lucia santaella - os tres paradigm as da imagem

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I11.II

os TRS

PARADIGMAS DA IMAGEM

Este trabalho prope a existncia de trs paradigmas no processo evo1utivo de produo da imagem: o paradigma pr-fotogrfico, o fotogrfico e o psfotogrfico (ver Santaella 1994b). O primeiro paradigma. nomeia todas as imagens que so produzidas artesanalmente, quer dizer, imagens feitas mo, dependendo, portanto, fundamentalmente da habilidade manual de um indivduo para plasmar o visvel, a imaginao visual e mesmo o invisvel numa forma bi ou tridimensional. Entram nesse paradigma desde as imagens nas pedras, o desenho, pintura e gravura at a escultura. O segundo se refere a todas as imagens que so produzidas por conexo dinmica e captao fsica de fragmentos do mundo :visvel, isto , imagens que dependem de uma mquina de registro, implicando necessariamente a presena de objetos reais preexistentes. Desde a fotografia que, de acordo com Andr Bazin (apud Dubois 1994: 60), na sua "gnese automtica", provocou uma "reviravolta radical na psicologia da imagem", esse paradigma se estende do cinema, TV e vdeo at a holografia. O terceiro paradigma diz respeito s imagens sintticas ou infogrficas, inteiramente calculadas por computao. Estas no so mais, como as imagens ticas, o trao de um raio luminoso emitido por um objeto preexistente - de um modelo - captado e fixado por um dispositivo foto-sensvel qumico (fotografia, cinema) ou eletrnico (vdeo), mas so a transformao de uma matriz de nmeros em pontos elementares (os pixels) visualizados sobre uma tela de vdeo ou uma impressora (Couchot 1988: 117). A palavra "paradigma" tomou-se clebre desde a publicao, em 1962, de A estrutura das revolues cientficas, de Thomas S. Kuhn. Nessa obra, e mais especialmente em textos posteriores (1970, 1974, 1977, 1984, 1987, 1993), nos quais o autor foi levado a dar explicaes sobre uma srie de ambigidades no uso da palavra, paradigma se define em dois sentidos, um mais vasto, outro mais especfico. O mais vasto, que o conceito de matriz disciplinar, significa o conjunto de compromissos relativos a generalizaes simblicas, crenas, valores e solues modelares que so compartilhados por uma comunidade cientfica dada. Em seu sentido mais especfico, a palavra se refere apenas aos compromissos relativos s solues modelares, aos exemplares como solues

