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Reacções ácido-base 1 2. Reacções ácido-base. Interessam-nos as definições de ácido e base segundo Brønsted e Lowry: ácido é uma espécie que pode doar um protão a outra espécie e base é uma espécie que pode aceitar um protão de outra espécie. Vamos apenas pensar em soluções aquosas nas quais o protão, H + , por ser uma espécie muito pequena e com carga relativamente elevada, se associa a várias moléculas de água. Para dar conta desta situação mas manter uma notação simplificada, representaremos o protão em água por H 3 O + . Vamos ver o que se passa quando dissolvemos certas espécies em água. Vamos começar pelo ácido acético, CH 3 COOH, ou, em notação simplificada, AcH, um líquido à temperatura habitual do laboratório. Já sabemos que todas as transformações prosseguem espontaneamente num dado sentido até se atingir uma situação de equilíbrio. Neste caso, o processo pode ser traduzido por: AcH + H 2 O Ac + H 3 O + [Ac ] [H 3 O + ] K a = = 1.8x10 -5 [AcH] A água líquida não figura na expressão de K pois trata-se do solvente que, por existir em tão maior quantidade que as outras espécies, terá a sua concentração virtualmente constante durante o processo. O ácido acético é um ácido fraco; ou seja, a constante de equilíbrio da reacção acima, designada por constante de acidez do ácido, K a (AcH), correspondente à hidrólise do AcH, tem um valor pequeno. Isto quer dizer que, ao atingir- se o equilíbrio na dissolução do AcH, a concentração da espécie AcH é grande, enquanto a da espécie Ac deverá ser pequena denominador elevado e numerador baixo. Os ácidos fracos dissociam-se portanto em pequena extensão. Como se comportou a água face ao AcH no processo acima? Vemos que a água captou o protão libertado pelo AcH, ou seja, a água comportou-se como uma base. E quanto às espécies do lado direito da equação? Sabemos que numa situação de equilíbrio químico, os processos directo e inverso se dão com velocidades iguais. Como classificamos então os iões Ac e H 3 O + ? Ao ceder um protão ao Ac , o H 3 O + comporta-se como ácido; e ao aceitar um protão, o Ac comporta-se como uma base. Uma noção importante a reter é que

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Reacções ácido-base

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2. Reacções ácido-base. Interessam-nos as definições de ácido e base segundo Brønsted e Lowry: ácido é uma espécie que pode doar um protão a outra espécie e base é uma espécie que pode aceitar um protão de outra espécie. Vamos apenas pensar em soluções aquosas nas quais o protão, H+, por ser uma espécie muito pequena e com carga relativamente elevada, se associa a várias moléculas de água. Para dar conta desta situação mas manter uma notação simplificada, representaremos o protão em água por H3O+. Vamos ver o que se passa quando dissolvemos certas espécies em água. Vamos começar pelo ácido acético, CH3COOH, ou, em notação simplificada, AcH, um líquido à temperatura habitual do laboratório. Já sabemos que todas as transformações prosseguem espontaneamente num dado sentido até se atingir uma situação de equilíbrio. Neste caso, o processo pode ser traduzido por: AcH + H2O ⇔ Ac− + H3O+ [Ac−] [H3O+] Ka = = 1.8x10-5 [AcH] A água líquida não figura na expressão de K pois trata-se do solvente que, por existir em tão maior quantidade que as outras espécies, terá a sua concentração virtualmente constante durante o processo. O ácido acético é um ácido fraco; ou seja, a constante de equilíbrio da reacção acima, designada por constante de acidez do ácido, Ka(AcH), correspondente à hidrólise do AcH, tem um valor pequeno. Isto quer dizer que, ao atingir-se o equilíbrio na dissolução do AcH, a concentração da espécie AcH é grande, enquanto a da espécie Ac− deverá ser pequena denominador elevado e numerador baixo. Os ácidos fracos dissociam-se portanto em pequena extensão. Como se comportou a água face ao AcH no processo acima? Vemos que a água captou o protão libertado pelo AcH, ou seja, a água comportou-se como uma base. E quanto às espécies do lado direito da equação? Sabemos que numa situação de equilíbrio químico, os processos directo e inverso se dão com velocidades iguais. Como classificamos então os iões Ac− e H3O+? Ao ceder um protão ao Ac−, o H3O+ comporta-se como ácido; e ao aceitar um protão, o Ac− comporta-se como uma base. Uma noção importante a reter é que

