livro - sindicato de mágicos

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livro falando sobre a história da igreja universal do reino de Deus

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WANDER DE LARA PROENASINDICATO DE MGICOS:Uma histria cultural da Igreja Universal do Reino de Deus (1977-2006)Tese apresentada a Faculdade de Cincias e LetrasdeAssisUNESPUniversidade Estadual Paulista para a obteno do titulo de Doutor emHistoria (Area: Historia e Sociedade)Orientador: ProI. Dr. Milton Carlos CostaASSIS2006Proena, Wander de LaraSindicato de Magicos: uma historia cultural da Igreja Universal do Reino de Deus (1977-2006). Wander de Lara Proena. Assis, 2006. 374p.TeseDoutoradoFaculdade de Cincias e Letras de AssisUniversidade Estadual Paulista.1. BrasilReligiosidade 2. Igreja Universal do Reino de Deus 3. Historia Cultural 4. SindicatodeMagicos 5. Roger Chartier - Representaes 6. SociologiaPierre Bourdieu.CDD 289.94WANDER DE LARA PROENASINDICATO DE MGICOS: UMA HISTRIA CULTURAL DA IGRE1A UNIVERSAL DO REINO DE DEUS(1977-2006)COMISSO JULGADORATESE PARA OBTENO DO GRAU DE DOUTOR PROGRAMA DE POS-GRADUAO EM HISTORIAUNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTAUNESP / ASSISSPPresidente e orientador: Dr. Milton Carlos Costa UNESP2 Examinadora: Dr. Maria Lucia Montes-USP 3 Examinadora: Dr. Silvia Cristina Martins de Souza-UEL4 Examinador: Dr. Eduardo Basto de AlbuquerqueUNESP5 Examinador: Dr. Ruy de Oliveira Andrade FilhoUNESPAssis, 02 de maro de 2007.4Ao meu av, Bino Lara, o qual, durante o periodo em que eram redigidas as ultimas paginasdeste trabalho, tambm concluiu sua historia terrena... Partiu, mas deixou memorias de algum Iascinado por assuntos religiosos... O mistrio do sagrado, que tanto o encantou, tambm seduz a cincia e busca explicaes nas paginas desta pesquisa.5AGRADECIMENTOSAo meu orientador, ProI. Dr. Milton Carlos Costa, que sempre soube conjugar sua notavel erudio no conhecimento historiograIico com a dedicao e o zelo no trabalho de orientao de cada etapa desta pesquisa.Tornou-se para mim um grande amigo, um grande mestre, sendo umreIerencial seguroderumos, delineamentosecorreesaqueateseIoi submetida. Sempre solicitoe prestativona disponibilizao de horarios para os procedimentos de orientao, muitos dos quais em Iinais de semanas e Ieriados. Quando estabeleci os primeiros contatos coma Unesp, prontamente aceitou-me comoalunoespecial da disciplina que ministrava. Em seguida, acreditou no projeto ainda em Iase de elaborao, reprogramando, inclusive, seus compromissos de orientaoa Iimde disponibilizar mais umavagaao processo seletivo para que Iosse possivel meu ingresso no Programa de Doutorado. Lembro-me das desaIiadoras palavras que dele ouvi apos a primeira leitura que Iez do meu projeto de pesquisa: 'AindahaumalacunanahistoriograIiabrasileirasobreaabordagemdetemas relacionados ao neopentecostalismo. Se este trabalho, agora concluido, vier a contribuir para o alcancedaqueleobjetivo, osmritosadvmdasimprescindiveis orientaesacadmicas recebidas do ProI. Milton.Ao Programa de Pos-Graduao em Historia da Unesp, por contemplar em suas linhas de pesquisaespaoparaabordagemde temas pelo vis da Historia Cultural. Este trabalho , certamente, resultado de umlongo processo que envolveu diIerentes contribuies do Programa de Doutorado: oIerta de disciplinas voltadas a Historia Cultural na integralizao dos crditos; avaliao e criticas ao projeto originalmente elaborado, em disciplinas especialmente oIertadas para esse Iim; segura Iundamentao teorico-metodologica propiciadanas aulasde TeoriaeMetodologia;oportunidadesdeapresentaesparciaisda pequisaduranteas SemanasdeHistoria, realizadasanualmente, ocasioemqueotema investigado pde ser exposto para debate e reaes de outros pesquisadores, sob a mediao do meu orientador; e, por Iim, a participao dos membros da Banca de QualiIicao, que desempenharamleituracuidadosadotextoataquelemomentoelaborado, apresentando importantes contribuiespara os procedimentos Iinais de redao da pesquisa.AosproIessoresdoProgramadePos-GraduaoemHistoria, daUnesp, peladedicao, capacidade e esmero na tareIa de Iormar novos pesquisadores.Aos proIessores Dr. Eduardo Basto de Albuquerque e Dr. Ruy de Oliveira Andrade Filho, pelas relevantes observaes e recomendaes Ieitas a tese quando participaram do Exame de QualiIicao. A presena desses docentes tambm na Banca de DeIesa enobrece o nivel que essa investigao se props a alcanar.AosproIessorestitularesesuplentesquecompemaBancadeDeIesa, cuidadosamente escolhidos econvidados, por emprestaremoseunomeeoseuprestigioacadmicona avaliao do trabalho aqui elaborado.AosIuncionariosdaUnesp/Assis, pelomodosempreprestativoeatenciosodedicadoaos alunos do Programa de Pos-Graduao. ProIissionais que, alm da competncia, demonstram satisIao e zelo no desempenho de suas Iunes.AoProI. AndrLuizJoanilho, pelo auxilioedirecionamentona elaborao dasprimeiras pesquisas historiograIicas que desenvolvi sobre o pentecostalismo brasileiro, ainda durante o 6Mestrado, e tambm por ter intermediado os primeiros contatos com o ProI. Milton para que pudesse ser meu orientador.A Fabiana Rondon, pelo auxilio nas pesquisas de campo e no acesso as Iontes documentais proprias da Igreja Universal do Reino de Deus.A proI. Selma Almeida, pela reviso de lingua portuguesa realizada no texto.A proI. Rosalee Ewell, pela traduo do resumo desta tese para o ingls.ADanielaSelmini, bibliotecariadaFaculdadeTeologicaSulAmericana,peloauxilionas constantes pesquisas realizadas naquele local.Ao AlIredo Oliva, pela amizade e companheirismo na travessia dos cinco anos em que Iomos colegas decursonoProgramadeDoutoradoemHistoriadaUnesp, compartilhandoos desaIios e a Iascinao que o estudo do campo religioso brasileiro proporciona.A Faculdade Teologica Sul Americana, com especial meno ao ProI. Jorge Henrique Barro, pelo auxilioe apoio na disponibilizao daestrutura daFTSAparao desenvolvimento de minhaspesquisas. Oacervodocumental sobreopentecostalismobrasileiro, existentena Biblioteca dessa Instituio, Ioi de signiIicativa importncia para o aproIundamento do tema aqui abordado. A CAPES, com especial registro, pela bolsa de estudos que subsidiou recursos imprescindiveisaodesenvolvimentodesteprojeto, especialmentepor propiciar condies para as viagens do trabalhode campo e os constantes deslocamentos que se Iizeram necessarios aos acervos documentais.7"A HIS1RIA DOS DEUSES SECUE AS FLU1UAES HIS1RICAS DE SEUS SECUIDORES".Pierre Bourdieu8PROENA, Wander de Lara. Sinaicato ae Magicos. uma historia cultural da Igreja Universal do Reino deDeus (1977-2006).Assis: Unesp, 2006. 356 Il. Tese (Doutorado em Historia Social) FaculdadedeCincias eLetras, Campus deAssis, daUniversidadeEstadual Paulista 'Julio de Mesquita Filho, 2006.RESUMOEm1977, comonomedeIgrejaUniversal doReinodeDeus, surgiuomaisinstigante movimento religioso no cenario brasileiro contemporneo, no apenas pelo explosivo crescimentonumrico, masprincipalmentepelainauguraode praticas quetranspemas categorias conceituais explicativas classicamente utilizadas para a analise das maniIestaes de I. Abordagens jornalisticas, religiosas e sociologicas no deram conta de compreender a abrangnciaeosimpactospromovidosporessesegmento. OdesaIioIoientolanadoa historiograIia. Comopropositode contribuirpara opreenchimentodessa lacuna, esse trabalhose props a pesquisar, comproIundidade, as praticas e as representaes que notabilizaram o Ienmeno iurdiano. Para isso, a partir de parmetros teorico-metodologicos da Historia Cultural - articulados com os pensamentos de Roger Chartier e Pierre Bourdieu - realizaram-se incurses investigativas nos documentos proprios da igreja, conjugando-as com observaes participantes nos cultos e ritos, cruzando-se ainda tais Iontes com depoimentos de lidereseIiis, alm de gravaes sistematizadas de programas midiaticos, transcritos e catalogados paraanalise. Constatou-seque o Ienmeno iurdiano:nodissidnciae nem continuidade de outras expresses religiosas, mas criador de algo novo a partir de apropriao e resigniIicao de compositos culturaisarraigados na longa durao historica; estabeleceu um marco divisor no campo religioso quando chegou as massas e atingiu a matriz culturalbrasileira, recuperandoelementosliminaresdecrenasIolcloricas, queperpassam todos os niveis sociais, tornando-os prioritarios;surgiue cresceu nocontexto de uma explosourbana, marcadapor instabilidade, criseeviolncia, tornando-seumespaode salvao, desocorroeajuda.Sindicatodemagicos conIigura-se, pois, comoumtitulo plausivel para classiIicar a operacionalidade da alquimia ao confunto observada nas praticas desse movimento, capaz decombinar elementos aparentemente contraditorios: denomina-se igreja, mas caracteriza-se por magia e proIetismo; possui lideres carismaticos, pelas regras coletivas do campo e no pela excepcionalidade individual; desenvolve um tipo de messianismo,deconIiguraesrurais,masvivenciadocomencantonomundourbano;as crenasquenecessitacombater sodecisivasparaoseuIuncionamento; asbenessesdo paraiso apocaliptico ja so antecipadas para o tempo presente, alterando inclusive a geograIia do alem-pos-morte; elementos encantados so habilmente conjugados com recursos ultramodernos; o biblicismo da leitura substituido pelo emblema do rito; polmicas estratgias de arrecadao Iinanceira so denegadas pela economia da oIerenda; no lugar da absteno de bens materiais como preparao para a salvao, a prosperidade e o usuIruto de valores do tempo presente como sinais de alcance do reino idilico; sendo instituio, possui a capacidade magica de nopermitir a magia institucionalizar-se; deu certonocontexto brasileiro por recuperar um elemento essencial e identitario do cristianismo: o mistrio. Palavras-chave: Igreja Universal do Reino de Deus; Historia Cultural; sindicato de magicos; carisma; campo religioso brasileiro.9PROENA, Wander de Lara. Sinaicato ae Magicos. uma historia cultural da Igreja Universal do Reino deDeus (1977-2006).Assis: Unesp, 2006. 356 Il. Tese (Doutorado em Historia Social) FaculdadedeCincias eLetras, Campus deAssis, daUniversidadeEstadual Paulista 'Julio de Mesquita Filho, 2006.ABSTRACTIn 1977 was inaugurated, with the name Universal Church oI the Kingdom oI God - Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) - the most provocative religious movement in contemporary Brazil, not simply due to its explosive numerical growth, but mainly because oI its practices that went beyond classical conceptual categories employed in analyses oI Iaith maniIestations. Journalistic, religious, andsociological approacheswerenot suIIicient to account Ior therangeandimpact oI thissegment. Thechallengewasthensubmittedto historiography. WiththepurposeoI answeringsomeoI theselacunae, thepresent work proposestoresearchindepththepracticesandrepresentationsthat mostmarktheIURD phenomenon. For that, usingtheoretical-methodological parametersIromcultural history, articulatedintheworksoIRogerChartierandPierreBourdieu, weshall makeincursive investigationsintothedocumentsoIthechurch, placingthesealongsidetheobservations made by participants in the church`s rites and practices, then comparing these with additional statements Iromthe church`s leadership and IaithIul Iollowers. We will also examine TranscriptedandcataloguedinIormationgatheredIromvarious mediaprograms. It was Ioundthat theIURDphenomenonwas not duetodissidencenor continuitywithother religious expressions, but was instead the creation oI something new based on an appropriation and resigniIicationoI long-standinghistorical and cultural composites. It established a dividing mark in the religious Iield when it reached the level oI the masses and hit a Brazilian cultural matrix, recovering hidden elements oI popular Iolklore, that reach all social strata, thus making them priorities. It started and grew in a context oI urban explosion, marked by instability, crises and violence, making it a place oI salvation and help. 