livro sobre direitos humanos

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  • 7/22/2019 Livro Sobre Direitos Humanos

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    Governo do Estado de So Paulo

    Secretaria da CulturaMemorial da Resistncia de So Paulo

    Realizao

  • 7/22/2019 Livro Sobre Direitos Humanos

    2/99

    Coordenao

    Ktia Felipini Neves

    Caroline Grassi Franco de Menezes

    So Paulo 2013

    Governo do Estado de So Paulo

    Secretaria da Cultura

    Memorial da Resistncia de So Paulo

    Realizao

  • 7/22/2019 Livro Sobre Direitos Humanos

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    Apresentao 9

    Proposta terico-metodolgica:aprimoramento e atualizao 13

    Quadro programtico 21

    ndiceCurso intensivo de Educao em Direitos Humanos Memria e Cidadania /

    coordenao Ktia Felipini Neves e Caroline Grassi Franco de Menezes ;

    apresentao Ktia Felipini Neves e Caroline Grassi Franco de Menezes ; textos

    Joo Ricardo Wanderley Dornelles [et al.]. So Paulo : Memorial da Resistncia

    de So Paulo : Pinacoteca do Estado, 2013.

    ISBN 978-85-8256-027-3

    Curso realizado pelo Memorial da Resistncia de So Paulo, de 15 a 19 de julho

    de 2013.

    1. Educao em Direitos Humanos. 2. Memorial da Resistncia de So Paulo 3.

    Pinacoteca do Estado de So Paulo Curso Intensivo. I. Apresentao. II. Textos.

    CDD 379

    Aulas

    O que so Direitos Humanos?Joo Ricardo W. Dornelles 25

    De que se fala, quando se diz justia de transio?Glenda Mezarobba 51

    O papel dos educadores nos processos

    educativos em Direitos HumanosCelma Tavares 71

    Educao em Direitos Humanos:pedagogias desde o Sul

    Susana Sacavino 87

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    Para saber mais 175

    Memorial da Resistncia de So Paulo 177

    O Departamento Estadual de OrdemPoltica e Social de So Paulo Deops/SP 179

    Minicurrculos 181

    Ficha tcnica 189

    Mesa-Redonda

    Prticas de Educao em Direitos Humanos:critrios e indicadores para sua identificao

    Ana Maria Klein 111

    Instituto Norberto Bobbio e a experinciade EDH em Paraispolis

    Csar Barreira 135

    Projeto Arte na Casa: Arte-Educao edireitos humanos em espaos de privao de liberdade

    Rodrigo Medeiros 149

    Psteres

    Violaes dos Direitos da Pessoa Humana noMundo do Trabalho em Porto Seguro /BA

    Cristiano Raykil Pinheiro 161

    Iniciativa de Mediao o conflito como disparadorna construo coletiva de um ethos na escola

    Ana Lcia Cato 164

    Tradies Afrobrasileiras, Oralidadee Maracatu de Baque Virado

    Luna Borges Berruezo 166

    Projeto: Poltico ou Idiota? Ampliando horizontes:a vez e a voz do adolescente e da criana

    Evelyn Caroline de Mello 170

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    Apresentao

    Ktia Felipini NevesCoordenadora do Memorial da Resistncia de So Paulo

    Caroline Grassi Franco de MenezesCoordenadora do Programa de Ao Educativa do Memorial da Resistncia de So Paulo

    A realizao da segunda edio do Curso Intensivo de Educao

    em Direitos Humanos Memria e Cidadania reitera o compromisso

    assumido pelo Memorial da Resistncia de So Paulo declarado em sua

    misso, especialmente no que diz respeito a contribuir para a reflexo

    crtica acerca da histria contempornea do pas e para a valorizao dos

    princpios democrticos, do exerccio da cidadania e da conscientizao

    sobre os direitos humanos.

    Acreditamos que o aumento da procura pelo curso (este ano

    inscreveram-se 450 pessoas, contra 357 em 2012), indica no somente

    que a necessidade de iniciativas dessa natureza no pas se mantm,

    como tambm o reconhecimento do Memorial da Resistncia enquanto

    espao de educao no formal e seus esforos voltados capacitao

    de educadores(as).

    O curso resultado do trabalho dedicado da equipe do Memorial

    da Resistncia, do apoio permanente da Pinacoteca do Estado de So

    Paulo, e da parceria com o Instituto do Legislativo Paulista da Assembleia

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    Legislativa do Estado de So Paulo e a Comisso Estadual da Verdade

    Rubens Paiva.

    Esperamos que esta publicao cumpra o papel de ampliar o

    alcance do conhecimento terico discutido durante o curso, inspirando

    educadores(as), estudantes e todos os cidados comprometidos com o

    presente e o futuro.

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    13

    Proposta terico-metodolgica:aprimoramento e atualizao

    Introduo

    A sociedade atual tem amplamente reconhecido a existncia dosdireitos individuais e coletivos, mas temos conseguido conviver com

    respeito e tolerncia com as diferenas? A convico de que a cons-

    truo e o fortalecimento de uma cultura em Direitos Humanos esto

    diretamente vinculados ao desenvolvimento de processos educativos e

    experincia democrtica norteou o aprimoramento e a atualizao da

    proposta do curso em 2013.

    Com base na anlise crtica do curso realizado em 2012 composta

    pelos relatrios dos mediadores; pelos questionrios preenchidos pelos alu-

    nos e a respectiva organizao desses dados; pelo encontro de avaliao

    coletiva das equipes, e pela constatao das dificuldades de continuidade

    dos projetos educativos , revelaram-se necessrias algumas alteraes. No

    que diz respeito metodologia do curso, criamos sesses especficas para

    apresentao e discusso de psteres, aperfeioamos a proposta geral da

    Oficina de Projetos Educativos (por meio da possibilidade de inscrio nos

    temas propostos, de acordo com o interesse individual dos alunos; do refi-

    namento do roteiro de construo dos projetos; e do melhor aproveitamento

    do tempo de trabalho em grupo e da apresentao final) e elaboramos uma

    nova proposta de Grupo de Trabalho com o tema Cultura de Paz. Ainda

    com a preocupao de ampliar o saber experencial, oferecemos como ativi-

    dade complementar uma Roda de Conversa com ex-preso poltico.

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    Para a realizao do curso, agradecemos o importante apoio do Institu-

    to do Legislativo Paulista (ILP)2e da Comisso Estadual da Verdade Rubens

    Paiva3,assim como a dedicao e o comprometimento da Comisso de Apoio,

    dos mediadores e de toda a equipe do Memorial da Resistncia e da Pinacote-

    ca do Estado, fundamentais no desenvolvimento dos trabalhos desta edio.

    A publicao resultado da reunio dos textos das aulas, da mesa-

    redonda, dos psteres e outras referncias da edio 2013 do curso com os da

    edio anterior, e esperamos que logre ampla difuso, de forma a contribuir

    com informaes, ideias e inquietaes no somente junto aos educadores(as)e interessados na Educao em Direitos Humanos, mas principalmente entre

    aqueles que desconhecem esse universo temtico to importante para o for-

    talecimento da experincia democrtica na nossa sociedade.

    Alm disso, tendo em vista estimular o dilogo entre os alunos des-

    de o princpio do curso, conforme sugestes da avaliao do grupo da edi-

    o anterior, acrescentamos um caf de boas-vindas e um momento para

    apresentaes, realizado por meio do compartilhamento de objetos pesso-

    ais significativos de cada um.

    Com certeza, a proposta e o desenvolvimento do curso sero marca-

    dos, a cada ano, por diferentes naturezas de aprimoramentos, pois alm de

    acreditarmos que a coeso entre os trs eixos orientadores necessitam de

    constante fortalecimento, as alteraes implementadas neste ano na estru-tura geral contriburam com a imerso no universo dos Direitos Humanos,

    a conscientizao e a transformao pessoal dos participantes enquanto

    cidados e educadores(as).

    O curso foi realizado entre os dias 15 e 19 de julho de 2013 com a

    participao de 90 alunos, majoritariamente profissionais residentes no es-

    tado de So Paulo1e atuantes na Educao Bsica, Educao Tecnolgica,

    Ensino Superior, segurana pblica, projetos sociais, organizaes no go-

    vernamentais e instituies de assistncia social, entre outras. A seleo

    dos educandos novamente se mostrou desafiadora, uma vez que mantive-

    mos o objetivo de buscar a maior abrangncia de reas de atuao. Nes-

    sa questo, fundamental reiterar que esperamos que cada profissional

    selecionado assuma a responsabilidade de compartilhar os conhecimentos

    adquiridos e as experincias vividas, multiplicando-os por meio de proje-

    tos educativos, pelo menos em suas comunidades de origem.

    1Alm do estado de So Paulo, tivemos alunos da Bahia, Mato Grosso e Minas Gerais.

    2O Instituto do Legislativo Paulista (ILP) foi criado em 2001 para constituir-se num espao

    de atividades educativas e intelectuais dentro da Assembleia Legislativa do Estado de So

    Paulo mediante a realizao de cursos, seminrios, pesquisas e debates. Seu objetivo ser

    uma interface para a troca de experincias entre o Poder Legislativo e a sociedade, alm de

    promover a qualificao e o aprimoramento dos seus recursos humanos. Por isso, suas ativi-

    dades so oferecidas gratuitamente para o pblico interno e para o externo, por meio de con-

    vnios e parcerias, sendo fundamentais para o trabalho legislativo caminhar em consonncia

    com o conhecimento produzido pela sociedade, superar parte da distncia entre poder e

    povo, e ampliar o espao para a legislao participativa e a iniciativa popular.

    3A Comisso da Verdade do Estado de So Paulo Rubens Paiva foi a primeira comisso es-

    tadual dessa natureza, criada pela Resoluo n. 879, de 10 de fevereiro de 2012. Sua principal

    finalidade colaborar com a Comisso Nacional da Verdade, efetivando o direito memria

    e verdade histricas e promovendo a consolidao do Estado de Direito Democrtico. Ao

    final dos trabalhos, previstos para dezembro de 2014, a Comisso Rubens Paiva dever

    apresentar relatrio circunstanciado do seu trabalho e dos resultados obtidos, para ampla

    divulgao na sociedade.

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    dade com princpios e valores que dignifiquem o ser humano, com vistas

    implantao de uma cultura em Direitos Humanos, permeada no somente

    pela tolerncia e pelo respeito s liberdades fundamentais e igualdade,

    mas tambm pela indignao e atuao frente s injustias sociais.

