livro segunda ultima revisao jair

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TRAJETÓRIAS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL E REGIONAL Uma comparação entre a região Nordeste do Brasil e a Baixa Califórnia, México Jair do Amaral Filho e Jorge Carrillo (coordenadores) Rio de Janeiro, 2011

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TRAJETÓRIAS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL E REGIONALUma comparação entre a região Nordeste do Brasil e a Baixa Califórnia, México

Jair do Amaral Filho e Jorge Carrillo (coordenadores)

Rio de Janeiro, 2011

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© Jair do Amaral Filho e Jorge Carrillo (coord.)/E-papers Serviços Editoriais Ltda., 2011.Todos os direitos reservados a Jair do Amaral Filho e Jorge Carrillo (coord.)/E-papers Serviços Editoriais Ltda. É proibida a reprodução ou transmissão desta obra, ou parte dela, por qualquer meio, sem a prévia autorização dos editores.Impresso no Brasil.

ISBN 978-85-7650-289-0

Projeto gráfico, diagramação e capaLivia Krykhtine

RevisãoElisa Sankuevitch

Esta publicação encontra-se à venda no site daE-papers Serviços Editoriais.http://www.e-papers.com.brE-papers Serviços Editoriais Ltda.Rua Mariz e Barros, 72, sala 202Praça da Bandeira – Rio de JaneiroCEP: 20.270-006Rio de Janeiro – Brasil

CIP-Brasil. Catalogação na Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livro, RJ

T688Trajetórias de desenvolvimento local e regional: uma comparação entre a região nor-deste do Brasil e a Baixa Califórnia (México) / Jair do Amaral Filho e Jorge Carrillo (coordenadores). - Rio de Janeiro: E-papers, 2011.398p. : il.Inclui bibliografiaISBN 978-85-7650-289-01. Planejamento regional - Brasil, Nordeste. 2. Brasil, Nordeste - Condições econômi-cas. 3. Planejamento regional - Baixa California (México : Península). 4. Baixa Cali-fornia (México : Península) - Condições econômicas. 5. Desenvolvimento econômico. I. Amaral Filho, Jair do. II. Carrillo, Jorge. III. Título.

11-0527. CDD: 338.98CDU: 338.1(8)

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Sumário

5 Apresentação

15 Elementos da política de desenvolvimento empresarial: o caso da Baixa Califórnia, MéxicoNoé Arón Fuentes

37 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional, um olhar sobre o Nordeste brasileiroJair do Amaral Filho

69 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais: eletrônica e autopeças na fronteira norte do MéxicoJorge Carrillo

99 A inovação nas indústrias de software da Baixa CalifórniaAlfredo Hualde e Redi Gomis

123 Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões: Baixa Califórnia, MéxicoSárah Eva Martínez Pellégrini

147 Empresas incentivadas e o perfi l exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizadoMaria Cristina Pereira de Melo

171 Em direção a uma integração virtuosa: o caso da economia baianaHamilton de Moura Ferreira Junior, Lúcio Flávio da Silva Freitas e Fábio Batista Mota

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199 Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00Carlos Américo Leite Moreira e Inez Silvia Batista Castro

223 Os arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de redução da pobrezaEveline Barbosa Silva Carvalho

237 Capacitação tecnológica no Brasil: por que as políticas de C,T&I são pouco efi cazes?David Rosenthal

265 Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovaçãoHelena M. M. Lastres e José Eduardo Cassiolato

287 Sudene: do desenvolvimento cepalino ao desenvolvimento endógenoFernanda Ferrário de Carvalho

309 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia: uma metodologia de delineamentoFrancisco de Assis Costa

357 Federalismo fi scal: os efeitos dos fundos de participação dos estados (FPE) e dos municípios (FPM) na distribuição da renda inter-regional e interpessoal no Nordeste brasileiroMarcelo Callado

377 Guiana Francesa: riqueza e fragilidade numa economia periféricaYves-A. Fauré

395 Autores

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Apresentação 5

Apresentação

Como todas as transformações econômicas e institucionais, o processo de globalização tem arregimentado um grande número de adeptos, ao mesmo tempo que produz um exército de críticos. Esse quadro é perfeitamente jus-tificado pelos resultados contraditórios gerados por tal processo, cuja sínte-se está longe de ser visualizada. Enquanto possibilita a retirada de milhões de pessoas da situação de pobreza na China e na Índia, por exemplo, e até no Brasil, a globalização causa desconforto entre os países industrialmente desenvolvidos em razão do deslocamento dos investimentos e da terceiri-zação da produção manufatureira, resultando na subtração de empregos nesses países.

Vista por esse ângulo, a globalização tem provocado impactos diferen-ciados sobre as trajetórias de desenvolvimento local e regional, fazendo-se sentir por meio de resultados que compõem um quadro ocupado por regiões ganhadoras e regiões perdedoras, cujo divisor de águas tem sido o conhecimento e a inovação e, a contragosto de certas correntes de pensa-mento, projetos e processos de desenvolvimento colocados em prática por vontades e decisões políticas.

Em vez de seguir clichês analíticos e generalizantes previamente con-cebidos, é conveniente que sejam feitas observações empíricas e análises pormenorizadas sobre os impactos da globalização sobre as regiões em seus variados aspectos, tais como: econômico, social e cultural e, inclusive, de capacidade criativa. Além disso, concomitante ao exercício de se apurar os resultados macroeconômicos produzidos pela globalização sobre um país, é necessário que se realizem pesquisas e reflexões sobre o que acontece, dentro dele, em nível local e regional, face àquele processo de globalização. Isso significa dizer que os resultados produzidos por esse fenômeno sobre as várias regiões e territórios são diferenciados, sobretudo nos casos de paí-ses de grande escala e que apresentam níveis acentuados de desigualdades social e espacial. Esses são os casos de países como o México e o Brasil, respectivamente, em suas regiões da Baixa Califórnia e do Nordeste.

Dentro do contexto descrito anteriormente, é oportuno que se faça uma reflexão sobre como regiões periféricas, como a Baixa Califórnia do México e o Nordeste brasileiro, além de algumas outras em posições semelhan-

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6 Apresentação

tes, vêm se comportando diante do fenômeno da globalização, das grandes transformações estruturais e dos acordos comerciais realizados por força dessas circunstâncias. Nesse sentido, professores e pesquisadores do grupo de pesquisa Região, Indústria e Competitividade (RIC) da Universidade Fe-deral do Ceará (UFC) e do Colégio de la Frontera del Norte (Colef), Tijuana, México, realizaram um seminário internacional para analisar e discutir as trajetórias recentes do desenvolvimento local e regional de suas respectivas regiões. Tal seminário ocorreu entre os dias 29 e 30 de outubro de 2008 na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade, Atuárias e Secreta-riado (FEAACS), campus Benfica da UFC, cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil, com o apoio do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), da UFC e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O livro ora publicado acolhe os resultados, em forma de artigos/capí-tulos, de trabalhos levados a cabo por pesquisadores pertencentes aos dois grupos de pesquisas referidos anteriormente e que foram apresentados no referido seminário, cujo título foi “Trajetórias de Desenvolvimento Local e Regional: uma comparação entre as regiões da Baixa Califórnia (México) e o Nordeste brasileiro”. Entretanto, alguns artigos de autoria de pesquisa-dores de outras instituições, abordando questões conceituais e teóricas ou fazendo referências a outras regiões, também participaram deste projeto, não só pela relevância dos trabalhos desses pesquisadores, mas também pela importância e pertinência dos temas tratados em relação às trajetórias das duas regiões aqui focalizadas.

O Capítulo 1, de Noé Aron Fuentes, trata da realidade da Baixa Califór-nia, no México. O autor descreve, de forma minuciosa, a política de desen-volvimento empresarial baseada em clusters implementada nessa região. Trata-se de um enfoque de agrupamentos econômicos, tanto industriais como de serviços, que foi adotada como política industrial nesse estado devido à mudança no entorno econômico-empresarial e também nas fontes de competitividade. O trabalho sintetiza a política em duas vertentes: voca-ções produtivas e fomento e desenvolvimento de clusters. Essa metodologia constitui uma referência fundamental para a definição de critérios, recur-sos, organização e seleção de políticas públicas de promoção econômica e industrial em nível local.

De acordo com o autor, os antigos instrumentos de política perderam eficácia e atratividade frente à flexibilidade das instituições encarregadas da sua gestão, à capacidade de conexão com o mundo empresarial, o de-senvolvimento e fortalecimento de clusters locais espontâneos e os serviços reais para as empresas. Daí a razão de o modelo de clusters adotado ter se convertido em motor “público” de competitividade do estado, baseado fundamentalmente nas capacidades empresariais e institucionais e na si-

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Apresentação 7

nergia conseguida pelas firmas multinacionais com as pequenas e médias empresas locais.

No Capítulo 2, que trata das transformações estruturais na região Nor-deste do Brasil, Jair do Amaral Filho esboça um desenho de agenda de pesquisa para essa região, colocando-a sob as influências das grandes trans-formações mundiais, nas quais a globalização tem sido uma protagonista privilegiada. Além desta, o autor relaciona ainda outros elementos que vêm assumindo responsabilidades importantes dentro do processo de mudança estrutural em escala mundial. A questão central, discutida no início do arti-go, está relacionada com os impactos provocados por essas transformações sobre as realidades regionais, assim como sobre o pensamento acadêmico e as políticas públicas de desenvolvimento regional. No restante do artigo, o autor procura recuperar alguns traços históricos e institucionais do de-senvolvimento do Nordeste e constrói um panorama no qual se sobressaem algumas pistas de pesquisa para que se possa explorar as transformações estruturais da região.

No Capítulo 3, Jorge Carrillo analisa as empresas “maquiadoras” de ex-portação na região fronteiriça do norte do México. Após descrever o modelo de industrialização voltado “para fora” e baseado no investimento direto estrangeiro, que busca a eficiência na exportação, se pergunta se o mo-delo das “maquiadoras” está esgotado? Expõe, em primeiro lugar, o forte crescimento e a competitividade alcançada pelas indústrias, desse modelo, desde os anos 40, em particular com a implantação do Nafta. Em segun-do lugar, analisa os diferentes tipos de empresas “maquiadoras” existentes, concluindo que há um processo de evolução. Por último, mostra os limites deste modelo de industrialização e as crises recentes do setor. No artigo, são analisados os setores emblemáticos da “industrialização via maquiadoras”: o cluster de autopeças de Juarez (fronteira com El Paso, Texas) e o cluster da indústria de televisores em Tijuana, Baixa Califórnia (fronteira com San Diego, Califórnia). Conclui que as empresas “maquiadoras” têm mantido um razoável dinamismo acompanhado de profundas transformações, que podem ser entendidas como um processo de evolução industrial (upgra-ding), mas com fortes limitações derivadas fundamentalmente do seu cará-ter extrovertido. Em outras palavras, muitas decisões cruciais são tomadas fora do México, pelas matrizes das firmas multinacionais, que repercutem em locais nos quais carecem de aglomerações territoriais (ou seja, no norte do México).

No Capítulo 4, Alfredo Hualde e Redi Gomes abordam a indústria de soft ware na Baixa Califórnia e descrevem sua recente conformação, em 2004, estruturada sobre um tecido empresarial construído a partir das mi-cro, pequenas e médias empresas locais vinculadas tanto à indústria ma-

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8 Apresentação

quiadora de exportação como ao mercado regional. Trata-se de um cluster induzido pela política pública de desenvolvimento. Os autores analisam os processos de inovação e constatam que são de caráter incremental e que se dão tanto em forma de produto quanto de serviço. Dentre suas observa-ções, os autores indicam que a inovação depende tanto de fontes externas (clientes, a exemplo das empresas “maquiadoras”) como de fontes internas (departamentos e pessoas encarregadas da comercialização). Assinalam, também, que as universidades e centros de pesquisa têm papel secundário nesse processo. Por último, concluem que os empresários agrupados em cluster de software não valorizam as inovações organizacionais e, em certo sentido, sua preocupação pela certificação é baixa.

No Capítulo 5, Sárah Martínez analisa as bases do desenvolvimento da Baixa Califórnia, no qual menciona que sua economia, apesar de ganhado-ra, tem mantido um padrão de crescimento calcado em uma estratégia de competitividade não diferente daquela baseada em fatores tradicionais (en-torno geográfico com os Estados Unidos e o baixo preço da mão de obra). Reconhece que o processo de integração econômica com este último país tem reforçado o modelo de especialização produtiva na Baixa Califórnia, mas que ainda é baixo o grau de articulação para poder consolidar um sis-tema produtivo local voltado para as especificidades regionais.

Desta maneira, a autora considera que, apesar dos clusters existentes, não se pode falar da existência de um sistema produtivo local com um nível avançado de integração. Não obstante, vê com certo otimismo a política orientada para os clusters, já mencionada no primeiro capítulo deste livro, uma vez que pode ser um bom início para se conseguir mudanças do en-foque tradicional e valorizar uma proposta de desenvolvimento territorial marcada pela consolidação de um sistema produtivo local com característi-cas próprias. Em particular, o artigo analisa as potencialidades dos clusters vinícolas e dos serviços médicos, que apresentam maiores possibilidades de êxito dado que sua competitividade está baseada na cooperação e na qualidade.

No Capítulo 6 é abordada a questão do perfil exportador das empre-sas incentivadas no Estado do Ceará, dentro de um ambiente globalizado, sob a responsabilidade de Maria Cristina Pereira de Melo. A autora parte do ponto de que o Ceará tinha uma economia pouco aberta ao comércio exterior até a década de 1990. No ambiente globalizado, a reação esta-dual à abertura comercial da economia brasileira começa a se fazer sentir de maneira significativa a partir de 1999, evidenciada pelo movimento as-cendente das exportações. O incremento das vendas externas do estado a partir daí, segundo a autora, foi resultado, em grande medida, de políticas públicas estaduais que, associadas às características da demanda mundial e

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Apresentação 9

do comportamento de seus principais parceiros, chegaram a mudar o perfil da pauta. O estudo analisa o comércio exterior do Ceará no que se refere às características e às tendências das transações no período 1990-2007 a fim de avaliar as alterações verificadas no comércio estadual a partir dos incentivos concedidos pelo governo do estado e o papel das empresas bene-ficiadas nesse processo.

No Capítulo 7, Hamilton Ferreira Jr., Lúcio Flávio Freitas e Fábio Mota exploram aspectos da chamada integração vertical, segundo definição dos próprios autores. O artigo tem por objetivo discutir a inserção econômica do Estado da Bahia. Para tanto, apresenta, primeiramente, um panorama breve dos padrões de comércio exterior e de especialização das economias mundial e baiana. Em seguida, discute alternativas para a inserção da eco-nomia da Bahia a partir de duas oportunidades disponíveis, a saber, o aden-samento da cadeia produtiva através do Complexo Industrial Ford Nordeste e a valorização dos setores intensivos em recursos. Finalmente, afirma-se a relevância do papel do Estado como agente fundamental para o desenvol-vimento das condições sistêmicas requeridas para que a referida economia possa superar os desafios e caminhar rumo a uma inserção virtuosa.

O Capítulo 8 trata do aspecto da reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas duas últimas décadas. Nesse capítulo, Carlos Améri-co Leite e Inez Silvia Castro objetivam analisar o processo de relocalização da indústria calçadista nacional para a região Nordeste do Brasil. A ideia, segundo os autores, é que a retomada dos fluxos de capitais e a abertura comercial possibilitaram maior homogeneização tecnológica em nível mun-dial, acentuando, assim, a concorrência via preço no segmento intensivo em mão de obra. Dessa forma, são analisados os comportamentos dos preços no comércio internacional da indústria calçadista nordestina e do custo da mão de obra. Os autores constatam que há indícios de que esta seria uma cadeia global dirigida pela comercialização e que o setor, no Nordeste, tem buscado a manutenção dos preços internacionais mesmo após a apreciação cambial de 2004 no Brasil.

No Capítulo 9, Eveline Barbosa aborda a questão dos arranjos produti-vos locais como estratégia de redução da pobreza. O artigo procura mostrar a importância dos arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de redução da pobreza e como caminho para a migração de programas como o Bolsa Família para uma atividade de geração de renda e estímulo à cidadania. O principal argumento, colocado pela autora, se baseia no fato de os APLs criarem oportunidades de emprego e renda e propiciarem a ca-pacitação. Os resultados da investigação para o Estado do Ceará apontam para um impacto positivo dos APLs na redução da pobreza. Embora não se possa atribuir o mérito exclusivo aos arranjos, as estimativas mostram que

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a proporção de pobres se reduz quando existe um APL no município. Isto abre margens para se afirmar que o fortalecimento dos arranjos produtivos locais funcionaria como estratégia alternativa e eficiente de combate à po-breza por permitir a sustentabilidade e o deslocamento gradual em direção à inserção produtiva.

No Capítulo 10, de autoria de David Rosenthal, discute-se a questão da capacitação tecnológica no Brasil, a partir da pergunta “por que, neste país, as políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação são pouco eficazes?”. Constata-se que, na última década, as políticas voltadas para o desenvol-vimento da capacidade de inovação vêm recebendo crescente atenção e recursos no Brasil. Apesar disso, segundo o autor, inúmeros estudos vêm mostrando que, no que diz respeito à inovação tecnológica, os resultados dessas políticas têm ficado bem aquém do desejado. Em sua opinião, res-ponsáveis pela formulação das políticas de C&T citam, com frequência, o “paradoxo” da falta de resposta do setor produtivo em termos da absorção de pesquisadores formados pelas universidades, registros de patentes por empresas nacionais e elevada concentração das exportações em produtos de baixo nível de complexidade tecnológica – e da quase inexistência de marcas nacionais, nos setores mais dinâmicos da economia mundial. Por isso, a maioria das políticas visa a induzir e incentivar o setor produtivo a incorporar a introdução de inovações em suas estratégias de negócios via redução dos custos dos inputs necessários a essa atividade e das incertezas a ela inerentes.

Levanta-se no trabalho a hipótese de que, no Brasil, o setor produtivo apresenta características estruturais que neutralizam os efeitos das políti-cas, assim como os dos avanços no subsistema científico-tecnológico. O bai-xo nível de resposta, as políticas exitosas em outros contextos, decorreria de más-formações presentes nesse setor. Essas distorções, segundo o autor, foram acentuadas pela política econômica implantada a partir da década de 1990, que extinguiu todos os mecanismos de estímulo às empresas nacio-nais e, com eles, as sementes de setores de alta tecnologia criados nas duas décadas anteriores. Por fim, sugere-se que, no Brasil, políticas de capacita-ção “convencionais” são ineficazes e precisam ser “aprofundadas”. Para o autor, além de estimular o setor científico-tecnológico e criar condições am-bientais favoráveis à inovação, elas devem ser orientadas para a criação da pré-condição essencial para que deem resultados: a criação/fortalecimento de segmentos do aparelho produtivo nacional nos setores mais dinâmicos e intensivos em tecnologia avançada.

