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ASSISTÊNCIA SOCIALEM FORTALEZA

UMA POLÍTICA DE DIREITO EM CONSTRUÇÃO

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁReitor

Francisco de Assis Moura Araripe

Vice-ReitorAntônio de Oliveira Gomes Neto

Editora da UECELiduina Farias Almeida da Costa

Conselho EditorialAntônio Luciano Pontes

Eduardo Diatahy Bezerra de MenezesEmanuel Ângelo da Rocha Fragoso

Francisco Horácio da Silva FrotaFrancisco Josênio Camelo Parente

Gisafran Nazareno Mota JucáJosé Ferreira Nunes

Lucili Grangeiro CortezLuiz Cruz Lima

Manfredo RamosMarcelo Gurgel Carlos da Silva

Marcony Silva CunhaMaria do Socorro Ferreira Osterne

Maria Salete Bessa JorgeSilvia Maria Nóbrega-Therrien

Conselho ConsultivoAntônio Torres Montenegro (UFPE)

Eliane P. Zamith Brito (FGV)Homero Santiago (USP)Ieda Maria Alves (USP)

Manuel Domingos Neto (UFF)Maria do Socorro Silva Aragão (UFC)

Maria Lírida Callou de Araújo e Mendonça (UNIFOR)Pierre Salama (Universidade de Paris VIII)

Romeu Gomes (FIOCRUZ)Túlio Batista Franco (UFF)

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OrganizadorasCynthia Studart AlbuquerqueMaria Elaene Rodrigues Alves

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ASSISTÊNCIA SOCIALEM FORTALEZA

UMA POLÍTICA DE DIREITO EM CONSTRUÇÃO

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Assistência Social em Fortaleza: uma política de direito em construção© 2012 Copyright by Cynthia Studart Albuquerquee Maria Elaene Rodrigues AlvesImpresso no Brasil / Printed in BrazilEfetuado depósito legal na Biblioteca Nacional

TODOS OS DIREITOS RESERVADOSEditora da Universidade Estadual do Ceará – EdUECEAv. Paranjana, 1700 – Campus do Itaperi – Reitoria – Fortaleza – CearáCEP: 60740-000 – Fone: (85) 3101 9893 | Fax: (85) 3101 9893Internet: www.uece.br – E-mail: [email protected] / [email protected]

Editora filiada à

Coordenação EditorialLiduina Farias Almeida da Costa

Prefeitura Municipal de FortalezaLuizianne de Oliveira Lins

Secretaria Municipal de Assistência Social – SemasMaria Elaene Rodrigues Alves

Capa e DiagramaçãoGMS Studio | Glaymerson Moises

Revisão de TextoKlycia Fontenele e Amanda Nogueira -Assessoria de Comunicação da Semas

Revisão GeralMione Sales

Ficha CatalográficaLúcia Oliveira CRB-3/304

A848 Assistência Social em Fortaleza: uma política de direito em

construção / Organizadores: Maria Elaene Rodrigues Alves,

Cynthia Studart Albuquerque

Fortaleza: SEMAS / PMF / EdUECE, 2012.3v.

124p.ISBN: 978-85-7826-115-3

1.Assistência social. FortalezaCOD: 361.6

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FALA DA PREFEITA

APRESENTAÇÃOMione Sales

INTRODUÇÃOFortaleza, de um desejo a um direito de cidade:a construção da Assistência Social como política de direitoIrenice de Oliveira Campos e Maria Elaene Rodrigues Alves

1. O DESAFIO DEMOCRÁTICO DAPOLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA1.1. Estado, democracia e participação:limites e possibilidades para a assistência socialMaria Cristina de Queiroz Nobre

1.2. Controle social na Assistência Social: CMAS e conferênciasDanielle Cláudio de Brito e Maria Derleide Andrade

1.3. Núcleos de Participação Popular (NUPPs)e o desafio democrático da política pública de assistênciaMonica Saraiva Almeida

1.4. Mulheres e trabalho. Desafios àAssistência Social para a inclusão produtivaSocorro Letícia Fernandes Peixoto e Maria do Socorro Ferreira Osterne

2. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL EMMOVIMENTO, SEGUNDO A ESTRATÉGIA TERRITORIAL2.1. O território no planejamento nacional brasileiro:concepções e operacionalizaçãoLiduína Farias Almeida da Costa

2.2. Territorialização, monitoramento e avaliação daPolítica de Assistência Social: Uma experiência em debateEliane Nunes de Carvalho e Rafaela Sampaio de Oliveira

2.3. O Bolsa Família em Fortaleza:caminhos para o trabalho intersetorialLarissa de Almeida Morais, Priscilla de Oliveira Borges Fontenellee André de Menezes Gonçalves

2.4. A estrutura organizacional da SEMASAdla Alves de Oliveira e Renata Custódio de Azevedo

2.5. A gestão do CadÚnico em FortalezaAndré de Menezes Gonçalves, Helena Frota e Nágela Raposo Alves

2.6. A Proteção Social Básica no Município de FortalezaAna Paula Reges de Albuquerque e Cícero Renato Ribeiro Jacob

2.7. A Proteção Social Especial no Município de FortalezaAline Santiago Cavalcante Gomes, Giselle Machado Costa Fasolloe Christiane Barroso Façanha Lima

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SUM

ÁRIO

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FALA

DA

PREF

EITA

Ao assumir a administração da Prefeitura de Fortaleza em 2005,assumi também o compromisso de realizar uma gestão cuja prioridadeera desenvolver políticas públicas que atendessem especialmente a po-pulação mais pobre de nossa cidade. Assim, criamos a primeira Secreta-ria Municipal de Assistência Social de Fortaleza, Semas, pautada numaconcepção de Assistência Social como uma Política Pública de Direito.

Passados cinco anos, é com alegria que apresentamos nossas refle-xões e experiências sobre a gestão da Assistência Social. Compreende-mos que toda política pública necessita para seu aprimoramento passarpor processos sistemáticos de discussão e avaliação. É com esse objeti-vo que chega ao povo de Fortaleza e do Brasil o livro Assistência Socialem Fortaleza: uma política de direito em construção.

Em um primeiro olhar, já se identificam avanços significativos queestão, cotidianamente, fortalecendo o Sistema Único de Assistência So-cial (Suas) em Fortaleza. Reflexos da consolidação, expansão e criaçãode serviços de Proteções Sociais Básica e Especial. São muitas as con-

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quistas e maiores os desafios, como vocês poderão ver nesta publicaçãoque conta com a participação de nossos profissionais e pesquisadores naárea do Serviço Social, numa parceria bem sucedida com a UniversidadeEstadual do Ceará (Uece).

Ampliamos e estruturamos a rede de serviços socioassistenciais emFortaleza. Saimos de 8 para 24 Cras (Centros de Referência de Assistên-cia Social), sendo um Cras Itinerante que surgiu como uma experiênciapioneira no Brasil. Descentralizamos o atendimento do Cadastro Únicopara Programas Sociais, através de 33 unidades, o que permitiu um mai-or acesso da população pobre ao Programa Bolsa Família e a outrosbenefícios sociais.

Estruturamos a Rede de Proteção Social Especial, antes inexistenteno âmbito da Assistência Social. Implantamos três Creas (Centros deReferência Especializados de Assistência Social) e a Casa de Passagemque oferece acolhimento institucional e proteção social às famílias emsituação de direitos violados.

Olhamos para um segmento da sociedade, historicamente “esqueci-do ou não visto”: as pessoas em situação de rua. Apostamos que é possí-vel contribuir na mudança de vida dessas pessoas. Nessa perspectiva,implantamos o CentroPop (Centro de Referência Especializado para Popu-lação de Rua), o Serviço Especializado de Abordagem de Rua e o Espaço deAcolhimento Noturno (EAN). Todos serviços pioneiros em Fortaleza.

Por fim, mais do que ações, programas, benefícios e serviços socio-assistenciais, investimos em uma gestão que prima pela participação po-pular como instrumento da cidadania e do controle democrático do Esta-do. Apostamos na criação dos Núcleos de Participação Popular (NUPPs)em cada Cras e no fortalecimento das instâncias de controle social dapolítica: Conselho e conferências. Investimos na parceria com a rede deentidades conveniadas, através do assessoramento e da capacitação téc-nica. Estreitamos os laços com diversos segmentos da sociedade de Forta-leza, como organizações não-governamentais e movimentos sociais queatuam em áreas relacionadas ao público prioritário da Assistência Social.

Espero que as reflexões deste livro – que expressam a nossa práxis,relacionando reflexões acadêmicas ao cotidiano da Política de Assistên-cia Social em Fortaleza – possam servir para continuarmos essa cami-nhada na construção de uma política de direitos, distanciada doassistencialismo que, ao longo de décadas, foi tão nocivo ao nosso país eà nossa cidade. A nossa disposição é continuar investindo e fortalecendoas Políticas Públicas e, nesse caso, a Assistência Social, numa perspecti-va de oferecer melhores condições de vida à população de Fortaleza.

Luizianne LinsPrefeita de Fortaleza

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Já se vão cinco anos desde que a Secretaria Municipal de AssistênciaSocial (Semas) de Fortaleza foi criada, em 2007. Ela constitui, pois, umanovidade no panorama local, porque vem reinventando a relação daPrefeitura com a população da cidade, no que tange às suas necessidadesmais pungentes. A Semas se inscreve, porém, numa tela sociohistóricamais ampla da qual já faziam parte, desde 1993, outros atores e espaçosdelineados pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS).

Tecer direitos, como sabemos, não é algo evidente no Brasil e especi-almente no Nordeste, embora contemos, desde 1988, com um valiosopatrimônio constitucional e leis em fase de implementação. Construir aAssistência Social como política pública, em especial, é tarefa de grandeenvergadura e requer um trabalho paciente que fale às nossas tradiçõese cultura popular. Exige persistência, criatividade, mas também muitaagilidade. Como na produção de uma rendeira, são necessários muitosinstrumentos e entrelaçamentos, no sentido de dar atenção aos deta-lhes, sem perder a dimensão do todo. O produto do trabalho precisaigualmente de muita transparência. Foi, com esse afã, inclusive, que de-cidiu-se organizar este livro – Assistência Social  em Fortaleza: umapolítica de direito em construção – de maneira a dar visibilidade à tota-lidade das ações da Política de Assistência Social, desenvolvidas indivi-dual e coletivamente no último quinquênio. O texto introdutório – For-taleza, de um desejo a um direito de cidade: a construção da Assistên-cia Social como política de direito –, cujas autoras são Elaene Rodriguese Irenice Campos, propõe um belo e preciso mergulho nessa história.

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Pouco antes, surgira, em 2005, o Sistema Único de Assistência Social(SUAS), o qual, a partir da criação da Semas, vem sendo lapidado cotidia-namente, como uma bela carranca de madeira. Mesmo o SUAS sendo umaestrutura fundamental da Política Pública de Assistência Social em cará-ter nacional, há que se adaptar ao lugar. É preciso, portanto, que vá adqui-rindo os traços que os profissionais e usuários reconhecem como priori-tários e nele vão talhando, conferindo-lhe identidade local. É, de fato, hojeo elemento que serve de eixo para as diversas ações da Semas, plasmado,teoricamente, sobre a noção de território, uma categoria-chave na cons-trução da política e do planejamento.

Dois densos textos – O território no planejamento nacional brasilei-ro: concepções e operacionalização e Territorialização, monitoramentoe avaliação da Política de Assistência Social: uma experiência em debate–, o primeiro de Liduína F. A. da Costa e o segundo de Eliane Nunes Carva-lho e Rafaela Sampaio de Oliveira, vão explicar com minúcia a estratégiaterritorial, formando olhares profissionais, quanto a uma práxis gestoraque sabe conjugar história, avaliação e monitoramento.

Esta coletânea reúne, assim, doze artigos que vêm a público mostrar oque uma multiplicidade de sujeitos, oriundos de diversas áreas profissio-nais e de forma interdisciplinar, vêm laboriosamente criando e transfor-mando no dia-a-dia da Secretaria. A leitura de cada texto permite entre-ver a dimensão do tempo decorrido. Isto se dá não em vão, pois como aareia que vem preencher as garrafas coloridas, pequenas miniaturas dageografia do nosso litoral, o tempo recente ganha materialidade nestelivro por meio de vários relatos de experiência e prestação de contas.

Retratam ali o que homens e mulheres, profissionais de nível médioe superior, das mais diversas áreas, investem dia e noite, nos diversosequipamentos ou no planejamento das ações para corporificar o princí-pio do direito social, numa perspectiva emancipadora, ou seja, a cadaum conforme suas necessidades e possibilidades. As autoras Adla Alvesde Oliveira e Renata Custódio de Almeida oferecem uma preciosa abor-dagem desse ethos e de toda a dinâmica operacional, assentados sobrediversas componentes institucionais, no texto A estrutura organiza-cional da Semas.

A Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial encarnam, porseu turno, com maestria as suas atividades, ao não se renderem às fatali-dades das estatísticas de violência e desemprego. Armam redes simbóli-cas e materiais, aproximando várias estruturas, com vistas a dar suportea famílias pauperizadas e à população de rua. Os responsáveis técnicosdesdobram-se no embalo de discussões e projetos. A sua ação, desen-volvida na sede dos CRAS, vem, assim, arejar áreas crônicas da questãosocial. Essas experiências no município de Fortaleza, vinculadas à Políticade Assistência Social, são relatadas também em textos distintos, respecti-

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vamente, por Ana Paula Reges de Albuquerque e Cícero R. R. Jacob, e otrio de profissionais Aline Santiago C. Gomes, Giselle M. C. Fasollo e CristianeBarroso F. Lima.

Todo esse desenho poderia parecer ilógico e um grande labirin-to não fosse a implantação de um mecanismo assaz inovador: o Cad-Único. Os dados relativos às famílias em situação de pobreza agorase inscrevem como pontos num grande painel, onde, sistematizados,contribuem para bordar novos sentidos e formas de atuação política esocial da Semas. As várias peças que compõem a Política de AssistênciaSocial são, pois, ora inteiramente renovadas ora aprimoradas em suaspossibilidades, costuradas e interligadas, de acordo com o princípioda intersetorialidade, em que as áreas de Educação e Saúde têm sidoparceiras ativas. É o que se depreende da leitura do texto A  gestãodo  CadÚnico  em  Fortaleza, cujos autores são André de MenezesGonçalves, Helena Frota e Nágela Raposo Alves.

Mas uma democracia não é uma obra de arte de poucos, nem é algoque se processa apenas em cadência artesanal. Em o Estado, democraciae participação:  limites e possibilidades para a Assistência Social, MariaCristina de Queiroz Nobre enuncia os termos e as exigências desse deba-te. Para proceder ao controle social e à participação popular, são neces-sárias ainda rodas e grupos, a friccionar suas posições como parceirosde maneiro-pau. Os Núcleos de Participação Popular (NUPPs) e asassembleias do Orçamento Participativo são instâncias de diálogo, mastambém, de enfrentamento. Monica Saraiva divide passo-a-passo o quefoi a construção dessa experiência em Núcleos de Participação Popular(NUPPs) e o desafio democrático da Política Pública de Assistência.

O dissenso é sempre uma possibilidade, entre tantas, no exercício dagestão, mas a arte da governança está em investir numa performanceque dê relevo ao que é comum a todos. Na mediação crítica e propositiva,entre governo e sociedade civil, desempenham papel-chave o ConselhoMunicipal de Assistência Social (CMAS) e as Conferências Municipais.Danielle Cláudio de Brito e Maria Derleide Andrade sintetizam os princi-pais elementos e momentos desses dois importantes mecanismos da expe-riência democrática na área de Assistência Social em Fortaleza no textoControle social na Assistência Social: CMAS e conferências.

Dos choques políticos abertos ou concertados cede-se passagem aoutros desafios e danças. São sujeitos e parceiros que atravessaram ostempos. Têm muitas idades e etnias. Homens e mulheres cujo rosto cole-tivo nem sempre é visível, mas escondem-se sob camadas de discrimi-nação, preconceito, exploração sexual, dominação étnica e de gênero.São os nossos zumbis, personagens atávicos do grande teatro da opres-são capitalista. Gingam, lutam e protestam como numa noite de maracatu.Essa presença incontornável e massiva tem, no entanto, sido enxergada

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e pensada, tanto pelo Bolsa Família, programa de renda em escala nacio-nal, como pelo projeto local de inclusão produtiva para mulheres. É oque temos a oportunidade de ler e conhecer a fundo por meio do texto OBolsa Família em Fortaleza: caminhos para o trabalho intersetorial, deLarissa de Almeida Morais, Priscilla de Oliveira Borges Fontenelle e Andréde Menezes Gonçalves. Já Socorro Letícia Fernandes Peixoto e Maria doSocorro Ferreira Osterne narram com argúcia teórica o delineamento eas primeiras iniciativas de um projeto de ruptura das sombras da invisi-bilidade cotidiana e do silêncio no texto Mulheres e  trabalho. Desafios àAssistência Social para a  inclusão produtiva. Novas alegorias políticas,críticas e criativas podem, assim, vir à luz.

Mas nem só de palhas, redes de pesca, algodão, madeiras e areiascoloridas vivem os homens e as mulheres das camadas populares deFortaleza. Por essa razão, os projetos que trabalham com a juventude(ProJovem) no âmbito da Proteção Social Básica têm vislumbrado diá-logos com o tempo presente, pela dança, música e os meios de comuni-cação. Das periferias soam, assim, novos acordes. Ao lado do forró, ago-ra, ouve-se o hip-hop e o funk.

Para construir direitos, portanto, quem trabalha com AssistênciaSocial tem – como sugere a metáfora intergeracional que une GlauberRocha e Chico Science, dois monstros sagrados da criatividade nacional-popular brasileira – que se ter “muitas ideias na cabeça e os pés fincadosno mangue”. A cidadania ativa dos usuários da Política Pública de Assis-tência Social depende, como sabemos, dessa disposição ético-cultural epolítica. A Semas, gestora da Política Pública de Assistência Social nomunicípio de Fortaleza, há cinco anos, aceitou, como nos repentes decordel, o desafio. É essa história que vai ser contada nesse livro.

Mione Sales1

1 Pós-Doutora em Sociologia pela Ecole de Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS). Doutora emSociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal doRio de Janeiro (UFRJ). Graduada em Literatura Geral e Comparada pela Universidade Paris 3 SorbonneNouvelle. Professora adjunta do Departamento de Política Social da Faculdade de Serviço Social da Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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Fortaleza, cidade de 2,5 milhões de habitantes. Fortaleza não é sóuma. São várias, como são as cidades em movimento, que crescem dasraízes que as antecedem, com impulsos e recuos ainda visíveis em seusbairros, seu coração em vários fragmentos, muitos em um centro dacidade, para onde são atraídas as correntes migratórias. Dois milhões emeio de almas, dois milhões e meio de histórias. Quase um terço doCeará. Quinta população do Brasil. Cidade dos sonhos, capital da con-quista de direitos. Fortaleza Bela.

A partir de 2005, uma nova concepção de cidade começou a serinstaurada. A metrópole passou a falar outra linguagem. Uma outra co-municação e organização foram construídas em Fortaleza, sob novossignos: a participação popular, a descentralização das ações, a democra-tização dos recursos públicos. Assim passou a caminhar Fortaleza, ino-vando no campo das políticas públicas, pensando o binômio cidade edireitos humanos, em que se destaca a institucionalização de algumaspolíticas públicas setoriais e a criação de equipamentos. Dentre eles,Secretarias e Coordenadorias que vêm sendo destaque no trabalho coma população mais vulnerável, bem como procedendo à priorização desegmentos historicamente excluídos e estigmatizados, que hoje passama acessar as políticas públicas.

Pode-se destacar a criação da Coordenadoria da Mulher, que temstatus de Secretaria, cuja função é propor, elaborar e implementar polí-

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O Fortaleza - de um desejoa um direito de cidadeA construção da AssistênciaSocial como política de direitoMaria Elaene Rodrigues Alves1

Irenice de Oliveira Campos2

1 Assistente Social. Especialista em Violência Doméstica (USP). Mestranda em Planejamento de Políti-cas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Secretária Municipal de Assistência Social.2 Assistente Social. Mestra em Saúde Pública pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Coorde-nadora do Fundo Municipal de Assistência Social (FMAS).

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ticas públicas para as mulheres. A Coordenadoria da Mulher de Fortale-za foi o primeiro órgão específico de políticas públicas no Estado doCeará e, depois de um ano, foi criado o Centro de Referência da MulherFrancisca Clotilde. Em seguida, foi a vez da Casa Abrigo para MulheresVítimas de Violência em Fortaleza. Outro órgão, porém, que merecedestaque, fruto da militância, história política e compromisso da Prefeita,é a Coordenadoria da Juventude. No horizonte da defesa dos direitos dasjuventudes da cidade, ela tem como papel a organização de uma PolíticaPública Municipal de Juventude, fortalecida através da aprovação naCâmara Municipal de Fortaleza, do Plano Municipal de Juventude e daimplantação de programas, equipamentos e ações voltadas às juventu-des como o ProJovem Urbano, os Centros Urbanos de Cultura e Arte(CUCAs), Praças da Juventude e Festival das Juventudes.

Também merece referência a criação da Secretaria de Direitos Hu-manos (SDH) e seu trabalho com as questões dos direitos humanos nosseus múltiplos aspectos. Através da SDH, cada segmento tem umaCoordenadoria Específica, onde são desenvolvidos ações e projetos pró-prios para cada área: população afrobrasileira, crianças e adolescentes,idosos, pessoas com deficiência e população LGBT.

Ainda como parte dos avanços, ocupa um lugar central a criação daSecretaria Municipal de Assistência Social (Semas), já que Fortaleza eraa única capital brasileira que não tinha um órgão gestor específico paraessa política. Criar a primeira Secretaria Municipal foi um fato histórico,por ser uma decisão política que se contrapõe às relações clientelistas e“politiqueiras” antes existentes no campo da assistência social. A cultu-ra de uma relação de desrespeito e submissão com a população maispobre e vulnerável de nossa cidade foi, assim, ultrapassada em termosinstitucionais. A criação da Semas coincide, portanto, com os avançosnacionais que a Assistência Social vem tendo no âmbito federal, quandose instituiu o Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Trilhas da Assistência Socialno contexto brasileiro

A promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em1993, fez surgir duas novas lógicas no âmbito da Política de AssistênciaSocial: a da gestão e da participação da população. Nesta perspectiva,foram afirmados os seguintes princípios: supremacia do atendimento àsnecessidades sociais, universalização dos direitos sociais, respeito à dig-nidade do cidadão, a igualdade de direitos no acesso ao atendimento edivulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos socioas-sistenciais e a primazia da responsabilidade do Estado na condução daPolítica de Assistência Social em cada esfera de governo.

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A Política de Assistência Social avançou no país ao longo dos anos,nos quais foram e vêm sendo implementados mecanismos viabilizadoresda construção de direitos sociais para a população usuária, a exemplo daPolítica Nacional de Assistência Social (PNAS/2004) e do Sistema Únicode Assistência Social (SUAS). Através desses instrumentos, foi estabele-cido, também, um novo desenho institucional e de gestão.

Em 2004, com a aprovação da Política Nacional da Assistência Soci-al, expressou-se a materialidade do conteúdo da Assistência Social comoum pilar do sistema de proteção social brasileiro e garantiu a construçãoe a implantação do SUAS como elemento essencial à execução dessapolítica, possibilitando a normatização dos padrões nos serviços e aten-dimento. O SUAS é, assim, estruturado a partir da Lei Orgânica da Assis-tência Social, da Política Nacional de Assistência Social, do Plano Nacio-nal de Assistência Social e da pactuação de nova Norma OperacionalBásica Assistência Social. Nessa ótica, o SUAS materializa o conteúdo daLOAS, cujo modelo de gestão é descentralizado e participativo, constitu-indo-se em todo território nacional, na regulação e organização das açõessocioassistenciais. Segundo SPOSATI (2004), o SUAS é constituído.

[...] pelo conjunto de serviços, programas, projetos ebenefícios no âmbito da assistência social prestadosdiretamente – ou por meio de convênios com organi-zações sem fins lucrativos – por meio de órgãos e ins-tituições públicos federais, estaduais e municipais daadministração direta e indireta e das fundaçõesmantidas pelo poder público (p. 180).

Historicamente, esta conceituação da Assistência Social, enquantopolítica pública, não encontrava correspondente na realidade brasilei-ra, porque, no Brasil, a trajetória desta política não a identificava comoestratégia consagradora de acesso regular ou como um direito social.Assistência Social foi, portanto, durante muito tempo, sinônimo de cari-dade, dádiva, política de favor e assistencialismo.

Não obstante ser a pobreza um fenômeno de matriz fundamental-mente estrutural, porque derivada de um modelo de desenvolvimentoexcludente e socialmente perverso, o Estado brasileiro, ao longo de vá-rios anos – de forma mais frequente após os anos 70 –, vem valendo-sede ações assistenciais para o enfrentamento da pobreza crescente e acen-tuada. Nesse sentido, algumas questões, além de excludentes e perver-sas, são históricas, mas acredita-se que, nos últimos anos, através da lutae organização dos movimentos sociais e dos últimos governos de es-querda, houve alguns avanços no campo das políticas sociais e da pró-pria Assistência Social. Essa, em especial, apresentou novidades impor-tantes. No plano conceitual e legal, a Assistência Social insere-se em umnovo patamar sem paralelo histórico, no Brasil. Transita da condição de

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ação marginal para a condição de política pública. Nesse campo está pos-to, portanto, uma equação cujo significado transcende o debate eminen-temente político: diz respeito a símbolos e signos que constroem o univer-so ético de nossa sociedade. Significa confrontar a cultura do direito à dopertencimento à tradicional cultura da dádiva, da ajuda, do clientelismo.

A mais recente iniciativa (2005) no propósito de garantir a Assistên-cia Social como direito de cidadania e dever do Estado foi a instituição doSistema Único de Assistência Social (SUAS). Fruto de deliberação da IVConferência Nacional, esse reordenamento de gestão da política veiomaterializar e aprofundar muitas das conquistas da Lei Orgânica da As-sistência Social. Por isso, podemos dizer que o SUAS é uma conquista.

Porém, como todo processo em construção, situado numa socieda-de de classes, sob a hegemonia do projeto burguês, é também marcadopor contradições. Discutir a concepção do Sistema Único de AssistênciaSocial, de acordo com as diretrizes da LOAS que estabelece a primazia daresponsabilidade do Estado na condução da Política de Assistência So-cial em cada esfera de governo, leva-nos a considerar questões como:tercerização, privatização, redefinição do papel do Estado e redesenhodas políticas sociais, que pontuam o cenário contemporâneo marcadopelo processo de mundialização do capital. Sabe-se que estas questõesmarcam a realidade brasileira e que são relevantes para se fazer umaanálise no campo da Assistência Social. É preciso entender que a Consti-tuição possibilita o resgate do sentido da democracia e do direito social,só que nenhuma lei, e no caso da assistência especialmente, provoca porsi mesma mudança ou transformações das relações ou efetivação da par-tilha do poder. É preciso compreender que existem muitos interesses emjogo, e nessas disputas existem alguns que defendem o conservadorismoe insistem no clientelismo. Outros apoiam-se na mera prática tecnocrata(realização de projetos, focalização, busca da eficiência) e, outros aindaque lutam para que sejam efetivados os princípios e obedecidas a diretri-zes da política, tendo a democracia como valor central. Acreditam noprotagonismo dos usuários/as como sujeito de direitos.

A Construção do Sistema Único deAssistência Social (SUAS) em Fortaleza:limites e possibilidades na garantia dos direitos

A implementação do Sistema Único em Fortaleza faz parte de umaconcepção democrática, de um desejo de mudar e construir esta políticasob a égide do direito do cidadão/ã e dos espaços de participação popu-lar, no acompanhamento e controle democrático desta política pública.

A primeira diretriz apontada pela LOAS em seu artigo 5, inciso I,estabelece que estados e municipios estruturem a Política de Assistência

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Social com base em um comando único, em um locus específico, enquantoas ações de assistência devem estar inseridas em uma única Secretariaou órgão equivalente.

Nesse sentido, criar a primeira Secretaria Municipal de AssistênciaSocial de nossa cidade foi um marco importante no processo de garantiado acesso à população mais pobre aos seus direitos socioassistenciais ena construção da implementação do SUAS em Fortaleza-CE, que vivenciahoje a recente inclusão da Assistência Social no campo dos direitos e dapolítica pública protetiva, não contributiva e de responsabilidade esta-tal em primeira instância.

Em Fortaleza, o trabalho vem sendo realizado na tentativa de rompera concepção da Assistência Social como filantropia e benemerência – marcahistórica de suas origens. Inaugurou-se, assim, uma atuação marcada poruma cultura de direitos e responsabilidade do Estado, em resposta àsmúltiplas expressões da questão social brasileira (IAMAMOTO, 1999;IANNI, 1989). Em seu cerne, a política de enfrentamento da pobreza assu-me a face das situações de vulnerabilidade e riscos sociais vivenciadas pordistintos segmentos.

Temos consciência dos desafios para a consolidação da Política deAssistência Social nesse contexto de crise do capitalismo contemporâ-neo, em tempos de acumulação flexível, desemprego e perdas de direi-tos por parte dos trabalhadores/as, o que não deixa de ser um grandedesafio. Sabemos que as consequências desse processo são profundaspara a agudização das expressões da questão social, configuradas comopauperização, vulnerabilidades e riscos sociais experimentadas por gran-des contingentes populacionais, sobretudo, nas grandes metrópoles bra-sileiras, entre as quais se inclui Fortaleza.

Fortaleza era, desse modo, a única capital onde não existia um órgãogestor específico para a Assistência Social. Era uma Coordenadoria liga-da à Secretaria de Educação. No entanto, como quinta capital do país,apresenta expressões de uma questão social complexa, com fenômenose problemas sociais históricos não superados. Temos consciência doslimites e de questões ainda não resolvidas, e que talvez nem o sejam oudemorem, por múltiplas razões a sê-lo, mas, hoje, nossa cidade se conso-lida como cenário de efetivação de políticas públicas dignas para as popu-lações de baixa renda. Muito já foi feito, mas ainda resta muito a ser reali-zado. A criação da SEMAS foi, porém, para nós, profissionais, militantes,estudiosos e usuários da Assistência Social, uma perspectiva concreta deredefinição e valorização dessa política em Fortaleza. Esta foi uma forma,também, de se contrapor à histórica desestruturação das políticas de pro-teção social e de atendimento à população mais vulnerável socialmente.

A estruturação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é umdesafio para nós gestores que compomos a Administração Fortaleza Bela.

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Nossos princípios se norteiam pela defesa da Assistência Social comodireito de todas e de todos. Essa política, em nossa gestão, busca, portan-to, a inclusão e a proteção social, compromissada com a efetivação depolíticas públicas propiciadoras de uma vida mais digna a todo o povode Fortaleza. Possibilitamos a reestruturação das proteções sociais e apriorização da Proteção Social Básica como estratégia de garantia dosdireitos das famílias de nossa cidade para, assim, alcançarmos a emanci-pação daquelas em maior grau de vulnerabilidade e risco social. No âm-bito da Proteção Social Especial, foi posto na agenda de prioridade oinédito trabalho com segmentos historicamente excluídos, a exemploda população em situação de rua. É por isso que nossa atuação se baseiaem fortalecer e cumprir os princípios e diretrizes previstas no arcabouçolegal do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Por isso, a Secretá-ria Municipal de Assistência Social (SEMAS) surgiu com o objetivo decoordenar e fortalecer a Política Municipal de Assistência Social, formu-lar políticas e elaborar diretrizes que orientam ações para a melhoria dascondições de vida da população mais pobre e em situação de vulnerabi-lidade social em Fortaleza.

