na mente do homem, virtude ou pecado original.
Ningum herdar dos ancestrais sua estria, pois a construo da prpria estria
ser o fator humano do homem. Que no falte mente do homem nenhum
instrumento e nenhuma ferramenta para construir a estria sobre a histria:
nenhuma magia lhe seja negada, desde inocentes devaneios at a criao do
inexistente.
Di Loreto
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CAPTULO 1
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DO FENMENO AO OBJETO: O RECORTE DE UMA SUBJETIVIDADE
A histria da humanidade, ao longo do tempo, tem marcas de sentimentos
como dio, solidariedade, ambio, generosidade, assim como, de uma gama
infinita de aes imersas na dimenso ora explcita, ora inconsciente do desejo. De
tal forma o homem recria a sua realidade que, embora o longo caminho trilhado se
faa parecer perdido tamanha a sua vastido, um fio condutor jamais rompido
garante a nossa irmandade. Parece haver uma memria sensorial biolgica que nos
d a sensao de que partilhamos atitudes e emoes comuns desde o incio dos
tempos e que carregamos no rosto um pouco de todos os outros humanos.
A violncia no uma inveno da contemporaneidade. Para alm dos
estudos cientficos que informam sobre os infindveis conflitos humanos e disputas
por bens materiais ou simblicos, a prpria narrativa bblica tambm fala do primeiro
homicdio da humanidade, praticado por Caim contra seu irmo Abel. Movido por
sentimento misto de inveja e raiva, Caim cometeu o assassinato pelo qual recebeu a
maldio de Deus e o transmitiu como legado aos seus descendentes. A verso
bblica desse fratricdio pe por terra a utopia de um mundo de homens apenas
amorosos e solidrios e autoriza a possibilidade de sua natureza tambm cruel.
Se, para a sobrevivncia da espcie, o homem necessita estabelecer
pactos de cooperao o fato inconteste de estarmos nos multiplicando a cada dia
prova isso as trocas interacionais tambm esto inevitavelmente sujeitas aos
conflitos a ela inerentes. A agressividade faz parte da condio humana, vez que
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possibilita ao organismo a sua defesa. Gaiarsa (1993) destacou essa importncia,
dando nfase no apenas ao lado concreto da conservao da vida, mas ao fato de
que, pela agressividade, podemos investir na conquista de nossos ideais, naquilo
que identificamos como significativo para o nosso crescimento e amadurecimento.
Por outro lado, oportuno questionar: o que motiva o homem a adotar
comportamentos destrutivos, a ser predador de si prprio? Na verdade, nenhuma
explicao linear poderia dar conta de sua abrangncia multifatorial. Se recortes
podem ser feitos para compreender a violncia focalizando prismas biolgicos,
psicolgicos ou sociais, ainda assim no seria possvel fazer uma ruptura entre as
dimenses individuais e relacionais para localiz-la. A violncia parece atravessar o
homem-corpo e o corpo social, alinhavando-os em suas fissuras, lanando no ar o
questionamento sobre os limites de seu territrio.
Inmeros so os caminhos que tm sido percorridos para a compreenso
desse fenmeno no intuito de se chegar a uma identificao dos fatores que, pelo
menos em parte, expliquem a violncia que a est posta. Estudiosos de vrias
reas vm contribuindo nesse sentido, agregando a esse esforo coletivo o saber
particular de suas cincias. Assim sendo, psiclogos, psicanalistas, socilogos,
antroplogos, neurofisiologistas, filsofos, cientistas polticos, entre outros,
participam da inesgotvel busca de tornar a violncia um fenmeno compreensvel e
passvel de sofrer interferncia.
A psicanlise trouxe importante contribuio para a compreenso do
psiquismo humano. Freud (1997) afirmou que o homem tem uma tendncia natural
agresso, o que acabaria pondo em risco a integridade e a existncia da civilizao.
Diante da impossibilidade de anulao dessa fora destrutiva, ao invs de dirigi-la
contra o semelhante, aos homens cabe canaliz-la para outros focos, de modo que
seja investida de forma positiva nos objetos do seu mundo. Esse mecanismo de
controle do instinto agressivo cria a condio para a convivncia dos homens,
mantidos sob um permanente estado de tenso, o que exige um elevado gasto de
energia por parte de todos. Segundo enfatizou Freud (1997, p. 67).
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o elemento de verdade por trs disso tudo, elemento que as pessoas esto to dispostas a repudiar, que os homens no so criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no mximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrrio, so criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa cota de agressividade.
Assim, na teoria psicanaltica, o sonho de uma sociedade pacfica, de
uma aldeia global onde todos partilhem a vida fraternalmente, expresso na poesia de
canes que emocionam geraes, uma utopia. certo que a humanidade tem
conseguido fazer predominar o esprito de convivncia e realizaes entre os
humanos, entretanto, jamais conseguir, com xito, silenciar os demnios que
aguardam irrequietos a oportunidade de emergir por entre as fendas de seus
superegos. Enquanto a psicanlise prev a imortalidade da violncia, os homens
continuam sonhando com o amor e a harmonia em suas relaes e, igualmente,
imortalizando a esperana de que conseguiro construir um mundo de paz.
Apesar de a disposio agressiva poder ser pensada como instintiva, o
mesmo no se pode dizer da violncia. Esta construda no cotidiano da vida,
ensinada pelos nossos pares e com eles aprendida, ou melhor, a transformao
da agressividade em sua face mais escura. Para Costa (1999, p. 31), a violncia o
emprego desejado da agressividade, com fins destrutivos. O reconhecimento dessa
dimenso genuinamente humana do desejo e do prazer com o sofrimento alheio,
quer como autores, quer como espectadores, exige de ns bem mais que uma
postura crtica mas coloca-nos diante da responsabilidade individual pelo destino do
nosso mundo.
Se o recuo no tempo nos faz conhecedores de que a violncia nasceu
com o homem, ento por que nossa inclinao para apont-la como um dos
fenmenos sociais mais perturbadores da atualidade? Cabe aqui atentar para o fato
de que hoje vivemos num planeta extremamente populoso, segundo a Organizao
das Naes Unidas ONU (IBGE,2000), com mais de 6 bilhes de pessoas,
populao esta que aumenta anualmente em 75 milhes, sendo que a metade tem
menos de 25 anos de idade. no sculo XX que acontece a exploso demogrfica,
principalmente nos pases do terceiro mundo. No Brasil, as estatsticas do Instituto
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Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE (2000) sobre a populao revelaram um
pas com quase 170.000.000 de pessoas.
