livro_a prisionalização do agente penitenciário 2 - pesquisa

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    INTRODUOApresentao da pesquisa e delimitaes iniciais

    O presente texto se constitui no relatrio final da PesquisaInterdisciplinar O processo de prisionalizao no exerccio dafuno de Agente Penitencirio: um estudo no Presdio Regional dePelotas, desenvolvida pelo Grupo Interdisciplinar de Trabalho eEstudos Penitencirios da Universidade Catlica de Pelotas GITEP/UCPel , no perodo compreendido entre julho de 1999 a julho de2001, tendo por universo pesquisado os funcionrios lotados noPresdio Regional de Pelotas, no Estado do Rio Grande do Sul.

    A pesquisa teve como objetivo geral identificar e analisar oprocesso social de insero e assimilao dos agentes penitenciriosna estrutura institucional e organizacional carcerria, mais especifi-camente em termos de uma hiptese de especial e caracterstica formade socializao daqueles por parte do ambiente e sistema socialpenitencirio.

    No obstante se possa considerar que as atividades do GITEPtem seu marco de origem no segundo semestre de 1997, vez que oGrupo se constituiu a partir de aes desencadeadas por um Protocolode Intenes firmado entre a Universidade Catlica de Pelotas e oPresdio Regional de Pelotas este atravs da Secretaria de Seguranado Estado do Rio Grande do Sul e da Superintendncia de ServiosPenitencirios (Susepe) , pelo qual foi assumido o compromisso decooperao entre tais instituies, a presente pesquisa representa aprimeira iniciativa do GITEP nesse tipo de atividade acadmica ecientfica em relao ao ambiente penitencirio1 .1 Nesse sentido, entretanto, h que se resgatar que no primeiro semestre das

    atividades de cooperao interinstitucional decorrentes do mencionado Protoco-lo de Intenes, portanto de julho a dezembro de 1997, a equipe interdisciplinarda Universidade Catlica de Pelotas realizou um diagnstico exploratrio comvistas a identificar o perfil dos reclusos no Presdio Regional de Pelotas. Taldiagnstico foi realizado sobretudo atravs dos estagirios do Curso de ServioSocial no desenvolvimento das atividades do Projeto de Resgate da Cidadaniado Detento. Foi a partir deste projeto, posteriormente redimensionado em suaamplitude e que passou a se denominar Projeto de Assistncia Jurdica ePsicossocial Penitenciria, que se constituiu e se consolidou o GITEP.

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    Inicialmente se poderia explicar esse largo lapso temporalexistente entre o incio de aes de ndole acadmica e universitrianum ambiente penitencirio e a realizao de uma atividade cientficade pesquisa por razes de ordem operacional das atividades, comorapidamente faremos a seguir (pois tais no deixam de ser elementosrelevantes, e portanto no se constituem como meras tentativas deiseno de compromisso acadmico, em especial em realidadeslatino-americanas), mas por outro lado atribumos essa distnciaentre o ingresso dos membros do GITEP, sobretudo enquanto docen-tes universitrios, em contato direto com a realidade prisional e arealizao dessa pesquisa na ndole que a mesma foi assumida como o resultado de um processo de amadurecimento crtico denossas prprias noes (ou talvez melhor seria confessar pr-noes)acerca do ambiente e realidade penitenciria. As razes dessa segundaordem, como manifestaremos adiante, sem dvida podero sercontributivas ao se responder uma possvel pergunta inicial: Por queuma pesquisa sobre Agentes Penitencirios? Por que sobre funcion-rios de presdios e no sobre presos?

    Mas para que as razes de primeira ordem no se fiquemolvidadas, e portanto no como uma desculpa, vez que tambmimportantes, faremos acerca delas um breve comentrio, at mesmoporque so encaminhadoras das razes de segunda ordem.

    Nesse sentido destacamos que, em sua origem, o trabalhodesenvolvido pelo GITEP inicialmente vinculou-se a atividades decoordenao das aes de extenso e estgio de acadmicos doscursos de Direito, Servio Social e Psicologia da UCPel junto aoPresdio Regional de Pelotas, conforme previsto no mencionadoProtocolo de Intenes firmado entre as instituies, sobretudo como compromisso de que fosse consolidada a perspectiva de atuaointerdisciplinar no desenvolvimento dos estgios e das atividades deextenso da Universidade no ambiente prisional.

    Igualmente h que se registrar que a Universidade Catlica de Pelotas emoportunidade anterior, mais especificamente nos anos de 1991 e 1992, j haviarealizado atividades de cooperao no estabelecimento penitencirio local, entoainda Presdio Municipal de Pelotas. Tais atividades se concentraram, na poca, rea de Psicologia.

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    Entretanto, da ndole do protocolo decorria tambm o entendi-mento, compartilhado pelos docentes envolvidos no GITEP, bemcomo de sua coordenao geral, a cargo da Assessoria de Extenso daUCPel, de que as aes concretas no ambiente carcerrio, bem comonas suas demais esferas de abrangncia, dever-se-iam pautar nomesmo basilar trip universitrio, ou seja: ensino, pesquisa e exten-so.

    Por outro lado, mesmo que no se constitua nenhuma novidadese considerar que a realidade das instituies penitencirias, seja emsuas caractersticas e peculiaridades organizacionais, seja portantotambm em suas dinmicas (por tantos autores e estudos j consigna-das), tende sempre a representar um elemento dificultador de aesnesse ambiente, h que se reconhecer que em nossa realidade brasilei-ra (e portanto no s local) essas dificuldades se apresentam amplia-das e maximizadas por uma carncia, sobretudo quantitativa, derecursos humanos e materiais no que tange ao Sistema Penitenciriocomo um todo, o que se constitui ento enquanto mais um permanenteobstculo qualquer ao que se pretenda desenvolver em relao aosambientes penitencirios.

    Por bvio o Presdio Regional de Pelotas no se apresentaenquanto uma exceo a essa regra nacional.

    Com efeito, mesmo que sempre presente no trabalho do GITEPo referencial interdisciplinar e a perspectiva da indissociabilidade doensino, pesquisa e extenso, enquanto exigncias para as aes daUCPel no Presdio Regional de Pelotas, h que se reconhecer que asatividades de estgio desenvolvidas pelos discentes, sobretudo porrazes operacionais, ainda tendem a se encontrarem fracionadas emintervenes particularizadas de seus saberes especficos.

    O esforo do GITEP no sentido de suplantar os obstculosobjetivos que restavam por impedir um maior desenvolvimento deatividades interdisciplinares partiu, inicialmente, do aceitar de umconhecimento pressuposto, e porque no de um preconceito, que sepode considerar voz corrente nestes tipos de trabalho, ou seja: nadase poder conseguir num ambiente carcerrio sem a colaborao dosfuncionrios do presdio; sem que os agentes penitencirios deixem...

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    Essa viso, que corrobora uma percepo estereotipada dosfuncionrios de presdios (dos guardas, dos agentes penitencirios),que os toma como obstculos objetivos e intencionais das aes nospresdios, se por um lado equivocada em sua contundncia e explica-es, por outro sem dvida foi o elemento motivacional de nossainicial reflexo crtica, que cremos tenha amadurecido numa compre-enso atualmente mais cientfica e questionadora da realidade, atra-vs de um processo no qual a presente pesquisa elemento decaminhada e primeiro resultado.

    Assim, a equipe do GITEP passou a se questionar o porqu dosfuncionrios (atravs de seus valores, de suas posturas, de suasatitudes etc.) serem considerados, se apresentarem e, porque no,talvez se constiturem, enquanto elementos obstaculizadores dasaes que se buscam encetar em favor da minimizao dos antagonis-mos verificveis no ambiente carcerrio e no seu correspondentesistema social.

    As respostas tradicionais, do senso comum, e tambmpreconceituosas e estereotipantes, tais quais as que imputam umamaldade intrnseca ao funcionrio de presdios (quase tambm umapatologia moral como requisito a essa funo); um mero exerccio depoder, com tendncias corrupo, em relao aos demais grupos quese vinculam ao ambiente carcerrio (sobretudo aos indivduos perten-centes ao grupo apenado e recluso e aos que atuam no auxlio desses);ou ainda um sentimento de inveja por verem o apenado ser atendidoao passo que suas necessidades restam por serem olvidadas nasdinmicas do sistema; no nos pareceram, enquanto equipe do GITEP,suficientes para uma adequada resoluo de nosso questionamento.

    Assim, ainda que at tais respostas devessem ser consideradas,algo mais, com contedo cientfico e crtico, deveria ser perquiridocaso se quisesse realmente enfrentar a questo que estava posta,reconhecendo-se inclusive a origem da explicao daquelas respostastambm nos processos histricos e sociais, o que inviabiliza umaaceitao a priori de validade das mesmas.

    Nesse sentido Laurindo Dias Minhoto (2000) oferta-nos, apsfazer meno a uma pesquisa de Thomas Holloway Policing Rio de

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    Janeiro. Repression and resistence in a 19th century city importan-tes reflexes acerca da gnese histrica da truculncia policial noBrasil (o que se pode relacionar, ento, tambm com a questo dosfuncionrios de presdios):

    O sofrimento fsico, como forma privilegiada de punio, consti-tui uma prtica que remonta ao sistema policial herdado dostempos coloniais. medida que funcionava como uma espcie desuplemento coero exercida pelo senhor de escravos, a institui-o policial brasileira foi erigida com base na internalizao dapletora de meios sanguinrios empregados no perodo. O senhorde escravos, por sua vez, devidamente secundado pela Carta dedireitos incorporada Constituio do Imprio e pelas conquistasdo civilismo iluminista, como se sabe, podia usar, gozar e abusarde suas coisas do modo como melhor lhe aprouvesse. Ora, precisamente essa inusitada combinao, a disparatada misturaentre o direito burgus de propriedade e mo-de-obra escravistaque permite entender o modo peculiar como se constitui e estru-tura a instituio policial brasileira. A formao da polcia noBrasil mimetizou o esporo senhorial. Com a modernizaoincompleta e altamente desigual do pas, o padro selvagem demanuteno da ordem na senzala foi estendido ao controle doshomens livres e das classes subalternas. (2000: 179)

    Semelhante alerta necessidade de um olhar que insira nessasreflexes os processos histricos da formao cultural e jurdica denossas sociedades (e sobretudo em nosso caso brasileiro, a partir denossas peculiaridades), j nos havia sido feito por Gizlene Neder(1994), em diversos momentos de sua obra, com suporte tambm emoutros autores:

    De pronto, j podemos sublinhar que o controle social sobre amassa escrava era praticado no interior da prpria unidade produ-tiva (a fazenda), sob as ordens do senhor de escravos, seuscapatazes e pelos capites-de-mato.Com a Abolio (1888) e a Proclamao da Repblica (1889)desloca-se o eixo do processo de disciplinamento social para o

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    Estado, que passa a ter o monoplio da violncia e da represso.Nesse quadro que emolduram-se as reformas nas instituies decontrole social formais (Polcia e Justia) no Brasil no incio daRepblica. (1994:25)

    Igualmente contributivas as reflexes de Eugenio Ral Zaffaroni(1998) mesmo que ainda com referncia mais imediata ao policial no sentido de apontar um antagonismo entre um discurso externomoralizante, influenciado tambm pelo discurso propagado pelosmeios de comunicao de massa em escala transnacional que apresen-tam o policial (enquanto agente de controle social) como o justiceirosocial muitas vezes moralmente acima da lei e do bem e do mal,quando confrontado com as prticas e esteretipos nacionais vincula-dos aos mesmos:

    El policizado es seleccionado de la misma faja etaria masculinaque los criminalizados y tambin conforme a un estereotipo; se leintroduce en una prctica corrupta, debido al poder incontroladode la agencia de la que passa a ser parte; se le entrena en undiscurso externo moralizante y en una prctica interna corrupta.La escisin entre el discurso externo y la prctica interna esclaramente percibida por la poblacin, que se comporta respectodel policizado com alta desconfianza y de conformidad com elestereotipo popular que seala al policizado como el sujetovivo, zorro y corrupto. Al lado de este estereotipo popu-lar del policizado, tienen lugar requerimentos de rol o papel quese le dirigen y que se nutren de la propaganda masivatransnacionalizada: violencia justiceira, solucin de los conflictossin necesidad de intervencin judicial y ejecutivamente, machismo,seguridad, indiferencia frente a la muerte ajena, valor en lmitessuicidas, etc. (1998: 142-143)

    Do que retomamos s consideraes de Neder (1994) paraconcordar, inclusive e sobretudo a partir do plano institucional eformal do controle social, que:

    Particularmente no Brasil, o Direito tem se caracterizado, histori-

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    camente, pela combinao de uma rebuscada, bem formulada efundamentada argumentao segundo os parmetros das tendn-cias liberais (a partir dos modelos erigidos no centro hegemnicodo capitalismo) com prticas autoritrias. (1994:28)

    Tais consideraes, pois, impem que a questo penitenciria,inclusive no que pertine especificidade da questo dos funcionriosde presdios, seja enfrentada a partir de parmetros cientficos maisadequados apreenso de sua complexidade, rejeitando-se, porconseqncia, a superficialidade das respostas estereotipantes que osenso comum, e mesmo a academia e a tradicional cultura jurdica,poltica e social, oferecem como verdades a priori.

    Compartilhamos, com efeito, com a necessidade de se perquirirno s de uma natureza social do mal como tambm de umfavorecimento da Sociedade Moderna, a partir da racionalidade desuas dinmicas e instituies, na reproduo social do mal2 , sendo a

    2 Aqui pertinente a referncia obra de Zygmunt Bauman, Modernidade eHolocausto (edio brasileira de 1998, por Jorge Zahar Editor), como derelevante contributividade para este questionamento.Desta obra buscamos ainda referncia a um estudo (experincia) de PhilipZimbardo Interpersonal Dynamics in a Simulated Prision (Craig Haney, CurtisBanks & Philip Zimbardo. in: International Journal of Criminology and Penalogy,vol.I, 1973, p.69-97) cujo relato nos parece aqui contributivo:Na experincia de Zimbardo (planejada para durar quinze dias, mas interrom-pida aps uma semana por medo de dano irreparvel ao corpo e mente dossujeitos), os voluntrios foram divididos ao acaso em prisioneiros e guardas depriso. Ambos os lados receberam os atavios simblicos de sua posio. Osprisioneiros, por exemplo, usavam bons apertados que simulavam cabeasraspadas e luvas que lhes davam uma aparncia ridcula. Os guardas usavamuniformes e culos escuros que impediam os prisioneiros de olhar dentro dosseus olhos. Nenhum dos lados podia dirigir-se ao outro por nomes individuais,a regra era uma estreita impessoalidade. Havia uma longa lista de pequenasregras invariavelmente humilhantes para os prisioneiros, que os privava de todaa dignidade humana. Esse foi o ponto de partida. O que seguiu ultrapassou edeixou bem para trs o engenho dos planejadores. A iniciativa dos guardas(jovens do sexo masculino e idade universitria escolhidos ao acaso, peneiradoscuidadosamente para evitar qualquer sinal de anormalidade) no conheceulimites. Uma autntica cadeia cismogentica, hiptese outrora formulada porGregory Bateson, ps-se em movimento. A construda superioridade dos guar-das redundou numa submisso dos prisioneiros, o que por sua vez tentava osguardas a exibir mais o seu poder, o que ento se refletia, como era de esperar,em mais auto-humilhao dos prisioneiros... Os guardas foravam os prisionei-

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    instituio penitenciria pea relevante desse contexto.No se trata, pois, de se buscar tambm ingenuamente um mero

    deslocar da posio dos funcionrios de presdios, no sentido de agoraserem os mesmos olhados a priori como simplesmente vtimas deum sistema perverso e historicamente contextualizado a partir deprticas sociais autoritrias, com o qual no colaboram para que assimse constitua, mas sim da busca cientfica e crtica de compreenso dasinstituies sociais punitivas e de suas dinmicas, sobretudo nosefeitos que produzem e que, portanto, devem influir na sua possibili-dade e perspectiva de (des)legitimao.

    E tal sentido implica, portanto, um olhar que no se permitaavaliaes fundadas em premissas maniquestas entre o bem e omal, sobretudo enquanto caractersticas imputveis s partes envol-vidas e inseridas nas instituies punitivas objeto de anlise.

    Um alerta para tal aspecto nos ofertado por Fernanda SpainerAmador (2000), em trabalho no qual enfrenta a questo dos PoliciaisMilitares3 :

    Quando se trata das vtimas, as articulaes entre sofrimento eviolncia so bvias. J quando o que est em questo so osvitimrios, tais articulaes, muitas vezes, no so mencionadas,creio que por uma tendncia das pessoas a posicionarem-se a favordos primeiros. Assim, assumindo o papel de juzes, sentenciam-seaqueles que cometem violncia, na maioria da vezes, sob critriosnica e exclusivamente pautados no bem e no mal. Entretanto, aviolncia se gesta em uma trama de componentes que impossibi-lita avaliaes fundamentadas em premissas maniquestas, issoporque freqentemente, se no sempre, a histria dos vitimrios

    ros a cantar canes obscenas e defecar em baldes que no permitiam fossemesvaziados, a limpar privadas com as mos nuas; e, quanto mais faziam isso,mais agiam como se estivessem convencidos da natureza no humana dosprisioneiros e menos se sentiam constrangidos em inventar e administrarmedidas de um grau ainda mais estarrecedor de desumanidade. (BAUMAN,1998: 194-195)

    3 O trabalho referido na bibliografia tem origem na dissertao de Mestrado emPsicologia Social e da Personalidade, defendido pela Autora na PontifciaUniversidade Catlica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), sob o ttulo: ViolnciaPolicial: verso e reverso do sofrimento.

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    revela neles prprios vtimas ocultas. Por tal razo, opto pelo usoda expresso circuito de violncia. (2000: 83)

    E aqui, com efeito, pode-se retomar aquela anterior pergunta:Por que uma pesquisa sobre funcionrios de presdios e no sobrepresos?

    A resposta to indagativa quanto a questo: Por que no?!Por que, mesmo enquanto membros docentes de uma institui-

    o acadmica universitria, e portanto com o compromisso crtico ecientfico de atuar na cognio das realidades sociais, humanas,tecnolgicas etc, e ainda de com base nesse conhecimento promovera formao de futuros profissionais, ao visualizarmos, mesmo mental-mente, a realidade penitenciria temos uma tendncia de ver somenteo apenado (o recluso, o preso)? Por que nosso enfoque em relao questo penitenciria tende a priorizar somente um dos grupos sociaisdesse sistema organizacional, quando este no o nico que oconstitui? Por que atuamos via de regra em detrimento dos demaisgrupos sociais que se vinculam, direta ou indiretamente ao ambientepenitencirio, e, em especial, esquecemos sobretudo aqueles quecremos menos envolvidos com o drama da privao da liberdade?

    Temos que assumir, e a equipe do GITEP assim o fez, que huma tendncia, quando o assunto concerne questo punitiva, esobretudo penitenciria, mesmo no mundo das cincias que enfren-tam tais questes, em no se conseguir visualizar a totalidade daorganizao penitenciria, ou ainda, quando esta vislumbrada, de seproceder acriticamente anlises e imputaes preconceituosas eestereotipantes de seus grupos e dos membros desses.

    E das conseqncias dessa tendncia no escapam por certotambm os prprios cientistas ou membros do mundo acadmico, queno raramente so considerados pelos demais como meros tericos,utopistas que restam por poder dizer e pensar o que quiserem semestarem imbudos do compromisso e da responsabilidade prtica desuas opinies e proposies.

    Mas, por incrvel que seja, tal tendncia permanece vigente,no obstante h muito j se possua um amplo arsenal cientfico a

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    tornar imperativo um olhar de apreenso mais crtica sobre estainstituio total (e aqui para se utilizar de forma pertinente o contributode Erving Goffman4 nesse campo).

    E mesmo em nossa realidade brasileira, onde a misriaacadmica e cientfica sobre as questes penitencirias to ampla5 ,tambm h muito a necessidade do olhar total sobre a experinciapenitenciria j foi desvelada, sobretudo pela obra A questo peniten-ciria de Augusto Thompson cuja primeira edio data de 19766 ,sem que contudo o rano sobre tal questo tenha em muito sealterado.

    Nesse sentido, entre outros pontos, Thompson (1991) j alertava:

    Quase ningum se preocupa em investigar:- Se os profissionais de tratamento tm condies de desenvolver,com possibilidade de xito, suas atividades, dentro do sistemaespecial da priso.- Se a guarda, por melhor instruda e treinada que seja, podeconciliar sua tarefa custodial com a misso teraputica. (...)(1991: 18 com grifos no original)

    E com contundncia Neder j havia consignado: De fato, noBrasil, a linha que separa os detentos dos profissionais que atendema segurana pblica tnue (1994:32). Ao que agregamos, em nossa4 , pois, de extrema importncia nas Cincias Penitencirias a contribuio de

    Erving Goffman quando apresenta as caractersticas das Instituies Totais,dentre s quais o crcere, a penitenciria, o presdio (qualquer que seja adenominao utilizada para essas instituies de seqestro, no dizer de MichelFoucault) se incluem como um tipo exemplar.Em nossas referencias bibliogrficas: GOFFMAN, Erving. Manicmios, Prisese Conventos. 3 ed., So Paulo: Perspectiva, 1990; e FOUCAULT, Michel. Vigiare punir: nascimento da priso. 9 ed., Petrpolis: Vozes, 1991.

    5 Como de forma pertinente denunciam James Louis Cavallaro e Salo de Carvalhono texto A Situao Carcerria no Brasil e a Misria Acadmica, in: BoletimIBCCrim, nmero 86, janeiro/2000, p. 14-15.

    6 A obra de Augusto Thompson no s precursora dos estudos com umapercepo mais completa da questo penitenciria no Brasil, como tambm, eaqui lamentavelmente, uma das poucas que ainda possumos, numa origemnacional, nesse sentido.Em nossas referncias bibliogrficas utilizamos a 3 edio da obra. THOMPSON,Augusto. A questo Penitenciria. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991.

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    hiptese de pesquisa, ser tnue tal linha em todos os seus sentidos,inclusive no do encarceramento de ambos os grupos.

    Com efeito, e com base em tais reflexes, que o GITEP assumiuo entendimento de que a resposta ao problema inicialmente posto sedirigia no seguinte sentido: nada se poder conseguir num ambientecarcerrio sem que se atue na compreenso total da complexidade desuas estruturas, processos e dinmicas, enquanto elementos de umsistema social peculiar, do qual os funcionrios de presdio compemum grupo integrante que est a exigir a ateno de um olhar cientficosobre os vnculos que seus membros possuem e estabelecem com talsistema.