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uma espécie só pode funcionar como ácido se estiver perante outra que possa funcionar como base; e vice-versa. Os conceitos de ácido e base estão assim intimamente ligados. Outra noção importante é a de ácidos e bases conjugados. Em cada reacção ácido-base temos sempre dois pares ácido-base conjugados, pares 1 e 2, como indicado a seguir: AcH + H2O ⇔ Ac− + H3O+ 1(ácido) 2(base) 1(base) 2(ácido) Diz-se que o Ac− é a base conjugada do AcH, que H3O+ é o ácido conjugado da H2O, etc. Situação semelhante a esta é a que resulta da dissolução do amoníaco, NH3, em água: NH3 + H2O ⇔ NH4+ + OH− 1(base) 2(ácido) 1(ácido) 2(base) [NH4+ ] OH−] Kb = = 1.8x10-5 [NH3] A espécie NH3 comporta-se como base, já que aceita um protão da água. O valor da constante de basicidade do NH3, Kb(NH3), correspondente à hidrólise da espécie, é baixa. Isso indica que, numa solução de NH3, a concentração da espécie NH3 é elevada e a da espécie NH4+ é baixa; ou seja, a base NH3 é uma base fraca. É importante verificar que a água, que se comporta como base face ao AcH, se comporta como ácido relativamente ao NH3; diz-se que a água tem natureza anfotérica (esta característica não é exclusiva da água: por exemplo, se dissolvessemos em AcH líquido um ácido mais forte, esta espécie doaria protões ao AcH que neste caso se comportaria como base; este exemplo só reforça a ideia da relatividade dos conceitos de que estamos a tratar). É aliás com base no carácter anfotérico da água que se quantifica a força de ácidos e bases através das constantes Ka e Kb das reacções de hidrólise respectivas, como já foi referido. Convém frisar que, nas expressões de Ka e Kb, figuram concentrações, em unidades de mol dm-3, ou seja, molaridade, M. Só assim é possível usar os valores de Ka e Kb tabelados na literatura.

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Verificámos como a água se pode comportar como ácido ou base perante outras espécies, consoante as circunstâncias. E quando a água está sozinha? Também se dissocia? De facto, temos nesse caso o equilíbrio: H2O + H2O ⇔ H3O+ + OH− Kw = [H3O+ ] [OH−−−−] = 10-14 (25 °°°°C) À constante Kw dá-se o nome de produto iónico da água. O que o equilíbrio atrás determina é a interdependência das concentrações de H3O+ e OH−, quer a água esteja sozinha, quer esteja acompanhada por outras espécies ácidas ou básicas. Se a água estiver pura, e atendendo à estequiometria evidenciada neste equilíbrio (uma molécula de água origina 1 ião H3O+ e 1 ião OH−), temos que: [H3O+ ] = [OH−] = (10-14)1/2 = 10-7 M Vamos agora introduzir uma função que é muito útil neste contexto, a função p: pX = −log X, em que log representa o logaritmo na base 10. Para traduzirmos a acidez da água quando está sozinha, podemos usar o pH: pH = −−−−log ([H3O+]) Neste caso, pH = −log (10-7) = 7. É pois de 7 o pH da água a 25 °C. Em termos de pH, as soluções aquosas são classificadas da seguinte forma: pH < 7 ácidos pH = 7 neutros pH > 7 básicos A água pura define portanto o carácter neutro. De igual modo, teremos que: pOH = −−−−log ([OH−−−−]) pKw = −−−−log Kw = −−−−log (10-14) = 14 (25 °°°°C) Ou seja, o pOH da água é pOH = −log (10-7) = 7. Em qualquer circunstância, em água é sempre: pH + pOH = pKw = 14 (25 °°°°C)

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Cálculo do pH de soluções. Já vimos como calcular o pH da água. Vamos agora ilustrar o cálculo do pH de soluções aquosas ácidas ou básicas. Nesta situação, e embora continue a ser pH + pOH = 14 para simplificar, vamos assumir daqui em diante que estamos sempre a 25 °°°°C já não teremos normalmente [H3O+ ] = [OH−]. (A) Soluções de ácidos ou bases fortes. Como exemplos de ácidos fortes, temos o HCl, ácido clorídrico (a designação “ácido clorídrico” só é válida para as soluções aquosas de cloreto de hidrogénio, um gás nas condições normais de pressão e temperatura), o HNO3, ácido nítrico, ou o HClO4, ácido perclórico. Como exemplo de bases fortes, temos o NaOH, hidróxido de sódio, ou o KOH, hidróxido de potássio. Ao contrário do que acontece com os ácidos e as bases fracos, os ácidos e bases fortes estão completamente dissociados em solução aquosa. Ou seja, o equilíbrio referente à hidrólise de uma espécie forte está completamente deslocado para a direita. Tomando como exemplo o HCl, teremos: HCl + H2O ⇒ Cl− + H3O+ Ao atingir-se o equilíbrio na dissolução do HCl, a concentração da espécie HCl é virtualmente 0. Os valores das constantes de acidez e basicidade de espécies fortes são portanto considerados como infinitamente grandes e nunca aparecem referidos na literatura. Como se calcula então o pH de uma solução de HCl 0.1 M, e de outra solução de NaOH 0.1 M? São soluções tais que, em cada dm3 de solução, temos 0.1 mol de HCl ou 0.1 mol de NaOH. solução de HCl: [HCl] = 0 [Cl−] = [H3O+] = 0.1 M pH = −log ( [H3O+ ]) = −log (0.1) = 1 solução de NaOH: [NaOH] = 0 [Na+] = [OH−] = 0.1 M pOH = −log (0.1) = 1 pH = 14 − 1 = 13 No caso de soluções básicas, a função a que se tem normalmente acesso directo é pOH, vindo o pH por diferença para 14.