concretas de problemas. Assim definido, o termo no parece nos autorizar a caract'rizar s trs modos diferenciais de produo da imagem sob sua rubrica. Enlrcl nto, dada a enorme repercusso que o termo produziu em meios ientficos e extracientficos, seus dois sentidos extrapolaram muito a moldura kuhniana, sendo a palavra tambm empregada de maneira mais imprecisa e metafrica para caracterizar quaisquer realizaes cientficas ou no-cientficas reconhecidas que, definindo os problemas e mtodos que uma dada comunidade considera legtimos, fornecem subsdios para a prtica cientfica, artstica, acadmica ou institucional dessa comunidade. Sem negar a importncia do sentido mais restrito "para caracterizar as cincias consensualmente consideradas como tais, o emprego mais metafrico da palavra tambm operacional quando esto emjogo reas de produo de conhecimento, disciplinas, prticas ou tcnicas que so tidas como no propriamente cientficas" (Santaella: em progresso). obviamente nesse sentido que se enquadra, no presente texto, a referncia aos paradigmas da imagem, com o que se quer significar que sua produo se d atravs de trs vetores diferenciais e irredutveis. certo que limitar o universo da imagem, desde suas origens at os nossos dias a apenas trs paradigmas, s pode ser fruto de um corte reducionista incapaz de dar conta de todas as diferenas especficas que separam, por exemplo, dentro do primeiro paradigma, o desenho da pintura e da escultura ou que separam, no segundo paradigma, tambm como exemplo, a fotografia do cinema e do vdeo. Tal reducionismo, entretanto, ser aqui praticado deliberadamente, visto que, fiel ao esprito do termo paradigma, este trabalho tem por objetivo demarcar os traos mais absolutamente gerais caracterizadores do processo evolutivo nos modos como a imagem produzida, quer dizer, caracterizadores das transformaes, ou melhor, rupturas fundamentais que foram se operando, atravs dos sculos, nos recursos, tcnicas ou tipos de instrumentao para a produo de imagens. Parece evidente que tais rupturas produzem conseqncias das mais variadas ordens, desde perceptivas, psicolgicas, psquicas, cognitivas, sociais, epistemolgicas, pois toda mudana no modo de produzir imagens provoca inevitavelmente mudanas no modo como percebemos o mundo e, mais ainda, na imagem que temos do mundo. No entanto, todas essas conseqncias advm de uma base material de recursos, tcnicas e instrumentos, sem a qual no poderiam existir quaisquer outras mudanas de ordem mais mental e mesmo social. No se quer com isso advogar um materialismo nu e cru, visto que as prprias mudanas materiais ou instrumentais so provocadas por necessidades que nem sempre so materiais, especialmente quando se trata de um processo de produo de linguagem, seja esta verbal, visual ou sonora. Neste caso, h uma espcie de fora interior ao signo para produzir determinaes no seu processo evolutivo, em uma espcie de tentativa ininterrupta e inatingvel de toda e qualquer linguagem para superar seus limites.158, ....

Sartre uma vez declarou que "toda tcnica sempre implica urna metafsica". Parafraseando Sartre, J. Curtis (1978: 11) afirmou que "toda imagem sempre implica uma fsica". De fato, se desde o seu estatuto artesanal as leis fsicas da tica j iam se tornando cada vez mais importantes para a consecuo da imagem, no caso do paradigma fotogrfico, sem a fsica tais imagens seriam impossveis. Ora, um dos traos de ruptura do terceiro paradigma, o da imagem infogrfica, em relao ao segundo est justamente no plano secundrio a que a fsica ficou reduzida, dada a dominncia que a matemtica passou a desempenhar sobre a fsica na produo das imagens sintticas. Trata-se a, antes de tudo, de uma matriz algortmica, imagem que produzida a partir de trs suportes fundamentais: uma linguagem informtica, um computador e uma tela de vdeo. Embora a manifestao sensvel da imagem na tela do computador seja uma questo de eletricidade, sua gerao depende basicamente de algoritmos matemticos.

-

\

1. As divises

e seus critrios

No contexto da bibliografia consultada sobre imagem, o presente captulo est quase exatamente na mesma linhagem, aproximando-se dos mesmos propsitos das idias desenvolvidas por Edmond Couchot em uma srie de artigos (1987, 1988, 1989), muito especialmente no ensaio denominado "Da representao simulao: evoluo das tcnicas e das artes da figurao" (1993). De acordo com Couchot, no entanto, o processo evolutivo dessas tcnicas divide-se em apenas dois grandes momentos: (1) o da representao, vindo da pintura renascentista at o vdeo; (2) o da simulao, instaurado pelas imagens sintticas. Sem deixar de concordar com muitas das teses de Couchot ganha em abrangncia, alm de revelar maior poder analtico, a diviso d~ imagem em trs grandes paradigmas. A diviso proposta por Couchot parece sofrer de uma limitao bsica que se revela, antes de tudo, na concepo de representao por ele esposada. De fato, a pintura, a fotografia, o cinema, o vdeo so evidentemente processos de representao, mas por qual ou quais razes os processos de simulao no so tambm formas de representao? Sua noo de representao - alis, uma noocomumente aceita por quase todos os tericos da imagem - pressupe a preexistncia de um objeto representado que seja da ordem da realidade visvel.No entanto, dentro da teoria dos signos de Peirce, que , sobretudo, uma das mais exaustivas teorias da representa~io, tal limitao no faz sentido, pois o objeto de uma representao pode ser qualquer coisa existente, perceptvel, apenas imaginvel, ou mesmo no suscetvel de ser imaginada (CP 2.232). Isso quer dizer que o objeto, ou objetos, de uma159