A SEMAS foi criada, através da Lei Complementar n° 0039, de 10 dejulho de 2007, publicada no Diário Oficial do Município em 13 de julho de2007. Ela está estruturada da seguinte maneira: Coordenação da Prote-ção Social Básica, Coordenação da Proteção Social Especial, Coordenaçãode Gestão do Cadastro Único e Programa BolsaFamília, Coordenação Ad-ministrativa e Financeira e Fundo Municipal de Assistência Social3. O gabi-nete da Secretária, por sua vez, é composto pela Secretaria Executiva,Chefia de Gabinete, Assessorias Institucional, Jurídica, Comunicação eTecnologia da Informação.

Numa gestão democrática e participativa, faz-se necessário estabe-lecer uma relação de transparência, respeito e responsabilidade com ocontrole social e os movimentos sociais. Na SEMAS, foram criados osConselhos de Segurança Alimentar e Nutricional, assim como o Conse-lho Municipal de Direitos da Pessoa Idosa – hoje vinculado à Secretariade Direitos Humanos. Investiu-se também no fortalecimento do Conse-lho Municipal de Assistência Social (CMAS). Os Conselhos têm o objetivode controlar a execução das políticas públicas. No caso da AssistênciaSocial, em Fortaleza, os Conselhos têm o importante papel fiscalizadorda formulação e execução desta política, seja no Poder Público Munici-pal ou na rede socioassistencial privada. Também vale a pena destacar acriação dos Núcleos de Participação Popular, ligados aos Centros deReferência de Assistência Social (CRAS), permitindo que os usuários,

3 O detalhamento das ações de cada Coordenação será efetuado e analisado nos textos seguintesdo livro.

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foco de nossos programas e projetos socioassistenciais, possam deba-ter, opinar, criticar e sugerir sobre os rumos locais da Assistência Social.

Percursos da atuação daSEMAS nos bairros de Fortaleza

As ações das Coordenações da Secretaria Municipal de AssistênciaSocial são realizadas diretamente nos Centros de Referência de Assistên-cia Social (CRAS), Centros Especializados de Assistência Social (CREAS),no Centro de Referência Especializado para População em Situação deRua (CentroPop), Casa de Passagem, Espaço de Acolhimento Noturno,em outras unidades sociais e, de forma indireta, por entidades e organi-zações socioassistenciais conveniadas à Prefeitura de Fortaleza, atravésda SEMAS e devidamente fiscalizadas pelo CMAS Fortaleza.

Hoje, Fortaleza conta com 24 CRAS espalhados por seis SecretariasExecutivas Regionais na cidade. Quando assumimos, em 2005, existiamapenas 8 CRAS. No campo da Proteção Social Especial, não existia ne-nhum equipamento público municipal, os quais tivemos que criar, des-de a concepção aos serviços hoje existentes, inclusive, serviços realiza-dos em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos e a Coordenadoriada Mulher, a exemplo do Centro de Referência da Mulher Francisca Clo-tilde e da Casa Abrigo para Mulheres Vítimas de Violência Doméstica.Ressaltamos que todos foram criados nessa gestão.

A eficiência e efetividade destas ações são manifestadas, também, atra-vés da ampliação da noção de pobreza, para além da dimensão econômicae do fator de renda, em direção a uma perspectiva multidimensional, con-siderando as discriminações e desigualdades associadas também à per-tença étnicorracial, às relações entre os gêneros, gerações, orientaçãosexual e às “deficiências”.

Os desafios são imensos e, nesse sentido, a SEMAS tem o compromissode assegurar a implementação das ações socioassistenciais como políticade direito. O grande desafio nessa gestão é o de deixar como marca umanova cultura Política da Assistência Social como direito, e não um paliati-vo de combate à pobreza, através de programas restritos, focalizados,que, muitas vezes, promovem e agravam a pobreza.

Para finalizar, recorremos ao grande Drummond, quando diz: “eutropeço no possível, mas não deixo de descobrir o que há por dentro dacasca do impossível”.

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O DESAFIODEMOCRÁTICO DA

POLÍTICA PÚBLICADE ASSISTÊNCIA

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Neste artigo, iremos discorrer sobre as possibilidades e as limitaçõesque pautam a Política de Assistência Social na conjuntura brasileira. Essapolítica social vem se expandindo em um momento importante de consoli-dação da democracia e, com isto, dá-se a abertura de espaços para o estabe-lecimento de direitos sociais e para a realização de formas importantes departicipação e controle social. Tal realidade se efetiva ainda que manten-do traços históricos da cultura política brasileira, marcada pelo cliente-lismo e o patrimonialismo, formas atrasadas de concretizar a política eque condicionam os rumos da sociedade brasileira, desde os primeirosmomentos da colonização portuguesa.

Antes de discutirmos essa particularidade brasileira, torna-se neces-sário pensar as condições mais gerais da própria política no contexto dasociedade capitalista de exploração do trabalho e, portanto, como gera-dora de permanente disputa entre as classes sociais. Como síntese dessadisputa, que se concretiza como dominação e hegemonia do capital sobreo trabalho, desenvolve-se o Estado: síntese dessa relação social estruturadaem forma complexa de poder.

É só a partir dessas duas determinações – a particularidade da políticano Brasil contemporâneo e a realização do Estado capitalista – que pode-mos pensar, de fato, os termos da participação e do controle social emnossa sociedade, tendo em vista a execução de políticas sociais. Em nossocaso, trata-se de ponderar essas condições determinantes, no sentido de

Estado, Democraciae Participação:Limites e possibilidadespara a assistência socialMaria Cristina de Queiroz Nobre1

1 Assistente Social. Mestra e Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).Professora adjunta, Coordenadora do Curso de Serviço Social e Professora da disciplina “Estado,Questão Social e Política Social” do Mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e QuestãoSocial da Universidade Estadual do Ceará (Uece).

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fazer avançar a Política da Assistência Social, porém sem abstrair quesão elementos estruturantes de uma realidade geral adversa e que seimpõe para além dos desejos e compromissos dos sujeitos políticos coma construção de outra sociabilidade.

As condições gerais do Estado,da democracia e da participaçãosocial no capitalismo contemporâneo

De forma geral, o exercício da política em uma sociedade capitalistatem como determinação primeira as necessidades do capital, o que aca-ba por condicionar o conjunto da vida social em seu circuito de valoriza-ção. Neste caso, os termos da liberdade e da igualdade dos indivíduosficam reduzidos às condições em que se concretizam a relação social docapital e esta consiste em uma dominação e hegemonia do capital sobreo trabalho. Dessa forma, as disputas entre as classes sociais pelo acesso àriqueza produzida e a viabilização de seus interesses e projetos societáriosrealizam-se no cotidiano como contestações que vão até certo nível,tensionando o poder do capital e das classes dominantes, mas sem pro-vocar fissuras significativas no processo de acumulação e no exercíciodo poder político.

Ter a consciência desse limite estrutural da política na sociedadecapitalista não significa minimizar a importância da democracia e dasliberdades conquistadas a partir da luta social. Ao contrário, devemostomá-las como condições necessárias para uma maior capacidade deenfrentamento do trabalho ao capital, com vistas à construção de outrasociedade que possibilite a emancipação humana. Da mesma forma, aprópria organização dos interesses do trabalho, tendo como perspecti-va sua liberação do processo de acumulação capitalista implica na per-manente luta para ampliar a liberdade e a participação dos dominadosna sociedade e viabilizar uma nova hegemonia.

Nas condições contemporâneas, a política também está limitadapelas novas necessidades do capital de ampliar sua circulação e poten-cializar os termos de sua valorização no contexto da globalização, reque-rendo maior flexibilidade dos seus diversos processos (HARVEY, 1996,p. 140). Por sua vez, torna-se imperativo para o capital, além da reduçãodos custos do trabalho, um maior controle político sobre a força detrabalho e a imposição de um novo consenso ideológico em toda a socie-dade. É necessário, portanto, conferir um novo caráter ao projeto bur-guês, pondo em xeque os ideais iluministas que demarcavam a utopia deuma sociedade de igualdade, fraternidade e liberdade.

O “novo” projeto burguês – que subverte qualquer ideal de liberda-de fora da esfera do capital, ao mesmo tempo em que o condiciona às

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necessidades absolutas de circulação do capital – tem como núcleo oreconhecimento e aceitação das desigualdades, em suas diferentes ex-pressões, e o estabelecimento de novos padrões de participação políti-ca. Isto significa, de um lado, restringir as bases da organização políticados trabalhadores, através de reformas sindicais e trabalhistas. De ou-tro, busca-se artificializar a democracia, potencializando os momentoseleitorais em detrimento de outras formas de participação política, atri-buindo-lhe um caráter minimalista (CARVALHO, 2004, p. 18-19).

Na medida em que o capital se impõe com novas condições de domí-nio sobre o trabalho e se apoia na adesão das elites locais ao neoliberalis-mo, não se pode dispensar a construção do consenso interno a esse proje-to. Isto se faz, através de uma dinâmica que limita a participação da soci-edade e redefine o próprio espaço da política, produzindo um fetichismodo Estado2 bastante peculiar, a partir da separação entre política e econo-mia: “a política real faz parte das elites e não das massas; estas são excluí-das da vida política e só são convocadas para rituais eleitorais” (OLIVERCOSTILLA, 1997, p. 16-17).

Na política contemporânea, portanto, articulam-se novos mecanis-mos como o uso ostensivo do marketing  político, que é fundamentalpara gerar o consenso neoliberal, com a reatualização de formas tradici-onais de fazer política: clientelismo, uso da máquina estatal para influen-ciar o eleitor, compra de votos, influência direta e coercitiva do eleitor,entre outros.

No próximo ponto avançaremos na recuperação dessas formas tra-dicionais da política que se mantêm no Brasil de hoje, ainda quetensionadas pelo contexto democrático de maior participação social.Antes disso, devemos lembrar que a atualidade da política no cenárioda luta de classes ocorre porque o Estado, realizando-se como podercomplexo, representa uma síntese contraditória dessa luta e das rela-ções gerais de dominação e hegemonia entre as classes sociais. Se istoassegura no momento presente o predomínio do capital sobre o traba-lho, abrem-se permanentemente possibilidades de construção de ou-tra hegemonia e de outra sociabilidade. Isto ocorre não como movi-mento natural e espontâneo, mas exatamente como ação efetiva doshomens. Tal ação dá-se tanto no âmbito da sociedade política, nas es-truturas de poder mais restritas, como na sociedade civil, quer dizer,pelas formas mais gerais de participação e de atuação dos grupos orga-nizados em torno de seus interesses de classe e de outros com carátermais geral.

2 Por fetichismo do Estado deve-se entender a “[...] separação que prevalece ainda hoje entrepolítica e economia. Muitas questões políticas básicas não são colocadas pela sociedade civilna mesa da discussão pública pelo fato de que ela acha que pertencem a uma outra esfera dedecisões, à esfera da relação entre os indivíduos e o mercado.” (OLIVER COSTILLA, op. cit., p. 16).

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A atualidade da cultura política tradicional:entraves à participação e ao controle social

A realização da política tradicional, que se articula com novos recur-sos na política contemporânea, vê-se determinada pela força do poderlocal na dinâmica política brasileira. Este, sem dúvida, transmutou-se aolongo dos séculos, na medida em que o próprio Estado nacional se con-solidou e se realizou a centralização do poder político-burocrático. Ain-da assim, o poder local nunca perdeu sua importância na dinâmica polí-tica nacional. Ele permaneceu tanto como sustentação da hegemoniados grupos com ação mais abrangente na política partidária e no Estadobrasileiro, quanto como mecanismo de mediação entre o poder políticoe as sociedades locais, atribuindo grande importância aos grupos quemantêm o domínio e a hegemonia no âmbito municipal.

Por sua vez, as práticas patrimonialistas e clientelistas, permeandotanto o poder político como a própria sociedade na política brasileira,continuam a fortalecer o poder de grupos políticos locais. Isto aconteceespecialmente em regiões e municípios pobres, onde o Estado é o grandegerador da renda municipal, quer dizer, onde há uma grande dependên-cia da população local aos recursos públicos que são administrados emanipulados por esses grupos.

Na historiografia brasileira, acumulam-se os estudos que apontam aimportância do poder local na dinâmica política nacional, destacando-se, neste caso, o estudo clássico de Victor Nunes Leal, Coronelismo,enxada e voto (1997), sobre o fenômeno do “coronelismo”. Este resulta-va da necessidade de controle dos votos do eleitorado rural, pelos go-vernos centrais, em âmbito nacional e estadual, o que os levava aestabelecer compromissos com os chefes locais. Daí derivava o enormepoder de mando dessas lideranças e a possibilidade de usufruto dasbenesses decorrentes do controle sobre a máquina burocrática, estabe-lecendo-se um sistema de reciprocidade entre poder local e poder cen-tral, sobretudo, nos momentos eleitorais. O estudo de Leal, evidente-mente, considera uma realidade que predominou no país durante a Re-pública Velha e persistiu, com intensidade, até a década de 1950. Esse foium momento histórico, marcado por enorme fragilidade do regime re-presentativo e caracterizado pelo pleno uso de recursos legais e ilícitosdurante os processos eleitorais. Assinala, ao mesmo tempo, uma efetivacarência da presença do poder público, a fim de responder às necessida-des das populações locais. Tinha-se, portanto, um poder fraco no exercí-cio de funções públicas, sobretudo, no meio rural.

Um estudo posterior ao de Leal, e também clássico na historiografiabrasileira, é o de Raymundo Faoro, Os donos do poder: formação dopatronato político brasileiro. Este autor aponta a relação de dependência

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existente entre o “coronel” e os governos centrais, em função dos proces-sos eleitorais que existiam no Brasil, desde o período colonial, quandouma parcela da população podia escolher seus representantes para ascâmaras municipais. Entretanto, Faoro (2001) acaba por atribuir aos gover-nos centrais a predominância sobre o poder local, o que, inclusive, torna-va os chefes municipais dependentes da “política dos governadores”.

Para esse último autor, o ponto de referência para a supremacia dopoder central sobre o poder local localizava-se nos recursos mobiliza-dos pelos governadores (força policial, poder financeiro e outros benspúblicos) no exercício do poder. Entretanto, esse poder preponderantedo governador não dispensava a necessidade de apoio no âmbito muni-cipal, onde se concentrava a dominância dos chefes locais. Assim, encon-tramos em Faoro (Op. cit.), dois elementos essenciais para o entendi-mento da realidade política brasileira atual. Primeiro, o caráter central docontrole da máquina burocrática estatal para o exercício do poder políti-co por determinadas lideranças e/ou grupos políticos; e, segundo, a formade dominância patrimonialista que assegura esse poder, quer dizer, umaforma de gerir o recurso público, a partir da ótica do interesse privado.

Este último aspecto, sobre a persistência da dominação patrimonialis-ta no Estado brasileiro, consolida relações extremamente complexasentre a classe política e a população, e mesmo sobre organizações dasociedade civil, deitando sobre estas determinadas práticas. Estas sereproduzem e atribuem à política brasileira, em especial a eleitoral, umacondição muito particular.

Com a modernização econômica do Nordeste – que ocorre a partirdos anos 1950, através de mecanismos criados pelo próprio Estado brasi-leiro – os processos políticos serão afetados. De fato, a modernização capi-talista esteve pautada amplamente em fundos públicos (OLIVEIRA, 1981)e, por meio da introdução de mecanismos de planejamento das políticaspúblicas via instituições como a SUDENE e o Banco do Nordeste, o queacabou por promover uma maior presença do Estado, sobretudo, a partirdos anos 1970. Com isto, ocorre uma tendência à ruptura do controleostensivo que os “coronéis” exerciam sobre os seus “currais eleitorais”,como também, as relações de dependência entre esses chefes locais e suaclientela sofrem restrições, tanto em função da crescente urbanizaçãocomo da introdução de relações de trabalho capitalista no campo.

Por sua vez, outro fator contribuiu para o enfraquecimento do “siste-ma de reciprocidade” que sustentava o esquema coronelístico, e que estáassociado à modernização capitalista no campo. Trata-se do surgimentode fortes movimentos sociais ligados à luta pela reforma agrária e pormelhores condições de trabalho, a partir de meados dos anos 1950. Desta-ca-se, neste caso, o aparecimento das ligas camponesas nesse período e aintensa luta travada pela realização de uma reforma agrária.

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Esses movimentos, duramente reprimidos durante a Ditadura Mili-tar, voltam a ter importância a partir dos anos 1980, também no campoda política, no sentido mais restrito, por contestarem o poder de mandodas elites locais. Isto passa a ocorrer, com a criação especialmente doMovimento dos Sem-Terra e sua postura de fortalecimento de candida-turas de esquerdas. Da mesma forma, também ganham importância, nosanos 1980, as ações desenvolvidas pela Igreja Católica, através de suaspastorais e das Comunidades Eclesiais de Bases (CEBs), igualmente refe-rendando candidaturas vinculadas à defesa da reforma agrária e melhoriasdas condições de vida e de trabalho do homem do campo. Assim, alémda intervenção do Estado, as ações da sociedade civil, com o apareci-mento de novos atores políticos, também passam a tensionar a políticalocal, já desde os anos 1950, embora persistindo o poder de mando dospoderosos locais.

Marcel Bursztyn (1985), ao realizar um resgate das formas de inter-venção do Estado, que sempre se pautou pelo autoritarismo e opaternalismo, evidencia como ocorreram, ao longo dos séculos, dife-renciações em termos da busca de legitimação política do poder centrale da sua relação com os poderes locais. No Nordeste, Bursztyn esclareceque se estabelecem novas condições políticas com o intervencionismoestatal dos anos 1970. Foi o que levou ao enfraquecimento de gruposregionais e ao predomínio de novas forças políticas em termos de con-dução do poder central. Trata-se, a partir daí, do comando do blocourbano-industrial, sob hegemonia do capital internacionalizado. Comisto, há um predomínio do poder central frente ao poder local.

Do exposto até aqui, podemos afirmar que no desenvolvimento histó-rico da sociedade brasileira e, em particular, o de regiões pobres como oNordeste, foi imprescindível o poder local como base de legitimação dosdirigentes estaduais. Sabe-se que continua ainda a fomentar a necessáriarelação desses dirigentes com as lideranças locais (tanto políticos commandatos como lideranças comunitárias), com elas estabelecendo com-promissos e alianças políticas que assegurem a ascensão e a continuidadeno poder estadual de determinados grupos e/ou partidos políticos. A forçadessa relação, sem dúvida, constrange o próprio exercício da política noâmbito dos chamados conselhos municipais de direito e de políticas sociais.

A força do poder local, com suas múltiplas formas de mandonismo,também se originou do caráter patrimonial do Estado brasileiro e doclientelismo, como forma de sustentação das elites políticas e econômicasdeste país. Pense-se também naquelas outras duas determinações já apon-tadas: a relativa ausência do poder central e a necessidade de legitimaçãodecorrente do sistema de representação política3. Isto ocorreu desde cedo,dado o próprio caráter da nossa colonização, pautada na afirmação deprivilégios e concessões a partir da disposição do Reino Português (FAORO,

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op. cit.). Por sua vez, para dar cabo do seu empreendimento comercial, oEstado português foi se organizando no Brasil, aparelhando-se e se estru-turando, a partir de um estamento, o que levou a sociedade brasileira ase desenvolver a partir da predominância de uma estrutura social deestamentos e não de classes (FERNANDES, 2006).

Em outros termos, a formação do Estado brasileiro, livre da domina-ção portuguesa, ocorreu preservando-se a herança colonial: o patrimo-nialismo. Esta forma estatal estabelecia o exercício do poder por oligar-quias, ainda que este se legitimasse a partir da concessão gradativa elenta do direito de voto à população, o que, por sua vez, resultava tam-bém na ampliação do domínio oligárquico no plano local. Com o predo-mínio desse poder oligárquico, e o certo artificialismo da representaçãopolítica que daí decorria, a própria sociedade é incorporada na tramapolítica de dependência do Estado:

[...] o oligarquismo brasileiro [...] se apóia na institui-ção da representação política como uma espécie de gar-galo na relação entre a sociedade e o Estado [...] todosos que, de algum modo, dependem do Estado, são indu-zidos a uma relação de troca de favores políticos(MARTINS, 1994, p. 29).

Assim, a mediação entre Estado político e sociedade civil no Brasil seampara, predominantemente, no clientelismo, “[...] na troca de favorespolíticos por benefícios econômicos, não importa em que escala.” (Idem).Portanto, Martins (1994) estabelece, em sua análise, que, na medida emque se expande a organização do Estado nacional, a trama do poderpolítico absorve, na rede de dependência estatal, tanto as elites políti-cas, que daí tiram sua força e condição de domínio, como também am-plos setores da sociedade. Isto porque esses segmentos da sociedadeprecisam do Estado e da necessária intermediação política, como fontede atendimento às suas necessidades.

No primeiro caso, da relação das elites com o poder político, o usoinstrumental do Estado ocorre não apenas para a satisfação dos interessesdos segmentos dirigentes, sustentando privilégios e benefícios econômi-cos próprios do exercício do cargo público, mas também, como mecanis-mo de legitimação política e de reprodução do próprio poder desses seg-mentos. Em outros termos, o exercício do poder político no Brasil implicaque as elites dominantes operem mecanismos de favores para consolida-

1 Desde o período colonial, a ausência do poder central se faz sentir, ampliando a força do poderlocal. Na medida em que Portugal precisa estender o seu domínio, transfere determinadas atribui-ções às câmaras municipais e formula compromissos com os senhores de terra. Com isto, estabeleceuma “[...] coexistência pacífica que se materializa pela omissão do poder público em nível local. Emtroca, o poder central podia contar, em geral, com o apoio do poder local (BURSZTYN, op. cit., p.19).É desse gigantismo do poder local que nasce o coronelismo.

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rem sua condição de domínio, abusando fartamente do recurso público,para além do estabelecimento de seus próprios privilégios.

No segundo caso, no que se refere a setores da sociedade, há certalegitimação da cultura da apropriação de bens públicos pelo privado,como forma necessária do atendimento de necessidades que, não res-pondidas na forma de direitos sociais, são alcançadas por meio daquelaintermediação política. Com isto, legitimam-se os mecanismos tradicio-nais do favor político. Para Martins (1994), essa não é uma realidadepontual, mas tem grande abrangência na sociedade brasileira. Aindaque tais práticas políticas sejam negadas por certos segmentos sociais,elas se irradiam pela sociedade e encontram pleno reconhecimento na-queles segmentos que mais dependem do Estado.

O clientelismo, perpassando o processo histórico brasileiro desde aformação do Estado nacional, cristaliza-se nas relações sociais contem-porâneas, ampliando sua rede de alcance e fragilizando o nosso débilsistema representativo, ao mesmo tempo em que torna, ainda mais, opoder político um instrumento para benefício de minorias. Através desua ampla manifestação nos tempos atuais, o clientelismo contribui parareproduzir instituições e práticas de domínio político de antigas e novaselites. Assim, mesmo com a consolidação da sociedade competitiva, osmecanismos das trocas políticas tornam-se necessários para a manuten-ção do poder político e para a ampliação da acumulação de capital am-parada em fundos públicos, seja de forma lícita ou ilícita. Isto será pron-tamente utilizado por setores da sociedade moderna.

Considerações finaisNas condições políticas da década de 2000, no contexto de hegemo-

nia centro-esquerda, a expansão da Política de Assistência Social moti-vou resultados importantes quanto à redução dos mais graves níveis depobreza e miséria. Isto tem ocorrido em associação com uma política derecuperação do valor do salário mínimo, situação que nem de longe alteraas formas estruturais de desigualdade de renda e de propriedade da soci-edade brasileira. Ao mesmo tempo e em sentido contrário àquele movi-mento, manteve-se a tendência de mercantilização das políticas de saúdee de previdência social que já vinha ocorrendo desde a década de 1990.

Neste último caso, tanto ocorrem perdas para as classes trabalhado-ras, nomeadamente para os segmentos de níveis de renda mais baixos,como se estendem as possibilidades de acumulação de capital tambémno âmbito da reprodução do trabalhador. Isto tem ocorrido, de fato,como herança dos processos de contrarreforma do Estado iniciados noBrasil desde os anos de governo Fernando Collor de Mello, estendidosnos governos de Fernando Henrique Cardoso e que não têm sido decisi-

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vamente enfrentados nas atuais condições políticas com a nova coaliza-ção de forças que incorpora os setores de esquerda (Cf. BEHRING, 2003;BEHRING e BOSCHETTI, 2006).

Com o projeto neoliberal, algumas funções do Estado e mesmo suaforma burocrática de gestão foram postas em questionamento e, sobre-tudo, consolidou-se a ideia de que o enfrentamento das expressões daquestão social não é responsabilidade exclusiva do Estado. Neste últimocaso, esse projeto político das elites avançou na demarcação de que agrande responsabilidade social do poder político está na esfera da Assis-tência Social. E isto pode e deve ser viabilizado em articulação com ochamado terceiro setor – fundações, organizações não governamentais(ONGs) e ações de empresas comumente denominadas de responsabili-dade social –, bem como, através de outras formas de parcerias entre osetor público e o privado.

Assim, se a Assistência Social passa a ser, de fato, assumida como amais importante política social na atualidade brasileira, mantêm-se emdisputa as formas de atuação do Estado neste campo, como também onível da responsabilidade estatal com as outras políticas de caráter soci-al. Esse mesmo movimento de expansão da Assistência Social e deprivatização de outras políticas sociais sinaliza o saldo geral da disputasocial no contexto contemporâneo: de mais ganhos para o capital e deum horizonte limitado de incorporação dos trabalhadores quanto aoacesso à riqueza social.

Nesse cenário adverso, as disputas políticas no campo da Assistên-cia Social também têm sido efetivadas em um quadro de consolidaçãoda democracia. Isto permitiu que se garantissem recursos legais e políti-cos para o acompanhamento e o controle da execução dos seus progra-mas, bem como uma maior profissionalização e racionalidade institu-cional a partir da criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).Com isto, ganham visibilidade os avanços quanto à organização institu-cional da Assistência Social, uma condição para combater práticas cliente-lísticas e políticas tradicionais, sobretudo na municipalidade onde a As-sistência Social se concretiza.

Nesse sentido, os mecanismos de participação e do controle socialna Política de Assistência Social que foram abertos com a conjunturademocrática do Brasil auferem forte significado e podem se concretizarcomo espaços de ampliação da política. Isto é, sem dúvida, muito espe-cial, principalmente se pensarmos nos seus múltiplos desdobramentos,por meio: da fiscalização e do controle efetivados pelos conselhos depolíticas e de direitos sociais; das ações propositivas da sociedade civil,através das conferências; e, ainda, do desenvolvimento de outras for-mas de participação, como a experiência de Fortaleza com os Núcleosde Participação Popular/SEMAS.

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Atentar para esse conjunto de processos democráticos não podeocorrer sem que se observem as determinações mais gerais da políticana sociedade capitalista que lhes impõem restrições. Por sua vez, limitestambém são dados em função da particularidade do Brasil contemporâ-neo e da persistência dos traços históricos de nossa formação social epolítica que tensionam o próprio exercício da democracia, em função deuma cultura política marcada pelo clientelismo e pelo patrimonialismo.Consideramos, portanto, que se abstrairmos essas duas determinaçõesda política, na análise dos mecanismos de participação e controle socialna sociedade contemporânea, corremos todos o risco de empreenderuma leitura vazia de sentido ou mesmo cair em puro ufanismo.

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A promulgação da Constituição Federal em 1988 reordena as rela-ções entre Estado e sociedade civil e condensa todo um movimento emprol da participação popular, que ganha força e viabilidade ao final dedécadas de ditadura militar. Um aspecto importante nesse percurso denovos ares democráticos no nosso país, para além do texto legal, é osentimento de construção de uma nação que incorpore, de fato, o princí-pio da participação popular direta e da descentralização do poder políti-co no cotidiano das práticas políticas e institucionais.

No campo da Política de Assistência Social, permeada historicamentepelo patrimonialismo e assistencialismo, a construção de espaços efeti-vos de participação popular e controle social, coloca-se ainda como umgrande desafio. Pinheiro e Pedrin (2005) discutem a Política de Assistên-cia Social, referindo-se aos diversos espaços onde a participação popularpode ser exercida e exemplifica momentos importantes na trajetória daconcretização desse direito. As autoras apontam que, além dos conselhose das conferências, os plebiscitos, as auditorias, as leis de iniciativa popu-lar e de responsabilidade social, as audiências públicas; os orçamentosparticipativos; as ações civis públicas, os tribunais populares e os meiosde comunicação alternativos, bem como, os fóruns de Assistência Socialde âmbitos nacional, estadual e municipais representam espaços de exer-cício do controle social das ações do Estado discutindo, opinando e ava-liando, voltados para os assuntos de interesse público.

No Brasil, a participação da sociedade nos processos que envolvema garantia dos direitos sociais é muito restrita às representações, sejam

Controle Social naAssistência Social:A construção da AssistênciaSocial como política de direitoMaria Derleide Andrade1

Danielle Cláudio de Brito2

1 Assistente Social. Mestra em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará(Uece). Secretária Executiva da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas). Presidenta do Con-selho Municipal de Assistência Social (CMAS), Gestão 2009-2010.2 Assistente Social. Assessora Técnica da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas). Conse-lheira do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS),Gestão 2011-2012.

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elas de trabalhadores, de entidades socioassistenciais, de grupos de usu-ários, e dos poderes públicos. No caso específico dos Conselhos de Assis-tência Social não é muito diferente. Os Conselhos são instâncias delibe-rativas do sistema descentralizado e participativo da assistência social,de caráter permanente e composição paritária entre governo e socieda-de civil e tem como funções a normatização, o disciplinamento, acompa-nhamento, avaliação e fiscalização dos serviços de assistência prestadospela rede socioassistencial, primando pela qualidade de atendimento eestabelecendo os critérios de repasse de recursos financeiros (BRASIL,LOAS, 1993).

Na democracia participativa, a representação está combinada à par-ticipação, pois os representantes são escolhidos ou eleitos através defóruns próprios para participarem de espaços públicos e falarem emnome de um segmento, sem esquecer os compromissos éticos e obedi-ência à determinada pauta e prática política. A representação conselhistanão é individual, mas de um segmento. Isso significa que o representantenão pode agir sozinho, mas deve ouvir o grupo que representa. Uma re-presentação possibilita que o representante de um determinado coletivodefenda seus interesses, difunda, debata e se mobilize para defender suaspropostas, porém, no caso da Assistência Social não basta defender osinteresses de um segmento (pessoas com deficiências, pessoas idosas, cri-ança e adolescente etc.). Faz-se necessária a defesa dos direitos dos usuá-rios da Política de Assistência Social como um todo, sem esquecer asparticularidades de cada segmento social, e principalmente, pautar ques-tões relacionadas a segmentos que reivindicam o seu lugar na Política deAssistência Social, a exemplo do público LGBT, etnias raciais e gênero.

A representação dos diferentes segmentos deve ter autonomia polí-tica para defender ideias e propostas, respeitando princípios democráti-cos. Para que os conselheiros exerçam o controle social devem ter auto-nomia e coerência com o segmento que o escolheu e com os princípiosda Política Nacional de Assistência Social (PNAS), sem estar subordina-do aos “mandos” do poder executivo, bem como, de interesses corporati-vos ou mesmo segmentados.

Exercer o papel de conselheiro, citando Rosângela Paz é

uma tarefa pública de representação e de representa-tividade: a representação não é um cargo vitalício, éum exercício por período determinado; a represen-tatividade é dada por um segmento da população-basesocial e política – que dá ao conselheiro legitimidade,representatividade para exprimir-se, verdadeiramen-te, em seu nome, como acompanhar e fiscalizar as açõesdo governo e das entidades da rede socioassistencial.Entre as tarefas dos conselheiros, a construção de uma

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agenda de trabalho é primordial, pois do contrário, oconselho fica atrelado ao Estado e passa a executar,apenas, a agenda do órgão gestor ou do governante(2009, p. 26).

