loyola trabalho e modernização na indústria textil

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1.• 4. indústria têxtil: uma companhia em mudança; 2. A atual organização administrativa e a estrutura de autoridade; 3. O atual sistema de comunicações. Andréa Loyola * * Professora-doutora no Programa de Pós-Graduação em Ciências na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pesquisadora no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. R. Adm. Emp., Rio, de ,Janeiro, Este artigo faz parte de um estudo mais am- plo sobre atitudes dos operários' realizado com um grupo de trabalhadores de uma fábrica de fiação e tecelagem. A fábrica estudada, que chamaremos aqui de Indústria Têxtil,l localiza-se na cidade de Juiz de Fora, capital regional da Zona da Mata. Tendo-se desenvolvido com grande ímpeto até o inicio deste século, Juiz de Fora tornou-se importante centro industrial, reunindo princi- palmente as empresas que compunham o se- tor então "dinâmico" da economia do pais, no- tadamente o ramo têxtil. O ritmo de seu de- senvolvimento industrial, com altos e baixos, foi mantido até meados da década de 30, quando entrou em relativa decadência, especialmente após os anos 50, em virtude das transformações político-econômicas que esses períodos assina- lam na expansão do capitalismo brasileiro. 2 Dentre as alternativas que se apresentaram aos empresários locais para enfrentar a crise que estas transformações provocaram, a moder- nização da empresa foi a solução adotada na Indústria Têxtil, sobre a qual nos referiremos daqui por diante pela abreviação I.T. Organizada em bases tradicionais atémea- dos de 1950, a partir dai sofreu uma série de transformações, e hoje, se não pode ser consi- derada uma empresa "moderna" em todos os sentidos, possui elevado grau de racionalização do trabalho. Essas mudanças não foram feitas, evidente- mente, sem problemas. A resistência dos super- visores aos novos métodos de trabalho, cuja aplicação provocou uma série de conflitos, foi sentida pela direção da empresa como o proble- ma fundamental na implantação da nova es- trutura administrativa. Na tentativa de encontrar solução para esse problema - um dos diretores da fábrica co- nhecia a obra de Elton Mayo _3 nossa coope- ração foi solicitada. A princípio deveríamos nos restringir a um estudo das relações sociais na empresa. Mas esses limites foram logo ultra- passados. As modificações que foram sendo fei- tas durante nosso trabalho na fábrica (fins de 1965 a meados de 1968), sobretudo aquelas relativas ao Departamento de Relações Indus- triais, que compreende a Seção de Pessoal, le- varam a direção a nos solicitar um estudo so- bre a situação de trabalho e sobre as condições de vida de todo o pessoal empregado. O resulta- do dessa pesquisa constitui o material básico de nossa dissertação de mestrado em antropologia social, 4 da qual reproduziremos aqui, com algumas modificações ou com as alterações ne- cessárias a esse tipo de publicação, dois capí- tulos. O primeiro constitui a presente publica- ção e descreve o processo de modernização da empresa. O segundo, a sair no número de dezembro próximo, analisa as conseqüências dessas modificações sobre as atitudes dos tra- balhadores, examinando-as em relação à em- presa, ao mercado de trabalho e ao estado. 14(5) : 19-31, set.zout, 1974 Trabalho e modernizaçaõ na industria textil

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1 .• 4. indústria têxtil: umacompanhia em mudança;

2. A atual organizaçãoadministrativa e a estrutura

de autoridade;3. O atual sistema de

comunicações.

Andréa Loyola *

* Professora-doutora noPrograma de Pós-Graduação

em Ciências na PontifíciaUniversidade Católica de São

Paulo e pesquisadora no CentroBrasileiro de Análise e

Planejamento.

R. Adm. Emp., Rio, de ,Janeiro,

Este artigo faz parte de um estudo mais am-plo sobre atitudes dos operários' realizado comum grupo de trabalhadores de uma fábrica defiação e tecelagem.

A fábrica estudada, que chamaremos aqui deIndústria Têxtil,l localiza-se na cidade de Juizde Fora, capital regional da Zona da Mata.Tendo-se desenvolvido com grande ímpeto atéo inicio deste século, Juiz de Fora tornou-seimportante centro industrial, reunindo princi-palmente as empresas que compunham o se-tor então "dinâmico" da economia do pais, no-tadamente o ramo têxtil. O ritmo de seu de-senvolvimento industrial, com altos e baixos, foimantido até meados da década de 30, quandoentrou em relativa decadência, especialmenteapós os anos 50, em virtude das transformaçõespolítico-econômicas que esses períodos assina-lam na expansão do capitalismo brasileiro. 2

Dentre as alternativas que se apresentaramaos empresários locais para enfrentar a criseque estas transformações provocaram, a moder-nização da empresa foi a solução adotada naIndústria Têxtil, sobre a qual nos referiremosdaqui por diante pela abreviação I.T.

Organizada em bases tradicionais atémea-dos de 1950, a partir dai sofreu uma série detransformações, e hoje, se não pode ser consi-derada uma empresa "moderna" em todos ossentidos, possui elevado grau de racionalizaçãodo trabalho.

Essas mudanças não foram feitas, evidente-mente, sem problemas. A resistência dos super-visores aos novos métodos de trabalho, cujaaplicação provocou uma série de conflitos, foisentida pela direção da empresa como o proble-ma fundamental na implantação da nova es-trutura administrativa.

Na tentativa de encontrar solução para esseproblema - um dos diretores da fábrica co-nhecia a obra de Elton Mayo _3 nossa coope-ração foi solicitada. A princípio deveríamos nosrestringir a um estudo das relações sociais naempresa. Mas esses limites foram logo ultra-passados. As modificações que foram sendo fei-tas durante nosso trabalho na fábrica (fins de1965 a meados de 1968), sobretudo aquelasrelativas ao Departamento de Relações Indus-triais, que compreende a Seção de Pessoal, le-varam a direção a nos solicitar um estudo so-bre a situação de trabalho e sobre as condiçõesde vida de todo o pessoal empregado. O resulta-do dessa pesquisa constitui o material básico denossa dissertação de mestrado em antropologiasocial, 4 da qual reproduziremos aqui, comalgumas modificações ou com as alterações ne-cessárias a esse tipo de publicação, dois capí-tulos. O primeiro constitui a presente publica-ção e descreve o processo de modernizaçãoda empresa. O segundo, a sair no número dedezembro próximo, analisa as conseqüênciasdessas modificações sobre as atitudes dos tra-balhadores, examinando-as em relação à em-presa, ao mercado de trabalho e ao estado.

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1. A INDúSTRIA Tt:XTIL: UMACOMPANHIAEM MUDANÇA5

A I.T., produtora de fios e tecidos de algodão,remonta à primeira fase de industrialização dacidade e de certa forma acompanha a sua his-tória. Fundada em 1889 por um grupo de in-gleses, atualmente não constitui empreendi-mento autônomo mas depende, juntamentecom mais duas outras indústrias situadas emMinas Gerais, de uma administração centralcom sede no Rio de Janeiro.

No princípio da década de 30 a companhiafaliu, tendo passado "por volta de 1934 (para)um grupo pernambucano"." Ainda hoje exis-tem na fábrica pessoas que nela já trabalhavamnessa época, e das quais se obteve muitas dasinformações. Ao que parece, os novos proprie-tários não modificaram a organização anterior.A administração era composta de um diretorque residia no Rio de Janeiro, embora sempreviesse à cidade; um gerente, seu cunhado, aquem cabiam todas as responsabilidades de con-dução da fábrica; um irmão do diretor, "quecuidava de toda a parte do varejo, turma vo-lante e vigias", também chamada "rural"; umsubgerente e um técnico (antigo gerente dosingleses). Tanto este quanto o que cuidava dovarejo eram dois elementos com setores maisespecíficos,não interferindo de forma direta naadministração propriamente dita.

Abaixo desses níveis, situavam-se os mestresde fiação, dobagem, tecelagem, acabamento, ex-pedição e sala de pano, oficina mecânica, car-pintaria e almoxarifado. Havia também os pe-dreiros e pintores, e um chefe de escritório, queacumulava as funções de controle de pessoal,produção e contabilidade. Aos mestres era con-ferida "responsabilidade total pela seção". "Omestre chegava de manhã no portão da fábri-ca, escolhia um pessoal para trabalhar com elee mandava para o escritório para que o gerentedesse a permissão para começar o serviço." Ogerente também podia escolher pessoal para asseções. "Depois, no resto do dia, andava pelaseção para ver se estava tudo em ordem, resol-via as questões que os contramestres traziam,porque tinha autoridade para decidir." O mes-tre também era encarregado das demissões equando decidia "não havia apelo porque o ge-rente geral apoiava".