    Tal compreenso exige ainda que se adote como pressuposto deum trabalho cientfico a perspectiva de especificidade do sistemasocial penitencirio, mesmo que se aceite que importantes correspon-dncias entre suas dinmicas e processos possam existir quando numacomparao entre aquele e a sociedade livre, em especial no queconcerne s relaes de poder e lgicas de produo e mercado.

    Sob tal enfoque mais uma vez contributiva a manifestao deThompson (1991):

    (...) a cadeia no uma miniatura da sociedade livre, mas umsistema peculiar, cuja caracterstica principal, o poder, autoriza aqualific-lo como um sistema de poder. Por outro lado, suashierarquias formais, se bem que devam ser levadas em conta, nopodem ser tidas como as nicas ou as mais relevantes, pois osaspectos informais das organizaes comunitrias so de impor-tncia fundamental, se se deseja capt-las no modo concreto deoperao. Uma sociedade interna, no prevista e no estipulada,com fins prprios e cultura particular, emerge pelos interstcios daordem oficial. A interao desses dois modos de vida, o oficial eo interno-informal, rende ensejo, naturalmente, ao surgimento deconflitos, os quais tero de ser solucionados por meio de processosde acomodao. (1991:19-20)

    Assim, ao se atingir com maior clareza o caminho a serpercorrido pelo GITEP, buscou-se estruturar a presente pesquisa

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    dentro de algumas limitaes que, se por certo poderiam influir emseus resultados, no inviabilizassem sua realizao ao secompatibilizarem com as disponibilidades de recursos (sobretudofinanceiros) e de carga horria dos pesquisadores (todos professoresda UCPel, envolvidos em atividades de sala de aula nos cursos degraduao e orientao de estgios), sem que contudo se perdesse aexpectativa de credibilidade cientfica dos resultados.

    A opo que melhor se enquadrava dentro desse contextoafigurou-se nos termos de uma pesquisa que viabilizasse um inicialdiagnstico da insero dos funcionrios de presdios no ambientesocial carcerrio, atuando-se, como j referido, a partir da hiptese deexistncia de uma especial e caracterstica forma de socializaodaqueles por parte do ambiente e sistema social penitencirio.

    Um diagnstico nesse sentido demonstrou-se valioso vez quepermitira no s um mais aprofundado conhecimento da realidadeconcreta dos funcionrios de presdios em seu vnculo com a institui-o penitenciria, mas tambm tornaria vivel que sobre essa baseoutras pesquisas mais especficas fossem propostas, alm de sercontributiva para o redimensionamento das atividades prticas deestgio dos discentes da UCPel que j se encontravam em desenvol-vimento no Presdio Regional de Pelotas, ou mesmo a proposta denovas atividades.

    Aqui cumpre salientar-se que mesmo antes do incio da pesqui-sa o GITEP, em parceria com a Equipe Tcnica (Advogado, Assisten-tes Sociais e Psiclogos) da 5 Delegacia Regional Penitenciria7 -DRP , j havia promovido trs Seminrios Regionais de AgentesPenitencirios, numa busca de atuar junto questo pertinente a talgrupo a partir de parmetros crticos de reflexo de suas prticas,problemas e vnculos com a realidade social penitenciria.

    7 A 5 Delegacia Regional Penitenciria DRP um rgo vinculado Susepe(Superintendncia dos Servios Penitencirios), que por sua vez vinculada Secretaria de Segurana Pblica do Estado do Rio Grande do Sul. Com sede emPelotas, 5 DRP se vinculam, alm do Presdio Regional de Pelotas, tambm osestabelecimentos carcerrios dos seguintes municpios: Camaqu, Canguu,Jaguaro, Rio Grande e Santa Vitria do Palmar.

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    Limitou-se ainda a pesquisa aos funcionrios lotados no Pres-dio Regional de Pelotas, vez que este, alm da proximidade geogrficae local onde se desenvolvem as atividades prticas de estgio daUCPel o que favoreceria a realizao da pesquisa e a imediataaplicao concreta de seus resultados , o maior estabelecimentocarcerrio da 5 Regio Penitenciria do Estado do Rio Grande do Sul,possibilitando assim, a partir da pesquisa no seu universo completo defuncionrios, um aceitvel parmetro. Nesse sentido salienta-se quedesde a formulao do projeto da presente pesquisa o GITEP estabe-leceu como meta sua futura ampliao, visando abranger os demaisestabelecimentos da Regio Penitenciria e, eventualmente, do Esta-do.

    A pesquisa foi, portanto, proposta e executada pelo GITEPnuma perspectiva de uma primeira experincia, a ser posteriormenteampliada, vez que inclusive a falta de instrumentais e experinciasprximas realidade penitenciria local e regional estavam a exigirque fossem inicialmente testados instrumentos e posteriormenteavaliados em sua capacidade de ofertar resultados com credibilidadecientfica dentro das metas e objetivos assumidos.

    Com efeito tambm o prprio objeto da pesquisa, e seu conte-do, necessitou sofrer limitaes.

    Nesse sentido, a equipe do GITEP, ao se propor como objeto depesquisa uma perspectiva sobre o processo social de insero eassimilao dos funcionrios de presdios (Agentes Penitencirios8 )

    8 Vimos nos referindo ao componentes do universo da pesquisa como funcionriosde presdios, no obstante o foco principal de anlise tenha se dirigido aosAgentes Penitencirios enquanto uma categoria de funcionrios de presdios (e,no Sistema Penitencirio Gacho, est categoria comporta pelos funcionriosque contato mais direto mantm com o grupo recluso). Como explicitaremosadiante, aos respondentes dos formulrios tambm se agregaram outros funcio-nrios de presdio Auxiliares de Servios Penitencirios num total de 2pesquisados, correspondente a 6,67% do universo (conforme mostra a Tabela 1,infra). Pelas prprias peculiaridades dos Sistemas Penitencirios entendemos quetal fator no viria em prejuzo da credibilidade de nossos resultados. Com efeito,de forma quase indistinta, para fins dessa pesquisa, utilizaremos os termos:funcionrios de presdios, Servidores Penitencirios e Agentes Penitencirios.Eventuais relativizaes, quanto ao uso indistinto dos termos, sero feitas noprprio texto.

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    na estrutura institucional carcerria, partindo de uma hiptese preli-minar que vislumbrava a existncia de uma especial e caractersticaforma de socializao daqueles por parte do ambiente e sistema socialpenitencirio, assim o fez buscando como fundamentao referencialo chamado processo de prisionalizao do apenado recluso no sistemapenitencirio, inicialmente nominado por Donald Clemmer deprisionizao9 , cujo conceito se assemelha ao significado sociolgicoda assimilao e tambm ao de processo de socializao (o que sermais adiante, quando da apresentao da pesquisa em si, explicitado).

    Tambm como referencial terico de fundamentao e execu-o da pesquisa foram utilizadas as contribuies de Goffman (1990)acerca das Instituies Totais, como j mencionado, e as que a essasse vinculam.

    Dessa forma, pois, constitui-se a presente pesquisa, que estamosconvencidos, enquanto equipe de pesquisadores do GITEP, que umprimeiro passo, e por isso assumimos a responsabilidade inerente seventuais falhas e lacunas da mesma e que acarretaro futurosaprimoramentos nos desdobramentos e ampliaes que pretendemospromover mas, contudo, importante no sentido de que os espaosainda em aberto das cincias penitencirias comecem a serem preen-chidos de forma cientfica e crtica a partir da atuao de compromissodas Instituies Acadmicas, sobretudo as Universitrias; compro-misso esse que entendemos indeclinvel a estas.

    Na seqncia apresentaremos a pesquisa (inicialmente em seusfundamentos e em seus aspectos de metodologia) numa sntese entreo proposto em seu projeto e sua execuo, para ento expormos ediscutirmos os dados coletados. As concluses finais priorizam umaanlise mais geral a partir da hiptese principal, ou seja, a possibili-dade de um diagnstico no sentido afirmativo de que os funcionriosde presdios tendem a, de forma similar aos apenados reclusos nosistema penitencirio, suportar um processo especial de socializa-

    9 O processo de prisionizao tem como principal e obrigatria referncia a obrade Donald Clemmer. No h, entretanto, distino entre a noo que este termoencerra e a que expressada pelo termo prisionalizao. Optamos pela utilizaodeste ltimo por assim j termos feito em outros estudos.

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    o (prisionalizao), sendo assim socializados numa assimilaodos padres valorativos e de conduta peculiares e caractersticos doambiente e do sistema social carcerrio, bem como de suas dinmicas.

    Na discusso dos dados coletados tambm sero apresentadasreflexes e consideraes tangenciais de tpicos pertinentes temticae objeto da pesquisa, que sero posteriormente, de forma maisdetalhada, trabalhados pelos pesquisadores em outros textos.

    1 A PESQUISA EM SEUS FUNDAMENTOS E EM SEUSASPECTOS DE METODOLOGIA

    1.1 Da problematizao e dos fundamentos tericos dapesquisa

    Como exposto acima, na Introduo, a presente pesquisa seprops identificar e analisar a insero dos funcionrios de presdios(sobretudo dos Agentes Penitencirios) no sistema social carcerrio,bem como os efeitos dessa insero, compreendendo a instituiocarcerria enquanto um ambiente social peculiar e especfico.

    Nesse sentido a pesquisa, em sua fundamentao terica, comotambm j mencionado, inicialmente partiu da identificao, j com-provada por trabalhos cientficos, do processo de prisionalizao doambiente carcerrio sobre os membros de seu grupo recluso presosprovisrios e presos condenados compreendido este processo en-quanto uma especial socializao atravs da assimilao de hbitos,padres de comportamento e valores sociais especficos do ambientecarcerrio, eis que produzidos no sistema social que gerado a partirdas caractersticas organizacionais da instituio.

    A partir de tal compreenso a pesquisa priorizou oquestionamento acerca da existncia de um similar processo especialde socializao produzindo efeitos, desta vez, sobre os membros dacategoria profissional que atua mais diretamente vinculada ao ambi-

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    ente e ao sistema social carcerrio, ou seja: os Agentes Penitencirios.Em sntese, pois, e tambm se trabalhando com uma perspec-

    tiva do conhecimento emprico da realidade penitenciria, no quetange s dinmicas e processos de interao social, assim se constituiuo problema proposto:

    Os Agentes Penitencirios, enquanto membros da instituiocarcerria que se vinculam e atuam diretamente no ambiente prisional,em face das caractersticas organizacionais da instituio penitenci-ria, restam por assimilar e incorporar hbitos, padres de comporta-mento e valores sociais especficos e peculiares que se desenvolvemno interior da organizao, experienciando um processo similar ao daprisionalizao dos reclusos?

    Frente a tal problema as hipteses lanadas corresponderam,no momento do projeto, afirmao e negao do contedo doquestionamento.

