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Manuscritos Digitalizados WWW.MANUSCRITOSDIGITALIZADOS.COM RAIANNE SENNA

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Esse livro virtual faz parte do blog www.manuscritosdigitalizados.comInformação:Neste livro virtual contém os 12 melhores contos do primeiro ano do blog.DesaparecidaMeninaRosa VivaA cama virou sofáSe eu soubesse voarVocê tem uma nova mensagemDorme minha pequena, não vale a pena despertarCarta da princesaNostalgiaPoker, amigas e bebidasFrioMesesSer maiorSexta-feiraAutora: Raianne Sennawww.manuscritosdigitalizados.com2010

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ManuscritosDigitalizados

www.manuscritosdigitalizados.comraianne senna

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2Raianne Senna

S úmario

T extos:Desaparecida......................03

Menina............................05

Rosa viva.........................11

A cama virou sofá.................14

Se eu soubesse voar...............16

Você tem uma nova mensagem........18

Dorme minha pequena, não vale a pena despertar.........................20

Carta da princesa.................23

Nostalgia.........................27

Poker, amigas e bebida............29

Frio..............................32

Meses.............................36

Ser maior.........................38

Sexta-feira.......................42

S obre a autora:...................46

C ontato:.........................47

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3Manuscritos Digitalizados

D esaparecida

D esaparecida a cinco anos, constatou a polícia local. Disse pra mim o xerife de plantão: “Na época foi tudo devidamente denun-ciado, protestado e investigado e nada. Nin-guém sabe onde essa menina se meteu, o povo da cidade tratou mesmo foi de convencer a família que era fuga, infelicidade. Já sabe né, ci-dade pequena, mundo grande; cabeça cheinha de sonhos, as histórias, os contos que se contam na escola. Sugeri que demitissem a professora de literatura, essa moça que veio da cidade grande, moça descasada, chega aqui e causa barulho nas pequenas cabeças das crianças. Mas nunca ninguém me deu ouvidos, acho que ela causou barulho na cabeça de todo mundo. Mas eu fui forte, sabe moça. E sobre essa menininha – não era disso que a gente tava falando? – pois então, sumiu e não deu mais sinal. Te dou uma foto que eu tenho aqui, olha, se você souber de alguma coisa você volta ta!?” O senhor xerife até que foi simpático, me mostrou as ruazinhas apertadas da cidade onde ela costumava brincar, a escola aonde ela ia todos os dias com a sua bicicleta rosa e me

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4Raianne Senna

apresentou a professora. Ela não quis deixar seu depoimento, só falou que naquele dia, a poesia escolhida foi uma de amor, esses poemas normais de primeiro ano. Uns vizinhos falavam que ela fugiu pra encontrar alguém, outros falavam que ela fugiu pra procurar alguém. Mas ninguém na verdade sabia, nem mesmo a família, que chorava um pranto já seco, sabia. Eu vim aqui de enxerida, metida. Vim escondida, nessa manhã de segunda, tentar descobrir o paradeiro daquela pequena meni-na que um dia bateu minha porta e me disse “bom dia, eu vim pra fi car”. Não era nenhuma desconhecida pedindo comida, naquele dia era a sorte batendo a minha porta, o vento soprando trazendo o meu amor. Ainda era menina quando chegou, na minha vida já era história antiga, de acampamento de verão. Hoje é mulher que se deita ao meu lado e me pergunta se fez bem em deixar tudo pra trás. Eu vim aqui mesmo pra saber se um dia ela vai poder voltar, se um dia eu vou poder voltar pra visitar, se um dia a gente vai poder entrar por essas ruas juntas. Não encontrei nenhuma resposta, nada além do que eu já sabia, mas pelo menos vi os rostos, as ruas.

Voltei pra casa, sentei na beira da praia, liguei pra ela ir me encontrar ali. Quando ela chegou falei do xerife, da profes-sora, da mãe. Perguntei: “Você não sente sau-dade?” e ela respondeu com um sorriso no rosto de quem sabia muito bem o que ia falar: “Claro que sinto meu amor, sinto todos os dias, mas um dia a gente troca os colos em que deitar, não esqueci aquele lugar, mas agora eu tenho você pra cuidar e quando o mundo estiver preparado eu volto, mas com você comigo, ao meu lado.” Foi a primeira vez que a gente conversou sobre isso, também a última. O que eu tive vontade de dizer em minha instância por lá foi que quando ela desapa-receu pra eles, ela apareceu pra mim. Fui para, de alguma forma, me desculpar por ser feliz assim.

D esaparecida

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5Manuscritos Digitalizados

M enina

C apítulo 1

T Todos os dias tomando o mesmo caminho tantas vezes seguido, pelas mesmas ruas de pedras antigas, sempre cumprimentando a mes-ma menina. Em dias de chuva se debruçava na janela, em dias de sol se sentava no muro da entrada e me esperava. E eu passava todos os dias por esse mesmo caminho por causa daquela menina. Meu caminho não tinha nenhum fi nal, nenhum destino pré-determinado cautelosamente no aconchego de casa, meu caminho era defi -nido somente pelo seu meio caminho, não era necessário o tocar de um despertador pra todos os dias, na hora do sol nascente, eu saltar da cama e ir ao encontro daquela menina. Todos os dias acumulando coragem pelo caminho para falar alguma coisa, talvez um poema decorado, uma canção meio cantada, uma simples palavra. Todos os dias a imagem daque-la menina me tremia as pernas e me tirava as palavras, me faltava o ar, e tudo depois daque-la imagem era produto do subconsciente descon-hecido que as vezes me levava de volta pra casa mesmo sem saber muito bem o caminho, outras me deixava vagando por essa cidade até que eu

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6Raianne Senna

pudesse recuperar o sentido de realidade. Minha dúvida maior era se ela estava ali, naquela janela, somente de passagem ou estava realmente a me esperar, a minha certeza maior era olhar aquele olhar que ria pra mim a cada passo meu que se aproxima e a cada passo meu que abandona seu jardim. Não sabia seu nome, sua idade, e nun-ca tentei arriscar porque sei que quando a oportunidade e o acaso permitirem ela vai me dizer, vai revelar seu particular, vai expor seus sentimentos e perguntar sobre os meus. Espero ter capacidade de me manter sóbria e não desabar ante seu pequeno corpo seguro e seu olhar confi ante. Meu psiquiatra dizia que os sintomas eram claros e que a doença não tem cura, era amor com um toque de paixão crônica, e o remé-dio receitado era mesmo pra atacar a única coisa que se podia remediar, a dependência e o medo de arriscar, que me entupia o sistema respiratório e o nervoso nas noites em que, afortunadamente, conseguia dormir e por in-sistência, ela continuava ali, em toda imagem imaginaria dentro de mim, em momentos de dis-tração e de sonho.

Mas eu tinha me decidido que vive-ria com ela, então me tranquei em casa e não saí em minha caminhada diária, não fui mais no consultório branco e o remédio joguei no lixo naquela mesma manhã, viveríamos eu e ela naquela casa vazia, dentro do meu pensamento. Já faz uma semana que estou em esta condição de abstinência, achando que estava totalmente esquecida até escutar a campainha, era minha mãe, não queria falar com ninguém, mas ela insistiu. A notícia da vez, depois, claro, do interrogatório habitual, era que eu tinha que voltar para o meu caminho tantas vezes seguido, por aquelas ruas de pedras des-gastadas. Perguntei o porquê, ela respondeu “toda a cidade está comentando de um deses-pero de uma tal menina que sente saudade de outra tal menina que passava a cumprimentar.“ curiosa perguntei como se sabia que era eu, e a resposta obtida foi que não se sabia mas se supõe que uma pessoa que some se encaixa per-feitamente com outra que sente saudade. Sem esperar fui caminhar cheia de coragem pra declamar e cantar o que tanto decorei, perguntar seu nome, sua idade. Fui com a esperança de um convite para entrar.

M enina

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7Manuscritos Digitalizados

M enina

C apítulo 2

Fui quase correndo, mas parei quando che-guei no começo de sua rua, parei, respirei e a partir daquele momento caminhei devagar, em direção a aquele jardim, estava nervosa e o tempo parecia estar passando demasiado de-pressa e rápido me vi na frente de sua janela. Ela não estava sentada nem debruçada como o de costume, mas estava sentada em sua cama olhando para fora como quem procura al-guma coisa, e ao me ver sorriu o sorriso mais verdadeiro que eu já tinha visto, um sorri-so que nunca pensei que pudesse existir. Se aproximou e se debruçou, em seu olhar percebi o convite pra entrar, não pela porta princi-pal mas por ali, onde estava ela e estava eu. Com passos tímidos avancei em sua direção, e ela abriu espaço para que eu pudesse pular. Me apoiando nas pedras que encontrei do lado de fora fui escalando sua parede como quem está muito perto de chegar ao pico da mais alta mon-tanha e eu sabia que a sensação de chegar ali dentro seria muito parecida a de quem chega lá em cima. Quando fi nalmente consegui alcançar o

