livro_desenvolvimento territorial e agroecologia

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DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E AGROECOLOGIA

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Desenvolvimento territorial e agroecologia

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Desenvolvimento territorial e agroecologia

Adilson FrAncelino Alves

BeAtriz rodrigues cArrijo

luciAno zAnetti PessôA cAndiotto

[orgAnizAdores]

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Copyright © Grupo de Estudos Territoriais – GETERR

Revisão gráfica Sílvia Regina PereiraRevisão de língua portuguesa Silvana SpedoCapa Marcos CartumProjeto gráfico e diagramação Maria Rosa Juliani

Impressão Cromosete

Tiragem

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização da editora.

Editora Expressão Popular Ltda.Rua Abolição, 197 | Bela Vista | 01319-010 | São Paulo - SPTel [11] 3105 9500 | Fax [11] 3112 0941 | [email protected] | www.expressaopopular.com.br

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apresentação | 7

reflexões sobre o Desenvolvimento à luz Do enfoque territorial

TerriTório,TerriTorialidadeedesenvolvimenTo:diferenTesperspecTivasnonívelinTernacionalenoBrasil | 15marcos aurélio saquet | eliseu savério sposito

sisTemalocalTerriTorial(sloT):uminsTrumenTopararepresenTar,lereTransformaroTerriTório | 33giuseppe Dematteis

desenvolvimenToTerriTorial:algumasreflexõesTeórico-conceiTuaisderivadasdeesTudomonográfico | 47luiz alexanDre gonçalves cunha

conhecimenTosconvencionaisesusTenTáveis:umavisãoderedesinTerconecTadas | 63aDilson francelino alves

desafiosdageraçãoderendaempequenaspropriedadeseaquesTãododesenvolvimenToruralsusTenTávelnoBrasil | 81antonio nivalDo hespanhol

idenTidadeTerriTorialedesenvolvimenTo:aformulaçãodeumplanoTerriTorialdedesenvolvimenToruralsusTenTáveldoTerriTóriosudoesTedoparaná | 95roselí alves Dos santos | Walter marschner

perspectivas Da agroecologia e experiências no estaDo Do paraná

agroecologia:limiTeseperspecTivas | 117rosângela ap. De meDeiros hespanhol

reflexõessoBreaagroecologianoBrasil | 137aDriano arriel saquet

Índice

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agroecologia:desafiosparaumacondiçãodeinTeraçãoposiTivaeco-evoluçãohumanananaTureza | 155valDemar arl

agroecologianoparaná:evoluçãoedesafios | 169antonio carlos picinatto

agroecologia:odesenvolvimenTonosudoesTedoparaná | 185nilton luiz fritz

aagroecologiaeasagrofloresTasnoconTexTodeumaagriculTurasusTenTável | 213luciano zanetti pessôa canDiotto | beatriz roDrigues carrijo | jackson alano De oliveira

cenTrodeapoioaopequenoagriculTor:experiênciasedesafiosemagroecologia | 233valDir luchman

referênciasemagroecologia:umolharsoBrearendaeoscaminhosTrilhadospelaagriculTurafamiliardosudoesTedoparaná | 243serinei césar grígolo

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Emsuatrajetóriadecincoanos,oGETERR(GrupodeEstudosTerritoriais)daUNIOESTE,campusFranciscoBeltrão-PR,vemsepreocupandocomodebateemtornododesenvolvimento,apartirdeabordagensquepermitamavançarcomrelaçãoàantigaeultrapassadaconcepçãoeconomicistadede-senvolvimento. Através da utilização dos termos/conceitos de desenvolvi-mentodelocal,sustentáveleterritorial,governos,órgãospúblicos,políticos,empresasecientistas,passamareconheceranecessidadedesebuscarumdesenvolvimentomultidimensional,queincorporeparaalémdadimensãoeconômica,questõessocioculturais,políticaseambientais.Apesardepossuí-remobjetivosdistintos,essesatoresvêmcontribuindocomodebateecons-truçãodereflexõeseexperiênciasempíricasemtornodenovasperspectivasparaodesenvolvimento.Dentrodessecomplexocontextoteórico,conceitualemetodológico,aagroecologia,nosúltimosanos,vemganhandoadeptosentrecientistasepesquisadores,bemcomoentreosmovimentossociaisdocampo,poisbuscaaglutinaraproduçãodealimentossemousodeagro-químicos,oequilíbriodeecossistemaspormeiodeaçõesdeconservaçãoambiental,asegurançaalimentar,areproduçãosocialdasfamíliasrurais,apartirdeumaorganizaçãopolíticaeideológicadeagricultoresetécnicos,contráriaàlógicadedesenvolvimentoprodutivista.

Nessesentido,aagroecologiaseapresentacomoumaciênciaeummovimentopolítico,quetemsuasbasesemusosmaisracionaisdosrecur-sosnaturais,enaqualidadedevidadasfamíliasquevivemedependemda

APresentAção

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desenvolvimento territoriAl e AgroecologiA

agriculturaedoespaçorural.Noentanto,elatambémpossuiseuslimites,demodoquesurgemdiversosquestionamentosemtornodesuaviabilida-decomoalternativadedesenvolvimento.

Estelivrotrazàtonaodebateemtornododesenvolvimentoterri-torial, tendocomofocoaagroecologiacomoumadasestratégiasdede-senvolvimento, sobretudo da agricultura familiar. A partir do III SEET(Seminário Estadual de Estudos Territoriais), promovido pelo GETERRemmaiode2007,organizamosestelivro,compostoporumacoletâneadetextos,queapresentamresultadosdepesquisasteóricasedeexperiênciasempíricas realizadas por profissionais ligados aos temas agroecologia edesenvolvimento.Olivrofoidivididoemduaspartes,sendoqueaprimei-ra,tratadealgumasreflexõessobreoDesenvolvimentoàluzdoenfoqueterritorial, ea segunda,dasPerspectivasdaagroecologia,bemcomodeexperiênciasnoestadodoParaná,comdestaqueparaaregiãoSudoeste,ondeseconcentramimportantesinstituiçõesrepresentativasdaagricultu-rafamiliar.

Noprimeirocapítulodolivro,denominado“Território,territoriali-dadeedesenvolvimento:diferentesperspectivasnonível internacionalenoBrasil”,MarcosA.SaqueteEliseuS.Spósitofazemumareflexãoemtornodosconceitosdeterritório,territorialidadeedesenvolvimento,uti-lizandoobrasdeautoresfranceses,italianosebrasileiros,especialmentedageografia,dasociologiaedaeconomia.Elesrevelamalgunscaminhosconstruídosnosúltimos30anos,direcionadosàincorporaçãodaproble-máticadodesenvolvimentoedaquestãoambientalnodebateacadêmicoecientífico,subsidiandoaefetivaçãodeabordagensdeumapráxistransfor-madoradarealidadecentradanaconquistademelhorescondiçõesdevida,tantonocampocomonacidade.

GiuseppeDematteis,professordaUniversidadedeTurim–Itáliaere-ferênciamundialnoestudodetemasrelativosaodesenvolvimentoterrito-rial,abordaaspectosdaaplicabilidadedoSistemaLocalTerritorial[SloT],desenvolvidodeformainterdisciplinarentrepesquisadores italianos.Notexto“SistemaLocalTerritorial(SLoT):uminstrumentopararepresentar,leretransformaroterritório”,suapropostaéapresentadadeformaclaraedidática,ondepesquisadoreseestudantesencontrarãoumricoreferencialparaaprofundarasdiscussõesrelativasaosestudosterritoriais.

No texto “Desenvolvimento Territorial: algumas reflexões teorico-conceituaisderivadasdeestudodecaso”,LuizA.GonçalvesCunhaapre-sentaumaconcepçãodedesenvolvimentoterritorial,inspiradanoestudodastrajetóriasregionaisdedesenvolvimentoruralqueforamidentificadasnoEstadodoParaná,comênfasenocasodoParanáTradicional.Oautoriniciacomadiscussãosobreoprópriosentidodanoçãodedesenvolvimen-to,ebuscadiscutircomoumdeterminadoconceitodeterritórioébásiconacomposiçãodestanovaconcepçãodedesenvolvimento,inserindoum

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PreFácio

sólidoviésespacialnatentativaderenovaranálisesregionaisepropostasdecaráterdesenvolvimentistas.

AdilsonFrancelinoAlveslançaumolharmetodológicosobreaques-tãodaformaçãoderedesdeconhecimento.Nessetexto,oautorproble-matizaaexistênciadeduasredesdeconhecimentoeaprendizagemquemoldamformasdecompreenderodesenvolvimentoterritorial:aredecon-vencional,densamentetécnicaqueexigedoagricultoraaplicaçãodepaco-testecnológicosquerequerempoucoconhecimentosobreofazeragrícola;earedeagroecológicaquenecessitadeumaintensificaçãodossaberesdosagricultores.Suaanáliseapontaparaanecessidadedeaprofundarosestu-dosnoentrecruzamentodessesdoissistemasdeconhecimento.

Notexto“DesafiosdageraçãoderendaempequenaspropriedadeseaquestãododesenvolvimentoruralsustentávelnoBrasil”ogeógrafoAn-tonioNivaldoHespanholdiscuteatrajetóriadaidéiadedesenvolvimentoruralsustentável,osproblemasdegeraçãoderendanaagriculturafami-liar,aheterogeneidadedocampoearevitalizaçãodorural,bemcomo,osdesafiosparaasustentabilidadenaagricultura.

Partindodeumavisãomultidimensionaldedesenvolvimento,Wal-terMarschnereRoselíA.dosSantosquestionamaspolíticaspúblicasdedesenvolvimento territorial e suaaplicabilidadenoSudoestedoParaná,protagonizadapeloMDA(MinistériodoDesenvolvimentoAgrário)comoformadepromoverodesenvolvimento.Notexto“Identidadeterritorialedesenvolvimento:aformulaçãodeumplanoterritorialdedesenvolvimen-toruralsustentáveldoTerritórioSudoestedoParaná”,osautoresrealizamumaleituracríticadaconstruçãodoPlanodeDesenvolvimentoTerritorialRuralSustentáveldoSudoestedoParaná,enfatizandoanecessidadederespeitarosritmosetemposdoterritório,edesuperarumaabordagemestritamenteeconômicaesetorial.

Iniciandoasegundapartedolivro,ocapítulo“Agroecologia:limi-teseperspectivas”,dageógrafaRosangelaHespanhol,abordaoprocessodeincorporaçãotecnológicaocorridonaagriculturaaolongodahistóriadahumanidade,destacandoadifusãodaRevoluçãoVerdeesuasimplica-çõessocioambientais.Emseguida,discuteoprocessodeecologizaçãodaagriculturaeascorrentesdaAgriculturaAlternativa,comespecialatençãoparaaAgroecologia;ediscorresobreasperspectivaseosdesafiosdossis-temasdeproduçãoconsideradossustentáveis.

Emseutexto“ReflexõessobreaAgroecologianoBrasil”,oagrôno-moAdrianoSaquet,discutea situaçãoatualdaagriculturaorgânicanoBrasilenaAméricaLatina;fazumcomparativoentreosistemaconven-cionaleoorgânico,comfoconoúltimo;eapresentaoqueconsideraseremosprincipaislimitesepotencialidadesdeumaagriculturafundamentadaemprincípiosecológicos.Adrianoelaboraumtextodidático,mostrandoosprincipaiselementosdaproduçãoorgânicadealimentos.

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desenvolvimento territoriAl e AgroecologiA

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OagrônomoeconsultordaredeEcovidaedaSDT/MDA,ValdemarArl,apresentaumareflexãosobreaagroecologiaenfocandosuadimensãopolítica, e, a partir da constatação das conseqüências da modernizaçãoagrícolaedaRevoluçãoVerde,clamaporumareorientaçãodaagricultu-raembuscadasustentabilidade.Paraoautor,aagroecologiaconsisteemquatrograndesdesafiosquesãodiscutidosnotexto,sendoumdesafioso-ciopolíticoeeconômico;umdesafiocientífico;umdesafioeducacional;eumdesafioorganizacional.

CombaseemsuaexperiêncianaformulaçãoeexecuçãodeprojetosemagriculturaorgânicaeagroecologiapeloInstitutoMaytenus,oagrôno-moAntonioCarlosPicinattoapresentaem“AgroecologianoParaná:evolu-çãoedesafios”,umpanoramadarealidadedaagriculturaorgânicaeagro-ecológicanoEstadodoParaná,passandopelaprodução,comercializaçãoeorganizaçãodeentidadeseprodutores,apontandoaindaalgunsdesafiosqueestãopresentesnavidacotidianadeagricultoresfamiliaresdoSudo-estedoParaná.

O técnico da EMATER e engenheiro agrônomo Nilton Luiz Fritzabordaemseutexto“Agoecologia–odesenvolvimentonoSudoestedoPa-raná”,opapeldaEMATERnoincentivoàagriculturaorgânicaeagroeco-lógicanoSudoestedoParaná.Traztambémdepoimentosdeagricultores,técnicoseentidadessobreosimpactosdaRevoluçãoVerde,opapeldaex-tensãoruraleasituaçãodaproduçãoedacomercializaçãodeorgânicoseagroecológicosnoSudoestedoParaná.

Os geógrafos e membros do GETERR, Luciano Z. P. Candiotto eBeatrizR.Carrijo,juntamentecomJacksonA.deOliveira,procuramem“Aagroecologiaeasagroflorestasnocontextodeumaagriculturasusten-tável”discorrersobreosfundamentosteóricosdaidéiadeumaagriculturasustentável,comdestaqueparaaagroecologiaeparaossistemasagroflo-restais.OsautorestambémapresentamalgunsresultadosdeumprojetosobreagroflorestasnoSudoestedoParaná,indicandoosavançoseasdifi-culdadesencontradas.

ValdirLuchmannétécnicoemagropecuáriacomênfaseemagroe-cologia,eseutextoapresentaosprincípioseopapeldoCAPA(CentrodeApoioaoPequenoAgricultor),apartirdesuaexperiênciaprofissionalnonúcleodomunicípiodeVerê-PR.Notexto“CAPA–experiênciasedesafiosemagroecologia”,Valdirdiscutetambémaassessoriadadapelaentidadeparaosprodutoresorgânicoseagroecológicos,tantonoqueserefereàstécnicasdeproduçãoemmanejocomoàsmetodologiaseequipamentosalternativosparaaagriculturafamiliar.

Serinei César Grígolo, técnico da ASSESOAR (Associação de Es-tudos,OrientaçãoeAssistênciaRural)e tambémengenheiroagrônomo,apresenta o texto produzido a partir das reflexões feitas pela equipe daASSESOARapartirdeumestudodoDESER(DepartamentodeEstudos

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PreFácio

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Sócio-econômicosrurais).Otexto“ReferênciasemAgroecologia:umolharsobrearendaeoscaminhostrilhadospelaAgriculturaFamiliarnoSudo-estedoParaná”,partedeumestudodarendaedoscaminhostrilhadospelaagriculturafamiliardoSudoestedoParaná,trazendoreflexõessobreousodaterra,otrabalho,oautoconsumo,oscustosdeprodução,entreoutrosindicadores,apartirdosdepoimentosdeumgrupodeprodutoressobresuasUPVF’s–UnidadesdeProduçãoeVidaFamiliares,noSudoestedoParaná.

Ressaltamosqueasreflexõeseexperiênciastratadasnesselivro,sãocompostaspordiferentesvivências,formaçõeseformasdeatuaçãodosau-toresdoscapítulos,queapesardesetraduzirememtextosredigidoscomlinguagensheterogêneas,demonstramadiversidadedeatoressociaisedeinstituiçõespreocupadoscomaquestãodaagroecologiacomoestratégiadedesenvolvimentoparaterritórioscompresençadeagricultoresfamilia-res.Buscamosassim,modestamentecontribuirparaodesafiodediminuiraslacunasexistentesentreaacademiaeasexperiênciasempíricas,nosen-tidodepromoverodiálogointerdisciplinaremtornodaagroecologia.

Osorganizadores

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parte i

reflexões sobre o Desenvolvimento à luz Do enfoque territorial

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território, territoriAlidAde e desenvolvimento: diFerentes PersPectivAs no nÍvel internAcionAl e no BrAsil

marcos aurélio saquet

Geógrafo,ProfessordoscursosdeGraduaçãoePós-graduaçãoemGeografiadaUNIOESTE–FranciscoBeltrão-PR,PesquisadordoCnpq|[email protected]

eliseu savério sposito

Geógrafo,ProfessordoscursosdeGraduaçãoePós-GraduaçãoemGeografiadaFCT/UNESP–PresidentePrudente-SP,PesquisadordoCnpq|[email protected]

Ascontrovérsias,osdebateseosestudossobreodesenvolvimentotêmseacentuadobastanteapartirdosanos1990,emvirtudedeváriosfatores,especialmentedoagravamentodadegradaçãoambiental.Oscilam-seentreumaperspectivamaisradical,quedefendeoretornoatécnicasprodutivasmaisrudimentares,compatamaresdeproduçãomaisreduzidosesimplifi-cadosevidenciandoolugareaintensidadedeaceleraçãoefortalecimentodaproduçãotipicamentecapitalista,centradanoavançotecnológico,naprodutividade,naacumulaçãodecapital,noagravamentodadegradaçãoambientalenaeconomiacadavezmaisglobal.

Ao mesmo tempo, substantiva-se uma perspectiva de desenvolvi-mentonaqualtenta-seconciliaraproduçãodemercadoriascomarecu-peraçãoeapreservaçãodoambiente,valorizando-seolugar;porémnãodemaneiradesarticuladadeprocessosmaisgeraiseamplosefetivadosemescalascomoanacionale/ouinternacional.Paratanto,aorganizaçãopo-líticaeoenvolvimentodossujeitos,aformação/educação,oplanejamentoegestão,asredesdecooperação,avalorizaçãodasidentidades,entreou-trosprocessos,sãofundamentaisnaredefiniçãodaproduçãoedeoutrosaspectosdavidacotidiana,numaconcepçãodedesenvolvimentoqueen-volve,necessariamente,orearranjodasrelaçõesdepoder.

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desenvolvimento territoriAl e AgroecologiA

É nesse sentido e movimento que ganha centralidade, em paísescomoaFrança,aSuíçaeaItália,apartirdosanos1970,adiscussãosobreoterritórioeaterritorialidade,efetivando-seoqueseconvencionoudeno-minardeabordagemterritorial.Éumanovaformadeverecompreenderoespaço,asociedadeeanatureza,ouadinâmicasocioespacial,destacando-seasredesdecirculaçãoecomunicação,ascaracterísticaseaimportânciadanaturezaexterioraohomem,asrelaçõesdepodereasidentidadeshis-toricamenteconstituídas.

Essaconcepção,elaboradaporpesquisadoresdediferentesáreasdoconhecimento,comodageografia,dasociologiaedaeconomia,incorporalentamenteumcaráterpolíticomuitofortee,simultaneamente,umapers-pectivadedesenvolvimentoemrede,emfavordousomaisapropriadodanatureza,depequenasemédiasempresas,dacooperação,das identida-deslocais,entreoutros,oquesubstantivaoqueestamosdenominandodedesenvolvimentoterritorial.

Háumaconcepção renovadado território,da territorialidadeedodesenvolvimento,reconhecendo-seascontradiçõessociais,omovimento,adialéticasocioespacial,aprocessualidadehistórica,aimportânciadosluga-resedossujeitoslocais,danaturezaexterioraohomemeanecessidadedeorganizaçãoeatuaçãopolítica,numaespéciedepráxisrevistaerenovadaapartirdeexperiênciasefetivadas,sobretudoduranteoséculoXX.Há,su-cintamente,umafortetentativadesuperarasconcepçõesarealesetorialdeanálisedoterritórioedodesenvolvimento,combinando-searelaçãoárea-redeouárea-rede-lugar,tantonoqueserefereaosinstrumentaisdapesquisacientíficaquantonaelaboraçãodepolíticaseprojetosdedesenvolvimento.

território e territoriAlidAde

Parece-nosquenãohádúvidas,nomeioacadêmico,sobreaimportânciadarenovaçãodeciênciascomoageografia,asociologiaeaeconomia,naefe-tivaçãodenovosarranjosparaaprópriaciênciae,aomesmotempo,paraacompreensãodarelaçãosociedade-natureza.Háumainteraçãoentreaproduçãodoconhecimentocientíficoeavidaemsociedade(paraalémdes-saprodução)eissoestánabasedareelaboraçãodeconcepções,políticaseprojetos,apartirdosanos1960-70,empaísescomoaFrançaeaItália.

A incorporação, por exemplo, de aspectos do ideário marxista emciênciascomoasociologia,ageografiaeaeconomia,possibilitaodesven-damentodeprocessoseconflitosatéentãoescondidos,possibilitandono-vasleiturasdomundodavida.Háumamaiorpreocupaçãoeconseqüenteintensificaçãodosestudos,apartirdosanos1970,porpartedepesquisa-doresdenominadosmarxistasouanarquistasouaindademocráticos,comascondiçõesdanaturezaedasociedade,enfim,comascondiçõesdevidanoplanetae,demaneiraespecial,comosgrupossociaisexcluídos,tendo

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mArcos Aurélio sAquet | eliseu sAvério sPosito

comotemáticacentralajustiçasocialjuntamentecomprocessoscorrelatos,comoaatuaçãodoEstado,ofortalecimentodaeconomianonívelinterna-cional,ousocapitalistadoespaço,ametropolizaçãoeassimpordiante.

Aconjugaçãodefatoresmateriaiseimateriais,nomundodavida,condiciona a revisão das metodologias utilizadas nas ciências sociais, acompreensãomaiscoerenteecompletadaatuaçãodoEstadoedosagen-tesdocapital,deprocessosidentitários,dasredesdecirculaçãoecomuni-caçãoedadinâmicadanatureza.Esseprocessoperpassa,aomesmotem-po,aciênciaeafilosofia,aarte,apolíticaeosmovimentossociais,comoresultadoecondiçãodenovosarranjoseredefiniçõessocietárias.

Énessesentidoquesesubstantivamasconcepçõespioneirasereno-vadasdoterritórioedaterritorialidade,naFrança,naItália,naSuíçaenosEUA.Evidentemente,essesconceitosnãosãofundamentaisparatodosospesquisadoreseparatodasasciências,porémassumemcentralidadeemalgumasdelas,comoageografia,asociologiaeaeconomia.Destacam-se,inicialmente,autorescomoJeanGottmann,GillesDeleuze,FélixGuattari,Arnaldo Bagnasco, Francesco Indovina, Donatella Calabi, Giuseppe De-matteis,MassimoQuaini,ClaudeRaffestin,entreoutros,e,posteriormen-te,pesquisadorescomoRobertSack.

Nestetexto,nãotemoscomopropósitotratardetodosessesautoresedesuasconcepções.Consideramosalgumasabordagensmaisdiretamen-tevinculadasàsperspectivasdodesenvolvimentoterritorial,elaboradasapartirdosanos1970-80.Evidenciamosduasperspectivasdistintas:umainerenteaopensamentoeaosestudosefetivadosporpesquisadoresdelín-guainglesae,outra,vinculadaàescolafranco-italiana,comdestaqueparaClaudeRaffestin,naSuíçaeparaGiuseppeDematteis,naItália.

Nachamadaescolaanglo-saxônica,umdosestudosprincipaiséodeSack(1986),quetemsidoamplamenteutilizadoemváriospaíses,in-clusivenoBrasil,sobretudoporsuaconcepçãodegeografiaedeterrito-rialidade humana,considerandoasrelaçõesdepoderqueocorremtantoemnívelpessoaledegrupoquantointernacional.Aterritorialidadecor-respondeaocontrolesobreumaáreaouespaço;éumaestratégiaparain-fluenciaroucontrolarrecursos,fenômenos,relaçõesepessoaseestáinti-mamenterelacionadaaomodocomoaspessoasusamaterra,organizamoespaçoedãosignificadosaolugar.

Aterritorialidadeéumaexpressãodopodersocial,conformandooterritório.Esteéentendidocomoumaáreacontroladaedelimitadaporal-gumaautoridade,resultadodeestratégiasdeinfluênciasocial.Hácontrolesocial:algumaspessoasatuamcontrolandooutras.Aterritorialidadecon-sideradacomoumcomponentedepodersignificaumaformadecontroledoespaço.ParaSack(1986),assim,oterritóriocontémdemarcações,cor-respondeaumaáreadecontroleeestádiretamenterelacionadoaoexer-cíciodepoder.

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desenvolvimento territoriAl e AgroecologiA

Elefazumaabordagemrelacionaldoterritório,contribuindoparaoentendimentodasdimensõessociaisdesuaconstituição,ouseja,deas-pectosdaeconomia,dapolíticaedacultura,porémsubsidiaaelaboraçãodeumaconcepçãoconservadoradeterritorialidade,oqueGoverna(2005)denomina de territorialidade passiva. Para esta autora, a definição deterritorialidadepropostaporRobertSackéextremamente‘rígida’,poisin-dividuaerecorta,respectivamente,tendênciaseefeitos,limitandoaabor-dagemacertasáreasdecontrole.Aterritorialidade,paraSack(1986),évistacomocapacidadedeseparareexcluir,queseexprimedeacordocomasestratégiasdecontrole,coerçãoeexercíciodopoder.

Já na outra “ponta” da discussão, um autor considerado clássicopelaimportânciadesuaabordagememrelaçãoaoterritórioeterritoria-lidade,éClaudeRaffestin,quetemsededicadoaessatemáticadesdeosanos1970,naSuíça,cujaobrabasilaréa ‘Porumageografiadopoder’,publicadaoriginalmenteem1980,naFrança.Suaatençãotemseconcen-tradonaselaboraçõesteórico-metodológicas,porémcomdiferentesapli-caçõesempaísescomoaSuíça,oBrasil,aItália,dentreoutros.

Raffestin(1993[1980]),comosabemos,destacaocaráterpolíticodoterritório,destacando,aomesmotempo,aspectoseprocessoseconômicose simbólicosemsuaconstituiçãoena territorialidade,comforteênfaseparaas relaçõesdepodereparaas redesdecirculaçãoecomunicação.Eessaênfaseéumadesuasprincipaiscontribuições,subsidiandonovasabordagensdoterritório,dasrelaçõessociaisedodesenvolvimento.

Emsuaconcepção,oterritórioéobjetivadoporrelaçõessociaiscon-cretaeabstratamente,relaçõesdepoderedominação,oqueimplicaacris-talizaçãodeumaterritorialidadeoudeterritorialidadesnoespaço,apartirdasdiferentesatividadescotidianas.Isso,deacordocomRaffestin,assen-ta-senaconstruçãodemalhas,nóseredes,delimitandocamposdeações,depoder,naspráticasespaciaisqueconstituemoterritório.

Destaca também o que denomina de sistema territorial, resultadodasrelaçõesdepoderdoEstado,dasempresaseoutrasorganizaçõesedosindivíduos.Essesatoresgeramastessituras,maisoumenosdelimitáveiseasterritorialidadesqueseinscrevemnasdinâmicaspolíticas,econômi-caseculturais.Emboratratededelimitações,Raffestin(1993)reconheceeindicaumatransposiçãodoslimitespolíticoseadministrativosatravésdeatividadeseconômicasedeviasemeiosdecirculaçãoecomunicação.

Sucintamente,fazumaabordagemmúltipladoterritórioedaterri-torialidade,relacionalehistórica,simultaneamente.Issotemsidoconside-rado,nomeioacadêmico,umainovaçãomuitoimportanteparaaépoca,subsidiandomuitaspesquisas,debatese interpretações,nãosomentenageografia,mastambémemciênciascomoasociologia.

Destacamos duas contribuições de Claude Raffestin, que conside-ramos mais relevantes para nossa reflexão: a) a importância da nature-

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mArcos Aurélio sAquet | eliseu sAvério sPosito

za(recursosnaturais)comoelementopresentenoterritório.Emboranãoaprofundeoestudodessaquestão,enfatizaousoeatransformaçãodosrecursosnaturaiscomoinstrumentosdepoder;b)aimportânciaecentra-lidadeda territorialidadenavidacotidiana,comoâmbitode tomadadedecisõesedeorganizaçãopolítica,oqueinspiraráconcepçõescomoadaterritorialidade ativa,descritaerefletidaporGoverna(2005),porexem-plo.ParaFrancescaGoverna,aposiçãodeC.Raffestincompreendeater-ritorialidadecomorelaçõessociaisefetivadasparaasatisfaçãodeneces-sidadescomoauxíliodemediadores(médiateurs),nointuitodeseobtermaiorautonomia possível.

AconcepçãodeRaffestin(1993[1980])sobreterritórioeterritoria-lidade é processual, relacional e múltipla, subsidiando a elaboração deidéiasemfavordaorganizaçãopolíticaedodesenvolvimento local.Deacordo com Governa (2005), o que também fora observado por Saquet(2003[2001],2004e2006),aconcepçãodeClaudeRaffestinsobreopoderésubstancialmentedistintadadeRobertSack,ouseja,paraRaffestin,asrelaçõesdepodersãomultidimensionaiseefetivammalhas,nóseredes.Aterritorialidade,nessesentido,significaacapacidadedevalorizaçãodosatoresedosrecursosdeumcertolugar,atravésdeaçõesdeinclusãoenãodeexclusão:“Essaéumaconcepçãoativadeterritorialidade,resultadodeumprocessodeconstruçãodasaçõesedoscomportamentosquedefinemaspráticas(tambémdeconhecimento)doshomensemrelaçãoàrealidadematerial”(GOVERNA,2005,p.57).

Aomesmotempo,naItália,GiuseppeDematteis,desdeosanos1970,argumentaemfavordoterritórioconstruídohistoricamenteporsujeitosso-ciais que se relacionamentre si.Essa compreensão também inovadora epioneiraaparecemaisdetalhadamenteemsuaobrade1985,posteriormenteratificadaemDematteis(2001),naqualoterritórioeaterritorialidadesãocompreendidoscomoprodutosdoentrelaçamentoentreossujeitosdecadalugar,dessessujeitoscomoambienteedessessujeitoscomindivíduosdeoutroslugares,efetivandotramastransescalaresentrediferentesníveisterri-toriais.Oterritórioéumaconstruçãocoletivaemultidimensional,commúl-tiplas territorialidades interagidas (poderes, comportamentos, ações) quepodemserpotencializadasatravésdeestratégiasdedesenvolvimentolocal.

Esta abordagem tem algumas similaridades àquela de Raffestin(1993[1980]),quetambéminspirouaelaboraçãodeconcepçõesrenovadasdoterritório,daterritorialidadeedodesenvolvimento,subsidiandoade-finiçãodeplanoseprojetosdedesenvolvimento,comoocorreapartirdosanos1990e,sobretudo,apartirde2000,naItália,atravésdaelaboraçãoteórico-metodológicadoSistema Local Territorial(Slot),oqualabordare-mosnoitemsobreodesenvolvimento territorial.Háumaoperacionalidadedosconceitosdeterritórioeterritorialidade,oquevemocorrendonoBra-silapenasmaisrecentemente.

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desenvolvimento territoriAl e AgroecologiA

desenvolvimento locAl

Vamosacrescentarmaisalgunsargumentosparatornarmaisabrangenteestetexto.Primeiramente,apresentamosalgumasidéiassobredesenvolvi-mento,partindodanovaordemqueseinstauranaescalamundiale,numsegundoplano,dasidéiasdealgunsautoresqueabordaramotemadema-neirapositiva,paraposteriormentetrabalharmoscomodesenvolvimentolocalmaisespecificamente.

Iniciamoscomaconstataçãodequeasatividadeseconômicasain-dasãoproeminentesnaconstituiçãodanovaordemmundialque,porsuavez,rebate-senoslugarescomsuasformasdecentralizaçãodegestãodocapital,resultadodacombinaçãodediferentesarranjosinstitucionaisedaforçadedeterminadasáreasgeográficas, cujas formasdeapropriaçãoetransformaçãodanaturezasetornaramhegemônicas.

Pelanovalógicaqueseinstauranosterritórios,nãoháuniformidadenadistribuiçãodasriquezasemesmodoacessoàsnovastecnologias,por-quea intensidadedecoordenaçãoserealizaemáreasbemdemarcadasedefinidaspelaforçadasatividadeseconômicas,gerandoáreasexcluídas.Odescompassoentreaexistênciadatecnologiaedoacessoaelapodesercon-siderado,agrossomodoesempretensõesdesermosconclusivos,comoumestímuloaosmovimentosdepopulação,àstensõesentregrupossociais,àdisputapelacompetitividadee,enfim,pelodes-controledosterritórios.

Continuando neste momento, trabalharemos com as idéias de al-gunsautoresquetrataramdanoçãodedesenvolvimento,comoAlainLi-pietz(1988),queprocuroucompreenderasdesigualdadesespaciaisdode-senvolvimento a partir da divisão social e territorial do trabalho, tendocomobaseanoçãodeformaçãoeconômico-socialdeKarlMarx.

Paraexplicarsuanoçãodedesenvolvimento,eleenumeratrêstiposderegiões:

1) regiões fortes em tecnologialigadasaoscentrosdenegóciose/oudeengenharia,aoscentrosdepesquisaeensinotecnológicoecientífi-co,destacandocomoimportantesasrelaçõesentreosramosdeati-vidadeseovaloreaqualificaçãodamão-de-obra;

2) regiõesqueapresentamdensidade de mão-de-obra qualificada(técni-coseoperáriosqualificados)quetenhamcomobaseumatradiçãoindustrial,ouseja,quecontamcomapresençadagrandeindústriaecomvalormédiodaforçadetrabalho;

3) regiõescomreservademão-de-obracombaixa qualificaçãoebaixovalordeprodução, sendo, emalgunscasos,derivadasdodeclíniodasindústrias.

Essesdiferentestiposderegiõesestariam,emtese,aptosaalavan-carodesenvolvimentoemdiferentesmagnitudes,dependendonãosódes-

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sascaracterísticas,mas,também,desuacombinaçãocomoutrosfatores,conformandoaformaçãoeconômico-social.

Outroautor,NeilSmith(1988),afirmaqueastendênciascontra-ditóriasparaadiferenciaçãoeparaaigualizaçãodeterminamaprodu-çãodoespaço.Emoutraspalavras,ascontradiçõesdovaivémdo capital,aose inscreveremnapaisagem,provocamodesenvolvimentodesigual,diferenciandoasáreascomaltastaxasdelucro,deumlado,eosurgi-mento de áreas que podem ser consideradas subdesenvolvidas porqueseapropriamdebaixastaxasdelucro.Odesenvolvimentoeosubdesen-volvimento,nessesentido,ocorrememtodasasescalasespaciais(dain-ternacionalàurbana),eovaivémdocapitalprocurasempreasmaiorestaxasdelucronasdiferentesescalas,aproveitando-sedadesigualdadededesenvolvimento.

Noqueserefereàanálisedasescalas,oautorexemplificaequalifi-casuaargumentaçãoapartirdoexemplodasuburbanizaçãoquesecon-solidouapósaIIGuerraMundial,sobretudonosEstadosUnidos.Essefe-nômenoseexplicaporqueaclassemédiaprocurousedeslocardasáreascentraisdascidadesparaáreasperiféricasemaisdistantes(oschamadossubúrbios),fazendocomqueasáreascentraissetornassemdeterioradasetivessemdiminuiçãodopreçodosolourbano.Comisso,asnovasáreas,aquelas procuradas pelas pessoas para fixarem residência, tornaram-se(metaforicamente) desenvolvidas, propiciando altas taxas de retorno decapitalporcausadosinvestimentosimobiliários.

Porém,comadesvalorizaçãodosolourbanodessasáreasapontodarendapotencialsetornarmaiordoquearendareal,tem-seumretor-nodocapitalaelas,ouseja,surgeumprocessoqueSmithchamade re-desenvolvimento.Assim,pode-seconcluirqueodesenvolvimentodesigualéprodutododesenvolvimentocapitalista(nasmaisdiferentesescalas)e,aomesmotempo,premissaparaaexploraçãodasdesigualdadesgeográ-ficasparadeterminadosfinseconômicosesociais.Enfim,aacumulaçãodecapitale,porconseqüência,suaexpansãogeográfica,engendramumambienteconstruídoparaaproduçãoqueocorredemaneiradesiguales-pacialetemporalmente.

Outroautor,EdwardSoja(1993),defendeaidéiadequeoslucrosauferidospeloscapitalistassedevem,emprimeirainstância,àsdesigual-dadesregionaiseespaciais,elementosnevrálgicosparaasobrevivênciadocapitalismo.Astaxasdelucro,aprodutividadedotrabalho,osíndicessa-lariaissão,dessemodo,distribuídosdemaneirageograficamentedesigual.Ditodemaneiradiferente,apermanênciaeametamorfosedocapitalismodevemserentendidas,acimadetudo,apartirdaproduçãoedaocupaçãodeumespaçoque,fatalmente,levamàexistênciadeespaçosdesenvolvidose subdesenvolvidos. Isto é, o desenvolvimento geograficamente desigualadvémdadinâmicadediferenciaçãoeigualizaçãoespaciaisnoprocesso

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deinternacionalização,jáquenoprocessodeexpansãouniformedocapi-talsetem,sincronicamente,umprocessodediferenciação.

Frenteàpolarizaçãododebateentreoestruturalismoglobaleateo-riadasetapasdedesenvolvimento,surgeateoriadodesenvolvimentoen-dógenoafirmandoque,emprimeirainstância,odesenvolvimentoeocres-cimentodasregiões industriaissedevemaaspectos internos.As teoriasdodesenvolvimentoregionalendógenoedodesenvolvimentosustentávelsurgemnumcontextodecriseeconômicamundialnadécadade1980,mo-mentoemqueháfortesmudançasnasregiõesindustrializadas.Comode-clínioderegiõesindustriaistradicionais,tem-seaemergênciaderegiõesportadorasdenovosparadigmas(BENKO;LIPIETZ,1994).

Há semelhanças entre o desenvolvimento regional endógeno e odesenvolvimentolocal,sendoesteúltimocompreendido,sobretudo,numcontexto de globalização e descentralização: “o desenvolvimento localpode ser conceituado como um processo endógeno de mudança, quelevaaodinamismoeconômicoeàmelhoriadaqualidadedevidadapo-pulação em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos”.(BUARQUE,2002,p.25).

Odesenvolvimento,nessalinhaderaciocínio,estáligadotantoàexploraçãodaspotencialidades locaisparaseualcancesocialquantoàconservaçãodosrecursosnaturais.Porisso,pensá-lorequer:a)valorizarosenraizamentos social, econômicoe culturalda sociedade local, indoalémdeanálisesestritamenteeconômicas;b)priorizarasinstituiçõespú-blicaslocais,aautonomiadasfinançaspúblicaseoinvestimentodeex-cedentes emsetores sociais estratégicos.Emoutraspalavras,pensarodesenvolvimento local requernãosomenteolharparaaeficiênciaeco-nômica(agregaçãodevalor),mas,também,procurarcontribuirparaamelhoriadaqualidadedevidadaspessoas,diminuindoapobreza,porexemplo(BUARQUE,2002).

Emresumo,osestudosacercadodesenvolvimentolocalpriorizama importância dos agentes locais como as instituições específicas cujaintervenção visa ao apoio às empresas (centros tecnológicos, escolas deformação profissional etc.). Por isso, o desenvolvimento deriva de umacombinação de fatores favoráveis a algumas atividades específicas numdeterminadotempoenumdeterminadoterritório,ouseja,ossucessosal-cançadosemumdeterminadoterritórionãopodemserreproduzidospelaspolíticasdedesenvolvimento.

Juntamentecomaidéiadedesenvolvimentolocal,têmsurgidotra-balhosdefendendoodesenvolvimentoapartirdaliberdade,daexpansãodas capacidades humanas (SEN, 1993, 2000) e da autonomia (SOUZA,1997,2000,2003;CASTORIADIS,1983,1987).AmartyaSen(2000)defen-deaidéiadedesenvolvimento associadoàexpansãodasliberdadesreaisdaspessoasaoassociarliberdadeecapacidadecomosendomeiosposterio-

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resàsnecessidades,istoé,anecessidadeéalgoaparentementetemporárionaspessoaseascapacidades/liberdadesrepresentamoqueelaspodemviraser(estadoresultantedeumaefetivação).

Emoutraspalavras,aefetivaçãoéumaconquistadaspessoas.Aoes-tabelecerumaanálisehumanista,compreendeodesenvolvimentocomoumprocessodeexpansãodasliberdadese,porisso,defendeaparticipaçãopolí-ticaealiberdadedeexpressão,alémdeoutrascapacidadesessenciaisparaodesenvolvimentosocial.Aomesmotempo,criticaavisãodedesenvolvimen-toassociadaàriqueza,ouseja,aocrescimentodoPIBedarendaper capita,poisumapessoapodeserdemasiadorica,mas,aomesmotempo,privadadapossibilidadedeseexpressarlivrementeoudeparticipardedebatesede-cisõespolíticas.Emsuma:aliberdadenãoésomenteoobjetivoprimordialparasechegaraodesenvolvimento,mastambéméoseuprincipalmeio.

Outros dois pontos favoráveis ao desenvolvimento com liberdademerecemdestaque:1)areduçãodamortalidadeeamelhoriadaqualidadedevidaque,naperspectivadoautor,serãoatingidassomenteseoEstadopriorizarosgastoscomserviçossociais,saúdeeeducaçãobásica;2)aim-portânciadaseliteslocaisnapromoçãodosdireitosbásicosdecadacida-dão(saúdeeeducação)enadifusãodoacessoaosaspectospositivosdodesenvolvimentoeconômico.

Umoutroautor,Souza(2000,1997),defendequeodesenvolvimen-tosocioespacialdevesercompreendidoapartirdaautonomia individualecoletiva,envolvendoastomadasdedecisõeseaparticipaçãoefetivadaspessoas numa sociedade marcada pelaheteronomia, por sua vez, visívelnos Lebenswelts urbanos (favelas, periferias etc.). O desenvolvimento seconcretizarácomaminimizaçãoda injustiçasocialedasdesigualdadesnoacessoaoportunidadesaosmeiosdesatisfaçãodasnecessidades.Paratanto,énecessáriocompreenderoespaçoemsuacomplexidadeparaevi-tarapriorismosereducionismos.

Nestemomentodotexto,vamosconfrontardoispontosdevistaparacompletarnossaargumentaçãosobreodesenvolvimentolocal.Dopontodevistadomercadodetrabalhoedacapacidadeprodutivadasociedade,algumascaracterísticasdevemserlevadasemconta:

• Incorporaçãotecnológicaemsetoresdeponta;

• Aumentodonúmerodeempresas;

• Variaçãodacapacidadeociosadasempresascomofatordedescom-pressãodastensõespolíticasrelacionadasaomercadodetrabalho;

• Diminuição do tamanho médio das empresas, considerando-se onúmerodeempregados;

• Diminuiçãodonúmerodeempregoscomcapacitaçãosofisticadaeaumentodonúmerodeempregossemgrandesespecializaçõesouprecários;

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• Formaçãoderedesdearticulaçãoentrediferentessetores(empresasebancos,indústriaseserviçosetc.);

• Localizaçãodasempresasemeixosdecirculaçãodepessoasedemercadoriasdefinidosporestruturaslogísticassofisticadas.

Dopontodevistadomercadoconsumidore levando-seemcontaopapeldaredeurbana,deve-selevaremconsideraçãoosdeslocamentosparaaaquisiçãodebense serviços tantoàmontante,quando se consi-deramascidadesmaiores(metrópoles,áreasmetropolizadasougrandesaglomerações),quantoà jusante,quandosedestacaopapeldascidadesmédiasquedesempenhamopapeldepólosparaosquaismoradoresdeci-dadesmenoresedeáreasruraisestãodispostosasedeslocarpararealizaroconsumodebenseserviçosmaissofisticadosdoqueaquelesaquetêmacessoemsuasáreasderesidência.

Aproximidadetemrelevância,mesmoconsiderando-sequeasdis-tânciasdedeslocamentopodemseampliaroudiminuir,dependendodasformas de transportes e da situação da área de realização do consumoemrelaçãoaosprincipaiseixosdecirculaçãodemercadoriasepessoas,alémdeseconsideraremaspossibilidadesindividuaisecoletivas(dispo-nibilidade,freqüência,poderaquisitivoetc.)dedeslocamento.Nestecaso,osfluxosdefinem-senoâmbitoterritorialmaispróximoesãomarcadospelacontinuidadeterritorial,cujaconfiguraçãoé,emalgunscasos,deumaárea e,emoutroscasos,deumeixo.

Oeixo,entendidoaquicomoumparadigmacadavezmaismarcantenasdinâmicasterritoriais,facilitaoconsumodebensàdistância,tornan-docomplexaarelaçãoentreascidadesdediferentesportesnaredeurba-na,relacionando-asnãomaisdeformahierárquica,mascomumacombi-naçãohierárquico-horizontal,oquepermitequeosfluxosseestabeleçamentreametrópoleeascidadespequenas,entreascidadesmédiaseasci-dadespequenas,ouentreascidadesmédiaseasmetrópoles,seconside-rarmosumterritórionacional.Issopode,noentanto,ultrapassarfrontei-ras,fazendocomqueosfluxosdepessoas,mercadoriaseinformaçõessefaçamentrecidadesdediferentesportesecomdiferentesposiçõesnaredeurbana,consubstanciandoaquiloquejáébemconhecidodosgeógrafos,ouseja,anoçãodeglobalização.

Essadinâmicaterritorialédefinidapelalógicadasredesquepodemsubverterarelaçãoordem-tamanhoeasrelaçõesàmontanteouàjusante,gerandorelaçõesdeconcorrênciaecomplementaridadeentrecidadesdemesmaimportância.Enfim,aconfiguraçãoseestabeleceemformadere-deseéconformadapeladescontinuidade territorial caracterizadapelafluidezepelavelocidadenasrespostasaosimpactosexternoseinternos.

Asdinâmicasterritoriaisdefinidasporessalógicadependemdain-fra-estruturaedasestratégiasespaciaisorganizadassegundoaspossibi-

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lidades de localização industrial e de serviços, reforçando as diferentespossibilidadesdedesenvolvimentolocalembasadonacombinaçãodaca-pacidadedearticulaçãointernadasforçaslocais,dasuacapacidadederecebimento e de utilização dos impactos externos e das combinaçõespossíveisentreospadrõesdelocalizaçãodasatividadesemáreaseeixos considerando-se, logicamente, os vários aspectos da continuidade e dadescontinuidade territorial.

Paracompletar,mesmoquenãodeformadefinitiva,aexposiçãodosaspectosqueconsideramosfundamentaisparaacompreensãodaspossi-bilidadesdeseconceberoconceitodedesenvolvimento,precisamoslevaremconsideração,ainda,queháoutrascaracterísticasdasdinâmicasterri-toriais.Inicialmente,atendênciaàampliaçãoterritorialdacompetitivida-depodeserconsideradacomoumacaracterísticaatualecomoumaten-dência,incorporadacomoleiuniversalecomoideologia.

Poroutrolado,aseletividadedoslugaresprovocaosurgimentodeambientes especializados por causa de sua capacidade de competência,criatividadeecompetitividade,associadaaoprivilegiamentodasativida-descomgrandecapacidadedecriaçãoeincorporaçãotecnológica,prin-cipalmente aquelas exercidas pelas grandes empresas mundiais que secapilarizam para outros níveis de competição ao se colocarem na proadastransformaçõesterritoriaisprovocadaspelaincorporaçãotecnológica.Essatendênciaseconsolidacomopapeldalogística(quecongregaainfra-estruturaeasformasdegestãodaspráticasdedeslocamentodepessoasemercadoriasenatransmissãodeinformações)quetransformaanaturezaeacapacidadedosterritóriossedefiniremporsuacapacidadededesen-volvimentolocal.

No item seguinte, enfocaremos outra noção de desenvolvimento,tratandomaisespecificamentedoterritórioeseuscomponenteseproces-sosmateriais-imateriais.

desenvolvimento territoriAl

Na Europa, desde os anos 1970, deu-se um forte movimento direciona-doaoentendimentodosprocessosdedesenvolvimentolocalouregional,principalmenteempaísescomoaFrançaeaItália.NaItália,porexem-plo,háconcepçõeselaboradasporpesquisadorescomoCalògeroMusca-rà,GiuseppeDematteis,GiacomoBecattini,GioachinoGarofoli,ArnaldoBagnasco,AlbertoMagnaghi,entreoutros,destacando-se,desdeosanos1960-70,aimportânciadolugaredoterritórioparaadefiniçãodeestraté-giasdedesenvolvimento.

Háumarelaçãomuitosignificativaentreodesenvolvimentoeconô-micodoCentro-Norte-Nordesteitalianoeestudosfeitosporesseseoutrospesquisadores,queelaboramoqueosociólogoArnaldoBagnascodenomi-

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desenvolvimento territoriAl e AgroecologiA

nou,nofinaldadécadade1970,deabordagemterritorial.NaItália,defato,diferentementedoqueocorreunoBrasil,oconceitodeterritóriotevecen-tralidadenomovimentoderenovaçãodeciênciassociaiscomoasociologia,aeconomiaeageografia,inspirandoestudossobreaorganizaçãoeousodoterritórioeaconstruçãodepropostaseprojetosdedesenvolvimentolocal.

Como não é nosso propósito abordar todas as concepções elabo-radasnaItáliaenaFrança,destacamosaspectosdaconstituiçãodoSlot(Sistema Local Territorial),pelochamadogrupodeTurim–Itália.Ocoor-denadordessegrupodeestudosfoiepermaneceGiuseppeDematteis,en-volvendopesquisadoresimportantescomoSérgioConti,AnaSegre,Fran-cescaGoverna,EgidioDansero,CarloSalone,entreoutros,doPolitécnicoeUniversidadedeTurimedeoutrasuniversidades,comoVincenzoGuar-rasi,BrunoVecchioePaolaBonora.Evidenciamosessaexperiência,porsuaimportâncianomeioacadêmico,tantonaItáliacomoempaísescomoaEspanha,aFrançaeoBrasil.

Umadasobrasclássicasnesseprocesso,emboraoautornãotenhaparticipadodiretamentedaconstruçãodoSlot,éadeBagnasco(1977).Éemseu‘TrêsItálias’queArnaldoBagnascoelaboraasbasesdeumateori-zaçãoquemarcouefetivamenteosestudosregionaisrealizadosemdife-rentespaíses,especialmentenaeconomia,nageografiaenasociologia.

Bagnasco(1977)compreendeoterritóriocomoárea,comcaracte-rísticaseconômicas,políticaseculturaisespecíficas,naqualseusagentessociaismantêmrelaçõescomagentesdeoutrasáreas.Essaconexãoentrediferentesterritórioséumacontribuiçãomuitoimportantedoautor,queadenominadearticulaçãoterritorial,ouseja,umacombinaçãoentredi-ferentesclassessociaisqueseterritorializam.Tratam-sederelaçõesqueocorremtantononívelinternocomoexternamenteacadapaís,emvirtu-de,especialmente,dacirandamercantil.Oautor,coerentemente,tambémabordaelementospolíticoseculturaisdaconstituiçãodosterritóriosedassuasarticulações,destacandoosprocessoseconômicosepolíticos.

Osterritórios,emsuaconcepçãopioneira,têmcaracterísticasespe-cíficasqueosdiferenciamunsdosoutros,comoprodutosdadinâmicaso-cioeconômica,sendoqueelesestãoemarticulaçãoeconexãonomercadonoqualtambémexistemrelaçõespolíticaseculturaisqueseefetivamnotempoenoespaço.Essaarticulaçãoassumeumcarátercentralnaabor-dagemdesseautor,apontodeserconsiderada,elamesma,umadasmúlti-plasdeterminaçõesdeumarealidadeconcreta.

Oterritório,assim,alémdeáreaeformasespaciais,significacone-xão,articulação,resultadoecondiçãodadinâmicasocioespacial.Eode-senvolvimentoémarcadopelaespecialização produtiva locale,aomesmotempo,pelaagregação territorial,pormudanças/inovaçõeseporpermanên-ciassociaiseterritoriais.Ditodeoutramaneirahá,noterritório,umde-senvolvimentodesigualecombinado.

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Posteriormente,em‘Aconstruçãosocialdomercado’,obrapublica-daem1988,ArnaldoBagnascoreforçasuaabordagemmúltipladodesen-volvimentoregional,ouseja,consideraaspectospolíticos,econômicoseculturaisecontinuareconhecendodiferentesrecortesregionaiscomofor-mações sociaisdistintas,coexistentesearticuladasemtramassociais.Bag-nasco(1988)evidenciaquatromecanismosprincipaisderegulaçãoeconô-mica,presentesnaterritorialização:a)areciprocidadeentreosindivíduosouinstituições;b)omercado,criadorderelaçõeseaçõessociais;c)aor-ganização,internaeexternaacadaempresa;d)asrelaçõespolíticas,comoformadeintervençãoetutelamentodeinteressesdedeterminadosgrupossociais.Essesmecanismosestãosemprepresentes.Oquemudanoespaçoenotemposãosuascombinações.Ficaclaro,dessamaneira,suaaborda-gemprocessualerelacionaldeterritórioededesenvolvimentoeaênfaseparaosfatoreseconômicosepolíticos.

NoqueserefereespecificamenteàelaboraçãodoSlot,pelogrupodeTurim,ressaltamosumtextopublicadoporGiuseppeDematteisem2001,porresumirmuitobemsuaargumentaçãoparaoentendimentodo território e da territorialidade, através dos sistemas locais territo-riais.OSlot,paraesseautor,deveser,aomesmotempo,uminstrumen-to de política territorialeumaformaanalíticae,porisso,éconstruídoapartirdarealidade.

Dessa forma, Dematteis (2001) propõe os seguintes componentesanalíticosparaoSlot:a)arede local de sujeitos,quecorrespondeàsinte-raçõesentreindivíduosemumterritório local,ondehárelaçõesdeproxi-midade ereciprocidadeentreossujeitosdolocaledeoutroslugares.Háaconstruçãodeumator coletivo;b)omilieu local,entendidocomoumcon-juntodecondições ambientais locaisnasquaisoperamossujeitoscoletivaehistoricamente;c)ainteraçãodarede localcomomilieu localecomoecossistema,deformatantocognitiva(simbólica)quantomaterial.Háin-teraçõesentreosdomíniosdosocialedoambiente;d)arelação interativadarede localcomredes extralocais,emdistintasescalas:regional,nacionaleglobal.Háinfluênciasmútuasentreolocaleoglobal.

Cada Sistema Local Territorial, dessa maneira, para Giuseppe De-matteis,temaspectosambientaiseumaconstruçãosocialhistórica,pro-cessualerelacional,naqualsedáumaorganizaçãopolíticanosentidodacoesãoedaprojeçãodofuturo.E,comohápreocupaçãoeintencionali-dadecomaprojeçãoecomoplanejamento,é importantequecadaSlottenhacapacidadedeseauto-representareseauto-projetar,sendooestudo(análisee interpretação)ummeioparaaconquistadeautonomia, lem-brandoalgunsprincípiosdaargumentaçãodeAmartyaSen.Daíoconcei-todeterritorialidade ativa,comoformadedesenvolvimentoeconquistadeautonomia.Istosignificaque,nessaconcepção,optarporumageografia da territorialidade implicaumamudançadeparadigmadeabordagemdos

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processosgeográficosedeatuaçãonavidapolítica(paradetalhamentodaproposta,verotextodeG.Dematteis,publicadonestelivro).

Énessesentidoecontextoqueseelaboraoconceitodedesenvolvi-mento territorial, compreendido levando-se emconsideraçãoos compo-nentes de cada território, ou seja, tanto os econômicos, como políticos,culturaiseambientais.Aterritorialidade,apartirdoconceito(ounoção)elaboradoporClaudeRaffestin,évistacomoumapossibilidadedemedia-çãoparaaconstruçãodenovosprojetosdedesenvolvimentoeaconquistademelhorescondiçõesdevida,comautonomia.

Aautonomianãosignifica,deformaalguma,umaespéciedefecha-mentodolugarcomrelaçãoaorestantedomundo.Aocontrário,signifi-caacapacidadedecontroleegestãodedeterminadosprocessospolíticos,econômicos,culturaiseambientais,demaneiraqueossujeitosenvolvidosdiretamenteemcadaprocessopossamdefinirosplanoseprojetosemcon-sonânciacomatoreseprocessosdeoutroslugares.Háumarelaçãodeuni-dadenadiversidadequeprecisasergeridacomvistasaodesenvolvimentocommaisjustiçasocial.

EmconsonânciacomArnaldoBagnascoeGiuseppeDematteis,duasdasprincipaisreferênciasnoâmbitointernacionalsobreasquestõesdoter-ritório e do desenvolvimento, podemos afirmar que as interpretações doterritórioe/ouasiniciativasdedesenvolvimento territorialprecisamcon-siderar,necessariamente,osseguinteselementos/componenteseprocessos:

• Aarticulaçãodeclasseseaconstituiçãoderedesetramaslocaiseextralocais,quesignificamrelaçõesdepoder,efetivadasemcadalu-gareentreoslugares,emvirtudedesuasdesigualdades,diferençaseespecificidades.

• Ocaráter (i)material, conciliando-seos fatoreseelementoscultu-rais,políticos,econômicosenaturais,emunidade.

• Aproduçãodemercadorias(ouexcedentes),arecuperaçãoeapre-servaçãodanaturezaexterioraohomem.

• Avalorizaçãodaspequenasemédiasiniciativasprodutivas.

• Avalorizaçãodossabereslocaisedasidentidades.

• Aconsideraçãodoprocessohistóricoedopatrimôniodecadalugar.

• Aproduçãoecológicadealimentos.

• Aorganizaçãopolíticalocal,comvistasàconquistadeautonomia.

• Adiminuiçãodasinjustiçasedasdesigualdadessociais,dentreoutros.

Esseselementossãoconsiderados,porexemplo,noBrasil,emobrascomoasdeSaquet(2003[2001]e2006),naanálisedoterritório,daterri-torialidadeedodesenvolvimento,nointuitodesubsidiareorientaraela-boraçãodeplanoseprojetosespecíficosdedesenvolvimento,quevisemà

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conquistadeautonomia.Atítulodeilustração,podemosmencionarduasexperiênciasconstruídasnoSudoestedoParaná,apartirdosanos1990,comessainspiração.

Asexperiênciassãoasseguintes:a)oProjeto Vida na Roça,pensadoeefetivadoatravésdaatuaçãoconjuntadeváriasinstituições(públicaseumaONG,aAssesoar),entreosanos1996e1998,considerandoaintera-çãodeaçõesvoltadasparaasatividadeseconômicas,políticaseculturaisdeumgrupodemaisde100famíliasdeagricultoresfamiliareseprimandopelarecuperaçãoepreservaçãodoambientee,b)oProjeto Vida no Bairro,construídotambémemparceriaedeformaparticipativa,envolvendodi-ferentesinstituições.Nesseprojeto(SAQUET;PACÍFICO;FLÁVIO,2005)tambémtrabalhamoscommaisde100famíliasmoradorasemumbair-roperiféricodacidadedeFranciscoBeltrão(PR).Nasuaelaboraçãoenaconcretizaçãodas ações, entre2001 e 2005, tentamos estabelecernovasrelaçõeseatividades,emtramasterritoriaiscentradasnaformação/edu-caçãodos sujeitosenvolvidos,naorganizaçãoeparticipaçãopolíticanatomadadedecisões,napreservaçãodoambiente,navalorizaçãodaidenti-dadejáexistenteentreosmoradoresdobairro,enfim,tentamosviabilizaratividadesquepossibilitassemmelhoriasnascondiçõesdevidadaquelaspessoas,comumcertoníveldeautonomiadiantedeprocessospolíticosconservadoreseinerentesàdominaçãosocial.

Sucintamente, pensar, discutir e estabelecer ações de desenvolvi-mentoterritorialsignifica,numprimeiromomento,terumacompreensãorenovadaecríticadoterritório,daterritorialidadeedodesenvolvimento.Nãobastasubstituiroconceitoderegiãopelodeterritório,comocomu-menteocorrenoBrasil.Énecessárioconhecer,comclareza,suasdiferen-tesabordagensassimcomoasdeterritorialidadeedesenvolvimento,comoorientaçãoinicialparaareuniãodaspessoasquedesejamrearranjarsuaformadevida.

Apartirdaí,éfundamentalconsideraroselementosqueestãopre-sentesemcadaterritórioquedescrevemosanteriormentee,acimadetudo,ossujeitosqueefetivamessesterritórios,suasnecessidades,seusvaloresepatrimônios,ascondiçõesdanaturezaexterioraohomem,enfim,suasrelaçõeseseuslugaresdevidacotidiana,historicamenteconstituídosdemaneiraimaterial-material.Emvezdecondicionaroslugaresàstécnicaseàstecnologiasdochamadomundomoderno,énecessário,maisdoqueemoutrosmomentosdahistóriadahumanidade,ajustarastécnicaseastecnologiasaoslugares,suasespecificidadeshistórico-geográficas,ouseja,territoriais,nointuitodeconcretizaraçõesdedesenvolvimentoterritorialcomautonomia.Podemoscompreender,nessesentido,odesenvolvimentocomoaorganizaçãoealutapelaliberdade,pelajustiçaepeloconhecimen-to.Quantomaisconhecimento,maiscondiçõesteremosparanossaorga-nizaçãopolíticaelutapelaautonomia.

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desenvolvimento territoriAl e AgroecologiA

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sistemA locAl territoriAl (slot): um instrumento PArA rePresentAr, ler e trAnsFormAr o território�

giuseppe Dematteis

Geógrafo,ProfessordeGeografiadoPolitécnicoeUniversidadedeTurim-Itália|[email protected]

Seguidamente se faz um uso excessivamente retórico da palavra “terri-tório”, sugerindo-se visões parciais ou distorcidas da realidade. Parciaisquandoopensamoscomoumconjuntomaterialdecoisassematores,ouquandocremos,aocontrário,queoagirpolítico,social,culturaleeconô-micopossaserdesligadodesuamaterialidade.Ou,ainda,quandooter-ritórioépensadocomosimplesreceptorpassivode“efeitos”derivadosdeumagirsocial,econômicoepolíticoqueoperariaemumaesferaautôno-maedistintadarealidadematerialdoslugares.

Sefosseassim,istoé,seoterritóriofossesomenteasuperfícieso-breaqualseprojetaalgumaatividade,nãoserianecessárioneleintervir:aspolíticasterritoriaisnãoprecisariamexistir,ouseja,bastariampolíticaseconômicasesociaisque,regulandorelaçõesintersubjetivaseabstratas,regulariamosefeitoseosimpactossobreele,dando-lheaformaeaorga-nizaçãodesejada.

Seria,certamente,umagrandefacilidade,porémessavisãodesma-terializadadoagirhumanocontrastacomofatodequetodasascoisasquefazemos,comoindivíduosecomosociedade,devemserefetivadasconsi-derandoosbenseosrecursosnaturaisprimários,osequilíbrioshidrogeo-

1 Tradução:ProfessorDr.MarcosAurelioSaquet.

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lógicoseecossistêmicos,ossolosprópriosparaasedificações,opatrimô-niohistóricoeartístico,ocapitalfixoexistente(infra-estruturas,edifícios,construçõesetc.).Sãotodosesseselementos,solidamenteligadosaosoloedistribuídosnoespaçogeográficodemaneiravariadaque,combinando-secomasnossasexigênciasdeviver,habitar,produziresonhar,modelam,notempo,asociedadeeaeconomia.Podeacontecer,também,queoproces-soco-evolutivodelongaduraçãopassedesapercebidoeanossapercepçãoimediatasejaqueasociedademodelaoterritório,semseconsiderar,tam-bém,queocontrárioocorre.

Poressemotivo,qualquerpolíticaeconômica,socialecultural,queobjetivasereficazdeveocupar-sedo território,vistonãosomentecomoprodutodoagirhumano,mastambémesobretudo,comomeioematrizdeumfuturo,visandoàproteçãodoconjuntodecondiçõesnecessáriasàvida.Issoequivaleadizerque,paramelhoraraqualidadedoambienteedasociedade,paraproduzirculturaedesenvolvimentoeconômico,preci-samosagirconsiderandoaterritorialidade,entendidacomoasrelaçõesdi-nâmicasexistentesentreoscomponentessociais(economia,cultura,ins-tituições,poder)eoselementosmateriaiseimateriais,vivoseinertes,quesãoprópriosdosterritóriosondesehabita,seviveeseproduz.

territoriAlidAde AtivA e PAssivA

Parasecompreenderopapeldaterritorialidadenosprocessosdedesenvol-vimentoénecessárioesclarecerosprincipaissignificadosassumidosporessetermoesuasdiferençasessenciais.

Deacordocomalgunsautores,comoR.D.Sack,aterritorialidade“podeserdefinidacomoatentativadeumindivíduooudeumgrupodeinfluenciaroucontrolaraspessoas,osfenômenoseasrelações,delimitan-doeexercitandoumcontrolesobreumaáreageográfica.Essaáreaseráchamadaterritório”.

Bemdiferenteéaposiçãodeoutrosautoresque,juntamentecomC.Raffestin,definematerritorialidadecomoum“conjuntoderelaçõesquenascememumsistematridimensionalsociedade-espaço-tempo,comvis-tasàmaiorconquistapossíveldeautonomia,compatívelcomosrecursosdeumsistema”.Eainda:“conjuntoderelaçõesqueumasociedade,eporissoosindivíduos,têmcomaexterioridadeecomaalteridadeparasatisfa-zerosprópriosdesejoscomaajudademediadores,naperspectivadeobteramaiorautonomiapossível,tendoemcontaosrecursosdeumsistema”.Nessecaso,aterritorialidadenãoéoresultadodocomportamentohuma-nosobreoterritório,masoprocessodeconstruçãodetaiscomportamen-tos,oconjuntodaspráticasedosconhecimentosdoshomensemrelaçãoàrealidadematerial,asomadasrelaçõesestabelecidasporumsujeitocomoterritório(aexterioridade)ecomosoutrossujeitos(aalteridade).

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giusePPe demAtteis

Essas duas abordagens, diferentes em relação à territorialidade,indicam dois modos diversos de considerar o local e as relações com oterritóriodossujeitos.Épossível,assim,distinguir-seuma territorialida-de passivae“negativa”que,comestratégiasdecontroleecomosistemanormativoassociado,objetivaexcluirsujeitoserecursos,eumaterritoria-lidade ativae“positiva”,quederivadasaçõescoletivasterritorializadaseterritorializantesdossujeitoslocaiseobjetivaaconstruçãodeestratégiasdeinclusão.Nestesterritórios,vistoscomo“ativos”,aterritorialidadecor-respondeamediaçõessimbólicas,cognitivasepráticasentreamateriali-dadedoslugareseoagirsocialnosprocessosdetransformaçãoterritorialededesenvolvimentolocal.

Cabe destacar que não é sempre que a territorialidade passiva serealiza com práticas de coerção e com objetivos negativos. Antes disso,ocontrole seexercita “coma finalidadedobem”.Este “bem”é,porém,definidopelosdominadores,enquantoosdominadosnãotêmapossibili-dadeautônomadejuízoedeagirparafazervalerseusinteresses.Essaéumaformadetratamentoedomododesatisfazerasnecessidadestípicadatradiçãoadministrativaedoplanejamentoterritorial,entendidocomoregulação autoritária das decisões e como estruturação hierárquica dosconflitos.Naconstruçãodasformaspassivasdaterritorialidade,defato,aossujeitos(locais)sãotransferidoscomportamentospré-definidospelasestruturasdecontrole,deacordocomexpectativasexternas,semsepreverquepossamagirdemaneiraprópria,comaçõesautônomas.Jánaterrito-rialidadeativaossujeitoslocaisefetivampapéiseaçõesconfigurando,des-semodo,estratégiasderesposta/resistênciacomrelaçãoàsimposiçõesdecontrole,contribuindopararealizarmudançaseinovações.

os sistemAs locAis territoriAis (slots)

Paraqueaconcepçãoativaepositivadaterritorialidadepossaser,defato,operativanosprocessosdedesenvolvimento,precisamostraduzi-laemum‘modelo’conceitual,quesirvaantesdequalquercoisa,àanaliseedescriçãodarealidadeedaspotencialidadessociaiseterritoriaisjáexistentesparaseconstruir,apartirdisso,ossistemas,aomesmotempo,territoriaisesociais,destinadosaseconfigurarematoresdedesenvolvimentolocalnoâmbitodaspolíticasmunicipais,estaduaisenacionais.Pesquisasempíricasapli-cadasaproblemasdedesenvolvimentolocaledeprojeçãointegradaporcontadeentidadespúblicas(municípios,províncias,regiões,ministérios),juntamentecomestudosdecasoecomreflexões teórico-conceituais re-centementedesenvolvidasemumapesquisanacionalPRIN-MIUR,permi-tiramgerarummodelosimplificadodesistemalocalterritorial(SloT),aomesmotempo,analíticoecomomeioparaoplanejamentoeconcretizaçãodeprojetosdedesenvolvimento.Umsistemalocalterritorialéconstruído

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apartirdoquejáexisteeissopodegarantiraeficáciadeprojeçãodoqueseráedificado.

Comoinstrumentoanalítico,omodeloconceitualSloTécompostopelosseguinteselementos:

i) A rede local de sujeitos:formadapeloconjuntoderelaçõeseintera-çõesentreossujeitos(individuaisecoletivos,públicoseprivados,locaiseglobais),presentesouativáveisemumcertoterritório local.Aqui,porlocal,entende-seaescalageográficaquepermiteintera-ções típicas de proximidade física: relações baseadas no conheci-mentoenacomunicaçãodireta(face-to-face),naconfiança,nare-ciprocidade,naexperiênciacomumepráticadeumcertocontextooumilieuterritorialetc.Porisso,considera-setantoadimensãodeuma vila ou de um pequeno bairro como uma província italiananãomuitogrande,queétambémadimensãonormaldeumsistematerritorialurbanodetamanhomediano.Começa-seafalardoSloTquandoesseagregadodesujeitosagedealgummodoeemalgumaocasiãocomoumatorcoletivo,istoé,quandoseempenhanaelabo-raçãoenarealizaçãodeprojetoscomunsdetransformação,desen-volvimentoerequalificaçãodopróprioterritório.

ii) O milieu local:indicaoconjuntodecondiçõesfavoráveisaodesen-volvimentoespecíficodocontextoterritorialnoqualoperaumacer-taredelocaldesujeitos,da forma como estes percebem estas condi-ções.Háumreferimentoobjetivoaos“recursospotenciaisimóveis”(o“capitalterritorial”)própriosdoterritóriolocal,istoé,aoconjun-toderecursosmateriaiseimateriais,queestãosedimentadoslocal-mente comoresultadodeum longoprocessoco-evolutivoentreasociedadelocaleoterritório.Ocapitalterritorialnãoconsiste,po-rém,simplesmentenoconjuntoobjetivoderecursos (assimcomoopoderiadescrevereavaliarumpesquisadorexterno).Eletemumladosubjetivoquecompreendeas representaçõeseasatribuiçõesdevalorefetivadaspelossujeitoslocais.Correspondeaoconjuntodepropriedadesquearedelocaldossujeitosconsideracomoprises(ex-pressãodogeógrafofrancêsA.Berque)paratransformaremelhoraroseuambientedevida.

iii) A relação de interação da rede local com o milieu e com os ecossiste-mas locais:consistenatraduçãodaspotencialidadesdomilieuemvalores–do tipoambiental, cultural, estético, social e econômico– através de processos de transformação simbólica e material doambiente.

iv) A relação interativa da rede local com redes globais(“redeslongas”;tendencialmenteglobais):sãoasaçõesquemodificamtantoacom-posiçãoda rede local, comoomilieu, as relações cognitivas, sim-

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bólicasetecnológicascomoambientelocaleosvaloresexógenos(cognitivos,culturais,sociais,econômicos).Háumainteraçãoentreosvaloreslocaiseglobais.

Essaformadedefinirossistemaslocaistemalgumasimplicaçõesrelevantes.Antesdetudo,aidentidadedoSloTédefinidanãosomentecomrelaçãoaosentidodepertencimentoeàmemóriadopassado,mastam-bém,esobretudo,emtermosdeorganização do sistema,istoé,comocoe-sãoparaoplanejamentodofuturo.CadaSloT,pelofatodeterumaorgani-zaçãoespecíficaeumdomínio cognitivopróprio,éreconhecidocomosededeelaboração (tambémconflitual)de racionalidades locais que se expli-camatravésdeprincípioseregrasespecíficasdeusoedeorganizaçãodoterritório.Comoconseqüência,paracadaSloTseatribuiumacapacidade(maisoumenosexplícita)deauto-representaçãoedeauto-projeção;capa-cidadequeinteragecomaquelasanálogasdonívelglobalnasformasdecooperação,deconflitoedenegociação.

Enfim,aauto-organizaçãodosistemalocaléconsideradaumrecur-soendógenoqueaspolíticasgeraisdedesenvolvimentodevemconhecer,orientaregovernar.Esserecursoéoverdadeiroobjetodeanáliseparacadasistematerritoriallocal.Aindividualizaçãodossistemaslocais,dasredesedosambientescomoentidadesterritoriaisésomenteuminstrumentoparasedescobriredescreverasformaslocaisdeterritorialidadeativa,ouseja,asmodalidadesdeorganizaçãolocal,comoobjetivodeativareorientarprocessosdedesenvolvimento.

Cabedestacarque, referindo-seaentidades territoriais (comcon-tornosvariáveis),onossosistemalocalterritorialsediferenciaconceitual-mentedacategoriasimilarutilizadaanteriormenteporgeógrafos,plane-jadoreseoutrosestudiosos,comoopaysdageografiavidaliana,asregiõeshomogêneasefuncionais,ossistemasurbanos,osdistritosindustriaisetc.Defato,nossosistemalocalterritorialnãoéumsistemajáexistentequefuncionacomatorescoletivosterritoriais,masumasériedeindícios(atitu-des,experiênciasetc.)edepré-condiçõessubjetivaseobjetivasque,comaintervençãodeestímulosoportunosecomaçõesdegovernança,poderen-deraconstrução,emcertaáreageográfica,deumsistematerritorialcapazdecontribuirautonomamenteparaodesenvolvimento.Enfim,osistematerritorialmaisapropriadoéumterritórioondesejapossível fazerboaspolíticaseaçõeseficazesparaodesenvolvimento.

ComoSloTseindicaumapotencialidaderealizávelnarelaçãoentrecertoscomponentesobjetivosesubjetivos,quesãoanalisadoscasoacaso,comêxitosomenteemparteprevisível.AanáliseSloTnãodarájamaiscer-tezasabsolutassobrearealidadeenemsobreaprojeçãodofuturoedodesenvolvimento.Elaindica,porém,umapossívelarticulaçãodoterritó-rio,apartirdosindíciosestudados,sendoqueagovernançadirecionadaao

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desenvolvimentoterritorialserámaiseficazemrelaçãoaoutrosencami-nhamentosquenãoconsideramadistribuiçãoterritorialdascapacidadesauto-organizativasdossujeitoseassuasinteraçõescomo“capitalterrito-rial”local.

Concluindo,oSloTpermite:

i) Delinearageografiadaprojeçãoedoagircoletivoemumterritório(regional,nacional,transnacional)combasenasrelaçõessociaiseterritoriaisexistentes;

ii) Individuaroestadoatualdestasrelaçõesque,normalmente,sãoin-completas;

iii) Avaliarapossibilidadedeativarasrelaçõesquefaltameosproces-sosdedesenvolvimentoautocentrados;

iv) Avaliaraexistênciaeascaracterísticasdosvaloresterritoriaispro-duzidos;

v) Sugeriraarquiteturamaisapropriadaparaconstruir,casoacaso,umsistemadegovernançaeficazparaaimplementaçãodepolíticaseparaarealizaçãodeprogramaseprojetos;

vi) Avaliarasustentabilidadeterritorialdodesenvolvimento,compreen-didacomocapacidadedereproduzireenriquecero“capitalterrito-rial”localsemempobrecerodeoutrosterritórios;

vii)Oferecerumasustentaçãocognitivaparaplanosepolíticasdevastasáreasbaseadosnaarticulação,emrede,dossistemaslocaisterrito-riais.

Alguns ProBlemAs

AaplicaçãodomodeloSloTàanálisedeumterritóriodenotaalgunspro-blemasmetodológicosquemerecemserilustradosbrevemente,tendopre-senteasexperiênciasdepesquisadecamporealizadasnocursodenossosestudos.

A individuAlizAção dos possíveis sloTs

Énecessárioteremmentequeonossomodelonãoserveparaestudarasubdivisãoracionaldeumterritórioemunidadegeográficadenívellocal,masparaexploraredescreverageografiareferenteaumrecursoparticu-lar,quecorrespondeàcapacidadedeauto-organizaçãolocaledeagrega-çãoterritorialvoluntária,vistacomointerfacenecessáriaparaativar,eemumacertamedidatambémproduzirrecursosespecíficosnosprocessosdedesenvolvimento.Diantedoprocessodefragmentaçãoeglobalizaçãoeco-nômica,essesrecursosnãosãodistribuídosuniformementeetambémnãoexistememtodososlugares.Então,comopodemosindividualizá-los?

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Tratando-se de recursos próprios das sociedades locais, a melhormaneiraparadescobri-lospareceseraquepartedeumaanálisedasagre-gações territoriaisdesujeitosprivadosepúblicos,quegeraramprojetoseaçõesdirecionadosaodesenvolvimentolocal(nãosomenteeconômico,mastambémsocial,culturaletc.).Porexemplo:nasnossaspesquisasem-píricasforamanalisadasredescomoasdospactosterritoriais.Cadaagre-gaçãomaisoumenosvoluntáriacorrespondeaumarededesujeitoslocais(eglobaiscomancoragenslocais)quepodesercartografada.Sobrepondoasváriasconfiguraçõesespaciaisderedesqueemergemdosadensamentosemcertasáreas,podemosdefinirumaprimeirageografiadastendênciasauto-organizativas locais etc. Tais adensamentos de projeção e ação co-letivasãoindíciosdepossíveisSloTs.Numsegundomomento,asuacor-respondênciaaomodeloeosseuslimitesaproximadospodemsermelhordefinidosexaminandoacomposiçãodasredes,opapelefetivodossujeitosparticipantes, os objetivos e os resultados esperados, a estabilidade dasagregações,osâmbitosterritoriaisdosprojetosedasações,eadistribui-çãoespacialdo“capitalterritorial”ativado.

Nestafasedeanálise,umtemaparticularmenteimportanteéodacongruência da agregação territorial definida pelos projetos. Tal questãorequer,deumlado,adefiniçãodosparâmetrosque fazemcomqueumagregadodesujeitossecomportecomoumsistemalocal;dooutrolado,aindividualizaçãoedelimitaçãodoâmbitoterritorialnoqualagemossu-jeitoslocais.Estesdoisaspectosestãoestreitamentecoligados:emefeito,somentesee quandooagregadodesujeitossecomportaráeagirácomoumsujeitocoletivo,osistemalocalterritorialpoderásergeograficamentedelimitado.Nãoexisteumterritório“perfeito”eadimensão“ótima”paraodesenvolvimentolocal,porém,existemterritóriosparasereminterpreta-dosapartirdoscomponentesdecadamilieulocal.Osterritóriosnãosãorigidamentepré-determinados,massãodefinidosduranteoprocessodeconstruçãodoatorcoletivolocal,apartirdeumahipóteseinicialdeagre-gaçãoterritorialdossujeitosparticipantes.

