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LUCIANO CASTILLO memórias O INDISCRETO ENCANTO DE BUÑUEL NÚM. 010

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LUCIANO CASTILLO

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O INDISCRETO ENCANTO DE BUÑUEL

NÚM. 010

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O INDISCRETO ENCANTO DE BUÑUEL

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LUCIANO CASTILLO

LOS CUADERNOS DE CINEMA23 são projetados para coletar e registrar o conhecimento, a experiência e o pensar sobre o cinema. Eles têm o objetivo de proteger, compartilhar e promover a cultura e os vários trabalhos cinematográficos da América Latina e da Península Ibérica. Esta publicação é possível graças a participação dos integrantes do CINEMA23.

LUCIANO CASTILLONascido em Camagüey, Cuba (1955), Luciano Castillo é crítico e historiador cinemato-gráfico. Com um mestrado em Cultura Latino-americana, é membro da Unión de Escri-tores y Artistas de Cuba y de la Asociación Cubana de la Prensa Cinematográfica (União de Escritores e Artistas de Cuba e da Associação Cubana da Imprensa Cinematográfica, filial da fipresci). Colabora em inúmeras revistas especializadas. Tem espaços semanais sobre cinema cubano na rádio, na televisão e em sites web. Ministra conferências em universidades e instituições culturais de vários países, além de integrar o júri de distin-tos concursos (Mar del Plata, Valladolid, Nova Iorque, Guadalajara, Cartagena, Bogotá, Havana, Huelva, Lima, Guatemala, etc.). Publicou, entre outros, os livros: La verdad 24 veces x segundo (Ácana, 1989), Concierto en imágenes (Universidad Nacional Autónoma de Nicaragua, 1994), Con la locura de los sentidos. Entrevistas a cineastas latinoamericanos (Artesiete, 1994), Ramón Peón, el hombre de los glóbulos negros (Filmoteca de la unam, 1998), Entre el vivir y el soñar: Pioneros del cine cubano (Ácana, 2008), Cronología del cine cubano (en co-autoria com Arturo Agramonte, Ed. icaic, 2012-2016), Conversaciones con Jean-Claude Carrière (com Javier Espada, Ayuntamiento de Zaragoza, 2004), Carpen-tier en el reino de la imagen (Universidad Veracruzana, 2000), El cine cubano a contra-luz (Oriente, 2008), El cine es cortar (com o editor Nelson Rodríguez, Ediciones eictv, 2010), Trenes en la noche (Oriente, 2012), La biblia del cinéfilo (Arte y Literatura, 2015) e Retrato de grupo sin cámara (Oriente, 2016). Integrou a equipe de redatores e foi coorde-nador de Porto Rico no Diccionario del Cine Iberoamericano: España, Portugal, América (Madrid, 2011). É assessor de programação do Havana Film Festival de Nova Iorque. O Ministério da Cultura de Cuba lhe outorgou a distinção Por la Cultura Nacional (2013). Dirigiu a Mediateca André Bazin da Escuela Internacional de Cine y Televisión (1995-2014). Atualmente é diretor da Cinemateca de Cuba.

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NOTA:

Algumas entrevistas completas, que incluem muito mais sobre a colaboração dessas personalidades com Buñuel, foram publicadas da seguinte forma: 

Castillo, Luciano e Espada, Javier, Conversaciones con Jean-Claude Carrière, Ayuntamiento de Zaragoza, Área de Cultura y Turismo, 2004.

“Ángela Molina: los ojos de Picasso”, em: Castillo, Luciano, Trenes en la noche, Editorial Oriente, Santiago de Cuba, 2008.

“Con Delphine Seyrig, el año pasado (pero no en Marienbad)”, em: Castillo, Luciano, Trenes en la noche, Editorial Oriente, Santiago de Cuba, 2008.

“Francisco Rabal: Buñuel fue fundamental en mi vida”, em: Retrato de grupo sin cámara, Editorial Oriente, Santiago de Cuba, 2015.

“Manuel Barbachano Ponce o el ardor de crear”, em: Retrato de grupo sin cámara, Editorial Oriente, Santiago de Cuba, 2015.

Acaso, palavra-chave a qual recorreram o célebre cineasta Luis Buñuel (1900-1983) e seu roteirista Jean-Claude Carrière enquanto concebiam O fantasma da liberdade (Le fantôme de la liberté, 1974), provocou a coincidência, em dezembro de 1986 em Havana, durante a celebração do 7º Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano, de sete personalidades vinculadas de uma ou outra forma a distintas etapas da atividade artística do genial aragonês. Entre eles estava Luis Alcoriza, seu amigo íntimo e colaborador por tantos anos, Silvia Pinal e Francisco Rabal, intérpretes de cinco obras notórias de sua filmografia, Manuel Barbachano Ponce, um dos seus produtores, e a atriz francesa Delphine Seyrig, que após vagar pelo barroquismo de O ano passado em Marienbad (L’anné dernière à Marienbad, 1961), de Alain Resnais, desejava tanto trabalhar com Buñuel que não hesitou em assumir um pequeno papel em Via Láctea (La Voie Lactée, 1969) antes de personificar um dos frustrados comensais que caminha sem rumo por uma estrada em O discreto charme da burguesia (Le charme discret de la bourgeoisie, 1972).

Descobrir sua presença significou uma surpresa no meio desses vertiginosos dez dias. Não deixar passar inadvertida essa ocasião irrepetível impôs um conjunto de entrevistas carentes de um questionário prévio, feitas somente a partir do conhecimento da obra buñueliana na qual tinham intervindo. Prevaleceu sempre o critério de não me deter na análise de seus filmes; não se tratava de teóricos nem críticos e, além disso, existem muitas monografias sobre os ângulos mais insólitos no legado do diretor de Viridiana (1961). Meu propósito primordial era que exteriorizassem suas experiências sobre o Buñuel ser humano, esse que eles tiveram o privilégio de conhecer por trás das câmeras, imerso no processo criador.

Jean-Claude Carrière —que manteve uma frutífera relação por quase duas décadas com Buñuel, que reconheceu que, dos 18 roteirista com os quais trabalhou, Carrière era o mais afim a ele— aportou seu imprescindível e definitivo testemunho em uma visita efetuada com posteridade a Cuba em 1988. O mesmo ocorreu com a atriz espanhola

www.cinema23.comPublicação gratuita, proibida a comercialização.A reprodução total ou parcial dos textos e imagens contidos nesta publicação é proibida salvo prévia autorização do editor.CINEMA23 celebra as diferentes opiniões expressas por seus integrantes.

Este livro foi impresso em maio de 2017.A impressão consistiu de 1500 cópias.

Impresso no México | 2017

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Ángela Molina (em 1989), uma das musas de sua última obra, Esse obscuro objeto do desejo (Cet obscur objet du désir, 1977), e sucessivamente foram incorporadas vivências de outros colaboradores.

A última que identifiquei —e não digo conheci pois foi impossível entrevistá-la nessas circunstâncias— foi Maria Schneider, a então iniciante atriz de O último tango em Paris (Le dernier tango à Paris, 1972), que lhe propôs o produtor francês de Esse obscuro objeto do desejo. Acontecia a concorrida festa de encerramento do 50º Festival Internacional de San Sebastián (2002), quando em um dos salões do Palácio Miramar cruzei com ela entre os convidados. Era difícil reconhecer essa mulher esquálida, com um rosto no qual não cabia nem mais uma ruga, a jovem que obcecou o personagem assumido por Marlon Brando no polêmico filme de Bernardo Bertolucci, aquele Stanley Kowalski várias décadas depois de Um bonde chamado desejo (A Streetcar Named Desire, 1951).

Entrar nesse fascinante universo com a colaboração de inúmeras pessoas, que desde diferentes latitudes proporcionaram gentilmente uma imensa bibliografia, suscitou o projeto de um livro no qual os entrevistados sustentaram um diálogo imaginário ou uma conversa em coro, reveladores das insuspeitadas facetas do realizador de O anjo extermi-nador (El ángel exterminador, 1962). Conhecer depois Conversaciones con Buñuel (1984), o último projeto literário de Max Aub (1903-1972), concluído após seu falecimento por seu genro Federico Álvarez, me permitiu, em primeiro plano, assistir ao duelo verbal entre essas duas figuras proeminentes da cultura espanhola; em uma segunda oportunidade, ler 45 entrevistas com pessoas vinculadas a Buñuel. Confesso que, de imediato, me ame-drontei; Aub tinha-se adiantado.