    A fundamentao terica da pesquisa, que em sntese apresen-taremos a seguir, adotou os seguintes postulados:

    a) a importncia das organizaes na sociedade moderna,enquanto tipos de unidades sociais, e a perspectiva de compreensodessas em suas estruturas, caractersticas e dinmicas tpicas;

    b) o reconhecimento do ambiente penitencirio enquanto umainstituio total e estruturado no modelo tpico de organizao (por-tanto racional e burocrtico);

    c) que penitenciria, pelo ordenamento jurdico atual, soatribudos basicamente dois objetivos organizacionais: punir e recu-perar os membros do grupo apenado que a ela se encontra vinculado;

    d) as caractersticas totais da organizao penitenciria tendema tornar incompatveis seus objetivos organizacionais, numa perspec-tiva de que ambos sejam simultaneamente realizados;

    e) a prisionalizao (como um processo social em especial

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    decorrente das caractersticas institucionais totais da penitenciria, jverificada no que pertine ao grupo recluso, e, portanto, em perspectivatendencial aos demais grupos que se vinculam a tal ambiente).

    Assim, no que tange aos postulados apresentados, partindo-sede uma preliminar noo de organizao, que pode ser buscada emTalcott Parsons10 quando expe que As organizaes so unidadessociais (ou agrupamentos humanos) intencionalmente construdas ereconstrudas, a fim de atingir objetivos especficos, trabalhou-secom uma perspectiva de reconhecimento da importncia das organi-zaes na estrutura e dinmicas caractersticas da sociedade modernaao se assumir (postulado a), como faz Amitai Etzioni (1989), que,no obstante as organizaes no sejam uma inveno da sociedademoderna:

    Ao contrrio de sociedades anteriores, a sociedade modernaatribui um elevado valor ao racionalismo, eficincia e compe-tncia. A civilizao moderna depende, em grande parte, dasorganizaes, como as formas mais racionais e eficientes que seconhecem de agrupamento social. (ETZIONI,1989: 1)

    De imediato esse postulado j nos encaminha a um aspecto deespecial importncia, sobretudo para uma posterior adoo dos pos-tulados c e d, ou seja, a questo pertinente aos objetivosorganizacionais.

    Nesse sentido pode-se considerar que a existncia, seno aessncia, de uma organizao est intimamente vinculada ao seuobjetivo. em funo deste que a organizao se estrutura e em razodo mesmo que ela se justifica. No dizer de Etzioni os objetivosestabelecem as linhas mestras para a atividade da organizao. Emais: Os objetivos constituem, tambm, uma fonte de legitimidadeque justifica as atividades de uma organizao e, na verdade, at suaexistncia (1989: 7).

    10 PARSONS, Talcott. Structure and Process in Modern Societies. The Free Press,1960, p. 17 Citado por Amitai Etzioni, 1989:3.

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    Com efeito apresentam-se mais complexas as organizaescom mltiplos objetivos, dentre as quais a penitenciria um exem-plo, vez que, como alerta Etzioni: existem limites na capacidade deorganizao para atingir mltiplos objetivos (1989:20), face no s necessidade de perfeita compatibilidade entre esses, o que quaseimpossvel de ser verificado na prtica, como tambm devido sinerentes tenses que a busca dos mesmos podem causar. Logo: Nointerior das organizaes de finalidades mltiplas, alguns tipos deconflitos so inevitveis (ETZIONI,1989: 21).

    Portanto, em contextos organizacionais de mltiplos objetivosExiste tambm o perigo de que um objetivo possa dominar comple-tamente o outro, s vezes mais importante, de maneira que este nopossa ser eficientemente atingido (ETZIONI,1989: 21), compreen-so esta que nos possibilitou, aps a admisso dos outros postulados,assumir o postulado d.

    A admisso do postulado c, por sua vez, uma decorrnciaimediata da prpria leitura do ordenamento jurdico nacional que, semque se entre aqui em aspectos de mrito, corresponde ao pensamentovigente e dominante no que concerne a uma teoria geral das penas edas modalidades punitivas.

    Assim, somente a ttulo exemplificativo da base legal queimpe que se assuma tal postulado mencionamos (com grifos nossos)o caput do artigo 59 do Cdigo Penal brasileiro (Decreto-lei n 2.848/40, com sua Parte Geral alterada pela Lei n 7.209/84) e o artigo 1 daLei de Execuo Penal (Lei n 7.210/84):

    Art. 59. O juiz, atendendo culpabilidade, aos antecedentes, conduta social, personalidade do agente, aos motivos, s circuns-tncias e conseqncias do crime, bem como ao comportamentoda vtima, estabelecer, conforme seja necessrio e suficiente paraa reprovao e preveno do crime:

    Art. 1 A execuo penal tem por objetivo efetivar as disposiesda sentena ou deciso criminal e proporcionar condies paraa harmnica integrao social do condenado e do internado.

    No que tange possibilidade de admisso do postulado b

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    tomou-se, pois, como ponto de partida as reflexes de Erving Goffman(1990) quando delimita o que se deve entender por uma instituiototal.

    Quando resenhamos as diferentes instituies de nossa sociedadeocidental, verificamos que algumas so muito mais fechadas doque outras. Seu fechamento ou seu carter total simbolizadopela barreira relao social com o mundo externo e por proibi-es sada que muitas vezes esto includas no esquema fsico por exemplo, portas fechadas, paredes altas, arame farpado,fossos, gua, florestas ou pntanos. (GOFFMAN,1990: 16)

    J em Goffman (1990), quando insere a penitenciria (priso,conforme a terminologia que utiliza) dentro da noo das instituiestotais, podemos perceber a importncia da questo pertinente aosobjetivos daquela, enquanto uma organizao.

    Nesse sentido Goffman classifica a penitenciria nos tipos deinstituies totais que se constituem para proteger a comunidadecontra perigos intencionais, e o bem estar das pessoas assim isoladasno constitui o problema imediato (1990: 17).

    E, numa perspectiva de sntese das caractersticas das institui-es totais a partir das reflexes de Goffman, observa-se, acompa-nhando a anlise de Bitencourt (1993:152-153), que nessa:

    - todos os aspectos da vida desenvolvem-se no mesmo local esob o comando de uma nica autoridade;

    - todas as atividades dirias so realizadas na companhiaimediata de outras pessoas, a quem se dispensa o mesmo tratamentoe de quem se exige que faam junto as mesmas coisas;

    - todas as atividades dirias encontram-se estritamente progra-madas, de maneira que a realizao de uma conduz diretamente realizao de outra, impondo uma seqncia rotineira de atividadesatravs de normas formais explcitas e de um corpo de funcionrios;

    - as diversas atividades obrigatrias encontram-se integradasem um s plano racional, cujos propsitos so de conseguir osobjetivos prprios da instituio.

    Tais caractersticas gerais das instituies totais que restam,

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    pois, por gerar um ambiente social diverso daquele que verificadofora de seus limites fsicos, estruturando-as, ento, enquanto sistemaspeculiares de relaes sociais vinculadas e delimitadas por suascaractersticas gerais de fechamento e totalidade.

    E assim, de uma compreenso fundamentada nas anlisesacima expostas, e que viabilizam a admisso sobretudo do postuladob, que se pode tambm admitir o postulado e, no sentido de seaceitar que o indivduo que ingressa na penitenciria (organizao einstituio total) est a ingressar num ambiente e sistema socialdiferentes daquele existente fora dos limites da instituio, o que lheimpe, portanto, a incorporao de valores, hbitos de conduta, usos,vocabulrios, cdigos etc., que so peculiares quela estrutura social.Ao ingressar, pois, num contexto assim diverso e com tais caracters-ticas, o indivduo passa por um novo processo de interao social, ochamado processo de prisionalizao.

    Atravs da prisionalizao, cujo conceito, como j menciona-do, assemelha-se ao significado sociolgico da assimilao e tambmao de processo de socializao, o indivduo incorpora, assimila,aprende, se integra e adota, em menor ou maior grau e de forma maisou menos consciente, os valores, padres e prticas vigentes nosistema social da priso.

    Thompson (1991), ainda que sob a perspectiva dos apenadosreclusos ao ambiente penitencirio, contributivo ao arrolar o quechama de fatores universais de prisionizao, assim os expondo:aceitao de um papel inferior; acumulao de fatos concernentes organizao da priso; o desenvolvimento de novos hbitos no comer,vestir, trabalhar, dormir; adoo de linguajar local; o reconhecimentode que nada devido ao meio ambiente, quanto satisfao denecessidades; eventual desejo de arranjar uma boa ocupao (1991:24).

    A partir da adoo dos postulados expostos, com base nosfundamentos que foram de forma sucinta apresentados, que se podedimensionar alguns aspectos relevantes para a pesquisa.

    Nesse sentido inicialmente foi necessrio considerar-se que ahiptese afirmativa da perspectiva de prisionalizao dos funcionri-os de presdios no poderia ter uma base equivalente ao dos apenados

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    reclusos, ainda que admitida a similaridade do processo e de seusefeitos.

    Ocorre que para os apenados reclusos a penitenciria se cons-titui, via de regra, numa instituio total numa dimenso de absolutaabsoro e fechamento, ao passo que para os funcionrios de presdiosa absoro relativizada pela permanncia do contato com o sistemasocial extra-muros da instituio penitenciria.11

    Logo a pesquisa assumiu, desde seu incio, a possibilidade deque seus resultados indicassem uma sensvel diferena de intensidadeno que se poderia considerar como a prisionalizao dos funcionriosde presdios.

    Ainda quanto a tal aspecto entendeu-se relevante considerarum dado que se verifica, ao menos, na dinmica da rotina de trabalhodos funcionrios (aqui em espcie os Agentes Penitencirios) doSistema Penitencirio do Estado do Rio Grande do Sul, ou seja, osistema de plantes. Nesse os Agentes Penitencirios trabalham 24horas contnuas no estabelecimento penitencirio, folgando as 72horas seguintes (1 dia de trabalho intenso e 3 dias de descanso).

    Esse dado, que mais adiante analisaremos a partir da discussodos dados da pesquisa, foi considerado importante pois poderia serindicativo de uma intensa absoro por parte da instituio peniten-ciria, durante o perodo do planto, mesmo que seguido de umtambm lapso temporal dilatado de no fechamento no ambientesocial intra-muros.

    Igualmente compreenso da permanncia do contato dofuncionrio de presdio com o mundo exterior instituio, que deimediato imps um necessrio dimensionamento da intensidade da-quilo que se poderia considerar como um efeito de prisionalizao,

    11 Voltaremos a este tpico adiante, quando da discusso dos dados coletados napesquisa em referncia hiptese. Por outro lado, j aqui, mesmo no que pertineao grupo apenado algumas relativizaes podem ser feitas em face da existncia,em nosso sistema jurdico de execuo da pena privativa de liberdade, de trsregimes prisionais diversos fechado, semi-aberto e aberto que podem seratribudos ao condenado desde o incio da execuo de sua pena, atravs decritrios legais para tal, ou serem obtidos atravs da lgica progressiva deexecuo da pena, tambm pela verificao de critrios legais.

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    tambm se considerou que o papel desempenhado pelo grupopesquisado possui sua origem, especialmente em termos de definio,delimitao formal de contedos e expectativas, na sociedade exterior instituio embora seja desempenhado no interior do ambientepenitencirio, o que, em hiptese aceita como tambm um postuladoda pesquisa, projeta sobre o mesmo uma situao de paradoxo, vezque frente s dinmicas e grupos internos ou diretamente vinculados instituio outras definies, outros contedos e outras expectati-vas, em termos de papel social, poderiam ser imputadas ao status defuncionrio de presdios (sobretudo aos Agentes Penitencirios).