Aspré-condiçõessubjetivassãoconfrontadascomoutrasdetipoob-jetivo,nointuitodeseverificaraestabilidadeeafuncionalidadedasagrega-çõesprecedentes(envolvidasnosprojetos).Nestecaso,deve-seconsiderar:

i) Asdivisõesadministrativasatuais.

ii) Aquelasque,nocursodahistória,podemtercontribuídoparacriaráreasdeparticularcoesãocultural.

iii) Asáreasdecontençãodosfluxoslocais(mobilidadeporserviçosepelotrabalho,input-outputentreunidadesdossistemasprodutivoslocais).

iv) Osfluxoscorrespondentes,rodoviárioseferroviários(inclusasasre-deslocaisdostransportes).

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Asanálisesobjetivaspermitemtraçaroslimites(comgeometriava-riável)dohipotéticoSloT.Énessafasequeapareceoproblemadadimen-sãogeográficadosistemalocal.Essadimensãopodevariarentreummáxi-moeummínimo,aserdeterminadocasoacasoapartirdanossadefiniçãodomodelo.Adimensãomáximacompatívelcomtaldefiniçãorequerqueserespeitemascondiçõesnecessáriasdeproximidadegeográfica,porqueasredeslocaisdesujeitoscapazesdeaçõescoletivasseformamsobreabasederelaçõesqueimplicamconhecimentodireto,confiança,interessescomunseprojetosligadosaum“capitalterritorial”tambémcomumequegarantaumalargaparticipação.

Trata-sedeâmbitosterritoriaiscorrespondentesaoraiodasrelaçõesedamobilidadecotidiana,comumadimensãomáximaqueécertamentesub-regional.Adimensãomínima,verificadapornósnoâmbitourbano,éaqueladeumbairronãomuitogrande,mascapazdeelaborareexprimirprojetosautônomos.AfortediferençaentreestesdoisextremosfazcomqueonívellocalpossasearticularemumahierarquiadeSloT;hásistemasarticuladosunsnosoutros.Nadelimitaçãodenívelsuperiorserespeitam,normalmente,oslimitesdosmunicípios,noentantoosprovinciais,regio-naiseestaduaispodemsertranspostos.

A vAlorizAção do cApiTAl TerriToriAl e o vAlor AgregAdo TerriToriAl como criTério de AvAliAção do TerriTório

Arelaçãoqueaterritorialidadeativainstituicomosrecursosespecíficosincorporadosestavelmentenoespaçolocaldaaçãocoletivaéacondiçãonecessáriaparaquesepossafalardedesenvolvimentolocalterritorialemsentidopróprio,eétambémomotivoparaoqualonívellocalconverge,reforçadopelaglobalização.Resumindo,podemosdizerqueodesenvol-vimentolocalocorrequandoasuper-mobilidadeemnívelglobalinterageecombinacomafixidezdonívellocal.Defato,olocal,comoníveldeor-ganizaçãoautônoma,interessaaoglobalnamedidaemquesabeprodu-zirvaloresreferentesàquiloqueéprópriodeseuterritório.Atualmente,aglobalizaçãoéguiadaprincipalmenteporforçaseporobjetivoseconô-mico-financeiros,porisso,tendemosapensarestesvaloresemtermosdemercado,masestaéumadistorçãohistóricacontingentedeumprocessoquepodeedeveconsiderartambémoutrosgênerosdevalores(culturais,sociais,simbólicos,estéticos),capazestambémdederivardasespecificida-deslocaisedeassumirsignificadosefruiçõesuniversais.

O valor que se obtém combinando ações coletivas autônomas,“recursosimóveis”locaiseinteraçõesglobais,constitui-senovalor agre-gado territorial do desenvolvimento.Éoquesepodeobteralém,arespei-todeprocessosdevalorizaçãosimplesquenãomobilizamnematoresnemrecursoslocais,masselimitamadesfrutardeexternalidadesedecertosrecursosterritoriais,comintervençõesexógenasdiretas.

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giusePPe demAtteis

Oconjuntodosrecursosimóveislocaispodeserconsideradocomoumcapital territorial quesetornageradordevaloresdeusoedemercadonasrelaçõesdeterritorialidadeativa.Ocapital territorialéumconceitoaomesmotemporelacionalefuncional,quecompreendecoisasmuitodiver-sasentresi,masque têmemcomumascaracterísticasquedestacamosaseguir:sãoestavelmente incorporadasaos lugares(são“imóveis”);sãodificilmenterepetíveisemoutroslugarescomasmesmasqualidades(sãoespecíficas);nãosãoproduzíveisemespaçoscurtosdetempo(são“patri-mônios”).Podemosagrupá-lasdaseguintemaneira:

i) Condiçõeserecursosdoambientenatural(renováveisenãorenová-veis).

ii) Patrimôniohistóricomaterialeimaterial(nãoreproduzívelenquan-total,masquepodeserincrementadonotempo).

iii) Capitalfixoacumuladoeminfra-estruturaeconstruções(quepodeserincrementado,adaptado,porém,noconjunto,nãopodeserpro-duzidonumperíodobreveoumédio);

iv) Bensrelacionais,emparte incorporadosnocapitalhumanolocal:capitalcognitivolocal,capitalsocial,heterogeneidadecultural,ca-pacidadeinstitucional(recursosrenováveisequepodemserincre-mentados,masquepodemserreproduzidossomenteemmédiooulongoprazos).

Comosepercebenessarelaçãodecaracterísticas,todastêmdiferen-tesgrausdeestabilidade,temposdeformaçãoeacessibilidade.Osrecur-sosreferentesaostrêsprimeirositenssão,pelomenosemparte,conheci-doseacessíveistambémporpartedeumatorexterno;osbensrelacionaisimplicam,necessariamente,namediaçãodaaçãocoletivalocaleemboaparteseformameseincrementamcomessamesmaação.

Oconceitodevaloragregadoterritorial,sejareferenteaumproje-tosingular,aumaaçãocoletivaouàmodalidadegeraldeplanejamentoedeaçõesdeumsistemalocal,temumcaráterpráticorelevante,enquantopodeserassumidocomocritériocrucialparaseentenderseestamosounãonapresençadedesenvolvimentolocale,seafirmativamente,emquemedidaissoocorre.

Trata-sedeavaliaroníveldeativaçãodosrecursospotenciaisespe-cíficosdoterritóriolocal,oumesmoovaloragregadoterritorialemrela-çãotantoaovalorgeralproduzidonoprocessocomoaocapitalterritoriallocaldisponível.Apartir,porexemplo,daindústrialocaltradicional,pode-seiniciarumprocessodereconversãoprodutivaecompetitiva.Nestecaso,aspossibilidadessãomaioresdoquenocasodatransformaçãodeativida-descomoasdemuseusouturísticas.Outroexemplo:sesemobilizaape-nasumadaspotencialidadesespecíficasdoterritório(comoopatrimônio

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arqueológico),hámenoschancesdeseobterumasoluçãoalternativaqueenvolvaoutrosrecursosinerentesaodesenvolvimento(comoopatrimôniopaisagísticoouatividadesprodutivaslocaisouocapitalsocial).

Essas avaliações exigem um reconhecimento analítico do capitalterritoriallocaledassuasmodalidades.Paraalgunsdoscomponentesdes-critosanteriormente,bastaaanálisedeumobservador externo,porém,paraoutroselementoseemparticularparaos“bensrelacionais”,opontodevistadeveserinterno,oumelhor,dialógicointerno-externo.Tudoexige,aomesmotempo,mesmonocasomaissimplesdeavaliaçãodeumprojetosingular,areferênciaaumterritório,quepossaserindividualizado/anali-sadocomomodeloSloT.

vAlor AgregAdo TerriToriAl e susTenTAbilidAde

Considerando-sequeodesenvolvimentolocalatingetodososrecursospo-tenciais de um território, a sustentabilidade não pode ser somente am-biental.Alémdaconservaçãodocapital natural,énecessárioconsiderarareproduçãoeoincrementodetodocapital territorial,inclusiveoscompo-nentesquenãoapresentamcaracterísticassustentáveisemcurtoprazo.

Éfundamentalqueseconsidereasustentabilidade territorialdode-senvolvimento,naqualsepodedistinguirosváriostiposdesustentabili-dade.Dentreelas,alémdasustentabilidadeambiental,ganhaimportância,paranós,asustentabilidadepolítica,queA.Magnaghichamadeauto-sus-tentabilidade,porquecomportaprocessosauto-organizativosnossistemaslocais.Delapodederivarnãosomenteacapacidadedereproduçãodocapi-talterritorial,mastambémesobretudo,aauto-reproduçãodosistemater-ritorialemsi,ouseja,acapacidadedeconservaçãodaprópriaidentidade(nosentidodeorganizaçãointerna)notempoatravésdeumatransforma-çãocontínuaderivadadeinovaçõeslocais.

Asustentabilidadeterritorialdodesenvolvimentopodeserdefinidacomoacapacidadeautônomadecriarvalor agregado territorial(vat)emumduplosentido:odatransformaçãodosrecursospotenciais(imóveiseespe-cíficos)deumterritórioemvalor(deusooudetroca)eodaincorporaçãoaoterritóriodenovosvaloressobaformadeincrementodocapitalterrito-rial.Teríamos,assim,auto-reproduçãosustentáveldeumsistematerritorialquandooprocessodedesenvolvimentoéauto-governadoetemcomoresul-tadofinaldemédiooulongoperíodoumvatdeprimeirotipopositivoeumvatdesegundotiponãonegativo.Ouainda,quandooatorcoletivoterrito-rial,interagindocomonívelglobal,criavalormobilizandoopotencialderecursosespecíficosdopróprioterritório,semreduzirocapitalterritorial:nemolocal,nemodeoutrosterritóriosexternosenvolvidosnoprocesso.

Ocálculodasustentabilidade territorialémaiscomplexoedifícilqueodasustentabilidadeambiental.Nãosetrata,portanto,somentedeavaliarseoprojeto,osistemaouoprocessoreproduzemocapitalterrito-

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giusePPe demAtteis

riallocal,mastambémsenãodestroemocapitalterritorialdeoutrossis-temaslocaisligadosporinteraçõesmateriaiseimateriaisaoqueestásen-doestudado.Oproblemasecomplicase,comoindicamosanteriormente,consideramosasustentabilidadee,porisso,acapacidadeauto-reproduti-vadosistemalocal.Nestecaso,asmedidassemprereferidasaumdeter-minadosistema,processoouprojetodedesenvolvimentodeveriamcon-siderar: i)ograu de autonomiadosistematerritorialeopesocognitivo,deplanejamento/projeção,dedecisão,definanciamentoedeatuaçãodossujeitoslocaisnointeriordoprocessooudoprojeto;ii)acapacidade de in-clusãodoatorcoletivolocal(éumauniãorestritadeatores“fortes”oudávozepoderaumamultiplicidadedeinteresses,redesdesujeitos,“fracos”,marginaiseconflituais?).Estaúltima,ouseja,acapacidadedeinclusão,tambémsignifica,indiretamente,acapacidadeinovativadosistemalocal,umavezquerequerumcertoníveldediversificaçãoeconfronto.

A diversificAção TerriToriAl como recurso

Deumpontodevistanãosomentelocal,mastambémuniversal,adiver-sificação do território por sistemas locais (cultural, social, institucional eprodutivo),comoresultadodeprocessosco-evolutivosde longaduraçãodassociedadeslocaiscomoseuterritórioeambiente,éconsideradacomoumariquezacoletivapordiversosmotivos.Dentreeles,omaisgeral,équeasdiversidades,noseuconjunto,desenvolvemopapeldepoolgenético-cultural,cujatransmissãoacresceacapacidadeinovativaeaautonomiadossistemasterritoriaisnasdiversasescalas.Nesseaspecto,onossopro-blemaapresentasemelhançacomodabiodiversidade.Defato,hátambémosque,apropósitodaextinçãodelínguas,dialetosepatrimôniocultural,falamdeconservarereproduzirabiodiversidadecultural.

Outrosmotivosparaprotegerereproduziradiversidadeterritorialsão:i)ofatodequeelaalimentaosistemaeconômicoglobalque,porsuavez,utilizaaspotencialidadesespecíficaslocaiscomovantagenscompeti-tivas; ii)aescalalocalreproduzsaberescontextuaisambientaisqueper-manecemúteisnoqueserefereàsformasprodutivaslocais;iii)tende-seamaximizarousodosrecursosnaturais,humanoseascapacidadesprodu-tivasglobais,diminuindo,aomesmotempo,asdesigualdades;iv)ofatodeacentuaroníveldefechamentodoscircuitoslocais,reduzindoasmarcas/efeitosecológicos;v)respondeaumademandadeusoseconsumosdiver-sificados(comodemonstraosucessodasproduçõestípicaslocais).

Atualmente,ocaráterprodutivodosrecursosculturaislocaisedospróprios sistemas locais comosistemas territorialmentediversificados éumaquestãoproblemática.Demaneiraparticular,questiona-seseaindaépossívelexistirrelaçõesco-evolutivasnaescalalocal.Comaafirmaçãopro-gressivadoconhecimentotécnico-científico,incorporadoemumprocessodeacumulaçãocapitalistatendencialmenteglobal,ainteraçãoco-evoluti-

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vaentresociedadehumanaeambientefoitransferidagradualmentedoní-vellocalparaoglobal.Diminuiuoprincipalmecanismoque,nopassado,gerouadiversificaçãoterritorialdassociedades,dasculturasedocapitalterritorialsedimentado.Permanecemsimulacrossobaformadefolcloreedepatrimôniomuseificado,conservadosemfunçãodeumusoturísticoespetacularsimilaraodosparquestemáticos,oudousosimbólico-identi-tárioouainda,domarketingterritorial.Ondenãohámudançasprodutivasabruptas,permaneceousoreprodutivodosbensrelacionaisacumuladosnopassado.Há,aomesmotempo,umatendênciaàperdagradualdessasespecificidades,comosepercebeemmuitosdistritosindustriaisesistemaslocaisagrícolasquepermanecemcompetitivos.

Umsinalquevaicontraestatendênciaéverificadoondeháafirma-çãodeproduçõestípicasqueexigemareproduçãoinovativadetecnologiasapropriadasacertascondiçõeseexperiênciaslocais.Porém,perguntamos:atéquepontoesteúltimomodelopodesergeneralizadocomoperspectivadeconservaçãoereproduçãodadiversidadeterritorial,inovando,conside-rando-seosobjetivosanteriormenteindicados?

Deumlado,essaperspectivanãoéumcontrasteemrelaçãoàevoluçãodoconhecimentocientífico.Estepodesercombinadocomosconhecimentoscontextuais,permitindoaevoluçãodetecnologiaseadefiniçãodegestõesapropriadasaosdiversosambienteslocais.Istocomportaria,também,efeitosderetornopositivosobreoconhecimentogeral.Defato,ahistóriadasino-vaçõestecnológicasnosensinaqueelasnascemcomoinovaçõeslocaisparadepoissedifundiremesegeneralizarememescalamundial.Deoutrolado,háoobstáculoconstituídopelaseleçãoefetivadasobreambientesnaturaiseculturaisporumacompetiçãoeconômicaglobalnãoreguladaque,emvezdeadaptaraosambienteslocaisoconhecimentoeastécnicasdisponíveis,tendeaadaptaroslugaresàstécnicas,nivelando-osàstecnologiasque,noatualsis-temademercadocapitalista,sãorotuladasdemaisprodutivas.

Narealidade,sabemosquese tratadeumaconcepçãomuitopar-cialdaprodutividade,entendidacomocapacidadedos investimentosdeaumentararendafinanceiraemcurtoprazo,mesmoquediminuamapro-dutividadedeenergia,decapitalnaturaledecapitalterritorial.Estámuitoclaroqueosinvestimentosfeitosnapesquisaseconcentramcadavezmaisnasáreastecnológicas,quegarantem,porsuavez,aplicaçõesuniversais,negligenciando-seosconhecimentosetecnologiasparaagestãodiversifi-cadadosambientesedosrecursosterritoriaisporquegerariamenorretor-nofinanceiroe,sobretudo,umaestruturaprodutivamaisdistribuídaede-mocrática,capazdesecontraporaocontroleeaosprivilégiosdosgrandesgruposdepoderpolítico-financeiro.

Nesseaspecto,omodeloSloTpode,também,resultaremummode-loderesistênciademocráticacontraasformasdistorcidasdaglobalizaçãoeconômicadominadapelonovototalitarismoeconômico-financeiro.

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desenvolvimento territoriAl: AlgumAs reFlexões teórico-conceituAis derivAdAs de estudo monográFico1

luiz alexanDre gonçalves cunha

Geógrafo,ProfessorAdjuntodocursodeGeografiadaUniversidadeEstadualdePontaGrossa|[email protected]

Oobjetivodestetextoédiscutiraconcepçãodedesenvolvimentoterrito-rial,inspiradanoestudodastrajetóriasregionaisdedesenvolvimentoru-ralqueforamidentificadasnoEstadodoParaná,comênfasenocasodoParanáTradicional(CUNHA,2003).Nessestermos,inicia-secomadiscus-sãosobreoprópriosentidodanoçãodedesenvolvimento,nãoemtermosgerais,mas,principalmenteemrelaçãoaoquestionamentodoenfoqueho-mogeneizadorpresentenasconcepçõestradicionaisdedesenvolvimento.Emseguida,busca-sediscutircomoumdeterminadoconceitodeterritórioébásiconacomposiçãodestanovaconcepçãodedesenvolvimento,inse-rindoumsólidoviésespacialnatentativaderenovaranálisesregionaisepropostasdecaráterdesenvolvimentista.Aconcepçãodedesenvolvimentoterritorialinsere-senumquadronoqualtambémaparecemasconcepçõesde desenvolvimento local (CAMPANHOLA; SILVA, 1999) e socioespacial(SOUZA,1996), formandoumconjuntodiversodeconcepções,masqueapresentamumeixobalizadorcomum,quecorrespondeàrevalorizaçãodoespaçonasteoriassociais,comojáhaviadestacadoSoja,oquepermiteresgataraGeografiacomociênciacentralnestasreflexõeseacabacriando

1 TextobaseadoempartedocapítuloIdatesededoutoramentodoautor,defendidaem2003,noCursodeDoutoradoemDesenvolvimento,AgriculturaeSociedade,daUFRRJ.

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umsegmentonovonatemáticadesenvolvimentista,oumesmonessadisci-plina,aoqualsepropõeadenominaçãodegeodesenvolvimento.

Noquadroteórico-conceitualdestetexto,arejeiçãoàdefesadaho-mogeneizaçãosocialcomopressupostododesenvolvimentoéumpontobásicodevidoaumadesconsideraçãocomqualquervisãoetapistadode-senvolvimento.Assim,nãosepretendetrabalharcomanoçãodesubde-senvolvimento,nosentidodequesetratadeumaetapaemdireçãoaou-tradedesenvolvimentopleno,muitoemboraotermopossaatéaparecernotexto,massemumaconotaçãoetapista.Essaobservação,decertafor-ma,relaciona-secomapreocupaçãodeMaluf,segundoaqual,“rejeitaraperspectivadahomogeneizaçãonãoimplicadesconhecerqueacriaçãodeespaçosdesiguaiseapermanentegeraçãodepobrezatêmdeterminantesprincipalmentegeraisnosentidodequesãocomuns–comoaquelesquederivamdanaturezadesigualdodesenvolvimentocapitalista–equeestesfenômenossãoumaexpressãodeinjustiçasocial”(MALUF,2000,p.77).Oimportante,então,éque,aoseabordarumaregião,“[...]épossíveleneces-sáriomensuraradesigualdadeeapobreza[...]valendo-sequasequesem-predeindicadorescomuns[...]semcomistoassociar-seaalgumconjuntodevaloresúnicoeespecífico”(MALUF,2000,p.77).Essepontofoicon-sideradoquandoseabordouoEstadodoParanáapartirdaconsideraçãodasuaregionalizaçãomaistradicional(CUNHA,2003),quedivideoEsta-doemtrêsgrandesregiões(ParanáTradicional;Norte;Sudoeste).Pôde-severificarquepartedaprimeiraregiãoapresentaodiagnósticodequadroshistórico-econômicos de pobreza e desigualdade, que levaram-na a serclassificadacomosubdesenvolvida.Arejeiçãoaotermoinclui,portanto,umadesaprovaçãoaoconceitocomoetapa,masnãoimpededeconsiderarasrelaçõesquepossamexistirentreosproblemas relacionadosàpobre-za edesigualdadeeaquestãoregional.Adiferençaéqueessesproblemassãovistoscomoinfluenciadosdecisivamenteporumprocessohistórico-geográficoespecífico.Assim,apreocupaçãocentralnãoésearegiãoéounãosubdesenvolvida.Oqueimportaefetivamenteéqueelaapresenteumprocesso endógeno de desenvolvimento que deve ser compreendido nosseusaspectosdefinidores,paraqueaçõessociaisfuturasnãocarreguemosmesmosvíciosdasqueforamimplementadasnopassado.

Nãoé,porém,objetivodestetextoaprofundaradiscussãosobreasteoriasdosubdesenvolvimento,muitoemboraasituaçãosocialdoParanáTradicional,inclusiveapósosmovimentosmodernizadoresdasestruturasprodutivasagropecuáriasrecentementeocorridaseasdiferentesconjun-turasdeaceleraçãodaindustrializaçãoqueenvolveramaregião,indiquemumagravamentodadiferenciaçãosocialdosprodutoresruraiseaelevaçãodosníveisdedesigualdadesocial,contrariandoaquiloqueseriaumpres-suposto do desenvolvimento numa visão tradicional: a homogeneizaçãosocial.Asintervençõesgovernamentais,territoriaisounão,diretasouindi-

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luiz AlexAndre gonçAlves cunhA

retas,queatingiramoParanáTradicionalparticiparam,então,dosproces-sosque“nãolevaramàhomogeneizaçãosocial,aindaquetenhamcausadoelevaçãononívelmédiodevida”(MALUF,2000,p.58).Dessaforma,estaregiãoapresentadinâmicassociaisqueatéjustificariamumaabordagemvinculadaàsteoriasdosubdesenvolvimento,masnãoseconsideradefá-cilsoluçãousaranoçãodesubdesenvolvimentonumcontextoderejeiçãodosenfoqueslinearesemevoluçãosocial.EaquiénecessáriorepetirMalufquandoafirmaquesubdesenvolvimentoeatraso“[...]pordefinição[...]su-põeapossibilidade(ouapretensão)deconvergiraumacondiçãojulgadasuperior”(2000,p.75).

Asabordagensrenovadas,centradasemprocessosendógenos,bus-camescapardessaarmadilhateórica.Comonestetextooqueinteressaéodesenvolvimentoregionalmenteconsiderado,avariantedarenovaçãoqueimportaéaqueincorporaumaperspectivaespacialnessasconcepções.Aconcepçãoescolhidaparaajudaraformaroquadroteórico-metodológicodadiscussãoéadedesenvolvimentoterritorial.Porexemplo,essaconcep-çãoéhojeabasedaspolíticaspúblicasqueemanamdaSecretariadeDe-senvolvimentoTerritorialdoMinistériodoDesenvolvimentoAgráriovolta-dasparaoespaçoruraleaagriculturafamiliar.Veiga,porém,preocupa-secomesseusocadavezmaisfreqüentedaexpressãodesenvolvimento territo-rial.Oqueelequersaberéseissorealmente“[...]indicaumarevalorizaçãodadimensãoespacialdaeconomia,ouse,aocontrário,nãopassademaisumprolongamentodainfindávelmaniadeacrescentaradjetivosaosubstantivodesenvolvimento”(VEIGA,1999,p.1).

Suapreocupaçãopodesersuperadaaoseconstatarqueaincorpo-raçãodeumviésespacialemconcepçõesdedesenvolvimentorelaciona-seaumaquestãomaisampla,queéa“reafirmaçãodeumaperspectivaes-pacialcríticanateoriaenaanálisesocialcontemporânea”(SOJA,1993,p.7).SegundoSoja,essareafirmaçãosurgedepoisdeumlongoperíodode“submersão[...]doespaçonopensamentosocialcrítico”,períodonoqualprevaleceuum“historicismodesespacializante”, iniciadoapósaquedadaComunadeParis,equesóapartirdofinaldadécadade1960começouaserrevertido(SOJA,1993,p.10-11).Nesseperíodo,asteoriassociaisnãocon-sideravamoespaçocomoumacategoriadecisiva,porquepartiamdeumaidéiade“existênciadealgumaordemespacialpré-existentenaqualope-ramprocessostemporaisouqueasbarreirasespaciaisforamreduzidasatalpontoquetornaramoespaçoumaspectocontingente,emvezdefun-damental,daaçãohumana”(HARVEY,1993,p.190).

Arevisãodesseposicionamento,percebidaporSoja,éexplicadaporCardoso como uma tomada de consciência, pois “o que teve de mudarcomo tempo,ajustando-seànovas realidades,decorreudanecessidadedelevaremcontaasmaiorescomplexidades,heterogeneidadee–talvez–volatilidadedasconstruçõesespaciaiseosseusrecortespossíveisneste

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fimdeséculo,postoquenovosfatores,anteriormentemenosvisíveiscomoelementosdecisivos,passaramaincidircommuitomaisforçasnestasúlti-masdécadas”(CARDOSO,1998,p.22).ÉBenko,porém,queexpõeoqueestaria fundamentando tal tomadade consciência, em termosde forçaseconômicasobjetivas,aoafirmar,quandoanalisaocapitalismocontem-porâneoeasuadinâmicaespacial,que“aexploraçãodoespaçoestarádenovonaorigemdeumafaseascendente[docapitalismo]”(1996,p.39).Ressaltaaindaessaimportânciadoespaçoafirmandoque“amaterializa-çãodasatividades[econômicas]noespaço”éaprimeiraformaderegula-çãoeconômicanocapitalismo(BENKO,1996,p.59).

NapesquisarealizadasobreoParanáTradicional, tendoclarasaspossibilidadesadvindasdaconsciênciacrescentesobreaimportânciadoespaço, considerou-se indispensável buscar incorporar uma perspectivaespacialnumenfoquededesenvolvimentoregional.Areferênciaàregião,aoregionalouaoterritorialnãogaranteadoçãodoviésespacial,comosepretendediscutirnestetexto.Acredita-se,então,quetalenfoquerenovadodoespacialpodesergarantidopelaviadaconcepçãodedesenvolvimentoterritorial.Então, sustenta-seque,comoquadroconceitualdessaconcep-ção,épossívelconstruirumreferencialteórico-metodológicoeclético,quepermite umnovoenfoqueàsanálises regionais.Apartirdisso,épreciso,antesdetudo,analisaressaconcepção.

território e desenvolvimento

Essatarefadevecomeçarpeloconceitodeterritório,queéopontodesus-tentaçãodaconcepçãodedesenvolvimentoterritorial.Paratal,pode-seco-meçarcomAbramovay,quedefineterritóriocomo“umatramaderelaçõescomraízeshistóricas,configuraçõespolíticaseidentidades”(1998,p.2).De-fini-locomoumatramasignificadizerqueeleéoespaçonoqualháumain-teraçãoentreaspectoshistóricos,políticos,culturaiseeconômicos,e,acres-centa-se,tambémumainteraçãohomem/naturezaqueéindispensável,emespecialquandosetratadecomunidadesagrárias.Essainteraçãonãoétra-tadadiretamentepeloautor,mas,quandoelefazreferênciasàs“raízeshis-tóricas”,considera-sequeessainteraçãohomem/naturezafaçapartedessasraízes,eaímelhorseriaafirmarqueelassão“histórico-geográficas”.

Esseéumpontoimportanteporque,aoseabordaremprocessosen-dógenos,as raízeshistórico-geográficasafloramquasequenaturalmenteeainteraçãohomem/naturezaou,melhor,sociedade/natureza,ganhaemimportância,nãoobstanteseresseumaspectonegligenciadonasciênciashumanasesociais.Oquesedefende,porém,équesepretendesuperaressadesconsideração,equeessapropostafoitestadaaoseabordaraformaçãoterritorialeoespaçoruraldoParanáTradicional(CUNHA,2003).Percebe-sedeimediatoqueasociedadedebaseagráriaformadanessaregiãode-

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pendiadoqueoambientenaturaltinhaaoferecer.Éassimqueoscamposnaturaisforamexploradospelacriaçãoeinvernagemdegado,easflorestaspeloextrativismodomateedamadeira,etambémdosseusfrutos,queali-mentavamnãoapenasoshomens,mastambémogadocriadoàsolta.

Ora,essainfluênciadanaturezasobreumasociedadedebaseagrá-rianãoénenhumanovidadeeexistiupraticamenteemtodoolugar.Oqueconsidera-semaisoriginaléainserçãodessainteraçãocomoumsusten-táculoeumelementoamaisnumconceitodeterritóriovistocomoumatramaderelaçõessocioculturaisinfluenciadaspelassuasraízeshistórico-geográficas.Assim,nascomunidadesruraisainteraçãohomem/naturezaéabaseprimordialdasrelaçõessociaisentrehomensculturalmentedis-tintos.ÉassimqueaconteceunoParanáTradicional,ondeapopulaçãoluso-brasileira (ou, quando se pensa na influência jesuítica, talvez fossemelhorafirmaribero-brasileira),juntocomonegroafricano,interagiuso-cialmentecomindígenas locais,criandoumaculturaque,numsegundomomento,incorporouelementosculturaisdeumapopulaçãoeuropéiadeorigensdiversascomoagermânica(alemães),mediterrânea(italianos)e,principalmente,nocasodoParanáTradicional,aeslava(poloneses,rus-soseucranianos).Ateiadeinteraçõescontidasnoquesecostumadefinircomorelaçõessociedade/naturezaassumeumcaráterespecíficodoPara-náTradicional,muitoemboraelaseaproximedeoutrosquadrosregionaisobservadosnaregiãosuldoBrasil.Nãohá,noentanto,identidadeabsolu-taentreessesquadros.Énessefatoqueresideariquezaemresgatarcadaquadroespecífico, localizadosgeograficamente,comoprocessosendóge-nosdedesenvolvimentoregional,entendendo-sequeesseregional,doiní-ciodacolonizaçãodaregiãoatébemrecentemente,erabasicamenterural,mesmocomaformaçãodeumaredeurbanaincipienteocorridaaindanoperíodocolonial,porquantoascidadesdaépocaeramoriginalmenteinte-gradasàsociedadeagrárianaqualestavaminseridas.

Ao se valorizar a interação homem/natureza nos processos histó-rico-regionais,comosebuscounaanáliseterritorialpropostadoParanáTradicional,pôde-sesuperarlacunasidentificadasemoutrostrabalhosso-brearegião.ÉocasodapesquisarealizadaporSilva(2002),queestudaoprocessodeverticalizaçãodeGuarapuava,umacidadetradicionaleim-portantedessaregião,buscandosuperarasabordagensmeramenteeco-nômicas desse fenômeno, substituindo-as por outra abordagem na qualaspectos subjetivos tambémsejamconsiderados.Aexpansãoverticaldacidadepassaaserexplicadatambémporsímboloseidentidades,quefor-mamrepresentaçõessociais,asquaisrespaldamaexpansãodaverticaliza-çãoparaalémdosaspectosobjetivosemateriais.Comoessasrepresenta-çõessociaissãoconstruídasapartirdereferenciaissocioculturaislocais,a autorabuscou reconstituiu-los relacionandoa sociedadeque lhesdeuorigem,nocaso,aCampeira,quenãoésóguarapuavana,masregional.

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Faltou-lhe, entretanto, a consideração da interação sociedade/natureza,quandoasraízeshistóricasdasociedade lhespareceramdeterminantes,comoelaindicaaoafirmarque“aconstruçãodarealidadesocioespacialéerguidasobreasproduções culturais passadas e atuais e,portanto,ossujeitosqueconstroemessarealidadedevemseranalisadosatravésdessaperspectivatemporal (semgrifosnooriginal)”(SILVA,2002,p.276).Nãoapenastemporal,contudo,porquetudoissoé localizadonumadetermi-nadafraçãodoespaçogeográfico;contémtambémumaperspectivaespa-cialquecomeçaaserresgatada,justamentequandoseabordaasociedadecomoresultadodeumainteraçãoentreelementosfísicos,econômicos,cul-turaisepolíticos.Éassimqueasraízeseosprocessoshistóricossetrans-formamemhistórico-geográficos,oquenãoéapenasumaquestãosemân-tica,masdedesobstruçãoteórico-metodológica.

Nocasoderegiõesrelativamente“jovens”nasuaocupaçãoefetiva,comoadoParanáTradicionalepraticamentetodoorestodoespaçobra-sileiro,seocompararmosaoVelhoMundo,asrelaçõessociedade/naturezacriarampadrõesinterativosqueaindanãosediluíramcompletamenteemrelaçõessociaisdepadrõesdiferentes,muitomaisurbanosdoquerurais,muitomaisglobalizadasdoquelocais.EissoSilvarealmentecomprovouemGuarapuava,oquealevouaconcluirquetodaatransformaçãopelaqualpassouoespaçourbanoguarapuavano–incorporaçãodepopulaçãoruralemudançasnoprocessoprodutivo–nãoconseguiupromoverumarupturacomospadrõesculturaisrelacionadosàestruturasocialcampei-ra. Nesse espaço urbano, ainda muito interdependente do espaço rural,“persistemvaloresecódigosdecomportamentosoriundosdopassadoequeserearranjamnamodernasociedadeeestruturameparticularizamacidadedeGuarapuava”(SILVA,2002,p.62).ComooobjetodeestudodeSilvaéacidade,suasconclusõesacabamporparticularizarumfenômenoquenãoéapenasurbano,masruraltambém,daíjustificar-seumaaborda-gemmuitomaisregionaldoquelocal(municipal).Considera-sequecadaumadasexperiênciaslocaisinseridasnumdeterminadoterritórioregionalseexplicanassuaslinhasdefinidoraspelaestruturaterritorialnaqualestáinserida.Dessaforma,oqueseprocuravalorizaréumaescalameso,in-termediáriaentreaestadualealocal,numcontextoemqueaescolhadeumdeterminadonívelescalar,emtermosamplos,podevariar“doespaçolocalaoplanetário” (CASTRO,1995,p.118).Assim,aescolhadaescaladeveconsiderarosobjetivosdepesquisas,projetosoupolíticas,transfor-mandoaescolhadaescalaemumaoperaçãoteórico-metodológicaenãomeramenteoperacional,buscandoconsideraradimensãofenomenológicaenãomatemáticadarealidadeconstruídaporprocessoshistórico-geográ-ficos.Oobjetivoéabordaracomplexidadedorealasercaptadoatravésdaopçãoescalar,deformaqueelasejaamaispertinentepossívelaessarea-lidade(CASTRO,1994).

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No que se refere ao que é considerado neste texto como relaçõessociedade/naturezaeaimportânciaquesedáaessaquestão,considera-seoesquemateóricopropostoporSantos,paraenquadraressasrelações,questãoque,emtodososespaçoshabitados,evoluiupelasubstituiçãodomeionaturalporummeiotécnico,oqual,porsuavez,transformou-seemummeiotécnico-científico-informacional(SANTOS,1996,p.186).Quan-doomeioerabasicamentenatural,ohomemselecionavananaturezaosrecursosquesetornavamindispensáveisàsuareprodução,valorizando-ossegundoasualocalizaçãoeacultura.Comisso,umatécnicaeradesen-volvidaporelemesmonessecontatocomanatureza,técnicaessaquenãotinhaumaexistênciaautônoma,porquantoeraabsolutamenteintegradaaomeionatural.Assim,acomunidade“[...]era,aomesmotempo,cria-doradastécnicasutilizadas,comandantedostempossociaisedoslimitesdesuautilização”(SANTOS,1996,p.188).ParaSantos,oquesetinhaerauma“harmoniasocioespacial[...]respeitodanaturezaherdada,noproces-sodecriaçãodeumanovanatureza”(1996,p.188).Aoproduziressanovanatureza,“asociedadeterritorialproduziatambém,umasériedecompor-tamentos,cujarazãoéapreservaçãoeacontinuidadedomeiodevida”(SANTOS,1996,p.188).Issoolevaaumaconclusãonaqualseidentificaoargumentodecisivo, pararespaldaroposicionamentodefendidonestetextodeincluirasrelaçõeshomem/naturezanatramaformadoradoster-ritóriosregionais,quandoafirmaqueexemplosdoscomportamentos“são,entreoutros,opousio,a rotaçãode terras,aagricultura itinerante,queconstituem,aomesmotempo,regras sociais e regras territoriais (semgrifonooriginal),tendentesaconciliarousoeaconservaçãodanatureza:paraqueelapossaser,outravez,utilizada”(SANTOS,1996,p.188).

Essas regras socioterritoriais permanecem como uma herança naevolução histórico-geográfica de uma determinada estrutura territorial,ajudandoamoldaromeiotécnicoeposteriormenteomeiotécnico-cien-tífico-informacional,osquais,muitasvezes,nãoseimpõemporcompletoàssociedadesnasquaisamodernidadeestámuitomaisancoradanumarepresentaçãosimbólicadoquenumarealidadevivida.Oquemaisinteres-sa,contudo,éconsiderarqueainteraçãohomem/naturezageracomporta-mentosprodutivosquesetraduzememregrassociaiseterritoriaisendó-genas.NoParanáTradicional,essasregrassociaiseterritoriaisseguirampadrõescombinadosdetrêsatividadeseconômicasespecíficas:acriaçãodeanimaisnoscamposenasmatas;aagricultura,muitomaisnasmatasdoquenoscampos;eoextrativismonasmatas.Cadaumadelasconcreti-zava-seapartirderelaçõesambientais,detrabalhoeprodutivasquelheseramcaracterísticas,asquais,nocasoespecíficodaregiãoemtela,apa-reciam,quasesemprecombinadas,comonaSociedadeCampeira,comacriaçãonoscamposeaagriculturadesubsistêncianoscapões,enoSiste-maFaxinal,comoextrativismodomateeacriaçãodesuínosnasmatas

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preservadaseaagriculturadesubsistêncianascapoeiras.Naanálisepro-priamenteditadessaregião,mostrou-sequemuitosatoresenvolviam-sesimultaneamentenessasatividadesdeacordocomasconjunturaseconô-micaseosciclossazonaisdefinidospelanatureza.Issodeuàestruturater-ritorialdoParanáTradicionalumacomplexidadeeumariquezaqueforne-cemaoprocessoendógenodedesenvolvimentoregionaldessaregiãoumcarátersingular.Comessesargumentos,pretendeu-sejustificarainserçãodasrelaçõessociedade/naturezanoconceitode territóriodefinidocomoumatrama.Alémdisso,buscou-setambém,apartirdessainserção,consi-derarqueasraízeshistóricaspresentesnatramaterritorialnãosãoapenashistóricas,mastambémgeográficas,oquejustificausaraexpressãopro-cesso histórico-geográficoemlugardeapenasprocessohistórico.Porúlti-mo,defende-sequeoqueAbramovaychamade“configuraçõespolíticaseidentidades”sãorealidadesqueseformamnosprocessoshistórico-geográ-ficosespecíficosdedeterminadosterritórios,sendodessaformaelementosdassuasraízeshistórico-geográficas.Assim,quandosefazreferênciasàsraízeshistórico-geográficasdeumterritórioregional,busca-setrazereva-lorizarasrugosidades(herançassocioterritoriaisousociogeográficas)dosprocessosnelaspresentes,asquais refletemas relaçõesentreelementosnaturais,econômicos,culturaisepolíticos(SANTOS,1978,p.138).

Naverdade,oquesequerdestacaréqueasraízeshistórico-geográ-ficassãofundamentaisquandoseanalisaumterritóriocomosujeitododesenvolvimento.Apropostadeumconceitodeterritórioquesurgeapar-tirdaínaturalmenteincorporaesseaspecto.PorissoAbramovaybuscanoconceitodecapitalsocialalgunselementosqueajudamarelacionaroseuconceitodeterritóriocomaquestãododesenvolvimentoregionalmentelo-calizado.Defato,oconceitodecapitalsocialtemsidoincorporadodeumaformaespecialnasdiscussõesedebatessobreasdiferençasregionaisnosníveisdedesenvolvimento.Assim,torna-seindispensávelresgataralgunstemastratadosnessascontrovérsias;temasquesejammaispertinentesàsquestõesabordadasnestetexto.

Nessecaso,deve-sebuscarograndemarcodessesdebatesqueéotrabalhodePutnam.Eledefinecapitalsocialcomoumconjuntode“[...]ca-racterísticasdaorganizaçãosocial,comoconfiança,normasesistemas,quecontribuamparaaumentaraeficiênciadasociedade,facilitandoasaçõescoordenadas”(1996,p.177).Assim,associedadespodemapresentarmaisou menos capital social de acordo com a sua trajetória histórica (raízeshistóricas).EssaéumadasconclusõesdePutnam,queafirmaqueo“[...]contextosocialeahistóriacondicionamprofundamenteodesempenhodasinstituições”.Alémdisso,concluitambémquea“[...]históriainstitucionalcostumaevoluirlentamente”(1996,p.191-193).Comisso,asdinâmicasre-gionaisapresentariamcerta“subordinaçãoàtrajetória”.Ditodeoutrafor-ma,sósepodechegaradeterminadoslugaresdependendodolugarondese

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está.IssolevaPutnamaafirmarque“asubordinaçãoàtrajetóriapodepro-duzirdiferençasduradourasentreodesempenhodeduassociedades,mes-moquandonelasexisteminstituiçõesformais,recursos,preçosrelativosepreferênciasindividuaissemelhantes”(PUTNAM,1996,p.188).

Hámuitoaqui,justamente,dovelhodilemaquesequersuperar,oqualpodeserresumidodaseguinteforma:Comoseexplicaaexistênciaderegiõesdesenvolvidasesubdesenvolvidas?Tudo indicaquePutnampre-tende transferira responsabilidadedaeconomiaparaa cultura,usandoumbemestruturadoesquemateóricoeanalítico.Acredita-se,porém,que,quandoseassumeumconceitodeterritórionoqualasraízeshistórico-geográficas são decisivas, não se deve objetivar apenas colocá-las comoacausaounãodeumasituaçãodeatrasoousubdesenvolvimento.Maisimportanteéconsideraressasraízescomoumelementoindispensáveldoprocessoendógenodedesenvolvimentoregional.

ParaAbu-el-Haj,asgrandesconclusõesdePutnamcorroboramcer-toculturalismo,porqueaespecificidadeculturalpassaaservistacomoachaveparaexplicarasdiferençasnosníveisdecapitalsocialdecadaso-ciedade.Esseposicionamentoacabaporrecebercríticassistematizadasdeumgrupode estudiososdenominados neo-institucionalistas.Esse grupoacreditaqueastesesdePutnamsebaseiamnum“excessivodeterminismocultural”(ABU-EL-HAJ,1999,p.70).

Nestetexto,rejeita-sequalquerformadedeterminismo,tantocultu-ralquantoambiental.Otexto,aocontrário,sealinhaàsabordagensqueacreditam que ações sociais bem formuladas e implementadas por umaparelhoestatalequipadoecompetentepodemfazerdiferença,nãoobs-tanteníveisbaixosdecapitalsocial.Esseentendimentosedáporqueain-daéoEstadoquepossuiafunçãoreguladoradainteraçãosocial,comaqualépossívelpromoverumativismopolítico-institucionalmobilizadordocapitalsócia,queteriaopoderdeincentivar“[...]redescívicasador-mecidasouhistoricamentereprimidasaganharemumavidaautônoma”(ABU-EL-HAJ,1999,p.72).Porisso,avalorizaçãodosprocessosendóge-nosnãoquertentarressaltardeterminismosculturais,mas,sim,entendercomoumaestruturaterritorialfoiconstruídaecomosepoderiaagirso-breelaparasuperarosseusproblemasligadosàpobrezaeàdesigualda-de,semutilizarreceitascomumpadrãoúnicoepré-determinado,ouseja,banidas de uma visão homogeneizadora. Acredita-se que isso é possívelatravésdoreferencialteórico-conceitualdaconcepçãodedesenvolvimen-toterritorial,nãoapenasediretamente,poraquiloqueVeigaesperaquesejaamaiorcontribuiçãodessa“nova”concepção,queétrazer“[...]algoderealmentenovoparaumeventualdesenvolvimentodasregiõessemdi-namismo econômico, que costumam ser chamadas periféricas e atrasa-das” (1999,p.19).Comessaconcepção,pode-se,antesde tudo, reveraanálisedopesodeumaformaçãoterritorialnumadeterminadadinâmica

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regional.Emoutraspalavras,acredita-sequeoreferencialemquestãotraznovaspossibilidadesdeanálisesdeprocessoshistórico-geográficosdeter-ritóriosregionais,antesdesertambémreferencialparapolíticaspúblicasdecaráterregional.

Essacrençaderiva,principalmente,deumpontocentralrelaciona-doàconcepçãodedesenvolvimentoterritorial,destacadotambémnotextodeAbramovay,queéoreconhecimentoexplícitodeumadimensão terri-torial de desenvolvimento contidanosterritórios, pelaqualnãosevisaapenas“[...]apontarvantagensouobstáculosgeográficosde localizaçãoesimdeestudaramontagemdasredes,dasconvenções, emsuma,dasinstituições quepermitemaçõescooperativas[...]capazesdeenriquecerotecidosocialdeumacertalocalidade”(ABRAMONAY,1998,p.2-7).

Aoseincluiressadimensãonosterritórios,pode-seconsiderarqueseatendeuaumaespéciedereivindicaçãodeBarvejillo,citadoporBoisier,quedefendehaverumanecessidadede“reinvençãodoterritório”, tendoemvistaque,comaglobalização,“osterritóriossão[...]aomesmotem-poquestionadosereafirmadosenquantoâmbitosesujeitosdodesenvolvi-mento”(BOISIER,1999,p.320).Reconhecerumadimensãoterritorialdodesenvolvimentosignifica,emoutrostermos,identificaroterritóriocomosujeitododesenvolvimento.

Vistaassimelepassaaterumpapeldeum“ator”,noqualaproxi-midadeeaaglomeraçãopermitemadiminuiçãodaincerteza,que,porsuavez,numverdadeirocírculovirtuoso,favoreceaproximidadeeaaglome-ração dos atores econômicos e sociais (empresas, produtores, entre ou-tros).Dessaforma,avisãotradicionalneoclássica(emarxistatambém)deterritóriocomoconseqüênciaésuperadapeloreconhecimentodaimpor-tânciaprimevaeseminaldoterritórioemprocessosdedesenvolvimentosregionais.Oqueécolocadoemevidêncianessecasosãoosativosrelacio-naisecoordenacionaisenãoapenasosrecursosnaturaisehumanoseosatributosdelocalizaçãoesetoriais.(STORPER,1997,p.27-28).

Para Storper, com esse novo posicionamento está em construçãoumparadigma heterodoxo emoposiçãoaoparadigma ortodoxonageo-grafiaeconômicaenaeconomiaregional,emespecialnosramosdessasciênciasinteressadosemdesenvolvimentoregionalouterritorial.Nele,as-pectospresentesemdeterminadosterritórioserelacionadosàprodução,àprodutividade,àinovação,aotrabalho,entreoutros,queeramtratadoscomo “material assets”pelosortodoxos, sãovistos entreosheterodoxoscomo“relationalassets”,envolvendoa“holytrinity”dessenovoparadig-ma:território;organização;tecnologia(STORPER,1997,p.27-28).

Oquesedevedestacaréqueaproximidade social,nessenovopara-digma,assumeumvalorfundamental,porqueasrelaçõesentreosagentessociaissãovistascomodefinidorasdocaráterterritorial.Abramovayafir-maque,nosterritórios,sefazpresente“ofenômenodaproximidade so-

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cial quepermiteumaformadecoordenaçãoentreosatorescapazdevalo-rizaroconjuntodoambienteemqueatuame,portanto,deconvertê-loembaseparaempreendimentos”(ABRAMOVAY,1998,p.2-7).Santos,contu-do,ressaltamelhorovalordesseelemento,aodestacarqueaproximidadesocialéumdoselementosfundamentaisdolugaredocotidiano,nosentidodequeela“[...]nãoselimitaaumameradefiniçãodasdistâncias;elatemque haver com a contigüidade física entre pessoas numa extensão, nummesmoconjuntodepontoscontínuos,vivendocomaintensidadedesuasinter-relações”(SANTOS,1996,p.255);acrescentandoaindaque“[...]nãosãoapenasasrelaçõeseconômicasquedevemserapreendidasnumaanáli-sedasituaçãodevizinhança,masatotalidadedasrelações”(1996,p.255).

Amaioriadosqueconsideramasquestões ligadasàproximidadesocialestáinteressadanosempreendimentosenaspossibilidadesdeinsta-laçãodecírculosvirtuososvisandoaofuturo.Emoutraspalavras,pensamnos modelos de ação que podem ser construídos. Importante, porém, étentaraproveitartambémaspossibilidadesteóricaseanalíticasresultan-tesdessaposição,nosentidodeanalisareconfirmara importânciadosprocessosendógenosdedesenvolvimentoregionale,apartirdisso,cons-truirnovoconhecimentosobreumterritórioespecíficoou,comoadafe-lizconceituaçãodeBoisier(1999),naformulaçãodemodelosmentaisoudiagnósticossobredeterminadarealidadesocioterritorial.

Assim,comooterritório–comoumatramadeelementossociaiseambientais, possui uma dimensão territorial de desenvolvimento, que otornaumatorousujeitodaspossibilidadesgeradaspelaproximidadeso-cialdosagentesinseridosnoseuespaçogeográfico–temnoseuinterioroscomponentesdecisivosqueorientamoseufuturo,acredita-sequeosdoseupassadotambémforamdecisivosnoprocessohistórico-geográficoqueinfluenciouaestruturaterritorialcontemporânea,comtodaasuaendoge-nia,comtodasassuascaracterísticas.Emoutraspalavras,comoaatualtramaterritorialécapazdeorientarosrumosqueserãoseguidospeloter-ritório,ascondiçõesinterativasquesesucederamnopassadotambémfo-ramimportantesparanortearocaminhoformadopeloprocessoendógenoqueseinteressacompreender.

Seesseprocessofoibasicamenteodeumasociedadedebaseagrá-ria, cabeumaadaptaçãodo referencial teórico-conceitualdaconcepçãodedesenvolvimentoterritorialparaabordaraquestãododesenvolvimentoregionalemsimesma.EssaoperaçãoétentadaporAbramovay,masnãosepodedizertenhasidototalmentebemsucedida.Éverdadequeele,comaperspectivaterritorialcontidanaconcepçãodedesenvolvimentoqueassu-me,assimcomooutrosestudiososdoassunto,buscasuperar,inicialmente,asvelhasdicotomiasqueopõemourbanoaorural,acidadeaocampo,odesenvolvimentourbanoaodesenvolvimentorural.Segundooautor,essascategoriasouconceitossãode“naturezaterritorialenãosetorial”(1999,

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p.10).Baseadonisso,defendequeo“ruraléumconceitoespacialemulti-setorial”(1999,p.11).Porconseguinte,éprecisoreconsideraraunidade de análise quenãodeveser,segundoomesmoautor,nem“ossistemasagráriosnemossistemasalimentares”,mas,sim,“aseconomiasregionais”(ABRAMOVAY,1999,p.11).

Nesseargumentoverifica-seumproblema,porqueelepareceaban-donar os princípios considerados e defendidos em trabalho anteriordeondeextraiuoconceitodeterritório(ABRAMOVAY,1998).Baseadonesseprimeirotrabalhoesperava-sequeeledefendesse,comoumaunidadedeanálisepassíveldesuperaradicotomiadeumasetorializaçãoespacialin-devida,oterritório emlugardaeconomia regional.Ora,seoterritórioéumatramaenvolvendoaspectossociaiseambientais,enessesocialestãoincluídos elementos econômicos,políticos e culturais, trocá-lopela eco-nomiaregional,comounidadedeanálise,éempobrecerestaanálise,e,oqueémaisimportante,significatambémabandonaraperspectivaespacialatualizadadeacordocomonovoparadigmaterritorialcitadoporStorpereassumidopelopróprioAbramovay(1998).

Assim,suaargumentaçãosofreualgumasmodificaçõesentreotra-balhode1998eode1999.Naconcepçãodedesenvolvimentodefendidanoprimeiro,aunidadedeanáliseéoterritório,enquantoque,paraosadep-tosdodesenvolvimentolocal,éaeconomiaregionaloulocal.Issodeveserentendidoassimporque,justamente,aunidadedeanálisenaprimeiraéoterritório,enquantonasegundaéaeconomiaregionaloulocal,pelome-nosparaumbomnúmerodeadeptosdessaúltimaconcepção.Issoficacla-roquandoserecorreaostrabalhosnosquaisháargumentosdefendendoqueo“corteurbano-ruraltemcedidoespaçoparaoenfoquenaeconomialocal” (CAMPANHOLA;SILVA,1999,p.2)ouquandoSarraceno lembraque“[...]thelocaleconomy,whichhasbeenproposedasanalternativetothesemi-ruralorperi-urban[...]”(1994,p.471).

Centraroenfoquenaeconomialocalouregional, transformando-anumpontodepartida,éaceitável,mastambémnopontodechegadaéques-tionável,poispoderiareavivarcertoeconomicismojátãocriticadopelosquequestionaramapróprianoçãodedesenvolvimento(COWEN;SHENTON,1996; ABDEL-MALKI; COULERT, 1996). Com esse entendimento, não sequersustentarquenãosejampossíveisanálises importantescentradasnaeconomialocalouregional.Muitopelocontrário, oquesedefendeéapenas que,quandooqueimportaéodesenvolvimentoregionalmenteconsiderado,oconceitodeterritórioanalisadopermiteumaabordagemmaisadequadaaotema,jáqueaintegraçãodasdiversasdimensõesqueformamumadeter-minadaestruturaterritorialécentralnesseconceito.

Aose tocarnessaquestãoda“integraçãodasdiversasdimensões”numarealidaderegionalespecíficaquecorrespondeaumterritório,per-cebe-seumaanalogiaoupontosdesemelhançaentredoisconceitos,ode

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território(conformeconsideradonestetexto)eoderegião(conformecertatradiçãodaciênciageográfica).Nessestermos,naCiênciaGeográficatra-dicionalencontram-seelementosquenospermitemreconhecerqueques-tõesimportantesemanálisesregionaisatualizadasenadefiniçãodepolí-ticasdesenvolvimentistasterritoriaisjáapareciamnatradiçãoregionalistadageografiafrancesa lideradaporVidaldeLaBlache.Nãoésemrazãoqueopensamentolablachianovemsendoreavaliadonumcontextomuitomaisfavorávelaoreconhecimentodasuariquezadoqueaquelenoqualfloresceuageografiaradicaloucrítica(GOMES,1996).Aatualidadedes-sas questões acaba por permitir o resgate da tradição lablachiana, com“muitosdos temasmais inoportunosdeVidal [de laBlache]–encadea-mentodefenômenos,conectividade,eassimpordiante–[que]podemserinterpretadoscomotentativasdepermitirqueosingularocupeumlugarnaciência”(THRIFT,1996,p.223).Relacionar,porém,oconceitodere-giãogeográficacomoselementosdadiscussãopropostanestetextoéumdesafioquesepretendeenfrentarnumaoutraocasião.

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conhecimentos convencionais e sustentáveis: uma visão De reDes interconectaDas

aDilson francelino alves

Sociólogo,ProfessorAdjuntodaUNIOESTE–FranciscoBeltrão-PR,membrodoGrupodeEstudosTerritoriaisGETERR|[email protected]

Épossívelencontrar,na literaturaespecializada,umaamplaquantidadedetextoseartigosqueprocuramdarcontadoprocessodedesenvolvimen-tosobdoisângulosbásicos:odesenvolvimentoendógenoeodesenvolvi-mentoexógeno.Aabordagemdodesenvolvimentoexógeno,emqueentãosepautavaaRevoluçãoVerde,confluíaparaumapropostadearticulaçãosubordinadadasatividadesdesenvolvidasnoespaçoruralpelasdesenvol-vidasnaseconomiasurbanas.Nessavisão,oaspectodinâmicodaecono-mia(comdesenvolvimentodeprodutos,serviçosepesquisas)ocorrerianoespaçourbano.Aoruralcaberiaopapeldereceptáculopassivodetecno-logiaeinsumosedefornecedordematérias-primasedealimentosparanutriramáquinaprodutivaeaspopulações.AsíntesepropostaWardet. al.(2005)(Quadro1)apontaadistinçãoentreosmodelosdedesenvolvimentoexógenoeomodeloendógeno.

Na rede de conhecimentos que se conecta ao desenvolvimentoexógeno,encontramos todooaparatoconstruídopelaRevoluçãoVer-de ao longo de aproximadamente meio século. Assim, ao seguir esseprocesso,épossívellocalizar,nacadeiadeacontecimentos,apaulatinaerosãodoconhecimentolocalesuasubstituiçãoporumconhecimentocientíficoglobal.

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Quadro 1 – Modelos de desenvolvimento rural

Características Desenvolvimento exógeno Desenvolvimento endógeno

Princípio-chave Economia de escala e concentração

Arranjos locais (naturais, humanos e culturais).Recursos para o desenvolvimento sustentável.

Força dinâmica

Pólos de crescimento urbano. As áreas rurais são concebidas como fonte de alimentos e de produtos primários para a expansão das economias urbanas

Empresas e iniciativas locais

Função das áreas rurais

Produção de alimentos e de produtos primários para a expansão da economia urbana

Diversificação das economias e dos serviços

Maiores problemas de desenvolvimento

Baixa produtividade e marginalizaçãoLimitada capacidade de áreas/grupos sociais de participar das atividades econômicas

Foco do desenvolvimento rural

Modernização agrícola: estímulo à mobilidade de capital e trabalho

Construção de capacidades (habilidades, instituições e infra-estrutura)Superação da exclusão social

Fonte:AdaptadodeWardet alii (2005).

Deste conhecimento global surgem novas relações entre naturezaesereshumanos,relaçõesnasquaisadiversidadedesistemasprodutivosruraisésubstituídapormodelosconstruídosemlaboratórios.Asraciona-lidadescientíficas,tecnológicasefinanceiraspassaramaocuparboapartedosecossistemasmundiais,transformando-osprofundamente.ARevolu-çãoVerdeé,fundamentalmente,umsistemaaltamentedependentedein-sumosexternos,caracterizadospelaaltadensidadetécnicaecientíficaepeloaltoinvestimentodecapitalqueconectamentresicomplexasredesmundiais.Alémdisso,estesistemaprivilegiaamonoculturacomoformadepotencializarousodosrecursoseconômicos.Considerandoqueatecni-ficaçãoeadensidadecientíficasãocaracterísticasfundantesdaRevoluçãoVerde,oscentrosdedecisãoedepodertenderamapermanecerafastadosdolocaldeaplicaçãoepassaramagerarcomplexaselongasredesverti-caisdepoder.Namodernidadeavançada, essesprocessos são, contudo,ambivalentes.AracionalidadeprodutivistadaRevoluçãoVerdetrouxeumconjuntodeaparatostecnológicoseconhecimentosquefizeramaumentarsignificativamenteaproduçãoalimentar.

Contudo,sobopontodevistadaagricultura,apesardoaumentodadisponibilidadeglobaldealimentosproporcionadopelaRevoluçãoVerde,osimpactosgeradoscomusointensivodeinsumosexternoscausaraminú-merosproblemas.Pretty(1995)citaalgunsdeles:distribuiçãodesigualde

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benefícios,deterioraçãodascondiçõessocioeconômicasdeagricultores(so-bretudocomoaumentodocustodeproduçãoecomaconseqüentedimi-nuiçãodarenda),grandedeslocamentopopulacionalcomreflexosdemar-ginalizaçãoededegradaçãoambientalsignificativa,dentreoutrosaspectos.Taisproblemasfizeramaumentaromovimentoquequestionaodesempe-nhodaagriculturamoderna,umavezqueseusefeitoscolateraisnegativos,emdiversosaspectossuperamaspositividades.Dessemodo,oavançodaRevoluçãoVerdesobreterritóriosesobresistemasprodutivostradicionaistrazconsigo,alémdaevidênciadosucessodaracionalidadecientífica,ques-tionamentossobreosresultadosalcançados.Seusucessopodeseremparteexplicadopelaconstruçãodasredessociotécnicas,comopropõeaanálisedaTeoriaAtor-Rede(TAR)desenvolvidaporCallon(1984)eLatour(2000),naqualoaspectocentraldosucessocientíficotemavercomacapacidadedaciênciaemconstruirredescapazesdeagiràdistância.

Aciênciapodefazerafirmaçõesuniversaisporquepodeserestandardiza-daemtecnologiasepodeatingiratravésdelasestabilidadeeutilidadeforadoscontextoslocaisnosquaiséproduzida.Oscientistasatuamàdistância,atravésdeassociaçõesouredesquepossibilitamquedeterminadosatoreslocalizadosnumtempoe lugarespecíficos tenhamcondiçõesdeestabele-cervínculoscomoutrosatoresemdiferentestemposelugares(GUIVANT,1997,p.17).

Osmecanismosdestaconstruçãopassampordiversostiposdealian-ças,quepermitemconstruircomplexossistemasqueconduzemparasuauniversalização,ouseja,comoumconhecimentocientificamenteprodu-zidoevalidadoéreproduzívelemtodaapartesemanecessidadedeumprofundoconhecimentoporquemexecutaotrabalhonoslocaisdeaplica-ção.Emoutraspalavras,aconstruçãodarededeciênciapermitequeestatenhaumaaçãoàdistância,aocontráriodoconhecimentolocal,queseor-ganizaemredesmenoresemaisrestritas,oquelimitaadifusãodessasex-periências.Outroaspectofundamentaldasredescientíficasrefere-seasuacapacidadedearticularredesdepoderecontrole.ParaGuivant(1997),aspráticasdaatuaçãoàdistânciaenvolvemdiversostiposderelaçõesdepo-der.EsseentendimentoestáemconsonânciacomoquepensamGiddens(2003),Callon(1984)eLong(2000),aoconstataremquesetornampode-rosososatoreshábeisosuficienteparaconvenceroutrosatoresaatuaremalinhadosàspré-noçõeseaosenunciadosporelesdefendidos.Nocasoes-pecíficodaRevoluçãoVerde,umadasregrascentraiscaracteriza-sepelacontinuaçãodatentativadaseparaçãoontológicaentreomundonaturaleomundosocial.Trata-sedeumaseparaçãoemqueháapredominânciadosegundosobreoprimeiro,mascujavisãodonaturalédeumnaturalespe-cífico,identificadocomoprojetoocidentaldeciência,civilizaçãoepoder.

Noqueserefereaopoder,nãoépossíveldeterminarsualocalizaçãoexata,comoodemonstraNormanLong(2002),aodiscutirascomplexasre-

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laçõesqueseestabelecemnasinterfacesdeprojetoseprocessosdedesenvol-vimentorural,oucomooafirmaMichaelCallon(1986),nasuacontribuiçãoaoproblematizarasrelaçõesdepoderentreosatoresenvolvidosemredes.ParaGuivant(1997),opoderinclui“umalongalistadeelementosnãoso-ciais,comotecnologias,textoseentidadesnaturais”,articulando-seemtor-nodiversosrecursoseconstruindoumalongarededeatuação.

Dessemodo,podemosinferirque,quantomaislongaessalistadeelementosqueintegramopoderequantomaisrecursosestiveremenvol-vidos,maioreleserá.Nessesentido,aproblematizaçãodaconexãoentreciênciaeformasdepodernospermitevisualizarumadistinçãoexplicativaessencialentreciênciaeconhecimentolocal,ouseja,adistinçãodeque“Aciênciatemmaispoderporquepodeagiràdistância,porqueasexplica-çõescientíficastêmacapacidadedereduzirnumerososelementosnumalei universal e isto os coloca no topo da hierarquia explanatória” (GUI-VANT,1997,p.17).

Entretanto,comoapontaLong(2000),opodernãopodeseracumu-ladoouestocadoparaserutilizadoemdeterminadassituações.Elepróprioobedeceaosaspectossociais,culturaisenaturais,numcomplexoecontí-nuoprocessodearticulação,estabilizaçãoecontestação.Assim,dadoqueaRevoluçãoVerdegerouumacrescentedependênciadeinsumosexternos,bem como provocou a erosão dos conhecimentos locais, de outro lado,contudo, issonão seprocessademodopacíficoeuniforme.Aextensãorural,porexemplo,quesecomportoucomoumdosvetoresfundamentaisparaaadoçãodospacotestecnológicosedosprocessosestandardizadosdeproduçãosofreresistênciaeessespacoteseprocessossãoressignifica-dospelosagricultores.Outromovimentoderesistênciaocorredentrodaacademia,ondemuitospesquisadoresseposicionamparasecontraporaessegrandemovimentoglobal.Dentreascríticasapresentadas,osaspec-tosnegativosmaisrecorrentesfocamasproblemáticasdasustentabilidadeambientalesocialedaerosãodosconhecimentoslocais.

Esses insistentesprocessosdequestionamentosbemcomoos im-pactosnegativosdaRevoluçãoVerdefizeramaparecerumgrandenúmerodenovosatoressociais.Algunsdelesselançaramnaconstruçãododebatesobre:qualagriculturaépossível,qualésocialeecologicamentesusten-tável,qualoferece,paraaspopulações,padrõesdesegurançaalimentar,ambientalesocial?

Alémdestestemas,umasériedeoutrascontrovérsiastêmfreqüen-tadoas agendasdegrupos, governos e instituições ao redordomundo.Estesprocessosgeraramumasériedeexternalidadesnegativasqueper-mitiramaoscientistaseambientalistasformularalertassobreadeteriora-çãodaqualidadedosrecursosnaturais,como:solos,água,perdadabio-diversidade,quedaabruptadasreservasflorestais,aquecimentoglobalemudançasnosregimespluviais.Noaspectodacapacidadedosgovernose

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doscientistasdegarantirasegurançadapopulação,apolêmicadiscussãosobreoMaldaVacaLouca–BovineSpongiformEncephalopaty–(BSE),bemcomoaresistênciaàadoçãodealimentostransgênicossãoexemploscomunsdacrescentedesconfiançasocialsobreaqualidadedosalimentosesobreacapacidadedossistemasperitosemfornecerpadrõesdeseguran-çaaoconsumoalimentar.

Estasquestõesobrigatoriamentenosconduzemaoespaçopolíticoeassuasarenasdeembate,dentreasquaissepodecitar:asrelaçõescon-traditóriaseaatuaçãoambíguadoEstadonoenfrentamentodasquestõesreferentesàqualidadedosalimentos;passandoaooutroextremodasques-tõessociaissurgidasdodeslocamentoprovocadopeloêxodoruralempaí-sesemdesenvolvimentocomooBrasil.Ouseja,asanálisesdosimpactosdaRevoluçãoVerdenosconectamàredescadavezmaiscomplexasenosabrempossibilidadesdepesquisasfundamentaisparaenfrentarosdesa-fiosdecompreendersuasinterconexões.

Ocorre,contudo,queaadoçãodelinhasdivisóriasclarasenfrentaumobstáculocentral,pois, senomundoconceitualnóspodemos sepa-rarasquestõestecnológicasdasoutras,noespaçoempíricoamodernida-decomplexificouessatarefa(LATOUR,2000).Nãoháumaseparaçãotãosimplesdessesuniversosproblemáticos,eoquepercebemoséumaintrin-cadateiaconceitualligandoquestõeseconômicas,políticas,culturais,so-ciais,científicasenaturais.Estesaspectosestãofortementeentrelaçadosaumprojetodeciênciaecivilizaçãoedesafiamconstantementeacapacida-dedecompreensãoeintervençãonossistemas.

Nas duas últimas décadas algumas concepções nascidas no am-bientalismoeemsetoresdapesquisacientíficatêmconseguidoconstruirpequenaseatuantesredesdecontraposiçãoaopoderdasgrandesredescientíficas.Taisexperiênciastêmarticulandocomunidadeslocais,atoresvinculadosàONGs,gruposdepressãoeconsumidorespreocupadoscomaqualidadedosprodutosalimentares.

Morgan e Murdoch (2000), em “Organic vs Conventional Agricul-ture:knowledge,powerandinnovationinthefoodchain”,sepropõemaanalisarcomoseprocessaaconstruçãodoconhecimentonascadeiasali-mentares da agricultura convencional e da agricultura orgânica atravésdoestudodedois“tiposideais”deredes:asredesdeproduçãoalimentarindustrializadaeoqueelesdenominamderedestácitas,ondeseutilizamo(s)método(s)orgânico(s)deprodução.

Ambospartemdoprincípiodequeosetordeproduçãodealimentospassouporumaintensamodificaçãonoperíododopós-guerra,ondeumadasevidênciasmaismarcantesfoiaaplicaçãointensivadeciência,tecno-logiaelogística.Assim,aaplicaçãodeconhecimento(nosentidoamplo)assumiucarátercentral tambémnaagriculturaedeumaproposiçãodaeconomianeo-clássicaparacompreenderacentralidadedoconhecimento

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para as atividades econômicas. Procuram inicialmente considerar o co-nhecimentoemsi.Utilizando-sedeLundvalleJohnson(1994),propõemquatrotiposbásicosdeconhecimentosqueconsideramrelevantesparaaanálise:a)saberoque(know-what),conceitoestequeestariapróximoaoquenósidentificamoscomo“conhecimento”ouconhecimentodos“fatos”;b)saberporque(know-why),conceitocorrespondenteaoconhecimentocientífico,aoconhecimentodosprincípiosedasproposiçõesdas leisdefuncionamentodanatureza.Esseprincípioéfundamentalparaasmudan-çastecnologias.Segundoosautores,areproduçãodoknow-whyéorgani-zadaerealizadafreqüentementeeminstituiçõesespecializadas,principal-menteemuniversidadeseempresas;c)conhecimento(know-how),queserefereàhabilidadedefazeralgo.Essetipodeconhecimentoénormalmen-teconstruídodentrodasempresaseguardadocuidadosamente,contudosuacrescentecomplexidadepodeconduziraumainteraçãoentreasorga-nizações;ed)saber-quem(know-who),consideradocomoumtipoespecí-ficodeconhecimentodeterminanteemfunçãodacrescenteimportânciaqueestevemassumindonaseconomiascontemporâneas,e refere-sees-sencialmenteàshabilidadessociais.Essetipodeconhecimento,parasereficaz,precisaenvolverosoutrostrêstiposanteriores.

SegundoMorganeMurdoch(2000),apesardesedutora,aaborda-gemneo-clássicadesconsideraacapacidadedesigualdosagenteseconô-micosdeproduzir,acessar,adquiriremanipularconhecimentos.Nomo-delocontemporâneo,aproduçãodoconhecimentosedáembutidaemumamplorolderelaçõesdepodereenvolvetambémquestõessociaisepolíti-cas,quesãodesconsideradasoutêmumaimportânciamarginalnateoriaeconômicaneoclássica.Ouseja,naconfiguraçãorealdomercadonãoseverificaumaperfeitadistribuiçãodoconhecimento.

Narededodesenvolvimentoendógeno,emboraencontremosopro-dutodacontestaçãoedacríticaaomodeloanterior,bemcomoaapresenta-çãodealgumasalternativasparasuasuperaçãoesubstituição,oprocessoécomplexoedesigual,e,emboranãotenhamumatrajetóriademãoúnica,osprocessostécnicosecientíficoscaracterísticosdaglobalizaçãoedamoder-nidadepossuemumaforçaincontestável.Nessesentido,aglobalizaçãode-senvolve,emseumovimento,doisvetores:umprocessodehomogeneizaçãoeoutrodediferenciação(MARSDEN;CAVALCANTI,2001),ondediversasredesseentrecruzamnumprocessodereflexividade,avançoserecuos.

Énecessário, contudo, ressaltarqueoconhecimento localnãodeveseridealizadocomomelhorousuperioraoconhecimentocientíficoouvistocomoumconhecimentopuroprontoparaserresgatado(GUIVANT,1997),atéporque,dopontodevistadosmodosdefazeragrícola,oprocessodaglobali-zaçãonaestandardizaçãodaagricultura,aciência,asempresas,osgovernoseaAterdesempenharamedesempenhamoseupapelpormaisdemeioséculo,alterandoeinfluenciandoprofundamenteossaberestradicionais.

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A emergênciA dA sustentABilidAde: rede e conhecimento locAl

Sedeumlado,ocontínuoavançodastecnologiastempropiciadonaagri-culturaumaprofundamentodosmecanismosdaglobalizaçãoedaestan-dardizaçãodosprocessosprodutivos,deoutro,umconjuntoexpressivodeexperiênciaseatoresfocadosnolocaltêmsurgido.

Aglobalizaçãoésistematicamentequestionadaereconfiguradape-los atores e instituições locais. Segundo Mior (2004), seus aspectos sãofragmentadosereinterpretadosemnívellocal.Emoutraspalavras,osfe-nômenosglobaisseriampermanentementemediadosereconfiguradospe-losdiversosagenteslocalizadosnasmúltiplasescalasdavidasocialeeco-nômica, construindo complexos elos entre os atores locais e os globais.Umadasquestõescentraisdessareconfiguraçãopassapelasustentabilida-de,nãodeformaespecífica,masdiluídaemredeslegaisedepesquisa.

Nocampoespecíficodoambientalismo,aquestãodaglobalizaçãoéendógena,eoédeumduplomodo:oprimeironosentidodequeaquestãoambientaléemessênciaprodutodoprocessodeglobalização,poisgrandepartedodiscursoambientalsóépossívelsearticuladaàsquestõesnasci-dasdaglobalização;deoutrolado,odiscursoinstitucionalecientíficodoambientalismo tece suas teorias e consideraçõesnãoapartirdoespaçolocal,masdoglobal.Osimpactosdadegradaçãoambientalocorrem,namaioria das vezes, no espaço local, mas as conseqüências são globais eapresentadascomoteoriasglobais.

Umadessasanálises,queparticularmentenosinteressaaqui,foirea-lizadaporButtel(1994),quefocaodebatenasociologiarural.Paraele,asociologiaruralofereceduasgrandesabordagensreferentesàagricultura:umacentradanaglobalizaçãoenainternacionalizaçãoeaoutra,nare-lo-calizaçãoenadiversidadedaagricultura.Naprimeira,asagriculturasna-cionaiseseusprocessosdinâmicos,organizativosereguladoresestavamsendosubstituídospelasestruturasglobais.

Aabordagemdaglobalizaçãoestáessencialmentebaseadanapressuposi-çãodequeaagriculturateriaperdidoseudinamismoeconômico, ideoló-gicoepolíticoequeaestruturaagrícolanãoémaisaforçaeconômicaqueformataosistemaalimentareasociedaderural.Assim,atendênciadestaabordagemseria ignoraraestruturadaprópriaagriculturaeenfatizarasdinâmicaseconômico-políticasdascadeiasdecommoditiesesistemasali-mentaresqueseriampensadoscomodeterminandoasestruturasagrícolas(MIOR,2004,p.26).

Estaabordagemfocalizaainfluênciadossistemaslocalizadosforadoespaçorural,naformataçãoenadeterminaçãodasdecisõesnaagri-cultura,doquedecorreumprocessocrescentededependência,demargi-nalizaçãoedeminimizaçãodaimportânciasocialepolíticadosespaçosrurais.Noqueserefereàsegundaabordagem,oaspectocentraléacrítica

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dirigidaàexcessivaênfasenasqualidadeshomogeneizadorasdaglobaliza-ção,ouseja,oquesepassaaquestionarseriamoslimitesdoalcancedoprocessodeestandardizaçãodaglobalizaçãosobreaagricultura.

Em1992,ClarkeLowejáhaviamsinalizadoparaoslimitesdealgu-masabordagenssociológicaseeconômicasdaagricultura,quesedifeririadosprocessosprodutivospelassuascaracterísticasintrínsecasdetrabalhofamiliarepelanaturezarefratáriaemúltipladosprocessosbiológicos,osquaisexigematençãoindividualdosagricultores.Onúcleodessaanáliseresidenocaráterdiferenciadordassociedadesruraisemsuasmaisvaria-dasformas.

Estascaracterísticasdaagriculturaproduzemumaaproximaçãoen-treaagriculturafamiliareomovimentoquestionadordaglobalização,fa-zendoemergirosaspectosrelativosàagriculturasustentávele,conseqüên-temente,relativosaumaconcepçãodedesenvolvimentoruralsustentável.

Box 1 – Princípios da agricultura sustentável

1. A sustentabilidade não pode ser definida de forma precisa: é um conceito altamente contestado e não representa um conjunto fechado de práticas ou tecnologias, nem um modelo a ser descrito ou imposto. A questão de definir o que estamos tratando de fazer é parte do problema, devido a que cada indivíduo tem valores diferentes. A agricultura sustentável é, desta maneira, não tanto uma estratégia, mas uma abordagem para apreender o mundo.

2. Os problemas sempre estão abertos às interpretações diferentes: como o conhecimento e o enten-dimento podem ser considerados como socialmente construídos, o que cada um de nós conhece e acredita está relacionado com o nosso contexto atual e nossa história. Não há, portanto, só uma interpretação “correta”. Dessa maneira, é fundamental procurar entender as múltiplas perspectivas sobre um problema para assegurar um amplo envolvimento dos atores e grupos.

3. A resolução de um problema inevitavelmente leva à produção de outro problema porque os proble-mas são endêmicos. Sempre haverá incertezas.

4. A característica-chave passa a ser a capacidade dos atores de aprenderem continuamente a partir dessas situações em mudança, de forma a que possa agir rapidamente e transformar suas práticas. As incertezas devem passar a ser explícitas e reconhecidas como válidas

5. Os sistemas de aprendizagem e interação devem procurar as múltiplas perspectivas das diferentes partes interessadas e estimular o seu envolvimento. A participação e colaboração são componentes essenciais de qualquer sistema de pesquisa.

Fonte:Pretty(1995),apudGuivant,2002.

Aagriculturasustentáveléparteintegrantedodesenvolvimentoru-ral sustentável1 epodeserdefinidacomoumprocessodemudançanossistemasruraisdeprodução,afetando-osdeformamultidimensional.En-volvediversasáreasdasatividadesrurais,como:crescimentoeconômico,

1 Emboranãohajaumadefiniçãoúnicaparadesenvolvimentosustentável,esseconceitoéomaisinstitucionalizadonaesferaestatal,bemcomonosmovimentossociais.

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melhoramentodecondiçõessociais,conservaçãodevaloresnaturaiseva-loresculturais(PUGLIESE,2001),comotambémasdimensõesdetraba-lho,tecnologia,saberes,políticasinstitucionais,enfim,fatoresqueseco-nectamàdiversasdimensõesdavidanocampoenãosãoestanqueseporissonãoobedecempacificamenteaumaclassificaçãohomogêneaoues-tandardizadade suasdefinições.Namaioriadas vezes estes fatores sãocomplementadospordemandasespecíficaseporcaracterísticashistóricasdascomunidadesrurais.