Deixei de lado esse projeto por três décadas para concentrar todas minhas energias e o tempo que exigiam minhas pesquisas sobre a história do cinema produzido na ilha antes de 1959 com destino ao livro Cronología del cine cubano. Assim concretizei a pro-messa realizada antes de sua desaparição física a meu amigo, conterrâneo e mentor, Arturo Agramonte (1925-2003), cinegrafista e historiador desse período em nossa cinematografia. Como um tipo de parênteses ou respiração entre um e outro dos quatro volumes nos quais se transformou a Cronología… —segundo Román Gubern, melhor a história do cinema cubano entre 1897 e 1959—, publiquei outros livros; no entanto, nunca desisti de meu projeto buñueliano, senão que o posterguei uma e outra vez. Enquanto isso, acumulava vasta informação, morriam não poucos dos meus depoentes, indaguei sobre a trajetória na Havana do pai de Buñuel, e apresentei em várias publicações alguns artigos sobre o cineasta e fragmentos de algumas entrevistas.

O surgimento de três de suas obras, Um cão andaluz (Un chien andalou, 1928), A idade do ouro (L’age d’or, 1930) e Terra sem pão (Las Hurdes o Tierra sin pan, 1932), entre as 20 melhores de todos os tempos, na pesquisa promovida em 1995 pela Cinémathéque Royale da Bélgica, à propósito do centenário do cinema, reafirma a perenidade desse homem que, no parecer de Georges Sadoul, “sob uma crueldade aparente albergava uma ternura sem fim”. Um cão andaluz, marca surrealista por excelência no cinema, apareceu

em 2012 entre os finalistas na seleção dos melhores filmes na reflexão dedicada à sétima arte, que a revista britânica Sight & Sound realiza a cada dez anos; nela, Luis Buñuel foi escolhido pelos críticos participantes entre os 24 quatro melhores. A unesco inscreveu em seu programa Memoria do Mundo a Os esquecidos (Los olvidados, 1950), um dos escassos filmes inscritos. Tudo isso me incitou a retomar essas entrevistas, umas mais extensas e reveladoras que outras dependendo do vínculo do interlocutor com um Buñuel de perene modernidade e vigência, do estado anímico e do espaço disponível ao concedê-las.

Eis aqui uma espécie de primeiro esboço ou aproximação a essa visão plural do Lautréamont do cinema, possuidor de um encanto nada discreto, que iniciou sua tra-jetória pela sétima arte cortando o olho de uma jovem com uma navalha, e quase meio século depois, culminou com a imagem de uma mulher que costura os rasgos de um ensanguentado vestido de noiva. À contragosto Andréi Tarkovski insistiu: “Ninguém, absolutamente ninguém nesse ofício chega aos pés de Luis Buñuel. É o cineasta supremo, o criador por excelência do cinema”.

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Os esquecidos (1950)

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Francisco Rabal (1926-2001)Ator espanhol. Interpretou o personagem titular em Nazarín (1958), Jorge, o primo da protagonista,em Viridiana (1961) e a Hyppolite em A bela da tarde (Belle de jour, 1966). Em sua bastante extensa filmografia figuram atuações sob o comando de Rafael Gil (A guerra de Deus - La guerra de Dios), Mauro Bolognini (Marisa, la civetta), Gillo Pontecorvo (A grande strada azul - La grande strada azzurra), Juan Antonio Bardem (Sonatas), Leopoldo Torre Nilsson (A mão na armadilha - La mano en la trampa), Michelangelo Antonioni (O eclipse - L’eclisse), Luchino Visconti (sua história As bruxas - Le streghe), Claude Chabrol (Marie-Chantal contre le docteur Kha), Jacques Rivette (A religiosa - La religieuse), Glauber Rocha (Cabeças cortadas), Valerio Zurlini (O deserto dos tártaros - Il deserto dei tartari) e Carlos Saura (Llanto por un bandido, Goya en Burdeos).

Lembro da sua bondade e seu exemplo de retidão. É como meu pai, aproximo muito Buñuel do meu pai. Buñuel era também um homem íntegro e muito honesto, coerente consigo mesmo, era um homem muito pontual. Um exemplo de sua retidão é que se combinava de ir comer em minha casa às duas, e chegava dez para às duas, dava voltas, mas não entrava nem antes nem depois. E era pontual também com seu trabalho, e muito honesto.

Sempre concordávamos. Primeiro, porque tinha tal admiração por ele e uma fé tão cega que o que dizia, para mim, falando em linguagem de missa, era isso: ir a missa. Contudo, dava muita liberdade, pelo menos para mim. Nos unia uma grande amizade e se durante uma filmagem eu tinha uma ideia, então ele me dizia: “Muito bem, Paco. Depois dirão que a ideia era minha...”, e aceitava com uma generosidade muito grande. E tinha vezes que lhe dizia: “Don Luis, vou fazer isso...?”. “Não, não, não. É uma bobagem, Paco, não gosto.”

Manuel Barbachano Ponce (1925-1994)Produtor, diretor e roteirista mexicano. Financiou Nazarín (1958) e anteriormente produziu Raízes (Raíces, 1953), de Benito Alazraki, e Toureiro (Torero, 1956), de Carlos Velo. Tempos depois parti-cipou de Sonatas (1959), de Juan Antonio Bardem, Pedro Páramo (1966), de Carlos Velo, María de mi corazón (1978), de Jaime Humberto Hermosillo, e Frida, natureza viva (Frida, naturaleza viva, 1984), de Paul Leduc, entre outros títulos. Dois dos inúmeros projetos inconclusos de Buñuel, adaptações dos romances A perseguição (El acoso) e Os passos perdidos (Los pasos perdidos), do escritor cubano Alejo Carpentier, seriam produzidos por ele.

Para mim a imagem predileta de Buñuel é naquele quarto, com um pequeno bar de “petatillo”2, nu em sua casa, com o único quadro que é o do metrô de Paris. Um homem que poderia ter tido todos os quadros do mundo, só tinha aquele mapa do metrô... preparando um

2 Típico artesanato mexicano (Nota da T.).

Ao aproximar-se meu último suspiro, imagino com frequência uma última piada.Peço para chamarem aqueles meus velhos amigos que são ateus convictos como eu.Entristecidos, se colocam ao redor do meu leito. Chega então um sacerdote a quem

eu mandei chamar. Com grande escândalo de meus amigos, me confesso, peço aabsolvição de todos os meus pecados e recebo a Extrema-unção.

Após a qual, me viro de lado e morro.Mas, haverá forças para fazer piadas nesse momento?1

luis buñuel

Luis Alcoriza (1920-1992)Realizador, ator e roteirista de origem espanhola que desenvolveu sua carreira cinematográfica no México. Colaborou com Buñuel no argumento e roteiro de El gran calavera (1949), Os esquecidos (1950), La hija del engaño (1951), O bruto (El bruto,1952),  A ilusão viaja de trem (La ilusión viaja en tranvia, 1953), O rio e a morte (El río y la muerte, 1954),  A norte neste jardim (La mort en ce jardín, 1956), Os ambiciosos (La fièvre monte à El Pao, 1959) e O anjo exterminador (1962). Escreveu mais de uma centena de roteiros ao longo de sua carreira, alguns com sua esposa (Janet Riesenfeld, nome artístico: Janet Alcoriza), e dirigiu 23 filmes a partir de 1959, entre eles: Tlayucan (1961), Tiburoneros (1962), Tarahumara (1964), e Presagio (1974). Por Mecánica nacional (1973) rece-beu o Ariel de Oro de melhor filme e direção. Prêmio de Honra (1990) da Academia Mexicana de Ciências e Artes Cinematográficas e medalhas Salvador Toscano outorgada pela Cinemateca Nacional (México) ao Mérito Cinematográfico (1992).

Fazíamos piada de tudo... O primeiro que me vem dele somos nós caindo de rir, garga-lhando, um pouco bêbados. Não falávamos mal de ninguém. Fazíamos piada entre nós. Debochar um pouco, em geral... da seriedade, da gravidade do ser humano, das pessoas que eram muito pedantes, que se sentiam superior e debochava de tudo isso, mas o que mais lembro dele, logo de cara, é o riso. O riso que compartilhamos durante tantos anos.

E quando falo com minha mulher, Raquel, ela diz o mesmo: o riso. Eles se adoravam e riam muito juntos também. Era rir, rir e rir, de barbaridades, de bobagens, deliravam no meio do disparate e o riso... Buñuel fazia uma piada e lhe dava voltas e aprofundava, aprofundava e aprofundava até levá-la ao delírio, por mais boba que fosse a piada; e ela, minha mulher, pegava piadas, de repente, piadas bobas que duravam dois, três anos, por telefone, repetiam a mesma piada sempre.

1 Buñuel, Luis, Mi último suspiro, Círculo de Lectores, México, D.F., 1983, p. 250.

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“Buñueloni”, que é Genebra, Campari, e não me lembro mais que coisa. Fazendo isso e dizendo: “Toma outro!”. Essa é minha última imagem; ou prefiro vê-lo às nove ou dez da noite trabalhando em Cuautla para suas sequências de Nazarín no dia seguinte. Esse é meu Buñuel.