representao ou signo -

pois na maior parte das vezes se trata de um objeto

complexo - pode ser qualquer coisa existente conhecida, ou que se acred;ta ter existido, ou que se espera existir, ou uma coleo de taIs COIsas, ou tambem uma qualidade conhecida, ou relao, ou fato, ou ainda algo de uma natureza geral, desejado, requerido, ou invariavelmente encontrvel dentro de uma certa circunstncia geral. ._

Como se pode ver, no h nada na definio peircIana da representaao, que restrinja seu objeto dentro dos limites de um referente externo ~erceptlv:l, c mo quer Couchot. Ao contrrio, para Peirce, essa a mais simplna defImao de objeto, aquela que o confunde com uma "coisa", pois o objeto qualquer l,;oisa que um signo pode denotar, a que o signo pode ser a~hcado, des~e uma idia abstrata da cincia, uma situao vivida ou Ideahza?a, um tlpo de comportamento, enfim, qualquer coisa de qualquer espci~-, E por isso 5ue a diviso das imagens baseada na oposio entre representaao e slmulaao ~az li m sentido muito parcial, uma vez que, no caso da simulao, a imagem tambem uma representao, ou melhor, fruto de uma srie de represe~taes,' As equaes algbricas a serem processadas pelos computadores. e que sao FassIveIs le serem traduzidas nos pontos de luz da tela so matnzes numencas ou representaes de um modelo. A imagem sensvel que aparece na tela, por s~a vez funciona como um outro tipo de representao, maIS llldIclal, da relaao pon'to a ponto do valor numrico com o pixel. !or fim, a image~ na tela, (linda um outro tipo de representao, maIS Icomca, quer dizer, e uma das aparncias sensveis possveis do modelo que a gerou. De modo algum, ~or ser 'imulativo, tal tipo de imagem deixa de ser representatlvo, apenas o carater de sua representao torna-se muito mais complexo e misturado. . . Se a noo que Couchot tem de simulao j parece limItada,

~o seu livro La '~1achine de vision (1988) apresenta uma logstca da imagem, a luz da qual sao estabelecIdos trs regimes das mquinas de viso que correspondem : (1) era da lgica formal da imagem que a da pintura, gravura, arqUItetura e que termma no sculo XVIII; (2) era da lgica dialtica, que a da fotografia, da cinematografia, ou, se preferirmos, a do foto grama, no~culo XIX; (3) era da lgica paradoxal, que aquela iniciada com a inveno da vIdeografIa, da holografia e da infografia (ver tambm Virilio 1993). . , Embor~ tenha se toma~o muito conh~cido, sendo citado com freqnciti, ate pelo propno autor, os tres regImes da VIso, tambm chamados de logfsticas da Imagem, nunca foram muito longamente explicitados por Virilio. Por exemplo, que sentidos so dados aos trs tipos de lgica: "formal", "dialtica" e "paradoxal"? Quais foram os princpios que nortearam essa diviso? So perguntas cujas respostas, pouco sistematizadas pelo autor, s podern ser lI1f~ndas. Assim, a logstica formal aquela dos sistemas de representao artlstIcos, da representao pictural tradicional; a dialtica, inaugurada pela fotografta, nasce do Jogo entre artes e cincias, quando "a representao cede lugar, pouco a pouco, a uma autntica apresentao pblica"; a paradoxal marca "a concluso da modernidade" pelo "encerramento de uma lerica de b representao pblica" (Virilio 1994: 51-52, 90-91). Confessando que s estima com dificuldades as virtualidades da lgica paradoxal do vldeograma, do holograma e da imagerie numrica, Virilio (ibid.: 91-92) explIca que o paradoxo lgico oda ~magem e_m tempo real que domina a coisa representada, este tempo quc a partil- de en:aose lmpoe ao espao real. Esta virtualidade que domina a atualidade, subvertendo a