Alm disso, aprendemos a divulgar informaes com uma velocidade
jamais imaginada, o que nos deixa atualizados em relao a todos os feitos
humanos em todos os lugares, no quase exato momento em que ocorrem. As
notcias sobre as conquistas de nossos semelhantes nos unem num sentimento
positivo de orgulho, mas as notcias sobre a violncia cotidiana nos deixam a
assustadora sensao de que temos uma incapacidade de cuidar de nossa vida e
do nosso habitat. Amargamos a sensao de que somos uma sociedade cruel que
se compraz com a destruio e o sofrimento do outro. Para Gauer (2001, p.14) essa
situao traz como resultado um estado geral de indiferena, na qual o bem e o mal
expostos ao olhar, sem intermediao, tornam-se um simples dado do cotidiano,
entre tantos outros, e talvez no o menos incmodo.
A violncia em rede que ora testemunhamos sugere ainda a anlise de
outros componentes, partindo da premissa de que a nova ordem social decorrente
da revoluo digital que sucedeu a modernidade trouxe profundas mudanas na
viso de mundo e no comportamento dos homens. Os alicerces erguidos pela
sociedade moderna, ancorados na concepo da ordem e da disciplina e que
objetivavam estabilizar o desequilbrio gerado pela revoluo industrial, ruram.
Entramos na era da velocidade. Em um curto espao de tempo, tivemos
que ajustar o ritmo de nossa vida s transformaes radicais introduzidas no
efmero social. A sociedade ps-moderna cunhou para si a marca da transgresso.
Transgredimos todas as conhecidas e estveis fronteiras temporais e geogrficas e,
ao rompermos essas barreiras seculares, ampliamos o nosso desejo inquieto de
poder e liberdade, embora tenhamos de pagar um preo alto por essa conquista. O
usufruto desse prazer nos fez tambm acuados pelo medo e insegurana diante do
desconhecido que se descortinou, convindo avaliar os reflexos de toda essa
angstia do homem ps-moderno que ainda no incorporou os novos referenciais da
vida contempornea.
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Nessa reflexo, certamente no podemos deixar de considerar a
globalizao da economia e os seus significativos impactos na formao da
subjetividade social do homem. A falta de oportunidades de emprego, o
empobrecimento das populaes, o acirramento das desigualdades sociais fazem
parte dessa macroestrutura que passa, por sua vez, a afetar os prprios sujeitos, na
sua individualidade, na sua forma de pensar e sentir a vida. Esse quadro, acima de
tudo, tem se agravado com o srio problema das drogas, aqui entendido desde o
uso abusivo at o trfico.
Silva (2001, p.38), em sua anlise sobre a violncia, insistiu na
impossibilidade de se apreender a sua essncia em razo da existncia de suas
mltiplas e difusas camadas constitutivas. Na tentativa de definir seus contornos,
afirmou que
um complexo simblico e social s se torna inteligvel quando as explicaes para entend-lo e as propostas para resolv-lo no so isoladas analiticamente, mas integradas compreensivamente ao prprio objeto constitudo. O conjunto de tais verses agrega necessariamente novas propriedades ao objeto, tornando incua e ingnua toda tentativa de isolamento do fenmeno em suas manifestaes estruturais. exatamenteno interior contraditrio de suas multiplicidades interpretativas que o complexo se esclarece em suas propriedades multi facetadas e permite identificar as mltiplas causas que o condicionam.
Conceituar a violncia tarefa complexa uma vez que o seu significado
uma construo social modelado pela linguagem na qual estamos todos
mergulhados. Se o ato em si to antigo quando o prprio homem a sua conotao
simblica relativamente recente. Escobar (2003, p.192) procurou definir a
violncia, extraindo-a do territrio da agressividade e destacou o desequilbrio das
foras empregadas pelos sujeitos envolvidos, tanto no nvel fsico quanto no
psicolgico, afirmando que
podemos falar, portanto, de uma ao que leva coisificao do sujeito humano, um assujeitamento do ser ou de seres que desta forma perdem visibilidade enquanto sujeitos iguais nos seus direitos e demarcados por suas singulares diferenas.
Como fenmeno do mundo moderno e globalizado, a violncia hoje um
modo de relao, um modelo educativo, perpetuado e ensinado pelos prprios
atores sociais, nos seus diversos ciclos de vida. Alm de mobilizar as pessoas em
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torno de tragdias cotidianas, cantada em msicas populares e maquiada pelos
programas televisivos, despertando risos e aplausos de uma platia meio
anestesiada e pouco questionadora. Mello (2002) chamou a ateno para a relao
entre vida urbana, violncia e representao das identidades dos sujeitos, afirmando
que a distribuio geogrfica dos ricos e pobres na cidade, exibindo entre si luxo e
misria, incomodando uns aos outros e tendo acesso desigual aos objetos de desejo
ofertados, influencia profundamente a forma como cada grupo se percebe. O fosso
existente entre os ideais democrticos e essa violncia estrutural impregnada nas
relaes sociais, que naturaliza o direito de cidadania para apenas alguns, contribui
para a distoro dos olhares que entre si trocam ricos e pobres. O segmento pobre,
tido como inferior, arrasta outros adjetivos como diferente e perigoso, designaes
tomadas, nesse caso, como sinnimas.
Tem-se por certo que a violncia em nossos dias no particularidade do
mundo adulto. No meio desse turbilho mundano, a juventude, aberta s novas
aprendizagens e emoes, cercada pela seduo das drogas, tem sido atingida em
cheio. O preocupante aumento do consumo de drogas e o paralelo crescimento do
nmero de adolescentes no mundo do crime parecem haver se tornado uma
questo de abrangncia planetria. No Brasil, a gritante desigualdade social e o
aumento de sua populao infanto-juvenil pobre trouxeram como conseqncia, a
partir da dcada de 80, a invaso da esfera pblica por crianas e adolescentes que
passaram a demarcar novos territrios de socializao, mostrando cabalmente que o
lar no conseguia cumprir a sua misso de domesticar os cidados do futuro.
Violados em seus direitos fundamentais, foram batizados pelo estigma de menores
de rua, o que abriu para a sociedade um frtil campo simblico. Essa denominao,
tida a partir de ento como uma categoria analtica no discurso cientfico, facilitou a
instalao de toda sorte de prticas, consubstanciadas na explorao desses
menores pelos adultos.
O estigma comportava uma longa lista de vocbulos (pivetes, prostitutas,
vagabundos, marginais) que acabavam por direcionar para a minoria explorada a
responsabilidade pela sua existncia, ocultando, estrategicamente, seu mecanismo
de produo. O estigma provoca uma demarcao clara de espaos, hierarquizando
as relaes atravs das prticas discursivas que o sustentam. Segundo Foucault
24
-
(1999, p.164), a formao dos discursos e a genealogia do saber devem ser
analisados a partir no dos tipos de conscincia, das modalidades de percepo ou
das formas de ideologia, mas das tticas e estratgias de poder. A fronteira entre o
exerccio do poder e a violncia tnue. Se, de uma forma escancarada, alguns
menores de rua ingressaram na marginalidade, reescrevendo e reafirmando seu
autoconceito estigmatizado que em ltima instncia o nico vis que lhes
confirma como pessoas por outro lado, um novo fenmeno se desenrolava,
protegido pelo silncio da classe social favorecida: o fato de que um grande nmero
de adolescentes considerados ricos passavam a cometer atos infracionais graves
cada vez com mais freqncia. E assim, a violncia praticada por adolescentes
deixava exposta a dura realidade do pas.