Silvia PinalAtriz e produtora mexicana nascida em Sonora em 1936. Protagonizou Viridiana (1961), foi Leticia, “a Walkiria” em O anjo exterminador (1962) e o diabo em Simão do deserto (Simón del desierto, 1965). Em 1952 recebeu o prêmio Ariel de Prata de melhor coadjuvante feminina por Um canto perto do céu (Un rincón cerca del cielo), de Rogelio A. González; foi indicada por sua atuação em Um estranho nas escadas (Un extraño en la escalera, 1954), de Tulio Demicheli, que a dirigiu em Locura pasional (1955), com a qual recebeu o prêmio por melhor atuação feminina, premiação que repete com La dulce enemiga (1956), de Tito Davison. Esse ano atuou para Emilio Fernández em Una cita de amor. Outros filmes seus são: Los cuervos están de luto (1965), de Francisco del Villar, La soldadera (1966) de José Bolaños e Divinas palabras (1977), de Juan Ibáñez.

A lembrança mais forte dele que ficou gravada na minha memória é o dia do batizado da minha filha Viridiana. Ele era ateu —“graças a Deus”— e estava na igreja. Era surdo, mas mais surdo quando lhe convinha. No batizado há um momento em que perguntam ao padrinho e à madrinha se acreditam no Espírito Santo, na Virgem Maria, na Igreja Católica, e eles respondem afirmativamente com um “Acredito”. Como Buñuel era surdo, não respondeu. Sua mulher sim, e eu e meu marido, Gustavo Alatriste, também. Então, no momento em que o sacerdote pergunta: “Acreditam em Jesus Cristo?”, ele respondeu: “Acredito!”. Isso me impressionou muito, porque no fundo tinha uma grande inquietude cristã. Acho que se ele não tivesse sido um grande diretor de cinema, teria sido monge. Não um sacerdote, mas um monge sim. Levava uma vida muito monástica em sua casa.

Ignacio López TarsoAtor mexicano nascido em 1925. Interpretou o papel do sacrílego em Nazarín (1958). Esse ano participou em dois notórios filmes: La cucaracha, de Ismael Rodríguez, e La estrella vacía, de Emilio Gómez Muriel. Recebeu o prêmio Ariel de melhor ator por Rosa blanca (1961), de Roberto Gavaldón. La bandida (1962), de Roberto Rodríguez, lhe valeu a Deusa de Prata. Em sua trajetória fílmica sobressaem: El gallo de oro e Macario, de Gavaldón, Tarahumara, de Luis Alcoriza, ambas de 1964, Las visitaciones del diablo (1967), de Alberto Isaac, La casta divina (1976), de Julián Pastor, e À sombra do vulcão (Bajo el volcán, 1984), dirigido por John Huston.

Posso falar mais dos Martines que preparava, com que vontade ele os bebia, e com que prazer comia. Era um homem muito sensual e disso, de suas anedotas, falava muito, enfim,

era muito tagarela. Às vezes todo o contrário, sumia em sua mudez. Era muito contradi-tório. Quando estava filmando, por exemplo, víamos ele afastado, comendo nozes, e não falava com ninguém. E de repente, era muito tagarela em uma reunião, contava muitas coisas. Era muito engraçado, muito gaiato.

Damián Rabal (1921-1991)Agente artístico espanhol. Irmão mais velho e personagem chave na vida de Francisco Rabal, de quem foi representante, como também dos atores Fernando Rey, Ángela Molina e María Asquerino, que estiveram juntos no elenco de Esse obscuro objeto do desejo. Desempenhou múltiplos ofícios: trabalhador em uma linha ferroviária, pedreiro, vendedor de livros e proprietário de um pequeno negócio próprio de transportadora.

A primeira imagem que tenho dele é a de sua cabeça. E em sua cabeça, os olhos, olhos como os de Picasso, porque são uns olhos vivos, penetrantes... e sua cabeça de Minotauro, e sua bondade... que usa de modo adequado. Sua obra está aí, mas era um homem muito singular, e muita gente não pensava, porque o cinema de Buñuel é um cinema violento. Ele contava que Giulietta Masina, a mulher de Fellini, quando viu Os esquecidos, lhe disse: “O senhor é muito mal. O senhor deve ser um homem muito mal”. Ele contava coisas que às vezes tinha acontecido com ele. As pessoas pensam na crueldade de Os esquecidos, e Luis utiliza a crueldade como algo repulsivo.

Delphine Seyrig (1932-1990)Atriz e realizadora francesa. Interpretou a prostituta em Via Láctea (1968) e a Mme. Simone Thévénot em O discreto charme da burguesia (1972). Antes protagonizou para Alain Resnais O ano passado em Marienbad (1961) e Muriel ou o tempo de um retorno (Muriel ou le temps d’un retour, 1963), papel pelo qual recebeu o prêmio de interpretação feminina no Festival de Veneza. Foi a enigmática visitante em Acidente (Accident, 1967), realizada por Joseph Losey; a memorável Madame Tabard por quem se apaixona Antoine Doinel em Beijos roubados (Baisers volés, 1968), de Truffaut; uma fada saída de um conto de Perrault em Pele de asno (Peau d’ane, 1970), dirigida por Jacques Demy, e passeou sua figura lânguida em India Song (1975), de Marguerite Duras.

Não tenho uma lembrança mais indelével que outra. Tenho uma impressão geral de um homem com uma profunda ironia, com um profundo sentido de humor, uma visão irônica da realidade e... que fazia com que não a tomassem muito à sério. É a imagem de um homem que é um grande cineasta. Surgiu do movimento surrealista e permaneceu toda sua vida com uma visão humorística e leve das coisas sérias, graves... e sua generosidade, sua bondade.

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Sergio Véjar (1928-2009)Fotógrafo e realizador mexicano, foi operador de câmera em O bruto (1952), Escravos do rancor (Abismos de pasión, 1953) e Ensaio de um crime (Ensayo de un crimen, 1955). Trabalhou inicial-mente como iluminador e depois como operador e assistente de importantes fotógrafos em filmes dirigidos por Julio Bracho, Alejandro Galindo e Roberto Gavaldón, entre outros. Estreou como diretor de fotografia em 1960 nas primeiras produções do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficos: Cuba baila, de Julio García Espinosa, e o terceiro conto de Historias de la

Revolución, realizado por Tomás Gutiérrez Alea. Dirige Volantín (1961), longa-metragem inde-pendente experimental e depois Los signos del Zodíaco (1962), títulos iniciais em uma trajetória que soma outras quatro dezenas.

Era um cara bruto. Seu modo de caminhar e de se vestir, eu gostava de tudo isso. Um senhor muito respeitável, de muita personalidade e meio brincalhão. Era alguém que de repente dizia: “Coloquem em minha cadeira um letreiro bem grande que diga: “proibido sentar porque é do diretor”. E a deixava vazia, e então chegava alguma visita e lhe oferecia a cadeira, o letreiro não servia para nada.

Uma vez chegou, pediu uma peruca e a colocou na nossa frente. E lhe perguntei: “Dom Luis, por que o senhor está colocando essa peruca?”. “É que vou a uma festa de intelectuais”, me respondeu. Ele não gostava muito dos intelectuais. Estava muito engraçado e assim foi à festa, com aquela peruca. É um detalhe que nunca esqueço, porque nunca mais voltei a vê-lo com peruca, mas a essa festa, ele quis ir com ela.

Ángela MolinaAtriz espanhola nascida em 1953. Foi uma das duas intérpretes da personagem de Conchita em Esse obscuro objeto do desejo (1977). Atuou para Manuel Gutiérrez Aragón em Camada negra (1976), El corazón del bosque (1978), Demonios en el jardín (1982) e La mitad del cielo (1986). Em sua prestigiada carreira trabalhou para Gillo Pontecorvo (Ogro), Luigi Comencini (O grande engarrafa-mento - L’ingorgo), Marco Bellocchio (Olhos na boca - Gli occhi, la bocca), Jaime Chávarri (Bearn o la sala de las muñecas, Las cosas del querer), Bigas Luna (Lola) e Pedro Almodóvar (Carne trémula), entre muitíssimos outros cineastas. Reconhecida com o Prêmio Nacional de Cinematografia 2016.

A primeira imagem dele que me vem à memória é o seu modo de caminhar; e suas mãos, sua forma de se expressar com as mãos. Antes de qualquer coisa, é um mestre; ou seja, você pode vê-lo como um mestre em tudo o que faz. Eu o conheci bem sábio, muito mais velho e em seu último trabalho. Isso é um privilégio... Sua voz, também lembro perfeitamente. Era muito essencial falando, nunca dizia nem demais nem de menos.