a de

pro?na (graflcas,

noo de realidade_ fotogrficas,

Da esta crise das representaes ...) em benefcio

pblicas

tradicionais de uma

representao tambm s capaz de recobrir as imagens estntamen:e referenciais ou figurativas, o que nos leva a um beco sem sada, pOIStal dIvIsao do processo evolutivo das tcnicas e artes da figurao deixa d: fora todas_as imagens no-representativas, desde as formas abstratas geometncas ou nao, formas decorativas, formas puras, gestos puros etc. que, de ac?rdo com sua classificao, no so nem representativas nem simulativas. E certo que a inteI)o de Couchot no parece ter sido a de abraar, na sua diviso, todos os tipos de imagem, mas to-s demarcar a oposio radIcal ~ue as Imagens sintticas estabeleceram em relao s formas de representaao herdadas do Renascimento e secularmente hegemnicas at o advento da computao grfica. Alm disso, enquanto sistemas de representao, de fato, no se operam mudanas radicais da pintura renascentista para a foto e cmematografia. De qualquer maneira, a diviso estudada por Couchot binria, de modo que a classificao dos trs paradigmas, aqui proposta, estaria aparentemente mais prxima da classificao efetuada por um outro autor, Paul Vmho, que,160 Ihh

cinematogrficas

de uma apresentao,

presena paradoxal, telepresena existncia, aqui e agora.

a distnncia do objeto ou do ser que supre sua prpria

Enquanto, na lgica dialtica da imagem, tratava-se somente "da presena do tempo dIferencIado, a presena do passado que impressionava duravelmente as placas, as pelculas ou os filmes", na lgica paradoxal, " a realidade da presen~ em temp~ real do objeto que definitivamente resolvida" (ibid.: 91-92). . Nao resta dUVIda quanto ao poder sugestivo dessa diviso apresentada por Vmho. Entretanto, tambm no h dvida de que uma diviso baseada em critrios que se misturam. A lgica da representao extrada de um princpio Imanente, dos Sistemas formaiS em que a representao se confi erura.J a lerica dlal~tica, de um lad~o,parece partir de um princpio tambm im:nente (os jobgoS dlaletIcos_ entre ClenCla e arte), para, ento, se voltar para os aspectos de d,Istnbulao e recepo social da imagem, sua apresentao pblica. Quanto 10gIca paradoxal, seu princpio parece ser extrado do paradoxo entre espao