'Magicians Union, thereIore, is a plausible title under which to classiIy the Iunctionality oI thegroupalchemyobservedinthe practices oI this movement, capable oI combining apparently contradictoryelements:calling itselI 'church,but characterizedbymagic and prophecy; having charismatic leaders determined by the collective rules oI the Iield and not according to individual giIts; developing a type oI messianism oI rural conIigurations, but living in a charmed urban world.The belieIs against which it must Iight are decisive Ior its Iunctioning; the blessings oI apocalyptic paradise are anticipated to the present time, altering the geography oI post-beyona-aeath. Elements oI enchantment are ably paired with ultramoderntechnology; literal biblicismissubstitutedbyanemblemoI rite; polemical strategies Ior Iinancial gain are disallowed by an economy oI oIIering; instead oI abstaining Irom material goods in preparation Ior salvation, prosperity and the enjoyment oI this present day are signs oI reaching the idyllic kingdom. As an institution, it has the magical capacity oI not allowing magic to institutionalize itselI. It has been successIul in the Brazilian context because it recovered an essential element oI Christian identity: mystery.Keywords:UniversalChurchoIthe Kingdom oI God; cultural history, magiciansunion; charisma; Brazilian religious Iield.10SUMRIOINTRODUO ......................................................................................................................121- PARMETROSTEORICO-METODOLOGICOSPARAUMAHISTORIA CULTURAL DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS ........................................371.1 - O lugar do sagrado na Historia Cultural .........................................................................371.2 - Um caminho metodologico a partir de Chartier e Bourdieu ...........................................491.2.1 - Representao, pratica, habitus ...................................................................................521.2.2 - Campo, capital simbolico ............................................................................................601.3 - Fontes para pesquisa historiograIica sobre a Igreja Universal do Reino de Deus...........641.3.1 - Documentos proprios da Igreja Universal....................................................................651.3.2Fontes produzidas pela pesquisa de campo .................................................................712O CONTEXTO HISTORICO-SOCIAL EM QUE SE DESENVOLVEU O PENTECOSTALISMO BRASILEIRO ..................................................................................882.1O contexto de movimentos precursores .........................................................................892.2O contexto do surgimento do pentecostalismo ... ..........................................................942.3O contexto de projeo do pentecostalismo .................................................................1102.4O contexto de desenvolvimento do neopentecostalismo............................................1262.5Um contexto de esIoros do catolicismo pelo controle do campo religioso.................1362.6Um contexto historico de magia no campo religioso brasileiro ...................................1412.7Um contexto de presso Iolclorica camponesa no mundo urbano ...............................1473UMAHISTORIACULTURALDAIGREJAUNIVERSALDOREINODEDEUS: PRATICAS ...........................................................................................................................1523.1A consagrao do hertico: o nascimento de um sindicato de magicos ......................1523.2A universalizao do reino: o explosivo crescimento da Igreja Universal ..................1563.3A multiplicao da palavra: os recursos midiaticos da Igreja Universal .....................1613.4Milagres do dinheiro e dinheiro dos milagres nas praticas iurdianas ..........................1633.5Interesses do gesto desinteressado: a economia de oIerenda nas praticas iurdianas.....1683.6O poder simbolico do carisma nas praticas iurdianas ..................................................173113.6.1O carisma do proIeta .................................................................................................1833.6.2 - O carisma do mago ....................................................................................................2153.6.3O carisma messinico-milenarista .............................................................................2243.7O palimpsesto cultural das praticas iurdianas ..............................................................2514- UMAHISTORIACULTURALDAIGREJAUNIVERSALDOREINODEDEUS: REPRESENTAES ...........................................................................................................2674.1Da Iuneraria a catedral: representaes do espao sagrado iurdiano ...........................2674.2 - Representaes magicas dos objetos liturgicos ............................................................2714.3O universo representacional dos ritos ..........................................................................2784.3.1 - Corrente da prosperidade: o dinheiro e suas representaes .................................... 2844.3.2 - Corrente do descarrego: representaes do mal nas praticas iurdianas .....................3994.3.3 - 'Pare de soIrer: corrente de cura divina e milagres .................................................3104.4 - O papel das praticas de leitura nas representaes iurdianas ........................................3164.5 - Representaes da morte: mudanas na geograIia do 'Alm .....................................325CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................332REFERNCIAS BIBLIOGRAFICAS...................................................................................35312INTRODUO O ano 1977. O lugar: suburbio da cidade do Rio de Janeiro. O endereo: Av. Suburbana, 7.702, Bairro da Abolio. O local: um modesto salo alugado, anteriormente ocupado por uma Iuneraria. A porta, aIixada uma placa com aspiraes um tanto ambiciosas: Igreja Universal do Reino de Deus. Ao pulpito: um jovem pastor sem nenhum preparo Iormal em teologia ou treinamento especializado para o exercicio daquela Iuno. Os recursos de comunicao: a voz solitaria, de sotaque inconIundivel, de um pregador com microIone em mos, auxiliado por duas caixas de som ampliIicadas. O publico: pouco mais de uma dezena de ouvintes. O ano 2006. O lugar: todas as mdias e grandes cidades espalhadas em todososEstadosbrasileiros. Olocal: maisdecincomil templosque, pelaimponnciae extenso Iisica, so orgulhosamente chamados de 'Catedrais da F, com capacidade para abrigar milhares de pessoas. As ambies do nome: a presena em mais de cem paises do mundo. Aopulpito: avozdemaisdedezesseismil pastoresebisposquemultiplicamo sotaqueeoestilodeseulider-Iundador. Osrecursos:dezenasdeemissorasderadio, um canal exclusivo de televiso, com mais de noventa emissoras Iiliadas em rede nacional. O publico: aproximadamente trs milhes de adeptos. Quem passasse em Irente ao primeiro endereo da Igreja Universal, quando do inicio de seu trabalho, certamente seria levado a imaginar que o destino mais provavel daquelepequenoajuntamentode pessoas, comoodetantos outros grupos pentecostais cismaticos, seria a obscuridade da periIeria ou dos entrincheirados morros e Iavelas do Rio de Janeiro. Contrariando essa perspectiva, porm, a historia emblematicamente reservava, ali, na apario daquele movimento, a escrita de umcapitulo absolutamente novo no campo religioso brasileiro: o cenario da crena no pais passaria a se dividir em antese aepoisda IURD. Diantedesses aspectos, surgeminevitaveis questes: quais elementos, internos e externos, propiciaram esse Ienmeno em to pouco espao de tempo? Por que o movimento iurdiano obteve xito enquanto tantos outros, surgidos na mesma poca, Iracassaram? Onde esto Iincadas as raizesdesse segmento religioso que lhe do tanta sustentao diante das inumeras polmicas e perseguies que soIreu em sua trajetoria? Como essa igreja responde aosanseioseascrenasdeseusseguidores?Estaria-sediantedeumcasoqueenvolvea genialidade de lideres ou de um processo de produo coletiva do campo religioso a partir de regras que lhe so proprias?13O Iato que, em relao a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), no ha como ignorar ou Iicar indiIerente a sua presena. Desde o seu surgimento, tem estado no centro deintensascontrovrsias.Mtodosheterodoxosde arrecadao,vilipndioa cultos religiosos, agresso Iisica contra adeptos de crenas aIro-brasileiras e investimentos empresariais milionarios, so alguns dos motivos responsaveis por desencadear uma srie de criticas e acusaes por parte da grande imprensa e de outros segmentos religiosos, inquritos policiais e processos judiciais contraaIgrejaeseuslideres. Maisrecentemente, umnovo episodio ganhou as paginas de jornais e revistas de circulao nacional, tornando-se tambm assunto diario nos principais telejornais do pais: Joo Batista Ramos, bispo e presidente das organizaes de comunicao da Igreja Universal, Ioi detido pela Policia Federal, no aeroporto de Brasilia, quando se preparava para viajar para a cidade de So Paulo, portando sete malas cheias de dinheiro, num montante que somava mais de dez milhes de reais. Ao ser indagadopelasautoridadesIederaisacercadaorigemdaquelevalor, explicouquese tratavadedizimoseoIertas doadospelosIiisnumadasrecentescampanhasreligiosas denominadas 'Iogueira santa de Israel, realizadas pela IURD, e que a quantia estava sendo levada a administrao central da Igreja, localizada na capital paulista. Mais tarde, constatou-se que em outras regies do pais Ioram arrecadados, de igual modo, valores suntuosos nos milhares de templos iurdianos e tambm remetidos a sede da reIerida Igreja.E notoria a capacidade iurdiana de operar a multiplicao de numeros. Em pouco mais de duas dcadas conseguiu atrair para si um grande numero de seguidores que a Iazostentar hojeoquartolugar emmembros, emrelaoasdemaisigrejasevanglicas atuantes no pais.1 Viu rapidamente seus templos se espalharem em todos os recantos do pais, ocupando imoveis anteriormente usados como lojas e tantos outros estabelecimentos comerciais de grande porte, que Iecharam as suas portas para dar lugar aos cultos iurdianos. Nesse sentido, alias, a IURD nasceu num contexto marcado por crises e parece encontrar neste elemento um dos componentes externos que contribuem para a sua propagao. Sua dinmica e impactante atuaonocamporeligiosose deve noapenas aoseurapido crescimento, visibilidade e capacidade de arregimentao de Iiis, mas tambm as inovaes que promoveu: aoinvs de templos convencionais