No Capítulo 11, Helena Lastres e José Eduardo Cassiolato apresentam uma reflexão sobre a relação entre inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação. Em seu artigo, partem da constatação de que há um renova-

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Apresentação 11

do e vigoroso reconhecimento da importância dos processos de inovação e mudança tecnológica na evolução do capitalismo e na competitividade do setor produtivo a partir das duas últimas décadas do século XX, graças à rea lização de estudos teóricos e empíricos que levaram a um acúmulo considerável de conhecimento, ao mesmo tempo que ocorreram mudanças nos referenciais para modelos analíticos e plataformas de políticas voltadas para a inovação. Para os autores, dentre os avanços constatados, talvez o mais significativo esteja na mudança de foco das ações e das políticas – de um foco individual para um foco coletivo – na obtenção de conhecimento e na difusão das inovações.

Assim, os autores estabelecem como objetivo do trabalho retomar as dis-cussões sobre o avanço no entendimento do conceito de inovação – assim como de seus desdobramentos: arranjos e sistemas produtivos e inovativos –, visando descortinar suas implicações para políticas. Para isso, examina-se, primeiramente, a visão schumpeteriana sobre inovação e sua transfor-mação gradual a partir do final dos anos 1960 e desaguando na formulação do conceito de sistemas de inovação. Em seguida, o artigo discorre sobre as implicações para políticas a partir dos principais avanços obtidos no enten-dimento de inovação e de sistema de inovação, examinando suas vantagens e desafios como novo instrumental analítico e normativo. Mais adiante, os autores introduzem a experiência brasileira na utilização e no desenvolvi-mento desse conceito de forma a torná-lo operacionalmente capaz de com-preender e orientar processos de geração, uso e difusão de conhecimentos. Na conclusão, são retomados os principais elementos da análise realizada e discutidas suas consequências para a formulação de políticas no Brasil.

No Capítulo 12, Fernanda Ferrário apresenta um estudo sobre a trajetó-ria da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Esse artigo tem como propósito analisar as principais correntes teóricas que in-fluenciaram essa instituição, ao longo de sua existência, na adoção da po-lítica de desenvolvimento regional no Nordeste brasileiro. De acordo com a autora, pretende-se compreender como, por que e em que momento a Sudene abandona, do ponto de vista teórico, o paradigma cepalino e passa a assumir outros matizes teóricos. Foram identificados quatro momentos principais: (i) de sua criação até 1964 (quando ocorre o Golpe Militar e Celso Furtado é forçado a deixar a Superintendência); (ii) até o final dos anos 80, quando a Sudene, já bastante enfraquecida e influenciada pelos Polos de Desenvolvimento de François Perroux, passa a adotar sua política de incentivos, destinada a criar/fortalecer grandes polos de desenvolvimen-to na região; (iii) do início ao final dos anos 90, quando o órgão, apesar de ainda manter sua política de incentivos, abandona a ideia dos grandes polos e passa a adotar o paradigma do desenvolvimento sustentável, in-

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12 Apresentação

cluindo o meio ambiente como elemento importante do desenvolvimento; e (iv) a partir do final da década de 90, quando a Sudene, influenciada pelas diversas correntes teóricas de desenvolvimento local, passa a desenvolver/incentivar diversas iniciativas locais, tendo como pressuposto o desenvolvi-mento endógeno.

No Capítulo 13, Francisco de Assis Costa aborda as trajetórias tecnoló-gicas colocando-as como objeto de política de conhecimento para a Região Amazônica, pretendendo, com isso, estabelecer uma metodologia de deli-neamento. Segundo o autor, a relação entre o conhecimento apropriado no processo produtivo e as características atuais e possibilidades futuras de desenvolvimento de base agrária na Amazônia tem merecido uma rica reflexão entre policy makers e advisers em posições relevantes no campo científico e tecnológico. Com isso, se reconhece, cada vez mais, que para se fazer frente às grandes tensões por que passa a região, mediante a crise ecológica por trás do aquecimento global, há a necessidade de subverter a produção de ciência e tecnologia e a atitude do Estado, revertendo a abordagem em relação à região: daquela atual, que a considera uma econo-mia de fronteira baseada em produtividade espúria, para outra, que a trate como uma fronteira do capital natural.

O artigo, segundo o autor, procura tornar claras as dificuldades de tal reviravolta, tendo em vista uma série de razões: (i) entre uma sociedade baseada em economia de fronteira e uma sociedade que seja fronteira de capital natural há o abismo cognitivo criado pela razão industrialista e seus padrões de relação com a natureza, na forma de um paradigma de moder-nização industrial da agricultura, por si muito poderoso; (ii) entre institui-ções de acúmulo de conhecimento tácito e as de conhecimento codificado há a incongruência de suas respectivas matrizes, desde a profunda distinção nas percepções de sujeito e objeto, até a visão de finalidade e sentido; (iii) nos clusters e aglomerados locais residem assimetrias profundas, onde os paradigmas e padrões de relação com a natureza e a natureza dos paradig-mas organizacionais consolidam práxis e atitudes profundamente distinti-vas – dos sujeitos da produção material entre si e entre esses e os sujeitos da formação e controle do conhecimento.

Por fim, com resultados da aplicação de técnicas de análise fatorial e de componentes principais aplicadas a uma base especial de dados do Censo Agropecuário de 1995-96, regionalizados em nível de microrregião, o arti-go delimita seis trajetórias tecnológicas na Amazônia. Nelas, as diferenças são especificadas a partir da diversidade estrutural e dos tipos de agentes. Isso posto, verificam-se a importância social, a coerência com os critérios privados dominantes, as características tecnológicas expressas nas dispo-nibilidades de capital físico e nas relações com os fundamentos naturais

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Apresentação 13

disponíveis, além do grau de favorecimento em relação aos mecanismos da política agrária. Uma vez expostas as trajetórias e suas posições paradigmá-ticas, a capacidade respectiva de concorrência e dinâmica demonstrada nos últimos 10 anos, o artigo discute opções estratégicas, indicando a necessi-dade de esforços institucionais objetivos para tornar mais consistentes os fundamentos das trajetórias que poderiam favorecer um desenvolvimento com maior esperança de sustentabilidade (social e ambiental).

No Capítulo 14, Marcelo Callado apresenta resultados de estudo sobre os impactos dos Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Fundos de Participação dos Municípios (FPM) na distribuição da renda inter-regional e interpessoal no Nordeste brasileiro, dentro do contexto do federalismo fiscal nacional. O autor argumenta que os fundos de participação não têm contribuído para uma melhoria no diferencial de renda entre os estados mais prósperos e os menos afortunados da federação brasileira. Embora nos últimos anos os estados mais pobres tenham se deparado com taxas de crescimento econômico ligeiramente superior aos estados mais ricos, os fundos de participação não tiveram quase nenhuma influência nesse pro-cesso. O trabalho procura mostrar que o problema da desigualdade regional é menor que o da desigualdade de renda interpessoal familiar. Além disso, o artigo defende que as dinâmicas do crescimento econômico e do nível de escolaridade são mais importantes para explicar as diferenças de renda que as transferências inter-regionais.

No Capítulo 15, Yves-A. Fauré oferece uma análise sobre as contradições que envolvem riqueza e fragilidade numa economia periférica, mostrando o caso da Guiana Francesa. Este caso, embora encontrando-se fora das duas regiões aqui focadas, permite visualizar um caso típico de região periférica vivendo das transferências financeiras da metrópole. A Guiana Francesa está situada entre o Suriname e o Brasil e apresenta as características de uma economia periférica. Trata-se de uma região muito afastada geogra-ficamente das autoridades e administrações centrais e que durante muito tempo foi diretamente administrada pelo aparelho do Estado francês. Ape-nas recentemente foi organizada em coletividade pública descentralizada. Se os seus dados sociais e infraestruturais são qualitativamente relevantes, e se os seus indicadores econômicos atuais demonstram uma evolução sig-nificativamente positiva, a dinâmica assim observada deve pouco às forças, aos agentes e aos mecanismos internos e muito às transferências financeiras e iniciativas, programas, atividades e investimentos vindos do exterior e, principalmente, da metrópole. A Guiana tem, portanto, as características de uma região periférica, ou seja, de uma entidade que não é plenamente soberana dos seus recursos, das suas decisões e da sua evolução.

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14 Apresentação

Os dados apresentados neste estudo e as análises realizadas pelo au-tor sobre o funcionamento da economia da Guiana confirmam a situação paradoxal desse território. Beneficia-se de um importante crescimento há uma quinzena de anos, apresenta políticas voluntaristas, atinge níveis de atividade, de rendimentos e de bem-estar social claramente superiores aos países da região. No entanto, pode-se constatar que as alavancas desta evo-lução positiva situam-se principalmente fora e que muitas características estruturais da economia da Guiana e vários mecanismos essenciais que as-seguram o financiamento têm por efeito contribuir para perpetuar a sua dependência externa. Assim, a Região ainda está longe de poder realizar, pela mobilização das suas próprias forças e das suas vantagens, o potencial de desenvolvimento autônomo que a colocaria ao abrigo dos riscos e so-bressaltos vindos da parte externa e, sobretudo, que a veria dominar o seu próprio destino.

Por fim, em nome de todos os autores, os coordenadores deste livro agradecem àquelas pessoas e organizações que, com seus apoios, tornaram possível sua publicação. Dentre essas estão Roberto Smith, presidente do Banco do Nordeste do Brasil (BNB); José Sidrião Alencar, diretor de Ges-tão do Desenvolvimento do BNB; José Narciso Sobrinho, superintendente do Etene do BNB, cujos apoios institucional e financeiro foram decisivos; e Jesualdo Pereira Farias, reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC); Direção do Colef; Maria Naiula Monteiro Pessoa, diretora da FEAACS; e Marcus Vinicius Veras Machado, presidente da Acep, pelos apoios institu-cional e administrativo.

Jair do Amaral Filho

Jorge Carrillo

San Diego, Califórnia, inverno de 2011

Rodrigo
Highlight
Favor confirmar se esse é realmente um "termo" isolado ou está ligado a alguma das pessoas citadas.
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Elementos da política de desenvolvimento empresarial 15

Elementos da política de desenvolvimento empresarial: o caso da Baixa Califórnia, México1,2

Noé Arón Fuentes3

1. IntroduçãoO governo do Estado da Baixa Califórnia, México, dentro do espectro do sistema de políticas de fomento que impulsionam a competitividade da em-presa e território, está realizando uma “Estratégia de Clusters” para forta-lecer de maneira organizada e cooperativamente alguns dos setores mais importantes, estratégicos ou emblemáticos desta entidade federativa.

Neste sentido, as ações públicas e privadas se centraram em torno de se-tores e agentes relevantes – baseadas em critérios como o peso da indústria na base econômica, a estrutura empresarial e o nível de desenvolvimento organizacional –, com o objetivo de potencializar coordenadamente e jun-tar suas respectivas competências tendo as empresas envolvidas nos clusters prioridade para acessar os programas de apoio oficiais.

Um primeiro ponto a ser ressaltado é que a “eficiência da política de clusters” depende de três regras básicas: 1) identificação dos clusters e diag-nóstico de suas fortalezas e debilidades; 2) seleção das políticas de acordo com o impacto esperado sobre o cluster; e 3) a geração de acordos de coo-peração interempresarial para priorizar as ações sobre os pontos estratégi-cos do mesmo. Desta maneira não somente se fomenta a competitividade, por meio do enriquecimento do entorno, como também se contribui para a diversificação do tecido produtivo e ao crescimento econômico estatal.

Um segundo ponto importante é um aspecto fundamental para obter a “eficácia da política de clusters” que constitui o grau de comunicação exis-tente entre os agentes implicados nas mesmas, no qual a interação relati-vamente contínua, o mútuo conhecimento e a confiança constituem não

1. Documento baseado na Política de Fomento e Desenvolvimento de Clusters do Estado da Baixa Califórnia, Secretaria [Ministério] de Desenvolvimento Econômico, Estado da Baixa Ca-lifórnia.2. Tradução de Maria do Carmo Cardoso da Costa e Maria del Carmen Thomas.3. Diretor do Departamento de Estudos Econômicos de El Colegio de la Frontera Norte e SNI Nível III.

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16 Elementos da política de desenvolvimento empresarial

somente um capital social de indubitável valor, como também uma fonte fundamental de sinergias.

O presente trabalho tem como propósito sintetizar a “Política de De-senvolvimento Empresarial” na suas duas vertentes, o “Estudo de Vocações Produtivas do Estado da Baixa Califórnia” e o “Estudo de Fomento e Desen-volvimento de Clusters” na espera de que seja um guia útil, rápido e aces-sível para os que tenham interesse de conhecer a política empresarial e in-dustrial do Estado da Baixa Califórnia. Entidade Federativa que atualmente ocupa o terceiro lugar em competitividade das 32 entidades federativas da República Mexicana.

2. Marco teóricoA teoria do desenvolvimento endógeno estabelece que o desenvolvimen-to econômico das regiões deve apoiar-se nos recursos existentes em seu território com o fim de alcançar melhores níveis de vida para a população local. Assim as estratégias de desenvolvimento econômico local têm como prioridade o desenvolvimento de territórios com capacidade competitiva, propondo como objetivos: o desenvolvimento e a reestruturação do sistema produtivo, o aumento do emprego, e a melhoria do nível de vida da popu-lação local (VÁZQUEZ BARQUERO, 1986).

Este novo paradigma tem como variável fundamental o território, en-tendido como uma agrupação de relações sociais, culturais, produtivas, econômicas e políticas. Nesse território ocorrem as reestruturações a fun-do e se estabelecem encadeamentos produtivos importantes que por meio de estratégias de desenvolvimento econômico local podem reforçar-se e converter-se em fonte de vantagens competitiva, através da utilização dos recursos potenciais do território (GAROFOLI, 1995:56; PADILLA, 1996:17). Dos elementos do território mencionados o que nos interessa para propósi-tos deste trabalho é o da possibilidade de gerar competitividade do sistema produtivo local.

Em termos gerais, a competitividade de uma organização empresarial, ou estendendo a perspectiva, de uma agrupação setorial de empresas lo-calizadas em um território determinado, consiste na sua capacidade para manter ou incrementar sua participação na oferta de seus mercados de refe-rência e/ou abrir novos mercados, servindo-se do incremento da eficiência (produtividade) e eficácia (qualidade e dinâmica do produto, capacidade de acesso aos mercados e adaptabilidade e criatividade da organização) e fazendo com que seja compatível com a elevação da entrada real, a melho-

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Elementos da política de desenvolvimento empresarial 17

ria das condições de vida e trabalho dos atores que intervém no processo produtivo.

Para que uma empresa ou setor seja competitivo em um território depen-derá da disponibilidade de alguma vantagem competitiva em relação a seus opositores comerciais. A vantagem competitiva poderia derivar-se de uma ou um sem-fím de inter-relações produtivas que surgem no território e dos processos de aprendizagem manifestados nele. Desta maneira, na medida em que as relações territoriais estejam mais desenvolvidas, menos vulnerá-vel a choques externos será uma região(ões) (DUSSEL, 1997:23). Tudo isto implica fortalecer os vínculos do tecido produtivo no âmbito territorial.

Existem dois autores que tratam sobre o reforço dos vínculos do tecido produtivo. O primeiro, Porter, menciona que uma estratégia de desenvol-vimento buscaria fortalecer o que chama clustering ou “agrupamento”, isto é, a agrupação entre empresas de um determinado setor com uma série de empresas ou setores de apoio relacionados com sua atividade (ESPINA, 1995). Neste sentido, Porter assinala que a vantagem competitiva dificil-mente acontece por setores isolados porque os países tendem a ter suces-so em clusters ou agrupamentos de setores inter-relacionados (PORTER, 1991:113). Do mesmo modo, menciona que a composição e fontes de van-tagens (desvantagens) de cada um destes clusters refletem o estado de de-senvolvimento de uma economia determinada.

Portanto, a vantagem competitiva dos clusters dependeria da intera-ção do que ele chama de “os determinantes da competitividade” (Porter, 1991:110-183):4

De acordo com as colocações de Porter:

Ao aumentar a densidade de relações intersetoriais que se produz em °um cluster este seria mais competitivo.

Quando um ° cluster demonstrar ter uma clara vantagem competitiva no mercado, é recomendável concentrar nele os esforços da política indus-trial e a cooperação entre empresas.

4. Os determinantes da competitividade são os seguintes: 1) condições dos fatores, que são os aspectos relacionados com os fatores de produção (recursos humanos e naturais, capital, in-fraestrutura) que um setor determinado tem para competir; 2) condições da demanda, que está referida à composição da demanda intermediária, sua magnitude, pautas de crescimento e in-ternacionalização, dos produtos ou serviços do setor; 3) setores conexos e de apoio, são aqueles que podem compartilhar atividades da cadeia de valor entre uns e outros setores ou transferir técnicas próprias de um setor a outro; 4) estratégia, estrutura e rivalidade da empresa, contexto em que se criam, organizam e gerenciam as empresas pela natureza da rivalidade interna; 5) casualidade, aqueles acontecimentos que criam descontinuidades e propiciam mudanças na posição competitiva (exemplo: as mudanças nos mercados financeiros); e 6) governo, seu papel é atuar na criação de fatores, intervindo principalmente em política educativa, ciência e tecnologia, política de inovação, infraestrutura, informação, desenvolvimento de mercados de capital etc.

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18 Elementos da política de desenvolvimento empresarial

Por outro lado, Alberto Hirschman (1958) estabelece a necessidade de reforçar os encadeamentos entre setores produtivos. Identifica dois tipos de ligações (HIRSCHMAN, 1958:106-107; STUMPO, 1997:28-29):

Encadeamentos para trás: ° levam a novos investimentos na capacidade produtiva dos insumos. Significa a capacidade que tem um setor de ar-rastar diretamente aos setores ligados a ele (compras).

Encadeamentos para frente:: ° permitem aumentar as indústrias que uti-lizam o produto em questão. A interpretação é que a atividade de um setor possibilitar o funcionamento dos outros ligados a ele (vendas).

A ideia de Hirschman é que o crescimento econômico pode acelerar-se mediante à canalização de investimentos em atividades que apresen-tam fortes efeitos de encadeamentos para trás e para frente (HIRSCHMAN, 1958).

Deste modo, sabemos que Porter e Hirschman coincidem em que devem canalizar-se esforços para aqueles clusters, ou em direção àqueles setores mais encadeados, que têm sido identificados como competitivos e chaves para o desenvolvimento econômico de uma região.

Finalmente, Porter assinala que é necessário fazer uma identificação de clusters já estabelecidos e quais são os potenciais, assim como identificar os encadeamentos intersetoriais para ter conhecimento do grau de inter-relação existente entre os diversos sectores. Fuentes e Martínez-Péllegrini (2002:14) estabelecem que a identificação de clusters e encadeamentos in-tersetoriais pode fazer-se utilizando dois instrumentos complementares:

1. Quantitativamente. Identificando a proporção de concentrações e as re-lações comprador-fornecedor através de modelos interindustriais.

2. Qualitativamente. Mediante entrevistas aos representantes das empre-sas-chave nos clusters.

3. Estudo de Vocações Produtivas do Estado da Baixa Califórnia.

O Estado da Baixa Califórnia se encontra localizado na parte noroeste da República Mexicana. Limita ao norte com o Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, ao sul com o Estado da Baixa Califórnia Sul, ao leste com o Estado de Sonora e o Golfo da Califórnia e a Oeste com o Oceano Pacífico.