    A formao de educadores(as) em Direitos Humanos deve ser esta-

    belecida, em primeiro lugar, com base na necessidade de abertura e ree-

    ducao da percepo social. Considerando que o educador no um mero

    transmissor de contedos, mas que se comporta coerentemente com uma

    postura tica em relao aos Direitos Humanos, fundamental que as for-mas de percepo e representao social sejam discutidas, compreendidas

    e reformuladas, especialmente as relacionadas com estigmas e estereti-

    pos preconceituosos. A EDH que efetivamente alcana resultados no des-

    vincula o discurso da vivncia cotidiana.

    Em segundo lugar, a formao de educadores em Direitos Humanos

    deve se basear em prticas pedaggicas pautadas na interdisciplinaridade

    e na multidimensionalidade, estimulando-as: a complexa fundamentao

    filosfica dos Direitos Humanos vincula-se a uma concepo do conheci-

    mento equilibrada entre as especificidades e a integrao entre as diferen-

    tes cincias. Nessa perspectiva, possvel contribuir com a formao de

    indivduos que tenham uma percepo global, e no fragmentria e indivi-

    dualizada, da realidade social.

    A Educao em Direitos Humanos (EDH) representa uma das mais

    importantes propostas metodolgicas voltadas a educar as novas geraes

    para a democracia. Essa perspectiva compreende, essencialmente, promo-

    ver a formao de cidados que vivam os valores republicanos e democr-

    ticos, e que participem ativamente da vida pblica, ou seja, a formao de

    indivduos conscientes da dignidade humana sua e de seus semelhantes

    , conhecedores dos seus direitos e deveres e, assim, aptos para exercer

    sua soberania como cidados.

    Objetivos

    Promover a capacitao de educadores(as) no mbito da Edu-cao em Direitos Humanos (EDH), de forma a propiciar a aqui-

    sio de conhecimentos especficos, a troca de experincias, a

    reflexo crtica e a elaborao de projetos educativos;

    Desenvolver uma rede de prticas educativas em Direitos Hu-manos, com vistas articulao e troca entre educadores(as) e

    outros profissionais, somando esforos s iniciativas em rede jexistentes na rea.

    Pblico-alvo

    Educadores formais (de Educao Bsica, Profissional, Tecnolgica

    e Superior) e no formais (de organizaes no governamentais, museus,

    movimentos populares, projetos socioeducativos etc.) dos mais variados

    mbitos de atuao e oriundos de diversas regies do pas.

    Metodologia

    Em conformidade com o documento Contedos Referenciais para a

    Educao em Direitos Humanos, proposto pelo Comit Nacional de Edu-

    cao em Direitos Humanos, o projeto do curso considera a EDH um pro-

    cesso contnuo, pois a sua prtica pedaggica se pauta pelas situaes e

    relaes que permeiam a vida cotidiana, com base em princpios como re-

    corrncia e coerncia. A EDH promove, portanto, processos educativos cr-

    ticos e ativos, que despertem as responsabilidades cidads em conformi-

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    acadmica no mbito dos eixos orientadores, sendo assim os

    responsveis pela discusso terico-metodolgica;

    Grupos de trabalho:espaos dirios de reflexo, discusso, tro-cas de experincia e construo conjunta entre os participantes.

    A dinmica inclui visitas educativas exposio de longa dura-

    o do Memorial;

    Oficina de projetos educativos:o curso culmina com a ofici-na, de forma que os participantes possam aplicar o conheci-

    mento na elaborao de novas propostas ou na readequaodaquelas j existentes, de acordo com seus respectivos con-

    textos socioeducativos;

    Psteres:apresentao e discusso de experincias educativasrealizadas pelos participantes, favorecendo o dilogo com uma

    diversidade de iniciativas no mbito dos Direitos Humanos; per-

    manecem expostos durante todo o curso.

    Aps o encerramento, o curso foi analisado criticamente por meio de

    avaliaes escritas individuais dos participantes, a respeito de sua estru-

    tura e seu programa, dos resultados alcanados e das expectativas pesso-

    ais e profissionais; de relatrios analticos dos mediadores, tendo em vista

    a experincia cotidiana de acompanhamento dos grupos de trabalho; e da

    sistematizao dos dados levantados por meio desses instrumentos.

    A EDH se pauta pela perspectiva interdisciplinar e multidimen-

    sional entre Direitos Humanos, conhecimento e realidade, e se compro-

    mete com a mudana social em nvel de percepes, atitudes e relaes,

    reservando aos educadores um papel central nesse processo. Partindo

    dessas premissas, o Curso Intensivo de Educao em Direitos Humanos

    Memria e Cidadania est estruturado numa proposta terico-prtica

    organizada em trs eixos orientadores saber curricular, saber pedag-

    gico e saber experiencial da formao docente em Direitos Humanos.

    Nesse sentido, o programa do curso estrutura-se em trs eixos

    orientadores, os quais constituem a chamada formao docente em

    Direitos Humanos:

    Saber curricular:contedos formais especficos de Direitos Huma-nos, do ponto de vista conceitual, histrico, filosfico e normativo;

    Saber pedaggico:metodologias educativas para processos for-mativos em Direitos Humanos;

    Saber experiencial:vivncia cotidiana, sensibilizao e coern-cia tica frente aos Direitos Humanos.

    Por meio da apresentao e da discusso de subsdios conceituais

    e metodolgicos da EDH, o programa busca estimular os participantes

    reflexo crtica e incentiv-los ao desenvolvimento de prticas educativas

    compromissadas com a formao tica e cidad. A abordagem terico-pr-

    tica do curso desenvolvida por meio de:

    Aulas e mesa-redonda:ministradas por professores e pales-trantes convidados tendo em vista sua atuao profissional e

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    20 21

    Referncias bibliogrficas

    BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Educao para a democracia. Lua Nova: Revista deCultura e Poltica, n.38, dez. 1996, p.223-237.

    BRASIL. Comit Nacional de Educao em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educao emDireitos Humanos. Braslia: Secretaria Especial dos Direitos Humanos; Ministrio da Educao;Ministrio da Justia; Unesco, 2007.

    BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica. Programa Nacional deDireitos Humanos (PNDH-3). Braslia, 2010.

    DORNELLES, Joo Ricardo W. O que so Direitos Humanos. So Paulo: Brasiliense, 2006. 2.ed.(1993), 1 reimpr. (Coleo Primeiros Passos).

    FESTER, Antonio Carlos Ribeiro (Org.). Dire itos Humanos: um debate necessrio. v.2. 3.ed. SoPaulo: Brasiliense; Costa Rica: Instituto Interamericano de Direitos Humanos, 2008.

    FREIRE, Paulo. Extenso ou comunicao? 8.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. (Coleo OMundo, Hoje, 24).

    HEIN, George E. Uma teoria democrtica de educao em museu: democracia e museus. In:ENCONTRO INTERNACIONAL DILOGOS EM EDUCAO, MUSEU E ARTE, 2010, Porto Ale-gre, So Paulo, Recife. Anais... So Paulo: Santander Cultural; Pinacoteca do Estado de SoPaulo. p.1-12. (1 CD-ROM).

    MARANDINO, Martha (Org.). Educao em museus: a mediao em foco. So Paulo: GEENF/FEUSP, 2008.

    MORGADO, Patricia. Prticas pedaggicas e saberes docentes na Educao em Direi tos Huma-nos. Rio de Janeiro, 2001. Disponvel em: www.anped.org.br/reunioes/25/patricialimamorga-dot04.rtf/; Acesso em: 24 abr. 2011.

    SILVEIRA, Rosa Maria Godoy et al. (Org.). Educao em Direitos Humanos: fundamentos teri-co-metodolgicos. Joo Pessoa: Editora Universitria/UFPB, 2007.

    Quadroprogramtico

    Horrio

    I-EixoOrientador:

    Sabercurricular

    II-EixoOrientador:

    Saberpedaggico

    III-EixoOrientador:

    Saberexperencial

    Segunda-feira-dia15/07

    Tera-feira-dia16/07

    Quarta-feira-dia17/07

    Quinta-feira-dia18/07

    Sexta-feira-dia19/07

    9h-9h30

    Recepo

    Cafdamanh

    Local:cafeteria

    Apresenta

    ode

    psteres

    Local:sala

    anexa

    Apresentaode

    psteres

    Local:salaanexa

    Apresentaode

    psteres

    Local:salaanexa

    Mesa-redonda

    PrticaseducativasemDireitosHumanos:

    relatosdeexperincias

    -PrticasdeEducaoemDireitos

    Humanos:critrioseindicadoresparasua

    identificao

    Profa.AnaMariaKlein

    UNESPSoJosdoRioPreto/SP

    -InstitutoNortertoBobbioeaexperincia

    deEDHemParaispolis

    CsarBarreira

    SoPaulo/SP

    -ProjetoArtenaCasa-ONGAo

    Educativa

    RodrigoMedeiros

    SoPaulo/SP

    Local:auditrio

    9h30-12h

    Apresentaodocurso

    Apresentaodosalunos

    Local:auditrio

    Gruposde

    trabalho

    Sensibili

    dade

    tica

    Local:auditrio,sala

    anexaeate

    lis

    Aula

    Opapeldoseducadores

    nosprocessos

    educativosemD

    ireitos

    Humanos

    Profa.CelmaTavares

    (NEPEDH/UFPE)

    Local:auditrio

    Aula

    EducaoeDireitos

    Humanos:umapropo

    sta

    metodolgica

    Profa.SusanaSacavino

    (Novamerica/RJ)

    Local:auditrio

    12h-13h30

    Almoo(livre)

    13h30-

    15h30

    Aula

    OquesoDireitos

    Humanos?

    Prof.JooRicardo

    WanderleyDornelles

    (PUC/RJ)

    Local:auditrio

    Aula

    Justiade

    Transio

    eaconsolidaodos

    DireitosH

    umanos

    Profa.Glen

    daMezarobba

    (UNICAMP

    )

    Local:auditrio

    Aula

    EducaoemD

    ireitos

    Humanos:pedagogias

    desdeoSul

    Profa.SusanaSacavino

    (Novamerica/RJ)

    Local:auditrio

    Oficinadeprojetos

    educativos

    Locais:auditrio,sala

    anexaeatelis

    Apresentaodosprojetoseducativos

    Local:auditrio

    Encerramento

    15h30-16h

    caf(Local:cafeteria)

    16h-18h

    Visitaseducativasao

    MemorialdaResistncia

    Gruposde

    trabalho

    Culturad

    ePaz

    Locais:au

    ditrio,sala

    anexaeat

    elis

    Gruposdetrabalho

    Mudanae

    TransformaoSocial

    Locais:auditrio,sala

    anexaeatelis

    Oficinadeprojetos

    educativos(continua

    o)

    Confraternizao

    Local:cafeteria

    Horrio

    AtividadeComplementar-Sbado-dia20/07

    10h30-12h

    RodadeConversacomex-presopoltico

  • 7/22/2019 Livro Sobre Direitos Humanos

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    Aulas

  • 7/22/2019 Livro Sobre Direitos Humanos

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    25Saber curricular

    O que so Direitos Humanos?