Oqueseobserva,nocenárioatual,équegradualmenteaatuaçãocríticadeatoressituadosnoespaçoruraltempossibilitadoaconstruçãoderedesealternativaseconômicasparaascomunidadesrurais.Assim,deumfocoeminentementesetorialerestritodeproduçãoexclusivadealimen-tos,aperspectivadodesenvolvimentoruralsustentávelpodepossibilitaraarticulaçãodenovoselementose,comisso,conectaroruralaosespaçosdecríticaàmodernidade(nosentidodeGIDDENS,1991).Emalgunsca-sos,essascríticassedirigemtambémàsquestõesambientais,embora,nocasobrasileiro,oeixocentral,devidoàsquestõesdaformaçãohistóricaeàmarginalizaçãodaagriculturafamiliar,tenhasidoodarecuperaçãodaseconomiasruraisedasustentabilidadesocial.

Aredefiniçãodaagriculturanosmoldespropostospelaagriculturasustentávelimplicaaredefiniçãodopapeldosagricultoreseconsistenumapeloparaaaquisiçãodenovashabilidadesecompetências,e,dentrees-sasredefinições,estáaampliaçãodosconhecimentosdosagricultores.Adiversificaçãodasformasdeproduziredaeconomiarural(sejacomopro-cessodapluriatividadeagrícola,sejacomaredefiniçãodosespaçosruraiseurbanosouadiscussãoterritorial),temumpapelestratégicoimportante,poiséprecisoreinventarparatransformarasfronteirasgeográficasurba-no-ruraisemacoplamentosqueconectam,cadavezmais,lugares,saberes,tradiçõeseinovações.

A atuação “geográfica” dos atores necessita ser redimensionada,pois,naconfiguraçãododesenvolvimentosustentável,nãoserestringeàsrelaçõesimediatasdalocalizaçãoespacialdapropriedade.Aanálisedoes-paçorural,emsuaperspectivasustentável,deveserolhadanãocomoumespaçodehomogeneidades,masdeespaçoshíbridosconstituídosdetem-poseterritóriosdistintos,masquepodemcomporeconstituiromesmoespaço, segundoSaquet (2003).ParaaTAR,as redessão fundamentais,poisatravésdelasépossívelobservarumconjuntoestávelderelaçõesouassociações,pelasquaisomundoéconstruídoeestratificado.ATARvêosespaçoscomoconstruçõesdentrodasredes,masnãoapenasisso,poisosprópriostempossãoforjadosnoseuinterior.

UtilizandoostrabalhosdeCallon(1986),Latour(1997),ClarkeLowe(1992)eMurdoch(1998),podemosobservarmelhoroconceitoderede,quesãosistemashíbridos,compostosdemateriaisheterogêneos,inclusivehu-

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manos,não-humanos,textos,objetostécnicos,dinheiroetc.Emoutraspala-vras,éumsistemacomplexoquereúneosocial,apolíticaeasredestécnicas,elementosnaturaiseinanimadoseoespaçofísico.Assim,odesenvolvimen-toruralsustentável,aoseranalisado,deveserpercebidocomooresultadodaco-evoluçãoedoentrelaçamentodestessistemasderelações.

NaperspectivadaTAR,todososobjetostécnico-científicos,inclusiveosprojetosdedesenvolvimento,sãoresultadosdamisturadeentidadeshu-manasenaturais,sendoqueestesúltimostêmacapacidadedeatuarsocial-mente,emfunçãodeestaremsituadosprecisamentenaarticulaçãoentreasdinâmicassociaiseasleisnaturais.Estaconceituaçãodasredespossibilitaaobservaçãodosdiversoselementosinterconectadossemaatribuiçãodepa-péishierárquicosentreeles,oquepermiteacadaatorapossibilidadedesetornarfundamentaldentrodaconstruçãodarede(CALLON,1983).

Sobreestepanodefundo,aaproximaçãodosatores,naperspectivadaTAR,podeserusadaparaentenderosprocessosdeincorporaçãodosagenteseatoresnasredesesuasinter-relações,verificandocomoosatoresexercitamseuspoderessobreosoutrosatores,comoelesseutilizamdosmateriaisheterogêneosasuadisposiçãoparalutar,dominarouassociaroutros(MURDOCH,1994).Emoutraspalavras,aanálisedasredespermi-teseguirosprocessosdeconstruçãoeobservarcomoosatoresesistemasco-evoluem.Assim,nadiscussãosobreaconstruçãoderedesdeconheci-mentoparaodesenvolvimentorural,éimportanteperceberqueos produtos locaisnãosãolocaisnosentidoestrito,massãoespaços locaisconectadosaoglobalpelosagentes,pelastécnicas,pelaglobalizaçãodapolítica,pelaques-tãoambiental,dentreoutrosfatores.

Dentrodessaperspectivaépossívelestabelecerdiversosrecortesnaanálisedainterconexãoentreasatividadesruraiseaproblemáticadasus-tentabilidade.Umeixodereflexãopossívelépensarasoitodimensões:a)sustentabilidadeecológica;b)sustentabilidadeambiental;c)sustentabili-dadedemográfica;d)sustentabilidadecultural;e)sustentabilidadesocial;f)sustentabilidadepolítica;g)sustentabilidadeinstitucionaleh)sustenta-bilidadetecnológica.Estasdimensõesdãoàquestãododesenvolvimentosustentávelumamaiorabrangênciae,comoconseqüência,ampliamtam-bémsuacomplexidade.Umaoutraformadeconceberaproblemáticaéaadoçãodaagendapropostapelosmovimentossociaiscomofiocondutor.Brandenburg(2005),porexemplo,identificadoiseixosparaapropostadeintervençãoeanálisedasaçõesecológicasnoambienterural.Sãoeles:a)oeixodospreservacionistas:comapropostadeaçõesdeconservação,depreservaçãoedegestãodoambientenatural,eb)oeixodostécnico-produ-tivos:cujasaçõespropostasrelacionam-secommudançadepadrãotécni-codeprodução,eorespectivogrupodeprofissionaispropõeasubstituiçãodaspráticasedastécnicasagrícolasconvencionaisporpráticasalternati-vaseecológicasdeproduçãoeconsumo.

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Todasasdimensõeseeixoscitadosacimapossuemsuarelevânciaparaacomposiçãodeumquadroanalítico,entretanto,paraosfinsdesteartigo,propomosaadoçãodealgunsfatoresquepodemconstituiremumeixoparaainterconexãoentreasquestõesruraiseambientaisnoquadroanalíticoetambémadiscissãodaquestãodainterconexãoentreagricul-turafamiliaresustentabilidadeapartirdequatrofatoresbásicos:inova-ção,conservação,participaçãoeintegração.Estaestruturaéoriginalmen-tepropostaporPugliese(2001),agregadaàcontribuiçãodeoutrosautores.Essesquatrofatorescongregamumagrandepartedaconvergênciaentreosaspectosdaagriculturaorgânicaedodesenvolvimentosustentável.

inovAção

Ainovaçãoéumelementoestratégicoparaodesenvolvimentodossiste-masagrícolaserurais.Oprocessodeinovaçãodentrodaperspectivadoruralambientalarticulaemtornodesiumacadeiadeelementoshetero-gêneosquepodemsertraduzidosnãoapenaspelaadoçãodenovastecno-logiasearranjosprodutivos,mas,tambémefundamentalmente,porumarevisãodoprocessodedesenvolvimentovigente.Areflexãosocialsobreosrumosdodesenvolvimentopodeconduzirpotencialmenteoespaçoruralanovosarranjosearticulaçõesderedesdeprodução,consumoeconheci-mento.Nessesentido,pode-secitar,comoexemplodoprocessodeinova-ção,aadoçãodepropostasedeprojetosdedesenvolvimentoterritorialeaconstruçãodecertificadorasdeprodutosorgânicos.Aprimeirainiciativaé,porsisó,umacomplexainterface,entretantotemaquiapenasointuitodemostrarcomoasdiscussõesemtornodepropostasdedesenvolvimentoterritorialsustentávelintroduzemnapautadenegociaçãonãoapenasele-mentosarticuladosàesferaprodutiva,mastrazemàtonadiversosoutroselementosdavidasocial.Umaexperiêncianessesentidoéaquestãodaconstruçãodecertificadorasdealimentosproduzidosorganicamente.Elasintroduzemnapautadediscussõesaspectosdaconstruçãodesistemasdeconfiançaquesearticulamnãoapenascomasdimensõesterritoriaisinter-nasaosespaçosdaproduçãoevidasocialdosagricultores,masdialogamfundamentalmentecomosconsumidoresdeorgânicos,alémdearticula-remumdiscursolegal,institucionalecientíficocomasociedade.

Istosinalizaparaofatodequeassoluçõesinovadorasnãosãoape-nasderivadasdoprogressotecnológico,mastambém,produtodenovosmétodosdeorganizaçãoeadministraçãoenvolvendoprocessoseinforma-ções.Estefluxoocorrepordentroeentresetoreseterritórios.Segundoaautora,“Inovaçãotambémé identificávelnareintroduçãodeelementos,espaçosepessoasemposiçõesdiferentes,integradosemestratégiasrela-cionaisrenovadas”(PUGLIESE,2000,p.118).Paraela,aagriculturaor-gânicapoderepresentarumelemento importantede inovaçãoemáreas

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rurais.Suaforçainovadorasemanifestaemváriosaspectosdavida,tan-todentrodapropriedadecomonasrelaçõescomomercadoconsumidor.Agriculturaorgânicaéumprocessodeinovaçãocomplexa,poisrequerumaltoníveldeinformação,podendoexigiraomesmotempoumabaixaden-sidadetecnológicaeumelevadoconhecimentodossistemasnaturais.As-pectosinovativostambémestãorelacionadosàadministraçãodaproprie-daderural,articulaçãocomconstruçãodeespaçossociaisdenegociação,construçãodepolíticaspublicasefórunsdedebate,dentrediversosoutrosaspectosqueexigemdosparticipantesaconstruçãodeesferasdeatuaçãoantesinexistentesouoredesenhodasjáexistentes.

conservAção

Na mesma linha de raciocínio, para Pugliese, o desenvolvimento ruralsustentávelpodeconciliarsimultaneamenteainterconexãoentreomer-cadocomregulamentaçõesdesalvaguardadoequilíbrioedaestabilidadedesistemasruraiseagrícolas.Dessemodo,nãohaverianecessariamen-te uma oposição entre elementos de conservação e inovação. Segundoela,estratégiasconservacionistasadequadasnãoagemnecessariamentecomoumobstáculoparamudançaecrescimento,“aocontrário,elaspo-demajudaraevitaraerosãodavantagemcomparativaruraleoslimitesdas transformações não desejadas” (PUGLIESE, 2000, p. 120). A con-servaçãodetraçoscaracterísticosdalocalidadenosprocessosdedesen-volvimento pode torná-los sustentáveis em longo prazo. O conceito deconservação, no espaço rural, a depender do grau de intensidade dastransformações impostadaspelaRevoluçãoVerdepode trazer algumasarmadilhas.Existemexemplospossíveisdearticulaçãoentreconserva-çãoeinovação,como:agroflorestas,manejosustentáveldematas,reser-valegal,proteçãodefontes,utilizaçãodepastagensorgânicase,emmui-tasáreasdefloresta,asexperiênciasdeextrativismo,todasalternativasquetêmmostradoumrelativosucessoemarticulargeraçãoderendaeconservaçãoambiental,oqueimplicaoaumentodoconhecimentosobreossistemaslocais.

PArticiPAção

Aatuaçãodosatoreslocais,nasarenasenosprocessosqueenvolvempro-jetosdedesenvolvimentolocal,desempenhaumpapelcentralnoparadig-madodesenvolvimentosustentável.Acapacidadedeagênciadosatoresemsuainteraçãoearticulaçãocomosdiversosmundos(simbólico,técni-co,político,global)desloca-osdoeixodavitimização.Essedeslocamentorecolocaemnovospapéis,ouseja,tambémcomoagentesprotagonistasdoprocessoenãomerosreceptáculosvaziosàesperadesoluções.

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Entretanto,énecessárioconsiderarosconceitoscomodevidocui-dado.Guivant (1997), aoanalisar aspropostasdedesenvolvimento sus-tentável,destaca, comosendoumadas tendênciasmais expressivasdosdefensoresdeprojetosdedesenvolvimentoruralendógeno,oqueelacha-madepopulismoparticipativo,quetememRobertChambers(1983,2002)umdosautoresmaisimportantes.Essapropostadedesenvolvimentoruraltemcomoeixocentralavalorizaçãodoconhecimentolocaleaparticipa-çãodosagricultoresemtodososprocessoscomoagentesprincipaisdode-senvolvimento,porém,decertaforma,desconsideraopoderdoprocessodeenraizamentodepráticaseconhecimentosexógenos,desconsideraçãoessaquepodesercriticada.OutracríticaàChambersrefere-seaumaidea-lização de que a agricultura praticada no Terceiro Mundo preserva umsaber milenar construído e passado por gerações em um processo qua-seautônomodeconhecimento.Resumidamente,acríticaéendereçadaàidealizaçãodoconhecimentopopular,consideradomelhorousuperioraoconhecimentocientífico,oucomosendocapazde incorporarpráticas etécnicastradicionaisacriticamente.

Oconhecimentoproduzidoereproduzidonoespaçoruraléprodutodecomplexasinteraçõesentreosconhecimentostradicionaisdecaboclos,índios,negrosecolonoseuropeus,mastambéme,nosdiasatuais,funda-mentalmente,porredesdepesquisasdealtonívelqueproduzemconheci-mentoscientíficos validadospelaacademia,políticasdedesenvolvimen-toruralcentralizadasemgabinetes,baixaformaçãoescolaretécnicadosagricultores,eaatuaçãodeumacompetenterededecomercializaçãodeinsumos.Talcenáriosópodeproduzirhíbridosenãotipospuros,comoqueremsugeriralgumasteorias.

os eixos dA PArticiPAção PolÍticA

Nopapeldesempenhadoatualmentepelascomunidadesrurais,quesepro-põemaimplementarprojetosdedesenvolvimentoendógeno,podemosen-contrarostrêseixosatuandosimultaneamente,numacomplexateiacon-ceitualquasenuncapacífica.Nabuscadealternativasparaamanutençãodeseumododevida2enatentativadeinserçãonocenáriopolíticoedeci-sório,estascomunidadesprocuramromperocírculoviciosoaqueestãosubmetidas.Algumasdelasestãoconstruindo,porconseguinte,umanovahistória de organização que não obedece necessariamente a uma lógicaapenas,masàdiversasformasorganizativasenfeixadasemumamploroldereinvindicações.

2 Esta mudança na perspectiva no mundo rural é um movimento mundial. Enrique Leffdiscuteessaquestãonotexto:“Losnuevosactoresdelambientalismoemelmédioruralmexicano”.

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Asdiversasquestõesemergentesqueaparecemnestascomunidades,heterogêneasemsuaformação,podemsercaracterizadaspelatentativadeentenderederompercomamarginalizaçãocrescente,pobrezaeespoliaçãodosmeiosdeprodução.Istosedánatentativadeencontrareconasocieda-deparaasoluçãodosproblemasdecorrentesdaestruturaagráriabrasileira,queseconstruiuprivilegiandoosgrandesprodutoresemdetrimentodape-quenapropriedade.ParaScherer-Warren(2002,p.246),nasúltimasdécadasodebateemtornodasespecificidadesdoespaçoruralcomeçaatomarcor-po,agoracomumanovaóticaqueprocuraincorporar,paraalémdasques-tõesdeclasse,aspectosdomundocultural,relaçõessociaisdocotidianoedasidentidadescoletivasespecíficasdecadamovimento.

Aparticipaçãopolíticanamodernidadetrazelementosnovosparaaanálisedaatuaçãodosatores.Dessemodo,aproblemáticaambiental,associadaàsquestõesdeempoderamentodeatoresligadosàagriculturafamiliar,precisatambémserestudadaeobservada.Emboraosdesdobra-mentossociaisnãoestejammuitoclaros,osreflexosdestastransformaçõesjásefazemsentiremdiversasesferasdaproduçãoeconsumodealimentosenoquestionamentodomodelopropostopelaRevoluçãoVerde,quenosconduzaumapossívelintegraçãoentreaagriculturaeasustentabilidade.Osquestionamentosecríticasdirigidosaoatualsistemadeproduçãoagrí-cola,osimpactosambientaisdaagriculturaagroquímica,seualtocustoeacrescentedependênciadetecnologiasproduzidasemlaboratório,aliadosaomal-estarcausadopelaquestãodatransgeniaeoMaldaVacaLoucatêmfortalecidoosdefensoresdeummodelodeagriculturamaislimpa.

integrAção

Opotencialprocessodeintegraçãoentreagriculturaesustentabilidadeéapresentado,pordiversosmovimentossociaisoriundosdocampocomoumdosaspectoscentraisdoquestionamentodaRevoluçãoVerde.

Vistosoboângulodapolíticaeuropéia3doCommonEuropeanAgri-culturalandRuralPolicy,estapolíticareconhecequeaagricultura,dentrodeumpacoteamplo,éumdosfatoresqueafetamodesenvolvimentorural.

3 ÉnecessáriodizerquetalabordagemocorrefundamentalmentedentrodoprogramaLIE-DER,cujosprincípiosnorteadoressãoosseguintes:a)multifuncionalidadedaagricultura,ouseja,asdiversasfunçõesquedesempenha,paraalémdaproduçãodealimentos.Istoim-plicaoreconhecimentodavastagamadeserviçosprestadospelosagricultoreseoincenti-voaessasatividades;b)abordagemmultissetorialeintegradadaeconomiarural,afimdediversificarasatividades,criarnovasfontesderendimentoseempregoeprotegeropatri-môniorural;c)flexibilizaçãodosapoiosaodesenvolvimentorural,baseadanoprincípiodesubsidiariedadeedestinadaafavoreceradescentralização,aconsultaàescalaregionalelocaleofuncionamentoemassociação;e,d)transparêncianaelaboraçãoegestãodospro-gramas,apartirdeumalegislaçãosimplificadaemaisacessível(Fonte:http://europa.eu.int/comm/agriculture/rur/index_pt.htm).

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Dessemodo,apontaparaanecessidadedeinclusãodepolíticasagrícolaseruraisemprogramasglobaisquecontribuamcomoumtodoparaocresci-mentodosistemalocal,apontandoparaoentendimentoconceitualdequeodesenvolvimentoruralémultidisciplinaremulti-setorialemsuaaplica-ção, tendouma dimensão territorial explícita ondeo aspectoambientalsejaumadasdimensões.

Estaestratégiadeintegraçãopermiteconceber,paraáreasrurais,apossibilidadedeconstruçãodesistemasdeproduçãobaseadosemmode-losflexíveiseendógenosondehajaumpapelcentralparaaagriculturaemsuasatividadesrelacionadasaomeioambiente.Issoapontaparaumadi-versificaçãodaseconomiasruraisondeareorganizaçãodosetoragrícolaéaltamenteimportante,poisteriaacapacidadedefornecerimpulsoedina-mismodentrodosistemalocal,queévariáveldeacordocomosaspectosterritoriaisepermitiriaaarticulaçãocomoutrosterritórios.

Neste cenário, a agricultura orgânica poderia, segundo Pugliesi(2000,p.122):“proporcionaroportunidadesinteressanteseumacapaci-dade intrínsecade integraçãodoterritórioecomoutrossetoresdaeco-nomia.Deumpontodevistaestritamenteagrícola,aagriculturaorgânicarepresentaumforteestímuloparaareorganizaçãodaspropriedadesru-rais”.Alémdisso,segundoela,noqueconcerneàproduçãoorgânica,exis-teumapossibilidadeinteressanteparaaintegraçãohorizontaldoespaçolocal.Comisso,umanovadinâmicacomaarticulaçãoeaconstruçãodecadeiasdeconhecimentoedeprodução,podeseestabelecernaproprie-daderural.

Obviamentetalprocessoexigiriaqueumanovabasetecnológicaeum profundo processo de articulação da ampla capacidade de pesquisafosseminstaladosemuniversidadesecentrosdepesquisasagropecuáriascomaspráticasagrícolassolidificadaspormaisde50anosdisseminadasporumacompetenteextensãorural.

Noaspectoinstitucional,apenasrecentementeaspropostasdepo-líticas públicas adotadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário(MDA)apontamnadireçãode incorporaralgunsconceitosoriundosdodebateambientalista.UmexemploéacriaçãodaSecretariadaAgriculturaFamiliar(SAF),quetem,comoumdeseusobjetivosprincipaisatentativadepromover,noconjuntodaagriculturafamiliar,oconceitodedesenvol-vimentolocalsustentável.

Ofocododesenvolvimentosustentável4,nocasodaSAF,refere-se,contudo,muitomaisaosaspectossociaisqueaosambientais.Nessesen-

4 NodocumentodaPolítica Nacional de Ater(2004,p.23),odesenvolvimentosustentáveléde-finidocomo“processodemudançasocialeelevaçãodasoportunidadesdasociedade,com-patibilizando,notempoenoespaço,ocrescimento,aconservaçãoambiental,aqualidadedevidaeaeqüidadesocial,partindodeumclarocompromissocomofuturoeasolidarie-dadeentregerações”.

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tido,osaspectospolíticosedevalorizaçãosocialdaagriculturafamiliaraparecem como objetivo explícito, além do desenvolvimento econômicocomotentativadeagregarvaloraosprodutosdaagriculturafamiliar,natentativadepossibilitaroacessodessesagricultoresdeformacompetitivaaomercadocadavezmaisrestritoeexigente.Alémdisso,apropostadedesenvolvimentosustentávelnaagendadoMDAapontaparaanecessida-dedageraçãoderendaapartirdeatividadesnãoagrícolas.

OfocodavalorizaçãosocialeeconômicadaagriculturafamiliarébastantecompreensíveldadasascondiçõesdaformaçãodoBrasilemsuavocaçãoparaoagronegócioexportador.Estefatopodesernotadoinclusivenapequenapresençadachamadaagriculturafamiliaremmo-vimentosdecunhoambiental.Aspreocupaçõesdosmovimentossociaisoriundosdocampogeralmentegiravamemtornodaprópriasobrevi-vênciaeconômica,oqueétambémlegítimo.Essesetor,entretanto,pornãocontarcomumabaseambientalcrítica,desenvolveueaindadesen-volve suaatividadeorientadapeloparadigmaprodutivistadaRevolu-çãoVerde.

AquestãodarecolocaçãoourelocaçãodaproblemáticaambientalnaestruturadapesquisaagropecuáriaeoquestionamentodosimpactosdaRevoluçãoVerdeporpartedosmovimentossociaisnosconduzemaosaspectosdaconstruçãodasredesdeconhecimentoqueseformamapartirdaadoçãodematrizestecnológicasespecíficas.Aconstruçãodeconheci-mentosedeinteressesdentrodaproduçãoagroalimentarmundialtorna-secadavezmaiscomplexa.Ainclusãodepontosdevistadosnovosatoresoriundosdosmovimentosdecontestaçãoecológicaedosmovimentosso-ciaiscolocaemxequeaatuaçãodosatoresqueatuavamdeformahegemô-nicadentrodascadeiasprodutivas.

Aincorporaçãodasquestõesecológicasdentrodatemáticadaagri-culturatempossibilitadoaemergênciadenovasredesdeconhecimentoaindanãototalmentedelineadasediagnosticadas,entretanto,suaatuaçãoepráticalocalizam-seemumterritórioamplamentedominadopelatécni-ca,peloconhecimentotecno-científicoeporpoderososinteresseseconô-micos.Oestudoparadetectarasemergênciaseofuncionamentodessasredeséumatarefanecessáriaquesecolocanaagenda.

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desAFios dA gerAção de rendA em PequenAs ProPriedAdes e A questão do desenvolvimento rurAl sustentável no BrAsil

antonio nivalDo hespanhol

Geógrafo,ProfessorAdjuntodaFCT/UNESP–PresidentePrudente-SP|[email protected]

Atrajetóriadaagriculturabrasileiranasúltimasdécadasfoimarcadapelasuamodernizaçãoentre1965e1980;pelacriseeconômicadosanos1980econseqüenteesgotamentodopadrãodefinanciamentodamodernizaçãoepeloestabelecimentodoProgramaNacionaldeFortalecimentodaAgri-culturaFamiliar(PRONAF)noanode1996,apartirdoqualsepassouareconheceraimportânciadesta.

Apesardasmudançasdeenfoquedapolíticapúblicaapartirdains-tituiçãodoPRONAFedorompimento,aindaqueparcial,comavisãopro-dutivistaesetorial,osdesafiosdageraçãoderendaedareproduçãosocialdospequenosagricultorespersistemenãoháindicaçõesclarasdequetaisdesafiosserãosuperadosacurtoemédioprazo.

Hádiferentesperspectivasnoqueconcerneaodesenvolvimentoru-ralsustentável.Paraalgunsaaplicaçãoracionaldetécnicasjádisponíveisnaexploraçãodosrecursosnaturaisésuficienteparaseatingirodesenvol-vimentoruralsustentável,enquantoqueparaoutrosasuaconcretizaçãorequeralteraçõessignificativasnopadrãodedesenvolvimentoexistente.

dinâmicA dA AgriculturA e renovAção do discurso AssociAdo Ao desenvolvimento rurAl

Aspolíticaspúblicasvoltadasaodesenvolvimentoruralaindaserestrin-gem basicamente ao apoio à produção, principalmente aos segmentos

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vinculadosacomplexosagroindustriais1,voltadosàexportaçãoeaofor-necimentodematérias-primasagroindustriais,tendo,portanto,caráterse-torialecunhoessencialmenteprodutivista.

Amodernizaçãodaagriculturadesencadeadanopaísnosanos1950tornou-seexpressivaprincipalmenteapartirdainstituiçãodoSistemaNa-cionaldeCréditoRural(SNCR)noanode1965.Ogovernofederal,alémde fornecer grande volume de crédito rural destinado ao investimento,comercializaçãoecusteiodassafras,construiuemodernizouarmazéns,apoiouaexpansãodocooperativismoempresarial,crioufacilidadesparaainstalaçãodeindústriasquímicasemecânicaseestimulouaimplantaçãoeexpansãodeindústriasprocessadorasdematérias-primasprovenientesdocampo.

Assim, o ritmo da modernização da agropecuária foi acelerado esuaabrangênciaespacialampliadaemrazãodaimplantaçãodeindústriasdebensdeproduçãoedeinsumosbásicosparaaagricultura,aomesmotempoemque

[...]desenvolve-seoumoderniza-se,emescalanacional,ummercadoparaprodutosindustrializadosdeorigemagropecuária,dandoorigemàforma-çãosimultâneadeumsistemadeagroindústrias,empartedirigidoparaomercadointernoeempartevoltadoparaaexportação.(DELGADO,1985,p.34-35).

Amodernizaçãodaagriculturaseprocessoudeformabastanterápi-da,especialmentenasRegiõesSuleSudestedopaís,pormeiodoestímuloàalteraçãodabasetécnicadasexploraçõesagropecuárias.

Ocréditoruraloficial,principalinstrumentoutilizadoparapromo-veramodernizaçãodaagricultura,foialtamenteseletivo,poisasuaofertaserestringiuaosmédiosegrandesprodutoresrurais.Ospequenosarren-datários,parceirosemeeiros,comreduzidoounenhumpatrimônio,nãotiveramacessoaeleemrazãodenãodisporemdasgarantiasexigidaspelosistemafinanceiro.

Noiníciodosanos1980,opadrãodefinanciamentodaagriculturabrasileiraseesgotouemdecorrênciadoaprofundamentodacrisefiscaldoEstado.Apartirde1984,astaxasdejurosreaisdocréditoruraloficialsetornarampositivas.

Operíodoqueseestendede1980atéoiníciodosanos1990foimar-cadopelainstabilidademacroeconômica.OEstadosevoltouparaagestãodacrise,nãosendoestabelecidaspolíticaspúblicascomhorizontesdemé-dioelongoprazo.

1 ComplexoAgroindustrialpodeserdefinido“[...]comooconjuntodeprocessostecno-econô-micosqueenvolvemaproduçãoagrícola,seubeneficiamentoetransformação,aproduçãodebensindustriaisparaaagriculturaeosserviçosfinanceirosecomerciaiscorresponden-tes”(MÜLLER,1982,p.48).

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Antonio nivAldo hesPAnhol

Noanode1994foilançadooPlanoReal,pormeiodoqualaecono-miafoiestabilizada,ainflaçãocontroladaeamoedasobrevalorizada.

Nosanos1990 intensificaram-seosprocessosdedesregulamenta-çãoedeaberturadaeconomiaàcompetitividadeinternacional.Comisso,asmargensdelucroforamreduzidaseostermosdetrocaentreindústriaeagriculturacontinuaramdesfavoráveisaesta.

Acombinaçãodefatorescomobaixospreçosagrícolas,sobrevalori-zaçãodamoedaereduzidosrendimentosdealgumaslavourasemdecor-rênciadecondiçõesatmosféricasdesfavoráveisprovocaramaampliaçãodoníveldeendividamentodosagricultores.

Noanode1996,ogovernoFernandoHenriqueCardoso(FHC)ins-tituiu o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar(PRONAF),voltadoaoatendimentodeprodutoresruraiscomáreasnãosuperioresaquatromódulosfiscaisequepossuissematédoistrabalhado-rescontratados.Desdeentãotaisprodutorespassaramausufruirdetra-tamentodiferenciado,tendoacessoaocréditooficialcomtaxasdejurosmenoresdoqueasvigentesparaosagricultorescomerciais.

Nodecorrerdosanos1990tambémocorrerammudançasimportan-tesnamaneiradeseentenderocampo,poispassaramaserconsideradas,pelomenosemtese,asespecificidadeslocaisnaformulaçãodepolíticaspúblicas.Comistoseprocuroufavorecerarepresentaçãodosatoresso-ciaispormeiodassuasformasdeorganizaçãocoletivasnaelaboraçãoeimplementaçãodepolíticasvoltadasaomeiorural.

Os mecanismos de participação foram instituídos principalmenteapósaPromulgaçãodaConstituiçãoFederalde1988quandopassaramaserconstituídososConselhosMunicipaisdeDesenvolvimentoRural(CMDR),queapresentaramproblemasemseufuncionamentoquantoàparticipaçãodosagricultoreseàmanipulaçãodetécnicoseprefeitos,quetiverampoucointeresseemseufuncionamentoefetivo(ABRAMOVAY,2001).

Apesardasdificuldadesdedemocratizaçãodaspolíticaspúblicas,osdocumentosoficiaissobredesenvolvimentoruralromperamcomavisãoprodutivistaesetorialepassaramaadotaraperspectivaterritorial.

ASecretariadeDesenvolvimentoTerritorial,vinculadaaoMinisté-riodoDesenvolvimentoAgrário,foicriadacomaincumbênciadeestimu-larecoordenarprojetosdedesenvolvimentodeterritóriosrurais,osquais,deacordocomosdocumentosoficiais,devemdirigir“[...]ofocodaspolí-ticasparaoterritório,destacandoaimportânciadaspolíticasdeordena-mentoterritorial,deautonomiaedeautogestão,comocomplementodaspolíticasdedescentralização”(BRASIL,2003,p.30).

Deacordocomomesmodocumento,

Naabordagemterritorialofocodaspolíticaséoterritório,poiselecombi-naaproximidadesocial,quefavoreceasolidariedadeeacooperação,comadiversidadedosatoressociais,melhorandoaarticulaçãodosserviçospú-

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blicos,organizandomelhoroacessoaomercadointerno,chegandoatéaocompartilhamentodeumaidentidadecultural,queforneceumasólidabasedecoesãosocialeterritorial,verdadeirosalicercesdocapitalsocial(BRA-SIL,2003,p.30).

Apesardaadoçãodetalperspectiva,asaçõesdogovernofederalnapromoçãododesenvolvimentodoschamadosterritóriosruraisaindatêmsidoinexpressivas.Naverdade,opaísnãodispõedeumplanodedesenvolvimentoruralcomobjetivoseperíododevigênciapreviamenteestabelecidos,montanteefontederecursosdefinidosemetasdevida-mentetraçadas.

ASecretariadeDesenvolvimentoTerritorial vemdesenvolvendooProgramaNacionaldeDesenvolvimentoSustentáveldeTerritóriosRurais(PRONAT),masassuasaçõesatéomomentosãoinexpressivas.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário2 tem se incumbido daconduçãodapolíticadeassentamentos rurais, inadequadamentecogno-minadadereformaagrária,edoProgramaNacionaldeFortalecimentodaAgriculturaFamiliar(PRONAF).Asmetasquantitativasequalitativases-tabelecidasparaosassentamentosnãotêmsidoatingidas.OPRONAF,porsuavez,permaneceestritamentevinculadoàofertadecréditoruralcomsubvençõesdiferenciadasdeacordocomadimensãoeoperfildosbenefi-ciários,ouseja,serestringeaooferecimentodecrédito.

OMinistériodaAgricultura,PecuáriaeAbastecimento3estabeleceapolíticadeapoioàagriculturaempresarial,aqualserestringebasicamenteàofertadecréditooficialamédiosegrandesprodutoresrurais,àtaxasdejurosinferioresàsvigentesnomercadofinanceiro.

Nãohá,portanto,umplanodedesenvolvimentoruralqueextrapoleoapoioàproduçãoeefetivamentevalorizeohomemdocampopormeiodoacessoaosserviçospúblicoseaumarendaquelhepropicieosuprimen-todassuasnecessidadesbásicas.

Verifica-se, assim, que, no Brasil, há dois ministérios voltados aoatendimentodasdemandasdocampo:oMinistériodaAgricultura,Pecuá-riaeAbastecimentoqueestáincumbidodoestabelecimentodaspolíticasvoltadasaoatendimentodaagriculturaempresarialeoMinistériodoDe-senvolvimentoAgrárioseencarregadoestabelecimentodaspolíticasvolta-dasàagriculturafamiliareàpolíticaagrária.Adivergênciadeinteresseseadubiedadedaspolíticaspúblicasvoltadasaomeioruralficamevidentesnaprópriamaneiracomoaadministraçãofederalseestruturaparaaten-deràsdemandasdocampo.

2 AmissãooficialdoMinistériodoDesenvolvimentoAgrárioé“criaroportunidadesparaqueaspopulaçõesruraisalcancemplenacidadania”.

3 AmissãooficialdoMinistériodaAgricultura,PecuáriaeAbastecimentoé“promoveroDesenvol-vimentoSustentáveleaCompetitividadedoAgronegócioemBenefíciodaSociedadeBrasileira”.

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As limitAções do mercAdo e o desAFio dA gerAção de rendA em PequenAs ProPriedAdes rurAis

Aagriculturavemperdendoimportânciarelativanoconjuntodaeconomiamundialebrasileira.Emváriospaísesforaminstituídaspolíticasdelibe-radasdetransferênciaderendadossetoresmaisdinâmicosdaeconomiaparaaagriculturaeomeiorural.Ospaísesdesenvolvidosnormalmentesubsidiamaagriculturaeaprotegemeconomicamente,práticaqueécon-denadapormuitospaísessubdesenvolvidos,inclusivepeloBrasil,masqueassocia-se diretamente à segurança alimentar e assegura a manutençãodeumaparceladapopulaçãonazonarural.APolíticaAgrícolaComum(PAC)naUniãoEuropéiaeaFarm BillnosEUAseconstituemnosprinci-paisexemplosdeconcessãodebenefíciosaosprodutoresruraispormeiodaproteçãodosrespectivosmercadosinternos.

OBrasiléaltamentecompetitivonaproduçãodealgumascommodi-ties4agrícolase,juntamentecomoutrospaísessubdesenvolvidosquetam-bémtêmassuaseconomiasassentadasnaexportaçãodecommodites,temfeitogestõesnaOrganizaçãoMundialdoComércio(OMC)paraabrirosmercadosagrícolasdospaísesdesenvolvidos,comointuitodeampliarasuainserçãonomercadointernacional.

Oficialmenteopaísdefendeacompetitividadedaagriculturaeado-taumaposturaaltamentefavorávelàliberalizaçãodomercadodecommo-ditiesagrícolas.Internamenteaopaís,entretanto,aagriculturacomercialtemacessoàlinhasdecréditoàtaxasdejurosbeminferioresàquelasvi-gentesnomercadofinanceiroeachamadaagriculturafamiliartemacessoàlinhasdecréditoàtaxasdejurosmaisbaixasdoqueaquelaspraticadasnasoperaçõesrealizadascomaagriculturacomercial.

Apesardestetratamentodiferenciadoporpartedaspolíticasdecré-ditooficial,adota-senopaísodiscursooficialdacobrançaesistemáticadaampliaçãodosníveisdeeficiênciaecompetitividadeedeinserçãoaomer-cadoportodaaagricultura,independentementedasuaescala.

Aagriculturaseconstituinumsetoressencialmenteconcorrencialdadoonúmeroelevadodeprodutoresvinculadosaomesmosegmentopro-dutivo,noentanto,serelacionacomsetoresindustriaisaltamenteconcen-trados,nosquaispoucasempresasdecorteoligopólicodominamomer-cadodemáquinaseinsumosquímicoseasgrandestradingsdominamossetoresdeprocessamentoecomercializaçãodecommoditiesagrícolas.

Emrazãodeseuperfilconcorrencialedocaráteroligopólicodosse-toresindustriaisefinanceirosaeladiretaouindiretamentevinculados,se

4 Commoditiessãoprodutosin natura,cultivadosoudeextraçãomineral,quepodemseres-tocadosporcertotemposemperdasensíveldassuasqualidades,comosoja,trigo,bauxita,prataououro.

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faznecessáriaaregulaçãodoEstadocomointuitodereduzirsuavulnera-bilidadefrenteaosdemaissetores.

Neste contexto, a agricultura de grande escala, cognominada deagronegócio,emvirtudedoseupesonasexportaçõesedasuarepresenta-tividadepolítica,recebetratamentodiferenciadodopoderpúblico.Aagri-culturafamiliar,emboratambémtenhaacessoaofinanciamentoabaixastaxasdejurospormeiodoPRONAF,continuaenfrentandomuitasdificul-dadesparasemanter,poisapenasoacessoaocréditooficialnãoésuficien-teparaviabilizá-la.

A agricultura praticada pelos pequenos produtores rurais precisaserpensadaparaalémdomercado.Asimplesofertadecréditoàsbaixastaxasdejurosnãoésuficiente,poissefazemnecessáriasadisponibiliza-çãodeserviçosdeassistênciatécnicaeextensãoruralpúblicosdequalida-deeacriaçãodecanaispreferenciaisparaacomercializaçãodeprodutosgeradosportaisprodutores.

Omercadodeprodutosagrícolasnãotemoferecidoboasalterna-tivasderendaàagriculturafamiliar.Ascadeiasprodutivasqueestãoemexpansãoatualmente,dadasascondiçõesfavoráveisdomercadonacionale,principalmente,domercadointernacional,sãoasligadasaoscomplexosdasojaesucroalcooleiro,ondenãohágrandeespaçoparaaparticipaçãodaagriculturafamiliar,dadooelevadopadrãotecnológico.

Aproduçãodesojatemseexpandidonaszonasdecerradodasma-crorregiõesNorte,NordesteeCentro-Oestedopaíseérealizadaemgrandeescalacomintensoempregodemáquinaseinsumosquímicos.

Aproduçãodacana-de-açúcar,emvirtudedaatualconjunturafavo-ráveldomercadointernacionaldeetanol,vemseexpandindoemdiversasáreasdoCentro-Suldopaís.Novasusinasestãoemprocessodeimplanta-çãoemuitaszonasdepastagense,emmenorproporção,delavouras,estãocedendoespaçoaocultivodecana-de-açúcar.

Asusinasnormalmentearrendamterrassituadasnasproximidadesdasplantasindustriaisetodooprocessoprodutivoérealizadopelopró-priogrupodetentordasempresas,desdeapreparaçãodoterrenoeplantiodacana-de-açúcaratéasuatransformaçãoemálcoole/ouaçúcar.

Assim,aagriculturafamiliartemcadavezmenosespaçoparaparti-cipardaproduçãodecommoditiesagrícolas,tendocomomelhoralternati-vaadiversificaçãoprodutiva.

Atividadesmaisexigentesemmão-de-obra(aexemplodaavicultu-raedafumiculturaintegradasàagroindústrias;daproduçãodeleite;docultivodeprodutoshortifrutícolas;dasericicultura;daproduçãodemel;daextraçãodelátex,entreoutras),constituemalternativasimportantesdegeraçãoderendanaagriculturafamiliar.Aproduçãoorgânica,principal-mentedeolerícolas,paraoatendimentodecertosnichosdemercadotam-bémconstituiimportantealternativa.

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Aagregaçãodevaloraosprodutospormeiodaproduçãoartesanaldequeijos,requeijão,doces,compotasetc,tambémpodeconstituirimpor-tantealternativaàagriculturafamiliar.Aexploraçãocomercialdecertosserviços,dependendodalocalizaçãoedascondiçõeslocais,podeserreali-zadaempropriedadesruraisnãomuitodistantesdenúcleosurbanos.

Aproduçãodemamona,degirassoledeoutrasoleaginosas,aexem-plodopinhãomanso,temsidoapontadacomoalternativaparaaobtençãoderendapelaagriculturafamiliar,emrazãodoprogramaoficialdobiodie-sel.Apartirdoanode2008deverãoseradicionados2%deóleosvegetaisaoóleodiesel,percentualquedeveráserelevadoa5%noanode2013,con-formeestabeleceaLeiFederalnº11.097/2005.

Ascondiçõesmacroeconômicasnormalmentesãoadversasàagri-culturafamiliareaspolíticaspúblicasdeapoioàproduçãosãolimitadas.Diantedetalquadro,aviabilizaçãoeconômicadepequenasexploraçõesagrícolasnãoéfácildeserobtida.Adiversificaçãoprodutiva,aagregaçãodevaloraosprodutoscultivadoseaorganizaçãodosprodutoresruraisemassociações ou cooperativas contribuem para melhorar as condições devidadosprodutoresrurais.

A associação a outros pequenos produtores rurais, preferencial-mente àqueles que se dedicam aos mesmos segmentos produtivos, seconstituinumdoscaminhosimportantesparaasuperaçãodeproblemascomuns.Pormeiodeassociações,elespodemconseguir:a)comprarin-sumosquímicosapreçosmaisbaixos,emvirtudedaaquisiçãosedaremmaiorquantidade;b)fazerusotemporáriodetratores,colheitadeiraseimplementosagrícolas,cujoscustosunitáriossãoelevados;c)teracessoàassistênciatécnicaoficialouparticular;d)negociaremmelhorescon-diçõesaprodução,poisaofertaemmaiorquantidadedeprodutosreduzocustooperacionaldasempresaseeliminaaaçãodosatravessadores;e)teracessoamercadospreferenciais,principalmenteparaoatendimen-todedemandaspúblicastaiscomooabastecimentodecreches,escolas,asilos,presídiosetc.

Apesardehaveralgumasalternativasealgunspequenosprodutorespoderemconquistarespaçonomercadoe,pormeiodele,obteremrendaparaviverdignamente,ofatoéqueagrandepartemaoriaprecisaseraten-didaporpolíticaspúblicasdecunhodistributivo.

Ocumprimentodalegislaçãoambientalseconstituinumoutrode-safioaospequenosproprietáriosrurais,especialmentenoquedizrespeitoaocercamentoeàrestituiçãodavegetaçãonasáreasdepreservaçãoper-manente(toposdemorro,nascentes,matasciliareseoutras)eaconstitui-çãoeaverbaçãode20%daáreatotaldaspropriedadesque,porlei,devemserdestinadasàreservalegal.

Casoalegislaçãosejarealmentecumprida,(oqueéumaincógnita)elateráefeitosmuitopositivossobreaqualidadedapaisagemrural,pois

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acarretaráareduçãodasáreasdisponíveisàsexplorações,oqueteráreper-cussãonegativasobrearentabilidadedosagricultores.

No caso das pequenas propriedades rurais, uma das alternativasparaseevitarareduçãodasuperfícieexploradaécultivarárvoresquete-nhamvalorcomercialnasáreasdereservalegalcomointuitodesereali-zaraexploraçãoagroflorestalsustentáveldetaisáreas,jáqueistoéper-mitidopelalegislaçãonaspropriedadescomáreainferiora30hectares.Nestecaso,cabeaopoderpúblicodisponibilizarrecursosfinanceirosparaestafinalidadeeorientarosserviçosoficiaisdeassistênciatécnicaeexten-sãoruralaestimularemprojetosdestanatureza.

O cumprimento da legislação ambiental vigente e o manejo ade-quadodosrecursosnaturaissãodefundamentalimportânciatantoparaaagriculturadegrandeescalaquantoparaaagriculturafamiliar.Nocasodospequenosproprietáriosruraisqueexercemaexploraçãodiretadater-ra,cabeaoEstadooferecerosrecursosfinanceirosnecessáriosparaqueelesprocedamàrecuperaçãodasáreasdepreservaçãopermanenteecons-tituamasáreasdereservalegal,compensando-osdaperdadopotencialdegeraçãoderendadecorrentedoatendimentoàlegislação,especialmentenoqueserefereàconstituiçãodareservalegal.

Ocuidadocomomeioambientepodeseconstituirnumaimportan-tecontrapartidadospequenosproprietáriosruraisàspolíticaspúblicasdecunhodistributivo,ouseja,oacessoàspolíticasdistributivasdeveestarcondicionadoaoscuidadosqueopequenoproprietáriodeveteremrela-çãoaosrecursosnaturaissoboseudomínio,acomeçarpeloplenocum-primentodalegislaçãoambiental.

Emsuma,opequenoproprietárioruralmenosintegradoaomerca-doecombaixopadrãotecnológicoprecisadoacessoàpolíticasdistribu-tivasquepropiciemaeleeàsuafamíliaoatendimentodasnecessidadesbásicas.Aproduçãodesubsistênciaedeexcedentescomercializáveiseaproduçãoempequenaescalaparaoatendimentodomercadopelosseg-mentos mais vulneráveis da chamada agricultura familiar não tem pro-piciadoarendanecessáriaparasevivercomdignidade.CabeaoEstadoestabelecerpolíticasdistributivasqueatendamatalparceladapopulação,poisnãoháalternativasparaainserçãodamesmapopulaçãonomercadodetrabalho,sejaeleurbanoourural.

A heterogeneidAde do cAmPo e A revitAlizAção de esPAços rurAis

Ocampobrasileiroébastanteheterogêneo.Nagrandemaioriadosmuni-cípiossituadosnointeriordopaís,aagriculturaseconstituinaprincipalatividade econômica. O dinamismo econômico das cidades interioranasdepende,essencialmente,dodesempenhodaagricultura.

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Apesardamanutençãoda importânciadaagricultura,os espaçosruraistêmapresentadomudançassignificativasnassuasdinâmicas.Elestêmsetornadocadavezmaisdiversificadoseoêxodoruralperdeuforçaapartirdosanos1980,chegandoahaveraretomadadocrescimentodapo-pulaçãoruralemalgumasregiõesdopaís.

Estãocadavezmaispresentesnocampoaschamadasatividadesru-raisnãoagrícolas,comopesque-pagues,oturismodeaventuraeoturismorural.Estesempreendimentostêmpropiciadomaiordinamismoeconômi-co,causadoalteraçõesnoperfileconômicoesocioculturaldeparcelasig-nificativadoshabitantesdazonaruralerequeridooacessodetalpopula-çãoaosserviçoseequipamentospúblicos(GRAZIANODASILVA,1999).

Aexpansãodosníveisde instruçãodapopulaçãorural (sobretudodosjovens),abaixarentabilidadedasatividadesagrícolas,aexpansãodaeletrificaçãoruraleasmaioresfacilidadesdelocomoçãoedecomunicaçãoentreosespaçosruraleurbanosãofatoresquetêmfeitocomqueumapar-celacadavezmaiordapopulaçãodocampodesenvolvaatividadesnacida-de,emborapermaneçaresidindonazonarural;aagriculturapart-timeeapluriatividadesãocadavezmaisexpressivas.Aaposentadoriaruralpassouaseconstituirnumaimportantefontederendaparaboapartedapopula-çãoresidentenestasáreas.Porfim,asegundaresidênciadasclassesdemé-diaealtarendaéumfenômenocomumenovoscondomíniosresidenciaisdestinadosaestapopulaçãotêmdadoorigemaenclavesurbanosemzonasrurais,especialmentenasproximidadesdemédiasegrandescidades.

Amigraçãoderetornoaocampoporparte,principalmente,deapo-sentadosurbanoséoutrofenômenoquetemprovocadoocrescimentodapopulaçãorural.

Asáreasruraisjáreformadasporintermédiodaimplantaçãodeas-sentamentos rurais se tornaram demograficamente mais densas e dina-mizarammuitasáreasdopaís,conformeenfatizamLeiteet al.(2004).Amanutençãonazonaruraldapopulaçãoassentadaemprojetosdereformaagráriaéumdesafioquedeveserenfrentadocompolíticaspúblicasefica-zesquevisemapropiciaroacessodetalpopulaçãoaosserviçosbásicoseadaraelaascondiçõesnecessáriasparaqueexploreaterraeseapropriedosresultadosdaexploração.

Apesardareduçãodoêxodoruraleatéoestancamentoouarever-sãodesseêxodoterocorrindo,amaioriadasáreasruraisdointeriordopaíscontinuaenfrentandodificuldadesdecorrentesdosbaixospreçosdosprodutosagrícolas,dadegradaçãodosrecursosnaturaisedabaixacapaci-dadefinanceiradosmunicípiosparaapoiaremasatividadesrurais.

Alémdisto,emmuitasdestasáreasapopulaçãoseencontraemida-deavançadaeasucessãodoagricultorseconstituinumgrandeproble-ma.Apopulaçãojovempreferebuscaralternativasdeempregoerendanomeiourbanoapermanecernazonarural,dadoorelativoisolamentode

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algumasáreas,adificuldadedeacessoaosserviçosbásicos,adesvaloriza-çãosocialdosagricultoreseafaltadealternativasderendasatisfatóriaapartirdaexploraçãoagrícolaempequenaspropriedadesruraiscombaixopadrãotecnológico.

os desAFios dA sustentABilidAde nA AgriculturA

Anoçãodesustentabilidadenaagriculturaestádiretamenteassociadaàpossibilidadedesemanteraproduçãoaolongodotempo,conservandooumelhorandoabasedosrecursosprodutivos(HESPANHOL,2007).

Apartirde tal concepçãoháumagrandediferenciaçãonoenten-dimentodoquesejaagriculturasustentável.Adespeitodealgunsaspec-toscomunsemrelaçãoaoentendimentodesta,Veiga(1992)salientaqueasempresasprodutorasdeinsumosesementesgeneticamentemodifica-dasentendemaagriculturasustentáveldeumamaneiraeasorganizaçõesnão-governamentaisaentendemdeumaoutraforma,ficandoevidentesosconflitosdeinteressespolíticoseeconômicosentreasduasconcepções.

As organizações não-governamentais normalmente entendem poragricultura sustentáveloque foi estabelecidopelaGlobal Actionnoanode1993:

Ummodelosocialeeconômicobaseadonavisãoeqüitativaeparticipativadodesenvolvimentoedosrecursosnaturais,comofundamentosparaaati-vidadeeconômica.Aagriculturaésustentávelquandoelaéecologicamen-te bem fundada, economicamente viável, socialmente justa, culturalmen-teapropriadaebaseadanaabordagemholística.(GLOBALACTION,1993,apudALMEIDA,1997,p.48).

ParaasempresasvinculadasaopacotetecnológicodaRevoluçãoVerde,“anoçãodeagriculturasustentávelécompatívelcomopadrãoconvencionaldemodernização,porémpraticadacommaioreficiênciaeracionalidade”(HESPANHOL,1998,p.47-48).

Areduçãodousodeinsumosindustriais(low input agriculture),aaplicaçãomaiseficienteoumesmoasubstituiçãodosagroquímicosporinsumosbio-lógicosoubiotecnológicosseriamsuficientesparaaconsolidaçãodonovoparadigma(EHLERS,1995,p.16).

ParaqueaagriculturasustentávelconcebidapelaGlobal Actionsematerializeénecessárioquesejamfeitasreformulaçõesestruturaisnopa-radigmadedesenvolvimentoatualmenteexistente.

Damaneiracomoéconcebidapelasempresasvinculadasaopa-drãoconvencionaldeproduçãoelapodeseralcançadaapartirdoapri-moramentotécnico,pormeiodoavançodabiotecnologiaedasofistica-çãodossistemasdemanejodosrecursosnaturais,demaneiraagarantirasuaexploraçãoaolongodotempo,semmaiorespreocupaçõescomaeqüidadesocial.

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Nocontextobrasileiroháumagrandeheterogeneidadedesituações,sendo que, entendida por qualquer uma das duas perspectivas, é muitopoucoexpressiva.Tantonasgrandescomonasmédiasepequenasexplo-raçõespredominamsistemasdeproduçãoassentadosnastécnicasveicula-daspelopacotetecnológicodarevoluçãoverdeouemsistemasdeprodu-çãoarcaicosedanososaomeioambiente.

Há,contudo,apreocupaçãodeumaparceladosmédiosegrandesprodutoresruraisemadotartécnicasdeproduçãoquesejammenosagres-sivas,assimcomoiniciativasligadasàproduçãoorgânicaeagroecológicaporpartedeumaparceladospequenosprodutoresrurais.

Aindapredominamexploraçõesassentadasemtécnicasnocivasaomeioambiente,sejaemdecorrênciadautilizaçãoinadequadadetecnolo-giasemgrandes,médiasepequenasexplorações,sejaemrazãodocaráterrudimentardossistemasdeproduçãotradicionaistambémpraticadosemexploraçõesdediferentesmagnitudes.

Arecuperaçãoouamanutençãodosrecursosnaturaisédecrucialimportânciaparaoresgatedaqualidadeambientalnocampoeparaame-lhoriadosníveisdevidadesuapopulaçãorural.

A reconstituição das matas ciliares, a proteção das nascentes e aimplantaçãodereservaslegais,conformeestabelecealegislação,poderãorevitalizaraspaisagensruraisefavoreceraexpansãodeformasdeexplora-çãoambientalmentemenosagressivasequesejammaiscompatíveiscomaspequenaspropriedadesrurais.

Omanejointegradodosrecursosnaturaisnaescaladassub-baciashidrográficas,conformeérealizadonosprojetosdemicrobaciashidro-gráficas,étecnicamenteumaboasolução.Tantoostécnicosextensionis-tascomoospequenosprodutoresruraisprecisamdorespaldodapolíticapúblicaparaquesejamimplementadasformasdeexploraçãoquevalori-zemabiodiversidadeequesejamadequadasaoperfildospequenospro-dutoresrurais.

considerAções FinAis

Aspolíticasestabelecidasdastrêsescalasdaadministraçãopública(fede-ral,estadualemunicipal)tendemaconsideraromeioruralbrasileiroape-nasnadimensãodaproduçãoagrícola.

Noperíodoáureodamodernizaçãodaagricultura,entreosanosde1965e1980,todaapolíticapúblicaestevevoltadaàconcessãodecréditoruralparaqueosmédiosegrandesprodutoresincorporassemtécnicasme-cânicasequímicasàagriculturaeseconvertessemembonsconsumidoresdeprodutos industriaisegrandes fornecedoresdematérias-primasparaasagroindústrias,oqueviabilizouaconstituiçãodemodernoscomplexosagroindustriaisnopaís.

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Nadécadade1980,opadrãodefinanciamentodaagriculturasees-gotouemdecorrênciadacrisefiscaldoEstadobrasileiro.Osagenteseconô-micostiveramquebuscaralternativasparaofinanciamentodaprodução.Os agricultores com maior inserção no mercado passaram a estabelecerparceriascomasindústriasdemáquinaseinsumoseosseusdistribuidoresecomasagroindústriasprocessadorasdasmatérias-primasprovenientesdaagricultura.Aalternativaquesurgiufoiacomercializaçãoantecipadadassafras,pormeiodarealizaçãodeoperaçõesbolsasdevalores.

Nadécadade1990,achamadaagriculturafamiliarcomeçouare-cebertratamentodiferenciadoporpartedapolíticapública,pormeiodoestabelecimentodoProgramaNacionaldeFortalecimentodaAgriculturaFamiliar(PRONAF)noanode1996.Apesardoreconhecidoavançorepre-sentadoporestapolíticapública,aaçãodoprogramaserestringe,basica-mente,àofertadecréditoruralemcondiçõesfavoráveis,oquenãoésufi-cienteparapromoverodesenvolvimentorural.

Apobrezadapopulaçãoruralpermaneceelevadaenãoésomentepormeiodoestabelecimentodepolíticasdefomentoàproduçãoquetalquadroserárevertido.Faz-senecessáriooestabelecimentodepolíticasdecunhodistributivoquepropiciemoplenoacessodapopulaçãoaosserviçospúblicoseaosbensdeconsumobásicos.

Aperspectivadodesenvolvimentoterritorial,devidamenteimpor-tadadaEuropa,estáincorporadaaodiscursooficial.Cabeaopoderpú-blicoconvertertaldiscursoempráticaefetiva.Paratantohaveráneces-sidadedaalocaçãoderecursosparafazerfrenteaocumprimentodetalobjetivo, bem como a contratação de técnicos ou de serviços técnicoscomestepropósito.

Ageraçãoderendaempequenaspropriedadesruraisnãosedaráso-mentepormeiodainserçãonomercado.Parceladaspequenasproprieda-desmelhorsituadasgeograficamentepoderátrilharporestecaminho,masamaiorpartedospequenosprodutoresruraisprecisadepolíticaspúblicasquelhespropiciemoacessoàrendaparafazeremfrenteaoatendimentodassuasnecessidadescotidianas.

CabeaoEstadonãosomentepropiciararenda,mas,aofazê-lo,exi-gircontrapartidas.Umadasmaneiraspossíveisécondicionaroacessoàspolíticasdistributivasaocumprimentodalegislaçãoambiental.

reFerênciAs

ALMEIDA,Jalcione.Daideologiaàidéiadedesenvolvimento(rural)susten-tável.In:ALMEIDA,Jalcione;NAVARRO,Zander(org.)Reconstruin-do a agricultura: Idéias e ideais na perspectiva do desenvolvimento rural sustentável.PortoAlegre:EditoradaUniversidade/UFRGS,1997.

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identidAde territoriAl e desenvolvimento: A FormulAção de um PlAno territoriAl de desenvolvimento rurAl sustentável do território sudoeste do PArAná

roselí alves Dos santos

Geógrafa,ProfessoraAdjuntadocursodeGeografiadaUNIOESTE–FranciscoBeltrão-PR|[email protected]

Walter marschner

Sociólogo,ProfessorAdjuntodaUniversidadeFederalGrandeDourados-MS|[email protected]

Nos últimos 40 anos, “desenvolvimento sustentável” era tido como umconceitodecirculaçãoentremovimentospopulareseagênciasdecoope-raçãoeestavaassociadoàutopiadaconstruçãodeumaoutrasociedade,maisjustaeefetivamenteigualitária.Naatualidade,odiscursodedesen-volvimentosustentáveltemfeitopartedapautadediscussãotantodeem-presasligadasaoramodosagroquímicos,comodeentidadesligadasaosmovimentospopulares.Trata-sedeumadomesticaçãodoconceito?Aim-plementação de um desenvolvimento mais eqüitativo, nas condições devidadetodosossujeitosdasociedade,dependesemdúvidadarevisãodoqueentendemospordesenvolvimento.

Nossoensaioquerabordaraperspectivadodesenvolvimento territo-rial,apartirdalógicadeseusprotagonistasagindonaconcretudedeseuespaçosocial.O“campo”1évistoaquicomoumespaçoemododevida,ouseja,umterritórioondeasdimensõeseconômicas,políticas,culturaiseambientaissãoconsideradasdeformaintegrada,compondoacomple-

1 Entendemosocamponãoapenascomoumlugargeográficodistintodacidade,mascomoaextensãodondesedáaterritorializaçãodoexercíciodeummododevidaderelativaauto-nomiadiantedasociedadeglobal(conformeWanderley,1996),mododevidabaseadonumaforteteiaderelaçõespessoais(sociedadedeinterconhecimento,segundoMendras(1976)ebaseadonumaeconomiaderelativaautarcia.

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xidadedodesenvolvimentoterritorial,quesematerializanasustentabili-dadeenasoberaniaalimentar,enautilizaçãodepráticasagroecológicas.Comosujeitosterritoriais,enfocamosaagriculturafamiliar2,entendendoassimasrelaçõeshumanasmaishorizontaisetransparentes,naparticipa-çãopopulartantonoprocessodeproduçãoquantonaescolhadetecnolo-giasagroecológicasenodesenvolvimentoapartirdascondiçõeslocais.

Nossaanálisepartedeumestudodecaso.Oterritórioemquestão,SudoestedoParaná,temumasingularhistóriadeocupaçãoecelebra,noanode2007,50anosdarevoltadosposseiros,históriaestaquelegouaoter-ritórioumaidentidadebemdefinidadelutapelaautonomiadaagriculturafamiliar,representadaporumnumerosocorpodeorganizaçõessociais.OSudoestedoParanáéumdosterritóriosondeoMinistériodeDesenvolvi-mentoAgrário(MDA),atravésdaSecretariadeDesenvolvimentoTerritorial(SDT),implanta,comrelativoêxito,suapolíticadedesenvolvimentoterrito-rial,sendorecentementepublicadoumdosprimeirosplanostipoterritorialdedesenvolvimentoruralsustentável(PTDRS)dopaís.

Oqueestáemquestãonesteartigoéocaráterendógenodapolíticaterritorialdogoverno.Pergunta-seatéquepontoapolíticagovernamentaldedesenvolvimentoparaocampoécapazdeabarcarosritmoseostem-posdosterritórios?Quaissãoaspossibilidadesdeprocessosdeintegraçãoàeconomiaglobal,talcomoapropostadedesenvolvimentodoMDA,fa-zeremaleituradarealidadeterritorialsemreduzi-laàlinguagemeconô-mica,masconsiderandoacomplexidadedasrelaçõessociaisqueoterri-tórioabrange?Quaissãoaspossibilidadesdodesenvolvimentoterritorialpromoveraçõesestruturantes,combaseemumaanáliseestratégicaquepossibiliteasuperaçãodeumaabordagemsetorialdedesenvolvimentoefomenteumavisãoampladeterritório?

A FormAção territoriAl: o cAso sudoeste do PArAná

OSudoestedoParanásedestacaporconservar,atéosdiasdehoje,umadistribuiçãodemográficaderelativoequilíbrioentreespaçoruraleurba-no3,oqueseexpressatambémnumdestacadoprotagonismodaagricultu-rafamiliar,quemaisdoqueumsistemaeconômico,éumsistemaderela-çõessociaisespecíficodentrodocenárioruralnacionalobjetivadoatravés

2 Aadoçãodoconceito“agriculturafamiliar”atendeaquiaocontextoespecíficoaquenosreferi-mos.Agriculturafamiliar,segundoAbramovay(2005,p.7),éumadefiniçãocorrentenoBrasil(enquantoquenaAméricaLatinafala-seem“campesinato”),emespecialnaRegiãoSul,ondevigoraumafortepresençadamigraçãoeuropéia,edaqualfazparteoSudoestedoParaná.

3 SegundodadosdoIBGE,apopulaçãoruraldoSudoestedoParanánoanode2000erade189.582habitantes,cifraquerepresentava40,11%,enquantoqueapopulaçãourbanaeracompostapor283.044habitantes,oqueequivalea59,89%.Enquantoisso,apopulaçãour-bananototaldoEstadodoParanáconsistia,noanode2000,em81%.

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deumconjuntodeentidadesderepresentação(comoanalisamAbramo-vay,2005,Schröder,2005,Magalhães2005).Entendemosqueoselementosparaacompreensãodestaconfiguraçãoderelaçõestãosingularestãoemboapartenaformaçãodoterritório.Muitoantesdeumterritóriodecreta-do,oSudoestedoParanáéresultantedeidentidadeseinteraçõesentreato-ressociais,historicamenteforjadossobreumdadoespaço.SegundoAlveset al.(2004,p.156)

[...]oterritórioéaexpressãoconcreta/abstratadoespaçoproduzidoapartirdamultidimensionalidadedeumaredederelaçõessociaisparametrizadasnotrabalhoemarcadaspelopoder.Nãoháterritóriosemrelaçõesdepoder.Noterritório,dessamaneira,produz-seumaterritorialidade,frutodasrela-çõesdiárias,momentâneas,queoshomensmantêmentresiecomsuana-turezaexterior,evidentemente,nãosónoâmbitodaeconomiamastambémdasaçõespolíticaseculturais.

Assim,emumabreverevisãohistórica,queremosdestacar,defor-mapontual,oselementosqueconsideramosdeterminantesparaexplicaraidentidadeterritorialqueseapresentanoSudoestedoParaná.

o sistemA de Posse, A lutA PelA terrA e A imPlAntAção dA PequenA ProPriedAde

TomamoscomopontodepartidaoiníciodoséculoXX,pontoemque,se-gundoFeres(1990),oSudoestedoParanáapresentavaumapopulaçãoin-feriora3.000habitantes,concentradosespecialmentenoscamposdePal-mas,emáreasplanasabrangendoosmunicípiosdePalmaseClevelândia.A atividade pecuária da época pressupunha um sistema de organizaçãosocialdagrandepropriedaderuralcomsuaestruturadeagregados,querepresenta,paraalgunsautores,aorigemdapopulaçãocaboclanaregião4,e,apesardoreduzidonúmerodepesquisas,éimportantedestacarqueha-viatambémapresençadeíndios.Aestapopulaçãorarefeitaacrescenta-se,nadécadade1920,oprocessodemigraçãoaleatórioquelevaapopulaçãoapraticamentedobrar(6.000habitantes).É,porém,apartirdadécadade1940,comavindadíáriademigrantesdeorigemeuropéia,queocresci-mentopopulacionaléimpulsionadosignificativamente.

A política getulista de integração nacional, visando à colonizaçãodeáreasestratégicasdo territórionacional–aassimchamada“marchaparaooeste“–,trouxegrandeslevasdeimigrantes.Eram,emsuamaioria,

4 Alémdosparaguaiosedosargentinosqueextraiamaerva-matedaregião,oiníciodopro-cessodeocupaçãoteveligaçãocomoexcedentedemão-de-obradasfazendasdecriaçãodegadoederefugiadospolíticosdaGuerradoContestado(FERES,s/d).Atéadécadade1940,osmigrantes,chamadosporFeres(1990,p.494)eAbramovay(1981)decaboclos,sobrevi-viampormeiodacaçaeprincipalmentedoextrativismodeerva-mateedacriaçãodeporcosemregimesemi-selvagem.

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excluídospelafragmentaçãodapequenapropriedadenosEstadosdoRioGrandedoSuledeSantaCatarinaechegamaoSudoestedoParanáembuscadeterraslivres,colonizandoespecialmenteasáreasdematatropicallindeirajáconsolidadacomoestruturadegrandepropriedadedoscamposdepastagem.OgeógrafoalemãoLeoWaibel(1984,p.33),aopesquisar,nadécadade1940,omovimentomigratórioteuto-brasileiro,detectaduasestruturasterritoriaisnoSudoeste:deumladooscamposdosfazendeiroseseusagregadose,deoutro,amatadoscolonosecaboclos.Tratava-sedeumaocupaçãodiferenciadadasterrasque,segundoAndrade(1995,p.63),eratípicadosuldoBrasil,ondeaocolonodeorigemeuropéiacabiamasterrasmontanhosasecobertasdemata.

Apesar desta delimitação espacial, segundo Abramovay (1982, p.54ss),aconteciamtrocasconstantesentrecaboclosecolonos; trocasemqueestesúltimospassamaadquirirasterrasdoscaboclosapreçossim-bólicos.Negociadaseramprecisamenteasmelhoriasdoscaboclossobrea terra,asclareirasecaminhosabertos.Vigoravaa“compradodireito”àterra,oregimedaposse,umaformadeacessoàterramediadaporumsistemadevaloresvigente,baseadonaeconomiadesubsistência,ondeodireitoàterradetrabalhotemprimaziasobrequalqueroutrarelaçãodepropriedade(WOORTMANNN,1997,p.151;MUSUMECI,1988,p.34).

Nocomeçoerammuitopoucagente.Nósficamosemquatrofamílias,equemnósencontramosmorandoaquieram[…]comosediz[…]brasileiros,né.Caboclos[…]eaquelepovofoiseretirando.Elesforamvendendo,porqueelesmostravamparagente,extensõesenormesdeterra[…]nãohavianemdivisa[…]vocêcom-pravaassimmaisoumenossemmarcar[…](TeclaTrigeri,Jacutinga,2004).

Oscolonostambémassimilamomododeocupaçãocabocladaterravirgem,reproduzindopormuitotempoosistemadepousiorotativo,infor-maçãotambémconfirmadaporBonetti(1997,p.18ss).ParaFeres(1990,p. 495), a relação de produção sob as terras virgens obedecia à relação“maisespaço–menostrabalho”,resultantedaocupação livredasterrasabundantesedabaixaconcentraçãodemográfica.

ParaMarschner(2005,p.133ss),osistemadeposseassimiladopeloscolonos era compatível à economia mercantil das colônias de migrantes,ondeaspropriedadesmantinhamumaeconomiaaindabastanteautárqui-ca,marcadamentedesubsistência,queproduziaaindapequenosexcedentesparaomercado,majoritariamenteasuinocultura,comassafrasdeporcos5,comérciodemadeiraedemaisrelaçõesdetrocascomasbodegas.Éimpor-tante destacar que a empreitada colonizatória no Sudoeste do Paraná se

5 ParaFeres(1990)eBonetti(1997),asuinoculturamanteve-secomoforteatividadeeconô-mica,sendoresponsávelpelaampliaçãodasáreasocupadaspelocultivodomilho,principalfontealimentardossuínos.Assim,haviaumacoexistênciaentreasuinoculturaemregimesemi-selvagemeadesafra(1990,p.495).

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consolidaapartirderedesdecooperaçãoereciprocidadeoriundasdeseuslugaresdeorigem.Asnovascomunidadesseestruturamnogeralapartirderelaçõesvizinhançaeparentesco,agorareproduzidasnasnovasterras.

Erasempagamento.Nãotinhaassim,negócionodinheiro.Especialmentecomosparentes.Porquenãoqueriaqueoparentefossemaislonge.Ou,porexemplo,omeupai,ouopaidoBernardo,queerairmãodele[…]elesdiziam:“vocêsecolocaali,ficaali”.Daívinhamaisumconhecido,maisumparente:“vamosrepartirumpedaço,vocêdámaisumpedaço[…]”,entãoeraassimmaisnessejeito[…]nãoeracomercial.(TeclaTrigeri,Jacutinga,2004).

Taldinâmicadeocupaçãoterritorialfavoreceuaconstruçãodere-lações horizontais relativamente homogêneas, fatores decisivos para osucessodaempreitadacolonizatória.AColôniaAgrícolaGeneralOsório(CANGO),cominstalaçãodeconsiderávelapoiologístico(serrarias,aten-dimentomédico,fornecimentodeferramentas,entreoutrasmedidas),de-sempenhoupapelcentralparaaconsolidaçãodeumaeconomiamercantildecolôniaagrícola(LAZIER,1998,p.17;ABRAMOVAY,1981,p.41).

Nesteaspecto,podemosobservarumaprogressivainterligaçãodosterritóriosatravésdeatividadesdoscolonosarticuladascomumacrescen-tecadeiadeatoresdeumaeconomiamercantilflorescente.Juntocomosmigrantes,vinhaserviçodemoinhos,ferreiros-artesãos,transportadores,comerciantese,sobretudo,asbodegas,pontosdearticulaçãodeumaeco-nomiadepermutasfortementebaseadaemrelaçõespessoais–aindaquemarcadapelasignificativaexploraçãodosmigrantespelosbodegueiros.

NenhumoutrofatohistóricopoderiarevelarmelhoraimportânciaeovigordestesistemadecolôniaagrícoladoquearevoltaarmadadosposseiroscontraascompanhiascolonizadorasCITLA,ComercialAgrícolaeCompanhiaApucaranaem1957.Aaçãocriminosadestascompanhiascolonizadoras,representantesdogovernoLupion,atravésdaviolênciadejagunços,visavapôrfimnosistemadeposse.Oscolonoseramobrigadosapagarpelasterrasjáocupadasouassinarpromissóriasassumindoadívi-da.Comacoerçãoarmada,estavaameaçadoumsistemaderelaçõeshori-zontais,deconfiança,derelativaharmonia,dereciprocidades,deredesdecooperaçãoetrocassimbólicas.Essaameaçaoscolonosdescreviamquaseapocalipticamente: “Imperava o medo. Não havia mais lei! Jagunço e polícia estavam de mãos dadas, não havia mais baile, nem missa, as pessoas come-çam a ir embora […]”(AvelinoCavaleri,Verê).

Finalmenteareaçãoarmadadecolonos,caboclosecomerciantes,lograatomadadascidadesdePatoBranco,FranciscoBeltrão,SantoAn-toniodoSudoesteeCapanema,bemcomoaexpulsãodosjagunços,ades-truiçãodosescritóriosdascolonizadorasetodasashipotecas,represen-tandoumdos rarosmomentosdahistóriadaquestãoagráriabrasileiraondeagricultoresvencemestruturasoligárquicas.UmregistroimportantedestacadoporBattisti(2006)consistenofatodoincentivoparaarevolta

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tersidodesenvolvidoporlideresdoPTBedaUDNpreocupadosemconso-lidarapolíticagetulistanaregiãoeemfortalecerumaoposiçãoaogovernodeLupion.Tambémdestacamosqueoutraslutascomeçamerecomeçamapartirdessefatopolítico.

Nãoépossívelfalardacapacidadedemobilizaçãosocialdaagricul-turafamiliardoSudoestedoParanásemfazervínculoscomessaherançahistórica.AposterioraçãodoGrupoExecutivoparaasTerrasnoSudoestedoParaná(GETSOP),noperíodoJoãoGoulart,nadécadade1960,comaemissãode32.256títulosdelotesruraise24.661urbanos,ratificaumaes-truturafundiárianoSudoestejáefetivada.Seaemissãodetítulosdepro-priedadepodeserconsideradacomosímbolodavitóriadalutapelaterra,estapolítica,poroutrolado,consolidaaimplantaçãodapropriedadepri-vadanaregião.Essaintervenção,protagonizadapeloEstado,naquestãofundiária, estabelecedefinitivamenteascondiçõesparaapenetraçãodocapitalnoespaçorural.

A seqüênciadoorquestramentoestatalpermaneceapartirdadé-cadade1970,quandooEstadoassumeopapeldefomentadordarevolu-ção verde.Implanta-seomodelodedesenvolvimentoagropecuário,tendocomometaaacumulaçãoampliadadecapital,de formaaatender inte-ressesdo sistemacapitalistahegemônico, atravésde investimentos edacriaçãoeampliaçãodemercados.Osprincipaisinstrumentosdoavançodocapitalsobreaagriculturafamiliarpassamaserocréditoeasgrandescooperativas.

desenvolvimento dA cAPAcidAde orgAnizAtivA e A deFesA dA AutonomiA dA AgriculturA FAmiliAr

Nadécadade1960surgenoSudoestedoParanáaAssociaçãodeEstudos,OrientaçãoeAssistênciaRural(ASSESOAR),naépocaumaentidadevin-culadaàIgrejaCatólica,seguindoosventosinovadoresdoConcílioVati-canoII(1962-1964),atuandonaregiãonaperspectivadeorganizaraso-ciedadecivildentrodeumaperspectivareligiosaprogressista.AAssesoarinicialmenteorganizaasfamíliasdeagricultoresemgruposdereflexãoeação,quequestionamapolíticaassistencialistaemvigorepassamarei-vindicarumsindicalismocombativo.Éempartedevidoaestespequenosgruposdebasequesurge,em1979,aComissãoPastoraldaTerra(CPT)noParaná.DaaçãoorganizativadaCPT,porsuavez,numaarticulaçãodemovimentoscamponesesdostrêsEstadosdoSul,surge,porúltimo,omovimentode trabalhadoresrurais semterra (MST).Dessasaçõesear-ticulações,surge,nosindicalismo,umanovageraçãodedirigentes,comhistóricodeformaçãonasCEBsepastorais,grupoquevaiposteriormentefundar,em2001,aFederaçãodosTrabalhadoresnaAgriculturaFamiliardaRegiãoSul(FETRAF-Sul).Nãoéexageroafirmarqueestasentidades

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noSudoestefizeramfermentarocaldodeculturadeumahistóriadelu-tascontrao latifúndio,protagonizadopelarevoltade1957.As lutasdasentidadesnasdécadasde1970emdiantevoltaram-se,sobretudo,paraadefesadaautonomiadaagriculturafamiliar,frenteaosavançosdafron-teiraagrícolaedarevoluçãoverdecomtodasassuasconseqüências,ex-pressasdeformageneralizadaemtodooBrasilpelafalênciadaspequenaspropriedadesepeloconseqüenteesvaziamentodaspopulaçõesdocampo,frutonefastodeumpolíticadedesenvolvimentovoltadaparaageraçãodedivisasapartirdomodeloagroexportador.Aomesmotempoqueseesbo-çaumatenazresistênciaaomodeloagrícolaatravésdesuasentidadesderepresentação,aagriculturafamiliartemsidocriativaemconsolidarumvigorosarededepequenascooperativaseassociaçõesdeagricultoresfami-liares,dasquaissedestacamhojeasCooperativasdeLeitedaAgriculturaFamiliar(CLAFs)easCooperativasdeCréditoRuralcomIntegraçãoSoli-dária(CRESOIS).

Opanoramabrevementeesboçadoéfundamentalparaquesecom-preendaatensãohistóricaquesecolocaàagriculturafamiliar,nasendaentreamanutençãodeummododevidacomrelativaautonomiaeconô-mica,devaloreseidentidades,eomovimentoprogressivodeincorporaçãodestesistemasocialàsestruturasdocapitalagroindustrial.Nãosetrataaquideperguntarpelaschancesdesobrevivênciadeumasociedadedeva-lorescomunitáriosedeeconomiaautárquicaderelativaautonomiadiantedaeconomiademercado,masdeperceberqueaimagemdessasociedaderesistenaatualidade,expressando-senaformadeumaforte“memóriaco-letiva”(nosentidodeHalbwachs,1985),comoumasubjetividadelatente,certamentemotordaslutascontemporâneaseespíritopresentenasenti-dadessindicais,movimentossociaiseONGsqueatuamnoSudoestedoParaná.Apartirdessamemóriacoletivaentendemoscomoequivocadaacompreensãodaagriculturafamiliar,comoumsujeitosocial,cujaespeci-ficidadesebaseianodilemahistóricodeintegrar-seaocapital,aindaquedeformadiferenciadaoudesaparecer.