As coordenadas geográficas situam o estado ao norte 32o47’; ao sul 28o00’ de latitude norte; ao oeste 117o07’ de longitude oeste. Sua exten-são territorial ocupa 3,7% do território mexicano e tem uma população de 2.487.397 habitantes.

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Elementos da política de desenvolvimento empresarial 19

Mapa 1. República Mexicana e Estado da Baixa Califórnia

Em dezembro de 2002, começa a operar o que viria a ser a primeira par-te de estratégia de desenvolvimento econômico do Estado: “Estudo de Vo-cações Produtivas”.5 O enfoque do estudo tinha como ponto de referência a competitividade estatal e emerge como uma estratégia de desenvolvimento econômico local, cujo “diagnóstico”6 se fundamentou em uma análise quali-tativa e descritiva para a identificação de setores-chave. Os principais obje-tivos do projeto foram os seguintes (ÍNTEGRA INTERNACIONAL, 2002):

1. Revisão integral dos setores socioeconômicos do Estado da Baixa Cali-fórnia de maior importância, assim como também a identificação dos mais dinâmicos.

2. Diagnóstico e avaliação das vocações produtivas (razoáveis, a impulsio-nar ou por incubar).

3. Definição de estratégias para aumentar a competitividade do Estado da Baixa Califórnia.

Os critérios utilizados para definir quais são as atividades econômicas potencialmente mais importantes foram.7

5. Em dezembro de 2002, se efetivou A política de desenvolvimento empresarial do Estado: vocações produtivas, realizado pela Secretaria [Ministério] de Desenvolvimento Econômico. Este documento de diagnóstico constitui a base para a Política de Clusters do Estado da Baixa Califórnia.6. O estudo tem como propósito analisar os diversos setores econômicos do estado de tal forma que se diagnosticasse a vocação produtiva, a situação na economia estatal e se definissem as estratégias pertinentes para obter o desenvolvimento econômico (ÍNTEGRA INTERNACIO-NAL, 2002:1-5).7. A informação estatística para realizar o diagnóstico foi obtida dos censos econômicos do Ins-tituto Nacional de Estadística, Geografia e Informática (INEGI) para o ano de 1994 e 1998, e o valor das exportações de Secretaria de Comércio e Fomento Industrial (SECOFI) para o mesmo ano. A desagregação utilizada foi por conjunto de atividade e de acordo com a participação

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20 Elementos da política de desenvolvimento empresarial

Seleção de setores de maior peso econômico. °

Seleção de setores de alto crescimento. °

As variáveis utilizadas para determinar as vocações produtivas estatais foram:

Pessoal ocupado. °

Valor agregado. °

PIB estatal. °

No Quadro 1, podem observar-se os setores-chave do Estado da Baixa Califórnia que foram identificados (ÍNTEGRA INTERNACIONAL, 2002:29). A definição das vocações são as seguintes:

1. Vocações Razoáveis (VR) são aqueles setores ou conjuntos econômicos que no período 1994-1999 têm uma alta participação no emprego e va-lor agregado.

2. Vocações por Impulsionar (VI) são aqueles setores ou conjuntos que têm uma baixa participação no valor agregado censual do estado, no entan-to, cresceram de forma mais acelerada no estado comparado com a mé-dia nacional; além do que foram fortemente mencionadas no processo de consulta empresarial e têm um potencial de médio prazo no desen-volvimento da entidade.

3. Vocações por Incubar (VE) são aqueles setores ou conjuntos que têm uma evolução incipiente no valor agregado censual do estado, são, de alguma forma, mencionados no processo de consulta empresarial e têm um potencial de longo prazo de desenvolvimento da entidade.

Quadro 1. Vocações Produtivas do Estado da Baixa Califórnia

Conjunto de ativi-dade

Descrição

SetorCom gran-

de peso económico

De alto Cresci-mento

Classifi -cação da vocação

1111 Agricultura X VI1112 Gado X VI1200 Pesca X VI

2320 Extração e/ou benefício de minerais não ferrosos X VI

3111 Indústria da carne X VE3112 Elaboração de produtos lácteos X3130 Indústria das bebidas X VE

3212 Fiação, tecido e acabamento de fi bras macias X

de cada uma delas em cada um dos critérios assumidos é como se determinariam os setores econômicos relevantes da entidade e aos que deveriam apoiar.

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Elementos da política de desenvolvimento empresarial 21

Conjunto de ativi-dade

Descrição

SetorCom gran-

de peso económico

De alto Cresci-mento

Classifi -cação da vocação

3213Fabricação com materiais têxteis. Inclui a fabricação de tapeçarias e tapetes de fi bra macia

X

3560 Elaboração de produtos de plástico X X VR3720 Indústrias básicas de metais não ferrosos X3814 Fabricação de outros produtos metálicos X

3823 Fabricação e/ou montagem de máqui-nas de escritório X X VR

3831 Fabricação e/ou montagem de maquina-ria, equipe e acessórios elétricos X X VR

3832Fabricação e/ou montagem de apare-lhagem eletrônica, de rádio, televisão e uso médico

X

3841 Indústria automotiva X X VR4100 Eletricidade X

6140 Comércio de produtos alimentícios, bebidas e tabaco por atacado X X VR

6210 Comércio de produtos alimentícios, bebidas e tabaco para o varejo X X VR

6230 Comércio de produtos não alimentícios para o varejo X X VR

7200 Comunicações e transporte X

9231 Serviços médicos, odontológicos e vete-rinários prestados pelo setor público X

9310 Restaurantes, bares e centros noturnos X VI

9320 Hotéis e outros serviços de hospeda-gem temporária X VI

9491

Serviços em centros de recreação e esportivos e outros Serviços de recrea-ção prestados pelo setor privado Exclui centros noturnos

9510 Prestação de serviços profi ssionais, técni-cos e especializados. Exclui agropecuários X

9612 Serviço de reparação e manutenção automotiva X X VR

Fonte: Construção própria direta, MIP Estado da Baixa Califórnia, 1998.

No Quadro 1, se pode observar os setores-chave do Estado da Baixa Cali-fórnia que foram identificados (ÍNTEGRA INTERNACIONAL, 2002:13-13).

Para cada um dos conjuntos de atividades que se consideraram como cha-ves e sobre os que se fincaria a competitividade estatal, realizou-se uma análise que foi chamada “estratégica”. Os conjuntos considerados foram: agricultura, pesca, carne, alimentos, bebidas, construção, hotéis, plásticos, restaurantes, bares e centros noturnos, indústria automotiva e de autopeças, indústria de aparelhagem e acessórios elétricos e eletrônicos, comércio e turismo.

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22 Elementos da política de desenvolvimento empresarial

Por outra parte, para a definição das estratégias de desenvolvimento econômico para a entidade, considerou-se que as áreas de maior potencial de desenvolvimento para o estado da Baixa Califórnia eram (ÍNTEGRA IN-TERNACIONAL, 2002:35-40):8

Quadro 2. Áreas Potenciais de Desenvolvimento na Baixa Califórnia

Pesca Turismo Indústria de plásticos Indústria das bebidas Serviços de comercialização Serviços de transporte, armazenagem e

distribuiçãoIndústria automotiva Indústria eletrônica Produtos Lácteos Produtos da carne Indústria hoteleira e serviços de hospedagem temporária

Indústria elétrica

De acordo com o anterior, todas as estratégias que se definissem para a entidade por causa deste diagnóstico, deveriam estar direcionadas ao apoio deste conjunto de setores, que foram validados e analisados por especia-listas da comunidade do estado (respondendo aos interesses dos grupos empresariais). Uma vez determinados os setores-chave, foi realizada uma série de sessões participativas com representantes da iniciativa privada e governo do Estado da Baixa Califórnia, para concordar com as medidas que vão ser implementadas, e que foram as seguintes:

Quadro 3. Estratégias de Desenvolvimento na Baixa Califórnia

Apoiar a posição competitiva dos setores- chave

Atração de investimento estrangeiro

Integração e desenvolvimento de clusters Geração de novas empresas Promoção de exportações Desenvolvimento de infraestrutura eco-

nômica

Em geral, o diagnóstico do “Estudo de Vocações Produtivas do Estado da Baixa Califórnia”, embora seja um bom estudo inicial, apresenta alguns limites, pois não existe uma medição dos fluxos intersetoriais, dos que com-pram e dos que vendem, portanto, não se tem o conhecimento das relações comprador-fornecedor, e muito menos das interações dos setores produti-vos existentes no território; não mede os efeitos que um setor-chave pudes-se ter para o resto da estrutura produtiva; não existe uma identificação dos encadeamentos produtivos intersetoriais; e não há conhecimento sobre a existência de clusters na entidade.

8. Isto foi determinado por meio de grupos de trabalho constituídos por representantes de cada um dos setores relevantes da entidade. Consultar Íntegra Internacional, 2002.

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Elementos da política de desenvolvimento empresarial 23

Do mencionado anteriormente, surgem três perguntas: Quais são os clusters existentes na entidade?; Qual é o grau de desenvolvimento dos clus-ters?; Como podemos fortalecer os clusters?

3. Estudo de Identifi cação, Fomento e Desenvolvimento de ClustersPorter (1991:33) tem assinalado que é necessário fazer uma identificação de clusters atuais e potenciais, assim como achar os encadeamentos inter-setoriais para ter conhecimento do grau de inter-relação existente entre os diversos setores. A identificação de clusters e encadeamentos intersetoriais pode fazer-se de maneira quantitativa.

Um instrumento que nos permite realizar a identificação de clusters e encadeamentos intersetoriais de maneira quantitativa, é a matriz insumo-produto (MIP). A MIP é um modelo econômico definido como sistema de equações com base nas relações de produção entre setores econômicos produtores e consumidores, que mostram a interdependência estrutural da economia e permite operar o modelo para quantificar soluções alternativas que ajudem a resolver problemas de política econômica, e de programa-ção.9 De maneira geral a MIP está constituída de três tabelas básicas que são mostradas na Figura 1.

Figura 1. Sistema básico de insumo produto

9. A estimativa da matriz de insumo produto para o estado está referida para o ano de 1998, desagregada a 72 setores atendendo aos critérios do Sistema Nacional de Contas Nacionais. A Matriz de Insumo-Produto da Baixa Califórnia é propriedade da Secretaria de Desenvolvimen-to Econômico e está disponível para seu uso na Subdireção de Estatística e Análise Econômica. E-mail: [email protected].

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24 Elementos da política de desenvolvimento empresarial

a) A de transações intersetoriais, mostra todas as transações entre os diver-sos setores em uma economia para um período determinado, o mencio-nado fluxo pode expressar-se como segue:

X1 = w1,1 + w1,2 + ...+ w1,n + f1

X2 = w2,1 + w2,2 + ...+ w2,n + f2

Xn = wn,1 + wn,2 + ...+ wn,n + fn

b) A de requerimentos diretos ou de coeficientes técnicos, mostra como cada insumo é requerido para produzir uma unidade de produto, esta é obti-da dos dados que se encontram na tabela de transações intersetoriais, os coeficientes técnicos são calculados assim:

awXi j

i j

j,

,= , então w a Xi j i j j, ,=

c) A de requerimentos totais ou de coeficientes de interdependência – conhe-cido também como “matriz de multiplicadores” –, são determinados a partir da matriz de coeficientes técnicos, e utilizados para conhecer o impacto que a mudança em qualquer setor ou combinação de setores podem ocasionar no conjunto da economia. O que se faz para obter esta tabela é inverter a matriz de coeficientes técnicos.

X = (I-A)-1F

Estas três tabelas básicas da MIP permitem realizar a identificação de clusters, blocos econômicos ou complexos industriais. Entende-se por cluster “…ao conjunto de atividades realizadas em uma localização determinada e pertencente a um grupo (subsistema) de atividades sujeitas a importantes inter-relações de produção, comercialização ou outras…” (ISARD, 1971:33), e este pode ser exemplificado como “…um grupo de atividades que poderia compreender as etapas sucessivas na manufatura de um produto final ou de uma classe de produtos finais; assim poderia conter desde a mineração de carvão e o mineral de ferro até os produtos finais de aço, passando pela produção de lingote de ferro e lingote de aço…” (ISARD, 1971:34).

O conceito mais aceitável para definir um “cluster econômico” é o que tipifica o próprio como concentrações de empresas e instituições interco-nectadas em um campo particular, nelas se dá uma vinculação particular de empresas e outras entidades relevantes para a concorrência. Dentro do cluster são considerados fornecedores de insumos (componentes, maqui-naria, serviços) e infraestrutura especializada. Os mesmos também podem ser estendidos verticalmente pela cadeia do produto, ou horizontalmente a empresas de produtos complementares ou a indústrias relacionadas pe-

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Elementos da política de desenvolvimento empresarial 25

las habilidades, pela tecnologia e pelos insumos comuns.10 Finalmente, nos clusters também são incluídas instituições governamentais e de outro tipo como universidades, fornecedores de treinamento vocacional, associações de comércio, que oferecem treinamento especializado, educação, informa-ção, pesquisa e apoio técnico (PORTER, 1998:33).

O algoritmo empregado para a identificação de “clusters econômicos” na MIP é o denominado “method of the maxima” aplicado por Berwert (2002:3) e consiste nas seguintes etapas:

1) Obter indicadores da intensidade do fluxo entre setores, considerados como provedores/ofertantes e como consumidores/usuários.

2) Selecionar para cada par de setores o maior coeficiente de intensidade do fluxo.

3) Constituir uma matriz binária, concentrando em uma área específica da matriz.

Análise de cadeias para frente (relação com clientes)‘Etapa 1: (horizontal/leitura fila por fila)’

‘O setor consumidor/usuário j está fortemente vinculado ao setor provedor/ofertante i se:’(1) bij = 0 para i = j;(2) max bj = 0, de j = 1 até j = n executar;se bij > max bj

; então max bi = bkj;

(3) sumb = ∑

=

m

j 1(bij);

(4) coef1bij = maxbi / sumbi ;(5) se coef1bij > k1; então matriz binária [0,1]; valor da célula = 1 se (5);

10. Devido a esta dupla dimensão parece não existir um consenso em torno da definição e ao enfoque de cluster. De fato pode-se distinguir três definições relacionadas ao cluster:– O de indústrias espacialmente concentradas: cluster regional.– O de setores ou grupos de setores: cluster setorial.– O de cadeias de valor na produção: cluster de cadeias.Ou ao enfoque de cluster baseado na “similitude” parte do suposto de que as atividades econô-micas se agrupam em clusters devido à necessidade de ter condições similares (em relação ao acesso a um mercado de trabalho qualificado, acesso a fornecedores especializados, a institui-ções de pesquisa etc.). Enquanto o enfoque baseado na interdependência supõe que as ativida-des econômicas se agrupam em clusters como resultado da sua necessidade recíproca uns dos outros e de gerar inovações. Consultar Fuentes y Martínez-Pellegrini (op. cit.).

Rodrigo
Highlight
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26 Elementos da política de desenvolvimento empresarial

‘Etapa 2: (vertical/leitura coluna por coluna)’

‘O setor provedor/oferente j está fortemente vinculado ao setor consumi-dor/usuário i se:’(6) max ai = aij;

(7) suma =∑=

m

i 1(aij);

(8) coef2aij = max ai / sumaj; se coef2aij > k2; então matriz binária [0,1]; valor da célula = 1 se (8);

‘Etapa 3: combinação’

‘Soma as matrizes binárias da etapa 1 e 2:’

‘células com valor de 2 representa o cluster econômico adiante [hacia de-lante](9) se coef1bij > k1 e coef2aij > k2 ; logo {i, j};(10) cluster1 = {…} = ∅ de i = 1 até i = n e de j = 1 até j = n executar;

se bij = {i, j} e se aqj = {q, j}; então cluster1 = {i, j, q};

Análise de cadeias para trás (relação com fornecedores)‘Etapa 1: (vertical/leitura coluna por coluna)’

‘O setor provedor (ofertante) i está fortemente vinculado ao setor consumi-dor (usuário) j se:’ (1) bij = 0 para i = j;(2) max bj = 0; de j = 1 até j = n executar;se bij > max bj ; então max bi = bkj;

(3) sumb = ∑=

m

j 1 (bij);

(4) coef1bij = max bi / sumbi ;(5) se coef1bij > k1 ; logo matriz binária [0,1]; valor da célula = 1 se (5);

‘Etapa 2: (horizontal/leitura fila por fila)’

‘O setor consumidor (usuário) i está fortemente vinculado ao setor prove-dor (ofertante) i se:’

(6) max ai = aij;

Rodrigo
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Rodrigo
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Rodrigo
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Rodrigo
Sticky Note
Esse "sum" é de soma? Deve ser traduzido?
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Elementos da política de desenvolvimento empresarial 27

(7) suma = ∑

=

m

i 1(aij);

(8) coef2aij = max ai / sumaj ;se coef2aij > k2 ; então matriz binária [0,1]; valor da célula = 1 se (8);

‘Etapa 3: combinação’

‘Soma as matrizes binárias da etapa 1 e 2.’

‘Células com valor de 2 representa o cluster econômico para trás:’(9) se coef1bij > k1 e coef2aij > k2 ; então (i, j};(10) cluster1 = {…} = ∅ de i = 1 até i = n y de j = 1 até j = n executar;

se bij = {i, j} e se aqj = {q, j}; então cluster1 = {i, j, q};

No estado se identificaram 10 clusters – tanto agropecuários e industriais quanto de serviços –, oscilando tanto entre setores tradicionais quanto hortí-colas, móveis, cerveja; emblemáticos como vitivinicultura, assim como sobre setores modernos e estratégicos tais como serviços médicos, elétrico, eletrô-nico e automotivo; e setores dinâmicos como o turístico. Estes nove grandes clusters podem constituir um núcleo de sectores estratégicos que incidem so-bre o desenvolvimento industrial do estado e a geração de emprego.

Figura 2. Clusters do Estado da Baixa Califórnia

MIP Estado da Baixa Califórnia, 1998SDE, Baixa Califórnia, 2003

O complexo agroalimentício (por suas fortes inter-relações internas no estado), o turístico (onde temos um núcleo de atividades não somente mui-to dinâmicas como também com maiores vantagens comparativas para o

Rodrigo
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28 Elementos da política de desenvolvimento empresarial

desenvolvimento no estado), a vitivinicultura (por ser emblemática no es-tado), serviços médicos e as indústrias eletrônica e automotiva (por seus níveis de subcontratação internacional, incorporação de inovações a seus produtos, forte conteúdo tecnológico dos processos produtivos, difusão técnica através da descentralização de atividades para pequenas e médias empresas ou empresas conexas, impactos sobre o ingresso e capacidade exportadora) são aqueles que se consideram com um maior impacto local e, portanto, capazes de contribuir mais para a definição e a consolidação da estrutura produtiva estatal.

A distribuição dos clusters por município do estado se mostra no seguin-te mapa.

Mapa 2. Clusters Econômicos Identifi cados da Baixa Califórnia

Uma vez identificados os clusters, assinalaram-se as principais fortale-zas/oportunidades/debilidades/ameaças. Esta análise foi imprescindível para a proposta de algumas linhas e apoios necessários de política indus-trial a qual seja capaz de superar alguns dos problemas fundamentais da economia baixa californiana e suscetível de situá-la em um caminho de desenvolvimento econômico sustentável.