. . 3.,

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T

real do objeto e tempo real da imagem. Para discutir esse paradox.o, Viriho lana mo de fatores tais como presena paradoxal, simulao e telepresena na distncia do objeto. Ora, mesmo que ambas as presenas sejam paradoxais, o tipo de presena de uma imagem televisiva ou mesmo hologrfica no pode ser identificado com o tipo de presena de uma imagem sinttica. Enquanto, no primeiro caso, existe, de fato, uma relao entre um objeto no espao real e o tempo real de transmisso ou de percepo da imagem desse objeto, o mesmo no se pode dizer da imagem sinttica, completamente independente de qualquer objeto existente em qualquer espao real. por isso que a noo de simulao caberia estritamente imagem sinttica, s podendo ser aplicada imagem videogrfica ou hologrfica de uma maneira muito metafrica. Assim sendo, so s numricas as coincidncias entre a logstica de Virilio e os trs paradigmas da imagem que sero aqui discutidos, visto que h uma distino evidente, quando ele separa a fotografia e cinema, de um lado, unindo a videografia e a holografia com a infografia, de outro. Para Couchot, assim como para esta proposta dos trs paradigmas, as imagens infogrficas ou sintticas inauguram uma nova era na produo de imagens com caractersticas radicalmente diversas das imagens de projeo tica, dependentes da incidncia da luz sobre a superfcie das coisas, que vo da fotografia at o vdeo. Na discusso acima, no est evidentemente implicada nenhuma reivindicao de que qualquer uma das classificaes seja mais certa do que as outras, pois as diferenas entre as trs divises no so provenientes simplesmente da correo de uma contra a incorreo de outras, mas, antes de tudo, so resultantes de critrios distintos que cada uma delas tomou como ponto de partida e de orientao. Como j deve ter ficado relativamente claro, o critrio em que se baseia a diviso aqui enuncidada dos trs paradigmas um critrio, por assim dizer, materialista, ou seja, trata-se, antes de tudo, de determinar o modo como as imagens so materialmente produzidas, com que materiais, instrumentos, tcnicas, meios e mdias. nos seus modos de produo que esto tambm pressupostos os papis desempenhados pelos agentes da produo, trazendo, ademais, conseqncias para os modos como as imagens so armazenadas e transmitidas. Uma vez que nenhum processo de signo pode dispensar a existncia de meios de produo, armazenamento e transmisso, pois so esses meios que tornam possvel a existncia mesma dos signos, o exame desses meios parece ser um ponto de partida imprescindvel para a compreenso das implicaes mais propriamente semiticas das imagens, quer dizer, das caractersticas que elas tm em si mesmas, na sua natureza interna, dos tipos de relaes que elas estabelecem com o mundo, ou objetos nelas representados, e dos tipos de recepo que esto aptas a produzir. Assim sendo, foi a observao das transformaes operadas nos modos de162O".

produo da imagem que nos conduziu aos trs paradigmas que aqui sero discutidos: (1) paradigma pr-fotogrfico, ou produo artesanal, que d expresso viso por meio de habilidades da mo e do corpo; (2) paradigma fotogrfico, que inaugurou a automatizao na produo de imagens por meio de mquinas, ou melhor, de prteses ticas; (3) paradigma ps-fotogrfico ou gerativo, no qual as imagens so derivadas de uma matriz numrica e produzidas por tcnicas computacionais. Em sntese, no primeiro paradigma, encontramse processos artesanais de criao da imagem; no segundo, processos automticos de captao da imagem e, no terceiro, processos matemticos de gerao da imagem. Para aprofundar a discusso desses trs diferentes tipos de produo e de suas conseqentes caractersticas semiticas, buscando com isso validar a hiptese da diviso a proposta, o procedimento escolhido roi analisar comparativamente o modo de produo de cada um dos trs paradigmas par2, a seguir, examinar, de maneira breve e esquemtica, as varia:es que eles vo apresentando sob o ponto de vista de cada um dos seguintes tpicos: (l) os meios de armazenamento da imagem, (2) o papel do agente produtor, (3) a natureza das imagens em si mesmas, (4) as imagens e o mundo, (5) os meios de transmisso, (6) o papel do receptor. Com isso, torna-se possvel examinar as mudanas que vo se processando em cada um desses nveis para dar corpo e JuStIfIcar uma ruptura paradigmtica.

2. As imagens

e seus meios de produo pr-fotogrfico

2.1. O paradigma

A caracterstica bsica do modo de produo artesanal est na realidade matrica das imagens, quer dizer, na proeminncia com que a fisicalidade dos suportes, substncias e instrumentos utilizados impe sua presena. Isso uma constante desde as imagens nas grutas, passando pelo desenho, pintura, gravurn e at mesmo a escultura, pois, sob este aspecto, pouco importa as imagens serem bI ou tridimensionais, embora merecesse uma discusso parte a natureza imagtica ou no da escultura e da arquitetura, inclusive. No entanto, essa discusso tambm ser aqui deixada de Jado. No podem ser negadas as dIstll1es evidentes nos modos pelos quais a pintura e o desenho, e mais ainda a gravura, so produzids. A gravura, alis, na sua capacidade reproclutora, embora de modo ainda artesanal, j comeara a antecipar o carter fundamental do paradigma fotogrfico. No obstante as diferenas, a questo fundamental, que a produo manual, acentuadamente matrica, mantm-se em toclas essas imagens. Em funo disso, a pintura ser aqui tratada como exemplar do163< ,,:~~";;