Volpi (2002) apresentou uma pesquisa quantitativa sobre o perfil do
adolescente brasileiro privado de liberdade, no perodo de outubro de 1995 a abril de
1996, envolvendo vinte e seis estados e o Distrito Federal, realizada pelo Movimento
Nacional de Meninos e Meninas de Rua/DF, com apoio do UNICEF. Os resultados
informaram que 73,3% do universo pesquisado era procedente de famlias que
tinham uma renda de at dois salrios mnimos; 82,8% encontravam-se na faixa
etria de 15 a 18 anos; 94,8% eram do sexo masculino; 15,4% eram analfabetos;
53% eram usurios de drogas; 42% eram procedentes das capitais. Segundo essa
pesquisa, o roubo foi a prtica infracional que mais ocasionou a privao de
liberdade, correspondendo a um percentual de 33,4%, contra um percentual de
19,1% de atos praticados contra a pessoa humana.
Godoy (2002) fez referncia no jornal O Estado de So Paulo a um
estudo feito pela Secretaria de Segurana Pblica de So Paulo sobre os principais
crimes cometidos exclusivamente por menores de idade, nessa capital, em 2001. O
estudo destacou que, sozinhos, eles foram responsveis por 2,7% do total de crimes
registrados pela Polcia Civil, com participao importante na estatstica de
homicdios e latrocnios, respondendo por 4,8% do total dos casos. Ainda com
relao ao mesmo ano, a Polcia Militar paulista informou que foram registrados
29.107 casos qualificados de atos infracionais praticados por menores de idade, em
um total de quatro milhes de ocorrncias atendidas no estado.
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Em relao ao Estado do Cear, no que tange violncia praticada por
adolescentes, constata-se que o perfil do autor de ato infracional no se distancia do
perfil do adolescente brasileiro nessa condio, o que se comprova nos diferentes
estudos realizados. O crescimento da capital cearense tem sido grande nos ltimos
anos e a condio de misria da maioria de seus habitantes se expande em igual
medida. A urbanizao de seus espaos e o fortalecimento do turismo tm atrado
no s o turista, mas tambm um elevado nmero de famlias pobres das zonas
rurais. A lacuna nas polticas sociais bsicas habitao, trabalho, educao,
sade, lazer, etc e a proliferao de favelas tm tido como conseqncias graves
a elevao dos nveis de violncia de um modo geral e a facilitao do ingresso do
adolescente cearense no mundo do crime.
A transcrio numrica da realidade cearense nessa rea pode ser
melhor compreendida a partir dos dados estatsticos1 do ano de 2003, relativos ao
adolescente envolvido com a prtica infracional. Foram encaminhados para a
Unidade de Recepo Lus Barros Montenegro da Secretaria da Ao Social 1875
adolescentes acusados da prtica de ato infracional, dos quais 1444 encontravam-
se na faixa etria de 15 a 17 anos, o que correspondeu a um percentual de 77%
desse universo. Vale ressaltar, ainda, que os adolescentes dessa faixa de idade
foram responsveis por 84 crimes que culminaram com a morte da vtima.
A violncia extrema, como expresso da ao humana, revela a viso de
mundo e de homem que banaliza a vida e elimina a tica como suporte para as
relaes pessoais. A consolidao do padro relacional centrado na violncia que
parece naturalizado no mundo moderno hoje o modelo de educao de uma
sociedade que, apesar de perpetu-lo, recrimina-o e exige a sua erradicao.
Verificamos, com base nesses dados, que a quase totalidade dos
adolescentes atendidos eram do sexo masculino, perfazendo um total de 90,6%.
Podemos buscar na construo dos papis de gnero uma das explicaes para
esse fato. A agressividade eleita para compor a identidade masculina sendo,
diretamente, associada violncia. O resultado desse movimento culturalmente
1 Unidade de Recepo Lus B. Montenegro/SAS Estatstica anual
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construdo, amparado pelos parmetros da competitividade e sucesso, a formao
de homens condenados a ser violentos porque retiraram da agressividade seu
contedo positivo.
A realidade institucional mostra que a quase totalidade dos adolescentes
privados de liberdade pertencem classe social menos favorecida, embora existam
registros de garotos sentenciados com medida de internao, provenientes de
famlias com boa condio financeira. Igualmente verdade que um nmero
significativo deles so procedentes de famlias cujos pais biolgicos no vivem
juntos e a me assume um papel expressivo quanto responsabilidade financeira
da casa. O enfraquecimento ou a ausncia da figura paterna na vida desse
adolescente e o maior espao que a figura materna passa a ocupar na sua vida
parecem explicar a maior aproximao desta no seu acompanhamento durante o
perodo de internao.
Apesar de ainda ser o adulto o maior responsvel pelo cometimento da
violncia, os destaques da imprensa para a realidade acima descrita e os enfoques
errneos feitos pela mesma sobre o Estatuto da Criana e do Adolescente esto
contribuindo sobremaneira para a formao de uma atitude de revolta social para
com o adolescente infrator e para a imagem que tem sido elaborada sobre ele e
por ele prprio. De tal forma essa situao se consolida no imaginrio social que,
apesar de a realidade numrica informar que o adolescente muito mais vtima do
que autor de violncia, o mito de sua periculosidade e impunidade tem se
sobreposto aos fatos. A populao credita ao adolescente uma elevada parcela dos
crimes praticados no pas, deixando de se indignar com o ndice elevado da
violncia a que submetido.
Estudo sobre violncia, realizado pela UNESCO, relativo aos anos de
1979 a 1996, constatou que significativamente superior o percentual de mortes por
homicdios e outras violncias entre jovens de 15 a 24 anos, se considerada a
populao em geral. Em relao aos dados colhidos por esse estudo, Waiselfisz
(1998, p.37) informou que no pas, em 1996, 35% das mortes de jovens tiveram sua
origem em homicdios e outras violncias, quando para o conjunto das idades essa
taxa foi de 6,4%. Nesse campo adquiriram trgica relevncia as regies Sudeste e
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Nordeste, onde 40.3 e 33,1% dos jovens, respectivamente, morreram por essa
causa.
Alm da violncia concreta, fsica, que muitas vezes ceifa a vida de
muitos adolescentes brasileiros, podemos voltar o pensamento para a violncia
difusa, no nomeada, mas estampada no rosto do pas, aquela que fruto da nossa
gritante desigualdade social. Brando (2000) acrescentou a essas consideraes
uma reflexo sobre o processo de vitimizao indireta a que esto submetidos os
adolescentes, em decorrncia de a sua condio de excluso social oferecer uma
baixa proteo contra seu ingresso no mundo do crime. Assim sendo, seu trabalho
mostrou que um elevado nmero de adolescentes internados na Febem de So
Paulo tinha baixa escolaridade (apenas 2,7% estavam acima da 8 srie) e que um
expressivo nmero de adolescentes negros eram pertencentes a famlias com renda
mensal inferior s mdias do municpio.