    Joo Ricardo W. Dornelles

    Responder pergunta o que so Direitos Humanos exige uma anli-

    se sobre os seus fundamentos histricos e filosficos e uma avaliao sobre o

    processo de ampliao conceitual que se desenvolveu a partir do sculo XVIII.

    A histria das sociedades humanas, especialmente a partir do Ilu-minismo, apresentou diferentes testemunhos documentais na luta pela

    emancipao humana.

    Ao contrrio do que afirmado por algumas concepes mais con-

    servadoras, existem diferentes maneiras para entendermos o que so

    Direitos Humanos. Para alguns se trata de direitos naturais, inerentes

    vida, segurana individual, aos bens que preservam as condies de

    humanidade de cada indivduo. Para outros so valores que se expressam

    no reconhecimento legislativo do Estado. Alguns entendendo serem di-

    reitos inerentes natureza humana; outros afirmando que so a expres-

    so de uma conquista social atravs de um processo de luta poltica.

    Enfim, um tema como tambm ocorre com a democracia, a liber-

    dade e a justia que tem recebido diferentes significados e interpreta-

    es, muitas vezes contraditrios entre si. Portanto, trata-se de um tema

    complexo que expressa as relaes de poder existentes nas sociedades em

    determinado contexto histrico.

    Assim, fundamental entender que os Direitos Humanos, antes de

    tudo, apresentam um claro contedo poltico e ideolgico, no existindo

    uma uniformidade conceitual sobre o tema.

    O conceito de Direitos Humanos apresenta uma srie de interpreta-

    es que dependem da orientao que se tenha sobre o fenmeno jurdico,

  • 7/22/2019 Livro Sobre Direitos Humanos

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    26 27Saber curricular

    (1992). Para o jurisfilsofo italiano, uma iluso atribuir um fundamento ab-

    soluto aos Direitos Humanos, j que so direitos histricos, portanto, relati-

    vos. Porm, Bobbio afirma existirem vrias perspectivas para o tratamento

    da questo dos Direitos Humanos: filosfica, tica, poltica, histrica, cultu-

    ral etc. necessrio ressaltar que existem relaes entre essas perspectivas.

    Assim, podemos dizer, inicialmente, que no existe um conceito

    uniforme sobre o que so Direitos Humanos. E que o seu contedo e for-

    mato objeto de intensa luta poltica e ideolgica nas sociedades.

    Os direitos e valores considerados fundamentais variam de acordocom o modo de organizao da vida social e o contexto histrico. Dessa for-

    ma que se torna impossvel determinar um nico e absoluto fundamento

    dos Direitos Humanos. Ao contrrio, podemos partir de trs concepes di-

    ferentes no campo da fundamentao filosfica e jurdica: concepes ide-

    alistas; concepes jurdico-positivistas; concepo histrico-estrutural.

    As concepes idealistasnos remetem ao campo do modelo jusna-

    turalista moderno e buscam a sua base de fundamentao em uma viso

    abstrata, metafsica, ideal, identificando os Direitos Humanos a valores in-

    formados por uma ordem de princpios e condies pretensamente ineren-

    tes natureza humana. Tal ordem superior metafsica se expressaria como

    preexistente sociedade e existncia do Estado poltico, tendo como fun-

    damento ltimo a natureza humana e a razo. Os direitos, nessas correntes

    do pensamento moderno, seriam inerentes ao indivduo e, desta forma,

    Direitos Naturais supraestatais e suprassociais.

    As concepes jurdico-positivistas, partindo da filosofia positi-

    vista, entendem os Direitos Humanos como Direitos Fundamentais e no

    como valores suprapositivos. So direitos desde que sejam efetivamente

    reconhecidos pela ordem jurdica positiva. A fundamentao dos Direitos

    Humanos e a sua verdadeira existncia dependem do reconhecimento pr-

    vio de tais direitos por parte do Estado, mediante sua elaborao legislativa.

    a sociedade e as relaes de poder.

    O autor espanhol Enrique Pedro Haba (cit. em Picado, 1987, p.13),

    por exemplo, apresenta trs momentos distintos em sua classificao:

    Direitos Humanos, entendidos como a expresso axiolgica que serve

    como base para a sua positivao jurdica, ou seja, os direitos como valor,

    como o conjunto de princpios norteadores da lei; Direitos Fundamentais,

    como a expresso positivada, especialmente a partir dos textos constitu-

    cionais, daquela dimenso valorativa original; e Liberdades Individuais,

    como uma categoria que se refere s liberdades que se caracterizam nasrelaes sociais, a manifestao ftica dos direitos previstos legalmente,

    o exerccio efetivo dos direitos reconhecidos na lei como fundamentais.

    J outro autor, tambm espanhol, Gregrio Peces-Barba, no faz a

    mesma distino. Parte de uma nica definio de Direitos Fundamentais,

    afirmando que todos os direitos so humanos, visto que apenas o ser hu-

    mano sujeito de direito capacitado para o seu pleno exerccio. Para Pe-

    ces-Barba, portanto, a preocupao estabelecer dentre todos os direitos

    que so humanos, aqueles que so considerados essenciais.

    A fundamentao dos Direitos Humanos, assim, passa por inmeras

    definies. Seja entendendo-os como valor, seja apenas como direitos que

    se tornam fundamentais a partir da existncia de dispositivos jurdicos.

    Diversas denominaes foram utilizadas a partir dos sculos XVII e XVIII

    sobre o tema, tais como Direitos Naturais, Direitos do Homem, Direitos

    Individuais, Direitos Civis, Liberdades Pblicas etc. O que importa que

    aps 1948, com a Declarao Universal da Organizao das Naes Unidas,

    tornou-se usual a denominao de Direitos Humanos, pela sua importncia

    simblica e abrangncia, expressando um carter de universalidade para

    todos os seres humanos.

    Observamos tambm que a discusso sobre os fundamentos dos

    Direitos Humanos recebeu um tratamento particular de Norberto Bobbio

  • 7/22/2019 Livro Sobre Direitos Humanos

    15/99

    28 29Saber curricular

    desdobramentos ocorridos nos sculos XVII e XVIII, no cenrio da Euro-

    pa Ocidental, que surgiram as condies objetivas e subjetivas que pos-

    sibilitaram a modificao das referncias de conhecimento, com o desen-

    volvimento de novos paradigmas socioculturais, ticos e estticos que se

    expressaram atravs do Renascimento Cultural e da Reforma Protestante,

    em que a valorizao do indivduo e a noo de livre arbtrio abriram o ca-

    minho para a posterior constituio do modelo jusnaturalista moderno.

    O processo que levou constituio da noo de indivduo-pessoa

    humanacomo valor-fonte de ordenamento da vida social se apresentou for-malmente a partir do jusnaturalismo moderno, com a elaborao da noo

    de direitos inatos como verdade evidente, medida da comunidade polti-

    ca, mas dela mantendo-se independente. Tal processo marca a passagem

    para uma nova era, o projeto civilizatrio da modernidade, que tem como

    principais elementos fundantes os conceitos de universalidade, individua-

    lidadee autonomia. , portanto, dessa matriz civilizatria que se constitui

    a referncia-valor dos direitos fundamentais do ser humano.

    A passagem das prerrogativas estamentais para os direitos do ho-

    mem encontra na Reforma, que assinala a presena do individualismo

    no campo da salvao, um momento importante de ruptura com uma

    concepo hierrquica de vida no plano religioso, pois a Reforma trou-

    xe a preocupao com o sucesso no mundo como sinal da salvaoindividual. (Lafer, 1988)

    Partindo da ruptura dos referenciais socioculturais do medievo, a no-

    o de direito natural se laiciza primeiramente com Grcio, mas sem dvi-

    da nenhuma, principalmente a partir de Hobbes (Bobbio; Bovero, 1986).

    Ou seja, a partir do sculo XVI e mais precisamente do sculo XVII

    se formulou a moderna doutrina sobre os direitos naturais, preparando

    o terreno ideolgico e poltico para a transio do feudalismo para a socie-

    Os direitos fundamentais para o ser humano seriam apenas aqueles que

    emanam do Estado.

    A concepo histrico-estrutural, de carter crtico-materialista, se

    desenvolveu a partir do sculo XIX, com a contribuio de Karl Marx (2007;

    2010), no apenas nas suas obras de juventude, ao fazer a crtica ao con-

    ceito idealista de Direitos Humanos nos marcos da ascenso da burguesia

    e ao tratar do tema da emancipao poltica e da necessria luta contra a

    alienao e a emancipao humana. Os Direitos Humanos, dessa forma,

    so um conceito resultante dos processos histricos, das conquistas so-ciais e polticas a partir das lutas dos povos pela emancipao. So marca-

    dos por contingncias econmicas, polticas e ideolgicas, expressando-se

    atravs de conquistas sociais. Nesse campo, os valores e princpios so

    a expresso da prxis social e potencializam as demandas concretas por

    reconhecimento jurdico-formal e o exerccio pleno e material dos direitos.

    importante notar que, partindo da impossibilidade de uma funda-

    mentao nica e absoluta dos Direitos Humanos, percebe-se que desde

    o sculo XVIII houve um processo de ampliao conceitual, resultante das

    lutas sociais e das conquistas de direitos.

    Direitos da liberdade: os direitos individuais, civise polticos

    Apesar de os termos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais te-

    rem aparecido na Frana durante o sculo XVIII, e de sua formulao ju-

    rdico-positiva no plano do reconhecimento constitucional datar do sculo

    XIX, as origens de sua fundamentao filosfica remontam aos primrdios

    da civilizao humana.

    Foi somente a partir da passagem do sculo XV para o XVI, e dos

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    30 31Saber curricular

    A noo jusnaturalista do Contrato Social, como gnese do Estado,

    foi difundida durante o sculo XVIII, dando origem concepo contratua-

    lista do direito e da sociedade. O contratualismo, tendo por base a igualdade

    jurdica, aparece como forma de superao do direito baseado em privil-

    gios fundado no status e a constituio de um direito baseado na vonta-

    de individual. O indivduo passa a ser entendido como valor-fonte do direito.

    No decorrer do sculo XVIII, caracterizado pela filosofia iluminista e

    pela radicalizao do confronto com o absolutismo, foram apresentadas as

    ideias de pensadores como Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) que inspi-raram os movimentos revolucionrios na Frana e na Amrica. o perodo

    que preparava as grandes transformaes sociais e polticas que levaram

    elaborao da Declarao de Direitos de Virgnia, em 1776, e da Declarao

    de Direitos do Homem e do Cidado, aprovada pela Assembleia Nacional

    Francesa, em agosto de 1789.