A fábrica possuía na ocasião uns 1400 em-pregados e o rodízio era constante, com gentesendo admitida ou demitida diariamente. Umantigo mestre conta: "Naquela época a coisaera na força bruta, não tinha quase pessoascom curso primário; era só gente analfabetaque vinha da roça e chegava aqui dentro enão tinha habilidade para o trabalho na fá-brica, ou não se adaptãva no ambiente; o graude inteligência era curto. E não se brincavaem .serviço, não tinha essa perfumaria toda dehoje, tinha que se usar de muita energia, porisso poucos ficavam um ano, embora tenham

Revista de Administração de Empresas

ficado alguns até hoje." E continua: "O meubloco de punições, bilhete azul e suspensões,eram dois por mês que gastava." Os mestresrecebiam as ordens do técnico ou do gerente,mas "naquele tempo não era como hoje, que étudo controlado, a administração pedia apenas:quero isto, e a gente é que se virava pois eraencarregado das partes técnicas e do pessoalna seção. Era eu quem escolhia meus mecâni-cos, contramestres e auxiliares. Era trabalhodemais."

Parece que, apesar da gerência dedicar aten-ção a muitos aspectos de menor importância narotina administrativa e de interferir muitas ve-zes dentro das seções, a autoridade dos mestresera resguardada; e do que se depreende das pa-lavras citadas, não era pequena, pois a gerênciadepositava confiança ilimitada neles.

Entre os mestres e os operários havia os con-tramestres. Eram responsáveis perante o mestrepelo pessoal, produção e máquinas de subse-ções ou quarteirões. Tinham assim poder ~ecomando dentro da sua área. Mas um poder Ií-mitado pela autoridade do mestre; não tinhamacesso direto à gerência, não podiam aplicarmas apenas sugerir penalidades e suspensõesaos mestres; deviam simplesmente pôr em prá-tica o que estes decidiam. Desta forma, erammuito dependentes dos seus superiores imedia-tos e precisavam "manter-se nas boas graçasdeles". Em geral, "na 'parte da produção, essaera boa porque uns viviam 'porfiando' com osoutros para dar mais. Mas em compensação asmáquinas eram péssimas porque não eram tra-tadas direito e a qualidade do produto tambémnão era das melhores." Não poucas vezes haviadiscussões entre os contramestres e mestres,aqueles acusando estes de proteção a uns e per-seguição a outros. Esse aspecto está confirmadotambém pelas palavras do atual diretor-supe-rintendente sobre o ambiente na empresa quan-do nela chegou: "Era uma verdadeira bagunça,existia o paternalismo, grupinhos e aquela pro-teção e perseguição de elementos."

Segundo um informante, a fábrica dividia-senessa época em três grupos: fiação, tecelageme acabamento, cujos contatos entre si eram mí-nimos. Pode-se inferir que a organização erapuramente empírica, com uma administraçãosem divisão de trabalho definida. "Contava ex-clusivamente com os mestres para a conduçãodos trabalhos", aos quais conferia ampla auto-ridade baseada na "lealdade" dos mesmos aosseus interesses. O que não impedia de reservar-se o direito de interferir nessa autoridade dele-gada sempre que julgasse oportuno.

Em 1938 ocorreu uma segunda falência, fi-cando a fábrica, no período 1939-43, sob adireção de um banco (um dos seus maiores cre-dores), que enviou um interventor para assu-mir a gerência. Segundo vários informantes, "osistema de serviço continuou o mesmo", tendosido assinalada, como das poucas modifica-

Trabalho e modernização na indústria têxtil Sebastião C. V. Cruz

ções ocorridas, a introdução de um fiscal emcada seção, independente dos mestres e contra-mestres.

Em 194~ a cOII~pa~~iafoi comprada pelosseus atuais propríetáríos, um grupo já comexperiência no setor têxtil. Vieram então de ou-tras fábricas três elementos da confiança dosnovos donos, que assumiram os cargos de ge-rente, subgerente e chefe da turma volanteconstituindo-se na administração interná. . ,, Ao que parece, tanto pelo organograma daepoca, que antigos funcionários da fábrica ten-taram reconstituir, como por vários depoimen-t~s, essa no,:a. administração também foi orga-nízada empírícamente. Os setores básicos dafábrica - fiação, tecelagem e acabamento - es-tavam assim divididos: o primeiro sob a respon-sabilida~e. de um anti~o ~estre e de um pa-rente próximo dos propríetáríos, sendo que aque-le posteriormente foi substituído por um técnicoinglês. que já .hayiB;servido na administraçãoanterior: os dOISúltímos sob a responsabilidadedo subgerente. O gerente exercia influênciadireta em outras seções, como oficina mecâni-ca, fundição, carpintaria, escritório almoxa-rifado, etc. '

Os diversos depoimentos salientaram umaspecto muito interessante que indica uma mu-dança na distribuição da autoridade na empre-sa: trata-se do papel exercido pelos encarrega-dos daqueles setores e, de maneira especial pelosubgerente. Exercia sobre os mestres uma ~uto-ridade assim definida por um informante: "Eraabsolu~o,principalmente na tecelagem, fazia ed~sfazIa, mandaya mesmo." Os mestres já nãotinham acesso direto ao gerente porque deviamfalar primeiro com o subgerente. E, embora as-pectos como admissão e, demissão continuas-sem nos antigos moldes até mais ou menos 1950"apertou mais o serviço para os mestres (e con~tramestres), que já não tinham a mesma for-ça na seção".

~ não-formalização dos cargos, mesmo osmais ~levados, propícíou um padrão pessoal deautoridade, considerado ideal pela alta admi-nistração. Um categorizado dirigente conside-rava "que o sujeito é que se impunha. Ficavasem função e devia descobrir esta posição."Desde que tomasse iniciativas para solucionarou encaminhar problemas imediatos era inves-tido de maior poder. Parece, pois, que a autori-dade do subgerente, e em parte a do técnicode fiação, foi ampliada em detrimento da dosm~s~res. Nestes casos, a personalidade do ad-mInIstr~dor torna-se de importância vital paraa questao dos assuntos da empresa. E este fatoé salientado por vários informantes, ao critica-re~ ~uramente a pessoa do subgerente, respon-sabílízando-o pelos problemas nas relaçõesp~ssoais ~e~tro da fábrica: proteção, persegui-çao, adI;llssao de afilhados, etc.; "os bajuladoresé que fícavam bem com ele" e o ambiente eramuito tenso.

Foi no início da década de 50 que o atualdiretor-superintendente, filho de um dos pro-prietários e com formação nos Estados Unidos,assumiu a diretoria da fábrica, responsabili-zando-se pela maior parte das decisões, comopor exemplo, a criação do Departamento dePessoal. Para dirigi-lo foi escolhido um funcio-nário que "tinha qualidades administrativaspessoais, sabia lidar com gente e tinha alta per-cepção para fazer as coisas com justiça".

Nessa época não havia ainda organogramaque "só foi criado realmente depois de 1956,porinfluência de uma empresa consultora, contra-tada nesse ano para programar uma novaestruturação da fábrica". Diz o diretor-superin-tendente: "A situação estava feia e não dispú-nhamos de capital suficiente para aumentar aprodução, adquirindo máquinas, como estavafazendo a maioria do pessoal. Assim nos con-centrávamos na organização." Os técnicosdessa firma trabalharam na empresa durantealguns anos, em meados de 50, e foram os res-ponsáveis pela introdução dos métodos deracionalização do trabalho que hoje vigoram nafábrica. Entre outras coisas, organizaram os se-tores de produção e manutenção, iniciaramestudos de tempo, controle de qualidade, etc. re-duzíram pessoal, extinguiram os cargos de con-tramestres e mestres e criaram os de mecânicose supervisores, estes como encarregados das se-ções e aqueles da conservação da maquinaria.A presença dos técnicos dessa firma marcou in-tensamente a I.T., sendo citada pela maioriados entrevistados ao abordar aspectos das mu-danças ocorridas na fábrica.

Tais comentários ressaltavam sempre doispontos: a profundidade e o alcance das refor-mas: "Foi a maior modificação que já fizeramaqui, viraram a fábrica do avesso." "O lemadeles era que para o operário produzir bemprecisava ter tudo a tempo e a hora, e por issoreviramos todas as máquinas aqui dentro dessafábrica para dar uma posição mais favorávelaos operários." "Com essa mudança, reduziu-semuito o pessoal. Quando eu entrei, a fábrica ti-nha uns 1400 empregados; hoje tem a metade,e fazemos a produção duas vezes maior que há10 anos. Por aí a senhora vê o que foi essa mu-dança."

Essas mudanças provocaram reações tanto deoposição como de adesão, nos vários níveis hie-rárquicos: "Foi uma época horrível, a adminis-tração passou por tremenda crise", alguns deseus elementos sustentando as posiçõesdos téc-nicos contra as pressões de outros que não asacatavam. "Os contramestres não gostaram dejeito nenhum, diziam que foram humilhadostambém na frente dos empregados, mas antesera muita responsabilidade que eles tinham eo que se fez foi tirar só uma das suas obriga-ções (a do pessoal) sem diminuir o ordenado.""Os mais exaltados e mais antigos discordaramdessas mudanças, sempre há gente assim, quegosta das coisas como são."