Para que a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) se tornerealidade é necessário superar o viés individualista e seja direcionadapara o coletivo; e que as ações propostas no interior da política mobili-zem e organizem os usuários a se reconhecerem como sujeitos de direi-tos. O SUAS apresenta-se como modelo de gestão descentralizada eparticipativa, regula e organiza, em todo território nacional, a rede deserviços socioassistenciais. Os serviços, programas, projetos e benefíci-os priorizam as famílias, seus membros, indivíduos e o território comobase de organização dos trabalhos. Pressupõe a gestão compartilhada eo cofinanciamento da política pelas três esferas de governo, definindo,claramente, suas competências técnicopolíticas.

Estamos falando de uma política de defesa do espaço público comgarantia da participação democrática; de uma política que deve buscar aintersetorialidade para ampliar os direitos dos usuários; de uma políticaque se propõe a atender necessidades e demandas da população. Demo-cratizar a gestão da Assistência Social significa estudar, discutir, deba-ter, juntos, sociedade civil e governo, os problemas que afligem nossaspopulações, buscando soluções duradouras que beneficiem o coletivo.A gestão democrática faz brotar escolhas, medidas e ações a favor docidadão e implica a existência de interlocutores.

O Conselho Municipal de Assistência Social de Fortaleza (CMAS) cria-do através da Lei Nº 7945 de 15 de agosto de 1996, teve duas alteraçõesna sua composição, mas vale destacar a última, através da Lei Nº 9246de 10 de julho de 2007. Nessa alteração, não houve mudança no quan-titativo dos representantes governamentais e da sociedade civil. Perma-necem 10 representantes de órgãos governamentais e 10 representan-tes de órgãos não-governamentais. Porém, na representação da socie-dade civil, houve uma redefinição na sua proporcionalidade, conside-rando que até então, o número maior de assentos no CMAS era destinadoàs entidades executoras da Política de Assistência Social.

No tocante à representação de usuários, esse segmento não tinhaorganizações que os representassem, muito menos fora instituída arepresentação por usuários atendidos nos programas, projetos e servi-ços da Política de Assistência Social. Ou seja, do ponto de vista legal, jáera previsto essa representação, mas por ausência de determinação po-lítica essa representação não fora efetivada. Somente em 2007, ano emque foi criada a Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS)redefiniu-se a alteração da composição do CMAS, ampliando-se de dois(2) para quatro (4) a representação dos usuários. Para além de uma ques-

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tão quantitativa, a ampliação da representação dos usuários significouuma tomada de posição política de fortalecer os espaços de participaçãopopular, indo ao encontro do que vem sendo vivenciado no municípiode Fortaleza, a exemplo das experiências com o Orçamento Participativo,do Plano Plurianual Participativo, e de outros instrumentos participativosgestados na atual administração municipal.

Nesse sentido, o exercício efetivo da participação de representantesde usuários no cotidiano do CMAS tem se afirmado como uma experiên-cia interessante, tanto para os usuários como demais representações.No momento em que consideramos as reuniões do colegiado ou dascomissões espaços de discussão política e de deliberações da Política deAssistência Social, avançaremos ainda mais no diálogo com todos ossegmentos representativos. Porém, é inconteste o diferencial da partici-pação direta dos usuários dos serviços da política de Assistência Socialno cotidiano das discussões e deliberações no CMAS. O inovador nesseprocesso, para além da representação dos usuários, é a forma com queos mesmos vêm se afirmando como sujeitos que querem conhecer, en-tender o que de fato seja a Política de Assistência Social e de que formaela se organiza. É nesse processo que os usuários se afirmam como sujei-to de direito e ao mesmo tempo, afirmam a Política de Assistência Socialcomo Política de direito. Ou seja, é o momento do encontro do sujeito(usuário) com a Política Pública e vice-versa.

No cotidiano das discussões políticas no CMAS, a partir da experiên-cia da participação dos usuários no Conselho, começamos a avaliar queseria necessário ampliar os espaços de participação dos usuários na VIIIConferência Municipal que seria realizada em 2009. Somado a isso, aSEMAS já apontava a proposta de se criar junto aos serviços vinculadosa esta Secretaria os Núcleos de Participação Popular. Em conferênciasanteriores, existia a proposta de implantação de Conselhos Regionais eLocais de Assistência Social, porém essa proposta ao longo do tempo nãose concretizou.

A não efetivação dessa proposta, por si só, serviu de análises e refle-xões. Será que a criação de outros instrumentos de participação popularno âmbito da Política de Assistência Social, para além da existência dosconselhos de política, não seria um elemento propulsor de fortalecimen-to do próprio CMAS? A existência de Conselhos Regionais e Locais por sisó garantiria a efetivação do controle social e a participação popular?Será que a experiência dos núcleos de participação popular poderia serpropulsora de um processo que pudesse coadunar com a constituiçãode Conselhos Regionais e Locais, se assim houver uma determinação daPNAS, já que ainda não é prevista essa diretriz? Ou ainda, será que atravésdos núcleos de participação popular, outros mecanismos participativospodem ser gestados no âmbito da Política de Assistência Social?

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Com esse espírito pautado no tema da participação popular e no con-trole social, o CMAS e a SEMAS realizaram a VIII Conferência Municipalde Fortaleza, em 2009. Além de importantes deliberações no processo deorganização e fortalecimento da Política de Assistência Social, foi aprova-do quase por unanimidade a criação dos Núcleos de Participação Popular.

Essa deliberação parte da concepção de que o exercício do controlesocial não depende apenas dos Conselhos de Políticas Públicas e de Di-reito, mas, também, da mobilização, articulação e criação de fóruns,organizações e movimentos que possam fortalecer a Política de Assis-tência Social e a efetivação dos direitos dos usuários através dos progra-mas, projetos, benefícios e serviços socioassistenciais. É preciso, pois,que todos os sujeitos políticos envolvidos estejam imbuídos na constru-ção da gestão democrática da Política de Assistência Social.

Referências BibliográficasBRASIL. Presidência da República. Lei N.8.742, de 01 de dezembro de1993 (Lei Orgânica da Assistência Social e dá outras providências).Brasília, 1993.

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Desde 2005, o cenário é de incentivo à participação pela GestãoMunicipal de Fortaleza, através de mecanismos como o OrçamentoParticipativo (OP) e o fortalecimento dos Conselhos. Em tal contexto deestímulo e ampliação da participação da sociedade civil e usuários daspolíticas, a Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS) propôs,na VIII Conferência Municipal de Assistência Social (2009), a criaçãodos Núcleos de Participação Popular (NUPPs), o que foi aprovado porquase unanimidade. A perspectiva era ampliar de forma efetiva, no cam-po específico desta política, a participação dos usuários.

Conferência Municipal de Assistência Social:ampliar a participação dos usuários é preciso

Todo o processo de construção da VIII Conferência Municipal de As-sistência já apontava para a participação como uma diretriz necessária einevitável, para que houvesse o fortalecimento político, tanto da Assis-tência Social quanto de seus usuários. As Pré-Conferências regionalizadasconstituíram, assim, valioso momento de formação política e socializaçãodas discussões que pautariam a Conferência Municipal, outorgando ele-mentos para a análise e a defesa das melhores propostas, a serem encami-nhadas pela Assistência Social em Fortaleza no período vindouro.

Tal debate propiciou um ambiente em que a proposta de implementa-ção de Núcleos de Participação Popular em todos os equipamentos daAssistência Social desse à participação um caráter prioritário. A propos-

Núcleos de ParticipaçãoPopular (NUPPs)e o desafio democrático dapolítica pública de assistênciaMonica Saraiva Almeida1

1 Estudante de Serviço Social da Faculdade Cearense (FAC). Coordenadora dos Núcleos de Par-ticipação Popular da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas).

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ta apresentava os NUPPs como espaços institucionais que visam a en-volver o público usuário da política de Assistência Social no município,funcionando dentro dos equipamentos, tanto da Proteção Social Básicaquanto da Proteção Social Especial. A concepção é de que se ampliaria aformação política desses sujeitos e seu empoderamento, no que diz res-peito à Assistência Social, fortalecendo o controle e contribuindo naelaboração, fiscalização e avaliação da mesma.

Criar espaços legítimos para a participação e o controle social, aptosa propiciar o fortalecimento da sociedade civil e de seus atores comosujeitos de direitos, bem como das políticas públicas, constitui tambémuma estratégia fundamental de co-responsabilidade e compartilhamentode decisões acerca de temas de interesses públicos e coletivos. O impor-tante é envolver um sistema que gere informação e a circulação desta, demaneira democrática e transparente, possibilitando o debate, a negoci-ação e a pactuação. Além disso, cria-se uma esfera onde o saber popularse alia ao saber técnico, proporcionando uma aproximação efetiva darealidade, mais livre da visão superestrutural que a institucionalidadetantas vezes implica. Essa também é a opinião de GOHN (2004).

A importância da participação da sociedade civil se faz neste contex-to não apenas para ocupar espaços antes dominados por representantesde interesses econômicos, encravados no Estado e seus aparelhos. Aimportância se faz para democratizar a gestão da coisa pública, parainverter as prioridades das administrações no sentido de políticas queatendam não apenas as questões emergenciais, a partir do espólio derecursos miseráveis destinados às áreas sociais.

A mobilização passa a ser palavra constante neste processo, vistoque, mais que representatividade, o que se busca é o envolvimento má-ximo das pessoas, no caso os usuários da Política de Assistência. A apren-dizagem coletiva, o empoderamento político e a possibilidade de umcanal de diálogo e construção conjunta entre a gestão da política e seususuários serão ferramentas mobilizadoras por excelência.

Mobilização e sensibilização:a equipe técnica como aliada fundamental

Assim, os Núcleos de Participação Popular  têm como objetivo geralo fortalecimento da Política de Assistência Social como política pública,por meio da participação dos usuários como sujeitos de direitos sociais,contribuindo com sua identidade coletiva e potencialidades e para odesenvolvimento local dos territórios. A implementação desta políticabusca ainda o engajamento dos usuários nas ações de planejamento,desenvolvimento,  fiscalização e avaliação dos programas, projetos, ser-viços e benefícios da Política de Assistência Social em Fortaleza. Na pers-

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pectiva do fortalecimento da fiscalização da Rede Socioassistencial (di-reta e conveniada), busca-se a articulação dos Núcleos com o ConselhoMunicipal de Assistência Social (CMAS), de modo a garantir aos usuáriosda política um atendimento de qualidade. Ademais, faz-se necessáriodesenvolver estratégias que possibilitem a intersetorialidade nas políti-cas públicas, com base na luta pela efetivação do sétimo direito do decálo-go dos direitos socioassistenciais: Direito à proteção social por meio daintersetorialidade das políticas públicas.

Dada a história de construção da política no Brasil, trabalhar a parti-cipação popular é um grande desafio. Democratizar a gestão local pelavia da participação popular, segundo Villas Bôas (1994, p. 55), “implicareverter uma  tradição histórica de apropriação privada do  espaçopúblico pelas  elites que detêm o poder econômico  (...) que  sempre  serevestiu de práticas clientelistas, autoritárias ou populistas”. Na Assis-tência Social, concepções assistencialistas, associação à caridade e prá-tica de troca de favores, ainda constituem entraves para o entendimentoda Assistência como política de direito.

É preciso estar bastante atento e investir numa cultura de cidadaniacrítica para superar distorções e equívocas do passado e sua reatualizaçãoconservadora no presente. O que requer, de acordo com Martins (2009,p. 7): “permanente vigília  e mobilização da sociedade nesse processo,especialmente daqueles que defendem os compromissos com a  justiçasocial e a democracia”.

Em Fortaleza, esse desafio é ainda de grande monta, visto que a polí-tica configurou-se como pasta específica da administração pública mu-nicipal apenas em 2007, com a criação da SEMAS. Não é um processosimples, mas um convite à ruptura, que exige passos largos e corajosos.Como bem descreve Villas-Bôas (1994, p. 55):

romper com essa cultura requer transformar a admi-nistração municipal em um espaço de diversos inte-resses da sociedade local, criando novas regras de con-vivência política. Para tanto é preciso conquistarampla adesão à participação direta na gestão, abrin-do espaços, criando canais, gerando processos partici-pativos onde se reconheçam as diferenças entre asdemandas e direitos dos distintos setores sociais e alegitimidade da disputa entre eles.

Isso assegura que o processo de construção da participação popularna Assistência Social deve começar pelo envolvimento da equipe técni-ca, que precisa estar convencida para que possa aderir com afinco aoprojeto e se dedicar à tamanha empreitada. Requer ainda momentos deformação e capacitação contínuos, além da sensibilização permanentedos profissionais, de forma a não encará-la apenas como mais uma “tare-

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fa”, ou um “serviço” oferecido, mas a canalização de um trabalho que jávem se realizando, conferindo-lhe outro sentido: o de orientá-lo para ocampo da construção coletiva e participativa. Como bem aponta a falade um profissional de CRAS da SER IV: “O CRAS não é só acompanha-mento, mas é organizar as pessoas para a luta pelas suas necessidades, eisso nós já fazemos no nosso dia a dia.”.

NUPPS: uma construção coletiva e participativaPara garantir um acompanhamento mais efetivo das ações de imple-

mentação, vinculou-se a coordenação dos Núcleos de Participação Po-pular ao Gabinete da SEMAS, através da Assessoria Institucional. Foramrealizadas visitas em todos os equipamentos, com o objetivo de captarpercepções e olhares acerca dos processos nos quais as unidades e suasequipes estavam inseridas, no tocante à(s): 1) questão da participaçãopopular; 2) relação com os usuários e sua apropriação da Política de Assis-tência; 3) experiências comunitárias e coletivas; 4) participação nas ativi-dades promovidas; 5) estratégias de mobilização já utilizadas no cotidia-no dos serviços; 6) interface com outras políticas; 7) situação histórico-política das comunidades; e 8) composição da rede nos territórios.

Esse estudo permitiu constatar a já esperada diversidade entre essasunidades também no campo da participação, conduzindo a um primeirodiagnóstico de como poderiam ser traçadas as estratégias de construçãodos NUPPs. Partiu-se, então, de um projeto-piloto composto por nove equi-pamentos da Proteção Social Básica (CRAS): Pirambu (Ser I); Lagamar ePraia do Futuro (Ser II); Quintino Cunha (Ser III); Couto Fernandes (Ser IV);Bom Jardim e Conjunto Esperança (Ser V); João Paulo II e Castelão (Ser VI).

Um debate inicial acerca da participação popular e da conjunturanacional com todos os técnicos da Assistência inaugurou esse períodode planejamento e indicou a próxima etapa a ser seguida: a de sensibili-zação. Esta deveria envolver necessariamente todo o conjunto de pro-fissionais que atuam nos equipamentos, já que é claro que a participaçãopopular não se configura como apenas um “grupo” que se reúne no servi-ço, mas diz respeito ao conjunto de espaços e possibilidades de congre-gar o público usuário, além de outros sujeitos do território. Com isso,propicia-se a discussão da Política num nível macro, contribuindo-separa que seja percebida como uma política pública de direito, a exemploda saúde, educação e habitação, já mais “internalizadas” na consciênciapolítica dos cidadãos.

Os encontros de sensibilização foram realizados regionalmente, possi-bilitando um debate mais intenso, com uma aproximação maior dos terri-tórios. Aqui, vale ressaltar a concepção de território não como mero es-paço geográfico constituído, mas como aquele que considera as relações

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de identidades culturais e históricas, além de ter em comum um cotidiano,as questões sociais e suas próprias lutas. Esses encontros primaram poruma metodologia vivencial, proporcionando intencionalmente um mai-or “envolvimento” dos participantes. Objetivaram ainda estimular umaatuação dos profissionais da Assistência Social mais próxima da prática daparticipação popular. Isto já acontece, de várias formas, nas atividadescorriqueiras, porém por meio da oficina conduziram ao reconhecimentodos processos participativos, que não tinham ainda um foco prioritário.

Antes da implementação propriamente dita, constituiu-se tambémum Grupo de Trabalho de Participação Popular na Assistência Social,composto por técnicos dos serviços, coordenações, chefes de Distritos,Mobilizadoras Sociais, CMAS e SEMAS, com o objetivo de planejar, acom-panhar e avaliar todo o processo. Apontou-se, inclusive, a necessidadede incluir membros dos próprios NUPPs, a partir da consolidação des-tes, na composição do GT.

O primeiro ciclo de reuniões nos equipamentos pertencentes ao pro-jeto-piloto contou com boa adesão dos usuários, empenho das equipesem garantir, não apenas a discussão, mas em utilizar recursos para ilus-trar o debate: atividades lúdicas, dinâmicas de integração, apresenta-ções culturais elaboradas pelos próprios grupos dos CRAS e fazendo usode uma linguagem popular e menos técnica, revelando excelente aceita-ção da proposta. Mostrou-se também inovador pela perspectiva inter-geracional já que reuniu desde adolescentes do ProJovem aos idosos doPrograma Municipal de Atendimento Básico à Pessoa Idosa (PABI).Estiveram também presentes: gestantes, mulheres do Projeto de Inclu-são Produtiva, membros dos grupos de famílias e outros usuários dosserviços dos CRAS. Além do convite extensivo a lideranças comunitári-as, membros de entidades, associações e outros grupos que “fermen-tam” o potencial participativo de cada território.

A discussão se deu em torno da temática da participação popular, danecessidade do conhecimento, da informação e do envolvimento coleti-vo para que as políticas públicas tenham o efeito esperado. A participa-ção política foi discutida como direito de todos, mas também como res-ponsabilidade de uma participação ativa no processo de construção daspolíticas públicas, com base no pressuposto de que a contribuição decada um nas decisões políticas não se restringe à participação eleitoral.Participar convida a uma ação mais direta, garantida constitucional-mente, ao engajamento, para o uso do poder de decisão. De imediato,percebemos uma consciência já existente acerca da importância da par-ticipação, como demonstra a intervenção de uma usuária do CRAS Praiado Futuro, na SER II: “algumas pessoas não participam dizendo que nãovão ganhar nada, mas o que se ganha aqui é o entendimento e isso valemais do que dinheiro.”.

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Além da discussão histórico-política sobre a participação, as reuni-ões dos NUPPs em 2010, realizadas mensalmente, também tiveram comopauta a Política Nacional de Assistência Social, sua execução local, seusprojetos, programas, serviços e benefícios. Discussões temáticas acer-ca, por exemplo, do conceito de “família” também foram realizadas,ampliando o debate que envolve importantes elementos para a reflexãoe mudança dentro de uma perspectiva de cidadania crítica e ativa, comoo respeito, a diversidade e o preconceito. Os Núcleos realizaram aindauma avaliação dos serviços e dos profissionais, o que contribuiu para aelaboração do planejamento da SEMAS em 2011.

Nunca é bastante frisar o quanto a discussão política, dentro dosNúcleos de Participação Popular, fortaleceu a compreensão do que é oCRAS. Em momentos anteriores, os usuários, quando convidados à par-ticipação para a avaliação dos serviços, frequentemente se reportavama questões de responsabilidade de outras políticas, como creches, porexemplo. O salto qualitativo é visível quando percebemos, na avaliaçãodo serviço realizada no CRAS Bom Jardim na SER V, ao final do ano de2010, a seguinte proposta para o ano de 2011: “que o CRAS articule coma coordenação do Posto de Saúde para que seja garantida a prioridade deatendimento aos idosos.”. Na apresentação da proposta, observou-se aênfase na explicação de que era de conhecimento do grupo que ali eraum espaço da Assistência Social, mas que tinham no CRAS a referênciade um espaço de acesso aos direitos e articulação entre as políticas.Inegável também é a visibilidade que os NUPPs podem proporcionar:“eu vim aqui por causa do Bolsa Família e agora, nessa reunião que mechamaram, tô vendo quanta coisa acontece aqui.” (Beneficiária do Pro-grama Bolsa Família – CRAS Praia do Futuro).

A participação popular faceà demanda dos territórios

“Os Núcleos não vão ensinar a comunidade a se organizar. A comuni-dade já tem suas organizações, seus conhecimentos e já vivencia a parti-cipação em diversos níveis.” Esta intervenção de um profissional da Assis-tência Social da SER IV reitera que é certo afirmar que, ainda que sejauma proposta inovadora dentro da Assistência Social, e, portanto, desa-fiadora, não partimos do zero. As experiências de participação popularse configuram como um espaço contraditório, sobretudo quando se apre-sentam como estratégias ligadas à institucionalidade, pois não é simpleslidar com a contradição de construir um campo democrático dentro deuma sociedade que se polariza entre carências e privilégios.

Mas, estes espaços são um lugar conhecido de boa parte dos usuáriosem seus territórios, onde convivem com associações, organizações de

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moradores, processos reivindicatórios. Participam ali também de espa-ços como o Orçamento Participativo, Fóruns, Conselhos, além dos pró-prios grupos dos CRAS, que conduzem a experiências desse tipo. Verifi-ca-se que é rápida sua apropriação do espaço, fazendo com que as de-mandas específicas de cada território, não limitadas à Assistência Social,venham à tona imediatamente e exijam, não a solução de pronto, vistoque não cabe a esta Política a resposta de todas as necessidades, mas oespaço para o debate, o encaminhamento à organização coletiva, o re-conhecimento dos direitos e, consequentemente, à luta.

Foi essa discussão acerca das demandas gerais dos territórios quepautou o segundo ciclo dos Núcleos de Participação, iniciado em 2011.Após a avaliação do primeiro período e o planejamento coletivo, pactu-ado, inclusive com os usuários, os Núcleos de Participação Popular che-garam a todos os equipamentos da Proteção Social Básica. O objetivo,nesta nova etapa, foi discutir o território, reconstruir e resignificar a suahistória, debatendo potencialidades e fragilidades e elegendo, cada um,uma temática consensual que merecia aprofundamento, mais a impor-tância da aquisição de informações sobre direitos e vias de luta e organi-zação. Partiu-se, então, para mais um passo que amplia e dá concretudee legitimidade ao processo participativo: a intervenção comunitária.

Como diversos são os territórios e suas histórias, diversas foramtambém as temáticas levantadas como importantes para vivenciaremum processo de intervenção, através da participação popular. Nestecaminho foi possível perceber o avanço na concepção da Política deAssistência Social, uma vez que a própria fala dos usuários demonstravao conhecimento de que não era ali, no CRAS, o lugar onde aqueles proble-mas seriam sanados. Ficava claro também o reconhecimento de que setratava de um espaço de discussão democrática e que a Assistência Soci-al estava credenciada como importante articuladora entre as políticas ese constituía num canal efetivo de acesso à informação e aos direitos.

Foram escolhidos os temas coletivamente, feitas as delimitações,organizados seminários de discussão, escolhidos os profissionais de ou-tras políticas. Estes participariam contribuindo com dados, informações,além de receber as reivindicações, as sugestões e as propostas de pactuaçãoentre governo e sociedade, naquilo que pode ser construído de maneiracompartilhada, contando com a responsabilidade e o comprometimentode cada um. Trata-se de um momento significativo, em que os sujeitos semultiplicam, os usuários saem da posição passiva de “público-alvo” daspolíticas, para serem agentes que também as constroem. Doravante, es-tes assumem a condição de melhores conhecedores das mesmas, pois sãopor elas atendidos. Não se trata de um “ringue de batalha”, mas de exercí-cio compartilhado do poder, ou seja, de prática política, como acentuaVillas-Bôas (1994, p. 56):

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nesse sentido, a participação popular, mais que um

meio de legitimar as ações de governo, tem que im-

pulsionar um processo de radicalização da democra-

cia, onde o conflito é constitutivo da conquista de no-

vos direitos e de cidadania.

Como em momento algum é intenção “padronizar” os procedimen-tos nos Núcleos de Participação Popular, cada um encontra-se em umestágio, dependendo das características específicas do território. Aospoucos, o espaço participativo dos NUPPs vem se engajando no cotidia-no dos serviços, estabelecendo sua própria dinâmica, ganhando auto-nomia, definindo, construindo e avaliando continuamente sua atuação.Toda essa realidade conta necessariamente com o apoio e o acompanha-mento efetivo das equipes, desde o processo de mobilização ao suportenecessário aos encaminhamentos, à logística demandada para as ativi-dades, bem como, à indispensável contribuição nas discussões.

Um breve balançoContudo, ainda há muito o que avançar. É preciso garantir maior

visibilidade, engajamento e pensar estratégias de divulgação que envol-vam a comunidade. No campo da Proteção Social Especial, estudamos amelhor forma de implementar os NUPPs ainda em 2012, por se tratar deum outro público, que possui vínculos diferenciados com os serviços,mas que também já possui sua experiência em espaços de participação.

É possível afirmar sem temor que, até o momento, é uma experiên-cia exitosa e que vem contribuindo, tanto para o fortalecimento da Polí-tica de Assistência Social em Fortaleza, afirmando-a como um direito,bem como dos usuários na condição de sujeitos políticos. É uma tarefaque não se encerra com uma gestão. Ao contrário, os processos partici-pativos vivenciados em Fortaleza, desde 2005, são um legado ao povoda cidade. Na Assistência Social, os Núcleos de Participação Popular sãoreafirmados constantemente como um espaço de direito, onde se adquireinformação, conhecimento e se planeja a ação e que compõem de formadefinitiva aquele espaço público, devendo ser reivindicados e garanti-dos, independente de governos.

Da experiência à vivência, os NUPPs são um investimento conscien-te e radical. Eles vêm sendo estruturados, na perspectiva de incorporaro conjunto da sociedade civil, na esfera da Assistência Social. São, assim,representados por seus usuários, na articulação com a gestão da Políti-ca, através de esforços, iniciativas e ações que concretizam esse diálogo,priorizando a transparência, a construção coletiva, a apropriação doconhecimento e do poder que este propicia. Mantê-los é investir paraque ganhem solidez, superando os entraves burocráticos e as debilida-

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des na dinâmica dos processos de organização popular. É perceber, den-tre tantos resultados, a mudança positiva na qualidade da relação entregestão e sociedade, e que exige, acima de qualquer coisa, coragem evontade política.

Referências BibliográficasVILLAS-BÔAS, Renata. – Os canais institucionais de participação popu-lar. Revista Polis, nº14, São Paulo, 1994.

MARTINS, Valdete de Barros. Participação e Controle Social no SUAS: oque temos e o que queremos. In: Caderno de Textos: Subsídios paradebates. Conselho Nacional de Assistência Social, Ministério do Desen-volvimento Social e Combate à Fome. Brasília, DF, 2009.

Documentos Disponíveis na InternetGOHN, Glória. Empoderamento e participação da comunidade em polí-ticas sociais. Disponível em

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902004000200003> Acessado em 04 de janeiro de 2012.

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Este texto tem como foco discorrer sobre a relação estabelecida en-tre as categorias mulheres e trabalho, através da problematização dadesigual e injusta divisão sexual do trabalho doméstico e mercantil que,historicamente, expõe as mulheres a situações de subordinação e desobrecarga de trabalho.

Ressalta-se que, historicamente, a divisão sexual do trabalho temcontribuído para o processo de legitimação da naturalização dos lugaresocupados por homens e mulheres, no mundo do trabalho, vinculandopráticas sociais a papéis socialmente construídos pelas diferenças entreos sexos. Assim, às mulheres são destinadas a atividades relacionadas aoespaço privado da casa, aos afazeres domésticos e ao cuidado com osmembros da unidade de referência familiar, a exemplo das profissõesditas tradicionalmente femininas. É relevante lembrar que essas ativida-des também são regidas pelas hierarquias de gênero, sendo as tarefasrealizadas pelas mulheres menos valorizadas socialmente, tanto do pon-to de vista da remuneração quanto do status social.

As mulheres pobres são as que mais sofrem as consequências dessasituação, haja vista disporem de menos recursos financeiros para en-frentarem individualmente os problemas advindos de sua condição declasse e dos estereótipos de gênero. Em algumas circunstâncias, quandoo Estado responsabiliza as mulheres pobres pelos cuidados domésticos

Mulheres e trabalho.Desafios à Assistência Socialpara a inclusão produtivaSocorro Letícia Fernandes Peixoto1

Maria do Socorro Ferreira Osterne2

1 Assistente social. Mestra pelo Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, da Univer-sidade Estadual do Ceará (Uece). Pesquisadora nos temas de Gênero, Família e Pobreza. Professorado Curso de Serviço Social da Faculdade Cearense. Assistente social do Hospital Geral de Fortaleza.2 Assistente social. Mestra em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Doutora emServiço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora do curso de ServiçoSocial, dos mestrados acadêmico e profissional em Políticas Públicas e Sociedade da UniversidadeEstadual do Ceará (Uece). Pesquisadora do CNPq, nos temas de Família, Gênero e Geração. Autorados livros Violência nas relações de gênero e cidadania feminina; Família, Pobreza e Gênero: O lugarda dominação masculina; e co-autora do livro Família, Gênero e Geração: temas transversais.

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e familiares contribui, sobremaneira, para enfatizar os papéis tradicio-nais de gênero. O exercício eficaz da maternidade tem sido objeto dediscurso de várias políticas de enfrentamento à pobreza, devido à dispo-nibilidade “natural” de tempo e trabalho gratuito das mulheres.

Nesses termos, a cidadania feminina encontra-se fragilizada. Soares(2003) lembra que as diferentes teorias feministas criticaram a pretensauniversalidade do pensamento político e da construção cidadã, que tor-nou invisíveis as mulheres e os demais setores excluídos do modelohegemônico (masculino branco e trabalhador). Muitas das concepçõescidadãs, embora tendam a reconhecer a diversidade, não assumem adimensão da desigualdade dessa diversidade.

Inicialmente, este artigo pretende apresentar as contradições ineren-tes à construção da cidadania brasileira, mediante as características pró-prias do conjunto das relações sociais no contexto nacional. A relaçãoentre a cidadania e o trabalho também será enfatizada ao longo dessetexto, uma vez que os pobres são vistos e tratados como não cidadãos,dada as condições de sua desfiliação da lógica contratual do trabalho.Posteriormente, abordar-se-á a dimensão sexuada da pobreza e das condi-ções de vida das mulheres, em razão da divisão sexual do trabalho. Dar-se-á, igualmente, atenção às assimetrias de gênero, como um dos fortes fenô-menos que perpassam a condição de pobreza da população brasileira.

Em seguida, será feita uma breve exposição sobre a experiência doProjeto de Inclusão Produtiva para Mulheres do Programa Bolsa Famí-lia, como um conjunto de ações públicas desenvolvidas com mulheresem situação de pobreza, no município de Fortaleza, através da Secreta-ria Municipal de Assistência Social de Fortaleza (SEMAS).

Construção da Cidadania Brasileira:Dilemas e Contradições Históricas

A consolidação dos direitos e, por conseguinte, a efetivação da cida-dania em qualquer sociedade passa pelas garantias de regulação das re-lações sociais, inscritas nas leis e instituições. Entretanto, embora sereconheça a importância dos mecanismos legais, foca-se a análise narelação estabelecida entre os direitos sociais, a cidadania e a dinâmicasocietária, ou seja, nas práticas sociais construídas mediante as especifici-dades dos processos históricos e culturais do Brasil.

A construção da cidadania no Brasil deu-se em meio à tensão estabe-lecida entre o Brasil real e o Brasil formal. Segundo Carvalho (2001), atrajetória da cidadania brasileira delineou-se de forma diferente do regi-me inglês, uma vez que comporta traços que misturam a universalidadee a impessoalidade das leis mais práticas hierarquizadas constituídaspelo universo das relações pessoais.

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Destaca-se ainda que a realização dos direitos sociais no Brasil desen-cadeou-se de acordo com uma concepção estadista, sob a égide de umEstado paternalista, no contexto da histórica Era Vargas. Nesse percur-so, a consolidação desses direitos no país tem uma relação direta com asraízes dos processos históricos construídos, marcados por característi-cas conservadoras e autoritárias. São práticas e processos que remon-tam à herança patrimonialista de Portugal, à época do Brasil Colônia.Originaram, por conseguinte, um processo de construção sociopolíticabrasileira, em que os interesses coletivos estavam diretamente vincula-dos às relações pessoais e os privilégios hierarquicamente definidos.