    O pensamento de Rousseau desenvolveu-se afirmando a existn-

    cia de uma condio natural humana de felicidade, virtude e liberdade.

    Ao contrrio de Locke, entendia que a civilizao que limita as condies

    naturais de felicidade humana. Assim, Rousseau afirmou que o homem

    nasce livre, e por toda parte encontra-se a ferros (Rousseau, 1973, p.28).

    Para Rousseau, a propriedade era a fonte da desigualdade humana e,

    como tal, da perda da liberdade. Os indivduos, mediante um pacto danoso,

    iludidos, teriam aberto mo de sua soberania e formado a sociedade civil

    onde se tornaram desiguais e prisioneiros. Presos a uma ordem desigual,

    visto que alguns teriam se apropriado de forma fraudulenta dos bens da

    natureza que a todos pertencem. O resgate da condio natural de liberdade

    e igualdade somente seria possvel com um novo pacto, dessa vez racional,

    com base na vontade livre e consciente de cada indivduo e objetivando

    a constituio da Repblica, do bem comum, como patamar superior das

    condies do Estado de Natureza. Com o Contrato Social os indivduos recu-

    dade burguesa. Tratava-se no mais da fundamentao do direito divino,

    mas sim de propor a razo como o fundamento do direito.

    Foi com o pensador ingls Thomas Hobbes, no sculo XVII, que se

    desenvolveu o chamado modelo jusnaturalista moderno, em que a funda-

    o do Estado Poltico seria resultado de uma ao pela manifestao da

    livre vontade dos indivduos. Inicia-se um tipo de formulao que passou a

    influenciar o pensamento filosfico-poltico, levando constituio do mo-

    delo liberal da sociedade e do Estado.

    Com outro pensador ingls, John Locke, j no final do sculo XVII,desenvolveu-se a teoria da liberdade para proteger a propriedade como

    valor fundamental.1

    Assim, para Locke a condio prvia para o pleno exerccio da liber-

    dade seria a garantia do direito propriedade. Dessa concepo individua-

    lista burguesa, que marca o pensamento lockiano, nasceu a moderna ideia

    do cidado, e de uma relao contratual entre os indivduos na qual a pro-

    priedade, a livre iniciativa econmica e uma relativa margem de liberdades

    polticas e de segurana pessoal seriam garantidas pelo poder pblico.

    Locke apontava a propriedade como o direito natural fundamental

    e inalienvel do ser humano, o direito-fonte, do qual decorrem os demais

    direitos dos indivduos. A proteo ao direito natural da propriedade seria,

    ento, o motivo pelo qual cada indivduo cede parcelas de suas liberdades

    e direitos para a formao da instncia que proteger a existncia desse

    direito, ou seja, o Estado-Governo.

    1 importante notar que Locke utiliza a noo de propriedade com dois sentidos: a) o pri-meiro, mais amplo, como o conjunto das capacidades e potencialidades do indivduo para amanuteno da prpria existncia e da sua liberdade. Trata-se da noo de propriedade comoparticularidade humana de autodeterminao; b) o segundo sentido, restrito, seria entendidocomo o resultado do exerccio da propriedade que cada ser humano tem de determinar a pr-pria existncia mediante sua relao com a natureza e utilizando o seu potencial e criatividadeatravs do trabalho. O resultado a constituio da propriedade material, produto do trabalhohumano individual, no exerccio de um direito inalienvel de autodeterminao e autossufici-ncia humana.

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    32 33Saber curricular

    Sob a inspirao da Constituio dos Estados Unidos da Amrica,

    os demais pases das Amricas, recm-independentes no incio do sculo

    XIX, passaram por um processo de constitucionalizao dos Direitos Hu-

    manos, mediante a positivao dos direitos individuais, agregando um ca-

    ptulo especfico em suas Cartas Magnas. Essas constituies restringem-

    se ao reconhecimento formal das garantias de direitos individuais.

    Portanto, os Direitos Humanos em seu primeiro momento moderno,

    ou em sua primeira gerao, so a expresso das lutas da burguesia revolu-

    cionria, com base na filosofia iluminista e na doutrina liberal, reconhecendodireitos contra o despotismo dos antigos Estados Absolutistas. Materiali-

    zam-se como Direitos Civis e Polticos, ou como Direitos Individuais atribu-

    dos segundo a tradio jusnaturalista a uma pretensa condio natural

    do ser humano, como direitos inerentes condio de ser humano. So a

    expresso formal de necessidades individuais que requerem a absteno do

    Estado para a garantia de seu pleno e livre exerccio. O legado do jusnatura-

    lismo nos proporciona direitos que no devem ser invadidos pelo Estado, e

    que por este devem ser protegidos contra a ao de terceiros (Bobbio, 1988).

    Os direitos coletivos da igualdade: Direitos Humanoseconmicos, sociais e culturais (DHESCs)

    A segunda metade do sculo XVIII assistiu a grandes transforma-

    es na sociedade capitalista liberal, ganhando desenho mais definido na

    passagem para o sculo XIX. Os primeiros 70 anos do sculo XIX marcaram

    a consolidao do Estado Liberal e o grande desenvolvimento da economia

    capitalista urbano-industrial. Porem, a liberdade de mercado, a necessida-

    de de desenvolvimento no processo produtivo para fazer frente compe-

    tio, a consolidao dos mercados nacionais nas sociedades da Europa

    perariam sua igualdade, como condio primeira para o exerccio pleno do

    direito liberdade. A soberania dos indivduos seria recuperada sob as no-

    vas condies do Contrato Social e da Vontade Geral expressa na Repblica.

    interessante notar que o pensamento de Rousseau ultrapassa as

    limitaes elitistas do liberalismo clssico, introduzindo uma concepo ra-

    dical-democrtica que se coaduna com as condies histricas da Frana do

    sculo XVIII, em que a burguesia aparecia no cenrio sociopoltico como uma

    classe revolucionria, vanguarda na luta contra o absolutismo feudal, aglu-

    tinando em torno de seus projetos um enorme contingente de segmentossociais, possibilitando o amadurecimento das condies subjetivas que leva-

    ram derrocada do antigo regime e instaurao da nova ordem burguesa.

    Foi a partir dessas lutas travadas pela burguesia europeia contra

    o Estado Absolutista que surgiram as condies para a instituio formal

    de um elenco de direitos que passariam a ser considerados fundamentais

    para a totalidade dos seres humanos. E, como vimos, esse elenco de di-

    reitos coincidia com os interesses imediatos no somente da burguesia

    ascendente, mas tambm das amplas massas populares em sua luta contra

    os privilgios da aristocracia.2No entanto, eram direitos que primeiramen-

    te satisfaziam s necessidades da burguesia, dentro do processo de cons-

    tituio do livre mercado (direitos da liberdade individual expressando-se

    como livre iniciativa econmica, livre manifestao da vontade, liberdade

    contratual, liberdade de pensamento, liberdade de ir e vir, trabalho livre

    etc.) e, consequentemente, criando as condies para a consolidao do

    modo de produo capitalista. Para isso foi fundamental a formao do Es-

    tado Liberal e dos movimentos constitucionalistas para o reconhecimento

    formal dos direitos dos indivduos.

    2 Marx na sua obra Sobre a questo judaica, de 1844, trabalhou a diferena entre os concei-tos de emancipao poltica e emancipao humana. As conquistas da Revoluo Francesa edas lutas dos povos contra o absolutismo marcaram, para Marx, um momento significativo deemancipao poltica.

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    34 35Saber curricular

    influenciado pela filosofia positivista, que marcou o sculo XIX. O positivis-

    mo surge buscando explicar a realidade social visando manuteno da or-

    dem burguesa. dentro desse marco que surgiram as Cincias do Homem

    (Cincias Humanas e Sociais), como um conjunto de saberes e disciplinas

    pretensamente cientficas que explicariam os problemas sociais existentes

    na sociedade burguesa-industrial, legitimando as suas prticas discrimina-

    trias, racistas, etnocntricas e excludentes de grandes contingentes popu-

    lacionais. O positivismo identificava os problemas sociais e a marginalidade

    que ameaavam a ordem burguesa no como produtos da lgica do modelode desenvolvimento capitalista, mas sim como resqucios do passado, como

    expresso no civilizada que perdurava na sociedade industrial.

    Do ponto de vista do pensamento socialista, o marxismo apresen-

    tou-se como a crtica mais contundente referncia liberal. Observemos

    que Karl Marx, em Sobre a questo judaica, de 1844, analisa o conceito

    de Direitos Humanos como princpios de carter individualista-burgus,

    marcados pela ideologia liberal. Dessa maneira, a pretenso a um carter

    universal desses direitos no afastaria a sua verdadeira natureza liberal-

    burguesa. Ao contrrio, a sua universalidade aparece exatamente quando

    a burguesia revolucionria do sculo XVIII conseguiu encarnar como con-

    quista sua as demandas e os interesses de amplos segmentos humanos

    que puderam ser generalizados na luta contra o poder desptico do ab-

    solutismo. Porm, para Marx, as declaraes formais de Direitos Huma-

    nos no faziam mais do que formalizar as condies reais da sociedade

    burguesa, com uma separao entre os espaos pblico e privado. Essa

    dicotomia pblico-privado se materializa com a distino entre as esfe-

    ras de atuao do ser humano. Uma clara separao entre o Homem e

    o Cidado. Dessa maneira, os Direitos Humanos seriam os direitos que

    se estabelecem na esfera privada, o que remeteria s condies do mer-

    cado, ou ao posicionamento de cada indivduo na sua distino com os

    Ocidental principalmente na Inglaterra , a formao do proletariado ur-

    bano, a progressiva concentrao do capital, entre outras coisas, passaram

    a apresentar os primeiros sinais de crise da nova sociedade capitalista.

    Aps o perodo denominado de Era da Revolues pelo historiador

    ingls Eric Hobsbawm, temos j formado o Estado Liberal, uma economia

    capitalista de mercado com base industrial e um ordenamento jurdico ba-

    seado na igualdade jurdica, adequado ao funcionamento de uma socieda-

    de burguesa. Segundo Hobsbawm, o incio da Era do Capital, que se

    desenvolveu e levou, no decorrer do sculo XIX, ao surgimento de contra-dies no seio do prprio modelo de sociedade.