Não sei, era uma pessoa que se divertia com tudo o que fazia, com tudo, e depois era uma ilha. Ele tinha sua ilha, que todo mundo sabia que era sua ilha e todos a respeitavam de um modo absoluto. Se trancava em uma espécie de cabine de madeira construída para ele onde tinha seu vídeo e ali não via ninguém, além dele mesmo, que controlava a cena e todas as coisas. Mas nos momentos mais imprevisíveis podia dizer que te amava. Foi um ser que amei muitíssimo e me ensinou coisas essenciais que me serviram e me vão servir para sempre no cinema.

Eu estava muito feliz nas filmagens de Esse obscuro objeto do desejo e sempre andava com o sapato alto para cima e para baixo; tinha 18 anos, era uma maravilha. Tudo ia bem, a filmagem era uma grande festa e tudo estava bem controlado, uma filmagem

Simão do deserto (1965)

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muito fácil, porque filmávamos pouquíssimas horas, só pela manhã, quer dizer, ficava com vontade de filmar. Um dia, subindo a meu camarim, ele descia e me disse: “Ángela, te amo. Te amo muito.” Com todo respeito, como podia ter me dito, não sei, meu avô; mas nunca imaginei que ele pudesse dizer que me amava, e essa é a lembrança mais bonita que tenho de Luis Buñuel.

Jean-Claude CarrièreRoteirista e realizador francês nascido em 1931. Escreveu com Buñuel os roteiros de: O diário de uma camareira (Le journal d’une femme de chambre, 1963), A bela da tarde (1966), Via Láctea (1968), O discreto charme da burguesia (1972), O fantasma da liberdade (1974) e Esse obscuro objeto do desejo (1977). Participou também como ator nesses três primeiros filmes. Além desses, escreveram juntos: O monge (Le moine, 1965), realizado por Ado Kyrou em 1972, Là-bas, sobre o romance de Huysmans, e Una ceremonia suntuosa, esses dois últimos não filmados; assim como o livro de suas memórias Mi último suspiro (1982). Entre muitos outros cineastas, contaram com sua colaboração: Pierre Étaix (Yoyo, Le soupirant ), Louis Malle (¡Viva María!, O ladrão aventureiro - Le voleur), Jacques Deray (A piscina - La piscine, Borsalino), Milos Forman (Taking Off, Valmont), Nagisa Oshima (Max, mon amour), Volker Schlöndorff (O tambor - Die Blechtrommel, Um amor de Swann - Eine Liebe von Swann), Carlos Saura (Antonieta), Andrzej Wajda (Dantón, Os possessos - Les possédés) y Costa-Gavras (Amén). Premiado com o Oscar de honra (2014) por sua trajetória profissional e com o prêmio pela obra de toda uma vida da Academia de Cinema Europeu (2016).

Tenho diante de mima a imagem do homem antes que a imagem do cineasta. A imagem do homem em sua vida cotidiana. Há duas ou três imagens de Buñuel muito fortes: em seu pequena bar em sua casa do México, com o mapa do metrô de Paris na parede, preparando seu “Buñueloni”. Um momento de felicidade. Dom Luis estava esperando por ele desde a manhã. Chegava a ser o melhor momento do dia, entre sues amigos, conversando, com sua cachorrinha Tristana no colo. Essa é uma imagem muito forte de sua presença, de seu carisma, de sua autoridade sorridente e de seu senso de humor.

Outra imagem é a de dom Luis andando pelos caminhos da Espanha ou do México. A cada dia necessitava caminhar, sozinho. A imagem de dom Luis andante, com a cabeça um pouco baixa porque afinal tinha um pouco de artrites. A imagem de um homem muito solitário. Essas duas imagens contraditórias, a do homem social, muito amável, sorridente, cheio de humor, e a do homem solitário, lembro delas perfeitamente. Fala-se pouco de sua generosidade. Realmente era muito generoso, cheio de bondade.

Claro, não posso esquecer dos seus olhos, seu olhar, porque durante 20 anos estive sentado em frente a Buñuel com seus famosos olhos me espiando. É um sentimento es-tranho de transparência, de não poder esconder nada. É um sentimento que dá um pouco de medo, mas ao mesmo tempo proporciona segurança; porque não é necessário sentir, contar histórias fantásticas, já que ele sabe tudo e vê tudo. O olhar do surdo. É inesquecível.

Filmar é um acidente, um acidente necessário, para que vejam os outros. Mas o que importa é o “cenário”, o script, as situações, a história, os diálogos.

A palavra câmera não aparece em nenhum dos meus scripts.Nunca tenho ideia do decorado nem seu o que vou fazer. Não preparo.

Nunca sei o que vou fazer no plano seguinte. [...] Para mim o que importa é que as cenas, em si, digam algo, sirvam para algo,

cheguem ao espectador sem nunca adulá-lo.Não quero que fique ninguém nunca no cenário depois de cortar.

Costumo levar duas horas antes de começar a filmar para pensar na cena do dia.E sei como vou começar, mas nunca o que vai continuar.3

luis buñuel

Luis AlcorizaLuis era um homem imaginativo demais, receptivo demais ao conduzir a filmagem, mas como se tivesse a praticidade de um alemão, tudo preciso. Não, não tinha mais ou menos concebida a sequência do princípio ao fim, mas mudava completamente. Não acho que ensaiasse muito. Bem pouco. Era muito impaciente para ensaiar muito. Ensaiava algumas vezes e já.

Sergio VéjarEnsaiava bastante com os atores. Ele gostava de ensaiar a câmera junto com eles. Acho que ele era rigoroso nisso das repetições. Se não saía, repetia. Se saía na primeira, saía na primeira e não repetia mais; porque ele pensava, e também isso devo a ele, que no filme ficava uma só cena, então não há necessidade se já saiu a primeira, de fazer dez tomadas, e depois dizer: “A primeira é a que vale”. Ele não gostava dos atores muito estereotipados. Em O bruto, Pedro Armendáriz, em uma ocasião, tinha que trabalhar com um saco muito pesado e se abaixava muito, então ele lhe disse: “ Não, isso não é o Bruto. Tem que ser o Bruto, não o Pedro Armendáriz”. E Pedro se sentiu um pouco incomodado, porque logicamente, estava criticando sua atuação.

Tinha a ideia muito fixa. Olhava o movimento cênico através de uma lente da câmera, vigilava se alguém fazia um movimento improvisado. Lembro que íamos ver as locações com o fotógrafo Agustín Jiménez e ele. Ele gostava das locações porque não tinha os caminhões de equipamento e nem pessoas”. E então começava a improviosar contra uma parede, contra uma coisa que não tínhamos visto antes.

3 Aub, Max, Conversaciones con Buñuel, Ed. Aguilar, Madrid, 1985, pp.155-156.

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Nazarín (1958)

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Acho que tudo em Buñuel é anedota, porque em cada uma das cenas havía uma. De Irasema Dilián ele definitivamente nunca gostou como a Catarina em Escravos do rancor. Ele estava de acordo com Lilia Prado e com o ator Luis Aceves Castañeda. Com eles estava muito feliz, e com Jorge Mistral também. Com Irasema era com quem ele estava um pouco chateado; mas, como era um homem bastante cavaleiro, rodou o filme em um clima muito agradável.

De todos modos, estava um pouco desgostoso porque o ambiente de Escravos do rancor não era exatamente México ele sabia. É como em O anjo exterminador, que me dizia que tinha grandes desejos de rodar esse filme, mas sua realização deveria ter sido na Itália ou melhor na Inglaterra, pela atmosfera e pela sociedade. México é uma sociedade diferente. No México as pessoas vão a uma ópera ou a uma peça de teatro vestidas normalmente, e naqueles lugares, não. Era outra coisa, e então o ambiente não lhe agradava para filmá-lo.

Eu gostava dele e aprendia muito do seu modo de ser. Não era desses diretores meticulosos nem minuciosos, senão que tudo muito natural. Diziam a ele: “Aqui tem uma vassoura”. “Deixem. Aí estava, deixem ela aí.” Não dizia: “Tirem ela daí, porque vai ficar feio”. “Há uma poça ali que podemos ver”. “Estava ali? Deixem ela no quintal”. Ele gostava desse tipo de coisas. E eu gostava de ouvi-lo e ver como ia dirigindo. Dizia: “A câmera aqui”, e ele fazia o movimento que iam realizar da câmera e os personagens. Gostei muito disso e sempre fazia assim porque, logicamente, eu andava atrás dele para ver onde queria a câmera e por que procurava essa forma. Rentava imitar através da lente os movimentos que ele tinha realizado em seu suposto ensaio.