Os Quadros 4 e 5 permitem advertir que a economia da Baixa Califórnia conta com ativos e oportunidades que precisa rentabilizar para desenvolver e fortalecer os clusters identificados – tratando de fazer frente, ao mesmo tempo, a suas principais debilidades e ameaças – para ganhar um futuro de prosperidade e bem-estar para a entidade.

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Elementos da política de desenvolvimento empresarial 29

Quadro 4. Pontos Fracos dos Clusters

ClustersVariáveis

ClusterElétrico e

electrônicoClusterMóveis

ClusterTurismo

ClusterAutopeças e plástico

ClusterVitiviní-

colaDisponibilidade de mão de obra √ √ √Custo da mão de obra √ √ √Qualifi cação da mão de obra √ √ √Grau de especialização das diferentes fases do processo produtivoAcesso à informação sobre tec-nologia, mercados e produtos √ √

Cooperação com outras em-presas √ √

Apoio institucional (associações de empresários, consórcios etc.)

√ √ √

Nível tecnológico √ √Qualidade de produtos (design, componentes etc.)Estratégias de mercado (publici-dade, rede de vendas etc.) √ √ √

Acesso a créditos √ √ √Outros √

Do cluster hortícola e cerveja não há informação.Fonte: Identifi cação e Diagnóstico das Possibilidades de Sistemas Produtivos Locais na Baixa Califórnia. Fontes: Noé Arón e Martínez-Pellégrini Sárah. E. SIMAC. 2003.

Com efeito, o design de algumas linhas de política de clusters para Baixa Califórnia deverá partir de dois conjuntos de fatores facilmente contrastan-tes: um potenciador dos clusters, e outro, limitador ou inibidor dos mesmos.

Quadro 5. Pontos Fortes dos Clusters

ClustersVariáveis

ClusterElétrico e

electrônicoClusterMóveis

ClusterTurismo

Cluster, Autopeças e plástico

Cluster, Vitiviní-

colaDisponibilidade de mão de obraCusto da mão de obraQualifi cação da mão de obraGrau de especialização das diferentes fases do proces-so produtivo

Acesso à informação sobre tecnologia, mercados e produtos

Cooperação com outras empresas √ √ √

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30 Elementos da política de desenvolvimento empresarial

ClustersVariáveis

ClusterElétrico e

electrônicoClusterMóveis

ClusterTurismo

Cluster, Autopeças e plástico

Cluster, Vitiviní-

colaApoio institucional (asso-ciações de empresários, consórcios etc.)

Nível tecnológico √Qualidade de produtos (de-sign, componentes etc.)Estratégias de mercado (publi-cidade, rede de vendas etc.)Acesso a créditosOutros √

Do cluster hortícola e cerveja não se tem informaçãoFonte: Identifi cação e Diagnóstico das Possibilidades de Sistemas Produtivos Locais na Baixa Califórnia.Fontes Noé Arón. e Martínez-Pellégrini Sárah.E. SIMAC. 2003.

Finalmente, a política se estruturou em torno deste grande objetivo: o fortalecimento e desenvolvimento de maneira organizada e cooperativa destes. Para tal, houve que definir os pontos estratégicos do cluster; quer dizer, a estrutura dos setores que definem as relações entre as empresas e a interação das empresas e o território que criam um viés competitivo por razões de localização mediante as fontes de vantagens competitivas.

Para cada um dos cluster identificados no Estado da Baixa Califórnia foi pesquisado o seguinte:

Quadro 6. Pontos Estratégicos do Cluster

Distribuição das empresas no Cluster (Grandes, médias e pequenas).Canais de cooperação (formal ou informal). Inovação tecnológica (com pesquisa e desenvolvimento, sem I&D).Redes de Provedores (nacionais ou inter- nacionais; de matérias primas, maquina-ria, componentes).Principais concorrentes (nacionais ou internacionais; grandes, médias ou pe-quenas empresas).

Apoios Institucionais (governo federal, estatal ou municipal).Tipos de Apoios (assistência tecnológica, comercial, legal ou fi nanceira).Serviços (de transporte, armazenamento e distribuição).Estratégia Comercial (mercado nacional ou internacional).Importância e formação de recursos humanos (básicos ou especializados). Vinculações com instituições educativas (universidades, tecnológicos).

Depois de determinar os pontos estratégicos, estabeleceu-se um conjun-to de ações sobre os mesmos, denominado “Plano Estratégico do Cluster”. Para tal, foi importante a participação do sistema empresarial na elabo-ração, instrumentação e gestão das estratégias dentro dos clusters, posto

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que constitui um elemento fundamental para sua eficácia.11 Cada vez mais governos regionais fazem disto um princípio de organização de sua ação. A implicação das empresas de maneira ativa na estratégia de clusters destaca a importância de uma política industrial com raízes na comunidade.

O mecanismo de participação dos agentes econômicos para cobrir as ne-cessidades das empresas dentro do cluster pode-se materializar por meio de Acordos de cooperação Empresarial. Em particular, foram concebidos como acordos explícitos de colaboração no tempo, que afetam a todas ou algumas das atividades das empresas envolvidas, que compartilham os riscos deri-vados de seu desempenho. As empresas devem conservar sua identidade jurídica em um estado de independência, mas devem ser desenvolvidas as aptidões, habilidades e conhecimentos de todas elas para conseguir o obje-tivo comum.12

Os acordos de cooperação empresarial são um componente-chave da política pública de fomento para a competitividade das pequenas e médias empresas, na sua dupla dimensão intra e interespacial (especialmente in-ternacional), como mecanismo de intercâmbio de informação, combinação de competências e geração de economias de escala em funções onde estas continuam sendo importantes para a competitividade empresarial (geração em pesquisa e desenvolvimento, inovação tecnológica, fomento à qualidade e ao design, informação sobre distribuição e compra de insumos, financia-mento, estratégias de comercialização e exportação, intercâmbio de infor-mação etc.).13

Neste sentido, os acordos de cooperação empresarial estão sendo o cen-tro nos Planos Estratégicos do Cluster para o fomento e fortalecimento dos clusters identificados no Estado da Baixa Califórnia.

11. Se a política de clusters constitui o marco institucional onde se sustenta a competitividade e as vantagens competitivas sustentáveis, as atitudes e concepções dos empresários e coletivos constituem os ativadores e orientadores da mesma. A atitude diante do novo, assim como a capacidade de cooperar e coordenar novas atividades, constituem dimensões estratégicas da forma em que as empresas configuram sua trajetória e enfrentam as pressões do mercado. 12. Os acordos de cooperação ficam restritos a recursos e atividades concretas, previamente determinadas, e devido a que pode ser pactuadaoesas confo uma vigência temporal limitada, os agentes econômicos adquirem novamente a faculdade de estabelecer acordos ao vencer o prazo, cujas características, condições e termos podem diferir das anteriores.13. De acordo com esta característica dos acordos de cooperação empresarial, este se asseme-lha a uma rede horizontal mas se diferencia dela porque não tem restrições para a afiliação. Nas redes horizontais a cooperação se procura entre empresas que atendem ao mesmo mer-cado.

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ConclusõesO fomento à competitividade ou o desenvolvimento e manutenção das van-tagens competitivas constituem atualmente o centro principal da estratégia econômica empreendida pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Governo da Baixa Califórnia. Além de ser um objetivo estratégico – de cuja consecução depende o sucesso e desenvolvimento das empresas, assim como o crescimento econômico, a criação de empregos no estado constitui um referente fundamental dos critérios que conduzem à alocação de recur-sos, à organização, e à seleção de políticas públicas de promoção econômica e industrial da entidade.

A mudança no entorno econômico e empresarial do estado com a aber-tura da economia nacional, o desaparecimento dos regimes tarifários espe-ciais no estado e a eliminação do programa de maquila, como também a aceleração da mudança tecnológica e o impulso que a revolução da infor-mação imprimiu à dinâmica inovadora – estão mudando as fontes de van-tagens competitivas. Como resultado disto tudo, está acontecendo uma mo-dificação radical na orientação e conteúdo da política de desenvolvimento econômico e industrial estatal, que afeta tanto aos objetivos quanto aos instrumentos. Por um lado, o novo objeto de atenção pública está passando da promoção econômica e industrial baseada só nas varáveis quantitativas relacionadas com o preço dos fatores (mão de obra, solo e matérias-primas) para o desenvolvimento econômico e industrial baseado nas variáveis qua-litativas conectadas às capacidades empresariais, à organização do sistema empresarial, ao marco institucional, ao acesso à informação nova, às ca-pacidades de adaptação, de criação e difusão tecnológica do meio, assim como da capacitação da mão de obra. Por outro lado, e como consequência do anterior, o quadro instrumental está evoluindo do predomínio dos incen-tivos ao investimento estrangeiro para a preocupação pela promoção das capacidades empresariais de adaptação e desenvolvimento e ao enriqueci-mento do meio territorial (sistema educativo adaptado às necessidades da produção estatal, infraestrutura de comunicação, política tecnológica e um marco legislativo eficiente etc.).

Como consequência do anterior, os antigos instrumentos da política es-tatal de desenvolvimento econômico e industrial estão perdendo atrativo e eficácia, passando a ser a flexibilidade das instituições encarregadas de sua gestão, sua capacidade de conexão com o mundo empresarial, o desen-volvimento e fortalecimento dos clusters locais, e os serviços reais para as empresas (expressão do compromisso dos atores públicos e privados com o desenvolvimento e promoção do estado mediante a implicação no sistema produtivo através da geração de instituições de apoio e estímulo a ativi-

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dades estratégicas dentro dos clusters), os principais motores públicos da competitividade do estado.

Assim o Estado da Baixa Califórnia, dentro do espectro do sistema de políticas de fomento que afetam a competitividade da empresa e território, está efetuando uma “Estratégia Empresarial” para fortalecer e desenvolver de modo organizado e cooperativo alguns dos setores mais importantes, estratégicos ou emblemáticos do estado.

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Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional, um olhar sobre o Nordeste brasileiro14

Jair do Amaral Filho

1. IntroduçãoComo todas as transformações econômica e institucional, o processo de globalização tem arregimentado um grande número de adeptos ao mesmo tempo em que tem produzido um exército de críticos. Esse quadro é perfei-tamente justificado pelos resultados contraditórios que vêm sendo gerados por tal processo, cuja síntese está longe de ser visualizada (STEGER, 2003; MURRAY, 2006). Ao mesmo tempo em que a globalização vem possibili-tando a retirada de milhões de pessoas da situação de pobreza na China e Índia, por exemplo, ela vem causando um desconforto entre os países industrialmente desenvolvidos em razão do deslocamento dos investimen-tos e da terceirização da produção, resultando na subtração de empregos nesses países.

No que pese o destaque dado pela imprensa internacional, e pelos pes-quisadores, a essa relação, entre países emergentes e desenvolvidos, há necessidade de se realizarem estudos e pesquisas direcionados aos movi-mentos de deslocamento de investimentos e terceirização da produção no interior de países que apresentam disparidades regionais acentuadas, como o Brasil. Tendo em vista que a lógica de concorrência produzida pela globa-lização se reflete em nível dos custos relativos, principalmente no segmento da produção, as empresas tendem a utilizar estratégias que possibilitam a redução de custos e, neste caso, regiões com oferta abundante e barata de

14. Texto apresentado no Seminário Internacional sobre “Trajetórias de Desenvolvimento Lo-cal e Regional: uma comparação entre as regiões Nordeste brasileiro e a Baixa Califórnia (México)”, realizado pelo RIC-Colef, 29-30 de outubro de 2008, Fortaleza, Ceará, Brasil. “Para efeito de citação o autor sugere mencionar os Anais do Seminário Internacional sobre Seminário Internacional sobre ‘Trajetórias de Desenvolvimento Local e Regional: uma comparação entre as regiões Nordeste brasileiro e a Baixa Califórnia (México)’, Grupo de Pesquisa sobre Região, In-dústria e Competitividade – RIC (UFC), Fortaleza, Ceará, outubro de 2008”. O autor agradece ao bolsista Rafael Pinto pela coleta de dados e elaboração dos quadros e gráficos contidos neste trabalho.

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mão de obra acabam se beneficiando desse movimento. Esse processo tem influenciado a recomposição estrutural, dos setores e atividades econômi-cas, do Nordeste brasileiro assim como de outras regiões periféricas.

A compreensão do fenômeno da globalização, no Brasil, infelizmente tem sido dificultada pela predominância da tese que atribui à chamada “guerra fiscal”, entre os estados, a responsabilidade pelo deslocamento de investimentos, associados a alguns setores, dos estados do Sul e Sudeste para a região Nordeste. Na verdade, economias do Nordeste têm de alguma forma, se beneficiado do deslocamento de investimentos e da terceiriza-ção em função da lógica de concorrência que procura reduzir custos de produção. Nesse sentido, é possível trabalhar a hipótese segundo a qual a região Nordeste do Brasil vem se beneficiando do processo de globalização na medida em que recebeu certo volume de investimentos privados vindos de outras partes do País. Ao lado da indústria de transformação, os setores da agricultura (irrigada) e do turismo vêm, igualmente, apresentando ca-racterísticas de globalização já que têm conseguido atrair investimentos e consumidores internacionais.

Mesmo que esse fenômeno não esteja produzindo um processo clássico de industrialização, cuja característica se reflete na criação de redes locais de fornecedores de conhecimento, máquinas, equipamentos e insumos, ele possibilitou a manifestação de, pelo menos, três características que creden-ciam afirmar que a economia da região Nordeste brasileira tem participado do processo de globalização, são eles (i) a criação de linhas de montagem de bens de consumo final e intermediário, tais como calçados, vestuário, máquinas de costura, ventiladores, automotivos etc. voltados para o mer-cado nacional e internacional; (ii) a participação de empresas e segmentos nas cadeias internacionais de fornecimento, através, principalmente, da in-dústria têxtil; (iii) a produção pelo método da terceirização, verificado na indústria de confecções.

Apesar dessas conquistas, no ambiente de globalização, é necessário afirmar que suas vantagens comparativas estão baseadas em pilares, re-lativamente vulneráveis, na medida em que o preço reduzido da mão de obra, além dos incentivos fiscais, tende a se elevar no longo prazo com as pressões no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que os incentivos fiscais podem também ser oferecidos por governos de outras regiões ou contestados por organismos internacionais. Ou seja, no médio e longo pra-zos, essas vantagens estão sujeitas ao movimento pendular da equalização espacial dos custos dos fatores, fato este que já começa a se manifestar, uma vez que a procura da parte de investidores de outras região, pelo Nordeste, vem demonstrando uma desaceleração. Ademais, no caso dos investimen-tos obtidos pelo deslocamento de fora para dentro e limitados à linha de

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montagem, a vulnerabilidade pode estar associada ao fato de que os seus centros de inovação e decisão se encontram fora da região.

Dentro desse ambiente de globalização, e de transformações estruturais, dois aspectos chamam a atenção, quais sejam: primeiro, apesar das mudan-ças estruturais experimentadas pela economia nordestina, se beneficiando inclusive dos efeitos da integração das economias nacionais, a participação da região Nordeste no conjunto do Produto Interno Bruto Nacional, se-gundo o IBGE, não se alterou entre 1985 e 2005, pelo contrário, caiu para 13,1%. Enquanto isso, as regiões Norte, Sul e Centro-Oeste expandiram suas participações, em detrimento de um declínio da região Sudeste; segun-do, dentro desse mesmo ambiente, que se desenrola desde o início de 1990 até meados da década de 2000, assiste-se ao colapso da Política “Explícita” de Desenvolvimento Regional favorável à região Nordeste, deixando como marca a extinção da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), hoje restaurada. O vácuo deixado pelo colapso da Política Fede-ral de Desenvolvimento Regional, no Nordeste, foi ocupado por políticas de desenvolvimento econômico colocadas em prática por governos esta-duais nordestinos que, apoiados pelo ambiente de descentralização aberto pela Constituição de 1988, passaram a usar incentivos fiscais, com base no Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e na mão de obra barata, para acolher capitais do Sul e Sudeste que passaram a se deslocar espacialmente em busca de soluções que pudessem reduzir seus custos de produção.

O ponto intrigante, ao comparar esses dois aspectos, é que, apesar das transformações estruturais experimentadas pela economia nordestina, tan-to pelo declínio de algumas atividades quanto pela emergência de outras novas, a participação relativa da região no PIB nacional permaneceu prati-camente inalterada desde meados de 1980, como se esse resultado tivesse sido caprichosamente planejado pelo Estado. Entretanto, na fase considera-da, inexiste planejamento regional por parte do governo federal ao mesmo tempo em que não há coordenação sobre as políticas estaduais de desenvol-vimento econômico, dentre as quais a renúncia fiscal se destaca como um dos principais instrumentos.

Tanto na literatura “antiga”, propagada por autores como Myrdal, Aydalod e Hirschman, quanto na literatura “contemporânea” (por exem-plo, KRUGMAN, 1991) há um consenso de que o desenvolvimento espa-cial ocorre de maneira desigual, ou seja, marcado por dinâmicas espaciais desequilibradas nas quais regiões centrais, dotadas de fatores centrípetos, tendem a polarizar as forças distribuídas em todo o sistema, fazendo com que regiões periféricas, habitadas por fatores centrífugos, se enfraqueçam diante da polarização das regiões centrais. Entretanto, ao contrário do pas-

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sado, em tempos recentes não se pode dizer que há um consenso em torno da questão relacionada à intervenção pública planejada visando corrigir os desequilíbrios entre as regiões centrais e periféricas. Tal consenso fica ain-da mais difícil diante dos efeitos da globalização, que têm mostrado uma grande capacidade de produzir regiões ganhadoras e regiões perdedoras (BENKO; LIPIETZ, 1992, 2000), dentro e fora das regiões centrais e, às vezes, com aparentes benefícios para as regiões periféricas em termos de deslocamento de investimentos em função da terceirização da produção. Esta situação se reflete muito claramente na dificuldade de se restaurar um modelo de planejamento regional específico para o Nordeste, na qual as incertezas que pairam em torno do papel que deverá ter a Sudene na região são apenas dificuldades coadjuvantes.

O presente artigo está dividido em seis tópicos, além desta introdu-ção: (ii) a grande transformação; (iii) impactos sobre o padrão dinâmico; (iv) impactos sobre o pensamento regional; (v) novos rumos das políticas públicas: (vi) um olhar sobre o Nordeste e (vii) conclusão.

2. A “grande transformação”A exemplo, de outras áreas das ciências sociais em geral, o conhecimento em torno da economia regional e seu desenvolvimento, experimentou gran-des deslocamentos de paradigmas. Até meados da década de 1980, a ciên-cia econômica regional era orientada pelos princípios estabelecidos pela escola alemã, que considerava a distância e o custo de transporte, em rela-ção aos mercados consumidores e fornecedores, como elementos centrais na determinação da alocação espacial dos fatores e da trajetória regional (para uma visão geral ver DINIZ; CROCCO, 2006). Além disso, considerava também os espaços geográficos homogêneos, não apresentando vantagens e desvantagens em termos absolutos ou relativos. Até final dos anos 1970, esses princípios orientaram as políticas de desenvolvimento regional, com influência, inclusive, sobre as teorias de Polos de Crescimento (PERROUX, 1973), que não tinham um vínculo íntimo com a escola alemã. Esses eram os princípios canônicos que predominavam até então.