    A Revoluo Industrial, ao mesmo tempo em que elevou a patama-

    res nunca vistos na histria humana a capacidade de produo e a produti-

    vidade do trabalho, com um fenomenal desenvolvimento das foras produ-

    tivas, destruiu violentamente o modo de vida tradicional dos trabalhadores

    e introduziu a rgida disciplina do sistema fabril. As condies de vida dos

    trabalhadores eram deplorveis, com jornadas de trabalho inclusive para

    crianas e mulheres de cerca de 15 horas dirias, sem leis sociais, tra-

    balhistas ou previdencirias, sob condies de absoluta insegurana. Afi-

    nal, tratava-se do Estado Liberal, que no deveria intervir na sociedade e

    nas relaes econmicas. As condies de vida nas cidades tambm eram

    terrveis, no que se refere moradia, ao saneamento bsico e infraestru-

    tura para a existncia do bem-estar social. O resultado era uma legio de

    desempregados, miserveis, alm de diversos problemas sociais como o

    alcoolismo, a prostituio e a criminalidade (Hunt; Sherman, 1978).

    O novo quadro do capitalismo industrial e as condies sociais resul-

    tantes desse modelo tornaram a ideologia liberal inadequada para respon-

    der s constantes crises e s contradies e conflitos sociais. A ideologia

    liberal passou a ser questionada pelo movimento operrio e pelo pensa-

    mento socialista. Buscou a sada pelo processo de valorizao cientfica,

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    36 37Saber curricular

    coletiva. E foi exatamente nas experincias do nazifascismo e do estali-

    nismo que os seres humanos foram transformados em indivduos isolados,

    dissolvendo a individualidade em um coletivo absolutamente controlado.

    Nessas experincias totalitrias o coletivo no chegava a ser a expresso

    do pblico, no ocupava o espao pblico como sujeito social autnomo

    com conscincia e projeto definidor de sua prtica social. Ao contrrio,

    o coletivo era o espao de dissoluo da individualidade em uma massa

    amorfa, sem definio, sem conscincia de classe ou de cidadania, sem

    capacidade prpria de interveno direta no espao pblico. Na verdade, o que o pensamento socialista e a prtica do movimen-

    to operrio europeu e estadunidense do sculo XIX questionavam era a

    existncia de uma enorme contradio dos enunciados da doutrina liberal

    da burguesia revolucionria do sculo XVIII, formalmente divulgados nas

    declaraes de direitos, em relao realidade vivida pela grande maioria

    da populao. Os trabalhadores encontravam-se submetidos s mais duras

    condies de existncia. A ideologia liberal no admite a interveno do

    Estado nas questes sociais e econmicas. Dessa maneira, nas condies

    das sociedades liberais do sculo XIX, no havia regulamentao do mer-

    cado de trabalho, inexistindo leis de proteo social e das condies de

    trabalho. Para a doutrina liberal, as questes sociais em geral e as relaes

    entre capital e trabalho deveriam ser reguladas pelo mercado livre. A con-

    sequncia era um grande desemprego, baixssima remunerao do traba-

    lho, jornada diria que poderia chegar a 16 horas, o trabalho infantil utiliza-

    do sem limites, as mulheres operrias sem direitos especficos relacionados

    s condies de gnero, sem leis de proteo em relao s condies de

    salubridade e segurana etc. No que se refere s condies gerais de vida

    da classe trabalhadora existiam outros problemas, como desemprego, falta

    de moradia, falta de saneamento bsico, inexistncia de educao e sade

    pblica, enfim, falta de condies materiais para uma vida digna.

    outros humanos (cristos e judeus; nacionais e estrangeiros; operrios

    e patres; brancos e negros; homens e mulheres etc.). Seriam direitos

    do Homem egosta, individualista, motivado apenas pelos seus interesses

    particulares. A tica do Homem burgus.

    Enquanto isso, a esfera do Cidado seria aquela de cada ser hu-

    mano na sua relao com a coletividade, a sua esfera pblica. No fundo, o

    cidado da sociedade burguesa, para Marx, seria uma figura de retrica,

    um ente abstrato de igualdade pblica que pouco ou nada representava no

    espao real da existncia que seria o espao privado, ou o mercado, ondena prtica se reproduziriam as diferenas, as desigualdades, a opresso e

    a explorao, com base nessas diferenas.

    As obras posteriores de Marx mantiveram a concepo de que os

    Direitos Humanos proclamados em documentos liberais apenas concreti-

    zavam uma diviso entre o Homem-Indivduo da sociedade civil-merca-

    do e o Cidado. E os direitos reconhecidos seriam os direitos daquele

    Homem-Indivduo, egosta, separado do espao pblico. Essa concepo

    acompanha a tpica dicotomia das sociedades burguesas entre os espaos

    pblico e privado.

    O autor Claude Lefort, em A inveno democrtica: os limites do

    totalitarismo(1981) questiona alguns pontos referentes s observaes de

    Marx, principalmente a sua omisso em relao aos artigos da Declarao

    de Direitos do Homem e do Cidado da Revoluo Francesa, que dispe

    sobre a liberdade de pensamento, de expresso poltica e religiosa e de

    comunicao, enquanto direitos de clara repercusso coletiva. Recoloca-se

    a questo partindo das experincias totalitrias do sculo XX (nazifascis-

    mo e estalinismo) e das experincias dos regimes burocrtico-autoritrios

    de corte cvico-militar da Amrica Latina. Ao partir dessas realidades po-

    demos rever alguns dos conceitos trabalhados por Marx, principalmente

    no que se refere ao direito de opinio e de expresso, e a sua dimenso

  • 7/22/2019 Livro Sobre Direitos Humanos

    20/99

    38 39Saber curricular

    socializao da poltica atravs da adoo do sufrgio universal e do sur-

    gimento dos primeiros partidos polticos de orientao social-democrata e

    socialista. Exigem, tambm, que a noo de igualdade no se restrinja a

    uma mera declarao formal dos enunciados legais, mas que se materialize

    em polticas pblicas do Estado e em leis sociais legislao trabalhista,

    sindical, previdenciria etc. visando garantir efetivas melhorias nas con-

    dies de trabalho da classe operria e nas condies gerais de vida de

    toda a populao pobre. Alm disso, exigem que a noo de propriedade

    se concretize como o verdadeiro direito a ser proprietrio dos meios deproduo, especialmente apontando as formas de propriedade coletiva e a

    noo de funo social da propriedade, como tambm o acesso proprie-

    dade fundiria, visto que os tempos heroicos das revolues burguesas e

    as alianas com o campesinato j eram uma pgina virada da histria.

    As opressivas condies de vida impostas aos trabalhadores euro-

    peus durante o sculo XIX levaram os sindicatos e os partidos socialistas a

    reivindicarem a interveno do Estado na vida econmica e social visando,

    entre outras coisas, a regulamentao do mercado de trabalho.

    Assim, foram as lutas operrias e populares contra as condies de

    trabalho e existncia, impostas pelo modelo econmico capitalista, e o ad-

    vento do pensamento socialista especialmente o que se desenvolveu a

    partir da contribuio de Marx e Engels que colocaram as demandas

    por uma ampliao conceitual dos Direitos Humanos, exigindo o reconhe-

    cimento dos Direitos Coletivos, ou Direitos Econmicos, Sociais e Culturais

    (DESCs). A situao de crise e desigualdade social, somada concentra-

    o do capital, tornou insuficiente a interpretao liberal sobre os Direitos

    Humanos, entendidos como supraestatais, inerentes razo humana, in-

    dependentemente dos reais condicionamentos sociais, econmicos, pol-

    ticos, histricos e culturais das sociedades. Se para a concepo liberal, a

    garantia dos direitos necessitaria de uma absteno do Estado, deixando

    Existia uma contradio absoluta entre o que se enunciava nas de-

    claraes de Direitos Humanos, afirmando que todos so portadores de di-

    reitos, e as condies reais de vida dos trabalhadores urbanos. E isso era o

    mais radical questionamento aos princpios liberais dos Direitos Humanos

    ou, pelo menos, demonstrava as limitaes de uma concepo meramente

    formal e declaratria de direitos que eram insuficientes para a garantia do

    seu efetivo exerccio. Ter formalmente expresso em um dispositivo cons-

    titucional o direito vida, ou propriedade, como direito fundamental do

    ser humano, no garante necessariamente que todos tenham condiesmateriais para viver ou que sejam proprietrios. Uma das caractersticas

    do capitalismo exatamente a concentrao da propriedade dos meios de

    produo nas mos de poucos proprietrios privados. Ou ainda, em um

    plano abstrato, a ideia de que se trata de uma sociedade de proprietrios:

    uns poucos proprietrios de meios de produo e a imensa maioria proprie-

    tria da sua fora de trabalho. Assim, esses princpios liberais abstratos de

    igualdade formal e de liberdade individual, como requisitos necessrios

    para a felicidade humana, no garantiriam nem a igualdade material, nem

    a liberdade real, e muito menos a felicidade. Se por um lado tais declara-

    es de princpios tiveram um papel importante e civilizatrio no empenho

    revolucionrio da burguesia dos sculos XVII e XVIII contra o despotismo,

    o obscurantismo e a superstio do ancien rgime, por outro, no decorrer

    do sculo XIX, ao serem confrontados com uma realidade de contradies

    antagnicas no seio da ordem capitalista, onde a prpria burguesia j era

    outra no mais revolucionria, mas sim conservadora , tais princpios

    caem no vazio, deixam de ter sentido apenas declaratrio e passam a fazer

    parte das pautas de reivindicao do movimento operrio e dos demais mo-

    vimentos populares da cidade e do campo. Os movimentos sociais passam

    a exigir que a noo de liberdade se materialize na liberdade de associao

    sindical, na livre participao poltica, obrigando ampliao do Estado e

  • 7/22/2019 Livro Sobre Direitos Humanos

    21/99

    40 41Saber curricular

    aos indivduos o espao para melhor exercer os seus direitos individuais,

    as lutas sociais reivindicavam a presena efetiva do Estado, mediante po-

    lticas pblicas sociais e leis que pudessem promover os DESCs.

    O que significou esse processo de ampliao conceitual dos Direi-

    tos Humanos foi mostrar que no basta ser cidado individual, com uma

    participao formal nas decises polticas de uma sociedade, por exemplo.

    Como no basta declarar que todas e todos tm direito vida, sem garantir

    as efetivas condies materiais para que todas e todos possam realmente

    exercer tal direito. necessria a presena pblica como condio bsicapara a proteo igualitria no campo social.

    A partir das lutas sociais dos trabalhadores e do pensamento socia-

    lista, os direitos coletivos passaram a ser uma nova referncia para todas

    as instituies sociais. Em 1891, por exemplo, a Igreja catlica formula a

    sua moderna doutrina social apresentando a Encclica Papal Rerum Nova-

    rum. Durante as duas primeiras dcadas do sculo XX a Constituio mexi-

    cana de 1917, a Revoluo Russa, tambm de 1917, a primeira Constituio

    sovitica, a Constituio da Repblica de Weimar na Alemanha, em 1919,

    e a criao da Organizao Internacional do Trabalho (OIT) foram expres-

    ses de ampliao da abrangncia dos Direitos Humanos, dando forma ju-

    rdica e institucional s condies de trabalho e demais condies sociais.