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o antigo diretor de produção foi "o ponta delança da administração para abrir caminho aessa racionalização; conquistando o pessoal,conseguiu levantar a produção mesmo depoisde mudança tão grande." "Não foram muitosos mestres e auxiliares mais diretos que gosta-ram dessa idéia nova, mas alguns contribuirammuito." Na verdade, parece que a situação ra-dicalizou-se de tal modo que à administração,apoiando tais reformas, não sobrou outra alter-nativa senão despedir os mais descontentes."Despediu-se gente a rodo mas a produção au-mentou e tudo foi entrando no eixo."

A preocupação maior dos dirigentes passoua ser então a de criar "um ambiente mais har-mônico no trabalho", o qual, provocando ummínimo de problemas, também propiciasse ummáximo de produção. Se para isso precisassedeixar certas coisas pouco claras, assim era fei-to, como no caso dos contramestres, por exem-plo. Um informante, que testemunhou osprimeiros tempos de implantação dessa reforma,conta: "Nos primeiros meses (já com o super-visor trabalhando na seção), ninguém proibiuaos contramestres de continuarem suspenden-do e punindo tecelãs, mas quando aconteciamcertas punições injustas, que não tinham lógi-ca, então (o supervisor) não as aceitou. Foi sóai que eles notaram que alguma coisa haviasido modificada no seu sistema de trabalhar.Foi então que começou o ressentimento ...Esses contramestres, depois de algum tempo,passaram a enganar-se a si mesmos sobre essesproblemas de perder uma de suas funções (par-te da direção do pessoal que dividiam com ossupervisores). Não se preocupavam mais ... Nãoperderam o nome nem diminuíram o seu orde-nado, e acho que até esqueceram que um diachegaram a tomar consciência disso."

Junto a essas reformas, isto é, em meadosde 1950, ocorreu na empresa uma mudança na"ideologia" administrativa: de uma políticadura para com o operário, do "tempo das bofe-tadas" e da proteção dissimulada, passa-se parauma orientação mais amena e imparcial, exem-plificada por um elemento da alta administra-ção: "Sempre fiz muita questão de isenção, dejustiça, nada de proteção, todo mundo é filhode Deus."

Esta política mostrou-se também de grandeutilidade para combater os núcleos de revoltae tensão que as modificações recém-introduzi-das geraram ou ampliaram. E gradualmente,através daquele mesmo padrão de autoridadeadquirido pelas iniciativas pessoais e pelo de-sempenho de um papel de "patrão bom e aten-cioso", um elemento da administração foicentralizando o poder interno da fábrica.

Uma direção forte e uma organização rigi-damente controlada de cima eram compensa-das por atitudes "paternalistas". Um entrevis-tado assim descreveu a situação: "Ficamos ha-bituados a uma administração de um homemsó. Esse homem englobava tudo aqui: passava

Revt3ta de Administração de Empresas

12 horas na fábrica; tinha um conhecimentoperfeito de tudo e era considerado um supra-sumo. Os supervisores sempre tratavam os pro-blemas com ele. Tinha uma noção geral de tudo.Tinha um grande gabarito, centralizava todaa administração nas suas mãos e conseguia fa-zer-se presente ao emprego. Ele era realmenteum sujeito que tinha um dom especial ...Quando cumprimentava um empregado aqui-lo era uma festa para ele, o sujeito achavaaquilo uma honra. Ele era realmente irradian-te. Tudo ia a ele, que resolvia com justiça masdentro do paternalismo, isto é, dando umaajudazinha extra ao camarada."

Em 1963 construiu-se um primeiro organo-grama que, entretanto, não se impôs à estru-tura informal existente. Segundo declaração deum administrador, "em 1964 ainda não haviana fábrica uma estrutura formal". Os níveishierárquicos, ao que tudo indica, eram tambémdois: o de administração, desempenhado sobre-tudo por uma só pessoa e sem divisão explícitade trabalho entre seus componentes, e o desupervisão, responsável pela execução do traba-lho nas seções. A administração, principalmen-te na pessoa do diretor da produção, mantinharelações pessoais com os empregados, retribuin-do com proteção e benevolência sua lealdade ecooperação. Essa orientação dominava tambémos aspectos de demissão e admissão de empre-gados, sendo impossivel a funcionários (princi-palmente supervisores) colocarem parentes eamigos, 7 capitalizando maior prestigio juntoaos subordinados, como declarou aquele infor-mante: "Sempre dei e dou preferência a filhose parentes de empregados meus porque isto aju-da muito no ambiente de trabalho. Um caradesses que você bota aqui é um amigo que vo~êteme isso influi muito para a gente na seçaoe na fábrica."

Foi essa organização administrativa, aindafortemente impregnada de tradicionalismo, cen-tralizada por um líder cuja autoridade advinhamenos da posição do cargo ocupado que porqualidade e dons considerados pessoais, especí-ficos ·e não acessíveis a todos, que passou asofrer, com a morte desse lider em 1964, umprofundo processo de transformação.

Em termos de autoridade, não se tratou desimples redistribuição entre os níveis hierárqui-cos, como parece ter ocorrido anteriormente,quando boa soma de poder passou dos mestrespara os gerentes e, depois, destes para o dire-tor de produção. Trata-se, ao que tudo indica,de uma mudança qualitativa em que a auto-rtdadepassa a ser exercida segundo um novopadrão, o padrão burocrático.

As tarefas de administração começam a serrealizadas, de fato, por meio de departamen-tos e gerências, cada qual com seu chefe e comesfera de competência cada vez mais delimita-da. Os cargos, dispondo-se numa ordem hierár-quica independente dos seus ocupantes, são re-

gidos "por um sistema deliberadamente estabe-lecido, de normas abstratas, gerais e impessoais,donde o caráter impessoal e a previsibilidade" 8

de seu processo administrativo.O processo de burocratização - repetimos -

iniciou-se em meados da década de 50, quandoda reorganização da empresa com a criação desetores diversos de produção e manutenção, asubstituição do sistema de mestres e contrames-tres e a adoção de meios racionais de controlede tempo e movimento nas operações de produ-ção. No entanto, essas mudanças foram "com-pensadas" pela manutenção de um sistema deautoridade tradicional e de uma orientação pa-ternalista, que perdurou até meados de 1964,com a morte do diretor de produção. Foi só coma mudança da administração (precipitada poresse acidente) que a relação patrão-empregado(nas palavras de um entrevistado, o ex-diretorde produção "era tomado como um patrão aquidentro"), transformou-se em relação "empre-gado-superior hierárquico". O mesmo entrevis-tado observa: "A primeira relação a genteaceita muito mais." Eis porque a atual adminis-tração encontrou sérios problemas para impor-se, particularmente entre os elementos donível médio.

Segundo um administrador, logo após a mor-te do Dr. X há quatro anos "houve um períodode confusão de mando; ninguém sabia quemmandava em quê. Tivemos que começar tudode novo." Nesse trabalho de reconstrução, maisque uma simples reforma, salienta-se o papeldesempenhado pela gerência de relações indus-triais. Essa gerência, responsável pelos assun-tos que envolvem "relações da empresa comseus empregados", assumiu naturalmente a li-derança da formalização dos processos admi-nistrativos, tendo seu titular declarado: "D. erachefe do Departamento de Pessoal, que englo-bava os serviços feitos pelo atual departamento.o desenvolvimento do pessoal e a vigilância,mas as coisas não eram muito nítidas. O pri-meiro organograma, assim como a divisão emdepartamentos, fomos nós que fizemos... Eisporque o Departamento de Relações Industriaiscentralizou os rancores dos que não aceitavama nova mudança."