A tradição escravagista, advinda do período colonial, e o forte poderpolítico exercido pelas oligarquias locais durante a Primeira República(1889-1930), também foram traços que influenciaram a consolidaçãodo poder na sociedade brasileira, os quais comportam relações de man-do e autoridade e de submissão popular.

Assim, percebe-se que a constituição do Estado brasileiro favoreceuuma concepção de cidadania que, ao contrário da ideia de indivíduo e deregras universais para todos, típica da herança racional iluminista, respal-dada nos valores emergentes de liberdade e igualdade das sociedades quepassaram por Revoluções Burguesas, materializa-se em “lealdadesrelacionais.”3

A primazia dos direitos sociais explica o fascínio de uma cultura políticabaseada na valorização exacerbada do poder Executivo e do regime presi-dencialista. As relações de tutela, estabelecidas a partir de 1930, desenca-dearam no imaginário da população uma ideia de Estado protetor, em queos direitos são vistos como dádivas e doações. Isso traduz a frágil constru-ção da cidadania brasileira, dissociada dos direitos e da liberdade política.

Outra característica da cidadania no Brasil é a forte relação com otrabalho. Ser cidadão significava estar diretamente vinculado à condi-ção de trabalhador, inserido numa lógica contratual corporativa. RobertoDaMatta (1997), ao citar a célebre expressão “cidadania regulada”, deWanderley Guilherme dos Santos, ratifica uma cidadania mais ou menosàs avessas, reconhecida e definida como uma lei outorgada pelo Estadoe ligada a um sistema de estratificação ocupacional, e não a um código devalores políticos. Assim, algumas categorias, geralmente ligadas à ideiageral de trabalhador, passaram a ter mais direitos universais que outras.

Os desfiliados da lógica do trabalho representavam, por sua vez, osnão-cidadãos, os pobres, sendo, assim, não visíveis socialmente para ocapital, portanto “merecedores” dos serviços da Assistência Social. Comorelata Aldaíza Sposati (2006, p. 15),  “ao constituir ajuda, o  campo da

3 Expressão utilizada por DaMatta (1997).

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assistência  social  se põe  imediatamente  como o do não-direito. Paraser reconhecido como possível usuário, a necessidade apresentada deveter o mérito de ser atendida.”.

Telles (2006) ressalta o lugar destinado aos pobres, como figurasclássicas de destituição, uma vez que estes, quase sempre vitimadospelo desemprego ou às voltas com empregos precários, não usufruemda lógica de proteção dada pelo Estado às pessoas que estão devidamen-te inseridas no mercado de trabalho.

Diante de uma figura normativa do trabalhador quedá provas da sua capacidade para a vida em socieda-de e, portanto, tem o privilégio da proteção do Estado,a figura do pobre é inteiramente desenhada em ne-gativo sob o signo da incapacidade e impotência, fa-zendo da ajuda a única forma possível para os assimdefinidos “carentes” se manterem em sociedade(TELLES, 2006, p. 97).

No Brasil, segundo Lavinas (2004), assim como nos demais paíseslatino-americanos, o sistema de proteção social jamais se constituiu ver-dadeiramente num Welfare State. O nosso sistema, diferentemente, decunho corporativista-meritocrático, voltado para os segmentos formaisda economia, caracteriza-se pela cobertura de uma parcela restrita dapopulação, ficando grande parte da população pobre, excluída, em ra-zão dos seus vínculos instáveis e precários, no mercado de trabalho.

Não sendo um grupo de pressão, sem posiçãosocioocupacional definida, as camadas pobres dapopulação jamais foram sistemática e regular-mente beneficiadas, e seu atendimento semprefoi justificado como um ato humanitário ou moe-da política (LAVINAS, 2004, p. 67).

Diante do debate acerca das políticas sociais e da constituição dacidadania no Brasil, é fundamental voltar-se para as décadas de 1980 e1990, período a partir do qual as políticas sociais passam por uma amplareformulação, em virtude da consolidação da Constituição de 1988.

Do ponto de vista formal, o texto constitucional instituiu o conceitode Seguridade Social, em garantia do direito à saúde, assistência e previ-dência social. Esses direitos, por sua vez, inserem-se no conjunto doschamados direitos sociais. Logo, a institucionalidade descrita no textoconstitucional faz com que várias políticas, dentre elas, a AssistênciaSocial, adquira o status de política social pública, como direito social,sob o princípio da universalidade de seu acesso.

Destaca-se que a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, con-siderada a Constituição Cidadã, ocorreu em meio a inúmeras experiências

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democráticas em marcha desde meados dos anos 1970 e com explosão nadécada de 1980, no Brasil. A emergência dos movimentos sociais deenfrentamento aos anos repressivos da ditadura militar fez com que no-vos sujeitos sociais entrassem na cena política, sob o prisma de novasdemandas, pautadas na redemocratização da sociedade brasileira.

Entretanto, contraditoriamente, os avanços obtidos, na Constituiçãode 1988, ocorreram dentro de um processo de crise do milagre econômicobrasileiro e de retrocesso das garantias reais de políticas públicas de cu-nho universal, haja vista a emergência, nos anos 1990, do neoliberalismo.

O modelo de desenvolvimento neoliberal passou a ser adotado emvários países, a partir da década de 1970, com um conjunto de receitaseconômicas e programas políticos que têm como base a crítica ao Estado deBem-Estar Social4. Percebe-se, nesse período, uma constante desqua-lificação da responsabilidade do Estado no trato da questão social, trans-formando o mercado em esfera privilegiada de regulação da sociedade.

A emergência do neoliberalismo nos anos 1990 acirrou a precarizaçãodo mundo do trabalho, advinda dos sinais de esgotamento do sistemafordista e da revolução na base técnica do processo produtivo, iniciadacom a crise do capitalismo em 1970. Nesse sentido, ressalta-se a intensi-ficação do ritmo produtivo, na ampliação do conjunto flutuante e flexí-vel de trabalhadores através do aumento de horas extras, terceirizaçãono interior e fora das empresas, e contratação de trabalhadores tempo-rários. (ANTUNES, 2000).

Todos esses fatores desembocaram na crise da sociedade salarial,fazendo emergir, assim, uma nova questão social que, segundo Castel(1998), está diretamente ligada ao enfraquecimento das proteções soci-ais, oriundas das funções integradoras do trabalho. O que se observa é aquebra do vínculo entre trabalho e segurança, devido às frágeis relaçõesde trabalho e desemprego.

Salienta-se que a privatização deslocou parte da produção de bens eserviços sociais públicos para o setor privado, lucrativo e não lucrativo.Em relação a esses últimos, novos sujeitos se inserem no trato da ques-tão social, dentre eles, as associações de filantropia, as organizações co-munitárias e as organizações não-governamentais.

4 O Estado de Bem-Estar Social ou Welfare State caracterizou-se por uma nova forma de regula-ção social do Estado que estava diretamente relacionada com a expansão do capital e o desenvol-vimento da sociedade salarial, no pós-1945. De acordo com Pereira apud Dias (2006), o paradigmadominante do Estado de bem-estar social foi orientado com base no pacto entre três doutrinas:primeiro, o receituário keynesiano, em que o Estado era legítimo para intervir por meio de uma sériede medidas econômicas e sociais; segundo, nas postulações beveridgeanas, ou seja, nas reformu-lações sobre o sistema de seguridade social, baseados no direito de feição universal, e terceiro, nateoria da cidadania de T. H. Marshall, composta por três tipos de direitos: civis, políticos e sociais. Esteúltimo caracterizado pelo acesso a um mínimo de bem-estar e de segurança, a partir do WelfareState, como instituição responsável pelos serviços sociais.

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Pobreza, Mulheres e TrabalhoA pobreza tem permeado a sociedade brasileira desde seus primór-

dios. No entanto, sabe-se que, nos últimos anos, os indicadores sociais eeconômicos têm anunciado mudanças no quadro das desigualdades so-ciais, no Brasil. O aumento dos gastos sociais no governo Lula e, posteri-ormente no governo Dilma, através da elevação do salário mínimo e daexpansão dos programas de transferência de renda, como o ProgramaBolsa Família, é um forte exemplo dessas mudanças. Percebe-se o balan-ço da pobreza no Brasil.

Visível por todos os lados, nas suas evidências, a pobre-za é percebida como efeito indesejado de uma históriasem autores e responsabilidades. Nesse registro, apa-rece como chaga aberta, a lembrar, o tempo todo, oatraso que envergonha um país que se quer moderno,de tal modo que sua eliminação é projetada para aspromessas civilizatórias de um progresso que haveráalgum dia, quem sabe, de absorver os que foram, atéagora, dele excluídos (TELLES, 2006, p. 103-104).

Nesse momento, porém, deter-se-á a atenção na relação estabelecidaentre a pobreza e a vida das mulheres, uma vez que o conteúdo de gênerotem sido um dos grandes determinantes que potencializa a pobreza, deforma sexuada. A propósito, a pobreza não é uma categoria meramenteeconômica, mas uma dimensão que comporta, além das privações ma-teriais, privações de ordem espiritual, moral e política (OSTERNE, 2001).É reveladora a situação das mulheres como um dos sujeitos que maissofrem as consequências da pobreza, uma vez que estas são as principaisresponsáveis pela gestão cotidiana da família e consequentemente pelaesfera da reprodução da vida.

A partir da década de 1970, a participação feminina no mercado detrabalho aumentou significativamente, assim como, o nível de escolarida-de destas. Concomitante a isso, as estruturas e dinâmicas familiares torna-ram-se cada vez mais heterogêneas. A diversidade de arranjos familiarescriou novas formas de convivência entre seus membros e, ainda, as che-fias femininas nos lares brasileiros tornaram-se um fenômeno cada vezmais visível e frequente.

A pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça5 (2008), aolongo dos últimos quinze anos, tem observado a manutenção da tendên-cia do aumento da proporção das famílias chefiadas por mulheres, que

5 Essa pesquisa, em sua terceira edição, é fruto da parceria entre o Fundo das Nações Unidaspara a Mulher (UNIFEM), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a Secretaria dePolíticas para as Mulheres (SPM). O Retrato das Desigualdades apresenta indicadores referentesao período de 1993 a 2007, oriundos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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passou de 22,3% para 33%, em 2007. E mais, os dados das famílias for-madas por casais com filhos chefiadas por mulheres aumentaram maisde 10 vezes, passando de 3,4% em 1993 para 18,3% em 2007.

No entanto, a inserção das mulheres no mercado de trabalho temocorrido em condições desiguais de tratamento, tempo, mobilidade eremuneração, em relação aos homens. A segregação no mercado detrabalho destinou às mulheres os empregos mais precários, geralmenteinformais ou em tempo parcial, salários mais baixos, menor coberturados serviços de seguridade social e dificuldades de acesso aos direitostrabalhistas.

Assiste-se, assim, a uma espécie de bipolarização do emprego femini-no. De um lado, um contingente minoritário de mulheres encontra-se noscargos executivos que exigem um nível de escolaridade superior, em quesão mais bem remuneradas. Por outro lado, um número alto de mulheresocupa-se em trabalhos vulneráveis e desvalorizados socialmente.

Lavinas (1999) expõe algumas razões que podem explicar o aumen-to do sexo feminino no mercado de trabalho. Uma delas decorre daamplitude do processo de reestruturação produtiva, iniciado nos anos1980, e que afeta, sobretudo o mercado industrial, cuja redução temrebatimentos negativos, incidindo mais nos trabalhadores homens quecompõem a maior parte da mão-de-obra desse setor.

Outro fato, segundo essa autora, que estimula a inserção produtivadas mulheres é a expansão da economia de serviços. Uma terceira ques-tão refere-se à maior flexibilização no mercado de trabalho e àprecarização das relações de trabalho, com o aumento da ocupação porconta própria e da informalidade em geral.

Aliado a esses fatores, o advento das novas tecnologias nos dias atu-ais tende a ocultar a relação desigual estabelecida entre homens e mu-lheres, principalmente no tocante à ideologia da qualificação. ConformeHirata (2002), as novas tecnologias tendem a reforçar a marginalidadedo trabalho das mulheres. Com essas mudanças, os postos disponíveisàs mulheres são os não-qualificados e que implicam tarefas repetitivas.Assim, as mulheres permanecem praticamente distantes dos postos téc-nicos e dos equipamentos caros e competitivos.

Segundo Hirata (2002), o lugar ocupado pelas mulheres no mercadode trabalho reflete os aspectos da divisão sexual do trabalho6, seja estano âmbito profissional ou doméstico. Segundo a autora, é necessárioextrapolar o entendimento acerca da categoria trabalho, uma vez que a

6 Entende por divisão sexual do trabalho a forma de divisão do trabalho social advindo dasrelações sociais de sexo; sendo esta adaptada historicamente e a cada sociedade. A divisão sexualdo trabalho tem por características a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e dasmulheres à esfera reprodutiva, tendo as atividades desenvolvidas pelos homens um forte valorsocial agregado (KERGOAT, 2000).

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hierarquia social do masculino sobre o feminino mantém-se intacta. Asresponsabilidades domésticas e familiares continuam, conforme ela de-nuncia, a recair exclusivamente sobre as mulheres.

Assiste-se hoje à emergência de um novo paradigmade divisão sexual do trabalho, não apenas o profissio-nal mas também o doméstico, não apenas o trabalhoassalariado e formal mas também o trabalho não as-salariado, não mercantil, não remunerado, informal.A resposta afirmativa deixa de ser tão simples. Pare-ce-me que o advento de um novo paradigma da divi-são sexual do trabalho não requer apenas uma novadivisão do trabalho profissional, mas também do tra-balho doméstico (HIRATA, 2002, p. 24).

Para Kergoat (2000), essa forma de divisão social do trabalho temdois princípios organizadores: o princípio de separação, no qual há umaideia de que existem trabalhos diferentes para cada um dos sexos, e oprincípio de hierarquização, em que o trabalho desenvolvido pelos ho-mens é considerado mais valorizado do que o trabalho desempenhadopelas mulheres.

Durham (2004) expõe que, com o processo de industrialização, houveuma inclusão simultânea, porém contraditória, das mulheres nas duasesferas, a pública e a privada. As mulheres precisam lidar com duassituações, uma que a iguala aos homens, na esfera da produção social edo mercado, e outra que expressa sua desigualdade na esfera domésticade reprodução.

Nesse sentido, à medida que as mulheres passam a transitar entre asesferas do trabalho doméstico familiar e do trabalho mercantil, maisforte serão as exigências de conciliação e uso do tempo por elas. A baixaparticipação doméstica dos homens faz com que esses tempos se sobre-ponham entre si e que as mulheres experimentem a contínua tensão deestruturar suas vidas, levando em conta as inúmeras tarefas que lhes sãoimpostas no cotidiano. Segundo Cristina Carrasco (2003, p. 38).

com a crescente participação feminina no mercado detrabalho e a resposta social e masculina nula a essamudança de cultura e comportamento das mulheres,elas assumirão a dupla jornada e o duplo trabalho,deslocando-se continuamente de um espaço a outro,superpondo e intensificando seus tempos de trabalho.Tempos que vêm determinados, por um lado, pelasexigências da produção mercantil e, por outro, pelasexigências naturais da vida humana.

Esta autora (2003) afirma que o trabalho de cuidado das pessoas noslares envolve uma carga subjetiva que está diretamente relacionada com

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a sustentabilidade da vida humana. Esse conjunto de tarefas, realizadas,sobremaneira pelas mulheres, tende a dar apoio e constituir um suportefundamental não somente para as pessoas dependentes por motivos deidade e saúde, mas também, para a grande maioria dos homens.

No caso das mulheres em situação de pobreza, esse deslocamentoentre as atividades do cuidado e a participação no mercado de trabalhotorna-se mais tensa, uma vez que estas dispõem de menos recursos mate-riais para solucionar, individualmente, o acúmulo de trabalho, por meioda compra de bens e serviços. Concomitante a isso, revela-se a fragilidadena cobertura dos serviços sociais básicos – públicos ou privados – desocialização do trabalho doméstico, a exemplo das creches. Nessa pers-pectiva, embora a cobertura de serviços básicos à população brasileiratenha aumentado nos últimos anos7, destacam-se as situações de vulnerabi-lidades sociais nas quais se encontram as mulheres pobres e negras.

Diante do exposto, reitera-se a máxima de que as desigualdades degênero e raça estão diretamente vinculadas à variável classe social. Ahistórica divisão sexual do trabalho em mercantil e/ou doméstico reve-la a internalização de uma lógica naturalizadora que identifica as mulhe-res aos papéis tradicionais de esposas e mães. Isso faz com que a sociali-zação das atividades de cuidados seja ainda um dos principais desafios aserem enfrentados, tanto pela sociedade como pelo Estado no trato darelação trabalho-gênero.

O Projeto de Inclusão Produtiva para Mulheresdo Programa Bolsa Família em Fortaleza

Segundo o último Censo do IBGE (2010), a cidade de Fortaleza, quintacidade mais populosa do país, conta com 2.452.185 habitantes, dos quais53,2% são mulheres. Olhar para a população feminina, sobretudo para asmulheres pobres e negras, com vistas à construção de políticas públicasespecíficas para esse público, é tarefa fundamental dos governos.

A Prefeitura de Fortaleza, através da Coordenadoria de Políticas Pú-blicas para as Mulheres, tem implementado políticas destinadas à garan-tia e ampliação dos direitos das mulheres em Fortaleza, a partir de várioseixos de atuação que contemplam o enfrentamento das desigualdadesde gênero e preconceitos sofridos pelas mulheres.

Nesse sentido, a Secretaria Municipal de Assistência Social de Forta-leza, em articulação com a Coordenadoria de Políticas Públicas para as

7 O aumento na cobertura dos serviços de saneamento básico demonstra que, em 2007, 98%dos domicílios urbanos do Brasil contava com serviços de coleta de lixo. O serviço que oferece me-nor cobertura populacional, apesar do crescimento de quase 13 pontos observados no período,é o de esgotamento sanitário, com percentual de 82,3% dos domicílios atendidos (BRASIL, 2008).

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Mulheres de Fortaleza, a partir de 2008, vem desenvolvendo o Projetode Inclusão Produtiva para as Mulheres do Programa Bolsa Família.

No cenário brasileiro, sabe-se que o Programa Bolsa Família tem obti-do, ao longo dos últimos anos, uma importância significativa. Do ponto devista social, tem provocado impactos na vida dos pobres, ao possibilitar oacesso a uma renda mínima mensal familiar, mediante a provisão das ne-cessidades imediatas de sobrevivência das famílias beneficiárias. Sob oângulo econômico, é notória a diminuição dos patamares de pobreza e aredução dos índices de desigualdade social. Todavia, sabe-se que essePrograma ainda comporta várias limitações, em decorrência da própriaestruturação do sistema de proteção social brasileiro.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combateà Fome, em novembro de 2011, havia 304.787 famílias cadastradas noCadastro Único para Programas Sociais de Fortaleza, sendo o total de199.333 beneficiárias pelo Programa Bolsa Família na cidade.

Apesar deste Programa não primar pelo conteúdo de gênero comodeterminador de seus objetivos, considera-se que este provoca uma gran-de influência nas relações de gênero, uma vez que as mulheres são asrepresentantes legais, ou seja, as principais destinatárias para receber obenefício em nome da família. A prerrogativa das mulheres serem asprincipais representantes legais para recebimento do benefício, tantopode fortalecer a autonomia financeira das mesmas, como reforçar olugar tradicional das mulheres na divisão sexual do trabalho doméstico.

Em Fortaleza, o Projeto de Inclusão Produtiva tem se destacado comoum dos programas complementares ao Programa Bolsa Família, dado oseu objetivo de apoiar a implementação de processos que proporcio-nem o aumento de renda e oportunidades de ocupação das mulheres emsituação de pobreza no município de Fortaleza. Tem como propósitoimpulsionar a construção da autonomia financeira e social, na perspec-tiva da igualdade das relações de gênero.

As mulheres atendidas por este Projeto estão inseridas no CadastroÚnico para Programas Sociais, sendo estas, portanto, beneficiárias doPrograma Bolsa Família. Residem nos territórios de atuação dos Centrosde Referências de Assistência Social (CRAS), áreas caracterizadas poríndices de pobreza em Fortaleza.

O Projeto de Inclusão Produtiva para as Mulheres do Programa Bol-sa Família está pautado em processos metodológicos que viabilizam aparticipação das mulheres como sujeitos políticos em todas as suas eta-pas. Isso significa que o Projeto tem o feminismo como referência teóri-ca e política de sua ação, ou seja, o estímulo ao protagonismo e à autode-terminação das mulheres na gestão das práticas do cotidiano, medianteum processo de conscientização das relações de desigualdades e da cons-trução de ações coletivas que visem à transformação de suas vidas.

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Além de ter o feminino como referência, este projeto norteia-se pelotema da economia solidária, o que faz com que se busque potencializar odesenvolvimento de atividades associativas e autogestionárias, organi-zadas pelas mulheres. Nessa perspectiva, o trabalho, baseado numa óti-ca solidária e no interesse coletivo, assume lugar central.

Não só as mulheres são frequentemente as principaisprotagonistas das práticas de economia solidária, mastambém essas experiências, desde que reconhecidaspor seu justo valor, oferecem uma oportunidade iné-dita para se avançar na luta contra as desigualdadesentre homens e mulheres (GUERÍN, 2003, p. 73).

Vale dizer que o Projeto de Inclusão Produtiva passou por váriasetapas: desde a identificação e mobilização das mulheres beneficiáriaspelo Programa Bolsa Família, nos territórios atendidos pelos CRAS; à for-mação no campo social, político, técnico, produtivo e de gestão, por meiode assessoria técnica continuada; até a organização produtiva, através daestruturação das unidades produtivas de bens e serviços e dos processosde comercialização. As unidades produtivas concentram-se nos ramosde confecção e alimentação. Além da equipe técnica da SEMAS, o Proje-to conta com o trabalho desenvolvido pelas mobilizadoras sociais nosseis territórios das Secretarias Executivas Regionais de Fortaleza.

A contribuição desse Projeto para a vida das mulheres tem se revela-do pelo fortalecimento da capacidade política, organizativa e econômi-ca destas, dado o enfrentamento das desigualdades de gênero, em parti-cular da divisão sexual do trabalho. Adentrar ativamente no mundopúblico, espaço historicamente destinado aos homens, bem como parti-cipar de um grupo produtivo, numa perspectiva coletiva, tem contribu-ído decisivamente para alterar as estruturas do cotidiano das mulheresinseridas no Projeto.

Compartilhando DesafiosA partir das reflexões descritas neste artigo, enumeram-se alguns

desafios a serem enfrentados. Um dos primeiros desafios, que já vemsendo desenvolvido pelas mulheres, a partir do apoio das ações do Esta-do e/ou da sociedade civil organizada, refere-se às experiências de eco-nomia solidária nas quais as mulheres estão inseridas. Ao se constituircomo uma forma alternativa ao mercantilismo tradicional, medianteprincípios respaldados na autogestão e na sustentabilidade social e hu-mana, a economia solidária tem se revelado como um espaço estratégi-co de organização e visibilidade do trabalho pago das mulheres.

Concomitante a isso, inclui-se o desafio de aproximação das ações deeconomia solidária com os princípios da economia feminista, o que im-

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plica processos de ruptura com a desigual divisão sexual do trabalho,além da conscientização dos direitos das mulheres e a necessidade deauto-organização das mesmas.

A economia feminista busca questionar o paradigma econômiconeoclássico, tornando visível a contribuição das mulheres na economia.O trabalho é visto de forma mais ampla, incluindo o mercado informal, otrabalho doméstico e a divisão sexual na família. A dimensão da repro-dução torna-se uma esfera fundamental para a existência humana (NO-BRE, 2002).

Por fim, é preciso debater a divisão sexual do trabalho domésticocomo uma questão política e de interesse da sociedade e do Estado,como forma de romper com a responsabilidade individual das mulheresna tensa conciliação do trabalho doméstico e do trabalho mercantil. Asatividades de reprodução social e humana, tão úteis ao capitalismo, pre-cisam ser socializadas, caso contrário, será difícil uma alteração na con-dição de vida das mulheres, sobretudo, das mulheres pobres, rumo àjustiça e a equidade de gênero.

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A POLÍTICA DEASSISTÊNCIA SOCIAL EM

MOVIMENTO, SEGUNDO AESTRATÉGIA TERRITORIAL

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A compreensão acerca da evolução do conceito de território, adota-da no planejamento nacional brasileiro no período compreendido entre2008-2011, é fundamental ao entendimento das dinâmicas e processosde territorialização, requeridos na efetivação das diversas políticas pú-blicas e, no caso em foco, da Política de Assistência Social.

A dimensão territorial do referido planejamento apresenta seus pri-meiros ensaios já no PPA 1996-1999 (Plano Plurianual Brasil em Ação).Expressa uma clara sinalização no PPA 2004-2007 e se explicita clara-mente no PPA 2008-2011, sem, entretanto, constituir-se como uma meracontinuidade em relação àquele primeiro período mencionado.

A existência de um número considerável de reflexões sobre as concep-ções de território e região, sob o ponto de vista de disciplinas diversascomo a ciência política, a economia ou a geografia, bem como o profícuodiálogo entre técnicos e pesquisadores com as diversas políticas públicase sociais, leva-nos à opção de tratar do assunto neste artigo de modoeminentemente panorâmico. A ideia é difundir o conhecimento de que anoção de território não está circunscrita a esta ou àquela política pública,sendo parte intrínseca do planejamento nacional. A presente discussãotem origem em pesquisa realizada entre 2006 e 2010, com o tema a Nacio-nalidade e a regionalidade no planejamento nacional, a qual nos propi-ciou a compreensão de distintas lógicas do planejamento no Brasil.

O território noplanejamentonacional brasileiro:Concepções eoperacionalizaçãoLiduina Farias Almeida da Costa1

1 Assistente Social. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professorados cursos de mestrado profissional em Planejamento e Políticas Públicas, do mestrado acadêmicoem Políticas Públicas e Sociedade e integrante do Grupo de Pesquisa Políticas Sociais, Trabalho eCidadania da Universidade Estadual do Ceará (Uece).

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Neste sentido, um dos primeiros aspectos relevantes a entender éque a adoção da perspectiva territorial do planejamento não é uma sin-gularidade brasileira, fazendo parte dos propósitos de vários países eu-ropeus. Ela adquire importância mundial no decorrer da segunda meta-de do século XX, sendo exemplar o caso francês, bastante discutido noperíodo preparatório à elaboração do PPA 2008-2012 (BRASIL, 2006 a).

Se tomarmos com referência as transformações societárias do séculopassado, especialmente aquelas configuradas no processo de mundializa-ção do capital, isto é, a dita globalização, pode-se considerar, do ponto devista teórico, que houve um retorno do conceito de território, como cha-mou a atenção o grande geógrafo brasileiro, Milton Santos (1996).

A dimensão territorial no planejamentonacional: antecedentes e evolução

Do ponto de vista do planejamento nacional no Brasil, a dimensãoterritorial evoluiu, tendo por base a noção de Eixos  Nacionais  deIntegração e Desenvolvimento, priorizados no Plano Brasil  em Ação,até adquirir uma dimensão concreta. Desde então, suas concepções pas-saram a permear todas as políticas públicas.

No período de vigência do Plano ora referido, mesmo que o focoprincipal do desenvolvimento fosse a competição territorial (guerra  fis-cal) entre as unidades federadas do Brasil, principalmente na região Nor-deste, o PPA 1996-1999 adota uma perspectiva de planejamento, ante-cedida por uma espécie de radiografia do país. O objetivo foi identificaras potencialidades e os obstáculos ao desenvolvimento, incluindo, evi-dentemente as diversas regiões do país.

Fonte: Extraído do PPA 2000-2003

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De cariz gerencial, em razão do Estado regulador e indutor no perío-do, o Plano Brasil em Ação priorizava grandes empreendimentos, consi-derados pelos seus idealizadores como estruturantes da área econômica(infraestrutura para o capital) e do desenvolvimento social. O Plano de-marcava, entretanto, uma prática de gestão que apontava para a integraçãoentre planejamento, orçamento e gestão (BRASIL, 2006 b; 1996).

Em 2003, com o início do governo Lula que tinha por lema Brasil,um país de  todos, há um claro investimento na concepção de planeja-mento territorial, desde os estudos preparatórios ao PPA 2004-2007 ese expressando, especialmente, na realização do Estudo de Atualizaçãodo Portfólio dos Eixos Nacionais de  Integração e Desenvolvimento, de2000-2007 para 2004-2011. Conforme se lê em Brasil (2006 b), de umaperspectiva anterior como apenas “corredor de transporte” – constanteno Plano Brasil em Ação –, esses eixos começam a adquirir vida, na medi-da em que eles passam a ser

referência geográfica para a integração das políticaspúblicas e uma categoria territorial de planejamento,onde oportunidades de investimentos públicos e/ouprivados foram identificadas, para um horizonteindicativo de oito anos, e destinadas a promover o de-senvolvimento sustentável. Nessa nova configuração,a área de influência de um Eixo passou a incorporaroutras variáveis, tais como o ecossistema, a polariza-ção entre os principais centros urbanos e os centroseconomicamente dinâmicos (BRASIL, 2006, p. 2).

Destaque-se ainda que, mesmo diante do processo de globalização,o PPA 2004-2007 – diferentemente dos sucessivos chamados ajustesdos governos anteriores ao ano de 2003, que tinham como marca o“curto prazo” –, priorizou como orientação principal uma estratégia dedesenvolvimento de longo prazo, com as seguintes premissas:

inclusão social e desconcentração de renda com vigo-roso crescimento do produto e do emprego; crescimen-to ambientalmente sustentável, redutor das disparida-des regionais, dinamizado pelo mercado de consumode massa, por investimentos, e por elevação da produ-tividade; redução da vulnerabilidade externa por meioda expansão das atividades competitivas que viabili-zam esse crescimento sustentado; e fortalecimento dacidadania e da democracia (BRASIL, 2003, p. 4).

Como a desafiar a dinâmica de inserção submissa do país ocorrida nosgovernos anteriores que só possibilitavam ações de curto prazo e a obedi-ência aos “ajustes” recomendados pelos países ricos, o planejamento nacio-nal apresentado para o período 2004-2007, além de ter sido considerado

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peça chave do governo, buscou um processo participativo. Ele propicioua escuta de quase duas mil entidades de trabalhadores e empresários, dacidade e do campo, das elites e dos movimentos populares, além de cien-tistas, ambientalistas, igrejas etc., de todas as unidades federadas do país.

A unidade de planejamento, orçamento e gestão seria o programa, efavoreceria o trabalho de forma cooperativa, cruzando fronteiras minis-teriais; formando equipes e redes com um fim comum.

A modalidade de coordenação adotada priorizava: os sistemas deinformação; a melhoria do sistema de indicadores; a capacitação perma-nente; mais o monitoramento e avaliação de programas e do próprioPlano. Como decorrência, foi previsto um modelo de valorização da ges-tão, com a adoção da proposta de “um gerente para cada programa” e,também a obrigatoriedade de encaminhamento de Relatório de Avalia-ção Anual ao Congresso Nacional, cujos resultados destinar-se-iam aoaperfeiçoamento de ambos.

Três mega-objetivos seriam perseguidos no período de vigência doPPA em referência, tais como: a Dimensão Social, com vistas à inclusãosocial e a redução das desigualdades sociais; as Dimensões econômica,ambiental e regional, que visariam a um crescimento gerador de empre-go e renda, ambientalmente sustentável e redutor das desigualdades regi-onais; e a Dimensão democrática, visando à promoção e expansão dacidadania e ao fortalecimento da democracia (BRASIL, 2003, p. 55-59).