paradigma pr-fotogrfico, e muitas das afirmaes que sero feitas acerca dela sero tambm vlidas parao desenho e a gravura. A produo artesanal da imagem depende, assim, de um suporte, quase sempre uma superfcie que possa servir de receptculo s substnclas, na malOr parte das vezes tintas, que um agente produtor, neste caso o artlsta, uhza para nela deixar a marca de seu gesto atravs de um instrumento apto. Ora, o pnnClpal instrumento que possumos o nosso prprio corpo, que cria prolongamentos na medida das necessidades que lhe so impostas. No caso da pmtura, o pnnclpal instrumento o pincel, que, como prolongamento dos dedos e dos movimentos da mo, permite desenvolver a maestria na sua utilizao (Sogab~ ;990: 2830). Na visibilidade da pincelada, o gesto que a gerou que lca vlSlvel como marca de seu agente. . ,. . A' O que resulta disso no s uma imagem, mas um objeto umco, auten;lco e, por isso mesmo, solene, carregado de uma certa sacralidade, fruto do pnvlleglO da impresso primeira, originria, daquele instante santo e raro no qual o pi~tor pousou seu olhar sobre o mundo, dando forma a esse olhar ~um gesto mepehvel. por isso que a produo artesanal tem uma caractenstlca emmentemente mondica. certo que "a tela a ser pintada s pode receber progresslvamente a imagem que vem lentamente nela se construir~ toq~e por toque e llll~a por linha, com paradas, movimentos de recuo e aproxlmaao, no con~role centlmetro por centmetro da superfcie, com esboos, rascunhos, c?rreoes, retomadas, retoques, em suma com a possibilidade de o pmtor modllcar a cada mstant: o processo de inscrio da imagem" (Dubois 1994). No obstante as mterrupoes e a lentido a que o pwcesso de execuo da imagem artesanal pode estar sujeito, isso no a faz perder sua caracterstica mondica bsica. Nessa imagem instauradora, fundem-se, num gesto indissocivel, o sujeito que a cna, o objeto criado e a fonte da criao.

sensvel luz para a captura automtica da imagem, de um lado, e o negativo para a automatizao da reproduo dessa imagem original, de outro. Ambos chegaram com a fotografia. Fundamentalmente, a morfognese do paradigma fotogrfico repousa sobre tcnicas ticas de formao da imagem a partir de uma emanao luminosa, que o cinema e o vdeo no vieram modificar, mas s levar sua mxima eficcia. Nesse paradigma, a imagem o resultado do registro sobre um suporte qumico ou eletromagntico (cristais de prata da foto ou a modulao eletrnica dovdeo) do impacto dos raios luminosos emitidos pelo objeto ao passar pela objehva. Enquanto o suporte no paradigma pr-fotogrfico uma matria ainda vazia e passiva, uma tela, por exemplo, espera da mo do artista para lhe dar vida, no paradigma fotogrfico o suporte um fenmeno qumico ou eletromagntico preparado para o impacto, pronto para reagir ao menor estmulo da luz. Mas o carter reativo, de confronto, presente nesse paradigma no pra a. Fotografia, cinema e vdeo so sempre frutos de uma "coliso tica", para usarmos a expresso cunhada por Couchot (1987: 88). Atrs do visor de uma cmera est um sujeito, aquele que maneja essa prtese tica, que a maneja mais com os olhos do que com as mos. Essa prtese, por si mesma, cria um certo tipo de enfrentamento entre o olho do sujeito, que se prolonga no olho da cmera, e o real a ser capturado. O que o sujeito busca, antes de tudo, dominar o obstculo. e objeto, o real, sob a viso focalizada de seu olhar, um real que lhe faz resistncia O ato da tomada, por seu lado, o instante decisivo e culminante de um