Talleitura6doSudoestedoParanáapartirdeumprocessohistóricorestritoaapenasquatrodécadasconsistenumavisãoreducionista.Emter-mosdememóriasocial,apassagemdosistemadeposseparaaexperiênciadapropriedadeprivadaeainserçãodocapitalagroindustrial,aindaque

6 Sãohegemônicasasleiturasdoqueéo“rural”,quemsãoos“camponeses”ou“agricultoresfamiliares”partindodaperguntadopapelqueestesassumemdiantedoavançodaindustria-lização.Sejaatravésdaassimilaçãodasinovaçõestecnológicas(naperspectivadifusionista)ounaperspectivadasuaintegraçãoparcialaomercado(concepçãoapartirdeCHAYANOV)ounaintegraçãodocamponêsemunidadescoletivasdeescalaagroindustrial(apartirdeKAUTSKY),ocamponãoexprimenenhumarealidadeemsimesmo,maséobservadomuitomaisapartirdesuafuncionalidade,dentrodoviéseconômico.(vejaVILLELA,1999,p.26;MARSCHNER,2005,p.28).

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impactante, é recente, sendo apenas um componente do devir históricodestegrupo,insuficienteparadefinirsuaidentidade.Éprecisopartirdeumaabordagemmaisampla,entendendotudooquecompõeo“ethos”(nosentidodeBourdieu)doagricultorfamiliar:entenderomundoderelações,valoreserepresentaçõesquecompõeo“campo”,lugarvivencial,locusdeummododevidadistintodourbano.

A história do Sudoeste do Paraná carrega, de forma dramática esingular,acrisedapassagem,naspalavrasdeFerdinandTönnies(1991),decomunidade(Gemeinschaft)parasociedade(Gesellschaft).Entende-seaquioprocessodecomplexificaçãotípicodasrelaçõesdasociedademo-derna,ondeestáemjogonãosóadespedidadeumaeconomiamercantilpara uma economia complexa de mercado, mas a migração gradual deumarededevaloresdereciprocidadeserelaçõespessoaisparaumsistemaabstratodecontrato social,ondevigoramrelaçõesanônimasenvolvendoainteraçãocomsujeitosmuitasvezesausentes.Comaglobalizaçãoacon-tececadavezmaisodescolamento7doterritóriodolugar,ouacisãoentreo“lugar”–ondeacontecemaspráticassociaisespecíficasquenosmolda-ram,ondenossasidentidadesseencontramligadasintimamente–eoes-paçoindiferenciado,ondesedãoasrelaçõesàdistância,protagonizadasporausentes(decisõesdemultinacionais,acordosbilaterais, impactodapolíticadaOMCetc.).Omeiorural,semdúvida,éoespaçoondetalpro-cesso impactacommais intensidade, solapandosobremaneiraascondi-çõesdeformularumprojetodedesenvolvimentopróprio.Odilemacoloca-doàagriculturafamiliaréaconstruçãodeumprojetodedesenvolvimentoquedêcontadegarantirarelativaautonomiadeseumododevidaecriarasinterfacescomeconomiaglobalizada.

Édestaperspectivadeanálisequeinterpretamosaconstituiçãoter-ritorialrecente.Trata-sedecompreendercomoumapolíticadedesenvol-vimentoterritorial,protagonizadapeloEstado,impactaumterritóriocomidentidadetãodefinidacomoécasodoSudoestedoParaná.

A ABordAgem do desenvolvimento territoriAl ProtAgonizAdA Pelo mdA

Comoexpostoanteriormente,emsetratandodepolíticaspúblicas,ocam-pofoihistoricamentecaracterizadocomoumvazio,pelaausênciadepo-líticaspúblicas,ausênciaeprecariedadedeinfra-estruturascomoescolas,áreasdelazer,postosdesaúde,estradasadequadasetc.,e,aexemplodos

7 AntonyGiddens(cf.GIDDENS,1991,p.9)caracterizaodesenvolvimentodamodernidadepeloqueelechamade“descolamento”:ocrescenteimpactodaintervençãodeatoresausen-tese,nãoraro,desconhecidosquepassamapautaroqueaconteceemnívellocal,causandooesvaziamentodasrelaçõesfaceafacenaconduçãodosprocessossociais.

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conflitos sangrentosda revoltade57, tambémpelaausênciadeumEs-tadodeDireito.Poroutrolado,nasúltimasdécadasoEstadoparticipouintensivamentenaimplantaçãodepacotestecnológicosparaaproduçãoextensiva,nosmoldesdamodernizaçãoagrícola.Assim,asnovaspolíticasdedesenvolvimentogovernamentais,aindaqueseguindoumanovaabor-dagem,estãoirremediavelmentemarcadaspelacontradiçãodapassagemdeumEstadooutrorararefeitoedeaçõesfragmentadasparaumEstadoagoradescentralizado,mínimo,queatendeaosmétodosatuaisdedesen-volvimentodocapital.

Talvezoquemelhorsimbolizeessapassagemsejaoprocessodeim-plantaçãodapropostadescentralizadadedesenvolvimentoterritorial,pro-tagonizadapelaSecretariadeDesenvolvimentoTerritorial (SDT)doMi-nistériodeDesenvolvimentoAgrário(MDA).CriadonogovernoFernandoHenriqueCardoso,naperspectivadeformularpolíticasagrícolasdiferen-ciadas(dasquaisamedidamaisimpactantefoiacriaçãodoPRONAF),oMDAassumearesponsabilidadenaconstituiçãodeumanovapolíticadedesenvolvimentocentradanosaspectosdeinclusãoeeqüidadesocialdeformasustentável.ComoreafirmaMontenegroGómez(2006),aidéiadedesenvolvimentofunciona,porém,comoumaestratégiadecontrolesocialintermediadapeloEstadoeé limitadaà realizaçãodo “possível”.Assimsendo,alimitaçãodapolíticadedesenvolvimentoterritorialedaaçãoes-tatalemtemposdeminimização:

[...]deveráater-seàslimitantesimpostaspelasrestriçõesorçamentárias,fi-nanceirasehumanas,quereduzemacapacidadedeintervençãoconvencio-nal, lançando mão de estratégias de descentralização, de participação dasociedade,deplanejamentoascendenteedevalorizaçãodosrecursoslocais,fatores que, combinados, obrigam à reinvenção de processos de articula-ção,ordenamentoeapoioaodesenvolvimentoedoprópriopapeldoEstado(MDA,2005,p.17).

Dá-se,então,umareleituradodesenvolvimentobrasileiro,assumin-dooenfoqueterritorial,visandoaumapolíticadeatendimentoàsespecifici-dades,porémnadimensãodadescentralizaçãoedaminimizaçãorequeridapeloEstadoatual.Noqueserefereaorural,nesseensejodedescentraliza-çãoevalorizaçãodos“recursos”locais,aagriculturafamiliareareformaagráriasãoconsideradaspeloMDAcomo“[...]elementoscapazesdeenfren-tararaizdapobrezaedaexclusãosocialnocampo”(2005,p.10).Comestaabordagemterritorialruraléconsideradaaexistênciadeuma“novarurali-dade”,aqualenvolvemúltiplasarticulaçõesintersetoriais,“[...]garantindoaproduçãodealimentos,aintegridadeterritorial,apreservaçãodabiodiversi-dade,aconservaçãodosrecursosnaturais,avalorizaçãodaculturaeamul-tiplicaçãodeoportunidadesdeinclusão”(Ibid,p.10).Aocolocaraagricul-turafamiliareareformaagráriacomoelementoscentraisdodebate,assimcomoanecessidadedeinclusão,oMDAreconheceasmazelashistóricasda

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modernizaçãodaagricultura8,comaadoçãodedinâmicasindustriaisparagerênciadoprocessoprodutivonocampoacarretandooaumentodapobre-zarural,paraleloaosrecordesdeproduçãoeprodutividade.NistoserefleteaprioridadedadapeloMDAàáreasdebaixoIDHparaconstituiçãodoster-ritóriosruraiseàaplicaçãodapolíticadedesenvolvimentoruralsustentável.Paraenfrentarapobrezarural,frutodasperspectivasdedesenvolvimentobaseadasnachamadarevolução verde,oMDApropõe:

[...]banirafomeeamisériadoseiodonossopovo.Omaiordesafiosocialélivrardapobreza¼dapopulação,estabelecendomecanismosdeestímuloàsuainclusãodignanoprocessodedesenvolvimentodoBrasil.Frenteàgran-dezadessedesafio,nãosepodeimaginarqueeleserávencidopelarepetiçãodosmesmoserrosdopassado,queatenderaminsuficientementealgunsse-toresouregiões.OBrasilnecessitaaproveitaroportunidadesdealterarefe-tivamenteosvelhosparadigmasorientadosparaaconcentraçãodosativosedarenda,parasuperexploraçãodosrecursosnaturaiseparaadiscrimina-çãodeoportunidades(2005,p.10).

Aabordagemterritorialconsisteemumatentativadefomentarodiá-logoeabuscadesoluçõesparaosproblemasdedeterminadoterritório,oqualpodeserdelimitadoapartirdo jogodepoderqueseentrelaçanoespaço.Opensarterritorialéentendidocomoumexercícioendógenoqueserealizapormeiodeconexãolocal/globalequeexigeaconfluênciadosinteressesdediferentesatoresdoterritórioparaatenderàssuasnecessida-descentrais.Trata-sedeumatarefabastantedifícil,umavezqueenvolveatores sociais que historicamente trabalham com um enfoque fragmen-tado.Nestesentido,ograndeavançodestapolíticaterritorialestá justa-menteemfomentarodebateapartirdemúltiplasdimensõesdodesen-volvimentoeensaiaroexercíciodeplanejamentoestratégico.Orisco,poroutrolado,estájustamentenainstitucionalizaçãodestaspolíticasdentrodeumaagendadeEstadomínimo,limitando-seaopreviamentedefinidocomo“açõespossíveis”:teremosaíentãomaisumapolíticaquenãocon-tribuiparaorompimentodasfragmentaçõesedescontinuidadesqueatéhistoricamentemarcaramodesenvolvimentodorural.

A construção do “território oFiciAl” sudoeste do PArAná e de um PlAno de desenvolvimento

Paraoperacionalizarsuaspolíticasdedesenvolvimentoterritoriaisdefor-macoerentecomavisãodescentralizadoradasaçõesgovernamentaisedi-

8 Nummovimentodeantagonismosecontradições,a“RevoluçãoVerde”propôsadotarnaagri-culturaosmesmosprocedimentosquevigoramnaindústriaeassimaumentaraproduçãodeali-mentosnomundo,propostaqueconferiuàNormanBorlaug,em1970,oPrêmioNobeldaPaz.Aequaçãofordista,noentanto,nãoseconfirmou:afomenãodesapareceu,aocontrário,temseampliado,eaevasãodocamposetornouumproblemasocial.(cf.GRAZIANODASILVA,1981).

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recionando-asàspopulaçõesdocampo,oMDApropõeconsolidarumago-vernança local,baseadanacapacidadedemobilizaçãosocialdeterritórios,priorizando,paraaimplementaçãodesuaspolíticasterritoriais,ametodo-logiadeconstrução de territórios oficiaisnasáreasconsideradasdemaiorpobrezaruraledemenorinserçãonomercado.Oterritório,nacompreen-sãodoMDA,muitomaisqueumespaçofísico,sefazdefinirpelasrelaçõesqueabrigaepeloconjuntodedimensõesqueocompõe:

Éumespaçofísico,geograficamentedefinido,geralmentecontínuo,com-preendendocidadesecampos,caracterizadoporcritériosmultidimensio-nais,taiscomooambiente,aeconomia,asociedade,acultura,apolíticaeasinstituições,eumapopulação,comgrupossociaisrelativamentedistin-tos,queserelacionaminternaeexternamentepormeiodeprocessosespecí-ficos,ondesepodedistinguirumoumaiselementosqueindicamidentidadeecoesãosocial,culturalepolítica(MDA,2005,p.28).

Esteconceitodoterritório,utilizadopeloMDAnainstitucionaliza-çãodaspolíticaspúblicas,destacacomoelementoscentraisacoesãosocial,culturaleterritorialcomocondiçõesendógenas,propulsorasdodesenvol-vimentorural.ParaoMDA,aabordagemterritorialpodeserempregadaempraticamentequalquer realidade concreta, cabendoa ele articular aseleçãoeoordenamentodasmicrorregiõesqueinicialmentereceberãooapoiopretendido,segundosuaslimitaçõesderecursos.

Apolíticaterritorialprevêaconstituiçãodeumgruporesponsávelpelagestão,formadodeformaparitáriaporentidadesgovernamentaisenão-governamentais.Assimosgruposgestoresrepresentamanovapropos-tadesinergiaentrepoderpúblicoesociedadecivil,exercitandodeformadescentralizadaaconduçãodaspolíticaspúblicasdedesenvolvimento.

HojetemosnoBrasil118territóriosconstituídos,amaioriacomgru-posgestores instituídos.NoSudoestedoParaná, foicriadoem2003seugrupoGestordoTerritóriodoSudoestedoParaná(GGESTEPA)9.Boapar-tedosgruposgestoresencontra-seemavançadoprocessodeplanejamen-toetemexercitadoessagovernançaterritorialatravésdoacessoegestãoderecursospúblicosparaimplantaçãodeprojetosestratégicosdedesen-

9 AsorganizaçõesgovernamentaisquecompõemogrupogestordoSudoestedoParanásão:AssociaçãodasCâmarasMunicipaisdoSudoestedoParaná,AssociaçãodosMunicípiosdoSudoestedoParaná,AssociaçãodosSecretáriosMunicipaisdeAgriculturadoSudoestedoParaná,Emater,EscolasAgropecuárias,InstitutoAmbientaldoParaná,InstitutoAgronômi-codoParaná,SecretariadeAgriculturaeAbastecimento,UniversidadeEstadualdoOestedoParanáeUniversidadeTecnológicaFederaldoParaná.Asorganizaçõesnão-governamen-tais:SistemadeCooperativadeLeitedaAgriculturaFamiliar,AssociaçãodasAgroindústriasFamiliares do Sudoeste do Paraná, Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor, CooperativaIguaçudePrestaçãodeServiços,CooperativadeCréditocomIntegraçãoSolidária,Institu-toMaytenus,MovimentodosAtingidosporBarragens,CentroRegionaldeAssociaçõesdosPequenosAgricultores,MovimentodosSem-Terra,AssociaçãodeEstudos,OrientaçãoeAs-sistênciaRural,ACESI/FETRAFeAssociaçãodasCasasFamiliaresRurais.

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volvimentoterritorial.AlgunsTerritórios,aexemplodoSudoestedoPara-ná,concretizaramumplanodemetasdemédioprazo,objetivadopeloPla-noTerritorialdeDesenvolvimentoRuralSustentável(PTDRS).Apartirde2004,ogrupogestordoterritóriodoSudoestedoParanácomeçaaserorga-nizado,estabelecendoasprimeirasinteraçõescomaspolíticasdoMDA.

A identidadedo territórionoSudoestedoParanáémarcadapelaagriculturafamiliar,emcujabasepermeiamdiferentesrelaçõesdepoder,manifestas em diferentes organizações governamentais e não-governa-mentais,comoaASSESOAR,oMST,prefeituras,aEMATER,produtoresdefumo,integradosàaviculturaetc.Háumadiversidadedeinteressesquepodemseaproximarousedistanciar,masquetêmnaagriculturafami-liarseupontodeconfluência,quersejaparaseufortalecimentoouparasuasuperação.Natentativadeampliarodebateeaparticipaçãoefetivados diversos atores sociais sobre a abordagem territorial, o GGETESPApromoveu a realização de oficinas microrregionais, nas quais levantou-seodiagnósticodarealidadeapartirdasinterpretaçõesdoscercade250participantes,alémdedebatereferenteaopapeldaagriculturafamiliar,àvisãodefuturoparaesteterritórioeàdefiniçãodeestratégiasparaatingirasmetaspropostasparaodesenvolvimentoterritorial.SegundoorientaçãodoMDAparaaconstruçãodeplanosterritoriaisdedesenvolvimentoruralsustentável,écompreendidacomo:

[...]umconjuntoorganizadodediretrizes,estratégiasecompromissosre-lativosàsaçõesqueserãorealizadasnofuturovisandoaodesenvolvimentosustentávelnosterritórios,resultante de consensos compartilhados dos atores sociais e o Estado, nasdecisõestomadasnoprocessodinâmicodeplanejamentoparticipativo.(MDA,2002,p.10,grifodoautor).

OPTDRSconstruídonoSudoestedoParanáreflete,semdúvida,oavançodasentidadesdaagriculturafamiliarnoexercíciodepensarestra-tegicamente,planejandoepriorizandoasações,partindodeumexercíciocoletivodediagnósticodarealidadeterritorial.Exigiuapactuaçãodein-teressesquecontemplemasheterogeneidadesdos territóriose “[...]queatendamàsprincipaisdemandasdosatores sociais,pois somentedessaformaserápossívelaformaçãodealiançaseparcerias,queconcretizemocapitalsocial,embenefíciodotodo”(MDA,2005,p.21).

A construção do PTDRS do Sudoeste do Paraná teve por base odiagnósticoeodebaterealizadodopapeldaagriculturafamiliarcomooelementodeidentidadeterritorial,alémdeumareflexãoteórico-metodo-lógica10referenteaoconceitodeterritórioedautilizaçãodaabordagem

10Aanáliseteóricaeasistematizaçãodasinformaçõesforamdesenvolvidaspelospesquisa-doresdoGrupodeEstudosTerritoriaisdaUniversidadeEstadualdoOestedoParaná(GE-TERR)edoCentrodePesquisaeApoioaoDesenvolvimentoRegionaldaUniversidadeTec-nológicadoParaná(CEPAD).

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territorialcomoformadesuperarumavisãofragmentadadocampoedeavançarnaconstruçãodeumaoutraperspectivadedesenvolvimentomul-tidimensionalmentemaisequilibrado.

Combasenasinformaçõesobtidasnasoficinasmicrorregionais,foiestabelecidaumaoficinageralcomdelegados/asescolhidos/aseosparti-cipantesdoGGETESPA,queavaliaramasestratégiaseestabeleceramosconsensoseasaçõescentraisparaodesenvolvimentodo territóriocombasenosaspectosmultidimensionais.

AmetodologiaparaaconstruçãodoPTDRS,combaseemumaanálisemultidimensional,resultouemsuaestruturaçãoemseiseixos:a) desenvolvimento humano e qualidade de vida; b) desenvolvimentoeconômico;c)recuperaçãoegestãoambiental;d)educaçãodocampo;e) serviços sociais e infra-estrutura; f)organização e desenvolvimentopolíticoinstitucional.

Esteseixoscontemplaramosdebatesrealizadosaolongodoproces-sodeformaçãonasoficinasmicrorregionaiserefletiramasênfasesatribuí-daspelosdiferentesatoressociaisquecompõemoterritório.Emcontra-partida,adefiniçãodasestratégiaseaçõesdefinidasemcadaumdoseixosexigeumplanejamentocomgestãoparticipativa,reforçandoaexistênciadogrupogestordoterritório,assimcomodeumacoordenaçãopolíticaetécnicaquefomenteodesenvolvimentoegarantaaarticulaçãoentreosdi-ferentesatoressociaisdoterritóriodoSudoestedoParaná,bemcomosuaarticulaçãocomoEstado.

Análise crÍticA

Apresentamosalgunsquestionamentoseanálisessobreconceitosecatego-riaspresentesnodebatesobreasestratégiasdedesenvolvimentoruralsus-tentávelapresentadaspeloMDA.Aanáliseépertinentejustamenteporqueaconstruçãodoprojetodedesenvolvimentoterritorialseencontraaindaemfasedeexperimentação,havendoassimodistanciamentocríticodosatores,condiçãoparaquenãoseinstitucionalizem,jádeberço,visõesli-mitadasdacomplexidadeterritorial.

suPerAção do coorPorAtivismo e BuscA de AutonomiA Frente Ao estAdo

Oterritórioéo lugarondeocorremasdiferentes relaçõesdepoderqueextrapolamasfronteirasgeográficas,dando-lheforma.Considerandoquesuaconstituiçãotemporbaseaidentidadedolugaredosdiferentesatoressociaisqueocompõe,emumaperspectivamultidimensional,odesenvol-vimentoterritorialésemdúvidaalgocomplexo,queexigearticulaçõesedomíniosdeconflitoseconflitualidadesexplícitoseimplícitos.

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Apesardodiagnósticoreforçaraidentidadedaagriculturafamiliarcomo elo do território do Sudoeste do Paraná, foi justamente o caráterdeorganizaçãoconsensual,umdosvetoresdetensionamentonaconstru-çãodoPTDRS.Compreendemosqueograndedesafiodeumplanejamen-toestratégicoestá,semdúvida,nasuperaçãodeposturascorporativistasdasorganizaçõespopulares,ondeseacabaapostandonasvelhasrelações“clientelistas”ondecadaumtentaaprovaro“seuprojeto”.Tambéméim-portantedestacarqueanovarelaçãocomogoverno,poroutrolado,trazo risco de esvaziar o conteúdo político das entidades das organizações,estreitandoseuraiodeação,limitando-seaexecutarpolíticaspúblicas.ÉsintomáticoquenoSudoestedoParanáosurgimentodoGruporGestordoTerritóriorelativizououtrosespaçosdearticulaçãojáexistentesdasenti-dades,taiscomoosFórunsmunicipaiseregionaisdeentidadesnãogover-namentais,quedeixaramdesereunir,enfraquecendoodebatepolítico.Oriscoédesedrenarasforçasdasociedadecivilorganizadacanalizando-asparaagestãodoterritório,umespaçoaindabastantemarcadopelaagen-daepeloritmodapolíticadeumdeterminadogoverno,oqueaindanãoénecessariamenteomesmoquepolíticapública.

o cAPitAl sociAl dA AgriculturA FAmiliAr?

Em que pese o grande avanço no pensar territorial, a avaliação daexperiência do Sudoeste do Paraná, observando as ênfases do próprioMDA,porum lado,eos reais interessesdasentidadesgovernamentaisenão-governamentaisdaagricultura familiarnaabordagem territorialdodesenvolvimento,poroutro,percebe-seumavisãoaindamonológicadedesenvolvimento,baseadanumaleituradarealidadedesdeumavisãoeconomicistasecundadaporumapolíticadeinvestimentosmajoritaria-mentedecunhotécnico-produtivo.

Nessesentido,é flagranteaadoçãododiscursoemtornodocon-ceitode“capitalsocial”.Aadoçãodoenfoqueanalíticodocapitalsocial,aindaqueprometasimplificarconsideravelmenteotrabalhodecientistassociais,depolíticos,deinvestidoresedeagentesetécnicosdeagênciasdegoverno(ounão), representaumareduçãodacomplexidadederelaçõessociaisimbricadasnoterritórioàlinguagemeconômica,nãorarolimitan-doaanáliseaosaspectostécnico-produtivos.

SegundoAbramovay,capitalsocialéumrecursoquepermitequeumdadoterritóriopossamelhorutilizarseusativoseconômicos(2000,p.380),éumareserva(stock)11reservaqueproduzumfluxodebenefíciose

11SegundoJamesColeman,sociólogodaUniversidadedeChicago,eumdospaisfundadoresdateoriadocapitalsocial,ocapitalsocial“comooutrasformasdecapital,éprodutivo,tor-nandopossívelarealizaçãodecertosfinsquenãoseriamatingíveisnasuaausência.”Ao

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umaaçãocoletivamutuamentebenéfica.Comooprocessodeintegraçãoterritorialàeconomiaglobalizadaimplicarelaçõesabstrataseimpessoaiscadavezmaiscomplexas,passaafigurarcomofieldabalança,oquevaigarantirumacertaestruturasocialparaconstituirasinterfacesnecessá-riasparasepensarodesenvolvimentolocalconservandoummínimodeautonomia.Ocapitalsocialdevegarantirumpoucodegovernança,dotan-doosterritórios,nosdifíceisprocessosdeintegraçãoenodesenvolvimen-tonacionaleglobal,deumaredecapazderacionalmentediscutireplani-ficarosimpactoslocais.

Oproblemadavisãodecapitalsocialhegemonizadanapolíticater-ritorialrevelaumaflagrantecolonizaçãoeconômicadasrelaçõessociais.Dá-seaquiumprocessoemqueestaspassamaserpensadascomoumaformadecapital–revelandoumdeslocamentodomundodosnegóciosedosexecutivosparaocampodaspesquisassociaissobreodesenvolvimen-to,nocampodasagênciasdegoverno,dosorganismosmultilateraisedasONGsque incorporamaseu trabalho“oparadigmadocapital social”12,soboqualsuacompreensãodecapitalsocialfala-seemtermosde“recur-sossociais”,de“benssocioemocionais”.Asredesterritoriaisbaseadasemconfiança,reciprocidadeecooperação–fatorestípicosdasociabilidadedaagriculturafamiliar–sãoentendidasagoracomo“recursosassociativos”queconformamestenovotipodecapital.Aoincorporarasrelaçõessociaiseasestruturasorganizativascomoumcapitalaserexplorado,aSDTen-tranocampodasintersubjetividades,buscandoassimmaiorcapilaridadeparaasuapropostadedesenvolvimentoterritorialedeintegraçãodoter-ritórionaeconomiaglobal.

Podeparecerqueaconcepçãodecapitalsocialexpresseumaformadevalorizaçãodaprotagonizaçãodosatoressociais,oqueéefetivamen-te salutar e necessário ao desenvolvimento territorial, mas efetivamentenãosetratadeaspectossimilares.Porisso,acompreensãodarelevânciado conceito de capital social está, sem dúvida, atrelada à concepção dedesenvolvimentoquedefatosequerutilizarnaconstruçãodasustentabi-lidadededeterminadoterritório.Paraqueoconceitodedesenvolvimentocomumaabordagemterritorialpossaserempregadocomcertacoerência

mesmotempo,enfatizaanecessidadeconstantedeinvestimentosnele:“igualqueocapitalhumanoecomocapitalfísico,ocapitalsocialdeprecia-se senãoérenovado.”Cf.Coleman(1990,p.302,321).

12Apartirdofinaldadécadade1990,asrelaçõessociaispassaramaserconsideradas,concre-tamente,comoum“recurso”avaliadoemtermosdemercado.Comotal,podeser“criado”,“nutrido”,“sustentado”e“maximizado”.AgênciasdedesenvolvimentocomoaCEPALpro-põemousodo“novoparadigmadocapitalsocial”comoformadecombaterapobreza.ApartirdaíváriasONGs,emváriaspartesdomundo,passamaincluiresseconceitonosseusprogramasdeação.Assim,o“capitalsocial”passaaserumachavedeleituradosproblemassociais,econômicosepolíticos.

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éprecisoexplicitarondesepretendechegar.Istonosremeteaoutraques-tão:atéquepontoaabordagemterritorialestásendoconstruídaecomoelaefetivaumrompimentocomaformadedesenvolvimentogeradoradediferentesmazelasquesãoapresentadas,pelopróprioMDA,comofactí-veisdeseremsuperadas?

ABordAgem territoriAl ou setoriAlmente diFerenciAdA?

A proposta de desenvolvimento territorial não é nenhuma política deradicalidade, e simde readequaçãoà lógicadomercado,apartirdascaracterísticas locais.Naprática,aspolíticasestruturadasapartirdoEstadoapresentamlimitesevidentese,aindaqueproponhamadescen-tralizaçãodaspolíticaseoempoderamentolocal,suasaçõesdenotamnovasestratégiasdecontroleeanexaçãodaseconomiaslocaispeloca-pitalglobalizado.

Coerentecomumaleituraaindamonológicadodesenvolvimento,apolíticadeinvestimentosdaSDTrevela-sebastanteorientadaparaim-plantaçãode infra-estrutura, aquisiçãode equipamentos e tecnologias.Ainda que o diagnóstico territorial do PTDRS do Sudoeste do Paranáaponteparaanecessidadederompercoma lógicaprodutivistaparaocampo,caudatáriadeumavisãoultrapassadadeATERcomodifusionis-motecnológico,apolíticaorçamentáriadaSDTparaoterritórioem2005e2006destinou90%dosrecursosparainvestimentoseminfra-estrutura(aquisição de máquinas, edificações, comunicação, informatização en-treoutros),eapenas10%parainvestimentoemcusteio(cursosdecapa-citação, profissionalização, educação do campo), tendência que repeteem2007(dadosdoPTDRS,2006edoCONDRAF,2007).Odiagnósticoapontatambémparaanecessidadedeaçõesestruturantes,comfortede-mandaparaformaçãoampladosagricultoreselideranças,ênfasesparaeducaçãodocampo,entreoutras.Sãoaçõesquedemandamumalógicadiferentedearticulardesenvolvimentocomnecessidadedelinhasdein-vestimentodiferenciadaserecursosdecusteio,oqueaindaestáforadasprioridadesorçamentáriasdaSDT.

Assim,sobressaiaidéiadocrescimentoeconômico,apesardodis-cursodasinter-relaçõesdimensionaiseemborasejaumapropostadede-senvolvimento territorial que se intitule como contraposição ao desen-volvimento estritamente econômico. A definição de metas e estratégiasconstruídasde formaconsensual entreosdiferentesatorese segmentosque compõem o território é um dos pontos fortes do desenvolvimentoterritorial. Como convergir interesses tão distintos, quando o motor doprocessodedesenvolvimentoéa integraçãoamercadosglobalizados?Acontradiçãolevaacrerque,aindaqueoMDAproponhaaabordagemter-ritorial,napráticaoqueseestabeleceéavisãosetorial.

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conclusão: A necessidAde de Ações estruturAntes

Paraquepolíticaspúblicasestejamemsintoniacomasdemandaspopula-resénecessárioumexercíciopermanentedefortalecimentodasestruturasde representaçãodasociedadecivil, algoque,no regimededemocraciarepresentativa,aindaencontrapoucaressonância.DiantedapropostadedesenvolvimentoterritorialintroduzidapeloMDA,asentidadesdasocie-dadecivildoSudoestedoParaná,herdeirasdaslutasemdefesadaagri-culturafamiliar,têmcomodesafiodaraportesparaummodelodegover-nança localquepermitaumequilíbrio entre integraçãoeautonomia.Énecessáriocriarumainterfacecompolíticaspúblicasecomrelaçõesdemercadomaisamplas,semabrirmãodesuaidentidade,expressanasre-desterritoriaisbaseadasemconfiança,reciprocidadeecooperação–fato-restípicosdasociabilidadedaagriculturafamiliar.

Construirumapolíticadedesenvolvimentoapartirdeumaaborda-gemterritorialexigeumaanáliseendógenadarealidade,aserrealizadapelosseusatoressociaisemarticulaçãocomoutrosatoressituados“fora”doterritório.Éfundamentalestudarecompreenderasdiferentesforçasqueimpulsionamousãoimpulsionadasnoterritório,estabelecersuasarti-culaçõesdemodoaconstituirumarededeconhecimento,deinformaçõesedepráticassociaisquebalizamodesenvolvimentoterritorial.Nessester-moséqueentendemosanecessidadeurgentedeaçõesestruturantes,quedevemprecederaimplantaçãodetecnologiaseinfra-estruturas.Apósdé-cadasdeausênciadepolíticaspúblicas,éprecisohojeinvestiremproces-sosdeformaçãoquepermitamformularumanovavisãodocampo,supe-randoavisãodorural,maiscalcadanadimensãoprodutiva.Sóassimsedaráoresgatedeummododevidaespecífico,alegitimaçãodasidentida-desedoselementosdecoesão,comsabereselógicadiferenciada.

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parte ii

perspectivas Da agroecologia e experiências no estaDo Do paraná

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AgroecologiA: limites e PersPectivAs

rosângela ap. De meDeiros hespanhol

Geógrafa,ProfessoradoscursosdeGraduaçãoePós-GraduaçãoemGeografiadaFCT/UNESPdePresidentePrudente-SP|LíderdoGrupodeEstudos“DinâmicaRe-gionaleAgropecuária”(GEDRA),cadastradonoCNPq|[email protected]

Abuscaporumavidasaudávelpressupõe,entreoutrascondições,ocon-sumodeprodutosdeboaqualidade.Essaconstatação,aliadaaumamaiorconsciênciaecológica,àcrescentedesconfiançanossistemasdeproduçãodealimentosconvencionaisemdecorrênciadeváriosproblemasocorridosrecentemente,comoadoençadavacalouca,acontaminaçãodealimen-tos,oressurgimentodafebreaftosa,aexpansãodagripeaviáriaeasmui-tasdúvidasqueaindacercamosprodutostransgênicos,temlevadoaumacrescenteexpansãodoconsumodealimentosproduzidossemoempregodeagrotóxicos.

Ocorreperguntar,afinal,oquediferenciaessesprodutosgenerica-menteidentificadoscomoorgânicos dosconvencionais?Seráquetodasasformasdeproduçãoquenãoseutilizamdeagrotóxicospodemsercaracte-rizadascomosustentáveisemmédioelongoprazo?QuaissãooslimiteseperspectivasdaAgriculturaAlternativaedaAgroecologia?

A partir dessas questões se procurou averiguar a importância daproduçãoecológicanoBrasilediscutirasvantagenseosproblemasdestetipodeproduçãorealizadaempequenaescala,bemcomoapontaralterna-tivasparaasuaexpansão.

Opresentetextoestáestruturadoemtrêspartes,alémdestaintro-dução,dasconsideraçõesfinaisedasreferências.Naprimeiraseabordou

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desenvolvimento territoriAl e AgroecologiA

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oprocessodeincorporaçãotecnológicaocorridanaagriculturaaolongodahistóriadahumanidadee,especialmente,daintensificaçãodessemo-vimento comadifusãodopacotedaRevoluçãoVerdeapósa IIGuerraMundialesuasimplicaçõessocioambientais.Nasegundaparte,ofocodasdiscussõesestevecentradonoprocessodeecologizaçãodaagriculturaeosdiferentes/divergentesinteressesnelerepresentados,bemcomoospressu-postosdaAgriculturaAlternativaedaAgroecologia.Naterceiraeúltimapartesediscutemasperspectivaseosdesafiosdossistemasdeproduçãomaissustentáveisnaagriculturadepequenaescala.

incorPorAção tecnológicA no cAmPo e imPlicAções socioAmBientAis

Aolongodahistória,oHomemdesenvolveutécnicaseinstrumentoscomointuitodecontrolaredominaraNatureza.Emrelaçãoàagricultura,hou-ve,desdeostemposmaisantigos,apreocupaçãoemdiminuiradependên-ciaemrelaçãoàNatureza,especialmentenoquedizrespeitoàfertilidadedossoloseàscondiçõesclimáticas,paraaumentaraprodução.

Apesardaexperiênciamilenardocultivoedadomesticaçãodeani-mais,odomíniosobreastécnicaseramuitoprecário,comprometendoaproduçãodegênerosalimentíciosparaapopulação.DeacordocomEhlers(1999),durantemuitosséculosoaumentodaproduçãovisandoaatenderàsnecessidadesdapopulaçãoconstituiu-senumdosmaioresdesafiosdaHumanidade,sendoafomeresponsávelpelamortedemilharesdepessoasemdiferentesmomentosdahistória.

Aconstruçãodecanaisdeirrigação,aadubaçãodossolospormeiodautilizaçãodeestercoanimal,cascaserestosdealimentoseainven-çãodeequipamentos,comoaradosemoinhos,constituemexemplosdodesenvolvimento de técnicas e de instrumentos que contribuíram paradiminuiradependênciadaagriculturaemrelaçãoànatureza,garantin-dooaumentoefetivodaproduçãodealimentos,semlevar,entretanto,àerradicaçãodafome.

Todavia,foisomentecomaagriculturamoderna,surgidanossécu-losXVIIIeXIX,emdiferentesregiõesdaEuropa,quehouveaadoçãodesistemasdecultivoqueresultaramemsignificativosaumentosdaproduti-vidade.Umadessasinovaçõesfoiarotaçãodeculturasassociadaàcriaçãodeanimaisquesubstituiuprogressivamenteatécnicadopousio,naqualumamesmaáreaeracultivadaporváriosanosininterruptos,emseguidapermanecendoporumperíodosemserutilizadaparaquepudesserecupe-rarasuafertilidadenatural.Essatécnica,noentanto,limitavaaprodução,jáquereduziaaáreadecultivo.Assim,osprodutoresruraispassaramapraticararotaçãodeculturas,ouseja,acultivarplantasdiferentesnames-maárea,técnicaque,alémdepropiciarareposiçãodosnutrientesextraí-

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rosângelA AP. de medeiros hesPAnhol

dosdosolo,possibilitouautilizaçãodetodaaáreadisponível.Arotaçãodeculturasassociadaàatividadedecriaçãotornou-sepráticacomum,sendoqueoestercoanimalpassouaseramplamenteutilizadonaadubaçãoor-gânicadosolo.

ComaSegundaRevoluçãoIndustrialocorridanosEstadosUnidosnofinaldoséculoXIXeiníciodoXX,foramcriadasascondiçõesparaqueasdescobertascientíficasetecnológicas,queatéentãoseconcentravamnosetorindustrial,atingissemaagricultura.Entreestasinovaçõestecnológi-casdestacaram-se:a)omelhoramentogenéticodeespéciesvegetaisedosrebanhos;b)autilizaçãodefertilizantesquímicos;ec)amecanizaçãodasatividadesagrícolas.

Aintroduçãoeaexpansãodessastecnologiaslevaramaoabandonoprogressivodosistemaderotaçãodeculturaseàseparaçãoentreaprodu-çãovegetaleanimal,aomesmotempoemquepossibilitaramaampliaçãodaescaladeprodução,aumentandoadisponibilidadedealimentosedematérias-primas.

AsnovasinvençõesquederamsustentaçãoàSegundaRevoluçãoIn-dustrialrepercutiramfortementenaagricultura,especialmentenoquedizrespeitoaousodomotordecombustãointernaeàutilizaçãodotratoredoaradodetraçãomecânicaemsubstituiçãoàtraçãoanimal.

Aadoçãodeinovaçõestecnológicaspelaagriculturaprovocouoau-mentodasuadependênciaemrelaçãoaosetorindustrial,jáqueelapassouademandarcrescentementemáquinas,implementoseinsumosquímicos.

Esseprocessodeincorporaçãotecnológica,queinicialmenteesteveconcentradonospaísesdesenvolvidos,foiexpandido,apartirdaIIGuer-raMundial,paraváriospaísessubdesenvolvidos,comadenominaçãodeRevoluçãoVerde.

ParaMartine eGarcia (1987), opacote tecnológicodaRevoluçãoVerdeeracompostodesementesmelhoradas,demecanização,deinsumosquímicosebiológicoseprometiaviabilizaramodernizaçãoagropecuáriadequalquerpaís,aumentandoasuaprodução,pormeiodesuapadroniza-çãoembasesindustriais.

Segundoestesautores,paramuitospaísessubdesenvolvidosaadoçãodessepacotetecnológicorepresentavaapossibilidade,porumlado,dealcan-çarrapidamenteaauto-suficiênciaalimentare,poroutro,degeraraprodu-çãodeumexcedenteagrícolanegociávelnomercadoexterno,repercutindopositivamenteemtodosossetoresdaeconomia,emparticularnoindustrial.

NoBrasil,aincorporaçãodopacotetecnológicodaRevoluçãoVer-de,denominadode“modernizaçãodaagricultura”,seintensificouapar-tirdemeadosdosanos1960,emplenoperíododeditaduramilitar.Nessecontexto,os interessesda tríplicealiança formadapeloEstado,grandesempresasdecapitalnacionaleinternacionalforamfundamentaisparaaconsolidaçãodesseprocesso.

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OEstadobrasileirocriouumaparatoinstitucionalaltamentefavo-rávelàmodernizaçãodaagricultura,destacando-seasuaatuaçãoemvá-riasesferas,queimplicaram:

a) acriaçãodoEstatutodosTrabalhadoresRurais(1963)edoEstatutodaTerra(1964);

b) aconcessãodecréditosubsidiadopormeiodoSistemaNacionaldeCréditoRural(1965);

c) oinvestimentoempesquisaagronômicaeextensãorural,favorecen-doadisseminaçãodomodeloprodutivista;

d) apolíticafundiária,valorizandoapropriedadeprivadaatreladaaomercadodeterrase,aomesmotempo,controlandoouintervindonosmovimentossociaisdetrabalhadoresrurais.

Orápidoprocessodeadoçãodeinovaçõestecnológicasnaagricul-turaeaintensificaçãodaconcentraçãofundiáriaprovocaramoêxododemilharesdecolonos,parceiros,arrendatáriosepequenosproprietáriosdeterras,osquaissedeslocaramtantoparaasnovasregiõesdefronteiraagrí-coladoCentro-OesteeNorte,quantoparaoscentrosurbanosmaisindus-trializados,principalmenteSãoPauloeRiodeJaneiro.

Odesencadeamentodessesprocessos,porsuavez,gerouumgrandecontingentedetrabalhadoresassalariadostemporáriosemvirtudedame-canizaçãodasatividadesagrícolastersedadodemaneiraparcial,ouseja,concentrando-seemalgumasfasesdoprocessoprodutivo,especialmentenacolheita,quandohámaiornecessidadedemão-de-obra.

Destaca-setambémqueparcelasignificativadessestrabalhadores,aonãoserabsorvidapelomercadodetrabalhourbanoouficardesempre-gadaaosersubstituídapormáquinasnasatividadesagrícolas,passouaseorganizaremmovimentossociais,comooMovimentodosTrabalhadoresRuraisSemTerra(MST),reivindicandooacessoàterrapormeiodareali-zaçãodareformaagrária.

Amodernizaçãodaagricultura,alémdasimplicaçõessociaisnegativas,provocouoagravamentodosproblemasambientaisderivadosdacompacta-çãodossolosemrazãodaintensamecanizaçãodasatividadesagropecuáriasedautilizaçãoindiscriminadadeagrotóxicos.Dessaforma,tornaram-sefre-qüentes,apartirdosanos1970,“oscasosdecontaminaçãodetrabalhadoresrurais,dosrecursoshídricos,dossolosedascadeiasalimentares,incluindoosanimais,osalimentoseoprópriohomem”(EHLERS,1999,p.41).

Apartirdosanos1980houveoesgotamentodopadrãodemoderni-zaçãodaagriculturabrasileira.OEstadobrasileiro,grandefinanciadordetodooprocessodemodernizaçãopormeiodoestabelecimentodepolíticasagrícolasedadisponibilizaçãoderecursosfinanceiros,passouaenfrentarumagravecrisefiscal,tornando-seincapazdecontinuarsubsidiandotodo

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essemovimento.Aagriculturaconvencional,grandeabsorvedorademá-quinas,implementoseinsumosquímicos,começouaserduramentecriti-cadapelosmovimentossociaiseambientalistas,osquaispassaramade-monstraranocividadedopacotetecnológicodarevoluçãoverdeaosolo,àágua,àatmosfera,aosanimaiseàprópriasaúdeebem-estardohomem.

Tornam-se, então,mais significativasalgumas formasalternativasdeproduçãoqueempregammenosinsumosexternoseque,emconseqüên-cia,agridemmenosomeioambiente.Parceladosconsumidores,sobretu-doaquelesmaissensibilizadoscomosproblemasambientais,commaiorgraudeescolarizaçãoecommaiorpoderaquisitivo,passamavalorizarosprodutos genericamente denominados de orgânicos, surgindo novos ni-chosdemercadoquepassaramaseratendidosporprodutoresruraisquesubstituíram ou abandonaram o sistema convencional de produção poroutrosmenosagressivosaomeioambienteeaohomem1.

Nãoobstanteessamudança,aindaemcurso,deve-seressaltarqueascommoditiesagrícolas,comoasoja,acana-de-açúcarealaranja,quesãoproduzidasemlargaescala,continuamutilizandoamplamenteomo-deloconvencionaldeprodução,consubstanciadonaintensautilizaçãodemáquinas,implementos,insumosquímicosedetodaaparafernáliatecno-lógicacolocadaàdisposiçãodaagriculturapelasempresasmultinacionaisqueoperamemâmbitoglobal.

“ecologizAção” dA AgriculturA: diFerentes interesses envolvidos

Buttel(1995),aoanalisarahistóriadaagriculturaemnívelmundialnosúltimoscemanos, identificoudoisprocessosdistintosqueamarcaram,denominando-osdetransiçõesagroecológicas2:oprimeiromarcodessasmudançasfoiaRevoluçãoVerdeeosegundo,oatualprocessodeecologi-zaçãodaagricultura.

OpacotetecnológicodaRevoluçãoVerdefoidifundidoinicialmentenospaísesdesenvolvidose,posteriormente,nossubdesenvolvidos.NocasodoBrasil,emparticular,ochamadoprocessode“modernizaçãoconserva-doradaagricultura”,se,porumlado,levouaumaumentodaprodutivida-dedealgumaslavouras,sobretudodaquelasdestinadasàexportação,aosetoragroindustriale/ouàproduçãodebiocombustíveis,poroutroresul-tounoagravamentodediversosproblemas,comoenfatizamMuller;Lova-toeMussoi(2003,p.103):

1 Cabedestacar tambémnesseprocessoapresençados “neorurais”, istoé, indivíduosqueexercematividadesurbanas(comoautônomos,funcionáriospúblicos,empresáriosetc.)queoptarampordedicar-seàproduçãoecológica.

2 Atransiçãoagroecológicapodeserdefinidacomooprocessogradualdemudançaatravésdotemponasformasdemanejoegestãodosagroecossistemas,tendocomoobjetivoapas-sagemdeumsistemadeproduçãoparaoutro.

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Alémdoaltocustoeconômicodesuamanutenção,aexploraçãoexcessivadabasedosrecursosnaturaislevouacrescentesníveisdedegradaçãoeesgota-mentodossolos,poluiçãodaságuas,intoxicaçõesecontaminaçõesdeagri-cultoresporagrotóxicos,alémdeperdadebiodiversidade.Poroutrolado,aspolíticasdedesenvolvimentoagrícolaqueviabilizaramaimplementaçãodestemodelotecnológicoforamdirecionadasàmodernizaçãodasgrandespropriedades,aprofundandoaindamaisasdesigualdadeseaexclusãosocialnomeiorural,principalmenteemsetratandodosagricultoresfamiliares.

Comoaprofundamentodosefeitossociaiseambientaisnosúltimos30anos,intensificou-se,emescalamundial,oquestionamentoaomodelodeagriculturaprodutivista,dandoinícioàsegundatransiçãoagroecológi-ca,que,iniciadanofinaldoséculoXXémarcadapelocrescentequestiona-mentosobreasustentabilidadedomodeloprodutivistapropugnadopelaRevoluçãoVerdee,atéentão,dominante,agravandosuacrise.Emconse-qüência,háaintroduçãodevaloresambientaisnaspráticasagrícolas,naopiniãopúblicaenaagendapolítica(BUTTEL,1995),aomesmotempoemqueseabreapossibilidadedeexpansãodeformasdeproduçãoquetêmcomoprincípiofundamentalumarelaçãoderespeitocomaNaturezaeque,portanto,seriammaissustentáveisemmédioelongoprazos.

Asprincipaisdiferençasentreaagriculturasustentáveleaconven-cional,emtermostecnológicos,socioeconômicoseecológicos,podemservisualizadasnoQuadro1.

Essecrescenteprocessodeincorporaçãodepreocupaçõesambien-taisemrelaçãoàagriculturafomentouadiscussãoelevouàformulaçãodeperspectivasdeanáliseedeintervençãoantagônicaseconflitantesentresieque,emúltimainstância,refletemdiferentes interesseseposiciona-mentossobreosmodelosdedesenvolvimentodospaísesesobreaprópriasustentabilidade.Nessesentido,procurou-seidentificarpelomenosduasdessasperspectivas:

a)aqueaindaconcebeodesenvolvimentocientífico-tecnológicocomoaúnicaviacapazderesolverosproblemasderivadosdaescassezdealimentosedoesgotamentodosrecursosnaturais;

b)aquelasqueseopõemaestaperspectivatecnológicaepropõemfor-masmaissustentáveis,quepoderiamseragrupadassobadenomi-naçãodeAgriculturaAlternativa,comopormeiodaAgroecologia3queépropostacomoum“enfoquecientíficodestinadoaapoiaratransiçãodosatuaismodelosdedesenvolvimentoruraledeagricul-turaconvencionalparaestilosdedesenvolvimentoruraleagricultu-rasustentáveis(CAPORAL;COSTABEBER,2002,p.71).

3 Deve-sedestacarque,sobestaperspectiva,háatualmenteumimportantesegmentodapes-quisaedaexperimentaçãoemAgroecologiaqueaindaseconcentraemaspectosagronômi-cos,ouseja,vinculadosaosaspectostecnológicosdaproduçãoagropecuária.

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Quadro 1 – Principais diferenças entre Agricultura Sustentável e Convencional

Agricultura Sustentável Agricultura Convencional

Aspectos Tecnológicos

1. Adapta-se às diversas condições regionais, aproveitando os recursos locais.2. Atua considerando o agrossistema como um todo, procurando antever as possíveis conseqüências da adoção das técnicas. O manejo do solo visa a sua movimentação mínima, conservando a fauna e a flora.3. As práticas adotadas visam a estimular a atividade biológica do solo.

1. Desconsideram-se as condições locais, impondo pacotes tecnológicos.2. Atua diretamente sobre os indivíduos produtivos, visando somente ao aumento da produção e da produtividade.3. O manejo do solo, com intensa movimentação, desconsidera sua atividade orgânica e biológica.

Aspectos Ecológicos

1. Grande diversificação. Policultura e/ou rotação.2. Integra, sustenta e intensifica as interações biológicas.3. Agrossistemas formados por indivíduos de potencial produtivo alto ou médio e com relativa resistência às variações das condições ambientais.

1. Pouca diversificação. Predominância de monoculturas.2. Reduz e simplifica as interações biológicas.3. Sistemas pouco estáveis, com grandes possibilidades de desequilíbrios.4. Formado por indivíduos com alto potencial produtivo, que necessitam de condições especiais para produzir e são altamente suscetíveis às variações ambientais.

Aspectos Socioeconômicos

1. Retorno econômico em médio e longo prazo, com elevado objetivo social.2. Relação capital/homem baixa.3. Alta eficiência energética. Grande parte da energia introduzida é produzida e reciclada.4. Alimentos de alto valor biológico e sem resíduos químicos.

1. Rápido retorno econômico, com objetivo social de classe.2. Maior relação capital/homem.3. Baixa eficiência energética. A maior parte da energia gasta no processo produtivo é introduzida e, é, em grande parte, dissipada.4. Alimentos de menor valor biológico e com resíduos químicos.

Fonte:SistematizadoporCarmo(1998).

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Emrelaçãoàprimeiraperspectiva,tambémdenominadade“dupla-menteverde”,odesenvolvimentotecnológicogarantiriaosatuaisníveisdeprodutividadeobtidosnaagriculturaconvencional,minimizandoosefei-tosambientaisdaRevoluçãoVerdepormeiodaadoçãodenovastecnolo-gias,comoporexemplo,abiotecnologiaeosprodutostransgênicos.Paraasempresastransnacionaisquetêmseusinteresseseconômicosestrutu-radosnopadrãoprodutivistadaagricultura,essaperspectivaéperfeita-mentecompatívelcomoatualmodelo,devendoapenasserpraticadacommaioreficiênciaeracionalidadeemtermosambientais.

DeacordocomEhlers(1995,p.16),essaperspectiva

[...]refere-seaumconjuntodepráticasbemdefinidas,quepodemserjulga-dascomomaisoumenossustentáveis,conformeasprevisõessobreadura-bilidadedosrecursosnaturaisqueempregam.Areduçãodousodeinsumosindustriais (low input agriculture),aaplicaçãomaiseficienteoumesmoasubstituiçãodosagroquímicospor insumosbiológicosoubiotecnológicosseriamsuficientesparaaconsolidaçãodonovoparadigma(dasustentabi-lidade).Nessecaso,aagriculturasustentáveléalgobemmaispalpável,umobjetivodecurtoprazo.

A ideologiasubjacenteaestaperspectivapoderiaserresumidadaseguinteforma:mudaraspráticas(oupartedestas)parasemanteroatualpadrãoprodutivistadaagriculturae, sobretudo,o interessedasgrandescorporaçõestransnacionais.

Paraas tendênciasdiscordantesdestaperspectiva tecnológica, re-presentadas, sobretudo, pelas organizações não-governamentais e pelosmovimentosambientalistas,aúnicaformadesegarantirasustentabilida-dedaagriculturaépormeiodapromoçãode:

[...] transformações sociais, econômicas e ambientais em todo o sistemaagroalimentar.Aerradicaçãodafomeedamiséria,apromoçãodemelho-riasnaqualidadedevidaparacentenasdemilhõesdehabitantes,ademo-cratizaçãodousoda terraoumesmoaconsolidaçãodeumaética socialmais igualitáriasãoalgunsdosdesafioscontidosnanoçãodedesenvolvi-mentoedeagriculturasustentável(EHLERS,1995,p.16).

NessasperspectivasquetêmcomofococentralasustentabilidadeéquepoderíamosinserirachamadaAgriculturaAlternativaeaAgroecolo-gia,asquais,emboratenhamsurgidoinicialmentedeformamarginaleemcontraposiçãoàagriculturaconvencionalouprodutivista,apresentam-seemexpansão.

Assim,apesardopredomíniodopadrãoprodutivistadaagriculturanosEstadosUnidosenaEuropadesdeoiníciodoséculoXX,persistiramfocosderesistênciaàadoçãodasinovaçõestecnológicaspormeiodepes-quisadoresegruposdeprodutoresruraisqueutilizavampráticasdeculti-voquevalorizavamafertilizaçãoorgânicadossoloseopotencialbiológicodosprocessosprodutivos(EHLERS,1999).

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Duranteváriasdécadas,essesgruposdefensoresdachamadaAgri-culturaAlternativapersistiramemalgunspontosdaEuropa,dosEstadosUnidosedo Japão, sendohostilizados tantopela comunidadecientíficainternacionalcomopelosetorprodutivoagrícola,mantendo-se,porisso,àmargemnocenárioagrícolamundial(EHLERS,1999).

Todavia, fatores como o agravamento dos problemas ambientais(erosãodossolos),acrescentecontaminação(dosrecursoshídricos,dosalimentos,dohomemedosanimais),asperdasimpostasàbiodiversidadegenética(dentreoutros),associadosàpressãodaopiniãopública,manifes-tada,sobretudo,pormeiodamídiaedasorganizaçõesnão-governamen-tais(ONGs),forçaramadiscussão,emâmbitomundial,denovosparâme-trosparasepensarodesenvolvimento4edenovasformasdeseproduzirnocampo.

Nesse contexto, abriram-se novas perspectivas em termos de ex-pansão das formas alternativas de agricultura que, a partir dos anos1980, com o fortalecimento da noção de desenvolvimento sustentável,passaramaseragrupadassobadenominaçãodeagriculturasustentável(EHLERS,1999).

NaopiniãodePaschoal(1995),otermoagricultura alternativanãoexpressariaumnovomodeloouumafilosofiadeagricultura,mas“tãoso-menteumaterminologiaútilparareunirtodososmodelosquetêmidên-ticos propósitos e técnicas semelhantes, que não se identificam com osintentospuramenteeconômicos,imediatistasepoucocientíficosdaagri-culturaquímico-industrial”(PASCHOAL,1995,p.14).

Valeconsiderar,entretanto,que,emborainicialmenteosgruposde-fensoresepraticantesdaagriculturaalternativaestivessemmaiscentra-dosnapreservaçãodosrecursosnaturaisenaqualidadedosalimentosedavidahumana,houveprogressivamenteaincorporaçãoeaampliaçãodesuaspreocupaçõesemtermosdesustentabilidade,enfatizando,porexem-plo,aimportânciadosaspectossociaiseculturais.

Osprotagonistaseosprincípiosnorteadoresdessasvárias formasdeproduçãoenglobadassobadenominaçãodeAgriculturaAlternativasãoapresentadosnoQuadro2.

4 UmmarcodessasdiscussõesfoiarealizaçãodaPrimeiraConferênciaMundialsobreMeioAmbientequeocorreuemEstocolmonoanode1972.Nesseevento,“aconcepçãodesen-volvimentistapassouasercombatida,cedendoespaço,noplanodasdiscussões,aoeco-desenvolvimentoe,apartirdemeadosdosanos1980,aodesenvolvimentosustentável”(HESPANHOL,2006,p.01).

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Quadro 2 – Principais formas de “Agricultura Alternativa”: protagonistas e princípios básicos

Principais protagonistas e seguidores Princípios básicos e alcance

Agricultura Orgânica

Albert Howard: desenvolve pesquisas na Índia (anos 1920); publica An agricultural testament na Inglaterra (1940). Técnicas aprimoradas por L. E. Balfour (Método Howard-Balfour). Introduzida nos EUA por J. I. Rodale (anos 1930). Outros: N. Lampkin (1990).

Princípios: Uso de composto, plantas de raízes profundas, atuação de micorrizas na saúde dos cultivos. Difundida em vários continentes. O IFOAM – International Federation of Organic Agriculture Movements - atua na harmonização de normas técnicas, certificação de produtos e intercâmbio de informações e experiências.

Agricultura Biodinâmica

Rudolf Steiner desenvolve uma série de conferências para agricultores na Alemanha (anos 1920) e estabelece os fundamentos básicos da biodinâmica. Pesquisas práticas realizadas nos EUA, Alemanha e Suíça (p.e. PFEIFFER,1938; KOEPF, SHAUMANN; PETTERSON, 1974).

Princípios: Antroposofia (ciência espiritual), preparados biodinâmicos, calendário astrológico; possui marcas registradas (Demeter y Biodyn). Muito difundida na Europa. Presente no Brasil: Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural, Estância Demétria e Instituto Verde Vida.

Agricultura Natural

Mokiti Okada: Funda a Igreja Messiânica e estabelece as bases da agricultura natural; M. Fukuoka: Método semelhante, porém afastado do caráter religioso (Japão, anos 1930). As idéias de Fukuoka se difundiram na Austrália como Permacultura, através de B. Mollison (1978).

Princípios: Composto com vegetais (inoculados com “microorganismos eficientes”), valores religiosos e filosófico-éticos. Movimento organizado pela MOA-International e WSAA (EUA). Shiro Miyasaka dirige a atuação da MOA no Brasil.

Agricultura Biológica

Inicia-se com o método de Lemaire-Boucher (França, anos 1960). Grupo dissidente funda a “Nature et Progrès”. Grande influência do investigador francês Claude Aubert, que critica o modelo convencional e apresenta os fundamentos básicos de L’agriculture biologique (1974).

Princípios: A saúde dos cultivos e alimentos depende da saúde dos solos; ênfase no manejo de solos e na rotação de cultivos. Influenciada pelas idéias de A. Voisin e pela Teoria da Trofobiose (Chaboussou, 1980). Difundida na França, Suíça, Bélgica e Itália.

Agricultura Ecológica

Surge nos EUA (anos 1970), estimulada pelo movimento ecológico e influenciada por trabalhos de Rachel Carson, W.A. Albrecht, S.B. Hill, E.F. Schumacher. Na Alemanha recebeu importante contribuição teórico-filosófica e prática do professor H. Vogtmann (Universidade de Kassel): Ökologicshe Landbau (1992).

Princípios: Conceito de agroecossistema, métodos ecológicos de análise de sistemas; tecnologias suaves, fontes alternativas de energia. Está difundida em vários países. Sua introdução no Brasil está ligada a J.A. Lutzenberger, L.C. Pinheiro Machado, A.M. Primavesi, A.D. Paschoal e S. Pinheiro, dentre outros.

Fonte:ElaboradoporCAPORAL(1998,p.47).

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Apesardasdiferençasemtermosdeprincípiosealcance,háalgu-maspráticasquesãocomunsnessasváriasformasdeprodução,podendo-sedestacar:

a)reciclagemdosrecursosnaturaispresentesnapropriedadeagrícola,emqueosolosetornamaisfértilpelaaçãobenéficadosmicrorganismos[...]quedecompõemamatériaorgânicae liberamnutrientesparaasplantas;b)compostagemetransformaçãoderesíduosvegetaisemhúmusnosolo;c)preferênciaaousoderochasmoídas,semi-solubilizadasoutratadaster-micamente,combaixaconcentraçãodenutrientesprontamentehidrossolú-veis,sendopermitidaacorreçãodaacidezdosolo[...];d)coberturavegetalmortaevivadosolo;e)diversificaçãoeintegraçãodeexploraçõesvegetais(incluindoasflorestas)eanimais;f)usodeestercoanimal;g)usodebio-fertilizantes; h) rotação e consorciação de culturas; i) adubação verde; j)controlebiológicodepragasefitopatógenos,comexclusãodousodeagro-tóxicos;k)usodecaldastradicionais(bordalesa,viçosaesulfocálcica)nocontroledefitopatógenos;l)usodemétodosmecânicos,físicosevegetativosedeextratosdeplantasnocontroledepragasefotopatógenos,apoiando-senosprincípiosdomanejointegrado;m)eliminaçãodousodereguladoresdecrescimentoeaditivossintéticosnanutriçãoanimal;n)opçãogermoplas-masvegetaiseanimaisadequadosacadarealidadeecológica;eo)usodequebra-ventos(CAMPANHOLA;VALARINI,2001,p.70).

Assim,devidoaessaspráticascomunse,sobretudo,aofundamentoqueasoriginaram,ouseja,omaiorrespeitoànatureza,existe,deacordocomDulley(2003,p.98),

[...]umentendimentoharmoniosoentreasdiversascorrentes,nosentidodequeofortalecimentodaideologiaedosetordependedauniãoedotraba-lhoconjuntodeagricultores,consumidores,processadoresecomerciantes.Paraisso,sãoestabelecidosacordossobreoscritérioscomunsadotadosportodosossegmentos,comojáocorre,porexemplo,nocasodeumreconhe-cimentoporpartedoEstado,deorganizações/empresas certificadorasdeprodutosorgânicos.

Dessa forma, o Estado brasileiro, ao regulamentar5 esse sistemade produção, adotou a denominação genérica de orgânico, tornando asdemais denominações (biodinâmica, natural, biológicas, ecológica etc.)comoequivalentes.Esseprocedimentotambémfoiadotadoporduasdasmaisimportantescertificadorasdeprodutosorgânicosdopaís:oInstitu-toBiodinâmicodeDesenvolvimento(IBD)eaCertificadoraMokitiOkada(DULLEY,2003).

EmrelaçãoàAgroecologia,estaédefinidaporAltieri(1995a)comociênciaoudisciplinacientíficaqueapresentaumasériedeprincípios,con-ceitosemetodologiasparaestudar,analisar,dirigireavaliar agroecossis-

5 DeacordocomaInstruçãoNormativanº7deMaiode1999doMinistériodaAgricultura,PecuáriaeAbastecimentoeaLeinº10831de23deDezembrode2003.

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temas,comoobjetivodefavoreceraimplantaçãoeodesenvolvimentodesistemas de produção com maiores níveis de sustentabilidade. Entendi-dadestaforma,aAgroecologiapoderiaproporcionarasbasescientíficasparaseapoiaroprocessodetransiçãoagroecológicaparaoutrasformasdeagriculturasustentáveis,taiscomo:aecológica,aorgânica,abiodinâmica,aregenerativa,adebaixosinsumosexternos,abiológicaetc.

ComoobservaAltieri(1995a),nãosepodeconfundiraAgroecolo-gia, entendida como uma disciplina científica ou ciência, com práticas,tecnologiasagrícolasousistemasdeproduçãoquepoderiamserengloba-dossobadenominaçãodeagriculturasalternativas,pois,comoenfatizamCostabebereCaporal(2001,p.20),combaseemAltieri(1989e1995b),emboraaAgroecologiaenfoqueaagriculturanumaperspectivaecológica,elanãoselimita:

[...]aabordarosaspectosmeramenteecológicosouagronômicosdaprodu-ção,umavezquesuapreocupaçãofundamentalestáorientadaacompreen-derosprocessosprodutivosdeumamaneiramaisampla.Istoé,encaraosagroecossistemascomounidadefundamentaldeestudo,ondeosciclosmi-nerais,astransformaçõesenergéticas,osprocessosbiológicoseasrelaçõessocioeconômicassãoinvestigadaseanalisadasemseuconjunto.Ditodeou-tromodo,apesquisaagroecológicapreocupa-senãocomamaximizaçãodaproduçãodeumaatividadeemparticular,massimcomaotimizaçãodoagroecossistemacomoumtodo,oqueimplicaumamaiorênfasenoconhe-cimento,naanáliseenainterpretaçãodascomplexasinteraçõesexistentesentreaspessoas,oscultivos,ossoloseosanimais.

Nessa perspectiva, caberia à Agroecologia, apreendida como umconjuntodeconhecimentos,contribuirtantoparaarealizaçãodeanálisescríticassobreaagriculturaprodutivistaquantopara“[...]orientarocorre-toredesenhoeoadequadomanejodeagroecossistemas,naperspectivadasustentabilidade”(CAPORAL;COSTABEBER,2002,p.16).

Todavia,comoobservamMoreiraeCarmo(2004,p.55):

Aconcretizaçãodaagroecologianãosedarácomfacilidade,vistoqueelapressupõeaconstruçãodeumanovaciênciacomprometidacomosinteres-sessociaiseecológicosdosmovimentospopularesecomaarticulaçãoen-treciênciassociaisenaturaisnacompreensãodosproblemassocioambien-taisdaatualidade,buscandocadavezmaissoluçõesrealmentesustentáveis.Pressupõe,ainda,umenfrentamentopolíticocomosinteresseseconômicosquedominaramodesenvolvimentodocapitalismoindustrialnaagriculturaduranteosúltimos130anos.

AlémdestasdificuldadesdecunhogeralrelacionadasàAgroecolo-gia,háoutrasquepoderiamserdestacadastambémemrelaçãoàsdiversasformasdeproduçãodaAgriculturaAlternativa.Nãoobstanteessasdificul-dadesháquesedestacaraimportânciadessasperspectivasemtermosdesustentabilidadesocioambiental,sobretudoparaaquelesquedesenvolvem

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aagriculturaempequenaspropriedadesruraisoudepequenaescala,po-dendoseconstituirnolocusidealaodesenvolvimentodesistemasdepro-duçãomaissustentáveis.

agricultura sustentável De pequena escala: perspectivas e Desafios

Aadoçãodelegislaçãoespecíficapelogovernobrasileirovisandoàregula-mentaçãodaproduçãoorgânicaesuacertificaçãoocorreuemvirtudedoaumentodademandaporessesprodutosnomercadointerno.DeacordocomCampanholaeValarini(2001,p.72-73),pelomenoscincorazões6po-demserapontadasparaseentenderaampliaçãodomercadodeprodutosorgânicosnoBrasil:

Aprimeira équeesta tenhapartidodospróprios consumidores,preocu-padoscomasuasaúdeoucomoriscodaingestãodealimentosquecon-tenham resíduos de agrotóxicos [...]. A segunda razão é que a demandatenhaseoriginadodomovimentoambientalistaorganizado,representadoporváriasONGspreocupadascomaconservaçãodomeioambiente,tendoalgumasdelasatuadonacertificaçãoenaaberturadeespaçosparaacomer-cializaçãodeprodutosorgânicospelosprópriosagricultores[...].Aterceiraseriaresultadodainfluênciadeseitasreligiosas,comoaIgrejaMessiânica,quedefendemoequilíbrioespiritualdohomempormeiodaingestãodeali-mentossaudáveiseproduzidosemharmoniacomanatureza.Aquarta ra-zão[...]teriacomoorigemosgruposorganizadoscontráriosaodomíniodaagriculturamodernaporgrandescorporaçõestransnacionais[...].Eoquin-tomotivoseriaresultadodautilizaçãodeferramentasde“marketing”pelasgrandesredesdesupermercados,por influênciadospaísesdesenvolvidos,que teriam induzido demandas por produtos orgânicos em determinadosgruposdeconsumidores(grifosnossos).

Esseaumentodademandaporprodutosorgânicosnopaísrefle-te,decertaforma,umprocessomaisgeralemtermosmundiaisasso-ciadoàpreocupaçãocomaqualidadedosalimentosconsumidosecomasaúde,decorrentedocrescimentodaconsciênciaecológicaaliadaàdesconfiança no sistema de produção e de distribuição de alimentosconvencionais.

Assim,comoobservaramWillereYussefi(2001)apudCamargoet al.(2004),aconversãodeunidadesprodutivasdosistemaconvencionalparaoorgânicoentreosanosde1986e1996foiampliadaem30,0%aoano.

6 Segundoestesautores,“édifícilidentificarquaisdessascausasforammaisrelevantesnoaumentodomercadodeprodutosorgânicosnopaíse,portanto,émaissensatosuporquehouveumacom-binaçãodelas,nãosedescartando,porém,queemalgumaslocalidadesouregiõespossaterhavidomaiorinfluênciadeumasdoqueoutras”(CAMPANHOLA;VALARINI,2001,p.73).

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Aáreatotalcultivadacomprodutosorgânicosnomundoem2003erade23milhõesdehectares,abarcandomaisde460milpropriedadesru-rais,oque,entretanto,representavapoucomenosde1%dototaldasterrascomlavourasepastagensdomundo.Essaáreaocupadanosistemaorgâ-nicoencontrava-seassimdistribuída:46,3%naOceania;22,6%naEuropa;20,8%naAméricaLatina;6,7%naAméricadoNorte;2,6%naÁsia;e,1,0%naÁfrica(WILLER;YUSSEFI,2004).

Emtermosdepaíses,amaiorparceladasáreasutilizadasnosis-temaorgânicoestavalocalizadanaAustrália(10,5milhõesdehectares),Argentina(3,2milhõesdehectares)eItália(cercade1,2milhãodehec-tares)7.

ApesardamaiorparticipaçãoemtermosdeáreadaOceania/Aus-trália,aEuropasedestacouem2003pelomaiornúmerodeprodutoresenvolvidosnosistemaorgânico,querepresentavam44,1%dototalmun-dial8,pelaimportânciadoseumercadoconsumidorepelagrandediver-sidade de seus produtos. Cabe ressaltar que essa expansão do sistemaorgânico em vários países europeus, como Itália, Alemanha, França eReinoUnido,porexemplo,deveu-seàconjugaçãodeváriosfatores,taiscomo:oincentivofinanceiroconcedidoaosprodutoresruraispormeiodepolíticaspúblicas;adisponibilidadeeaeficiênciadasinformaçõesaosprodutoreseaosconsumidores;oacessoeadisponibilidadedeprodutosorgânicos;opapeldomarketing(logomarca)esuaproteçãolegal;eaim-plementaçãodeumplanodedesenvolvimentoparaagriculturaorgânica.(DAROLT,2003).

EmrelaçãoaoBrasil,estima-sequeem2001aáreautilizadacomosistemaorgânicoerade275,6milhectares(0,08%dototal),distribuídosem15milpropriedadesrurais(DAROLT,2003).

Noanode2006,oMinistériodaAgricultura,PecuáriaeAbasteci-mento(MAPA)divulgouumdiagnósticodopaís,noqualseconstatouque800milhectares9eramutilizadosnosistemaorgânico,envolvendocercade15milprodutores.Adistribuiçãodaáreaedonúmerodeprodutoresor-gânicossegundoasregiõesbrasileiraspodeserverificadanaTabela1.

7 “Éimportantedestacarqueospaísesquetêmomaiorpercentualdeáreasobmanejoorgâ-nicoemrelaçãoàáreatotaldestinadaàagricultura,computamtambémaáreadepastagem.Assim,porexemplo,empaísescomoaAustráliaeArgentina,maisde90%daáreadeprodu-çãoorgânicacorrespondemàáreasdepastagem.OmesmoacontecenospaísesdaEuropa:naÁustria80%daáreaorgânicareferem-seàpastagem;naHolanda,56%;naItália,47%,enoReinoUnido79%.”(DAROLT,2003,p.01).

8 Emtermosdaparticipaçãodeprodutoresnosistemaorgânico,adistribuiçãoéaseguinte:Europa,com44,1%,Ásiacom15,1%,AméricaLatinacom19,0%,AméricadoNortecom11,3%,Áfricacom9,9%eOceaniacomapenas0,6%.

9 Essetotalserefereapenasàsáreascultivadascomlavouraseocupadaspelaspastagens,nãosereferindoàsáreasdeflorestas(nativasouplantadas).

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Tabela 1 - Sistema Orgânico no Brasil: área cultivada e número de produtores – 2006

RegiõesÁrea

(em ha)%

Número de Produtores

%Área Média

(Em ha)

Norte 8.000 1,0 600 4,0 13,3

Nordeste 72.000 9,0 1.950 13,0 36,9

Sudeste 80.000 10,0 1.500 10,0 53,3

Sul 120.000 15,0 10.200 68,0 11,7

Centro-Oeste 520.000 65,0 750 5,0 693,3

TOTAL 800.000 100,0 15.000 100,0 53,3

Fonte:MinistériodaAgricultura,PecuáriaeAbastecimento–2006.

Nesta tabeladestaca-seaRegiãoCentro-Oesteemtermosdeáreacomosistemaorgânico,emboraonúmerodeprodutoresenvolvidossejarelativamentepequenoeaáreamédiaocupadasejaelevada(693,3hecta-res),oquedenotaapresençadeproduçãoemlargaescala.Nessesentido,torna-sepertinentequestionar:seráqueestetipodeproduçãocaracteri-zadocomoorgânicopeloreferidoestudopodeserconsideradocomosus-tentávelnaperspectivadaAgroecologia?Aproduçãorealizadaemlargaescala,combasenamonocultura,adotandopráticasalternativascomoomanejointegradodepragas,oplantiodiretoeoempregodematériaorgâ-nicaparaafertilizaçãodaslavouraspodemserefetivamentesustentáveisemmédioelongoprazo?

DeacordocomCaporaleCostabeber(2002),umaagriculturaver-dadeiramentedebase ecológicanãopode se restringir apenasàpreo-cupação ambiental, sendo fundamental incorporar outras dimensões,comoasocial,aeconômica,acultural,apolíticaeaética.Segundoes-sesautores,

[...] enquantoacorrenteagroecológicadefendeumaagriculturadebaseecológica que se justifique pelos seus méritos intrínsecos ao incorporarsempreaidéiadejustiçasocialeproteçãoambiental,independentemen-tedorótulocomercialdoprodutoquegeraoudonichodemercadoquevenha a conquistar, outras propõem uma “agricultura ecologizada”, queseorientaexclusivamentepelomercadoepelaexpectativadeumprêmioeconômicoquepossaseralcançadonumdeterminadoperíodohistórico,oquenãogarantesuasustentabilidadenomédioelongoprazos(CAPORAL;COSTABEBER,2002,p.81).

ARegiãoSul,porsuavez,comasegundamaioráreaocupadacomaproduçãoorgânicanopaís,temomaisexpressivonúmerodeproduto-reseamenoráreamédiacultivada,oqueacaracterizacomodepequenaescaladeprodução.AimportânciaassumidapelaproduçãoorgânicanaRegiãoSuldeve-se,dentreoutrosfatores,aoapoioinstitucionalconcedidopormeiodassecretariasestaduaisdeagriculturaedasempresasoficiais

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deassistênciatécnicaeextensãorural,alémdapresençadeexperiênciascoletivasexitosas,comoadaAssociaçãodeAgriculturaOrgânicadoPara-ná(AOPA)edaCooperativaColméia(RS),porexemplo.

Dessaforma,acredita-seque,emvirtudedassuasprópriascarac-terísticas quanto a organização da unidade produtiva, as formas sus-tentáveisemtermosdeagriculturaencontramcondiçõesmaisfavorá-veisdeexpansãoempequenaspropriedadesruraisdoquenasmédiasegrandes.

Assim, a adoção do sistema orgânico de produção por pequenosproprietáriosruraisapresentacomoprincipaisvantagens:

a) aescaladeprodução,que,porsermenor,favoreceaconversãopro-dutivaepermiteaproduçãoempequenasáreas;

b) adiversificaçãoprodutivaque,emvirtudedaintegraçãodocultivode lavouras temporárias e/ou permanentes com a criação de ani-mais,podefacilitaraadoçãodosistemaorgânico,aomesmotempoemquegarantemaiorestabilidadeeconômica;

c) omaiorenvolvimentodiretodoprodutoredosmembrosdafamí-lia,favorecendotantoomaiorcontrolesobreoprocessoprodutivoquantoamaiorcapacidadedeabsorçãodestamão-de-obra;

d) amenordependênciadeinsumosexternos,devidoaomelhorapro-veitamentodosrecursosdisponíveisnapropriedade;

e) apossibilidadedeeliminaçãodousodeagrotóxicos,quecontribuiparaareduçãodoscustosdeprodução;e

f) osmenorescustosenvolvidosnaprodução,resultandoemmelhoresrelaçõescusto/benefícioemaioresrendasefetivas.

Dopontodevistadacomercializaçãodosprodutosorgânicos,há,emvirtudedamenorescaladeprodução,umamaiorvinculaçãoaoespa-çolocal,quepodefavorecertanto“aformaçãodemercadosregionais[...],possibilitandoa integraçãode interessesentreprodutores,comercianteseconsumidores”(ASSIS,2003,p.93),quantoamaior“interaçãocomosconsumidoreseamelhoradequaçãodosprodutosconformesuasexigên-cias,fortalecendorelaçõesdeconfiançaecredibilidadeentreaspartesen-volvidas”(CAMPANHOLA;VALARINI,2001,p.76).

Nessecontexto,ganhamcadavezmaisimportânciaformasdeco-mercializaçãonovarejoquegarantammaiorautonomiaaoprodutor,poiselepassaaseroresponsávelpeladistribuiçãodosprodutos,pormeiodavendadireta,quepodeserrealizada:a)viaentregaemdomicíliodecestasdeprodutossobencomendaouquesãoperiodicamentesolicitadas;b)emlojasdeprodutosnaturais, restaurantes, lanchonetesetc.;ec)emfeiraslivresouespaçosespecializadosnestetipodeprodução(CAMPANHOLA;VALARINI,2001).

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Nasvendasrealizadasnoatacado,emvirtudedapequenaescaladeprodução,asalternativasqueseapresentamcomointeressantesaospro-dutoressãoasassociaçõese/oucooperativas,que,alémdeconseguiremcongregarumvolumemaioremaisdiversificadodeprodutos,têmmaiorpoderdebarganhacomasredesvarejistas.Nãosesubmeteràintermedia-çãorealizadaporterceiroséumaalternativaparaqueosprodutoresruraisalcancemasustentabilidadeeconômicaesocial.

Apossibilidadedepreçosdiferenciadosdosprodutosdevidoàsua“marca”ecológicaéumfatorquetambémpodefavoreceraproduçãoempequena escala realizada por um grande e diversificado contingente deprodutoresrurais,resultandonaampliaçãodaofertaenareduçãonopre-çodosprodutosorgânicosemrelaçãoaosconvencionais,ampliandoseuconsumo.

Apesar desses vários aspectos favoráveis à produção orgânica empequenaescala,hátambéminúmerosdesafiosaseremenfrentados,taiscomo:

a) opequenovolumeproduzido,amenordiversificaçãodeprodutoseairregularidadenaofertapodemdificultaroestabelecimentodecontratosdefornecimentomaisduradouroscomcompradoresquenecessitamdemaioresquantidadescomolojasespecializadas,res-taurantes,hospitais,escolasetc.eredesvarejistas;

b) afaltadeassistênciatécnicaoficialedepreparoouformaçãoespe-cífica dos extensionistas para prestar assistência técnica em agri-cultura orgânica pode comprometer o processo de conversão daagriculturaconvencionalparaeste tipo,bemcomogarantira suamanutenção;

c) osproblemasdeacessoàsinformaçõessobreaproduçãoorgânica,astécnicaseasformasdemanejo,asalternativasdecomercializa-ção,oacessoaocrédito,alémdasdificuldadesdosprodutoresemseorganizaremcoletivamenteemassociaçõese/oucooperativas,po-dematrasarourestringiroprocessodeexpansão;

d) asdificuldadesfinanceirasenfrentadasduranteoprocessodecon-versãodaproduçãoconvencionalparaaorgânicapodemdesestimu-larosprodutoresquesobrevivemdaagricultura;

e) osaltoscustosqueenvolvemacertificaçãoeoacompanhamentorigo-rosodoscritériosparamantê-laimplicamanecessidadedeumsiste-maquesejaestruturadonumprocessoquesejaparticipativo,descen-tralizadoequegerecredibilidadeentreosváriosagentesenvolvidos10.