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8Raianne Senna

outro lado e me encontrei dentro daquele quar-to, não sabia o que fazer, o que dizer, por um momento pensei em me desculpar e regres-sar, mas antes que essas palavras me saíssem pela boca ela disse com uma voz um tanto triste: “porque você não veio mais? Não quer mais me ver?”. Suas perguntas me obrigaram a responder, e eu falei sem pensar: ”é verdade não quero mais te ver, não quero mais te ver dentro do contorno dessa janela, dentro dessa moldura que não me permite nada além de ad-mirar. Não vim mais porque não tenho você ao meu lado dentro dos meus caminhos, e assim não posso caminhar.” Ao fi nalizar a última palavra mergulhei em profunda vergonha, e ainda que todo o conjunto de palavras formasse a mais pura verdade, não sabia de que parte de mim tinham vindo, e porque as tinham pronunciado daquela forma. Um silêncio quase torturante marcou o que foi o minuto posterior a minha fala. Ela tinha o olhar baixo e eu o olhar perdido. E o que parecia não ter fi m foi interrompido com barulhos de seus passos, a olhei e a vi mais perto de mim, arriscou dizer alguma coisa, mas

desistiu e me abraçou. Meus braços caídos não retribuíram o abraço e ela se afastou com o rosto corado, se sentou em sua cama e me olhou esperando (ou me cobrando) uma atitude, mas eu continuava incrédula em meu lugar. Alguma coisa dentro de mim me disse que não fi zesse desse encontro uma mera ocasião, então me sentei ao seu lado, enquanto ela acom-panhava cada movimento meu, e com uma das mãos a acariciei a cintura terminando em uma metade de abraço, com a outra a acariciei o rosto, e pelo pescoço a aproximei a mim. Ao seu ouvido me apresentei e a perguntei se ela queria estar comigo e ela sem resposta retribuiu meu abraço e afastando seu rosto do meu, me olhou, sorriu e me beijou.

M enina

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9Manuscritos Digitalizados

M enina

C apítulo 3

M e beijou devagar sem pressa de terminar, seus dedos entrelaçados em meus cabelos eram quase carinho de mãe em noite de tormenta que acaricia e protege. Pensei nas palavras de meu médico que se referia a isso como uma doença, e pensei que sorte a minha estar doente e se tiver que morrer disso, quero morrer neste leito. Seus lábios rosados se afastaram dos meus porque em sua cabeça ainda tinham muitas palavras e questões sobre mim que não podiam esperar. Me perguntou com um sorriso meio en-vergonhado se eu fazia todos os dias o mesmo caminho por ela ou por outro motivo, porque o seu encontro diário com a janela era só por mim, respondi que não teria outro motivo para andar tantos passos se não fosse pelo sorriso de uma menina. Eu que tinha milhões de pergun-tas, versos e músicas não consegui dizer nada, a olhava e esperava para escutar mais uma vez aquela voz e ao mesmo tempo desejava silêncio dentro de beijos intermináveis. Tantas pergun-tas vieram junto com sorrisos, dúvidas, beijos e abraços. A interrompi e peguei em sua mão e

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10Raianne Senna

M eninafalei “vamos a gente conversa pelo caminho.” A princípio ela não entendeu, mas quando viu em meu sorriso que o caminho seria o caminho tan-tas vezes seguido sozinho ela saltou a janela antes mesmo do que eu, abriu o pequeno portão de madeira e me deu passagem, me deu a mão bem apertado e deu o primeiro passo. O caminho que seguimos, ainda que fosse o mesmo que tantas vezes segui, não parecia tão triste como antes, na verdade acho que eu nem reparei naquelas árvores sem fl ores, naquele chão irregular, na falta de pássaros no ar, caminhei em sincronia com outros passos, entre sorrisos e abraços fomos simplesmente andando por ai. Chegando no portão do meu prédio ela parou, olhou para cima e perguntou em que andar eu morava, sem entender respondi que era no oitavo, ela voltou a me encarar e falou “que sorte a minha, o acaso que tanto me prometia um amor, te tirou de casa e me deixou na minha, porque se fosse eu andando e você na janela eu não te veria e isso com certeza não estaria acontecendo, e eu com certeza ainda estaria no meu mundo descontento esperando por alguém.”. Palavras simples que me contavam com poucos

detalhes uma imensa verdade tomei como uma primeira declaração de amor. Subimos as escadas sem nos dar conta de que estávamos subindo de escadas, a pausa para o descanso no meio de tantos degraus se transformou em pausa pra beijo, de brincadeira que quem parecia que já se conhecia faz tem-po. Antes de abrir a porta uma dúvida quase existencial me veio a cabeça (“será que ta tudo arrumado?”), coisa que logo sumiu porque o que eu queria mesmo era estar lá dentro jogada no sofá descobrindo um pouco mais sobre ela. Nosso dia foi mistura de adolescente em primeiro mês de namoro e adultos preocu-pados com o mundo, a lua que tomou lugar do sol não fez alarde, foi o relógio da cozinha que nos mostrou o quão já era tarde. Minha menina falou que tinha que ir embora e eu em desespero e com um ato totalmente premeditado a perguntei se não queria fi car essa noite e dormir comigo, palavras que saíram sem querer em resultado de pensamentos em voz alta. Pedi devidas desculpas e falei que se ela quisesse a acompanharia até sua casa, ela sorrindo fez sinal de não com a cabeça. Tirou a blusa sem apresentar pudor, me tirou de órbita a imagem

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11Manuscritos Digitalizados

M eninade seu corpo quase nu, me deu as costas e a caminho do quarto indagou sobre o que vestir para dormir, fui logo atrás dela apagando as luzes e fechando as portas e janelas. Me tranquei naquele abraço e o que vivo até agora não narro mais, a cada dia que passa as palavras se fazem mais desnecessárias.

Rosa V iva

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12Raianne Senna

U ma hora da manhã, a xícara de café vazia na beira da cama desarrumada marca o começo de uma profunda insônia na madrugada que dará origem a uma segunda-feira pior que todas as outras que já passaram. Menina moça de vinte e poucos anos, deitada em sua cama agora vazia, com seu fone que levava aos seus ouvidos, a todo volume, uma música suave e delicada, exatamente como a noite em que a escutou pela primeira vez. Em sua cabeça um fi lme em preto em branco dos mo-mentos que nunca voltarão, não importa quantas lágrimas escorram ao ritmo sensível ou quantas noites, de cama vazia, virão; aquela música nunca mais voltará a tocar como antes. Durante toda a noite se via, pelo lado de fora, a mesma cena, aquela moça sentada, meio jogada chorando ao som da mesma música sussurrada em seus ouvidos. A luz cada vez mais escassa devido a vela que já chegava ao seu fi m aos poucos foi sendo substituída pela luz do sol tímido que ia nascendo, se es-condendo atrás das nuvens cinzas. Quando o relógio apitou às 7 da manhã ela já estava

vestida com seu manto negro, se levantou com certa difi culdade de seu ninho e pegou a chave do carro que estava em algum lugar pelo chão. Dirigia devagar, como quem não pretende che-gar, seus olhos inchados e a forte chuva que começava a cair serviram de obstáculo para ela que queria seguir. Parou em frente a uma fl oricultura, atravessou a calçada sem medo de se molhar e ao entrar pediu uma rosa do amor, a rosa vermelha mais viva que se tinha. Suas lágrimas se intensifi caram com a chuva, com um esforço quase sobrenatural lutava contra a vontade de voltar, e cada segundo mais perto pior era a dor que pressionava seu peito, pior era a realidade que enfrentava. Passou por um portal de estilo gótico, avistou uma mini procissão que tinha começado sem ela, não esperava que o fi zessem já que nin-guém a conhece. Pegou a rosa e a passos apres-sados se juntou aos poucos familiares e amigos que iam atrás de uma bonita caixa de madeira que levava dentro o amor que pensou ser para a vida inteira. Aquelas pessoas a olharam e seguiram sem dizer nada com a pergunta ecoando em suas cabeças, “quem seria essa menina?”. Mas ela conhecia todos, cada um com sua indi-

Rosa V iva

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vidualidade, ela sabia que a mulher que andava a passos cambaleantes a primeira fi la era a melhor cozinheira do mundo e que o homem que sustentava aqueles passos tortos com um abraço sobre o ombro era o pai que todos deviam ter. Ela sabia por que essa moça, que já não respira seu ar, a dizia, falava alegre e sorridente de sua família enquanto deitava o corpo sobre o seu. Aos poucos se aproximavam de uma grande cavidade no meio daquela grama verde, em pou-co tempo toda aquela gente estava ao redor daquele buraco olhando-o como se fosse o fi m não só de uma vida, mas de alguns outros que, de tão fracos e desmotivados, queriam cair junto com ela ali dentro. Com os pés na lama e de olhos fechados escutou verdades e mentiras de um padre e sua bíblia. Seus vinte e poucos anos lhe deram coragem de levantar a cabeça e caminhar para o mais próximo que se podia chegar daquele lugar que agora seria o lar de sua vida, soltou a rosa mais viva e sorriu um sorriso triste para aqueles olhos fechados que apareciam pelo pequeno vidro. Virou-se para ir embora, e a metade do caminho escutou seu nome sendo chamado, era uma pronuncia cheia de

dúvidas de alguém que não tinha certeza que esse nome a correspondia. Olhou para trás e viu o pai que vinha, o esperou para saber o que queria. Queria explicar que o último suspiro de sua fi lha veio em forma de palavra meio can-tada, em forma de nome que ninguém conhecia. Chorou como quem chora uma dor por primeira vez e confessou que seu arrependimento era não a ter conhecido, não ter aceitado seu amor por uma outra menina. Voltou para casa e se deitou na mesma cama bagunçada, mas dessa vez do lado em que um dia deitou sua amada, e respirou o perfume que sobrou perguntando-se o que sobraria de si.