Entre os problemas fundamentais, priorizou-se a concentração soci-al e espacial da renda e da riqueza. O papel do Estado seria o de condutordo desenvolvimento social e regional, combinado ao de indutor do cres-cimento econômico. Nesse sentido, a atividade de planejamento consis-tiria na coordenação e articulação dos interesses públicos e privados, nointuito de minorar as desigualdades.

Nesse contexto de um novo governo, embora de coalizão, foram pre-vistas ações, tais como: investimentos em infraestrutura (transporte, ener-gia, telecomunicações, recursos hídricos, saneamento e habitação); cres-cimento por meio da expansão do consumo de massa; política de empre-go e políticas sociais (incluindo a reforma agrária e o fomento à agriculturafamiliar), ao tempo em que priorizaria temas transversais como a ciênciae tecnologia; o meio ambiente; e emprego e gênero.

As principais metas eleitas no referido contexto eram voltadas paraquestões, como: Emprego, PIB e Exportação; Educação; Saúde (30.000equipes/Saúde da Família); Saneamento; Habitação; Assistência Social –Transferência de Renda; Reforma Agrária; Ciência e Tecnologia; Tecnologiada Informação e Inclusão Digital; Agricultura e Pecuária; Micro e Peque-nas Empresas; Meio Ambiente; Energia Elétrica; Petróleo e Gás; Trans-porte; e Recursos Hídricos.

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Em razão dos propósitos deste artigo e da sua perspectiva deinterlocução com a Política de Assistência Social, destaca-se a preocu-pação do PPA 2004-2007 com a Dimensão Social, anteriormente men-cionada, cujo foco era a inclusão social e a redução das desigualdadessociais. Assim sendo, seu primeiro objetivo seria combater a fome, vi-sando a sua erradicação e à promoção da segurança alimentar enutricional, garantindo a inserção social e a cidadania. O plano em dis-cussão pretendia também: ampliar a transferência de renda para as fa-mílias em situação de pobreza e aprimorar os seus mecanismos; promo-ver o acesso universal, com qualidade e equidade, à seguridade social(saúde, previdência e assistência); ampliar o nível e a qualidade daescolarização da população, com vistas na garantia do acesso universalà educação; promover o aumento da oferta e a redução dos preços debens e serviços de consumo popular; implementar o processo de refor-ma urbana, melhorando as condições de habitabilidade, acessibilidade ede mobilidade urbana, com ênfase na qualidade de vida e no meio ambi-ente; reduzir a vulnerabilidade das crianças e de adolescentes em rela-ção a todas as formas de violência, aprimorando os mecanismos deefetivação dos seus direitos; promover a redução das desigualdades ra-ciais; propiciar a redução das desigualdades de gênero; ampliar o acessoà informação e ao conhecimento por meio das novas tecnologias, favo-recendo a inclusão digital (BRASIL, 2003, p. 19-24).

Evidentemente, a metodologia de planejamento supramencionadavalorizaria todas as dimensões antes referidas. Entretanto, destaca-setambém, para fins deste texto, o grande objetivo da Dimensão Democrá-tica, cujo principal desafio era, naquele contexto de um novo governo, apromoção e a expansão da cidadania, mais o fortalecimento da demo-cracia. Tal desafio, por sua vez, desdobra-se em objetivos específicos:respeitar os direitos humanos, assegurando a diversidade sociocultural;primar pela integridade dos povos indígenas, respeitando a sua identi-dade cultural e organização econômica; valorizar a diversidade das ex-pressões culturais nacionais e regionais; garantir a segurança públicacom a implantação de políticas públicas descentralizadas e integradas;preservar a integridade e a soberania nacionais; promover os interessesnacionais e intensificar o compromisso do Brasil com uma cultura depaz, solidariedade e de direitos humanos no cenário internacional;implementar uma nova gestão pública: ética, transparente, participativa,descentralizada, com controle social e orientada para o cidadão; com-bater a corrupção; democratizar os meios de comunicação social, valo-rizando os meios alternativos e a pluralidade de expressão (Id., ibid.).

Ao priorizar as políticas públicas como um dos pilares do crescimen-to, o Plano elege um foco voltado para as ações determinantes de produ-tividade sistêmica e outro constando de ações voltadas para as regiões

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do país em geral. Isto sugere a compreensão de que, embora a pobrezaestivesse disseminada por todo o país e, desse modo, houvesse a necessi-dade de adoção de perspectivas territoriais multiescalares no planeja-mento, cada região brasileira, inclusive o Nordeste, guardava especifici-dades merecedoras de atenção especial2.

A adoção das concepções de território naspropostas de redução das desigualdades:o PPA 2008 – 2011

Ainda no início da década de 1990, mais precisamente em 1993, navigência do governo Itamar Franco, o retorno às discussões acadêmicasrelativas ao território é bastante saudado pelo eminente geógrafo MiltonSantos. Ele considerava se tratar de uma espécie de revanche ao processode transnacionalização do capital, exprimindo o conflito entre o global eo local, o que possibilitava o reconhecimento de novos recortes, como ashorizontalidades e as verticalidades, o espaço e o tempo.

Para esse autor, não seria o uso do território em si – noção herdada damodernidade –, mas sim o uso do território que teria passado a constituirobjeto de análise, carecendo, portanto, de constante revisão histórica. Eacrescenta: “o que ele tem de permanente é ser nosso quadro de vida”(SANTOS, 1996, p. 15). Anteriormente ao fundamento do Estado-nação,teríamos passado de um Estado territorial para um território transnacio-nalizado, de modo que haveria um acontecer simultâneo de lugares con-tíguos e lugares em rede, que, entretanto, possibilitaria a criação de novassolidariedades, mesmo diante das diferenças entre pessoas e lugares3.

De acordo com a tendência mundial, o território será consideradodeterminante no PPA 2008-2011, cujos formuladores entendem ser acomplexidade do espaço social uma dificuldade nas definições regionaisrígidas. Exige-se, por isso, doravante uma combinação de critérios varia-dos capazes de dialogar com as múltiplas espacialidades e territorialidadesnas políticas setoriais e nos recortes temáticos (BRASIL, 2006 b).

Após a realização de vários estudos teóricos, são problematizadas asformas clássicas de políticas regionais circunscritas a uma macrorregião-alvo, para justificar uma política nacional a ser operacionalizada, segun-do diferentes escalas territoriais. Os especialistas envolvidos no referido

2 A classificação a seguir é exemplar desses posicionamentos: G1: Microrregiões de ALTA RENDA –Regiões Sul e Sudeste e Centro Oeste; G2: Microrregiões DINÂMICAS – rarefeita no Sul e Sudeste emais frequentes no Centro-Oeste e Nordeste; G3: Microrregiões ESTAGNADAS – rendimento domiciliarmédio e baixo crescimento econômico - dispersas por todo território nacional; G4: Microrregiões deBAIXA RENDA – baixo rendimento domiciliar e baixo dinamismo, com predominância no Norte e Nor-deste. Combinam situações de pobreza e debilidade da base econômica regional (BRASIL/PNDR, 2006).2 Sobre a história do conceito de território, vide: SAQUET, Marcos Aurélio. Abordagens e concep-ções de território. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

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plano consideram, porém, importante o apoio no referencial teórico clás-sico (certo grau de homogeneidade geoeconômica e organização polari-zada), que, entretanto, necessitaria de redefinições, conforme se lê nodocumento, a seguir:

[...] os espaços regionais são cada vez mais fluídos erearticulam-se com agilidade segundo variáveis di-versas, nas quais as afinidades políticas e culturais (e,eventualmente, identitárias) jogam um papel tão oumais importante que a articulação econômica, vistoque esta tem crescentemente múltiplas dimensões edireções. Como diria Castells (1999), o espaço dos flu-xos tende cada vez mais a superar, em importância, oespaço dos lugares. Além disso, esses espaços dos fluxosdefinem espacialidades, no sentido que Coraggio(1980) deu ao termo, a partir do metabolismo econô-mico que organiza o espaço e se cristaliza no território.As espacialidades definidas a partir das articulaçõessocioeconômicas representam, assim, uma unidadedialética entre os fluxos e os lugares onde se originame/ou com os quais se articulam (BRASIL, 2006, p. 13).

Segundo Farias (2008), para os referidos planejadores, o sentidofinalista funcional do território nem sempre havia sido considerado noprocesso de regionalização, que, na maioria das vezes, teria seccionadoa espacialidade funcional.

Eles defendem, então, uma inovação nas propostas de regionalização,sem desconsiderar as forças sociais, políticas e institucionais, que, se-gundo eles, imporiam “razoável inércia com relação às fronteirasterritoriais”.

Neste caso as clássicas regiões brasileiras seriam consideradas comoestruturas socioespaciais ativas, nas quais o ambiente socioeconômicoe os traços histórico-culturais e sociogeográficos fossem decisivos parao sucesso ou o fracasso de qualquer desenvolvimento.

Após considerar as dificuldades a serem enfrentadas, em razão dahistórica complexidade do território nacional, os planejadores eviden-ciam a existência de uma territorialidade dos processos sociais, tambémdefinidores de articulações espaciais de difícil representação nos pro-cessos de regionalização. E exemplificam:

a territorialidade de populações tradicionais articula-das às suas bases de recursos naturais demanda seureconhecimento e tratamento adequado ao mesmotempo em que essas populações buscam sua integraçãoaos processos econômicos capitalistas dominantes,muitas vezes distantes do seu território; a territoriali-

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dade dos grupos sociais excluídos e/ou marginalizadosdo centro da economia capitalista demanda políticasespecíficas, não apenas no interior das áreas urbanas emetropolitanas, mas também nas suas extensões regio-nais, como na fronteira agrícola ou em áreas deprimi-das; a territorialidade de processos culturais e socio-econômicos particulares, marcados pela justaposiçãode atividades e grupos sociais distintos e muitas vezescompetitivos na apropriação dos recursos e do próprioterritório, também pode implicar heterogeneidades epolarizações várias no espaço social, dificultando deli-mitações regionais que informem políticas e ações deplanejamento, por sua vez também distintas (BRA-SIL, 2006 a, p. 11).

Tal constatação reforçaria o argumento acerca da necessidade decombinação de critérios variados, a dialogarem com as múltiplasespacialidades e territorialidades implícitas e/ou explícitas nas políticassetoriais e nos recortes temáticos. Isto se deve especialmente ao fato deque o crescimento econômico em si não conduziria à redução das desi-gualdades. Por reconhecerem as complexidades da análise territorial,consideram que os instrumentos de intervenção sobre uma realidadelocalizada territorialmente, podem estar em outra escala espacial, arenapolítica, nível de governo ou instância de poder. Ademais, a escala deveser vista como um recorte para a apreensão das determinações econdicionantes dos fenômenos sociais. Apontam, então, a necessidadede construção de estratégias multiescalares, visto que cada problemateria sua escala espacial específica (Id. Ibid.).

Algumas consideraçõesEm razão da perspectiva de avaliação dos planejamentos territoriais

em nível muito geral e quase sempre quantitativa, vê-se como algo fun-damental que se busque construir propostas metodológicas para a ava-liação dos efeitos da territorialização, respeitando-se as diversidadeslocais. Entre as análises produzidas em torno do planejamento de baseterritorial, destaca-se a de Cargnin (2007) que, ao analisar o caso do RioGrande do Sul, oferece importantes indicadores, como: 1) a multiescalari-dade como um dos temas que mais evoluiu, contribuindo para a integra-ção do planejamento setorial, graças à adoção de regiões de referência;2) a regionalização dos planos, enquanto contribuição para o foco dasações públicas, ao obrigar os órgãos públicos a pensarem o território emsua diversidade; 3) os efeitos da incorporação da dimensão territorial natransparência da administração pública, o que mostraria a ação do Estadoem cada Região; 4) o estímulo à multissetorialidade, ou seja, a integração

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de esforços, tendo como centro o território; 5) a articulação com a baseestratégica dos governos.

Para além de qualquer modismo, o planejamento de base territorial,ao enxergar no retorno do território uma revanche em relação ao pro-cesso de transnacionalização, como bem interpretou Milton Santos,sinaliza para inúmeras possibilidades. Uma delas é, sem dúvida, a parti-cipação democrática – esteio da ampliação da esfera pública e compo-nente essencial das políticas sociais, dentre elas a de Assistência Social,tão necessária à mudança da face da pobreza no país.

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O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) propõe regulamentar eorganizar as ações socioassistenciais em todo o território brasileiro a partirde oito eixos estruturantes: “Matricialidade sociofamiliar; Descentralizaçãopolítico-administrativa e territorialização; Novas bases para a relação entreEstado e sociedade civil; Financiamento; Controle social; O desafio da partici-pação popular/cidadão usuário; a Política de recursos humanos e a infor-mação, o monitoramento e a avaliação.” (BRASIL, MDS, PNAS, 2004).

Esses eixos são necessários à execução da Política de AssistênciaSocial, garantindo efetividade, normatividade, qualidade no atendimen-to e organicidade à Política de Assistência Social.

Neste estudo, vamos nos deter no debate dos elementos de planeja-mento e gestão de dois eixos: a territorialização e o monitoramento e aavaliação. Analisaremos a importância de se planejar os programas, pro-jetos e serviços, a partir da realidade territorial e dos registros e resultadosdos atendimentos dos serviços socioassistenciais.

A trajetória da Assistência Social no Brasil revela os limites e possibili-dades históricas da efetivação dos direitos sociais em nosso país, marca-dos pelo capitalismo moderno que produz e reproduz as desigualdadessociais. Esta área tem sido um instrumento do Estado para o enfrenta-mento da questão social.

Para compreender o papel desempenhado pelo Estado, é preciso situá-lo historicamente como parte integrante do processo de organização do

Territorialização,monitoramento eavaliação da Políticade Assistência Social:Uma experiência em debateEliane Nunes de Carvalho1

Rafaela Sampaio de Oliveira2

1 Assistente Social. Mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC).Coordenadora da Gestão do Sistema Único de Assistência Social da Semas. Professora da FaculdadeCearense (FAC).2 Assistente Social. Especialista em Serviço Social pela Universidade de Brasília (UnB). AssistenteSocial da Coordenação da Gestão do Sistema Único de Assistência Social da Secretaria Municipal deAssistência Social (Semas).

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capitalismo, expressando as contradições e os antagonismos a ele ineren-tes. Portanto, o Estado é uma estrutura social, política e econômica, funda-mentada na contradição entre o público e o privado e entre o interessegeral e particular.

Portanto, as relações sociais expressam perspectivas políticas e pro-jetos sociais diferenciados que disputam espaços de legitimação. Destaforma, o posicionamento político de quem ou do grupo que está no poderrepercute no planejamento e gestão das políticas sociais, limitando ouampliando o acesso a cidadania e aos bens sociais.

A política social como processo é reveladora da interaçãode um conjunto muito rico de determinações econômi-cas, políticas e culturais e seu debate encerra fortestensões entre visões sociais de mundo diferentes(BEHRING, 2009, p. 303).

A compreensão das determinações da política social se faz necessáriapara ampliarmos o debate sobre o processo de avaliação das políticaspúblicas no âmbito social, pois o processo de avaliação requer umposicionamento quanto aos resultados e deve partir dos objetivos e me-tas que se deseja alcançar.

[...] a tarefa essencial daqueles que realizam avalia-ções sociais consiste em aumentar a eficiência e a efi-cácia, isto é, alcançar os objetivos procurados com umautilização ótima dos recursos disponíveis. Por isso, podeentrar em conflito com os administradores sociais,basicamente orientados a aumentar os recursos queestão sob seu controle. Deste modo, é evidente que umaavaliação negativa de um projeto provocará um con-flito entre quem o administra e a pessoa que realizou aavaliação (COHEN, 2008, p. 69).

Todavia, não se pode deixar de avaliar e monitorar. Toda adminis-tração necessita de dados e análises ex-ante, que percebam a realidade eas demandas, e de avaliações de processo e a posteriori sobre o que foiplanejado e implementado, relacionando a gastos e recursos mais ga-nhos sociais e políticos.

O monitoramento e a avaliação da Política deAssistência Social: a experiência de Fortaleza

Como destacamos anteriormente, o investimento no monitoramentoe na avaliação depende do interesse político e do projeto de sociedade,defendido pelos gestores das políticas sociais. Desta forma, em Fortaleza,o desafio de implementar a Política de Assistência Social foi assumidocom o objetivo de garantir uma política pública de direito.

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Nos primeiros anos da Secretaria Municipal de Assistência Social(SEMAS), foram necessários investimentos na implantação e no desen-volvimento da Proteções Sociais Básica e Especial. No entanto, para ga-rantir a qualificação dos serviços, foi preciso organizar uma instância degestão do SUAS, que, a partir dos eixos estruturantes da política, passoua desenvolver ações de monitoramento e avaliação.

O monitoramento e a avaliação são ações estratégicas de gestão parapropiciar a qualidade dos programas, projetos e serviços, através da cole-ta e sistematização de dados e informações que deverão subsidiar as deci-sões dos gestores. Tanto a avaliação como o monitoramento poderãofornecer elementos que gerem mudanças ou ajustes necessários aos plane-jamentos e execuções dos serviços, visando à qualificação dos resultados.

O monitoramento é o acompanhamento sistemático do desenvolvi-mento dos programas, projetos, ações e serviços, atrelado à análise documprimento dos objetivos e metas, mensurados através de indicado-res que apresentam informações sobre o desempenho do que foi plane-jado e executado.

Sobre o que vem a ser um indicador, diz Vaitsman (2009, p. 161):

um indicador consiste em um valor usado para medire acompanhar a evolução de algum fenômeno ou osresultados de processos sociais. O aumento ou a dimi-nuição desse valor permite verificar as mudanças nacondição desse fenômeno. A matéria-prima dos indi-cadores de programas sociais são os dados que expres-sam características relevantes de fenômenos que sequer acompanhar, como renda, a escolaridade e a fre-quência à escola. A construção de indicadores requer aorganização de bases de dados contendo as informa-ções consideradas relevantes para medir mudançasao longo do tempo.

Com essa perspectiva, foi criada uma supervisão de gestão da infor-mação, monitoramento e avaliação, que tem como objetivos: 1) contri-buir para o aprimoramento da Política de Assistência Social no município,através da gestão da informação, monitoramento e avaliação dos seusprogramas, projetos e serviços; e 2) desenvolver o processo de terri-torialização da Política de Assistência Social no município de Fortaleza.

Atualmente, essa supervisão tem as seguintes competências: a) geren-ciar e acompanhar a operacionalização do sistema de informação, moni-toramento e avaliação da Política Municipal de Assistência Social; b)acompanhar a implementação do Plano Municipal de Assistência Social;c) acompanhar e analisar os dados e informações para compor o Relató-rio de Gestão; d) prestar apoio técnico para o desenvolvimento dos pro-gramas, projetos e serviços que compõem a Rede Socioassistencial Direta

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e Conveniada; e) implementar o processo de territorialização e geopro-cessamento da Política de Assistência Social; f) sistematizar o mapeamentodas situações de vulnerabilidade e riscos, bem como, as potencialidadespresentes nos territórios; g) realizar estudos e diagnósticos sociais; h) as-sim como acompanhar as pesquisas externas realizadas no âmbito da Po-lítica Municipal de Assistência Social.

A equipe da supervisão de gestão da informação, monitoramento eavaliação deve, ainda, acompanhar a gestão, alimentação, monitoramen-to e avaliação dos bancos de dados do Sistema Único de Assistência Social(SUAS) e da Política Municipal de Assistência Social. É seu papel tambémconstruir um acervo de informações produzidas no âmbito da questãosocial, visando a registrar e preservar a memória da Política Municipal deAssistência Social.

Ressaltamos que, nos últimos cinco anos, a Política de AssistênciaSocial no município de Fortaleza apresentou uma trajetória de conquis-tas decorrentes de um bom planejamento, fundamentado nas informa-ções produzidas pelas ações de monitoramento e avaliação.

Em 2007, foi implantada a Política de Monitoramento e Avaliação daAssistência Social no município de Fortaleza, na perspectiva do acompa-nhamento sistemático e da promoção da qualidade dos serviços presta-dos, bem como do monitoramento das atividades desenvolvidas pelasentidades socioassistenciais conveniadas. Neste período, vale destacar acriação do Grupo de Trabalho (GT) de Monitoramento e Avaliação, querealizou oficinas regionais de monitoramento e avaliação, que tiveramcomo resultados a elaboração dos Planos de Monitoramento e Avaliaçãopor programa, projeto e/ou serviço.

A partir desses planos foram traçados os perfis dos usuários dos CRASdo município de Fortaleza e foi feita a avaliação dos impactos das ações doPrograma de Atenção Integral à Família (PAIF) e avaliações processuaisde todos as ações da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas).

Vale salientar que a avaliação é um estudo da relevância, da eficiên-cia, da efetividade, dos resultados e dos impactos dos programas, proje-tos e serviços, podendo compreender apenas aspectos destes ou suatotalidade. A avaliação pode acontecer sob dois eixos: avaliação de pro-cessos e avaliação de resultados:

····· Avaliação de processos – é a avaliação do ciclo ou dos momentosde desenvolvimento dos programas, projetos, ações e serviços, desdeseu planejamento até sua execução final.

····· Avaliação de resultados – os resultados podem ser avaliados sobtrês aspectos: desempenho, impactos e efeitos. O Desempenho refere-seaos produtos previstos pelas metas definidas; Impactos correspondemàs mudanças na realidade ou na vida dos usuários a quem se destinam as

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políticas sociais; Efeitos são outros resultados, previstos ou não, queafetam a realidade social e/ou institucional.

Como resultado dessas avaliações, foi apontada a necessidade depadronização dos instrumentais de registro de dados utilizados nos equi-pamentos sociais. Desta forma, foram criados grupos de trabalho paraelaboração dos instrumentais no âmbito da Proteção Social Básica e daProteção Social Especial.

Em 2008, foram estabelecidas novas estratégias para o monitora-mento e avaliação da rede conveniada. Desta forma, foi criado um Bancode Dados da Rede Socioassistencial Conveniada, visando ao acompa-nhamento e à publicização das ações desenvolvidas.

A equipe de monitoramento e avaliação também se dedicou a acom-panhar o desenvolvimento de pesquisas no âmbito da Política de Assis-tência Social, a realizar capacitações sobre monitoramento e avaliação ea promover espaços de discussão e reflexão da Política Pública de Assis-tência Social no município de Fortaleza. Os encontros do Observatóriode Políticas Sociais constituem um dos exemplos mais significativos.

O ano de 2010 foi marcado por duas grandes ações. A primeira foi aConstrução do Plano Municipal de Assistência Social, referente ao perío-do de 2010 a 2013, que contou com uma metodologia participativa queenvolvia trabalhadores, usuários, conselheiros e gestores da AssistênciaSocial no município. Em seguida, pode-se citar a Pesquisa Benefício daPrestação Continuada - BPC na Escola, que identificou as Barreiras de Aces-so e Permanência na Escola das Pessoas com Deficiência Beneficiárias doBPC, para um universo de 4.254 beneficiários que habitam a metrópole deFortaleza e teve como resultado preliminar uma maior identificação terri-torial das demandas do público-alvo, o que tem subsidiado ações voltadaspara as crianças/adolescentes com deficiência, beneficiárias do BPC nosprogramas, projetos e serviços da Assistência Social.

Com o desenvolvimento da Política de Assistência Social, as ações demonitoramento e avaliação foram incorporando a qualidade técnica querepercutiram na necessidade de organização metodológica e avanços tec-nológicos que foram incorporados pela gestão da política no município.

Para o desenvolvimento técnico da gestão da informação foi criado,junto à Coordenadoria de Tecnologia da Informação do Gabinete da PrefeitaLuizianne Lins, um sistema de informação alimentado com os dados da basedo Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) e com os dados dosatendimentos realizados pelos serviços. O objetivo era gerar dados analí-ticos que auxiliassem o planejamento das ações das políticas sociais.

A partir das ações desenvolvidas, é importante registrarmos algunsavanços como: o nivelamento dos padrões de qualidade a serem obser-vados no processo de monitoramento e avaliação de cada modalidade

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de atendimento na Política de Assistência Social; a melhoria progressivana qualidade do atendimento prestado pelas entidades e pela rede deexecução direta da SEMAS; maior fidedignidade dos dados coletadosacerca dos programas, projetos e serviços executados pela SEMAS, emvirtude da padronização dos instrumentais; a otimização na administra-ção dos recursos materiais e financeiros, propondo-se estratégias deintervenção articuladas e em consonância com a realidade local.

Também vale destacar o fortalecimento da transparência, do con-trole social, do monitoramento e da avaliação dos programas, projetos eserviços desenvolvidos em âmbito municipal, mais a ampliação do pro-cesso participativo e descentralizado, com a participação de usuários econselheiros. Some-se ainda o engajamento dos trabalhadores e gestoresnos processos de avaliação e de elaboração de propostas para a qualifi-cação da Política de Assistência Social no município.

É importante, pois, reforçar que o monitoramento e avaliação sãoimprescindíveis para uma boa gestão e devem ser realizados de formaregular, devendo fazer parte do cotidiano institucional.

Territorialização: um instrumento de gestãoNo tocante ao eixo territorialização, ressaltamos a perspectiva territo-

rial como importante instrumento de gestão, fornecendo os subsídiospara o planejamento, a execução, o monitoramento e a avaliação daPolítica de Assistência Social. A perspectiva territorial fornece, assim, asbases para a materialização das proteções sociais e seguranças afiançadas,da intersetorialidade e da descentralização de programas, projetos, bene-fícios e serviços para as microrregiões, possibilitando o conhecimentodos múltiplos territórios e de seus atores, a descentralização e a materia-lização da intersetorialidade entre as políticas públicas (BRASIL, 2004).

A territorialização possibilita também identificar os serviços da RedeSocioassistencial, bem como, os usuários dos programas Bolsa Família,Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Benefício da Pres-tação Continuada (BPC), dentre outros e obter produtos substantivospara a intervenção social. Consiste no conhecimento e mapeamento dosterritórios, de suas vulnerabilidades e dos atores que os constroem ereconstroem, através das relações sociais estabelecidas, respeitando suassubjetividades, necessidades e potencialidades.

Territorialização da Política deAssistência Social em Fortaleza

Nesse contexto, a SEMAS foi investindo na construção da Política deAssistência Social em Fortaleza, em consonância com as diretrizes, princí-

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pios e objetivos da PNAS (2004), adotando a perspectiva territorial comoprioridade desde a sua criação, em 2007.

No ano de 2008, a SEMAS estruturou a Equipe de Territorialização eGeoprocessamento, que, dentre os seus produtos, elaborou estudos emapeamentos da Assistência Social em Fortaleza, bem como acompa-nhou o Grupo de Trabalho sobre Territorialização3, composto por repre-sentantes dos Distritos de Assistência Social (DAS), Centros de Referên-cia de Assistência Social (CRAS) e coordenações da SEMAS.

Do período de 2008 a 2009, a equipe contou com uma consultoria deprofissionais da prefeitura de Belo Horizonte, desenvolvida em três fases,com o objetivo de desenvolver metodologias para implantação e organi-zação dos serviços socioassistenciais em Fortaleza, na perspectiva depotencialização do trabalho preventivo e em redes nos territórios. O focoera a Proteção Social Básica, o que resultou na construção, pela equipe daCoordenação de Gestão do Sistema Único de Assistência Social (GSUAS),de uma proposta teórico-metodológica de territorialização da ProteçãoSocial Básica no município.

Durante os anos de 2010 e 2011, podemos destacar as seguintes ativi-dades: 1) realização do processo de territorialização dos CRAS localizadosna Secretaria Executiva Regional - SER V; 2) construção de estudossocioterritoriais para subsidiar a expansão dos coletivos do ProjovemAdolescente; 3) elaboração de propostas junto à Secretaria de Esporte eLazer de Fortaleza, Gabinete da SEMAS e representantes das SecretariasExecutivas Regionais II, III, V e VI, para concorrência pública às obrasfederais intituladas “Praças do PAC”, com confecção de mapas, disponibi-lização de estudos socioterritoriais e dados gerais do município, bem comoa geração de curvas de nível, construção de plantas impressas das Secre-tarias Regionais de Fortaleza, com a localização dos equipamentos socio-assistenciais; 4) elaboração de mapas, arruamentos, colaboração nos pro-cessos de logística e organização operacional, bem como localização dedomicílios através do auxílio de instrumentos de busca, como GoogleMaps, site dos Correios etc., para subsidiar o processo de construção dapesquisa BPC na Escola; e 5) realização das oficinas de sensibilização sobreterritorialização e geoprocessamento da Política de Assistência Social.

Em 2012, a equipe, juntamente com a Assessoria Institucional daSEMAS e a Coordenação da Proteção Social Básica, vem construindo osdiagnósticos socioterritoriais dos CRAS de Fortaleza, elementos funda-mentais para a materialização da gestão territorial dos CRAS nos seusterritórios de abrangência. Está também concluindo a primeira fase do

3 O GT de Territorialização apontou como estão organizados os serviços de Assistência Social no municí-pio, os bairros atendidos, aqueles sem cobertura e os cobertos por mais de um CRAS, assim como, a dificul-dade encontrada pelos técnicos e gestores de definição do território de abrangência dos CRAS de Fortaleza.

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processo de reorganização territorial dos serviços socioassistenciais deProteção Social Básica no Município.

Considerações FinaisAs análises e informações aqui apresentas demonstram que o desenvol-

vimento de uma política deve estar comprometido com o desenvolvimen-to social e a qualidade da oferta dos programas, projetos e serviços, focadana atenção à demanda do usuário e na garantia do acesso aos seus direitos.

Para implantar uma política pública que seja efetiva, é preciso respon-der às necessidades expressas na realidade, respeitando as característicasterritoriais. Nesse sentido, cabe considerar os valores culturais, econômi-cos, artísticos, políticos, religiosos etc., bem como as diferenciações soci-ais e as lutas pela ampliação da cidadania. É fundamental ainda garantirrecursos públicos para a manutenção contínua das ações.

Nessa perspectiva, em 2012, a implementação da Vigilância Socialconfigura-se como o grande desafio no âmbito da gestão da política deAssistência Social. Ela foi incorporada aos objetivos da Lei Orgânica deAssistência Social (LOAS), com a alteração da Lei 8.742/1993, pela Lei12.435/2011, sendo definida como atividade de identificação de riscos evulnerabilidades nos territórios. De acordo com a Política Nacional deAssistência Social, seu papel consiste em

buscar conhecer o cotidiano da vida das famílias, apartir das condições concretas do lugar onde elas vi-vem e não só as médias estatísticas ou números ge-rais, responsabilizando-se pela identificação dos ‘ter-ritórios de incidência’ de riscos no âmbito da cidade,do estado, do país, para que a Assistência Social de-senvolva política de prevenção e monitoramento deriscos (BRASIL, 2004).

Diante do exposto, uma boa gestão necessita investir no planeja-mento, na avaliação e no monitoramento de todo o processo administra-tivo e operacional, recorrendo a estudos e análises para subsidiar o pro-cesso decisório.

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Documento Disponível na InternetGlossário Cartográfico da Universidade do Texas em Austin. http:/

/www.lib.utexas.edu/maps/glossary.html, acessado no dia 26/08/2009às 11 horas e 10 minutos, horário de Brasília.

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Este artigo tem por finalidade apresentar a experiência da gestão inte-grada do Programa Bolsa Família sob a Administração Municipal Fortale-za Bela, a partir da experiência conjunta das Secretarias Municipais deAssistência Social (SEMAS), Educação (SME) e Saúde (SMS)4. São apre-sentadas as estratégias de acompanhamento intersetorial às famílias doreferido programa e as ações complementares que acompanham a polí-tica de transferência de renda, proposta pelo Bolsa Família.

Para fins de ilustração, serão utilizados dados quantitativos referentesao total de famílias beneficiárias, acompanhadas pelos Centros de Refe-rência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializadosde Assistência Social (CREAS), bem como aquelas inseridas em ações degeração de emprego e renda.