Segundo o pesquisador, o nmero de internos na Febem de So Paulo
em 1995 era de 2104, chegando a 3968 em 1999, o que representou cerca de 53%
dos adolescentes internados no pas. Avanando na anlise dessa violncia
estrutural que se abate sobre aqueles de baixo poder aquisitivo, Brando levantou a
hiptese de que esse crescente numrico registrado tambm pode ser devido, entre
outras causas, ao reduzido nmero de procuradores que o Poder Judicirio
disponibiliza para a defesa dos adolescentes.
O Estatuto da Criana e do Adolescente ECA, promulgado em 1990,
reconhece como adolescente toda pessoa que se encontra no intervalo etrio entre
12 e 18 anos, podendo, excepcionalmente, ser aplicado a pessoas entre 18 e 21
anos de idade. Por essa razo, somente a partir do limite mnimo de 12 anos,
poder uma pessoa estar sujeita a uma medida privativa de liberdade. Essa medida
s determinada diante do cometimento de ato infracional grave correspondente a
outro definido como crime no mundo adulto. Aps essa sentena judicial, o
sentenciado poder passar at trs anos em uma unidade fechada, perodo que
chega a corresponder metade de sua adolescncia.
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Uma instituio cerceadora da liberdade e detentora do controle do corpo
j tem por si s o peso da definio daqueles que abriga. Embora as diretrizes legais
exijam que as unidades de atendimento ao adolescente infrator sejam espaos
educativos e facilitadores do seu desenvolvimento (Brasil, 1990), estas, em geral,
so a face concreta e cruel do poder. Segundo Foucault (1999, p.73), a sua
existncia a prova da dominao serena do Bem sobre o Mal, da ordem sobre a
desordem. O contato com o adolescente que se encontra privado de liberdade por
prtica de ato infracional revela nas entrelinhas o seu auto-retrato, cujo processo de
elaborao se d de forma inconsciente.
Uma grande inquietao de todos aqueles que trabalham com esses
adolescentes a reincidncia. difcil entender por que a opresso de um centro
educacional, a solido, as dores experienciadas, os inmeros planos de fuga e,
finalmente, a to esperada alegria pela conquista da liberdade, no so suficientes
para afastar a escolha de retornar ao mesmo lugar e por que o adolescente comete
novas infraes graves, expondo-se ao risco tangvel da volta. As razes podem ser
complexas, mas h algo que certamente parte intrnseca desse retorno: a
autodefinio. O autoconceito, quando est alicerado sobre um estigma, parece
recair sobre a pessoa como uma profecia negra, minando-lhe a crena em suas
potencialidades, levando-a exausto e, finalmente, desistncia de se redimir
perante o outro. A auto-estima atingida poder esmagar o homem que, muitas
vezes, para evitar isso, transforma a sua identidade negativa em fora propulsora
para sua vida.
A identidade marginal adquire um valor invertido, motivo de orgulho e
reconhecimento do jovem entre seus pares, ao mesmo tempo em que se transforma
em crcere dentro do qual ele abdica de suas esperanas de libertao. Watzlawick
(1967, p.76) ressaltou que as pessoas, no nvel de relao, no comunicam sobre
os fatos situados fora de suas relaes, mas oferecem-se mutuamente definies
dessa relao e, por implicao, delas prprias. Segundo o autor, a percepo que
uma pessoa tem de outra e a forma como ela a expressa influenciar a
autopercepo. Esse um processo dinmico e contnuo que se estabelece em
todas as trocas relacionais, alm de ser um elemento estruturante de toda definio
de eu em nvel coletivo e individual.
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A sociedade, pressionada por esse crescente de violncia e acuada
diante de seus jovens infratores, tem passado a desacreditar neles, tambm
formando sobre eles um conceito negativo que lhes transmitido ininterruptamente.
Assim, esses adolescentes esto condenados, at por si prprios, a se movimentar
nos limites de um estigma perverso cada vez mais difcil de romper. Quando se
estigmatiza algum, estabelece-se uma linha separatria entre ele e os demais,
ditos normais. Vejam-se as palavras de Goffman (1988, p.15) a esse respeito:
acreditamos que algum com um estigma no seja completamente humano.
O cotidiano desse trabalho nos fez testemunhar uma srie de aspectos
que so indicativos do funcionamento dessa identidade marginal. Alm do elevado
nmero de adolescentes que reincidem na prtica infracional, verificamos que os
apelidos com os quais so batizados tambm traduzem esse autoconceito. A quase
totalidade dos apelidos so de cunho depreciativo, absolutamente distintos daqueles
com os quais so apelidados os adolescentes de classe social mais favorecida.
Verificamos tambm que seus corpos so tatuados com imagens e palavras que
destacam o tema violncia e morte. Assim, fica expresso na linguagem verbal e no-
verbal de cada jovem que cometeu ato infracional a denominao de infrator.
Quando um adolescente pratica um ato infracional, o que passa a ser
considerado no mais a sua ao, que tem um sentido circunstancial, mas ele
prprio, rotulado pela ao que o adjetivar a partir de ento. Esse movimento se
far no sutil contorno entre as esferas do ESTAR e do SER e ter conseqncias
importantes em sua vida. O grande desafio de um adolescente privado de liberdade
passa a ser, em primeira instncia, a desconstruo do estigma que sobre ele pesa
para que possa em seguida resignificar sua identidade negativa. O espao relacional
o espao da comunicao. Atravs da linguagem, os homens expressam
pensamentos, percepes e sentimentos sobre si prprios e sobre a realidade que
os envolve, tornando possvel a elaborao das representaes sociais,
conhecimento comum que possibilita aos grupos a criao de laos identificatrios, a
partir da viso de mundo que partilham e que lhes orienta e justifica a conduta.
Adolescente infrator uma das representaes sociais criadas para
responder ao fenmeno crescente do ingresso do adolescente no mundo do crime.
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Na condio de sistema de valores, idias e prticas, essa representao permite
aos homens a construo da alteridade, ou seja, daquilo que passam a definir como
diferente de si. Trata-se, pois, de um emaranhado simblico que vai alm do
concreto para adentrar as dimenses psicolgica, social e cultural dos grupos,
contendo em seu bojo a articulao entre a realidade e a lenda, a racionalidade e a
emoo dos homens.
Nesse processo de mesclagem entre o individual e o coletivo que recorta
de cada um o consciente e o inconsciente, torna-se possvel a elaborao de
smbolos que serviro de base para que os sujeitos sociais signifiquem o mundo e
possam apreend-lo, ao mesmo tempo em que nele descobrem seu territrio e o
lugar do outro. Jodelet (2001, p.22) procurou simplificar o complexo que existe na
definio das representaes sociais, sintetizando-a como uma forma de
conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prtico, e que
contribui para a construo de uma realidade comum a um conjunto social.