Rosa V iva

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14Raianne Senna

A cama virou sofáA s badaladas longas e profundas do sino

da igreja entraram pelo sono interrompendo o sonho, despertando lentamente cada parte do seu corpo cansado. A luz fraca do sol que chegava forçava as cortinas querendo entrar para fazer compania. A TV ainda estava liga-da desde a noite passada, falava em silêncio respeitando a noite e a tristeza da moça que deitou na sua frente no sofá pequeno. Era primeira vez que fazia do sofá uma cama, primeira vez que não dividia o traves-seiro, que não sentia o respirar calmo de outro ser ao seu lado num rítimo de canção de ninar. Era a primeira vez que que as vozes alteradas não se foram caladas com o beijo apaixonado e os corpos agitados adormeceram com os braços entrelaçados. Era a primeira vez, depois de conhecer quem seria sua mulher, que se sentia só. Ao levantar se deparou com a casa vazia, como nos tempos que morava sozinha, as fotos na geladeira jogadas em cima da pia a fi zeram lembrar do dia anterior, pegou cada uma delas como senhora que sente falta dos fi lhos

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15Manuscritos Digitalizados

A cama virou sofáque se foram e as colocou de volta em seus imãs. Abriu a geladeira para procurar qualquer coisa pra comer, mas não achou nada que matasse sua vontade de pedir desculpas ou pelo menos de a destrair por alguns poucos minutos antes que decidisse sair para procurar o que achava ter perdido. Não sabia muito bem por onde começar a procurar, resolveu optar pelo número tantas vezes discado e que no início foi rapidamente decorado do celular que como ela já esperava estava desligado. Resolveu ir para a casa fora de casa, o lugar onde tudo tinha começado, o primeiro beijo, o primeiro abraço, o pedido de casamento, mas ali também não estava. O único que restava era voltar para o sofá e esperar, fi car olhando para o telefone esperando tocar, esperando escutar o barulho da chave ao se vi-rar na fechadura da porta de entrada. Esperou, esperou até adormecer mais uma vez no braço do sofá. Adormeceu profundamente sem vontade de acordar, mas do mesmo jeito que seus olhos fecharam repentinamente eles abriram quando, mais uma vez, o sol bateu na porta. Acordou com a sensação de que o sofá estava um pouco menor,

com um pouco de esforço fugiu do sono que voltava a incomodar, quando a lucidez tomou seu ser sorriu um sorriso aliviado, segurou na mão que a abraçava por trás e relaxou seu corpo, sentiu a respiração tão conhecida e viu que agora podia dormir em paz, ainda que não quisesse dormir resolveu esperar o sol cansar de bater e invadir a janela para como de habitual levantar na ponta do pé e pre-parar um forte café para acordar seu amor com um doce beijo e esquecer tudo o que passou.Esse fi nal de noite dormiram mais juntas do que nunca, sabia que se voltasse a dar espaço na cama e virasse pro outro lado voltaria al-gum dia para aquele lugar, por isso apertou o abraço como quem aperta para nunca mais se soltar.

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16Raianne Senna

S e eu soubesse voarA h amor, se eu soubesse voar...

Ser aprendiz de passarinho quero ser. Quero aprender bater as asas que acredito ter. Não precisa ser alto, não precisa ser longe, quero ser capaz de voar o sufi ciente; para cru-zar esse mar, sem tocar essas águas, nadar. Chegar até você, ainda que demore anos, e fi car ao seu lado nem que seja por alguns segundos. Vale a pena quebrada nas pontas das asas, vale a pena caída no caminho, vale a pena olhar nos seus olhos e ler a história que escrevemos ai. Vale a pena e a tinta gastada para escrever seu nome na beira dos meus papéis, vale a pena se essa história terminar com um beijo seu. Se eu soubesse voar seria mais que seu anjo que te guarda de noite, seria mais que ser que te protege, seria mais que amante calado que te olha enquanto você caminha pelo mundo. Se eu soubesse voar meu amor todos os dias descansaria minhas asas ao lado de sua cama para poder descansar em seus ombros. Ah amor se eu pudesse sair e tomar como estrada esse céu azul que agora vejo pela janela não pensaria nem por um segundo em

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17Manuscritos Digitalizados

S e eu soubesse voarpesquisar as condições futuras do tempo ou a velocidade do vento, pularia como suicida de olhos fechados e braços abertos, como quem a muito quer voar, mas falta coragem, falta ten-tar. E a brisa e a tormenta desse mar somente seriam obstáculos a superar, seriam as pedras no caminho que um dia um poeta previu e nada mais. Se eu pudesse voar entre esses dragões de algodão e levar para você um pedaço dessa imaginação que ainda me fazem acreditar nos contos que me contavam na infância, nas fadas e suas asas que nos leva os dentes e deixa uma moeda, levaria todo um mundo só para você. Le-varia fl ores regadas com água salgada, cartas em garrafas naufragadas nas águas da sua pis-cina. Se eu soubesse bater, ainda que desa-jeitada e com um movimento nada sincronizado, as asas que acredito ter eu estaria muito mais perto de você, assim meu vento seria somente o seu respirar e minha tormenta cairia somente em dias de brincadeira no jardim em noites de verão. Se eu soubesse voar eu seria só mais um pedaço de você e não o amor que mora longe,

seria sua metade que se encaixa no abraço e não somente um beijo mandado pelo telefone.Ah amor, se eu soubesse voar...Largaria essa pena suja de tinta em cima da mesa, largaria a tristeza e voaria até te en-contrar.

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18Raianne Senna

V ocê tem uma nova mensagemC omo de costume, ao chegar em casa

deixava suas coisas no sofá e ia a procura do beijo que dividia completamente um dia de trabalho e a vivência de um sonho. Caminhou lentamente em direção a cozinha, onde ela (seu amor) sempre estava a esperando preparando o jantar, ao passar em frente do telefone perce-beu que a luz que indicava a presença de uma nova mensagem estava acesa então parou para escutar. “Beep, você tem uma nova mensagem: Oi amor, preciso te dizer algumas coisas, coisas que estão presas em minha garganta como choro importuno querendo sair, á aproximadamente um mês deixo lágrimas silenciosas caírem ao ver você dormir ao meu lado, caírem por ter deixa-do mais um dia ter passado sem ter coragem de dizer o que sinto.” (um forte suspiro e um pro-fundo silêncio marcaram alguns segundos antes que ela continuasse a falar). “Como eu fui, sou, covarde, depois de todo esse tempo, não tenho a coragem nem o respeito de olhar dentro dos seus olhos e dizer que não quero mais. É minha pequena, não quero mais. Não quero mais

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19Manuscritos Digitalizados

V ocê tem uma nova mensagema vida que a gente leva, sei que para você é perfeito cada detalhe, mas não para mim amor, eu só vejo detalhes errôneos para consertar. Além de você eu tinha outros sonhos e o tempo ta passando, vejo o dia escurecendo para mim e eu não quero deixar nada para trás, ainda que eu esteja deixando você. Precisei escolher minhas prioridades e você apareceu como pri-meira da lista, mas é agora a hora de seguir com o resto, e não dá amor para conciliar, não posso te pedir que desista dos seus sonhos para me ajudar a conquistar os meus. Eu te amo, mas contradizendo todos os poetas e seus amores imaginários perfeitos, o amor não é tudo, não é sufi ciente para manter um sorriso constante dentro de mim, preciso de algo mais, preciso de algo que só vou descobrir o que é quando eu estiver sozinha, porque a solidão é única que vai me dar respostas.” (outro suspiro, agora cansado, triste e aliviado marca outra pausa no desabafo, o silêncio tinha sido substituí-do por soluços calmos de lágrimas que não se viam, mas se escutavam claramente). “Desculpa, desculpa amor, mas a minha decisão já está to-mada e ainda que eu, algum dia, possa te deixar outra mensagem pedindo pra voltar, essa noite

a gente vai ter que dormir sozinha. Sinto muito amor por estar desistindo, por estar destruindo tudo o que a gente construiu, sinto muito meu amor, mas o beijo que você procurava você não vai encontrar. Desculpa amor, mas eu tenho que ir. Por favor, guarde de mim somente as coisas boas, nossas lembranças mais felizes, apague essa mensagem ao terminar, chore o que tiver que chorar, mas lembre sempre de mim amor, como a pessoa que te amou e que sempre vai amar. Eu estou indo seguindo meu instinto, mas toda minha razão e meus sentimentos seguirão ai guardados nessa casa dentro das gavetas e caixas. Tô indo amor e agora o único lugar onde você poderá me encontrar será dentro de ti. Te amo minha pequena. Adeus!” Ao acabar a mensagem a cena daquela sala era completamente diferente de quando ti- nha começado, estava sentada no chão como quem tinha desabado junto com todo o seu mundo, suas lágrimas eram silenciosas, mas desesperadas. Escutou todas as palavras sem querer acreditar em nenhuma. De acordo o choro se intensifi cava, as forças se tornavam escassas. Deitou no tapete feito moribundo em sua própria casa, queria acreditar, mas não podia, queria alguém para

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20Raianne Senna

abraçar, mas ela tinha ido. Precisava do seu tempo para assimilar, para deixar de acredi-tar nos poetas e seus romances. Precisava do seu tempo para depois levantar e tentar seguir em frente. Precisava do seu tempo para perce-ber que sempre que a gente muda a gente deixa algo para trás e que dessa vez tinha sido ela quem tinha fi cado. Precisava de um tempo que, naquele momento, parecia que ia durar para sempre.