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O cálculo do pH de soluções de ácidos e bases fortes é feito por aplicação directa da função p, sem recurso a qualquer equilíbrio (as excepções a esta regra não serão aqui abordadas). (B) Soluções de ácidos fracos. Como exemplo de ácidos fracos, temos o CH3COOH que temos abreviado para AcH, ácido acético, o HF, ácido fluorídrico, o HNO2, ácido nitroso, o HClO, ácido hipoclorídrico, ou o HCN, ácido cianídrico. Vamos calcular o pH de uma solução de ácido acético, AcH, de concentração 0.1 M, sendo dado pKa(AcH) = 4.75. Para isso, vamos começar por escrever o equilíbrio da hidrólise do AcH, já apresentado atrás, e para o qual é definido o Ka que nos é dado. AcH + H2O ⇔ Ac− + H3O+ [Ac−] [H3O+] Ka = = 10-4.75 = 1.8x10-5 [AcH] Vamos analisar o equilíbrio. Iremos considerar um instante inicial em que a espécie de interesse está em solução mas não está dissociada, e a situação de equilíbrio em que a dissociação da espécie prosseguiu até ao ponto determinado pelo valor do K respectivo. Virá assim: AcH + H2O ⇔ Ac− + H3O+ 0.1 0 ≈0 concentração no início/M 0.1 − x x x concentração no equilíbrio/M Reparar que a concentração inicial de H3O+ não é 0 devido à auto-ionização da água. Vamos começar por desprezar x face a 0.1. A validade desta aproximação será verificada após os cálculos. x2 Ka = 1.8x10-5 = 0.1 x = [H3O+] = 1.34x10-3 M

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Dada a ordem de grandeza de x (bastaria que x fosse cerca de 10 vezes inferior à concentração inicial de AcH), considera-se validada a aproximação de cálculo feita atrás. Se x fosse da ordem de grandeza da concentração inicial de AcH, ter-se-ia que resolver uma equação do 2º grau. É sempre boa estratégia começar por desprezar x pois isso simplifica muito os cálculos e na maioria dos casos esta aproximação será concerteza válida. Teremos então: pH = − log ([H3O+]) = 2.9 O cálculo do pH de soluções de ácidos fracos e também de bases fracas, como veremos, não pode ser feito por recurso directo à função p, requerendo que se façam considerações de equilíbrio. (C) Soluções de bases fracas. Como exemplo de bases fracas, temos NH3, amoníaco, C2H5NH2 ou, abreviadamente, EtNH2, etilamina, CH3NH2 ou, abreviadamente, MeNH2, metilamina, ou C6H5NH2, anilina. Vamos calcular o pH de uma solução de NH3 de concentração 0.01 M, sendo dado Kb (NH3) = 1.8x10-5. O equilíbrio da hidrólise do NH3, já visto atrás, é: NH3 + H2O ⇔ NH4+ + OH−

[NH4+ ] [OH−] Kb = = 1.8x10-5 [NH3] Teremos então: NH3 + H2O ⇔ NH4+ + OH− 0.01 0 ≈0 concentração no início/M 0.01 − x x x concentração no equilíbrio/M x2 Kb = 1.8x10-5 = 0.01 x = [OH−] = 4.24x10-4 M (<< 0.01)

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pOH = − log ([OH−]) = 3.37 pH = 14 − 3.37 = 10.6 (D) Soluções de sais de um ácido forte e uma base fraca ou de uma base forte e um ácido fraco. Como exemplo do 1º tipo, temos o NH4Cl, cloreto de amónio (sal do ácido clorídrico e do amoníaco); como exemplo do 2º tipo, temos o NaCH3COO ou, abreviadamente, NaAc, acetato de sódio (sal do hidróxido de sódio e do ácido acético). Porque provêm de um ácido ou de uma base fortes, estes sais vão estar completamente dissociados (não vamos referir os sais provenientes de duas espécies fracas). Para os exemplo dados, teremos: NH4Cl ⇒ NH4+ + Cl− NaAc ⇒ Na+ + Ac− 1 : 1 : 1 1 : 1 : 1 Ou seja, se tivermos uma solução de NH4Cl de concentração 0.1 M, o que temos realmente é uma solução 0.1 M em NH4+ e 0.1 M em Cl−. Como se calcula o pH desta solução? Vamos ignorar a espécie Cl−, tal como fizemos no ponto (A), e por uma razão que será apontada daqui a pouco. O que acontece então à espécie NH4+? Sabemos que ela é o ácido conjugado da base NH3. Já vimos atrás que as espécies NH3 e NH4+ atingem uma situação de equilíbrio quando o NH3 hidrolisa. O inverso também é verdadeiro: se partirmos de uma solução de NH4+, esta espécie vai, por hidrólise, produzir a sua base conjugada que é o NH3. Teremos então: NH4+ + H2O ⇔ NH3 + H3O+ [NH3] [H3O+] Ka = [NH4+] Analisando o equilíbrio, virá: NH4+ + H2O ⇔ NH3 + H3O+ 0.1 0 ≈0 concentração no início/M 0.1 − x x x concentração no equilíbrio/M