10Umadascríticasmaisfreqüentesaestaformadecertificaçãoorientadapelasempresasna-cionaiseinternacionaisdizrespeitoaoaltocustoeàcentralizaçãodopoderdedecisãoso-breaconcessãodoselo.

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Osprodutoresquedesenvolvemaagriculturadepequenaescalaeque,pormotivosdiversos,ficaramàmargemdoprocessodemoderniza-çãodaagricultura,ouqueseviramobrigadosaabandonarosprocedimen-tos,práticase/ouinovaçõestecnológicas,devemseconstituircomopriori-táriosnaspolíticaspúblicasqueestimulemecriemascondiçõesobjetivasparaaexpansãodesistemasprodutivosmaissustentáveis.Nessesentidotambémdevemsercriadosprogramasquegarantampreçosmínimosparaosprodutos,apoiointegralemtermosdeassistênciatécnicaeextensãoru-ral,deinformaçõesaosprodutoreseaosconsumidoressobreosbenefíciosdaagriculturaecológicaetc.

A participação de organizações não-governamentais (ONGs) e deagricultores, através de suas associações e entidades representativas, e,maisrecentemente,doapoiodeórgãosoficiaisdepesquisaeextensãoru-ral,nesseprocessode transição,é fundamentalparagarantir suaconti-nuidadeeexpansãoatodososprodutoresdepequenaescalaquedesejemadotarformasmaissustentáveisdeagricultura.

considerAções FinAis

Podemosafirmarqueexisteconsensoentreosespecialistasdequeomo-deloprodutivistadeagriculturaderivadodaRevoluçãoVerdeestáemcriseequeénecessário(urgente)mudaraformadeproduziredeserelacionarcomomeioambiente.Todavia,sabercomo,dequeformaeaquemessamudançabeneficiará efetivamente sãoquestões fundamentais equede-vemserdiscutidaspelasociedade.

Devemosreconhecertambémquevivemosnumperíododetransi-çãoeque,comotal,coexistetantoomodeloconvencionaldeagricultura,responsávelpelagrandeproduçãodecommodities,quantoofeitoporfor-masalternativasdeproduçãoqueseapresentaemexpansão.

Apesar da existência de experiências de agricultura alternativa nopaís,aconfiguraçãofinaldoprocessodetransiçãoagroecológicavisandoaumaagriculturasustentávelaindanãoestádeterminadaaacontecerdeumaúnicaforma,alémdoqueaindanãohágarantiasdequesuaimplementaçãosejarealizadadeformaampla,devidoaofatodessatransiçãoterseapresen-tadocomoumprocessomuitocomplexo,tendoemvistaamultiplicidadedefatoresedevariáveisaseremconsideradosparasuaefetivação.

Nessecontexto,caberessaltaraimportânciadeseconsideraropa-pelativoaserdesempenhadopelossujeitosdesseprocessodetransição,ouseja,osprodutoresrurais.Nãoobstanteasinúmerasvantagensapre-sentadas pela agricultura de pequena escala, eles (os produtores rurais)consideramumconjuntodeaspectos(econômicos,sociais,culturaisetc.)comoorientadoresdesuasdecisõesdemudança.Assim,noplanoindivi-dual,aconversãoounãoparasistemasmaissustentáveisdependeránão

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apenasdaspossibilidadeselimitaçõesemtermosderecursos(econômi-cos, de acesso à terra, de disponibilidade de mão-de-obra familiar etc.)eapoioexterno(comodaextensãorural)apresentadaspelosprodutores,comotambémdosprojetosealternativasadotadosparamanutençãodopatrimôniofamiliar.

Portanto, seaconjunturapolítica, institucionaleeconômicarela-cionadaaosetoragropecuárioseconstituinumfatorimportantenatoma-dadedecisõespeloprodutor,asespecificidadesdadinâmicasocial,políti-caeeconômicalocal/regionalbemcomoaprópriaformadeorganizaçãodaunidadeprodutivasãoelementosquevãoinfluenciarnaconversãoounãoparaaagriculturaalternativa.Nessecontexto,ganhamrelevânciaasexperiênciasdeaçõescoletivasdeprodutoreseasassociaçõesecooperati-vas,quepodemcontribuirsignificativamenteparaaconsolidaçãodefor-masdeproduçãomaissustentáveis.

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13�

reFlexões soBre A AgroecologiA no BrAsil

aDriano arriel saquet

EngenheiroAgrônomo,DoutoremCiênciasAgrárias(UniversitätHohenheim,Alemanha,ProfessorAdjuntodoCentroFederaldeEducaçãoTecnológicadeSãoVicentedoSul-RS|[email protected]

Aagriculturaorgânica temsedesenvolvido rapidamentenomundonosúltimosanoseestásendopraticadaatualmenteemaproximadamente120países.Aperspectivaédequeaáreacultivada,bemcomoonúmerodepro-priedades,continueaumentando.Alémdisso,édesepresumirquemui-tas propriedades não certificadas estejam produzindo em muitos países(WILLER;YUSSEFI,2006).Deacordocomessesautores,maisde30mi-lhõesdehectaressãocultivadosorganicamentepor,nomínimo,623.174propriedadesespalhadaspelomundo.Umaspectopositivoéqueacomer-cializaçãodeprodutosorgânicostambémestáacompanhandoessecresci-mentonaprodução,nãosomentenaEuropaenaAméricadoNorte,quesãoosmaioresmercadosconsumidores,mastambémemoutrospaísesdaAméricaLatina,África,ÁsiaeOceania.

Atualmente, os países com maior área cultivada no sistema or-gânicosãoaAustráliacom12,1milhõesdehectares,aChinacom3,5milhõesdehectareseaArgentinacom2,8milhõesdehectarescultiva-dos.Percebe-se,noentanto,aoseanalisarospercentuais,comrelaçãoàárea totalagricultáveldospaíses,queosmaioresnúmerosestãonaEuropa.Nototal,aOceaniarespondepor39%daáreacultivadaorga-nicamentenomundo,seguidapelaEuropacom21%eaAméricaLa-

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desenvolvimento territoriAl e AgroecologiA

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tinacom20%,sendoqueestapossuiomaiornúmerodepropriedadesruraiscomosistemadecultivoorgânico(WILLER;YUSSEFI,2006).Édesepresumir,comisso,queaAustráliapossuapropriedadesmaioresqueosoutrospaíses.

situAção AtuAl dA AgriculturA orgânicA nA AméricA lAtinA

NaAméricaLatinamuitospaísestêmmaisde100.000hectarescultiva-dosorganicamentecominíciorecenteequeapresentamumcrescimen-toacelerado.Ototaldeáreacultivadaorganicamenteecertificadaestáemtornode6,4milhõesdehectarescomumadicionalde6milhõesdehectaresdeflorestascertificadaseáreasnativas.QuasetodosospaísesdaAméricaLatinapossuemumsetororgânico,emboraoníveldedesen-volvimentovariebastante.Ospaísescommaiorproporçãodeáreasor-gânicas são o Uruguai, a Costa Rica e a Argentina, que tem a maiorpartedeseus2,8milhõesdehectarescultivadosorganicamentecobertaporpastagens.

Emgeral,omovimentopelocultivoorgâniconaAméricaLatinatemsedesenvolvidoporcontaprópriadosprodutores,poisémuitoraroaexis-tênciade subsídiosgovernamentaisouajuda financeiradiretaparaestefim.AexceçãoentreospaíseséoBrasil,ondeogovernotemdirecionadoincentivosàproduçãoorgânica,pesquisa,formaçãodeassociações,mer-cadoegeraçãodeemprego.

ACostaRicaealgunsoutrospaísestêmdisponibilizadosuportefinanceiroparapesquisaeensino.AArgentinaeoChilepossuemal-gumasagênciasoficiaisdeexportaçãoajudandoosprodutoresatenderàs exigências internacionais de importação, elaborando catálogos deprodutos.

AexportaçãoéumadasprioridadesquetemacontecidonaAméricaLatina.DosgrãosdecaféebananasdaAméricaCentralaoaçúcarnoPara-guaiecereaisecarnenaArgentina,omercadodeprodutosorgânicostemsidoorientadoparamercadosestrangeiros.

comPArAtivo entre os sistemAs de cultivo orgânico e convencionAl

O Quadro 1 apresenta algumas diferenças básicas entre o sistema decultivoconvencionaleosistemadeproduçãoorgânico.Pode-seperce-berqueasdiferençasenvolvemnãosomenteosmétodosetécnicasdecultivo,mastambémalgunsfatoressociaistaiscomoainclusãosocialcomageraçãodeempregosnocampo,asaúdedoprodutoreconsumi-dores,alémdasquestõesrelacionadasàpreservaçãodomeioambientecomoumtodo.

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AdriAno Arriel sAquet

Quadro 1 – Breve comparativo entre os sistemas de cultivo orgânico e convencional

Cultivo Convencional Cultivo Orgânico

- Tecnologia de produtos (aquisição de insumos) - Tecnologia de processos (envolve a relação: planta, solo e ambiente).

- Uso de pesticidas - Fertilizantes químicos-sintéticos - Baixo teor de matéria orgânica no solo - Falta de manejo e cobertura do solo - Monocultura

- Resistência natural e alternativas - Fertilizantes orgânicos - Solo rico em matéria orgânica - Mantém a cobertura do solo - Rotação de culturas e biodiversidade

- Erosão do solo, empobrecimento da vida microbiana - Erradicação dos inimigos naturais - Desequilíbrio mineral

- Equilíbrio do solo e meio ambiente - Aumento do húmus, microrganismos e insetos benéficos - Equilíbrio nutricional

- Água e alimentos contaminados - Contaminação e deterioração do ecossistema - Descapitalização

- Água e alimentos sadios - Ecossistema equilibrado e saudável - Sistema auto-sustentável - Geração de emprego e fixação do homem no campo

Tauscheret al.(2003)comentam,deformacomparativaeresumida,asprincipaisdiferençasentreosistemaconvencionaleoorgânico,comosegue:

Osistemadeprodução convencionalé,namaioriadasvezes,carac-terizadoporumamenorbiodiversidadedeespécies,enfocandoasmono-culturas.Aspropriedadespodemserconduzidasougerenciadasdeformamaisliberada.Osmétodosetécnicasdeproduçãosãousadoseampliadosatravésdeummaiorconsumodeinsumosagrícolaseenergia.Solosetra-balhosãosubstituídosporcapitaletecnologias.Aproduçãoébiológica,porém,commuitoempregodaquímicaetécnicasmecanizadas.Essesis-temacolocaovolumedeproduçãoemprimeiroplano,canalizando-aparagrandesmercados.Éumsistemadeproduçãomarcadopelasmonocultu-ras,comopreparoeusodosolodeformaintensiva,ondeosresíduosdecolheitase/ouadubaçãoverdesãotrabalhadoscomempregodealtaquan-tidadedeenergiaeimplementosagrícolas.

Anutriçãomineraldasplantasérealizadaatravésdoempregodefertilizantessintéticos,sendoousodereguladoresdecrescimentomuitocomum.Paraaproteçãodasplantascontrapragasedoençassãousadosos

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maisdiversosdefensivosagrícolas,emboranãosejamobservadasasdoseseosperíodosdecarênciadosprodutosutilizados.

Comrelaçãoàproteçãodomeioambienteeecologia,sãoutilizadososrecursosnaturaisexistentes,emuitasvezes,levadosemconta,algunsconceitosrelacionadosàproteçãoderecursosbióticoseabióticos;entre-tantonamaioriadasvezesnãosãolevadosemcontaosprincípiosdepre-servaçãoambiental,priorizando-seaambiçãoeconômicaemquestão.Oempregodeorganismosgeneticamentemodificadose/ououtrastécnicasdaengenhariagenéticasãopermitidos.

Osistema de produção orgânicoémaiscomplexoeorientado.Aor-ganizaçãodapropriedadeégrandeeapresentaumaelevadabiodiversidadedeespécies.Empregamuitaadubaçãoverdecomespéciesleguminosasparafinsdeproduçãoepreservaçãodesoloseambienteemgeral.Neleaconte-ceumapequenasubstituiçãodosoloedotrabalhoporcapitaleinsumos.Aproduçãoétotalmenteecológicavisandoàqualidadeelevadadosprodutos.

A fertilidade natural do solo é preservada através do emprego demétodosconservativoscomousodeestercos,adubaçãoverdeerestosdecolheitas,oqueelevabastanteaatividademicrobianaemelhoraaestru-turafísicadossolos.

Paraanutriçãomineraldasplantasocorreumaotimizaçãonosproces-sosdesimbioseentremicrorganismosevegetais,parafixaçãodenitrogênioatmosférico.Oempregodefertilizantessintéticoscomocomplementosémui-tocontroladoeousodereguladoresdecrescimentoétotalmenteproibido.

Ao invés de defensivos agrícolas sintéticos são usados métodos etécnicasvisandoàestabilizaçãodosistemanumtodo.Exemplossãoousodocontrolebiológicodepragasedoençasatravésdeinimigosnaturaiseoutrastécnicas.Aregulaçãodaocorrênciadeplantasinvasorasérealiza-damediantecontrolemecânico,térmicoeatravésdaconcorrêncianaturaldasplantascultivadascomasinvasoras.Produtosquímicosnaturaissãoempregados,masdeformalimitada.

Háproteçãodomeioambiente.Recursosnãorenováveissãopou-pados.Amanutençãoeapreservaçãodetodososelementoseprocessosenvolvidosnaestabilizaçãodosistemaagroecológicopossuemumaimpor-tantefunçãoagronômica.Comissosevalorizaeenriqueceabiodiversida-deeapaisagem.Oempregodetécnicasqueenvolvemmanipulaçãogenéti-cae/ouousodeorganismosgeneticamentemodificadosnãoépermitido.

Argumentos em FAvor dA AgriculturA orgânicA

Dentreos90argumentosemfavordaagriculturaorgânica,mencionadosporumgrupodepesquisadoressuíçosdoInstitutodePesquisasobreAgri-culturaOrgânica,emFrick,Suíça,cabeaquimencionarecomentarresu-midamente30deles(SCHMUTZet al.,2006):

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1) O leite procedente de vacas criadas no sistema orgânico possuimaioresquantidadesdoômega3.Sabe-sedaimportânciadesteáci-dograxonaprevençãodedoençascirculatóriasedocâncer.

2) Frutasehortaliçasorgânicascontêmmaioresconcentraçõesdeele-mentosfuncionaistaiscomoflavonóideseresveratrol,osquaissãoantioxidantesmuitoeficientesqueretardamoprocessodeenvelhe-cimentoeprevinemdoençasdocoração.Alémdisso,nocasoespecí-ficodamaçã,aorgânicapossuimaisfósforo,fibras,fenóis,melhortexturaesabor.

3) Batatas orgânicas possuem, tendencialmente, maiores concentra-ções de vitamina C, que está envolvida em vários processos me-tabólicos no organismo e, dentre estes, também é um excelenteantioxidante,agindodeformaeficientecontraosprocessosdeenve-lhecimentodostecidos.

4) Saladasfolhosascontêmmenoresconcentraçõesemnitratos,que,emexcesso,sãoprejudiciaisaoorganismo.

5) Produtos orgânicos, de maneira geral, possuem menos defensivosagrícolas,emmédia50a70%menosresíduosdeprodutosquímicos.

6) Alimentos orgânicos possuem somente produtos permitidos. Osprodutosorgânicossãoproduzidosdeacordocomalegislaçãoes-pecífica.

7) Asplantascultivadasnestesistemasãopoupadasdosprodutosquí-micos.Comovistoanteriormente,sãousadossomenteprodutosna-turaisepermitidospelalegislação.

8) Osprodutoresnãoprecisamusarherbicidasparaocontroledeplan-tasdaninhas.Sãousadastécnicase/ouprodutosalternativosparaocombatedasplantasinvasoras.

9) Pragasedoençassãoeliminadasouafastadasatravésdousodepro-dutosnaturaispermitidospelalegislação.

10)Aagriculturaorgânicanãoutilizaorganismosgeneticamentemodi-ficados.Osprodutorestrabalhamnumsistemanatural,porissoéproibidoousodeplantas,animaiseinsumosgeneticamentemodi-ficados.

11)Animaiscriadosnosistemaalimentam-secompastagensorgânicas.

12)Produtosorgânicossãoprotegidosporlegislaçãoespecíficaquecon-trolatodooprocesso.

13)Propriedadesorgânicassãobemcontroladas,poissãoinspeciona-dasperiodicamente.

14)Cadavacaparesuaprópriacria,tudoaonatural.Transferênciadeembriõeséproibido.

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15)Hormôniosououtrassubstânciasestimuladorasdocrescimentosãoproibidasnaalimentaçãodosanimaisounaproduçãovegetal.

16)Terneiroscriadosnosistemaorgânicobebemleiteorgânico.

17)Animaisvivemaoarlivreenãoconfinados,podendopegarsol,chu-vaevento.

18)Animaisdoentessãotratadoscomprodutosnaturais,atravésdemé-todosetécnicasalternativas.

19)Ospássarospreferemospomaresecamposorgânicos.Emexperi-mentosrealizados,foiconstatadoqueoscamposeasmargensdaslavourasorgânicastêm25%maispássarosdoquenosistemacon-vencional.

20)Os solos sãomais ricosemsua fauna.Emsolosorgânicos foramdetectadasmaiorespopulaçõesdepequenosanimaise,nocasodasminhocas,50%amaisdoquenosistemaconvencional.Alémdisso,predadoresnaturaisvivememmaiorquantidadeneles.

21)As minhocas preferem solos orgânicos. Em função dos teores dematériaorgânicamaiselevadosedemenoresconcentraçõesdepro-dutosquímicosvivemmelhorepormaistemponeles.

22)Os solos sãomelhorconservados.Apresentammelhorestruturaeporosidade,retendo,pois,maiságuadaschuvasediminuindooes-coamentosuperficial.

23)Ossolospossuem40%maismicorrizasdoqueossolosdaproduçãointegrada.Micorrizassãofungossimbióticosquefixamnitrogênioatmosféricotornando-odisponívelaovegetalpois localizam-senosistemaradiculardasplantas.

24)Aáguadosubsolonãoécontaminada.Emconseqüênciadostiposdeadubos,muitopouconitratoatingeoslençóisfreáticos.

25)Aagriculturaorgânicapreservarioselagos,poisascontaminaçõesdosmananciaissãomínimas.

26)Aagriculturaorgânciaconsomemenosenergiaemfunçãodamenordependênciaexternadeinsumoseequipamentos.

27)SolosorgânicosestabilizamoclimapoisohúmusabsorveCO2.Aagriculturaorgânicareduzaemissãodeamôniaeofatodeusarme-nosnitrogênioreduzaformaçãodeN2Onossolos.

28)Aagriculturaorgânicaliberamenosdióxidodecarbonopelofatodenãousarfertilizantessintéticosedefensivosagrícolas.

29)Aagriculturaorgânicaabsorvemaisdióxidodecarbonodoar.Issoacontecedevidoàretençãonohúmuseatravésdafotossínteserea-lizadapelavegetação,aqualtemmaiordiversidade.

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30)Aagriculturaorgânicatemumcarátermaissocial.Diminuioscus-toscomasaúdedapopulaçãoemgeral,porqueosalimentossãomais saudáveis.Promove inclusão socialdaspessoasno campoemelhora a saúde do produtor, o qual não se envolve diretamentecomprodutosquímicosperigosos.

AgriculturA ecológicA: limites e PersPectivAs

A agroecologia nos faz lembrar de uma agricultura menos agressiva aomeioambiente,quepromoveainclusãosocial,proporcionamelhorescon-diçõeseconômicasparaosagricultores,aliadaàsegurançaalimentardosprópriosprodutoreseconsumidoresemgeral.Nessesentido,háofertadealimentosecológicospraticamenteisentosderesíduosquímicos,emopo-siçãoaosistemaconvencionalqueusaquantidadeselevadasdedefensivosagrícolasefertilizantessintéticos,alémdeoutrassubstânciascomohor-môniosouatémesmoorganismosgeneticamentemodificados.

Aagroecologiatemsidoreafirmadacomoumaciênciaoudisciplinacientífica,ouseja,umcampodoconhecimentodecarátermultidisciplinarqueapresentaumasériedeprincípios,conceitosemetodologiasquenospermitem estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas(CAPORAL;COSTABEBER,2002),quesãoconsideradoscomounidadesfundamentaisparaoestudoeplanejamentodasintervençõeshumanasemfavordodesenvolvimentoruralsustentável.

Em essência, o enfoque agroecológico corresponde à aplicação deconceitoseprincípiosdaEcologia,daAgronomia,daZootecnia,daVeteri-nária,daSociologia,daAntropologia,daCiênciadaComunicaçãoeoutrasáreasdeconhecimentonareestruturaçãoemanejodeagroecossistemasquedesejamosquesejammaissustentáveisaolongodotempo.Trata-sedepre-tensõesedimensõesquevãoalémdastécnicasdeagropecuária,incorporan-dovariáveiseconômicas,sociais,ecológicas,culturais,políticaseéticas.

AlgumAs perspectivAs

OBrasiléconsideradoumpaís-continentepelasuaextensão territorial,suadiversificaçãonoclimaesoloesuagrandediversidadeemseusecos-sistemas. Os solos são profundos e férteis permitindo o cultivo de umagrandevariedadedeplantasanuaiseperenes.Aexistênciadeclimatro-picalesubtropical,aliadoàsboascondiçõesdesolo,permiteocultivodeváriasespéciesfrutíferasehortaliças.Vantagemestaqueexisteempoucospaísesdomundo,oquetornaoBrasilumpaísprivilegiado.

Levandoemcontatodososaspectospositivosmencionadosanterior-mentequeaagriculturaorgânicaproporcionacomrelaçãoàprodução,qua-lidadedosalimentos,valorizaçãodosprodutosagropecuários,saúdedopro-dutorepopulaçãoemgeral,bemcomoacomercializaçãodosprodutos,os

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quaisservemcomoincentivoparaumatransiçãodosistemaconvencionalparaosistemadecultivoorgânico,serãodiscutidos,aseguir,algunsoutrosaspectosquefavorecemaimplantaçãodestesistemadecultivonopaís.

ÁreA AgriculTÁvel

OBrasilpossuiáreaagricultáveldisponíveldeaproximadamente152mi-lhõesdehectares,oquecorrespondea17,9%daáreatotaldoterritórionacional,masqueutilizaapenasemtornode62milhõesdehectares(7,3%doterritório)(MARQUES,2004).Apossibilidadedeexpansãoagropecuá-riaéinvejávelemrelaçãoaosdemaispaísesdomundo,vistoquemuitospossuemáreainfinitamentemenor,masmesmoassim,produzemmuitomaisprodutosorgânicos.

DeacordocomWillereYussefi(2006)aáreacultivadacomagricul-turaorgânicanoBrasil,apesardoaumentosignificativonosúltimosanos,édeapenas0,34%sobreototaldeáreaagricultável,valorqueficamuitoaquémquandocomparadocomototaldeáreaagricultáveldisponívelquenossopaíspossui.

climA e solo

Conformemencionadoanteriormente,nossopaísdispõedeclimatropicalesubtropicalpermitindoocultivodefrutíferasdasmaisvariadasespécies.Comashortaliçasnãoédiferente,sendopossívelocultivodeumaquantida-demuitograndedeespéciesecultivares.Aliadoaestefato,ossolossão,emsuagrandemaioria,profundoseférteisbastando,emmuitoscasosapenasacorreçãodaacidezparaquepossamserusadosnaagricultura.EmmuitospaísesdaEuropaouAméricadoNorte,ondeoinvernoérigoroso,opreparodosolosomenteépossívelemépocasespecíficasduranteoanoemfunçãodocongelamento.NoBrasil,opreparodosoloecultivovegetalépossíveloanotodo,sendodestaforma,umagrandevantagemparanossosprodutores.

diversidAde de espécies

OBrasiléumdospaísesmaisricosdomundoemdiversidadevegetaleanimal,pelo fatodepossuircondiçõesedafoclimáticasmuito favoráveisaliadoaossolosdeboaqualidade,oquefavorecemuitoocultivodevege-taise,consequentemente,acriaçãodeanimaisdomésticosesuasrespec-tivasfontesdealimentos.Muitospaísesnãoconseguemproduzirfrutasehortaliçasemfunçãodasrestriçõesdeclimaesoloeomesmoacontececomosanimaisdomésticos,poisnãohácondiçõesadequadasparacultivodepastagensedeoutrosalimentosnecessáriosparasuanutrição.

comerciAlizAção no mercAdo inTerno e exTerno

AcrescentedemandaporprodutosorgânicosnoBrasilenomundo,con-formediscutidoanteriormente,colocaaagriculturaorgânicanumaposi-

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çãodedestaquenocenárioagropecuário.DeacordocomCampanholaeValarini(2001),estacrescentedemandaporalimentosproduzidosnosis-temaorgânicodeve-se,basicamenteacinco razões:a)Preocupaçãodosprópriosconsumidorescomsuasaúdeeriscoscomagrotóxicoscontidosnosalimentos;b)Movimentosambientalistaspreocupadoscomapreser-vaçãodomeioambiente;c)Influênciadeseitasreligiosasquedefendemoequilíbrioentreohomemeanatureza;d)Gruposorganizadoscontráriosaodomíniodaagriculturamodernapor grandes corporações transacio-nais;e)Marketingporpartedegrandesredesdesupermercados,porinflu-ênciadepaísesdesenvolvidos,queteriaminduzidodemandasporprodu-tosorgânicosemdeterminadosgruposdeconsumidores.

Apartirdoexpostoéumtantodifícildefinirquaisdestascausasti-veramouaindatêmmaiorinfluêncianoaumentodademandaporprodu-tosorgânicos.Édesepresumirqueexistaumacombinaçãodetodas,comalgumasparticularidadesnasdiferentesregiõesdopaís.Provavelmenteadifusãodeinformaçõesjuntamentecomaopiniãodoconsumidor,cientedaimportânciadeseadquiriralimentosmaissaudáveis,levandoemcon-taapreservaçãodomeioambiente,tenhamsido,ouaindaestejamsendo,duasfortescausas.

O mercado internacional de produtos orgânicos gera bilhões dedólares anualmente, tendo como maiores consumidores a Alemanha, aHolanda,aFrança,aInglaterra,osEstadosUnidoseoJapão.Apesardocontínuocrescimentodaproduçãoagropecuárianesteseoutrospaíses,omercadode importaçãocontinuacrescendo, tornado-seumaalternativaviávelparaaexportaçãodeprodutosbrasileiros.

Paraocomércioexteriordeprodutosorgânicossãonecessárioscer-tificadosexpedidosporcertificadorascredenciadasporórgãosnormativosdeabrangênciainternacional,comoéocasodaInternational Federation of Organic Agriculture Movements(IFOAM),cujaprincipalfunçãoécoorde-naroconjuntodemovimentosdeagriculturaorgânicaemtodoomundo.

Acertificaçãodeprodutosorgânicosvisaaconquistarmaiorcredi-bilidadedosconsumidoreseconferirmaiortransparênciaàspráticaseaosprincípiosutilizadosnaproduçãoorgânicaeéoutorgadapordiferentesinstituiçõesnopaís,asquaispossuemnormasespecíficasparaaconcessãodoseuselodegarantia.

viAbilidAde de produção em pequenAs ÁreAs

Osistemadeproduçãoorgânicoéviávelempequenasáreasepermiteproduçãoempequenaescala.Mesmoqueaquantidadeproduzidapeloagricultorsejapequena,acomercializaçãodealimentosorgânicosdire-tamentecomosconsumidoresépossível,quersejapormeiodadistribui-çãoemresidências,quersejapelavendaemfeiraslivresespecializadas.Anecessidadedeaumentaraquantidadedisponibilizadaparacomercia-

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lizaçãoemdeterminadospontosdevenda,bemcomodeincrementaravariedadedeprodutosexigequeospequenosagricultoresseorganizememassociações.

diversificAção dA produção

Adiversificaçãodaproduçãoéfavorecidadevidoaocontatoestabelecidoentreprodutoreconsumidornasvendasdiretas. Incluindoa integraçãoentreproduçãovegetaleanimal,nomesmoestabelecimentorural,auxilianaadoçãodosprincípiosagroecológicos,aomesmotempoemqueconfe-reaopequenoagricultormaiorestabilidadeeconômica,poisumapossívelquedanospreçosdealgunsprodutospodesercompensadapelaaltadeoutros;fatoquefazcomquehajaumadiversificaçãonaturaldeprodutosnoespaçoenotempo.

gerAção de emprego e fixAção do homem no cAmpo

Ao contrário do sistema de agricultura convencional, a agricultura or-gânicaprecisademaismão-de-obraporunidadedeárea.Gerandoumanovadinâmicadeempregosparaacomunidaderuralquevivenoentor-nodasunidadesprodutivas.Outrapossibilidadeéoaproveitamentodaprópria mão-de-obra familiar excedente, principalmente das mulheres,quetêmbuscadoocupaçõesdomésticasforadoestabelecimentoagríco-la,recebendosaláriosque,emmédia,sãomenoresqueaquelesdostra-balhadoresagrícolasrurais.Ainda,oengajamentodemaismembrosdasfamíliasruraisnaagriculturaorgânicapoderepresentarmaisumfatorde fixação familiar no campo, além de diminuir os custos efetivos deprodução,reduzindoadependênciadeempréstimosbancários(CAMPA-NHOLA;VALARINI,2001).

mAior vAlor comerciAl do produTo

Oprodutoorgânicopossui,atéentão,maiorvalorcomercialemrelaçãoaosproduzidosnosistemaconvencional.Atualmente,háumdiferencialsignificativoemseuspreçosquerepresentaumgrandeatrativotantoparaosagricultoresemgeralcomoparaasgrandescorporaçõesagropecuárias.Porisso,asaídaparaospequenosprodutorespareceserofortalecimentodaexploraçãodosnichosnomercadolocal.

preservAção do meio AmbienTe

Conformecomentadoanteriormente,ofatodaagriculturaorgânicaapre-sentarmenordependênciadeinsumosexternos,abrirmãodousodeagro-tóxicosefertilizantessintéticos,nãousarhormônioseoutrassubstânciasprejudiciais,fazcomqueapreservaçãodosecossistemassejamaiseficien-teequeelaseja,emfunçãodisso,umagrandecontribuiçãoemfavordomeioambiente.

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conservAção durAnTe o período pós-colheiTA

Existem,atualmente,basicamentetrêssistemasdearmazenamentousa-doscomercialmenteparaaconservaçãodefrutasehortaliças,nomundotodo,inclusivenoBrasil,quesão:emfrioconvencional,ematmosferamo-dificadaeematmosferacontrolada.Noprimeiro,controla-seatemperatu-raeaumidaderelativadoarnointeriordacâmarafrigorífica.Nosegun-do,sãousadosfilmesplásticosparaformarumaatmosferamodificadanointeriordasembalagens,sendoestas,acondicionadassobrefrigeração.Naatmosferacontrolada,alémdatemperaturaedaumidaderelativadoar,controlam-setambémasconcentraçõesdeoxigênioededióxidodecarbo-nonointeriordascâmarasfrigoríficas.

Ascâmarasfrigoríficasconvencionaistêmcustomenor,entretanto,seuperíododeconservaçãotambémémenorquenaatmosferacontrolada.Aatmosferamodificadatorna-se,muitasvezes,umaalternativaintermediá-riaemrelaçãoaoscustoseaoperíododeconservação.Amanipulaçãodasconcentraçõesdosgasesnointeriordacâmarafrigoríficaéaceitávelparaaconservaçãodeprodutosorgânicoscomofrutasehortaliças,desdequenãosejamusadosprodutosquímicostaiscomofungicidaseoutros.Mesmosemaadiçãodefungicidas,porexemplo,aatmosferacontroladaéumaótimaopçãoparaaconservaçãode frutasehortaliças.Atualmente,a tendênciamundialédenãopermitirousodefungicidasnoperíododepós-colheita,mesmoemprodutosoriundosdosistemaconvencionalouintegrado.Destaforma,oempregodetécnicasalternativastaiscomootratamentotérmico,omanejodaumidaderelativadoar,ousodeantagonistasnaturaisouaeli-minaçãodoetileno,hormônioproduzidopeloprópriofrutoequeaceleraoprocessodeamadurecimentoesenescência,porexemplo,nafasedepós-colheitadefrutasehortaliças,emcombinaçãocomaatmosferacontroladasãoalternativasviáveisequejáestãosendorealizadasemváriospaíses.

Alguns entrAves ou limites

engenhAriA genéTicA: TrAnsgênicos e subproduTos

Todossabemosque,deacordocomasnormasparacultivodeplantasoucriaçõesdeanimaisnosistemaagroecológico,éterminantementeproibidoousodeorganismosgeneticamentemodificados(OGMs).Naáreadetec-nologiadealimentosoprincípioéválidodamesmaforma,ouseja,nãoépermitidoousodequalquerprodutoouderivadodatransgeniaparaapro-duçãoe/ouprocessamentodealimentosaagroecologiaeatransgeniasãoabertamentecontrastantesemprincípios,técnicasevalorizaçãodavidaedoagroecossistema,ouseja,ondeumapreservaavida,assementes,ossa-beres,oconhecimentoeaparticipaçãosocial,aoutrageradependência,erosãogenética,manipulaçãoeconômicae social, colocandoemriscoasegurançaalimentareasoberanianaproduçãodealimentos.

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sensibilizAção dos governos

OGovernoFederalvemapresentandoprogramasinteressantesdeincenti-voàagriculturafamiliare,comisso,àagriculturaorgânica.OutrospaísescomoaAlemanha,porexemplo,sãopioneirosnaáreadaproduçãoalter-nativaedespertaramointeressepelapreservaçãodomeioambienteeho-memproduzindoalimentosmaissaudáveishámuitomaistempoquenós.Nonossocaso,pode-sedizerqueestamosavançando,porémfaltamuitoaindaparaconseguirmosatingirníveismaiselevadoscomrelaçãoaesseaspecto.

Éimportantesalientarque,nãobastasomenteoGovernoFederalinvestir e incentivar alguns programas. É fundamental que esse tipo deaçãosejaseguidoourealizadoemconjuntopelosGovernosEstaduaiseatémesmopelosMunicipaisatravésdesuasSecretariasdeAgriculturaePecuáriaouporoutrasagênciasdeextensãoruralcomoasEMATERs,Sin-dicatosRuraiseoutros.

sensibilizAção dos produTores

Sensibilizarosprodutoresparacultivaralimentoscommenosagrotóxicoséumadastarefasmaisdifíceisqueexistenomomento,assimcomoumadasfunçõesmaisdifíceisnaAgropecuáriaéadoextensionistafrenteàre-sistênciadosprodutorescomrelaçãoàaquisiçãodenovastécnicaseinfor-mações.Ocultivoconvencionalcomusointensivodedefensivosagrícolasefertilizantessintéticosestátãoincrustradonosistemaquedificilmenteseconseguealgumavançonestesentido.Asnovasgeraçõesfazempartedeumapeça-chaveemtodoestecontexto,poisatravésdelas,juntamentecomumsistemadeensinointeligenteeconscienteemrelaçãoàalimentaçãosaudáveleàpreservaçãodomeioambientepoderáacontecerumavançonestesentido.

sensibilizAção dos consumidores

Muitosconsumidoressãodesinformadosetambémnãofazemquestãodeadquiririnformaçõessobremuitascoisas.Aquestãoambientaléumades-tasáreasque,normalmenteédeixadadeladopornãosaberemounãocon-seguiremimaginaroquantoimportanteéparatodosnóstermosumlocalsaudávelparaviveremharmoniaeequilíbriocomanatureza.

Comrelaçãoaosalimentosentãoéumcaos,poisumagrandepar-celadapopulaçãobrasileiranãoseinteressaemsabercomoosalimentosforamproduzidoseoquefoiusadoparasuaproduçãoe/outransforma-ção.Destaforma,acabamadquirindogênerosalimentíciosdosmaisva-riadostipos,nãolevandoemcontaasegurançaalimentar.Comrelaçãoaesteaspecto,éimportanteconsiderarobaixopoderdecompradobrasi-leiro,levando-oaadquirirosprodutosdemenorpreço.Ésabidoqueosprodutosorgânicospossuemcustosmaiselevadosemfunçãodovolume

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deproduçãoeprodutividademaisbaixoscomparadosaosconvencionais,porém,deveríamoslevaremconta,primeiramenteaqualidadedoprodutoexpressapeloseuvalornutricionalesegurançaalimentaraosadquirirmososgênerosalimentícios.Açõesgovernamentaisdeordemeconômica,comafinalidadedemelhorararendadosbrasileiros,bemcomooacessoàedu-cação,sãomedidasfundamentaisparareverterestequadro.

sensibilizAção nAs escolAs de ensino fundAmenTAl, médio, Técnico e superior

Algoqueaindavemosmuitoemnossosestabelecimentosdeensinoéumaresistência,porpartedosnossosprofissionais,comrelaçãoàproduçãoor-gânica.Referimo-nosaotermoprofissionaisporqueocompromissocomomeioambientenãoésomentedosdocentesmassimdetodosaquelesqueestãoenvolvidoscomeducação.Comrelaçãoaosdocentes,estaresistênciadeve-seprovavelmenteaotipodeformaçãoquetiveramequeaindaper-maneceemseussistemasdeensino.

Asescolasdenível fundamentalnãopossuemmuitasdisciplinasespecíficasrelacionadasàagropecuária,masasescolas técnicas,as fa-culdades,asuniversidadeseoutrasinstituiçõesfederaisdeensinosupe-riorpossueme,lamentavelmente,dentrodestesestabelecimentosaindaexisteumagranderesistênciaparacomocultivoorgânicodealimentos,tantodeorigemvegetalquantodeorigemanimal.Sabendoquenorestodomundoesseprocessojáébastantedifundido,surgeentãoumques-tionamentoparadiscussão:porque,noBrasil,essetipodeidéiaaindaétãorudimentar?

Osprofessores,quesãoconsideradospelosacadêmicoscomosendorepresentantesdeumsupostosabereexemplodevida,carregamconsigoumamissãomuitoimportanteedecisivacomrelaçãoàformaçãodosalu-nos.Mesmoaquelesquenãosão favoráveisouquenãoconseguemper-ceberosucessoeasvantagensdaagroecologia,deveriam,dentrodesuaspossibilidadesdeatuaçãoemsuasdisciplinaseatémesmoforadasaladeaula,pelomenoscomentarsobreaexistênciadesseprocessoprodutivoal-ternativoagroecológico.

grAnde dependênciA de ferTilizAnTes sinTéTicos e AgroTóxicos

Aindaexisteumainfluênciamuitograndedasmultinacionaisfabrican-tesdedefensivosagrícolasefertilizantessintéticosnoBrasil.Muitasdes-tasempresasvendemoucomercializamumaquantidademuitopequenadestesprodutosemseuspaísesdeorigem,poissabemqueseusprodu-toreseconsumidoressãomelhorinformadoscomrelaçãoàsconseqüên-ciasquandoelessãousadosexageradamenteedependendodoprodutoem questão, é simplesmente proibida sua comercialização e ele acabasendocomercializadoemoutrospaíses,principalmentedaÁfrica,Amé-ricaLatinaeÁsia.

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cerTificAção, conTrole dA produção e produTos

NoBrasil,infelizmente,aindaexisteumdescontrolecomrelaçãoàsnor-masdeproduçãoecomercializaçãodealimentosdemaneirageral.Ocon-sumidor,namaioriadasvezes,desconhecealegislação,ouainda,muitasvezes,elanãoexiste.Nestesentidoénecessáriaumamelhoriasignificativadalegislaçãoemvigore,principalmente,dafiscalização,aliadaàeducaçãodapopulaçãosobreestatemática,poisnãobastaexistirumaboalegisla-çãosenãohouverumaeficientefiscalizaçãojuntamentecomaeducaçãoesensibilizaçãodosprodutoreseconsumidorescomrelaçãoàfraudes,àim-portânciadasegurançaalimentar,àimportânciadapreservaçãodomeioambienteebemestardapopulaçãoemgeral.Informaçãoéumapalavra-chavenestecontexto,quepoderevolucionarmuitacoisaemnossopaís.

Aemergênciadaproduçãoedacomercializaçãodeprodutosorgâ-nicosnoBrasileprovávelexpansãodonegóciotêmaumentadooriscodosurgimentodeatitudesoportunistas.Comapossibilidadedeobtençãodepreçosmaiselevadosneles,surgecadavezmaisprodutoresecomerciantesinteressados.Nocasodosprodutosorgânicos,ooportunismopodesecon-cretizaratravésdatentativadecomercializaçãodosconvencionaiscomosefossemorgânicos.Estaéumaformadeobterodiferencialdepreçoe,aomesmotempo,burlartodaumaestruturadecertificaçãoqueenvolveoacompanhamentoeocontroledaprodução,paragarantiraoconsumidorqueoqueadquiriufoidefatoproduzidodentrodasnormasdaproduçãoorgânica.Agrandedificuldadeéqueosatributosdequalidadedestespro-dutossãoespecíficosenãoidentificáveismediantesimplesobservaçãovi-sual,sejanumafeiraderuaouemumsupermercado.

Oqueocorrenocasodosprodutosorgânicos,éumaassimetriadeinformações entre vendedores e compradores. Os agricultores e comer-ciantesdispõemdasinformaçõessobreaquiloqueproduzeme/oucomer-cializam e, consequentemente, sabem tudo sobre sua origem, quando,comoeporquem foramproduzidos. Jáosconsumidores,quandocom-pramosprodutosorgânicos,quasenadasabemquantoàprocedênciaeàqualidadeintrínsecadoqueestãoadquirindo.Surgeaíanecessidadedacertificação.

Estagrandediferençaentreograudeinformaçãodequemproduze/ouvende,emrelaçãoaoconsumidor,équepermiteoupodeinduziraumafortetentaçãoparaqueprodutosconvencionaissejamcomercializa-dos como orgânicos. A importância da certificação e a credibilidade daagência certificadora de produtos orgânicos para o monitoramento dasatividadesdosprodutoresecomerciantesdestes,decorredestapoucain-formaçãodoconsumidor.Comocomentadoanteriormente,informaçãoéumapalavra-chaveparaodesenvolvimentodeumpovoenaçãoeéadqui-ridaeminstituiçõesdeensinoeatravésdosmeiosdecomunicaçãocomojornais,revistas,rádio,televisãoeoutros.

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Aprevençãocontrao surgimentodooportunismopassaporumamaiorsensibilizaçãodosprodutores,comercianteseconsumidoressobreasvantagenseconômicas,políticas,moraiseéticasdeseguirasnormasestabelecidasparaaproduçãoorgânica.Estasensibilizaçãopoderáforta-lecerasconvicçõeseosideaisdeumaproduçãoagrícoladebaixoimpac-toambientaleamelhoriadasaúdehumanaemgeral.Papelfundamentalnesteprocessoéodosconsumidores,quedevemexigirqueosprodutoscomercializadoscomoorgânicossejamcertificadospororganizaçõesre-conhecidas,como formadeevitaro surgimentode fraudes.Estaéumaformadeprotegeroprodutoridôneoetambémoconsumidor,propiciandoassimumaexpansãolícitadoagronegócio.

embAlAgem, roTulAgem e idenTificAção dos produTos orgânicos

Demaneirageral,temossériosproblemasdeembalagenscomagran-de maioria dos alimentos. Muitos deles sequer são embalados, sendoassim,fácildeimaginarqueoconsumidornãoconsigaidentificarcor-retamente aquilo que vai adquirir, sem levar em conta as perdas, emdecorrênciadafaltadeembalagensoudousoinadequadodestas.De-pendendodotipodealimentoénecessáriaumaembalagemespecíficae,muitasvezes,comonocasodasfrutasehortaliças,sãonecessáriasembalagensindividuais,quedeveriamserconfeccionadascommaterialadequadoaoprodutoeterseusrótulosbemelaboradoscontendo,prin-cipalmente, as informações necessárias sobre ele, tais como a proce-dência,nome,composiçãonutricional,seétransgênicoounão,datadevalidadeeoutras.Umaspectoimportantecomrelaçãoàsembalagensestárelacionadoasuacomposição,vistoqueamaioriadelasnãosãore-cicláveis,retornáveise/oubiodegradáveis.Destaforma,aproduçãodelixoémuitogrande,comovemosnodia-a-diadobrasileiro.Isto,alia-doàfaltaoucarênciadeorganizaçãoparareciclagemgeraumimpactoambientalenormecontaminandorios, lagos,matas,entupindocanaisde esgotos e outros, além da poluição visual das cidades originandoumamáimpressãodemaneirageral.

limiTAções de ordem TécnicA (produção)Esteitemnãoseráaprofundadovistoqueoprincipalobjetivodestadis-cussãoérealizarumaanálisemaissocialdaAgroecologia,emboraalgunslimitesoudificuldadesenvolvemtambémacadeiaprodutivaagropecuá-ria.Sabe-sequeémuitodifícilcultivar,porexemplo,tomates,maçãsoubatatas, semousodedefensivosagrícolasem funçãodaquantidadedepragasedoençasqueatacamasculturas.Ousodeprodutosoumétodosalternativosmuitasvezesémenoseficientequenosistemaconvencional,masépossívelproduziralimentosdeótimaqualidadesemousomassivodeinsumosquímicos.

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escAssez de pesquisA em AgriculTurA orgânicA

Asinstituiçõespúblicastêmatuadopouconodesenvolvimentoe/ouvalida-çãodetecnologiasdeproduçãoorgânica,oqueacabaprejudicandomaisospequenosagricultoresque,geralmentenãotêmacessoàinformaçõesque poderiam ser utilizadas de forma experimental em suas lavouras eatuamportentativasempíricasqueresultamemerroseacertos.

considerAções FinAis

Aagriculturaecológicaconstitui-senoelementomedianteoqualsepre-tendegerarestratégiasdedesenvolvimentosustentáveleinclusãosocial.Apartirdeseusprincípioselementaresépossível,umamenoragressãoaomeioambiente,aproduçãodealimentosmaissaudáveiserecursosparaaauto-sustentaçãodosprodutores,alémdoauxílionoprocessodeindepen-dênciaderecursosexternos.Atualmente,muitospaísesencontram-seemplenafasedeexpansãocomaproduçãoecológica,destacando-seaAlema-nha,aSuíça,aAustráliaeoutros.

OBrasilsitua-seentreospaísesqueaindaestãomuitodependentesdosistemaconvencionaldeproduçãoagrícola,empregandoenormesquan-tidadesdeinsumosquímicosprovenientesdefontesexternas,causandoumagrandedependênciadetaisprodutoseempresas,alémdaagressãoaomeioambienteedacadeiaprodutivadealimentoscomaltosíndicesdecontami-naçãodosecossistemasporagrotóxicos.Percebe-se,entretanto,nopaís,umacrescentesensibilização,tantoporpartedepesquisadores,produtores,go-vernos,comodacomunidadeemgeral,sobreaimportânciadeseproduziralimentosmaissaudáveisnãoesquecendotambémdapreservaçãodomeioambienteedosecossistemasemgeral.Aagroecologiatorna-se,dessaforma,umaalternativaempotencialaosistematradicionaldeproduçãoagrícola.

reFerênciAs

CAMPANHOLA,C.,VALARINI,P.J.Aagriculturaorgânicaeseupotencialparaopequenoprodutor.Cadernos de Ciência & Tecnologia,Brasília,v.18,n.03,p.69-101,2001.

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AgroecologiA: desAFios PArA umA condição de interAção PositivA e co-evolução humAnA nA nAturezA

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EngenheiroAgrônomo,especialistaemAgroecologiaeDesenvolvimentoSusten-táveleAdministraçãoRural,MembrodaRededeConsultoresColaboradoresdoMDA/SDT(MinistériodeDesenvolvimentoAgrário/SecretariadoDesenvolvimen-toTerritorial),ProfessordoCursodeDesenvolvimentoRuralSustentáveleAgroe-cologiadaUnC/Concórdia-SC|[email protected]

Diantedoenormepotencialautodestrutivodoatualsistema,éconsensoodesafiodoestabelecimentodeumanovacondição,capazdesatisfazerasnecessidadesdageraçãopresente,semcomprometerestapossibilidadeparaasgeraçõesfuturas.Há,porém,namaioriadasabordagens,especial-mentejuntoaodebateoficialdodesenvolvimento,umforte“tomdeconti-nuísmo”subjetivado.Estaafirmaçãoépossível,jáque,majoritariamente,oparadigmadodesenvolvimentosustentávelfoium“conceitogerado,domesmomodoqueodedesenvolvimento,nocentrodo sistemamundialatual”(RIBEIRO,1980).

Desenvolvimento é uma condição universalmente desejada, exa-tamenteemfunçãodasuaimprecisão,ouseja,depossívelambigüidadediantedevisõesdiferentesdesociedade.Destaforma,“sustentávelémaisumrótuloouadjetivoafixadoaoconceitotradicional–desenvolvimento,e que o deixa do mesmo modo, polissêmico” (MONTIBELLER FILHO,2001). Há, portanto, apropriações diferenciadas sobre as referências desustentabilidade.

Osconceitosdedesenvolvimentoassumidosnapráticaaolongodahistóriaexpressamdeterminadosinteresseseperspectivas,sempreresul-tantesdopensamentopolíticohegemônicoemvigor.Assim,

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[...] estudar o conceito de desenvolvimento conduz a análises de diferen-tesaproximaçõesteóricasemquenãosepodemnegarasconotaçõesideo-lógicas que são produtos de diversos interesses e percepções criados nadinâmicadaconstruçãosocial.Essesconceitos têmsidoracionalizadoseapresentadosnoterrenoeconômico,políticoeideológicoeassimconduzi-doprogramasepolíticasconcretasassumidaseimpulsionadaspordistintosgovernos(PERACI,2000).

Odebatedaagroecologiasedánessecontextodiversodeperspec-tivas,masnaabordagemdestetextoassume-seapopularquevemsendoconstruída junto à agricultura familiar/camponesa, onde a agroecologianãoévistaapenascomoumaalternativaouumatécnicadentrodomodelodedesenvolvimentoemvigor.Porisso,umprimeirograndedesafioéares-significaçãoconceitualemoutrasbasescientíficasalicerçadasnumanovacompreensãodomundo,dasrelaçõesedasociedadehumana.

Nesta elaboração, abordam-se aspectos da trajetória histórica dodesenvolvimentonocampo,apontandoascontradiçõesecaracterizandoumanovacondição,cujabaseéaagroecologia.Levantam-segrandesdesa-fiosparaodesenvolvimentonumaperspectivaagroecológicaeanecessá-riareconstruçãoe/oure-significaçãoconceitualparaumaefetivapossibi-lidadetransformadora,tendoaformaçãoeaorganizaçãocomoestratégiafundamental.

A grAnde mudAnçA de rumos

SeguindoocaminhodosprincípiosdaquímicamodernaformuladosporLavoisieremmeadosdoséculoXIX,surgeo“quimismo”apartirdeteoriassobreoscomportamentosdassubstânciasmineraisnossolosenasplantas,comoaformuladapeloquímicoalemãoJustusVonLiebig,afirmandoqueanutriçãomineraldasplantassedáessencialmentepelaabsorçãodesubs-tânciasquímicaspresentesnosolo.Eledesprezavatotalmenteopapeldamatériaorgânicaaodizerqueainsolubilidadedohúmusotornavainútil.

Liebigacreditavaqueoaumentodaproduçãoagrícolaseriapropor-cionalàquantidadedesubstânciasquímicasincorporadasaosoloedefen-diaquearespostadasplantasdependiadaquantidademínimadisponíveldecadaelementoquímiconecessárioaoseucrescimento,equeaausênciaoupresençaemquantidademuitoreduzidalimitariaocrescimentovegetal.EssateoriafoichamadadeLeidoMínimo.Liebigéconsideradoopaidaagriculturaquímica,sendoumdosprincipaisprecursoresdaagroquímica.

Suas idéias causaram grandes impactos na época por estarem seopondoà“TeoriaHúmica”,naqualpormilêniosembasavamaproduçãoeasteoriasagronômicas,equesustentavaaidéiadequeanutriçãovegetalsedáatravésdasraízes,queabsorvemdosolopartículasinfinitamentepe-quenas,constituídas,emgrandeparte,pelomesmomaterialdasplantas.

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Emboratenhamencontradomuitosopositores,comoLouisPasteuresuasdescobertasnocampodamicrobiologia,asformulaçõesdeLiebigtornaram-sehegemônicasnodesenvolvimentoda“agriculturamoderna”.

A modernizAção conservAdorA

Emboragrandestransformaçõesjáviessemocorrendonaagriculturaeu-ropéianoséculoXVIII,a “modernização”daagriculturaéumprocessoqueseinstalaefetivamenteapartirdopós-guerra.Surgeagorauma“Se-gundaRevoluçãoAgrícola”enestaseconstróiumanovacompreensãodeagricultura, intitulada “Revolução Verde”, um padrão agrícola químico,motomecânicoegenéticogestadonosEUAenaEuropa,quetransforma-doem“pacote”,vaigradativamenteseespalhandoeseinstalandoemtodoomundo,criandoumanovaracionalidadeprodutiva.Ogrande“chavão”deste modelo era: “acabar com a fome no mundo”. Preconizava-se que,comamodernizaçãotecnológicaecomoconseqüenteaumentodapro-dutividadeedaprodução,haveriaaumentodarendafamiliare,portanto,desenvolvimentorural.

Quebra-searelativaautonomiadorural.Aindústriaaospoucosseaproprioudeatividadesrelacionadasàproduçãoeaoprocessamento.Esseprocessofoichamadodeapropriacionismo.

O apropriacionismo envolvia a produção de adubos químicosparasubstituiroempregodamatériaorgânica,amotorização e mecani-zaçãonasubstituiçãodatraçãoanimaletrabalhobraçal,eaprodução de sementes melhoradas,atravésdaengenhariagenéticaapartirdasdesco-bertasdeMendel,nasubstituiçãodaseleçãoeproduçãodesementes.

Duranteasguerrasmundiaishouvegrandesinvestimentostecno-lógicosecientíficosnodesenvolvimentodearmas,máquinasesubstân-ciasmortaisaseremusadasnoscombatesenoscamposdeextermínios.Passadasasguerras,muitodeste“arsenal”(capacidadeindustrialdepro-dução)passouaseradaptadoereutilizadoemcampanhasdesaúdepú-blicaeprincipalmentenaagricultura.EntreosexemplosmaisclássicosestãooscasosdoDDTedoSchradan,adaptadosposteriormentecomoinseticidasagrícolas.

A revolução verde no BrAsil

EmborajáexistissemalgunsinstitutosdepesquisaeescolasdeagronomianoBrasil,estassofreramfortesmudanças,eoutrasnovasforamcriadasapartirdadécadade1960,cominfluênciadecisivadosistemadepesquisaeeducaçãodosEUA,quesedeuviaconvêniosdoMEC(MinistériodaEdu-caçãoeCulturadoBrasil)comaUSAID,aAliançaparaoProgresso,comaFundaçãoFord,aFundaçãoRockefellereoutrasdosEUA.Atravésdestes

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convêniosrealizavam-seintercâmbios,vindadeassessoresnorte-america-nos,transferênciadeequipamentoscientíficosedematerialbibliográfico,erecursosfinanceiros.Asescolasdeagronomiabrasileirasconveniaram-secomasnorte-americanas.Oscurrículosforamtotalmentereformuladoseadaptadosaestaproposta.

Inúmerosforamosinstrumentosdeintervenção:leis,regulamentos,créditos,subsídios,instituiçõesdeensino,pesquisaeextensãorural,meto-dologias,campanhasetc.

ARevoluçãoVerde foioúltimograndeprojetoparaodesenvolvi-mento ruralnopaís.Forammaisde20anosde investimentospúblicoseprivadosenvolvendovolumosassomasdecréditosubsidiadoevincula-doàcompradeinsumos(agrotóxicos,sementes,máquinas,adubosetc.),pesquisaeextensãorural,alémdemilionáriacampanhadepropagandaeconvencimento.

Estemodelofacilitouotrabalhoepropiciouoaumentodaprodu-ção,mastrouxeinúmerasconseqüências.Aseguirabordaremospropositi-vamenteestaquestão,classificando-aemquatrodesafios:

• desafiosocial,políticoeeconômico;

• desafiocientífico;

• desafioeducacional;

• desafioorganizacional.

um desAFio sociAl, PolÍtico e econômico

Antesdosadubosquímicos,dassementescertificadas,dosagrotóxicosedeoutrositenssimilares,aproduçãodependiadanatureza.Osagriculto-resbuscavamformasdeajudá-laparapodercontinuarproduzindo,dei-xandoa“terradescansar”(pousio),aplicandomatériaorgânica,fazendorotaçãoetc.

Assim,as famílias tinhamumaproduçãodiversificada,quasenãodependiamdeinsumosexternoseproduziamprimeiroparaoautoconsu-mo.ComaRevoluçãoVerdeissotudoacabou–vieramamonocultura,asmáquinas,assementes,osadubosquímicoseosagrotóxicos–eosistemadeproduçãodaagriculturafamiliarfoidesestruturado,anaturezadescon-sideradaeafertilidadenaturaldestruída.

Acabouaproduçãodebiomassa(matériaorgânica)realizadape-las matas e capoeiras, o húmus do solo se desgastou e começaram aaparecer as pragas, doenças e inços. A degradação e a contaminaçãoambientalseaceleram,avidadosolovaimorrendoeafertilidadena-turalseacaba.Àmedidaqueistovaiacontecendo,aumentaanecessi-dadedeadubosquímicosedeagrotóxicosparamanteromesmoníveldeprodutividade.

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Essas transformações no campo chamadas de “Revolução Verde”faziampartedeumprojetodedesenvolvimentoqueseaplicounoBrasilduranteasdécadasde1960e1970,cujaalavancafoiaindustrialização.Nesseperíodohouvegrandecrescimentoeconômicoporémconcentradonasmãosdepoucos.Pregava-seaidéiadequeéprecisofazerobolocres-cerparadepoisrepartir.

Noiníciodadécadade1960,aproximadamente70%dapopulaçãovivianocampo.Diantedademandaurbana,houvegrandeêxodorurales-timulado,istoé:aindústriaprecisavadegenteparatrabalhar,assimado-tou-seumasériedeprocedimentosparaforçaramigraçãodepartedapo-pulaçãodocampoparaacidade:

• adaptou-seaeducaçãoparaprepararosjovensparatrabalharnaci-dade;

• osinvestimentossociaisemeducação,saúde,lazer,habitaçãoesa-neamentobásicoforamrealizadosnacidade;

• sociologicamente associou-se o campo ao atraso e à ignorância –surgematéalgunspersonagenspejorativoscomoo“jecatatu”,paracaracterizaracondição;

• paraocampoplanejou-seamecanização,aespecializaçãoeasmo-noculturas,eumarsenalquímicoegenéticoparadarsustentaçãoaumacondiçãoondemenospessoasproduzissemmaiorquantidade.

Inicialmenteesseplanopareciadarcerto,mas,aospoucos,acidadejánãoabsorviamaisoêxodoruralquecontinuaocorrendo,nãosópeloes-tímulo,masagoratambémpelacrescenteinviabilizaçãodocampo,invia-bilizaçãoemfunçãodadestruiçãodafertilidadenaturaledadependênciaexterna,damonoculturaedofimdoscultivosparaoautoconsumo,fatoresquesãoresponsáveispelaprogressivaedrásticadiminuiçãodarenda.

Essemodelodarevoluçãoverdegerouumciclovicioso,porqueoaduboquímicomantémaproduçãosemaumentarafertilidadedosolo,provocandooutrosdesequilíbriosneleenaplanta,proporcionandoinços,pragasedoenças.Agorasãonecessáriostambémosagrotóxicoseospro-blemassãomultiplicadosàmedidaqueaumentaadependênciadeinsu-mosexternos.

Além do bem conhecido “chavão” da revolução verde, de “acabarcomafomenomundo”,associou-seamodernizaçãoàmelhoriadascon-diçõesdevidaedebem-estarcomocondiçãoautomáticaeuniversal,alémdeumstatus quosocialvalorizado.Nãoé,porém,oquesedeunapráti-ca,pois,alémdadescapitalizaçãoedoempobrecimentodocampo,houveefeitosaindamaiscatastróficosnomeiourbano.

Oêxodoruraldadécadade1990paracátemumsentidocadavezmaisproblemático:primeiramenteporqueéresultadodacrescenteinvia-

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bilizaçãoambientaleeconômicadocampo;segundoporqueacidadenãooferecemaismuitaspossibilidades–aocontrárioelatambémdemiteeex-pulsaparaamarginalidade.

Re-pensarasustentabilidadeparaodesenvolvimentoéograndede-safiodomomento.E,quandosefalaemsustentabilidade,nãoseestáfa-lando somente de dinheiro, de economia. Para se falar de qualidade devida ede sustentabilidade, outros aspectos são igualmente importantes,comooresgateeavalorizaçãocultural,aconservaçãodomeioambienteeainclusãoeaigualdadesocial.

Éclaroquefalarsobrearendaéumassuntomuitoimportantenomomento,jáqueaagriculturafamiliarenfrentaumadesuasmaiorescri-ses,expressanadegradaçãoambientalecultural,enainsuficiênciaderen-dadecorrentedomodelodarevoluçãoverde,embasadonamonocultura,nadependênciadeinsumosexternos(agrotóxicos,adubos,sementes)enaintegraçãoagroindustrial.

Éfundamentalareconstruçãodosistemadeproduçãodaagricul-tura familiar, porque o agricultor deixou de sê-lo, e se tornou produtordealgumacoisa:“produtordefumo”,”produtordeponkan”,”produtordeleite”, “produtorde tomate”etc.Seusistemadeprodução foidestruído.Historicamente,ele seembasavanadiversificaçãoena integraçãocom-plementardeatividades,ondeoautoconsumoeraestratégiafundamentaltantonoqueserefereàqualidadedevida,quantoaoresultadoeconômico.Namaioriadasfamílias,ovalordoautoconsumofamiliardificilmenteficaabaixodeR$300,00mensais,podendoultrapassarosR$800,00.Asfamí-liasagricultorassabemquenãoétãodifícilproduzirparaoautoconsumo,porém,senãootiveremgarantido,vãoprecisarobterumarendamensalsuficienteparacomprarosalimentosnecessários.Umaunidadefamiliarcombomníveldeproduçãoparaoautoconsumo,mesmocommenosen-tradadedinheiro,temmaiscapacidadedeinvestimento.

Apotencializaçãodafertilidadenaturaldossolosproporcionaumaindependênciaemrelaçãoaosinsumosexternos,diminuindooscustosdeprodução.

Todasessascondiçõessomadasproporcionavamsegurança,estabili-dadeeumarelativaautonomiaeconômica,políticaesocialaocampo,quefoidestruídapelalógicadapropostaimplantadapelarevoluçãoverde,ehoje,diantedasdificuldades,atémesmoseusdefensoresadmitemqueestemodelo“seesgotou”,ouseja,nãoservemais.Oatualmomentoé,portanto,oportuni-dadeparaumatomadadedecisãoquantoàpropostadofuturodesejado.

Paralelamente, é oportuno também o momento para repensar ocampoenquantoespaçoeformadevida,jáque,apartirdaimplantaçãodoatualmodelodedesenvolvimento,elepassouaservistobasicamentecomoespaçodeprodução,atrasoeignorância,dentreoutrosadjetivosnegativos.Acondiçãode“sergente”dacidadaniafoiassociadaaourbano.

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Osinvestimentosempolíticassociaisedeinfra-estruturadelazer,saúde,educaçãoeoutras,foramecontinuamsendodirecionadosaourba-no,mesmoemmunicípiosondeametadeouatémaisdametadedaspes-soasvivemnocampoeondemuitomaisfamíliaspoderãoviver.Porissoénecessáriotambémrepensaraspolíticaspúblicas,porqueoêxodoruralnãointeressaaocampoemuitomenosàscidades.

Fortaleceraagriculturafamiliaréumaestratégiaimportanteparaodesenvolvimentosustentável,comrepercussõesparatodaasociedade,poisestatemumarelaçãodemultifuncionalidadequevaimuitoalémdaproduçãodealimentos,tendo:

• ocampocomoprodutordealimentosnumavisãoestratégicaquan-toàsegurançaesoberaniaalimentar;

• ocampocomogeradordetrabalhoerenda;

• ocampocomoguardiãodabiodiversidade;

• ocampocomoconservadordomeioambiente;

• enfim,ocampocomomodoeformadevida.

um desAFio cientÍFico

Aciênciaresultadainterpretaçãohumanadascoisas,dosfenômenos,dosfatosedosoutrosobjetosdeseuestudorealizadoatravésdeuminstru-mentalmetodológico,eporissonãoéinfalível.Omaiordesafioreside,po-rém,naaplicaçãodeseusresultados,quandotransformadaemtecnologiaaserviçodecorporações,momentoemqueelaperdesuaneutralidade.

Tambémprecisaincorporarnovasperspectivasevisões.“Ohumanodofuturoparecemotivadoporumarebeliãocontraaexistênciahumanatalcomolhefoiatribuída[…]eleadesejatrocarporalgoproduzidoporelemesmo”(ARENDT,1958).E,namedidaemqueoafastamentodaexis-tência humana da natureza se realiza, necessita-se aumentar o nível deartificializaçãoparapodercontinuarvivendo,afastando-secadavezmaisdaciênciadavidaeexercendoumavidadominadapelaciência.Interrom-pem-seosciclosesegmenta-seateiadavida,egastam-sefortunascomtecnologiaseprodutosparasustentaravidanestanovacondição.

Umexemploclássicodestalógicadaciênciapodeserverificadojun-toaomodelodarevoluçãoverdeaplicadonaagricultura,onde,simplifi-candoaanálise,conclui-sequeosadubosaltamentesolúveiseosagrotóxi-cossãorecursosquenospermitemproduziremambientescadavezmaisdegradados.

Aagroecologiadesafiaafusãodaciência,projetoeprocesso,pro-pondoumanovainserçãoerelaçãoecológicanecessáriaparaumarelaçãoprodutivasustentável,e,aomesmotempo,partilhadenovascondiçõese

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relaçõessociaiseeconômicasentreoshumanos,emumnovoprojetodesociedade.Trata-sedeumanovaidentidadebiológicaqueinsereaespéciehumanacomopartenanatureza(umanovaidentidadecomoespécie),as-sociadaaumanovaidentidadesociopolítica.

Essafusãodeprojetoeprocessoconfereàagroecologiaumadimen-sãoestratégica,ouseja,muitomaisdoqueumaestratégiaderesistênciaesobrevivência,elaéumaimportantetarefadequebradeparadigmasnaconstruçãodeumanovaordemexistencial.

Noatualcontextoconjuntural,assumidadestaforma,elaétambémumalutapolíticaquemostranapráticaqueépossívelviverdeoutrafor-ma,sendoque“onovoétambémocaminhoquepercorremosparaatingi-lo”–umcaminhoqueseconstróiaocaminhar.Portanto,maisdoqueumpontodechegada,éessaformadecaminharnumcaminhoquesefazca-minhando,ondecadaavançodeveserassumidoeaplicadonaprática.

Aagroecologiaaquipropostapodeserentendidacomo:

Processodeproduçãodealimentoseprodutosemconjuntocomanatureza,ondeos(as)agricultores(as)possamdesenvolversuasatividadessemagrediroambiente,tornando-seindependentesdos“pacotestecnológicos”comseuscarosedegradantesinsumosindustriais,visandonãosomenteassobrasfi-nanceiras,masprincipalmentequalidadedevida.Éabaseparaodesenvol-vimentosustentávelnosaspectossociais,ambientaiseeconômicos,envol-vendoasdimensõespolíticas,técnicaseculturais,emprocessoseducativosemetodologicamenteadequados,ondeos(as)trabalhadores(as)assumemoprotagonismomaioreaumentamseupoderdeintervençãonasociedade,deformaorganizada(CEPAGRI,1998).

EstefoioconceitoassumidonafaseinicialdaorganizaçãoemRedeEcovidadeAgroecologiaepretendiasituarnocontexto,identificarapro-postaeexpressaracondiçãodemovimentoeprotagonismopopular.

Quandosedefendeaagroecologiacomoumaciência,estásepro-pondomuitomaisdoquecondiçãodedisciplina juntoàagronomia,ouseja,umaciênciaelógicatransversal,queresultadainteraçãoentreoco-nhecimentoacadêmicoeoconhecimentopopular,tradicionalehistórico.

Umaciênciaqueseestendeinclusiveàbiologiaeàsociologiahu-mana,reinserindo-nosdeformadefinitivacomopartenanatureza,poden-doserdefinidadaseguinteforma:“Aagroecologiaéumaciênciafunda-mentadanaco-evoluçãodosseres,eminteraçõespositivas,decooperação–complementaridadeeinterdependência,quere-estabelecearelaçãohu-manananatureza.Resultadaecologiaaplicadaaohumanoeàssuasrela-çõesdeconvivência,sobrevivênciaeprodutivananatureza”(ARL,2007).Éumaciênciaembasadaemumanovaconsciência,fundamentadanumavisãosistêmica,equere-estabelecearelaçãohumana,nanatureza. Istosignificaumarevisãoere-significaçãoconceitualprofunda,proporcionan-doumaquebradeparadigmaseassumidoetraduzidonaprática.

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Paraaprofundarumpoucomaiséprecisoentendermelhoralgunsprincípiosdanaturezaondetudosecomplementaeumacoisadependedaoutra,sejamfenômenose/ouseresvivos.

Noqueserefereàsespéciesvivas,épossívelafirmarquesobrevivemelhoroindivíduoouaespéciequemelhorserelacionacomosdemaisenoambiente.Estessãoosmaisaptosemaisadaptados.Aissochama-sedeco-evoluçãoouevoluirjunto.Trata-sedeumarelaçãodecomplementa-ridade,decooperaçãoedeinterdependência,porquenãoexistemseresouespéciesisoladas.

Considerandoquesomospartenanatureza,seusprincípiostambémseaplicamsobrenós, os sereshumanos, tantona relaçãonoambiente,quantonarelaçãoentrenósmesmos.Aagroecologiasefundamentaeper-segueestainserçãoevolutiva.

Sequisermoscontinuarexistindo,ecomqualidadedevida,preci-samosurgentementeaprenderainteragirdeformapositivananaturezaeentreosprópriossereshumanos.Acomeçarporumatransformaçãonosmeiosdeproduçãoedeconsumo,bemcomoemnossaorganizaçãosocialedenossasvidaspessoais.

HábonsavançosteóricosepráticosemtodasasregiõesdoBrasil.NoSul,hámaisde3.000unidadesfamiliaresdeproduçãocominiciativaspráticassignificativas.

um desAFio educAcionAl

Criarumanovaculturanãosignificaapenasfazerindividualmentedesco-bertasoriginais;significatambém,e,sobretudo,difundircriticamentever-dadesjádescobertas,socializá-lasporassimdizer;transformá-las,portantoembasedeaçõesvitais,emelementodecoordenaçãoedeordemintelectualemoral.Ofatodequeumamultidãodepessoassejalevadaapensarcoe-rentementeedemaneiraunitáriaarealidadepresenteéumfato“filosófico”bemmaisimportanteeoriginaldoqueadescoberta,porpartedeum“gê-nio”,deumanovaverdadequepermaneçacomopatrimôniodepequenosgruposintelectuais(GRAMSCI).

Avelhavisãoantropocêntricaquecolocaohomemcomocentrodetudoéumadasprimeirasbarreirasaseremsuperadas.Esteéumgrandedesafioporqueresultadeumaconstruçãohistóricajuntoàhumanidade,tendoduasvertentescomplementares:

a) Avisão teológicaapartirdeinterpretaçõesequivocadasdoGênesescolaborounacomplicaçãodarelaçãohumanacomanatureza.Ex.“OhomemcriadoàimagemesemelhançadeDeus”.“Ohomemvis-tocomodominadorepossuidordaterra,quecontrolaanatureza,eesta,estáparaservirohomem”.“Ohomemcomoúltimosercriado,portantoobjetivofinaldacriação”.Umainterpretaçãocorretaen-

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tende,sim,queacondiçãodohumano,portadordeconsciência,ra-zão,espíritoealma,nãoéadeumserqualquer,masestacondiçãoaumentaasuaresponsabilidadenarelaçãocomoconjuntodanatu-reza,porquelhepermitealteraredefinirosrumosfuturosdela.

b) Avisão científicanãocolaboroumuitonamudançanesteafasta-mentodohomemcomopartedanatureza,acentuandoaperspecti-vadaexploraçãodamesmaparaoseubenefício.Anaturezaévistacomofontederecursosparaaproduçãodebenseohomemcomodetentordamão-de-obracapazdegerarestesbens.Estavisãoére-sultante da concepção política do sistema capitalista sustentadopelateoriaeconômica,emostrou-seincapazdeexerceraconjuga-çãodaproduçãodebensegeraçãoderiquezasàpreservação,àre-cuperaçãoambientaleàmelhoriadascondiçõessocioeconômicas.Ocálculoeconômicoéamedidaparaodesenvolvimento.Ocresci-mentoeconômicoeoaumentodoPIB(produtointernobruto,queéasomatóriadasriquezasproduzidasduranteumano),estãolongedesetraduzirtambémemdesenvolvimentosocialequalificaçãodarelaçãoambiental.Aconcentraçãodarendatemforteacentonaex-ploraçãodamais-valiadotrabalhoalheio,masdá-setambématra-vésdaapropriaçãodamaisvaliaambiental.

Ambasas visões, teológicae científica,percebemanaturezacomoalgoquenãoexisteemsi,ouseja,sóadquiresentidonamedidaemqueestáemfunçãodoserhumano.Assim,estabeleceu-seumarelaçãoutilitarista.

Emboraaspreocupaçõescomomeioambienteseuniversalizemepopularizemcrescentemente,sãofortementeimpulsionadaspelasconse-qüênciasepeloslimitesqueoesgotamentodosrecursosnaturaisimpõe,ouseja,peloquepodemoschamardeterapiadomedoproporcionadope-lasprevisõesdoaquecimentoglobal,efeitoestufa,escassezdaágua,perdadabiodiversidadeetc.Asaçõeseasreaçõessãodotipo:nãofaçaistopor-quevaiaconteceraquilo,como,porexemplo:–nãoemitircloro-fluor-car-boneto,porqueadestruiçãodacamadadeozôniopoderánosafetar;–nãodesmatareprotegerasmargensderiosefontesporquenosfaltaráágua;–nãodesmatarporqueoseuefeitosobreatemperaturadescongelaráospólos,esubiráoníveldomareterrasférteisseperderão.Estaecologiaé,nomínimo,necessária.

Outrasvezessãoasaçõespunitivasimpostas,emesmoaspressõesdecorrentesdasexigênciasdedeterminadosmercados,quecriamaneces-sidadedeselosquetraduzamcondiçõesambientais,levandoàaçõeseaprogramasnestaáreaparagarantirasuacontinuidadenestemercado.Aecologiatambémestánamoda,ouseja,hojeémodafalarnela.Estaéaecologiadooportunismo.Estasformasatétêmefeitospositivos,masdifi-cilmenteevidenciamoverdadeiroproblema.

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Énecessário,porém,construirumanovaconsciência,fundamenta-danumavisãoecocêntrica,ondeohumanosecolocacomopartealicerça-danabioética.Trata-sedeumavisãosistêmicacapazdeconectarolocalcomoglobal,oimediatocomofuturo,oconcretocomopolítico.

Outrograndedesafioasersuperadorefere-seaofatodeque,namaioriadoscasos,assoluçõespropostasdiantedograndeconjuntodedificuldades socioambientais que se apresentam são “paliativas”, ouseja,nãoresolvemosproblemase,muitasvezes,sequersãosuficientespara amenizá-los. A ineficiência se agrava quando as campanhas pu-blicitárias,emvezdeconscientizar,desviamasatençõesdoverdadeiroproblema,porqueconveniênciaseinteressesimpedemamudançaefe-tiva.Umexemploclássicosãoascampanhasdetríplice lavagem,per-furamentoerecolhimentodasembalagensdeagrotóxicosseminvesti-mentosnapesquisa,acompanhamentotécnicoparaasuperaçãodeles.Oproblemaéaembalagemouoquehaviadentro?Outroexemploilus-trativo éo recolhimento, a separaçãoea reciclagemdo lixo,que sãoresponsabilidadesfundamentais.Oproblemacentralparaasuperaçãodestedesafionãoseresume,porém,nofatodolixoestarmisturadoounapoucareciclagem,mas,sim,nadiminuiçãodesuaproduçãoqueau-mentaacadadiasignificandomaisproblemasambientais,energéticoseeconômicos.

Além das conveniências e dos interesses, esta dificuldade decorretambémdafaltadeformaçãoedeinformação,mesmojuntoàspopula-çõesenvolvidas,porquehálimitesquantoaocaráterpedagógicoeeduca-tivodalutaemsi.Oestudoeaformaçãosãofundamentaisparaacriaçãodaconsciênciamaisefetivanasuperaçãodalógicacapitalistapresenteemnossasmenteseações.Qualificarnossapráticasignificaobrigatoriamentequalificarnossoembasamentoteórico.

Apráticaéograndebalizadordoalcancetransformadordaconcep-ção teórica jáalcançada.Arelaçãoentre teoriaeprática,especialmentequantoaoseucaráter inseparáveledapermanentedinâmica interativa,garante-lheacondiçãodecritériodaverdade.

Averdadedeumconhecimentooudeumateoriaédeterminadanãoporumaapreciaçãosubjetiva,massimpelosresultadosdapráticasocialobjeti-va.Ocritériodaverdadenãopodeseroutrosenãoapráticasocial.Somenteapraticasocialdoshomenspodeconstituirocritériodaverdadedosconhe-cimentosqueohomempossuidomundoexterior(TSÉ-TUNG,1937).

Adialéticadascontradiçõesvaigerandoumanovapráticapropor-cionandonovasformulações,re-elaboraçõeseaprofundamentosteóricos,evice-versa.Ocontraditórionoseiodecadafenômenoéacausafunda-mentaldorespectivodesenvolvimento(TSÉ-TUNG,1937).