V ocê tem uma nova mensagem Dorme minha pequena, não vale a pena despertar

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21Manuscritos Digitalizados

Dorme minha pequena, não vale a pena despertar

A madrugada invade o quarto pouco ilu-minado, a cama desarrumada somente pelo corpo desajeitado que habita o canto esquerdo da grande cama de casal, nenhuma manta sobre o corpo cada vez mais gelado pelo vento que a noite traz consigo, nenhum abraço que puxa e esquenta. A bebida de tarde e começo de noite estava começando a ser notada pelo corpo, o álcool parecia circular pelas veias deixando um estranho rastro, uma sensação quase inde-fi nível que sondava todo o corpo frágil e, ago-ra, muito fraco. Sabia que tentar dormir seria inútil, sabia que a partir daquela noite não seria a mesma da noite passada e que seu nome nunca mais seria pronunciado da mesma maneira, por ninguém, talvez nem por ela mesma. Já era sufi cientemente adulta para con-siderar todo tipo de problema passageiro, hesitou nas conclusões sobre vida e mundo, porque sabia que o que tinha vindo estava vestido de problema e às vezes era esconderijo para lágrimas de amores mal resolvidos, nunca tinha visto um problema com um nome tão co- nhecido, conhecido até por pessoas que nunca

o tinham tido. O que muita gente chama vul-garmente de armário ela chamava de covardia, porque ela sabia que se esconder não era nada além de falta de coragem se mostrar (para ela mesma). Quando se viu dentro do seu pequeno armário no escuro e sozinha já quis logo sair, ao abrir sua porta se deparou com um terreno totalmente escorregadio e percebeu que para pisar fi rme teria que segurar numa mão que não vacilaria, no abraço forte e no ombro que sustentaria seus passos a caminho da esta-bilidade. Como todo recém saído de casa, sua alegria era os domingos em família, pai numa ponta da mesa, mãe da outra e ela voltando a ser criança. Quando apertou a barulhenta campainha de sua antiga casa foi recebida pelo abraço do pai, e por milésimos de segundos se deu conta que era esse o apoio que precisava para sair do que a prendia, e o sorriso feliz da mãe de que vinha correndo pelo quintal seria outro pedestal para sua total felicidade. No curto caminho do portão para a porta da sala ela decidiu que esse domingo em questão teria que ser diferente dos outros, teria que ser melhor.

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22Raianne Senna

Ao entardecer, antes de deixar o que agora era seu segundo lar, desligou a TV e chamou os pais para conversar, confessar. Com certo medo estampado no rosto, só começou a falar depois que a curiosidade de sua mãe a obrigasse soltar palavras concretas com mais rapidez, e quando saiu a palavra “gay”, fechou os olhos e respirou aliviada, pensou consigo mesma “que palavra mais pesada.”. Quando abriu os olhos se encontrou dentro de um ambiente de lágri-mas, a mão no ombro que buscava não chegou, um silêncio ensurdecedor tomou conta até que a palavras de raiva saíram pela boca delicada de sua mãe. “Você carrega nosso sobrenome, mas a partir de hoje você não pertence mais a essa família. E ainda bem que você já se foi dessa casa, me poupou o trabalho e a vergonha de ter que te expulsar.” Estática e incrédula buscou refúgio nos olhos escuros do pai que sem falar nada le-vantou e saiu. Era hora de abandonar outra vez aquela casa, dessa vez para sempre.O bar das redondezas foi seu primeiro refúgio. Pediu dose dupla da bebida com maior teor de falta de memória do dia anterior, bebeu num só gole seco e marchou feito soldado traidor para

sua, realmente sua, casa. E agora a madrugada invade o quarto pouco iluminado, a cama de-sarrumada somente pelo seu corpo desajeitado que habita o canto esquerdo da grande cama de casal, nenhuma manta sobre o corpo cada vez mais gelado pelo vento que a noite traz consigo, nenhum abraço que puxa e esquenta. A bebida de tarde e começo de noite estava começando a ser notada pelo corpo, o álcool parecia circular pelas veias deixando um es-tranho rastro, uma sensação quase indefi nível que sondava todo o corpo frágil e, agora, muito fraco. Sabia que tentar dormir seria inútil, sabia que a partir daquela noite não seria a mesma da noite passada e que seu nome nunca mais seria pronunciado da mesma maneira, por ninguém mais, talvez nem mesmo por ela mesma.

Dorme minha pequena, não vale a pena despertar

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Carta da princesa

H á três anos conheci uma princesa, sim, uma princesa de verdade! Encontrei-a em plena primavera de uma pequena cidade do interior do estado do Rio de Janeiro. Você deve estar se perguntando a data exata deste documento e que aula de história você faltou que não se lembra de nenhuma cidade que tenha tido uma princesa, pois acalme-se que já vou explicar. Essa princesa, – que gosto de chamar de minha – a minha princesa, é sim uma princesa de verdade, entretanto nasceu no tempo er-rado. Minha pequena princesa nasceu no ano de 1988, já era tarde demais para sustentar uma coroa, o mundo que nasceu antes dela sucumbiu o seu poder, mas deixou um pequeno bilhete di-zendo “bem-vinda princesa” e assim começou seu singelo reinado. Pouco sei sobre sua infância, não sei nada além de algumas desavensas com médicos e algumas crianças que estudavam com ela; o que sei, de mais relevante e respeitável, de esta época de colégio religioso é o inicio de grandes e verdadeiras amizades, amizades que seguem sólidas e fi rmes até hoje. Minha prince-sa, sem saber que era uma princesa, construiu,

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com amizades, seu castelo, tão sólido e forte que nem novos Hitlers ou novos Napoleões con-seguiriam derrubá-lo com seus exércitos. Cresceu em uma família que está den-tro dos padrões “normais” da sociedade atual brasileira, seus pais, um exemplo de compa- nheirismo a ser seguido, lhe deram e lhe dão o melhor possível e provável, para que tenha uma boa educação e uma vida confortável. No verão vai com seus pais e irmãos para uma ci-dade tranquila, que ainda está em processo de desenvolvimento no litoral do estado para des-frutar da praia e do sol, ainda que seja só por algumas semanas, sei que o andar descalço na areia numa noite de verão lhe faz bem. Apesar dela ser uma princesa, sua família está bem longe de representar alguma monarquia, o senhor seu pai não é nenhum rei e a senhora sua mae não é rainha, seus irmãos tampouco são príncipes, são representantes da burguesia globalizada do século XXI, só ela… só ela, dentro daquela família, nasceu bri- lhando mais forte que o mundo, seus olhos de cores indefi nidas levam seus segredos que eu tive o prazer de descubrir a 3 anos atrás.

Uma princesa simples que sabe sorrir e sabe chorar, e não tem vergonha de nenhum dos dois; de pura alma, sabe olhar dentro dos olhos de cada um que lhe dirige a palavra e ver a bon-dade e a maldade que cada um leva dentro de si. Acredita no amor e na felicidade, sempre quer voar bem alto, mas sempre leva consigo um pedaço importante da realidade.Minha princesa é uma amante da arte e da cul-tura, dessas que ,a muito, já não se vê, dessas que entram dentro de um ônibus ás 2 da tarde de uma terça-feira e enfrentam uma viagem para as entranhas de cidades importantes do passado – pasado que deveria ter sido seu palco – só para sentir a energia de uma sala de reuniões do I reinado. Princesa de carne e osso, amante da música , sente seu coração bater no ritmo de suas canções preferidas mesmo quando estão tocando num rádinho de pilha durante seu banho diário. Se deslumbra com o que vê nos cinemas e na televisão, mas o que a impressiona de ver-dade é o que vê na rua, o que encontra dentro da sua própria rotina.Eu poderia fi car aqui escrevendo inúmeras qua- lidades mais, mas agora é preciso chegar no ano de 2005, ou seja, 3 anos atrás.