O Programa Bolsa Família foi criado pela Lei nº 10.836, de 09 dejaneiro de 2004, e regulamento pelo Decreto nº 5.209, de 17 de setem-bro desse mesmo ano. Foi a marca do Governo Lula e se consolidoucomo o principal programa de transferência de renda do Ministério doDesenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), gestor federal. Em2011, chegou às cifras de mais de 13 milhões de famílias5 em situação de

O Bolsa Famíliaem Fortaleza:Caminhos para otrabalho intersetorialLarissa de Almeida Morais1

Priscilla de Oliveira Borges Fontenele2

André de Menezes Gonçalves3

1 Assistente Social. Supervisora do Programa Bolsa Família de Fortaleza.2 Assistente Social. Servidora e Coordenadora-Adjunta do Cadastro Único e do Programa BolsaFamília da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas).3 Assistente Social. Mestrando em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadualdo Ceará (Uece). Coordenador Municipal do Cadastro Único e do Programa Bolsa Família.4 Composta por representantes da Saúde, Educação e Assistência Social, a Comissão Integrada doCadastro Único e Programa Bolsa Família constitui-se importante fórum de discussão e pactuação acercadas ações intersetoriais que perpassam o atendimento e o acompanhamento ao público beneficiário.5 Os benefícios assistenciais e previdenciários foram pagos em 2011, em todo o Brasil, R$ 13,35milhões às famílias brasileiras, representando um total de mais de R$ 1,6 bilhão. O Nordeste con-centrou mais de 50% do total de benefícios distribuídos nacionalmente e, entre os cinco estadosque possuem mais de um milhão de benefícios, está o Ceará, atrás da Bahia, São Paulo, Minas Geraise Pernambuco (fonte: www.mds.gov.br).

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pobreza e extrema pobreza, recebendo benefícios que variam de R$ 32,00a R$ 306,006.

Para alcançar seus objetivos, o Bolsa Família aborda três dimensões,entendidas como cruciais ao enfrentamento da fome e da pobreza: 1) com-bater a pobreza, o ciclo geracional da miséria, a fome e a insegurançaalimentar e nutricional; 2) promover o acesso à rede de serviços públi-cos básicos nas áreas da Assistência Social, Educação e Saúde; e 3) possi-bilitar o acesso das famílias a programas e ações que visam a sua autono-mia financeira e social, apoiando o desenvolvimento de capacidades dasfamílias por meio da articulação com programas complementares decapacitação, de geração de emprego e renda, de alfabetização, entreoutros (BRASIL, 2004, p. 02).

A análise proposta por este artigo se aplica à execução do ProgramaBolsa Família na cidade de Fortaleza, cuja coordenação local das açõesrealizadas é feita pela Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS)– órgão gestor da Política de Assistência Social no município, criado em13 de julho de 2007. Na folha de pagamento do programa de dezembrode 2011, disponibilizada pela Caixa Econômica Federal, o município con-tava com 199.333 famílias beneficiárias. Pode-se afirmar, assim, que oalcance social do programa cresceu muito nos últimos oito anos, tantoem termos numéricos quanto qualitativos.

Além do trabalho conjunto das três secretarias, já citadas, no proces-so de mobilização, atendimento e acompanhamento socioassistencial dasfamílias beneficiadas, outro motivo que levou ao considerável aumentodos benefícios de transferência de renda foi a ampliação da rede de atendi-mento do Cadastro Único desde o ano de 2006. Nesse ano, apenas 06locais estavam disponibilizados ao atendimento da população, vincula-dos aos Distritos de Assistência Social das Secretarias Executivas Regio-nais (SERs). Em 2005 eram 175.053 famílias inseridas na base de dados doCadastro Único, chegando, seis anos depois, a 311.189 famílias. Isso tam-bém se refletiu com expressivo aumento de famílias do Programa BolsaFamília, passando, no ano de 2005, de 95.518 famílias beneficiadas a199.333, como dito anteriormente. Isso significou mais desafios para aGestão Fortaleza Bela. Pois, à medida que o número de beneficiáriosaumenta, crescem a demanda pelos serviços públicos básicos e a neces-sidade de acompanhamento sociofamiliar dos usuários envolvidos.

6 A partir do recorte de renda per capita, são consideradas famílias pobres aquelas que auferem ren-da domiciliar entre R$ 70,01 a R$ 140,00; já as extremamente pobres são aquelas em que o cômputo darenda familiar varia de R$ 0,00 a R$ 70,00. Em termos de concessão de benefícios, a importância dessadiferenciação e caracterização é que elas definem, de forma automática, que as famílias extremamentepobres recebem o Benefício Básico (hoje no valor de R$ 68,00). Ainda, a partir do Decreto nº 6.135/2007,de 26 de junho de 2007, compreende-se família como a unidade nuclear composta por um ou maisindivíduos, eventualmente ampliada por outros que contribuam para o rendimento ou tenham suasdespesas atendidas por aquela unidade familiar, todos moradores em um mesmo domicílio.

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Com execução e gestão descentralizadas, o Bolsa Família conta coma participação da União, dos estados e dos municípios, cada um comsuas responsabilidades e competências. O esforço comum dos entes en-volvidos na execução do Bolsa Família é fundamental para seu sucesso,principalmente no âmbito das condicionalidades do programa7.

O acompanhamento das condicionalidades do Bolsa Família, longede ter caráter punitivo das famílias, objetiva garantir o acesso aos direi-tos básicos de Saúde, Educação e Assistência Social. Quando uma famíliadescumpre uma dessas condicionalidades, há repercussão no benefíciofinanceiro recebido pela mesma, podendo evoluir de uma advertênciaformal ao cancelamento do benefício. É necessário, portanto, compre-ender e intervir na dimensão social que levou ao descumprimento, com-preendendo os fenômenos sociais que levaram a essa situação. Diantedisso, a Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS), compreen-deu a lógica do acompanhamento familiar como um processo que exigeintervenções continuadas, planejadas e com objetivos estabelecidos. Aperspectiva é possibilitar à família um espaço de reflexão sobre sua rea-lidade, a fim de transformá-la por meio de novos projetos de vida, e apartir de suas potencialidades familiares e comunitárias.

A SEMAS, através das Coordenações das Proteções Sociais Básica(PSB) e Especial (PSE), em articulação com a Coordenação do CadastroÚnico e Programa Bolsa Família, estabeleceu fluxos de atendimento eacompanhamento às famílias em descumprimento de condicionalidades.Pactuou ainda os fluxos e competências com as Secretarias Municipaisde Educação e de Saúde relativas ao tema. Estes procedimentos foramrelacionados aos motivos mencionados na Instrução Operacional nº 36SENARC/MDS, relativos às rotinas de atendimento do CadÚnico e deatendimento e acompanhamento familiar no âmbito dos CRAS e CREAS.

Uma vez identificadas as famílias submetidas a situações de vulnera-bilidade e risco social e aquelas em situação de descumprimento de condi-cionalidades, ambas devem ser atendidas pelos CRAS. Desse modo, po-dem ser incentivadas a participar do Serviço de Proteção e AtendimentoIntegral à Família (PAIF) e de serviços de convívio, socioeducativo e defortalecimento de vínculos, a fim de afiançar as seguranças de convívio

7 Compete à Assistência Social a coordenação municipal do Cadastro Único e da gestão do ProgramaBolsa Família, bem como o dos programas complementares. Já a Secretaria de Educação é responsávelpelo acompanhamento semestral de todos os alunos de idade de 6 a 17 anos das redes públicas (mu-nicipal, estadual e federal) e privada em termos de freqüência escolar, bem como garantir o acesso dosmesmos aos serviços educacionais. Crianças e adolescentes entre 06 e 15 anos devem, mensalmente,ter frequência escolar mínima de 85% da carga horária mensal. Jovens entre 16 e 17 anos são compeli-dos a apresentar frequência mínima de 75%. Compete à Saúde o acompanhamento das mulheres de14 a 45 anos, em especial as que estão na situação de grávidas (acompanhamento do pré-natal) oulactantes, bem como do cumprimento da agenda do calendário vacinal de crianças de 0 a 6 anos deidade, devendo ser garantido o calendário de vacinação, mais o registro do crescimento e desenvolvi-mento das crianças.

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familiar e comunitário, e de desenvolvimento da autonomia. Caso houves-se famílias e membros em situação de ameaça ou violação de direitos,aqueles eram encaminhados aos CREAS e incentivados a participar doServiço de Proteção e Atendimento Especializado à Família (PAEF). Oobjetivo era fortalecer a função protetiva e romper com os padrões devioladores de direitos, criando novos sentidos e significados nas relaçõesfamiliares e comunitárias, contribuindo para a reparação e prevenção deviolação de direitos.

Os encontros socioeducativos com as famílias dentro desse perfiltêm sido avaliados pelos profissionais como um espaço que proporcio-na a aproximação da população beneficiária aos CRAS e CREAS, bemcomo, a sua participação, possibilitando o esclarecimento de dúvidas, oconhecimento dos serviços, dos programas, benefícios e ações comple-mentares. Quanto às questões relativas ao acesso dos serviços básicosde Educação e Saúde, as demandas são tratadas e encaminhadas no âm-bito dos territórios em que estão inseridos os Centros de Saúde da Famí-lia, escolas e unidades sociais.

Em meio ao processo de implementação do acompanhamento dasfamílias do Bolsa Família, tivemos um novo e grande aliado, o Sistema deCondicionalidades (SICON) - Módulo Acompanhamento Familiar, cria-do em dezembro/2009. Este sistema teve, de fato, sua efetivação nomunicípio de Fortaleza, a partir de fevereiro de 2010. Trata-se de umaferramenta acessada via internet, que veio apoiar o acompanhamentosocioassistencial das famílias beneficiárias do Bolsa Família. Tem comocontribuição principal a integração de informações relativas ao acom-panhamento de condicionalidades nas áreas da Assistência Social, Edu-cação e Saúde, propiciando uma “interoperabilidade”.

Em Fortaleza, portanto, o SICON veio fortalecer: a) o aspecto da interse-torialidade do programa (todos os técnicos das unidades da AssistênciaSocial, representantes da educação e saúde tiveram acesso a ele para ali-mentar o sistema ou consultar dados das famílias); b) o trabalho desenvol-vido pelos CRAS-CREAS (sistematizando a relação de referência e con-trarreferência, registrada no histórico de acompanhamento da família); ec) a gestão, o monitoramento e avaliação do acompanhamento. Otimizouainda o atendimento às famílias (informações puderam ser inseridas online e consequentemente consultadas), entre outros aspectos.

Entretanto, temos o desafio de não tornar o processo de acompa-nhamento às famílias mecanizado (não podemos resumir sua utilizaçãoapenas à suspensão dos bloqueios ou cancelamentos), como também,temos o compromisso ético-profissional de resguardar informações sigi-losas prestadas pelas famílias atendidas.

A estratégia da busca ativa e inserção no acompanhamento familiartem fomentado nas equipes maior incentivo e segurança, dando-lhes

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respaldo para ir ao encontro dos beneficiários. Graças ao SICON, os pro-fissionais têm aprofundado o conhecimento de suas condições objetivasde vida, suas relações familiares e vivências comunitárias, propiciandouma maior aproximação da realidade vivida por eles. Conseguem, as-sim, construir alternativas de enfrentamento às condições de risco evulnerabilidade, às quais estas famílias estão submetidas.

Concomitantemente às ações de acompanhamento familiar e consi-derando a terceira dimensão apontada pelo Bolsa Família, no tocante aoapoio ao desenvolvimento de capacidades das famílias por meio da arti-culação com programas complementares de capacitação, de geração deemprego e renda, alfabetização, entre outros, a Prefeitura de Fortalezavem, desde 2008, executando atividades na área de inclusão produtiva.

Desenvolvido ao longo dos quatro últimos anos, o Projeto de InclusãoProdutiva para Mulheres do Programa Bolsa Família visa à formação soci-al e política das beneficiárias, com forte característica nos aspectos degênero e economia solidária. Esses seriam elementos que se unificariam àsdimensões da qualificação profissional das mulheres em quatro grandeáreas: alimentação semi-industrial, confecção, construção civil e manuten-ção de computadores. Muitas vezes imersas em situações de vulnerabili-dade e risco social, tendo sido registradas, inclusive, situações de violên-cia doméstica, 1.500 mulheres do Inclusão Produtiva tiveram a oportuni-dade de serem capacitadas em áreas de seu interesse, além de receberemorientações sobre gestão de negócios e gerenciamento.

Oportunizar às beneficiárias um espaço de debates, vivências, forma-ção, auto-conhecimento e troca de experiências fez com que o Projeto deInclusão Produtiva fosse umas das prioridades de atuação dos CRAS noâmbito de seus territórios. O desafio era identificar as potencialidadesdessas mulheres, inserindo-as no acompanhamento sociofamiliar e bus-cando reverter as diversas problemáticas sociais que “apareceram” du-rante o processo de formação social, técnica e política. Diversos proble-mas apareceram no curso da realização do trabalho e exigiram dos CRASintervenções e articulações no âmbito domiciliar e comunitário: tentativade impedimento de participação das mulheres por parte de seus cônjuges;manifestações de violências no âmbito das famílias de algumas participan-tes; ansiedade quanto ao ingresso no mercado de trabalho, entre outros.

O caminho do Projeto de Inclusão Produtiva vem sendo longo e de-safiador. Muitas mulheres já acessaram o emprego formal a partir desuas novas habilidades. Algumas estão em processo de organização co-letiva. Outras simplesmente tiveram a oportunidade de acessar novasexperiências.

Mesmo em processo de implementação, o acompanhamento familiare as ações de inclusão produtiva já somam alguns resultados. O conheci-mento e os instrumentos foram necessários para a modificação da realida-

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de. Conhecer, analisar e identificar os problemas e soluções foram im-portantes para estarmos na situação que estamos hoje, com: 263.338famílias atendidas em 2010 nas nossas unidades; 718 beneficiários pre-sentes em 2010 nos encontros socioeducativos; e 2.609 famílias emsituação de descumprimento de condicionalidades acompanhadas pelosCRAS-CREAS.

Todavia, essa construção possui ainda grandes desafios que reme-tem aos seguintes aspectos: 1) nivelamento conceitual de família e detrabalho social com famílias junto à equipe técnica; 2) necessidade deaprimoramento contínuo do processo de sistematização, de acordo coma realidade apresentada, sempre muito dinâmica; 3) critérios fechados epré-estabelecidos pelo Programa, em nível nacional; 4) garantia deinfraestrutura e mais recursos humanos para as unidades de atendimen-to do Cadastro Único; 5) acompanhamento sistemático do público comperfil Proteção Social Especial – principalmente pessoas em situação derua; 6) intersetorialidade; 7) garantia dos direitos sociais básicos em suaplenitude; 8) limites dos sistemas; em suma, 9) realização de um traba-lho social com famílias que contemple o universo familiar, rompendocom estigmas e preconceitos.

No entanto, a SEMAS, com quase cinco anos de existência, vem forta-lecendo, ampliando e melhorando as atividades de atendimento à popula-ção beneficiária do Bolsa Família. Primeiramente, desenvolveu ações des-centralizadas – fator importante no trabalho com famílias, o que exigiufocalizar estratégias locais que reconheçam as diferentes expressões dapobreza, não perdendo assim a eficácia – através dos CRAS, CREAS, dosCentros de Cidadania e dos Núcleos Regionais do CadÚnico. Depois, in-vestiu no acompanhamento das famílias que recebem benefícios de trans-ferência de renda do Governo Federal, o que possibilitou a aproximação ea construção de um diálogo social entre famílias e poder público.

As ações articuladas dentro da Assistência Social com a Educação eSaúde vêm potencializando o acompanhamento familiar dos beneficiários.Objetivam o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, a cons-trução da autonomia, o reconhecimento dos indivíduos como sujeitos dedireitos, a inclusão produtiva, o acesso aos direitos básicos, mais a pre-venção e superação de situações de risco pessoal e social.

Assim como o conceito de “família”, a gestão local também passoupor profundas transformações que foram trilhadas com foco namatricialidade familiar. Houve uma articulação entre os serviços e oprograma de transferência de renda para o fomento da inclusão social.

Para os próximos anos, muitas articulações com a rede de proteçãosocial e mobilizações comunitárias devem ser mantidas e estabelecidas,com o propósito de afiançar o processo de implementação do atendi-mento e acompanhamento às famílias em descumprimento de condicio-

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nalidades do Bolsa Família. Estas condicionalidades, sob uma interpre-tação e prática crítica, perdem o caráter de controle punitivo e passam afuncionar como parâmetros mínimos de resultado que o Programa Bol-sa Família se propõe a alcançar com cada uma das famílias beneficiárias.

Devemos, portanto, deixar de ser meros operadores de benefícios epriorizar o acompanhamento familiar, peça fundamental e desafiadorana superação de vulnerabilidades sociais.

Referências BibliográficasCARVALHO, M. C. B. (org.). A Família contemporânea em debate. SãoPaulo: Cortez, 1995.

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Fazendo uma incursão no processo histórico da Assistência Socialna cidade de Fortaleza, veremos que, no passado, ela não se diferenciavana maioria dos outros municípios e estados brasileiros, porque tambémera concebida e operacionalizada como política de favor, de caráterclientelista e assistencialista.

No município de Fortaleza, com a reforma administrativa de 1996, oórgão gestor da Assistência Social, na época Fundação de Serviço Social,foi extinto. Entretanto, a partir de pressões políticas de profissionais,usuários e representantes da sociedade civil, em 1998, foi criada aCoordenadoria de Assistência Social, integrada à Secretaria Municipalde Desenvolvimento Social (SMDS).

Todavia, no ano de 2001, a SMDS foi também extinta, dando lugar àSecretaria Municipal de Educação e Assistência Social (SEDAS). Seguin-do o exemplo anterior, a execução da Assistência Social vinculou-se auma Coordenadoria, denominada Coordenadoria de Políticas Públicasde Assistência Social (CASSI).

Já a partir de 2005, a Gestão Fortaleza Bela, através de uma decisãopolítica e um esforço institucional, iniciou a construção de um movi-mento de redesenho da Assistência Social como política pública de di-reito. Para tanto, criou e garantiu uma nova arquitetura institucional eum novo modelo de gestão: a Secretaria Municipal de Assistência Social(SEMAS) foi criada em julho de 2007, por meio da Lei Complementar nº0039/07. Desde então, ela passou a coordenar a Política Municipal deAssistência Social em consonância com a Política Nacional de Assistên-cia Social (PNAS) de 2004 e a Norma Operacional Básica/Sistema Único

A EstruturaOrganizacionalda SEMASAdla Cristina Alves de Oliveira1

Renata Custódio de Azevedo2

1 Assistente Social. Especialista em Gestão de Sistemas Locais de Saúde pela Escola de SaúdePública do Ceará e Serviço Social e Política Social pela Universidade de Brasília (UnB). Mestranda emPlanejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Assessora Institucio-nal da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas).2 Assistente Social. Mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará(Uece). Integrante da Assessora Institucional da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas).

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de Assistência Social (NOB/SUAS) de 2005. Compete à SEMAS formulare executar serviços, programas, projetos e benefícios, além de elaborardiretrizes gerais e identificar prioridades que deverão nortear suas ações,visando ao desenvolvimento social e a melhoria das condições de vidada população em situação de pobreza, vulnerabilidade e risco social.

O município de Fortaleza encontra-se em Gestão Plena3 da Política deAssistência Social, tendo como diretrizes os princípios da descentralizaçãopolítico-administrativa e da participação popular. Além da Ouvidoria, vin-culada ao Gabinete da Semas, a estrutura organizacional da SEMAS hoje écomposta das seguintes Coordenações: Gestão do Sistema Único de Assis-tência Social, Cadastro Único e Programa Bolsa Família, Proteção SocialBásica, Proteção Social Especial, Administrativa e Financeira e Fundo Mu-nicipal de Assistência Social.

Também vinculados à Secretaria estão os Distritos de Assistência So-cial (DAS), instâncias das Secretarias Executivas Regionais (SER), localiza-das nas seis regiões administrativas de Fortaleza. Essas estruturas funcio-nam como cogestores da Política de Assistência Social em seu território,coordenando os serviços, programas e projetos, e referenciando as áreasque se encontram sem cobertura dos serviços de Assistência Social.

A Coordenação de Gestão do Sistema Único de Assistência Social(CGSUAS) coordena a implantação, implementação e estruturação doSUAS, bem como, viabiliza a articulação das ações desenvolvidas pelasCoordenações das Proteções Sociais Básica e Especial e a Coordenação doCadastro Único e Programa Bolsa Família no município de Fortaleza. ACoordenação de Gestão do SUAS, em sua estrutura organizacional, estácomposta por duas Supervisões: a Gestão da Informação, Monitoramentoe Avaliação, e a Gestão do Trabalho. As ações de informação, monitora-mento e a avaliação da rede socioassistencial visam a contribuir para oaprimoramento da Política de Assistência Social no município de Fortale-za, na perspectiva do acompanhamento sistemático das ações da rededireta e conveniada da SEMAS, tendo em vista a garantia de qualidade dosserviços prestados. Já as ações de Gestão do Trabalho, sobretudo a políti-ca de capacitação permanente, têm por finalidade capacitar os(as) trabalha-dores(as) em temas alinhados aos objetivos da Assistência Social, no intui-to de: valorizar os(as) trabalhadores(as) por meio de sua capacitaçãocontínua; aprimorar suas competências e habilidades e tornar mais efe-tivos os investimentos nos serviços socioassistenciais.

A Coordenação do Cadastro Único e do Programa Bolsa Família temcomo atribuição realizar a gestão local do Cadastro Único para Programas

3 De acordo com a NOB/SUAS/2005, os municípios são habilitados como gestão inicial, básicaou plena. Na Gestão Plena, o município é responsável pela gestão total das ações de AssistênciaSocial, sejam elas financiadas pelo Fundo Nacional de Assistência Social ou através de outras fontes.

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Sociais do Governo Federal (CadÚnico) e do Programa Bolsa Família noâmbito do município de Fortaleza. Empenhou-se, assim, em tornar oCadÚnico um instrumento subsidiador do fortalecimento da Política deAssistência Social, através de uma série de estratégias: a) articulação dasdemandas apresentadas pelos perfis sociais das famílias inscritas noCadÚnico para o planejamento de ações intersetoriais; b) elaboração depesquisas e estudos sociais; e c) identificação, mobilização, atendimen-to, acompanhamento das famílias em situação de pobreza e vulnerabili-dade social ingressas na base de dados do CadÚnico. Para realizar taldesafio, a Coordenação estrutura-se, através de seis Núcleos Regionais,33 Unidades de atendimento do CadÚnico; e um Polo de digitação, alémda própria Coordenação.

A Coordenação da Proteção Social Básica (CPSB) é responsável pelagestão dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e unida-des sociais, além dos programas, projetos e benefícios de Proteção Soci-al Básica. No município de Fortaleza, os programas, projetos, serviços ebenefícios da Proteção Social Básica são desenvolvidos, prioritariamente,nos 24 Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), sendo umdestes Itinerante4 e em nove unidades socioassistenciais. Nestes equipa-mentos, são realizadas as seguintes ações: Serviço de Proteção e Atendi-mento Integral à Família (PAIF); Programa de Atendimento Básico àPessoa Idosa (PABI); ProJovem Adolescente; Serviço de Convivência eFortalecimento de Vínculos para Crianças e Adolescentes advindas doTrabalho Infantil; Programa de Concessão de Benefícios Eventuais; Ges-tão do Programa Bolsa Família; Cadastramento Único; Ações de Seguran-ça Alimentar e Nutricional; Projetos de Inclusão Produtiva para Mulhe-res; e Núcleos de Participação Popular (NUPPs).

À Coordenação da Proteção Social Especial (CPSE), por sua vez, com-pete a gestão dos serviços especializados de média complexidade, dosCentros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), e dosserviços de proteção social de alta complexidade. Essa coordenação tam-bém realiza a articulação com o Sistema de Garantia de Direitos (SGD),assim como, com as Coordenadorias de Políticas Públicas Setoriais comserviços especializados, tais como: Coordenadoria da Mulher, Coordena-doria da Criança e do Adolescente, Coordenadoria da Diversidade Sexual,dentre outras. Desde a criação da SEMAS, foram estruturados os seguintesserviços e programas: três Centros de Referência Especializados de Assis-tência Social (CREAS); um Centro de Referência Especializado para Popula-ção em Situação de Rua (CentroPop); o Espaço de Acolhimento Noturno

4 Criado em 2011, no município de Fortaleza, a modalidade CRAS Itinerante é uma unidade móvelque atende famílias ou pessoas em situação de pobreza e vulnerabilidade social, oferecendo os ser-viços socioassistenciais de Proteção Social Básica nas comunidades que ainda não possuem um CRASpróximo de suas casas.

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para atender à população de rua (EAN); uma Casa de Passagem; o Servi-ço de Proteção Especial a Adolescentes em Cumprimento de Medidasem Meio Aberto, operacionalizado através de cinco Núcleos de Liberda-de Assistida e um Núcleo de Prestação de Serviço à Comunidade; e aGestão do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).

Já as Coordenações Administrativa e Financeira (CAF) e do FundoMunicipal de Assistência Social (FMAS) têm por objetivo captar recur-sos e os meios para a execução da Política Municipal de Assistência Soci-al. O FMAS se constitui um importante instrumento de transparência dagestão financeira e orçamentária da Política de Assistência Social, tendoseus atos fiscalizados, acompanhados e avaliados sistematicamente peloConselho Municipal de Assistência Social (CMAS), de modo a permitir aparticipação e controle social sobre o emprego dos recursos do FMAS.

A estrutura organizacional da SEMAS que ora apresentamos demar-ca como a gestão municipal Fortaleza Bela vem desenhando e reafirman-do a Política de Assistência Social como uma política pública de direitosfundamental em nossa cidade. Nesse sentido, a criação e implementaçãoda SEMAS possibilitou as condições estruturais, técnicas, políticas eorganizacionais para a implementação da PNAS e consolidação do SUASem Fortaleza. Os caminhos trilhados até o momento sinalizam o com-promisso de efetivar uma política pública que responda às demandas dapopulação sob a ótica do direito. Isso se materializa, através da garantiade um órgão gestor, da qualificação e expansão dos serviços e do fortale-cimento do controle social e da participação popular.

Referências BibliográficasBRASIL. Política  Nacional  de  Assistência  Social-PNAS  e  NormaOperacional Básica -NOB/SUAS - Ministério do Desenvolvimento Sociale Combate à Fome; Secretaria Nacional de Assistência Social: Resolução145, de 15.10.2004. Brasília: MDS, 2004.

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Paralelamente ao início do processo de implantação e consolidaçãodo Sistema Único de Assistência Social (SUAS) nos municípios e estados,o Governo Lula lançou, em 2004, o Programa Bolsa Família4, para aten-dimento de uma grande parcela da população em situação de pobreza eextrema pobreza. Como principal programa de transferência de rendano país, criado para atingir mais de onze milhões de famílias, o BolsaFamília precisava de um sistema de gestão aprimorado para seleção dosbeneficiários. Seu grande desafio era unificar outros programas de trans-ferência de renda existentes em vários Ministérios criados no governode Fernando Henrique Cardoso.

Doravante, sua gestão seria, porém, centralizada no Ministério do De-senvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), bem como, consolidar-se-ia uma base de dados única para a seleção de beneficiários nas três esferasde governo. Havia um grande sistema de informações, mas ele carecia deaprimoramentos, sendo o principal deles a superação da sobreposição debancos de dados dos antigos programas remanescentes, como Bolsa Es-cola (Ministério da Educação), Bolsa Alimentação (Ministério da Saúde) eAuxílio-Gás (Ministério das Minas e Energia), todos destinados basicamente

A gestão do CadÚnicoem FortalezaAndré de Menezes Gonçalves1

Profa. Dra. Maria Helena de Paula Frota2

Nágela Raposo Alves3

1 Assistente Social. Mestrando em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadualdo Ceará (Uece). Coordenador Municipal do Cadastro Único e do Programa Bolsa Família de Forta-leza (SEMAS/PMF).2 Doutora em Sociologia pela Universidad de Salamanca. Professora adjunta, integrante do cor-po de professores do Programa de Políticas Públicas e Sociedade - mestrado acadêmico e profissio-nal da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Coordenadora do Observatório da Violência contraa Mulher (OBSERVEM). Líder do Grupo Gênero, Família e Geração nas Políticas Públicas do CNPq.Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Sociais (NUPES).3 Socióloga. Mestranda em Planejamento de Políticas Públicas pela Universidade Estadual doCeará (Uece). Assessora Institucional do Gabinete da Prefeita.4 Criado pela Lei nº 10.836/04, o Programa Bolsa Família é uma das principais ações do Fome Zero,concebido como uma política pública intersetorial que articula os diversos agentes públicos e soci-ais em torno de uma prioridade governamental de erradicar a fome e promover a inclusão socialno Brasil. É um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficiafamílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 70,01 a R$ 140,00) e extremapobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 70,00), de acordo com a Lei nº 10.836, 9 de janei-ro de 2004 e o Decreto nº 6.824 de 16 de abril de 2009.

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às famílias com o mesmo perfil de renda. Eram programas que possuíamcadastros separados e quase duplicados para a seleção de seus benefi-ciários. O desafio era (re)construir um só cadastro com as informações detodas essas famílias e integrar o atendimento desses programas sociais.

Antes desse processo, o Cadastro Único para Programas Sociais (Cad-Único) já havia sido criado em julho de 2001, no Governo de FernandoHenrique Cardoso, sendo, todavia, regulamentado no segundo mandatodo Presidente Lula, através do Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 20075.Logo, o CadÚnico tem como objetivo ser utilizado para seleção de bene-ficiários e integração dos diversos programas sociais da União, estados emunicípios.

Fica instituído o formulário anexo, como instrumen-to de Cadastramento Único para ser utilizado por to-dos os órgãos públicos federais para a concessão deprogramas focalizados do governo federal de caráterpermanente, exceto aqueles administrados pelo Ins-tituto Nacional do Seguro Social - INSS e pela Empre-sa de Processamento de Dados da Previdência Social-DATAPREV (BRASIL, 2001, p. 01).

Na perspectiva de subsidiar a gestão pública dos programas sociais,o CadÚnico, através de seu banco de dados e informações, pode e deveser utilizado pelos entes federados. A ideia é favorecer a obtenção dodiagnóstico socioeconômico das famílias de baixa renda6 cadastradas,possibilitando a análise das suas principais demandas sociais. Além deidentificar o perfil socioeconômico da população pobre, para subsidiar aelaboração de políticas públicas e auxiliar na concessão de benefíciossociais, deve servir na realização de estudos e pesquisas.

5 Criado em 2001, no Governo de Fernando Henrique Cardoso, o CadÚnico, ao contrário do quemuitos pensam, não é uma invenção do Governo Lula. Foi implantado nos municípios em contextosdiversos, “de cima para baixo” em cenários políticos de eleições nacionais e municipais (2001-2002),aglutinando uma série de famílias em ações fragmentadas de combate à pobreza em diferentes pro-gramas de transferência de renda. Em dez anos, desde a sua criação, o CadÚnico aprimorou-se emsuas versões, destacando-se as de número 6 (Aplicativo de Entrada e Manutenção do Cadastro Úni-co) e de número 7 (Sistema do Cadastro Único - Conhecer para Incluir). A distinção básica das duasversões, além da reformulação do banco de dados das famílias, consistiu na extinção das bases locaisda chamada V.06 para um módulo on line, de gerenciamento de informações através do uso dainternet, caracterizada pela V.7.6 Família de baixa renda é aquela com renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimoou a que possua renda familiar mensal de até três salários mínimos (Decreto nº 6.135, de 26 de junhode 2007). Já o Decreto nº 6.917, de 30 de julho de 2009, que altera os artigos 18, 19 e 28 do Decretonº 5.209, de 17 de setembro de 2004, que regulamenta a Lei no 10.836, de 09 de janeiro de 2004,que cria o Programa Bolsa Família, define as famílias pobres e extremamente pobres aquelas que têmrenda familiar mensal per capita de até R$ 140,00 (cento e quarenta reais) e R$ 70,00 (setenta reais), res-pectivamente. Com uma população de 190.732.694 habitantes no país (IBGE-2010), a Pesquisa Nacio-nal de Amostra por Domicílios (PNAD-2006) afirma que, no Brasil, a estimativa de famílias de baixarenda no perfil do CADÚNICO é de 22.231.781. Em agosto de 2011, conforme dados contidos no sítioeletrônico do MDS (www.mds.gov.br), o alcance da cobertura de cadastramento único no país é de96,6% do cômputo geral dos municípios, chegando ao montante de 21.479.556 famílias inscritas.