    No Brasil, a Constituio de 1934 foi a primeira que incluiu dispositivos

    especficos sobre os direitos coletivos.

    Os direitos da solidariedade: direitos dos povos oudireitos de toda a humanidade

    A ampliao do contedo dos Direitos Humanos seguiu o caminho

    aberto pelas reivindicaes sociais e pelas transformaes econmicas e

    polticas que marcaram as sociedades nos ltimos trs sculos, possibili-

    tando importantes conquistas emancipatrias. Esse processo de ampliao

    de direitos passou a encarnar as demandas levantadas pelas lutas demo-

    crticas e populares que historicamente passaram a expressar os anseios

    de toda a humanidade. Foi assim com as lutas sociais dos sculos XVII e

    XVIII contra o absolutismo feudal e com as lutas do sculo XIX contra a

    explorao capitalista por novos espaos de liberdade coletiva e igualdade

    material que garantissem as condies de viabilizao da existncia digna

    dos seres humanos. Durante o sculo XX, aps grandes conflitos sociais, novas reivindi-

    caes humanas, de carter individual, social e estatal, passaram a fazer

    parte da cena internacional e do imaginrio das sociedades contempor-

    neas. As condies para a ampliao do contedo dos Direitos Humanos

    se apresentavam atravs de novas contradies e confrontos que exigiam

    respostas no sentido da garantia e proteo das liberdades e da vida.

    O contexto histrico inaugurado com o final da Segunda Guerra

    Mundial (1939-1945) abriu uma nova era para a humanidade. A luta nos

    campos de batalha da Europa e do Oriente se desenvolveu contra os mo-

    delos totalitrios dos Estados de terror de inspirao fascista, revelando

    ao mundo as grandes violaes ocorridas nos campos de concentrao e

    extermnio. O modelo Auschwitz torna-se referncia de poder e da lgica

    de exceo presentes no mundo contemporneo.3Os crimes contra a hu-

    manidade so revelados e passam a ser uma nova referncia na luta contra

    as violaes sistemticas e massivas contra os Direitos Humanos.

    A realidade aps a guerra mundial foi, no entanto, mais complexa.

    Com a valorizao de um ideal abstrato de democracia, o mundo do ps-

    guerra nasceu dividido em blocos, sob a direo poltico-ideolgico-militar

    3 Sobre o tema do Estado de Exceo, da lgica do campo como paradigma do poder nas socie-dades contemporneas, ver Agamben, 2008a; 2008b; 2002; Mate, 2005; Zamora, 2008.

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    22/99

    42 43Saber curricular

    interessando a toda a humanidade e aos prprios Estados. So direitos a

    serem garantidos com o esforo conjunto do Estado e dos indivduos, dos

    diferentes segmentos organizados das sociedades e das diferentes naes.

    Entre esses novos direitos podemos citar o Direito Paz, o Direito ao

    Desenvolvimento Humano, o Direito Autodeterminao dos Povos, o Di-

    reito ao Meio Ambiente saudvel e ecologicamente equilibrado e o Direito

    ao Patrimnio Comum da Humanidade.

    A internacionalizao dos Direitos Humanos

    Para o professor Gregrio Peces-Barba (1967), a histria da evoluo

    dos Direitos Humanos apresenta trs momentos:

    a. os Direitos Humanos deixando o campo dos valores e se conver-tendo em direito positivo, no mbito nacional, pelos processos de

    constitucionalizao dos direitos;

    b. a sua generalizao como referncia axiolgica e jurdico-positiva;c. a sua internacionalizao.

    As liberdades e garantias para os seres humanos no so assuntos

    que interessam unicamente a cada Estado, mas, ao contrrio, interessam e

    obrigam a toda a comunidade internacional.

    A internacionalizao das relaes polticas e econmicas e o de-

    senvolvimento dos princpios de direito internacional pblico levaram

    valorizao dos Direitos Humanos na esfera das relaes entre os Estados,

    entre as naes e entre grupos e indivduos na ordem internacional.

    Somente depois da Segunda Guerra Mundial que a questo dos

    Direitos Humanos passou da esfera nacional, atravs da ordem constitu-

    das duas grandes potncias emergentes do conflito Estados Unidos e

    Unio Sovitica , marcado pelo signo da Guerra Fria. Aps o lanamento

    de duas bombas nucleares sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Naga-

    saki pelos militares estadunidenses iniciava-se a era nuclear, que demonstrou

    que a cincia, a tecnologia e o conhecimento humano podem ser utilizados

    para a destruio e para o exerccio iluminado do poder. Com o fim da guerra,

    a humanidade passou a conviver com a ameaa da destruio total.

    As novas relaes internacionais do ps-45 apresentaram novos

    atores nascidos dos processos de descolonizao da sia e da frica, como surgimento de novos Estados Nacionais, como tambm de novos confli-

    tos regionalizados.

    O final da guerra deu incio a um ciclo de acumulao econmica do

    capital a partir de uma nova diviso internacional do trabalho, com o mode-

    lo da transnacionalizao do capital. Iniciava-se a era das multinacionais.

    O perodo que vai de 1945 at fins da dcada de 1960 foi marcado por um

    grande impulso econmico com base no capital monopolista internaciona-

    lizado. O processo de desenvolvimento econmico do capitalismo interna-

    cional, vivendo um ciclo expansivo, teve como consequncia imediata a

    ampliao do uso intensivo das fontes de energia e recursos naturais de

    todas as regies do planeta. Tal modelo de desenvolvimento ampliou con-

    sideravelmente a destruio ambiental.

    Essa nova realidade nascida com o ps-guerra colocou na ordem

    do dia uma srie de novos anseios e demandas dos novos movimentos so-

    ciais (movimentos ambientalistas, movimentos pela paz, movimentos pela

    autodeterminao dos povos, movimentos pelos direitos das mulheres,

    dos afrodescendentes, dos indgenas, dos homoafetivos etc.). E a partir

    das lutas que surgem os chamados Direitos dos Povos, Direitos de toda

    a humanidade, ou direitos da solidariedade, como a terceira gerao dos

    Direitos Humanos. So ao mesmo tempo direitos individuais e coletivos,

  • 7/22/2019 Livro Sobre Direitos Humanos

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    44 45Saber curricular

    gos, como a interveno nos Blcs com o objetivo de evitar prticas de

    limpeza tnica contra a populao albanesa do Kosovo, e a interveno

    das foras internacionais no Timor Leste so exemplos significativos de

    aes internacionais que se fundamentam na manuteno da ordem inter-

    nacional com a garantia dos Direitos Humanos. No significa, no entanto,

    que tais aes estejam absolutamente isentas da existncia de interesses

    polticos e econmicos por parte dos Estados envolvidos. O caso da deten-

    o no Reino Unido, em 1999, do general chileno Augusto Pinochet por ini-

    ciativa de um juiz espanhol, que requereu a sua extradio para responderpor crimes contra a humanidade praticados no Chile, outro exemplo de

    como no campo dos Direitos Humanos a concepo da soberania irrestrita

    do Estado passa a ser relativa.

    Dessa maneira, a universalizao do tema dos Direitos Humanos

    um fenmeno da nossa poca.

    Desde 1948, com a Declarao Americana e com a Declarao Uni-

    versal dos Direitos Humanos, houve uma considervel expanso de ins-

    trumentos declaratrios e de proteo. Para se chegar a essa situao foi

    necessrio um longo processo com diversas etapas.

    1. A generalizao da proteo internacional

    A primeira etapa se inicia no ano de 1948 em Paris, com a proclamao

    da Declarao Universal de Direitos Humanos das Naes Unidas. Esse docu-

    mento foi o ponto de partida para a generalizao da proteo internacional.

    Os anos de 1950 e 1960 foram fundamentais para a posterior e gra-

    dual superao da noo absoluta de soberania nacional, no que se refere

    questo dos crimes contra a humanidade. A partir da adoo da Decla-

    rao Universal e da anterior Declarao Americana de Direitos e Deveres

    do Homem, ambas de 1948, iniciou-se a fase de formao de um amplo

    cional de cada Estado, para a esfera internacional, incorporando todos os

    povos. A comunidade organizada das naes4aprovou inmeros dispositi-

    vos e documentos com validade jurdica na defesa e proteo internacional

    dos Direitos Humanos, buscando assegurar o reconhecimento e a efetiva

    proteo por parte de governos e particulares.

    Os conflitos internacionais, principalmente as duas guerras mun-

    diais, os massacres de populaes civis, os genocdios contra grupos tni-

    cos, religiosos, nacionais etc. e o armamentismo como permanente ame-

    aa paz internacional demonstraram que no bastava que cada Estadoreconhecesse tais direitos em seus dispositivos constitucionais, ou mesmo

    subscrevesse diferentes documentos internacionais para que automatica-

    mente passasse a respeitar os direitos proclamados. Foi necessria a cria-

    o de mecanismos e instrumentos de fiscalizao e controle da ao dos

    Estados em relao ao respeito queles que habitam ou se encontrem em

    seu territrio e do respeito s normas do Direito Internacional dos Direitos

    Humanos. Nesse sentido foram organizados sistemas regionais de prote-

    o e promoo dos Direitos Humanos.

    O estabelecimento de mecanismos internacionais de controle das

    violaes de Direitos Humanos se chocou com um conceito de soberania

    nacional ilimitada. O conceito irrestrito de soberania nacional impede a

    ao efetiva dos organismos criados pela comunidade internacional para a

    defesa dos Direitos Humanos.

    As recentes crises humanitrias Haiti, Sudo, Libria, Iraque e

    Afeganisto, entre outras so exemplos da necessidade de atuao das

    agncias internacionais de direito humanitrio. Outros casos, mais anti-

    4 A comunidade das naes formou diferentes organizaes de mbito global, como as Na-es Unidas (ONU) e organismos especializados, como a Organizao das Naes Unidaspara a Educao, Cincia e Cultura (Unesco), como tambm de mbito regional, como aOrganizao dos Estados Americanos (OEA), a Organizao da Unidade Africana (OUA) eo Conselho da Europa.

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    46 47Saber curricular

    dos por diferentes pases do mundo, foram importantes para essa viso

    global e universal dos Direitos Humanos.

    Superada a viso compartimentalizada dos Direitos Humanos, que

    separava de forma absoluta os direitos civis e polticos dos direitos eco-

    nmicos, sociais e culturais, passa a vigorar a noo de indivisibilidade e

    integrao entre todos os tipos de direitos.

    3. A Conferncia Mundial de Viena:

    Direitos Humanos, democracia e desenvolvimento

    A terceira etapa se iniciou com a realizao no ano de 1993 da 2

    Conferncia Mundial de Direitos Humanos, em Viena, quando j existia

    uma grande quantidade de instrumentos internacionais de proteo, tanto

    no plano global quanto nos regionais. Trata-se de uma ampla produo

    normativa, reconhecida pelas instncias internacionais e pela doutrina no

    campo que denominado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.