AformAÇÃO(processounitáriodeinteraçãoentreformaçãoeor-ganização),ouseja,interaçãoteoriaeprática,açãoereflexão,empro-

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cessos onde o técnico e o político são inseparáveis, tem sido um dosinstrumentos fundamentaisnaconstruçãodosacúmulosabordadosnaconstrução da agroecologia popular. Formação e organização políticasãopartesdeumamesmalógica,adalutapopular,cujossujeitoshistóri-cossãoostrabalhadores.

um desAFio orgAnizAcionAl

Todasasaçõesdevemconstituir-seemprocessosformativoseorganiza-tivosassumidospelapopulação,entendendootrabalhodebasecomoca-pazdereforçareampliaraconstruçãodeumahegemoniapopularfun-damentalparasustentarecolocarempráticaaperspectivamaisampladetransformação.QualquerAÇÃOpodetornar-setransformadorasein-corporarasdimensões:formAÇÃO–organizAÇÃO–multiplicAÇÃOemcaráterdesimultaneidadeedeinseparáveis.Numaperspectivadialética,“formaçãoeorganizaçãopolíticasãovividascomoduasexpressõesdeummesmofazertransformador;fazerqueampliaaconsciêncianasondagemdorealeque,nomesmoprocesso,organizaapráticasocialnatransfor-maçãodoreal”(CEPIS,1996).

UmprimeirodesafioorganizacionalnaconstruçãodaagroecologiaemsuadimensãoestratégicanatransformaçãodocampoéaampliaçãodoassumirdestabandeirapelosMovimentosSociaisdoCampo.Oavançodapropostadeumaagroecologiatransformadoraganhamuitaforçacomaadesãodestemovimentostratando-sedeavançostantonaselaboraçõese sistematizações propositivas, como na multiplicação da agroecologia.Multiplicam-seasiniciativaspráticas,osespaçosdeformaçãoeasarticu-lações.Istoimpulsionaráequalificaráa lutaporpolíticaspúblicasmaisabrangenteseefetivasparaaconversãoagroecológica.

Umsegundodesafioorganizacionaléaarticulaçãoeaorganizaçãodas próprias iniciativas de agroecologia e a confluência nacional destasiniciativasdosMovimentosSociaisenvolvidosedasRedes.Quantoaofor-matoorganizacional,aarticulaçãoemRedeéumaestratégiaeficazporquepodeperpassarInstituiçõeseMovimentos,sendoaorganizaçãodesocie-dadesarticuladasemredes,formasmuitoatuaiseefetivasdesustentaçãodeidentidadescoletivasembasadasempadrõescomunsdecomportamen-to,valoreseperspectivas.

Aorganizaçãoemredeéoexercíciodaprópriavida,aplicadotam-bémnaorganizaçãodosquelutamporestanovaformadepercebereexer-ceravida,ligadosentresidamesmaformacomotudonanaturezaestáligado.Tudoéumagranderede,assimcomoonossocorpoéumarededeórgãosefunções.Aarticulaçãoemredeéumaformadeorganizaçãoquepodeseconectarplanetariamente,ultrapassandoolimitedasinstituiçõeseinclusiveadivisadosEstadosnacionais.

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conclusão

Amudançadecomportamentode todaasociedadeéograndedesa-fio, colocandoasquestõesambientais e sociais comoprioritárias.Ocampopossuiumpapelestratégicoedegrandeinfluência,masneces-sita de uma nova proposta para sua sustentabilidade e sua inserçãosustentávelnodesenvolvimentoterritorial,destacando-seosseguintesdesafios:

• aressignificaçãoconceitualdedesenvolvimentoere-significaçãodopapeldocampodaagriculturafamiliar/camponesanodesenvolvi-mento;

• a reconstrução dos sistemas de produção da agricultura familiar/camponesaeaincorporaçãodaAgroecologianosprocessosdecons-truçãodasustentabilidadedodesenvolvimento;

• aconstruçãoconceitualdaprópriaagroecologia;

• aformaçãoeaorganizaçãoparaasnecessáriastransformaçõesideo-lógicasesociopolíticas.

Estácadavezmaisevidenteeurgenteanecessidadedeconversãoagroecológicanoconjuntodaagriculturafamiliar/camponesa.Imagina-seumprocessoondetodospossamseincluireavançar,realizandorupturasgraduaiscomo“pacote”agroquímicoeindustrialdarevoluçãoverde,bemcomocomalógicadedesenvolvimentoemvigor,semacriaçãodeumnovo“pacote”agoramaisverde.

reFerênciAs

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AgroecologiA no PArAná: evolução e desAFios

antonio carlos picinatto

EngenheiroAgrônomo,MestrandoemGeografiapelaUNIOESTE,campusdeFra-ciscoBeltrão-PR,InstitutoMaytenusparaDesenvolvimentodaAgriculturaSus-tentável.Toledo-PR|[email protected]

BuscAndo um modelo sustentável PArA A AgriculturA FAmiliAr

Aagriculturanosentidodeculturapraticadanocampo,abrangendoastécnicasdeproduçãovegetaleanimalestáemcontínuaevoluçãodesdeasuaorigematéopresente.Suafaseinicial,denominadaTradicional,foi“atropelada”pelaproduçãoconvencional,comefeitosnefastosparaasus-tentabilidadenoqueserefereaosaspectosambientais,econômicoseso-ciais.Primavesi(1992)resumeosefeitosnocivosdaproduçãoconvencio-nalcomasseguintesfrases:

Atecnologiaagrícolaconvencional,nomundointeiro,levaosmédiosepeque-nosagricultoresàfalência.Semsubsídios,aagriculturanãosobrevive,graçasàtecnologiaatual.Éumaagriculturanãosustentável:osgovernosseendivi-dam,osagricultoresvãofalindo,ossolosseestragam,tornando-seimprodu-tivos,eosconsumidoressofremgraçasaumaalimentaçãopouconutritiva,biologicamentedeficiente.[...]Oquetornaaagriculturaatualinviávelsãoospreçosdosinsumos.Nosúltimosseisanos,desde1986,aagriculturabrasilei-ratrabalhounovermelho.Éoresultadodatecnologiaaltamentequímico-me-canizadaimplantadapela“RevoluçãoVerde”.Desdeentãoparecequeodesti-nodospequenosagricultoressãoasfavelasdasgrandescidades.Porémexisteumachanceparaoagricultoreestaédemudaroenfoqueeatecnologia.

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Emoposiçãoàestalógicaconsumidoradosrecursosnaturais,vá-riospensadoressededicaramadesenvolvermodelosmaissustentáveisparaaagricultura,queforampropostosemconformidadecomascarac-terísticasdecadapaís,gerandodiversas tecnologias.Dentreestespen-sadorespodemoscitarRudolfSteiner,filósofoAustríacoqueapartirdocursoagrícolapromovidopelasociedadeAntroposóficanoanode1924em Koberwitz, criou o modelo biodinâmico, fundamentado no slogan:Solosaudável–plantasaudável–animalsaudável–serhumanosaudávelefeliz.OBotânicoeAgrônomoinglêsSirAlbertHowardem1930desen-volveuapartirdeobservaçõesdaspraticasagrícolasdosagricultoresin-dianosaAgriculturaOrgânica,aqualconsideraqueafertilidadedosoloéofatorprincipaldanãoocorrênciadedoençasnasplantaseanimaisequenãoéumaquestãodequantidadedeelementosquímicos,massimdadinâmicadosolo.OpolíticosuíçoHansPeterMuller,em1930desenvol-veuosfundamentosdaAgriculturaBiológicacomváriaspropostas,den-treelasossistemasdedistribuiçãodiretaaosconsumidores.Em1935,MokitiOkadaeMasanobuFukuokanoJapãodesenvolveramasbasesdaAgriculturaNatural,enfatizandoaeconomiadaenergiahumanaeorien-tandoparaastecnologiasquenãoatrapalhamosprocessosdanatureza.AAgriculturaAlternativasurgiuenquantomovimentoem1970nosEs-tadosUnidos,devidoacrisedopetróleo,buscandotécnicasdeproduçãoquenãodependessemdaenergiadele,oqueestimulouosurgimentodegrupos de Agricultura Alternativa nas Universidades do Brasil, contri-buindocomaformaçãodosagrônomosqueapóiamatualmenteospro-jetosAgroecológicos.APermaculturaécriadaporBillMollisoneDavidHolmgrennaAustráliaem1970epropõesistemasagrícolasauto-susten-táveisepermanentes.NaPermaculturaaagriculturaéaartedecolherosol.AAgroecologiasurgeem1980comoagrônomoMiguelAltierenaUniversidadedaCalifórnia,oqualdefinesuabasecientificaapartirdeestudosdosmétodosdaAgriculturaTradicionaldoPerueMéxico.NoBrasilosagrônomosJoséLutzenbergereAnaMariaPrimavesicriaramaAgriculturaEcológicacomacélebrefrase“nãobastaserorgânico,temqueserecológico”.Todosestesfilósofoscontribuemparaodesenvolvi-mentodeummodeloagrícolamaissustentávelqueoconvencionalim-plantadonoParaná.AagriculturadenominadaAgroecológicoouOrgâni-caéoresultadodasomatóriadastecnologiaseconceitospropostosporváriosmodelosprovenientesdeoutrospaíses,somadoaoconhecimentodoagricultorparanaensedasváriasregiões.Pode-senotarnasproprieda-desagrícolasumacertatendênciadeaplicaçãodefilosofiaetecnologiadeváriasdestascorrentes,noentantooqueestáemdesenvolvimentonoEstadodoParanáemtermosdeagriculturasustentáveléalgonovoequefuturamentepoderáterumanovadenominaçãoqueexpresseoquereal-menteestásendoconstruído.

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o Processo de conversão no estAdo do PArAná

OEstadodoParanáapartirdasiniciativasdaregiãoSudoesteéconsidera-dopioneironocultivoeexportaçãodasojaorgânica,processoqueseini-ciouháaproximadamentedozeanosatrás,empropriedadesagrícolasquemantiveramalgumascaracterísticas tradicionais, comtrabalhosexecuta-dospelafamíliaeorientadospelasabedoriadosantepassadosagricultores,noqueserefereaosmétodosprodutivosparavegetaiseanimais.Estaspro-priedadespreconizadorasdaatualAgriculturaOrgânicaaindanãotinhamsidototalmenteabsorvidaspelastecnologiasdaproduçãoconvencional.

Atualmentepode-seobservar todaumaorganizaçãonaprodução,estruturadearmazenamentoelogísticadecomercialização,quetêmper-mitidoaosprodutoresorgânicosagregaremvaloràsoja.AexperiênciadaAPOP–AssociaçãodosProdutoresOrgânicosdePéroladoOestedemons-trouqueacomercializaçãodasojaorgânicaaconteceucomvalordeUS$22,00asacanasafra2006/2007.

A referida estrutura tem sido desenvolvida pela iniciativa privadaeporinvestidoresestrangeiros,destacando-seasempresasqueintegramprodutoresdasojaorgânica,comoaTerraPreservada,Agrorgânica,To-zan,GebanaeGama.Aagregaçãodevalorénotóriaesatisfatória,noen-tantoavisãoestratégicanoslevaabuscartecnologiasobjetivandoaredu-çãonocustodeproduçãoparacompetirmosemnívelmundial.

Aindanoqueserefereàagregaçãodevalor,devemosconsideraraagroindustrializaçãodeprodutosorgânicos,aoinvésdesimplesmenteco-mercializarmosamatéria-prima.OBrasildevevenderprodutosorgânicostransformados,porquealémdeagregarvalor,tornaráútilocidadãobra-sileiro,queparticiparádoprocessode transformaçãodamatéria-prima.UmadasiniciativasédaempresaJasmineComérciodeProdutosAlimen-tíciosLtda.comsedeemCuritibaequetemumalinhadeprodutosorgâ-nicos,comooaçúcarmascavo,bebidadesoja,cookiesintegrais,chámate,farinhas,sojaearrozintegral,eoutrainiciativadedestaqueéaproduçãodeovosorgânicospelaGralhaAzulAvícola,deFranciscoBeltrão-PR.

Outrasiniciativasempresariaissereferemàproduçãodeinsumos,éocasodafábricadafamíliaPegoraronomunicípiodeBoaVistadaApare-cida-PR,queelaboraosadubosorgânicospeletizados,etambémdafábri-cadeadubosFertiplandePlanalto,queteveimportâncianofornecimentode insumos orgânicos certificados pela empresa IMO – Control do Bra-sil,commatriznaSuíça,atéaproximadamenteoanode2004.Nassafras2005/06e2006/07aempresaquedistribuiufertilizantescertificadosfoiaEcossuperdePranchita.

Estaevoluçãodomercadodeprodutosorgânicosqueestáaconte-cendonoEstadodoParanáéoresultadodeumaconjunturainternacional.EstudosdeYussefi(2006)relatamqueoMéxicoéopaíscommaiornúme-

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rodepropriedadesorgânicas,totalizando120.000eoBrasiléodécimoter-ceiropaíscom14.003.Emtermosdeporcentagemdeáreaagrícolaorgâni-caoprimeiropaíséLiechtenstein(26,40%),eoBrasiléoqüinquagésimooitavocom0,34%.AAustráliaocupao1ºlugarnorankingdamaioráreaagrícolaorgânicacom12.126.633hectareseoBrasilestáclassificadoemsextolugar,com887.637hectares.Pode-seterafalsaidéiadequeomerca-dodeorgânicosirásaturar,noentanto,oqueimportaéconhecereaceitarasnovastecnologiasqueestãosendodifundidasnomundo,equepoderãoreduzirocustodeprodução,pornãopoluíremesatisfazeremconsumido-resexigentesemtermosdequalidadenutricionaldosalimentos.

NaAméricaLatina,ocrescimentodestemercadoestáligadodema-neiramaisforteàsculturasdeexportação.NoBrasil,aproduçãovisatam-bémaoabastecimentodomercadointerno,principalmentecomlegumeseverduras,utilizandodiferentescanaisdecomercialização(feiras,hospi-tais,cestasemdomicílio,lojasdeprodutosnaturais,supermercados).Asexportaçõesestãomaisrestritasàscommodities:soja,café,açúcar,óleodepalmaededendê,entreoutras(FONSECA,1999).

OapoiogovernamentalnaEuropafoifundamentalnaconstruçãodomercadoorgânico.Apartirdejulhode1991aregulamentaçãodanor-maUE2092/91daComunidadeEconômicaEuropéia,quetratadaprodu-çãoecomercializaçãodeprodutosorgânicosnospaísesdaComunidade,alicerçouasbaseslegaisepossibilitouumaexpansãodestecomércionosdiversospaíses(HAMM,1997).

Nospaísesque tiverammaior crescimentodestemercado, comoaDinamarcaeaÁustria,opapeldaspolíticaspúblicasfoivoltado,principal-mente,paraumplanodemarketingeesclarecimentoaoconsumidor(2/3dossubsídios),paraaconversãodosagricultores,odesenvolvimentodepes-quisaseacapacitaçãodostécnicos(1/3dossubsídios)(FONSECA,1999).

ASECEX–SecretariadeComércioExteriordoMinistériodoDesen-volvimento,IndústriaeComércioExterior(MDIC)divulgaramqueoBrasilexportounoperíododeagostode2006ajaneirode2007maisde5,5mi-lhõesemorgânicos,sendoosprincipaisitensoaçúcar,amanteiga,ocafé,ocacaueasfrutasfrescasesecas.OscompradoresforamosEUAcom41,2%eaHolandacom29,5%seguidosdoCanadá,JapãoeReinoUnido.

Nasafra2001/02oDepartamentodeEconomiaRural–DERALeaEmpresaParanaensedeExtensãoRural–EMATERidentificaram3.475produtorescultivando12.991hectares,comproduçãode47.958toneladas,noEstadodoParaná.

SegundooCoordenadordeAgriculturaOrgânicadaEmater-PR,Ha-merschmidt(2007),oEstadodoParanáapresentou4.138produtorescommédiade3,0hectaresporfamíliaeproduçãototalde75.900toneladasnasafra2004/05.Asojachegoua5.772toneladasnasafra2004/05sendoex-portada98%paraaEuropa,ÁsiaeEstadosUnidos.Outrosprodutosde

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destaquesãooaçúcarmascavotambémexportadoparaaEuropa,ashor-taliçasefrutasquenasuamaioriasãoparaconsumointernoealcançaram22.000toneladastambémnasafra2004/05,omilho,feijão,café,plantasmedicinais,arroz,mandiocaetrigo.Hamerschmidt(2007) citaalgunspro-jetosnoEstadodoParaná,sendo: PólodeAgroecologiadolitoraldoPara-náabrangendo320agricultores;projetoCultivandoÁguaBoa,nasregiõesde Cascavel e Toledo com 225 agricultores; projeto orgânico da RegiãoMetropolitana de Curitiba com 551 produtores; Parceiros Orgânicos doNoroeste,incluindoasregiõesdeMaringá,CampoMourão,UmuaramaeParanavaícom500agricultoresdistribuídosem23municípios;projetodefrutas,hortaliçasegrãosorgânicosdaregiãodeUniãodaVitóriacom75produtores;projetoorgânicodegrãoseaçúcarmascavodoSudoestecom678produtores;projetoorgânicodeaçúcarMascavoecafédeSantoAntô-niodaPlatinacom228produtores;projetodecaféorgânicodeLondrinacom39produtores;projetoAPOL–AssociaçãodosProdutoresOrgânicosdaRegiãodeLondrinaeCornélioProcópio,com178produtoresproduzin-dofrutasehortaliças;projetodeplantasmedicinaisegrãosdaregiãodeGuarapuava,PontaGrossaeIraticom620produtores.

Atualmenteaidéiadoprocessodeconversãodaproduçãoconven-cional para a Agricultura Orgânica está disseminada em praticamentetodooEstadodoParaná,comexcelenteaceitaçãodapopulaçãoemgeralecomenvolvimentodamaioriadasinstituiçõesqueatuamnaagricultu-raepecuária.

quem está se tornAndo orgânico no estAdo do PArAná?

No Sudoeste do Paraná, na região do PROCAXIAS podemos ilustrar osgruposdeagricultoresemconversãoconformedadosdeMaytenus(2003),apresentandoas característicasdaAAOSL–AssociaçãodosAgricultoresOrgânicosdeSaltodoLontra,quetemcomoprincipaisatividadesagrícolasocultivodasoja,cana-de-açúcar,mel,banana,citrus,pêssego,leite,frango,amendoim,farinhademandioca,suínos,ovos,eofabricoderapadura,açú-carmascavoequeijo.AáreamédiadaspropriedadesdaAAOSLéde14,46hectares,sendoamaiorpropriedadede45,60hectareseamenorcom0,5hectare.Osomatóriodaáreatotaldaspropriedadeséde327,29hectares.

Nesteanode2007,motivadapelaforteidéiadaorganizaçãoterrito-rial,odestaqueéaAPROSUDOESTE –CentraldeAssociaçõesdeproduto-resOrgânicosdoSudoestedoParaná,aqualfoiconstituídanoanode2006por5associaçõesdeagricultoresorgânicos,sendoaAPOP–AssociaçãodeProdutoresOrgânicosdePérolaDoOeste,APROVIDA–AssociaçãodePro-dutoresOrgânicosdePatoBranco,APROPAL–AssociaçãodeProdutoresOrgânicosdePalmas,ECOFLOR–AssociaçãodeProdutoresOrgânicosdeFlordaSerradoSuleAPROSANTO–AssociaçãodeProdutoresOrgânicos

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deSantoAntoniodoSudoeste.Cadaumadasassociaçõesdestaca-sepelosseusprodutos,sendo:PéroladoOeste(soja);SantoAntoniodoSudoeste(hortaliças,sojaeaçúcarmascavo);Palmas(hortaliçascomdestaqueparaomorango); ePatoBranco (hortaliças, cachaça)eFlordaSerradoSul(plantasmedicinais,comdestaqueparacapim– limão).OsdocumentosdecontroleinternodaAPROSUDOESTEparafinsdecertificaçãocomaEcocertapresentam71propriedadescommédiade9hectares,eprodu-çãototalestimadade2.764,32toneladasparamercadonacionale inter-nacional, conforme as legislações da Comunidade Econômica Européia(UE2092/91),EstadosUnidos(NOP)eJapão(JAS).AAPROSUDOESTEéresultadodeumprojetorealizadopeloSEBRAEdePatoBranco,InstitutoMaytenus, Fóruns de Desenvolvimento Local, Ministério do Desenvolvi-mentoAgrário(SAF)eSecretariasdeAgriculturadasprefeiturasdosmu-nicípios,dentreoutrosapoiadores.

AsorganizaçõesdeagricultoresorgânicoseagroecológicosnoSu-doestedoParanáregrageralforampreconizadasporprojetos,dentreeles:1. Fortalecimento e Ampliação de ações em Agroecologia e Desenvolvi-mento local/regionalSustentávelnaregiãoSudoestedoParaná(ASSES-SOAR/MDA);2.Apoioaprojetosde infra-estruturaemterritóriosrurais(RedeEcovida/prefeituraItapejaradoOeste/MDA);3.Projetodecapaci-taçãodeagricultoresecológicos(RedeEcovida/MDA);4.FortalecimentodoCapitalSocialdasAssociaçõesdeAgricultoresOrgânicosdoSudoestedoParaná(InstitutoMaytenus/MDA);5.Agroindustrializaçãodeuvaagro-ecológicaparasuco(GrupodetrabalhoagroindústriaterritórioSudoestedoParaná/MDA);6.ProjetodeEstruturaçãodasOrganizaçõesSindicaisdeClasse(ProjetoTerritórioSudoeste/MDA);7.Projetoparaimplantaçãodeunidadederecepção,beneficiamentoearmazenagemdegrãosorgâni-cos(ProjetoTerritóriodoSudoestedoParanáCAMDUL/MDA);8.ProjetodeInclusãoSocialeBiodiversidade(Cooperiguaçu/OngTriasdaBélgicaeMDA);9.ProjetoFOMEZERO–CompraDiretaLocaldaAgriculturaFamiliar(AssociaçõesAgricultores/GovernoFederaleEstadual/Convênio058/2003–MESA);10.ProgramadeAgriculturaOrgânica (SEBRAE-PR–PatoBranco);11.AgrotransformaçãoecomercializaçãodeProdutosOr-gânicosnoProCaxias(SEBRAE-PR–Cascavel)etc.

Outraevoluçãoimportantenoqueserefereaodesenvolvimentosus-tentávelapartirdaAgroecologiaéosurgimentodesistemadecertificação,éocasodaRedeEcovida.

Segundo Rebelatto (2005) o Núcleo Sudoeste da Rede Ecovida éconstituídopor15gruposeassociações,totalizando150famílias.NoEsta-dodoParanásão84gruposouassociaçõese741famílias.

ConformeentrevistaàRedeEcovidaemoutubrode2005onúmerodefamíliasassociadaserade166,sendoqueasúltimasduasassociaçõesforamdosmunicípiosdeFlordaSerradoSuleClevelândia.

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Considerandoos42municípiosdoSudoestedoParanáoestudode-nominadoDiagnósticodasIniciativasdeAgriculturaOrgânicaeAgroeco-lógicanoSudoestedoParanáidentificou31organizaçõesdeagricultoresdenominadasAssociações,CooperativaseGruposinformaisdeagriculto-resorgânicoseagroecológicos.Onúmerodefamíliasquefazempartedes-tasorganizaçõesequeestãoreconhecidasporcertificadorasouquesolici-taramacertificaçãoéde284.Estasfamíliasproduzemdiversasculturas,comalgumasinovaçõescomo,porexemplo,ocultivodeplantasmedici-naisemFlordaSerradoSul.

A evolução que está ocorrendo no Sudoeste do Paraná no que serefereàsorganizaçõesdeagricultoresfamiliares(incluindoosorgânicoseagroecológicos)éocooperativismodaAgriculturaFamiliar,denomina-dodeCOOPAFI–SistemadeCooperativasdaAgriculturaFamiliar,oqualcontemplaacomercializaçãoapartirdepontosfixosdevendadosprodu-tosdaAgriculturaFamiliarOrgânicaeAgroecológica.

Algumas iniciativasdeprodutoresorgânicosquenão fazempartedeorganizaçõesdeagricultoresorgânicosouagroecológicosforamidenti-ficadasnosmunicípiosdeChopinzinho,ClevelândiaePalmas,sendoquenomunicípiodeChopinzinhoaproduçãocertificadaédeerva-mateenosdemaismunicípios,principalmentedesojaorgânicacertificada.AlgumasdestasiniciativasdeprodutoresindividuaissedestacamdevidoaocultivodecereaisorgânicosemáreasmaioresqueAgricultoresFamiliaresvincu-ladosaoassociativismo.NoqueserefereàproduçãodesojaorgânicanosmunicípiosdoSudoestedoParaná,conformecomercializaçãoporempre-sasintegrantesdassafras2001a2005,identificou-se22comcomercializa-çãodesojaorgânicacertificadanesteperíodo.Acontagemdonúmerodeprodutoresrevelouquenasafrade2001/2002,407agricultorescomercia-lizaramsojaorgânicaporempresasintegradoras;nasafrade2002/2003,373;nasafrade2003/2004,333enasafrade2004/2005,263.Estareduçãonacomercializaçãodoprodutopossivelmentefoiemfunçãodeestiagem.

Aáreadeproduçãodesojaorgânicadosagricultoresquecomerciali-zaramdeformaintegradacomasempresasdeexportaçãodoSudoestedoParaná,nasafra2001/2002foide2.308hectares;nasafra2002/2003,2.318hectares;safra2003/2004de1.778nasafra2004/2005de1.988hectares.

Ototalcomercializadonasafrade2001/2002foide4.110toneladas;nade2002/2003de4.612;nade2003/2004de3.042enasafra2004/2005de3.684toneladas.

Quantoàsojaorgânicaaindaéimportanteenfatizarqueonúmerodeagricultores,aáreacultivadaeototaldeproduçãosereferemàquelesagricultoresquecomercializaramcomasempresasintegradoras,logoes-tesnúmeros,possivelmentesãomaioresumavezqueexistemagricultoresquepodemtercomercializadosojaorgânica,poroutraslogísticasdeco-mercialização.

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Identificou-seem13municípios14pontosdecomercializaçãodealimentosorgânicoseagroecológicoscoordenados(oucomparticipação)poragricultoresfamiliaresnoSudoestedoParaná,sendoqueemalgunscasossãoexclusivamentedealimentosorgânicoseagroecológicos.

OcréditoruralparaaAgriculturaOrgânicaeAgroecológicafoiiden-tificadoemduasorganizações.ACRESOLBASER–CooperativaCentraldeCréditoRuralcomInteraçãoSolidária,lançounoanode2005umali-nhadeCréditoRuralOrgânico/Agroecológicoparacusteioeinvestimentoscomrecursos próprioseaempresaAgrorgânicaemparceriacomoIBD–InstitutoBiodinâmico,disponibilizouaosseusintegradosocréditoruralBancodoBrasilAgriculturaOrgânica.

EstestiposdeagriculturaestãoemexpansãonoSudoestedoPara-ná,fortementeapoiadospelosprincípiosdodesenvolvimentosustentável,queporsuavezéapoiadopelaSDT/MDA–SecretariadeDesenvolvimentoTerritorialdoMinistériodoDesenvolvimentoAgrário.

DevidoaestaevoluçãopodemosafirmarqueaAgriculturaFamiliarapartirdaAgroecologiaedaagriculturaOrgânicaéopresenteeofuturodoSudoestedoParaná.

Na região Oeste do estado, no município de Palotina, o tamanhomédiodaspropriedadesdosassociadosdaAPOP–AssociaçãodosProdu-toresOrgânicosdePalotinaéde37,77hectares,totalizando757hectaresdeáreaagrícola.Noentanto,amédianãoérepresentativadamaioria,poisumadaspropriedadespossui408,3hectaresenquantoamenor,apenas1,7hectares.Classificando-seporáreaas21propriedadesdosassociadosdaAPOP,teremosodescritonoquadroaseguir:

Quadro 1 – Características gerais da APOP - Associação dos Produtores Orgânicos de Palotina-Pr - 2003

Classes - hectares

Tamanho das áreas hectares Atividades

0 -10 2,9; 7,4; 7,3; 1,7; 3,63; 4,8Hortaliças, leite, milho, cana-de-açúcar(cachaça), mandioca

10-20 12,8; 15,5; 12,1; 12,1 Soja, leite, cana-de-açúcar (melado e doces),

20-30 24,2; 27,0; 20,5; 25,4; 25,5;24,2 Soja, milho, leite, suínos, aves, café, trigo, pastagem,

30-40 36,2; 37,5; 35,8 Soja, milho, pastagem, trigo, suínos, uva, mandioca

Acima de 40 48,4; 408,3 Soja, milho, leite, ovos, peixes, hortaliças, trigo

AAssociaçãoSãoJoãoBatistadomunicípiodeIracemadoOestecom14sócios,temoseuprojetodirecionadoparaocafé,atividadeagríco-laondeamaioriaatua.Enquantoatividadestambémpodemoscitarasoja,milho,avicultura,hortaliças,bovinosdecorte,vassoura,pastagensetrigo.Amédiadaspropriedadespossui20,64hectares,sendotrezepropriedades

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menoresque30hectareseapenasumacom181,50hectares.Amenorpro-priedadeparaestaassociaçãoéde6,3hectares.

OutraAssociaçãodescritaparacaracterizaropúblicoqueestá seconvertendoparaaAgriculturaOrgânicanoOesteparanaense,éadeAssisChateaubriand,denominadaAPOAC–AssociaçãodeProdutoresOrgâni-cosdeAssisChateaubriand,naqualestãoassociados13agricultores,comáreasentre2,50a29,04hectarestendocomoprincipaisatividadesagríco-las:soja,milho,arroz,batatadoce,bovinosdeleite,mandioca,café,frutascítricas,caqui,frangos,cana-de-açúcarparacachaçaehortaliças.

OsurgimentodosprojetosdeAgriculturaOrgânicanoOestedoPa-raná foram mais evidentes a partir de 2000, sendo que no ano de 2007observou-seaorganizaçãoterritorialdaAPOMOP–AssociaçãodosPro-dutoresOrgânicosdoMédioOestedoParaná,abrangendoosmunicípiosdePalotina,AssisChateaubriand,FormosadoOeste,NovaAurora,Jesuí-tas e IracemadoOeste.NaAPOMOP51agricultores sãoprodutoresdecaféorgânicocertificadospeloIBD–InstitutoBiodinâmico.SuamarcaéaORGANIVIDAeasuaestratégiaprincipaléavendadiretaaoconsumi-dor,com15feiras.Acomercializaçãointernacionaltambéméumobjetivo,sendoquenoanode2007participoudaFeiraBioFAchemNurenberguer,Alemanha.Alémdocaféestaassociaçãotambémproduzsojaorgânica.Aorganizaçãoterritorialpermiteoestabelecimentodeparcerias,sendoqueacooperativaCOPACOLestáinseridanoprocesso.

OutraatividadeemplenodesenvolvimentonoEstadodoParanáéaproduçãodealgodãoorgânico.ApartirdaparceriaentreMAYTENUS,CoexisPesquisaeDesenvolvimento,Ematereprefeituras,desenvolveu-seatecnologiaeaconseqüenteproduçãodoprodutonosmunicípiosdeCru-zeirodoOeste,Pérola,Altônia,SãoJorgedoPatrocínio,EsperançaNova,FranciscoAlves,SãoJosédasPalmeiraseDiamantedoOeste.Ototaldehectarescultivadoséde21,comparticipaçãode24famílias.Aprodutivi-dade,considerandotodasaspropriedades,estáemtornode1.600kg/ha,sendoqueémenornossolosdearenito.AcomercializaçãofoicontratadacomaempresaYDConfecçõescomsedenacidadedeSãoPaulo,comva-lores30%acimadomaiorpreçodemercadoouacimadopreçomínimo,valendooquefossemaior.Atecnologiautilizadapropiciouacertificaçãoparaprodutosorgânicosdestinadosaomercadonacional,europeuenorte-americano,feitaatualmentepeloIBD–InstitutoBiodinâmico.

NoNortedoParaná,naregionaldeLondrina,considerandoosmu-nicípiosdeKaloré,MarilândiadoSul,RosáriodoIvaíeBorrazópolis,fo-ramcadastradasparaefeitodecertificaçãonoanode2003peloInstitutoMaytenus,51propriedadestotalizando1.102,81hectares,dosquais434,56hectaresestãoemprocessodeconversão.Paraestaregiãoamédiadaspro-priedadesdosparticipantesdosgruposdeagricultoresorgânicosficaem21,62hectares.AindanoNortedoestado,considerandoosmunicípiosde

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Guapirama,ConselheiroMairinck, JundiaídoSuleRibeirãodoPinhal,foramcadastradasparaefeitodecertificação54propriedades,totalizando3.052,27hectares,dosquais1.383,80estãoemprocessodeconversão.Des-taformaotamanhomédiodaspropriedadesdosgruposdeorgânicosparaaregiãoacimadescritaéde56,52hectares.

ConsiderandoumaclassificaçãomaisdefinidametodologicamenteporDarolt(2002),ondeseusestudosdefiniramdoisgrandesgruposdis-tintos,pode-sedizerqueosagricultoresemprocessodeconversãocorres-pondemaosgruposdenominadosdeAgricultorFamiliaremTransiçãoeAgricultorFamiliarOrgânico.ConformeaclassificaçãodeDarolt(2003)oprimeirograndegrupoéconstituídopelostiposdenominadosdeAgricul-torFamiliarOrgânicoeporAgricultorFamiliaremTransição,amboscomlógicasfamiliares,ecorrespondema90%dasamostras.Osegundogran-degrupotemlógicasempresariaseédenominadodeEmpresárioAgríco-laOrgânicoeEmpresárioAgrícolaemTransição,ecorrespondeaapenas10%daamostra.

Osmotivosquesãomaisexplicitadosporestesagricultoresqueen-tramnomovimentodaAgriculturaOrgânicaouagroecológicasãoaintoxica-çãoporagrotóxicoseainviabilidadeeconômicadaproduçãoconvencional.

desAFios

Promoveraevolução doserhumanoparapropiciaroentendimentoquan-toaosmalefíciosprovocadospelos insumosagrícolasconvencionaiseanecessidadedeutilizaçãoracionaldosrecursosnaturaiséomaiordesafiodaagriculturaagroecológica.AsassociaçõesvinculadasàAPROSUDOES-TEpromovemjantaresorgânicostodososanosobjetivandoaformaçãodeconsumidores,sendodestaqueaAPROVIDAdePatoBranco,querecebeuaproximadamente500pessoasno jantarpromovidoem2006,duranteoeventodaExpopato.Quandoapopulaçãodescobreacontaminaçãoexis-tentenosseusalimentoscomeçaaapoiaraAgroecologia.OrelatóriodoProgramadeAnálisedeResíduosdeAgrotóxicosemAlimentosnoEsta-dodoParaná,SecretariadeEstadodaSaúdedoanode2003apontaparaacontaminaçãodealimentosutilizadosdiariamente.Deumtotalde407amostras,55,3%apresentaramresíduosdeagrotóxicos,comdestaqueparatomate,maçãemorangoosatingindoopercentualde90%.Das225amos-trascontaminadas,118(65%)apresentaramagrotóxicosnãoautorizadosparaaculturae45%apresentaramresíduosacimadosvalorespermitidospelalegislaçãovigente.Ototaldeprincípiosativosdetectadosfoide21.

OrelatórioorientaparaocancelamentodoregistrodoEndossul-faneDicofolporquenaclassificaçãointernacional(IUPAC–InternationUnionofPureandAppliedChemistry)sãodogrupoquímicodosorgano-clorados,osquaisforamproibidosnamaioriadospaíses,bemcomoorien-

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taparaareavaliaçãodosditiocarbamatosdadasasincertezasquantoaosriscosàsaúdehumanaeambiental.

ParaosagricultoresfamiliaresqueproduzemsojaorgânicanoSu-doestedoParaná,segundodiálogocomaAPOP–AssociaçãodeProdu-toresOrgânicosdePéroladoOeste-PR,odesafiomaioréaestruturadearmazenamento,quepropiciariaarealizaçãodecomercializaçãodireta-mente comas empresasquedistribuemprodutosorgânicosnaEuropa.Atualmenteestacomercializaçãoacontecepormeiodeempresasqueinte-gramagricultores,ouqueestabelecemcontratosantecipados.

Outrodesafioparapromoveraagregaçãodovaloréatransformaçãodamatéria-primaaquinoBrasil,preferencialmentecomagroindústriasnascomunidadesruraisecomgestãorealizadapelosprópriosagricultoresfamiliares.Estedesafioégrande,umavez,quequandosecomparaatec-nologiabrasileiraemrelaçãoadospaísesimportadores,éevidenteane-cessidadedaimportaçãodestastecnologiasparaquepossamosapresentaroprodutoacabadoconformeaexigênciadapopulaçãoconsumidora.

Algumasatividadesagrícolasagroecológicasaindanãoforamreco-nhecidas.Umexemploéaproduçãodo leiteagroecológico,paraoqualnão há laticínios exclusivos que o processe e embale. Então acontece amisturadoleiteconvencional,comoorgânico.Naspropriedadesorgâni-cas,devidoaodesenvolvimentodeumsistemaapropriado,observa-sequeomanejodosanimais,aalimentação,eosmedicamentosutilizadoscor-respondemàlegislaçãoparaorgânicos,sendoomotivadorparaaadoçãodesta tecnologia a redução no custo de produção. Segundo Khatounian(2001)aspastagenssãopulverizadaspelo2,4-D,principalprincípioativodoagente laranjae causadorda focomielia, anomaliaobservadaapósoataquedosEstadosUnidoscontraoVietnã,nosfilhosdesoldadosnorte-americanosevietnamitas.

Afaltadeproduçãodesementesconformeasnecessidadesdaagro-ecologiatemsedemonstradoumfatordereduçãodaeficáciadosmétodosdeconversãodepropriedadesconvencionaisparasistemasagrícolasagro-ecológicos.Oscultivostêmsidopraticadoscomsementesconvencionais,poisemépocasdesecaosagricultoresnãoconseguemproduzirsemen-tesorgânicasemquantidadesuficienteparafazeremnovoscultivos,bemcomoalgumasregiõesnãosãopropíciasàproduçãodesementesdevidoàcondiçõesclimáticas.

Aspropriedadesagroecológicassãoconstantementevítimasdefato-resexternos,porexemplo,aderivadeagrotóxicosdeoutraslavouras;emcasosmaisgravesatéporpulverizaçõesaéreas,fatorqueobrigaaimplan-taçãodebarreirasvegetadas.Nestecasoodesafiomaiorétornarobriga-tóriaapenalizaçãodaquelequeutilizaoagrotóxico,logo,eleéquedeveimplantarbarreirasvegetadas,nãosimplesmenteporcontaminaraprodu-çãoagroecológica,massim,porcausarcontaminaçõesgeneralizadasno

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ambiente.Pessoasquetrafegamnasrodoviasficamsubmetidasconstante-menteaosagrotóxicos,bemcomoagrandemaioriadaspessoasqueestãopróximasdeáreasprodutivasconvencionais.

Assementestransgênicas,principalmenteasdesoja,têmprovoca-docontaminaçãoemlavourasorgânicas,oquecondenaosgrãoscolhidos,quetêmquesercomercializadoscomclassificaçãodeconvencional,alémdeprovocaremaumentonoscustosdeproduçãodevidoàobrigatoriedadedeanáliseparatransgeníanassementesenosgrãoscolhidos.Apossibili-dadedemisturadegrãostransgênicos,convencionaiscomosagroecológi-costambéméumaagravante,umavezqueasestruturasdearmazenamen-toaindasãoescassas.

Umaestruturaçãodesistemadecomercializaçãoquepermitaaven-dadiretaaosconsumidoresefluxodeprodutosentreregiõespromoveráacomercialização.Algocompoucaintensidadejáexiste,porexemplo,ocaféorgânicoproduzidoemJesuítas-PR,queécomercializadonoSudoestedoParanácomamarcaOrganividadaAPOMOP–AssociaçãodosProdutoresOrgânicosdoMédioOestedoParaná.

Os sistemas agroecológicos dependem do nitrogênio atmosférico,queéfixadoporplantasdafamíliadasleguminosasemsimbiosecombac-tériasdogêneroRhizobium,logo,adisponibilizaçãodesementesdeespé-cieseficazesparaafixaçãobiológicadonitrogênio,bemcomoaidentifica-çãodeespéciesnativaseintroduçãodeespéciesexóticassãofundamentaisemtodasasregiõesdoParaná.NestesentidooIAPAR–InstitutoAgronô-micodoParanáapoiadopororganizaçõesregionaisfazumtrabalhores-peitável.

Educaçãoparaoassociativismoecooperativismoenãoparaacom-petição, éum grandedesafio, pois existe anecessidade de formação deassociaçõesecooperativasdeconsumidores,deprodutores,detécnicos,dentreoutras formasdeorganizaçãoquecontribuirãoparaasuperaçãodosobstáculos.

Fortaleceradistribuiçãode insumos, facilitandoa transiçãoparaumanovabasetecnológicaécrucialedesafiador.Aevoluçãoqueestáocor-rendonoSudoestedoParanánoqueserefereàsorganizaçõesdeagricul-toresfamiliaresequeestáincluindoosorgânicoseagroecológicoséoco-operativismodaAgriculturaFamiliar,denominadodeCOOPAFI–SistemadeCooperativasdaAgriculturaFamiliar,oqualcontemplaadistribuiçãodeinsumoseacomercializaçãoapartirdepontosfixosdevendadospro-dutosdaAgriculturaFamiliarOrgânicaeAgroecológica.

Produzirsemdestruirosrecursosnaturaiséagrandequestão.Ade-pendênciadaproduçãoconvencionalemrelaçãoaopetróleoparaaprodu-çãodeinsumoséumdosfatoresqueatornainsustentável.

Universidadesdesenvolvendopesquisase fundamentandocientifi-camenteastecnologiashojepraticadasnaspropriedadesagroecológicasé

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indispensávelparaaevoluçãodaAgroecologia,poisdesenvolverumabasecientíficaéodesafiomaiorpropostoporAltieri(1989).

Apreservaçãodaáguaevitandoasuacontaminaçãoporagrotóxicoséessencial,umavezqueseissoacontece,aproduçãoorgânicaéinviabilizada.Linarth(2000)narevistadoCrea/PR,anunciouquenoanode1999foramuti-lizadasnoestado42.548toneladasdeagrotóxicos,sendo62%herbicidas.

Naspalavrascitadasnarevistatemos:

Profissionaisdasaúdealertamsempreparaapossibilidadededoençasde-generativascrônicas,decorrentesdaabsorçãocontinuadadedosesdeagro-tóxicos,insuficientesparadeterminarintoxicaçõesagudas,mascapazesdecausar efeitos cumulativos, provocando inflamações e afecções nos rins,doençasnervosasretardadas,problemasnofígado,tumoresmalignos.

AcontaminaçãodosriosdoParanáeaimportânciadosprojetosdeAgriculturaOrgânicaeAgroecológicaficamaindamaisevidentesquandoseanalisaumestudo realizadopelaSUREHMA–SuperintendênciadosRecursosHídricoseMeioAmbientedoParaná–citadoporBull (1986)oqualrelataapresençadeBHC,DDT,ALDRINeHEPTACLOROnasba-ciasdosriosIguaçu,Piquiri,Ivaí,Tibagi,Cinza,ParanapanemaePirapora.Neleforamcoletadas1.825amostrasdosriosparanaensese84%delases-tavamcontaminadas,geralmenteporváriosprincípiosativos.78%depoisdetratadasaindacontinuaramapresentandoresíduos.Esteestudomostraque,osriosdoestadodoParanáestãosendosucateados,representandoumgranderiscoparaaspopulaçõesurbanasquevãoconsumindodosescumulativas,nãosónasuacomida,mastambémnaáguaquebebem.

Andreoli(1998)divulgouestudosrelatandoqueoEstadodoParanáutilizamaisde400 ingredientesativosdistribuídosemaproximadamente700marcascomerciais,equeaportaria36/BsbdoMinistériodaSaúde,quevigoranoBrasil,estáobsoleta,poisdentreos20ingredientesdefinidoscomoindicadores,somenteoEndosulfanencontra-seentreos5maisutilizadosnaagriculturaatualmente.Emresumo,alegislaçãoestáorientandoparaaaná-lisedaáguaembuscadeingredientesativosquenãomaissãoutilizadosnaagriculturaenquantoosmaisaplicadoshojenãosãoprevistoporlei.

Arecuperaçãodafloraregionalpropiciandoaproliferaçãode“ami-gosnaturais”,ouseja,aquelesseresvivosquecombatemasdenominadaspragasagrícolas,tambéméumobjetivoaseralcançado.UmexemploéogrupodosTrichogrammas,pequenasvespasqueparasitamovosdalagarta-do-cartuchodomilho.

Osdesafiossãomuitosesubmetemosagricultoresagroecológicoseorgânicosàseverasdificuldades.Quandoestesforementendidoscomodesafiosdetodaapopulação,suaspossibilidadesdesuperaçãoaumenta-rão.AAgriculturaAgroecológicaouOrgânicasomenteestáevoluindonamedidaemqueaspessoasemgeralaassumemenquantoumaestratégiadepromoveraqualidadedevidaeodesenvolvimentosustentável.

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reFerênciAs

ANDREOLI, C. V. Levantamento quantitativo de agrotóxicos como baseparaadefiniçãodeindicadoresdemonitoramentodeimpactoam-biental na água. SANARE, Revista técnica da Sanepar. SANARE/CompanhiadeSaneamentodoParaná.Curitiba,v.10,n°10,p.30-38,jul/dez.1998

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AgroecologiA: o desenvolvimento no sudoeste do PArAná

nilton luiz fritz

EngenheiroAgrônomo,InstitutoEmater–FranciscoBeltrão–PR|[email protected]

ApresentaremosumrelatodasatividadesdesenvolvidaspeloInstitutoEmatereparcerias(açõesqueforampossíveisapurar),históricodeusodosolonare-gião,enfatizandoopréepós-períodoconhecidocomo“revoluçãoverde”,comdepoimentosdeagricultoresetécnicosquevivenciaramesteperíodo.

Acreditamosseremoportunososdepoimentosdeagricultoreselide-rançasdaagriculturafamiliarapresentados,aosquaisagradecemospelaatençãodisponibilizada, que, cremos,muito contribuirãoparaodebatesobreodesenvolvimentodaproduçãoecológicaporapresentaremsuaper-cepção,desafioseperspectivasparaoSudoesteeparaoParaná.

OagradecimentotambémseextendeaosgerentesregionaisdoInstitutoEmaterdeFranciscoBeltrão(SimãoFloreseanterioresSérgioCarnieleCarlosAlbertoWüstdaSilva)edePatoBranco(IlárioCaglioni),quepossibilitaramocrescimentodogrupodediscussãodostécnicosenvolvidosnaequipedeagri-culturaorgânicaeaoscolegasdoEmater,que,emseusmunicípiosdeatuação,buscaramreverahistóriadaproduçãodesenvolvidavivenciandotambémestabuscadeumaagriculturamaissaudávelecomsustentabilidade.

o sudoeste hoje

AproduçãoecológicatemnoSudoesteumsolofértilparaseudesenvolvi-mento,considerandoquesuapopulaçãotemumaforteidentidadecomaagricultura.Oprocessodediversificaçãodasatividadesagrícolas,basea-

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desenvolvimento territoriAl e AgroecologiA

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dasemmilho,soja,fruticultura,olericultura,agroindústria,criaçãodesuí-nos,avesebovinosdeleite,écaracterísticasdesejável,aliadoàestruturafundiáriacompostaporpequenaspropriedadescomsupremaciaabsolutadaagriculturafamiliar.

As condições edafoclimáticas (solo-clima), fauna e flora apresen-tam-seequilibradas,oqueénecessárioparaodesenvolvimentodaprodu-çãoecológica.Alémdisso,oSudoeste,considerandodePalmasaCapane-ma,apresentagrandevariaçãodeclima,possibilitandoaproduçãodeumelevadonúmerodeespéciesdefrutas,olerícolas,desdequesejampoten-cializadososmicroclimasexistentes.

Presenciamostambémnaregião,umaquedadarendadaspeque-naspropriedadesnosúltimosanos,motivadapelamaiorcompetiçãodomercadointernoeexterno,naproduçãoprincipalmentedegrãos,desesti-mulandoocultivotradicionaldeprodutos.Nesteaspectoapareceaprodu-çãoecológicacomoumaalternativaviável,emfunçãodaampliaçãodes-sesdoismercados,possibilitandoumaproduçãoquenecessariamentesejaeconomicamenteviável,socialmentejustaeecologicamentecorreta.

OSudoestedoParanáapresentafortecomponentedemudançasparaatividadesqueagregammaisvalorequeresultamemmaiorincrementoderendaporáreaproduzida,entreelasagroindústria,agroecologiaeleite.

Neste item encontra-se a agroecologia, que tem apresentado umespaçocrescenteentreasdiscussõesdasopçõesdealternativaspossíveisparaosagricultoresfamiliares.

Aregiãotemumamarcamuitofortedelutaedeconquistapelater-ra,datadade1957,conhecidacomo“ARevoltadosPosseiros”,comosendoumespelhodaobstinaçãoedaperseverançapelaconquistadosdireitos.Oterritórioconstitui-sedeummovimentosindicalrural,quepossuiumaposturaemdefesadeumaagriculturasustentávelemenosdependentedeinsumosexternosàpropriedade.

Estasnuançascaracterizam“solofértil”paraotrabalhocomagro-ecologia.

AbramovayeoutrosconsideramqueoSudoesteparanaense,regiãobrasileiradecolonizaçãoeuropéiaéolocalemquealutapelofortaleci-mentodaagriculturafamiliaradquirehoje,talvez,amaiordensidade,secomparadoaorestantedopaís.Éaíqueseoriginamnãosópartesignifica-tivadosquadrosdosmaisimportantesmovimentossociaisdomeioruralbrasileiro,mastambémasexperiênciasmaisinovadorascomooSistemaCresol de crédito solidário (BITTENCOURT; ABRAMOVAY, 2001; JUN-QUEIRA;ABRAMOVAY,2005;SCHRÖDER,2005)ouascooperativasdeleiteformadasmaisrecentemente(MAGALHÃES,2005).

Paraquemviveerespiraconstantementenestechão,pode-seproje-tarumespaçoque,embreve,deveráserocupadopeloSistemaCOOPAFI(CooperativadaAgriculturaFamiliar)paraacomercializaçãodeprodutos

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daagriculturafamiliar,comenfoqueespecialparaaquelesprodutosdeori-gemecológica,lacunajápreenchidanosetordecréditoecomercializaçãodoleitedaagriculturafamiliar.

A AtuAção do instituto emAter

NaregiãoSudoeste,considerandoasregiõesadministrativasdeFranciscoBel-trãoedePatoBranco,oEmaterpossui17técnicos(maiode2007)comatua-ção em agricultura orgânica nos municípios com aumento considerável deáreasedenovosagricultoresqueestãooptandoporestesistemadeprodução.

OInstitutoEmateréumaestruturadeextensãoruralvinculadaà SEAB, desenvolve os programas do governo do estado do Paraná edogovernofederal,bemcomointerageterritorialmentecomparcerias,para desenvolver projetos locais/regionais. Também presta trabalhos,considerandosuacapilaridadeporestarestruturadoemtodososmuni-cípios,contandocomoapoiodosagricultoresedesuasorganizações,dasprefeiturasedasdemaisentidadesquepossuemtrabalhonosetor.Trata-sedetrabalhosparaviabilizaraagriculturafamiliardemaneirasustentável,produzindoalimentosmaissaudáveis,preservandoomeioambiente,semprearticuladoscomosdemaisprocessoseprogramasde-senvolvidosnaregião.

Como objetivo geral,otrabalhodoInstitutoEmaterbuscaame-lhoriadaqualidadedevidadapopulaçãoruraleurbanaatravésdaofertadealimentosbiológicossadios,acessíveisàpopulação,isentosdeagentesprejudiciaisaoorganismohumano,visandoàconservaçãoeàrecuperaçãodoambiente,comsustentabilidade(ambiental,social,culturaleeconômi-ca),tendocomobaseofortalecimentodaagriculturafamiliar.

inÍcio dA AgroecologiA nA região

Nadécadade1970,períodoemqueasgarrasda“revoluçãoverde”sefize-ramsentirmuitofortesnaregião,estemodelocomeçouaserquestionado,comproposiçõesdealternativasaele.Teveumpapelmuitoforteotraba-lhodaONGAssesoar,aindanadécadade1970.AAcarpa/Emater,nadéca-dade1980,teveumtrabalhocomênfaseemadubaçãoverdeeadubaçãoorgânica,introduçãodeanimaisrústicos,produçãodesementesvariadasetrabalhodeextensãoatravésdaorganizaçãodascomunidadespartindodesuarealidadeenecessidades.

Em21e22de junhode1985ocorreuo“IEncontrodeAlternati-vasparaaPequenaPropriedadeemFranciscoBeltrão”,numainiciativadaAssociaçãodosEngenheirosAgrônomoseparcerias.Naoportunidadeforam apresentadas tecnologias adequadas à realidade da região, assimcomoexperiênciassustentáveispelosagricultoreseapontadasaspolíticas

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quedeveriamnortearaagricultura.Nesteevento,quetevecunhoregional,reuniram-semaisde240técnicoseagricultores.

Nadécadade1990,ostrabalhosdeagriculturaorgânicaseintensifi-caramapartirde94/95,comproduçãodesojanaregiãodeCapanema;noanode1997,comaolericulturaefruticulturaclimatemperadoemFrancis-coBeltrãoefruticulturatropicalemCapanemaeCruzeirodoIguaçu;apar-tirdoano2000começouotrabalhoatravésdoprojetoPró-Caxias,envolven-doosmunicípiosdeNovaPratadoIguaçu,CruzeirodoIguaçu,SãoJorgedoOesteeSaltodoLontra,naproduçãodeolericulturaefruticulturatropical.

Atualmente são as seguintes entidades/empresas/associações queatuamemagriculturaorgânica:Emater,Assesoar,SecretariasMunicipaisdeAgricultura,SindicatosdosTrabalhadoresRurais,Coopafi,Agrorgânica,Capa,TerraSolidária,RedeEcovida,Claf(Sisclaf),Cresol,InstitutoMayte-nus,Senar,Sebrae,ProjetoPró-Caxias,ProjetoVidanaRoça,CasasFamilia-resRurais,EmpresaGralhaAzul,Gebana,Tozan,ColégioAgrícola,UTFPR,Unioeste,IAPAR,EmbrapaeváriasAssociaçõesdeAgricultoresEcológicos.

Asáreasdeproduçãoorgânicagradativamenteestãoocupandoes-paçoemtodososmunicípiosdaregião,sendoumaperspectivaimportantequeajudaránodesenvolvimentodaagriculturafamiliar,compreocupaçãoemrelaçãoàsustentabilidadeambiental,social,culturaleeconômica.

A colonizAção do sudoeste e A extensão rurAl

o cenÁrio dA décAdA de 1970 e A AgriculTurA A pArTir do depoimenTo de um AgriculTor

Relatamos aqui, o depoimento de Wilmar Salésio Vandresen, agricultore atual presidente da Cresol de Francisco Beltrão. Nascido em 1952 nomunicípiodeTubarão(SC),suafamíliasemudounoreferidoanoparaacomunidadedeLinhaListon, interiordeFranciscoBeltrão.Wilmartemconhecimentodamudançaqueocorreunaagricultura,pois,quando jo-vem,vivenciouoperíodoanteriorà“revoluçãoverde”e,naseqüência,pas-soupelasmudançasqueonovomodelotecnológicopropunha.

Comrelaçãoaoanode1969,Wilmarrelataqueparticipoudetraba-lhosconduzidospelaAcarpa/Emater,formandooClube4S,nacomunida-deLinhaListon,“do qual fui o primeiro presidente e foi realizado diversos cursos, de como fazer curvas de nível, curso de liderança, como fazer uma reunião, experimento com uso de calcário e outros”.

Noanode1975,afamíliaVandresenpossuía13alqueiresdeterras,sendo8comlavourasqueerampreparadascomaração,gradagemcomtraçãoanimaleposteriormenteerarealizadooplantiocommatraca.“O controle de inços era feito com tração animal, passando o aradinho. Naquela época tinha até 5 a 6 cavalos para fazer este serviço e empregava até 20 pes-soas na época da limpa”.

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AutilizaçãodoaduboquímiconapropriedadedosVandresencome-çouaocorrernoanode1972.Antesdestadatanãohavianenhumtipodeadubodisponívelparaserutilizado,sejadeorigemmineralouorgânica.“Em 13 de outubro de 1975”,relataVilmarcomprecisão,“ocorreu a compra do primeiro trator da família. Era um trator de pequeno porte, mas ajudava muito. No ano de 1976 foi comprado um pulverizador e foi o início de aplica-ção de veneno para controlar o inço. O veneno era incorporado e aí precisava fazer duas a três gradagem, que deixava a terra bastante solta. Se desse uma chuva em cima dava a erosão e precisava preparar a terra e realizar o plantio novamente. Naquela época era realizado muitos cursos sobre curva de nível, que nos ajudou muito. Com o trator e uso do veneno nós também arrendava terra, derrubava capoeirão e mato virgem, queimava para fazer as lavouras. No primeiro ano fazia uma roça manual de milho e no segundo ano fazia a destoca, que tinha recursos no Banco para isso”.

AjornadanaquelaépocaerapuxadaeWilmarlembraque“o almoço era feito na lavoura mesmo, nada de ir para casa. Alguém da família se encar-regava das panelas. Inclusive, certa vez, ocorreu uma queda de uma panela com feijão. Pronto, ficamos sem o feijão naquele almoço”.

Nestapropriedade,atéoanode1973,eracultivadomilhodavarie-dade“palharoxa”ou“piolin”(quetambémeraconhecidacomo“cunha”)eo“amarelão”.Oconsórcioerabempresente,queerarealizadocomfei-jãoearroz.Apósesteperíodo,aospoucos,foiocorrendoasubstituiçãodomilhovariedadepormilhohíbrido.Jáasojateveoprimeiroplantionoanode1970,sempreemconsórciocommilhonesteperíodo.Asojavariedade“santarosa”eraaquelaquemaisseadaptavaaestesistema.Wilmarlembradotrabalhopenosodaépoca,que“nos primeiros anos a soja era cortada com foicinha e era beneficiada com trilhadeira”.Jánoanode1977começaramaparecerascolheitadeirasautomotrizesesepagavaparacolher,todaviaafamíliaadquiriuaprimeiracolheitadeirasomentenoanode1979.

Noanode1978compraram5alqueiresdeterraenoanoseguintemais8s,oquepossibilitouqueWilmareseusoutrostrêsirmãospudessemseguirtrabalhandonaagricultura.

WilmarVandresencomparaasdiferentesépocaserelataque“até o início da década de 70, tinha menos pragas. Depois, com o uso de veneno e adubo químico, aumentou a quantidade de pragas e novas espécies de pra-gas apareceram. Foi preciso usar muito veneno para poder garantir a safra”.Quantoaosganhoscomaagricultura,analisaque“se for fazer os cálculos naquela época sobrava mais do que atualmente, se usava mais a mão-de-obra e esta era remunerada. Hoje se faz mais área com máquina e veneno, o custo de produção é mais alto e sobra menos”.Destacatambémumapreo-cupaçãocomaatualfasedaagricultura,dizendoque“hoje temos também novas doenças no feijão, na soja que na época não tinha. Isto está preocu-

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pando e como será no futuro? Como controlar estas novas doenças, além do custo elevado do controle?”,finalizaele.

cenÁrio dA décAdA de 1970 e 1980 e A exTensão rurAl A pArTir do depoimenTo de Técnicos

OtextoelaboradoporEroniBertóglio,engenheiroagrônomoquetrabalhounoSudoesteporumperíodode13anos,de1973até1986,mostraarealidadedaregiãonaqueleperíododa“revoluçãoverde”.Eroniassessoroucooperati-vase,pordezanos,exerceuafunçãodeChefeRegionaldoInstitutoEMATER,alémdeexercerafunçãodeprofessor,deatuaremórgãosdedefesaambientaleestudarasquestõespertinentesaosproblemasdomeiorural.

Lembraque,“na década de 70, a região vê a transformação de seus sistemas agrícolas diversificados, em sistemas de monoculturas, sob os efei-tos da revolução verde, progresso tecnológico pela via do avanço genético nos principais grãos”.ComrecursosdoProgramaCorredoresdeExportação(BID-256-SF-BR),existiramrecursosdecréditoruralemabundânciaparaconstruçãodesilosgraneleirosparaascooperativasrecém-constituídasoumaisantigas.Paraosagricultores,créditodeinvestimentoparadestoca,aquisição do equipamento para mecanização agrícola e custeio para asatividadesdesoja,fomentadasporcontadeexcedentesexportáveis,comdemandainternacional,paraequilibrarabalançadepagamentos,devidoàimportaçãodepetróleo,duranteacrisedele.

Essefenômeno,auxiliadoporsubsídioscomoreduçãode40%nocusto dos fertilizantes e em aquisição de calcário, mais preços interna-cionaisdasoja favoráveisnomercadointernacional,agregaramrendaamuitosprodutoresqueadquirirammaisterrasnaregiãoouforadoEsta-do,tendocomoconseqüênciaomaiorêxodoruraldahistóriaparanaense,comaperdademaisdecemmilpropriedadesemdezanos.

Eronianalisaaatuaçãodaextensãoruraloficialnadécadaposte-rioreosrumosqueforamtomados.Consideraquenosanos80,aexten-são,apósrefletirsobresuaatuação,formataoModelo80,quetinhacomopremissasEducação,ParticipaçãoeRealidade,utilizandotambémcomoestratégiaavisãodapropriedadecomoumtodoeinstrumentosdegestãoagrícola.Atecnologiademanejodepragasdasoja,desenvolvidapelaEM-BRAPASoja,érepassadaaosprodutoresdiminuindoocustodeproduçãoeacontaminaçãodomeioambiente.

Tambémseiniciamasprimeiraspreocupaçõescomomodeloagro-químicodarevoluçãoverde,atravésdediscussãonaAssociaçãodosEn-genheirosAgrônomoseinstituiçõesdosagricultorescomoaASSESOAR,propondomodelosmaissustentáveiseapropriadosparaumestratofundiá-riopredominantede20a50ha(80%daspropriedades)ecomotimizaçãodorecursomaisabundante(mão-de-obra)emdetrimentoaoescasso(terraecapital),comofruticulturaeatividadeleiteira.

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Nessadécadaaconteceoplantiodofeijão“Delfim”,alusãoaomi-nistrodaAgriculturaqueincentivouoplantiodefeijãoforadaépocare-comendadapelapesquisa,compromessa,nãocumprida,decoberturadoPROAGRO.Emparalelo,ofrigoríficoCOMABRAHEIZ,dePontaGrossa,absorvedordepartedaproduçãodesuínos,nãopagaaossuinocultoresenãodevolveasNPRsendossadasporelesenegociadascomosbancos.Acrisetorna-setãograndequeosmovimentossociaisesindicatosseorga-nizameprotestamempraçapúblicaenasrodovias.Essefato,ligadoaosexpulsospelasbarragensIguaçu,servemdebaseparaaconstituiçãodoMASTESeMASTRO(MovimentodosAgricultoresSemTerradoSudoes-teeOeste,respectivamente).“No pólo contraditório surge o movimento do patronato, criando, em Marmeleiro, a Sociedade dos Amigos da Terra, que se armou para enfrentamento aos sem-terra, dando origem ao processo embrio-nário da UDR, a quem forneceu lideranças”,lembraEroni.

Em 1983 a extensão fazia nova reflexão e redirecionava sua mis-são, incluindo como público sem-terra, arrendatários e assalariados ru-rais,passandoafazerusodemetodologiasparticipativas.Tambémfazpar-tedaspropostasdegoverno,atuaçãoemabastecimentocomacriaçãodefeiraslivres(doprodutor)edeprodutosdeépoca.

Comorespostaaosprocessoserosivosocasionadospelamáconser-vaçãodosoloe incentivadospelos recursosdoProgramaParanáRural,nosmunicípiospropíciosàmecanizaçãointensiva,aextensãoruralpassaausarcomounidadedereferênciadetrabalhoasmicrobaciashidrográfi-cas.“Nas áreas com solos de baixa aptidão, foi difundido o uso de tecnolo-gias como o cultivo mínimo, com uso de adubos verdes e pouco revolvimento do solo”,concluiEroni.

depoimenTo de João sérgio cAnTerle

JoãoSérgioCanterle,engenheiroagrônomo,trabalhounoInstitutoEMATERde1975a1987,iniciandoseutrabalhoemArapongas,regiãodeLondrina.AtualmenteresideemFranciscoBeltrão,exercefunçãotécnicaemescritóriodeplanejamentoagrícolaeatuatambémcomoprofessornoensinosuperior.Noiníciodesuasatividades,em1975/76,participoudodesenvolvimentoedadifusãodetecnologiaspioneirascomvistasaoequilíbriodomeioambiente.Aolembrarasaçõesdaépoca,relataque“eram realizadas 6 a 7pulverizações de agrotóxicos para controle de lagartas e percevejos da soja. Os produtos usa-dos eram principalmente os clorofosforados e organoclorados, estes hoje proibi-dos por apresentarem característica de acumulação nos organismos. Assim que as primeiras lagartas surgiam, eram aplicados venenos, o que causava desequi-libro nas lavouras. Até então existiam poucos herbicidas de pré- e pós-emergên-cia, sendo os inseticidas os agrotóxicos com maior utilização.”

Destacaque“foi trabalhado com os agricultores de que a planta su-porta algum desfolhamento sem que isto afete a produção, além de preservar

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os inimigos naturais”.Erafeitaabatidadepanosemanaleobservadoodesenvolvimentodaspragaseinimigosnaturais,difundindo-seessatecno-logiaentreosagricultores.Empoucotempoasaplicaçõescaíramde6a7para1a2pulverizaçõesduranteociclodacultura.

Atravésdaobservaçãoverificou-sequeocorriamortede lagartassemusodeinseticidas,emfunçãodeumaocorrêncianaturaldevírus(ba-culovírus)naslavouras.

NesteperíodoaEmbrapapesquisouaslagartasatacadasporvíruse,emparceriacomaextensãorural,osagricultoresforamorientadosparaqueaspulverizassemaslagartasinfectadascomovírus,naproporçãode50lagartasinfectadasporha.Elesasguardavamemrefrigeraçãoparapul-verização nos anos seguintes. Este trabalho inicial foi desenvolvido emparceria entre Extensão Rural (Acarpa na época) e Embrapa, na regiãoNortedoEstado.

Apartirdaíosistemademanejodepragas,incluindoocontrolebio-lógicodalagartadasoja,passouaserprioridadenasregiõesprodutorasdesoja.Noanode1977JoãoSérgioveiotrabalharnaregiãodeFranciscoBel-trãoeobservouqueaquitambémhaviamuitasaplicaçõesdevenenosnasla-vouras.Materialtécnicofoiproduzidoe,numaparceriacomascooperativasda região (COAGRO, CAMDUL, COOPERSABADI, COMFRABEL), foramrealizadosencontrostécnicos,unidadesdemonstrativasediasdecampo.

Canterleobservaque“a mulher não queria que as lagartas fossem guar-dadas na geladeira, alegando falta de higiene, porém eram acondicionadas em recipientes de vidro”.Ageladeiraeraumbemdeconsumoqueestavasepo-pularizando nas comunidades. Diminuindo as pulverizações, os inimigosnaturaisforamsedesenvolvendo.Emmeadosdadécadade1980,obaculo-víruspassouaserproduzidoemlaboratórios,inicialmentepelaEmbrapaeOcepar,hojeCoodetec,enaseqüênciatambémporoutrasempresas.

“Com a entrada do plantio direto e o aumento da utilização dos herbi-cidas pós-emergentes, os agricultores passaram a aplicar o inseticida junta-mente com os herbicidas e os princípios de manejo integrado de pragas, in-cluindo o uso de baculovírus, foram um pouco esquecidos. Outro fator que também contribuiu para que essa prática fosse relegada a segundo plano foi a elevação do preço da soja em alguns períodos”,analisaJoãoSérgio.

controle Biológico do Pulgão do trigo

Outratecnologiadecontrolebiológicodifundidanaqueleperíodo foi adis-seminaçãodevespinhas(microhimenopteros)paracontroledepulgõesdotrigo.JoãoSérgioobservaque“a origem de algumas espécies de vespinhas foi de países da Europa, através de importações realizadas pela Embrapa/Trigo de Passo Fundo. Foram introduzidas nas lavouras da região do início da década de 1980. Eram transportadas em caixas com plantas de trigo (ovos e vespinhas nascendo), e distribuídas nas lavouras para o controle dos pulgões. O pulgão

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era uma praga muito prejudicial à cultura do trigo, exigindo várias aplica-ções de inseticidas para o seu controle, caso contrário corria-se o risco de não produzir. A partir do final da década de 1980, são raras as situações em que há necessidade de aplicações de inseticidas para o controle de pulgão apesar de sua ocorrência, devendo-se esse fato ao controle biológico da vespinha que vêm atuando até nos dias atuais. Neste período, embora num contexto desfa-vorável, essa tecnologia conseguiu mostrar sua eficiência. Tanto o manejo de pragas da soja com o uso de baculovírus, como a utilização da vespinha para o controle de pulgões, foi viabilizado dentro da agricultura convencional, ca-racterizada pela monocultura numa época que se priorizava principalmente a visão econômica, sendo o enfoque ambiental pouco enfatizado”,finaliza.

TrAbAlho de AgroecologiA nos municípios

Quadro 1 – Técnicos do instituto EMATER com atuação em agricultura orgânica no Sudoeste do Paraná

MUNICÍPIO TÉCNICO TELEFONE E-MAIL

Capanema Gilmar Gobato (46)3552-1060 [email protected]

Cruzeiro do Iguaçu Marcos Bourscheid (46)3572-1284 [email protected]

Dois Vizinhos Valdir da Silva (46)3536-5884 [email protected]

Enéas Marques Adair Rech (46)3544-1395 [email protected]

Francisco Beltrão Nilton Luiz Fritz (46)3523-3821 [email protected]

Marmeleiro Valdir Felberg e Sady D. A. Grisa (46)3525-2236 [email protected]

Planalto Libanor Viesseli (46)3555-1303 [email protected]

Realeza Odir Basso (46)3543-1122 [email protected]

Renascença Leandro Molinetti (46)3550-1394 [email protected]

Salto do Lontra Valdir Koch (46)3538-1468 [email protected]

São Jorge do Oeste Jair Klein e Sidney Carneiro (46)3534-1855 [email protected]

Verê Neuri Beche (46)3535-1396 [email protected]

Emater Regional de Fco. Beltrão Ericson Max (46)3524-2021 [email protected]

Clevelândia Otto Bruno Becker (46)3252-2017 [email protected]

Saudades do Iguaçu Rosane Dalpiva Bragatto (46)3246-1169 [email protected]

Fonte:dadosdecampo(maio/2007).Org.FRITZ,N.L.(2007).

municÍPio de cAPAnemA

DeacordocomGilmarGobato,técnicoemagropecuáriaeextensionistadoInstitutoEmater,aagriculturaorgânicanomunicípiodeCapanemaini-cioujuntocomacolonização.Mesmosemsaber,oscolonizadoresadota-ramaspráticasdenão-usodeagroquímicosnaagricultura,contudo,apósarevoluçãoverde,partedosagricultoresadotaramasnovastecnologiasetodosoroldealternativasdeinsumosparaaagricultura.Comooscoloni-

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zadoresdomunicípionagrandemaioriaeramalemãeseitalianos,tinhamcertaresistênciaaousodospacotestecnológicosofertadosnaépocaenãoutilizaram agroquímicos por longo período, influenciados pela tradiçãoherdadadospaisnosistemadeexploraçãoutilizado,ondeaagriculturaorgânicaeraumapráticamuitocomumentreosagricultores.

No iníciodosanos1990asentidadesde representaçãodosagri-cultores fortaleceram esta discussão focando um sistema diferente deagricultura,opondo-seaospacotestecnológicosofertadospelomercado,incentivadospelaslinhasdecréditoparaaagricultura.

Em1993/94asentidadesderepresentaçãodosagricultores,especi-ficamenteosindicatodostrabalhadoresencampouessetrabalhoejuntocomumaempresadecomercializaçãoiniciaramosprimeirostrabalhos,jácomvistaacomercializarosprodutoscomoprodutoorgânico,jácomcer-tificaçãoecompreçodiferenciado,conseguindoosprimeirosresultadoscomaculturadasoja,quesemostroucommercadoparacomercializarecompossibilidadedecomercializaçãodestinandoaproduçãotodavoltadaparaomercadoexterno.

Asorganizaçõesdosagricultoresforamseampliandonosmaisdife-rentessegmentosdaagricultura,semprevoltadasparaoprincípiodepro-duçãodiferenciadaquevalorizasseotrabalhodoagricultor,maspassaramadefenderumaindependênciamaiordosagricultoresnumabuscadedi-versificaraproduçãoedeixardeserdependentedeumaempresaquemo-nopolizavaacomercialização,porémnaseqüênciaoutrasempresasapare-ceram.Ofocoerasomentenaproduçãodesoja.

NestafaseoInstitutoEMATERteveparticipaçãopontualnestasati-vidades,apoiandoasiniciativas.

Em2001teveinícioumtrabalhoorientadopelaAssesoarnoramodadiversificaçãodaspropriedadescomproduçãodeolericulturaeiníciodafeiraorgânicamunicipal.NestafasehouveumaparceriaentreSindi-cato,PrefeituraeagricultoreseoEMATERiniciouumacompanhamentomais sistemático dos agricultores envolvidos neste projeto orgânico. NoperíodotambémfoicriadoumtrabalhocomliderançasdoSindicato,Cre-soleACECAPparaformaçãodeumgrupodeagentesdedesenvolvimentonomunicípio,comparticipaçãodasentidadesdosagricultoreseEMATER,tendocomofocoaproduçãodiferenciada,adiversificaçãoeoresgatedesementescrioulas.Em2002foirealizadaaprimeiraFeiraMunicipaldeSementesjuntoàFeiradoMelado.

Comrecursosdo“Paraná12Meses”foramadquiridasestufasema-teriaisdestinadosàproduçãoeorganizadosgruposdeagricultorescomprogramaçãodeprodução,melhorianaqualidadedosprodutosenaem-balagem.AFeira,queerarealizadaumavezporsemana,foiinsuficienteparaacomercialização.EmfunçãodissoaFeiraMunicipalfoitransfor-madaemumpontodevendadefinitivo,comparticipaçãodaACECAP(As-

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sociação Central dos Agricultores Familiares de Capanema), e produtostambémdaagroindústria.Ovolumedeprodutoscomercializadosnoen-tanto,necessitavadeumalegalizaçãoquenãoexistiaporpartedaCentraledestaformaentãofoiconstituídaaCoperfac(CooperativadosAgriculto-resFamiliaresdeCapanema),quepassouacomercializarosprodutosdosagricultoresnopontodevendaatualmentedenominadoLojadoAgricul-tor.Estaexperiênciainspirouodesenvolvimentodetrabalhossemelhantesemoutrosmunicípios,envolvendoumcircuitoregional,formandoentãoaCoopafi,queatualmenteatuaemdiversosmunicípiosdaregiãodandosu-porteparaoperacionalizarprogramasfederaisdecompradeprodutosdosagricultoresecomercializaçãodosprodutosdaagriculturafamiliar.

Nestetrabalhofoipossívelampliaradiversidadedeprodutosorgâ-nicoscomagregaçãodevalor,diversificandoasunidadesdeproduçãoqueestavamconcentradasbasicamentenasoja.

Asempresasparticularessempreexpressavamestapreocupaçãoenecessidadedediversificação,massomentenosúltimosanosocorreuumainiciativamaiorporpartedelasaoseinseriremnasorganizaçõesdosagri-cultoreseteremladomaissocialecomunitário,buscandosermaispar-ceirasedesenvolveraçõesplanejadas,discutindoaspropostasdetrabalho,buscandoalternativasdeagregaçãodevalorediversificaçãodosprodutos,principalmentenatransformaçãodaprodução.

Para Celso Prediger, agricultor e dirigente do Sistema Coopafi “a agricultura orgânica ou agroecológica em Capanema tem contribuído de for-ma significativa no desenvolvimento local, sendo pela produção e oferta de alimentos limpos à população, pela responsabilidade social e ambiental com que são produzidos estes alimentos, buscando a sustentabilidade nas uni-dades de produção, com equilíbrio e resgatando os valores perdidos. A agri-cultura orgânica é uma atividade percebida e reconhecida pela população de Capanema, população esta que está cada vez mais consciente da importância deste tipo de alimento”.

municÍPio de cruzeiro do iguAçu

OInstitutoEMATER,emparceriacomaSecretariaMunicipaldaAgricul-tura,vêmdesenvolvendotrabalhonosistemaorgânicodeproduçãodesdeoanode1997,comafundaçãodaASFRUCI(AssociaçãodeHortifruticul-toresdeCruzeirodoIguaçu).Nesselongopercursotiveramoutrosparcei-ros(PRO-CAXIAS,MAYTENUS,SEBRAEeCAPA),quesomaramesforçosemalgunsmomentoseemdeterminadasatividades.Conscientizadosdanecessidade da diversificação de atividades na propriedade familiar, foiimplantadoumabatedourodiferenciadode frangocaipira,comregistronoSIP,em2002.Estaproduçãoencontra-se integradacomoutrasativi-

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dades,comoafruticulturaeaolericulturaorgânica.Naatividadeleiteiratem-seprocuradoproduzirleiteequeijodeformamaisnatural,enquantoque,naproduçãodecereais,agricultoresreceberamequipamentosapro-priadosàsuarealidadeparaimplantarumaagriculturasaudável.Busca-seumtrabalhointegradodentrodaspropriedades.Avisãoholística,agroeco-lógica,agroflorestaleorganizativa,levandoemcontasempreaformaçãointegraldoserhumano,temsidoabússolanorteadoradoPlanodeDesen-volvimentoRuralnomunicípiodeCruzeirodoIguaçu.

ParaMarcosAntônioBourscheid,engenheiroagrônomoeextensio-nistadoInstitutoEMATER,emCruzeirodoIguaçuconstata-seumcresci-mentoabaixodamédianacional(cercade20%aoano),porémofatorele-vanteéque,deformaconsistenteeconsciente,aproduçãoorgânicavemavançando,oqueseverificaemtodososaspectosdascadeiasprodutivas.Osgargalosdoprocessoprodutivo,comotransporteearmazenagem,estãosendosuperados.Acomercializaçãovemsefortalecendo,principalmentecomaaquisiçãodeumcaminhãoparaaASFRUCIeaCOOPAFI,aamplia-çãodasparceriaseaconstruçãodosistemaderedeCOOPAFI.Estepano-ramarefleteaboaperspectivadaproduçãoagroecológicanomunicípio.