    Com efeito a situao acima exposta, indicativa do que se podeconsiderar uma expectativa de conflito de papel social, deveria serconsiderada tanto na formulao do instrumento da pesquisa como naanlise dos dados coletados.

    Dentro desses critrios, e levando-se em considerao osaspectos aqui expostos, a preparao do instrumento da pesquisa(formulrio do anexo I) buscou priorizar dados que viabilizassemenquadrar os padres de comportamento social dos funcionrios doPresdio Regional de Pelotas, em termos objetivos, dentro daquelesreferidos e sintetizados por Thompsom (1991) como fatores univer-sais de prisionizao (conforme acima referido).

    Uma explicao mais detalhada do que se buscou a partir doinstrumento da pesquisa ser ofertada no item a seguir, que enfoca osaspectos metodolgicos da pesquisa.

    1.2 Aspectos metodolgicos da pesquisa

    1.2.1 Aspectos metodolgicos gerais

    Quanto aos aspectos metodolgicos gerais tratou-se de umapesquisa emprica a partir do mtodo indutivo, utilizando-se umformulrio que priorizou perguntas fechadas e escaladas.

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    O formulrio foi aplicado diretamente pelos pesquisadores daequipe do GITEP em entrevistas individuais com os funcionrios doPresdio Regional de Pelotas, cujo perodo de aplicao foi previa-mente ajustado com a administrao penitenciria a fim de viabilizaruma melhor operacionalizao da coleta de dados em relao escalade plantes por parte dos Agentes Penitencirios (vez que, como jmencionado, estes trabalham em plantes de 24 horas, folgando as 72horas seguintes).

    No obstante isso, h que se consignar que houve uma dilaono perodo de aplicao dos formulrios em face de um sistema deplantes que no perodo havia sido oportunizada pela Susepe (Supe-rintendncia de Servios Penitencirios), rgo estadual que respon-svel pelos estabelecimentos carcerrios gachos, atravs do qualmuitos Agentes Penitencirios passaram a atuar em plantes de 15dias seguidos em estabelecimentos penitencirios localizados fora domunicpio de Pelotas (saliente-se que essa escala de trabalho viabilizavapara os Agentes Penitencirios remunerao extra, o que implicounuma significativa adeso por parte dos mesmos). Tal dilao doprazo, entretanto, no foi considerada como um fator prejudicial aosresultados pela equipe de pesquisadores.

    1.2.2 O universo da pesquisa

    Como j referido, o universo pesquisado se projetou na totali-dade dos funcionrios lotados no Presdio Regional de Pelotas ematividade no 2 semestre do ano de 2000 (perodo no qual foramaplicados os formulrios).

    Convm se consignar que o Presdio Regional de Pelotas cujaatual denominao oficial completa Presdio Regional de PelotasHamilton Cunha Gonalves um estabelecimento penitencirioque teve sua fundao em 1958, tendo permanecido com status dePresdio Municipal at 1994 quando, atravs do Decreto n 35.695 de07 de dezembro de 1994, adquiriu o status de Presdio Regional na

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    estrutura penitenciria Gacha.Em 07 de outubro de 1997 foi concluda sua ltima reforma e

    ampliao, passando ento o estabelecimento a comportar oficial-mente 215 vagas, aumentando pois sua capacidade anterior que era de104 vagas. No obstante isso o excesso de reclusos constante,permanecendo sua ocupao, atualmente, sempre em torno de 350apenados que cumprem pena nos regimes fechado, semi-aberto eaberto. Destaca-se, ainda, que o estabelecimento admite apenadas(sexo feminino), sem contudo essts representarem mais do que 5% desua populao reclusa.

    J no que pertine aos funcionrios do Presdio Regional dePelotas, no perodo em que foram aplicados os formulrios estavamlotados no estabelecimento 31 Agentes Penitencirios e 2 Auxiliaresde Servios Penitencirios (estes atuando em atividades da Secreta-ria), totalizando um universo a ser pesquisado de 33 funcionrios.

    Neste ponto algumas consideraes devem ser feitas:Ainda que o projeto da pesquisa se referisse com exclusividade

    categoria profissional dos Agentes Penitencirios, o que portantoexcluiria de seu universo os Auxiliares de Servios Penitencirios, aequipe do GITEP entendeu que a incluso dessa outra categoria nacoleta de dados seria contributiva e em nada prejudicial, pois emcondies similares a dos Agentes se encontram inseridos na estruturae dinmicas do ambiente organizacional penitencirio, sendo quequantitativamente no descaracterizariam o pblico alvo da pesquisa.

    No obstante a Tabela 1 (adiante), correspondente distribui-o dos pesquisados quanto ao Cargo/funo, apresente dado referen-te ao cargo de vice-diretor, consigna-se que este exercido por umAgente Penitencirio, da mesma forma que assim ocorre com oDiretor do estabelecimento, que tambm se incluiu no universo dapesquisa.

    Do total de 33 funcionrios que constituam o universo inicialda pesquisa, 1 manifestou a inteno de no responder ao formulrio,o que foi aceito pela equipe do GITEP. Outros 2 deixaram de serentrevistados por motivos funcionais que inviabilizaram a aplicaodo formulrio no respectivo perodo do novo cronograma (que j se

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    havia dilatado). Portanto, o universo foi reduzido para 30 funcionri-os, sendo sobre esse total calculados os percentuais dos dados quesero apresentados como resultados da pesquisa.

    Nesse sentido tambm entendeu a equipe do GITEP que tal fatono se constituiu um elemento prejudicial da credibilidade dosresultados da pesquisa vez que sua prpria delimitao ao PresdioRegional de Pelotas no permitiria que seus resultados fossem toma-dos como de validade geral para todo o sistema penitencirio regional,estadual ou mesmo nacional, mas sim como indicadores probabilsticosda direcionalidade e contedo dos processos de socializao intra-organizacional a que so expostos e submetidos os funcionrios depresdios.

    Assim, pois, constitui-se o universo da pesquisa por 30 funci-onrios lotados no Presdio Regional de Pelotas, em atividade no 2semestre do ano de 2000.

    1.2.3 Do formulrio da pesquisa

    Como anteriormente mencionado o formulrio da pesquisa(anexo I) foi estruturado atravs de perguntas fechadas e perguntasescaladas (nestas, em especial, buscando-se os dados consideradoscomo balizadores para a possibilidade de se verificar uma das hip-teses afirmao ou negao do problema proposto).

    O formulrio foi dividido em quatro blocos (unidades):O primeiro voltado coleta de dados gerais (cargo/funo,

    idade, sexo, escolaridade, estado civil, classe social, tempo de carreirano sistema prisional, etc.), visando-se, sobretudo, a obteno de dadosque permitissem eventuais cruzamentos das informaes em outraslinhas de anlise pela equipe do GITEP, como por exemplo anlisesde gnero ou que considerem faixas etrias e escolaridade. Tambmtais dados, de imediato, j se constituiriam de relevncia para avali-aes preliminares sobre o perfil dos funcionrios do Presdio Regi-onal de Pelotas quando confrontado com os contedos das pr-noes

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    e esteretipos que com freqncia so vinculados e imputados a essacategoria profissional.

    Em seu segundo bloco o formulrio priorizou dados quepudessem alimentar anlises pertinentes discusso do papel socialcorrespondente ao status de Agente Penitencirio. Assim, as questespretenderam obter informaes tanto em termos da autopercepo dospesquisados acerca dos contedos e comportamento que identificamcomo concernentes a tal papel social como tambm em termos dapercepo dos pesquisados acerca da expectativa social dirigida aostatus de funcionrio de presdios e, portanto, ao papel social que lhes imputado.

    Nesse bloco se pretendeu, a partir do enfoque do pesquisado,viabilizar-se uma anlise acerca de eventuais conflitos entre o que elepercebe como o papel social esperado (entendido como aquele defi-nido socialmente), e assim tanto o esperado pela sociedade como oesperado por ele mesmo se inclusive correspondente, e tambm oque lhe cobrado e o papel social real (aquele que desempenha-do), este tambm entendido como aquele que percebido comopossvel ou vivel de ser realizado no ambiente prisional.

    Ainda no segundo bloco foram agregadas questes acerca daexpectativa de valorizao do Agente Penitencirio por parte dediversas instncias vinculadas questo penitenciria (juizes, promo-tores, advogados, rgos de administrao, presos, sociedade emgeral, etc.), na percepo dos pesquisados.

    A expectativa a partir desse segundo bloco de questes tambmse dirigiu viabilizao de anlises que contemplassem uma hiptesede conflito entre os objetivos organizacionais mltiplos das institui-es penitencirias e a atribuio de papis sociais aos estatutosfuncionais que a todos os objetivos se devem dirigir, bem comoanlises acerca da prpria valorizao social e auto-estima que a taisestatutos se vinculam.

    O terceiro bloco do formulrio foi denominado de unidade deverificao de modificao de hbitos e comportamentos.

    Neste item, pois, buscou-se a coleta de dados que viabilizassea identificao de alteraes em padres de comportamento e hbitos

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    dos pesquisados no decorrer da experincia de trabalho enquantofuncionrios de presdios, o que ento possibilitaria uma anlise comcredibilidade para fins de concluso afirmativa ou negativa da hip-tese correspondente ao problema lanado.

    Para tal objetivo as questes, em termos dos comportamentose hbitos que enfocaram, pautaram-se naqueles citados como conte-dos dos chamados fatores universais de prisionalizao, como expos-to por Thompson (1991), e por ns j referidos, mas nesse itemdelimitados em questes objetivas acerca de aspectos como hbitosvestir, falar, etc.

    Por fim, no quarto bloco de questes priorizou-se a coleta dedados que permitissem uma anlise acerca da intensidade da absoro(inclusive em aspectos que revelassem contedo na afetao da sademental) que o ambiente penitencirio produz em relao ao AgentePenitencirio.

    Com esta estrutura, atravs do formulrio buscou-se a obtenode uma gama de dados que oportunizassem, em suficiente nvel decredibilidade cientfica, concluir-se ao final da pesquisa pela validadeda resposta afirmativa ou negativa ao problema proposto a partir deuma correlao daqueles dados com os contedos dos chamadosfatores universais de prisionalizao, que aqui novamente referimos,na forma apresentada por Thompson (1991): aceitao de um papelinferior; acumulao de fatos concernentes organizao da priso;o desenvolvimento de novos hbitos no comer, vestir, trabalhar,dormir; adoo de linguajar local; o reconhecimento de que nada devido ao meio ambiente, quanto satisfao de necessidades;eventual desejo de arranjar uma boa ocupao (1991:24)12 .

    12 Os dois ltimos fatores universais de prisionalizao (o reconhecimento de quenada devido ao meio ambiente, quanto satisfao de necessidades; e, eventualdesejo de arranjar uma boa ocupao), no foram considerados na discusso dahiptese, como se explicar adiante.

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    2 APRESENTAO DOS DADOS E DISCUSSO PRELIMI-NAR

    Neste tpico apresentaremos, atravs de Tabelas, a totalidadedos dados obtidos pela pesquisa a partir da aplicao dos formulrios.

    Procederemos tambm algumas anlises e discusses prelimi-nares dos dados apresentados, destacando aspectos relevantes dosmesmos, para, ento, no tpico seguinte ampliar a discusso dos dadosno que pertine ao principal problema da pesquisa.