Francisco RabalBuñuel reuniu Marga López, Rita Macedo e eu, e nos falou do que queria conseguir com Nazarín. Bom, já conhecíamos o romance de Galdós. Apesar de que, aparentemente, através de seus filmes, possa parecer um homem duro, é um homem muito bondoso. Digo isso porque para mim ele não morreu. É um homem que cria um ambiente de companheirismo durante a filmagem, com um grande senso de humor... um humor um pouco... astuto, e contagia as pessoas, contagia todo mundo, e então você, por exemplo, acredita que inventa uma coisa para seu personagem. Muitas vezes me ocorriam coisas, e não, é que você já está contagiado de seu mundo, então começa a pensar como ele e a viver 20 coisas, porque entra nessa coisa mágica e surrealista de Buñuel.

É um homem bom, muito carinhoso. Tem... tinha sempre uma compaixão com as pessoas. Jamais falava uma palavra mais alta que a outra, com uma grande educação e sempre com senso de humor. Não concebia a vida sem humor.

Como os espanhóis falamos com o “z”, e no México percebe-se o sotaque e a pronún-cia, então eu falava em Nazarín com a letra “s”. Mas como estava surdo, não se dava conta. Uma vez tinha que dizer: “Minha consciência não me permite que vocês me sigam...” e me escapuliu ‘conzienzia’ (como se diz na Espanha). O assistente comentou com ele: “Dom Luis,

Paco pronunciou”. “Não venha o senhor, que não sou tão surdo”. “Não, é que disse ‘conzienzia’”. “Homem, sempre disse ‘conciencia’”. “Não, que tem que dizer ‘consciência’ (como se diz no México)”, e me disse então: “Homem, menino, Paco, estamos no México. Na próxima tomada você vai dizer: Zaragoza, moza...”.

Era surdo —mas um surdo genial— e, além disso, te entendia pelo movimento dos lábios; o que ele fazia era desligar o aparelho quando alguém o aborrecia. Ele também gostava muito de Nazarín. É um filme muito puro, ele mesmo dizia que era um de seus filmes mais puros.

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Manuel Barbachano PonceFiz Nazarín sem o menor problema. Aliás, trabalhei com vários diretores em minha vida e nenhum como Buñuel no sentido do profissionalismo. Buñuel te filmava editando a sequência, porque já sabia onde colocava a câmera, tinha o trabalho do dia, não havia nada que tirar, não havia rushes... O único que o editor fazia era colar. Tudo era perfeito, era de uma perfeição verdadeiramente incrível. Ao terminar a filmagem, o filme já estava editado, quando outros diretores muitas vezes passam dois meses, dois anos editando, porque o material não tem pé nem cabeça... Mas ele era assim.

Buñuel dizia “Amanhã às oito da manhã”, porque filmava tudo fora da Cidade do México, em Cuautla, onde evidentemente não havia muitas facilidades e estávamos em um pequeno hotel. Durante as noites, claro, naquele lugarejo onde não tinha nada o que fazer, nos reuníamos todos da produção para jantar, e eu insistia: “Luis, não seja chato, beba um pouco”, e ele às nove e meia em ponto, como um relógio, ia para a cama, preparar as cenas do dia seguinte... E muitas vezes, ali pelas dez da noite, dez e meia, dizíamos: “Vamos lá, que desça o velho para tomar um vinho com a gente”. Um de nós subíamos ao quarto dele, e Buñuel protestava: “Não me chateiem, porra, estou trabalhando. Diga a esses vagabundos que bebam”.

Ignacio López Tarso Era um diretor de conjunto. Via onde se instalava a câmera e, sobretudo, o quê queria dizer com o que via por trás dela, o quê queria dizer com a história que contava. Gostei muito de trabalhar com ele em Nazarín porque o admirava. Era um homem já com uma grande aura internacional e meu personagem era muito bonito. Ele deixou eu fazer o que queria, me deu liberdade absoluta para expressar o personagem. O único que lembro que me disse foi que o personagem era muito pequeno mas que era muito importante para ele, porque o contato do sacrílego com Nazarín através de sua viagem.

Francisco RabalQuando estávamos rodando em Cuautla, Buñuel vivia em cima de meu quarto e como nas filmagens nos levantamos cedo para aproveitar a luz do sol, às cinco da manhã eu ouvia vozes no quarto do meu tio —que era como ele gostava que o chamasse— e lhe perguntei: “Tio, com quem você está falando às cinco da manhã”. E me respondeu: “Me levanto e me pergunto: ‘Tudo bem, Luis?’ E se me ouço, digo: ‘Bem, bem’. E se não me ouço: ‘Mal, mal’”.

Silvia PinalComo atriz não tive conflitos com ele. De produtor a atriz, sim: o final de Viridiana. Para mim, não parecia justo para uma personagem como Viridiana, que tinha sido tão sem graça todo o tempo, uma mulher que não acrescentava nada, que é frustrada. Uma noviça que não chega a receber o hábito, uma mulher que não consegue nada quando tenta fazer o bem com os mendigos; ou seja, que é um boba, uma inútil, e, no final, quando quer ser mulher, servir para algo, nem sequer pode fazer bem porque não a deixam. Colocam ela num menage a trois, e além do mais, num jogo de cartas, que é um duplo sentido...

A censura não impôs assim. A censura advertiu: “Não pode ficar sozinha com a porta fechada”. Então Buñuel perguntou: “Bom, então está bem que ela fique com a empregada e elas estejam jogando com... as cartas?” “Sim, sim, perfeito”, responderam os censores. E ficou horrível. Eu disse a ele: “O senhor não pode fazer isso com a Viridiana”, e ele me respondeu: “Como não, posso fazer isso, e mais”, e morria de rir.

Francisco RabalO final de Viridiana era outro; o final era que eu ficava com Viridiana. Ela entrava e eu lhe dizia à empregada que fosse embora. Mas a censura espanhola daquela época consi-derou que Viridiana não podia ficar sozinha com seu primo se antes não existisse uma cena em que comprometessem a se casar. Então Buñuel perguntou: “Tá, isso estraga tudo. Bom, e se ficam os três e jogam cartas...?” E responderam: “Tudo bem”. É um paradoxo, porque soa muito mais terrível. Dizia Buñuel: “Como se pode realizar um filme a favor da censura que seja terrível?

Damián RabalÀs vezes suas respostas eram muito certeiras. A respeito de Viridiana, por exemplo, fala-se tanto que há perjúrio, porque se queima uma coroa de espinhos e existe uma cena com os famosos mendigos. Na Itália, os cronistas da direita fizeram esse famoso conselho que realizam ali, um pouco insensato: “Buñuel condenado por fazer um filme perjúrio” “Não, não, em absoluto”, respondeu educadíssimo. “Sim, porque a cena onde queimam a coroa...”. “Nada, isso é simplesmente aceito pela Igreja. Tudo o que se queima se purifica”. E eu gostei muito disso.

E então chegou outro que apontou: “O senhor plagiou a ceia exatamente, exata-mente...”, e ele disse: “Não ouvi bem”. “Que o senhor plagiou a última ceia”. “Não, de nenhuma maneira. Eu realizei um plágio do quadro de Leonardo da Vinci, que também não esteve na ceia. Nem eu, nem o senhor, nem Leonardo da Vinci, e então, onde está o plágio?”.

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Silvia PinalComo diretor era muito claro, muito observador. Para um personagem de O anjo extermi-nador eu tinha lhe recomendado uma atriz, que ele queria bem magra, bem jovenzinha, fizeram um teste e ele não gostou. E lhe comentei: “Não é fácil encontrar uma atriz da idade que o senhor quer e tão magrinha e que seja boa, pois, o senhor tem que ceder em algo, não? Mas, por que não gosta?”. E me respondeu “Porque mexe muito as sobrance-lhas”. Fiquei muito impressionado com aquilo. Fui ver o teste e era verdade; uma atriz

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que está o tempo todo com as sobrancelhas em movimento no cinema se nota muito. Na vida real dizemos: “para”, mas no cinema é outra coisa que sobressai muito. Ela chama atenção, mas não por outra coisa, senão porque está fazendo algo que choca.

Francisco RabalNão queria que interpretasse o personagem de A bela da tarde. “Paco —me dizia— este é um personagem muito pequeno”. É um papel que no romance original de Joseph Kessel é sírio. “Paco, o único papel que posso te oferecer é este, mas é muito pequeno. Não o faça, não o faça”. E lhe respondi: “Ô, tio, com o senhor interpreto até o de abrir uma porta”. E então, com aquele carinho, me disse: “Meu filho murciano”. Sou da região de Múrcia, na Espanha. Me aceitava que falasse francês com sotaque murciano. Muitas coisas se improvisavam. Eu colocava palavras da minha terra, mas muitas vezes eram expressões como: “Joder”, “Me cago en...”, e Buñuel, apesar de estar surdo, brigava comigo: “Não digas mais palavrão”. Então lhe dizia: “Leite”, e ele “O que você disse?”. “Disse: leite”. Era uma brincadeira.