Os responsáveis por esse deslocamento de paradigma estão concen-trados em cinco elementos interligados: (i) a crise de planejamento e de intervenção centralizadoras; (ii) reestruturação dos mercados; (iii) mega-metropolização, seguida pela emergência de megaproblemas urbanos; (iv) globalização e abertura econômica; e (v) Tecnologia da Informação e Tele-comunicações (TI&T). Esses elementos fizeram com que o fator distância ou custo de transporte, se tornasse um fator adicional, e não único, para

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explicar e apoiar o desenvolvimento regional, ou para explicar a descons-trução dos espaços constituídos. Diante desse novo quadro Paul Krugman e, principalmente, geógrafos como Ron Martin (1995) colocam que além do custo do transporte, fatores como a história e o protagonismo local e regional são importantes para o desenvolvimento regional. Nessa mesma linha, outras correntes das escolas evolucionistas e institucionalista passa-ram a reforçar o surgimento de novos conceitos e teorias sobre a economia regional, ganhando destaque fatores endógenos no desenvolvimento local e regional (AMARAL FILHO, 2001).

2.1. Crise de planejamento e de intervenção regionais centralizadorasO processo de descentralização político-administrativa, verificado desde o início dos anos 1980, implicou em descentralização dos papéis dos atores ditos regionais, assim como das decisões e dos investimentos. Esse fenô-meno aconteceu em escala mundial: na Europa e na América Latina, em especial. Nesse processo, os atores, antes adstritos ao Estado central, passa-ram a compartilhar suas decisões com atores mais próximos dos territórios: estados, municípios e até organizações não governamentais.

Por seu lado, os grandes investimentos em projetos estruturantes e equi-pamentos passaram a ser compartilhados com investimentos pontuais e lo-calizados. Sem dúvida, esse processo gerou uma maior valorização do terri-tório e do poder local, em detrimento do poder central, e, por consequência, ocasionou um movimento de valorização dos pequenos produtores locais. Com o objetivo de promover o desenvolvimento local, os atores locais têm procurado, a exemplo da Terceira Itália e outras regiões “vencedoras”, criar um ambiente propício para que as pequenas empresas locais se engajem num processo de organização de clusters ou distritos industriais.

2.2. Reestruturação dos mercadosHoje se diz que o mercado é ditado pela lei da oferta, o que é uma meia verdade. Antes de isso acontecer, foi necessário ocorrer uma profunda me-tamorfose da demanda efetiva, verificada em vários aspectos, como na segmentação, na atrofia causada pela redução relativa da renda, e, princi-palmente, na instabilidade. A instabilidade da demanda efetiva, em escala mundial nos anos 1980 e 1990, é a própria síntese dessa metamorfose. Essa mudança produziu reações e adaptações do lado da oferta, cujas matrizes foram a descentralização e a desconcentração da produção. A oferta passou a ser orientada pela redução de custos fixos e pela flexibilidade nas decisões,

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nas ações e nas formas de produzir. Como consequência, essas transforma-ções favoreceram as pequenas e médias empresas, não necessariamente já instaladas, dado que a descentralização de pequenas unidades produtivas, como se fossem extensões das grandes empresas e corporações.

2.3. Megametropolização, seguida pela emergência de megaproblemas urbanosSão largamente conhecidas as vantagens oferecidas pelas metrópoles, em relação às economias de escala, economias de aglomeração e às economias externas, geradas pela concentração de fatores, tangíveis e intangíveis, e de mercados. Entretanto, o processo de megametropolização, mais ou menos controlado nos países desenvolvidos e descontrolado nos países em desen-volvimento, seguido de megaproblemas urbanos, tem provocado, em vários segmentos econômicos, uma redução do interesse pela localização metro-politana. Do lado das administrações municipais das grandes metrópoles, os problemas não têm sido menores. A necessidade de ampliação da oferta de serviços e equipamentos públicos, em escala gigantesca, tem causado crises financeiras para essas administrações. Esses fenômenos têm estimu-lado o deslocamento espacial dos investimentos, geralmente para regiões afastadas da “espinha dorsal” dos territórios metropolitanos e desenvolvi-dos, favorecendo e reforçando iniciativas de desenvolvimento local e de suporte ao empreendedorismo em localidades mais afastadas.

2.4. Globalização e abertura econômicaA globalização e a abertura econômica, verificadas com muita intensidade nos anos 1990, têm imposto às empresas e regiões um desafio sem prece-dentes no campo da competitividade. Como forma de adaptação, muitas empresas têm procurado desfazer e não criar raízes territoriais, visando a busca constante de competitividade por meio da procura de subsídios, mão de obra e facilidades de mercado. Assiste-se, com isso, a um forte processo de deslocamento dos investimentos, especialmente intensivos em mão de obra, e a um forte processo de concorrência entre os territórios pela captura desses investimentos (ver BERGER, 2005).

As faces mais conhecidas desse processo são o declínio de regiões tra-dicionalmente industriais (em têxtil; siderúrgica; exploração de minérios; indústria naval etc.) como na França e na Inglaterra, e a ascensão de ou-

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tras regiões, até então pouco ou nada expressivas, ao estatuto de regiões industriais significativas. A Irlanda é hoje uma grande receptora de inves-timentos estrangeiros, o que vem sustentando altas taxas de crescimento econômico.

Contudo, o processo de deslocamento de investimentos e de plantas in-dustriais, à procura de fatores competitivos, revela apenas um só aspec-to, o lado funcional das empresas. Outro aspecto é revelado pelo processo de deslocamento da referência Estado-nação para a referência território, processo esse facilitado pela diluição relativa das fronteiras nacionais. A valorização da referência território, e de seus respectivos atores, aparece como resposta ou contrapartida ao processo de globalização e abertura dos mercados nacionais, visto que as medidas desreguladoras são tomadas no plano macro, mas suas repercussões (boas ou más) manifestam-se no plano micro, ou territorial.

2.5. Tecnologia da Informação e Telecomunicações – TI&TA década de 1990 assistiu ao uso intensivo da tecnologia da informação e da telecomunicação por indivíduos, empresas e governos nas suas rotinas de atividades. Isso implicou a formação de redes de transmissão de dados, imagens e informações, de tal forma que se tornou possível relativizar a im-portância da chamada distância espacial, fazendo, assim, emergir um novo conceito, o da proximidade organizacional, proporcionada pela inserção do indivíduo, da empresa ou da região nas redes de comunicação.

O impacto disso foi a autonomização de certos tipos de atividades, ou de certas tarefas empresariais, em relação ao espaço geográfico que abriga a matriz do grupo ou da empresa em questão. Isto também tem facilitado a descentralização funcional das atividades empresariais, bem como a des-centralização espacial da execução de certas atividades, significando que determinados profissionais não necessitam estar fisicamente presentes nas matrizes das empresas ou do demandante pelo serviço. Isso significa que os mecanismos de TI&T asseguram uma parte importante da governan-ça do processo de descentralização e desconcentração produtivas referido anteriormente, por meio das redes de comunicação. Mas significa também que o imenso setor que emergiu da TI&T transformou-se numa fronteira de negócios para pequenas e médias empresas de base tecnológica. Por fim, as tecnologias de informação passaram a significar para esses segmentos instrumentos importantes na redução dos custos relativos ao marketing, e também na aproximação com os clientes, por meio de sites e portais.

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3. Impactos desses fenômenos sobre o padrão dinâmicoTendo em vista que um padrão de organização é produzido pela interação simultânea de inúmeras variáveis, como as descritas anteriormente, é ra-zoável dizer que o principal impacto desses fenômenos estruturais foi ter quebrado o padrão (antes existente) da dinâmica territorial. Entende-se essa dinâmica como fruto dos fluxos de pessoas, mercadorias e capitais, no caso o mercado, combinados com a intervenção dos poderes públicos, e tendo como base os territórios (estes, impregnados de história, cultura e instituições).

Mesmo que esse padrão tenha sido quebrado, isto não significa que um outro tenha tomado o seu lugar. Os fatos têm mostrado que não está ain-da definido um novo padrão dominante, capaz de configurar uma nova dinâmica regional ou territorial. Pode-se dizer que há um processo, bem avançado, na direção dessa definição. Entretanto, e de acordo com os mes-mos fatos, tudo leva a crer que a estabilidade desse novo padrão estará sob suspeita, ou seja, em risco permanente de instabilidade. Essa tensão permanente parece apresentar-se como parte constituinte do “padrão” da nova dinâmica regional, que, sendo assim, contaminará a estabilidade do pensamento teórico bem como das intervenções públicas (e privadas) vol-tadas para o desenvolvimento local e regional.

É difícil a tarefa de classificar ou sintetizar essas transformações estrutu-rais em algumas poucas frases ou em algum esquema básico de explicação. Uma tentativa dessa natureza, e de grande envergadura, foi realizada pela chamada Escola da Regulação francesa, chamando-as de um processo de passagem entre um sistema de produção de massa, do tipo fordista, para um sistema de produção flexível, pós-fordista. Do ponto de vista das em-presas, regiões e territórios, qual é o significado dessa passagem? Parece significar que, presumivelmente, o capitalismo passaria a premiar agora as micro, pequenas e médias empresas, principalmente flexíveis e inovadoras e, também, as regiões e territórios, principalmente os flexíveis e inovadores, e aqueles conectados nas redes de comunicação, formando assim a Nova Economia Regional.

Em síntese, passariam a ganhar dentro desse processo as regiões e ter-ritórios que estiverem, de certa maneira, afastados da espinha dorsal das regiões desenvolvidas, mas também, e principalmente, descompromissados com o “velho” padrão de acumulação e desenvolvimento regional. Abrem-se assim novas janelas de oportunidades para as regiões não identificadas historicamente com a industrialização tradicional. Essa ideia-força passou a fazer parte das estratégias, iniciativas, projetos e planejamentos locais e regionais, mesmo que se saiba que as grandes empresas se tornaram flexí-

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veis e que as regiões ricas e as megametrópoles continuam a atrair grandes contingentes de pessoas e grandes volumes de capitais, apesar de seus pro-blemas gerais de deseconomias de aglomeração. Os principais ícones dessa chamada Nova Economia Regional são: Vale do Silício na Califórnia; Rota 128 em Massachusetts; Terceira Itália (Distritos Industriais); Tecnopolos na Europa e no Japão etc. (ver SAXENIAN, 1996; POLENSKE, 2007).

No arrebento desses fenômenos, essas regiões emergiram como áreas ganhadoras e hoje estão servindo de fontes de inspiração para pesquisado-res e formuladores de políticas públicas, dentro de um esforço de renova-ção do planejamento local e regional. Entretanto, cabe observar que, além das suas características específicas, essas experiências nasceram há 30, 50 anos, o que significa dizer que, apesar de pioneiras e protagonistas da Nova Economia Regional, elas se beneficiaram das estruturas, do padrão e da prosperidade do antigo regime, chamado Fordista, isto é: dos recursos e in-vestimentos fáceis; do crescimento econômico robusto; da forte intervenção do Estado etc. Embora fazendo parte desse velho regime essas experiências traziam em seu interior novas formas de produção e de organização social, o que lhes permitiram, portanto, se descolarem do regime fordista e fundar uma nova geografia econômica, baseada em novos paradigmas. Isto signifi-ca dizer que, a origem, as especificidades e os contextos dentro dos quais se desenvolveram essas experiências não são passíveis de replicação.

Afinal de contas, o que realmente caracteriza essa Nova Economia Re-gional e sua dinâmica? Quais são seus elementos?

Em nível das instituições:

A formação e o acúmulo de um capital social localizado é um elemento básico e chave. Aquelas experiências mostraram que o desenvolvimento da confiança e da cooperação, concretizadas em arranjos institucionais capazes de coordenar decisões e processos locais, fez a diferença em seu favor. Organizações sociais flexíveis e horizontais foram importantes no desenvolvimento dos distritos industriais da Terceira Itália, além de contribuir para o desenvolvimento da região Nordeste desse País (PUT-NAN, 1996).

Em nível da organização social e produtiva, vários elementos (re)emer-giram:

Aglomeração de micro, pequenas e médias empresas; ou simplesmente aglomeração setorial e espacial de firmas.

Especialização produtiva.

Produção voltada para fora, impulsionada pela competitividade.

Fortes economias externas, de aglomeração e de escala.

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Forte divisão social do trabalho.

Combinação entre cooperação e concorrência entre empresas e organi- zações.

Forte aglomeração de produtores, fornecedores e instituições se intera- gindo.

Mercado de trabalho estruturado e forte presença de instituições forma- doras e reformadoras de mão de obra.

Microcrédito.

Inovações contínuas, mesmo que incrementais.

Em nível da organização político-administrativa:

Parceria entre os setores público e privado.

Participação múltipla de atores no processo de discussão, decisão, plane- jamento e intervenção no território. Tendo como ator central o poder pú-blico local, capitalizando recursos, articulando e mediando intervenções.

Nessa Nova Economia Regional, a dinâmica passa a ter uma forte in-fluência da parte dos elementos internos ao território, daí porque ganhar um caráter ou uma denominação de endógeno, sem que com isso dispense o papel do Estado central no arranjo institucional local ou o papel dos in-vestimentos externos à região ou ao território. Além disso, promove-se o casamento da organização territorial com da industrial, mesmo que com isso não esteja garantida a criação definitiva de raízes territoriais pelas em-presas.

4. Impactos sobre o Pensamento RegionalDiante do quadro anterior, não é difícil concluir que, no âmbito do Pensa-mento Regional, a corrente que sofreu maior impacto negativo, vindo das transformações estruturais, foi sem dúvida aquela associada à Teoria da Lo-calização, calcada na tese dos baixos custos de transportes proporcionados pela distância (ao mercado, seja em relação à oferta ou à demanda). Não que esse argumento tenha perdido sua importância, mas na Nova Econo-mia Regional, ele passa a ser um argumento entre outros mais, já arrola-dos anteriormente. Isso quer dizer que, o território que conseguir mobilizar aqueles elementos listados anteriormente, poderá se candidatar a entrar numa trajetória de desenvolvimento, ou pelo menos passar a ser um terri-tório atrativo do ponto de vista econômico. A Teoria da Localização, núcleo central da Ciência Regional, foi portanto a corrente mais abalada pela nova dinâmica regional.

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Por outro lado, a nova dinâmica regional passou a favorecer elementos, noções e conceitos que até então não estavam sendo muito valorizados pela Ciência Regional. Referem-se ao conceito de divisão de trabalho smithia-no, às externalidades marshallianas, às inovações schumpterianas, às ações coletivas postas pelos institucionalistas, ao processo de aprendizagem evo-lucionista e à organização e constituição de redes. Todos esses elementos têm convergido na direção da promoção dos “rendimentos crescentes” dos fatores locais e regionais. Além disso, destaca-se a revalorização do territó-rio como locus de realização dos rendimentos crescentes, ou da identidade local, contraponto-se às ameaças globais (ver a revisão da literatura por PIKE; RODRIGUEZ-POSE; TOMANEY, 2006).

Não é sem razão que, nos dias de hoje, há uma explosão de papers e livros sendo escritos e discutidos, cumprindo o árduo exercício de se tentar construir novas referências para o pensamento e planejamento regionais. Há, pelo menos, três contribuições que chamam a atenção dentro desse grande esforço:

Contribuição de Paul KRUGMAN (op. cit.): responsável por uma impor-tante renovação da geografia econômica e sua inserção no mainstrean economics. Este autor aproveitou a tese dos custos dos transportes, mas a complementou com noções marshallianas (externalidades) e keynesia-nas (estrutura de mercado): rendimentos crescentes e demanda local.

Contribuição dos institucionalistas, neo-schumpterianos e evolucionistas : chamados localistas (distrito industrial; cluster marshalliano; arranjo e sistema produtivo local) são aqueles que valorizam todos os elementos extrapreço ou extramercado que, para eles, jogam o importante papel na coordenação das decisões e na alocação dos fatores. Nessa mesma via encontram-se, desde muito, os geógrafos humanos que, historica-mente, já destacam a supremacia do processo de construção dos fatores e do território, no lugar da dotação de fatores (a exemplo de Martin e Sunley).

Contribuição de Michael PORTER (1998): egresso do business economics e principal influente no debate sobre os clusters, mesmo sem ter dado esse nome até 1998, ele parte do approach da competitividade e prioriza a “lógica do diamante”, ou seja, a amarração dos elementos: i) estratégia, estrutura e rivalidade da empresa; ii) condições dos fatores; iii) setores conexos e de apoio; iv) condições da demanda. Das três contribuições, esta é aquela que tem menos compromisso com a questão territorial ou regional, no sentido de uma fração espacial de um País.

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5. Novos rumos para as intervenções públicasO contexto dos anos 1990/2000 quase nada se assemelha ao contexto que acolhia e fundamentava a criação da Sudene, por Celso Furtado (ver AMA-RAL FILHO, 2007). Parece não haver dúvidas de que as políticas de desen-volvimento regional perderam suas características clássicas, em função da criação de um novo contexto econômico e institucional, recheado de desafios que exigem dos poderes públicos, muita criatividade e posições inovativas (ver STORPER, 1999). Com as transformações estruturais e a emergência das novas teorias regionais a questão territorial passa a ocupar um lugar central no destino das regiões. Ou seja, enquanto a teoria convencional abstraía o território em seus modelos, na medida em que considerava as realidades e paisagens territoriais como espaços homogêneos, as novas teorias regionais o coloca como âncora do processo de desenvolvimento. Neste caso, não só a geografia física tem importância, mas as estruturas e infraestruturas, a popu-lação, as relações sociais e as instituições, essas entendidas como tradições, cultura e regras de conduta, passam a ter um papel preponderante.

Trata-se, portanto, de uma dimensão entendida como território vivido, ativo, protagonista, no lugar do território passivo, tomador de decisões vin-das de fora para dentro. Esta dimensão desponta como um contraponto ao centralismo econômico e político-administrativo, bem como ao processo de globalização. Por essa razão ganhou espaço dentro dos novos conceitos, te-orias e teses sobre a Questão Regional, a abordagem endógena, no lugar da abordagem exógena, o que trouxe para o centro da discussão o território, e todos os seus componentes estruturantes. Dentro dessa nova perspectiva, não é mais possível falar sobre economia regional sem falar em geografia humana e econômica, entendida aqui numa dimensão holística.

De acordo com as mudanças estruturais verificadas, e o consequente deslocamento dos paradigmas teóricos, verificam-se igualmente uma alte-ração significativa das estratégias e políticas de desenvolvimento local e regional. As descentralizações político-administrativas juntamente com a descentralização produtiva, conferiram ao território e ao local uma auto-nomia relativa mais elevada que no passado. No lugar de, apenas, receber políticas, programas e projetos de desenvolvimento já prontos do governo central, o desenvolvimento local ou regional passa a receber, cada vez mais, influências dos protagonistas locais.

No passado, era normal o Estado central produzir ideias, elaborar pla-nos e políticas, difundir e implantar programas de desenvolvimento local e regional. Tudo era realizado de cima para baixo, exogenamente.15 Exemplo

15. Relativamente ao papel do governo central no desenvolvimento regional é interessante visitar a discussão realizada por Araújo (1999) e Baer e Miles (1999).