    2.1 Unidade de Dados Gerais e de Identificao: Tabelas 1a 10

    Os dados obtidos a partir da primeira unidade do formulrio dapesquisa foram reunidos nas Tabelas 1 a 10, que concernem a: Cargo/funo (Tabela 1); Faixa etria (Tabela 2); Sexo (Tabela 3); Estadocivil (Tabela 4); Classe (Tabela 5); Escolaridade (Tabela 6); Hquanto tempo trabalha no Sistema Penitencirio (Tabela 7); Possuioutras atividades profissionais fora do Sistema Penitencirio (Tabela8); Reside no mesmo municpio em que se situa o estabelecimentoPenitencirio (Tabela 9); e, Grupos de convivncia (Tabela 10).

    Como mencionado, nesta unidade buscou-se, sobretudo, aobteno de dados que permitissem eventuais cruzamentos das infor-maes em outras linhas de anlise pela equipe do GITEP, como porexemplo anlises de gnero ou que considerem faixas etrias eescolaridade. Tambm tais dados, de imediato, j se constituiriam derelevncia para avaliaes preliminares sobre o perfil dos funcion-rios do Presdio Regional de Pelotas quando confrontado com oscontedos das pr-noes e esteretipos que com freqncia sovinculados e imputados a essa categoria profissional.

    Os dados sero apresentados pelas respectivas Tabelas, segui-dos de comentrios preliminares.

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    Tabela 1 Cargo/funo

    Cargo/funo Nmero de entrevistados PercentualAgente 27 90%Vice-diretor 1 3,33%Auxiliar de ServiosPenitencirios 2 6,67%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

    A Tabela 1 (Cargo/funo), como j anteriormente menciona-do, apresenta a distribuio dos pesquisados em termos da categoriaprofissional a qual se vinculam na estrutura do Presdio Regional dePelotas.

    Como tambm j referido dos 33 funcionrios lotados noestabelecimento penitencirio na poca de aplicao do instrumento3 no participaram da pesquisa, reduzindo o universo a 30 pesquisados.

    Na Tabela 1, considerando-se tambm o que j expomosquanto ao fato do Vice-diretor do estabelecimento ser Agente Peni-tencirio, e portanto sendo necessrio que esse dado seja somado aoda categoria profissional dos Agentes Penitencirios, temos que amaioria (a quase totalidade) dos funcionrios que trabalham noPresdio Regional de Pelotas so Agentes Penitencirios (93,33% dospesquisados, num total de 28 funcionrios), sendo que apenas 2, quecorrespondem a 6,67% dos pesquisados, no pertencem a essa cate-goria, sendo Auxiliares de Servios Penitencirios (lotados na Secre-taria do estabelecimento).

    Entendemos ser pertinente manifestar que caso os outros 3funcionrios tivessem participado da pesquisa os dados coletadosapresentariam, ento, um quadro ainda mais reafirmador da predomi-nncia da categoria dos Agentes Penitencirios como a mais direta-mente envolvida com o ambiente prisional, vez que estes 3 funcion-rios tambm se localizam na categoria dos Agentes Penitencirios.

    Nesse sentido a importncia dos dados apresentados na Tabela1 est justamente em indicar que a categoria profissional dos

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    Agentes Penitencirios aquela que, no Sistema Penitencirio comoum todo, est mais sujeita influncia dos efeitos do ambienteprisional.

    Tabela 2 Faixa etria:

    Faixa Etria Nmero de entrevistados PercentualAt 29 anos 2 6,67%De 30 a 39 anos 16 53,33%De 40 a 49 anos 9 30%De 50 a 56 anos 3 10%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

    No que pertine faixa etria (Tabela 2) destaque-se que amaioria dos pesquisados se localiza na faixa dos 30 a 39 anos (53,33%,num total de 16). Na faixa dos 40 aos 49 anos situam-se 30% dospesquisados, num total de 9. J na faixa dos 50 aos 56 anos (idade maiselevada dentre as respostas) encontra-se 3 pesquisados, quecorrespondem a 10% do universo. A faixa de menor expresso foi ade at 29 anos, incluindo apenas 2 pesquisados (ambos com 29 anos),perfazendo 6,67% do universo.

    No obstante a Tabela 2 apresentar os dados por faixas etrias,salientamos que o instrumento buscou a idade exata do pesquisado napoca de sua aplicao. Com efeito, nos permitimos apresentar outrosdados, a partir do agrupamento das faixas etrias sob outros critrios.

    Nesse sentido esclarecemos que na faixa etria de 40 a 49 anosnenhum dos pesquisados indicou idade superior a 44 anos. Na faixados 30 a 39 anos, 11 dos 16 pesquisados, portanto o correspondentea 36,67% do universo, tem idade at 36 anos.

    Podemos, assim, ainda considerar que 43,34% dos pesquisadosse situam na faixa dos 29 aos 36 anos, ou mesmo que 90% dosfuncionrios do Presdio Regional de Pelotas possuem idade inferiora 45 anos.

    O que tais dados nos indicam , pois, a existncia de um corpo

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    de funcionrios relativamente jovem. Tal considerao nos pareceimportante tendo em vista a perspectiva dos efeitos nocivos doprocesso especial de socializao pelo contato com o ambientesocial penitencirio que objeto dessa pesquisa, sobretudo diante dahiptese de que aqueles sero agravados com o decorrer do tempo nodesempenho da carreira dos Agentes Penitencirios.

    Como se verificar na Tabela 7 H quanto tempo trabalha noSistema Penitencirio (adiante), 93,33% dos pesquisados possuimais de 5 anos de atuao profissional no Sistema Penitencirio.Assim, em sua quase totalidade os pesquisados j esto a um signifi-cativo lapso temporal em contato com o ambiente social carcerrio (oque em hiptese favorece a constatao desse especial processo desocializao por parte do sistema social carcerrio) e, por um aindatambm longo lapso temporal podero nesse contato permanecer,haja vista a expectativa de tempo de trabalho que se pode ter emrelao aos mesmos face a faixa etria predominante.

    Tabela 3 Sexo:

    Sexo Nmero de entrevistados PercentualMasculino 24 80%Feminino 6 20%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

    Quanto Tabela 3 (Sexo) os dados coletados reafirmam o quea observao direta permite imputar, como generalizao, s catego-rias profissionais penitencirias, ou seja, que ainda se caracterizamcomo preponderantemente masculinas. Nesse sentido 80% dos entre-vistados so do sexo masculino, num total de 24 dos 30 funcionrios,enquanto 20% do universo, 6 funcionrios, so do sexo feminino.

    Este dado, sobretudo para fins de estabelecimento de um perfilgeral dos funcionrios de presdios, deve ser relativizado nas eventu-ais anlises, vez que inclusive se pode cogitar que essa presenafeminina no corpo de funcionrios do Presdio Regional de Pelotas se

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    deve, em muito, ao fato do estabelecimento tambm abrigar apenadas(mulheres), o que impe a presena de Agentes Penitencirias.

    Outro fator a ser considerado no que concerne presena defuncionrias se refere, num quadro mais amplo do sistema penitenci-rio, persistncia da prtica da revista ntima nos visitantes emmuitos estabelecimentos, o que exige funcionrias para que o proce-dimento se realize em visitantes mulheres.

    De qualquer forma, se a amplitude da presente pesquisa por sis no nos permite lanar alguma concluso sobre uma significativaalterao no perfil da categoria profissional de Agente Penitencirioquanto ao elemento sexo, o que exigiria uma reviso comparativade dados referente perodos determinados, tambm a partir dereferenciais geogrficos mais amplos regio, Estado, e no s local por outro lado o dado coletado j nos permite acenar para anecessidade de que os estudos e pesquisas acerca da questo peniten-ciria, sobretudo na especificidade dos funcionrios de presdios,devam contemplar os estudos de gnero.

    Tabela 4 Estado Civil:

    Estado Civil Nmero de entrevistados PercentualSolteiro 6 20%Casado 11 36,67%Separado / Desquitado 3 10%Divorciado 5 16,67%Em Unio Estvel 5 16,67%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

    Dos dados referentes ao Estado civil, Tabela 4, destaca-se que,numa anlise preliminar como a que nos permitem os dados, no sepode, nesse momento, imputar ao desempenho da funo de AgentePenitencirio um elemento diretamente significativo para a determi-nao do Estado Civil dos pesquisados, sobretudo no que diz respeitoao desfazimento de vnculos civis de matrimnio.

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    Nesse sentido, dos 30 pesquisados so separados judicialmente(ou desquitados) e divorciados um total de 8, perfazendo 26,67% douniverso.

    Este dado, entretanto, num estudo mais especfico sobre aquesto familiar dos funcionrios de presdios deve ser aprofundado,pois o formulrio priorizou o Estado Civil atual, no perquirindo,pois, exemplificativamente, se o pesquisado que atualmente possuirelao caracterizada legalmente como Unio Estvel separado oudivorciado de algum relacionamento anterior.

    Uma anlise mais aprofundada sobre a influncia do desempe-nho da profisso de Agente Penitencirio na esfera das relaesfamiliares dos funcionrios de presdios dever, pois, levar em consi-derao tambm outros fatores. Nesse sentido a presente pesquisatambm coletou outros dados como, por exemplo, o constante naTabela 31 que se refere ao relacionamento com companheiro(a) ouesposo(a) onde se verifica que 36% dos pesquisados responderamque passaram a ter problemas de relacionamento aps o ingresso noservio penitencirio.

    Estes dados e linhas de estudo restaram por no seremaprofundados nesta pesquisa justamente porque numa das finalidadesiniciais do GITEP estava o prprio desvelar, atravs desta, de outrasnecessidades de estudo numa perspectiva preliminar que fossemento, posteriormente, aprofundadas em seu tratamento atravs denovas pesquisas viabilizando, pois, anlises mais completas.

    Tabela 5 Classe:

    Classe Nmero de entrevistados PercentualA2 3 10%B1 9 30%B2 8 26,67%C 9 30%D 1 3,33%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

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    Os dados apresentados na Tabela 5 (Classe) nos indicam adiviso do universo pesquisado em termos de Classe Social. Nesse amaior concentrao se encontra nas classes B1 e C, representandoambas 30% do universo, num total de 9 pesquisados cada, seguidapela classe B2, na qual se incluem 8 pesquisados, perfazendo 26,67%do universo. Na classe A2 encontram-se inseridos 10% do universo,correspondendo a 3 pesquisados e, na classe D apenas 1 pesquisado(3,33% do universo).

    Tais dados devem ser relativizados para a determinao de umperfil do Agente Penitencirio (ou mesmo dos funcionrios de pres-dios), pois envolvem situaes familiares, como por exemplo eventu-al renda de cnjuge ou companheiros, que no foram objeto dapesquisa. Entretanto considerou-se pertinente a incluso deste dadono instrumento no s como indicativo para futuras pesquisas, mastambm porque uma das maiores reivindicaes da categoria profis-sional refere-se ( semelhana de outras categorias do funcionalismopblico e privado) ao nvel salarial.