Na filmagem de A bela da tarde me orientou: “Paco, nunca há que exagerar nas coisas”. Por exemplo na cena que Pierre Clementi e eu subimos no elevador e lhe rou-bamos a carteira aquele homem, eu saia do elevador... e olhava para todos os lados. Que horror! “Pensa na tua tia”, me sugeriu. “Mas como...?”. “Paco, isso é de filme americano, sai do elevador e pensa na tua tia”, mas não devia exagerar, recusava o estereótipo. Ha uma cena no final do filme na qual sigo a Catherine Deneuve pela rua na saída do bordel, e lhe perguntei então: “Tio, penso na minha prima?”. E respondeu: “Em tua cunhada”.

Damián RabalNunca me esqueci de vê-lo filmar. Certo dia cheguei a Toledo, onde estavam rodando Tristana, e quando fui ver a Fernando Rey —meu cliente e amigo de toda a vida— me disse: “Você vai ver que o Luis corta a filmagem na hora em ponto aconteça o que aconteça; dão às doze, e ainda que esteja rodando o plano mais importante, corta. É um homem de uma honestidade de trabalho admirável... E já sabe o que vamos almoçar”.

Buñuel estava muito absorvido em Tristana. Me dizia: “E além do mais, Catherine Deneuve é uma senhora... Se ela concorda, temos que ir almoçar em um restaurante de Toledo”. E lhe dizia a Fernando [Rey]: “Você não, você aqui é um trabalhador”. E me indicava: “Damián, vamos comer”. E íamos comer os dois, e então, como ele gostava tanto das brincadeiras, comentava: “Vamos falar olhando para Fernando, como se estivéssemos falando dele, porque ele vai ficar preocupado, vai pensar que estou te contando como vejo ele no filme, e que você está me perguntando: ‘Como está o Fernando?’ e quando ele te per-gunte: ‘Como estou? O que te disse... o que te disse Buñuel?’, pois lhe responda: ‘Bem!’”. E como é mal para um ator que espera que lhe digam que está maravilhoso, dizer-lhe

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somente: bem! “E então, quando Fernando te pergunte: ‘E só isso, bem... mais nada...?’, você responde: ‘Não me disse mais nada, só que você esta muito gordo para o filme’”.

Acabamos de comer e, realmente, Fernando me perguntou: “O que foi?... O que o Luis te disse? Estou bem no filme? Peguei bem o personagem...?”. E lhe respondi: “Ele disse que você está bem”. E o mesmo que Buñuel tinha pensado, insistiu: “Mas,... bem, mais nada...?”. E eu: “Sim, e também comentou que você está um pouco gordo”. Essas brincadeiras... bom, essa é a parte ais humana do Luis. Depois, como diretor, era dos que chegava à filmagem com o filme dentro da cabeça e nenhuma dúvida: “As câmeras aqui, aqui...” Vai montando, vai fazendo o filme e montando ao mesmo tempo. Em sua cabeça vai montando o filme e não é desses diretores que diz: “Agora vou rodar um plano geral para se fizer falta eu poder colocá-lo aqui”. Não, não, não, ele conduzia a montagem.

Jean-Claude CarrièreTrabalhava muito depressa, terminava quase cada dia um pouco mais cedo do previsto, coisa que adoram os atores e os técnicos. O ambiente no set era muito agradável. Com foie gras, champanhe, vinho... Tinha o hábito também de parar por meia hora às cinco da tarde para beber. Há dois tipos de diretores: os tiranos e os donjuanes, os sedutores, e ele era dessa segunda categoria.

Delphine SeyrigEra um trabalho muito preciso... muito reflexivo por parte dele. Sabia exatamente o que queria, e tinha que fazer rápido. Não gostava de esperar. Gostava que os atores compreen-dêssemos logo para poder passar para a cena seguinte. Não gostava de estar muito tempo na mesma cena. Com Buñuel em O discreto charme da burguesia éramos uma espécie de arquétipos, de clichês da burguesia. Tínhamos então que procurar elementos que fossem muito clichês. Procurava sempre coisas que fossem duradouras no tempo, quer dizer, não buscava o último grito da moda, mas sim roupas, detalhes, que pudessem ser identificados em qualquer época.

Ele gostava das coisas neutras. Havia cenas muito extravagantes no filme, mas ti-nham que ser interpretadas com muita simplicidade e com o maior realismo. Por exemplo, há uma cena na qual digo a meu amante que não posso dormir com ele porque ainda não estou curada, e ninguém sabia de qual doença se tratava. No entanto, isso deve ir bem rápido, bem simples, de maneira bem neutra e há que estar atento e escutá-lo. E eram situações extravagantes durante todo o tempo que eu interpretava como se fossem algo cotidiano. Devíamos comer em um restaurante onde tinha um cadáver, e devíamos simplesmente discutir: “Eu não tenho desejo de ficar aqui”, “Você quer ficar?” “Eu tam-bém não”, “Bom, vamos...”. Ele gostava que nada tivesse um fundamento, no absoluto.

Por isso poderia dizer coisas muito fortes mas atuadas de um modo muito natural, e isso é o que resulta estranho.

Se não tivesse podido trabalhar com Buñuel por alguma razão, teria feito com que me transportassem em maca ou em helicóptero ao bosque de Senlis, onde se filmava Via Láctea.

Existe um contraste impressionante entre as prolongações misteriosas que se des-prendem de seus filmes uma vez terminados, e a simplicidade de seus diálogos e da en-cenação. Seus filmes são ambíguos, mas, ao mesmo tempo, sua leitura pode ser realizada por todos. Durante a filmagem se dedica à simplicidade. Realiza coisas simples e as faz com simplicidade. Roda muito de pressa porque não perde o tempo, mas seu olho vigi-lante vê imediatamente o detalhe importante ou o defeito ínfimo. É um extraordinário diretor de atores.

Ángela MolinaBuñuel dirigia muito bem aos atores, mas lhes deixava muita margem para a improvi-sação. O que acontece é que ele não os dirigia como outros realizadores, que vão pelo lado emocional da coisa. Não, ele dirigia tecnicamente aos atores. Era muito rigoroso na técnica do movimento dos gestos, das ações. Mas nunca te dizia: “Você tem que chegar” ou “ela está triste porque...”, não sei... ou “o personagem está em uma situação emocional tal...”. Nunca. Do lado íntimo e privado era tão respeitoso na vida como no cinema e ele dava como certo, não se preocupava, que isso é o mundo do ator, que isso só o ator sabia melhor que ninguém. Mas tecnicamente era muito rigoroso, muito exigente.

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Disse Octavio Paz: “Basta que um homem aprisionado feche seus olhos para que possa fazer explodir o mundo”, e eu, parafraseando, acrescento: bastaria que a

pálpebra branca da tela pudesse refletir a luz que lhe é própria, para que fizesse saltar o universo. Mas, no momento, podemos dormir tranquilos, pois a luz

cinematográfica está convenientemente dosificada e aprisionada.4

luis buñuel

Jean-Claude CarrièreEm sua etapa francesa, é um Buñuel um pouco diferente, mas isso sempre se espera de um homem que vá se transformando, que faça coisas diferentes do que devia fazer. As pessoas esperam que realizará sempre o mesmo filme. Buñuel teve uma evolução desde Um cão andaluz, com a cortada do olho, até o final de Esse obscuro objeto do desejo, com a costura do vestido. Há uma evolução. É o mesmo homem e, claro que ele sabia, e dizia, que depois de Viridiana e de O anjo exterminador o tempo do escândalo tinha passado. O tempo do surrealismo já não existe, mas ele tinha consciência disse. O discreto charme da burguesia não foi um filme tão subversivo quando saiu.

Vía Láctea é o filme chave, porque depois, a obra de Buñuel não é a mesma que antes. Algo muda, se abandona o tempo, o espaço, e lhe dá muito mais liberdade depois desse filme. Claro que O discreto charme... certamente é o mais famoso, talvez o mais reconhecido filme de Buñuel. Em O fantasma da liberdade, sei que duas ou três cenas eram as favoritas de dom Luis; por exemplo, a da menina perdida e, no entanto, presente, a do médico com o câncer e a dos dois chefes de polícia. São cenas que ele gostava muito.