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x2 Ka = 0.1 x = [H3O+] O problema está solucionado desde que saibamos o valor de Ka(NH4+). Haverá alguma relação entre este valor e Kb(NH3)? Vamos reescrever os equilíbrios de hidrólise do NH3 e do NH4+, e ver a que é igual o produto de Ka(NH4+) por Kb(NH3): NH3 + H2O ⇔ NH4+ + OH− NH4+ + H2O ⇔ NH3 + H3O+ [NH4+ ] [OH−] [NH3] [H3O+] Kb = Ka = [NH3] [NH4+] Ka Kb = [OH−−−−] [H3O+] = Kw = 10-14 −−−−log (Ka Kb) = −−−−log Ka −−−−log Kb = pKa + Kb = pKw = 14 Ou seja, o produto das constantes de acidez e basicidade para qualquer par ácido/base conjugados é a constante produto iónico da água. Uma consequência importante deste facto diz respeito à força relativa de ácidos e bases conjugados. Assim, por exemplo, o HCl é um ácido forte com Ka ≈ ∞, e está por isso completamente dissociado na hidrólise; logo, a sua espécie conjugada Cl− será uma base tão fraca com um Kb tão baixo que virtualmente não hidrolisa. Daí que não nos tenhamos preocupado com os iões Cl− em situações anteriores. Resumindo, quanto mais forte é um ácido, mais fraca é a sua base conjugada; e vice-versa. Completando o nosso exemplo, e dado Kb (NH3) = 1.8x10-5, teremos: 10-14 x2 Ka(NH4+) = = 1.8x10-5 0.1 x = [H3O+] = 7.45x10-6 M pH = 5.1

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O pH da solução de um sal de um ácido forte com uma base fraca é sempre ácido na hidrólise do ião relevante do sal são produzidos iões H3O+ e o pH da solução de um sal de uma base forte com um ácido fraco é sempre básico. (E) Soluções de um ácido fraco + sal desse ácido e de uma base forte; soluções de uma base fraca + sal dessa base e de um ácido forte - Soluções tampão. Como exemplo do 1º tipo, temos uma solução de AcH + NaAc; como exemplo do 2º tipo, temos uma solução de NH3 + NH4Cl. Vamos supor que, num recipiente de 1 dm3, se introduz 0.01 mol de amoníaco gasoso, NH3, e também 0.05 mol de cloreto de amónio, NH4Cl, perfazendo-se o volume de 1 dm3 com água destilada. Obtém-se assim uma solução simultaneamente 0.01 M em NH3 e 0.05 M em NH4Cl. Vamos calcular o pH desta solução. Começamos por lembrar que o NH4Cl, sendo um sal de ácido forte, se dissocia completamente. Assim: [NH4Cl] = 0 [NH4+] = 0.05 M [Cl−] = 0.05 M Já vimos que não temos que nos preocupar com os iões cloreto. Temos então a presença simultânea de quantidades da mesma ordem de grandeza das espécies conjugadas NH3 e NH4+. É esse facto que coloca este tipo de soluções fora do âmbito dos pontos (C) em que tínhamos basicamente a espécie NH3 e uma quantidade pequena de NH4+, x, que até desprezávamos face à concentração inicial de NH3 e (D) em que tínhamos basicamente a espécie NH4+ e uma quantidade de NH3, x , que desprezávamos face à concentração inicial de NH4+. Para o cálculo do pH, começamos por escrever a equação do equilíbrio correspondente à hidrólise quer do NH3, quer do NH4+. Para o NH3, teremos: NH3 + H2O ⇔ NH4+ + OH−

[NH4+ ] [OH−] Kb = = 1.8x10-5 [NH3] NH3 + H2O ⇔ NH4+ + OH− 0.01 0.05 ≈0 concentração no início/M 0.01 − x 0.05 + x x concentração no equilíbrio/M

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Desprezando x face às concentrações iniciais de NH3 e de NH4+, teremos: 0.05 x Kb = 1.8x10-5 = 0.01 x = [OH−] = 3.60x10-6 M (<< 0.01; << 0.05) pOH = − log ([OH−]) = 5.44 pH = 14 − 4.44 = 8.6 A soluções tais como a que acabámos de ver, contendo concentrações comparáveis de ambos os membros de um par ácido/base conjugados, dá-se o nome de soluções tampão. Uma característica destas soluções é o seu pH ser pouco sensível à perturbação causada pela adição de pequenas quantidades de ácidos ou bases fortes. Vamos exemplificar calculando a perturbação, em termos de variação de pH, causada pela adição de 5 cm3 de HCl 0.05 M a 100 cm3 de água destilada (a), a 100 cm3 de uma solução 0.01 M em NH3 (b) e a 100 cm3 de uma solução 0.01 M em NH3 e 0.05 M em NH4Cl (c). Sabemos que, antes da adição de HCl, temos valores de pH de 7.0 (a), 10.6 (b) e 8.6 (c), conforme vimos em exemplos anteriores. (a) Vamos aplicar a função p directamente. Para isso, precisamos de calcular a concentração de iões H3O+ introduzidos pelo ácido, face aos quais vamos desprezar os iões H3O+ provenientes da auto-ionização da água. O ácido clorídrico é um ácido forte, ou seja, vai estar completamente dissociado em iões H3O+ e iões Cl−. n(HCl) = n(H3O+) = 0.005 dm3 x 0.05 mol dm-3 = 0.00025 mol vt = 100 + 5 = 105 cm3 = 0.105 dm3

0.00025 [H3O+] = = 0.0024 M 0.105 pH = − log ([H3O+]) = 2.6 ∆pH = 7.0 − 2.6 = 4.4