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desse voluntarismo, para o Nordeste, foi a transferência dos poderes de de-cisão da Sudene para a tecnocracia de Brasília, na época do regime militar, já em 1964. Mas o fracasso desse voluntarismo mostrou que as políticas públicas devem levar em conta o fator da proximidade, entre o ofertante de política pública, no caso o poder público, e o demandante pela política, isto é o consumidor, ou o contribuinte, ou se quiser o eleitor. Somente a proximi-dade pode permitir a manifestação da sensibilidade relativa à identificação dos problemas e soluções, pois esses são diferentes de um local para outro, ou de uma região para outra. A proximidade pode também permitir uma melhor avaliação da política pública, pelo beneficiário, já que a ele é permi-tido interação e oportunidade de cobrança sobre o poder público local.

O desenvolvimento local envolve uma estratégia cujo objetivo é procu-rar, por meios endógenos, uma integração vantajosa ou uma inserção no desenvolvimento econômico regional, estadual, nacional e, se possível, in-ternacional. Trata-se de uma estratégia proativa cujo interesse é combater a cultura passiva normalmente encontrada nas localidades, que se contentam em receber os benefícios emitidos pelas políticas públicas dos governos es-tadual e federal. Muitas vezes, esses benefícios ficam restritos à pura trans-ferência de renda, por meio do Fundo de Participação Municipal ou através de benefícios sociais nos quais se encontra a Bolsa Família.

O comodismo local baseia-se na visão segundo a qual o problema da desigualdade regional é um programa de renda. Sendo assim, a política de transferência financeira, ou de renda, se apresenta como sendo uma políti-ca pública adequada. O seu contrário, o desenvolvimento local, baseia-se na visão de que o problema da desigualdade regional não é somente um pro-blema de renda, mas de (incapacidade) de geração de renda. Neste caso, o que deve ser trabalhado é a capacidade de geração de renda. Para esta via há duas alternativas, não exclusivas: (i) estratégia de mobilidade social e (ii) estratégia de atividades produtivas.

A estratégia voltada para a promoção da mobilidade social da população local aplica-se, geralmente, nas localidades para as quais não há potencia-lidades econômicas. Neste caso, investe-se na formação do capital humano através da educação convencional de qualidade, conjugada com iniciativas de formação profissional. O objetivo dessa estratégia é oferecer à população local, sem alternativas locais de emprego, mobilidade para alcançar mer-cados de trabalhos em outras regiões. A estratégia calcada em atividades produtivas, por seu lado, adapta-se às localidades para as quais existem po-tencialidades econômicas reais e reveladas. Neste caso, procura-se estrutu-rar ou fortalecer a função de produção agregada para a localidade ou para a região de maneira que ela passa a mobilizar os recursos e fatores locais.

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6. Um olhar sobre o Nordeste

6.1. Um pouco de históriaNão é demais afirmar que, na década de 1950, período em que Furtado mais se dedicou à questão das desigualdades regionais no Brasil, pudesse haver várias questões regionais, devido aos problemas do esvaziamento do interior do País, mas também à falta de integração das economias regionais e do mercado nacional. Ambos os problemas estavam associados à questão da unidade nacional. A ideia de “arquipélago” de regiões isoladas, coman-dadas de fora para dentro, evocada por Francisco de Oliveira, é bastante apropriada para essa situação.16 Entretanto, é possível afirmar que nesse período havia, pelo menos, duas questões regionais claramente postas: a primeira situava-se no interior do País, mais exatamente no Centro-Oeste, região vasta, mas praticamente despovoada. O País tinha sua população concentrada na costa e, por isso, sugeria um problema de insegurança na-cional; a segunda questão regional se encontrava na região Nordeste e, neste caso, o problema estava no fato de ser uma área relativamente muito populosa, mas pobre. Aqui, o elemento complicador era a presença e o domínio dos interesses políticos e sociais das velhas oligarquias ligadas aos latifúndios, cenário que contrastava com aquele predominante no Centro-Sul, onde se constatavam os interesses das classes médias e empresariais que conduziam um processo acelerado de industrialização e urbanização.

Essa primeira questão foi, imediatamente, incorporada pela Agenda do governo Juscelino Kubitschek, como parte do seu projeto político. Nesse sentido, o governo não mediu esforços, nem recursos, para fazer cumprir a construção da nova capital Brasília. A determinação de JK, em fazer cum-prir esse projeto, foi tão intensa que lhe fez romper relações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), sentindo que o mesmo se opunha ao pro-jeto por ele trazer fortes impactos na expansão dos gastos públicos e, por consequência, sobre a inflação. Na época da sua construção, Brasília foi en-tendida como sendo parte de uma agenda pessoal e vaidosa do presidente, com o intuito de deixar uma grande marca do seu governo. Sem dúvida, essa marca ficará registrada para sempre, mas muito mais pelo papel que esse projeto exerceu no processo de ocupação, povoamento e aproveita-mento econômico do Centro-Oeste.

A segunda questão regional foi incorporada tardiamente na agenda do governo JK, em 1958-1959, por influência das pressões sociais e popula-res manifestadas na região, nas quais se viam movimentos de camponeses apoiados por setores progressistas da igreja. Se essas pressões fizeram o go-

16. Para uma análise histórica do Nordeste recomenda-se ver Guimarães Neto (1989).

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verno federal tomar decisões importantes para a região Nordeste, a forma e o conteúdo das intervenções tiveram influência direta das argumentações técnicas e consistentes oferecidas por Celso Furtado, na época Economista do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) e Di-retor Regional do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Nesse aspecto, parece não haver dúvidas de que Furtado e a Sudene promo-veram uma mudança radical no padrão conceitual das intervenções públi-cas federais na região Nordeste, significando um divisor de águas.

Nesse ponto, foi decisivo o encontro de Celso Furtado com o presiden-te da República Juscelino Kubitschek no Palácio Rio Negro em Petrópolis (1959) ocasião em que foram discutidos os problemas nordestinos, num ambiente de brainstorn, sob os estímulos dos impactos desastrosos da gran-de seca de 1958 e dos referidos movimentos populares.17 Nesse encontro, Celso Furtado levantou críticas aos tipos de intervenções federais na região Nordeste, colocando que tais políticas estavam contribuindo para consoli-dar estruturas arcaicas no lugar de removê-las, inviabilizando o desenvol-vimento da região, e aumentando as desigualdades entre o Nordeste e o Centro-Sul.

Dois erros básicos eram cometidos pelo governo federal, segundo Furta-do, um era a concessão de subsídio ao açúcar, que estimulava o atraso tec-nológico e a concentração de renda nas mãos dos usineiros e, outro, a estra-tégia de combate contra as secas que se sustentava nas obras de construção de açudes realizadas pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), a fim de reter as águas das chuvas. O ponto crítico dessa estraté-gia estava na apropriação dos recursos hídricos pelos grandes latifundiários do sertão com o fim de proteger seu criatório bovino. Somados a esses dois erros, causadores de um processo de concentração de renda e poder no interior do Nordeste, o autor acrescentava o forte apoio empreendido pelo governo federal, em forma de subsídio e investimento em infraestrutura, a favor da industrialização e dos industriais do Centro-Sul, problema esse que agravava as disparidades regionais no País.

Quase 50 anos depois, observam-se dois aspectos novos sobre a questão regional no Brasil. O primeiro aspecto, é que, apesar dos recortes históricos e culturais localizados, não há mais propriamente uma questão regional, no sentido clássico do termo, ausência, aliás, reconhecida oficialmente pelo próprio Ministério da Integração Nacional, que considera mais importante as Desigualdades de Renda entre as pessoas, inclusive dentro de um mesmo estado e região (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2003). Ele

17. Em 1958 a produção de alimentos, no Estado do Ceará, caiu 70%, impacto que caía dire-tamente sobre a pequena produção familiar, o “morador” (FURTADO, 1997a).

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resultou, sem dúvida, da aplicação de uma complexa política de integração nacional executada pelo governo federal nessas últimas décadas. O segun-do aspecto, é que as duas frentes de intervenção federal, no Nordeste e Centro-Oeste, produziram resultados diferentes e surpreendentes.

A região Nordeste, apesar das mudanças estruturais e da diversificação da sua base econômica ela ainda não conseguiu modificar essencialmente o quadro de miséria social ao mesmo tempo em que sua inserção dentro da divisão regional do trabalho. Reflexo disso é a estagnação na sua parti-cipação relativa no PIB nacional, isto é, 14,1% em 1985 e 13,9% em 2003 (IBGE). Furtado, já na sua volta do exílio ao Brasil, atribuiu esse paradoxo ao processo de modernização conservadora, processo esse capturado e li-derado pelas elites regionais em parceria com a tecnocracia do regime mi-litar.18 Por seu lado, a região Centro-Oeste, mesmo sem uma base industrial importante, se transformou numa região dinâmica, produtora de grandes excedentes agropecuários exportáveis, contribuindo pesadamente para a geração de saldos comerciais no balanço de pagamentos, além de possibili-tar uma participação crescente da região no PIB nacional, que saiu de 4,8% em 1985 para chegar em 2003 com 7,5% (IBGE).

Nesse sentido, não seria exagero chamar a região Centro-Oeste, hoje, de “Terceiro Brasil”, a exemplo do que se passou com a “Terceira Itália” que, mesmo sem contar com o apoio de um programa grandioso de desenvol-vimento, a exemplo do Mezzogiorno,19 desenvolveu-se impulsionada pelo empreendedorismo dos micro e pequenos empresários, pelo capital social e pelo apoio dos governos locais. Isso mostra que, apesar dos grandes es-forços empreendidos pelo governo federal na região Nordeste, as estrutu-ras, particularmente agrícolas e agrárias, e as instituições a elas associadas, exerceram um papel de freio sobre as mudanças desejadas pelo Planeja-mento da Sudene de Celso Furtado.

6.2. As teses de Furtado para as desigualdades regionais, entre o Nordeste e o Centro-SulMesmo sendo originário do sertão da Paraíba (Pombal), e ter vivido boa parte da sua vida nesse estado, onde pôde presenciar as repercussões das políticas públicas erráticas e o sofrimento da população nordestina, sua vi-são sobre as desigualdades entre as regiões Nordeste e Centro-Sul não era de um regionalista ressentido, em relação à região mais desenvolvida.

18. Ver Bacelar (1996).19. Essa região contou com a Casa del Mezzogiorno que fazia o papel da Sudene.

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As fontes das desigualdades, para Furtado, tinham origens tanto endó-genas quanto exógenas. Do lado das fontes endógenas, a história e as es-truturas econômicas e sociais do Nordeste tiveram sua importância e, em relação às fontes exógenas, identificava na política macroeconômica de de-senvolvimento do governo federal a principal responsável. Nesses termos, os argumentos de Celso Furtado se contrapunham radicalmente àqueles ar-gumentos predominantes até então, que viam na seca o problema da região e na engenharia hidráulica a saída para tal problema. Esse ponto de vista estava claramente colocado no GTDN.

A tese central defendida por Furtado baseava-se no argumento de que a questão regional era gerada pelo fato do Nordeste ser uma região pobre e superpovoada, marcada por um grande excedente de mão de obra que realizava uma produção insuficiente de alimentos, além de não resistir às secas severas. A base desses problemas estava fincada no baixo nível de qualidade dos recursos físicos disponíveis para as atividades agropecuárias, complementada pelas chuvas irregulares e má distribuídas.

Vinte e cinco anos depois (FURTADO, 1984), realizando um balanço das teses contidas no diagnóstico do GTDN, o autor reafirma essa preocupação dizendo que “...a raiz da fragilidade da economia nordestina estava em seu setor agrário”.20 Por essa razão Furtado não poupou críticas aos políticos nordestinos responsáveis pelo engavetamento do Projeto de Lei da Irriga-ção formulada por ele, pois dentro desta lei continha um projeto de reforma agrária. As teses coadjuvantes se dividiam em dois grupos, ambos se autor-reforçando e gerando um processo de círculo vicioso dentro da economia da região:

Formação histórica, estruturas arcaicas e política federal para a região Nordeste.

Política de desenvolvimento nacional, em particular a política voltada para a industrialização na região Centro-Sul.

Na opinião de Celso Furtado, a formação histórica e econômica da região Nordeste permitiu a constituição e o funcionamento de sistemas produtivos (cana-de-açúcar, pecuária-algodão-cultura de subsistência) com alto poder de concentração de renda que impediu a formação de um mercado inter-no que justificasse o desenvolvimento industrial e o aparecimento de uma burguesia esclarecida. Esta conformação gerou estruturas econômicas e so-ciais, e instituições correlatas, arcaicas e conservadoras, propícias e alimen-tadoras da estagnação econômica. A política federal aplicada na região, até

20. Para Furtado o conceito de agrário abrangia não só a produção, mas o grau (elevado) de concentração na distribuição da propriedade rural, a comercialização na qual se encontrava o papel dos atravessadores e o financiamento da produção ao qual estava associado o capital mercantil-usurário.

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então, reforçava essas estruturas e alimentava o círculo vicioso, pois eram estruturas controladas pelos latifundiários das zonas úmidas e semiáridas.

Por seu lado, a política de desenvolvimento nacional, conduzida pelas políticas cambial, alfandegária e de subsídios aos industriais do Centro-Sul acabava reforçando as vantagens comparativas e competitivas dessa última região. Na medida em que Furtado entendia que a industrialização era o motor dinâmico do crescimento/desenvolvimento, estava decretada aí a ampliação das desigualdades regionais. Para ele, se nada fosse feito, esse processo poderia ser irreversível, porque no seu entendimento era um processo circular e acumulativo.

6.3. As propostas para o desenvolvimento do Nordeste, o GTDNAs propostas de Furtado para o desenvolvimento do Nordeste foram apre-sentadas no GTDN, que deu origem à Superintendência para o Desenvol-vimento do Nordeste (Sudene).21 Tais propostas começaram a ganhar vida a partir dos Planos Diretores de Desenvolvimento, executados por aquela superintendência.22 Suas estratégias visavam quebrar o círculo vicioso da pobreza na região, dando lugar ao círculo virtuoso do crescimento e do de-senvolvimento, por meio de um conjunto de ações que visavam reorganizar o setor agrícola ao mesmo tempo em que um vasto programa de incentivos e investimentos em infraestrutura nas áreas de energia, transporte etc. As propostas consistiam basicamente, no seguinte:

Aumentar a produção de alimentos a partir de três frentes: primeira, ampliar as áreas de produção de alimentos nas zonas úmidas, por meio da reforma agrária; segunda, aproveitar as margens do São Francisco com a produção agrícola irrigada; e, terceira, abrir uma fronteira agríco-la na parte Oriental do Maranhão.23

21. A Sudene foi precedida pelo Conselho do Desenvolvimento do Nordeste (Codeno) (criado em março de 1959), e foi criada pela Lei n. 3.692, de 15 de dezembro de 1959, do Congresso Nacional, e promulgada pelo presidente Juscelino Kubitschek. Tinha como funções: a) estu-dar e propor diretrizes para o desenvolvimento do Nordeste; b) supervisionar, coordenar e controlar a elaboração e execução de projetos a cargo de órgãos federais na região e que se relacionem especificamente com o seu desenvolvimento; c) executar, diretamente ou mediante convênio, acordo ou contrato, os projetos relativos ao desenvolvimento do Nordeste que lhe foram atribuídos nos termos da legislação em vigor, e coordenar programas de assistência técnica, nacional ou estrangeira, ao Nordeste.22. Houve, no total, quatro Planos Diretores de Desenvolvimento.23. Oportuno lembrar que três das quatro diretrizes básicas da política de desenvolvimento do Nordeste sugerida por Furtado em 1959 diziam respeito à reconstrução do conjunto do setor agrícola (FURTADO, 1984).

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Promover a reestruturação da indústria tradicional da região, espe- cialmente a indústria têxtil, além de promover um novo processo de industrialização, criando novos segmentos por meio do instrumento dos incentivos fiscais. Nesse aspecto, Furtado coloca muito claramen-te a necessidade de se criar um instrumento fiscal que fosse capaz de gerar um diferencial que pudesse atrair as empresas se instalarem no Nordeste. Para ele, era a única maneira de enfrentar a concorrência do parque industrial consolidado do Centro-Sul (FURTADO, 1997b, Tomo II).

Não é uma tarefa fácil avaliar as propostas formuladas e implementadas sob a influência do GTDN, pelo fato de que essas propostas sofreram um intenso bombardeio político que partiu das elites da região e dos políti-cos tradicionais do Nordeste instalados no Congresso Nacional. Além disso, como bem coloca Bacelar (1996), muitas propostas reformistas de Furtado, a começar da própria Sudene, foram engavetadas ou foram deturpadas no processo de implementação. Tendo isso em conta, procurar-se-á fazer, a seguir, uma rápida avaliação das referidas propostas, na qual serão consi-derados três grupos de observação. O primeiro grupo reunirá as propostas acertadas, o segundo grupo as propostas erradas ou frustradas e, o terceiro grupo reunirá algumas tendências tomadas pela economia nordestina e que não foram percebidas na época.

No grupo dos acertos, caberia destacar, em primeiro lugar, a proposta de criação da Sudene. Muito provavelmente, a principal contribuição trazida pela Sudene, da fase pré-militar, tenha sido o fato de ela constituir uma peça-chave na coordenação das decisões políticas e econômicas no processo de desenvolvimento do Nordeste. Sob esse ponto de vista, tem-se a im-pressão de que essa noção, da coordenação das decisões, continua ainda muito viva a ponto de justificar o renascimento da referida instituição;24 em segundo lugar, estaria a reestruturação e modernização da indústria têxtil. Essa conseguiu sobreviver, sobretudo no Ceará, graças aos programas de modernização tecnológica implementados pela Sudene; em terceiro lugar, cabe destacar a proposta do aproveitamento das margens do São Francisco para a agricultura irrigada, que transformou a região de Juazeiro e Petro-lina numa grande produtora e exportadora de frutas. Por último, poderia citar a diversificação da base industrial, graças à infraestrutura introduzida e ampliada pela Sudene, além dos incentivos fiscais destinados às empresas que se deslocaram para a região.

24. A questão da coordenação das decisões econômicas ocupava um lugar central no campo das preocupações teóricas de Furtado. Isto está muito claro em Teoria e Política do Desenvolvi-mento Econômico (1968).

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No grupo dos erros ou frustrações, talvez o mais evidente deles es-teja localizado no campo da crença excessiva no planejamento, comum na época, cujo corolário foi acreditar que o Estado poderia transfor-mar a sociedade e o mercado ou muitas vezes substituí-lo. Esse não foi um problema de Celso Furtado, mas um problema da época, do modelo nacional-desenvolvimentista, portador de um forte voluntarismo trans-formador. O aspecto crítico do planejamento não se encontrava, evi-dentemente, no seu conteúdo técnico, quando funcionava como técnica de previsão ou estudos sobre o comportamento dos fenômenos institu-cionais e naturais, mas se localizava principalmente no seu conteúdo ideológico. Como técnica, a cultura do planejamento introduzida por Furtado foi de grande importância em duas áreas, primeira, a de com-bate aos efeitos da seca e, segunda, a de absorção dos recursos federais destinados à região por intermédio da Sudene. Na primeira área a ino-vação verificada foi a de eliminar a improvisação nas ações de combate à seca, substituída por informações estratégicas e ações antecipativas. Na segunda área, os Planos Diretores de Desenvolvimento da Sudene intro-duziram uma racionalidade estruturadora nos investimentos realizados pelo governo federal na região.