DanielMeurer,secretáriomunicipaldaAgriculturaeagricultor,con-sideraquesãoboasasgarantiasdeumfuturomelhorparaaagriculturaorgânicaemCruzeirodoIguaçu:

• pelotrabalhoexistentehánoveanos,aestruturadequedispõemasAssociaçõesASFRUCIeCOOPAFI,eoapoiodoEMATERedaPre-feituraMunicipalatravésdaSecretariaMunicipaldaAgricultura;

• pelarealidadedomercadoatual,emquesebuscaumalimentodemelhorqualidade;

• pelaconsciênciadoagricultoreadiversificaçãonasatividadesagrícolas;

• pelapreservaçãodomeioambienteatravésdeumaagriculturalim-pa(orgânica);

• pelaestruturaregionalnaagriculturafamiliar.

municÍPio de enéAs mArques

DeacordocomAdairRech, técnicoemagropecuáriae extensionistadoInstitutoEMATEReInoirTesser,secretáriomunicipaldaAgricultura,noanode2004iniciou-seadiscussãodeimplantaçãodeumaestruturaparaprocessamentoerecebimentodeprodutosorgânicospelo fatodeexistirumaunidadedetransformaçãodemilhoetrigoemfarinha,queestásen-doadministradaporumaassociaçãodeprodutores(ADCEM–AssociaçãodeDesenvolvimentoComunitáriodeEnéasMarques).EssaestruturafoiamparadacomrecursosdoFUNDECenquantoumsecadordecereaispeloprojeto“Paraná12Meses”.

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As estruturas já existentes fortaleceram a viabilização do investi-mento financeiro do PRONAT num valor de R$ 252.400,00 (duzentos ecinqüentaedoismilequatrocentosreais)paraaconstruçãodeumacen-tralderecebimentoedebeneficiamentodeprodutosorgânicos(soja,mi-lho,trigo,pipoca,feijão)produzidosemtodaregião.

Atualmenteaobradocentroderecebimentodosprodutosorgâni-cosestáemfasedeconclusão.

Ocomplexoseráadministradoporuma instituiçãorepresentativadosagricultoresfamiliaresdosetordaagroecologiadaregião.

DeacordocomOrleyJayrLopes,engenheiroagrônomodoEmaterRe-gional,aimplantaçãodeunidadederecepção,beneficiamentoearmazena-gemdegrãosorgânicosecapacitaçãodeagricultores familiaresobtevere-cursosdoPRONAT – ApoioàInfra-EstruturaeServiçosTerritoriaisem2005,RecursosPróprioseProjetoTerritório/MDA,conformedescriçãoabaixo:

1) Construçãodeumbarracãoemalvenaria,pré-moldado,compiso,dimensõesde40x15metros,destinadoaabrigarmáquinaseequi-pamentosderecepçãoebeneficiamento.

2) Construçãodeumamoegadedoismódulos,pararecepçãoedepósito.

3) Promoçãodecursosdecapacitaçãoemproduçãoorgânica.

4) Produçãodemateriaisdedivulgaçãoemarketing dosorgânicos.Valordoinvestimento:R$219.605,00(itens1e2).Valordocusteio:R$26.000,00(itens3e4).

Oproponente,PrefeituraMunicipaldeEnéasMarques,disponibili-zouaáreaparaainstalaçãodoempreendimentoemlocalcontíguoaumsecadordegrãosquedeveráserutilizadoemcomodato.

Nomomento,estáemdiscussãooprocessodegestãodaUnidade,umavezqueasassociaçõesexistentesnãopodemserhabilitadasparaopro-cessodecomercialização,ouseja,compraevendaeprestaçãodeserviços.

municÍPio de FrAncisco Beltrão

OtrabalhodeAgriculturaOrgânicaemFranciscoBeltrãoteveinícioemmarçode1997,ocasiãoemqueaSecretariaMunicipaldaAgricultura(en-genheiraagrônomaInêsBurg)eEMATER(engenheiroagrônomoNiltonLuizFritz),discutiramapropostacomosfeirantesdomunicípio,alémdeoutrosagricultores,queoptaramemaplicarosprincípiosdaAgroecologianapropriedadedeRosimarMarchiori.Apósestudotécnicodaatividade,foramaplicadososconhecimentosemolericulturaefruticultura.

Posteriormente,em1998,oAssentamentoMissõesiniciouotraba-lhodeAgroecologia,destacandoaproduçãodegrãos(soja,milhopipocaemilho).

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Noanode1999,aFeiradoProdutor,quefuncionaatualmentenaPraçaCentral,comatividadedesde1978,adotoucomoprincípioaprodu-çãoorgânicadealimentos.Apartirdaqueleano,osnovosfeirantes,paraseremaprovados,devemterproduçãosomenteorgânica.

Noano2000foiiniciadaaFeiraEcologianoBairrodaCango,comagricultoresfamiliaresoriundosdoProjetoVidanaRoçae,posteriormen-te,noBairroVilaNova.

Noanode2003,oGrupoRenascertambéminiciouaatividadeemgrãos,leite,olericulturaeovosorgânicosemparceriacomaEmpresaGra-lhaAzul.

PorocasiãodaXXIExposiçãoFeiraIndustrial,ComercialeAgrícoladeFranciscoBeltrão(Expobel),entreosdias6e14demarçode2004,foirealizadaumaMostra de Produtos Orgânicos do Sudoeste, coordenadapeloInstitutoEmater emparceriacomdiversasorganizações,comexposi-çãode53produtosoriundosdaAgriculturaFamiliar.

Noanode2005,oInstitutoEmatereparceriasrealizaramumSemi-nárioRegionaldeHomeopatiaAnimal.

Atravésdaexperiênciaadquiridanaregião,contribuíramtambémemeventosnoEstado,taiscomo:a)apresentaçãodosistemadeproduçãodesojaorgânicadoSudoesteemPontaGrossa-PR,no10ºEncontroNa-cionalcomaSoja,em20/05/2004;b)XVIEncontrodeProdutoresdeSojadePaiçandu-PR,nortedoEstado,em24dejunhode2005;ec)IParanáOrgânica,de1a4dedezembrode2005.

dePoimento de Agricultor ecológico

ValdirBuenoGomesesuaesposaCleodetesãoagricultoresfamiliareseco-lógicos residentes na comunidade Osvaldo Cruz, em Francisco Beltrão.SãoassentadospertencentesaoGrupoRenascerdoCréditoFundiáriodes-de2003,emumaáreade5,0alqueires(11,92ha).

Possuemproduçãodeleiteecológico,utilizandoahomeopatiaani-malháquatroanos,nãohavendonecessidadederecorreraoutrosméto-dosparapreservar a sanidadedosbovinos.Napropriedade já énotadaumagrandepopulaçãodobesouro(Scarabeus sacer),querealizaaincor-poraçãodoaduboorgânico,contribuindoparaafertilizaçãodosolo,insetoestequesomentesobreviveemambientesequilibradosecologicamente.

Essesagricultorestêmtambémaproduçãodemilhoeumaviáriode4.000avesdeposturacertificadoemparceriacomaempresaGralhaAzulAvícola.

Aoserperguntadosobreoporquêdetrabalharcomagroecologia,elefoicategórico:“Eu acho que é o melhor para a saúde. A saúde é coisa mais importante que eu vejo. O custo de produção é menor e sobra mais ren-da para a gente”.

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Valdircomentaque“antes de 2003 plantava utilizando agroquími-cos, mas só trocava dinheiro, porque o que colhia só dava para pagar os insumos”.

Valdirtambémlembradeumfatoocorridonaépocaemqueutili-zavaadubosaltamentesolúveis.Ocorreuque,aoabrirumsacodeuréia,sedeparoucomumfolhetoquealertava:“este produto não pode ter contato com a pele que pode ser cancerígeno”. Imagina as pessoas consumirem isso ou dar para os animais?” IndagouValdir,horrorizado.

Tambémlembradeoutromomento,emqueassistiaaumdebatesobreasintoxicações,emqueodebatedorrelatouque“hoje as mulheres se intoxi-cam mais do que os homens, porque elas lavam as roupas dos maridos que apli-cam os venenos e assim recebem toda a carga tóxica que se encontra na roupa”.

dePoimento de entidAdes rePresentAtivAs dos Agricultores

sTrefeTraf-sulPosiçãoconjuntadadireçãodoSTR(SindicatodosTrabalhadoresRurais)deFranciscoBeltrãoedeLuizPerin,dadireçãodaFETRAF-Sul:“Nosso ponto de vista sobre a importância da produção agroecológica no Brasil e no mundo se baseia sobre três fundamentais aspectos, o primeiro aspecto é o de buscar a sustentabilidade ambiental, econômica e social”.Osegundoaspec-toéabuscadaqualidadedevida,qualidadenaproduçãoeumalimentolimpo,garantindoassimumaboasaúdeatodasaspessoas.Emumter-ceiroaspecto,procura-seoganhoeconômicodeumsistemadeproduçãoagroecológicasemagressãoaomeioambiente.

“Por isso defendemos um modelo de produção baseado no desenvol-vimento sustentável e solidário, onde os instrumentos de políticas públicas, tais como crédito educação/formação e ATER, estejam ao acesso de todos os agricultores e com isso fortalecer cada vez mais o desenvolvimento, o fortale-cimento da agricultura familiar”.

cresolACresol de Francisco Beltrão decidiu,juntoaoseuquadrosocial,pri-vilegiaroscooperadosquepraticamaagroecologiaouaquelesagriculto-resquedesejamcompraraduboorgânicopararecuperaçãoda fertilida-dedosolo.WilmarVandresen,presidentedaCresoldeFranciscoBeltrão,observaque“estamos operacionalizando empréstimos a juro mais barato, utilizando de recursos da própria Cooperativa. Estamos também realizando ensaios de milho variedade em três propriedades do município, com acom-panhamento técnico, avaliando os experimentos e divulgando os resultados junto ao quadro de associados”.

LuizAdemirPossamai,vice-presidentedaCentral Cresol Baser,in-formaqueoSistemaCresoltemcomoorientaçãodadireçãoedaequipe

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técnicaquesejadadapreferênciaparaaproduçãoorgânicaoualternativa,paraqueoagricultornãofiquenadependênciadosagroquímicos.“Esta-mos incentivando, além do resgate da adubação verde, o resgate de sementes de milho variedade e feijão. No Sudoeste e em todos os municípios onde tem unidade da Cresol, temos trabalho de campo com resgate de sementes. Temos também financiamento com juro diferenciado para recuperação do solo com adubo orgânico.”

coopafimunicipaldefranciscoBelTrão

AlmirCalegari,presidentedaCOOPAFIdeFranciscoBeltrão,acreditaque,“no contexto da agricultura familiar, a COOPAFI Municipal está para dar apoio à comercialização dos produtos de subsistência e também o excedente do consumo dos agricultores que não é uma produção muito elevada, mas sim uma produção de suma importância para as famílias da cidade e do campo”.Eleanalisaque“os desafios são muitos na questão da logística, na comercialização, já que não temos um transporte adequado. Também não temos local adequado para o armazenamento destes produtos. Como agricul-tores, ainda não temos o hábito da produção constante, continuada destes produtos, nem as estruturas montadas comportam uma produção de todos os meses do ano. Nossos agricultores familiares não têm as estruturas ideais para esta produção o ano todo. Por isso a COOPAFI Municipal está a servi-ço para dar este suporte de comercialização, com o desafio de também fazer circular os produtos da agricultura familiar de um município para outro. Outro papel é também na venda institucional dos produtos da agricultura familiar”,completa.

claf–cooperaTivadeleiTedaagriculTurafamiliardefranciscoBelTrão

DeacordocomadireçãodaCLAF,existeumapreocupaçãomuitograndenaproduçãodeleitesemusodeprodutosquímicos.Comisso“estamos fazendo um trabalho de acompanhamento técnico com o propósito de orientação em produzir leite à base de pasto. Também temos buscado alternativas e técnicas naturais para a produção do leite. Isso pode se dar desde a recuperação do solo com MB4, com semente para cobertura do solo, produtos homeopáticos, for-micidas naturais para controle das formigas, homeopáticos para controle de mastite e parasitas, entre outras formas naturais para uma produção de leite mais saudável. Com um manejo adequado com os animais, também se pode dispensar em grande parte o uso de produtos que agridem o meio ambiente. Na alimentação também se podem evitar gastos como o uso de MB4 para comple-mentação dos micronutrientes que faltam em nossos pastos.”

Comessasalternativas,osassociadosdaCLAFtêmconseguidoseviabilizaremsuaspropriedades.“Tivemos um crescimento em mais de 50% na produção de leite dos nossos associados. Esperamos fazer ainda mais para consolidar essa cadeia produtiva.”

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municípiodemarmeleiro

ConformeinformaçõesdeSadyGrisa,engenheiroagrônomoeextensionis-tadaEMATER,aproduçãocomercialdeprodutosorgânicosnomunicípiodeMarmeleiroteveinícionoanode1998,comaempresaGAMA,aqualviabilizavaacertificação,atravésdoInstitutoBiodinâmico,eacomerciali-zação.Estaproduçãoécentradanaculturadasojae,hoje,comaempresaTOZAN,dezprodutores.

Háalgumasiniciativaspontuaiscomoutrasculturasnãocertificadas,sendomaisintensasnaproduçãodeolerícolasemilhodepipocaatravésdaCOOPAFI(CooperativadeProduçãodaAgriculturaFamiliarIntegrada).

Anteriormente, conforme divulgado em jornal no ano de 1997,ocorreuocultivodesojaorgânicaatravésdaempresaAgrorgânica,daFamíliaPerin.

municípiodeplanalTo

ConformeinformaçõesdosextensionistasetécnicosemagropecuáriaLi-banorViesellieSérgioDelani,oEmaterdePlanaltoacompanhoucursorealizadonoanode2003peloInstitutoMaytenus,com16produtores,nalocalidadedeSantaTerezinha,municípiodePlanalto.Apósesteperíodo,oenvolvimentocomaproduçãoorgânicaficouacargodasempresasAgror-gânica,Gebana,eTerraPreservada.

municípiodepéroladooesTeDeacordocomoextensionistadoInstitutoEmaterLibanorVieselli,noanode2002a2003,oInstitutoMaytenus,emconvêniocomoSEBRAE,ini-ciouumcursoquetambémteveumapartedeacompanhamentodoEMA-TER.“Em seguida incluímos o grupo de produtores orgânicos na microbacia Lajeado Grande. Após este passo, houve cadastro de todos os produtores no programa “Paraná 12 Meses” e a elaboração dos seguintes projetos:

• Calcárioparaumgrupode14famílias (LinhaVitória),aproxima-damente250toneladasaovalordeR$8.000,00sendopraticamente100%destevalorsubsidiado.

• Espalhadordecalcárioeaduboorgânico;comcapacidadede5to-neladas,foiviabilizadoumequipamento,viaprograma“Paraná12Meses”,comsubsídiode70%,restandoparaogrupopagarapenasR$2.100,00eosrestantesR$7.900,00aserempagosviaprograma.

• Roçadeirascostais;viaprograma“Paraná12Meses”,foiviabilizadaaaquisiçãode14unidadescomsubsídiode100%,asquaiscusta-ramR$12.600,00,emáreasdeproduçãodegrãosorgânicos.

• Equipamentosparairrigação;viaprograma“Paraná12Meses”,foiviabilizadaaaquisiçãodecanosedebombaparairrigaçãodeolerí-colasorgânicasparaprodutoresfeirantes.”

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NomunicípiodePéroladoOeste,ograndeenfoquedosorgânicosestánaproduçãodegrãos,eempequenaescalanaproduçãodeolerícolas,sendoaassistênciatécnicafornecidapelaGebanaeTozan,deCapanema.

municípioderealeza

ParaOdirBasso,técnicoemagropecuáriaeextensionistadoInstitutoEMA-TER,emjulhode2002foilançado,emRealeza,oprimeiroencontrosobreagriculturaorgânica,comapresençade103agricultoresfamiliaresinteres-sadosnocultivodeprodutosorgânicos,sendoque38destesseinscreveramparacursode12etapasemconjuntocomEmatereInstitutoMaytenus.

Foi o início da conversão das propriedades para cultivo de orgâ-nicos.Aprefeituradomunicípiodisponibilizouumaáreade45haparaplantiodesojaorgânicaeposteriormentetrigoemandioca.Nesseespaçofoirealizadoo1ºEncontroRegionaldeGrãosOrgânicosdoSudoestedoParaná,comdiadecampo.

Comaperspectivadebonspreçosdasojaorgânica,26produtoresefetuaram,nesteperíodoplantio,desoja,totalizandoumaáreade390ha,emandioca,comumaáreade76ha,alémdefeijão,commais14hanosanosde2002,2003e2004.Ocorreu,porém,aquedadospreços,aestiagemnosúltimosdoisanos(2004e2005),eaentradadasojatransgênicaquedesestimularamosagricultores.

Nestes períodos foram efetuados vários encontros com eles, comobjetivodefabricaçãodeprodutosorgânicos(biofertilizantes),ediasdecampoemnívelmunicipaleregional,comexcursõesparaSãoJorge,PatoBrancoemunicípiosvizinhos.

Osprodutossãocomercializadosemfeirasnomunicípio,compradiretaCONABeempresasdaregião.

municípioderenascença

Deacordocominformaçõesdosextensionistas,otécnicoemagrope-cuáriaAlbertoNerciMuller(atualsecretáriomunicipaldaAgricultura),atécnicasocialMariaHelenaFracasso,doInstitutoEMATER,eotécnicoemagropecuária Leandro Molinetti, do convênio Prefeitura Municipal/EMA-TER,aAgriculturaOrgânicacertificadateveinícionomunicípionadécadade1990,comaculturadasoja.Deiníciofoiimpulsionadapelosaltospreçospagosaosprodutoresorgânicos,quetivera,seunúmerodeadoçãoreduzidoposteriormenteemfunçãodeque,nomesmoperíodo,osistemadeprodu-çãoconvencionalaumentouaprodutividadeconsideravelmente,bemcomovalordasojaaíproduzida.Naagriculturaorgânicahouvediminuiçãodosvalorespagos,pelafaltadetecnologiaadequadaepelafaltadematuridadedestesagricultores,quemigraramparaosistemaconvencionalnoanode1999.Entãosurgiuumnovopúblico,oqual,semcondiçõesdeseadaptaraosistematradicional,optoupeloorgânico.Estepúblicoestavaexcluídodo

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sistemaconvencionalpelafaltadecondiçõesdeordemeconômicaetécnica.NomomentoécomestaagriculturaqueoInstitutoEMATERvemdesenvol-vendosuasações.Sãoagricultoresdeáreasdeassentamentocujaagricul-turaorgânicaapresentacrescimentoemculturascomomandioca,batatadoce,hortaliçasdiversasefrutas.Aculturadasojaestáemdecréscimomui-tosignificativoemfunçãodoaumentodeocorrênciadedoenças,resultandonabaixaprodutividadeeinviabilizandoaatividade.AtualmenteaEMATERestáatendendoaproximadamente20produtoresorgânicos.

Algumas propriedades do município, paralelamente à produçãoconvencionaldegrãos,trabalhamcomFruticulturaeOlericulturanosis-temadeproduçãoorgânica,utilizandoapenascaldasefertilizantesorgâ-nicosdebaixasolubilidade,porémnãopossuemcertificação.Umapartedaproduçãoécomercializadacomossupermercadosdomunicípio,masamaioriadelaécomercializadacomaCONAB,quedestinaosprodutosparaamerendaescolaratravésdoprogramaFOMEZERO.Essesproduto-resconstituíram,comoapoiodoEMATER,umaassociação(APAR–Asso-ciaçãodosProdutoresFamiliaresdeRenascença),queéresponsávelpelaadministraçãodosrecursosenviadospelaCONAB,equenofuturodeverádesempenharoutrasaçõesemproldodesenvolvimentodosagricultoresfamiliares.Aassistênciatécnicaaessesprodutores,bemcomooauxílionaorganizaçãoecomercialização,éprestadapeloInstitutoEMATER.

Apropostadetrabalhonalinhadeagriculturaorgânicaparaesseano é dar continuidade à assistência técnica em todos os aspectos, aosprodutoresdaassociaçãoAPAR,ebuscarcativarnovosagricultoresparaaexploraçãodaatividade,quenomunicípio,comogeradoraderendaetra-balhoaindaémuitorecente,carecendodemudançasnosaspectosnorma-tivos,biológicoseeducativosedecapacitaçãodetécnicos,deprodutores,deconsumidoresedepesquisaparaquecresçaaadoçãodeprodutoresquevenhamarealizaraconversãodosistemaconvencionalparaoorgânicocommaissegurança.

Eventosrealizadosnomunicípio:

• CursodeAgriculturaOrgânica–InstitutoMaytenos,com8módulos–participaçãode22agricultores(ano2000).

• Semináriodegrãos–realizadopeloEMATERcomparticipaçãode200agricultores–compalestradomédicoTsutomuHigashinoano2003.CentroParoquial.

• Unidadedemonstrativadecultivodesojaorgânicanapropriedadedosr.JacirXavariz,realizaçãoEMATER–PR,PrefeituraMunicipalemparceriacomEMBRAPA(ano2004).

• Unidadedemonstrativadecultivodetrigoorgâniconapropriedadedosr.JacirXavariz,realizaçãoEMATER,PrefeituraMunicipalemparceriacomEMBRAPA(ano2005).

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• VáriasreuniõeseparticipaçãoemexcursõesatéosmunicípiosdeCapanema,naFeiradoMeladoeProdutosOrgânicos,eemSãoJor-ge,nasConferênciasdeAgriculturaOrgânicaeBiodinâmica.

municípiodesalTodolonTra

DeacordocomValdirKoch,engenheiroagrônomoeextensionistadoEma-ter,noanode1997oConselhoMunicipaldeDesenvolvimentoRuraldeSal-todoLontra,atravésdoInstitutoEMATEReaSecretariaMunicipaldesen-volveramaçõesparainiciarasatividadescomproduçãoorgânica.NaépocaaempresaTerraPreservada,deCapanema,foiaparceirados12produto-res,quecomumaáreade72hadesojainiciaramoprocessodeconversãodaspropriedades.Estenúmerodeprodutoresdesojasemanteveaté2003,quando,nasafra2003/2004,caiupara8.Estesmesmosprodutoresamplia-ramaproduçãodeoutrasculturas,principalmentenaOlericultura.Apartirde1998,comoPró-Caxias,váriasaçõesforamdesenvolvidas,culminandonacriaçãodaAssociaçãodosProdutoresOrgânicosdeSaltodoLontra.

Em2003,oPró-CaxiasdiminuiuostrabalhosnaáreaquandoaEMA-TERfezparceriacomaCAMDUL,intensificandootrabalhonaproduçãodesojaparasemente.Porduassafras,aCAMDULfezparceriacomprodutoresorgânicosparaproduziremsementedesojaorgânica,sendocultivados80ha.Nomesmoperíodo foramrealizadoscursosde transformaçãode sojaorgânica em todasasunidadesdaCooperativa, trabalho coordenadopelanutricionistadoEMATERdeNovaPratadoIguaçu,MônicaMinosso.Destaparceriaresultouumprojetoderecepção,armazenagemebeneficiamentodaproduçãoorgânicaaserconstruídoemEnéasMarques.Envolveram-seduasassociaçõesdeprodutores,queatualmentebuscamassumirasaçõesdesteprojeto.AAssociaçãodeProdutoresOrgânicosdeSaltodoLontrapossuiummercado,queatendetambémàproduçãoconvencional,orientandoquantoasquestõeslegaisparaimplantaçãodoprojetoFomeZeronomunicípio.

municípiodesãoJorged’oesTe

JairKlein,engenheiroagrônomoeextensionistadoInstitutoEMA-TER, mestrando em Agroecossistemas/UFSC, relata que, ao fechar ascomportasdaUsinaHidrelétricadeSaltoCaxias,aCOPELincentivouaformação de uma organização territorial, o PRO-CAXIAS (Conselho deDesenvolvimentodosMunicípiosdoEntornodoLagodaUsinadeSaltoCaxias).Nasdiversaspropostasdetrabalho,optou-sepor incrementaraproduçãoorgânicanosnovemunicípiospertencentesàáreadeatuaçãodoPRO-CAXIAS.EmSãoJorgeD´Oeste,comoapoiodoEMATER,foicriadaaAORSA(AssociaçãodosAgricultoresOrgânicosdeSãoJorgeD’Oeste).Asassociaçõesnosnovemunicípiossearticularamparater,naregiãodoPRO-CAXIAS,umGrupoGestor,ouseja,umgrupodecincoagricultoresquecoordenavamaproduçãodosprodutoresligadosàsassociaçõesden-

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trodosprincípiosdaAgriculturaOrgânicaearticulavamacomercializa-çãodeseusprodutosnosmercadosdaregião.Osprodutoresorgânicosnoiníciopassaramporumprocessodeformaçãocontinuada,participandodeumcursoem12etapasetambémdeintercâmbios,diasdecampoedi-versasatividadesparaaprimorarsuaprodução.

AorganizaçãodoMercadodoProdutoremSãoJorgeD’Oestesur-giucomoumfatorfacilitadoraoprocessodecomercialização.OEmaterhaviaorganizado,em1989,umaFeiradoMelado,napraçadamatriz,eestaexperiêncialevouseustécnicosaorganizarema2ªFeiradoMelado,em1999,comoobjetivodepopularizarolocaldestinadoaomercadodoprodutorepromoverprodutosdasagroindústriasqueestavamsurgindonomunicípio.Comosucessodestafeiraeocrescimentodadiscussãoso-breaproduçãoorgânicasurgiu,em2001,aFeiradaProduçãoOrgânica2001,eventoestequeabrangiaa3ªFeiradoMelado,FeiradasAgroindús-trias,ArtesanatoeIndústriaeComércio.TodootrabalhotinhaoobjetivodepopularizarotermoProduçãoOrgânica,conscientizarosconsumido-resecomestaspromoçõesangariar fundospara fortalecerasentidadesdosAgricultoresFamiliares.

Em2003,aunidadeLocaldaEmaterdeSãoJorgeD’Oesteorgani-zou,comapoiodoSENAR(ServiçoNacionaldeAprendizagemRural),15cursosdeAgriculturaOrgânica,ondeforamtreinados207agricultoreseagricultoras,aquemasreformasdemoradiaspeloPrograma“Paraná12Meses”foramdestinadas.ComaarticulaçãodoGrupoGestornaregiãodoPRO-CAXIASeenfrentandoproblemasdepoucaprodução,osagricultoresdeSãoJorgeD´Oeste,melhorarticuladosnomunicípionaAORSAenaCA-JOR,resolveramcriarumacooperativaquepossibilitasseacomercializa-çãodeprodutosorgânicoseproduçãodeagroindústriasevisavaaatingirmercadosdaregiãoSudoeste.Surge,nofinaldoano2004einíciode2005,aCOOTER(CooperativadosAgricultoresdaTerradosLagosdoIguaçu),que,noanode2006,passaachamar-se,atravésdeumaalteraçãonoses-tatutos,deCOOPAFI(CooperativadosAgricultoresFamiliaresIntegradosdeSãoJorgeD’Oeste).ACOOPAFIdeSãoJorgeD’Oestepassaaser,jun-tamentecomascooperativasdeCoronelVivida,MarmeleiroeCapanema,apioneiradeumnovosistemadecomercialização,comfoconaproduçãoorgânicaenaproduçãodeagroindústriasfamiliares.Em2005,osagricul-toresorgânicosdeSãoJorgeD’OesteassociadosàAORSAefundadoresdaCOOPAFI, recebem,atravésdoPrograma“ParanáBiodiversidade”,numprojetoelaboradopelaunidadelocaldaEmater,ovalordeR$121.600,00,beneficiando20produtorescom42estufas,1toneladadefosfatodeYorineummicrotratorde18CVcomenxadarotativa,oquepossibilitouaala-vancagemdaproduçãodehortigranjeirosemambienteprotegido.

Segundo Jair Klein, é de parecer que “o Sudoeste do Paraná, por possuir um número elevado de agricultores familiares, pode ser um grande

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fornecedor de alimentos limpos, saudáveis. Transformando estas unidades produtivas em células de produção baseadas nos princípios agroecológicos, teremos segurança alimentar, preservação da paisagem e principalmente res-peito ao meio ambiente. O futuro é promissor, basta que congreguemos esfor-ços e tenhamos políticas públicas.”

Arlindo João Scussiatto, agroecologista e diretor presidente daCOOPAFIdeSãoJorgecomentaque“Nossa vida mudou, hoje temos certe-za de estarmos produzindo alimentos que não envenenam os consumidores, e estamos com a consciência tranqüila de não arriscarmos a vida de nossa família e com isso ver o mundo a nossa volta com mais respeito.”

municípiodeverê

DeacordocomoCAPAecomoEMATER,nomunicípiodeVerêasdiscus-sõestiveramseuinícioapartirdainstalaçãodoCentrodeApoioaoPeque-noAgricultor(CAPA)noanode1997.

OCAPAéumaONGquerealizaassessoriaparaagricultoresfami-liareshámaisde30anosnaRegiãoSuldoBrasil,tambéméumdepar-tamentodaIgrejaEvangélicadeConfissãoLuterananoBrasil(IECLB),fazendopartedeseucompromissodeIgrejadeJesusCristo,nãosecon-formarcomasinjustiçassociaiseaagressãoànatureza,colocando-seàdisposiçãodosagricultoresfamiliarespara,emconjuntocomelesecombasenosprincípiosdaagroecologiaedacooperação,desenvolverexpe-riências de produção, beneficiamento, industrialização e comercializa-ção,deformaçãoecapacitação,edesaúdecomunitária,quesirvamdesinaisdequeomeioruralpodeserumespaçodevidasaudávelerealiza-çãoeconômicaparatodos.

ComaassessoriadestaONGnomunicípioecomoapoiodasenti-dadesparceirascomoEmater,algumasatividadescomeçaramaterdesta-que,comoaproduçãodesojaedehortifrutigranjeirosorgânicos.Apartirde2003,quandoasojaconvencionalobtevebonspreços,asojaorgânicadeixoudesertentadora.

Naépoca,alémdosprodutoresdesojaorgânica,cincofamíliasini-ciaramaproduçãodehortaliçasorgânicas.Cadaumadelasproduziaumpoucoe,comotranscorrerdotempo,começaramterquantidadedepro-dutoeregularidadedeoferta,quenãofoiabsorvidapelosconsumidoreslocais.Logoemseguidaosagricultoressentiramanecessidadedeseorga-nizarememumaassociação.

Emagostode2001éfundada,comoapoiodoCAPAedoEmater,aAPAVE(AssociaçãodeProdutoresAgroecológicosdeVerê),aqualtemopapeldeorganizarosagricultores,tantonoplanejamentodaproduçãoquantonacomercialização.HojenaregiãoacreditamosqueaAPAVE,quelevaamarca“VeredaEcológica”,játemseuespaço,contandocom75fa-míliasassociadas.

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Osdesafiossãomuitos,acaminhadaélonga.Emtemposdeaque-cimentoglobal,nãopodemosdeixardefazeranossaparte.Julgamosserelaabuscaeoincentivodaproduçãodealimentolivresdeagroquímicosecomresponsabilidadesocial.

municípiodechopinzinho

Otrabalhofoiiniciadoem1998pelaPrefeituraMunicipalcom15produ-toresdesoja.Posteriormente,emparceriacomoInstitutoMaytenus,foicriadoumgrupode30produtoresquereceberamcapacitaçãoecertifica-çãodoInstitutoBiodinâmico.Atualmenteexistemcercade15agricultorescertificados,trabalhandocomfruticulturaeolericultura,quecomerciali-zamaproduçãoembancasinstaladasnossupermercadosdomunicípio.

municípiodeclevelândia

DeacordocomrelatodeOttoBrunoBecker,engenheiroagrônomoeexten-sionistadoEMATER,asatividadesdaAgriculturaOrgânicaemClevelândiainiciaram-senoanode1997/98comaproduçãodesojaorgânica,poragri-cultoresapoiadospelacooperativaCAMISCdeClevelândia, incentivadosprincipalmente pela colega engenheira agrônoma Idanir Menegotto, quetambémplantavaemáreasarrendadas,masdesmotivou-senodecorrerdosanosdevidoàfaltadeapoioeinduzidaporoutraspropostasmaisconvin-centes.“Era a visão somente de produto, e devido aos dólares adicionais à produção. Também ocorreu uma reunião com a presença de técnicos do IBD. Nesta ocasião foi convidada principalmente pela Sara. Maria Annibelli. Havia uma proposta da cooperativa dispor de uma moega para recepção especial de soja orgânica, fato que não ocorreu e deu-se início, em 2000/01, ao incentivo e fomento para a soja transgênica. Certamente ocorreram propostas mais van-tajosas para as pessoas que têm o poder de decisão nas mãos.”

EmClevelândiaocorreuoPrimeiroEncontroMunicipaldeAgricul-turaOrgânicaem25dejunhode2.001,com75produtoresparticipantes,frutodotrabalhodotécnicolocaldaEmaterque,porocasiãodapartici-paçãonoConselhodeDesenvolvimentodeZelândia,coordenadopeloSE-BRAE,levantavaestabandeira;eporocasiãodaescolhadeprioridades,otrabalhoemAgriculturaOrgânicafoieleitocomosendoumadasativi-dadesaseremapoiadasedesenvolvidasnomunicípio.Apartirdeentão,juntamentecomoSEBRAE/InstitutoHipotenusa,foirealizadooprimeirocursodecapacitaçãodeagricultores,com20módulos,duranteosanosde2001,2002e2003.Apartirdaí,salvoalgumasvisitasdesupervisão,ficouoEMATERcomaincumbênciadeassistirosprodutores.Noinícioogru-po teveaparticipaçãomédiade35 famílias,massomente12chegaramao final, devido ao fato dos seus participantes estarem muito dispersosnomunicípiotodoedependeremdetransportecoletivodaprefeitura.Eracompromissodomunicípiodisporde transporte,masàs vezes issonão

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ocorria.Cabesalientarquesemprehaviaalgunsprodutoresquedemanda-vaminformaçõessobreprodutosalternativos,naturaisesemheroicidadeetambém,solicitavamcapacitaçãonesteassunto.Duranteoanode2006tambémfoiefetuadocursodecapacitaçãoemAgriculturaOrgânica,com12módulosdeduraçãoeparticipaçãomédiade20famílias.Èimportantesalientarque, semaparceria comSEBRAE/InstitutoHipotenusa/Prefei-turaMunicipal,poucoounadateriasidofeito.Duranteoterceiroanoal-gumasfamíliasdogrupoestãopresentesnafeiralivre,noinícioumavezporsemanaeapartirde2007duasvezes,nasquartas-feirasenossábados,pelamanhã.OapoioàproduçãoOrgânica/AgroecológicanaregiãodePatoBrancoémuitoinsignificante,tendoemvistaaparticipaçãodeapenasumtécnicodaEMATER,dolocaldeZelândia.Sabe-sedademandaedaexis-tênciadegruposemquasetodososoutrosmunicípiosdaregião,masquenãosãomotivados/estimuladosporopçãoedesconhecimentodos técni-cosdecadalocal.Emtermosderecursosfinanceiros,poucofoigastocomAgriculturaOrgânica.Sãopequenasproduçõesagrícolasdefrutasegrãos,absorvidosnoprópriomercadolocal.HouveapropostadeproduçãoparaademandadaalimentaçãoescolarOrgânica,masosprodutoresnãoen-cararamodesafio.Ummaiormercadodependerádemaissegurançaega-rantianacomercializaçãodaprodução.

municípiodecoronelvivida

EmCoronelVivida,ondeforamalocadosrecursosparainstalalaçãodeumaagroindústriaviaPRONAFAgroindústria,umgrupodenoveprodu-toresassistidospelaEMATEReadministraçãomunicipaldesdeoanode2000, trabalha com estrangeiros orgânicos. São agricultores familiaresque já participaram de eventos como: excursões, cursos, treinamentospela EMATER e atualmente estão organizados, trabalhando por contaprópria.

municípiodesaudadesdoiguaçu

Nomunicípioexistememtornode30agricultoresproduzindonosistemaorgânico,semcertificação.OInstitutoEMATERestáorganizandoumgru-podeagricultoresdeagriculturaorgânicacomointuitodecapacitaçãoedeorganizaçãoparacomercialização,deacordocomaengenheiraagrôno-maRosneZaragatou,extensionistadoEMATER.

municípiodeviTorino

NomunicípiodeVitorinohaviaquatroprodutoresqueplantavamsojaor-gânica,quedeixaramaatividade.Foiefetuadocursodepuericulturasor-gânicaspara15produtoresem2002/03,mas,devidoàdificuldadedeco-mercializaçãodosprodutoseapreçosnãocompensatórios,nenhumdelescultivaorgânicos.

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agroindúsTriaregional

Aagroindústriatambémtemapresentadoevoluçãoconstanteemprodutosor-gânicos/diferenciados,transformados,segundodadosdoengenheiroagrôno-moJoãoFranciscoMarchei,doInstitutoEMATER,conformequadroabaixo:

Quadro 1 – Agroindústrias de produtos orgânicos no Sudoeste do Paraná

Município Nome Produtos

AmpéreA.S.A. Frango diferenciado

Burlando Bolachas e massas de soja orgânica

Barracão Costa Curta Leite envase /linha homeopatia

Cruzeiro do IguaçuAPAVEC Frango diferenciado SIP

Associação de Horticultores Banana in natura

Francisco BeltrãoQueijos Órbita Queijos colonial

Mel POLA Mel silvestre

PlanaltoAMITRA Conservas-opino, cebola

Inda. Com. Bom na Mesa Açúcar mascavo-masca

Pranchita

São Roque Cachaça orgânica

Cachaça Irmãos Atanazariam Cachaça orgânica

Cachaça Pranchita Cachaça orgânica

VerêAprove Leite pasteurizado

Asso. Horticultores /uva Suco e uva orgânica

São Jorge D´oesteMercado do produtor /produtos agroecológicos

Frutas e verduras

Fonte:MARCHEI,J.F.(InstitutoEMATER).

comerciAlizAção

geBana

SegundoCésarColusão,daEmpresaAbanares:“o nosso pequeno agricultor familiar, cada vez mais terá que procurar produtos diferenciados para conse-guir viabilizar sua propriedade, onde a agricultura orgânica, a agricultura para “mercado justo” e mesmo culturas alternativas que consigam uma boa agre-gação de valor venham a ser uma boa opção pensando no organismo agrícola, meio ambiente, qualidade de vida e sustentabilidade e também econômica.”

Aempresatrabalha:com:soja,milho,feijãoadzuki,bananadesidra-tada,trigo,farelodetrigo,óleodesoja,lecitinadesoja,farinhademilho,farinhadetrigo,sojatexturizada(PTS),abacaxidesidratadoecachaçaejáestáproduzindoraçãoparacamarãoeenviandoparaoRioGrandedoNorte,ondeéusadanacriaçãodecamarõesorgânicos.

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BiorgânicaDeacordocomadireçãodaOrgânicaComérciodeProdutosOrgânicosLtda.,dePlanalto-PR:“Estamos vivenciando a demanda crescente de produtos orgâni-cos no mercado internacional e nacional, e com isso se facilita a comercialização interna de produtos orgânicos. Atualmente comercializamos soja, trigo e milho, e temos boas perspectivas para comercialização futura de feijão, arroz e centeio. A agricultura familiar pode ser um forte aliado na produção de alimentos orgâni-cos, podendo ocupar esse espaço que ainda está aberto no ramo, pois a agricultu-ra familiar disponibiliza de pequena área, e mão-de-obra própria, que são fatores fundamentais. Acreditamos que o manejo orgânico seja um dos meios de viabili-zar financeiramente o pequeno produtor no campo, com dignidade, responsabi-lidade social e ambiental, e, acima de tudo, com qualidade de vida”.

empresagralhaazul

AlexandreAcoitaste,diretordaEmpresaGralhaAzulAvícola,trabalhandoaProduçãodeOvosOrgânicos emFranciscoBeltrão,comentaque:“aderi-ram ao projeto, 12 famílias de produtores, sendo que seis já estão certificadas para o sistema orgânico e as demais para produto colonial”.

Alexandrecomenta“que aves sobre melhores condições de criação, ou seja, garantias de bem-estar para as aves, responderão com melhor desempe-nho, maior resistência natural e melhor qualidade do ovo produzido”.

AGralhaAzuldápreferênciaaospequenosprodutores,garantindoaelesagregaçãoderendaàsuapropriedade,consorciandodeformasusten-távelcomoutrasfontesqueestafamíliajápossui,comocriaçãodegadodeleite,queperfeitamenteseintegraàproduçãodeovossemprejudicarnemumanemoutraatividade.Lembraqueosmanejoscomasvacasdeleiteocorrempelamanhãenofinaldodia,enquantoosmanejoscomovosseconcentramnoperíododamanhãeiníciodatarde.

Comoosprópriosconceitosdeproduçãoorgânicaprevêem,éfun-damental,parasecertificarumapropriedadecomoorgânica,queestares-peiteautilizaçãodosrecursosnaturais.

Aquisedestacamanecessidadedemanterasáreasdereservadapro-priedade,aproteçãodasfontesdeágua,autilizaçãocorretadosolo,bemcomoacorretadestinaçãodequalquerresíduogeradonapropriedade.

Todososinsumosutilizadosparaaalimentaçãodasavessãodeori-gemorgânica,devidamentecontrolados;tambémosovossãorastreados,garantindoaoconsumidorqueelepossaidentificarexatamentequalpro-dutorproduziuoalimentoqueeleestejaadquirindo,bemcomooqueestaaveconsumiunesteperíodo.

Nenhuminsumoquímico,nemtratamentomedicamentosoconven-cionalsãoaplicados.“Os ovos são devidamente classificados e selecionados, garantindo que o consumidor receba somente ovos de excepcional qualida-de”,concluiAlexandre.

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coopafi

ParaJoséCarlosFarias,presidentedoSistemaCoopafi(CooperativadeCo-mercializaçãodaAgriculturaFamiliar),“a agricultura familiar da região Su-doeste tem uma capacidade de produzir alimento dentro de uma diversidade de produtos que nossa região produz”.Noquedizrespeitoaprodutosorgâni-cosetambémtodosostiposdealimentos,“vivemos um limite no armazena-mento dos produtos assim como o beneficiamento dos mesmos. A região tem necessidade de organizar uma ação no campo de beneficiamento e armazena-mento dos alimentos da agricultura familiar, pois estamos fora de todas as es-truturas em operação da região, e sempre que demandamos serviços nesta área encontramos barreiras que impedem a nossa participação efetiva ou em pro-gramas institucionais do Estado ou para o próprio consumo dos produtos em nossas atividades da agricultura. Hoje não basta saber produzir. Será preciso organizá-la de maneira que possamos atingir os mercados com uma identidade e um produto padrão da agricultura familiar”,concluiJoséCarlos.

insTiTuToemaTerregional

ParaSimãoFlores,GerenteRegionaldoEmater,“a agroecologia no Sudoeste do Paraná faz parte do desenvolvimento alucinógeno da região, importante no ponto de vista econômico, sustentabilidade e qualidade de vida”.

Aproduçãovegetalde1.410agricultoresfamiliaresrepresentaumaáreade3.891,5ha,comumaproduçãode18.892,4ha.OSudoestepossui29,94%daárea,20,00%dovolumedeproduçãoe21,6%dosprodutoresdoEstado.

OInstitutoEmaterpossuiumgrupode17técnicostrabalhandodeformaprocessualcommetodologiaparticipativaextensivaa825famíliasdeagricultoresfamiliares.

“Dentro do contexto de desenvolvimento territorial, trata-se de uma das prioridades que vêm sendo contemplada com diversas ações da sociedade organizada, como é o belo exemplo do curso de agroecologia da modalidade de educação do campo”,conclui.

cenTroparanaensedereferênciaemagroecologia(cpra)Ocupandocercade1000hectaresdoentornodaÁreadeProteçãoAmbien-taldaRepresadoIra,comsedenomunicípiodeApinhais,PR,oCentroParanaensedeReferênciaemAgroecologia(CPRA)éumaautarquiavin-culadaàSecretariadeEstadodaAgriculturaedoAbastecimento.

Amissão institucionaldoCPRAéadepromoverecooperarcomaçõesdecapacitação,pesquisa,extensãoeensinonasáreasdeagroecolo-gia,agriculturaorgânicaeeducaçãosocioambiental.

A fimdeatingir seusobjetivosecumprir suamissão,oCPRAor-ganizadiasde campo, feiras, encontros técnicos epalestras,bemcomodesenvolveexperimentos,emparceriacominstituiçõesgovernamentaisenãogovernamentais.

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Seus objetivos e diretrizes são: gerar conhecimentos científicos etecnológicos,pormeiodaelaboraçãodeprojetosdepesquisaevalidação,voltadosàagropecuáriaorgânica,atendendoprioritariamenteàagricul-turafamiliar;aprimoraraformaçãodeestudanteseprofissionaisemciên-ciasagrárias,oferecendo-lhesoensinodeumaagropecuáriaassentadaemnovosparadigmas;promoveraçõesdeextensãoruralaotransferirconhe-cimentoapropriadoaprodutoresetécnicos;promovereducaçãosocioam-bientaledesenvolveraçõesdereinserçãosocial.

Temcomopúblicosprioritáriososagricultoresfamiliareseseusde-pendentes,osintegrantesdecomunidadestradicionaiseosestudantesdoensinosuperior.

reFerênciAs

ABRAMOVAY,Ricardo.Conselhosalémdoslimites.In: O futuro das regiões rurais.PortoAlegre:EditoradaUFRGS,2003.

ALTIERI,M.Agroecologia: adinâmicaprodutivadaagriculturasustentá-vel.3.ed.PortoAlegre:EditoradaUFRGS,2001.

CAMBOTA.RevistaAssesoar.Diversasedições.

CAPORAL,F.R.;COSTABEBER,J.A.Agroecologia: alguns conceitos e prin-cípios.Brasília-DF:MinistériodoDesenvolvimentoAgrário–Secre-tariadaAgriculturaFamiliar–DATER:IICA,2004.

DepoimentosdeTécnicoseAgricultores.

FRITZ, Nilton Luiz. Avaliação econômico-financeira de uma propriedade rural de Francisco Beltrão (Pr).1994.Monografia (Aperfeiçoamen-to/EspecializaçãoemAdministraçãoRural)–UniversidadeFederaldeViçosa.

______.Osrumosdaagricultura–TextoJornaldeBeltrãoeFolhadoSu-doeste,2001.

MARTINS,RubensdaSilva. Entre jagunços e posseiros.Curitiba:EstúdioGMP,1986.

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213

a agroecologia e as agroflorestas no contexto de umA AgriculturA sustentável

luciano zanetti pessôa canDiotto

Geógrafo,ProfessorAdjuntodocursodeGeografiadaUNIOESTE–FranciscoBeltrão-PR|MembrodoGETERR(GrupodeEstudosTerritoriais)|[email protected]

beatriz roDrigues carrijo

Geógrafa,ProfessoraAssistentedocursodeGeografiadaUNIOESTE–FranciscoBeltrão-PR,MembrodoGETERR(GrupodeEstudosTerritoriais)|[email protected]

jackson alano De oliveira

GeógrafograduadopelaUNIOESTE–FranciscoBeltrão-PR|[email protected]

OdebateemtornodaRevolução Verde,iniciadanadécadade1950etidacomoaprincipalrevoluçãodahistóriadaagricultura,esobresuasconse-qüências,vemsendointensohádécadas,tantonoBrasilquantonomundo.Demodogeral,háumtombastantecríticoparaessefenômeno,caracteri-zadopelatecnicização1epelaindustrializaçãodosprocessosdeproduçãoedeprocessamentodeprodutosagropecuários.

Como contraposição à Revolução Verde, diversos pesquisadoresvêmsededicandoaoestudoeaodesenvolvimentodepráticasagrícolasquesejammaisadaptadasàscaracterísticasdosecossistemas,equenãodependamdosinsumosedosmaquinárioscontroladospelasgrandesem-presasdetentorasdastecnologiasagropecuárias.

Nessesentido,pormeiodainiciativadeindivíduosinteressadosempromoverumsistemadeproduçãoagrícolacapazdegerarmenosimpac-tosaomeioambienteeàsociedadecomoumtodo,duranteoséculoXXdi-versasexperiênciasagropecuáriasalternativasforamdesenvolvidas.Comaexaltaçãododebateemtornodoaquecimentoglobaledanecessidadedaincorporaçãodenovasformasdeproduziredeviver,odebruçarsobre

1 Entendemostecnicizaçãocomosendoaincorporaçãoeaampliaçãodofenômenotécnico,ma-nifestadoportécnicasmateriaiseimateriais,conformeaperspectivadeMiltonSantos(1996).

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desenvolvimento territoriAl e AgroecologiA

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técnicas e métodos alternativos de produção agropecuária também temdestaquenesteiníciodoséculoXXI.

Deformageral,osprincipaisobjetivosdessasculturasalternativassão:garantiraproduçãoalimentarparaasubsistênciadosagricultores;ofereceralimentosdequalidadeparaasociedade;propiciarformasdetra-balhoquepermitamaoagricultorvivercomsaúdeequalidadedevida;eutilizarosrecursosnaturaisrespeitandoadinâmicadosecossistemaseabiodiversidade.

Dentreestasculturasestão:aagriculturanatural,aagriculturabio-dinâmica,aagriculturabiológicaeaagriculturaorgânica,cujosconceitoseobjetivosseencontrambrevementeexpressosnestetrabalho.Dentrodaagriculturaorgânica,temosaagroecologiaeasagroflorestas,quesecons-tituemnosobjetoscentraisdesseensaio.

Procuramosaquidiscorrersobreosfundamentosdaidéiadeumaagriculturasustentável,comdestaqueparaaagroecologiaeparaossis-temasagroflorestais,queseapresentamcomoatividades integradasquebuscamunireequilibrarinteressesdeconservaçãoambiental;qualidadedosalimentos;segurançaalimentardasfamíliasagrícolasedasociedade;manutençãodosagricultores familiaresnocampo;resgateevalorizaçãosociocultural;eretornoeconômicoparaasfamíliasrurais.

desenvolvimento sustentável

Entreofinaldosanos1960einíciodadécadade1970,começaramasurgirpublicaçõesalertandoparaasconseqüênciasambientaisdoritmoaceleradodaproduçãodemercadoriasedaexploraçãodosrecursosnaturais2.Desta-cam-se,nessecontexto,oRelatórioMeadows,produzidoem1972peloClu-bedeRoma,denominado“OsLimitesdoCrescimento”,quealertavaparaocaráterfinitodosrecursosnaturaiseparaosriscosdosdiferentestiposdepoluições,fatoscomprometedoresparaasobrevivênciadoplanetaedahumanidade(GONÇALVES,1992);eateoriado“ecodesenvolvimento”,deIgnacySachs,tambémdoiníciodadécadade1970,clamandopornovosdi-recionamentosemrelaçãoàprópriaconcepçãodedesenvolvimento.

Noiníciodadécadade1980,aidéiadodesenvolvimentosustentávelcomeçaaserdivulgadaatravésdapublicação,pelaUniãoInternacionaldeConservaçãodaNatureza(UICN)3,daEstratégiadeConservaçãoMundial(WCS).TalestratégiafoipreparadaporinstituiçõescomoaUICN,UNEP(Programa de Educação Ambiental das Nações Unidas), WWF (World

2 Naobra“AhistóriadoAmbientalismo”,escritaporAugustoCarneiroem2003,háumdeta-lhamentodasprincipaispublicaçõesdaépocanestatemática.

3 Em1948,aUICNfoifundadasobapremissadequetantoanaturezaquantoseusrecursosdeveriamserprotegidosparaobenefíciodasgeraçõesatuaisefuturas.

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luciAno z. P. cAndiotto | BeAtriz r. cArrijo | jAckson A. de oliveirA

WildlifeFundation),FAO(FoodandAgricultureOrganization),eUNES-CO(OrganizaçãoEducacional,CientíficaeCulturaldasNaçõesUnidas),comaparticipaçãodemaisde100países(HALL;LEW,1998).

Em1983,aassembléiageraldaONUcriouumacomissãoparabus-carharmonizarasquestõesdemeioambienteedesenvolvimento,deno-minadaComissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.Apósquatroanosdetrabalho,aComissãoelaborou,em1987,orelatórioBrun-dtland,conhecidocomo“NossoFuturoComum”.Nelesurgiuoconceitodedesenvolvimento sustentável,queseriaaqueleque“atendeasnecessida-desdopresentesemcomprometeraspossibilidadesdasgeraçõesfuturasatenderemsuasprópriasnecessidades”(PNUMA,1988,p.09).

ApósapublicaçãodoRelatórioBrundtland,asegundaConferênciaMundialparadiscussãosobredesenvolvimentoemeioambiente,realiza-daem1992nacidadedoRiodeJaneiro,constituiu-senoeventoresponsá-velpelainstitucionalizaçãoepelaafirmaçãomundialdodesenvolvimentosustentável.

Aampliaçãodasdiscussõessobreodesenvolvimentosustentávelemváriasescalasespaciais(global,nacional,regionalelocal)apontaparaanecessidadedeumusoequilibradodosrecursosnaturais,paramelhordis-tribuiçãodosbenefícioseconômicoseparamaiorrespeitoevalorizaçãodeaspectossocioculturaisdasmaisvariadasetnias.Apreocupaçãocomasgeraçõesfuturasecomofuturodoplanetacompletamoquepoderiaservistocomofococentraldaidéiadesustentabilidade.

Assim,apartirdadécadade1990,orótulodesustentávelpassaaserutilizadoparaosmaisdiversossetoresdaeconomia,numareferênciaànecessidadedepráticasvinculadasàspremissasdodesenvolvimentosus-tentável,eatémesmoaomarketing deempresasqueafirmamsersusten-táveis,aoincorporaremalgumapreocupaçãoambientalemseuprocessoprodutivo.

Damesmaformaquesefalaemcidadessustentáveis,indústriassus-tentáveis, empresas sustentáveis,oespaçoruraleaagricultura tambémpassamareceberorótulodesustentável.

AgriculturA sustentável

ParaAlmeidaeNavarro(1997),aexpressão“desenvolvimentoruralsus-tentável”englobariaaspropostasqueprometemumnovopadrãoproduti-vo,alternativoàsformasdedesenvolvimentoconvencional,devidoaofatodeestasseremaltamentedispendiosas,tantonaproduçãoquantonarecu-peraçãodeimpactosambientaisjáocorridos.

AltierieMasera(1997) informamqueomovimentoambientalistafoiaprincipalforçasocialqueimpulsionouodebatecríticosobreosim-pactosnomundo rural,questionandooatualmodelodeproduçãorural.

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Almeidadiscute a idéiadeprogresso ededesenvolvimento, enfo-candoodesenvolvimentoagrícolasustentávelcomo“umanseioaumnovoparadigmatecnológicoquenãoagridaomeioambiente,servindoparaex-plicitarainsatisfaçãocomaagriculturaconvencional”(ALMEIDA,1997,p.46).Oobjetivodaagriculturasustentáveléamanutençãodaprodutivi-dadeagrícola,minimizandoosimpactosambientaisepropiciandoretor-noeconômicoquepossibilitediminuirapobrezaeatenderaosanseiosdasociedade.(Op.cit.).

SegundoEhlers (1999),emmeadosdadécadade1980équesur-gempreocupaçõesparacomosetoragrícolapredominante.Issosedeuapartirdasconstantespressõespúblicassobreaspolíticasgovernamentaisdedesenvolvimentoquegeravamproblemassociaiseambientais,eprin-cipalmente do agravamento dos problemas ambientais provocados pelaagriculturamoderna,comoerosão,contaminaçãodasredesdedrenagem,destruiçãodafaunaedaflora.Porconseguinte,“em1984,oConselhoNa-cionaldePesquisadosEstadosUnidos(NRC)iniciavaumcomitêparaes-tudarosmétodosalternativosdeproduçãoeseupapeldiantedaagricultu-ramoderna”(EHLERS,1999,p.100).

Esteeoutrosprogramaseleisqueforamdesenvolvidosespalharam-serapidamentepelomundocomapoiodeentidadescomoaFAO(FoodandAgricultureOrganization),queéaOrganizaçãodeAlimentoseAgri-culturadaONU(OrganizaçãodasNaçõesUnidas),eoBIRD(BancoMun-dial),contribuindoparaadivulgaçãoeaaceitaçãoemtodoomundodaidéiadesistemassustentáveisdeproduçãodealimentos,que,nadécadade1990,jáestavamsendopensadosemmuitospaíses.(EHLERS,1999).

Ocorre,noentanto,queaagriculturasustentávelpropostapelaFAOepeloBIRD,eopróprioconceitodedesenvolvimentosustentávelinstitu-cionalizadopelaONU,seencontramlimitadosàquestõesambientais,nãotendocomofocooquestionamentodaconcentraçãodariquezaeocresci-mentoeconômicosemlimites.

NavisãodeEhlers(1999),aconcepçãodesustentabilidadeagríco-lavemàtonaparareduzirosproblemassociais,bemcomoadegradaçãodabiodiversidadeedosrecursosnaturaisdoplaneta,incluindo-se,nestecontexto,ossolos,aágua,oar,afaunaeaflora,diantedaperplexibilidadeobservadanossistemasconvencionaisdeproduçãodealimentosquepro-vocamdanosirreversíveisaomeioambienteeaohomem.

Portanto,alémdasquestõesambientais,nãosepodemdesconside-rarosproblemassociaisrelacionadosàagricultura,comoaconcentraçãodeterras,oêxodoruraleaexclusãosocialdosagricultores,aexploraçãodotrabalhoagrícola,afaltaderegularizaçãofundiária,dentreoutros.

Entende-se ser sustentável aquele sistema que mesmo cultivadoperpetuamentenãocomprometaoecossistemafuturo,ouseja,quete-nhaacapacidadedeproduzirporlongasdécadassemdegradarcomple-

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tamenteasbasesderecursosdasquaisanaturezadependepararegene-rar-se.Paraqueumsistemasejasustentável,énecessárioqueeletenhaefeitosmínimosnoambienteequepreserveafertilidadedosolo,bemcomopermitaamanutençãodabiodiversidadeedaqualidadedaságuasedoar.(DAROLT,2002).

Issoépossívelatravésdeumplanejamentopréviodoterrenoondeseráinstaladooagroecosistema.SegundoDarolt(2002),deve-seternoçãodequealgunssistemaspodemserprodutivosportempoindeterminadoequeoutrospodem,mesmoemsistemastotalmenteorgânicos,seremde-gradadoscomotempo.Estessistemasquesetornamimprodutivoscomotemponosdãoumanoçãodeseupanoramafuturo.Suacamadasuperfi-cialbióticapodeestarsendoerodidaoudegradadapelocultivo,esuadi-versidadeconseqüentementeestaráemdeclínio.

Porisso,Darolt(2002)afirmasernecessárioque,aoidentificarumsistemacomosustentável,efetue-seumapesquisapréviadaáreaedetodaabaciahidrográficaafimdecomprovaratotalestabilidadedoambientepara um agroecossistema confiável, pois os fatores determinantes destadegradaçãopodemocorrerdevidoàinfluênciasexternas.

Geralmente,aproduçãoagrícoladependedas técnicasconvencio-nais,demodoqueaspráticasalternativasdeagriculturaacabamsendodesenvolvidasporalgunsagricultores familiares interessadosempreser-varoecossistema,mas tambémemgarantirasobrevivênciadesuas fa-mílias.Nãoobstante,essesagricultorespodemestarrodeadosdegrandesprodutoresinseridosnosmétodosconvencionaisdeproduçãoagrícoladealimentos,prejudicandoassimaqualidadeambientalenutricionaldesuaprodução.

AtéoiníciodoséculoXX,osmeiosdeproduçãoerammaisrudi-mentareseoauxílioquímicoàagriculturapraticamenteneutro,porém,nosdiasatuais,omodeloconvencionaldeproduçãoéutilizadoemgrandeescala,provocandograndesdanosaoecossistemaeàpopulaçãodetodaumaregiãooubaciahidrográfica.

Senopassadoosprodutoresagrícolasnãotinhamquesepreocuparcomasinfluênciasexternasemsuapropriedade,poisosriscosdecontami-naçãopraticamenteeraminexistentes,hojeestesnãotêmcontrolesobreosprodutos tóxicosoriundosdaproduçãoconvencionalque fluemparasuapropriedadeatravésdaágua (tanto superficialquanto subterrânea),bemcomopeloar,pondoemriscoanimaisesementesouplantaçõesdetodoumagroecossistemaalimentar.(TORRES,2003).

Aocultivaralimentosagrícolasorgânicosemdeterminadoterrenolocalizadonaproximidadedecultivaresconvencionais,estesistema,porsuavez,nãoviráaserumautênticosistemaorgânicodeprodução,ouseja,umsistemaquegarantaasustentabilidadenaprodução,poisasinfluên-ciastóxicasdaagriculturaconvencionalmuitopróximaserãoinevitáveis.

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Seaagriculturadevetornar-sesustentável,significaqueoprocessodeproduçãoagrícolaconvencionalquevemsendodesenvolvidoàbasedepoluentesquímicosdevecederespaçoaumsistemadecultivoagrícolaquepossibiliteproduçãosatisfatóriasempôremriscotodooecossistema,ouseja,umsistemaagroecológico,combasenaagriculturatradicional.

Apósoextensoperíodocaracterizadopelospousios,sucedidospelossiste-masrotacionaisemistosdaprimeirarevoluçãoagrícolaefinalmente,pelopadrãoprodutivodisseminadopelarevoluçãoverde,éprovávelqueaagri-culturasustentávelvenhaaserconsideradaumanovafasenahistóriadadinâmicadousodaterra.Nela,ousoabusivodeinsumosindustriaisedeenergiafóssildeverásersubstituídopeloempregoelevadodeconhecimentoecológico(EHLERS,1999,p.147).

Énestecontextoque,apartirdadécadade1980,crescemaspreocu-paçõesparacomaqualidadedevidaeproblemasambientaisrelacionadosàpoluiçãomundialdetodososmeiosprodutivos,reforçando-se,nosetoragrícola,aidéiadeproduçãoalternativasustentávelcontraditóriaaopa-drãoconvencionaldeproduçãodealimentos(EHLERS,1999).

SegundoEhlers(1999),osmovimentospopularestêmgrandeinfluên-cianaimplantaçãodeculturasalternativasquebuscamsersustentáveis.Aspreocupaçõesdasociedadecivilparacomodesenvolvimentodesorde-nadodetecnologiasparaaproduçãoagrícolapodemcontribuirparaquesejamcriadaspolíticaspúblicasqueincentivemeamparemodesenvolvi-mento sustentáveldaagricultura,promovendo leisque regulamentemodesenvolvimentotecnoquímiconestaagricultura,bemcomocriandopro-gramasqueincentivemformassustentáveisdeagricultura.

Asustentabilidadeestáemascendência,porémraramenteviráaseroúnicoesatisfatóriométododeproduçãoagrícola.Ehlers(1999)conside-raqueocultivoalternativo,visandoàsustentabilidade,é,nosdiasdehoje,insuficienteparagarantiraproduçãodealimentosparatodasasnações.

Gliessman (2001) aponta que o acesso à tecnologia desenvolvidaparaaagriculturaconvencionalé,emmuitospaíses,essencial,poisosoloassimcomotodaadiversidadejáforamemgrandeescalaexplorados.Aler-ta,contudo,paraofatodequeestetipodeagriculturapassaanecessitardemaisrecursosquímicosparagarantiraproduçãodealimentosquesa-tisfaçamasnecessidadeshumanasalimentares(GLIESSMAN,2001).

Acreditamosqueasdiscussõessobreaagriculturasustentávelde-vemvirparaoprodutoragrícolacomoformademanterascondiçõesam-bientais existentes, porém não desconsiderando aspectos econômicos esociais.Oquesebuscacomaproduçãoagrícolasustentávelnãoéumaproduçãoemgrandeescalaequevisealucros,istoé,umaagriculturacon-vencionalmenosdestrutiva,mas,sim,buscam-sepráticasalternativasdeproduçãodealimentosqueprimempelasaúdeepeloequilíbriodosecos-sistemasedasfamíliasruraisquevivemdaagricultura.

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Destemodo,formasdeagriculturapotencialmentesustentáveisde-vemserincentivadaseaplicadasemrelaçãoaagricultoresquepossuemvínculocomaterraecomosecossistemas.Acreditamosqueosagriculto-resfamiliarespossuemascondiçõesmaisadequadasparaapromoçãodeumaagriculturaquepossasersustentável.SegundoAlmeida(1997,p.52),“osucessodasiniciativasatuaisporumnovoediferentemododedesen-volvimentoestánofortalecimentodosprocessosorganizativosdaagricul-turafamiliarnassuasdiversasformasassociativas”.

Nasegundametadedadécadade1980,umreferencialteóricoso-breagriculturasustentávelcomeçaasertrabalhadoapartirdoconceitodeagroecologia, pensadoporpesquisadores comoGliessman (2001),Altieri(2000),Azevedo(2003),dentreoutros.Aagroecologiaestáinseridanaagri-culturaorgânicaepossuiespecificidadesemrelaçãoaesta.Existem,noentanto,alémdaagriculturaorgânica,outrosmétodosdeproduçãoagrí-coladistintosdosmétodosconvencionais,queseapóiamempráticasme-nosdegradantes.

métodos AlternAtivos de Produção AgrÍcolA

Baseando-senocontextodequeaagriculturaconvencionalé,deformage-ral,umaameaçaàbiodiversidadeeatémesmoaofuturodaproduçãoagrí-cola,surgempelomundonovosmeiosdeproduçãoagrícolaquepodemga-rantirasustentabilidadedosistema,bemcomorendimentoseconômicos.

Desenvolvem-se,então,práticasagrícolasdiferenciadas,quesãode-nominadas alternativas, pois rejeitam as técnicas e métodos do sistemaconvencionaldeprodução.Dentreessasalternativas,têm-se,segundoAze-vedo(2003),quatrocorrentesdaagricultura:abiodinâmica,abiológica,anaturaleaorgânica,sendoelasasprimeirasmanifestaçõesdeproduçãoagrícolacontráriaàproduçãoconvencional.

Caberessaltarque,desdeosurgimentodaagricultura,diversastéc-nicasemétodosdecultivoagropecuárioseguiamasleisdanaturezaesepautavamnoaproveitamentodosrecursosnaturaisprovenientesdosecos-sistemas locais. O diferencial dessas formas tradicionais de agriculturacomasformashojeconsideradasalternativasresidenofatodequeosmé-todosalternativosforamdesenvolvidosapartirdaconstataçãodosimpac-tosdetécnicasemétodosconvencionais,ouseja,apartirdeumacontesta-çãodosrumosqueaagriculturatomouapartirdoiníciodoséculoXX.

AgriculturA BiodinâmicA

Idealizadapelo filosofoaustríacoRudolfSteiner, sugereoequilíbrioeaharmoniaentreaterra,asplantaseosanimais,alémdocosmoseoho-mem.SegundoRocha(2004),RudolfSteineralertavaparaaidéiadeque

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asaçõeshumanasnaagriculturadevemconcentrar-senamanutençãoenarecuperaçãodosolo,pois,noscasosdequedadeprodução,nãoéaplantaqueadoece,mas,sim,osolo.

Aagriculturabiodinâmicaédefinidacomouma“ciênciaespiritual”queseutilizadebasesastrológicasecompostosbiodinâmicos,ouseja,sãopreparadoscompostoslíquidosàbasedesubstânciasminerais,vegetaiseanimais,quesãoaplicadosaosoloebaseadosemperspectivasenergéticas,evisamàproteçãoeàconservaçãodomeioambiente.(DAROLT,2002).

Essaformadeagriculturaéconsideradaamaiscomplexadentreasformasdeagriculturaalternativa,poissefundamentaemumarelaçãodeinterdependênciaentreosseresvivoseocosmos.Naagriculturabiodinâ-mica,asfasesdaluaeoutrosfenômenosastronômicossãoconsideradosnastécnicasemétodosdecultivo.

AgriculturA BiológicA

Omaisimportantedaagriculturabiológicaéaintegraçãodosrecursosna-turaisdapropriedade,visandoaodesenvolvimentoemconjuntodaprodu-çãoedamanutençãodosecossistemas.Seufocosedánasaúdedaplantaedosolo,considerandoque“Umaplantabemnutrida,alémdeficarmaisresistenteàdoençasepragas,forneceaohomemumalimentodemaiorvalorbiológico”(DAROLT,2002,p.9).

Na agricultura biológica, recomenda-se a incorporação de rochamoídaaosolo,poisafertilizaçãodossolosnãoexcluiaadubaçãomineral,massuabasedeveserorgânica.Apesardebuscaroaproveitamentodosrecursosdapropriedade,Ehlers(1999)alertaparaofatodequeamatériaorgânicautilizadanaproduçãopodeserdeprocedênciaexterna,ouseja,“aagriculturadevefazerusodeváriasfontesdematériaorgânica,sejamestasdocampooudacidade”(p.56).

“Quantoaomanejodosolodeve-se tercomometapropiciarcon-diçõesadequadasparaocrescimentoemanutençãode suamicrobiota”(EHLERS,1999,p.58),ouseja,dasdiversasformasdevidaquehabitamosolo.

AgriculturA nAturAl

Com gênese no Japão a partir de 1935, através dos estudos do mestreMokitiOkada,aagriculturanaturaltevecomoprincípiorespeitarasleisnaturais,recomendandoaoprodutor“rotaçãodeculturas,usodeadubosverdes,empregodecompostoseusodecoberturamorta”sobreosolo(EH-LERS,1999,p.64).

Essemétodotemcomoprincipalobjetivoareduçãomáximadoim-pactosobreoecossistema,respeitandoasleisdanatureza;porisso,não

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sãoaceitas,nestesistemadeprodução,nemaremoçãodosoloenemauti-lizaçãodedejetosdeanimaiscomofertilizante.Opreparodosoloéfeitoatravésdoauxíliodemicroorganismosecompostosorgânicosdeorigemvegetal(DAROLT,2002).

Assim,aagriculturanatural,aocontráriodabiológica,nãoutilizainsumosexternosàspropriedadesrurais,nemincorporarejeitosdeoutrasatividades,comonocasodosdejetosdeanimaiscomoadubo.Seuprincí-piobásicoresidenamanutençãodoequilíbriodoecossistema,quesedápormeiodeummanejosimplesdosrecursosnaturais.

AgriculturA orgânicA

IdealizadaporSirAlbertHoward,entreosanosde1925e1930,naÍndia,resultavaemummeioalternativodeprodução.Opondo-seaomeiodepro-duçãoconvencionalqueseexpandiarapidamentepelomundo,emespe-cialnaEuropaenosEUA,aproduçãoagrícolaorgânicaressaltavaaim-portânciadamatériaorgânicanoprocessoprodutivo(EHLERS,1999).

Desde1920,quandoosfertilizantesquímicoscomeçaramaserusadosco-mercialmenteemlargaescala,têmhavidodenúnciasdequeaagriculturaquímicaproduzcolheitasdealimentosmenos saudáveis enutritivos.Emtornode1940,omovimentoorgânicoeuropeucomeçouaganharforças,empartepelacrençadequealimentosorgânicoserammaissaudáveis(AZEVE-DO,2003,p.44).

Aproduçãoorgânicaétodaaproduçãoagrícolaanimalouvegetalemqueseadotamtecnologiasqueprezempelosrecursosnaturais,respeitandoaintegridadedoscultivarescomoobjetivode,emharmoniacomoambien-tenatural,serauto-suficienteaohomem.Anão-utilizaçãoderecursosnãorenováveis,bemcomoaeliminaçãodoempregodeagrotóxicos(comofun-gicidas,herbicidas,inseticidasebactericidas)oudefertilizantessintéticosedesementesgeneticamentemelhoradasemqualquerfasedoprocessodeprodução,armazenamento,distribuiçãoeconsumodealimentosagrícolas,éoquedefineaproduçãoagrícolaorgânica(AZEVEDO,2003).

Aidéiadeproduzirdeformaorgânicasurgecombasenosprimór-diosdaagriculturatradicional,ondeousodeinsumosedetécnicasagrí-colaserareduzido,pois,antesdarevoluçãoverdenãoexistiaminsumosquímicosnemmáquinasagrícolas.

ParaDarolt(2002,p.09),“aproduçãoorgânicaébaseadanamelho-riadafertilidadedosoloporumprocessobiológiconatural,pelousodamatériaorgânica,oqueéessencialàsaúdedasplantas.”

Hámuitotempo,ohomemjápossuía,portanto,conhecimentosdeagriculturaorgânica,masestesforampraticamenteignoradosapartirdadisseminaçãomundialdarevoluçãoverde.Foisomenteapósapercepçãodahumanidadesobreosimpactossocioambientaisdarevoluçãoverde,e

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sobreanecessidadedepráticasagrícolasmaisautônomasemenosdegra-dantes,queaagriculturaorgânicaretornaaodebateacadêmico.

SegundoAzevedo(2003),aproduçãoagrícolaorgânicavisaàofer-tadeprodutosmaisnutritivos e saudáveis aohomemsemprejudicaroambiente,ampliandoepreservandoassimadiversidadedoecossistema,e, alémdisso,promovendoa regionalizaçãodaproduçãoe consumodealimentosagrícolas,edandoincentivoparaaintegraçãoentreprodutoreconsumidor.Paraopesquisador,esteéométodoalternativoquemaisseaplicanoBrasil,eemespecialnaRegiãoSul,dandoenfoqueparaaagri-cultura familiar. Conseqüentemente, estudar e compreender a produçãoagrícolaorgânicatorna-seessencial,considerandoofatodequeomodis-mo orgânicovemconquistandoespaçoacadadia.

Aagriculturaorgânicaconsisteemumapráticacontráriaàutiliza-çãodeprodutosquímicosna lavoura,ecapazdesuprirasnecessidadesdopequenoagricultor,poisométodoédestinadoàpequenapropriedaderural,naqualestejainseridooprocessodemão-de-obrafamiliar(AZEVE-DO,2003).Ocorre,contudo,queelapodeserevemsendoimplementadaedesenvolvidaporqualquertipodeagricultor,desdeumcamponêsatéumgrandeprodutorouempresadealimentosorgânicos.

Nabuscadediferenciarumaagriculturaorgânicarealizadaporpe-quenosprodutoresfamiliares,onde,alémdavariávelambiental,seprimeporbenefíciosemelhoriassociais,deumaagriculturaorgânicarealizadacomomaisumnegóciodeterminadopelalógicadomercado,surgeocon-ceitodeagroecologia.Esta,alémdeserummeiodeproduçãoecologica-mentecorretoqueseopõeaoatualmodeloagrícolaconvencionalpredo-minantenomundo,é,sobretudo,umaformadeproduçãoquesatisfazevalorizaopequenoprodutor,integrando-oaoambienteeàsociedade.Nes-sesentido,aagroecologiaincorpora,aosobjetivosdeconservaçãoambien-talpresentesnaagriculturaorgânica,objetivossociais,ondeagricultoreseconsumidoresdevemservalorizadosebeneficiadosnoprocesso.

Aagriculturaorgânicasefundamentanoabandonodousodeinsu-mosquímicosenasubstituiçãodestesporinsumosnaturaiseportecno-logiasadaptadasaosecossitemaseagroecossistemas.Seuobjetivoreside,portanto,emproduziralimentosdeformaecologicamentecorreta,nãosepreocupandonecessariamentecomaconcentraçãoderiquezanasmãosdosagricultoresmaiscapitalizadosecomasquestõessociaiseculturaisqueenvolvemoespaçorural.

Já a agroecologia incorpora os objetivos da agricultura orgânica,mastambémquestionaaconcentraçãoderiquezaeaexploraçãodaforçadetrabalhodospequenosagricultores.Nela,alémdoequilíbrioambiental,prima-sepelaqualidadedevidaepelareduçãodadependênciadosagricul-toresemrelaçãoàscorporaçõestransnacionaisvinculadasàagricultura.Asaúdedafamíliarural,oaproveitamentodosrecursosnaturaisdaproprie-

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dade,apolicuturaeoextrativismo,aaproximaçãodiretacomoconsumi-dor,acriaçãodemercadosjustosfundamentadosnaeconomiasolidária,eapolitizaçãodosagricultores,paraqueestessejamprotagonistasdodesen-volvimentorurallocal,seapresentamcomoelementosfundamentais.

Assim, poderíamos dizer que ela é uma das formas de agricultu-raorgânica,assimcomotodasaspráticasagroecológicasfazempartedaagriculturaorgânica,masquenemtodaaagriculturaorgânicaseconstituiemagroecologia.

AgroecologiA

Aagroecologiaéumadasopçõesquevemsendodestacadasdentrodocon-textodeumaagriculturasustentável,pois,alémdeproduzirsemagrotóxi-cos,encontra-sedestinadaàsubsistênciaeàqualidadedevidadopequenoprodutorruraledesuafamília,nãodeixandodeladosuainserçãoemummercadocadavezmaior,queéodeprodutosagroecológicos,masatuandonomercadocomrelaçõesmaissolidárias.

SegundoGliessman(2001),aagroecologiaéumafusãodaagronomia(ciênciaqueestudaespecificamenteosmétodosagrícolas)comaecologia(ciênciaqueestudaossistemasnaturaisemtodooseuâmbito)eseconstituiemumaciência.Tevesuagênesenosanos1920,consumando-senopós-IIGuerraMundial,quandocadavezmaisecologistasdomundointeiropassa-ramaanalisarecossistemasdeproduçãoafimdepromovermudançasnaproduçãoagrícola,possibilitandoasustentabilidadedoagroecossistema.“Aagroecologiaproporcionaoconhecimentoeametodologianecessáriosparadesenvolverumaagriculturaqueéambientalmenteconsistente,altamenteprodutivaeeconomicamenteviável”(GLIESSMAN,2001,p.54).

Namesmalinhadeanálise,Altieri(2000,p.18)entendequeelacon-siste em uma “nova abordagem que integra os princípios agronômicos,ecológicosesocioeconômicosàcompreensãoeavaliaçãodoefeitodastec-nologiassobreossistemasagrícolaseasociedadecomoumtodo.”

ParaAzevedo(2003),aagroecologiaapresentaumasériedeprin-cípiosmetodológicosquepermitemestudar, analisar,dirigir,desenhareavaliarecossistemas,contribuindoparaodesenvolvimentodeumaagri-culturasustentávelecomplexa,capazdegerarsatisfaçãoeconômicasocialeambiental.

Gliessman(2001)tambémapontaparaseuduplopapel,comociên-ciaecomomovimentopolítico.

[...]porumlado,aagroecologiaéoestudodeprocessoseconômicosedeagroecossistemas,poroutro,éumagenteparaasmudançassociaiseecoló-gicascomplexasquetenhamnecessidadedeocorrernofuturoafimdele-varaagriculturaparaumabaseverdadeiramentesustentável(GLIESSMAN,2001,p.56)

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DamesmaformaqueaEcologiasefundamentanoconceitodeecos-sistema,aAgroecologiatemseufoconoconceitodeagroecossistema.Al-tieri(2000)eGliessman(2001)informamqueosagroecossistemassecons-tituemnaunidadedeestudodaagroecologia.ConformeafirmaGliessman(2001),umagroecossistemaédefinidoporumconjuntocomplexoderela-çõesentreorganismosvivoseseumeio,delimitadoapartirdaconstataçãodesimilaridadebióticaeabióticaemdeterminadasáreasagrícolas.

Aagroecologiadeveserambientalmentesustentáveleeconomica-menteprodutiva,ouseja,nãoconsistetão-somentenofatodeexonerarporcompletoaspráticasconvencionaisdeprodução,mas,sim,emutilizartec-nologiasecologicamenteviáveis,incorporando-asaumnovopadrãopro-dutivoquegarantaproduçãosatisfatória sempôremrisco todoomeioambienteeaprópriasaúdehumana.(GLIESSMAN,2001).Maisdoquecombinarbenefíciosecológicoseeconômicos,aagroecologiaapresenta,contudo,amplaspreocupaçõessociais.