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(b) Vamos ver como os iões H3O+ provenientes da dissociação do HCl vão interferir no equilíbrio da hidrólise da base fraca: NH3 + H2O ⇔ NH4+ + OH−

! ! H3O+ Em termos qualitativos, o equilíbrio é deslocado para a direita, no sentido da reposição dos iões OH− consumidos pelos iões H3O+ do HCl. Em termos quantitativos, vai desaparecer um nº de mol de NH3 igual ao nº de mol de H3O+ adicionados; e vai aparecer uma quantidade equivalente de NH4+ não esquecer que as concentrações destas espécies estão relacionadas através de uma constante, Kb neste caso, e que portanto são obrigadas a variar de uma forma ajustada e não independente. Vem então: - no início n(NH3) = 0.100 dm3 x 0.01 mol dm-3 = 0.001 mol n(NH4+) ≈ 0 (= 0.100 x 4.24x10-4 mol) - perturbação n(HCl) = 0.00025 mol - após perturbação n(NH3) = 0.001 − 0.00025 = 0.00075 mol

n(NH4+) = 0 + 0.00025 = 0.00025 mol No volume total de 0.105 dm3, teremos as seguintes concentrações de NH3 e de NH4+: 0.00075 [NH3] = = 0.0071 M 0.105 0.00025 [NH4+] = = 0.0024 M 0.105 [NH4+ ] [OH−] 0.0024 [OH−] Kb = = 1.8x10-5 = [NH3] 0.0071 [OH−] = 5.33x10-5 M

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pOH = 4.27 pH = 9.7 ∆pH = 10.6 − 9.7 = 0.9 (c) Relativamente à situação anterior, temos agora no início concentrações apreciáveis de NH3 e de NH4+: - no início n(NH3) = 0.100 dm3 x 0.01 mol dm-3 = 0.001 mol n(NH4+) = 0.100 dm3 x 0.05 mol dm-3 = 0.005 mol - perturbação n(HCl) = 0.00025 mol - após perturbação n(NH3) = 0.001 − 0.00025 = 0.00075 mol

n(NH4+) = 0.005 + 0.00025 = 0.00525 mol No volume total de 0.105 dm3, teremos as seguintes concentrações de NH3 e de NH4+: 0.00075 [NH3] = = 0.0071 M 0.105 0.00525 [NH4+] = = 0.050 M 0.105

[NH4+ ] [OH−] 0.050 [OH−] Kb = = 1.8x10-5 = [NH3] 0.0071 [OH−] = 2.56x10-6 M pOH = 5.59 pH = 8.4 ∆pH = 8.6 − 8.4 = 0.2

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Quanto maiores e mais semelhantes forem as concentrações dos dois elementos do par conjugado, maior será a eficiência do tampão em termos de capacidade de resistir a variações de pH provocadas pela adição de ácidos ou bases fortes. Titulações ácido-base. Vamos agora introduzir um conceito muito importante para o que vai seguir-se: o conceito de equivalente. No contexto ácido-base, equivalente é a quantidade de substância de uma dada espécie que "está para" ou "é equivalente a" 1 mole de iões monovalentes. Vamos exemplificar, exprimindo o título, ou concentração, de várias soluções em termos de equivalentes 1 N = 1 eq dm-3: soluções de NaOH 0.1 M, de AcH 1.3 M, de EtNH2 0.15 M e de H2CO3 0.091 M. NaOH 0.1 M: 1 molécula de NaOH produz, ao dissociar-se, 1 ião

monovalente OH−. Logo, 1 mol NaOH = 1 eq NaOH. Assim: NaOH 0.1 M = NaOH 0.1 N

AcH 1.3 M: 1 molécula de AcH produz, ao dissociar-se, 1 ião monovalente

H3O+. Logo, 1 mol AcH = 1 eq AcH. AcH 1.3 M = AcH 1.3 M EtNH2 0.15 M: 1 molécula de EtNH2 produz, ao dissociar-se, 1 ião OH−:

EtNH2 + H2O ⇔ EtNH3+ + OH− Logo, 1 mol EtNH2 = 1 eq EtNH2. EtNH2 0.15 M = EtNH2 0.15 N H2CO3 0.091 M: 1 molécula de H2CO3 produz, ao dissociar-se, 2 iões H3O+ (1

em cada passo da dissociação): H2CO3 + H2O ⇔ HCO3−+ H3O+ HCO3−+ H2O ⇔ CO32−+ H3O+ Logo, 1 mol H2CO3 = 2 eq H2CO3 H2CO3 0.091 M = H2CO3 0.182 N Titular significa determinar o título ou concentração de uma espécie. No contexto ácido-base, uma titulação envolve a conversão completa de uma espécie ácida ou básica no seu par conjugado. É muito importante reter a noção de que uma titulação é feita equivalente a equivalente, e de que, no ponto de equivalência, o nº de equivalentes da