Esse obscuro objeto do desejo é o mais emocionante, porque também é o último, e fala suas últimas palavras. Gosto muito do dom Mateo nesse filme porque está muito próximo do dom Luis. Quando Ángela Molina, ao encarnar a personagem de Conchita, pergunta: “E quando eu estiver velha, você vai me amar...?” Claro que ele estará morto por ser um homem muito velho, mas responde: “Sim, te juro, te prometo”. Para mim é uma cena muito emocionante, especialmente agora, porque através do personagem de dom Mateo posso ouvir a voz de dom Luis. É o melhor personagem, é um homem complexo, estranho, que tem um olhar puro da vida...

Dos nove roteiros que escrevemos juntos é difícil decidir qual é o que mais gosto. Depende do meu humor, depende do dia, do sol, da chuva, de minha tristeza, da alegria... me lembro desse filme, de outro, mas poderia dizer que, para mim, os seis filmes realizados são um. É o filme que fiz com Buñuel.

4 Aranda, J. Francisco, Luis Buñuel, biografía crítica, Editorial Lumen, Barcelona, 1969, p. 332.

Damián RabalCom Esse obscuro objeto do desejo lembro que tivemos um problema foda porque ia ser protagonizado por uma moça, Maria Schneider, a filha do ator Daniel Gélin, que tinha atuado com Marlon Brando em O último tango em Paris, de Bertolucci. E Buñuel não gostava dela. Os que estávamos próximos dele sabíamos do que ele gostava e do que não. Era um homem tão correto que disse: “Bom, Serge Silberman, o produtor, a colocou e não lhe posso dizer que...”. E fazia brincadeiras, por exemplo: “... que tem um peito por aqui e outro por lá, como as cabras”, e lhe dizia a Fernando Rey: “Então, quando você dá a surra lhe dê um chute em um peito e diz: ‘Milagre! Milagre!’, pois lhe endireitaste o peito direito...”. Pois, notava-se que ele não gostava dela.

Então, desde que viu a foto da Ángela Molina, ficou louco. Teria que parar o filme porque Ángela estava atuando em outro. Eu tinha mandado para o Luis as fotos de Ángela —eu tinha sido seu agente no princípio de sua carreira— porque sabia que essa era a que ele gostava. Pensou que se parassem o filme por quase dois meses para esperar que ela terminasse seu contrato, Fernando Rey continuaria todos os dias, e me disse nesse momento: “Eu não entendo. Se Fernando vai cobrar, pois que continue cobrando. Se o produtor decide que finalmente faça Ángela Molina, pois já veremos o que faço. E não é o mesmo não fazer o filme que fazê-lo, não”.

Respondi que ia consultar Fernando Rey se ele podia esperar o tempo que fosse necessário para não criar esse conflito para Luis, e o que aumentava era o orçamento de uma maneira alarmante. Claro que tentamos ajudá-lo, e ele estava tão feliz no final porque como não tínhamos encontrado outra atriz, pois então ele teve a ideia de realizar o filme com duas moças: Carole Bouquet e Ángela Molina. Parece que na vida as pessoas não são inalteráveis; um reage pela manhã de uma forma e daqui a pouco de outra, muda de humor... e já não é a mesma. Então dom Mateo, o personagem de Fernando, as vê de diferente maneira, é a mesma mas não é a mesma. Buñuel tentou argumentar —e alto!— que duas atrizes interpretassem o mesmo papel. É um filme, mas que duas atrizes encarnam o mesmo personagem... Mas deve-se ao seu talento extraordinário que parecia anormal, não? Era normal nele.

Jean-Claude CarrièreDom Luis tentou todo o possível filmar Esse obscuro objeto do desejo com Maria Schneider. Não pôde porque precisava trabalhar com atores profissionais em um trabalho sério. Com ela não pôde fazer nada e renunciou. Disse a Silberman: “Vou te mostrar o que ela fez, mas me parece muito ruim”. Era a cena da grade, quando dom Mateo está do lado de fora e não pode entrar na casa onde ela está.

Tínhamos falado sobre Ángela Molina em alguma ocasião. Acho que quando escre-víamos o roteiro, avaliamos a possibilidade —um pouco de brincadeira, não à sério— de dar o papel da jovenzinha a duas mulheres bem diferentes: uma fria, uma quente; uma

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elegante, outra popular; uma francesa, outra espanhola; claramente diferentes. Mas tínhamos esquecido, nos pareceu uma brincadeira por sua facilidade, mas depois do péssimo resultado com Maria Schneider, e tomando o sagrada taça de Martini, dom Luis voltou a pensar nessa possibilidade e disse a Serge Silberman, com quem combinou tudo imediatamente.

Antes de escolher Maria Schneider, tinham realizados ensaios em Paris com dez ou quinze jovens atrizes italianas, além de Ángela Molina e Carole Bouquet. Nenhuma das duas podia realmente interpretar sozinha o filme, dar os dois ou três, ou quatro aspectos da personagem, mas eram tão diferentes, que eram as duas em uma, e isso dom Luis gostou muito.

Ángela MolinaRodamos uma sequência com absoluto rigor como se fosse já uma filmagem normal. Tudo foi bem. E em seguida —acho que depois de um mês—, me disseram que queriam que eu atuasse no filme, mas que existia um pequeno inconveniente e era que eu teria que dividir a personagem com uma outra atriz. Respondi que não me importava, que tinha interesse em conhecer o trabalho dele e em filmar com ele e que ele sabia o que estava fazendo. Para mim era uma honra estar a seu lado com qualquer atriz. Assim nasceu minha relação com ele, minha amizade.

Naquela época inicial da minha carreira não era muito técnica, era mais de intuição, de paixão, de dom, e Carole Bouquet era mais técnica. Nos sentamos numa mesa do escritório de produção, lembro que era bastante absurdo esse lugar e Luis explicou: “Eu não vou lhes dizer nada. Vocês são atrizes e sabem o que têm que fazer. Não me perguntem bobagens porque não quero respondê-las”. Carole disse: “Sim, mas é que não entendemos bem a personagem, e essa dualidade, como vamos canalizá-la?”. E ele respondeu: “Olha, não me venha com bobagens. Se você tiver algo que me perguntar, já irá me perguntar na hora, agora não sei”. Me senti absolutamente desconcertada e me disse: “Pois sim, pois faz sentido que ele tenha realizado coisas estranhas em seus filmes”.

Nos olhamos Carole e eu e nos entendemos. Nos demos muito bem e ficamos muito amigas na filmagem. Não tínhamos nenhum tipo de conflito, nem de ciúmes absurdos, nem também problemas de compreensão da personagem nem nada, e nos dizia: “vocês são a mesma mulher. Quem sabe um dia vocês venham à filmagem, as duas conheçam a cena, e eu não saberei com qual filmar. E decidiremos na hora.” Nós preparamos o trabalho como se fôssemos interpretar a cena qualquer uma das duas, indistintamente, e isso é incrível; para isso há que ter uma generosidade total. Não digo nós, porque éramos somente instrumento para ele, mas para fazer sentir, e que isso fluísse, isso só ele podia fazer. Só ele pôde fazer, e além disso, acho que era algo casual. Depois interpretou-se de mil maneiras, mas conhecendo Buñuel, pienso que poderia ser um problema de produção ou que, como dizia, ele gostava das duas e não se decidia. Isso nunca cheguei a saber; também nunca me interessou.

Jean-Claude CarrièreA margem que se deixava nos roteiros era a margem técnica. Em nossos roteiros não existia nenhuma indicação técnica. A découpage5, a seleção dos planos, os movimentos e a localização da câmera, tudo dom Luis fazia no set, no último momento.

5 Distribuição do roteiro segundo a natureza específica dos planos com destino à filmagem. Análise do roteiro téc-nico para anotar todos os detalhes necessários para o prévio estudo econômico do filme e o plano de filmagem.

Juan Luis Buñuel, Jeanne Moreau e Luis Buñuel – O diário de uma camareira (1964)

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O trabalho com os atores ele tornava mais e mais preciso ano após ano. Lembro que em seu último filme, Esse obscuro objeto do desejo, a direção dos atores e de suas duas atrizes foi realmente a mais precisa de toda a vida de dom Luis. Ele usava o monitor de vídeo na filmagem e era, como se diz em francês, uma direção ao centímetro, muito precisa, mas da improvisação sobre o roteiro e o diálogo, nada. Absolutamente nada. O roteiro era de ferro.

Ángela MolinaQuando li o roteiro pela primeira vez, não entendi nada. Achei muito curioso, muito divertido, muito diferente a todos os que eu tinha lido, muito pouco explícito. Não tinha lido tantos roteiros em minha vida, mas já levava anos trabalhando e esse era muito diferente a todos os que eu tive em minhas mãos. Existem roteiros que te dizem muito da situação antes de te dar um diálogo, uma cena, e nos roteiros de Buñuel você pode ver o filme; mas depois, quando você vê ele finalizado, não tem nada a ver com o roteiro.