Carta da princesa

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Eu, uma simples plebéia, fui ofi cial-mente colocada, posta, admitida, introduzida, jogada – podem chamar como quiser, isso , para mim, pouco importa, o importante foi depois que eu já estava dentro, lá dentro – no coração dela. Foi incrível e, ao mesmo tempo, estra-nho; não sei como sai do meu pequeno e medíocre mundinho particular e apareci em seus braços, lembro-me somente de sentir seus braços me envolvendo e escutar sua voz, aquelas doces palavras soaram como música em meus ouvidos tímidos. Não sei quais foram suas palavras exatas, ditas única e exclusivamente para mim, mas sei que depois destas poucas palavras re-cebi o melhor beijo do mundo, sentia minhas bases tremerem, é certo dizer que se eu não estivesse deitada naquele momento, eu teria caído. Depois daquele beijo voltei para o meu mundinho privado tentando acreditar nos fa-tos reais que me tinham ocorrido, só me dei conta da veracidade deste beijo no meu longo caminho para a casa, enquanto caminhava repa-rei na primavera que me rodeava e no perfume das fl ores recém-nascidas, foi a primeira vez

que vi a primavera tal como é, ali foi a pri-meira vez que vi a imensidão de cores fortes e brilhantes que o mundo tem! Sei que as es-trelas eram as mesmas de sempre, mas para mim, naquela noite, elas brilhavam com mais força, talvez elas estivessem sorrindo comigo. Não entendia como aquele beijo conseguiu me transformar tão rápido, tão inesperadamente minha vida estava de cabeça para baixo, mas confesso que ver o mundo de outra perspectiva, ainda que meu sangue não fl uísse muito bem nesta posição, me fez muito bem. Fiquei alguns dias sem encontrá-la, tinha medo, insegurança, queria mais e não sabia se esse sentimento era mútuo entre nós duas; até que foi inevitável, eu tinha que vê-la, com medo ou sem, eu tinha que vê-la. Três ou quatro dias depois, lá estava eu, sentada na porta de um pequeno centro comercial esperando minha princesa, que ainda não era minha, meus sábios pés controlaram a vontade que eu tinha de le-vantar e sair correndo, o mundo gritava ao meu redor mas eu só escutava o tic-tac do relógio, o tic-tac logo sumiu… lá estava ela vindo, ignorando meio mundo, sorrindo só para mim, Ahhh… aquele sorriso inocente… Aquele sorriso

Carta da princesa

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foi uma jura de amor eterno. Ela me transformou em sua princesa, fi zemos do mundo o nosso reino, nossa data é a primavera; me apaixono todos os dias por aquele mesmo sorriso de 2005, necessito a cada dia doses de beijos e abraços, e, ás vezes, tenho que me beliscar para ter certeza que não é um sonho e surpreendo porque, ao invés de despertar, sinto a dor do beliscão. Sou muito feliz, afortunadamente feliz, sentimento de poucos que eu desejo para todos.Já fazem 3 anos, meu mundinho privado já não é mais tão privado assim, o abri para uma princesa, uma princesa de verdade, uma prince-sa que transformou o singular dos meus planos e sonhos em plural mas manteve em “1ª pessoa”. Tenho o prazer de chamar de minha a princesa que, as vezes se faz de boba da corte para me arrancar um sorriso nos dias tristes, que não tem medo da chuva e nem do escuro, que enfrenta tudo para me fazer feliz. Aquele sorriso que levava, consigo, uma jura de amor eterno era o amor se abrindo para mim, e para você que fala que 3 anos não é uma eternidade, eu falo: não, 3 anos não é uma eternidade, mas é o começo de uma…

Minha princesa, chegou a primavera, vem comigo começar o nosso jardim. Te Amo.

De: Sua princesaPara: Minha princesa.

Carta da princesa

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Nostalgia

H oje de fato a cama me jogou para fora, cai como criança cambaleante em seus primeiros passos, ainda que não tivesse ninguém ao meu lado a cama foi pequena para mim essa noite e me empurrou para o fi nal de madrugada. Fiquei em pé de olhos semi abertos procurando alguma coisa que fazer, sentei no sofá e ali encontrei o livro recém comprado, estava meio aberto como fresta de porta que nos convida a entrar. Encostei minha cabeça como quem busca colo e deitei, e meio sonâmbula comecei a ler aque-las palavras que às vezes dançavam no ritmo do meu sono. O sol apareceu sem avisar e quando me dei por mim já era dia, quase meio dia e eu ainda não tinha nem ao menos começado, ou sequer pensado em levantar e me acender. Não era domingo, mas parecia. Nenhum ruído dentro ou fora de casa, um silêncio quase fúnebre. Levantei-me tão cansada quanto eu tinha le-vantado de madrugada e fui devagar mesmo que atrasada, rumo a rotina. Confesso que acordei um pouco estra-nha, sem vontade de ninguém, ouvi murmúrios

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pelos corredores que passei, escutei boatos a meu respeito; alguns diziam que era sau-dade dos tempos que eu não acordava sozinha, outros diziam que era loucura. Passageira ou não minha condição eu sabia que era uma mis-tura de loucura e solidão. Talvez a nostalgia de uma noite mal dormida e um livro pela meta-de tenha me deixado ainda mais para baixo. o certo é que não acordei com o mesmo humor que fui dormir. Alegando incapacidade mental, física e psicológica fugi do trabalho e voltei para casa, deitei outra vez no sofá e retomei o livro de onde eu tinha parado. Me faltava con-centração agora, e ao invés de seguir o desen-volvimento da história, meu pensamento estava nos comentários alheios que escutei nos corre-dores e elevadores, me peguei pensando em se realmente estou tão sozinha e se realmente estou tão louca. Cheguei a conclusão que a loucura é sana, faz bem para saúde, mas a solidão seria um ponto fraco a resolver. Tro-quei a roupa amassada por uma mais despojada, calça jeans e camiseta, adidas velho no pé e um casaco jogado na bolsa só por precaução. Vou andando para não medir goles, nem copos, para

esconder vergonhas e soltar palavras escondi-das. Sem a intenção de encontrar um amor fui atrás de alguém que preenchesse o vazio em mim que as pessoas tanto apontam e debocham, vou entrar num lugar novo e diferente, tentar achar alguém novo e diferente que me mostre que todo ser humano precisa de outro, não para completar, mas para acompanhar, como se fossem nossa terceira perna, o outro ser nos deixa estável como um tripé que segura a câmera numa bela paisagem.

Nostalgia

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Poker, amigas e bebidas

S exta-feira à noite, nenhum bar interessante para ir naquela cidade, a cerveja no mercado era mesmo mais barata e já fazia al-gum tempo que as 3 amigas não se reuniam para jogar conversa fora enquanto fi cavam bêbadas e caiam no sono. Essa foi a conversa de quinta quando as 3 se encontraram para decidir o que fazer de seus tédios. O encontro foi marcado na casa da que morava mais perto do mercado, caso a bebida acabasse, e também porque era a única das três que morava sozinha e podia receber visitas sem incomodar ninguém. A sexta-feira passou voando e a jovem que receberia suas amigas se viu correndo en-tre a multidão que saia do trabalho para poder chegar a tempo de arrumar a bagunça que trans-parecia aos olhos, tirar o pó que se via a olho nu, correu para arrumar já as camas que dor-miriam porque sabia que depois, na madrugada, ninguém ia querer, nem ao menos conseguir ar-rumar um canto pra dormir e sobraria sua cama de casal para as três, com o pensamento con-victo que em sua cama só dormem duas pessoas, e como ela era solteira só dorme uma mesmo,

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arrumou o sofá e deixou um colchonete prepara-do. Depois de uns 30 minutos correndo para lá e para cá a casa fi nalmente parecia habitável e mesmo com mais duas camas improvisadas a casa parecia estar um pouco maior. Tomou um banho quente e se arrumou para ir ao mercado, passou correndo pelo sofá em direção a porta para não cair na tentação de ali mesmo fi car. Como o combinado ela não comprou be-bidas, somente comidas para se beliscar como amendoim e azeitona, coisas para amenizar o efeito do álcool no organismo, gostou de fi car com essa parte porque assim pôde escolher tudo com segundo seu próprio gosto e vontade. Ao chegar em casa se depara com uma das amigas sentada no portão, com uma bolsa de gelo na mão, ao vê-la abre um grande sorriso e agra-dece ironicamente por a ter deixado com o gelo derretendo do lado de fora. A tímida jovem, abrindo a porta para que a outra fosse cor-rendo por tudo no congelador, pergunta sobre o paradeiro da outra que já estava a ponto de se atrasar, o que não era assim grande novidade, e a outra olhando, dentro dos olhos da amiga, de rabo de olho pelo canto da porta disse com exatas palavras: “Para nos deixar a sós ué, por

que mais seria?!”. A anfi triã gelou por dentro e deixou que toda sua timidez a engolisse de dentro para fora e foi incapaz de encarar a amiga que entrava na sala tirando baralho e fi chas de Poker da bolsa, e como se o comentário tivesse sido totalmente banal continuou a frase: “Ela deve estar é fugindo do trabalho de arrumar tudo aqui, ou deve estar presa na fi la de algum caixa. Vou ligar pra ela.”. Sentiu-se confusa e ainda muito tímida e envergonhada, começou a arrumar a mesa para o jogo e se sentiu ex-tremamente aliviada quando a campainha tocou ao ritmo da música de moda indicando que a amiga das bebidas havia chegado. Essa era a mais tagarela e logo a TV teve que ser desli-gada para que pudesse contar suas historias, a maioria delas sobre ilusões e desilusões amo-rosas do trabalho ou da faculdade ou até mesmo piadas que encontrava na internet. A noite foi passando pouco a pouco de acordo com a intensidade da conversa e o es-gotamento das bebidas, as vozes foram fi cando mais altas e as risadas mais escandalosas, de nada adiantou a azeitona no centro da mesa e o saco de amendoim do lado, nada adiantou a