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espécie titulada ácida é igual ao nº de equivalentes da espécie titulante básica; ou vice-versa. Vamos ilustrar estas noções com alguns exemplos. Vamos apenas considerar casos em que as espécies envolvidas são monopróticas, ou seja, espécies tais que 1 mol = 1 eq, e para as quais podemos dizer que as titulações se processam mole a mole. Iremos também ver como se calcula o pH no ponto de equivalência de uma titulação (espécie forte com espécie forte ou espécie forte com espécie fraca; nunca espécie fraca com espécie fraca, como, por exemplo, AcH com NH3). (A) Titular NaOH com HCl. Vamos calcular a concentração de uma solução de NaOH sabendo que, na titulação de 10.0 cm3 da mesma, se gastaram 15.2 cm3 de HCl 0.1 M. Sabemos que as espécies fortes NaOH e HCl estão completamente dissociadas. Assim, nesta titulação, a espécie titulada é o OH− e a espécie titulante é o H3O+. No ponto de equivalência, o nº de moles de OH− existentes = nº de mol de H3O+ adicionados: n(H3O+) = 0.0152 dm3 x 0.1 mol dm-3 = 0.00152 mol = n(OH−) n(OH−) = 0.0100 dm3 x X X = 0.152 mol dm-3 = 0.152 M = [OH−] = [NaOH] No ponto de equivalência da titulação, e uma vez que a mesma envolveu a neutralização de todos os iões OH− em excesso pelos iões H3O+ adicionados, obtém-se água. Ou, e na sequência das definições que vimos acima, a espécie básica OH− foi completamente convertida no seu ácido conjugado que é a espécie H2O (ver pág. 16). Porque a água se auto-ioniza, teremos, tal como vimos atrás, [H3O+] = [OH−] = 10-7 M. Ou seja, o pH no ponto de equivalência da titulação de ácidos e bases fortes é sempre 7 (a 25°C). (B) Titular AcH com NaOH. Vamos calcular a concentração de uma solução de AcH (pKa = 4.75), sabendo que, na titulação de 10.0 cm3 da mesma, se gastaram 15.2 cm3 de NaOH 0.1 M.

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Agora, a nossa espécie titulante é o OH−, já que o NaOH está completamente dissociado, e a nossa espécie titulada é o AcH. Porque se trata de um ácido fraco, a sua hidrólise não é completa: AcH + H2O ⇔ Ac− + H3O+

" ! OH− [Ac−] [H3O+] Ka = = 10-4.75 = 1.8x10-5 [AcH] A adição de iões OH− vai deslocar o equilíbrio acima para a direita. No ponto de equivalência, o nº de moles de AcH existentes = nº de mol de OH− adicionados. Assim: n(OH−) = 0.0152 dm3 x 0.1 mol dm-3 = 0.00152 mol = n(AcH) n(AcH) = 0.0100 dm3 x X X = 0.152 mol dm-3 = 0.152 M = [AcH] No ponto de equivalência, todo o AcH existente terá sido neutralizado pelos OH−

adicionados, tendo sido completamente convertido na sua base conjugada que é o acetato, Ac−. Ou seja, obtemos no ponto de equivalência uma solução de iões Ac− cujo pH vamos determinar. Quando acaba a titulação, verifica-se: n(OH−) = n(AcH) = 0 n(Ac−) = 0.00152 mol vt = vAcH + vNaOH = 0.0100 + 0.0152 = 0.0252 dm3 0.00152 [Ac−] = = 0.060 M 0.0252 O Ac− vai hidrolisar de acordo com: Ac− + H2O ⇔ AcH + OH−

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[AcH] [OH−] x2 Kb = = 10-9.25 = [Ac−] 0.060 pKb(Ac−) = 14 − pKa(AcH) = 9.25 x = [OH−] = 5.81x10-6 M pOH = 5.24 pH = 8.8 O ponto de equivalência da titulação de um ácido fraco com uma base forte é sempre básico. (C) Titular NH3 com HCl. Vamos calcular o pH no ponto de equivalência da titulação de 10.0 cm3 de uma solução de NH3 (pKb = 4.75) 0.17 M com HCl 0.15 M. nº de moles de NH3 existentes = nº de mol de H3O+ adicionados n(NH3) = 0.0100 dm3 x 0.17 mol dm-3 = 0.0017 mol = n(H3O+) = vHCl x 0.15 mol dm-3 vHCl = 0.0113 dm3 vt = 0.0100 + 0.0113 = 0.0213 dm3 No ponto de equivalência, todo o NH3 terá sido convertido no seu ácido conjugado, NH4+: n(NH3) = n(H3O+) = 0 n(NH4+) = 0.0017 mol 0.0017 [NH4+] = = 0.080 M 0.0213 O NH4+ vai hidrolisar de acordo com (relembrar o caso (D) do cálculo de pH): NH4+ + H2O ⇔ NH3 + H3O+

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[NH3] [H3O+] x2 Ka = = 10-9.25 = [NH4+] 0.080 pKa(NH4+) = 14 − pKb(NH3) = 9.25

x = [H3O+] = 6.71x10-6 M pH = 5.2 O pH no ponto de equivalência da titulação de uma base fraca com um ácido forte é sempre ácido. (D) Titular NH4Cl com NaOH. Vamos calcular o pH no ponto de equivalência da titulação de 10.0 cm3 de uma solução de NH4Cl 0.17 M com NaOH 0.15 M. Porque o NH4Cl é um sal de um ácido forte, dissocia-se completamente, sendo [NH4Cl] = [NH4+] = 0.17 M. São os iões NH4+ que vão ser titulados pelos iões OH−: nº de moles de NH4+ existentes = nº de mol de OH− adicionados n(NH4+) = 0.0100 dm3 x 0.17 mol dm-3 = 0.0017 mol = n(OH−) = vNaOH x 0.15 mol dm-3 vNaOH = 0.0113 dm3 vt = 0.0100 + 0.0113 = 0.0213 dm3 No ponto de equivalência, todo o NH4+ terá sido convertido na sua base conjugada, NH3: n(NH4+) = n(OH−) = 0 n(NH3) = 0.0017 mol 0.0017 [NH3] = = 0.080 M 0.0213