O fato de o Brasil possuir um avanado instrumento jurdico na rea dos
direitos da criana e do adolescente tem provocado um crescente interesse por esse
segmento da populao em diversos ramos do conhecimento, tais como o direito, a
psicologia, a pedagogia, a sociologia, entre tantos. O ECA foi gestado em um tempo que testemunha a marcha dos adolescentes brasileiros no territrio do crime, o que
, no mnimo, um convite a uma pausa para reflexo. Em paralelo, o correspondente
aprofundamento no estudo das representaes sociais por pesquisadores brasileiros
tem oportunizado a realizao de um espesso nmero de pesquisas amparadas por
esse referencial terico que elegem como objetos de investigao o adolescente
infrator, seus familiares ou educadores (ALVES e OLIVEIRA, 2003; LIMA et al, 2003;
GOMES et al, 2003; BARROS e GONTIS, 2003; ESPNDULA e SANTOS, 2003).
Estudos dessa natureza vm tornando possvel ampliar o entendimento de como
esses atores sociais elaboraram sua compreenso sobre temticas relacionadas aos
adolescentes envolvidos com a prtica infracional, produzida no campo dos
encontros humanos e mediada pelo complexo sistema miditico de informaes.
Em relao, portanto, produo e circulao da representao social de
adolescente infrator, a mdia tem exercido esse papel com merecido destaque
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atravs da imprensa falada e escrita, na medida em que anuncia estatsticas,
comentrios e imagens sobre o jovem autor de ato infracional, apoiada na prpria
realidade do aumento de sua participao no mundo do crime. A circulao dessa
representao d vazo a uma elaborada teoria de causalidade que muitas vezes
adentra o campo moralista do senso comum, deixando de fora a leitura crtica de
seu mecanismo de elaborao. Por oportuno, convm aqui indagar: Qual a idia que
infratores e suas mes tm sobre as causas geradoras de um adolescente
infrator? At que ponto ambos os grupos consideram possvel que o adolescente
que cometeu ato infracional seja capaz de elaborar um projeto de vida que no
perpasse pela infracionalidade?
As indagaes acima podem ser agrupadas em torno de
questionamentos mais amplos, cujas respostas sejam buscadas na seara das
cincias. Nesse sentido, elegemos como objetivo desse estudo apreender as representaes sociais sobre adolescente infrator elaboradas por adolescentes infratores e suas mes, assim como verificar a importncia dessas representaes nos espaos comunicacionais e como diretriz para seus comportamentos.
Destacamos a relevncia deste trabalho medida que poder ser
utilizado como instrumento pedaggico para se trabalhar com adolescentes, vez que
sugere pistas para uma reflexo crtica sobre o processo de formao das
representaes sociais, levando em conta a possibilidade de sua desconstruo,
razo por que constitui um caminho para a transformao dos atores sociais.
Ressalte-se ainda que poder contribuir para a orientao de programas oficiais
voltados a adolescentes que cometem atos infracionais, possibilitando a
conscientizao dos atores institucionais sobre as conseqncias do estigma na
formao da personalidade.
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Uma, e apenas uma capacidade ser negada ao homem: a de ser inconseqente.
Portanto, no lhe ser facultada a capacidade de fazer desaparecer os efeitos e as
conseqncias das magias. Haver sempre um dbito a ser pago pela mente, e / ou
pelo corpo, e / ou pelos outros homens.
A estria ser construda sobre o enredo da histria: ser a sua verso trgica ou
sua verso cmica, mas ser sempre a sua verso. No ser, portanto, o homem,
produto mecnico e automtico, nem de sua particular histria, nem da Histria.
Quando a construo da histria for insuportavelmente dolorosa, vazia ou
vergonhosa, os afastamentos podero ser to extremos que a estria resultante
costuma chamar-se insana.
Di Loreto.
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CAPTULO 2
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REFERENCIAL TERICO
2.1 SOBRE A TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS
Este estudo ter como eixo central de suas reflexes a Teoria das
Representaes Sociais formulada por Serge Moscovici (1978), com o intuito de
contribuir para uma maior compreenso da problemtica do adolescente autor de
ato infracional. A escolha desse referencial terico se deu em razo de estarmos
lidando nesse estudo com a dimenso simblica elaborada pelos atores sociais nos
espaos comunicacionais e por ser esta, em tese, determinante de suas atitudes nos
aspectos afetivo, cognitivo e comportamental.
A violncia praticada por adolescentes , na verdade, o fenmeno aqui
estudado, sendo dele recortado um aspecto especfico para se constituir como tema
de investigao. Em razo de sua amplitude, o fenmeno impalpvel, podendo ser
apreendido apenas parcialmente, a partir da delimitao de seus mltiplos aspectos
submetidos ao controle da investigao. O objeto de representao social deste
estudo ser o adolescente infrator, dada a importncia que essa temtica vem
adquirindo no contexto cultural do mundo inteiro, o que tem lhe dado uma
significativa espessura social.
No final do sc. XIX, Durkheim escreveu o livro O Suicdio, no qual
reconhecia o crescente da fora individual sobre o todo social, em razo do
desmonte do feudalismo, que se deu aps a Revoluo Industrial. Apesar dessa
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constatao, no sculo seguinte, o autor elaborou o conceito de representao
coletiva, situando-o como um conhecimento comum, gestado socialmente, que
possibilita uma forma homognea de pensamento e comportamento entre os grupos
humanos. Permaneceu fiel concepo da primazia do coletivo sobre o indivduo,
provavelmente em razo de viver em uma poca de predominncia dos referenciais
positivistas das cincias psicolgica e social, quando qualquer abordagem do
homem e do ambiente social passava por uma vertente explicativa mecanicista.
O seu pensamento sofreu forte influncia da perspectiva dicotmica que
fazia uma ntida demarcao entre pessoa e sociedade. Para ele, a sociedade era
entendida como um ente vivo, capaz de sentimentos e idias prprias e, por esse
prisma, capaz de fazer valer a sua verdade sobre as verdades menores de cada
homem. Conforme Durkheim (1978, p.79),
as representaes coletivas traduzem a maneira como o grupo se pensa nas suas relaes com os objetos que o afetam. Para compreender como a sociedade se representa a si prpria e ao mundo que a rodeia, precisamos considerar a natureza da sociedade e no a dos indivduos.
Na separao que fez entre as representaes coletivas e as individuais,
o socilogo procurou demarcar os campos da sociologia e da psicologia, voltando
seu interesse para a primeira, porquanto acreditava ser possvel analisar e
compreender a realidade social luz da objetividade cientfica. Apesar de suas
idias terem adormecido silenciosas por algumas dcadas, Durkheim contribuiu, de
forma significativa, para o estabelecimento das relaes entre a sociologia e a
psicologia social.