Poker, amigas e bebidas

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toalha manchada de uva, o álcool foi mais forte mesmo e agora o banheiro estava sendo bastante cogitado. No Poker foi mesmo uma proeza, foi a única vez em que todas tinham perdido todas as fi chas, acabaram o jogo considerando um empate de perda. Quando o sol deu sinais que ia começar a aparecer elas fi nalmente resolveram ir dor-mir. Como boa anfi triã perguntou onde cada uma queria dormir, e sua “ice friend” aproveitou a pergunta para falar que era lógico que ela queria dormir na cama e que a outra que dor-misse no sofá, a jovem então foi em direção ao quarto para pegar seu travesseiro para dormir na sala com sua outra amiga, quando se virou para sair do quarto deu de cara com sua amiga que já indo deitar na cama, levou o susto do ano, se esquivou para passar pelo espaço entre a amiga e a parede para ir para a sala, mas ao passar a amiga a segurou pelo braço e falou: “Aonde você vai? Essa é sua cama.” Falou que ia dormir na sala para que ela fi casse mais a vontade, ela respondeu que não estava com sono e queria companhia até que fosse dia. Sentiu a pulga pular atrás da orelha, pensou no comentário de mais cedo, mas mesmo

assim concordou em deitar com ela até o sol nascer. Não sabia se era seu inconsciente ou a bebida que tinha tomado essa decisão, uma coisa era certa, não tinha sido ela. Jogou o traves-seiro na cama e foi ate o outro cômodo para falar com a outra amiga, o que não foi possível porque ela já estava até roncando no sofá. Apa-gou as luzes e voltou já de dentes escovados e roupa trocada, deitou no espaço ao lado da amiga e a olhou nos olhos e falou: “Esse é o meu lado da cama, dá pra você trocar comigo?” riu do próprio comentário junto com a amiga que respondeu resmungando ironicamente: “ainda tem isso? Não sei pra que se daqui a pouco você vai estar de cabeça pra baixo mesmo.”. Ai veio outro comentário constrangedor. A luz apagada e a janela meio aberta que deixava o sol que nascia fornecer a única e pouca iluminação do quarto deu clima român-tico de fi lme americano, mas as duas sabiam que não era bem assim que funcionava. A jovem que já tinha reconquistado seu lado da cama inda-gou um beijo de boa noite na amiga e recebeu um beijo no canto da boca e outro selinho o que premeditou um longo beijo. Ao terminar o que parecia óbvio desde o começo da noite ela virou

Poker, amigas e bebidas

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pegou um papel na cabeceira da cama e pergun-tou se amanhã a outra estaria livre, e num tom meio comédia e brincadeira mútua, elas tro-caram telefones (como se tivessem acabado de se conhecer) escreveram com batom os números tortos e guardaram na carteira. E em um súbito instante os sorrisos sumiram e a seriedade voltou ao rosto das duas, acariciando o ros-to, a amiga disse, em quase sussurros: ”Agora dorme e sonha comigo porque se tiver que acon- tecer alguma coisa entre nós, o que eu quero realmente que aconteça, eu quero que lembremos no dia seguinte.”Q uando a luz tomou conta total do quarto as amigas acordaram e escutaram alguém recla-mando na cozinha, alguma coisa a ver com dores de cabeça e sede, ignoraram. A jovem olhou pro lado e ao ver a carteira aberta com a mancha de batom, virou-se para a amiga e disse: “Hey estranha, eu acho que eu tenho o seu telefone, que tal a gente marcar alguma coisa?” e teve como resposta: “Hey estranha, que tal essa noite nessa mesma cama?”, sorriram e levanta-ram juntas a socorro da amiga reclamona, as duas levantaram já de encontro marcado.

Poker, amigas e bebidas Frio

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Frio

F az frio lá fora e aqui dentro o ar que repousa entre nossos corpos agasalhados é gelado, mas quase não se faz notar. Sua respiração ao meu lado é calma e regular, seus olhos fechados e seu cabelo desarrumado fazem do seu sono uma das coisas mais bonitas que uma pessoa pode contemplar. Seu corpo, em movimentos involuntários para se proteger do frio, se encolhe como quem procura calor em si mesma e esquece do meu braço em sua cin-tura, se esquece do meu corpo que ao seu lado implora para que o tempo caminhe com passos anciãos em passeio diário em praça pública, meu corpo implora para que o tempo esqueça as obrigações do amanhã porque eu também quero esquecer as minhas. A madrugada chegava devagar e o frio foi se intensifi cando, mas eu não percebi nada acontecendo ao meu redor porque eu me destrai com sua pele, com seus pelos arrepiados. Não vi que aos poucos o céu escureceu e algumas es-trelas apareceram na nossa janela de cortinas abertas. Meus olhos tinham se acostumado com a escuridão e mesmo que eu não a pudesse ver com

claridade eu via sua bela silhueta. Em algum momento da minha distração o vento se chocou com a janela e um pequeno estrondo a assus-tou, a fez mudar de posição, mas não a acor-dou. Seus seios e barriga descobertos, suas costas inteiras apoiadas no macio colchão, eu nesse pequeno espaço que me sobrou apoio minha cabeça no meu braço e a olho de cima, ela é realmente linda. Deitei em seus seios como criança que pede carinho, abracei sua cintura mais uma vez sem muito me importar se seria novamente esque-cida. Posicionei meus ouvido exatamente sobre a pele que cobria seu coração e, como canção de ninar, escutei seu copasso, seu rítimo, sua sincronia, escutei como seu corpo dançava sem ninguém perceber, se mexia e cantava sozinho só para meus ouvidos. Durante muito tempo eu fi quei ali decifrando seus sonhos pelos ba-timentos cardíacos e suas inspirações e ex-pirações, me afastei de mim para me aproximar daquele corpo que descançava, ignorei minhas vontades de fechar os olhos e dormir para sa-ciar minha vontade de acariciar aquela linda mulher que eu chamava de amor. Passei meus dedos pela sua cintura, pelos seus cabelos, a

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abracei como se nunca mais na vida eu poderia voltar a repetir aquele abraço. Beijei devagar suas bochechas delicadas com cuidado para não a acordar. Meus olhos começaram a pesar com o pas-sar da noite, minha boca a bocejar um sono que eu não queria assumir. Eu cochilava por alguns minutos e acordava lutando para não voltar a cochilar. Peguei o grosso cobertor para nos cobrir e quando aquele pesado tecido tocou a sua pele delicada ela, ainda dormindo, pegou e se cobriu com seu instinto, cada pedaço que antes eu beijava. Beijei seus lábios um beijo não correspondido de boa noite, e antes que meus lábios secos pudessem abandonar os seus ela pronunciou algumas palavras sem nem mesmo abrir os olhos, “Ainda acordada, princesa?”. Eu não respondi, somente deitei nos braços que ela tinha estendido para mim, me oferecendo seu ombro como travesseiro. Adormeci. O dia aproveitou nossa janela de cor-tinas abertas para invadir o quarto e brilhar um pouco do seu brilho quente dentro dessas quatro paredes. Abri os olhos com certa di-fi culdade, estava claramente cansada, eu sen-tia os vestígios da noite passada em branco.

Quando meus olhos estavam abertos e fi nalmente podiam ver percebi que faltava alguém ao meu lado, faltava o que deixava a cama apertada e pequena, não gostei da cama grande que se apresentava para mim naquela manhã. Levantei em pleno desespero e fui procurar pela casa e tudo que eu encontrei foi um bilhete de letras desenhadas e arrumadas pendurado no imã da geladeira dizendo, “Estou pensando em desistir, me desculpa”. Como podia um bilhete com tão poucas palavras destruir toda minha estrutura em apenas alguns poucos segundos. Caminhei me arrastando e segurando nas paredes e deixei meu corpo cair no sofá, tentei remontar na minha cabeça minha vida, procurando alguma coisa que pudesse explicar tal acontecimento e tudo que vinha na minha cabeça era nada. Até onde eu me lembro a gente se amava. Antes que eu pudesse me afundar e afogar nas minhas próprias lágrimas escutei o barulho da porta, a chave rodopiava na fecha-dura ao movimento das mãos da única pessoa que tinha as cópias dessas chaves. Ela viria reconstruir um mundo dentro de mim que tinha acabado de desabar, ou simplismete veio recu-

Frio

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perar seus pequenos detalhes esquecidos nas minhas gavetas? Ela entrou devagar como quem pisa em território que não conhece, sentou ao meu lado no sofá e me perguntou que dia era hoje. Eu sem entender e sem querer muito escu-tar toda aquela conversa confessei minha dis-tração e respondi que não tinha idéia de dia era hoje e perguntei porque isso importaria agora. Ela respondeu que hoje era nosso ani-versário de namoro e que era para eu abrir meu presente que ela tinha acabado de trazer. A olhei com uma cara confusa, sem entender a conexão do bilhete com o presente. Abri aquele pequeno envelope que ela tinha acabado de me entregar e dentro dele havia duas passagens para fora do país e uma aliança com seu nome escrito. A olhei em busca de uma resposta e ela falou “Minha princesa, hoje quando acordei decidi desistir de tudo o que a gente vivia antes, confesso meu medo e também pensei em desistir de você, mas agora vejo que o que eu quero é uma cama maior e uma casa sem cópias de chaves. Desisti do meu trabalho aqui e a transferência para Paris me foi concedida. Não te peço que desista de tudo por mim, te peço que se case comigo e acarecie meu corpo ador-

mecido todas as noites, que me proteja do frio e me beije todos os dias o seu tão bom beijo de boa noite”. A interrompi com um beijo, e sem precisar dar uma resposta levantamos juntas para começar arrumar nossos detalhes dentro de uma pequena mala.