Na esteira das frustrações estão as previsões relativas às transformações: 1) na região semiárida, onde se esperava a eliminação da cultura de sub-sistência; 2) nas zonas úmidas, que deveriam ser transformadas, também, em produtoras e ofertantes de alimentos; 3) na parte oriental do Maranhão, que seria, em tese, transformada numa nova fronteira agrícola, nos moldes da colonização, produzindo alimentos e absorvendo mão de obra liberada pelo semiárido. No primeiro caso, o resultado real foi o colapso do comple-xo gado-algodão-cultura de subsistência, com a permanência desta última. No segundo caso, a agroindústria canavieira se transformou, em parte, em produtora de álcool, além de entrar em processo de endividamento e su-cateamento. No terceiro caso, o modelo de colonização entrou em colapso operacional.

Num terceiro grupo, ou seja, no grupo que poderia reunir as tendências não percebidas na época, estão: 1) a emergência e crescimento do setor do Turismo; 2) a abertura de novas fronteiras agrícolas, comandadas por emi-grantes gaúchos, produzindo soja nos estados da Bahia, Piauí e Maranhão; 3) o colapso dos sistemas produtivos locais (babaçu; algodão; carnaúba; ca-cau) devido à abertura comercial; e 4) um novo impulso na industrialização promovido pelas políticas estaduais de incentivos fiscais.

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6.4. Transformações estruturais

a) As grandes regiões no BrasilConforme o Quadro I e os Gráficos I e II observam-se algumas características interessantes no comportamento das grandes regiões em relação ao Brasil, ou mais precisamente, no comportamento das participações dos PIBs regio-nais sobre o PIB nacional, no longo período que compreende 1985-2005. Em primeiro lugar, a região Norte apresenta, em 1985, uma participação no PIB nacional de 3,8% e passa para 5,0% em 2005. Para esse mesmo in-tervalo de tempo, o Nordeste passa de 14,1% para 13,1%. O Centro-Oeste de 4,8% para 8,8%. A região Sul passa de 17,1% para 16,6%, e a região Sudeste de 60,2% para 56,5%.

Quadro I – Participação dos PIBs das grandes regiões no PIB nacional (1985-2005)

Regiões Ano Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

1985 3,80 14,10 60,20 17,10 4,801986 4,40 14,10 58,50 17,60 5,401987 4,40 13,10 60,20 17,30 5,001988 4,40 12,80 60,30 17,50 5,001989 4,90 12,30 59,40 18,60 4,801990 4,90 12,90 58,80 18,20 5,201991 4,70 13,40 58,70 17,10 6,101992 4,30 12,90 58,80 18,30 5,701993 5,20 12,80 57,70 18,50 5,801994 5,10 12,90 57,20 18,70 6,101995 4,60 12,80 58,70 17,90 6,001996 4,60 13,20 58,10 18,00 6,101997 4,40 13,10 58,60 17,60 6,301998 4,50 13,10 58,20 17,40 6,801999 4,50 13,10 58,20 17,80 6,402000 4,60 13,10 57,70 17,60 7,002001 4,80 13,10 57,10 17,80 7,202002 4,70 13,00 56,70 16,90 8,702003 4,80 12,80 55,80 17,60 9,002004 4,90 12,70 55,80 17,40 9,202005 5,00 13,10 56,50 16,60 8,80

Fonte: IBGE.

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56 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional

Gráfi co I – Participação dos PIBs das grandes regiões no PIB nacional (1985-2005)

Fonte: IBGE.

Gráfi co II – PIBs per capita das grandes regiões (1985-2005)

Fonte: IBGE.

Vê-se muito claramente que, no período considerado, há regiões ganha-doras e regiões perdedoras, e outras que estagnaram na “disputa” por maio-res participações no PIB nacional. Dentre as regiões ganhadoras, as regiões Norte e Centro-Oeste se destacam. Dentre as perdedoras o Sudeste apresen-ta indícios claros de perda de espaço na participação do produto nacional. E entre as regiões estagnadas encontram-se as regiões Nordeste e Sul. Diante desses dados, não é difícil concluir que dentre as grandes intervenções exe-cutadas pelo governo federal em nível regional (isto é, Centro-Oeste por meio da construção de Brasília, Norte através da montagem da Suframa e Nordeste, por intermédio da Sudene e seus Planos Diretores) foram as regi-ões Norte e Centro-Oeste as que reagiram melhor aos estímulos de políticas de desenvolvimento. Enquanto na região Nordeste o sistema de incentivos fiscais entrou em colapso, deixando um saldo positivo pequeno, na região Norte o sistema de incentivos se sustentou, acoplado a um modelo indus-trial exitoso. Já o Centro-Oeste se beneficiou das externalidades produzidas pela construção de Brasília, que engendrou renda e aumentou o preço da terra na região. O restante do processo foi realizado pelos empreendedores privados que ali se instalaram.

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b) Os setores nos estados do NordesteOlhando para os PIBs estaduais, observam-se mudanças estruturais signi-ficativas, em seus traços gerais, no período entre 1990-2005. Com exceção de Alagoas, todos os estados do Nordeste sofreram um declínio relativo na participação da Indústria25 nos PIBs estaduais. Apesar desse declínio, como se verá por meio de outros dados, não se pode dizer que a indústria enco-lheu nesses estados, pelo contrário, além de expandir a indústria sofreu algumas mudanças estruturais. No conjunto, os estados que mais sofreram com esse declínio foram os estados do Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe que viram suas indústrias perderem cerca de 10 pontos percentuais de participação relativa em seus PIBs. Em todos os estados da região o setor serviços26 avançou significativamente na sua participação re-lativa, convergindo para uma participação em torno de 70%.

Gráfi co III – Participação dos grandes setores no PIB do Nordeste (1990-2005)

Fonte: Ipea.

Gráfi co III.1 – Participação dos grandes setores no PIB de Alagoas (1990-2005)

Fonte: Ipea.

25. A indústria abrange: atividade extrativa mineral, construção civil, indústria de transforma-ção e serviços industriais de utilidade pública.26. Os serviços são constituídos pela atividade de comércio e demais serviços.

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58 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional

Gráfi co III.2 – Participação dos grandes setores no PIB da Bahia (1990-2005)

Fonte: Ipea.

Gráfi co III.3 – Participação dos grandes setores no PIB do Ceará (1990-2005)

Fonte: Ipea.

Gráfi co III.4 – Participação dos grandes setores no PIB do Maranhão (1990-2005)

Fonte: Ipea.

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Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 59

Gráfi co III.5 – Participação dos grandes setores no PIB da Paraíba (1990-2005)

Fonte: Ipea.

Gráfi co III.6 – Participação dos grandes setores no PIB de Pernambuco (1990-2005)

Fonte: Ipea.

Gráfi co III.7 – Participação dos grandes setores no PIB do Piauí (1990-2005)

Fonte: Ipea.

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60 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional

Gráfi co III.8 – Participação dos grandes setores no PIB do Rio Grande do Norte (1990-2005)

Fonte: Ipea.

Gráfi co III.9 – Participação dos grandes setores no PIB de Sergipe (1990-2005)

Fonte: Ipea.

Nesse mesmo período, a participação relativa do setor agropecuário ex-perimentou uma queda dramática em todos os estados, com exceção do Maranhão e Piauí, que conservaram participações de 17,78% e 11,40% res-pectivamente. Enquanto isso, no restante dos estados o setor agropecuário recuou para uma faixa entre 5% e 8% do PIB. O aspecto “dramático” desse declínio está no fato de que, ao mesmo tempo em que esses estados, princi-palmente aqueles com predominância semiárida, perderam posição relativa do setor agropecuário, a população rural dos mesmos permanece relativa-mente elevada, embora com características diferentes do passado. E o que torna a situação mais difícil nesses estados é que, durante os anos 1990, sistemas produtivos importantes, como o do algodão, desapareceram ou foram reduzidos sem que outros sistemas produtivos fossem implantados ou emergissem no lugar, deixando assim um vácuo econômico importante. Os estados que conseguiram apresentar algumas novidades alternativas no setor agropecuário foram a Bahia, com a agricultura irrigada, soja e algo-

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dão, Pernambuco, com a agricultura irrigada, Maranhão, com a pecuária e a soja e o Piauí, com a soja.

c) O comportamento da indústria de transformaçãoComo foi dito anteriormente, a indústria de transformação perdeu peso relativo nos PIBs estaduais em praticamente todos os estados da região. Entretanto, constata-se, pelo Quadro II, que há uma expansão no volume de empregos formais registrados na indústria de transformação, no período 1990-2005. Apesar disso, notam-se trajetórias diferenciadas de expansão entre as economias estaduais, que podem ser divididas em três grupos, lem-brando que a expansão do emprego formal industrial em toda a região Nor-deste foi de 26,32%. No primeiro grupo está isolado o Estado do Ceará com uma expansão de 91,08%, considerado de alta expansão. No segundo gru-po vêm os estados da Bahia com 49,73%, Piauí com 52,38% e Rio Grande do Norte com 41,47%, caracterizando um comportamento de média expan-são. E num terceiro grupo, considerado de baixa expansão, vêm os estados do Maranhão, com 21,57% e Sergipe com 26,32% de expansão. Por fim, num quarto grupo, de expansão negativa, vem o Estado de Pernambuco que apresentou no período 1990-2005 uma variação negativa do emprego industrial formal de -23,61%. Diante de tais dados seria prematuro emitir alguma conclusão em termos de “industrialização” ou “desindustrialização” dos parques industriais desses estados, pois para isso há necessidade de fa-zer uma análise segmentada da indústria para perceber as mudanças quali-tativas das suas estruturas. Isto quer dizer que, os estados que tiveram taxas médias ou baixas de expansão no volume de emprego industrial formal, podem ter expandido investimentos nos segmentos com baixa intensidade em mão de obra. E aqueles que tiveram altas taxas de expansão podem ter experimentado expansão das indústrias com alta intensidade em mão de obra. Entretanto, no caso específico de Pernambuco poderia ser considera-da a hipótese de “desindustrialização”.

Quadro II – Empregos formais na indústria de transformação do Nordeste (1990 e 2005)

Estados do NordesteEmprego Nº Absolutos

Variação (%)1990 2005

Nordeste 603.595 777.141 28,75Alagoas 59.162 95.978 62,23Bahia 103.457 154.908 49,73Ceará 94.862 181.265 91,08Maranhão 20.050 24.375 21,57

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Estados do NordesteEmprego Nº Absolutos

Variação (%)1990 2005

Paraíba 40.330 55.229 36,94Pernambuco 209.911 160.353 -23,61Piauí 13.911 21.198 52,38Rio Grande do Norte 37.155 52.562 41,47Sergipe 24.757 31.273 26,32

Fonte: RAIS.

Conforme mostra o Quadro III, o volume de emprego industrial formal na região Nordeste caiu de 27,06%, em 1990 para 20,55%, em 2005, em relação ao volume total de emprego formal na região. Esta perda foi absorvida pelo setor serviços. Como pode ser visto pelo mesmo quadro, entre 1990 e 2005 a maioria dos estados da região teve redução no volume do emprego industrial formal, com exceção do Ceará, que conservou esse volume em torno de 28% do total do estado, e Alagoas que aumentou de 38,07% para 39,97%. Dos setores industriais no Nordeste, em 1990, os três principais setores geradores de emprego eram Alimentícia (11,86%), Têxtil (4,93%) e Química (2,45%). Em 2005, os dois primeiros lugares continuam sendo ocupados pelos setores Alimentícia (7,93%) e Têxtil (3,51%), mas a novidade é que a terceira posi-ção passou a ser ocupada pelo setor Calçadista (2,16%), seguido pelo Quími-co (1,61%) e Minerais não metálicos (1,37%). O aspecto preocupante é que, tirando o setor calçadista, nenhuma outra alteração estrutural fundamental na indústria de transformação foi verificada em matéria de geração de em-prego formal na região Nordeste. Constatação essa que deve ser relativizada quando se analisa os casos particulares das economias estaduais.

Quadro III – Percentual de emprego da indústria de transformação no Nordeste (1990 e 2005)

Região% Emprego na Região

1990 2005Nordeste 27,06 20,55

Estados do Nordeste% Emprego no Estado

1990 2005Alagoas 38,07 39,97Bahia 17,14 14,17Ceará 28,95 28,51Maranhão 16,81 10,76Paraíba 30,58 24,37Pernambuco 36,31 20,85Piauí 17,48 14,22Rio Grande do Norte 28,74 19,01Sergipe 23,36 18,96

Fonte: RAIS.

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ConclusãoO presente artigo não teve a pretensão, nem o tempo necessário, de apre-sentar e fechar qualquer discussão, pelo contrário, ele é produto de um exercício preliminar que promete ocupar um longo tempo de pesquisa. O objetivo desta é o de identificar, desvendar e analisar as transformações estruturais ocorridas na região do Nordeste brasileiro, à luz do processo de globalização, mudanças no pensamento regional e deslocamentos da natu-reza, conteúdo e instrumentos das políticas públicas voltadas para o desen-volvimento regional ou correção das disparidades regionais. Neste artigo, portanto, procurou-se estabelecer os traços do processo de globalização, marcado por grandes transformações estruturais, e seus reflexos sobre as escolas de pensamento e as políticas públicas. Além disso, também avançou alguns elementos do processo histórico da economia nordestina e algumas das mudanças estruturais no período recente.

Talvez merecesse aqui realizar um pequeno exercício de recuperação de algumas ideias centrais trabalhadas ao longo do texto. A primeira ideia, é que os fatores determinantes da grande transformação nas dinâmicas re-gionais e locais não se restringem, apenas, na forma, ou nas relações das variáveis. Eles abrangem aspectos estruturais, o que significa dizer que há uma mudança não só nas estruturas, mas também no padrão de comporta-mento das variáveis. A segunda ideia, derivada da primeira, é que o novo padrão da dinâmica regional está, ainda, longe do seu ponto de definição. A terceira ideia, é que a emergência dos novos eventos regionais desenharam uma Nova Economia Regional, mais distante da tradicional Ciência Regio-nal e mais próxima da tradição marshalliana, do jovem Marshall, bem como da tradição evolucionista criada por J. Schumpeter, e dos institucionalis-tas próximos aos geógrafos humanos. A quarta ideia, é que apesar dessa aproximação a nova literatura da economia regional encontra-se, ainda, decantando os novos conceitos e as novas estratégias de desenvolvimento regional. Apesar disto, as políticas públicas voltadas para o desenvolvimen-to local e regional, já vêm obedecendo e influenciando a formação de um novo paradigma, este com um diálogo mais estreito com o território e seus atores.

Na última parte do artigo procurou-se avançar algumas reflexões sobre a economia nordestina. Nessa parte, chama-se a atenção para o fracasso da intervenção federal na região, por meio da Sudene, entre os anos 1950 e 1970. Tal intervenção, baseada num modelo exógeno de desenvolvimen-to e implantado de cima para baixo, apoiada numa crença exagerada no planejamento centralizado, produziu poucos resultados em termos de cor-reção das disparidades regionais entre a região Nordeste e outras regiões brasileiras mais desenvolvidas. Por último, nessa seção, são apresentados

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alguns dados referentes aos setores e ao emprego com o objetivo de cha-mar a atenção para as transformações estruturais da economia nordestina. Tais dados nos passam alguns sinais de que a economia da região não tirou partido da globalização, na medida em que as mudanças estruturais da economia regional não foram significativas nem virtuosas, especialmente na área industrial.

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Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 67

Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais: eletrônica e autopeças na fronteira norte do México27

Jorge Carrillo

1. A maquila28 do norte do México: um modelo de industrialização bem-sucedido?A maquila de exportação29 apesar de mais de 40 anos no México e de seu grande crescimento, a partir de Nafta, perdeu sua competitividade, particu-larmente diante de países como a China. Além disso, os limites deste modelo de industrialização para exportação não permitem que evolucione o sistema internamente. Os exemplos mais notórios como a capital do televisor em Tijuana, a capital dos cabos de chicote de fios em Juárez ou a capital do jeans em Torreón, mostram como a maquila perdeu significativamente a participação de mercado nos Estados Unidos (GEREFFI, 2005). Desse modo, os promotores da economia do conhecimento e dos sistemas regionais de inovação, consideram a maquila, inclusive a estabelecida na fronteira norte, como “uma etapa que deve superar-se”. Isto nos leva a perguntar se o mo-delo de maquila é realmente um modelo de industrialização, e se o modelo está esgotado.

27. Tradução de Maria do Carmo Cardoso da Costa e Maria del Carmen Thomas.28. NT: Manteve-se a palavra “maquila” e seus derivados no original.29. O programa de maquila surgiu no México, em 1965, como uma combinação de dois ins-trumentos governamentais: as tarifas tributárias 806.30 e 807.00 (posteriormente sistema harmonizado HTS 9802) nos Estados Unidos, as quais permitem exportar e importar com-ponentes livres de impostos, exceto o do valor agregado realizado fora do país, quando os mesmos tenham uma origem norte-americana e tenham sido enviados ao estrangeiro para sua composição e regresso a este país. E o Programa de Industrialização Fronteiriça, no México, que permitia tanto a importação de insumos e componentes, quanto a exportação dos mesmos livres de impostos, exceto o de valor agregado neste país. A partir de 13 de novembro de 2006, a indústria maquiladora e o Programa de Importação Temporal para a Exportação (PITEX) foram integrados em um programa Indústria Manufatura, Maquiladora e de Serviço de Expor-tação (IMMEX) (para maior informação, consulte GAMBRILL, 2008).

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A maquila fronteiriça: modelo em que as empresas evoluem?A maquila é parte de um modelo de industrialização dinâmico. No decorrer de mais de 40 anos no México, foram observadas mudanças significativas, muitas das quais podem ser consideradas como positivas.

Primeiro, a maquiladora localizada na fronteira norte foi considerada como um modelo de industrialização desde o início dos anos 1990, por três razões centrais: i) sua atividade de montagem para a exportação; ii) baseada em trabalho intensivo, com 80% de mão de obra como trabalha-dores de produção; e iii) baixos salários, com uma média de US$1.96 por hora para os trabalhadores. A importância da maquila se encontra em: a) no alto volume de exportações para os Estados Unidos (representa mais de 50% das exportações manufatureiras e é a principal geradora de divisas com mais de US$25 bilhões anuais); b) no alto volume de importações de matérias-primas e componentes; e c) no alto volume de emprego, com mais de um milhão de trabalhadores, principalmente de baixa qualificação, que representa 50% do emprego na manufatura exportadora. Esta importância, no entanto, é aumentada, consideravelmente, em nível regional, particular-mente em Tijuana e Juárez onde representa grande parte da atividade ma-nufatureira. O modelo está dirigido por firmas multinacionais americanas, asiáticas e europeias.

Segundo, a maquila foi considerada como um modelo de industriali-zação bem-sucedido. Stallings e Pérez (2000), Padilla et al. (2007) e Katz (2008) consideram que o aparelho produtivo da América Latina conta so-mente com dois modelos bem-sucedidos em termos de crescimento econô-mico: a maquila (particularmente a mexicana) e a indústria dos recursos naturais do Cone Sul. Por sua parte, o governo mexicano considerava a ma-quila, pelo menos até antes da crise de 2001-2003, como o melhor exem-plo de crescimento industrial. Enquanto a indústria de manufatura (não maquiladora) crescia a taxas muito baixas e até negativas, a maquiladora se expandia a taxas de crescimento de dois dígitos durante os anos 1980 e, particularmente, depois da entrada do Nafta em 1994.