para os seus cultos oureunies, a transIormaodelocaisnormalmentetidospelosevanglicoscomoproIanosemespaos sagrados - a exemplo de casas de shows e cinemas - inseridos em meio as aglomeraes; o uso intenso dos meios de comunicao de massa, mediante compra de horarios no radio e na 1 DOSSI: Religies no Brasil. Estuaos Avanaaos, So Paulo, USP, n. 52, p. 15, 2004.14TV, ou mesmo pela aquisio desses meios de comunicao para o anuncio de sua mensagem; grandenIasenodinheirocomopartedavidareligiosa, promovendoenorme visibilidade social e projeo econmica da Igreja, com altas taxas de arrecadao Iinanceira, posse de milhares de templos, almde diversos empreendimentos paralelos tais como, gravadoras, editoras, livrarias, instituies bancarias e do ramo da construo civil. A Igreja Universal, evidentemente, no consiste em um movimento isolado, mas participadeumprocessodetransIormaodocamporeligiosobrasileiroocorrido sobretudonastrsultimasdcadas. Nessasmutaes, asexpressesdeIgenericamente identiIicadas como 'evanglicas,2tm obtido os melhores resultados em termos de crescimento. Dados catalogados pelo Instituto Brasileiro de GeograIia e Estatistica - IBGE, relativos aos censos demograIicos realizados em tal periodo, constatam essa aIirmativa. Em 1940, os evanglicos representavam 2,6 da populao; em 1950, 3,4. Em 1970, de uma populaocompostadepoucomaisde90milhes, osevanglicossomavam5,17; em 1980, eramcercade120milhesdebrasileiros, eosevanglicostotalizavam6,62. Os dados relativos ao Censo DemograIico realizado em 1991, indicaram uma populao de mais de 146 milhes e um total de 8,98 de Iiis. No inicio da dcada de 1990, a revista Jefa - exibindocomomanchetedecapa'AIquemovemultidesavananopais- tambm apontava para esta projeo:Cer ca de 16 mi l hes de pessoas no pai s, especi al ment e a i mensa massa de descami sados col ocados a mar gem da moder ni dade e pr ogr esso, j a r ezampel a car t i l ha dessas i gr ej as bar ul hent as que em seus cul t os chei os de cnt i cos e emoes pr omet emcur as, mi l agr es epr osper i dadei nst ant neanat er r a.3Em 2000, proximos dos 170 milhes de habitantes, os evanglicos superaramas ciIras dos 26milhes, perIazendo15,5dessa populao.4Emnumeros absolutos, ocrescimentodessegrupo, naultimadcada, daordemde100/, poiseles passaram de 13 milhes em 1991 para os mais de 26 milhes atuais.5Tambm se destaca 2No campo religioso brasileiro torna-se cada vez mais diIicil delimitar ou conceituar com maior preciso a categoria 'evanglico, ja que engloba um numero importante de igrejas com grande diversidade organizacional, teologica e liturgica. Em geral, remete a um conjunto de caracteristicas que traam um perIil relativamente deIinido de um grupo que engloba um numero cada vez mais signiIicativo de pessoas, mas com muitas Iragmentaes e divergncias internas. Assim, gozando de extraordinaria autonomia, cada uma se projeta no espaosocialsegundoiniciativadospastoresoudesuascomunidadeslocais, pornopossuirumorgo institucionalqueasnormatizeouasregularize. CIMONTES, MariaLucia. AsIigurasdosagrado:entreo publicoeoprivado.In: SCHWARCZ, L. M. (Org.).HistoriaaaviaaprivaaanoBrasil4. Contrastesda intimidade contempornea. So Paulo: Companhia da Letras, 2002, p. 87. 3Revista Jefa, So Paulo, n. 19, p. 40-44, 16 maio 1990.4Estuaos Avanaaos. Op. cit., p. 15, 16.5Ver SIEPIERSKI, Carlos Tadeu. O Sagraao num munao em transformao. So Paulo: Edies ABHR, 2003, p. 26, 27. 15que, dos numeros anteriormente apresentados pelas pesquisas nas duas ultimas dcadas, 'de cada dez crentes sete se declaram pentecostais ou neopentecostais.6 O censo realizado pelo ISER, em 1991, revelava que ja se abria naquele momento um templo evanglico a cada dia util noRiodeJaneiro. SegundodadosatuaisdoIBGE, cercade600mil brasileirosse convertem a cada ano a alguma denominao com esse perIil religioso.Em decorrncia de tal projeo, ha inclusive hoje uma assimilao cultural da liturgia e do vocabulario evanglico, Iazendo que cada vez mais nas ruas e locais publicos, por exemplo, pessoasexibamcamisetaseestampemadesivosnosseus automoveiscom dizeres que representam essa nova tendncia religiosa. Em meio a essas remodelaes do campo religioso brasileiro, o Ienmeno iurdianoseapresenta, pois,uminstigantedesaIioaosquesededicamacompreend-lo, especialmenteporatuaremIronteiras da liminaridade, estabelecida como Ilexibilidade do queseconvencionaclassiIicar comosagradoeproIano, ortodoxoehertico, eruditoe Iolclorico, sacerdocio e magia. E justamente pelos aspectos emblematicos que envolvem tal segmento religioso que advm o titulo dado a essa pesquisa: 'Sindicato de Magicos. Ainda que a guisa de introduo, vale justiIicar o emprego desses termos para intitular o presente trabalho. Emrelaoa'magia, pode-seconceitua-lacomotudoaquiloque, baseadona 'logica do natural e do sobrenatural, tenta inverter as Iormas naturais das coisas, ou seja, a crenadequedeterminadaspessoassocapazesdecontrolarIorasocultas(pessoaisou impessoais) eintervir nas leis danaturezapor intermdiodeprocedimentos rituais. Os adeptos da magia acreditam que por palavras ou encantamentos podem alterar o curso dos acontecimentos.'Conectados comos mitos,7os ritos magicos permitemque os seus adeptos, atravsdamanipulaodeIorasimaginariasdanaturezaouapelosaespiritos imaginarios, obtenhamIorasparabuscar seusobjetivos. EssaIoratemsidoentendida normalmentecomo'uma atividade de substituionas situaes emque Ialtammeios praticos para conseguir um objetivo; e uma de suas Iunes dar ao ser humano coragem, alivio, esperana, tenacidade:Dai aI or mami mt i cados r i t os, aconver sodeat os suger i dos pel os I i ns vi sados. Assi m, a magi a pr oduz o mesmo r esul t ado subj et i vo queaaoempi r i cat er i aconsegui do, r est aur a- seaconI i ana, esej a qual I or o pr ogr ama em que est ej a engaj ada, el e pode ser l evado avant e.86Revista Eclesia, Rio de Janeiro, p. 46, abr. 2000. 7 PIERUCCI, Antnio Flavio. Magia. So Paulo: PubliFolha, 2001, p. 78.8 EVANS-PRITCHARD, E. E. Antropologia social aa religio. Rio de Janeiro: Campus, 1978, p. 53, 61.16Essa recorrncia a Ioras supra-sensiveis ganha normalmente maior evidnciaquandoosproblemasconcretosqueseenIrentanoencontramoutrassolues mais rotineiras, mais ordinariamente 'humanas. Na experincia com o cotidiano existencial, oser humanosedeparacomodesconhecido, como'mistrio, quesemaniIesta, por exemplo,nadoena, namorte, nas calamidades. Para superaressa ameaa de caosqueo mistrio pode provocar que se recorre a magia.9 Onde quer que o ser humano chegue a uma lacunaintransponivel, aumhiatoemseuconhecimentoeemseus poderes decontrole pratico, surge o espao de operao da magia:O pensament o magi co i magi na que nest e mundo exi st em I or as ocul t as por t ador as de i nI or t uni os e adver si dades, pr ovocador es de baques e aci dent es i mpr evi si vei s ( . . . ) i ncndi o, seca, pr agas na l avour a, doenas e epi demi as que se abat emsobr e ser es humanos e ani mai s ( . . . ) I or as supr a- sensi vei s que pr oduzem acont eci ment os i nesper avei s, i nt er I er i ndo negat i vament e emsua vi da e ul t r apassando as expl i caes ar mazenadas no conheci ment o t cni co que seugr upopar t i l ha. Epar a se cont r ol ar essas i nt er I er nci as que ser ecor r eamagi a.1 0Levando a eIeito seus ritos, portanto, os magos se propem a ajudar aos que a eles recorrema 'lidar comseus problemas e seus contra-tempos, eliminando o desespero que inibe a ao do individuo, Iornecendo-lhe um sentido renovado do valor da vida e das atividades que a compem.11Na Igreja Universal isto o que tambm ocorre. Com plasticidade, em seus rituais e procedimentos, estabelece uma relao de apropriao resigniIicadora do mundo magico das religies aIro-brasileiras e do catolicismo de devoo Iolclorica, realizando, ali,praticas de magia que cruzam as Ironteiras normalmente estabelecidas pelo que se convencionou entender por religio. Para asatisIao das necessidades e desejos dos que procuram os seus templos, lideres iurdianos disponibilizam aos Iiis objetos simbolicos ou talisms carregados de 'energias benIicas, direcionados a soluo dos casos mais diIiceis, como a Ialta de saude, de prosperidade e sucesso na vida. Acredita-sequetaisobjetostmeIicaciamagicae, portanto, capacidadeparaprotegerde todos os males atribuidos e personalizados na Iigura do demnio. Nos discursos, nas literaturas e nas reunies ritualisticas, pastores e bispos Ialam de Ioras espirituais e mas que constantementeinterIeremnavidacotidianadaspessoas; tambmpraticam-securas-tal como os antigos taumaturgos, curandeiros ou xams - usando-se, para isso, ritos magicos e exorcistas.9 CI. BRONOWSKI, J. Magia, cincia e civili:ao. Lisboa: Edies 70, 1986, p. 49, 50. 10MALINOWSKI, Bronislaw. Magic, science, and religion. Em: James Needham (Ed.),Science, religion ana reality. London: Free Prees, 1925. Apua PIERUCCI, A. F. Magia. Op. cit., p. 56.11 EVANS-PRITCHARD, E. E. Op. cit., p. 68.17Ja o emprego do termo 'sindicato, no titulo desta pesquisa, da-se pelo Iato do movimento iurdiano ter surgido e obtido projeo sob o comando de lideres atuantes na liminaridade, os quais podem ser identiIicados como 'empresarios autnomos de salvao. Utilizando-se da conceituao empregada por Max Weber, e retomada por Bourdieu,12 pode-se identiIicar o mago como agente religioso independente que se utiliza dos bens simbolicos produzidos no campo religioso para atender a interesses imediatos daqueles que recorrem aos seus servios. Os agentes magicos normalmente exercemuma proIisso semvinculo institucional e, por essa razo, tendem a ser combatidos ou desqualiIicados pelos saceraotes representantesdainstituiooIicial-quevemnamagiaumaapropriaoindevidaou manipulaodebensreligiososparaIinalidades'interesseiras.Alideranadeumlider carismatico de maior projeo juntam-se outros magicos, sendo por aquele credenciados com legitimidadeparaoexerciciodesuas Iunes. Forma-se, destamaneira, um'sindicato composto por agentes autnomos que independem, portanto, das sanes institucionais, cuja autoridade provm diretamente do carisma que ostentam perante os adeptos. Nas praticas da IURD, a Iora de organizao da magia e do carisma, enquanto poder simbolico, tem origem coletiva em Iormas de delegaes geradas pelo proprio grupo. Com isso, a magia se organiza, sindicaliza-se e se Iortalece em uma espcie de conIraria, mantendo, assim, o seu carater de ruptura com normas ou padres ritualisticos estabelecidos por expresses religiosas dominantes. O termo 'sindicato tambm plausivel para representar a Iora mobilizadora de um movimento de massas, que conIronta, no mbito religioso, as instuies tradicionalmenteestabelecidas, reivindicandodireitos deproclamar asuamensagemaos moldesdeumainvenopuramentenacional emtermosdedoutrinaerito, viabilizando oportunidadesaumcontingentequetemIicadoasmargensparaquesejasujeitodesua propria experincia com o sagrado. Magos, xams ou Ieiticeiros, no importa como sejam chamados, sempre existiram nas sociedades, atuando no anonimato ou as margens de religies oIiciais. Porm, no movimento iurdiano, sob a titulao de 'bispos ou 'pastores, tais Iunes se conjugam eIicazmente numa pastoral-magicae ganhama luzdo dia, assumindoidentidades.Mesmo com certos mecanismos de organizao, os lideres iurdianos no se prendem jamais a rotina religiosa que conIigura o papel sacerdotal no mbito de uma igreja. E um movimento que se institucionalizou sem perder os elementos magicos, no se permitiu tornar-se uma religio. 