Moscovici (2001), reconhecendo a importncia do pensamento do
socilogo atrs mencionado para o estudo da relao entre o conhecimento do
senso comum e o comportamento humano, passou a considerar que, na gnese
dessa teoria, seria possvel buscar uma nova verdade para a cincia dos homens. A
sua percepo do mundo moderno, caracterizado pelo dinamismo de constantes
mudanas, foi decisiva para a leitura crtica que fez das idias de Durkheim sobre as
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representaes coletivas, elaborando, a partir de ento, o conceito de
representaes sociais.
Para Moscovici (2003, p.49), as representaes sociais so fenmenos
especficos que esto relacionados com um modo particular de compreender e de se
comunicar um modo que cria tanto a realidade como o senso comum. No
contnuo processo das trocas interacionais, os sujeitos sociais vo produzindo
prticas cotidianas que estruturam a formao de valores e comportamentos,
atravs dos quais cada indivduo apreende o mundo e o significa. Assinalou com
isso o poder do homem sobre seu mundo, enfatizando seu potencial criador e
transformador e sua capacidade de participar ativamente da construo da histria.
O autor pensou nas representaes sociais como um fenmeno social
tecido pelo homem, sendo que, ao mesmo tempo em que o antecede, o sucede no
curso da histria, renovando-se como uma criao contnua, portadora das marcas
de todos os outros saberes que procuram explicar as indagaes humanas. Nesse
sentido, estamos condenados a produzir e reproduzir representaes, uma vez que
estamos inscritos no ambiente sociocultural de uma dada sociedade, no seu
substrato lingstico, na rede de signos e smbolos eleitos para ver, sentir e interagir
com o mundo. Cotejando as dimenses psicolgica e social das representaes,
Moscovici (2003, p.211) afirmou que
elas possuem um aspecto impessoal, no sentido de pertencer a todos; elas so a representao de outros, pertencentes a outras pessoas ou a outro grupo; e elas so uma representao pessoal, percebida afetivamente como pertencente ao ego.
De acordo com Farr (1995, p.44), a teoria de Moscovici freqentemente
classificada, com muita propriedade, como uma forma sociolgica da Psicologia
Social. O estreito intercmbio estabelecido por Moscovici entre as duas cincias
nos aspectos individual e social, zonas indivisveis na produo do saber popular,
serviu para abrir um novo campo de estudos interdisciplinares dentro da Psicologia
Social, constituindo-se hoje uma referncia terica para um grande nmero de
trabalhos desenvolvidos por psiclogos nas reas das relaes sociais,
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comunicao, linguagem, difuso de saberes, entre outras. O processo de
transformao de representao coletiva em social traduz, certamente, o prprio
caminho da humanidade. Alm das fronteiras que delineiam uma verdade defendida,
fasca algo que no particularidade de um determinado autor, mas faz parte do
legado atemporal do homem para o homem. assim no campo cientfico, filosfico,
religioso e artstico.
Jodelet (2001, p.22) reconheceu a complexidade de elementos que se
agregam na composio das representaes sociais e criou uma definio que
procura dar conta de sua totalidade, afirmando que
como fenmenos cognitivos, envolvem a pertena social dos indivduos com as implicaes afetivas e normativas, com as interiorizaes de experincias, prticas, modelos de condutas e pensamento, socialmente inculcados ou transmitidos pela comunicao social, que a ela esto ligados.
As representaes sociais articulam a realidade externa e interna do
sujeito, estando por essa razo prenhes das emoes atravs das quais ele
consegue perceber o mundo e lhe atribuir sentidos de verdade. Assim sendo,
podemos destacar a sua dupla natureza: como sociais, so a produo consensual
dos humanos; como restrita aos afetos individuais, so testemunho da sua
capacidade de recriao da realidade.
O cometimento de ato infracional por adolescentes passou a exigir um
olhar especial dos estudiosos, uma vez que, pela sua magnitude, encontra-se hoje
nas representaes no s dos diversos segmentos sociais, mas tambm nas dos
prprios adolescentes denominados infratores e de seus familiares mais prximos.
O ingresso do adolescente no mundo do crime e a criao da representao social
de adolescente infrator obrigaram a sociedade a elaborar um conhecimento sobre
o problema em si, na tentativa de compreend-lo e assim poder conviver com a sua
concretude. A sua realidade toma forma emergindo da pluralidade do social ao
mesmo tempo em que se materializa, fazendo a travessia pela subjetividade do
homem,ou seja, penetrando na fronteira dos afetos, dos desejos e das iluses.
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2.2 SOBRE A FUNO DAS REPRESENTAES SOCIAIS
Moscovici (2001, p.63), ao falar das representaes sociais nas
sociedades modernas, afirmou que elas ocuparam a lacuna dos mitos e lendas.
Durante um longo intervalo de tempo, esses saberes ofereceram aos povos as
explicaes para a origem da vida e do universo, sendo transmitidos por aqueles a
quem era conferido o direito de faz-lo. A contemporaneidade dispe de uma
poderosa tecnologia para a produo e transmisso do conhecimento. Se por um
lado a cincia supera a cada dia seus prprios limites, reelaborando as noes de
verdade j estabelecidas, por outro, a dinmica da comunicao, cada vez mais
ousada e criativa, dilata os contornos da linguagem humana, permitindo
imaginao um vo inimaginvel.
Nbrega (1990) citou as duas grandes funes atribudas por Moscovici
em 1961 s representaes sociais, que justificavam a sua importncia para a vida
social: funo do saber e funo de orientao. Os homens precisam fazer uma
leitura comum da complexa realidade social, tendo uma certeza razovel de que a
compreendem e podem lidar com ela. De outra forma, no seria suportvel viver a
vida, em razo de que seriam invadidos pela angstia do estranhamento frente aos
estmulos recebidos. As representaes sociais funcionam, pois, como um anteparo
protetor, permitindo aos homens que elaborem um saber comum por meio do qual
explicam os fatos com que deparam no cotidiano. A explicao da realidade d
sentido ao mundo e, estando posta aos olhos de todos, os homens no podem
aguardar que aqueles legitimados a proclamar a verdade o faam, para,
posteriormente, apenas aceitarem-na. Eles precisam da verdade, imediatamente,
razo pela qual se antecipam na sua gestao e a partilham. nesse sentido que
podemos pensar a funo do saber das representaes sociais.
De acordo com Abric (1998), a funo de orientao da conduta est
relacionada ao complexo cognitivo que envolve a formao das representaes
sociais. Nesse sentido, a sociedade organiza o seu conjunto de valores que lhe
permite um horizonte de pensamentos, sentimentos e comportamentos a serem
adotados diante da realidade.