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Meses

S eis meses foi o tempo que ela passou aqui comigo, dormindo todos os dias sobre meus ombros, escutandos minhas antigas cantigas de ninar, as que me cantava minha mãe em dias de fortes tormentas quando a noite ainda era meu maior medo. Nunca antes na minha vida 6 meses me pareceram tão curtos, na verdade tudo foi uma grande contradição... eu sentia o tempo parar toda vez que eu olhava dentro dos seus olhos, parava toda vez que eu admirava toda a simplicidade do seu sorriso, eu juro, eu senti o tempo parar, mas não parou porque agora aca-bou os olhos e o sorriso. Estive perdida dentro do meu con-to de fadas preferido, nunca antes eu tinha conseguido encontrar a entrada do labirinto. Sempre estive a margem, estive vivendo no que chamam de mundo real desejando me perder, percorrer caminhos no seu estreito abraço, caminhar na escuridão dos olhos fechados du-rante seu longo beijo. Desejo já voltar a en-trar e procurar nosso castelo no centro desses corredores temidos pelos outros. E o que há de ser a partir de agora? Como resposta só tenho

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Meses

a ação de seguir empurrando a vida com a bar-riga até que uma de nós atravesse essa infi nita água que em ondas vem gelar meu pé descalso na areia.Agora que ela se foi é preciso que meu coração contraído, apertado de dor e de saudade que prende lágrimas ainda não derramadas na sua totalidade, se acostume outra vez a rotina sozinha e monótona de deitar na metade de uma cama sabendo que a outra metade não vai se preencher ainda que eu sonhe, ainda que eu imagine, seguirá vazia até a hora de desper-tar. Agora que o mundo voltou a tomar seu tama-nho natural e que a casa perdeu o brilho que tinha vou ter que seguir, ainda que segurando nas bordas e nas paredes respirando esse es-casso ar que me falta. Não há música que não me lembre seu dançar torto que dançavamos em frente a peque-na e velha televisão que já não mostra suas cores, não há música que não me lembre nossas danças a luz da lua que invadia a janela sem cortinas. Não há nada que não me faça lembrar qualquer característica sua. Ela se foi, mas continua aqui em todos os lugares que estou. Será possível, que uma vez que eu tenha me

perdido em seus braços, eu me perca por não os ter mais? Afi rmo e defendo ferozmente que o que eu sinto é infelicidade, mas ela insiste em dizer que é só saudade, mas eu sei que a saudade só cobre a falta de sorrisos dentro de mim, e com a infelicidade escondida posso seguir em frente mesmo sem conseguir erguer a cabeça. E a nossa música que cantávamos juntas já não é mais a mesma quando em uma tentativa frustrada de cantar minha voz rouca me engasgo com minha própria solidão. O espaço geográfi co que habito está apertado, não aguenta mais o meu chorar. Na verdade nem eu suporto mais essas lágrimas que escorrem frias no meu rosto gelado. Ela foi embora e dentro de suas malas escondeu metade de mim, levou o que sustenta as bases fracas da minha construção. E eu só queria que ela me levasse inteira com cada pedaço meu que agora desmorona dentro do meu corpo inexpressivo e invisível. Sinto que aos poucos vou caindo, meus olhos se fechando, to precisando dormir e son-har que os passados seis meses não passaram.

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S er maior

“V ocê sempre achou que precisava de mais, sem se preocupar em olhar para o lado e ver que talvez já tivesse tudo, que o que viesse depois de tudo isso seria só capricho, vontades de mostrar para os outros que, por pertencer a uma minoria, você era maior, maior que tudo o que um dia alguém achou que você poderia chegar a ser.” Essas foram as últimas palavras que ela disse para mim olhando nos meus olhos antes de bater a porta que ela ti- nha deixado aberta ao sair. Palavras essas que foram um tapa na cara para mim, eu realmente queria ser maior, mas eu não sabia que tinha feito disso um muro que não me deixasse vê-la do outro lado da cama, do outro lado da mesa onde, em muitas ocasiões neguei velas acesas. Demorei um pouco para agir, fi quei tão assustada com o seu repentino comportamento que perdi meu senso de realidade, e quando eu resolvi descer as escadas correndo já era tarde, ela não estava mais lá, não sei nem como foi embora, se já tinha premeditado a partida e chamado um táxi ou se estaria ali alguém es-perando por ela. Não entendi muito bem, mas a

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39Manuscritos Digitalizados

S er maiordeixei ir. Ela ainda era amor novo, eu gostava dela, mas parecia que ela me amava. Uma vez na rua eu não senti vontade de voltar para casa, não tinham muitas lembraças nossas naquele apertamento, mas eu sabia que o cheiro do seu perfume ainda impreginava o corredor e a sala de estar. Caminhei pela pequena praça do bairro e de longe vi uma livraria, senti curiosidade de saber qual era a história do livro que aquela menina que ti- nha acabado de me deixar gostava tanto, ela lia e relia, me comentava trechos, mas nunca chegou a me contar o fi nal. Fui até lá e com-prei, entrei ignorando todas as estantes da loja, cheguei no caixa e pedi o livro por nome, autor e editora. E saí com a sacola na mão ou- tra vez ignorando tudo o que ali dentro tinha. Já era quase noite e eu pensei que com a brisa leve que soprava o perfume doce já teria desaparecido de casa, então fui an-dando até alcançar o grande portão de metal do prédio, como sempre faço passei direto pelo porteiro comprimentando somente com um movi-mento de cabeça, mas ele veio atrás de mim, falando que a menina que antes havia descido tinha passado outra vez por ali perguntando

por mim, e como eu não estava ela tinha deixado um papel rasgado com alguns rabiscos escritos. De princípio tive medo de abrir, mas quando entrei, quando cheguei na sala, percebi que o vento o único que tinha feito tinha sido espal-har aquele cheiro. Sentei na rede na pequena varanda dos fundos e abri o bilhete e o livro. Comecei pelo papel rasgado que com letras bor-radas de ca neta que falha e lágrima que cai dizia que ela estava realmente indo para tentar nunca mais voltar, que tinha deixado ali junto comigo todo seu coração e que sem mim aprende-ria a viver sem ele. Abri o livro em qualquer página e ali dentro repousei o bilhete, seu amor seria meu marca página. Voltei a fechar aquelas fi nas e leves folhas e peguei o celular que estava no meu bolso. Disquei seu número e permaneci com o telefone no ouvido até cair na caixa postal, de alguma forma sabia que ela es-tava lá do outro lado, simplismente não queria ouvir minha voz, sabia como eu que eu não tinha nada a dizer. Já sentia saudade, confesso. Talvez a falta da presença dela ali que me era estranho, era de um raro silêncio tudo aquilo, porque quando estava ela, era música cantada, tocada

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e dançada, e quando o silêncio pairava sobre nós ela ria, gargalhava, falava que o silêncio é somente habitat para os tristes, para os que não sabiam realmente enxergar a beleza de cada pequeno detalhe do que nos rodeia. Ela ria de mim quando eu dizia que as pessoas tinham medo do silêncio, que ele por ser um vazio imco-modava os que não eram completos. O silêncio era a nossa mais profunda discordância, era discusão interminável sem brigas, só pensamen-tos ao vento, uma ignorando e amando o ponto de vista da outra sem nunca ninguém mudar de lado. Confesso também que pensei em outra vez discar os números, mas resolvi não in-sistir. A brisa tinha se transformado em vento que fazia o livro ao meu lado abrir sozinho, pedindo para ser lido. Peguei meus trapos pen-durados no varal, o livro e minha solidão e levei tudo para dentro de casa, fechei as por-tas e janelas. A muito eu já morava sozinha, mas somente agora eu me sentia como tal, tive preguiça de cozinhar somente para mim, ignorei o dvd alugado que estava em cima da mesa, exatamente pelo motivo de não ter com quem di-vidir a pipoca, não ter com quem compartilhar

o copo gigante de refrigerante. Deitei na cama, simplismente como sempre faço, olhando o teto como quem olha o céu, me perdi na brancura da tinta da parede e me assustei quando escutei uma música vindo não sei de onde. Levantei e olhei para os quatro cantos do meu quarto e percebi que a música vinha do meu bolso, eu não conhecia a melodia e quando vi a luz acesa do telefone celular pensei “ela, outra vez, tro-cou o toque. Já era de se imaginar.” Era sua música quebrando meu silêncio. Eu tinha demo-rado tanto para encontrar a origem do som que atendi antes que desligassem. Escutei sua voz do outro lado, nada mais que um simples “oi”, eu permaneci calada e ela ausente. Depois de um longo nada, eu disse “volta?” e ela me respondeu “não sei se posso”, outra vez um nada, dessa vez foi ela quem começou a falar no espaço vazio de nos-sas vozes “muda?” e eu respondi “não sei se consigo”. Ela falou “me conta como foi seu dia, para que talvez eu sonhe com você essa noite”. Repondi “Comprei o livro que você gosta, ainda não comecei a ler porque, por primeira vez, tive medo do silêncio.”. Ela “você não per-cebe? Você foi hoje tudo o que eu queria que

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você tivesse sido durante todo esse tempo que estivemos juntas. Você comprou o livro que eu gosto mesmo não gostando de ler, você assumiu seu medo, e aposto (risos irônicos) que você nem se importou com a música brega tocando no seu celular.”. Eu “é verdade, eu não me im-portei. Mas fi co feliz de saber que você também a considera brega (eu ri, sem a opção de me controlar)”. Voltei a dizer “volta?” e comple-mentei a frase dizendo “volta que o silêncio já me enguliu e eu ainda tenho todo um livro para ler, enquanto eu descubro a história que te faz tão feliz eu prometo fazer você feliz sem que você precise ler nenhuma palavra do meu livro que agora coloco sobre minha cabeceira.” Ela respondeu “talvez amanhã, outro dia.” Eu sabia que ela não voltaria, senti em suas palavras que ela já tinha se conformado e percebi em minhas palavras que eu ainda não tinha me adaptado a dividir minha vida com alguém, embora eu sabia que estava disposta a tentar com ela. Foi tudo uma questão de desen-contro, ela deixou de me amar quando eu come-cei a amá-la. Ela foi embora, eu sei, antes que não sobrasse nada de mim dentro dela, sabia que ela queria quardar o melhor de mim antes

que eu não fosse mais capaz de dar o melhor para ela. E ela deixou comigo o meu amor por ela, o amor dela e uma tal música brega que eu não tive coragem de mudar.