Como era bem jovem e ele sabia que tinha pouco tempo no staff profissional, ele foi paternal comigo, muito respeitoso, me dando um lugar que talvez nunca me tinham sabido dar. De verdade, tinha uma confiança absoluta nos atores. Era muito meticuloso, muito maníaco na hora de explicar as coisas. Até que não ficasse claro, quase como se fosse o ensaio de uma cena de teatro... Trabalhava com vídeo, cuidava dos enquadramentos de um modo rigorosíssimo. Era tudo muito teatral, mas na hora de dar o “Ação!”, deixava de ser diretor e se transformava em espectador, diferente de outros diretores que quando ordenam “Ação!”, não deixam de ser, continuam sendo muito críticos e vão apontando e mudando e continuam sendo vulneráveis. Buñuel não. Fazia ensaios, dois, três, quatro... os que fizessem falta, mas depois lavava as mãos. Era do ator, e isso era fantástico para um ator.

Com ele passei momentos nos quais... por exemplo, depois de uma cena que rodei na qual Fernando Rey tinha que me bater e eu tinha que sangrar e dar-lhe a chave, Buñuel chorou. Veio com lágrimas nos olhos, mas já tinha passado esse momento; ou seja, ele já tinha chorado e não lhe importava limpá-las ou não, já estava no segundo seguinte, no momento seguinte, no entanto, chegou com os olhos cheios de lágrimas, me parabenizou e me disse que tinha feito ele lembrar de algo que com o qual ele tinha se emocionado.

Luis AlcorizaEle sempre gostou muito da ideia e do roteiro que tínhamos de A mulher e o fantoche6. Pena que não foi filmado! “Algum dia eu farei, algum dia eu farei...”, me dizia. E quando tentou realizá-lo, como já tinha que filmá-lo na França, em parte mudou a ideia do nosso roteiro,

6 Baseado no romance La femme et le pantin, de Pierre Louÿs, retomada por Carrière muito mais tarde como ponto de partida para Esse obscuro objeto do desejo.

depois veio o problema de que a atriz inicial não serviu e teve que mudar por outras e já modificou a ideia. Mas nossa proposta era violentíssima originalmente. Esses momentos em parte eróticos e de grande violência penso incluí-los em um livro que planejo para se veja até onde chegava se esse roteiro chocante tivesse sido filmado.

Ángela MolinaDom Luis dividiu as cenas, mas dizia que podia mudar a qualquer momento e, de fato, alguma vez mudou uma cena por outra. Houve uma que esteve pendente por vários dias e não foi filmada até que ele se decidisse. Era a cena na qual eu dava a chave a Fernando da casa em que vivia e ele me batia. E outra cena em que Carole estava na cama com um espartilho bem complicado e dom Mateo ficava nervoso para tirá-lo. Não é que Luis não soubesse, é que não tinha claro se eu tinha que interpretar uma ou a outra. Até o dia que chegamos à filmagem e nos disse: “Bom, você faz hoje essa e amanhã você, a outra”. Nós ficávamos ao lado do vídeo vendo tudo com ele, felizes; ou seja, não existia nenhum problema, nenhum.

A cena que me lembro mais com Fernando —com quem trabalhei muito tempo depois desse primeiro filme— é quando dom Mateo vai me ver em casa e me dá de pre-sente uma bolsa, a qual não dou importância. Deixo ela por aí, porque estou ensaiando, estou dançando. E outra cena muito engraçada é aquela em que tinha que dançar nua. Buñuel é cheio de pudor e quando terminamos de filmá-la, ordenou: “Cubram ela, cubram ela!”, como se fosse a estátua de não sei que, da liberdade... Lembro muito bem, porque eu também tinha pudor e vergonha e me impressionava um pouco. Os que tinham que estar ali me olhando eram turistas japoneses. Fui tomar um café lá nos estúdios e eles comentaram: “Vamos embora desse filme, não vamos aparecer nessa cena —sabiam que eu atuava mas ignoravam em qual papel— porque nos inteiramos de que é um filme erótico”. E eu lhes disse: “Não é um filme erótico, é um filme de Buñuel”. “Sim, mas nos disseram que agora tem uma bailarina que dança nua e não queremos estar...”. Finalmente eles foram embora e lembro que os figurantes que reuniram para a cena eram o produtor, Silberman, os amigos de Buñuel, os técnicos eletricistas… Ficaram todos ali e se filmou de tal maneira que não me viam.

Buñuel era uma pessoa de um pudor quase doentio. Sabia que a mulher, como mulher —e nesse momento eu era muito jovem—, podia ficar magoada ao fazer aquilo; então, com esse sentido de respeito enorme, ele ficava quase pior que eu e me sentia bem porque sabia que ele estava me entendendo. Era fascinante trabalhar com ele, era de uma generosidade perfeita.

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Jean-Claude CarrièreQuando se trabalha com um homem assim por 18 anos, claro que, de vez em quando, fala-se de algumas possibilidades de realizar esse filme ou esse outro, e algumas vezes, não lembro quantas, já tínhamos falado da possibilidade de adaptar A mulher e o fantoche de Pierre Louÿs. Um dia, não seu como, falando com Serge Silberman, procurando uma ideia para outro filme, reapareceu, talvez finalmente porque dom Luis se sentia muito próximo do personagem do homem e também ela possibilidade de trabalhar outra vez com Fernando Rey, que ele gostava muito como ator e com quem realmente podia se identificar... porque existem cenas em Esse obscuro objeto do desejo nas quais acho que dom Luis fala. É como em Tristana. Claro que não em todas as cenas, mas em algumas delas, fala dom Luis. São os dois personagens mais próximos dele: o dom Lope de Tristana e o dom Mateo em Esse obscuro objeto do desejo.

Ángela MolinaEra muito lúdico, muito irônico, muito divertido. Brincava muito com a gente. Lembro uma cena de amor que tinha com Fernando na qual ele tinha que estar essencialmente sensível e confuso naquele momento. Antes de filmar Luis me chamou e me disse: “Ángela, antes que eu dê o ‘Ação!’, justo antes, você diz a Fernando ao ouvido que ele está com chulé”. Achei aquilo terrível, e me deu um ataque de riso por dentro, porque por fora estava já com o fio da ação e não ia mudar nada nem fazer nenhuma frivolidade. Assim fiz, e quando deu a voz de “Ação!”, Fernando estava corado como uma amapola e, além disso, confuso, porque acreditou e o homem estava definitivamente mal. Quando terminou a filmagem dessa cena, Buñuel e eu começamos a rir, e Fernando, apavorado, não sabia nem o que fazer. Então Luis olhou para ele e disse: “Foi coisa minha.”

Outro dia estávamos em um parque com um frio terrível, tínhamos que preparar a cena de um passeio com uma conversa. Chegou um eletricista e pegou uma bolsa e a colocou nas costas. “Onde você vai tão cedo com essa bolsa?”, lhe perguntou Luis, mas de repente ele teve uma ideia: “Deixa ver como fica. Fernando, pega a bolsa, pega o saco”. Era um saco de cabos, que depois no filme, Fernando o pegou, e Buñuel lhe disse: “Fica muito bem , sim” —mas como se fosse alguém que está experimentando um casaco, não?—. “Sim, fica muito bem. Sim, Fernando, pois agora faça o mesmo mas para a câmera”. E lhe perguntei: “Por que...?” e ele me respondeu: “Porque... ta ta ta ta.... ta ta ta tan... (música de mistério).

Jean-Claude CarrièreGosto —como todo mundo— das colaborações longas, porque é uma maneira de não perder tempo convencendo um ao outro. Trabalhei por mais de quinze anos com Peter Brook no teatro. Brook é água corrente, leve, correndo sobre pedras diversas, é encantador;

ao contrário de dom Luis. Dom Luis foi...é —não morreu, é uma mentira— uma pedra, um bloco de granito bem forte, bem duro. Era uma surpresa cada vez que eu trabalhava com ele, o descobrir partes diferentes dentro da mesma pedra. Escavar mais e mais e descobrir um pequeno recanto de dom Luis Buñuel que ainda não conhecia, no mesmo material, e sem chegar ao final da pedra, ver o outro lado. Sempre havia algo novo, sempre algo que não podia suspeitar.

— O que há na bolsa que leva nas costas o protagonista de Esse obscuro objeto do desejo?— O que vocês acham que poderia ter ?—Tudo o que arrastava com as cordas o protagonista de Um cão andaluz…— Ou seus fantasmas: o da liberdade, os do desejo. — Eu vejo só um homem que carrega uma bolsa nas costas e caminha junto a uma mulher, e se distanciam.7

7 De la Colina, José e Pérez Turrent, Tomás, Luis Buñuel. Prohibido asomarse al interior. Editorial Joaquín Mortiz, Planeta, México, D.F., 1986, p. 205.