'''--.

disparo, relmpago instantneo. Dado esse golpe, tudo est feito, fixado para sempre. Enquanto a imagem artesanal , por sua prpria natureza, incompleta, intrinsecamente inacabada, o ato fotogrfico no seno fruto de cortes. O enquadramento recorta o real sob um certo ponto de vista, o obhlrador guilhotina a durao, o fluxo, a continuidade do tempo. O negativo da tomada, matriz reprodutora de infinitas cpias, inscreve e conserva o trao do acontecimento singular, no interior do qual um sujeito e um objeto, por meio de um feixe de luz capturado atravs de um pequeno orifcio, defrontam-se no instante mesmo dessa captura. O negativo, captao da luz, , paradoxalmente, para se separarem

.1

2.2. O paradigma fotogrficoA grande modificao que se d na passagem do paradigma pr- fotogrfico ao fotogrfico est no advento de um processo de produo eminentemente didico que a fotografia inaugurou. Alis, por todos os diferentes ngulos que se possa observ-Io, esse segundo paradigma mostra-se sempre dual, como se ver mais adiante. Embora tenha maravilhado nossos antepassados, a fotografia no nasceu de uma inveno sbita, pois ela a filha mais legtima da camara obscura, to popular no Quattrocento, cujo aperfeioamento permitiu estender a automatizao at a prpria inscrio da imagem, afastando do pmtor a tarefa de nela colocar sua mo. O que faltava camara obscura eram um suporte 1641 r.h

pura sombra, rastro escuro

espera da luz que s ser restituda na revelao. A imagem revelada, por seu turno, sempre um duplo, emanao direta e fsica do objeto, seu trao, fragmento e vestgio do re~l, sua marca e prova, mas o que ela revela, sobretudo, a diferena, o hiato, a separao irredutvel entre o real, reservatrio infinito e inesgotvel de todas as coisas, e o seu duplo, pedao eternizado de um acontecimento que, ao ser fixado, indiciar sua prpria morte. No instante mesmo em que feita a tomada, o objeto desaparece para sempre.

2.3. O paradigma ps-fotogrficoSe o paradigma fotogrfico , sob todos os ngulos, didi~o ~ dominantemente indicial, no ps-fotogrfico o processo de produao e eminentemente tridico, pressupondo trs fases interligadas, mas perfeitamente delimitadas. No tem sido pouca a nfase que os tericos da imagem tm colocado sobre a mutao radical nos modos de produo da imagem que a infografia provocou. De fato, ela deslocou de sua hegemonia .a primado de s' culos da imagem tica, primazia que j comeara a se msmuar desde o Renascimento, com a camara obscura e a perspectiva monocular, para se exacerbar com as invenes das pr teses ticas no sculo XIX e Xx. . O suporte das imagens sintticas no mais matrico como na produo artesanal, nem fsico-qumico e maqunico como na morfognese tica, mas resulta do casamento entre um computador e uma tela de vdeo, mediados ambos por uma srie de operaes abstratas, modelos, programas, clculos. O omputador, por sua vez, embora tambm seja uma mquma; trata-se, de uma mquina de tipo muito especial, pois no opera sobre uma real~dade lsI:a, tal como as mquinas ticas, mas sobre um substrato slmbhco: a mformaao. Na nova ordem visual, na nova economia simblica instaurada pela infografia, o aGente da produo no mais um artista, que .deixa na superfcie de . suporte um b . .' a marca de sua subjetividade e de sua habIhdade, nem e um SUjeIto que age sobre o real, e que pode at transmut-Io atravs de uma mquina, mas se trata aGora, antes de tudo, de um programador cuja inteligncia visual se realiza na j;terao e complementaridade com os poderes da inteligncia artificiaL Antes de ser uma imagem visualizvel, a imagem infogrfica uma reahdade numrica que s pode aparecer sob forma visual na tela de vdeo porque esta composta de pequenos fragmentos discretos ou pontos elementares chamados pixels, cada um deles correspondendo a valores numricos que permitem ao computador dar a eles uma posio precisa no espao bIdImenslOnal da tela no interior de um sistema de coordenadas geralmente cartesianas. A essas coordenadas se juntam coordenadas cromticas. Os valores numricos fazem de cada fragmento um elemento inteiramente descontnuo e quantificado, distinto dos outros elementos, sobre o qual se exerce um controle total. Partindo de uma matriz de nmeros contida dentro da memria de um computador, a imagem pode ser integralmente sintetizada, programando o computador e fazendo-o calcular a matriz de valores que define cada pixel. O pixel localizvel, controlvel e modificvel por estar ligado matriz de valores numricos. Essa matriz totalmente penetrvel e disponvel, podendo ser retrabalhada, do que decorre que a imagem numrica uma imagem em perptua metamorfose, oscilando entre a imagem que se atualiza no vdeo e a imagem virtual ou conjunto infinito de imagens potenciais calculveis pelo computador (Couchot 1987: 89-90). ..1