    Tabela 6 Escolaridade13 :

    Escolaridade Nmero de entrevistados PercentualPrimeiro Grau Completo 2 6,67%Segundo Grau Incompleto 1 3,33%Segundo Grau Completo 14 46,67%Superior Incompleto 8 26,67%Superior Completo 5 16,67%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

    Nessa tabela, correspondente aos dados de escolaridade, veri-fica-se que dos 30 funcionrios pesquisados 27 (ou seja 90% do

    13 Mantivemos os critrios Primeiro e Segundo Graus, no obstante as atuaisdenominaes de Ensino Fundamental e Mdio, vez que aqueles so os contem-porneos poca de formao escolar dos membros do grupo pesquisado.

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    universo) possuem nvel de escolaridade de Segundo Grau Completoou mais, sendo que destes 14 (46,67% do universo) possuem oSegundo Grau Completo e outros 13 (43,34% do universo) oupossuem curso Superior Incompleto (8 26,67% do universo) oumesmo curso Superior Completo, estes num total de 5 (ou 16,67% douniverso).

    Tal dado, que por certo se deve aos critrios que vem sendoadotados pelos Governos do Estado do Rio Grande do Sul para osconcursos pblicos para o cargo de Agentes Penitencirios no quadrodo funcionalismo pblico, em que se exige o Segundo Grau Completo,deve ser considerado como relativizador da ainda vigente concepode os recursos humanos dos estabelecimentos penitencirios sodesqualificados e, portanto, que parte da chamada crise do SistemaPenitencirio a isso tambm se deve.

    Nesse sentido, se por um lado tambm h que se consignar queesse dado de escolaridade fruto de um quadro mais recente noscritrios de ingresso no cargo de Agente Penitencirio, o que poderiaento relativizar a prpria assertiva acima, por outro a permannciados demais elementos imputados como fatores demonstrativos dacrise do Sistema Penitencirio, pelo discurso que assim se posiciona,estar no decurso do tempo nos reconduzindo necessidade detrabalhar com a hiptese de que os eventuais (ou mesmo talvezpermanentes) antagonismos do ambiente penitencirio no tem suavia de soluo somente, ou ainda, preponderantemente, no exclusivoincremento da escolarizao dos Agentes Penitencirios, ainda queesse seja relevante14 .

    14 Augusto Thompson, na obra j referida (1991), assim se manifesta:Penso que o problema dos guardas reside, de modo essencial, na posiopeculiar que ocupam dentro do sistema social da priso, e que essa posio, numestabelecimento de mdia ou mxima segurana, manter-se-ia inalterada, aindaque os funcionrios ostentassem ttulos universitrios e houvessem freqentadoum curso superior especializado em crceres e presos. (1991: 39-40)

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    Tabela 7 H quanto tempo trabalha no Sistema Penitencirio:

    Tempo de trabalho Nmero de entrevistados Percentual1 ano ou menos - 0%De 1 a 2 anos - 0%De 3 a 5 anos 2 6,67%Mais de 5 anos 28 93,33%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

    Na Tabela 7, como j anteriormente referido, apresentam-se osdados referentes ao tempo de profisso dos pesquisados junto aoSistema Penitencirio. Nesse sentido 28 pesquisados, correspondendoa 93,33% do universo, trabalham no Sistema Penitencirio h mais de5 anos, sendo que apenas 2 (6,67%) trabalham h menos de 5 anos noSistema Penitencirio mas, entretanto, nele trabalham h mais de 3anos. No houveram respostas nas outras duas hipteses do instru-mento (1 ano ou menos, e de 1 a 2 anos).

    Tal configurao do quadro dificulta, por um lado, uma dasexpectativas da pesquisa, que era verificar, atravs de cruzamentos dedados, se o tempo de absoro pela ambiente social penitencirio,atravs do critrio tempo de servio, implicava num maior grausensvel dos possveis efeitos de um processo especial de socializa-o.

    No obstante isso o dado considerado relevante sobretudo naperspectiva de credibilidade de um resultado afirmativo ou negativo hiptese da prisionalizao do Agente Penitencirio, vez que nessesentido h no universo pesquisado um significativo tempo comum deexposio e absoro pelo ambiente social penitencirio, como de-monstram os dados coletados.

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    Tabela 8 Possui outras atividades profissionais fora do SistemaPenitencirio:

    Nmero de entrevistados PercentualSim 3 10%No 27 90%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

    A partir da coleta dos dados que compem a Tabela 8 buscou-se demonstrar a exclusividade do ambiente social penitencirio comoespao de atuao profissional dos pesquisados.

    H que se ressaltar que no obstante 3 dos pesquisados (10% douniverso) tenham respondido que possuem outras atividades fora doSistema Penitencirio esse dado deve ser relativizado, vez que (aindaque no oficialmente registradas no instrumento) estas atividadesextra Sistema Penitencirio se referem ao que se pode considerarmercado de trabalho informal, inclusive porque ao funcionriopblico o exerccio de outra atividade profissional com vnculoempregatcio ( exceo do magistrio) vedado.

    Com certeza o sistema de plantes (24 horas de trabalho e 72horas subseqentes de folga, como j mencionado) favorece a inclu-so de alguns dos Agentes Penitencirios em atividades que podemser caracterizadas como do mercado de trabalho informal, inclusivepara a complementao da renda familiar.

    Com efeito, ainda que se pesem as consideraes acima, esobretudo como indicativas da necessidade de que futuras pesquisasaprofundem tais questes (necessidade de complementao de rendafamiliar, atividades no mercado de trabalho informal e eventuaissobrecargas por estas motivadas, etc.), os dados coletados so signi-ficativos na comprovao do que empiricamente se verifica, ou seja:a preponderante, seno total, absoro do ambiente social penitenci-rio na vida profissional da categoria em exame.

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    Tabela 9 Reside no mesmo Municpio em que se situa o estabeleci-mento Penitencirio:

    Nmero de entrevistados PercentualSim 17 56,67%No 13 43,33%Total 30 100%Fonte: Pesquisa direta, 2000

    Atravs da Tabela 9 verifica-se que 43,33% dos pesquisados,num total de 13, residem em municpios diversos do de Pelotas, noqual se situa o estabelecimento Penitencirio em que trabalham,enquanto os demais 56,67% (17 pesquisados), residem nesse mesmomunicpio.

    A coleta de tal dado foi considerada de relevncia porqueempiricamente se verificava tal situao, ou seja: que muitos AgentesPenitencirios deslocavam-se de outros municpios (desde os vizi-nhos a Pelotas, e portanto com distncias prximas a 50 quilmetros,como outros no to prximos, localizados h mais de 150 quilme-tros).

    Nesse sentido, mesmo que o j noticiado sistema de plantesfavorea ao deslocamento do municpio de residncia para o munic-pio de atuao profissional (e vice versa) sem que a rotina objetiva detrabalho seja afetada, a verificao concreta de tal dado era derelevncia como indicativa da hiptese de que tais deslocamentos, eum sistema que assim os permite, podem se constituir enquanto maisuma fonte de desgaste do profissional. E assim tambm porqueinclusive provoca gasto de tempo de folga em viagens.

    Por certo que pesquisas mais aprofundadas podero melhortrabalhar este dado, vez que, como se verifica na observao empricae tambm se pode constatar no momento de aplicao da pesquisa,muitos dos pesquisados que assim procedem entendem vantajosomorar num municpio e trabalhar noutro. Tal possibilita evitar-se umamudana de residncia da famlia; residir em cidades com custo devida menor; viabilizar um efetivo desligamento com o ambiente detrabalho; entre outras situaes.

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    No obstante isso, tambm se deve considerar que esta situaopode propiciar um enfraquecimento nos laos sociais e comunitriosdos Agentes Penitencirios que se deslocam de um municpio para ooutro em sua rotina profissional. Tanto nos laos no municpio deorigem como nos do municpio de trabalho.

    Tais consideraes, pois, devem ser entendidas como de neces-srio aprofundamento no trato da questo dos funcionrios de pres-dios, vez que os dados coletados nesta pesquisa j so, mesmo que deforma preliminar, indicativos dessa necessidade.

    Como seqncia desse indicativo os dados a seguir Tabela 10 podem ser contributivos ao demonstrarem os grupos prioritrios deconvivncia dos pesquisados quando fora do ambiente de atuaoprofissional.

    Tabela 10 Grupos de convivncia*

    Nmero de entrevistados Percentual*Familiar 29 96,67%Religioso (Igreja) 12 40%Educacional (Escola, Universidade) 9 30%Grupo para prtica esportiva 11 36,67%Associaes de bairro ou comunidade 5 16,67%Clube social 14 46,67%Nenhum 1 3,33%Outros 1 3,33%Total de respostas 72

    Fonte: Pesquisa direta, 2000(*) Questo de mltipla escolha

    A Tabela 10 expe dados relativos a quais outros grupos deconvivncia os pesquisados se vinculam quando no se encontram noambiente de trabalho (ambiente penitencirio). Nesse sentido, tendosido a questo de mltipla escolha, de imediato destaca-se que apenas1 dos pesquisados (que corresponde a 3,33% do universo) declarouno possuir nenhum outro grupo de convivncia.

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    Quanto aos dados destacamos ainda que o grupo familiar referido, a exceo do pesquisado acima mencionado, por todos osdemais 29, correspondendo, portanto, a 96,67% do universo.

    No que se refere aos demais grupos 46,67% do pesquisados,num total de 14, responderam possuir relaes de convvio em clubessociais; 40% (12 pesquisados) em grupos vinculados a prticasreligiosas; 36,67% (11 pesquisados) em grupos para prticas esporti-vas; 30% (9 pesquisados) em grupos vinculados questo educacio-nal (escolas, universidades, etc.); 16,67% (5 pesquisados) em gruposde associaes de bairro ou comunitrias. Apenas 1 pesquisado,correspondendo a 3,33% do universo, mencionou convvio em outrotipo de grupo que no os j expostos nas alternativas anteriores.

    Do quadro apresentado, e se levando em considerao que aquesto admitia mltipla escolha, bem como que 29 dos pesquisados,num total de 72 respostas, referiram-se ao grupo familiar como grupode convvio, sendo que 1 dos pesquisados optou pela resposta ne-nhum, pode-se interpretar que as demais 42 respostas (referentes soutras hipteses) dividiram-se nas opes desses 29 pesquisados.

    Com efeito, ainda que se deva relativizar o que vamos agoraexpor, o que se pode verificar que, em mdia os pesquisadospossuem apenas um outro grupo de convvio, que no o de trabalho,alm do grupo familiar.

    Considerando-se, ainda, que os grupos para prtica de ativida-des religiosas (aos quais se vinculam 40% dos pesquisados, num totalde 12) e os educacionais (escolas, universidades, etc. aos quais sevinculam 30% dos pesquisados, num total de 9) so buscados muitasvezes por priorizao de critrios outros que no o da intencionalidadedo contato social, tem-se como um importante indicativo a anlise deque os espaos de convivncia social dos Agentes Penitenciriosesto preponderantemente restritos ao ambiente de trabalho e aoambiente familiar, com uma baixa procura, ou mesmo abertura, paraoutros espaos de convvio social.

    Estes dados, que merecem tambm novos aprofundamentos,agregam-se e somam-se aos demais expostos nessa pesquisa como designificativa importncia tanto para a credibilidade de seus resulta-

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    dos, como para o reforo necessidade de que a questo dos funcio-nrios de presdios passe a ocupar uma posio de maior ateno naspautas das cincias penitencirias e afins.