12 BOURDIEU, Pierre. A economia aas trocas simbolicas. Rio de Janeiro: Perspectiva, 2000.18Por isso mesmo, o culto novidade todo dia, sem cair no Iormalismo liturgico da tipologia eclesiasticainstitucional ousacerdotal. Cadareuniosetornaumnovoespetaculo, com plenitude de sentido, de emoo compartilhada, comungada na mesma paixo, 'ligando os homens as potncias sagradas que o animam.13 Os ritos so criativamente renovados, numa atualizao permanente, propiciando um leque de novas opes a serem trilhadas a qualquer momento,sem o'engessamentocerceador encontrado nas grandes instituies religiosas. No estando preso a instituio, o bispo Macedo, por exemplo, tem autonomia de mobilidade. E bispo sem deixar de ser proIeta, de ser mago ou xam. Este Iator contribui para que a historia da IURD seja construida na vividez do inesperado e do desconhecido, envolta peloelementodomisterioqueemblematicamenteconIiguraacrenaemsuasexpresses mais encantadas.Outroaspectorelacionadoaotitulo'SindicatodeMagicossereIereao poder de alquimia o qual magicamente Iaz que o grupo iurdiano no apenas rompa em suas praticas coletivas com alguns conceitos ou tipologias - que classicamente tm sido utilizados por teoricos ou pesquisadores de temas religiosos - mas tambm requeira novas abordagens paraacompreensodeumnovotipodeexperinciaenvolvendoosagradonocenario religiosobrasileiro. EssaIgrejaconsegueeIicazmenteaglutinar varios outros elementos conIigurados no campo e que aparentemente seriam opostos ou concorrentes entre si. Assim, so vivenciados, ali, aparentes paradoxos ou contradies, mas que emblematicamente ganham sentido e coerncia a partir de regras que o campo religioso capaz de promover: denominando-se'igreja, esse segmentopossui praticas notadamentecaracterizadas por magia, por messianismoouproIetismo; as representaes messinicas nelaconIiguradas ocorremnomaisnocontextorural - como tradicionalmente se denotou nos movimentos com tais perIisIazendo que as Ironteiras convencionalmente estabelecidas entre o que rural e urbano sejam rompidas, tornando assim a cidade, teoricamente deIinida como lugar de 'desencantamento, local de magiIicao do sagrado em suas expresses mais 'primitivas. AomesmotempoemquecombateascrenasaIro-brasileiras, aIURDdiretamentedelas depende para a constituio de suas praticas, reeditando-as, inclusive, com outros nomes. Os lideres, denominados pastores ou bisposcomo dito anteriormente - assumem para os Iiis diIerentes representaes: mago, messias, proIeta, Iato que caracteriza ummovimento surgido com proposta proItica, passando a se aproximar de uma instituio, sem permitir, contudo, ainstitucionalizaodesuas praticas. Aomesmotempoemquesedenomina 13 SCHMITT, Jean-Claude. Ritos. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Orgs.). Dicionario tematico ao ociaente meaieval. Bauru: EDUSC, 2002, p. 416.19evanglica, mantendo vinculos com o protestantismo historico14ou com o pentecostalismo classico,15 na verdade, reinventa-os, conIigurando uma nova tipologia, a qual provocativamentedesaIiaospesquisadoresquantoasuadeIiniopelasnovasIigurasde sagradoapresentadas. Aocontrariodoqueprotestantesecatolicossempreprezaramem relao ao cuidado de se preparar para a vida Iutura pos-morte, na IURD se observa a nIase de suaspraticasrecaindoexclusivamente noaquieagora. Seporumladoacena para as benesses de consumo da sociedade capitalista, por outro sua mensagem acaba se colocando como uma espcie de resistncia a tal sistema, quando prope caminhos intra-historicos para se obter a superao dasmazelas geradas por esse modelo de sociedade. A IURD,paraa veiculaodesuamensagem, combinaeIicazmenteousodosmaissoIisticadosmeiosde comunicao com antigas praticas de leitura, as quais se reportam a modelos caracterizados nos sculos XVI e XVII, numa conjugao perIeita do ultramoderno com elementos de longa durao.Emtemposdenovoseagressivos recursos de comunicao eexpresso,antigas praticas de leitura resistem e continuam desempenhando o papel de promover a seduo do sagrado e a retraduo de um Iertilissimo passado cultural no mundo contemporneo. Uma igreja que investe no imediato mas que, no entanto, mantm suas raizes Iincadas na 'longa durao.16Ouainda, oenigmadepossuir acapacidadedeobter osmaioresxitosde projeo e recrutamento de novos Iiis nos momentos em que soIre grandes ataques por parte demovimentosreligiososconcorrentesoudeoutrossetoresdasociedade. Emsintese, o emprego do titulo 'Sindicato de Magicos no signiIica que a IURD seja apenas magia, mas sim, que ela opera magicamente em outros niveis que o capital cultural do campo religioso brasileiro lhe disponibiliza; e mais: ela reinventa-o, redescobrindo a magia nele existente e criando algo absolutamente novo.Outra dimenso da pesquisa pressuposto no subtitulo 'uma historia cultural da Igreja Universal do Reino de DeusreIere-se ao aspecto teorico-metodologico, 14Segmentocristorepresentadopor diIerentesdenominaesreligiosas quesurgiramapartir daReIorma Protestante liderada por Martinho Lutero, na Alemanha, no sculo XVI, como por exemplo, as igrejas Luterana, Presbiteriana, Batista, Anglicana e Metodista.15Movimento surgido nos Estados Unidos da Amrica, no inicio do sculo XX, a partir da Igreja Metodista e que ganhou notoriedade por enIatizar a pratica da glossolalia vocabulo da lingua grega que signiIica 'Ialar outras linguas, cujo balbuciar de sons inarticulados, em xtase, passou a ser compreendido, por tal segmento religioso, como evidncia do que se chama de 'batismo com Espirito Santo. O nome 'pentecostalismo uma aluso ao que se entende ter sido um episodio semelhante, registrado na Biblia, em Atos 2:1-4, ocorrido com os primeiros cristos, no primeiro sculo, no dia da Iesta judaica denominada 'pentecostes. No Brasil, convencionou-se identiIicar como representantes do 'pentecostalismo classico as primeiras igrejas que aqui se desenvolveram com tal tipologia: Assembleia ae Deus e Congregao Crist no Brasil.16A'longa durao, segundoFernandBraudel, reIere-se as chamadas 'permanncias na historia, no necessariamente um longo periodo cronologico: ' aquela parte da historia, a das estruturas, que evolui e muda o mais lentamente (...) um ritmo lento. CI. LE GOFF, Jacques. In: BLOCH, Marc. Os reis taumaturgos. So Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 17.20enquantovisdeanaliseaser utilizadoe, por conseguinte, propositomaior dateseora desenvolvida: compreender o Ienmeno iurdiano a partir da historiograIia, proporcionando comisso uma nova abordagem, que va almdas analises e explicaes at agora apresentadas quase sempre sob outras perspectivas. Vale dizer que, no so pelo crescimento e projeo, mas tambm pelo aspecto emblematico que a envolve desde o seu surgimento, a IURDtemsetornadoobjetodevarias'explicaes, suscitandodiIerentesesIorospor compreend-la enquanto expresso do sagrado produzido pelo campo religioso brasileiro, em suas remodelaes mais recentes. Podem ser destacados trs setores que tm se empenhado em descrever ou interpretar o movimento iurdiano: a midia, outros segmentos religiosos e a academia. Por parte da midia, at mesmo por perceber o crescimento da concorrncia pelocontroledosmeiosdecomunicao, areligiosidadeiurdianaquasesempretemsido classiIicada em tom de estigmatizao, sob acusao de charlatanismo, mercantilizao da I ou curandeirismo, como se Iosse apenas uma Iorma 'maquiavlica de explorar Iinanceiramente a 'boa I de pessoas humildes ou desavisadas, conIorme se pode observar no exemplo abaixo:Sur gem em mei o a est a quest o, I al sos l i der es que usam essas t cni cas depr egaoembeneI i ci odopr opr i obol so. Exat ament epor essa r azo so r ar as as capi t ai s br asi l ei r as onde pel o menos um past ornoest ej asendoal vodeumpr ocessocr i mi nal por char l at ani smo, enr i queci ment oi l i ci t oeat ent adoaeconomi a popul ar .1 7Amedida que o movimento continuou se propagando, a postura da imprensa Ioi a de tambm aumentar o numero de reportagens sobre o que considera 'taticas mercantilistas dessa Igreja: 'Que o bispo Edir Macedo mercadeja a I, incitando os Iiis a Iazer apostas em dinheiro com Deus nas quais sua igreja sempre ganha, ja se tornou lugar-comum.18 Em outra matria jornalistica recente, com manchete de capa intitulada 'A nao evanglica, o maior pais catolico do mundo esta se tornando cada vez mais evanglico, a revista Jefa tambm publicou:( . . . ) odi nhei r o, na I or ma de di zi mo, aose t r ansI er i r par a a mode past or es que vem a r el i gi o como negoci o, t em ger ado t ant o o cr esci ment odemui t asdenomi naes quant omar acut ai as, denunci as, i nvest i gaes. ( . . . ) Umdos r amos evangl i cos cr i ou at umdi zi mo super I at ur ado: o I i el deve dar ant eci padament e 10 do val or que pr et ende al canar como uma gr aa do Senhor , e no daqui l o que eI et i vament e r ecebe ( . . . ) As acusaes mai s I r eqent es cont r a past or esevangl i cos t r at amdeest el i onat oecr i mesI i scai s. Opast or 17Revista Jefa, So Paulo, p. 40, 16 maio 1990.18Revista Jefa, So Paulo, 03 jan. 1996.21Davi Mi r anda, I undador da Deus EAmor , por evaso de di vi sas. A I gr ej a Renascer em Cr i st o enI r ent a mai s de ci nqent a pr ocessos movi dospor ex- I i i s. SeusI undador es, oapost ol oEst evam Her nandes e a bi spa Soni a Her nandes, so acusados de dar um cal ot ede12mi l hesder eai s.1 9 Outratendnciadamidiatemsidoadegenericamenteatribuir oxito dessas praticas religiosas aos problemas econmicos do pais: 'Pr um terno para Ireqentar o culto, levar uma Biblia embaixo do brao e ser visto como um modelo de honestidade, para esses crentes pobres, alcanar pelo menos um peda do paraiso da cidadania.2 0UmsegundoesIoroexplicativoprovmdeoutrossegmentosreligiosos atuantes no contexto brasileiro. O crescente surgimento de inumeros pequenos templos que passaramaganhar visibilidadesocial, sobretudonasgrandescidadesdopais, despertou pesquisadores pertencentes aoutras tradies crists. Nas dcadas de1960e1970, por exemplo, aIgrejaCatolicaencomendouvariaspesquisassobreasrazesdaconverso de catolicos as igrejas evanglicas. Alertava-se para os perigos das 'heresias modernas, incluindo, juntamente com o espiritismo e a maonaria, o pentecostalismo. Por outro lado, os 'protestantes historicos ou 'classicos tambm demonstraram interesse em compreender as razes do sucesso pentecostal. Inquietava-lhes o Iato de estarem ja estabelecidos no Brasil desde osculoXIXe noteremultrapassadoa condio de 'minoria religiosa, no conseguindoconstituir-seemopodemassas nopais, comoocorriacomesses novos segmentosreligiosos. Odepoimentodeumpastor presbiteriano21retrataeilustrabema interpretaoIeitapeloprotestantismodiantedasrepercusseseimpactoscausadospela atuao da IURD:O Br asi l uma t er r a I or mi davel . Da de t udo ( . . . ) Deu par a dar mi l agr e, agor a, nest a t er r a. Al gum, anj o ou demni o, andou semeando sobr e as cabeas, a est apaI ur di a i di a do mi l agr e ( . . . ) I or mas aber r ant es do pr ot est ant i smo, num compl et o r epudi o a t r adi o de cr i t i ca e de equi l i br i o que car act er i zou a ReI or ma, pr oduzem t ambm os seus t aumat ur gos ( . . . ) O po, o r emdi o, a i nst i t ui o e a di gni dade do poder publ i co so, posi t i vament e, o mai or ant i dot o par a a mi l agr ei r i ce ( si c) desenI r eada, que ar r ast a e expl or anossopobr epovo.2 219Revista Jefa, So Paulo, p. 93, 03 jul. 2002. 