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O CadÚnico é coordenado pelo Governo Federal, através do MDS, pormeio de um sistema informatizado que consolida os dados coletados noformulário de cadastramento realizado de forma exclusiva pelas prefeitu-ras municipais. Sua gestão é realizada de forma descentralizada e cooperadaentre a União, Estados e Municípios, sendo, de um modo geral, vinculada àsSecretarias de Assistência Social ou congêneres. Além do MDS estão envol-vidos no cadastramento único os Estados, os Municípios e a Caixa Econômi-ca Federal (Caixa). Cabe às prefeituras o papel de executar o processo decoleta, inclusão, exclusão e atualização sistemática de dados do CadÚnico:

Os municípios são os responsáveis pela realização docadastramento. São as prefeituras que o planejam,definem as equipes de cadastradores, realizam as en-trevistas junto às famílias, compilam todas as informa-ções e a remetem para o governo federal. Além disso,cabe também ao município manter o registro das famí-lias atualizado, monitorar e informar a inclusão ouexclusão de cadastros e zelar pela fidedignidade e quali-dade das informações fornecidas (BARROS et al., 2010,p. 182).

Em Fortaleza, o Cadastro Único foi implantado em 2001, ainda naVersão 6.0. (off line). Naquele momento, o município disponibilizava ape-nas seis locais de atendimento à população. A partir de 2006, iniciou-seum grande processo de descentralização do atendimento à populaçãoque, a cada ano, ingressava mais e mais na base de dados. Hoje, a cidadeconta com 33 locais descentralizados para atender a população e o númerode família inscritas chegou a quase 312 mil, superando, em muito, as 175mil famílias do ano de 2005, quando se iniciou a Gestão Fortaleza Bela.

Os 24 Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) de Fortalezadesenvolvem um leque de atividades para as famílias no âmbito de seusterritórios. Dentre outras ações, um dos focos principais de atuação dosCRAS centra-se no desenvolvimento das atividades do Cadastro Único, nagestão do Programa Bolsa Família, bem como, na promoção de programascomplementares direcionados às famílias inscritas e/ou beneficiárias. ASEMAS vem potencializando, ampliando e melhorando as atividades deatendimento e acompanhamento sociofamiliar da população, fortalecen-do e ampliando essas ações descentralizadas, sejam através dos CRAS,CREAS, Centro de Referência Especializado para População de Rua (Cen-troPop), dos Centros de Cidadania, Terminal e dos Núcleos Regionais doCadÚnico (NUCADS). A Secretaria vem consolidando ainda o processode acompanhamento das famílias inscritas e/ou beneficiárias de formaintersetorial e articulada, principalmente, com as Secretarias Munici-pais de Educação e de Saúde, respectivamente SME (escolas) e SMS (Es-tratégia Saúde da Família).

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Além do atendimento direto de 24 mil famílias no âmbito dos territó-rios dos CRAS, um grande público demanda uma série de atividades, apartir do CadÚnico: ações permanentes de novas inscrições e atualiza-ções cadastrais a 312 mil famílias de baixa renda, mais a 199 mil famíliasbeneficiadas com o Programa Bolsa Família. Esse público também estápresente nas ações de inclusão produtiva e de qualificação profissional,seja na finalização do Projeto de Inclusão Produtiva para Mulheres do BolsaFamília, seja na identificação e mobilização de beneficiários ao ProgramaNacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), que, jun-tos, aglutinarão cerca de 1.300 beneficiários com ações complementares.

As ações articuladas CRAS/CadÚnico/Bolsa Família objetivam o for-talecimento dos vínculos familiares e comunitários, a construção daautonomia; o reconhecimento dos indivíduos como sujeitos de direitos,a inclusão produtiva, e a prevenção e superação de situações de riscopessoal e social. São os CRAS que realizam as atividades de identificação,mobilização, atendimento, orientação, encaminhamento e inclusão dasfamílias e indivíduos na rede de proteção social, utilizando-se de visitasdomiciliares, atendimento individual ou coletivo, reuniões, trabalhoscom grupos, oficinas, entre outros. Prioriza-se o atendimento dos sujei-tos em seus territórios de atuação. O acompanhamento familiar é umaimportante estratégia de garantir o acesso aos direitos socioassistenciais.Somam-se a esse processo as ações realizadas em toda a rede de atendi-mento do CadÚnico-PBF que hoje chega ao número de 33 unidades.

Isso significa um expressivo número diário de famílias a serem aten-didas e acompanhadas no âmbito dos CRAS e das outras unidades deatendimento, demandando profissionais qualificados, materiais, servi-ços, ampliação e melhoria dos locais de atendimento, incremento narede lógica que permite o acesso ao Sistema do Cadastro Único, Sistemade Condicionalidades (SICON) e ao Sistema de Benefícios ao Cidadão(SIBEC) da Caixa Econômica Federal (Caixa), entre outros.

O Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferên-cias de Renda7, no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS),determina a adoção do CadÚnico para a realização de diagnóstico devulnerabilidade e risco no território. Orienta para a padronização deprocedimentos de gestão, instrumentos para a coleta de dados e geraçãode informações, indicadores para o monitoramento e a avaliação doatendimento das famílias de baixa renda, através da sua base de dados.

Assim, o Protocolo, em seu artigo 4º, define que a gestão integradaconsiste na articulação entre serviços, benefícios e transferências derenda no âmbito do SUAS e oferece ao CadÚnico status de ferramenta

7 Resolução CIT nº 7, de 10 de setembro de 2009, da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) daAssistência Social.

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estratégica para a oferta prioritária de serviços socioassistenciais paraos indivíduos e as famílias beneficiárias dos principais programas detransferência de renda: Bolsa Família, Programa de Erradicação do Tra-balho Infantil (PETI) e Benefício de Prestação Continuada (BPC).

[...] a) Adotar o Cadastro Único para Programas Soci-ais e o Cadastro do BPC como base de dados para arealização de diagnóstico de vulnerabilidade e riscono território [...] d) Padronizar procedimentos de ges-tão, instrumentos para a coleta de dados e geração deinformações, indicadores para o monitoramento e aavaliação do atendimento das famílias; e) Propor me-canismos que fortaleçam sistematicamente a articu-lação da rede socioassistencial, de educação e saúdepara monitorar e avaliar o atendimento das famíliasbeneficiárias de programas de transferência de renda,bem como a inclusão, o acesso e a permanência naescola dos beneficiários do PBF, PETI e BPC (MDS eCIT, 2009a, p.10 - grifos nossos).

Enquanto instrumento de gestão, o CadÚnico caminhou com gran-de potencial para se constituir num rico e importante banco de dados dapobreza que, em tese, possibilita conhecer a realidade socioeconômicadas famílias pobres nos municípios. É um grande mecanismo de carto-grafia da miséria, uma vez que traz informações detalhadas de todos osmembros das famílias cadastradas, público-alvo da Política de Assistên-cia Social, demandantes de proteção social e de ações intersetoriais coma Educação, Saúde, Habitação, Emprego e outros.

A intencionalidade dessa base de dados nacional é oferecer elemen-tos para o poder público formular e implementar políticas específicas eintersetoriais para o combate à miséria, redução das desigualdades soci-ais e atendimento das demandas da população pobre, principalmente noâmbito do município. A Assistência Social, como locus privilegiado dagestão do Cadastro Único8, mantém a base de dados, com vistas à identi-ficação, mobilização e atendimento das famílias para fins de inscrição ouatualização cadastral ou na construção de diagnósticos sociais e de per-fis sociais das famílias inscritas.

A partir dos dados do CadÚnico, parece-nos que, com poucas experi-ências, as prefeituras têm formulado programas, projetos e serviçossocioassistenciais para responder às demandas da população. Notada-mente, a utilização do referido cadastro para o planejamento, implanta-

8 O Suplemento de Assistência Social da MUNIC 2005 identificou o órgão responsável pelocadastramento único nos municípios do país e os resultados mostraram que 91,2% dos municípiosbrasileiros declararam ser o cadastramento único responsabilidade do órgão gestor da assistênciasocial, 5,1% do órgão gestor da Educação, e 2,4% do órgão gestor da Saúde (IBGE, 2006).

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ção e avaliação de políticas públicas, em especial a de Assistência Social, eprogramas sociais na maioria dos municípios tem uma longa caminhada.

Através da Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS), verifi-camos que o CadÚnico vem, a cada ano, buscando assumir esse papelestratégico. O retrato da pobreza contido no CadÚnico vem agregandoinformações e buscando o difícil caminho da integração de ações de diver-sos órgãos e entidades em seus respectivos âmbitos de competência. Al-gumas experiências podem ser citadas quando da identificação de públi-cos prioritários para as ações de âmbito social da Prefeitura de Fortaleza.

Lançado em novembro de 2011, o Plano “Construindo uma Fortalezasem Miséria”, sob a coordenação do Gabinete da Prefeita Luizianne Lins,da SEMAS e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), e com aparticipação de outras onze secretarias que trabalham a questão social,tem várias ações que focam cerca de 41 mil famílias inseridas no CadÚnicono município. São famílias que estão em situação de extrema pobreza eque ainda não são beneficiadas. A partir da elaboração de um perfil socio-econômico dessas famílias, várias ações foram programadas e dire-cionadas, conforme suas principais demandas sociais para o ano de 2012.

Destaca-se a elaboração do Projeto de Inclusão Produtiva para Mu-lheres do Bolsa Família que tem como objetivo promover ações queproporcionem o aumento de renda e oportunidades de ocupação dapopulação de baixa renda do município de Fortaleza, contribuindo como processo de emancipação, a partir da construção de relações de gêne-ro equitativas, solidárias e democráticas objetivando autonomia finan-ceira e social. E essa experiência destinada a 1.500 mulheres baseou-seno banco de dados do CadÚnico que, através do mapeamento socio-territorial dos perfis de gênero e renda foi possível mobilizar essas mu-lheres para o processo de formação social e políticas dessas mulheres,bem como no processo de organização produtiva. Para o exercício de2012, está previsto o Projeto “Construindo a Autonomia Econômica eSocial das Mulheres do Cadastro Único”, direcionado a 900 mulheres,uma iniciativa que acompanha a mesma estratégia e metodologia doInclusão Produtiva.

É válido, ainda, citar o Programa “Fortaleza Alfabetizada”, que temcomo base a experiência cubana “Sim, eu Posso!” e que tem objetivoinstruir e mudar os modos de vida e atuação das pessoas, por meio daaprendizagem da leitura e da escrita. A estruturação e o processo demobilização social e comunitária foram construídos e orientados, a par-tir dos perfis sociais de pessoas adultas analfabetas e ou semi-alfabetiza-das inscritas no CadÚnico de Fortaleza. O município tem um mapeamentosatisfatório de sua população de baixa renda, a partir da base de dadosdo já referido cadastro, extremamente útil para o planejamento, gestãoe avaliação de diversas políticas e programas sociais.

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A Gestão Fortaleza Bela vem possibilitando o acesso de pessoas comdeficiência e seus respectivos acompanhantes ao direito à gratuidade notransporte público, sendo que há a necessidade de inscrição no CadastroÚnico combinada à situação de beneficiário do Benefício de PrestaçãoContinuada (BPC) ou do Programa Bolsa Família, atendendo uma reivin-dicação antiga desse segmento social.

No âmbito da política habitacional, a Fundação de DesenvolvimentoHabitacional (HABITAFOR) e a Defesa Civil tem dialogado permanente-mente com o órgão gestor do CadÚnico na concessão de unidadeshabitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida e do Aluguel Social àsfamílias no perfil de pobreza e regularmente inscritas no Cadastro Único.

Não se trata de afirmar, ainda, que o CadÚnico, com seu papel deferramenta de planejamento, seja uma realidade na maioria dos municípi-os e em todas as esferas de governo. Mas o desafio de desenvolver políticase programas sociais que possam melhorar as condições de vida da popu-lação pobre, a partir da base de dados, é uma rica experiência que osgestores públicos deveriam partilhar. Fortaleza vem dando seus passos.

Referências BibliográficasBARREIRA, Maria Cecília Roxo Nobre & CARVALHO, Maria do CarmoBrant de. (Orgs.). Tendências e Perspectivas na Avaliação de Políticas eProgramas Sociais. São Paulo: IEE/PUC-SP, 2001.

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____________. Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007.

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CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Tipificação Nacio-nal de Serviços Socioassistenciais. Resolução nº 109, de 11 de Novem-bro de 2009. Brasília: 2009.

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MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME ECOMISSÃO INTERGESTORES TRIPARTITE. Protocolo de Gestão Inte-grada de Serviços, Benefícios e Transferências de Renda no Âmbito do

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Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Resolução CIT nº 07, de 10de Setembro de 2009. Brasília: 2009.

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Bol-sa Família: Cidadania e Dignidade para Milhões de Brasileiros. Brasília: 2010.

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_____. Guia do Gestor Municipal. Brasília: SENARC, 2010.

_____. Política Nacional de Assistência Social  (PNAS 2004) e NormaOperacional Básica (NOB/SUAS 2005). Brasília: SNAS, Novembro, 2005.

SILVA, Maria Ozanira da Silva e (Coord.) e LIMA, Valéria Ferreira Santosde Almada. Avaliando o Bolsa Família: unificação, focalização e impac-tos. São Paulo: Cortez, 2010.

SILVA, Maria Ozanira da Silva, YAZBEK, Maria Carmelita e GIOVANNI,Geraldo di. A Política Social Brasileira no Século XXI: A prevalência dosprogramas de transferência de renda. 3ª ed., São Paulo: Cortez, 2004.

VANDERBORGHT, Yannick e VAN PARIJS, Philippe. Renda Básica deCidadania: argumentos éticos e econômicos. Tradução de Maria Beatrizde Medina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

WEISSHEIMER, Marco Aurélio. Bolsa Família: avanços, limites e possi-bilidades do programa que está transformando a vida de milhões. SãoPaulo:  Fundação Perseu Abramo, 2006.

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Balizas conceituais, normativas e políticaspara a efetivação da Proteção Social Básicano Município de Fortaleza

No município de Fortaleza, a Coordenação da Proteção Social Básicaestá organizada em consonância com as diretrizes da Política Nacional deAssistência Social (PNAS/2004), tendo como objetivo estruturar e con-solidar seus programas, projetos, serviços e benefícios. A perspectiva é,assim, promover o desenvolvimento de potencialidades e aquisições dasfamílias e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, por meiodas ações de caráter preventivo, protetivo e proativo. Destina-se à popula-ção que vive em situação de vulnerabilidade social e pobreza e, ou, fragiliza-ção de vínculos afetivo-relacionais e de pertencimento social.

O público prioritário das ações de PSB no município são as famíliasbeneficiárias do Programa Bolsa Família, principalmente aquelas em situa-ção de descumprimento das condicionalidades3; do Benefício de PrestaçãoContinuada, em especial as pessoas com deficiência; dos Benefícios Even-tuais; e as famílias do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).

As ações de PSB são desenvolvidas em 24 Centros de Referência deAssistência Social (CRAS)4. Essa unidade pública estatal oferta seus progra-mas, projetos, serviços e benefícios a partir de dois eixos estruturantes

A Proteção Social Básicano Município de FortalezaAna Paula Reges de Albuquerque1

Cícero Renato Ribeiro Jacob2

1 Assistente Social. Especialista em Família no Contexto Sócio-Jurídico. Coordenadora da ProteçãoSocial Básica da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas).2 Assistente Social. Especialista em Gestão de Cidades e de Projetos Sociais. Mestrando em Avaliaçãode Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará (UFC). Coordenador Adjunto da Proteção SocialBásica da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas).3 Entende-se por condicionalidades os “compromissos assumidos pelas famílias beneficiárias do Pro-grama Bolsa Família, que devem ser cumpridos pelo núcleo familiar, nas áreas de Saúde, Educação eAssistência Social, a fim de receberem o benefício mensal correspondente. Devem ser entendidas comoum compromisso firmado entre as famílias e o poder Público, que por sua vez deve garantir o acessoaos serviços de Educação, Saúde e Assistência Social.” (BRASIL, 2009 e, p. 5).4 Fortaleza é dividida em seis regiões, cada uma conta com uma Secretaria Executiva Regional(SER) que é órgão executor das políticas oferecidas pela Prefeitura de Fortaleza. Nessas secretarias,as equipes dos CRAS estão diretamente ligados aos Distritos de Assistência Social (DAS), setor res-ponsável pela organização, coordenação e acompanhamento da Política de Assistência Social emseu território, pautando-se segundo diretrizes da Semas.

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para a Política de Assistência Social: a matricialidade sociofamiliar e aterritorialização.

Na PNAS/2004, a família é núcleo central de proteção social, princí-pio ordenador das ações do poder público e o primeiro núcleo do indiví-duo. Entendida como “um conjunto de pessoas que se acham unidas porlaços consanguíneos, afetivos e, ou, de solidariedade”  (PNAS/2004, p.41). Mesmo pertencendo a um espaço privado, ela estabelece e determi-na relações com o espaço público e é reconhecida como instância privi-legiada e insubstituível de proteção de seus membros, mas também,como objeto de cuidado e proteção.

Nessa direção, a PSB de Fortaleza fortalece essa diretriz, ao intervir nocontexto familiar e considerar as particularidades de cada família, enten-dendo suas vulnerabilidades, mas principalmente, investindo nas suaspotencialidades. Busca o desenvolvimento de cada indivíduo e suas famí-lias, mas compreendendo que este desenvolvimento depende tambémdas oportunidades de acesso aos bens e recursos disponíveis socialmente.

Os serviços de Proteção Social Básica de Fortaleza atuam, a partir daampliação de perspectivas no entendimento do conceito de família. Estanão é mais representada apenas por laços de consanguinidade ou paren-tesco, mas acima de tudo por relações de afeto e de confiança, onde omodelo idealizado formado por pai, mãe e filhos não consegue mais re-presentar a pluralidade das configurações que vem assumindo. Ao sereconhecer ainda que as relações que se estabelecem entre seus entesdeterminam a referência de família que possuímos, esta instituição podeser representada como um porto seguro, local de acolhimento, mas tam-bém, um espaço de conflitos e desarmonia.

Além de considerar todos estes aspectos para atuar junto às famílias, oCRAS deve respeitar o princípio da territorialização, o qual, de acordocom a NOB-SUAS (2005, p. 87) significa o reconhecimento da diversidadede fatores sociais e econômicos que ocasionam situações de vulnerabilidadee risco social dos indivíduos e de suas famílias. Esse conhecimento dosfatores condicionantes das situações de risco permite ao serviço de Prote-ção da Assistência Social planejar suas ações para atuar nas áreas de maio-res incidências dos fatores de risco e realizar uma atenção proativa, naperspectiva da universalidade da cobertura, assim como, do planejamen-to da rede de serviços.

Os serviços de PSB estão inseridos em territórios5 de pobreza evulnerabilidade social no município de Fortaleza. Por isso, os CRAS desen-

5 Sobre territórios, o Capacita Suas v. 1 (2008, p. 53) conceitua como espaços de vida, de rela-ções, de trocas, de construção e desconstrução de vínculos cotidianos, de disputas, contradições econflitos, de expectativas, sonhos, que revelam os significados atribuídos pelos diferentes sujeitos.É também o terreno das políticas públicas, onde se concretizam as manifestações da questão sociale se criam os tensionamentos e as possibilidades para o seu enfrentamento.

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volvem como principal estratégia de atuação o acompanhamento fami-liar, a fim de garantir o atendimento integral às famílias, a prevenção desituações de risco e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.

Para atender a essa prerrogativa, os CRAS do município de Fortalezaestão organizados de forma a preservarem diretrizes teórico-metodo-lógicas e operacionais unificadas, sem desconsiderar, entretanto, a flexi-bilidade para atender as especificidades dos territórios de abrangência edas famílias acompanhadas. Assim, nos CRAS é desenvolvido o Serviço deProteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), sob o qual estão articu-lados todas as outras ações dos CRAS, quais sejam: Serviço de Convivên-cia e Fortalecimento de Vínculos para Crianças e Adolescentes de 6 a 15anos; Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Adoles-centes de 15 a 17 anos; Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vín-culos para Idosos6; Concessão de Benefícios Eventuais; Ações de InclusãoProdutiva para Mulheres do Programa Bolsa Família; Núcleos de Partici-pação Popular; Gestão do Programa Bolsa Família e Gerenciamento deInformações do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Fe-deral; ações socioeducativas em segurança alimentar e nutricional.

No desenvolvimento de suas ações, os CRAS assumem o desafio deconstruir uma rede integrada de atendimento às famílias acompanhadas,em que a garantia de direitos se constitui uma premissa do trabalho desen-volvido. Essa rede estrutura-se, a partir do desenvolvimento de açõessocioassistenciais dos CRAS que se articula com as ações de outras institui-ções de Proteções Sociais Básica e especial e, por fim, com aquelas desen-volvidas por instituições das políticas setoriais presentes nos territórios.

A operacionalização da proteção social básicanos territórios do município de Fortaleza pelosCentros de Referência da Assistência Social(CRAS)

A Prefeitura de Fortaleza possui atualmente 24 CRAS7, sendo um namodalidade itinerante8 e outras 13 unidades de execução direta de PSB,

6 Neste artigo para nos referirmos aos diferentes Serviços de Convivência e Fortalecimentode Vínculos, usaremos a sigla SCFV, com as especificações por segmento, caso seja necessário.7 Atualmente, a distribuição dos CRAS possui a configuração a seguir: SER I: CRAS Pirambu;CRAS Barra do Ceará; SER II: CRAS Lagamar; CRAS Praia do Futuro, CRAS Mucuripe, CRAS Serviluz;SER III: CRAS Quintino Cunha; CRAS Bela Vista; SER IV: CRAS Serrinha; CRAS Vila União; CRAS CoutoFernandes; SER V: CRAS Bom Jardim; CRAS Canindezinho; CRAS Genibaú; CRAS Granja Portugal;CRAS Mondubim; CRAS Conjunto Esperança; CRAS Aracapé; SER VI: CRAS Castelão; CRAS JoãoPaulo II; CRAS Conjunto Palmeiras; CRAS Jardim das Oliveiras; CRAS Dendê; CRAS Itinerante.8 O CRAS Itinerante constitui uma modalidade de serviço que possui a mesma lógica da ProteçãoSocial Básica, ou seja, a dimensão preventiva representa sua diretriz principal de atuação. Entre-tanto, a ideia de movimento se materializa na busca por uma maior aproximação dos territórios edos usuários, no deslocamento dos serviços/equipe para diferentes territórios e/ou instituições da

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que, juntamente com 05 unidades de Proteção Social Especial9 e 61entidades sem fins lucrativos conveniadas com a Semas (45 de PSB,12 de PSE, 04 de PSB/PSE), compõem a rede socioassistencial geren-ciada pela Secretaria.

A perspectiva de rede adotada pelos CRAS é voltada para o atendi-mento às demandas apresentadas pelas famílias acompanhadas, ou seja,a articulação da rede sociassistencial e de proteção social nos territóriosdestina-se à garantia de direito dessas famílias. Nessa direção, trabalha-se com o seguinte conceito de acompanhamento familiar:

as atividades desempenhadas por meio de atendimen-tos sistemáticos, e planejados com objetivos estabeleci-dos, que possibilitem as famílias/indivíduos o acesso aum espaço onde possam refletir sobre sua realidade,construir novos projetos de vida e transformar suasrelações, sejam elas familiares ou comunitárias. Tra-ta-se, portanto, de um processo de caráter continuadoe planejado, por período de tempo determinado, noqual, a partir da compreensão das vulnerabilidades,demandas e potencialidades apresentadas pela famí-lia, são definidas estratégias de ação e objetivos a se-rem alcançados. O acompanhamento familiar podematerializar-se, a partir do atendimento sistemático eplanejado de um ou mais membros do grupo familiar.(Manual de Instruções para o Registro das Informa-ções Especificadas na Resolução nº 04/2011 da Comis-são Intergestores Tripartirte, p. 6).

Operacionalmente, é desenvolvido nos CRAS o Serviço de Proteçãoe Atendimento Integral à Família (PAIF), que, a partir da escuta qualifi-cada das demandas e potencialidades das famílias, é realizado processode acompanhamento socioassistencial que se caracteriza pelo desenvolvi-mento de ações e procedimentos como: preenchimento de Planos deAcompanhamentos Familiares; desenvolvimento de grupos socioedu-cativos com famílias; rotinas de visitas e atendimento técnicos; articula-

comunidade e, por fim, na percepção do feedback do público atendido para a readequação perma-nente das ações. Essa modalidade de CRAS possui como diretrizes de ação: formar grupos socioedu-cativos permanentes com base nas demandas sociais captadas nos territórios (Crianças, Idosos, Ado-lescentes, Juventude e Família); mapear e potencializar grupos sociais já existentes nos territórios pormeio de ações socioeducativas (campanhas, seminários, oficinas, reuniões etc.); realizar articulaçãointersetorial junto às demais politicas públicas para a oferta de serviços públicos essenciais; atendi-mento e orientação às famílias para orientação e encaminhamento de suas demandas; acesso aoCadastro Único e Programa Bolsa Família; ampla mobilização social, através de ações de arte e cultura,eventos e campanhas que alcancem o maior número de pessoas em torno das temáticas pertinentesao enfrentamento das questões sociais apresentadas nos territórios. Atualmente, o CRAS Itineranteatende os seguintes territórios: Pedras; Curió/José de Alencar; São Bento/Coaçu; Ancuri.9 As unidades de PSE são: Espaço de Acolhimento Noturno; Centro de Referência Especializado deAssistência Social I e II; Casa de Passagem; Centro de Atendimento à População de Rua.

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ção para o atendimento das demandas e potencialidades das famílias, deoutros serviços sociassistencias dos CRAS, assim como, da rede de Prote-ção Social Básica e de outras políticas setoriais existentes nos territórios.

No âmbito dos Serviços de Convivência e de Fortalecimento de Víncu-los para Crianças e Adolescentes de 6 a 15 anos, para Idosos e paraAdolescentes de 15 a 17 anos são desenvolvidas ações como: oficinas dearte-educação e encontros temáticos; passeios culturais e de lazer; ativi-dades esportivas; estímulo à participação em instâncias de controle so-cial e em movimentos sociais existentes no município; ações de inter-venção nas problemáticas presentes nos territórios.

Por fim, são também desenvolvidas no âmbito do CRAS ações como:concessão de auxílio-natalidade e auxílio-funeral; gerenciamento doCadastro Único; ações de gestão do Programa Bolsa Família; ações deinclusão produtiva para mulheres do Programa Bolsa Família10; açõessocioeducativas em segurança alimentar e nutricional; desenvolvimen-to de Núcleos de Participação Popular, envolvendo os usuários dos CRAS.

Com a oferta dessas ações, o serviço de Proteção da Assistência Soci-al produz “aquisições materiais, sociais, socioeducativas, ao cidadão ecidadã e suas famílias para suprir suas necessidades de reprodução soci-al de vida individual e familiar; desenvolver suas capacidades e talentospara a convivência social, protagonismo e autonomia (NOB\SUAS, 2005,p. 89). Os impactos da atuação dos CRAS, na vida das famílias acompa-nhadas, materializam-se em questões que são de ordem material e sub-jetiva. Isto contribui, por conseguinte, para que essas unidades públicasde Assistência Social assumam lugar de destaque no âmbito do sistemade Proteção Social de Fortaleza.

Os CRAS atuam no provimento de demandas materiais dos usuários apartir da inserção em projetos de inclusão produtiva11, programas de trans-ferência de renda como o Bolsa Família, assim como auxílio em bens ma-teriais ou atenção através de serviços, em caráter transitório, denomina-dos de benefícios eventuais para as famílias, seus membros e indivíduos12.

No âmbito do PAIF, com o acompanhamento familiar muito se temcontribuído com o atendimento das demandas das famílias, ao assegu-

10 Como exemplo de ação nesse âmbito teve início, em outubro de 2007, o desenvolvimento doProjeto de Inclusão Produtiva para Mulheres do Programa Bolsa Família, que tem como objetivo geral“potencializar a inclusão produtiva das participantes, através de organização produtiva, relações soli-dárias, consumo, beneficiamento e comercialização da produção, consolidando experiências susten-táveis, de acordo com os princípios feministas e da economia solidária.” (Forlaleza, 2010, p. 134)11 No ano de 2008, o Projeto de Inclusão Produtiva para Mulheres do Bolsa Família de Fortalezaalcançou resultados como: 1.169 mulheres certificadas e capacitadas para o mercado de trabalho;450 mulheres organizadas em 34 grupos produtivos.12 No ano de 2011, no Cadastro Único, Programa Bolsa Família e Benefícios Eventuais foram alcan-çados os seguintes resultados: 311.189 famílias cadastradas; 197.240 famílias beneficiadas; e con-cessão de 9.674 benefícios eventuais.

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rar o direito à escuta qualificada, à informação, à defesa, à provisão dire-ta ou indireta dos serviços socioassistenciais ou ao encaminhamento desuas solicitações às ações desenvolvidas por outras políticas setoriais.

Noutra direção, os resultados decorrentes da atuação dos CRAS, apartir dos grupos socioeducativos e de convivência, assumem lugar dedestaque, visto que desenvolvem uma multiplicidade de ações que propi-ciam aquisições e impactos de grande relevância na vida dos usuáriosque participam dessas ações.

[O SCFV-Idoso é importante] porque: melhora aautoestima; trocam experiências de vida entre si; ad-quirem novos conhecimentos; é a nossa vida; encon-trei liberdade; porque juntos lutamos por nossos di-reitos; porque me sinto cuidada; tirou a timidez; mo-tivou a participar; sossegou o juízo; trabalha a me-mória; participa do Orçamento Participativo – Seg-mento Idoso; antes eu me sentia uma pessoa despre-zada [...] Aqui encontrei o respeito, uma razão dife-rente de viver; antes de vir para cá, eu não vivia [...]Eu vegetava [...] Aqui eu vivo, sou feliz. Por isso, oPABI é muito importante para mim; porque o SCFV éminha segunda família (relatos coletados em gruposfocais realizados com idosos de diferentes CRAS emnov. e dez. de 2011)13.

De fato, os encontros grupais promovem atividades e discussões que– partindo do respeito pelos valores pessoais e cultura local, identifica-ção e troca de saberes – ressignificam as vivências pessoais, familiares ecomunitárias, contribuindo para o fortalecimento da autoestima, des-construção das situações de conflitos e desagregação nas relações, cres-cimento na convivência em grupo, na família e na comunidade e desen-volvimento de habilidades gerais como negociação e reivindicação dedesejos pessoais e coletivos:

[No SCFV-Adolescente] aprendi coisas novas, convi-vência em grupo, interação com adolescentes (Jo-vem do CRAS Bom Jardim).14

Porque no espaço onde moro não há lugar de lazer.Além disso, no SCFV aprendo sobre meus direitos (Jo-vem do CRAS Canindezinho).