Para Weber 9 a burocracia possui certas ca-racterísticas as quais são comparáveis à atualestrutura interna da I.T.:1. "Rege o princípio de áreas de jurisdiçãofixas e oficiais, ordenadas de acordo com regu-lamentos, ou seja, por leis ou normas adminis-trativas." Vem-se organizando na fábrica, des-de meados de 1960,a formalização das diversasfunções gerenciais e de supervisão, assim comoas Normas Administrativas Gerais.2. "Os principios de hierarquia dos postos edos níveis de autoridade significam um siste-ma firmemente ordenado de mando e subordi-nação, no qual há uma supervisão dos postosinferiores pelos superiores." A partir de 1965,

tem-se elaborado organogramas da fábrica, demodo a servirem de orientação formal para ahierarquia. O último deles em vigor, vem sen-do, salvo em alguns aspectos, seguido nos vá-rios níveis administrativos. Atualmente, objeti-vando diminuir ainda mais a diferença entre oorganograma e as situações de fato, os níveisde gerência e supervisão estudam um novo pro-jeto. Por outro lado, as normas administrativasrecém-aprovadas estabelecem que "todas as ins-truções internas deverão ser canalizadas atra-vés da estrutura organizacional e, nesse siste-ma, formuladas diretamente àqueles a quem sedestina". Oferece aos subordinados o direito derecurso aos chefes mais altos "devendo a res-posta nos assuntos administrativos... sempreseguir por via hierárquica".3. "A administração de um cargo moderno sebaseia em documentos escritos." Essa preocupa-ção encontra-se presente na formalização pelaqual vem passando o sistema de comunicaçãointerna da empresa.4. A administração· burocrática, pelo menostoda a administração especializada, pressupõehabitualmente um treinamento do mesmo gê-nero. Observa-se a substituição progressiva, nasgerências, de elementos com formação pura-mente empírica por outros especializados. Éfato sempre salientado pela administração anova política de só admitir, para os cargos maiselevados, pessoas com instrução superior. As-sim também, reconhecendo que o "pessoal nãotem o desenvolvimento cultural e profissionaldesejado e necessário", o Departamento de Re-lações Industriais, através da Seção de Desen-volvimento do Pessoal, planejou para 1968:"embora nos custe caro, cursos internos e ex-ternos que visem a melhoria de nosso pessoalalém da rotina do treinamento dos 'semíqualí-ficados' ".

Além desses, outros aspectos da atual organi-zação administrativa da fábrica são tambémindicativos do padrão burocrático dominante,particularmente os que se referem à adminis-tração do pessoal, como:1. Recrutamento e seleção: durante o períododa pesquisa o sistema de recrutamento eraainda o "de oferta e o da indicação pelos empre-gados e conhecídos'';> assim como solicitaçãodos interessados para os cargos menos qualifi-cados. A seleção também era feita toda "emvista de informações e da própria apresentaçãodos candidatos que, dentro desse critério, sãoescolhidos pelo gerente do Departamento de Re-lações Industriais". Mas já durante esse perío-do começou-se a aperfeiçoar o sistema, utilizan-do-se para as funções semiqualificadas "um pri-mitivo profissiograma para a escolha de umdeterminado número de candidatos pela Sele-ção do Pessoal" pelo gerente e supervisor inte-ressados.

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o planejamento para 1968inclui aspectos daintensa formalização do processo de admissão,tais como: a) "pôr anúncios nos jornais de nos-sa e de outras cidades toda vez que se fizernecessano o recrutamento de pessoas qualifi-cadas"; b) "maior ... contato com escolas téc-nicas"; c) "reduzir a inscrição dos não-quali-ficados a quatro meses por ano"; d) "providen-ciar a execução dos profissiogramas das váriasfunções"; e) "seleção e escolha dos elementosdentro das especificações do profissiograma";f) "uso de exames psicológicospara as funçõesaltamente qualificadas". Todos representam as-pectos de uma nova política a ser seguida e quevai exigir alguns anos para ser completamenteexecutada, sobretudo se se levar em conta aatual baixa demanda da fábrica com relaçãoà mão-de-obra.2. Demissões: tendo em vista distribuir o pes-soal "eqüitativamente pelos três decênios davida profissional", estabeleceu-se um programade demissões nos últimos anos, fundamentan-do-se também em critérios, ainda que empíri-cos, passíveis de reduzir a interferência de fa-tores exclusivamente pessoais.3. Promoções: embora reconheça as poucasoportunidades de promoção que a fábrica ofe-rece, o gerente de relações industriais declarouque "estamos querendo formalizar o que já sefaz hoje", salientando que, "com o bom funcio-namento do Sistema de Avaliação de Mérito(introduzido há dois anos), e os profissiogra-mas, haverá possibilidades concretas de promo-ção dos mais capazes".4. Penalidades: "estãos sujeitas a critérios em-píricos e afetas ao supervisor (advertência esuspensões) bem como ao gerente de relaçõesindustriais. "5. Salários: vêm obedecendo, há uns dois anos,a uma planificação incluindo "melhoria de pa-drão para certas categorias e runções desajus-tadas e manutenção dos padrões dentro dos me-lhores da comunidade", assim como "reavalia-ção dos cargos e funções".6. Controle: desde 1968 é adotado o sistemada ficha MacBee"para registro da vida pro-fissional e demais dados de interesse de cadaempregado".

Destaca-se a atualidade desses processos ra-cionais, embora alguns não passem ainda desimples projetos. Isso significa que a empresaencontra-se numa fase de acelerada implanta-ção dos padrões burocráticos, cujos resultadosafetam de maneira diferencial e continuada ostrabalhadores e influem em suas atitudes e emseu comportamento.

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2. A ATUALORGANIZAÇAOADMINISTRATIVAE A ESTRUTURADE AUTORIDADE

O organograma em vigor durante o período emque este trabalho foi realizado apresenta q~a-tro níveis hierárquicos e um de base, assimcompostos:1Qnível - diretor.2Qnível - gerente: relações industriais, pro-dução, manutenção.3Qnível - supervisores das gerências de ma-nutenção e relações industriais; supervisores decontrole, expedição; supervisores gerais de fia-ção, tecelagem e acabamento, além de um as,-sistente técnico de fiação, todos pertencentes agerência de produção.4Qnível - serviços de pessoal, segurança evigilância, supervisores de fiação, tecelagem,alvejamento, tinturaria e acabamento. A essenível ligam-se, sem fazer parte da cadeia demando, mecânicos e auxiliares de fiação e te-celagem.

O nível de base é constituído do pessoal dasvárias seções subordinadas aos níveis hierárqui-cos anteriores e que não têm nenhuma fun-ção de mando, sendo apenas executores dasordens.

Os vários níveis formam as cadeias de mandocu linhas de autoridade através das quais fluemas principais comunicações de sentido vertical,ascendente ou descendente. O nível gerencialencabeça cada um dos três grupos de cadeiasorganizadas segundo conjuntos de atividadescorrelatas, sendo que nos níveis inferiores asresponsabílídades são mais específicas.

Observando-se ainda o organograma, verifi-ca-se que certos setores imprescindíveis numaempresa organizada, como finanças, compras evendas, não estão presentes, o que se explicapela dependência da fábrica à administraçãocentral, sediada no Rio de Janeiro.

A alta administração compõe-se de órgãosconsultivos (assembléia e conselho) e de umadiretoria executiva com um diretor-superinten-dente e mais três diretores de produção, ven-das e finanças. As decisões mais importantesda empresa, nos diversos setores, emanam dessenível superior. A ligação direta entre a admi-nistração central e a administração interna dafábrica é feita, segundo o organograma, atra-vés do diretor da fábrica, cujo superior diretoé o diretor de produção. No entanto a adminis-tração local é autônoma para gerir internamen-te. "Para fazer tudo o que tem de ser feito."Nenhum dos administradores entrevistadosqueixou-se de qualquer cerceamento ou inter-

ferência do nível superior em suas atividadesespecíficas, embora reconhecida a liderança dodiretor-superintendente, e portanto o caráterinformal que predomina nas relações da admi-nistração local com a central do Rio.

Os elementos que compõem a administraçãolocal são funcionários executivos encarregadosde setores diferentes, com nítida divisão de tra-balho entre eles.Há pouco mais de um ano suasfunções foram formalizadas, e praticamente emtodos os casos houve concordância entre as de-clarações dos entrevistados a respeito de suasresponsabilidades e as atribuições já formaliza-das, notando-se um interesse "em seguir oestabelecido". A coesãoadministrativa, a homo-geneidade e competência dos vários elementosdos níveis superiores é unanimemente reconhe-cida. Deve-senotar ainda que a clara definiçãode papéis é acentuada tanto no nível gerencialcomo no de direção, não obstante todos eles ti-vessem, até há pouco tempo, apenas uma atri-buição empírica de funções. Os três setoresprincipais da fábrica - relações industriais,produção e manutenção - estão sob a respon-sabilidade dos gerentes, enquanto que aos di-retores da fábrica e de produção competemtarefas mais amplas que abrangem para o pri-meiro toda a I.T., e para o outro o setor de pro-dução de toda a empresa (que inclui maisde duas fábricas). Os problemas específicos decada setor gerencial são resolvidos em seu pró-prio âmbito, através de uma delegação de au-toridade hoje explícita nas atribuições funcio-nais de cada um. Há ainda constante entrosa-mento entre as gerências, principalmente entreas de manutenção e produção, "porque os ser-viços estão muito relacionados".