20 Ibid.21OpresbiterianismoconsistenumadasramiIicaesdocalvinismo, surgidoemGenebra, naSuia, soba liderana de Joo Calvino, no periodo da ReIorma Protestante, no sculo XVI. Tal segmento protestante tem comoumdosseuspressupostos teologicos a acumulao de lucropelatica do trabalhocomo umsinalda eleio e bno divinas.22BOAVENTURA, LuisPereira. JornalOParanaEvangelico, LondrinaPR, p. 02, jun. 1980. Exemplar disponivel no acervo do Centro de Documentao e Pesquisa em Historia - Faculdade Teologica Sul Americana, em LondrinaPR.22Entre os proprios segmentos pentecostais no tem sido diIerente a inquietao acerca da IURD. Diante do episodio envolvendo as 'malas de dinheiro, anteriormente citado, o inIluente pastor e escritor Ricardo Gondim, lider da Igreja Assemblia de Deusmaior igreja evanglica em numero de membros no Brasil - em tom de denuncia e protesto proIeriu as seguintes palavras:As set e mal as chei as de di nhei r oapr eendi das emBr asi l i a pr ovocam mi nha i ndi gnao. No, no est ou zangado so com a I gr ej a Uni ver sal do Rei no de Deus e seu pr esi dent e, o deput ado Joo Bat i st a Ramos. Tambm est ou com r ai va de mi m mesmo. Eu pr eci sava t er aI i r mado, comt odas as l et r as, que essa i gr ej a uma empul hao medonha; seus bi spos, pi car et as e seu I undador , um maqui avl i co est r at egi st a. Por que t i ve r ecei os de denunci ar suas i nt er mi navei s campanhas de l i ber t ao? Eu no not ava que er am mer os ar t i I i ci os par aext or qui r opovo?Lament onohaver nomeado essa I al sa i gr ej a emar t i gos. Ha mui t o, per cebi a que o di nhei r o dos cr ent es er a i nsuI i ci ent e par a bancar suas mega cat edr ai s, r edes de t el evi so, i numer asest aesder adi o, avi es, hel i copt er ose I i nanci ament o de el ei es. A mai or i a do povo br asi l ei r o ganha sal ar i o mi ni mo e por mai s que compar ecesse a seus var i os cul t os e I osse espol i ado, no havi a como I i nanci ar t ant a megal omani a. No ent endopor quenoal ar deei queessecl er odaUni ver sal compost o de l obos, que j a nem se pr eocupam de I ant asi ar - se de cor dei r os. El es r epr esent ama escor i a naci onal . Por que me embar acei coma pechaqueai mpr ensal hesdavadechar l at esvi gar i st ase est el i onat ar i os? Eu sabi a que past or es obcecadospel o poder , t er mi nam como Luci I er . Eu devi a t er apont ado que o sucesso da Uni ver sal r esul t ado da sua I al t a de escr upul os. Essa empr esa r el i gi osa expl or a o povo que mendi ga esper ana. Chegou a hor a de out r as i gr ej as se uni r eme aI i r mar em, como I i zer amos por t ugueses ha var i os anos, que a Uni ver sal no evangl i ca. El a pr eci sa ser apont adacomoummovi ment oapost at a, quenopr egaos val or es do Evangel ho. La, ensi na- se a amar o que Jesus pr oi bi u: di nhei r o, gannci a e gl or i a humana. Seus cul t os no buscam ger ar uma espi r i t ual i dade l i vr e. As pessoas so i nduzi das ao medo. El es i ncut em sent i ment os de cul pa e ger am neur ot i cos r el i gi osos, que pr eci samapl acar seust r aumascomdi nhei r o.2 3Uma terceira dimenso explicativa engloba propriamente o campo acadmico. Tm-se avolumado as tentativas de compreenso dessas novas expresses religiosas, especialmente pelo seu grande apelo as massas e pelo novo perIil por elas criado emrelaoastipologiasquejademarcavamaconIiguraodocenarioreligiosodopais. Inicialmente, empenharam-senessatareIaalgunscientistas sociais, comdestaqueparao trabalho pioneiro de Beatriz Muniz de Souza, publicado em1969, como titulo 'A experincia da salvao: Pentecostais em So Paulo. Porm, nos anos 70 ainda eram poucos os estudos que se propunham a explicar o signiIicado e o crescimento de grupos pentecostais noBrasil. E, mesmoem1984, RubemCsar FernandezaindaaIirmava: 'oscrentesso 23 http: // www.ricardogondim.com.br/artigos.Acesso em: 27 jul. 2005.23minoria no pais e tambm nos estudos sobre religio.24 Mas Ioi a partir de 1980, com mais de13milhesdeadeptose80anosnoBrasil, englobandocentenasdedenominaesde pequeno, mdio ou grande porte, que as novas expresses evanglicas se tornaram Iinalmente objeto de grande interesse das pesquisas acadmicas, rendendo a publicao de varios artigos elivros. Aseguir, soapresentados alguns desses principais trabalhos querepresentam diIerentes olhares ou interpretaes de autores brasileiros sobre a Igreja Universal. O propositoobservaralgumasdesuascontribuies, mas, principalmente, osseuslimites explicativos, para que melhor se perceba a necessidade de se avanar no alcance de analise a partir de um outro parmetro de investigao: o vis historiograIico. Um detalhado mapeamento da conIigurao do campo religioso brasileiro, reIerente ao periodo que delineia o advento iurdiano, Ieito por Maria Lucia Montes, na obra HistoriaaaJiaaPrivaaanoBrasil,volume4. Nessetexto, aautoraapontaparaum deslocamentodopublicoparaoprivadoquea'economiadosimbolicotemsoIridono contextobrasileiro. So sinais dessas mudanas e da ascenso de 'novos Ienmenos religiosos os seguintes aspectos:A evi dent e ampl i ao e di ver si I i cao do 'mer cado dos bens da sal vao. I gr ej asenI i mger enci adascomover dadei r asempr esas. Os moder nos mei os de comuni cao de massa post os a ser vi o da conqui st a das al mas. I nst i t ui es r el i gi osas que, do pont o de vi st a or gani zaci onal , dout r i nar i o e l i t ur gi co, par eci am I r agi l i zar - se ao ext r emo, mai s ou menos ent r egues a i mpr ovi saoaa hocsobr e si st emasdecr enasI l ui dos, dei xandoaoencar godosI i i s compl ement ar emasuamanei r aar i t ual i zaodas pr at i cas r el i gi osas e o conj unt o de val or es espi r i t uai s que el as supem. Uma mai or aut onomi ar econheci daaosi ndi vi duosque, umpassoadi ant e, ser i am j ul gados em condi o de escol her l i vr ement e sua pr opr i a r el i gi o, di ant e de um mer cado em expanso. ( . . . ) Pr ol i I er ao de sei t as, I ragment aodecr enasepr at i casdevoci onai s, seuar r anj o const ant eaosabor decr enasepr at i caspessoai soudasvi ci ssi t udes davi dai nt i madecadaum.2 5 Montes registra 'transIormaes proIundas observadas nas ultimas dcadasnocamporeligiosobrasileiroeque nosanos90 'emergiramescancaradamentea superIicie.26Essa autora aponta algumas das caracteristicas dessas mutaes. Primeiro, ha umnovopoder dedimensesinditasdoprotestantismonoBrasil, paistradicionalmente considerado catolico. Segundo, uma transIormao importante no proprio campo protestante, evidenciadapelocrescimentonointerior doprotestantismohistoricoemuitas vezesem 24FERNANDES, R. C. Religiespopulares:umavisoparcialdaliteraturarecente.BoletimInformativoae Cincias Sociais, ANPOCS/ USP, So Paulo, p. 84, 1984.25 MONTES, M. L. As Iiguras do sagrado: entre o publico e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit., p. 63-171. 26 Id., ibid., p. 68.24oposio a ele. E, por Iim, a transIormao em curso signiIicava mutao interna, demonstrada pela proximidade com os compositos das crenas aIro-brasileiras. Tais remodelaes envolveram maior Iluidez, baixo grau de institucionalizao das igrejas e o uso dos modernos meios de comunicao de massa a servio da conquista das almas.As analises Ieitas por Maria Lucia Montes so de grande relevncia, especialmente por identiIicar um elemento decisivo: a 'Iragmentao de crenas e praticas devocionaiseseurearranjoaosabordasinclinaespessoaisoudasvicissitudesdavida intima de cada um.27 Porm, trata-se de um trabalho de mapeamento amplo do campo, sem uma concentrao mais especiIica no caso da Igreja Universal, que o proposito do trabalho que ora desenvolvemos.Masa propria autoraIazumaobservao instigante aolembrar a necessidadedeumaproIundamentonainvestigaodasraizesmaisproIundasdorecente rearranjo global do cenario religioso do pais, quando diz que seus 'eIeitos ainda deveriam ser melhor exploradosparaquepudessemser devidamenteavaliados. Mencionaaindadois aspectos que justiIicam a importncia de se trabalhar com conceitos empregados por Pierre Bourdieu no empreendimento dessas novas pesquisas: a 'economia dosimbolico e a 'gnese do campo religioso. Argumenta Montes: 'nunca a economia politica do simbolico haviaparecidomaisadequadaaexplicaodoIenmenoreligiosonoBrasil;28eainda, 'supe-seque secompreendaemprimeirolugar (...) agnesedas transIormaes que resultaram na atual conIigurao do campo religioso brasileiro.29OsociologoRicardoMarianoautor deumadissertaodeMestrado, apresentada na Universidade de So Paulo, publicada com titulo Neopentecostais. sociologia ao novo pentecostalismo no Brasil. 30 Esse trabalho se tornou reIerncia na abordagem dessa tematica. A partir de exaustiva pesquisa de campo, tendo como universo teorico a sociologia compreensivadeorigemweberiana, descreveas mudanas ocorridas nopentecostalismo brasileiro, apresentando a Igreja Universal como a principal representante desse novo perIil. Mariano discute as tipologias das Iormaes pentecostais, Iaz relato da historia e da organizaodasdenominaesqueclassiIicacomorepresentantesdoneopentecostalismo: Universal do Reino de Deus, Internacional a Graa de Deus, Renascer emCristo e Comunidade Evanglica Sara a Nossa Terra; e, por Iim, analisa as caracteristicas distintivas desse novo segmento evanglico, a saber: a guerra contra o Diabo, a liberao dos usos e 27 Id., ibid., p. 69.28 Id., ibid.29 Id., ibid., p. 71.30MARIANO,Ricardo.Neopentecostais.sociologia do novo pentecostalismonoBrasil.So Paulo:Loyola, 1999. 25costumes e, principalmente, a 'Teologia da Prosperidade. Analisa o papel de seduo que esse modelo de teologia exerce sobre os adeptos ao propor que os cristos se tornam socios de Deus a medida que Iinanciam a obra divina, o que lhes outorga o direito de usuIruirem os melhores produtos oIerecidos pelo mercado, serem Ielizes, saudaveis e vitoriosos em todos os seus empreendimentosaspectos esses que pem em xeque o velho ascetismo pentecostal.Noobstante arelevncia dotrabalhode Mariano, especialmente pelo pioneirismo da abordagem de um Ienmeno religioso que cada vez mais marcava presena no pais,apesquisaapresentalimites: Iica restrita a abordagem de cunho sociologico,no trabalhandopor issocomoselementoshistoricosmaisproIundosdelongaduraoque propiciaramosurgimentodaspraticas como asque se observamnomovimento iurdiano; enIatiza-se bastante o 'estrangeirismo de algumas praticas, como a Teologia da Prosperidade, como se o campo religioso brasileiro Iosse mais um receptaculo de reproduo de experincias externas, sem que seja diretamente produtor desses bens simbolicos; essas novasexpressesseprojetampor umprocessodeadaptaoouacomodaoaosnovos valores da sociedade, como uma 'religio de mercado, emque ha 'produtores e 'consumidores. Otrabalhodo sociologo LeonildoSilveira Campos, intituladoTeatro,Templo e Mercaao,31originalmente uma tese de doutorado, posteriormente publicado, consiste numa analise minuciosa da Igreja Universal do Reino de Deus em que se destacama partirdasIigurasempregadasnotituloamaneiracomoosagradoritualisticamente vivenciado nas praticas desse segmento religioso e, principalmente, as estratgicas de mercadoempregadasporessaigreja.Noobstanteos valoresda pesquisa,sobretudo pelo trabalho de campo realizado, a