13 Nos meses de novembro e dezembro de 2012, foram realizadas avaliações com adolescentesde 15 a 17 anos dos Serviços de Convivência e de Fortalecimento de Vínculos desenvolvidos nosCRAS. Esses sujeitos responderam a um questionário avaliativo e participaram de grupos focais.As falas dos idosos correspondem a relatos coletados em grupos focais realizados com os mesmos,quando discorreram sobre a seguinte questão: “O SCFV é importante para você? Justifique”.14 As falas transcritas dos adolescentes são respostas ao seguinte questionamento: “Você gostade participar do Programa? Justifique”.

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[Gosto do SCFV-Adolescente] pelo acesso às informa-ções e às temáticas trabalhadas no coletivo (Jovem deum CRAS da SER VI).

Aprendemos muito com o SCFV, sobre DSTs/AIDS,drogas, violência contra a mulher etc. (Jovem do CRASLagamar).

Associadas a essa dimensão, pode-se elencar ainda: a participaçãoem atividades de expressão artística (música, dança, artes plásticas, ar-tesanato, teatro), expansão do universo informacional e cultural, maisexperiências de lazer e ludicidade. Elas possibilitam individual e coleti-vamente aos usuários e usuárias dos grupos de convivência e socioedu-cativos a ampliação das formas de auto-reconhecimento, de expressãoda subjetividade e de posicionamento diante da realidade vivida.

Gosto [do SCFV-Adolescente] porque é onde podemosnos expressar. Mostrar algum talento que possuímose porque o SCFV tira muitos adolescentes das ruas,drogas etc. (Jovem do CRAS Praia do Futuro).

[Gosto do SCFV-Adolescente porque] facilitou a capa-cidade de expressão, o acesso a temáticas (Jovem deum CRAS da SER VI).

Me considero tímida e com a participação no grupopassei a me comunicar melhor (Jovem do CRAS Con-junto Esperança).

Por outro lado, as atividades de conhecimento do território, como omapeamento dos seus sujeitos políticos (organizações governamentaise não-governamentais, movimentos sociais), a articulação comunitáriapara o desenvolvimento das ações de interesse coletivo, a participaçãoem redes de desenvolvimento local contribuem para o fortalecimentoda identidade social e vínculo dos usuários com seu espaço de moradia.A partir da inserção nessas atividades, começam a reconhecer a culturalocal e as demandas comunitárias como instâncias onde ressoam dese-jos e aspirações pessoais.

Porque esse programa ajuda a gente a saber sobre ascoisas, ajuda a gente a refletir. Eu adoro o SCFV Ado-lescente (Jovem do CRAS Vila União).

[Gosto do SCFV-Adolescente] porque tenho mais con-tato com a comunidade, visando melhorá-la (Jovemdo CRAS Mucuripe).

Porque no SCFV aprendemos, ganhamos novos ami-gos e conhecimento. Gosto porque abre nossa mentepara temas discutidos no cotidiano (Jovem do CRASLagamar).

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[Gosto do SCFV-Adolescente] porque aborda váriostemas, inclusive sobre a comunidade que eu moro(Jovem de um CRAS da SER VI).

Por fim, a atuação dos CRAS tem contribuído para o fomento da auto-nomia e cidadania, a partir do aumento crescente da participação dosusuários em instâncias como: Conselhos Estadual e Municipal de Assis-tência Social, Conferências de Assistência Social, oficinas para elaboraçãodo Plano Municipal de Assistência Social, encontros de avaliação da Polí-tica de Assistência Social, assembleias do Orçamento Participativo da ci-dade e encontros para construção do Plano Diretor do município.

A ideia de afirmação dos CRAS, cujos resultados de suas ações são aprincipal evidência política e empírica, tem como pressuposto a ocupa-ção de um espaço na dimensão pública da sociabilidade, na qual interfe-rem tanto determinações internas como externas. Ou seja, o lugar que aAssistência Social tenciona ocupar como política pública depende tantodas injunções e legitimação externa como das respostas que essa políti-ca emana. Arendt (1993) compreende o conceito de público a partir deduas dimensões. Vejamos:

significa, em primeiro lugar, que tudo o que vem apúblico pode ser visto e ouvido por todos e tem a mai-or divulgação possível. [...] Em segundo lugar, o ter-mo ‘público’ significa o próprio mundo, na medidaem que é comum a todos nós e diferente do lugar emque nos cabe dentro dele (ARENDT, 1993, p. 59-62).

De acordo com esta acepção, entende-se que público refere-se, dife-rentemente do privado, a tudo aquilo que interessa a todos e que, por-tanto, está sujeito a ser julgado por todos, com base no poder de argu-mentação e negociação conjunta. Por conseguinte, público diz respeitoa tudo aquilo que interessa a cada um de nós individualmente, mas tam-bém converge com os interesses e perspectivas dos outros, a partir deponderações que congregam demarcações específicas.

No caso específico da contribuição dos CRAS para a afirmação públi-ca da Política de Assistência Social no município de Fortaleza, sobressa-em os resultados das ações, o poder de articulação e a visibilidade dessasunidades de Assistência Social nos seus territórios de atuação. Esse lugardo CRAS concretiza-se, num primeiro momento, por meio do reconhe-cimento dos usuários e dos profissionais da Assistência Social. Num se-gundo, a centralidade do seu papel expressa-se via atribuição externaque se materializa em movimentos de articulação, aproximação e par-ceria, que emanam de instâncias externas à Política de Assistência Social,como: entidades representativas da sociedade organizada, instituições deoutras políticas setoriais, movimentos sociais, dentre outros.

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A Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), criada em julhode 2007, assumiu o compromisso político e institucional de estruturaçãodas ações de Proteção Social Especial no município de Fortaleza, em con-sonância com a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e o SistemaÚnico de Assistência Social (SUAS). A Proteção Social Especial tem comoobjetivo principal contribuir para a prevenção de agravamentos epotencialização de recursos para a reparação de situações que envolvamrisco pessoal e social, violência, fragilização e rompimento de vínculosfamiliares, comunitários e/ou sociais. Considerando os níveis de agrava-mento, a natureza e a especificidade do atendimento ofertado, a atençãona Proteção Social Especial organiza-se em Proteção Social Especial deMédia Complexidade e Proteção Social Especial de Alta Complexidade.

O município de Fortaleza, inserido em um contexto social onde impe-ra desigualdades econômicas, políticas, culturais e sociais, intermediadaspor relações de gênero, características étnico-raciais, orientação sexual,dentre outras, apresenta como outras grandes métropoles brasileiras decrescimento desordenado, fenômenos de abandono e da violação dosdireitos de indivíduos e famílias. Disso resultam profundas expressões daquestão social que podem ser constatadas em um caminhar pelas ruas dacidade, onde encontramos situações de mendicância, moradia de rua,idosos abandonados, exploração sexual de crianças e adolescentes, e aexistência de homens, mulheres e crianças que sobrevivem de formasubumana da coleta de materiais recicláveis.

Diante desse contexto, a Semas responsabilizou-se pela oferta deprogramas, projetos e serviços que ofereçam atendimento especializa-do, fortaleçam os vínculos familiares e comunitários e potencializem a

A Proteção Social Especialno Município de FortalezaAline Santiago Cavalcante Gomes1

Giselle Machado Costa Fasolo2

Christiane Barroso Façanha Lima3

1 Assistente Social. Coordenadora Adjunta da Proteção Social Especial da Secretaria Municipal deAssistência Social (Semas).2 Assistente Social. Especialista em Serviço Social, Políticas Públicas e Direitos Sociais. Supervisora daProteção Social Especial de Média Complexidade da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas).3 Assistente Social. Especialista em Serviço Social, Trabalho e Ética Profissional pela UniversidadeEstadual do Ceará (Uece). Supervisora da Proteção Social Especial da Alta Complexidade da Secreta-ria Municipal de Assistência Social (Semas).

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função protetiva das famílias, bem como possibilitem a construção daautonomia de seus usuários em articulação com o Sistema de Garantiade Direitos (SDG). Torna-se, assim, imprescindível a organização e o fun-cionamento da Rede de Proteção Social Especial em Fortaleza, no senti-do de oferecer aos usuários da Política de Assistência Social um atendi-mento efetivo com base nas premissas e diretrizes do Sistema Único deAssistência Social (SUAS).

Como resposta aos anos de abandono institucional em relação aopúblico-alvo da PSE, com destaque para a população de rua, a SEMASestruturou uma rede de serviços especializados de média e alta comple-xidade, organizados em dois programas estruturantes, a saber: o Progra-ma de Enfrentamento à Violação de Direitos onde se insere o Programade Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), a implantação de três Cen-tros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) que aten-de a todos os tipos de violações, a Casa de Passagem e o Programa deAtenção Integral à População de Rua, onde implantamos o Centro deReferência Especializado para População em Situação de Rua (CentroPop)e o Espaço de Acolhimento Noturno (EAN).

Programa de Enfrentamentoà Violação de Direitos

Em Fortaleza, segundo relatório final do Diagnóstico Social/2008, asvítimas preferenciais das múltiplas expressões da violação de direitos sãocrianças, adolescentes, mulheres negras e idosos(as). Estatísticas da vio-lência na capital cearense também revelam que há interface entre as di-mensões econômica, política, social e psicológica que se instalam na socie-dade atual, onde os segmentos mencionados se tornam mais vulneráveis.

A Semas, atenta a esta problemática, instituiu o Programa de Enfrenta-mento à Violação de Direitos que compreende ações de prevenção e prote-ção social de média e alta complexidade, desenvolvidas através de pro-gramas, projetos e serviços, cuja preocupação central reside na expan-são do acesso aos direitos, promoção da autonomia, melhoria da quali-dade de vida e reconstrução dos vínculos familiares e comunitários dapopulação em situação de risco pessoal e social.

Esse Programa parte do princípio que a pobreza e a exclusão “sãoresultantes da questão social” permeando a vida de muitas pessoas. Nes-se sentido, partilhamos da concepção da Yazbek (2001), quando afirmaque “a exclusão configura-se como uma condição das relações sociaisvigentes na sociedade, que produzem e reproduzem a desigualdade noplano social, político, econômico e cultural” (p. 34). Define-se, assim,um lugar na sociedade para os pobres, o que se expressa, muitas vezes,numa constante violação aos direitos humanos.

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A responsabilidade do Estado, por intermédio da efetivação de polí-ticas públicas, faz-se imprescindível para o enfrentamento às múltiplasexpressões da questão social. Quando falamos de violação de direitos,compreendemos como direitos de homens e mulheres que estão inseri-dos em recortes de classe social, gênero, etnia/raça, idade, orientaçãosexual, dentre outros.

Centro de Referência Especializadoda Assistência Social – CREAS

O início da oferta de serviços especializados no âmbito da AssistênciaSocial em Fortaleza deu-se por meio do atendimento das situações deviolação de direitos das pessoas idosas, em dezembro de 2007, através daimplantação do Núcleo de Atendimento à Pessoa Idosa Vitimizada (NA-PIV). Em agosto de 2008, ocorreu a implantação do primeiro Centro deReferência Especializado de Assistência Social (CREAS) que incorporou asações do NAPIV e ampliou esse serviço aos demais segmentos, tais comomulheres, pessoas com deficiência, LGBT, dentre outros. Em janeiro de2010, a Semas implantou mais um CREAS, ampliando o atendimento àssituações de violações de direitos na cidade de Fortaleza. Este ano, a ter-ceira unidade foi implantada.

Os CREAS ofertam orientação, apoio especializado e continuado deAssistência Social aos indivíduos e famílias com seus direitos violados.Nestes equipamentos públicos são desenvolvidos: o Serviço de Proteçãoe Atendimento Especializado às Famílias e Indivíduos (PAEFI); o ServiçoEspecializado de Abordagem Social; o Serviço Especializado de Atendi-mento à Pessoa Idosa e com Deficiência; e o referenciamento do Serviçode Proteção Social Especial para Adolescentes, em Cumprimento de Medi-das Socioeducativas, uma parceria com a Secretaria de Direitos Humanos.

O PAEFI realiza apoio, orientação, atendimento e acompanhamentoàs famílias com membros em situação de ameaça ou risco social, seusagravamentos ou reincidência, fortalecimento dos vínculos familiares,comunitários e sociais, garantindo o atendimento imediato e as provi-dências necessárias para a inclusão da família nos serviços socioassis-tenciais, outras políticas intersetoriais e/ou programas de transferênciade renda. Com a ampliação dos serviços, aumentou o acesso e a cobertu-ra das pessoas atendidas e acompanhadas pelos CREAS na cidade, comodemonstram os dados abaixo:

2009 2010 2011

7 0 5 1114 2726

No segundo semestre de 2010 foi também implantado o Serviço Espe-cializado de Abordagem Social, um serviço continuado que tem como

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finalidade principal assegurar o trabalho social de abordagem e buscaativa, identificando nos territórios da cidade a incidência de trabalho in-fantil, exploração sexual de crianças e adolescentes, situação de rua, den-tre outras situações. Esse serviço conta com uma equipe específica, for-mada por educadores sociais vinculados a cada CREAS. Tanto o PAEFIcomo o Serviço de Abordagem Social, tem como público prioritário asfamílias com ocorrência de trabalho infantil. A partir da implantação doServiço de Abordagem Social, houve um crescimento expressivo do núme-ro de crianças e adolescentes encaminhadas para o Programa de Erra-dicação do Trabalho Infantil (PETI), conforme indica o quadro abaixo:

2010 2011

243 1052

O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) é um progra-ma de âmbito nacional, que articula um conjunto de ações visando aproteger e retirar crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos daprática do trabalho precoce, resguardado o trabalho na condição deaprendiz a partir de 14 anos, em conformidade com o que estabelece aLei nº 10.097/2000 – Lei de Aprendizagem.

Em decorrência da implantação do Serviço Especializado de Aborda-gem Social nos CREAS, uma das estratégias de enfrentamento ao trabalhoinfantil, acontece por meio do mapeamento e da inserção das equipes debusca ativa nos territórios com maior incidência de trabalho infantil nacidade. Após a identificação e a abordagem social às crianças e aos adoles-centes, o CREAS inclui as famílias no Programa de Atendimento Especi-alizado às Famílias e Indivíduos (PAEFI) e realiza a atualização ou inclusãocadastral no Cadastro Único, garantindo, assim, o acesso aos benefícios detransferência de renda. Paralelamente a estas ações, é realizado o encami-nhamento imediato da criança e do adolescente ao Serviço de Convivên-cia e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) no âmbito da Proteção SocialBásica. Depois do acompanhamento inicial realizado pelos técnicos dosCREAS, através do PAEFI, as famílias e as crianças passam a ser acompa-nhadas pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS).

A integração e articulação sistêmica entre o PETI e o Programa BolsaFamília, sobretudo, a gestão municipal destes programas, expressamresultados positivos na diminuição do trabalho infantil, conforme dadosrecentemente divulgados pelo Censo IBGE/20114. Apontou-se, por exem-plo, uma redução de 66% do trabalho Infantil no Ceará entre os anos de2009 e 2010.

Outra ação significativa dos CREAS para a superação das situaçõesde violação de direitos foi a criação do Grupo de Trabalho Garantia de

4 Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2011).

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Direitos, uma articulação interinstitucional com órgãos do Sistema deGarantia de Direitos e com órgãos gestores das outras políticas públicas.Constituiu-se, então, a partir daí um espaço de discussão, mobilização earticulação, tendo como um dos seus objetivos a construção e o fortale-cimento de fluxos intersetoriais para o atendimento integral à popula-ção com direitos violados.

Segurança de Acolhida:Casa de Passagem Elisabete de Almeida

A Semas, ao reconhecer a necessidade de proteção social integralexperimentada por pessoas e famílias em situação de abandono ou vio-lação de direitos, cujos vínculos familiares ou comunitários foram rom-pidos, implantou, em julho de 2010, a Casa de Passagem. Este serviçooferta acolhimento provisório diuturno, às pessoas adultas ou gruposfamiliares em situação de risco pessoal ou social e desabrigo, em decor-rência de abandono, ameaça, migração ou em trânsito que estejam im-possibilitadas de suprir suas necessidades e de sua família, como tam-bém, de garantir seu retorno imediato ao lar.

Essa modalidade de atendimento garante: acolhida temporária 24horas, alimentação, espaço adequado para higienização e guarda de per-tences pessoais. São ofertados serviços e ações que priorizam a (re) in-serção social e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários,encaminhamento aos órgãos do Sistema de Garantia de Direitos e àsdemais políticas públicas setoriais, possibilitando a superação das situa-ções de violação de direitos, inicialmente identificadas.

Os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS)são as portas de entrada para a Casa de Passagem, ou seja, compete aosCREAS realizar o atendimento, o acompanhamento e o encaminhamen-to dos usuários da Política de Assistência Social acolhidos na Casa dePassagem.

Através do acolhimento realizado na Casa de Passagem, percebeu-se mudanças significativas na vida dos usuários acompanhados, taiscomo: a ressignificação de suas perspectivas e projetos de vida; for-talecimento da autonomia e auto-estima; restabelecimento dos víncu-los familiares, sociais e comunitários; saída da situação de negligênciae abandono; redução dos agravos advindos das situações de violaçãode direitos sofridas; maior acesso à rede socioassistencial e aos órgãosdo Sistema de Garantia de Direitos e às demais políticas públicas seto-riais. Um dado relevante é que das 286 pessoas acolhidas neste equipa-mento desde sua implantação, 251 superaram as situações de riscopessoal e ou/social, o que reforça a idéia de primazia da função protetivado Estado.

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Programa Municipal deAtenção Integral à População de Rua

A pessoa em situação de rua é alguém que por conta de variados esingulares processos de exclusão social foi perdendo as referências institu-cionais, como a escola, o trabalho, a família, o Estado, por dentro de umprocesso progressivo e aprofundado de “desfiliação social” (CASTEL, 2008).

A população de rua5, como demonstram as recentes pesquisas, é bas-tante heterogênea, ou seja, são histórias de vidas singulares e específicas,mas que atravessam problemas comuns referentes a: migração, desem-prego, baixa escolaridade e falta de qualificação profissional, uso abusivoe frequente de álcool e outras drogas, práticas delituosas, quebra ou com-prometimento nos vínculos familiares e afetivos. Como agravante, têmque enfrentar o estigma e o preconceito da sociedade que os veem como“marginais, vagabundos e perigosos”. Por todas estas questões, o viver narua adota uma dinâmica própria. Com um cotidiano marcado pela violên-cia, drogadição e internalização de representações negativas difundidaspela sociedade, a tendência é que o imediatismo, as relações efêmeras efragmentadas (de trabalho, de amizade, institucionais e afetivas) deem atônica das regras de convivência e sociabilidade.

De acordo com a pesquisa realizada pelo Ministério do Desenvolvi-mento Social e Combate à Fome (MDS)6, a população em situação de ruaem Fortaleza é de 1.701 pessoas, sendo 84,5% homens, a maioria (56,3%)na faixa entre 25 e 44 anos, pardos (53,8%) e pretos (24,8%). A maior parte(89,7%) dorme nas ruas, embora tenha atividade laborativa comocatadores de material reciclável (24,6%), flanelinha (21,8%) ou vendas(7,2%). Somente 15% são pedintes.

Com base nestes dados, observou-se a necessidade de estruturaçãode um programa específico para a população de rua, considerando assuas singularidades e fragilidades, no que tange ao desenvolvimento dasações socioassistenciais. Os dados reforçam ainda a ideia de que a situa-ção de rua é tão complexa que somente a Política de Assistência Socialnão “dá conta” das demandas apresentadas por este segmento. A com-preensão da atual gestão municipal é de que as populações de rua são

5 A população em situação de rua ou a chamada população de rua pode ser definida como umgrupo populacional heterogêneo que tem em comum a pobreza, vínculos familiares quebradosou interrompidos, vivência de um processo de desfiliação social pela ausência de trabalho assalari-ado e das proteções derivadas ou dependentes dessa forma de trabalho. Sem moradia convencio-nal regular, adota a rua como o espaço de moradia e sustento. Naturalmente, existem muitas outrasespecificidades – como gênero, raça/cor, idade e deficiências físicas e mentais – que caracterizam aspessoas em situação de rua e devem ser consideradas nos estudos, pesquisas ou trabalhos sociaisjunto a elas (BRASIL, 2008).6 Pesquisa Nacional Censitária e Por Amostragem da População em Situação de Rua, realizadaem 2007, sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Conferirmais detalhes sobre essa Pesquisa na sessão “Caracterização da População em Situação de Rua”.

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cidadãos(ãs) de direitos e demandatários(as) das políticas públicas emgeral, ou seja, deve-se também lhes garantir o acesso às outras políticas,tais como Saúde, Educação, Cultura e Lazer, Trabalho e Renda. Assim aintersetorialidade7, ou seja, a articulação da rede de serviços tanto gover-namentais como não-governamentais voltados à população de rua éparte inerente deste programa.

Centro de Referência para Populaçãoem Situação de Rua – CentroPop

Em setembro de 2007, a SEMAS deu início à oferta de serviços espe-cíficos destinados à população em situação de rua, a saber, o Centro deAtendimento à População de Rua (CAPR). O CAPR tinha como objetivoprincipal atender às demandas trazidas por este segmento, bem como,realizar encaminhamentos para a rede socioassistencial e demais ór-gãos, promover ações coletivas e individuais, pautadas na participaçãosocial e em eixos estratégicos, relacionados à inclusão socioprodutiva ecultural, buscando, assim, o fortalecimento do convívio social e comu-nitário. Em 2009, o CAPR passou a incorporar uma equipe específica (ecomplementar): o Serviço Especializado de Abordagem de Rua (SEAR).

A Equipe de Abordagem tem como finalidade realizar um trabalhosistemático de abordagem diuturna às pessoas e/ou famílias em situaçãode rua nas seis regionais administrativas de Fortaleza, incluindo o Centroda Cidade. É sua responsabilidade, portanto, propiciar: encaminhamen-tos das demandas dessa população à rede socioassistencial e às demaispolíticas públicas, o desenvolvimento de atividades socioeducativas quecontribuam para o diálogo crítico, o fortalecimento de sua identidadepessoal e social, garantia dos direitos básicos e a superação da situação derua, a partir de um processo educativo e de inclusão social.

No ano de 2011, a Semas, buscando alinhar-se às orientações contidasna Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, reformulou a pro-posta do CAPR, agora, CentroPop. Este equipamento continua tendo comodestinatário dos seus serviços a população em situação de rua, através daoferta do Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua e doServiço Especializado de Abordagem Social de Rua. Estes serviços têm afinalidade de assegurar atendimento e acompanhamento especializado,atividades direcionadas para o desenvolvimento de sociabilidades, naperspectiva do fortalecimento de vínculos interpessoais e/ou familia-

7 “Intersetorialidade é a articulação entre sujeitos de setores sociais diversos e, portanto, de sabe-res, poderes e vontades diversos, para enfrentar problemas complexos. É uma nova forma de traba-lhar, de governar e de construir políticas públicas que pretende possibilitar a superação da fragmen-tação dos conhecimentos e das estruturas sociais para produzir efeitos mais significativos na [...] po-pulação”. In http://www.redeunida.org.br/producao/div_interset.asp Consultado em 01/07/2008.

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res, que oportunizem a construção de novos projetos de vida. Alémdisso, oferece trabalho técnico para análise de demandas dos usuários,orientação individual e grupal e encaminhamentos a outros serviços darede socioassistencial e demais políticas públicas, contribuindo para aconstrução da autonomia e proteção às situações de violência.

Desde a sua implantação, inúmeros usuários apontam a existênciado serviço ofertado à população de rua como um verdadeiro avanço,gerando impactos reais nas suas condições de vida. Vejamos o relato dosusuários participantes das oficinas socioeducativas e de arte educação,em que foram abordados temas transversais, que ampliaram o seu en-tendimento sobre cidadania e direitos:

Eu respeito muito as oficinas do Centro Pop. Acho quemuita gente é desinformado e deveria ser mais infor-mado. As oficinas têm ajudado muito, muito, muito.Acho que tudo é válido, desde que me proporcione obem e se me porporciona o bem pra mim é valido.Porque a vida da gente é o que nós faz bem [...] (I.N.P.C– usuário do CentroPop).

Pra mim participar da oficina foi bastante esclarece-dor. Tirou muitas dúvidas que eu tinha (A.D.A. – usu-ário do CentroPop).

Todos somos seres humanos e merecemos o devido res-peito porque a partir do momento em que te respeitotambém sou respeitado. As oficinas trazem vários te-mas pra se discutir e isso é muito importante paratodos nós que vivemos na rua (E.C.D.J. – usuário doCentroPop).

Os acessos dos usuários ao CentroPop dão-se mediante encaminha-mentos da Equipe de Abordagem Social de Rua, por demanda espontâneaou por encaminhamentos da rede socioassistencial e das outras políticaspúblicas, além de demandas apresentadas pela população em geral. Desdea sua implantação, observa-se o crescimento vertical de novos usuáriosem busca dos serviços ofertados, como demonstra o quadro abaixo:

2008 2009 2010 2011

440 5 5 7 1987 2911

Através da análise dos dados obtidos por meio das entrevistas iniciaisregistradas nos prontuários, verificou-se que o perfil dos usuários do servi-ço é similar ao apresentado no restante do país, ou seja, uma populaçãopredominantemente masculina (84%), jovem (41,3%), advinda do interiordo Estado (23%), com ensino fundamental incompleto (47%), com osvínculos familiares rompidos (44%), desempregados (86%), tendo noálcool e outras drogas o motivo principal de ida e permanência nas ruas

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(27%). E, ainda, 79% referem-se a usuários de drogas e 46% vivem detrabalhos informais. Os dados reforçam ainda que a complexidade da situa-ção de rua não pode ser considerada e atendida somente pela Política deAssistência Social, exigindo uma articulação inter e intrasetorial, entre po-der público e sociedade civil numa perspectiva de integralidade na consoli-dação dos direitos.

Espaço de Acolhimento Noturnopara População em situação de Rua

Com base no entendimento da oferta integral do atendimentosocioassistencial, a Semas implantou, em novembro de 2009, o Espaço deAcolhimento Noturno para População de Rua (EAN). Este serviço realizaacolhimento provisório e noturno a indivíduos adultos e famílias em situa-ção de rua. Busca oportunizar um espaço acolhedor e protegido que pos-sibilite a ressignificação das vivências de rua, contribuir para a construçãoda autonomia, o fortalecimento para o exercício da cidadania, mais a re-flexão e apoio à definição de estratégias para reorganização de suas vidas.

O EAN disponibiliza os serviços de acolhida noturna, alimentação,espaço adequado para higienização e guarda de pertences pessoais, aten-dimento e acompanhamento social, atividades socioeducativas e lúdicas,encaminhamentos diversos à rede socioassistencial. O CentroPop é a por-ta de entrada para o Espaço de Acolhimento Noturno, sendo responsávelpor realizar o atendimento, o acompanhamento e encaminhamentos dasdemandas apresentadas pelos usuários. O acolhimento institucional, porordem de prioridade, é a quarta demanda mais apresentada pela popula-ção em situação de rua, configurando um crescimento significativo, a par-tir da abertura do equipamento, como demonstra o quadro abaixo:

2009 2010 2011

20* 7 0 0 1046*O serviço foi aberto em novembro de 2009.

O atendimento realizado pela Assistência Social à população de ruaapresenta avanços relevantes no que se refere a(o): resignificação dasperspectivas e projetos de vida; fortalecimento da autonomia e auto-estima; restabelecimento de vínculos familiares e comunitários; supera-ção da situação de rua e abandono; redução das situações e agravosadvindos das situações de violação de direitos sofridas; maior acesso àrede socioassistencial, demais políticas públicas e órgãos do Sistema deGarantia de Direitos para atendimento de suas demandas. Desde a im-plantação do EAN, o equipamento já acolheu 1766 pessoas, das quais596 saíram da situação de rua. Desse modo, considerando a complexi-dade da população em situação de rua, sobretudo a problemática rela-

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ção com o álcool e as drogas vivenciada pela maioria destas pessoas, oque dificulta a construção da autonomia, este dado de 34% de superaçãoda situação de rua é visto como bastante positivo.

Interfaces intersetoriais no atendimentoà população em situação de rua

A intersetorialidade tem sido uma das estratégias mais utilizadas nagestão municipal de Fortaleza como meio para ampliar o acesso aosdireitos sociais, no âmbito das políticas públicas voltadas para os seg-mentos mais vulnerabilizados. Dentro dessa perspectiva, foram surgin-do novas formas de operacionalizar as ações entre as políticas públicas.

A Secretaria Municipal de Assistência Social, no cotidiano de suasações, articula-se com as demais Secretarias, buscando garantir prote-ção social integral às famílias e indivíduos atendidos pela rede socioas-sistencial, que, em grande maioria, apresentam problemáticas sociais decaráter complexo e multifuncional.

No que se refere à população em situação de rua, a partir da criaçãoda Semas, foi constituído o Grupo de Trabalho População em Situação deRua, cujo propósito era articular as diversas instâncias governamentaise não-governamentais para implantação de uma Rede de Serviços e AçõesIntersetoriais, voltada ao público em questão. Ainda que não se tenhainstituído legalmente uma Política Municipal para População em Situa-ção de Rua, com este espaço político provocado pela Assistência Social,muitas ações e serviços surgiram desta articulação.

Uma das questões inicialmente discutidas foi o acesso e a fragilidadedo atendimento de saúde deste segmento, tanto no que se refere à saúdemental quanto em relação às questões clínicas. Em consequência dessedebate foram implantados serviços como Consultório de Rua, o Núcleode Apoio à Saúde da Família (NASF) – modalidade 3, além da constitui-ção de fluxos para o atendimento da população de rua nos 12 Centros deAtenção Psicosocial (CAPS), especialmente, nos CAPS-AD, nas Comuni-dades Terapêuticas, no Serviço de Referência em Desintoxicação Hospi-talar (SRH – AD) e no atendimento de urgências e emergências (SAMU).Ainda com a política de Saúde e outras políticas setoriais, foi criado oPlano Municipal de Prevenção e Enfrentamento ao Crack e Outras Dro-gas, em que um dos públicos prioritários é a população de rua. Uma dasações principais desse plano foi a realização de uma capacitação sobre“Prevenção e Atendimento de Usuários de Crack e Outras Drogas” para600 operadores da Política de Assistência Social.

Outra questão apresentada eram as situações de abuso e violênciapolicial, denunciadas pelo movimento da população de rua. Assim, fo-ram realizadas duas capacitações promovidas em parceria com a Guar-

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da Municipal e Defesa Civil, tendo como tema “Direitos Humanos e Abor-dagem Cidadã às Pessoas em Situação de Rua”. Ainda em parceria com aDefesa Civil, usuários do CentroPop e do EAN foram contemplados como Aluguel Social.

Portanto, outra demanda articulada foi a parceria com a Fundação deDesenvolvimento Habitacional de Fortaleza (HABITAFOR), em que osbeneficiários do Programa Aluguel Social são acompanhados e cadastra-dos por esta Secretaria, na perspectiva de serem contempladas com umaunidade habitacional popular. Com a Secretaria de Esporte e Lazer deFortaleza (SECEL), fomentamos ações que integram o público atendido,através da realização anual de torneios esportivos nas praças públicas doCentro da cidade, local que registra maior incidência de pessoas em situa-ção de rua em Fortaleza.

Outras ações mais pontuais foram realizadas com outras secretarias,como a realização do Torneio Anual do Povo da Rua, com a SECEL, oMutirão da Cidadania para tiragem de documentação oficial com a Secre-taria de Direitos Humanos de Fortaleza (SDH), a realização anual do Natalpara a População de Rua com a Secretaria do Centro e com a Federação deComércio do Estado do Ceará (FECOMÉRCIO). Além das instâncias daesfera executiva, realizamos também com a Câmara Municipal de Fortale-za uma audiência pública para discutir a problemática da população derua no município de Fortaleza e propor a regulamentação da Política Muni-cipal para Pessoas em Situação de Rua.

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