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S exta-feira

H oje é sexta-feira, dia de dedicar toda a minha noite a escutar Jazz num bar meio retrô no centro da cidade, voltar pra casa meio bêbada, dormir sozinha e só levantar quando o corpo começar a reclamar. Saí do trabalho e fui direto pra lá. Meu pedido de vinho tinto já virou simples “boa noite” para o garçom que vinha com a taça cheia após poucos momentos de eu me jogar numa cadeira meio sofá no canto mais afastado e com melhor vista para o pequeno palco que susten-tava com certa difi culdade o grande piano e os músicos que o rodeavam. A banda de hoje eu não conhecia, no papel um nome que eu não sabia, e preferi não tentar, pronunciar. A luz fraca e as vozes baixas pareciam fazer parte insepa-rável do show que demorou a começar. A banda entrou quase sem fazer barulho quando me dei conta já estavam todos em seus devidos lugares, a moça loira em pé em frente ao microfone e toda sua banda de meninos com cara de recém maiores de idade. Pareciam banda de rock perdida em melancolia em dia de tocar suas melhores baladas. Destruíram qualquer

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S exta-feiraconceito premeditado no primeiro acorde suave que veio acompanhado com o sopro leve do sax e que logo foi seguido pelos outros integrantes, a voz veio por último e quando chegou me fez entender o difícil nome da banda. Um francês cantado com os olhos fechados que embalou um sentimento de total nostalgia dentro de mim, uma melodia quase tátil, em perfeita sincro-nia, parecia se encaixar com o ritmo das bati-das dos meus sentimentos. Percebi que estava quase em transe quando fui interrompida pelo garçom que trazia pra mim um guardanapo rabiscado e mais uma taça de vinho dizendo que a moça da mesa 1 mandou entregar, agradeci, joguei o papel na mesa e tomei um gole para voltar ao estado que estava antes, só abri o bilhete quando a música acabou e a banda parou para um café, li aquela letra quase desenhada onde dizia, em uma frase clichê, que eu não devia estar sozinha naquela noite tão bonita, joguei outra vez o papel na mesa só que dessa vez amassado e voltei para meu lugar esperando outra vez o show começar. Cinco músicas passaram até o agradecimento em um português aprendido de última hora, comecei a recolher minhas coisas para voltar para casa

quando uma mulher, irreconhecível pela falta de luz, sentou ao meu lado, me olhou e afi rmou “você não mudou nada, continua me ignorando”. Curiosa, me aproximei ao seu rosto forçando a vista para identifi cá-la, e quando seus traços marcaram um perfeito contraste com a luz meu coração quase parou, por um momento me vi sem ar. Ela olhou nos meus olhos, ignorou meu evidente nervosismo e perguntou “você já está indo embora? Queria conversar.” Voltei a colo-car a bolsa onde estava e tomei fôlego para começar a falar, mas fui incapaz. Ela viu que da minha boca não ia sair muito mais que suspiros de incredulidade e cansaço, por muito tempo continuei estática, queria dizer alguma coisa, mas não fui capaz, não sabia o que dizer, ela era por exelên-cia a última pessoa que eu esperava encontrar naquele lugar, porque a última vez que a gente se viu era como essa cena repetida no passado, mas da última vez ela estava desocupando o lu-gar ao meu lado, não o preenchendo. Quando o clima começou a ser de con-strangimento para ambas partes ela olhou nos meus olhos se desculpou e falou que tinha sido um erro ter impedido minha saída daquela mesa,

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e antes que ela pudesse terminar de levantar eu disse palavras que saíram por vontade própria “você disse que nunca mais voltaria a me procurar, por que isso agora?”. Ela notavel-mente não estava esperando que eu a dirigisse a palavra, então olhou para mim com um olhar curioso e voltou a sentar ao meu lado. E agora quem tinha fi cado muda era ela, eu não insisti e voltei minha atenção para taça pela metade em cima da mesa, olhei também o papel amas-sado e me perdi em lembranças, que eu since-ramente não queria lembrar. Ela me lembrava bons e maus momentos, foi minha primeira e única mulher, meu primeiro e único amor, de-pois dela só me interessava o jazz e o vinho no fi m da semana, minha casa com seu retrato ao lado da cama. Mas não, eu não podia recair, não outra vez. Somente quando minha taça manchada es-tava vazia que eu escutei outra vez sua voz, parecia envergonhada, parecia que minha per-gunta tinha mexido com alguma coisa dentro dela. Ela outra vez voltou a me encarar, e olhando dentro dos meus olhos falou que que-ria voltar, que sabia que aquele era meu lugar preferido e que por isso tinha vindo essa noite

me procurar. O ambiente voltou a ter música, agora de algum CD gravado, baladas que deixavam o clima ainda mais constrangedor. De repente, como se já não bastasse, começa a tocar a música, a nossa música. Parecia inacreditável, fi quei perplexa, isso só acontece comigo. Não sabia se era eu ou o álcool fazendo efeito, mas eu não podia mais suportar. Peguei a carteira dentro da bolsa e deixei o dinheiro debaixo da taça vazia, que pouco a pouco foi manchando de vermelho as notas ali debaixo, ela levantou-se comigo e quando eu virei para me despedir ela me abraçou e ao meu ouvido disse: “me permita ao menos uma última dança.” O garçom que já era amigo, me vendo ali foi em minha direção e eu achando que ele me ia tirar dessa situação o único que ele me tirou foi a bolsa, a pegou de minhas mãos e me piscou um olho, não tive coragem de dizer não e a abracei como nossa primeira vez, ela deitou sua cabeça no meu ombro e eu deitei a minha no seu. Meu coração batia tão forte que tive medo de que ela pudesse sentir com o con-tato de nossos corpos. Eu a desejava, mas não queria voltar a amá-la como antes, uma dança

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a luz fraca com a nossa música não signifi cava que dessa vez seria para sempre, que dessa vez eu não me machucaria. Como eu a desejava, e eu não podia deixar de desejar, mas não podia, não podia seguir com esse aperto no peito que tanto tempo me custou para superar. A música por fi m tinha acabado e o que eu achava que tinha chegado ao seu fi m, na ver-dade estava começando, não era culpa dela, que ao acabar o último acorde me soltou deixando-me livre para ir, mas eram meus braços que, ainda que a tivessem soltado, não queriam se separar daquele corpo. Peguei minha bolsa e fui em direção a porta, pegar um táxi para enfi m ir para casa, ela como sempre fazia me acompanhou até a saída, foi ela quem chamou o táxi, e ela quem abriu a porta do carro para que eu pudesse entrar, sem nenhuma palavra me sorriu um sorriso que eu senti que era de despedida, eu retribuí o sorriso e fui embora dentro do carro. Pelo retrovisor eu vi que ela continuou ali parada, parecia esperar que o carro deixasse de ser visível para que pudesse então partir. Antes que isso acontecesse eu pedi para que o motorista parasse o carro, estacionasse

em qualquer canto. Ele obedeceu, e eu sai do carro e de longe lhe sorri, ela veio andando quase correndo e ao chegar em mim ela parou, parou na minha frente sem saber exatamente o que fazer, sem saber exatamente o que eu queria que ela fi zesse. Então eu fi z o que meu instinto me mandou fazer, a abracei e a convi-dei para ir comigo, entrar no táxi e começar outra vez o que a gente ainda não tinha acaba-do.

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S ou do tipo que se engasga com palavras entaladas na garganta, que desabafa com lágri-mas e tintas manchando o papel. Sou dessas que preferem calar, que preferem economizar frases ditas a luz do dia, sou dessas tímidas. Das que questionam mas não discutem, das que pensam em extremo silêncio interior. Reservada e introspectiva, prefi ro o recanto do lar, comida caseira e fi lme no sofá. Meus sonhos… eu os poderia resumir em duas palavras e mesmo assim não caberiam dentro de uma caixa, grandes e simples vontades que extrapolaram os limites do travesseiro. Eu sou pedaço de mim que ainda não con-heço e muito menos entendo, escrevo a bagunça que arrumei nas gavetas do meu ser. A imaginação desorganizada ponto a ponto, marcando épocas,

evoluindo e caminhando junto a mim, agora dividida e di-vulgada com alheios que não conheço. Medo de errar e de-cepcionar, sem depois ter a chance de me redimir. Quando escrevo pre-fi ro não ter identidade para poder ser quem eu quiser. Digo de antemão que sou simples escrivã de vos-sas vontades, pedidos e sug-

estões serão sempre bem aceitas, assim como reclamações e críticas (construtivas).

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virtual são da autoria de Raianne Senna.

Produção e Design por Raianne Senna e

Nicole Thedin.

2010