    O objetivo definido pela Assembleia Geral das Naes Unidas ao

    convocar a Conferncia de Viena foi o de aprimorar os inmeros instru-

    mentos internacionais de proteo, tornando-os mais eficazes e dando-

    lhes uma aplicao prtica.5

    Enquanto o documento da Conferncia de Teer correspondeu

    fase legislativa, a proclamao que saiu da Conferncia de Viena visou dar

    efetividade aos mltiplos instrumentos internacionais de proteo, corres-

    pondendo sua fase de implementao.

    A mobilizao a partir do evento de Viena contribuiu para difundir

    os temas globais de interesse de toda a humanidade, a partir da elabora-

    5 Foi o segundo maior encontro de carter mundial realizado aps a Guerra Fria. O primeirogrande encontro mundial realizado foi a Conferncia Mundial sobre Meio Ambiente, chamadaRio-92, realizada no Rio de Janeiro em 1992.

    sistema de proteo internacional: o sistema global, baseado na ONU, e os

    sistemas regionais, a comear pelo Sistema Interamericano e pelo Sistema

    Europeu de Direitos Humanos. A internacionalizao da proteo levou

    fase de elaborao de mecanismos normativos internacionais que resultou

    em inmeros tratados internacionais e instrumentos de proteo como o

    Pacto de Direitos Civis e Polticos, e o Pacto de Direitos Econmicos, Sociais

    e Culturais, no mbito da ONU, ambos de 1966; a Conveno Americana

    de Direitos Humanos (Pacto de San Jos), de 1969, no mbito do Sistema

    Interamericano de Direitos Humanos; a Conveno Europeia de DireitosHumanos, de 1950; tratados de preveno da discriminao, de preveno

    e punio da tortura, de proteo aos refugiados, de proteo aos direitos

    dos trabalhadores, direitos das crianas, direitos das mulheres, direitos

    dos idosos, direitos dos portadores de necessidades especiais etc.

    2. A indivisibilidade e a universalidade dos Direitos Humanos

    A segunda etapa se iniciou duas dcadas depois da aprovao da

    Declarao Universal, com a realizao da 1 Conferncia Mundial dos

    Direitos Humanos, em 1968, na cidade de Teer, em uma conjuntura ainda

    marcada pela bipolarizao da Guerra Fria, perpassando outros conflitos

    como as contradies Norte-Sul, e em um contexto no qual se multiplica-

    vam regimes ditatoriais em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil.

    O objetivo da Conferncia de Teer foi a reavaliao do tema dos

    Direitos Humanos e a sua internacionalizao, resultando no fortalecimen-

    to da noo de universalidade e indivisibilidade. Assim, a indivisibilidade

    e a universalidade dos Direitos Humanos passam a ser as referncias que

    fundamentam as aes globais na busca de solues para os problemas

    globais. Os problemas resultantes da misria e da fome, o apartheid, a

    ameaa de extermnio de diversos grupos humanos, problemas enfrenta-

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    48 49Saber curricular

    O artigo 8 da Declarao de Viena aponta o princpio que orienta

    todo o documento, estabelecendo a interdependncia entre democracia,

    desenvolvimento e respeito aos Direitos Humanos.

    Em relao ao debate sobre o carter (universal ou relativo) dos Di-

    reitos Humanos, o documento final no deixa dvidas em seu artigo 1

    sobre a sua natureza universal. No entanto, o seu artigo 5 dispe que as

    particularidades culturais, histricas e religiosas devem ser consideradas,

    sem que os Estados, no entanto, possam se abster do seu dever de promo-

    o e proteo de todos os Direitos Humanos para todos os seres humanos,independentemente do grau de desenvolvimento e das caractersticas so-

    cioculturais de cada sociedade.

    O legado da Conferncia de Viena assegurou a incorporao da di-

    menso dos Direitos Humanos em todas as iniciativas, atividades e pro-

    gramas dos organismos das Naes Unidas, e a noo de integrao7entre

    todos os Direitos Humanos, a democracia e o desenvolvimento, onde o ser

    humano colocado como sujeito. Dessa maneira, o respeito aos Direitos

    Humanos imposto e obrigatrio, no apenas para os Estados, mas para

    os organismos internacionais e os grupos que detm o poder econmico,

    visto que as suas decises e prticas podem ter repercusso, direta ou

    indireta, na vida de todos os seres humanos, especialmente aqueles em

    situao de vulnerabilidade. A legitimidade que passa a existir, a partir de

    Viena, mais um ponto positivo para o prolongado processo de construo

    de novos paradigmas a partir do fortalecimento de uma cultura universal

    de reconhecimento e respeito, entendendo que os Direitos Humanos per-

    passam todas as reas da atividade humana.

    7 As noes de indivisibilidade e integrao entre todos os Direitos Humanos se referem a noseparar os direitos civis e polticos dos DESCs e dos direitos da solidariedade.

    o da Declarao e do Programa de Ao de Viena, documentos que se

    tornaram referncia para a ao em nvel nacional e internacional.

    Outra caracterstica significativa da Conferncia de Viena foi o sur-

    gimento do debate sobre a universalidade ou relatividade dos Direitos Hu-

    manos. A prpria elaborao do documento final apresentou a dificuldade

    para compor as duas posies em jogo, uma baseada na universalidadee

    outra na relatividade(concepo culturalista) dos Direitos Humanos. As

    duas posies se fundamentavam em argumentos convincentes. Os uni-

    versalistas acusavam muitos pases de se escudarem na tradio cultu-ral ancestral, ou na soberania nacional, ou na falta de desenvolvimento

    tecnolgico para justificar a manuteno de regimes ditatoriais e prticas

    violadoras dos Direitos Humanos, como o extermnio de crianas e adoles-

    centes, o genocdio de minorias tnicas, as perseguies por motivo reli-

    gioso, as torturas fsicas ou morais, a represso contra opositores polticos,

    a eliminao dos direitos civis e polticos. Os relativistas ou culturalistas

    afirmam que a concepo universal corresponde a uma imposio de valo-

    res ocidentais, encobrindo uma poltica intervencionista e hegemnica dos

    pases do Ocidente contra aqueles considerados hostis.

    O documento final da Conferncia de Viena buscou um consenso

    possvel, concluindo com a defesa destes princpios:

    a. o carter universal dos Direitos Humanos;b. a indivisibilidade e interao entre os Direitos Humanos;c. o desenvolvimento como requisito para a democracia;6

    d. o papel de controle e fiscalizao das Organizaes NoGovernamentais (ONGs).

    6 Aqui se est falando de desenvolvimento social, humano e ambiental.

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    50 51Saber curricular

    De que se fala, quando se dizjustia de transio?

    Glenda Mezarobba*

    Fala-se de frica do Sul, Nigria, Timor Leste, Afeganisto, de v-

    rios pases do Leste Europeu, de Argentina, Brasil, Chile, Iraque, Israel e

    Palestina. Fala-se das atrocidades do apartheid, de uma sucesso de guer-ras civis e governos militares, de mais de duas dcadas de ocupao pelo

    pas vizinho e de conflitos internos, de quase trinta anos de guerra, da

    reconfigurao que se seguiu queda do Muro de Berlim e derrocada do

    comunismo, do fim de governos autoritrios iniciados a partir de golpes de

    Estado, e de embates que h anos vem marcando a disputa por territrio.

    Fala-se, sobretudo, de violaes a inmeros direitos, individuais e coleti-

    vos, e da necessidade de justia que emerge em perodos de passagem

    para a democracia ou ao trmino de conflitos ou seja, fala-se da concep-

    o de justia associada a perodos de mudana poltica, caracterizada por

    respostas legais para confrontar os crimes dos regimes repressivos ante-

    riores1. Mais precisamente e de acordo com a Encyclopedia of Genocide

    and Crimes against Humanity, a noo de justia de transio diz respeito

    rea de atividade e pesquisa voltada para a maneira como as sociedades

    lidam com o legado de violaes de direitos humanos, atrocidades em mas-

    sa ou outras formas de trauma social severo, o que inclui genocdio, com

    vistas construo de um futuro mais democrtico e pacfico:

    *Texto publicado originalmente na revista BIB (MEZAROBBA, Glenda: De que se fala, quandose diz Justia de Transio?, BIB, So Paulo, n 67, 1 semestre de 2009, pp. 111-122). Textoreferente aula Justia de Transio e a consolidao dos Direitos Humanos1 TEITEL, Ruti G.. Transitional justice genealogy. Harvard Human Rights Journal. Cambridge(MA), v. 16, Spring/2003, p. 69.

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    27/99

    52 53Saber curricular

    regime das prticas do regime anterior.3 Para Alexander Boraine, uma

    maneira adequada de se descrever a busca por uma sociedade justa em

    decorrncia de sistemas no democrticos, frequentemente opressivos e

    at mesmo violentos.4

    O termo justia de transio pode parecer, em si mesmo, equivocado,

    na opinio de autores como Louis Bickford, j que mais comumente refere-

    se justia durante (determinada) transio e no a uma forma distinta

    de justia. Isso no impede, no entanto, a constatao de que a ideia de

    justia de transio tem certas caractersticas bem definidas. Primeiro, in-clui o conceito de justia. Embora o campo dependa de princpios legais in-

    ternacionais que exigem o julgamento de criminosos, tambm inclui outras

    formas mais amplas de justia, tais como programas de reparao e meca-

    nismos de busca da verdade, observa ele. O segundo conceito-chave

    o da transio, que diz respeito principal transformao poltica por que

    passa um regime que muda de um governo autoritrio ou repressivo para

    outro, democrtico e eleito, ou de um perodo de conflito para a paz ou esta-

    bilidade.5Para Teitel, por definio, transies constituem tempos de con-

    testao de narrativas histricas. Desse modo, transies apresentam o

    potencial para counter-histories.6No cerne do debate que envolve a justia

    de transio esto, como enumera Michel Feher, pelo menos trs dogmas

    da teoria liberal: 1) instituir um regime democrtico leva substituio de

    um reinado de fora pelo Estado de Direito; 2) patrocinar o Estado de Direi-

    to implica em tornar cada cidado responsvel (accountable) por suas aes

    e 3) implementar o princpio de accountability individual leva a assegurar

    3 LEEBAW, Bronwyn. Transitional justice, conflict and democratic change:international inter-ventions and domestic reconciliation. Conference on difference and inequality in developingsocieties. Charlottesville, Virgnia (EUA), 21 abril 2005, p. 1.(Paper)4 BORAINE, Alexander L.. Transitional justice: a holistic interpretation. Journal of InternationalAffairs.Nova York, v. 60, n.1, Fall-Winter/2006, p. 18.5 BICKFORD, Louis. Transitional justice., op. cit.; ICTJ. What is transitional justice?, op. cit..6 TEITEL, Ruti G.. Transitional justice genealogy.op. cit., p. 87.