Como afirma Azevedo (2003), a complexibilidade de um sistemaagroecológicoestendesuaspreocupaçõestambémaosocioeconômico,ouseja,àpreservaçãodoambientenaturalvisandoaocultivoagrícolaper-manentededeterminadaárea,estaatreladaàsatisfaçãohumana,tantonoqueserefereaodesenvolvimentoeconômicoquantoàquestãodeinclusãosocialedivisãodotrabalho(AZEVEDO2003).

Cabeentãoàagroecologiapensarnaprodutividadeagrícolaapartirdadinâmicadecadaecossistema,edesuatransformaçãoemagroecossis-temassustentáveis,buscandocompatibilizarbenefíciosambientais, eco-nômicosesociais,sobretudoparaosagricultoresfamiliaresenvolvidos.

Altieri(2000)tececríticasàquelesquerestringemaquedadepro-dutividadeagrícolaàfaltadetecnologiasadequadasemenosimpactantes.Apesarde reconhecera importânciade técnicasdemanejoalternativas,haja vista que a agroecologia busca a dependência mínima de insumosagroquímicoseenergéticosexternos,opesquisadorentendequeasusten-tabilidadeagrícoladepende,sobretudo,demudançassocioeconômicas.

Osenfoquesquepercebemoproblemadasustentabilidadesomentecomoumdesafiotecnológicodaproduçãonãoconseguemchegaràsrazõesfun-damentaisdanão-sustentabilidadedossistemasagrícolas.Novosagroecos-sistemassustentáveisnãopodemserimplementadossemumamudançanosdeterminantessocioeconômicosquegovernamoqueéproduzido,comoéproduzidoeparaqueméproduzido(ALTIERI,2000,p.17).

Guzmán também vincula a agroecologia com um projeto políti-co,decunhosocial.Aestratégiaagroecológicaconstituiriano“manejoecológicodosrecursosnaturais,que,incorporandoumaaçãosocialco-letivadecaráterparticipativo,permitaprojetarmétodosdedesenvolvi-mentosustentável”(GUZMÁN,1997,p.29).Paraopesquisador,aescalalocalteriaumpapelcentral,pois,atravésdaarticulaçãodoconhecimen-

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tocamponêscomocientífico,seriapossívelaimplantaçãodesistemasdeagriculturaalternativapotencializadoresdabiodiversidadeecológicaesociocultural.

Assim,aoimplantarumagroecossistemacombasenaagroecologia,aidéiaédepreservarcaracterísticasdoecossistemanatural,assegurandoumaproduçãoagrícolasaudávelesatisfatóriasocialeeconomicamente.

Dentrodaestratégiaagroecológicaexistemdiferentestécnicasemé-todosagrícolasquesecombinam,comoapermacultura,oplantiodireto,adivisãodeáreasparapermitirpousios rotacionados,a reutilizaçãodaágua,ossistemasagroflorestaisetc.Procuramos,aseguir,apresentaralgu-masconsideraçõesarespeitodasagroflorestas.

AgroFlorestAs

DeacordocomWiersumapudGliessman(2001),otermoagroflorestas foidadoàpráticasqueintencionalmentemantêmourecompõemacoberturaflorestal,istoé,herbáceaearbórea,emterrasusadasparaagriculturaoupastoreio.

Oprincípiodasagroflorestassebaseianasucessãoecológica,queconsistenodesenvolvimentodeestágiossucessivosderecuperaçãodoam-bienteflorestal,sendoque,emcadafasederecuperaçãoseprocurautilizarespéciesnativasadequadasparadeterminadafinalidade.Temos,portan-to,nomanejoagroflorestal,aagrossilvicultura(manejodeárvorescomacultura);ossistemassilvopastoris,quecombinamflorestascomproduçãoanimal;eossistemasagrossilvopatoris,ondehácombinaçãodeagricultu-ra,florestaseproduçãoanimal.

Quando um solo é abandonado, a primeira vegetação que apare-ce são pequenas unidades rasteiras. Em seguida, começam a apareceros capins mais consolidados e só após estes é que aparecem as plantasherbáceas. Juntamente comasplantasherbáceas eosarbustos, surgemasespéciesgramíneas,e,apósalgumtempo,quevariadesoloparasolo,asgramíneascedemlugarparaascapoeiras,compostastantoporplantasherbáceascomoporarbustos,emvirtudedosombreamentoqueimpedeaproliferaçãodasgramíneas.

Apartirdoestágiodascapoeiraséqueumaflorestainiciasuatraje-tóriaatéchegarasuaestabilidadecomoaparecimentodeárvoresgrandesdafloranativadedeterminadaregião.

Comoiníciodaformaçãodosistemaagroflorestal,ossolosabando-nados,queanteserampraticamentenus,passamaterpelomenosquatrocamadasdeproteção:asraízes;asfolhaseosgalhoscaídosnasuperfície;avegetaçãointermediária;easárvoresmaiores.Acaracterísticadestesoloagoraéagrandequantidadedehúmuseelementosmicrobióticos,alémdapresençadeseresmaiores,comoasminhocas.

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Quandomanejamosumaflorestaparaobtermosalgumaespéciedebenefíciosemdegradá-la,estamospraticandoumaatividadechamadadeextrativismo,muitodesenvolvidapelos índios.Quandoiniciamosumare-cuperaçãodeumsolodegradadoeabandonado,tendoemvistaasucessãonaturalcitadaacima,atéchegaràcaracterísticaspróximasdeumafloresta,porémimplantandoespéciesdeinteresseagrícolajuntamentecomespéciesnativas,estamosdesenvolvendoumaatividadechamadaagrofloresta.

OpontoemcomumentreaAgroecologiaeossistemasagroflorestaisé que ambos pretendem otimizar os efeitos benéficos das interações queocorrementreasárvores,oscultivosagrícolaseanimais,ouseja,obteramaiordiversidadedeprodutos,diminuiranecessidadede insumosexter-nosereduzirosimpactosambientaisnegativosdaagriculturaconvencional.Estaafinidadedeobjetivospossibilitaqueossistemasagroflorestais,inseri-dosnumcontextoagroecológicodeprodução,contribuamsignificativamen-teparaodesenvolvimentoequilibrado,integradoeduradourotantodapai-sagemnaturalquantodascomunidadeshumanasquenelahabitam.

Considerandoapertinênciadaimplementaçãoedadivulgaçãodeexperiências ligadas aos sistemas agroflorestais, procuramos, a seguir,apresentarbrevementeosfundamentoseosresultadosdeumprojetode-senvolvidonoSudoestedoParaná,comapoiodoMinistériodoMeioAm-biente,atravésdoFundoNacionaldoMeioAmbiente.

AgroFlorestAs no sudoeste do PArAná

O projeto denominado Referências em Sistemas Agroflorestais foi imple-mentadopelaONGASSESOAR(AssociaçãodeEstudos,OrientaçãoeAs-sistência Rural), que trabalha diretamente com agricultores familiaresdoSudoesteparanaense.OreferidoprojetotambémteveparticipaçãodaUnioeste(CampusFranciscoBeltrão-PR),pormeiodeumsubprojetodeextensão,intituladoEducação Ambiental e Recomposição Florestal: aplica-ção em Sistemas de Referências Agroflorestais no Sudoeste do Paraná,desen-volvidopelaprofessoraBeatrizR.Carrijo.

OprojetodaASSESOARbuscouobteramelhoriadascondiçõesedosrecursosambientaisdomeioruralnaregiãoSudoestedoParaná,especialmenteemrelaçãoàáguaeaocomponenteflorestal,atravésdaconstruçãoeda implementaçãode referênciasemsistemasagroflores-taisecológicos.OobjetivoprincipaldoProjeto,desenvolvidoentre2004e2007,foicapacitaragricultoresfamiliaresnaimplementaçãodetécni-casdemanejoagroflorestal,aopontodesetornaremreferênciasemseusmunicípios, edivulgaremseus conhecimentosparaoutrosagricultoresfamiliaresinteressados.

SegundoaASSESOAR(2005),esseprojetotevetambémosseguin-tesobjetivosespecíficos:

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a) Construir e implementar “Unidades de Referência em SistemasAgroflorestaisEcológicos” (SAFEs)emdezgruposdeagricultoresfamiliaresagroecológicosdaregiãoSudoeste,recompondoáreasdecapoeiraseoutrasáreasprodutivasdegradadasnaspropriedades,atravésdautilizaçãodeespéciesflorestaisnativas,espéciesfrutífe-rasnativaseexóticasadaptadas,eespéciesmedicinais.

b) Recompore/oureflorestaráreasdematasciliareseoutrasáreasdepreservaçãopermanente,nosgruposecomunidadesenvolvidasnoProjeto,equefazempartedemicrobaciasconsideradasprioritárias,comespéciesflorestaisnativas,espéciesfrutíferasemedicinaisnati-vas,utilizando-se,paraisso,deaçõesdeeducaçãoambiental.

c) Promoveracapacitaçãobásicadosagricultoresfamiliaresdosgru-pos,comotambémdetécnicosedeliderançasenvolvidas,emtecno-logiasagroflorestaisecológicasenarecuperaçãoeconservaçãodosrecursosnaturais;comcursosespecíficoseatividadesdeintercâm-bioetrocadeexperiênciasparaagricultoresetécnicos.

d) Sistematizar a experiência, elaborando e produzindo publicaçõesrelacionadascomasaçõesdoProjeto,comoformadedifundirosresultados,avançoseimpactospositivosalcançados;comotambémcomopropósitodesubsidiaracapacitaçãodosagricultores.

e) Viabilizaralternativaseconômicasagroecológicasesustentáveisaosagricultoresfamiliares,buscandopropiciaroestabelecimentodeca-naisdecomercializaçãosolidária.

ParticiparamdoprojetodezmunicípiosdoSudoestedoParaná,sen-do:DoisVizinhos,Marmeleiro,SaltodoLontra,Capanema,SalgadoFilho,FranciscoBeltrão,NovaPratadoIguaçu,SantaIsabeldoOeste,PéroladoOesteeCoronelVivida,sendo15famíliaspormunicípio,edeacordocomele, foram definidos, juntamente com as lideranças rurais, os seguintes“critériosbásicos”paraaseleçãodosgrupos:

a) gruposdeagricultoresfamiliares;

b) gruposquejáestivessemdesenvolvendoaagroecologia(mesmocompropriedadesaindaemconversão);

c) gruposdeagricultoresfamiliaresquetivessemprioridadenareposi-çãodereservasflorestaisematasciliares,tendoemvistaadegrada-çãoambiental(problemascomaágua,desmatamentos,erosãodossolosetc.)nasmicrobaciasondeestãoinseridos;

d) gruposlocalizadosnosdezmunicípiosjáindicados;

e) gruposquejámanifestaram,emoportunidadesanteriores,seuinteres-seedisposiçãoemdesenvolverpropostasderecuperaçãoambiental.

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Além das reuniões de capacitação sobre manejo agroflorestal, le-gislação ambiental e temas correlatos, o projeto também contemplou ofornecimentodemudasparaaconstituiçãodasagroflorestas,buscandorecomporasáreascomespéciesnativas,queposteriormentepodemsermanejadasparafinseconômicos.

Para a constituição das agroflorestas foram feitas capacitaçõesquantoàformaçãoeàestruturaçãodasucessãodasespécies,seguindooquadroabaixoquetratadasespéciesnativasdivididasdeacordocomosestágioscorrespondentes,ouseja:a)asespéciespioneiras,quesãoaquelasqueiniciamedãosuporteaoprocessodeformaçãodasagroflorestas;b)assecundárias,quesedesenvolvemnumestágiosucessivoàspioneiras;ec)asespéciasdeclímax,quesedesenvolvemquandooambienteflorestalestábemconsolidado.Foramutilizadasaindasespéciesmedicinaisnati-vas,cultivadastantoparafinsdeconsumoprópriodosprodutores,comotambémparafinsdecomercialização.

Oprojetofoiiniciadoem2004ehojeépossívelavaliaralgunspassosquejáforamdados.Oprimeiroaspectoasalientaréquantoàabrangênciadainiciativaque,porcontemplarumaáreabemdiversaedistante,reque-reu bastante tempo e dedicação para todas as atividades desenvolvidas.Emcontrapartida, issopossibilitouumamaiordifusãodaexperiênciaedasáreasderecuperaçãoambientalpropostasnoprojeto.

Nafasedeplantiodemudasdestacamosalgunselementosquefo-ram fundamentais para o processo de implantação das agroflorestas. Operíododeaquisiçãoededistribuiçãodemudascoincidiucomumaestia-gemprolongadanaregião,exigindoaaquisiçãodeumanovaremessaeoreplantionasmesmasáreas.Asdificuldadesnomanuseio,notransporteenotratocomasmudasdentrodaspropriedadestambémfoiumelementoquechamouaatençãoemrelaçãoànecessidadedoprocessodecapacita-çãodosagricultoresespecificamenteparaomanejodasagroflorestas.

Outroelementomarcantefoiquantoàcapacitaçãonatemáticarela-tivaàlegislaçãoambientalrelacionadaàsáreasdereservalegaleáreasdepreservaçãopermanente.

Comociclodeoficinassobrelegislaçãoambiental,foipossívelveri-ficarqueosagricultoresnãotinhamconhecimentodosaspectoslegaisqueenvolvemaspropriedadesruraisnoqueserefereaomeioambiente.Daídecorreuadificuldadedeaplicarosprincípioslegais,oquenãoimpedeoprocessoderecuperaçãodeáreasdegradadasedeáreasdemananciais.

Comoamaioriadaspropriedadespossuimenosque30hectares,ficapraticamenteinviávelquesecumpramasprerrogativasbásicasdoSISLEG(SistemadeManutenção,RecuperaçãoeProteçãodaReservaFlorestalLe-galeÁreasdePreservaçãoPermanente),deaverbaçãode20%davegetaçãonativacomoreservalegal;dedelimitaçãodasáreasdepreservaçãoperma-nentecom,nomínimo,30metrosemcadamargemdoscanaisfluviais;ede

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preservaçãodeumraiode50metrosemtornodasáreasdenascentes.Notocanteaessesassuntos,asdiscussõescomosagricultoresforampolêmicaseacirradas,poismuitosdelesentendemquealegislaçãovemparaprejudi-carsuasobrevivência,eque,enquantoohomemdocampotemdecumprirváriasleis,apopulaçãodascidadescontinuadegradandoomeioambiente.

Osdebatesgiraramemtornodafunçãosocialdaterra,dadificul-dadedepermanênciadopequenoagricultorfamiliarnocampoedaimpu-nidadeemrelaçãoaosgrandesprodutores.Como,noentanto,muitosdosagricultoressentiramdiretamenteosefeitosdaestiagem,começaramaseassociarparapreservarsuasmatasciliaresenascentescomogarantiaderecursohídricoparaofuturo.

Alémdosaspectoslegais,asdiscussõesemtornodasagroflorestascomoalternativadedesenvolvimentoparaaspequenaspropriedades foiintensiva,umavezqueumadasbasesdoprojetoéacomposiçãodessesSistemasdeReferênciasAgroflorestais.Ficouclarotambémque,demodogeral,háapredisposiçãoemcumprirasnormativaslegais,masafaltadeconhecimentosobreoassuntoeadescapitalizaçãodoprodutordificultamessa adequação. Em alguns municípios as discussões se encaminharamparaumquestionamentodoaspectolegal,fazendocomqueosgruposseorganizassemparaaprofundarodebatenatentativadediscutirumapos-sívelrevisãodaleiaplicadaàpequenapropriedade.

Se,demodogeral,oprojetoencontroualgumasdificuldades,caberessaltarque,comcerteza,sãomenoresdoqueseestesagricultoresesti-vessemdentrodeumsistemaconvencional.Alémdemelhoriasdaqualida-deambiental,daqualidadedevidadasfamíliasedeumanovaperspectivadeganhoseconômicos,oProjetobuscoumostraraimportânciadoprota-gonismodosagricultoresemseuprocessodedesenvolvimento,bemcomoapossibilidadedeumacertaautonomia,comaadoçãodepráticasagroe-cológicaseagroflorestais.

Sabe-sequeoretornofinanceirodossistemasagroflorestaisélento,maségarantido,poissepautanadiferenciaçãoenaqualidadedaprodu-ção,assimcomonosprincípiosdaagroecologia.Asagroflorestasseapre-sentam,portanto, comomaisumaalternativadecultivodentrodeumaamplaestratégiaagroecológica,que,porsuavez,buscacontribuirparaasustentabilidadenaagriculturaenoespaçorural.

considerAções FinAis

Comoprocuramosmostrarnessetexto,aagroecologiafazpartedeumadasprincipaiscorrentesqueobjetivamdesenvolverumaproduçãoagrícolaalternativaaomodeloconvencionalpredominantedesdemeadosdosécu-loXX.Essacorrenteéaagriculturaorgânica,que,damesmaformaqueascorrentesdaagriculturabiodinâmica,biológicaenatural,étidacomo

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formaalternativadeagriculturaquepodeconduziràsustentabilidade,tãodebatidanosdiasatuais.

Altieri(2000)eGliessman(2001)indicamoduplocaráterdaagroe-cologia,aqual,alémdeserumaciênciaquetemcomobaseainteraçãoen-treoselementosbióticoseabióticosdosecossistemas,possuifundamen-tosqueatornamumaforteestratégiapolíticaeideológica,cadavezmaisadotadaporcamponesesesuasinstituiçõesrepresentativas.Acreditamosqueosargumentosemtornodaagroecologiasãoextremamenteplausíveis,poisfortalecemaconcepçãoeascaracterísticasdeautonomiadaagricul-tura familiar,garantindoa sobrevivênciadas famíliascomqualidadedevida. É preciso verificar, no entanto, as intencionalidades presentes nosdiscursosenaspráticasquesedenominamagroecológicas,eosresultadoseconômicos,sociaiseambientaisdessasestratégias.

Sabendodas limitaçõesdaagriculturaorgânica,econsiderandoaimportânciadaagriculturafamiliarnoBrasil,procuramosdemonstraramaiorcomplexidadedaagroecologiafrenteàagriculturaorgânica,edis-cutiraagroecologiaeasagroflorestascomoestratégiasintegradasdepro-duçãoedevidaparaasfamíliasrurais.

Maisdoqueproduzirde formaecologicamentecorreta,éprecisodarcondiçõesparaqueosagricultoresfamiliarespermaneçamnocampocomqualidadedevida,mantendo-secomoagricultoresereafirmandosuaidentidadecamponesa.Para tanto,nãobasta incentivar somenteaagri-culturaorgânica,poisestapodeserconiventecomocontroledaproduçãoorgânicaporpartedeempresaselatifundiários.Apesardeminimizarosproblemasambientais, aagriculturaorgânicanãobastapara reduzirasdesigualdadessociais.

Assim,paraalémdela,urgeincentivaraagroecologiacomoestra-tégiaprodutivaededesenvolvimentorural.Porentendermosodesenvol-vimentoruralparaalémdoagrícolaedirecionado,sobretudoàsfamíliasrurais,aagroecologiaeasagroflorestasseapresentamcomoestratégiaspotencialmentepromotorasdeumdesenvolvimentoque,mesmonãosen-dototalmentesustentável,temcomofocoaconservaçãoambiental,asaú-dedapopulaçãoruraledosconsumidoresdascidades,eamelhoriadaqualidadedevidadosagricultoresfamiliares,tãodiscriminadosesubesti-madosnahistóriadoBrasil.

Aexperiênciavivenciadanoprojetodesistemasagroflorestaisde-monstrou que o caminho para a expansão da agroecologia e das agro-florestas é longo e árduo, pois tais estratégias de sobrevivência vêm seapresentandocomoformasderesistênciaaomodelodedesenvolvimentoprodutivistaemercantil.Poroutrolado,asdiversasaçõesligadasaessasestratégias,promovidaspormovimentossociais,porONGseporinstitui-çõespúblicas, indicamquetaisalternativasvêmsematerializandoega-nhandoforçanodebatesobredesenvolvimento.

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centro de APoio Ao Pequeno Agricultor*: exPeriênciAs e desAFios em AgroecologiA**

valDir luchman

TécnicodoCAPA(CentrodeApoioaoPequenoAgricultuor)–Verê-PR|[email protected]/[email protected]

OCentrodeApoioaoPequenoAgricultor(CAPA)éumaorganizaçãonão-governamental(ONG)ligadaàIgrejaEvangélicadeConfissãoLuterananoBrasil(IECLB),fazendopartedoseucompromissodeIgreja,quenãoseconformacomasinjustiçassociaiseaagressãoànatureza.

ApropostadoCAPAéapoiarofortalecimentodasfamíliasdeagri-cultoresparaqueeles, juntocomoutrossegmentosdasociedade,parti-cipem no desenvolvimento baseado nos princípios de agroecologia e decooperaçãoatravésdeexperiênciascomprodução,beneficiamento,indus-trializaçãoe comercialização,que sirvamde sinaisdequeomeio ruralpodeserumespaçodevidasaudável,derealizaçõesedeviabilidadeeco-nômicaparatodos.

Criadoem1978,surgiunomomentoemqueosagricultoresfamilia-reseramexpulsosdocampoporumnovomodeloeconômico,concentra-dorderendaedeterraquepassouadestruirasaúdedaspessoaseomeioambiente.Comele,aIECLBfirmouumgestoconcretoporjustiçasocial,baseando-senoprincípiodequeféevidadevemandarjuntas.

* Colaboradores da equipe técnica do CAPA: Décio Alceu Cagnini (Técnico em Horticultu-ra),MariaHelenaMari(EngenheiraAgrônoma),RomeSchneider(EngenheiraAgrônoma),ElaineZanetti(AssessoraAdministrativa).

**Oautornãoapresentoureferênciasparaessetexto.

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Hoje,aagriculturafamiliarcontinuaaenfrentardesafios.Viabili-zarapequenapropriedadeexigeorganizaçãoepreparo.Desdeoinício,oCAPAbuscoucontribuirparaapráticasocialedeserviçojuntoàsfamíliasdeagricultores,comoumaestratégiadedesenvolvimentosustentável.

AtendeosEstadosdoRioGrandedoSul,SantaCatarinaeParaná,pormeiodecinconúcleos:Erexim,PelotaseSantaCruz(RSeSC);Ma-rechalCândidoRondoneVerê(PR).Sãobeneficiadasemtornode5.400famílias,incluindoagricultoresfamiliares,indígenas,quilombolasepesca-doresprofissionaisartesanais.

ONúcleoVerêiniciousuasatividadesemsetembrode1997,tendocomoáreadeabrangênciaboapartedaregiãoSudoestedoParaná.Hojeostrabalhosestãomaisconcentradosemalgunsmunicípioscomativida-desdeassessoriadiretaaosprodutores,enquantoque,nosdemais,oapoiodá-sedeformaindireta,atravésdeassociaçõesedecooperativas,princi-palmentenasatividadesdeconstruçãodaredesolidáriadecomercializa-çãoedecertificaçãoparticipativa(RedeEcoVida).

AgroecologiA: contexto regionAl

hisTórico

Em1997,quandooCAPANúcleoVerêiniciavaassuasatividades,jáhaviaváriasiniciativaseexperiênciasnaproduçãoorgânicaimplantadasousen-dorealizadaspelasorganizaçõesdosagricultoreseentidades.

AregiãoSudoestedoParanátrazporherança,deumpassadodelu-taseconquistas,ofortalecimentodauniãodosagricultoresexpressanasorganizações sindicaiseoutrasentidadesdentrodeummovimentoquepoderiaserdenominadomaisderesistênciadoquepropriamenteagroe-cológico.

Nestecontexto,oCAPAveioparasomarcomasdemaisentidadeseiniciativas.Oiníciodasatividadesdeu-seatravésdoacompanhamentodegruposligadosounãoàcitadaIgreja,poisotrabalhoéecumênico,comagricultoresdispostosadiscutiralternativasdeorganizaçãoeprodução.

Nas reuniões, entreoutrosassuntos,pautava-se tambéma impor-tânciadashortasedospomaresdomésticoseoresgatedasplantasmedi-cinaiscomointuitodemelhoriadaqualidadedevidadasfamílias.Confor-meaparticularidadedecadagrupo,asdiscussõesforamsendoafuniladasparaasatividadesdeinteressedasfamílias.

Diversasatividadesforamdesenvolvidase,independentedotempodecaminhadaemcadagrupo,omaisimportanteparaoCAPAfoique“se-mentesforamsemeadas”,cumprindoassimasuamissãodeser“fermen-to”,motivadorparanovasiniciativasealternativascombasesagroecoló-gicas.ArealidadeeaconvivêncianosgruposcontribuiunoprocessodeavançoedecrescimentodoCAPAnaregião.

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vAldir luchmAn

Adifícilsituaçãofinanceirademuitasfamíliaspossuidorasdepe-quenasáreasdeterraaslevoualançar-seematividadesnãotradicionais,apostando principalmente em hortaliças ecológicas. Devido ao fato dastradicionaisseremcultivadascomousodemuitosagrotóxicos,houveummaiorsobrepreçodasecológicas.

Paraatenderàcrescentedemandaporassessoriatécnica,apartirdoanode2000oCAPA intensificouasatividadesnaáreadaprodução,principalmenteemfruticulturaeolericultura.Essecenárioexigiumaiorespecializaçãotécnica,assessorianaorganizaçãodoplanejamentoeapoioàcomercialização,paraqueaproduçãonão ficasseàmercêdosistemaconvencionaldecomercialização,quemuitasvezesnãocondizcomarea-lidadedosagricultores.

reAlidAde ATuAl

Apósdezanosdecaminhada, sendoamaiorpartedestesenvolvidosnaproduçãoatravésdeassessoriadiretaàmuitasfamílias,pode-sedestacarváriosaspectosnoprocessodefortalecimentodomovimentoagroecológi-conaagriculturafamiliar.

Porvezesflagramo-nosumtantoquantodesoladosdiantedaavalan-chequímicaqueinundacadavezmaisaagriculturafamiliar,comoquemquisesse sufocar a resistênciaagroecológica.Quando,porém, refletimossobreatrajetórianosúltimosanos,podemosverqueaagroecologiatevemuitosavanços,nãosónaprodução,mastambémnaspolíticaspúblicasecomotemaimportantedentrodasinstituiçõesdeensinoepesquisa.

E é justamente nesse campo que ela difere das demais correntesouescolasdeagriculturaalternativa,comoaagriculturaorgânica,aeco-lógica,abiodinâmicaeapermacultura,quetiveramsuaorigemempaí-sescomseusproblemassociaismaisoumenosresolvidos.Aagroecologiavaimuitoalémdetecnologiaalternativadeprodução,permeandohojeasgrandesdiscussõessociais,ambientaisedesegurançaalimentar,fazendoaindapartedasdiscussõesdepolíticapúblicapropondoumdesenvolvi-mentosustentável.

Poroutrolado,aconvivênciadiretacomasfamíliasde“pequenos”agricultorespermite-nosfazerumaanálisebemrealistaequegeralmenteficamuitodistantedasdiscussõesque,porvezes,sãomerosdiscursosfilo-sóficos,idealistasoupolíticos.

Énecessáriofazerumainterpretaçãoapartirdarealidadedodia-a-diadasfamíliasnosentidodapropriedadeparaforaenãonosentidocontrário.Aorganizaçãodegrandesdiscussõesenvolvendointelectuaiseestudiososemagriculturaalternativa,exigindoamobilizaçãoeodesloca-mentodegrandesdistâncias,parareunirem-seemsalascomarcondicio-nadoparadiscutire“resolver”osproblemasdos“pequenos”agricultores,nemsempresurteresultadosaplicáveisouviáveis.

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Queremos,contudo,ressaltaraimportânciadaemergênciadotemadentrodasuniversidades,oquehápoucotempoerarestritoapenasaalgu-masONGsoucomotemadesuporteparaquestõespolíticasesquerdistasdepequenosgrupos.Vivemosemumaépocaemqueéextremamenteim-portantequeasinstituiçõesdeensinoformemumnúmerocadavezmaiordeindivíduoscríticos,enãoalienados,paradiscutiraagroecologiaemto-dososseusaspectosdeformarealista,aplicávelehumanitária.

reAlidAdes e TendênciAs

Ostemasdefundo,comodoaquecimentoglobal,incendeiamacirradasdis-cussõessobresustentabilidadeemtodosossetores,discussõesqueocorremcomtantaintensidadeque,nãorarasvezes,ultrapassamdesuaimportânciacomotema,fugindoparaapenasumtermo demodismoabstrato.

Dentrodaesfera,nãodesconectadadaagriculturafamiliar,asus-tentabilidadenãoéapenasumtemadediscussão,masumaaçãodeso-brevivênciademuitas famílias,que,bemantesdoassunto tornar-se tão“famoso”,jáviviamesentematéhojeasconseqüênciasdeumsistemain-sustentável.

Nessemeio,oCAPApautaaagroecologiacomoalternativadeorga-nizaçãoedeproduçãoentreasfamíliasenvolvidasdeformarealista,dei-xandodeladoosextremismosdafilosofiautópicaeoradicalismosociopo-lítico.Oquesebuscaéadiversificaçãodapropriedadeintegrandováriasatividadesquesecomplementamcomomínimodeaportedeinsumoseapromoçãodatrocadeexperiênciasparaaprimorareaprofundarosconhe-cimentosemtecnologiasalternativasdeprodução.

o envelhecimenTo dA AgriculTurA Agrandemaioriadosprodutoresenvolvidosnaproduçãoalternativanãoéjovem,eporissopreocupanteofuturodaagriculturafamiliaragroecológi-ca.Quemserãoosfuturosprodutoresagroecológicos?

Aintroduçãodarevoluçãoverdecausouumchoquenosagricultoresqueatéentãopraticavamaagriculturatradicional,naqualoconhecimen-toerarepassadodepaiparafilho,assimcomoosesforçosdotrabalhoti-nhamcomoobjetivoadquirirterraparaosfilhos,sucessivamente.Nonovomodelo,agoraorepassedeconhecimentovemdosprofissionaisaserviçodetransnacionais,querapidamenteimplantaramummodelodependenteeexcludente,semespaçoesemmotivaçãoparaosjovens.

Nãobastaapenasaplicarcursosdeformaçãoepalestrasparaaju-ventuderural.Énecessáriotentarenvolvê-lanumprocessodequebradeparadigmasedespertá-laparaumanova realidade ruralondeos jovenspossamserprotagonistasdeumnovo“mundo”,maisjustoesustentáveltambémeconomicamente,enãovenhamaserapenasmerasvítimasdoacaso.Essedespertarparaonovoexigenãosóvontadepolíticaecrédito

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específico,masoenvolvimentodetodasasinstituições,principalmenteasdeensino,paraquepossamprepararprotagonistasparaofuturo.

A reAlidAde dA porTeirA pArA denTro Nesserecantomoraumsujeitocommaisde50anosdeidade,vivealiqua-seumavidatodacomsuaesposa.Possuiumaáreade15hectares(ha),in-cluindopastagem(potreiro),mato,fumoeumaáreade2haqueéocupadapelasconstruções,umpequenopomarparaoautoconsumoeaproduçãode algumas hortaliças orgânicas que são vendidas para a associação daqualelefazparte.Amaiorpartedesuapropriedadeé,contudo,arrendadaparaumvizinho,quecultivasojaemilhoconvencional.

Enquantoesperaansiosamenteporsuaaposentadoria,vaisobrevi-vendodoarrendamento,davendadehortaliçasedavendadeumpoucodeleite.Aassociaçãodaqualfazparteopressionaparaqueaumenteadi-versidadeeovolumedeprodução.Alémdisso,temoimpassecomopro-cessodecertificação,queforçasuapropriedadetodaaentrarnumplanodeconversão,tendocomograndedificuldadeafaltademão-de-obra(não consigo tocar tudo sozinho).Outromotivodeaborrecimentoéofinancia-mentodogalpãodefumoqueelefezpensandoemusarmaistardeparaosanimais,masque,porora,parahonrarocompromisso,obriga-oaplantarfumopelomenosmaisumoudoisanosainda.

Ostrêsfilhosqueelesempremotivouaestudarparaser“alguém”navidamoramnacidadehámuitosanoseovisitamesporadicamenteparafazerum“rancho”, levamfrutasehortaliças,carne, leite,mandiocaetc.Seuparentequemoranacidadegrandesemprelhegarantequeelemoranumparaíso.Elenãodiscordaenãoreclamadolugarondevive,masestápreocupadocomofinanciamentodogalpão,alémdasdespesasdomésti-casincluindoaluzeosmedicamentos.Acreditanaagroecologia,masestásozinhoejáumpoucolimitadopelaidade.

Essebreverelatoconstituiapenasumailustração,porémcondizen-tecomarealidadedemuitasfamíliasdanossaregião.Encontramosaindasituaçõesdealgunsfilhosdeprodutoresquetrabalhamjuntamentecomseus pais e que são simpatizantes do movimento agroecológico e estãoabertosparaadiscussãoeaprática,massãopodadosporseuspais,muitasvezesirredutíveiseviciadosnosistemadeproduçãoquímica.Sóotempodiráseelesserãoprodutoresecológicosdaquiaalgunsanos,oumigrarãoparaacidadenorespondendoaumapropostaaparentementetentadora.

perfil pArA umA novA reAlidAde Vários foram,econtinuamsendo,osmotivosque levamosfilhosdeagri-cultoresamigraremparaacidade,dentreabuscaporumavidamelhoroumenospenosaqueavividaporseuspais.Aagriculturaétidacomoumaati-vidadeinferiorevergonhosa,segundoumacertaconcepçãoquesecriouna

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sociedade,principalmentefomentadaentreosmaisjovens,queusavamoter-mo“colono”deformapejorativa,sendoqueosprópriospaisagricultorespar-ticipavamdessaidéiaquandodiziam“eu quero que meu filho estude e trabalhe na cidade pra não sofrer como eu”ou,ainda,quandoafirmavamque“só ficava na colônia aqueles mais cabeça dura que não serviam para outra coisa”.

Aagroecologiasepropõeajustamentemudaresseconceito.Feliz-mentejádespontampequenossinaisdissocomoaparecimentodealgu-masunidadesdeproduçãoalternativa,ondeosprodutorestêmformaçãonaáreadeciênciasagráriasousimplesmentesãopessoasdacidadequeti-veramsuasraízesnaagriculturaeestãoretornandoevendoocampocomooportunidadeparaoturismoruraloumesmoaprodução,objetivandoademandacadavezmaiorporalimentosorgânicoseartesanais.

Éumretornoconscienteecomamentalidadedequeaagriculturapodeser,alémdemaissaudávelparaviver,nãoumaatividadevergonhosa,maseconomicamenterentável,ondeaexpressão“dacolônia”,agoramo-dernapodeserestratégiademarketingparaacomercializaçãodeseuspro-dutosorgânicoseartesanais.

Oredescobrimentodaagriculturapodecriarumrefluxodeatoresquevirãocomumanovamentalidadeeprincipalmentecomapreocupa-çãoquantoàsustentabilidadeambientalesegurançaalimentar.Essesno-vosagricultores,pornãoestaremviciadosoualienadosaosistemadepro-duçãoquímica,contrapondo-sedeformacrítica,buscarãoapoioesuportenasinstituiçõesdeensino,bemcomodepesquisadoreseextencionistas,paradesenvolveralternativassustentáveis.Talvezaindaessemovimento,juntamentecomosatuaisetradicionaisprodutoresagroecológicos,possadespertarosdemaisagricultoresparaamudança,pormenorquesejanosentidodepraticaremumaagriculturamenospredatória.

Querendoacreditarqueessasejaatendênciaparaofuturodaagro-ecologia,oCAPA,cientedeserumprocessolentoevariável,tembuscadoatuaremparceriacomoutrasentidades,natentativadeprovocarasocieda-deatravésdealgumasaçõesquepoderãoterefeitoouresultadonofuturo.

A mAneirA do cAPA de trABAlhAr com os Agricultores nA orgAnizAção, Produção e comerciAlizAção AgroecológicA

Noâmbitodaassessoriaemergencialnaáreadeproduçãodehortaliçasefrutíferas,oCAPAtemacumuladomuitasexperiênciasvivenciadasaoladodasfamíliasacompanhadas.Muitasvezeséflagradoemalucinantescorri-dasatrásdaenormedemandapelosagricultoresesuasnecessidadesime-diatistas,criandoumeloviciosodecarênciaeassessoriaassistencialista.Poroutrolado,essaaproximaçãoextremalheproporcionouumabagagemcarregadaderealidadecotidianadasfamíliasruraisenvolvidas,caracteri-zando-senumdiferencialemrelaçãoaoutrasentidades.

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Produção de hortAliçAs

formAção de produTores Édesumaimportânciareunirasfamíliasinteressadasnaatividadeparaumaprimeiraexposiçãodeesclarecimento,paraqueelasconheçammelhoraativi-dadegeralmentenadatradicionalparaelas.Naseqüência,inicia-seumcursobásicoqueédivididoemváriasetapas,quesãorealizadasemumaproprie-dadequetrabalhacomaproduçãodehortaliçasparaconciliarembasamentoteóricocomatividadespráticas.Entreasetapas,sãofeitasalgumasvisitasnaspropriedadesdecadaumadasfamíliasparafazerumdiagnósticoeorienta-çãonaimplantaçãodaatividade.Depoisdevencidoocursobásico,afamíliaéintegradaaogrupoquerecebeaassessoriapermanente,comaexigênciadequeparticipemdasreuniõesepráticasemformadediasdecampo.

produção e incremenTo Tecnológico Apesar de concordarmos que o uso da plasticultura foge dos princípiosecológicos,entendemosquesefaznecessáriaautilização,frenteaumce-náriodepressãodomercadoconsumidordeumladoeporoutroaansie-dadederetornofinanceirodosprodutores.OCAPAdesenvolveuummo-delodeestufasimples,barato,porémmuitofuncionaleresistente,provadissoéaaceitaçãoeadifusãoporpartedosprodutores.Damesmaforma,motivouousodetelasdesombreamentoparaoscultivosdeverão,quese-jamapropriadasparacadaculturaesistemasdeirrigaçãobastantediver-sos,conformeanecessidadeearealidadedecadapropriedade,lembrandoqueumsistemadeirrigaçãoparaproduçãoecológicadiferedairrigaçãoconvencionalemalgunsaspectos.

viveiro comuniTÁrio

Ainiciativadaconstruçãofoiumanecessidadefrenteàdificuldadedepro-duçãoemníveldepropriedade,principalmenteempequenaescala.Aqua-lidadebaixadasmudas,oquenãoéadmissívelnocultivocomercial,foiumdosfatoresquemotivouarealizaçãodeumviveiroqueoferecesseumaestruturamínimaparaaproduçãodemudasdequalidade.Umoutrofatormuitoimportanteéaregularidadedestaprodução,querefletenadapro-duçãofinal.Oviveirofoiinstaladonapropriedadedeumassociadoqueéresponsávelpelaprodução,sendoqueaparteadministrativaficaporcontadaassociaçãodosprodutoresecológicos,querepassaasmudasaosasso-ciadoscomcustoviável.AAssociaçãonãovisalucronaproduçãodasmu-das,apenasrepassaseuscustos.

plAneJAmenTo Oplanejamentotemdoisaspectosimportantes,sendoqueuméaregula-ridadedeofertadeprodutosexigidapelomercadoconsumidor,que,em

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grandeparte,foiconseguidacomoviveirocomunitárioqueregularizaasemeadura.Asdemaishortaliçasdesemeaduradiretatambémobedecemaumcalendáriodeprogramaçãoqueéconstruídodecomumacordoentreprodutoreseequipetécnica.

Ooutroaspecto,talvezomaisimportante,éaconotaçãosocialden-trodoplanejamento,que,parasuaelaboração,permeiaanecessidadedediscussõesassociativasecooperaçãomútua.Naprática,asfamíliasdiscu-temumplanejamentodeinteressecoletivoemprimeirolugarenãoodeordempessoal.

orgAnizAção de grupos e formAção de AssociAções DesdeoiníciooCAPAentendiaquenãobastavaapenasacompanharasfa-míliasnaprodução,poisascircunstânciasexigiamaorganizaçãodegru-posdistintosporatividadeeassociaçõesformalizadas.Fazpartedesuasmetasaorganizaçãodeagricultores,porumladopeloaspectosocialdamobilizaçãoediscussãodefundamentoscooperativos,e,poroutropelofatoreconômicodocustodeassessoria,queémenorsecomparadocomasaçõesisoladas.

Ocotidianodoprocessoexistencialdeumaassociaçãoémuitoricoeexpressonasreuniõesregulares,tendocontrastesentreindivíduoscomidéiasassociativaseosquestionamentosfortementeindividualistaseime-diatistas.Muitasvezesénecessárioseenvolver,maisdoqueodesejávelcomoentidade,principalmentenosprocessosiniciaisparasolidificaçãodebasesquepossibilitemprojetaremcommaissegurança.

comerciAlizAção Como jádissemos,nãobastaapenasproduzirecologicamente.Éneces-sáriobuscaralternativasdecomercializaçãoqueatendamàrealidadedoprodutoreàsexigênciasdoconsumidor.VamosusaroexemplodaAPAVE(AssociaçãodeProdutoresAgroecológicosdeVerê),fundadacomapoiodoCAPAemagostode2001,quesurgiujustamentedanecessidadedeumes-paçodecomercializaçãoparaoferecerosseusprodutossemagrotóxicosdiretamenteaoconsumidor.

AAPAVEhojemantémumalojaemVerê,queatendediretamenteumgrandenúmerodeconsumidoresconscientesqueparticipamnopro-cessodemelhorianorelacionamentocomosprodutores,pondoemprá-ticaaessênciadaagroecologiaqueenvolveasociedadepreocupadacomsegurançaalimentaresustentabilidadeambientalequecomeçaaenten-derairregularidadedaofertadeprodutosemdeterminadasépocas.Aas-sociaçãotambémparticipadoProgramadeAquisiçãodeAlimentos(PAA),fornecendoalimentossaudáveisparaváriasentidadesbeneficiadas.OutrocanaldecomercializaçãoéoenviodehortaliçasparaafeiraorgânicadeCuritiba.AAPAVEmontouumsistemadecomercializaçãoemsupermer-

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cadosdeVerêemunicípiosvizinhos,combancasprópriasondeexpõeseusprodutoscomospreçosdefinidospelaprópriaassociação,sendoqueosu-permercadoapenaspraticaasuamargem,oqueéumavançodentrodeestabelecimentos,quemuitasvezestratamosprodutoresisoladosdefor-mabrutaledesumana.Alémdisso,outrasiniciativasforameestãosendopraticadas,comoaparticipaçãoemfeirasdaregiãoecestasousacolasdeentregaemdomicílio.

Ointercâmbiodeprodutosentreassociaçõesregionais,estaduaiseinterestaduais,quehámuitovemsendoestimuladonosgrandesencontrosdeagroecologia,finalmentesaidopapelecomeçaaserpraticado,opera-çãoqueajudaaescoaraproduçãoeproporcionamaiorvariabilidadedeofertaparaoconsumidor.

Muitasdessasiniciativascitadasserepetememoutrosmunicípiosdaregião,como,porexemplo,aAORSA(AssociaçãodeProdutoresOrgâ-nicosdeSãoJorged’Oeste),que,juntamentecomaCOOPAFI(CooperativadaAgriculturaFamiliarIntegrada),realizasuacomercializaçãonosmes-mosmoldes.

As constantes experiências e tentativas de ajuste são necessáriaspara buscar o equilíbrio entre redução dos custos de operacionalizaçãosemperderovínculoentreprodutoreconsumidor,oquefacilmentepodeocorreremterceirizaçõesvisandoabaixarcustos.

considerAções FinAis

Vamosusaroexemplodeumagrandeenchente,comaimagemdaságuaslevandotudo,inclusiveascasas,e,nessecenário,pessoasrapidamenteten-tandosalvaroqueépossívele,ironicamente,nessasituação,épossívelveroquelhesédemaiorvalor.

Da mesma forma, a inevitável “enchente” da agricultura químicavemdevastandooqueencontrapelafrente,e,assimcomooexemplousa-do,nãoépossívelevitarouquererbarrá-laparanãomorrerafogado.Éne-cessário,sim,salvaroqueépossível.Oqueseráqueosagricultoresestãosalvando? Queremos acreditar que muitos estejam preocupados com assementes,comobemmaisvalioso.

Quandofazemosalgumasanálisescríticas,queremos,contudo,nãonosoporaprofundosestudosemanifestaçõessociaisdeoposiçãofrenteàabsurda“enchente”químicadevastadoraeadesumananegligênciapolíti-caemnossopaís.

OCAPAésolidárioaosmovimentosderesistência,porémentendequeétempodesalvar,resgatareguardaroqueépossívelparapoderman-tererecomeçar.Salvarassementeséimprescindível,poisainconseqüenteerosãogenéticaéumprocessodeperdairreversíveldosrecursosnaturais.Sobesseprisma,centraboapartedesuasatividadesemaçõesderealida-

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despalpáveisnocotidianodasfamíliasassessoradas.Árduaéacaminhadacomosagricultoresondeosavançosparecempequenos,porémdegrandeimportância.

Iniciarasatividadesecológicasporinteressesfinanceiros,porpro-blemasdesaúdeouaindaporconscientização,sãoostrêsgrandesmotivosquelevamosagricultoresaingressarnaatividade.Infelizmenteoingressoapenasvisualizandooretornofinanceiroébastanteevidenteemrelaçãoaosdemais,proporcionandoassimgranderotatividadecomfamíliasini-ciandoedesistindodaatividade.Esseretratoéumreflexodasituaçãode-sesperadorademuitasfamílias,quebuscamalgumaluznorteadoraparaasuasituação,eque,pordespreparo,acabamqueimandoetapasedesperdi-çandooportunidadesquepoderiamlhesserúteis.

Felizmente,algumasdelasnãosópraticam,masvivemaagroeco-logiaamplamente,ejuntamentecomelasépossívelcriarmosilhasprote-gidasda“enchente”,enquantoque,comoutras,otrabalhodeassessoriamuitasvezeséespecíficonasatividadesprodutivas.Nasreuniõesepráti-casdecampo,entreosassuntosdeordempráticaetécnica,permeiamasabordagensdeconscientizaçãoedeprovocaçãoparadespertarliderançasquepossamquestionarosatuaisquadrospassivoseacomodados,levadosporumaondadedesânimoeconformismo.

Apesardorelatodeexperiênciassercrítico,éorelatorealistadeumtrabalhodevivênciacomasfamílias.TemosaesperançaeféemDeusqueaagroecologiapossacaminharcompassosfirmeseproporcionar,aospou-cos,vidadignaaospersonagensdomeiorural.

Apartirdocentrovitaldaespiritualidadecristãedaconfessionali-dadeluterana,oCAPAdesenvolveeparticipacoerentementedeaçõesquevisamàinclusãosolidáriadospequenosagricultores,comoaelaboraçãoeaprovaçãodeprojetosjuntoàsesferaspúblicas,coordenaemsuaáreadeaçãoprogramassociaiscomo:PAA(ProgramadeAquisiçãodeAlimentos),LeitedasCriançaseoutros.Participanadiscussãoenofortalecimentodossegmentosdaagriculturafamiliarnosfórunslocais,regionaiseespaçoter-ritorialparaodesenvolvimento,efirmaparceriaseconvênioscomuniver-sidadesparavalidaçãodepesquisa.

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reFerênciAs em AgroecologiA: um olhAr soBre A rendA e os cAminhos trilhAdos PelA AgriculturA FAmiliAr do sudoeste do PArAná*

serinei césar grígolo

EngenheiroAgrônomo,técnicodaASSESOAR(AssociaçãodeEstudos,Orienta-çãoeAssistênciaRural)|[email protected]

AsPectos metodológicos

Estetextopartedeumestudodarendaedoscaminhostrilhadospelaagri-culturafamiliardoSudoestedoParaná,trazendoreflexõessobreousodaterra,trabalho,autoconsumo,custos,entreoutrosindicadores.

Estesdadosforamobtidosdeumconjuntodefamíliasqueestuda-ramsuasUPVF(UnidadedeProduçãoeVidaFamiliar)noSudoestedoPa-raná:38famíliasdocursodeDesenvolvimentoeAgroecologia,realizadopelaAssesoarnosanosde2005e2006;70famíliasparticipantesdoProjeto“RededeAgricultoresGestoresdeReferência”,coordenadopeloDESER(DepartamentodeEstudosSócio-EconômicosRurais),emparceriacomasentidadesdaAgriculturaFamiliarLocal,nosanosde2004/2005;e7famí-liasconsideradasaqui“históricasnaagroecologia”.Todasestaspesquisasusaramamesmametodologia.

Os dados levantados sugerem uma caracterização da agriculturaregional, identificadosaquipor4 “caminhos”: a) agricultura convencio-nalsemfumo;b)agriculturaintegradaaofumo;c)agriculturaorgânica;

* Oautornãoapresentoureferênciasparaessetexto.

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desenvolvimento territoriAl e AgroecologiA

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d)agriculturaecológicahistórica.Como formadeestabelecer compara-çõeseaprofundaroestudo,faremosreferênciaàmédiadas70famíliasdo“ProjetoRede.”

Adiferenciaçãoentreocaminho“c”eo“d”sefaznecessária,poisaagriculturaorgânicaécompreendida,nestetexto,comoumprocessoini-cialdeecologização,baseadonasubstituiçãodeinsumos,dosquaisaindacontinuadependentee,portanto,diferenciando-sedaagriculturaecológi-cahistórica,assimdenominadaaquiportratar-sedeUPVFsreferênciasnaregião,que,pelasualargaexperiênciadeproduçãoecológica,temsuaster-rasjárecuperadaseumabaixanecessidadedeimportaçãodeinsumos.

Estabelecer comparações entre estes caminhos é importante parapercebermosdiferençasentreasestratégias,paraodelineamentodenovasaçõeseparaaproposiçãodepolíticaspúblicasdaAgriculturaFamiliar.

rendA e AgroecologiA

Quala real importânciadarendanaagricultura familiar?Ascategoriaseconômicascomorenda,capitalelucro,sãoinerentesaumsistemabasea-donotrabalhoassalariado.Naagriculturafamiliarseria,portanto,impró-prioutilizardamesmaferramentaparaoestudodasuavidaeconômica.Feitaestaponderação,buscamosdarimportânciaaoutrascategoriaseco-nômicas,comoadoautoconsumo,eestabelecerrelaçõesentreascatego-riasvalordaprodução,renda,custos,trabalho,usodaterra,tendocomodesafiosuperaraabordagemeconomicistaderenda,gerandoindicadoresdesustentabilidade.

AimportânciadarendaparaaAgriculturaFamiliarsedáàmedidaqueeladeixadeserapenasumindicadorquantitativoepassaatersigni-ficadosqualitativos.

Aproduçãoecológica,antesdeserumaopçãoeconômica,éumaalternativadevidaede trabalho,contrapondo-seaosdesmatamentos,àexaustãodosrecursosnaturais,aoempregodamecanizaçãopesada,àim-portaçãodeinsumoseàlógicadamonoculturaexportadora.

Asestratégiasprodutivasorganizadasnaagriculturafamiliar,sejamorgânicasouconvencionais,aindanãoconstruíramumanova lógicademercado.OretornodefamíliasàproduçãoconvencionaléperceptívelenãosetemnotadoumcrescimentosignificativodeUPVFsagroecológicas.Estasituaçãojánosrevelaafragilidadepresentenaagriculturaecológica.Algumarazãohádeseterequeremosnossomarnestabusca.

A construção dA AgroecologiA nA região

A Assesoar (Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural), foicriadaem1966por37jovens,agricultoreseagricultoras,quealmejavam

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serinei césAr grÍgolo

umavidacomjustiçasocial,aorganizaçãodostrabalhadoreseapreserva-çãoambiental.Aslutasemobilizaçõesdosanos1980tambémbuscavamumaformadevivermelhoreumanovasociedade.

AAssesoardenuncia,jánosanos1970,odramaecológicodacha-mada“revoluçãoverde”edefendeaagroecologiacomocondiçãoparaaagriculturafamiliar.Criaofundodecréditorotativo,faztrabalhocomse-mentes,oficinas,formação,apoiandoalternativasecológicasnaperspecti-vadodesenvolvimento.

Nosúltimosdezanos,aAssesoarpassaaassumiropapeldegerarreferências e aprofunda conceitos de desenvolvimento, autonomia e co-nhecimentoepropõenovosmétodosderelaçãodasociedadecomosgo-vernos,ampliandoasdimensõesdeseutrabalho.

Suaaçãoéguiadapelosfundamentosdaslutassociaisepopularescapazesderesistiraosprocessosdeexclusãogeradospelomododevidacapitalista.Otrabalhododesenvolvimento,maiscomplexo,compreendeaagroecologiacomoumdoselementosdeumanovasociedade.

Regionalmente,muitosetemtrabalhadonaproduçãoorgânicadegrãos,especialmentesoja.Empresasexportadorasaquiseinstalaramede-terminaramumitineráriotécnicoparaoscultivos,comprandoaproduçãopormeiodecontratos,classificando,embalando,certificando,enfim,co-mandandotodooprocesso.

Nãonosaprofundamosnasrazõespelasquaisoutraimportanteati-vidadedoSudoeste,comoaproduçãodeleite,nãoganhoucontornoseco-lógicos,noentantoeisaíumsignificativoesforçoaserfeito.

Asreferênciasemagroecologiaprecisam,portanto,sermelhores-tudadas.Este estudo revelaanecessidadedeumaproduçãoecológicamaisdiversificadaparaquesepossafalaremresolverosproblemasdaprodução.

Obviamente,outrasorganizaçõesdaagriculturafamiliaredoEsta-doincluíramemsuasações,aagroecologiaetambémderamsuacontri-buição.

discussão dos indicAdores e cAminhos

Oquadroaseguirtrazoscaminhosdenominadosde“orgânicos”,“integra-dosaofumo”,“convencionaissemfumo”,“agroecologiahistórica”euma“médiaderedes”.Essesdadosserãocomparadosunsaosoutros,olhandoseusprocessosdiferenciadosdegestãoedeopçãoprodutiva,afimdeca-racterizarmelhorcadacaminhosegundoalgunsindicadorespresentesnaprimeiracolunaedescritosnofinaldestequadro.

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Quadro 1 – Indicadores de renda e de uso da terra

38 UPVF do curso de “Desenvolvimento e Agroecologia” – ASSESOAR

7 UPVF Referência em Agroecologia – DESER

70 UPVF/ Sudoeste – DESER

Indicadores OrgânicosIntegrados ao Fumo

Convencionais sem Fumo

Agroecologia HistóricaMédia Redes

Sudoeste

N° de famílias 10 9 19 7 70

Unidade de trabalho (UT) 3,01 2,78 2,94 3 3,16

Área Total 19,44 16,72 20,47 22,61 12,8

VBP (Valor Bruto da Produção comercializada)

9.875,65 16.911,78 18.805,96 25.247,07 12.577,83

Custos Variáveis (%VBP) 30,07 38 49,31 20 36,43

CMF 2.458,30 3.713,11 3.638,82 2.595,00 -

CME 220,00 300,00 685,00 799,00 -

Renda 3.858,08 5.683,94 4.216,11 16.774,00 4.152,85

Autoconsumo monetarizado

3261,65 2.545,74 3.236,05 4.238,00 1.894,34

Autoconsumo (% sobre a renda)

84,54 44,79 76,75 - -

Renda (SM/UT) 0,28 0,45 0,32 - -

Renda + Autoconsumo (SM/UT)

0,52 0,65 0,56 - -

Previdência + serviços 4.451,56 8.772,00 10.900,76 - 5.758,22

VBP/ha de produção 641,36 1.248,1 880,00 - -

Renda/ha de produção 250,56 419,48 197,28 - -

Trabalho (ha trabalhado /ut).

5,12 4,88 7,27 - -

desenvolvimento territoriAl e AgroecologiA

• UT–UnidadedeTrabalho:númerodepessoasnafamíliamultiplicadopelotempoquecadaumsededicaaotrabalhonaUPVF.

• VBP–ValorBrutodaProduçãocomercializada.

• CustosVariáveis–custosdeproduçãoquevariamdeacordocomaquantidadecultivada,comoinsumos,despesascommáquinas.Nestecaso,transformamosem%doVBP.

• CMF–CustosdeManutençãoFamiliar:sãooscustosqueumafamíliatemparasemanter,ouseja,alimentos,saúde,educação,vestuário,taxas…

• CME–CustosdeManutençãodasEstruturas–custoqueafamíliatemparamanteraes-truturaprodutiva,comoconsertosdeinstalaçõesemáquinas.Nãoédepreciação.

• Renda:éoVBPsubtraídodoscustosvariáveis,doCMFedoCME.Éovalordisponívelparainvestimentos.

• Autoconsumo–éaquantidadedealimentosqueafamíliaconsome,daquiloquefoiporelaproduzido,multiplicandopelopreçodestesalimentosnomercado.Servecomoumreferen-cialdeautoconsumomonetarizado.

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• Autoconsumo–%sobrearenda:ovalordoautoconsumomonetarizadoécomparadoaovalordarenda.

• Renda/SalárioMínimo/unidadedetrabalho–éarendadivididapelasunidadesdetrabalho,divididapor13saláriosanuaisecomparadoaovalordosaláriomínimo.Éumdadoparacomparaçõescomaoportunidadedeganhodeumtrabalhadornacidade.Estedadodizoquantodeumsaláriomínimoporpessoassobranocampo.

• Renda+Autoconsumo/Saláriomínimo/unidadedetrabalho–éasomadoautoconsumocomarenda.Temosentãoumasobramaior,secompararmosquenacidadeoautoconsumosetornariaumcustoenocampoumarenda.

• Previdênciamaisserviços–éasomadasaposentadoriasedeoutrosserviçosprestadosaal-guém.Serveparacompararcomarendaefazerreflexõesseaagriculturafamiliarestáconse-guindoviverdaprodução.

• VBP/áreadeprodução–capacidadedeproduçãoporhectareocupadanaprodução,nocon-juntodasatividades,emvaloresmonetários.

• Renda/áreadeprodução–éasobraporhectaregeradapeloconjuntodasatividadesepeloconjuntodecustosexistentes(nãosóosdeprodução).

• ProdutividadedoTrabalho–éaquantidadedeáreaqueumaUTconseguetrabalharnaUPVFnosdiferentescaminhosenascondiçõesatuais.

Asfamíliasqueparticipamdesteestudotem,emmédia,aproxima-damente3UT(UnidadesdeTrabalho)porUPVF(UnidadedeProduçãoeVidaFamiliar).AsUPVFspossuem,emmédia,19hectaresecultivam18,somandoosvárioscultivosporanonamesmaárea.Asquecultivamfumotêmamédiaporfamíliade16,72hectares.Ficabemmarcadoqueofumoencontra-se,majoritariamente,nasmenoresUPVFs.

Asáreasdeproduçãotêmintensidadedeusomaiordoqueumavezporano,somandooscultivosdeinvernoedeverão,semcontarasáreasutilizadasparaestradas,instalações,reservalegaleáreasdepreservaçãopermanente.Valelembrarque,quantomaisvezesporanoamesmaáreaforutilizadaparaaproduçãocomercial,menossustentávelseráosistemaprodutivoadotado.

Aprodutividadedo trabalho,medidapelaquantidadedehectaresqueumtrabalhadoroutrabalhadoraécapazdecuidar, ficaaoredordecinconoscultivosorgânicosenosintegradosaofumo,enquantoquenaagriculturaconvencionalsemfumoficaaoredorde7hectares/UT.

Alémdocasal,emmédia,temosotempodemaisumapessoaporUPVF,indicandoqueasfamíliasestãopequenasouosfilhosnãoficammaisnaroça.Diantedessequadro,qualqueratividadeexigenteemmão-de-obraterápou-caschancesnaagriculturafamiliar,masatividadesqueapontamnadireçãocontráriapoderãoserbemaceitas.Assim,aagriculturaconvencional,apesardetodososseusproblemas,continuatendomaisforçaqueaagroecologia,dandoaentenderqueasfamíliasaceitamsubmeter-seaumalógicademerca-doexploratória,desdequediminuaaquantidadeeapenosidadedotrabalho.

QuantoaoValorBrutodeProdução,amenormédiaficoucomosorgânicos,aoredordeR$10.000,00/ano;amaiorficoucomosecológicos

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desenvolvimento territoriAl e AgroecologiA

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históricos,emtornodeR$25.000,00/ano;seguidodosconvencionaissemfumocomumamédiadeR$19.000,00/anoeosintegradosaofumocomR$17.000,00/ano.

OsorgânicostêmoVBPmaisbaixo,mastêmomenorcustodepro-dução,emtornode30%doVBP.Osconvencionaissemfumotêmcustosvariáveisdeproduçãode50%eosintegradosaofumo,38%.Naagroecolo-giahistóricaocustoficaem20%.

Mesmocomproduçãomenor,osorgânicostêmrendamuitopróxi-maadosconvencionais.Sua,amédiaédeR$3.858,08;nosconvencionaissem fumo,deR$4.216,11enos integradosao fumo,deR$5.683,94.Amaiorrendaédosagroecológicoshistóricos,commédiadeR$16.000,00.

OcaminhodaagriculturaorgânicaproduzumVBPdeR$641,36porhectareocupado,menosqueocaminhoconvencionalsemfumo,deR$ 880,00/ha. No orgânico a renda é de R$ 250,00/ha ocupado, contraR$200,00noconvencional.Aproduçãoémaiornoconvencional,masarendaémaiornoorgânico.

Oimportantenestecasoéaperspectivaqueistotraz.Nosprimei-rosanos,osqueoptampelocaminhoorgânicoencontramadesvantagemdossolosdesgastados,comáreasemconversãoqueoneramaprodução.Amonoculturadeixasuasamarras,mas,comopassardosanos,aconteceumaprofundamentodaspráticasecológicasdeprodução,dando-seare-cuperaçãodoambienteprodutivo.Nestescasospercebe-seumaumentodaprodução,equiparando-seaprodutividadeobtidapelaagriculturaconven-cionalaltamenteartificializada,ecomumdiferencial,odequeoscustostendemacair.Naagriculturaconvencionaloscustosrepresentam,emmé-dia,50%daprodução,tendendoaaumentar;enaagroecológicahistóricaficamnafaixados20%,tendendoadiminuir,chegandoa12%emalgunscasos,aexemplodocasoapresentadonoQuadro2,abaixo.

Arendatemrelaçãocomograudedependênciaexternadeinsumos,comoscustosdemanutençãofamiliareosdemanutençãodaestrutura.Porsuavez,osdemanutençãofamiliarestãodiretamenterelacionadosàproduçãodoautoconsumo.

Osdeproduçãoconvencionalcomesemfumotêmosmaiorescus-tos de manutenção familiar, em torno de R$ 3.500,00/ano. Os de baseecológicatêmmenorescustosdemanutençãofamiliar,emtornodeR$2.500,00/ano.

O autoconsumo vem se tornando muito importante para explicarapermanênciadasfamíliasnocampo.Estedado,comparadocomaren-da obtida pela venda dos produtos comerciais, representa praticamen-teamesma importânciadevalor.Amédiada rendanosorgânicosédeR$3.858,08eoautoconsumomonetarizadodeR$3.261,65,alcançando84%dovalordarenda.Nocaminhoconvencionalsemfumo,arendaédeR$4.216,11eoautoconsumoédeR$3.236,05,ou76%.Nosintegradosao

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fumo,istonãoseverifica,ouseja,rendadeR$4.687,94eautoconsumodeR$2.545,74ou44%.Ofumocomprometeoautoconsumo.

Nãoécostumededicaraoautoconsumoamesmaproporçãodetem-po,custos,terra,créditos,eatençãoqueédedicadaàsatividadesderenda.

Chamatambémaatençãoquandocomparamosarendaeoautoconsu-mocomaoportunidadequeteriamaspessoasdebuscaremumempregodeumsaláriomínimoaoinvésdeviverdaagricultura.Amedidadosaláriomínimoéadotadaaquiporserumareferênciaconhecidae,narealidade,seconstituinumaalternativamuitobuscadapelosfilhosefilhasdasfamíliasagricultoras.

Arendaobtidacomacomercializaçãodosprodutosagrícolascor-responde,emmédia,a0,28saláriosmínimosmensaisporunidadedetra-balhonocaminhoorgânicoea0,32noconvencionalsemfumo.Nosinte-gradosaofumochegaa0,45.Sesomarmosoautoconsumomonetarizadoaestaconta,chegamosaumamédiade0,52saláriosmínimosnosorgâni-cos,0,56nosconvencionaise0,65nosintegradosaofumo.

Paraquemvivecomestarenda,oautoconsumoéprimordial,poismantémumamesarelativamentecheia,garantindosegurançaequalidadealimentarparatodaafamília.Estesdadosindicamumabaixacapacidadedesobrafinanceira,ouumaltograudedependênciadeoutrasfontesderecurso.Senãofosseele,estesvaloresseriamgastosnacompradealimen-tos,eliminandoopequenosaldodisponível.

Grossomodo,pode-seafirmarque,aproximadamente30%doqueas famílias aqui mencionadas obtêm para viver vem da renda, 25% doautoconsumoeosoutros45%debenefíciosdaaposentadoria,rebatedoPRONAFedevendadeserviços.Nessasfamílias,as“outrasrendas”repre-sentamemmédiaR$7.232,00/ano.Assim,chega-seàmarcadeaproxima-damenteumsaláriomínimoporunidadedetrabalho.

Esteéumparâmetroquenãorespondeàsexpectativasdosjovens.Outrosfatores,comoapenosidadedotrabalho,osolquente,achuva,aes-tiagem,ospreçosbaixoseanecessidadedenovosinvestimentos,tornamacidadeumforteatrativoeodestinodamaioriadosjovens,quesonhamga-nharmaisdoqueumsaláriomínimo.Acredita-seserbemmaisfácilagre-garmeiosalárioemumempregonacidadedoquenocampo.Acompreen-sãodequemeiosaláriomínimonãogaranteoscustosdealimentaçãonacidadeaindanãoétãoevidenteparaosjovens.

Osindicadoresderendaaquiexplicitadosrevelamumadificuldadeparaaagriculturafamiliar.Jáépossívelafirmarquenelanãoépossívelfa-zergrandesreservasmonetárias.Nosdiferentescaminhos,arendaoriun-dadavendadaproduçãoalcança,emmédia,apenas1/3deumsaláriomí-nimoportrabalhador/mês.

Nos últimos anos, a maioria dos esforços adotam a estratégia deinclusãodaagriculturafamiliarnomercado.Afaltaderenda,noentan-to,nãosedeveàfaltademercado,mas,sim,faltadeumnovomercadoe

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outrosfatoresdavidanocampo.Asorganizaçõeseconômicasdocampoestãofazendoomaioresforçonestesentido,maséduvidosoquepossamreverterestasituaçãosemalterarosproblemasestruturaisqueafetamavidanocampo:terra,pesquisa,ensino.

Osdadostrazemumquestionamentosobrearealcapacidadedapro-duçãoorgânicaseampliarecomoelapodedefatoapresentar-secomoalter-nativaàagriculturaconvencional,àintegraçãoeaostransgênicosemtermoseconômicos.Osresultadosnosalertamquefazeragroecologiaénecessaria-menteiralémdointeresseeconômico,atéporqueistopodesercontraditó-rio.AAgroecologiasefirmaporumaopçãoconscienteeporumavisãodemundo,antesdeserapenasumaoportunidadedemelhoriaderenda.

Pelaatuallógicademercado,aagriculturafamiliarnãoécapazdesesustentarsemsubvençõesdoEstado.Novospapéis,contudo,parecemcolocar-separaocampo,comoaproduçãodealimentoslimposdeagro-tóxicos,águalimpaearpuro.Isso,decertaforma,ajudariaajustificarassubvençõesdoEstado.Casocontrário,asustentaçãodaagriculturafami-liarpassaporreconstruirumanovalógicadeproduçãoemercadoondeasfamíliasagricultorasexercem,efetivamente,ummaiorcontrolesobretodooprocesso,desdeaprodução,armazenamento,transformaçãoecomercia-lização,apropriando-sedariquezaproduzida.

Nomundotodoaagriculturaésabidamentesubsidiada.NoBrasil,nãoénovidadeoEstadoperdoareprorrogardívidas.Constatamosestelimitenasnossaspropostasdeproduçãoorgânicaqueserevelaraminsu-ficientes, sejapelos seusaltoscustosdeproduçãoepeladiminuiçãodaprodutividade,ouporagregarmaistrabalhoepelafaltadelogísticadeco-mercialização.Noentanto,os“agroecológicoshistóricos”vêmseapresen-tando,defato,comoumaalternativa.

Écertoquenãoestamossatisfeitoscomodesempenhoeconômicodosprocessosorgânicosenemdosconvencionais.Noentantoaagriculturaorgânicaseequipara,emtermosderenda,àagriculturaconvencional,alémdeprotegermelhoromeioambienteeestarproduzindoalimentoslimpos.Naagriculturaorgânica,aindaqueoscustossejamaltos,sãoadquiridosdeummercadolocalenãodemultinacionais,considerandoaindaatendênciadadiminuiçãodoscustosdeprodução,pelarecuperaçãoecológicadosso-los,pelaproduçãodesementeseaproduçãoendógenadeinsumos.

Estasrazõesseriamsuficientesparaadefesadaagroecologiacomoagriculturahegemônica.Sendoassim,nãoéporfaltaderendaoudeargu-mentosqueelanãoseamplia.Seuslimitessãooutros,pressupondo-sequeoEstadotenhasuaresponsabilidadenasuperaçãodosmesmos,osquaisesperamospoder,nofinaldesteartigo,explicitá-losmelhor.

OsdadosdoQuadro2referem-seaumaUPVFereforçamatesedequeaagroecologia,encaradacomopolíticapública,apresentacondiçõesdesubstituiraagriculturaconvencional.

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Quadro 2 – Indicadores de gestão de um agricultor familiar de “caminho” agroecologia histórica

Indicadores Unidades Quantidades

Área total ha 27

Área de produção comercial ha 15,27

Produtividade soja orgânica sc/ha 50

Produtividade do leite litros/ha 1.325,83

Produtividade do trigo orgânico sc/ha 20

Produtividade do açúcar mascavo Kg/ha 2.906,25

Produtividade do feijão sc/ha 18

Produtividade da horta unidades/ha 50.000

Preço atual da soja orgânica R$/sc 32,50

Preço atual do leite em conversão R$/litro 0,40

Preço atual do trigo R$/sc 25,00

Preço atual do açúcar mascavo orgânico R$/kg 1,5

Preço atual do feijão orgânico R$/kg 65,00

Preço das hortaliças R$/unidade 0,90

Preço do mel R$/kg 6,00

Preço da carne suína R$/kg 1,2

Produção anual de soja Sc 150

Produção anual de leite Litros 7.955

Produção anual de trigo Sc 15

Produção anual de açúcar mascavo orgânico kg 2.325

Produção anual de feijão orgânico Sc 16

Produção anual de hortaliças Unidades 3.500

Produção anual de mel kg 250,00

Produção anual de carne suína kg 3.150

Valor da venda da produção R$/há 1.385,12

Valor da venda da produção R$ 21.150,85

Custos variáveis (insumos) R$ 2.628,00

Custos de manutenção da estrutura produtiva R$ 450,00

Custos de manutenção da família R$ 2.785,00

Renda familiar da agricultura R$ 15.287,85

Outras Rendas R$ 0,00

Autoconsumo anual monetarizado R$ 4.665,00

Insumos para reposição da fertilidade kg/ha 98,23

Fonte:RededeAgricultoresFamiliaresGestoresdeReferências/Deser(2006).

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Os custos da produção representam 12,42% do valor da venda da produção, sem considerar o autoconsumo como valor bruto da produção. Se assim considerarmos, os custos representam entorno de 10%.A produção de autoconsumo da família é composta pelos seguintes itens com os respectivos valores: hortaliças(R$ 576,00), frutas (R$ 600,50), milho pipoca (R$ 20,00), ovos (R$ 75,00), mandioca (R$ 328,50), feijão (R$ 105,00), carnes (R$ 1.314,00), amendoim (R$ 160,00), leite (511,00), queijo (R$ 360,00), farinha de milho (R$ 100,00), batata doce (R$ 80,00), batatinha (R$ 120,00), alho (R$ 75,00), mel (R$ 240,00).Os insumos para reposição da fertilidade são de origem orgânica.A área total é a área de escritura da propriedade.A área de produção é o somatório das produções do ano agrícola, incluindo safras de inverno, verão, safrinhas e produções permanentes.

Fonte:RededeAgricultoresFamiliaresGestoresdeReferências/Deser(2006).

Este caso, do caminho agroecológico histórico, se diferencia dequemestáiniciandonaproduçãoorgânica.Constitui-seemumindicativoimportante por apresentar alta produtividade, diversidade de produção,baixocustodeprodução,elevadoautoconsumoebaixoimportedeinsu-mos,oquesignifica,naprática,umrompimentocomomercadodestes.Oelevadoautoconsumopodesignificarboascondiçõesdevida.Comestarenda,afamílianãoestádependentederendasexternasenemdefinan-ciamentodaprodução.

O caminho da agricultura orgânica, quando comparado com ocasoacima,aindaapresentalimitescomo:a)baixaprodutividadeini-cial, b)pouca rentabilidadedo trabalho, c) alto custo inicial ed)he-rança cultural da monocultura com falta de alternativas e mudançasprodutivas.Estesquatro limitesaindanão forambemresolvidos,orapor faltadepesquisasoficiais,orapor faltadeequipamentos,merca-dosdiferenciados,tecnologia,novosconceitosdemundoedevida,umaformadiferentederelaçãocomanatureza,oacessoaumaformaçãodiferenciada, terra suficiente e domínio tecnológico construído comoconhecimento.

Comopodemosver,asimplesopçãopeloorgâniconãoresolvenemmelhoraarenda.Amudançanãoestásimplesmentedoconvencionalparaoorgânico,massimemdiversificarmaisaprodução,irembuscadenovasopções.Estáligadaaumaoutraorganizaçãodaprodução,comovemosnocasoacima,ondeadiversificaçãoestápresenteeaescaladeproduçãonãoéumlimitante.

ocuPAção dA áreA de terrA

Aoanalisarmosaocupaçãodaáreadasfamíliasestudadas,aindapodemosperceberdadosmaisreveladoresquantoàmudançasprodutivas.

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Quadro 3 – Ocupação da terra comparada ao VBP – Valor Bruto da Produção

Orgânico Integrados ao fumo Convencional sem fumo

Ocupação% Área

ocupada % VBP

% Área ocupada

% VBP% Área

ocupada % VBP

Soja 10,3 5,59 6,81 6,72 27,2 25,9

Leite 21,24 39,06 49,92 21,09 45,94 59,96

Milho 6,74 5,61 9,8 6,81 6,03 5,66

Feijão 2,38 2,25 3,4 3,1 0,30 0,33

Fumo 0 0 10,47 61,77 0 0

Hortaliças 3,8 14,77 0 0 0 0

Outros 3,57 10,69 0 0 0 0

Fonte:RededeAgricultoresFamiliaresGestoresdeReferências/Deser(2006).

OQuadro3nostrazoutrasquestõesqueajudamaolharosdesafiosdaagroecologia.Dosorgânicos,somente5,59%doValorBrutodeProdu-çãoprovêmdasoja,emborautilizem10%daáreaparaestecultivo,oquerevelaabaixaprodutividadedasojaorgânicanestaregião.Naagriculturaconvencionalasojarepresenta,emmédia,26%doVBPeocupa27%daárea.Quemcultivafumoutiliza,emmédia,7%daáreacomsoja,eobtémaoredorde7%doVBP.

Naagriculturaconvencional,91,52%doVBPvemdasoja,leiteemi-lho.Estescultivos,nocaminhoorgânico,sãoresponsáveispor50,26%doVBP.Nosintegradosaofumo,estasculturas,maisofumo,sãoresponsá-veispor96,39%doVBP.Ficaevidenteque,nocaminhoorgânico,asoja,oleiteeomilhodeixamdeteracentralidade.Outrasatividadescomeçamaentrarnocenário,oqueéumbomindicadordesustentabilidade.

Aopçãopelofumo,seporumladoapresentarendamaisalta,poroutro,limitaaprodutividadedoleite.Ocuidadoprioritárioficanos10%dapropriedadequesãoocupadoscomofumo,deondevem62%doVBP,enquantoque50%daáreaéocupadacomleite,deondevememtornode21%VBP.Aproduçãodeleiteé,decertaforma,secundáriaquandoocorreapresençadofumo.Osconvencionaissemfumofizeramclaramenteumaopçãomaisfortepelaproduçãodeleite.Manejam,emmédia,46%daáreaeobtêm60%doVBPcomele.

OcaminhoorgânicotemamelhorrelaçãoVBP/áreadeprodução,poiscom21%daáreaobtém40%doVBP.Provavelmenteumaboaprodu-çãocombaixoscustosajudaaexplicarestebomindicador.

considerAções FinAis

Oestudonospermiteconcluirqueaopçãopelaproduçãoorgânicanãomelhorouarendasecomparadaaoscultivosconvencionais.Ocaminho

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agroecológico histórico nos indica a possibilidade de ótimos resultadoseconômicose,porcontradição,nestescasos,osprincípiosdaagroecologiaocupamacentralidadedaspreocupaçõesenãoarenda,ouseja,quantomaisecológicaforaUPVF,melhoressãoosresultadoseconômicos.

Abaixarendaéumindicadorquerevelaumproblemaquenãoéex-clusivodaagroecologia,masdaagriculturadeformageral.Olhandopelarenda,aproduçãoorgânicaseaproximadaconvencional,comindicativosdesuperação.Comesteindicadoreoutroselementoscomoodapreserva-çãodanaturezaedamelhoriadascondiçõesdevida,asrazõesparaade-fesadaagroecologiaestariamdadas.

Nãoestãodadas,noentanto,ascondiçõesestruturantesapartirdepolíticaspúblicasparaaecologização.AsfamíliasquefizeramessaopçãonãocontaramcomumaestratégiadeEstadoepagaramumpreçoporestaconversãoque,naturalmente,nemtodaselasestãodispostasabancarso-zinhas.Assim,concluímosqueumapolíticadeEstadodevaorientarapro-duçãonacionalnestesentido,criandoascondiçõesnecessárias.

Outrodadofoiaexpressãodaimportânciadoautoconsumoparaasustentabilidadedaagriculturafamiliar,interferindonarendaenacriaçãodealternativasparaalémdasoja,leiteemilho.

Aagroecologiaé,portanto,umcaminhoqueserevelacapazdere-solvermuitosproblemasdaproduçãoagrícola,acontarcomtodososou-trosavançosquesãoinquestionáveisnestaprática.Oproblemadapobre-za,daviolência,doisolamento,dafaltadeestrutura,dafaltadeeducação,enfimdopoucodesenvolvimento,permanecerámesmonaagriculturaeco-lógica,seolharmosocamposópelaprodução.Énecessário,portanto,darcontadetodasestasquestões,comousemaagroecologia.

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