IURD descrita mais como um empreendimento que lana modeestratgiasdepropagandaemarketing,gerenciamentoempresarialeinvestimento pesadonousodos meios decomunicaodemassaparaobtenodeseus resultados, principalmente em relao as camadas mais periIricas da sociedade brasileira. A Universal, inserida nummercadodebenssimbolicos, apresentadacomotendoseu Iocovoltado as necessidades do cliente, demonstrando agilidade no lanamento de novos produtos. O trabalhodeCampos, portanto, nosepropeainvestigaroselementosculturaisdelonga duraoqueconIiguramasexpressesreligiosasdopaisequepossibilitaramoxitoea sustentao das praticas que hoje se observam no movimento iurdiano.31CAMPOS, Leonildo Silveira.Teatro, templo e mercaao.Organizao e marketing de um empreendimento neopentecostal. Petropolis: Vozes, 1997.26O trabalho Igrefa Universal ao Reino ae Deus, os novos conquistaaores aa fe,32apresentaumacoletneadeartigos sobreaexpansointernacional daIURD, hoje presente emmais de 100paises. Destaca que essa expanso'eIetuou-se graas a um verdadeiroimprioIinanceiro, midiaticoe, asvezes, politico, mastambmgraasasua grande capacidade de adaptao as diversidades locais. Rapidamente ela superou numericamente outras igrejas multinacionais, mantendo brasileiros nos postos de comando na maioria dos paises. Destaca-se, na presente obra, que a IURDprocura mobilizar um imaginario globalizado em diIerentes lugares, porm, Ilexivel para encontrar outras representaes do Diabo e seus demnios visando a obteno de ressonncia de sua mensagem. Assim, internacionalmente, a Iormula 'made in Brazil iurdiana se apresenta sob coresdemestiagem, Iazendoqueospastoresseadaptemascondieslocaisdecultos carismaticos. Naturalmente, analisar comoaIURDconseguexitoemoutros contextos culturais, diIerentes daquele que lhe deu origememsolo brasileiro, apresenta-se uma tematica instigante para pesquisas. Porm, no trabalho aqui proposto, a meta investigar o espao e as circunstncias que lhe propiciaram originalmente surgimento e projeo, ou seja, estabelecer como recorte ao campo religioso-cultural brasileiro.HlideMariaS. Campos, emdissertaodemestradodeComunicao Social, posteriormente publicada com o titulo Catearal Eletrnica, analisa a Igreja Universal do Reino de Deus como 'igreja eletrnica, ou seja, a nova tendncia de mudana da igreja para o interior dos lares. A autora se prope a compreender como interagem comunicadores e destinatarios Irente as cmeras de TV, 'pois muitas pessoas trocaram os bancos das igrejas pelo conIortavel aconchego de seus soIas.33Entretanto, no obstante ao recorrente uso da TVparaaveiculaodesuamensagem, aIURDnodeveserclassiIicadacomo'igreja eletrnica, pois o proprio bispo Edir Macedo Iaz questo de posicionar-se contrario a essa idia. Ementrevista concedidaa revistaJefa, obispoaIirmouque os 'televangelistas eletrnicos oIerecem espetaculos, que geram pessoas acomodadas em casa e por comodismo deixam de ir aos templos: 'Sou contra a igreja eletrnica do tipo das existentes nos Estados Unidos, em que o pastor Iica no video e as pessoas o assistem em casa, distraindo-se com a campainha da porta ou com o gato que mia. Na minha igreja preIerimos o contato direto com o povo.3432CORTEN, Andr; DOZON, Jean-Pierre; ORO, Ari Pedro (Orgs.).Igrefa Universal ao Reino ae Deus.os novos conquistadores da I. So Paulo: Paulinas, 2003, p. 23.33 CAMPOS, Hlide Maria Santos. Catearal eletrnica. ItuSP: Ottoni Editora, 2002, p. 14.34 Revista Jefa, So Paulo, p. 30, 14 nov. 1990.27Outra obra publicada,Converso ou Aaeso. uma reflexo sobre o neopentecostalismo no Brasil, de Estevam Fernandes de Oliveira,35 consiste numa dissertao de mestrado em Sociologia, que se prope a mostrar como o neopentecostalismo, especialmente a IURD, caracteriza-se pela identiIicao com a cultura religiosa brasileira a qual combina elementos do catolicismo, religies dos escravos aIricanos e crenas indigenas, que Iormaram um 'sincretismo, dando origem a uma matriz simbolica, um nucleo comum. Nesse caso, segundo o autor, no haveria nas propostas da IURD uma 'converso, e sim, uma 'adeso continuada, sem rupturas com aquele universo cultural matriz, Iacilitada pelo sincretismo. Doisprincipaislimitespodemserobservadosnessaperspectivaadotadapelo autor: primeiro, o emprego do termo 'sincretismo; segundo, a idia de uma 'continuidade das praticas iurdianas. Epreciso ir almdestes aspectos, pois a IURD, mesmosendo combinaodeelementos, no'continuidade, nosimplesciso, elaseapropriade elementos do campo e cria algo absolutamente novo. De igual modo preciso haver cuidado como emprego do termo 'sincretismo, pois, no caso do campo religioso brasileiro, 'aculturaoou'hibridismosetornamconceitosmaisplausiveisparaanalise, comoo veremos mais adiante nesta pesquisa.RonaldoAlmeida, emartigointituladoAUniversali:aoaoReinoae Deus,36analisaodiscursoreligiosoelaboradopelaIURDassimcomooseuexpressivo crescimento.Destaca os conIlitos com a Rede Globo de televiso e com a Igreja Catolica durante o segundo semestre de 1995; a partir do que so apresentados os elementos internos da IURD e de que maneira rege sua relao com a sociedade.Falando mais especiIicamente sobre o perIil dessa igreja, aIirma-se queSobr e o t r i p cur a, exor ci smo e pr osper i dade I i nancei r a, e t endo o di abo como a or i gem de t odos os mal es, a I gr ej a Uni ver sal demar couoseuespaonocenar i odar el i gi osi dadepopul ar br asi l ei r a. Semmai or es el abor aes t eol ogi cas, est a i gr ej a, mai s do que qual quer out r a denomi nao evangl i ca, el abor ouuma mensagempar aat ender asdemandasmundanasi medi at as.3 7Esseautor cometeumequivocoaoaIirmar queaIURDno'elabora teologia. Pois ha, sim, em suas praticas, uma Iormulao teologicadiIerente, verdade, do modelo classicomas que se caracteriza pelo 'vivido, pela teologia 'pratica, que nasce de 35 OLIVEIRA, Estevam Fernandes. Converso ou aaeso. Uma reIlexo sobre o neopentecostalismo no Brasil. Joo Pessoa: Proclama Editora, 2004. 36 ALMEIDA, Ronaldo R. M. A Universalizao do Reino de Deus. Novos Estuaos CEBRAP, So Paulo, n. 44, p. 12-23, 1996.37 Id., ibid, p.16.28um imaginario Iiltrado pela leitura biblica sem os crivos exegticos dos dogmas institucionais. Anders Ruuth, em tese de doutorado sobre da Igreja Universal do Reino de Deus,destaca que, dentre outros Iatores, a expulso dos jesuitas do Brasil, em 1759, gerou grandeIaltadesacerdotesereligiososoIiciaisaserviodaIgrejaCatolica, Iatoesteque contribuiu ainda mais para o desenvolvimento de expresses de crenas sem maior controle institucional, as quais teriam estabelecido o solo no qual movimentos contemporneos, como a Igreja Universal, Iincam suas raizes. As praticas vivenciadas pela IURD poderiam ser assim descritas revitalizaes do modo( . . . ) comoumapessoa, l i vr edas r egr aser i t uai s das i gr ej as oI i ci ai s, par t i cul ar ment e da i nst i t ui o r el i gi osa domi nant e, expr essa e r eal i za os seus ansei os r el i gi osos, apr ovei t andodi I er ent es model os, ant i gos ou cont empor neos, cr i st os e no- cr i st os par a buscar a Deus. A pessoa l i vr e par a sol i ci t ar aj uda de r epr esent ant es r el i gi osos, pr eI er enci al ment e, par a pr esent ear seus deuses como t ambmpar aoI er ecer al goemt r oca.3 8O limite de abordagem desse trabalho reside, principalmente, na perspectiva quase apologtica adotado pelo autor em determinados momentos da pesquisa: submete as praticas iurdianas a dogmas preconizados pelo protestantismo classico, deixando transparecer certa deIesa pessoal emrelao aos mesmos. Soma-se a essa diIiculdade metodologica, o distanciamento que o autor mantm de seu objeto de analise, o que diIiculta uma observao mais'densa,isto,maiorinseronouniversovivenciado pelo proprio grupo, com o proposito de melhor se perceber os elementos que so plausiveis para os seus agentes.O trabalho de Clara MaIra,Os Evangelicos, tambm relaciona o neopentecostalismoas transIormaes ocorridas na conIiguraoreligiosadoBrasil nas ultimas dcadas, aIirmando que quando do surgimento da IURD,O Ri o de Janei r o j a er a um cel ei r o de pr oduo de novas r el i gi osi dades. Ent r eascamadaspopul ar es, asvast asondas mi gr at or i as que chegar am a ci dade, especi al ment e do nor dest e, i nt ensi I i car am o conj unt o de exper i ment os cul t ur ai s, sej a com o cat ol i ci smo popul ar que se mi st ur ava a umbanda e ao candombl car i ocas; sej a como pent ecost al i smo cl assi co que se t or nava mai s di ger i vel par aumacl assemdi aat r avs deumamai or acei t aodos r eI er ent es do 'mundo ( . . . ) . Pr oI et as de t odas as or dens ci r cul avam nosmai sdi ver sosmei os( . . . ) .3 9 38 RUUTH, Anders. Igreja Universal do Reino de Deus. Estuaos ae Religio. So Bernardo do Campo, UMESP, ano XV, n. 20, p. 85, jun. 2001. Artigo extraido da tese de doutorado em Teologia sobre a Igreja Universal do Reino de Deus, deIendida no ISEDT, Buenos Aires, maio 1995.39 MAFRA, Clara. Os evangelicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 37.29MaIra desenvolve, em seu texto, mais propriamente um mapeamento geral docamporeligioso, semmaior aproIundamentoemcasosespeciIicos, comoodaIgreja Universal do Reino de Deus.Outra analise da conIigurao religiosa brasileira atual apresentada pelos NovosEstuaosCEBRAP. Nessestrabalhos,PierucciePrandi, aIirmamque'noBrasildo ultimotrinio, avidareligiosamudouetemmudadoemumgrau, umaextensoeuma velocidadenuncavistosemnossahistoria. Ressaltamaindaqueesteprocesso, doqual participam o pentecostalismo, o kardecismo e a umbanda, ' a contraIace do declinio e da eroso da religio dominante tradicional, o catolicismo, e acrescentam:O panor ama r el i gi oso br asi l ei r o t em mudado no so por que ha pessoas que deser t am de seus deuses t r adi ci onai s l ai ci zando suas vi das e seus val or es, mas t ambmpor que ha out r as que emnumer o cr escent e ader em a 'novos deuses, ou ent o r edescobr em seus vel hosdeusesemnovasmanei r as.4 0 O antropologo Ari Pedro Oro, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na obraAvano Pentecostal e Reao Catolica, considera trs ordens de Iatores responsaveispelocrescimentoevangliconoBrasil, nosultimosanos. OprimeiroIatose deve a ao evangelizadora das proprias igrejas evanglicas que 'se atualizaram, tornaram-se empreendedoras, aproveitando os recursos da tcnica e da modernidade para uso evanglico. NaseqnciavemomomentohistoricoIavoravel, eoque oqueOrodescrevecomo 'esgotamento de modelo religioso. 'Num pais historicamente catolico a existncia de um ambiente social de tolerncia religiosa Iavoreceu a expanso dos evanglicos, bem como de outras expresses religiosasdeclara. E, em terceiro lugar, 'um certo esgotamento de um modelo religioso historico implantado no Brasil que abriu espaos para outras possibilidades de modos de ser religioso que as igrejas evanglicas souberam ocupar.41O trabalho de Oro contribui para analise do crescimento do pentecostalismo, sobretudo pelo vis antropologico adotado o qual valoriza a apropriao pelas novas expresses evanglicas do que chama de 'repertorio simbolico. Porm, a obra no apresenta uma observao mais ampla do movimento iurdiano, pois prioriza um estudo de caso: o Estado do Rio Grande do Sul.Outrasabordagensdecunhomaisacadmico, queprimambastantepelo vis sociologico, tendem a associar o advento de tal religiosidade a questes de ordem mais econmica ou social, apontando para a misria, a Ialta de educao, saude e o no atendimento satisIatorio por parte do Estado das necessidades do ser humanocrises que se 40 PIERUCCI, Antnio Flavio; PRANDI, Reginaldo. Religio popular e ruptura na obra de Procopio Camargo. Novos Estuaos CEBRAP, So Paulo, n. 17, p. 30, 1987.41 ORO, Ari Pedro. O avano pentecostal e reao catolica. Petropolis: Vozes, 1996. 