    2.2 Unidade de verificao do papel social do AgentePenitencirio: Tabelas 11 a 23

    Nesta unidade, como j mencionado, o instrumento priorizoudados que pudessem alimentar anlises pertinentes discusso dopapel social correspondente ao status de Agente Penitencirio,viabilizando a percepo de eventuais conflitos entre o que elepercebe como o papel social esperado e o seu papel social real(desempenhado). Tambm nessa unidade foram agregadas questesacerca da expectativa de valorizao do Agente Penitencirio porparte de diversas instncias vinculadas questo penitenciria (jui-zes, promotores, advogados, rgos de administrao, presos, socie-dade em geral, etc.), priorizando-se a percepo do pesquisado,visando-se, assim, anlises acerca da prpria valorizao social eautoestima de tal categoria profissional.

    Os dados coletados sero apresentados em blocos de Tabelas,acompanhadas das anlises preliminares procedidas pelo grupo depesquisadores.

    2.2.1 Tabelas 11 e 12

    Os dados constantes nas Tabelas 11 e 12 so consideradoscomo de grande relevncia na presente pesquisa, vez que possibilitama anlise da percepo dos Agentes Penitencirios acerca daquilo queele atribui, dentro das oficiais funes da pena que esto legalmenteconsignadas em nosso ordenamento jurdico, como o principal obje-tivo da pena de priso na execuo da qual ele se insere em

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    confronto com o que ele (Agente) percebe como o principal interesseda sociedade em relao pena privativa de liberdade.

    Tabela 11 Na sua opinio o que a sociedade espera da pena dePriso:

    Objetivo Nmero de entrevistados PercentualCastigo 19 63,34%Preveno dos delitos 10 33,33%Recuperao 0 0%Resposta anulada 15 1 3,33%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

    Tabela 12 Na sua viso, qual o principal objetivo da pena de Priso:

    Objetivo Nmero de entrevistados PercentualCastigo 7 23,33%Preveno dos delitos 9 30%Recuperao 14 46,67%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

    O conflito entre o que o Agente entende como a expectativaprioritria da sociedade em relao pena de priso e o que ele,pessoalmente, inclusive como funcionrio especializado que se inserena execuo dessa pena, atribui com objetivo principal da modalidadepunitiva de privao da liberdade exurge com clareza na anlisecomparativa dos dados constantes nas Tabelas 11 e 12.

    Com efeito, na Tabela 11, no obstante uma resposta ter sido

    15 Neste dado houve a anulao de um dos questionrios, vez que o pesquisadoapontou as trs alternativas, no obstante a orientao fosse por uma nicaalternativa na perspectiva de identificao do que, com prioridade, era esperadoda pena de priso por parte da sociedade na compreenso dos pesquisados.

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    considerada nula no processo de tabulao dos dados, verifica-se queos pesquisado consideram que a sociedade espera com prioridade arealizao do funo retributiva da pena, o castigo do apenado(63,34% das respostas), enquanto 33,33% dos pesquisados entendemque a expectativa social se destina com prioridade funo depreveno dos delitos atravs da pena. Nesse sentido 96,67% dospesquisados, em sua percepo, no consideram que a sociedadepriorize como funo da pena de priso a ressocializao doapenado (o que ento se constituiria um efeito secundrio da punioprisional).

    J na Tabela 12, quando a questo diz respeito opinio pessoaldo pesquisado, os dados so diferentes. O menor percentual regis-trado justamente na opo castigo (23,33%), enquanto o maior registrado na opo ressocializao (46,67%). Existe, pois, umasignificativa inverso na ordem de prioridades.

    Atravs de tais dados pode-se inicialmente suscitar algumasreflexes, hipteses e anlises que, entretanto, podero sercomplementadas com os dados constantes nas tabelas seguintes. Noobstante isso algumas questes j lanamos de imediato.

    Ser a expectativa da sociedade na pena de priso, tal qualapresentada na Tabela 11 e portanto assim percebida pelos pesquisados,o elemento determinante de suas prticas no ambiente penitencirio?E assim num sentido de atender prioritariamente a expectativa socialdo que a sua prpria? Ou poder ser tal imputao de expectativasocial um mecanismo de defesa dos Agentes para justificarem anatureza prioritria de suas prticas?

    Independente das respostas que podem ser propostas a taisquestionamentos o que de imediato se vislumbra , sem dvida, oconflito em que se insere o Agente Penitencirio em termos de suaexpectativa quanto s finalidades da priso e aquela expectativa queele consciente ou inconscientemente percebe como de origem nasociedade.

    Tal conflito se converte, tambm indubitavelmente, em ele-mento de presso sobre as prticas concretas do Agente no ambientepenitencirio, sobretudo quando reconhecemos que os objetivos

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    organizacionais das instituies penitencirias so mltiplos e con-templam tanto a punio como a ressocializao do apenado, noolvidando tambm os efeitos de preveno que se podem, em hipte-se, extrair da penalidade.

    2.2.2 Tabelas 13 e 14

    Os dados constantes nas Tabelas 13 e 14 nos permitem umaanlise mais direta acerca da compreenso do contedo do papelsocial do Agente Penitencirio na percepo dos prprios, enquantopesquisados, assim como a avaliao destes na perspectiva de suacontribuio, pessoal e profissional, para o atingimento dos objetivosorganizacionais imputados instituio penitenciria enquanto ele-mento do Sistema Penitencirio.

    Tabela 13 Como Agente Penitencirio suas atividades se dirigemprioritariamente :

    Nmero de entrevistados PercentualManter a disciplina e segurana 17 56,67%Contribuir para o tratamento erecuperao do preso 13 43,33%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

    Tabela 14 Na sua viso, quanto estas atividades contribuem paraque o Sistema Penitencirio atinja seu principal objetivo:

    Grau de contribuio Nmero de entrevistados PercentualContribuem muito 9 30%Contribuem pouco 14 46,67%Contribuem muito pouco 7 23,33%Total 30 100%Fonte: Pesquisa direta, 2000

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    Atravs da Tabela 13 se verifica que na percepo dos AgentesPenitencirios seu papel se direciona com prioridade s atividadesvoltadas garantia da disciplina e da segurana (56,67% das respos-tas), o que se pode considerar que vincula o papel social do Agentecom preponderncia aos aspectos de conteno e ordem no ambientepenitencirio, que podem ser entendidos como mais atinentes aos finsretributivos e preventivos da punio, ainda que se deva tambmconsiderar que disciplina e segurana podem, segundo enfoquesespecficos, adquirir uma conotao de finalidade (re)educativa.Entretanto, neste ltimo aspecto que se concentra a opo de 43,33%dos pesquisados.

    Tal percepo do contedo do papel social do Agente Peniten-cirio, quando contrastada com a opo e compreenso pessoal dospesquisados acerca da funo prioritria da pena de priso (Tabela12), a qual preponderantemente exposta como no retributiva,contribui para que se analisem os dados constantes da Tabela 14.Nestes o que se percebe que 70% dos pesquisados no consideramsuas atividades como de maior relevncia contributiva para que oSistema Penitencirio realize seu objetivo prioritrio, dividindo-seassim esse percentual: 46,67% entendem que as atividades do AgentePenitencirio contribuem pouco e 23,33% entendem que contribuemmuito pouco.

    Pode-se, pois, j a partir destes dados cogitar-se da demonstra-o de uma afetao, em sentido negativo, na autoestima profissionaldos Agentes Penitencirios enquanto inseridos na estrutura e dinmi-cas da organizao penitenciria, vez que relativa seria sua contribui-o aos objetivos maiores da organizao.

    Nesse sentido no raras vezes os Agentes Penitencirios socomparados a meros ces de guarda, como se com tal grosseirametfora lhes fosse imputado to somente a tarefa de conteno fsicae disciplinar dos apenados. Em termos mais recentes o prpriodiscurso privatizante e tecnolgico do Sistema Penitencirio alegaque os novos dispositivos de segurana e controle podem reduzir,seno eliminar, a necessidade dos Agentes Penitencirios.

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    2.2.3 Tabelas 15 a 23

    As Tabelas 15 a 23 trazem os dados pertinentes ao grau devalorizao que o Agente Penitencirio recebe de diversos grupos queesto de forma mais direta ou indiretamente vinculados s funes queele desempenha: Sociedade (Tabela 15), Juizes (Tabela 16), Promo-tores de Justia (Tabela 17), Advogados (Tabela 18), Presos (Tabela19), Administrao Penitenciria (Tabela 20), Susepe: Superinten-dncia dos Servios Penitencirios - rgo do Estado do Rio Grandedo Sul ao qual esto diretamente vinculados os Agentes Penitenciri-os (Tabela 21), Equipes Tcnicas: CTC Comisso Tcnica deClassificao e EOC Equipe de Observao Criminolgica enquanto equipes que atuam no sistema de execuo penal (Tabela22), e dos prprios Agentes Penitencirios (Tabela 23).

    Quanto a tais dados o que se buscou foi a percepo dospesquisados quanto ao grau de valorizao que recebem dos integran-tes dos grupos mencionados.

    Tabela 15 Grau de valorizao que recebe o Agente Penitencirio:da Sociedade

    Grau de valorizao Nmero de entrevistados PercentualValoriza muito - 0%Valoriza 8 26,67%No valoriza, nem desvaloriza 13 43,33%Desvaloriza 8 26,67%Desvaloriza muito 1 3,33%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

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    Tabela 16 Grau de valorizao que recebe o Agente Penitencirio:dos Juizes

    Grau de valorizao Nmero de entrevistados PercentualValoriza muito 3 10%Valoriza 8 26,67%No valoriza, nem desvaloriza 15 50%Desvaloriza 4 13,33%Desvaloriza muito - 0%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

    Tabela 17 Grau de valorizao que recebe o Agente Penitencirio:dos Promotores de Justia

    Grau de valorizao Nmero de entrevistados PercentualValoriza muito 3 10%Valoriza 12 40%No valoriza, nem desvaloriza 14 46,67%Desvaloriza 1 3,33%Desvaloriza muito - 0%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

    Tabela 18 Grau de valorizao que recebe o Agente Penitencirio:dos Advogados

    Grau de valorizao Nmero de entrevistado PercentualValoriza muito 2 6,67%Valoriza 13 43,33%No valoriza, nem desvaloriza 9 30%Desvaloriza 6 20%Desvaloriza muito - 0%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

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    Tabela 19 Grau de valorizao que recebe o Agente Penitencirio:do Preso

    Grau de valorizao Nmero de entrevistados PercentualValoriza muito 1 3,33%Valoriza 11 36,67%No valoriza, nem desvaloriza 6 20%Desvaloriza 8 26,67%Desvaloriza muito 4 13,33%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

    Tabela 20 Grau de valorizao que recebe o Agente Penitencirio:da Administrao Penitenciria

    Grau de valorizao Nmero de entrevistados PercentualValoriza muito 5 16,67%Valoriza 11 36,67%No valoriza, nem desvaloriza 8 26,67%Desvaloriza 5 16,67%Desvaloriza muito 1 3,33%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

    Tabela 21 Grau de valorizao que recebe o Agente Penitencirio:da Susepe

    Grau de valorizao Nmero de entrevistados PercentualValoriza muito 1 3,33%Valoriza 4 13,33%No valoriza, nem desvaloriza 9 30%Desvaloriza 11 36,67%Desvaloriza muito 5 16,67%Total 30 100%

    Fonte: Pesquisa direta, 2000

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