A subordinação do nível gerencial em relaçãoao nível de direção, embora nítida quer no or-ganograma, quer na formalização das funções,é suavizada pelo clima de informalidade queexiste entre os vários administradores, dandotênues contornos à noção de hierarquia, comodemonstram estas palavras: "Não é uma subor-dinação completa porque há entre nós muitoentrosamento, perfeito mesmo; o que há sãosugestões, troca de opiniões." Na verdade, o es-pírito de grupo é o que prevalece, espírito ali-mentado pelos intensos contatos entre os vá-rios membros da administração e a soluçãocomum de inúmeros problemas. Isto faz da ad-ministração local um bloco integrado, onde asdiferenças hierárquicas "não são significati-vas". O que não impede, entretanto, que o pa-drão de autoridade aí existente se aproxime dotipo burocrático, como se verá mais adiante.

Os níveis seguintes na ordem hierárquica sãoos de supervisão. O organograma estabelecedois níveis aqui: supervisores diretamente liga-dos às gerências e supervisores ligados a outrossupervisores, como é o caso das seções de pro-dução, onde se encontram supervisores geraisde fiação, tecelagem e acabamento. Entretanto,a experiência de pesquisa veio demonstrar que

esses dois níveis correspondem na realidade aum só. Nem a administração nem os supervi-sores os distinguem nesses termos.

Como a administração, tal nível foi recente-mente definido, ainda no período de pesquisa,de maneira formal. O Manual do superoisor daindústria têxtil foi elaborado pelos superviso-res e pela administração em uma semana detrabalho no início de julho de 1968. Define afunção do supervisor como sendo "administra-tiva e de chefia", cujo exercício é de "confian-ça da administração".

Delimita suas responsabilidades: é o "chefede pessoal em sua seção". Cabe-lhe "sugerir erecomendar nos casos de admissão e demissão",colaborar na "avaliação" e "promoção", cuidardo "desenvolvimento do seu pessoal", encar-regar-se do aspecto disciplinar.

Deve estar familiarizado "com o desenvolvi-mento e métodos dos cargos supervisados". Temresponsabilidade quanto à atualidade, quanti-dade e custo dos equipamentos e produtos desua seção, relatando "a seu superior, com a fre-qüência necessária e de preferência por escrito,o andamento" da mesma. Fica assim estabele-cido o âmbito de autoridade da função.

Preconiza a liberdade de acão "dentro dosplanos, objetivos e programas 'da empresa". Osupervisor "deverá trocar o programa de traba-lho de sua seção, organizá-la e dirigi-la", bus-cando a aprovação do "gerente do setor sempreque pretenda modificar ou alterar a rotina ad-ministrativa". 1t

Analisando as entrevistas dos supervisores,observa-se que as áreas de responsabilidadeadministrativa e técnica são salientadas por to-dos, às vezes de um modo muito simples: "Aparte que tenho responsabilidade por ela é ...(a parte técnica especificada) para que tenhabom rendimento e 'incentivação' do meu pes-soal prá me ajudar cada vez mais e à fábricatambém, porque é aqui que a gente ganha o110SS0 sustento e o das nossas famílias." Tam-bém a posição hierárquica desses funcionários,isto é, a quem são subordinados e sobre quemtem autoridade, é coincidente, na maioria doscasos, com o organograma.

A autoridade dos supervisores não exorbitade suas seções e serviços, e todas as contribui-ções feitas fora deles têm caráter de informali-dade e "colaboração": "Por causa do novo tem-po de serviço, de nossa experiência ... a gentetem uns conhecimentos que sempre procuradar aos que pedem." "As vezes um supervisorvem conversar com a gente ... (que) ... pro-cura entender e dar opinião de como acha quedevia ser feita a coisa. .. mas isto não é muitofreqüente e é extra-oficial." "Também, sem es-tar dando ordens ou ser o chefe deles, costumoajudar os contramestres." Apenas um supervi-sor declarou fazer também com outros colegasum "trabalho assim de intermediário entre elese o gerente, havendo casos que eu mesmo resol-vo com eles" "e noutros ajuda-os a explicitar

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melhor suas idéias antes de apresentá-las aogerente, enriquecendo-as com dados concretos".E continua: "Desde que seja para maior eco-nomia e produtividade, posso interferir; o ge-rente deu-me delegação para isto. Depois, é cos-tume na fábrica incentivar contatos em linhahorizontal e eu, de minha parte, sempre os te-nho com outros supervisores, trocando idéias,mas sem querer interferir no trabalho dosoutros."

Apenas um supervisor demonstrou ser depo-sítárío de uma atribuição extra, delegada pelosuperior com base "na confiança que soube me-recer". Os demais salientaram sempre o cará-ter rotineiro de suas funções, não sendo chama-dos pela administração a desempenhar quais-quer outros papéis "pessoais". A autoridade queexercem está limitada pelas suas funções, em-piricamente até há pouco, e atualmente em fasede explicitação.

Os supervisores constituem o último nívelhíerárquíco formalizado· e também, de certaforma, os únicos intermediârios entre a admi-nistração (gerência e direção) e o nível da base;o elo final da cadeia de mando, uma vez queabaixo deles só há os que recebem ordens oucuja autoridade não obedece a padrões formaisde delegação.

O organograma não prevê nenhum nível híe-rárquíco entre os supervisores e o nível de base.Apenas para a fiação e tecelagem são anota-dos auxiliar e mecânicos que se ligam ao su-pervisor sem caracterização híerárquíca juntoaos demais operáríos. Alguns auxiliares sãoconsiderados como substitutos: "meu imediato,quan~o .não estou presente", "é o que mesubstituí quando estou de férias ou falto""quando preciso me ausentar ele toma me~lugar". Assumem apenas responsabilidade pelo"serviço rotineiro" quando o supervisor nãoest~..Normalmente exercem outras funções es-pecífíeas dentro da seção, como qualquer em-pregado.

Outros jâ estão, ao que parece, sujeitos auma delegação mais explícita por parte do su-pervisor, assumindo certas responsabilidadesmenores independentes de sua presença na se-ção: "Quem está coordenando diretamente esteserviço é o W., pois eu deleguei autoridade aele para isto. lt meu ponta de lança lá." Obser-vando-se a lista de nomes de auxiliares forne-cida pelo Departamento de Pessoal com a de su-pervisores, notou-se que não há coincidênciaperfeita. Os supervisores citam muito mais no-mes do que o departamento considera comooficiais.

Quanto aos mecânicos de produção, apenasum supervisor os considerou em nível um pou-co acima dos demais operários "por causa dasua especialidade", e apenas um mecânico foicitado como substituto eventual do supervisor.Parece portanto que a delegação de autoridade

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feita nesse nível depende muito do próprio su-pervisor e da maneira como encara seu traba-lho; a seleção se faz muito "pelo contato díáríoentre essas pessoas e se dá tanto pela demons-tração por parte daqueles elementos de compe-tência no serviço, como pela prova de seremdignos de confiança",12 mas sem estar aindalimitada por normas gerais administrativas ou"sujeitas a controles prévios e ctaros";> Nessesentido são significativas essas palavras: "Es-tou mais ligado dentro da seção ao Sr. J.8., queserve como meu auxiliar. Tenho inteira con-fiança nele."

A crença na lealdade do subordinado consti-tui uma das únicas garantias para a delegaçãonos sistemas tradicionais. Observa-se ainda quea falta de registro do nome da maioria dos au-xiliares no Departamento do Pessoal confere aosupervisor plena liberdade para dar e retirarautoridade do subordinado, cujas atividades po-dem ser alteradas quando julgar necessárío,Deve-senotar contudo que esta delegação tendea apoiar-se futuramente: 1. nas Normas Admi-nistrativas Gerais, recém-aprovadas, que pres-crevem no item 26: "Os executivos deverãosaber escolher e treinar pessoas capazes de as-sumir a responsabilidade de chefia. Para isto,devem atribuir responsabilidade aos subordina-dos dentro dos limites da capacidade, qualidadee conhecimento." E no item 27: "A respon-sabilidade delegada com a autoridade não exi-me o delegante dessa mesma responsabilidade."2. Um novo organograma está sendo construí-do, contendo a descrição por escrito dos diferen-tes cargos com definição de atribuições e res-ponsabilidades.

Dessa forma o padrão de delegação de auto-ridade tende, também nos níveis inferiores, aassumir caráter racional segundo uma descen-tralização administrativa objetivamente esta-belecida.

Ainda com relação ao organograma da rábrí-ca é preciso fazer algumas considerações emtorno de certos serviços especiais, como o ser-viço dentário e o serviço social, ligados à ge-rência de relações industriais e aos assistentestécnicos de gerência de produção. Tais serviçoscaracterizam-se especialmente por não exerce-rem seus titulares autoridade "de linha", isto é,não integrarem as cadeias de mando da fâbrica.Constituem atividades auxiliares da adminis-tração, cuja posição é considerada geralmentecomo íntermedíáría: "Fazemos um trabalho deassessoria e de íntermedíáríos entre as neces-sidades e interesses dos empregados e as pos-sibilidades e interesses da fâbrica." "Acho queestou num nível intermediârio entre as gerên-cias e os supervisores. Não sou supervisor por-que não recebo ordens de cima para fazê-lascumprir, nem estou, de modo nenhum, no ní-vel gerencial. Minha posição é mesmo ínterme-diâria."