;

Embora as imagens que a tela permite visualizar sejam altamente icnicas e sensveis, circunvolues de formas, fosforescncias e luminescncias, tudo que se passa por trs da tela radicalmente abstrato. Mas para melhor entender essa abstrao torna-se necessrio colocar em evidncia as trs fases envo: vidas no processo de produo da infografia. Numa viso global, o processo se desenvolve da seguinte maneira: em primeiro lugar, o programador constri um modelo de um objeto numa matriz de nmeros, algoritmos ou instrues de um programa para os clculos a serem efetuados pelo computador; em segundo lugar, a matriz numrica deve ser transformada de acordo com outros modelos de visualizao ou algo ritmos de simulao da imagem (Machado 1993b: 60); ento, o computador traduzir essa matriz em pontos elementares ou pixels para tornar o objeto visvel numa tela de vdeo. Os algoritmos, ou representaes simblicas e abstratas daquilo que a imagem vai mostrar, so uma srie de instrues que descrevem as operaes que o computador deve executar para produzir uma imagem no vdeo. Essa imagem, sempre altamente icnica, no tem nenhuma analogia com as representaes simblicas. Enquanto estas esto num espao abstrato, aquelas esto num espao fsico submetido s leis da lgica, da tela e da luz, mas uma luz que no joga mais nenhum papel morfogentico na realizao da imagem, servindo apenas para transmiti-Ia. Como se unem esses dois mundos? Atravs da conexo indicial entre o nmero no algoritmo e o pixel na tela. A distribuio dos papis semiticos desempenhados pelas trs modalidades sgnicas - smbolo, ndice e cone - parece se apresentar em equilbrio perfeito na infografia. O que preexiste ao pixel? Um programa, linguagem e nmeros. O que est implcito no programa? Um modelo. O ponto de partida da imagem sintticaj uma abstrao, no existindo a presena do real emprico em nenhum momento do processo. Da ela ser uma imagem que busca simular o real em toda sua complexidade, segundo leis racionais que o descrevem ou explicam, que busca recriar uma realidade virtual autnoma, em toda sua profundidade estn.liural e funcional (Couchot 1993: 43). infografia no interessa mais a aparncia, nem o rastro dos objetos do mundo, mas sim seus comportamentos, seus funcionamentos, como garantia de efrccia das intervenes, das aes do ser humano sobre o mundo. As duas palavras de ordem das imagens sintticas so assim as palavras modelo e simulao; Arlindo Machado (1993a: 117) nos diz queA moderna cincia da computao denomina modelo um sistema lllatelll