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Reacções ácido-base

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O NH3 vai hidrolisar de acordo com: NH3 + H2O ⇔ NH4+ + OH− [NH4+ ] [OH−] x2 Kb = = 10-4.75 = [NH3] 0.080 x = [OH−] = 1.19x10-3 M pOH = 2.92 pH = 11.1 (E) “Titular” uma solução tampão de NH4Cl + NH3 com NaOH. Vamos calcular o pH no ponto de equivalência da titulação de 10.0 cm3 de uma solução tampão 0.30 M em NH4Cl e 0.12 M em NH3 com NaOH 0.15 M. Na solução tampão, temos as seguintes concentrações: [NH4Cl] = [NH4+] = 0.30 M [NH3] = 0.12 M Uma vez que o titulante é OH−, uma base, o titulado só pode ser o NH4+, um ácido: nº de moles de NH4+ existentes = nº de mol de OH− adicionados n(NH4+) = 0.0100 dm3 x 0.30 mol dm-3 = 0.003 mol = n(OH−) = vNaOH x 0.15 mol dm-3 vNaOH = 0.0200 dm3 vt = 0.0100 + 0.0200 = 0.030 dm3 No ponto de equivalência, todo o NH4+ terá sido convertido na sua base conjugada, NH3: n(NH4+) = n(OH−) = 0 n(NH3) = quantidade inicialmente presente + 0.003 mol Ou seja, a quantidade de NH3 que se obtém no ponto de equivalência não é só a que resulta da conversão completa do NH4+ existente, já que a solução contém desde o início um determinado nº de mol de NH3:

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n(NH3, início) = 0.0100 dm3 x 0.12 mol dm-3 = 0.0012 mol n(NH3, ponto equivalência) = 0.0012 + 0.003 = 0.0042 mol 0.0042 [NH3] = = 0.140 M 0.030 NH3 + H2O ⇔ NH4+ + OH− [NH4+ ] [OH−] x2 Kb = = 10-4.75 = [NH3] 0.140 x = [OH−] = 1.58x10-3 M pOH = 2.80 pH = 11.2 Uma curva de titulação é uma representação da variação do pH de uma solução em função do volume de titulante adicionado. Se estivéssemos a titular uma solução de HCl 1.0 M com NaOH 1.0 M, obteríamos os valores indicados na Tabela 1. Tabela 1 - Construção de uma curva de titulação para o sistema HCl 1.0 M + NaOH 1.0 M.

vol.HCl 1.0 M/cm3 10.0 10.0 10.0 10.0 10.0 10.0 10.0 10.0 10.0

vol.NaOH 1.0 M/cm3 0 3.0 6.0 9.0 9.9 10.0 10.1 11.0 14.0

vol.total/cm3 10.0 13.0 16.0 19.0 19.9 20.0 20.1 21.0 24.0

n(HCl)início/mol, A 0.010 0.010 0.010 0.010 0.010 0.010 0.010 0.010 0.010

n(NaOH)adicion./mol, B 0 0.0030 0.0060 0.0090 0.0099 0.010 0.0101 0.0110 0.0140

A −−−−B /mol 0.010 0.0070 0.0040 0.0010 0.0001 0 0.0001 0.0010 0.0040

[H3O+]/mol dm-3 1.0 0.538 0.25 0.053 0.0050 1E-7 * 2E-12 2E-13 6E-14

[OH−−−−]/mol dm-3 1E-14 2E-14 4E-14 2E-13 2E-12 1E-7 * 0.0050 0.048 0.167

pH 0 0.3 0.6 1.3 2.3 7.0 11.7 12.7 13.2

* - Uma vez que não existe excesso quer de H3O+, quer de OH−, o equilíbrio que determina o valor do pH é a auto-dissociação da água que, sabemos, conduz ao pH neutro de 7.0, a 25 °C.

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Na Figura 1 está representada a curva de titulação correspondente aos dados da Tabela 1 - curva 1. Como se verifica, o pH tem uma variação muito pouco pronunciada até bem próximo do ponto de equivalência, altura em que varia abruptamente. O ponto de equivalência da titulação corresponde ao ponto de inflexão da curva, ponto em que há mudança de concavidades. Figura 1 - Curvas de titulação para os sistemas HCl 1.0 M + NaOH 1.0 M (quadrados mais claros) - curva 1 - e HCl 0.01 M + NaOH 0.01 M (quadrados mais escuros) - curva 2.