Nenhum entrevistado demonstrou qualquerdúvida quanto a suas funções e papéis que sepodem classificar como de assessoria, conside-rando-se que "assessorar é planejar, recomen-dar, assistir ou facilitar as atividades que, tipi-camente auxiliares, são exercidas sem o direitode comando". 14 E ainda mais, as três finalida-des que se atribuem à assessoria - aconselhar,prestar serviços e exercer controles - estão pre-sentes nas funções desempenhadas por eles,como se depreende destas observações: "O me-canismo do meu trabalho se desenvolve da se-guinte maneira: todas as vezes que um dosdiretores ou gerentes precisa de certos dados eestudos (relativos a sua competênciaespecífi-ca) vem até mim e me pede. Eu vejo como podeser e dou as instruções devidas." "Estou estu-dando as minhas funções, que serão sobretudode aconselhamento técnico." "Serviços especí-ficos ocupam boa parte de nosso tempo."

Ainda quanto a suas funções, a "inteira li-berdade de ação" é salientada por todos os en-trevistados, especialmente no âmbito internodos serviços social e médico-dentário, cujos ti-tulares são profissionais de nível superior. Ne-les, a "autonomia de trabalho é tão grande quenão dá muito para sentir uma subordinaçãodireta". De qualquer forma, este é um nívelainda sem a formalização hierárquica e funcio-nal de outros, importando mais as situaçõesempíricas para a atribuição de status e papel.

Ao que tudo indica, não deve haver dúvidaem considerar-se como horizontal a organiza-ção da fábrica, onde os níveis da base à cúpulasão poucos e a cadeia de mando é curta. 15

3. O ATUALSISTEMADE COMUNICAÇOESAs comunicações internas numa empresa cons-tituem mais que simples ordens e informaçõesorais ou escritas. Compõem-sedentro de um sis-tema que inclui, além das ordens formais, to-dos os registros e informes de diferentes fontes,os murmúrios, as conversações de diferentes ti-pos entre os elementos dos vários níveis e se-ções, reclamações e respostas entre os váriossetores, enfim, todos os contatos em que infor-mações, sentimentos e atitudes são transmiti-dos deliberada ou sutilmente e que existem emdeterminado ambiente social.

Consideraremos aqui apenas certos aspectospassíveis de análise menos demorada.

A cadeia de mando corresponde ao principalsistema através do qual se "transmitem as or-dens e diretrizes em sentido descendente e in-formações acerca dos problemas (técnicos) edos trabalhadores em sentido ascendente". 16

Constitui também o centro dos esforços da em-presa no sentido de melhorar suas comunica-ções internas. Na I.T. essa cadeia é muito curtapor causa de sua organização de tipo predomi-nantemente horizontal. Da administração atéo empregado nas seções, a comunicação atra-vessa, na maioria dos casos, apenas um nívelhierárquico - o de supervisão.

Muitas vezes, quando os níveis de adminis-tração e supervisão precisam de informações(fornecer ou pedir) relativos ao andamento dotrabalho e ao "movimento do pessoal", recor-rem à cadeia de mando ou a funções colate-rais, através das ordens de serviço. A equipe dePesquisa recebeu significativo volume dessas ede outras comunicações escritas.

Classificando as diversas ordens recebidas,segundo sua direção, observou-se que essas or-dens são muito mais freqüentes na linha hori-zontal (entre supervisores) que na vertical.Isto pode ser explicado, pelo menos em parte,pela estrutura da fábrica, que favorece o cons-tante contato pessoal entre os supervisores eseus chefes, através dos quais as ordens sãotransmitidas. Além disso, como apenas dois ge-rentes coordenam o trabalho da maioria dos su-pervisores (86%), a comunicação escrita, maislenta e formal, tomaria muito mais tempo queo processo direto utilizado.

Esses mesmos aspectos podem ser creditadosà quase inexistência de ordens escritas dos su-pervisores para seus subordinados. O númeroextremamente restrito de comunicações escri-tas no nível da administração reflete o caráterinformal e o volume intenso de relações diáriasentre seus vários membros.

As ordens de serviço concentram-se, pois, nonível de supervisão. Sendo esse um grupo mui-to maior, pela própria natureza do seu serviço,é para eles mais difícil ausentarem-se longa-mente da seção: as comunicações escritas tor-nam-se, à primeira vista, o expediente maisfuncional para os supervisores. Além disso, con-tendo essas comunicações, informações e pedi-dos de providências a serem tomadas, a formaescrita é a mais indicada para não serem "es-quecidas" por aqueles a quem são enviadas,aomesmo tempo que constituem uma "garantia"para quem as mandou, de que está cumprindosuas obrigações. Um supervisor, aliás, comen-tou sua satisfação pela obrigação de envio decópias de ordens de serviço para o Departamen-to de Relações Industriais, salientando que istoera "muito bom, porque só ordem verbal nãodá. Assim a gente escreve mais. Muitas vezesa gente fala com a pessoa, transmite a ordempara ela, ela não cumpre e diz que não rece-beu aviso nenhum e a gente é que fica mal."

As ordens de serviço são em geral redigidasem poucas palavras, contendo sempre a data,a seção de onde parte, a quem é dirigida. O as-sunto é colocado de modo direto, simples eimpessoal, contendo a assinatura de quem a'expede.

Representam meios funcionais de comunica-ção que evidenciam flexibilidade estrutural eliberdade funcional própria a um sistema des-centralizado e horizontal, como o atualmentedominante na empresa. São, no entanto, con-trabalançadas por considerável volume de co-municação oral, que tende a persistir dado otamanho da fábrica.

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Os relatórios diários de supervisores e geren-tes seguem a cadeia de mando, em ordem as-cendente, em outro tipo de comunicação formal.Constituem, juntamente com as outras infor-mações (contabilidade, pessoal, ordem de férias,descontos, prêmios, lanches, etc.) um conjuntode comunicações formais, técnicas e padroniza-das, cuja descrição é aqui desnecessária. Per-tencem a um campo mais administrativo quepropriamente social.

Entre os níveis de administração e supervi-são, há outra oportunidade de contatos e quese reveste, cada vez mais, de grande importân-cia. São as reuniões periódicas gerais e as dossetores de fiação, tecelagem, manutenção e re-lações industriais. :É através delas que a admi-nistração comunica vários assuntos para seremtransmitidos aos empregados.

O nível da base, ou seja, o operariado, recebetambém comunicações do tipo formal, queratravés de veículos escritos de ordem geral,como ri Boletim Informativo e os Quadros deavisos, quer através de informações mais espe-cíficas transmitidas verbalmente.

O Boletim Informativo é publicado na em-presa desde 1961. Não apenas os assuntos comotambém a forma de redação - sempre direta,funcional e jornalística, de fácil entendimentopor parte dos leitores - e o uso constante dospronomes e adjetivos nós e nosso para indicaro pessoal e a fábrica, sugerem que os boletinssão usados como veículos para "vender" a em-presa ao empregado, para contribuir para umavisão positiva da empresa (preocupação perfei-tamente lógica para quem se interessa em criar"um ambiente mais harmônico no trabalho").Funcionam realmente como o mais importantemeio de comunicação formal entre a adminis-tração e os empregados. Apenas dois em cadasete operários entrevistados a respeito afirma-ram não os lerem sempre ou não os conhece-rem. Os demais citam-nos constantemente,como um dos meios pelos quais recebem infor-mações na fábrica.

O outro elemento escrito e formal de comu-nicação é representado pelos Quadros de avisoscolocados na entrada da fábrica - dois da ad-ministração, outro da cooperativa e outro doclube - onde são anexados, ou escritos a giz,comunicados rápidos, lembretes que "não de-vem permanecer escritos" ou apresentados commais cuidado.

Um outro quadro (do serviço social) é emgeral usado para anexar cartazes motivadoresde campanhas como de alimentação, vacinação,ou simplesmente comemorativos, como por oca-sião da Páscoa, de aniversário da companhia,do 7 de setembro, do Dia do Trabalho. Nelesão também transcritos trechos e pensamentospara reflexão sobre o amor, o trabalho e outrostemas. :É um quadro que praticamente nuncaestá vazio.

Há ainda outro meio de comunicação escri-ta, o jornal Ação, "órgão dos empregados da

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I.T.", criado e mantido sob orientação do ser-viço social e aberto à colaboração de todos osfuncionários, embora essa venha sempre "dasmesmas pessoas". :É uma publicação recreativae normativa, além de divulgar informações deinteresse dos trabalhadores, como por exemploa respeito do Fundo de Garantia de Tempo deServiço, do vestuário e uniformes (fevereirode 67) e a seção "Isto lhe interessa", que "nas-ceu para esclarecer, orientar e comunicar notí-cias sobre: previdência social, política, etc."(iniciada em maio de 1967 mas interrompidaem 1968).