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O autor acrescentou mais duas funes s representaes sociais: a
identitria e a justificadora. Em relao primeira, trabalhou a idia de que as
representaes sociais mobilizam o sentido de pertena, vital para todos os homens.
As duas funes, inicialmente propostas por Moscovici, conduzem terceira,
medida que a partilha de explicaes da realidade e do sistema de valores que
orientam as prticas permite a criao de laos grupais que identificam os grupos e
seus membros. A propsito da funo justificadora, pode-se afirmar que, se atravs
das representaes sociais, os indivduos podem antecipar sua ao sobre a
realidade, da mesma forma, podem justific-la aps realizada. Nesse sentido, Abric
(1998, p.30) assinalou que a representao tem por funo preservar e justificar a
diferenciao social, e ela pode estereotipar as relaes entre os grupos, contribuir
para a discriminao ou para a manuteno da distncia social entre eles.
Cabe aqui um parntese para tratar dos esteretipos e da forma como
interferem nas relaes intergrupais. Schulze (1996, p.114) os incluiu num amplo
processo de categorizao, afirmando que este processo tem, como sua principal
funo, simplificar ou tornar sistemtica a abundante e complexa quantidade de
informaes que o organismo humano recebe do ambiente. Dessa forma, a
categorizao se presta demarcao dos territrios grupais e fornece diretrizes de
como os homens devem agir uns com os outros.
Os esteretipos, se atrelados a preconceitos, intensificam o nvel de
conflito entre esses espaos, enrijecendo as fronteiras que os separam, criando para
cada grupo um sistema de valores prprios e produzindo a formao de uma
identidade grupal. A categorizao de uma pessoa por um estigma est imersa
nessa reflexo sobre as representaes sociais. Assim, a imputao de um estigma
ser feita mediante toda a incorporao j realizada das estruturas do mundo social
nesse sentido, um produto delas e tambm contribuir para o reforo e
manuteno dessas estruturas, sendo, por esse ngulo, produtora da
representao. O indivduo estigmatizado tender a incorporar sua identidade a
mesma crena que o outro tem dele. Segundo Goffman (1988, p.16),
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os seus sentimentos mais profundos sobre o que ele podem confundir a sua sensao de ser uma pessoa normal, um ser humano como qualquer outro, uma criatura, portanto, que merece um destino agradvel e uma oportunidade legtima .
Esteretipos e estigmas contribuem para intensificar conflitos e polarizar
os grupos sociais, delineando a alteridade. Esse outro negativo adquire uma
importncia fundamental nas sociedades humanas, pois funciona como o lugar no
qual podemos depositar aquilo que no aceitamos em ns ou que no queremos
para ns. Possibilita-nos, pois, usufruir a sensao de conscincia tranqila de que
somos homens de bem. A partir do que est sendo aqui discutido sobre as
representaes sociais e suas funes e, em especial, a essa referncia aos
desdobramentos da funo justificadora, entendemos que as representaes sociais
sobre o adolescente que cometeu ato infracional e a que ele prprio forma de si
mesmo estaro evidentes em todos os discursos lingsticos, atitudes e expresses
corporais a ele relacionados e por ele assumidos.
Moscovici (1996) assinalou que todas as pessoas e grupos sociais
buscam o reconhecimento de sua existncia e, mais que isso, buscam a aprovao
e o bem-querer. A grande questo que, quando pessoas ou grupos se tornam
transparentes como minorias sociais, perdem as chances de aprovao e afeto
pelas maiorias. Ainda assim, muitas vezes, correm os riscos inerentes a essa
desqualificao, construindo foras ativas e estratgicas, tirando disso proveito
prprio. Em razo da descrena que sobre elas se abate, as minorias aprendem a
criar couraas resistentes que as habilitam a conviver com essas situaes de
desconforto, passando a ignorar sua falta de crdito e apreciao.
Vale lembrar que a representao que delimita os grupos pelo
estabelecimento da alteridade acontece ao mesmo tempo nos diferentes espaos
que se criam. A partir disso, cada uma dessas funes citadas ser posta em
movimento paralelo. Cada grupo se instrumentalizar com seus prprios recursos,
construindo seus confins e seu pertencimento, percebendo a si e ao outro com o
olhar que tomaram por emprstimo do substrato cognitivo-afetivo do tecido social
que j est, por sua vez, modelado pela contribuio individual subjetiva de cada
sujeito. A compreenso de como o adolescente autor de ato infracional e sua me
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elaboram a representao adolescente infrator permitir melhor entender os seus
processos comunicacionais, os seus comportamentos e o seu movimento dentro do
palco das minorias.
2.3 SOBRE O PROCESSO DE FORMAO DAS REPRESENTAES SOCIAIS
Ao criar a sua teoria sobre o saber do senso comum, Moscovici (2003)
tambm se ocupou em analisar a forma como as representaes sociais se
estruturam, concebendo duas etapas gerais nesse processo: objetivao e
ancoragem. Essas etapas, na verdade, no esto separadas ou hierarquizadas, mas
articuladas, sendo estudadas individualmente apenas com fins didticos. Envolvem
os aspectos figurativo e simblico, a articulao entre as dimenses psicolgica e
social, o esforo e a necessidade humana de lidar com o real, o concreto, o familiar,
de modo a dar sentido ao mundo. Na possibilidade de desmembramento desses
processos, poderamos caracterizar a objetivao como o processo de formao de
imagens, no qual o sujeito d corpo visual ao que lhe abstrato; relativamente
ancoragem, podemos caracteriz-la como o processo de tornar familiar o
desconhecido, no qual o sujeito integra o novo ao sistema cognitivo j existente.
Vala (2000, p.465) discorreu sobre a objetivao e as fases de construo
seletiva, esquematizao e naturalizao, destacando que o sujeito apreende do
contedo terico do objeto alguns elementos para relacion-los com os outros,
agregando-os em um sistema de imagens antes de atribuir ao objeto o carter de
natural, guardando uma relativa coerncia. Segundo suas palavras, no s o
abstrato se torna concreto atravs da sua expresso em imagens e metforas, como
o que era percepo se torna realidade, tornando equivalente a realidade e os
conceitos".
esse um desenho mental que fazemos, metaforicamente, da realidade
externa que nos circunda, em nossa incansvel tentativa de internalizar o que
palpvel no mundo. Em relao ancoragem, Vala lembrou que esta pode,
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igualmente, ser considerada anterior ou posterior objetivao, enfatizando a
articulao dialtica que as mantm unidas. Justificando a posio anterior da
ancoragem, o autor ressalta que, medida que o sujeito no se encontra inserido
em um vazio mental, mas contaminado pelo seu universo simblico, antes de
desenhar o esquema icnico do objeto, j o faz ancorado em esquemas conceituais
j consolidados em seu meio. No que tange posio posterior, o autor a situou
como etapa subseqente ao movimento do sujeito de construir sua estrutura
imagtica para, em seguida, ancor-la na bagagem conceitual j existente no seu
contexto social. Jovchelovitch (2000, p.82) enriqueceu a compreenso desses
processos que esto na gnese das representaes sociais afirmando que
Objetivar condensar significados - diferentes que podem ser ameaadores, ou indizveis para faz-los familiares, domesticados. Ao assim fazer, sujeitos sociais ancoram o desconhecido em uma realidade j institucionalizada e deslocam a geografia de significados estabelecidos que as sociedades lutam para perpetuar.