A curva 2 da figura corresponde a uma titulação semelhante à da curva 1, mas para soluções de ácido e de base cem vezes menos concentradas. Naturalmente que, tratando-se de espécies fortes, o pH no ponto de equivalência continua a ser 7; mas, à medida que as concentrações das soluções vão baixando, a variação de pH perto do ponto de equivalência é cada vez menos brusca. Tal como vimos atrás, titulações de ácido fraco com base forte têm pontos de equivalência a pH > 7 e titulações de ácido forte com base fraca têm pontos de equivalência a pH < 7. O traçado de curvas de titulação, especialmente com tituladores automáticos, é uma das maneiras de determinar pontos de equivalência de titulações, com vista ao cálculo de concentrações de soluções de espécies ácidas ou básicas. Outra maneira de determinar pontos de equivalência que é muito expedita envolve o recurso aos chamados indicadores

0

2

4

6

8

10

12

14

pH

0 2 4 6 8 10 12 14 vol. NaOH/cm3

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ácido-base. Os indicadores são ácidos ou bases fracos cujos iões conferem à solução uma cor diferente da conferida pelas moléculas neutras. Vamos exemplificar o modo de actuação de um indicador cujas moléculas designaremos genericamente por HIn e assumiremos conferirem cor amarela à solução, e cujos iões, In−, assumiremos conferirem cor vermelha. Em solução aquosa, o indicador sofre hidrólise: HIn + H2O ⇔ In− + H3O+ amarelo vermelho [In−] [H3O+] Ka,ind = [HIn] Consoante o grau de dissociação da espécie HIn, assim a solução exibirá uma ou outra cor. O que determina a extensão da dissociação da espécie HIn é o pH. Assim, numa solução francamente ácida, o equilíbrio acima estará deslocado para a esquerda, predominando a forma HIn e a cor amarela; numa solução francamente básica, o equilíbrio estará deslocado para a direita, predominando a forma In− e a cor vermelha. Há, pois, uma correspondência directa entre cor e pH. Vamos quantificar, aceitando como critério geral que o olho humano vê a solução vermelha se a concentração da espécie vermelha é, pelo menos, dez vezes maior que a da espécie amarela; e vice-versa, concentrações intermédias originando uma mistura de cores neste caso, o laranja característica da chamada "zona de viragem do indicador": [HIn] ≥ 10 [In−] ⇒ cor amarela [In−] ≥ 10 [HIn] ⇒ cor vermelha [HIn] ≈ [In−] ⇒ cor laranja (a) [HIn] = 10 [In−] Estamos no extremo ácido da zona de viragem. Por substituição no equilíbrio da hidrólise do indicador, virá: [In−] [H3O+] Ka,ind = 10 [In−] [H3O+] = 10 Ka,ind

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pH = −log ([H3O+]) = −log (10 Ka,ind) = pKa,ind − 1 (b) [In−] = 10 [HIn] Estamos no extremo básico da zona de viragem. Por substituição no equilíbrio da hidrólise do indicador, virá: 10 [HIn] [H3O+] Ka,ind = [HIn] [H3O+] = Ka,ind /10 pH = −log ([H3O+]) = −log (Ka,ind /10) = pKa,ind + 1 (c) [HIn] = [In−] Estamos bem no meio da zona de viragem, vindo agora: [H3O+] = Ka,ind pH = pKa,ind O comportamento do indicador será então aproximadamente o indicado na Figura 2. Uma vez que a função do indicador é acusar a passagem por um valor de pH determinado, um critério geral para a selecção de um indicador é que o pH a determinar esteja incluido na zona de viragm do indicador; e como esta zona de viragem corresponde sensivelmente a um intervalo de pH igual a (pKa,ind ± 1), o que se faz é escolher um indicador com um pKa,ind o mais próximo possível do pH a medir. Na Tabela 2 dão-se exemplos de indicadores. O critério geral para a selecção de um indicador, acima enunciado, é suficiente mas nem sempre é necessário. Assim, de acordo com este critério, escolheríamos o indicador azul de bromotimol para a detecção do ponto de equivalência de titulações envolvendo espécies fortes. A escolha seria certamente adequada; mas, numa situação como a da curva 1 da Figura 1, verificar-se-ia uma detecção igualmente correcta do ponto de equivalência com os indicadores alaranjado de metilo ou a fenolftaleína, dada a verticalidade do troço da curva próximo daquele ponto e a extensão do mesmo troço.

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pH + elevado (+ básico)

VERMELHO pKa,ind + 1

Ka,ind LARANJA

pKa,ind − 1

AMARELO pH

− elevado (+ ácido)

Figura 2 - Exemplo do modo de funcionamento de um indicador ácido-base. No caso da curva 2, o alaranjado de metilo já não seria uma opção válida: não só muda de cor tarde demais, como a mudança de cor é pouco brusca é necessário um volume de titulante adicionado apreciável para percorrer o intervalo de pH correspondente à zona de viragem do indicador. Tabela 2 - Alguns indicadores ácido-base comuns.

Indicador pKind zona de viragem- intervalo de pH

mudança de cor (cor ácida - cor básica)

azul de timol (zona ácida) 1.8 1.2-2.8 vermelho-amarelo alaranjado de metilo 3.4 3.1-4.4 vermelho-laranja vermelho de metilo 5.0 4.4-6.2 vermelho-amarelo azul de bromotimol 7.1 6.2-7.6 amarelo-azul azul de timol (zona básica) 8.9 8.0-9.6 amarelo-azul fenolftaleína 9.4 8.0-10.0 incolor-vermelho amarelo de alizarina 10.0-12.0 amarelo-lilás