Esses constituem os veículos de disseminaçãoformal de informações dentro da fábrica. Exis-te, porém, outra publicação, impressa em maiode 1967, que contém dados gerais sobre a fá-brica: sua história, organização e objetivos.Deve ser distribuída ao novo empregado comoparte de um programa de adaptação à empre-sa. Este há muito não é mais simplesmenteposto para dentro do portão por um gerente eapresentado ao encarregado da seção com pa-lavras como essas: "Olhe, ensina esse molequeaí." Pelo contrário, deve passar por processosde seleção que se formalizam cada vez mais,como já foi notado, e que incluem na fase geralentrevistas tanto com o gerente de relações in-dustriais como com seu futuro supervisor, atra-vés das quais o candidato apto é introduzidona empresa: "Dirijo-lhe boas-vindas, dou-lheconhecimento do regulamento da empresa, umaexposição do que é a companhia, seus objeti-vos, enfim, relações públicas." :É a seguir entre-gue ao Departamento de Desenvolvimento doPessoal, que se encarrega de mostrar-lhe a fá-brica, esclarecer-lhe as rotinas de trabalho, osistema de controle de incêndio, os benefíciosque receberá, etc., e o próprio aprendizado doserviço, se o novo empregado não tem ainda aqualificação desejada. Caso contrário, inicia otrabalhe sob orientação do supervisor.

O relato de um empregado com poucos me-ses de casa é bem ilustrativo: "Estava sem em-prego e procurei em vários lugares. Falei tam-bém com o Sr. J. (supervisor), que ficou defalar com o Dr. E. (gerente de relações indus-triais). Preenchi a ficha e dentro de duas se-manas fui chamado. Sabia que era uma boafábrica, que tratava bem os operários porquetinha um primo que trabalhava aqui. Conver-sei com o chefe do pessoal (supervisor) que medisse que queria pessoas que cumprissem o de-ver, que não falham, e as regalias que a gentetem aqui: leite, cooperativa e clube; trabalhono domingo, trabalho depois da hora; sobre ovestiário e uniforme, remédio, médico, dentista.Depois eu conheci a fábrica toda com um ele-mento da Seção de Desenvolvimento do Pessoal.Então fui entregue ao supervisor para começarmeu serviço."

Essas observações são um exemplo, entre ou-tros, dos primeiros passos de um novo empre-gado na fábrica, notando-se a preocupação em

instruí-lo sobre as condições de seu novo meiode trabalho. Nota-se ainda como essas informa-ções iniciais e essenciais vão sendo delegadas aseções diferentes: pessoal e desenvolvimento dopessoal. O empregado citado teve entrevista in-formativa e orientadora com o supervisor daSeção do Pessoal, que assumiu uma autoridadedelegada pelo gerente de relações industriais.Aliás, "na Seção do Pessoal é que houve maisdelegações porque o antigo responsável faziatudo ali. Seu auxiliar (atual supervisor daquelaseção) tinha meras atribuições executivas. Essaquestão de admissão e seleção do pessoal venhodeixando bastante por conta dele." O que é con-seqüência direta da burocratização interna dasempresas, pois, como bem nota Bendix: "Ospoucos que comandam devem controlar mas nãopodem superintender a execução dos seus su-bordinados" e são, portanto, obrigados a dele-gar mais autoridade, pois "a especialização im-plica em que aqueles nos níveis mais inferioresde hierarquia de comando conheçam mais numcampo limitado que aqueles que estão sobreeles". 17

O sistema de seleção e admissão de pessoal éum dos mais representativos índices do graude burocratização e um dos pontos de maior in-dependência entre as comunicações e a estru-tura interna das empresas. Na I.T. empregadosde mais de 20 anos foram, em sua maioria, es-colhidos ao acaso, no portão, e postos para den-tro da fábrica após seleção sumária, feita "aolho", pelo gerente ou mestres. Depois de cria-da a Seção do Pessoal, seu encarregado passoua responsabilizar-se pelo processo, embora osgerentes continuassem a influir, ainda impor-tando muitos fatores de ordem pessoal. O anti-go diretor de produção foi o responsável diretopela admissão de muitos empregados, utilizan-do mesmo o expediente do "jeitinho", como nocaso de um supervisor admitido sem condiçõesmédicas satisfatórias porque aquele diretor"precisava muito (dele) naquele momento".

Atualmente a empresa marcha para um pro-cesso totalmente impessoal de seleção atravésde testes padronizados, profissiogramas e testespsicológicos. E as tarefas vão sendo distribuí-d.as, não sendo mais o diretor e o gerente osresponsáveis pela sua execução. Conseqüente-mente, também o volume e a qualidade de in-formações recebidas pelo recém-contratado émuito maior, tendendo a diminuir o tempo deadaptação ao novo ambiente.

Nessa questão, como em outras relativas acomunicações, salienta-se a posição-chave dossupervisores. Eles ainda conservam o direito deindicar e opinar sobre o candidato, "fazer for-ça por ele" (como no caso do empregado cita-do), embora cada vez mais "essa colaboraçãona decisão" venha sujeitar-se a qualificaçõestécnicas e pessoais dos candidatos reveladaspelos testes a que terão de se submeter. De qual-quer modo, terminado o período de "seleção etreinamento" feito pelas seções especializadas,

o empregado passará a viver sua rotina de tra-balho e então é ao supervisor que caberá a cria-ção de um relacionamento positivo entre ele eseus colegas e entre eles e a própria adminis-tração. A partir daí, os contatos pessoais entreos dois níveis ficarão muito mais difíceis, em-bora a companhia reconheça "o direito de re-curso aos chefes mais altos, bem como o decada empregado de dirigir-se diretamente aeles para expor o que desejar". (Normas Admi-nistrativas Gerais, item 4.)

Mas são poucos os que se aventuram chegaraté a administração, havendo inclusive umasuspeita de que os supervisores não favorecemmuito esses contatos. Outro dado a respeito éo fornecido pela assistente social sobre a biblio-teca: "Tínhamos aqui uma pequena bibliotecaformada sobretudo de romances e livros de cul-tura geral, cujo objetivo era incentivar os há-bitos de leitura dos nossos empregados. Comoa administração' queria fazer uma bibliotecada fábrica mesmo, então removemos nossos li-vros para lá, para ficar junto. Mas observei quedesde que a biblioteca passou para lá (próximaaos órgãos de administração), diminuiu aindamais o número dos empréstimos porque o pes-soal acha difícil ir até lá em cima."

Dessa forma, é pacífico o papel de interme-diários exercido pelos supervisores, que funcio-nam como transmissores e filtros naturais demuitas informações e opiniões verbais, trans-mitidas em linha ascendente ou descendente.

A administração parece consciente desse pa-pel de informantes exercido pelos supervisores,e tem opinião sobre como desempenham essafunção na empresa: "É norma da administra-ção pedir-lhes que procurem sempre obter acooperação voluntária dos empregados, depoisusar' a persuasão e só depois mandar mesmo,isto é, usar de autoridade. Mas não se temconseguido isto. Vão logo usando de autori-dade, e mais: eles recebem uma ordem comum sentido e lá embaixo a transformam do jei-to deles. Quando um operário se recusa a coope-rar, vão logo dizendo que é ordem da direção.Estamos convencidos que há um problema bemsério ai.". "Um problema que eu acho difícilaqui na fábrica, é o das ordens que a gente dáao supervisor chegarem direito ao pessoal ...(cita exemplo). Eles deturpam tudo. Acreditoque com outros supervisores ocorre o mesmo."Isto é, a administração parece convencida deque os supervisores constituem o ponto nevrál-gico do sistema interno de comunicações.

Perguntou-se aos empregados, numa médiade 5% em cada seção, sobre as informações nor-malmente recebidas do supervisor. Praticamen-te todos responderam que eram informações"sobre serviço". Essas informações são orienta-ções para execução de uma tarefa, modifica-ções a serem feitas, explicações sobre o ordena-do, relacionadas por todos os entrevistados.

São também os supervisores que fazem as pri-meiras comunicações ao empregado sobre sua

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demissão ou promoção, apresentam-lhe os mo-tivos e encaminham-no à Seção do Pessoal paraconcluir as providências de praxe. Apenas emcasos especiais o gerente de relações industriaisparece interferir diretamente. Segundo esse ge-rente, há uma preocupação da administraçãoem deixar para os supervisores "responsabili-dades cada vezmaiores no setor do seu pessoal",o que está também claro no item 12da Funçãodo Supervisor. Já no caso de informações es-peciais (opção pelo Fundo de Garantia de Tem-po de Serviço, aumento do seguro coletivo, mo-dificações na fábrica, etc.), menos de 20% dosentrevistados creditaram-nas a seus chefes di-retos.