    O conceito comumente entendido como uma estrutura para se confron-

    tar abusos do passado e como componente de uma maior transformao

    poltica. Isso geralmente envolve uma combinao de estratgias judi-

    ciais e no-judiciais, complementares, tais como processar criminosos;

    estabelecer comisses de verdade e outras formas de investigao a res-

    peito do passado; esforos de reconciliao em sociedades fraturadas; de-

    senvolvimento de programas de reparao para aqueles que foram mais

    afetados pela violncia ou abusos; iniciativas de memria e lembrana

    em torno das vtimas; e a reforma de um amplo espectro de instituies

    pblicas abusivas (como os servios de segurana, policial ou militar) em

    uma tentativa de se evitar novas violaes no futuro. A justia de transi-o vale-se de duas fontes primrias para fazer um argumento normativo

    em favor do confronto com o passado (assumindo-se que as condies

    locais suportem tais iniciativas). Primeiro, o movimento de direitos huma-

    nos influenciou sobremaneira o desenvolvimento desse campo, tornando-

    o autoconscientemente centrado nas vtimas. Os praticantes da justia de

    transio tendem a perseguir estratgias que acreditam ser consistentes

    com os direitos e interesses das vtimas, dos sobreviventes e dos familia-

    res das vtimas. Uma fonte adicional de legitimidade deriva da legislao

    internacional de direitos humanos e da legislao humanitria. A justia

    de transio baseia-se na legislao internacional para argumentar que

    pases em transio devem encarar certas obrigaes legais, que incluem

    a interrupo dos abusos de direitos humanos, a investigao de crimes

    do passado, a identificao dos responsveis por tais violaes, a impo-

    sio de sanes queles responsveis, o pagamento de reparaes s

    vtimas, a preveno de abusos futuros, a promoo e preservao da paze a busca pela reconciliao individual e nacional.2

    Como bem sintetiza Bronwyn Leebaw, a justia de transio tornou-se

    um modo popular de caracterizar respostas a abusos do passado que ocorre-

    ram no contexto de mudana poltica, como esforos para distanciar um novo

    2 BICKFORD, Louis. Transitional justice. In: HORVITZ, Leslie Alan; CATHERWOOD, Christo-pher; Macmillan encyclopedia of genocide and crimes against humanity.Nova York: Facts onfile, 2004, v. 3, p. 1045-1047; ICTJ. What is transitional justice? Disponvel em: Acesso em: 08/07/2008.

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    futuras tentativas de tomada do poder. Se no primeiro momento no foram

    atacadas as causas que levaram ao golpe oligrquico, e o principal mecanis-

    mo de justia de transio adotado foi a punio; em 403, buscando princi-

    palmente a reconciliao, os democratas que voltaram ao poder reagiram

    de forma diversa, aprovando mudanas constitucionais com o objetivo de

    eliminar determinados aspectos da legislao que teriam causado a inter-

    rupo do governo democrtico. Na anlise de Elster, a partir daquele mo-

    mento surgiriam claramente as principais caractersticas do que s muito

    recentemente viria a se tornar conhecido como justia de transio, maisespecificamente a categoria de violadores ou criminosos, passveis de pu-

    nio, e a de vtimas, geralmente tratadas por intermdio de compensao.

    O uso de mecanismos de justia de transio na restaurao de monarquias

    tambm ocorreu muitas vezes na histria da humanidade, segundo o autor.

    Exemplificando, ele cita a Frana do sculo XIX quando, durante a Segunda

    Restaurao, os Bourbons adotaram amplas medidas de punio e reparao,

    que incluram expurgo na burocracia e o pagamento de indenizaes. Mas

    Elster ressalta que no h episdios importantes de justia de transio em

    novas democracias entre os ocorridos em Atenas e a metade do sculo XX.12

    As origens da histria moderna da justia de transio podem ser

    encontradas na Primeira Guerra Mundial, embora ela passe a ser entendida

    como extraordinria e internacional13 somente no ps Segunda Guerra,

    com a derrota de Alemanha, Itlia e Japo em 1945, e a consequente ins-

    talao do tribunal de Nuremberg (ainda que no exista unanimidade em

    torno da pertinncia de se classificar o tribunal como uma forma de justia

    de transio, os julgamentos por ele desenvolvidos tiveram profundo im-

    pacto na estruturao das prticas de justia de transio que se seguiram),

    12ELSTER, Jon.Closing the books:transitional justice in historical perspective, Nova York: Cam-bridge University Press, 2004, p. 3-4, 21-22, 24, 45-47.13TEITEL, Ruti G.. Transitional justice genealogy.op. cit., p. 69.

    7 FEHER, Michel. Terms of reconciliation. In: HESSE, Carla; POST, Robert. Human rights in poli-tical transitions:Gettysburg to Bosnia. Nova York: Zone Books, 1999, p. 325.8 BICKFORD, Louis. Transitional justice, op. cit.; ICTJ. What is transitional justice?op. cit..9 BORAINE, Alexander L.. Transitional justice: a holistic interpretation.op. cit., p. 17-18.10 ZOLLER, Adrien-Claude. Transition and the protection of human rights. In: DEALING WITHPAST AND TRANSITIONAL JUSTICE: CREATING CONDITIONS FOR PEACE, HUMAN RIGHTSAND THE RULE OF LAW. Neuchatel, 24 e 25 de outubro de 2005, p. 78. (Paper)11LEEBAW, Bronwyn.Transitional justice, conflict and democratic change, op. cit., p. 16.

    que nenhum grupo de cidados ser beneficiado pelo privilgio da impuni-

    dade ou ser coletivamente responsabilizado com base em sua identidade.7

    Ainda que devam ser compreendidas como processos longos, a nfa-

    se das transies recai sobre momentos histricos determinados como, por

    exemplo, o ocorrido no Chile em 1990, na frica do Sul em 1994, na Polnia

    em 1997 ou no Timor Leste em 2001. Quando uma sociedade vira uma

    nova pgina ou gesta um novo comeo, mecanismos de justia de transio

    podem ajudar a fortalecer esse processo, assinala Bickford.8 Afinal, como

    observa Boraine, uma transio a passagem de uma condio para outra; uma jornada nunca curta e frequentemente precria. Um pas em

    transio um pas que est emergindo de uma ordem particular e que no

    tem certezas sobre como responder aos desafios da nova (ordem), aponta

    Boraine.9 Alm disso, nota Adrien-Claude Zoller, uma transio implica no

    apenas em mudana de autoridades (uma situao realmente nova), como

    tambm de vontade poltica e desejo de restaurar (ou instalar) a democracia

    e o Estado de Direito a fim de que sejam implementadas obrigaes de direi-

    tos humanos.10() estabelecer a legitimidade de um novo regime um dos

    objetivos centrais de um processo de justia de transio, pontua Leebaw.11

    A ideia de justia de transio to antiga quanto a prpria democra-

    cia, acredita Jon Elster. O marco inicial seria a experincia ateniense, entre

    411 e 403 a. C., quando a passagem da democracia para oligarquia, seguida

    da volta dos democratas ao poder, foi acompanhada de medidas punitivas,

    contra os oligarcas, e da promulgao de novas leis que visavam dissuadir

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    estrutura da ento nascente justia de transio como maneira de forta-

    lecer as novas democracias e responderam s obrigaes morais e legais

    que o movimento de direitos humanos estava articulando, tanto na esfe-

    ra domstica quanto na esfera internacional.16Os esforos de pases do

    Leste europeu em lidar com violaes do passado abrindo, por exemplo,

    os arquivos de antigas agncias de segurana, como os da alem Staats-

    sicherheit, em 1991, tambm so apontados como fundamentais para o

    debate em torno de como se atingir justia durante determinada transio

    poltica. Em 1995, tendo por base experincias desenvolvidas na AmricaLatina e no Leste Europeu, foi a vez da frica do Sul estabelecer uma Co-

    misso de Verdade e Reconciliao para lidar com os crimes do passado.

    Desde ento, comisses de verdade se tornaram amplamente reconhe-

    cidas como instrumentos de justia de transio e tem sido formadas em

    diferentes partes do mundo, como Timor Leste, Gana, Peru e Serra Leoa.

    Todas diferem dos primeiros modelos e muitas demonstram importantes

    inovaes, completa o estudioso. A criao de tribunais ad hoc para a

    antiga Iugoslvia e Ruanda, embora no especificamente designados ao

    fortalecimento de transies democrticas, ampliou a jurisprudncia em

    justia de transio e atingiu algumas importantes vitrias para a accoun-

    tability. Alm disso, a ratificao do Tribunal Penal Internacional tambm

    pode ser considerada um momento extremamente importante na histria

    da justia de transio.17 Ao final do sculo XX, de acordo com Teitel, viu-se

    a acelerao do fenmeno de justia de transio associado com a globa-

    lizao e caracterizado por condies de elevada instabilidade poltica e

    violncia. A justia de transio, acrescenta a autora, saiu da posio de

    exceo norma para tornar-se paradigma de Estado de Direito.18

    16 BICKFORD, Louis, op. cit.; ICTJ. What is transitional justice?,op. cit..17 Id.18 TEITEL, Ruti G.. Transitional justice genealogy.op. cit., p. 71.

    o desenvolvimento de programas de desnazificao, na Alemanha, e a ela-

    borao de legislao para compensar as vtimas do nazismo, primeiro sob

    os auspcios dos Aliados e, mais tarde, do Parlamento da prpria Alemanha

    ocidental. Mecanismos de justia de transio tambm foram adotados em

    pases que estiveram sob a ocupao alem durante a guerra, como Blgica,

    Dinamarca, Frana, Holanda e Noruega, e em alguns outros que colabora-

    ram com o nazismo, como a ustria e a Hungria. Essa fase reflete o triun-

    fo da justia de transio dentro do esquema da legislao internacional,

    avalia Teitel, lembrando que o momento caracterizava-se por condies po-lticas nicas, que no persistiriam e nem se repetiriam posteriormente da

    mesma maneira.14No entanto, como assinala Bickford, o arcabouo da justi-

    a de transio s ganharia mais consistncia nos ltimos 25 anos do sculo

    XX, especialmente com o incio dos julgamentos de antigos integrantes das

    juntas militares, na Grcia, em 1975, e na Argentina, em 1983, quando sis-

    temas judiciais domsticos tiveram xito ao processar autores intelectuais

    de abusos do passado por seus prprios crimes. Sem dvida alguma, os

    esforos na b