Objetivando e ancorando, os sujeitos fazem investimentos simblicos
sobre os fenmenos emergentes do seu contexto social, favorecendo o intercmbio
entre o senso comum e a cincia, dada a porosidade de suas fronteiras. Pela
comunicao interpessoal e intergrupal, fazem circular as representaes que
conseguem elaborar sobre a novidade, saciados pela sensao de dominao do
desconhecido. Apesar de no se dar conta, o homem o criador da realidade que
no existe em si, mas guarda consistncia e significado pela traduo que lhe
dada, no inesgotvel processo comunicacional das criaturas sociais.
Quando Vala (2000) fez referncia ancoragem das representaes
sociais no sistema de comunicao, citando a difuso, a propagao e a
propaganda como as formas pelas quais circulam, igualmente ressaltou o carter
consensual, hegemnico ou polmico que assumem a partir de ento. Pela difuso,
as mensagens so lanadas sem vnculo entre o emissor e o receptor, atingindo
vrios pblicos e suscitando pontos de vista variados, o que possibilita a formao
de opinies.
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Pela propagao, as mensagens, j estruturadas, so dirigidas a um
grupo especfico como argumento de defesa da idia, possibilitando a formao de
atitudes em relao a determinado fenmeno e a antecipao do comportamento, de
modo a manter o vnculo entre emissor e receptor. Pela propaganda, a mensagem
circula, gerando conflitos, separando grupos e atribuindo-lhes uma identidade
positiva ou negativa. nesse trmite que se d a formao de esteretipos no
como uma categoria criada pelo grupo, mas para ele.
Vala (2000, p.493) comentou ainda o crescente papel da televiso na
estruturao do carter hegemnico de determinadas representaes sociais e a
forma como essa modalidade de presso influencia os comportamentos humanos.
Em sua viso, a expresso do audiovisual mergulhou-nos num mundo de rostos,
imagens e smbolos, nos quais se inscrevem as idias mais abstratas, conferindo-
lhes a materialidade de que necessitam para viver, reproduzir-se e tornar-se
realidade.
A televiso, como o meio de comunicao de massa mais popular,
incrustrada no seio de milhares de lares, veicula para uma infinidade de
telespectadores o rosto da violncia praticada por adolescentes. Esse fenmeno
adquire, ento, uma face material para a qual convergiro significaes emocionais
da populao e sobre a qual se formar uma teia de argumentaes que ajudaro
na sua descrio, na explicao de suas causas e no modelo de conduta esperada
para fazer-lhe frente.
Se as explicaes de causalidade encontradas so de natureza
individual, entendemos que isso influenciar as opinies e atitudes sociais no
tocante defesa da reduo da maioridade penal e o conseqente encarceramento
do adolescente no quase limite da infncia, manifestadas pelo regozijo frente s
torturas infligidas aos adolescentes por policiais ou populares. Ressalte-se que j
ganha corpo na sociedade a defesa da priso perptua ou pena de morte como
crena de que a reside a eliminao do problema. Se, por outro lado, as pessoas
ancoram as explicaes sobre o fenmeno em causas sociais, adotam atitudes e
condutas diferentes daquelas, numa flagrante mudana de tica. Segue, a esse
respeito, o pensamento de Vala (2000, p.481):
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Ora, quando os indivduos se questionam sobre fenmenos sociais como a pobreza, o desemprego, a sade, a violncia ou o insucesso escolar, acionam as teorias que coletivamente construram sobre estes mesmos fenmenos, e no quadro dessas teorias que procuram e estruturam as explicaes.
Marchon (2003), em uma reflexo sobre a violncia dos dias atuais,
dentro de uma leitura psicanaltica que articula o registro do inconsciente com o
comportamento manifesto, observou que a nossa iniqidade social custa caro.
Fabricamos misria, corrupo e violncia e internalizamos a culpa pela nossa
insanidade. Nos confins do interior humano, o reflexo da responsabilidade pelas
razes sociais da violncia conduz a uma postura que s vezes oscila entre a
crueldade e a impunidade. Somos seres cruis quando nos esmeramos em tratar
desumanamente os humanos, nossos irmos. Construmos crceres indignos para
prender os violentos e no volvemos nosso olhar para os que ali se contorcem. Por
outro lado, somos negligentes quando aceitamos tacitamente a impunidade como se
desejssemos conceder-lhes a liberdade, para sermos castigados pelo medo que
nos provoca a sua soltura. Afirmou Marchon (2003, p.50) que
Como ns sabemos que temos estas culpas, doentiamente deixamos milhares de criminosos sem punio e permitimos que os que so presos possam fugir com a maior facilidade. No h como escapar de nossa responsabilidade pessoal pelo que acontece no mundo social de que participamos.
A partir do que foi abordado acima sobre as representaes sociais,
podemos destacar como eixo fundamental de sua definio o fato de que consistem
no saber do senso comum, intimamente ligado comunicao. Se um determinado
fato social ganha consistncia, os sujeitos sociais tecem a sua prpria teoria sobre
ele, orientados por um modelo de pensamento prtico. Esse pensamento lhes
permitir edificar um substrato comum, a partir do qual podero compreend-lo,
domin-lo e se posicionar. Para usar a expresso weberiana, os grupos constroem
uma viso de mundo que aplaca a angstia frente ao novo, tornando-o familiar,
fortalecendo laos entre os indivduos e demarcando suas fronteiras.
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O que ento a verdade? Uma multido movente de metforas, de metonmias,
de antropomorfismos, em resumo, um conjunto de relaes potica e
retoricamente erguidas, transpostas, enfeitadas, e que, depois de um longo uso,
parecem a um povo firmes, canoniais e constrangedoras: as verdades so iluses
que ns esquecemos que o so, metforas que foram usadas e que perderam a sua
fora sensvel, moedas que perderam seu cunho e que a partir de ento entram
em considerao, j no como moeda, mas apenas como metal.
Nietzsche
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CAPTULO 3
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CAMINHO METODOLGICO
3.1 NATUREZA DO ESTUDO
Realizar-se- um estudo de campo exploratrio, de carter quantitativo e
qualitativo, embasado no referencial terico das representaes sociais, atribuindo-
se absoluta prioridade ao discurso dos sujeitos como fonte de informao para a
anlise das representaes que elaboram.
Respeitante a estudo exploratrio, cite-se a posio de Gil (1999, p.43):
as pesquisas exploratrias tm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e
modificar conceitos e idias, tendo em vista, a formulao de problemas mais