É interessante notar ainda que eles citamquase sempre o Boletim Interno e os Quadrosde avisos como fontes de informação antes defalarem propriamente dos supervisores. O quep~~e~,eindicar que para as ~formações "espe-CIaIS, esses veículos rormaís e diretos de co-municação são fontes talvez mais importantes.

A administração da fábrica pode comunicar-se com o nível da base, como se observou tantopor meio de veículos formais escritos e diretos(boletin.s, quadros de avisos), como atravésda cadela de mando (supervisores). Viu-se quepara as ordens rotineiras de serviço as comuni-cações seguem a cadeia de mando, o mesmoacontecendo com as informações ordinárias deadministração do pessoal. Para as notícias "es-peciais" os meios diretos têm mais força umavez que os supervisores não parecem t~r um"sistema de comunicação" preestabelecido paracom seus subordinados. Isto é, não estão preo-cup~d.osem ter um meio de informar objetivae erícíentemente a todos os subordinados.

pent~o do âmbito e limitação da pesquisa nãofOIpossível comprovar verdadeiras "distorções"provocadas pelos supervisores como transmis-sores de infor~ações, mas ficou evidente, pelomenos, que nao se empenham nesse sentidoem relação ao nível inferior, com a mesma in:tensidade com que a administração vem se preo-cupando com eles próprios.

Analisando-se a opinião média dos dois ní-veis hierárquicos quanto às deficiências nesseseto~, ~ncon~ram-seobservações divergentes: aadmínístração ~nde ~ considerar o problemaem termos de distorções dos supervisores e es-tes em termos de distanciamento daquela emrelação aos operários: "Nem sempre transmi-tem o que a gente diz"; "muitas vezes não che-gam ao conhecimento do pessoal que não ascumpre porque delas não tomaram conhecimen-to. Agora isto está melhorando'" "Há falta de. - 'comumcaçao aqui; a administração não podese prender .aqui em cima, o pessoal pensa queesta esquecido." "O que falta hoje é mais con-tato dos gerentes com o pessoal." Nem os su-pervisores se dão conta de que são líderes e nãoapenas chefes, nem a administração se pergun-ta sobre a qualidade e eficiência das informa-ções que transmite ao nível intermediário.

Revista de Administração de Empresas

O sistema formal de comunicações que a em-presa possu! desde algum tempo não impedea proliferaçao de rumores e boatos dentro dasseções. Evidentemente, em nenhuma organiza-ção o sistema informal de comunicações, aque-le que surge espontaneamente e que não estásujeito a nenhum controle, deixa de existir pa-ralelamente ao sistema formal porque é umanecessidade natural de grupos de pessoas reu-nidas num mesmo ambiente. Entretanto, a pre-dominância de rumores e comentários comofontes de informações de decisões que emanamdos níveis mais altos de administração, é pró-pria de um sistema rudimentar de comunica-ções formais e constitui seu substitutivo natu-ral. No caso da fábrica, uma certa predominân-cia de comentários nas seções, como primeirafonte de informação, pode advir de um hábitoenraizado nos empregados - tendo-se em vis-ta que o aperfeiçoamento do sistema formal érelativamente recente (os boletins datam de1961) - e da própria conduta dos superviso-res e administradores, que estão se apoiandoneles (boatos), não assumindo as novas res-ponsabilidades. Nesse quadro surge outra fontede informação utilizada pelos empregados: oserviço social. Não são poucos os empregadosque para lá se dirigem: "Quando quero saberuma coisa direito, procuro a Dona E.. "

Essa situação no setor das comunicaçõesinternas reflete bem a transição sofrida atual-mente pela empresa. Os outros contatos infor-mais, que caracterizam o dinamismo da empre-sa como grupo de trabalho, existem nos trêsníveis de estrutura hierárquica e entre os ní-veis imediatamente próximos.

Os membros da administração mantêm en-tre si um volume muito grande de contatosinformais, estando constantemente uns nos ga-binetes dos outros, trocando idéias e pontos devista que não poucas vezes escapam do âmbitopuramente técnico ou de trabalho, transfor-mando-se em conversas sobre variados temas,conversas de que participam alguns superviso-res mais em contato com a administração. En-tre os dois níveis superiores há também muitaoportunidade de contato, dado o livre trânsitodos superiores junto aos gerentes e diretores e,desde há algum tempo, através dos contatosdiários na hora do café, pela manhã e à tarde.

O relacionamento em termos de nível de baseparece altamente positivo, sugerindo um "sen-timento de grupo". Dentro desse optimum háno entanto elementos classificados de "fofoquei-ros" e "disseminadores de boatos" e transmis-sores de informações "não oficiais" a supervi-sores e administradores. Mas sobre isso pode-seapenas ouvir comentários, uma vez que umestudo das cliques, e grupos espontâneos oudeliberados não foi realizado.

Pode-se concluir portanto que ocorre na I.T.a incorporação de um padrão de organizaçãomais racional e burocrático. E!e inclui não ape-nas modificações nos métodos tradicionais de

administração e produção, como também o es-tabelecimento de um tipo impessoal de contatoe comunicação entre a administração e os ope-rários.

Essa mudança reflete-se ainda no desenvol-vimento, nos últimos anos, de uma rede formalde comunicações que abrange tanto informa-ções orais como escritas entre diferentes níveishierárquicos. Essa rede permite maior divulga-ção dos assuntos da empresa e evidencia a preo-cupação dos dirigentes em levar ao conhecimen-to de todos os empregados aspectos de sua po-lítica administrativa que contribuam para umaimagem positiva da empresa.

Ao mesmo tempo, a reincorporação de certasresponsabilidades ao nível intermediário, prin-cipalmente no que se refere à administração eà comunicação ao pessoal, resulta de uma dis-tribuição de cargos e funções segundo um live-and staff system, 18 isto é, de caráter progres-sivo e irreversível. O sistema de informação,refletindo a estrutura de autoridade e a organi-zação administrativa da fábrica, evidencia tam-bém os mesmos sinais de transição por quepassa a I.T. o

t Esse nome um tanto impróprio, reconhecemos, nãodeve ser confundido com o conjunto das empresas domesmo ramo existentes na cidade, das quais ela sediferencia sob várias aspectos.

2 Consultar a esse respeito, além de Furtado, Celso.Formação econômica do Brasil. São Paulo, Nacional,1968 e anni, Octavio. Industrialização e desenvolvi-mento social no Brasil. Rio, Civilização Brasileira,1963, especialmente Cardoso, F.H. & Faletto, E. De-pendência e desenvolvimento na América Latina: en-saio de interpretação sociológica. Rio, Zahar, 1970;Tavares, M.C. & Serra, J. Mas alla del estancamiento:una discusión sobre el estilo del desarrollo recientedel Brasil. Santiago, (mímeogr.) e Oliveira, Francisco.A economia brasileira: crítica à razão dualista. In:Estudos Cebrap 2, São Paulo.

3 Mayo, Elton. The human problems ot an tndustrialcivilization. N.Y. Macmillan, 1933.Os resultados com-pletos das pesquisas da Hawthorne (Western Eletric)realizadas sob sua direção encontram-se em Roeth1is-berger, F.J. & Dickson, W.J. Management and theworker. Cambridge, Harvard University Press, 1939.

4 Apresentado no programa de pós-graduação em an-tropologia social do Museu Nacional, em 1972.

5 Nesta pesquisa contamos com a colaboração deLeda Maria Benevello de Castro.

6 As aspas utilizadas no. texto, quando outras fontesnão forem mencionadas, indicam frases e trechos deentrevistas.

7 Na época da pesquisa 55% das pessoas entrevista-das tinham parentes trabalhando na fábrica.

8 Lopes, J. Brandão. Sociedade industrial no Brasil.São Paulo, Difel, 1964.p. 100.

9 Weber, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro,Zahar, 1963. p. 229.

10 Dados do planejamento para 1968. Departamentode Relações Industriais. I.T.

11 Manual do supervisor recentemente aprovado.

12 Lopes, J. Brandão. op, cito p. 150.

13 Idem, p. 151.

14 Hopp, Maria Izabel Ramos. Conflitos entre as-sessores e administradores de linha. Revista de Ad-ministração de Empresas, Rio de Janeiro, FundaçãoGetulio Vargas, v. 6, p. 107, jun. 1965.

15 L. Gardner e W. Moore chamam de horizontal otipo de organização hierárquica "que tem poucos ní-veis e mais pessoas informando a cadeia superior"em contraposição com a "vertical" que apresenta uma"hierarquização com níveis" mais rigidamente con-trolada de cima. (Relaciones humanas en la empresa.Madrid, Rialps, 1961. p. 265 e seg.) .

tR Idem, p. 49.

17 Bendix, Reinhard. Wark and authority in industry.New York, Harper & Row, 1963. p. 9.

18 ------. op, cito

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Indústria têxtil