30agravaramsobreopaisnasultimasdcadas- comoresponsaveispelarecorrnciaatais praticas. Assim, a antinomia 'riqueza-pobreza continua a ser recorrentemente utilizada para analise do pentecostalismo em suas diIerentes tipologias como Iorma de se conviver ou se combater a pobreza, como o demonstram os trabalhos de Cecilia Loreto Mariz e de Maria das Dores Campos Machado. AIirmam essas autoras que a extrema privao gera uma sensao de baixa estima, excluso, insegurana e que as religies pentecostais oIerecem experincias que ajudam a superar esses sentimentos e a restabelecer a dignidade do pobre de diIerentes maneiras.42Os sociologos Richard Shaull e Waldo Csar igualmente representam bem tal perspectiva, quando aIirmam que o neopentecostalismo se apresentou como uma Iorma encontrada pela grande massa populacional para superar suas contingncias do dia-a-dia:O agl omer ado humano pr esent e nos t empl os, sej am membr os ou si mpl esagr egados, const i t ui dodehomensemul her espar t i ci pesda gr ande mul t i do que ci r cul a nas r uas da ci dade, dos pobr es que I or mamogr ossodapopul aobr asi l ei r a.4 3SegundooantropologoOtavioVelho, 'ocrescimentotantodopoderde inIluncia como de prestigio da IURD so provenientes da Iorma como ela conseguiu estar presente no dia-a-dia das pessoas alm de ajuda-las a organizar suas vidas em Iamilia. Outro Iator determinante que a igreja deixou de ser, para a sociedade, local apenas para os pobres ou problematicos, tendo alcanado tambm outras camadas sociais. Ela consegue auxiliar a populao na resoluo de seus problemas, principalmente nesses anos de tantas mudanas no pais. Esses locais tm servido de reIerncia para o individuo no apenas na vida espiritual, mas tambm na area social.44Em entrevista ao jornal Folha Universal, o autor aIirma que, 'no momento, as pessoas no esto mais dispostas a dar jeitinhos atravs da dependncia de santos e promessas. Querem ser respondidas por Deus.45Contudo, hadeseressaltar queoneopentecostalismorepresentadopela IURD agrega hoje entre seus adeptos pessoas dos mais variados niveis econmicos e sociais: desde umcontingente que se concentra nas grandes periIerias at artistas Iamosos e empresarios bemsucedidos. Isso deixa evidente que nas praticas ali desenvolvidas'a 42MACHADO, Maria das Dores Campos; MARIZ, Cecilia Loreto. Sincretismo e trnsito religioso: comparando carismaticos e pentecostais. Comunicaes ao ISER, Rio de Janeiro, n. 45, ano 13, 1994.43 SHAULL, Richard; CESAR, Waldo. O pentecostalismo e o futuro aas igrefas crists. Petropolis: Vozes: So Leopoldo: Sinodal, 1999, p. 45.44 Revista Plenituae, Rio de Janeiro, Universal Produes, n. 106, p. 70, 2004.45 Folha Universal, Rio de Janeiro, n. 631, 09 maio 2004.31clivagem cultural no coincide com a estratiIicao social.46 Nesse sentido,Paulo BonIatti, psicologo, acredita que um dos pontos Iavoraveis ao crescimento da aceitao da Universal na sociedade Ioi sua Iacilidade de adaptao com a linguagem e os costumes do pais. Alm disso, aIirmaqueapresenadelanamidiatambmpodeser apontadacomodegrande organizao, poisgeraumeIeito positivo.Aigrejamudou sua proprialinguagem eIicou maissintonizadacomaclassemdia. Apropriaestticadaprogramaoemsuasmidias passou a abordar discusses mais elaboradas, com a presena de especialistas. Acredita que esteja ocorrendo um Ienmeno bilateral em relao a Universal. As classes mais altas esto tendo maior simpatia pela Igreja Universal porque ela esta mudando seu discurso e por sua vez, o discurso da IURD esta mudando pela demanda das classes mais altas.47As incurses Ieitas por diIerentes autores, anteriormente destacadas, apontamelementosimportantesquemarcamaatual conIiguraodosagradonocampo religioso brasileiro. Porm, no obstante as contribuies de analise para os propositos mais especiIicos de suas respectivas areas deconhecimento,esses trabalhos apresentamdois principais limites: primeiro, noavanamnombitocultural, e isso impossibilita uma compreensomaisproIundadoqueocorrenaspraticasdaIgrejaUniversal doReinode Deus;48segundo, no utilizam parmetros teorico-metodologicos mais propriamente historiograIicos para investigao das Iontes disponiveis para analise deste objeto. Em outras palavras, ha uma lacuna de pesquisas com perspectivas mais propriamente historiograIicas, sobretudopelovis dacultura, naabordagemdetal tematica. Nessesentido, valecitar RonaldoVainIasquandoobservaque'nossoshistoriadoresquasenosededicaramao estudo das 'religiosidades, 'trao essencial da historia e da vida do Brasil, deixando assim uma 'lacuna que prejudica a compreenso historica de nossa sociedade:No dei xa de ser i nt r i gant e essa l acuna, sendo o Br asi l at hoj e embebi do de r el i gi o, pai s cat ol i co onde se mul t i pl i cam sei t as pr ot est ant eseondeosi ncr et i smor el i gi osoest aemt odapar t e, como na Umbanda car i oca. I sso sem I al ar nas aI r i cani dades, como o candombl bai ano, enout r os r i t os demor I ol ogi acompl exa, comoos cat i mbos t r adi ci onai s ou o 'moder no Sant o Dai me. E evi dent e o 46 LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito ae Iaaae Meaia. Tempo, trabalho e cultura no ocidente. Lisboa: Editorial Estampa, 1980, p. 210.47 BONFATTI, Paulo. A expresso popular ao sagraao. So Paulo: Paulinas, 2000.48 Algumas abordagens que tm acenado, neste sentido, para um vis mais antropologico, podem ser observadas nos seguintes trabalhos: no levantamento Ieito por Luiz Eduardo Soares, no artigo 'A guerra dos pentecostais contra o aIro-brasileiro; dimenses democraticas de conIlitos religiosos no Brasil.Caaernos ao ISER, Rio de Janeiro, n. 44, ano12, 1992; naanaliseIeitapor PierreSanchis'Oreptopentecostal aculturacatolico-brasileira. In: ANTONIAZZI, A. et al.Nem anfos nem aemnios.Interpretaes sociologicas do pentecostalismo. Petropolis: Vozes, 1996; no artigo de Otavio VELHO, 'Globalizao: antropologia e religio. Mana, vol.3, n.1, 1997.Nessestrabalhospode-seobservarumprocessode'pentecostalizaodocampo religioso brasileiro. 32cont r ast e ent r e a I or a de nossa r el i gi osi dade e a desat eno de nossahi st or i ogr aI i a.4 9E preponderante, portanto, uma investigao de mbito historico-cultural50 em relao as praticas e representaes que so vivenciadas pelo segmento iurdiano a partir do composito de tradies conIiguradas em capital simbolico, no campo, para compreender os elementos culturais que do sustentao a tais praticas e que orientam o comportamento coletivo; analisar o universo da crena que possibilita tais representaes e entender como se acreditanaspraticasalivivenciadas;compreenderocamposocialdosobjetossimbolicos utilizados pela IURD, estabelecendo os reIerentes sociais dos simbolos presentes, a Iim de perceber a sua eIicacia no mbito do grupo e a coeso dada as praticas que ali ocorrem.51 Pensando-se ento em avanar nesse alcance explicativo, atravs de criterioso exame da documentao disponivel, imprescindivel estar atento as maniIestaes que tornam a IURD distintiva: sua relao proIunda com a matriz cultural-religiosa brasileira, compraticas quedemonstramcoernciacomas regras docampo, emumprocessode apropriao com criativa resigniIicao de Iertilissimos elementos de um passado de longa durao. Emoutras palavras, suas praticas esto Iincadas nos substratos de elementos trazidospelocatolicismo portugus, pelas religies dos escravos aIricanos e pelas crenas indigenas estabelecidos no campo desde os tempos do Brasil colonial. Essa combinao deu origemaumpluralismocomintercmbios, Iormandoumamatrizsimbolica, umnucleo comum. Oeixoprincipal consiste, portanto, noIatodequeexisteumamatrizsimbolica representativa da religiosidade Iolclorica brasileira, que Ioi historicamente Iormada a partir das interpenetraes dessas trs grandes culturas responsaveis pela Iormao doethos brasileiro.Dessa Iorma, em sua Iluidez de reelaboraes, a IURD assume positivamente as religiosidades Iolcloricas, ao contrario do catolicismo institucional desenvolvido no pais, que trabalhou tais expresses como um Iundo rebelde; diIerentemente do protestantismo classico, que optou pelo combate ou rejeio de tais elementos; e, at mesmo, do proprio pentecostalismo tradicional que, no obstante apresentar algumas aproximaes coma 49Folha ae S. Paulo, So Paulo, 02 abr. 2000.50 Um exemplo disto pode ser observado no trabalho de Natalie Z. Davis, quando analisa os ritos religiosos de violncia praticados na Frana no sculo XVI e supera a compreenso de mbito econmico-social que havia sido predominante at os anos de 1960, ao considerar tais Ienmenos pelo vis da cultura, aIirmando que os mesmos estavam relacionados a um 'estoque de tradies que conIigurava o imaginario daquele periodo. Eram aes carregadas de simbolismo e de representao. CI. DAVIS, Natalie Z. Ritos de violncia. In: Culturas ao povo. sociedade e cultura no inicio da Frana noturna. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 129-172.51Evitando aqui o longo debate sobre as possiveis diIerenas entre os conceitos de simbolo, signo e sinal, ao empregarmos aqui os termos 'ritos e simbolos reIerindo-se a todo objeto usado, todo gesto realizado, todo canto ou prece, toda unidade de espao e de tempo que representa alguma coisa diIerente de si mesma. CI. TURNER, Victor W. O processo ritual. Estrutura e antiestrutura. Petropolis: Vozes, 1974, p. 29.33experinciadepossessoexistentenocampo, mediante'batismocomoEspiritoSanto, ainda assim busca assegurar 'o Iim da disperso identitaria quanto as expresses culturais de religiosidades presentes no reIerido do campo.52 EmconIormidade comas palavras de Jacques Le GoII, de que 'o historiador tem o dever de colocar questes como eixo do seu trabalho e, em seguida, ver como respond-las - apoiando-se naquilo que e continua sendo o seu material especiIico, que so os documentos53 - cabe, ento, perguntar: Que elementos culturais, relacionados ao imaginario social, tm possibilitado a construo e a recepo das praticas e das representaesdessemodeloreligioso, tornando-oummecanismotoeIiciente?Emque contexto historico se deu o surgimento e a projeo dessa Igreja? De que maneira e em quais dimenses as praticas erepresentaes vivenciadas pelaIURDtmpoder deorientar o comportamento coletivo e atribuir sentido ao grupo? Ou ainda, como as praticas da IURD promovem mutaes no campo religioso brasileiro?Buscandocompreender maisproIundamentealgumasdessasquestes, o conteudo da pesquisa aqui desenvolvida esta distribuido em quatro capitulos. O primeiro tem um carater teorico-metodologico, no qual se procura estabelecer o lugar e a importncia do sagrado como objeto da Nova Historia Cultural. Depois de terem sido localizados os nucleos explicativos de trabalhos que tambmdiscuteme analisamo Ienmeno iurdiano, so apontadosnovosparmetrosconceituais, devishistoriograIico, paraaabordagemdesse tema. Os pensamentos de Roger Chartier e Pierre Bourdieu se constituem ncora do caminho metodologico que se procura seguir. Porm, so estabelecidas interIaces com outros autores a medida que apresentam contribuiesparaainvestigao do tema proposto,havendo para isto o devido cuidado acadmico de se manter, ao longo de todo o trabalho, os parmetros teorico-metodologicosnorteadores propostos pelos dois autores reIerenciais. Almdisso, nesse capitulo Ieita a identiIicao das Iontes que Iundamentama pesquisa, sendo apresentadososprocedimentosmetodologicosdecomoseroutilizadostaisdocumentos, procurando-se perceber seus limites, possibilidades e problematizaes para a investigao do tema proposto.Osegundocapituloesta voltadoa analise docontextohistorico-social brasileiro, no periodo correspondente ao desenvolvimento do pentecostalismo. Pesquisa-se a cultura e a sociedade brasileira, procurando mostrar quais ambientes e elementos contribuem 52SANCHIS, Pierre. O repto pentecostal a cultura catolico-brasileira.In: ANTONIAZZI, A. et al. Op. cit., p. 47.53CASTRO, Celso; FERREIRA, Marieta de M.; OLIVEIRA, Lucia Lippi. Conversanao com Jacques Le Goff. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 115.34para a 'exploso do pentecostalismo ocorrida no movimento iurdiano. Com isso, pretende-se perceber melhor as dimenses de tempo, lugar e circunstncias em que a IURD estabelece suas raizes e seu alicerce historico; compreender-se mais proIundamente as latncias sociais que possibilitarama conIigurao das praticas e representaes vivenciadas comtanta IertilidadenombitodessaIgreja.Nota-sea eIiciente capacidade iurdiana,emarticularo universosimbolico, comcondiesobjetivasdeumperiodoproIundamentemarcadopor crises, queseexpressam, porexemplo, naurbanizaoeIormaodegrandesperiIerias, globalizaopromotoradeindividualismoeduracompetitividade, aceleradoprocessode violncia e desagregao social. Sera observado que tal contexto contribuiu comoum componente externo para o surgimento e a operosidade das praticas iurdianas. Nesse capitulo, ainda,apresenta-se um mapeamento historico de expresses do sagrado que marcadamente conIiguramocamporeligiosobrasileiro. Busca-seIazer um'trabalhodeclassiIicaoe delimitao atravs do qual a realidade do campo Ioi 'contraditoriamente construida pelos diIerentes grupos que o compem e que, de modo direto ou direto, preparam o caminho para o advento iurdiano.54Comisso se pode tambmmelhor compreender o processo de apropriaoeresigniIicaoIeitopelaIURDdessescompositosculturaisemrelaoao universo simbolico-ritualistico que marca as suas praticas e representaes. OterceirocapituloinvestigapropriamenteosurgimentodaIURDeseu impacto no pais. Busca analisar as praticas que lhe deramorigem, possibilitaram-lhe desenvolvimento, projeoe grande visibilidade social. Seguindouma das Iormulaes postuladas por Chartier para a Historia Cultural, quer-se observar as 'Iormas institucionalizadas e objetivadas graas as quais uns representantes` (instncias coletivas ou pessoas singulares)marcaramde Iormavisiveleperpetuadasa existnciadogrupoou da comunidade55iurdiana. Seroprocuradasrespostasaperguntascomo: que'sistemasde disposiesadquiridaspelaaprendizagemimplicitaou explicita,que Iuncionam comoum sistema de esquemas geradores de comportamento...,56promoveramtransIormaes na conIigurao religiosa do Brasil? Quais dinamismos da historia possibilitaram tais mutaes? Procura-se mostrar ainda o lado objetivo da IURD: sua estrutura, organizao, crescimento; sua Iora no campo: impactos, mutaes, conIlitos, novidades, modiIicaes; a sua originalidade, sua teologia inovadora e promotora de disputas; as dimenses de rompimento com o protestantismo e mesmo com pentecostalismo classico. O Iato que, ao se apropriar 54 CHARTIER, Roger. A Historia Cultural: entre praticas e representaes. DiIel: Lisboa, 1990, p. 22.55 Ibid.56 BOURDIEU, Pierre.Questes ae sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 94.35de elementos de uma matriz cultural-religiosa, a IURD realiza um eIicaz rearranjo do campo religioso brasileiro, ao passo que tambm promove uma evoluo interna do protestantismo, atravs da Iormao de um habitus pentecostal especiIico.O quarto capitulo dedicado ao elemento das 'representaes vivenciadas por esse segmento religioso. Quer-se compreender o seu dinamismo interno, os mecanismos representacionais e o universo simbolico que orientam o comportamento coletivo no mbito daIURD. Busca-seentender oconjuntode'disposiesadquiridasoqual Iazque'os agentes queas possuam, comportem-sedeumadeterminadamaneira, emdeterminadas circunstncias,57 e como esse Ioi interiorizado pelos adeptos da IURD, tornando-se gerador de suas aes. A partir de densa pesquisa de campo, quer se aproIundar nos bastidores desse movimento, asvivnciasinternasdoseuIuncionamento: suas especiIicidades, crenase comportamentos; seuuniversosimbolico, aresigniIicaodosritosesimbolos, magia, a teatralizao, os exorcismos, os dizimos. Assim, o capitulo investiga os mecanismos culturais de produo, consagrao e circulao dos bens simbolicos no mbito dessa Igreja; os ritos e ossimboloscomolinguagemincorporadanavivnciadiariadelidereseIiis. Destaca-se ainda, em tal processo, que o carisma, por exemplo, transIorma-se ali em poder simbolico, ganhando projeo nas representaes que envolvem os lideres.Em sintese, a pesquisa desenvolvida percorre o seguinte caminho metodologico na composio de seus capitulos: no primeiro, so construidos os reIerenciais teorico-metodologicos para analise do objeto em estudo; no segundo, a localizao do objeto noseudevidotempoeespaosocial, comomapeamentodocamporeligiosoemquese constituiu todo o composito cultural em que a IURD Iinca suas raizes e do qual se apropria para desenvolver suas praticas; no terceiro capitulo, a descrio e analise do surgimento da IURD, suaorganizao, crescimento, originalidadee impactos modiIicadores nocampo religioso; e, por Iim, a investigaes das vivncias e especiIicidades internas, os carismas, as crenas e o universo simbolico resigniIicado que orienta o comportamento coletivo de seus adeptos. Em linhas gerais, mediante intensivo trabalho de campo, com observaes participantesnoscultosereuniespromovidospelaIgreja, almdeusodeoutrasIontes primarias, analisa-se o eIiciente processo de apropriao e resigniIicao, ou at mesmo de desnaturao, queaIURDIazemsuas praticas deelementos simbolicos culturalmente dispostos no campo religioso. Tornando-se linguagem, tais sistemas simbolicos so capazes deorientar comportamento, atribuir sentidoecoletivamenteconIerir identidadeaos que 57 Id., Coisas aitas. So Paulo: Brasiliense, 1990, p. 21, 98.36integramesse segmentoreligioso, ou seja, investigam-se 'as praticas que visamIazer conhecer uma identidadesocial,exibir uma maneira propria de estar nomundo,signiIicar simbolicamente um estatuto e uma posio.58Observa-seque a investigao aqui desenvolvida procura manter o devido cuidado quanto a um possivel juizo de valor, a partir de qualquer reIerencial de ortodoxia ou concepo teologica, emrelao as praticas e representaes vivenciadas pela Igreja Universal do Reino de Deus. At porque, segundoDurkheim, no ha 'religies que sejam Ialsas. Todas soverdadeiras asuamaneira. Todas respondem, aindaquedemaneiras diIerentes, adeterminadas condies davidahumana.59Oqueseobjetiva, portanto, compreendercomonaIURD,atravsdeumahistoriacultural, 'opresentepodeadquirir sentido, o outro tornar-se inteligivel e o espao, deciIrado.60 Assim, ao pesquisador de temas religiosos cabe noa preocupaocoma 'verdadeou'Ialsidade dos elementos que envolvem seu objeto de pesquisa, mas, ao contrario, a compreenso de que as crenas e as experincias com o sagrado consistem em praticas culturais e sociais, devendo ser, por isso mesmo, historicamente investigadas. 58 CHARTIER, R. Op. cit., p. 22.59 DURKHEIM, Emile. As formas elementares aa viaa religiosa. So Paulo: Paulinas, 1983, p. 31.60 Id., ibid., p. 17.371 - PARMETROS TERICO-METODOLGICOS PARA UMA HISTRIA CULTURAL DA IGRE1A UNIVERSAL DO REINO DE DEUS1.1 - O lugar do sagrado na Histria CulturalO desenvolvimento da Igreja Universal do Reino de Deus coincide com um periododesigniIicativastransIormaesnocampodapesquisahistoriograIica. Assim, a localizao desse objeto em tal contexto se torna oportuna, pois, devido a seu alcance social e cultural, representa oportunidade do emprego de novas perspectivas conceituais e metodologicas conquistadas pela historiograIia para a abordagem do sagrado. Foi maisespeciIicamenteapartir dosanos1960e1970queaHistoria Social adquiriugrandeprojeo, levandohistoriadoresaoptativamenterecorrer ouento estabelecerinterIacescomconceitosemtodos deoutrasareas do conhecimento,comoa Sociologia e a Antropologia. Esses novos rumos da Historia, tributarios de trocas interdisciplinares, vieramaseconsolidarnadcadade1980, comosurgimentodaNova HistoriaCultural, Iazendoqueabordagens detemas voltados areligiosidadecommaior alcance popular ganhassem evidncia nessa area de conhecimento, com estreitas aproximaesdoselementosdacultura.61Essadimensosimbolicaesuasinterpretaes passaram a constituir, portanto, um terreno comum sobre o qual se debruam historiadores, multiplicando-se assim os possiveis objetos de estudo:O t er r eno comum dos hi st or i ador es da cul t ur a pode ser descr i t o comoapr eocupaocom osi mbol i coesuas i nt er pr et aes. Si mbol os, consci ent es ou no, podemser encont r ados emt odos os l ugar es, daar t eavi dacot i di ana( . . . ) .6 2Roger Chartier, ao se reIerir as mudanas tematicas na historiograIia, nesse periodo, destaca que a religio ganhou evidncia para pesquisa nesse campo do conhecimento:O desaI i o l anado a hi st or i a pel as novas di sci pl i nas ( de um I or t e capi t al soci al ) assumi udi ver sasI or mas( . . . ) desvi andoaat enodas hi er ar qui as par a as r el aes, das posi es par a as r epr esent aes ( . . . ) . Dai a emer gnci a de novos obj ect os no sei o das quest es hi st or i cas: ( . . . ) as cr enas e os compor t ament os r el i gi osos ( . . . ) . O que r epr esent ou a const i t ui o de novos t er r i t or i os do hi st or i ador ( . . . ) I at o est e que r epr esent ou um 'r et or no a uma das i nspi r aes I undador asdospr i mei r osAnnal esdosanos30.6 361Peter Burke aIirma que desde o 'Iinal do sculo XIX alguns historiadores proIissionais estavam descontentes com o dominio do politico. CI. BURKE, Peter. Sociologia e Historia. Porto: Edies AIrontamento, 1980, p. 19.62 BURKE, Peter. O que e Historia Cultural? Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor, 2004, p. 10.63 CHARTIER, R. Op. cit., p. 14.38DeIinindoaindamaisdetalhadamenteessesnovosalcancestematicosda historiograIia, apartirdeuma'historiaculturalancoradaemumasociologiahistoricada cultura (...),64 Chartier apresenta como parte de suas proposies 'compreender as praticas, complexas, multiplas, diIerenciadas, que constroem o mundo como representao:Por um l ado pr eci so pensa- l a como a anal i se do t r abal ho de r epr esent ao, i st o , das cl assi I i caes e das excl uses que const i t uem, na sua di I er ena r adi cal , as conI i gur aes soci ai s e concei t uai s pr opr i as de um t empo e de um espao. ( . . . ) Por out r o l ado, est a hi st or i a deve ser ent endi da como est udo dos pr ocessos comos quai s se const r oi umsent i do. ( . . . ) Di r i ge- se as pr at i cas que, pl ur al ment e, cont r adi t or i ament e, do si gni I i cado ao mundo. ( . . . ) Compr eender est es enr ai zament o