Terceiro, a maquila como modelo industrial obteve bom desempenho. Os estudos regionais e setoriais que se fizeram, em particular nos polos maquiladores de Tijuana e Juárez, verificaram a evolução do setor e, neste sentido, permitiram:

a) Comparar a maquila com a indústria orientada para o mercado interno e com outras formas de acumulação, em termos de crescimento econô-mico, melhores práticas, meio ambiente e segurança no trabalho, entre outros (CONTRERAS et al., 2006; SCHATÁN e CARRILLO, 2004), em que os resultados apresentam melhor desempenho.

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b) Compreender suas capacidades tecnológicas, organizacionais e laborais na maquila eletrônica e de autopeças em Tijuana e Juárez (CARRILLO, 1993; DUTRENIT et al., 2006; CARRILLO e BARAJAS, 2007; PADILLA et al., 2007).

c) Compreender sua capacidade de atrair empresas provedoras em Ciudad Juárez (DUTRENIT et al. 2006; LARA, ARELLANO e GARCÍA, 2005), e com instituições de apoio ao desenvolvimento industrial em Tijuana e Ciudad Juárez (HUALDE e LARA, 2003; VILLAVICENCIO et al., 2006).

d) E derivar lições de política industrial e territorial em México como a de clusters industriais (CARRILLO e HUALDE, 2000; DE LOS SANTOS, 2006). Juárez, por exemplo, foi a primeira localidade no México que promoveu a política de agrupamentos industriais, e Tijuana tem sido um dos melhores exemplos de seguimento de clusters.

Quarto, considerar a maquila como modelo industrial permitiu também dar conta de sua gradual escalada. Diversos estudos demonstram a existên-cia de um segmento de empresas de ponta, com avanço industrial, e para-lelamente a presença de segmentos que evoluem mais tarde (MERTENS e PALOMARES, 1988; Wilson, 1992). Isto levou a um debate analítico: a estrutura industrial no caso da maquila é bimodal, com poucas empresas modernas e muitas tradicionais (DE LA GARZA, 2005), ou há configurações específicas. Essa discussão desenvolveu o conceito de gerações (CARRILLO e HUALDE, 1997) o qual explica o “processo evolutivo” das maquilas. A tipologia é a seguinte:

a) Primeira geração, baseada na intensificação do trabalho manual e na montagem simples (“montado no México”).

b) Segunda geração, baseada na racionalização do trabalho, a manufatura e a adoção de novas tecnologias (“fabricado no México”).

c) Terceira geração, baseada na intensificação do conhecimento, e nas ati-vidades de pesquisa, desenvolvimento e design (“criado no México”).

d) Quarta geração, baseada na coordenação centralizada de atividades para o conjunto de plantas localizadas no país, pertencentes à mesma firma (“coordenado no México”) (CARRILLO e LARA, 2003).

Diversos estudos de caso, em localidades fronteiriças, deram conta desse processo de modernização industrial: os televisores em Tijuana e Juárez (CARRILLO e HUALDE, 2000; URIOSTEGUI, 2002); a indústria de roupa em Juárez e Torreón (BAIR e GEREFFI, 2001); as autopeças em Juárez (LARA, ARELLANO e GARCÍA, 2005); os serviços médicos em Tijuana (MARTINEZ, 2005), ou as aeropeças na Baixa Califórnia (HUALDE e CARRILLO, 2007a; ProduCen, 2006).

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E quinto, a maquila não é um programa único que defira da manufa-tura de exportação não maquila. Existe grande similitude entre a maqui-la e aquela adscrita a outros programas. Essa semelhança fez com que, desde 2007, se integrassem os programas maquila e Pitex no denomina-do IMMEX.30 Estudos realçados pela Cepal e pela Universidade Nacional Autônoma de México propunham analisar em forma conjunta os distintos programas de manufatura orientados para a exportação, tanto no México quanto em outros países latino-americanos, assim como nas distintas zonas francas, com o objetivo de contar com um conceito mais abrangente que permita formular políticas públicas mais efetivas e de caráter mais hori-zontal, levando em conta os grandes desafios que têm estas atividades na região (PADILLA et al., 2007; DUSSEL, 2002).

Como vimos, a maquila fronteiriça evolui, mas o faz de maneira ho-mogênea? A resposta é claramente negativa. Os resultados de pesquisa ao longo de 25 anos, baseados em sondagens e em estudos de caso, permitem concluir que embora haja exemplos de plantas maquiladoras com claras trajetórias evolutivas na fronteira norte, também há múltiplos exemplos de plantas em que continua a montagem simples, o trabalho não qualificado e a redução de custos como estratégia principal das firmas. No entanto, o resultado principal e mais generalizado é que a maquiladora é diversa no seu interior. Em outras palavras, que existe heterogeneidade estrutural na maquila fronteiriça. Isto é, que estatisticamente existe uma importante diversidade se se analisar a maquila por setor, região, antiguidade, tecno-logia, origem de capital etc. Duas sondagens realizadas por El Colef, uma no início dos anos 1990 (CARRILLO, 1993) e outra no início dos anos 2000 (Carrillo e Gomis, 2004), permitiram determinar a heterogeneidade da ma-quila e sua permanente diversidade. A sondagem mais recente, aplicada em 2001 nos setores eletrônicos e de autopeças em Tijuana, Mexicali e Juárez, encontrou seis tipos de empresas que coexistem no mesmo espaço e tempo, com base na mistura de tecnologia, inovação, autonomia nas decisões e funções durante a cadeia (integração vertical). Desde empresas altamente inovadoras com atividades de pesquisa e desenvolvimento, até empresas de primeira geração convivem dentro de cada setor produtivo. Talvez o que mais sobressaia é que outros estudos baseados em sondagens e censos nacionais, usando outras metodologias, encontrem também uma estrutura hexagonal em empresas de manufatura não maquiladoras (DOMÍNGUEZ e BROWN, 2004), assim como em empresas provedoras de serviços de ma-quinaria à maquila em Ciudad Juárez (DUTRÉNIT e VERA-CRUZ, 2004).

30. Veja nota 1.

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Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 71

O contexto territorial e seus atores estratégicos nos brindam com outra chave para analisar a diversidade na qual se vê imersa a maquila. Vejamos o caso da indústria dos cabos de chicote de fios para automóveis e dos apa-relhos de televisão.

2. A indústria dos chicotes de fi os automotivosA produção dos chicotes de fios é fundamental para os veículos, tecnolo-gicamente é crítica e segue um processo evolutivo semelhante às demais autopeças: é cada vez mais complexo e está integrado aos sistemas modu-lares. Os chicotes de fios automotivos configuram uma indústria e estão liderados por poucas empresas provedoras globais que seguem uma dupla estratégia: a transferência para lugares com mão de obra abundante e mais barata, ou a concentração regional para poder atender aos clientes de ma-neira mais rápida e eficiente. Em outras palavras, as permanentes pressões das montadoras de autos para reduzir custos levam estas multinacionais a transladarem-se para zonas emergentes tipo green field (dentro de cada país e entre países). Porém, ao mesmo tempo, as economias de escala e a necessidade da sincronização na produção modular, pressionam as empre-sas para aproximarem-se de seus clientes, dando como resultado a confor-mação de clusters industriais e um processo de globalização de atividades de R&D (Pearce e Singh, 1992). No México, e particularmente no norte do país, a indústria dos chicotes de fios obteve singular importância desde o início dos anos 1980. As estratégias das firmas variam. Vejamos o caso de Ciudad Juárez, considerado como a capital mundial do chicote de fios.

2.1. A importância do chicote de fi os como produtoOs chicotes de fios automotivos31 representam um componente menor, em termos de valor, dentro da indústria do automóvel, já que representam pou-co menos de 1% do valor agregado de um carro. No entanto, a importância de seu papel é qualitativa. Os veículos são controlados atualmente, e cada vez mais, com a assistência de complexos sistemas elétrico-eletrônicos e cada função é operada ou monitorada eletronicamente por meio de um

31. Entende-se por chicotes de fios o conjunto de cabos de fios para transportar energia elé-trica e eletrônica dentro dos veículos de passageiros. De acordo com a USITC os chicotes de fios são junções de múltiplos condutores elétricos isolados que são acoplados a terminais, conectores, sockets e outros produtos de cabo (wiring devices). São usados para conectar vários componentes elétricos (por exemplo: luzes, instrumentos e motores) a uma fonte de energia (geralmente baterias e geradores), e/ou cuidar de altas voltagens em partes seletas de ignição (como arrancadores, geradores, distribuidores e velas de ignição) em veículos como carros, aviões e embarcações.

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complexo sistema de distribuição, integração de cabos, conectores e cen-tros eletrônicos. Por isso, os chicotes de fios são apontados frequentemente como o sistema nervoso dos veículos (YAZAKI, 2007; DELPHI, 2008; SUMI-TOMO, 2008; LEAR, 2008). Além disso, a emergente produção de veículos híbridos implica necessidades diferentes de chicotes de fios, conectores, etc. aparte da rápida mudança tecnológica e da introdução de tecnologias de informação. Tudo isso significa que a indústria dos chicotes de fios está em permanente processo de inovação tecnológica diante da necessidade de re-duzir espaço e custo, e aumentar sua conexão.

O design e a produção global dos conjuntos de chicotes de fios 32 se dirigem aos veículos de motor, e estão sendo administrados de perto para assegurar um ininterrupto fluxo de conjunto dentro do processo de manu-fatura do veículo. Eles são a última parte do automóvel a ser especificada definitivamente. Os chicotes de fios mais notórios estão nos motores e nos painéis de instrumentos; mas também se encontram nos painéis das portas, assentos e nos diversos sistemas de iluminação (USITC, 1997:3-19). A mon-tagem típica dos conjuntos de chicotes de fios envolve numerosas linhas de produtos para serem acomodados em uma grande variedade de modelos de veículos e conjunto de acessórios. Soma-se a isso, o processo final da montagem incorpora um intrincado e complexo conjunto de operações que não são econômicas nem praticamente possíveis de automatizar.33 Como consequência, 80% do conjunto de chicotes de fios que são consumidos na produção de veículos nos Estados Unidos são montados em países com baixos custos de mão de obra (USTIC, 2007).

A vantagem do diferencial salarial mexicano somado à proximidade ge-ográfica com os Estados Unidos (3.200 km de fronteira compartilhada) e as relações de negócio com as “Três Grandes Americanas de Carros” (desde 1926 mantêm presença no México, e desde 1979 estabeleceram maquila-doras de autopeças), fizeram do México a localização estrangeira líder para a montagem dos cabos de chicotes de fios (CARRILLO e HINOJOSA, 2001). Em 2007 o consumo estimado de chicotes de fios na União Americana foi ao redor de US$6.500 milhões (USTIC, 2007), sendo meteórico o crescimento das exportações mexicanas durante os últimos 15 anos: da ordem de mais de 450% ao passar de US$996 milhões em 1992 a US$6.326 milhões em

32. Em inglês: ignition wiring harnesses sets.33. Estas operações são tipicamente realizadas em maquiladoras através de provedores com matriz nos Estados Unidos ou Japão e incluem uma ou mais das seguintes atividades: estam-par diversos conectores de terminais elétricos com os códigos finais de cor ou sinais de cabo; construir ou emparelhar os condutores terminados através do uso de “árvores” de cabos ou outro aparelho de formação de arnés; envolver ou cubrir o arnés montado; e desempenhar operações finais limitadas tais como provas e etiquetado.

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2007 (USTIC, diversos anos)34 constituindo-se no terceiro principal produto exportado sob o programa maquiladoras depois de TV, rádios, partes e com-ponentes e de Computadores (Quadro 1).35

Quadro 1 – Principais produtos maquiladores de exportação 1992-2007 (milhões de dólares)

Produtos maquiladores 1992 1995 2000 2002 20071 Cabos elétricos de chicotes de fi o 996 1.757 5.097 5.369 6.3262 Autopartes 1.600 1.676 8.752 9.770 16.322

Subtotal automotriz 2.596 3.433 13.849 15.139 22.6483 Roupa 581 1.637 8.702 7.719 4.6874 Computadores n.d. n.d. 6.866 7.905 6.5845 TV e Rádios, partes e componentes 547 814 4.889 3.833 7.3476 Resto 4.968 6.950 80.211 79.351 123.805

Total de produtos de toda a IME 8.692 12.834 114.517 113.947 165.071

Fonte: Elaboração dos autores com base em USITC. U.S. Imports from Mexico (HTS 9802.00.80), 1992 e 1995; USITC. U.S. Imports from Mexico(utilizou-se a classifi cação da NAIC) 2000-2007

Do exposto anteriormente, se podem estabelecer três características centrais deste produto: (i) sua alta dependência diante de qualquer mu-dança nas partes eletrônicas devido a que, através dos chicotes de fios, se transmite tal informação; (ii) ser altamente intensivo na mão de obra; e (iii) estar sujeito a uma forte pressão para reduzir custos (price squezing). Isto explica porque, os corporativos que são provedores de primeira linha de plantas armadoras optaram por localizar-se estrategicamente perto das plantas armadoras, não só nos Estados Unidos, mas também na Europa, Ásia e América do Sul, de acordo com os novos mercados emergentes do carro em nível global. Como resultado da crescente demanda por parte dos fabricantes de automóveis da entrega oportuna de designs complexos de chicotes de fios de alta qualidade, somente as maiores companhias com tecnologia competitiva conseguiram sobreviver e desenvolver-se pelo qual há uma concentração setorial em poucos corporativos. Yazaki, Delphi, Su-mitomo, Lear, Alcoa-Fujikura e Valeo são considerados como os maiores produtores mundiais de chicotes de fios.

34. Enquanto o Canadá alcançou em 2007 apenas US$4.18 milhões.35. Em 2007 as exportações do setor automotriz (veículos e autopartes) superaram as petro-leiras (US$46,246.75 milhões contra US$30,139 milhões respectivamente).

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2.2. Um modelo bem-sucedido? A indústria de chicotes de fi os em JuárezDurante os últimos 30 anos a fisionomia de Ciudad Juárez, fronteira com El Paso, Texas, mudou substancialmente devido ao enorme crescimento da indústria maquiladora. Sem dúvida, hoje em dia representa um fator indis-pensável para o funcionamento de sua economia; mais ainda, é o motor do dinamismo na zona.

Convém ressaltar seis elementos. Primeiro, há mais plantas de chicotes de fios do que as declaradas oficialmente. Muitas companhias possuem várias plan-tas na cidade, mas só algumas estão registradas nos diretórios oficiais. Segundo, os estabelecimentos são de grande tamanho. As empresas de chicotes de fios têm 24% do total de empregos gerados pela maquiladora na cidade, repartidos em 39 plantas, quer dizer, uma média de 1.415 empregados por estabeleci-mento. Terceiro, existe uma alta concentração em poucas empresas de primeira linha. Dos 39 estabelecimentos que constituem o conjunto dos chicotes de fios cinco empresas possuem 32 plantas e empregam 43.626 trabalhadores; só cinco corporativos concentram 79,4% do emprego dessa especialidade na cidade. O número e as porcentagens de participação individual por corporativo se mostra no Quadro 2. Quarto, os clientes não são só uma, mas a diversas montadoras americanas, asiáticas e europeias, tanto de carros, quanto de veículos leves e pesados. Quinto, desde 1994 se abastece do design completo do chicote de fios (pesquisa, desenvolvimento, corte e montagem) às montadoras automotivas norte-americanas. E sexto, devido à competição pela sobrevivência e a contra-ção do mercado estadunidense os corporativos começam a ampliar sua carteira de clientes em direção a outros mercados emergentes como o asiático e europeu (El Diario/Suplemento Manufactura, 27 de maio 2008).

Quadro 2 – Firmas produtoras de chicotes de fi o em Ciudad Juarez. Número de plantas e emprego

CorporaçãoPlantas Emprego1987 1997 2007-2008 1987 1997 2007-2008

Delphi 10 13 8 15.058 19.081 11.231Yazaki 2 11 12 2.253 18.402 21.365Lear (United Technology Automotive) (a) 2 9 5 2.240 16.076 4.316

Chrysler (b) 2 n.d. n.d 2.727 8.332 n.d.Electric Wire Products (c) 2 n.d. n.d 1.285 6.888 n.d.Alcoa Fujicora (d) n.d. 5 1 n.d. 5.736 1.200Sumitomo n.d. 6 8 n.d. 3.200 5.511Maquilados Fronteiriços n.d. 1 n.d n.d. n.d. n.d.Subtotal 25 57 n.d. 34.678 79.947 55.187 Total 37 89 42 n.d. n.d. n.d.

Notas:

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(a). Lear Company comprou a United Technology Automotive em março de 1999.(b). Informação só para três plantas.(c). Informação só para uma planta.(d). Informação só para três plantas.Fonte: Elaboração dos autores com base no Ministério de Comércio e Fomento Industrial, Diretórios da Indústria Maquiladora e trabalho de campo en maio de 1999 e fevereiro de 2008.

Resumindo, o mega cluster de Juárez está formado por “jogadores glo-bais”. Estes grandes corporativos se encontram competindo dentro dos mer-cados em nível mundial e produzem tanto chicotes de fios quanto outros sistemas e componentes para a maioria das empresas terminais.36

Vejamos o caso de duas companhias de maior importância em Ciudad Juárez, as quais concentram várias dezenas de mil trabalhadores e são dois dos cinco “jogadores globais” mais importantes na indústria dos chicotes de fios em nível mundial: Yazaki e Delphi.

2.2.1. Yazaki Corporation37 Yazaki é uma companhia japonesa que produziu seu primeiro chicote de fios automotivo em 1929 no Japão; na atualidade o corporativo se encontra dividido em 170 companhias, das quais só 73 filiais estão no Japão. Empre-ga por volta de 200 mil trabalhadores em 463 empresas em 39 países ao redor do mundo e conta com um capital de 3.191 milhões de ienes.38 Yazaki Electrical Wire Co. e Yazaki Parts Co.: a primeira fabrica o cabo elétrico, a partir de alumínio e cobre, e a segunda, os chicotes de fios automotivos e sistemas modulares. No México, Yazaki conta com 19 plantas e nove sub-sidiárias com um investimento acumulado de U$215,4 milhões e 43 mil empregos (BANCOMEXT, 2006).

Em Juárez se encontram três empresas vinculadas a Yazaki: a primera é AAMSA, estabelecida em 1982, que manufatura diferentes tipos de chi-cotes de fios automotivos, possui oito plantas no Estado de Chihuahua. Só em Juárez ocupa 5.162 trabalhadores, e depende diretamente de Yazaki NorthAmerica Inc. A segunda é PEDSA, que fabrica chicotes elétricos de diferentes tipos, conta com seis plantas em Juárez e ocupa 10.802 trabalha-

36. A mudança de denominação de cabos de chicotes de fios de ignição a sistema de distribui-ção elétrico (electrical distribution system) implica não só o reconhecimento de que o chicote de fios automotivo desempenha um papel vital para coordenar e controlar a operação de todo o sistema de distribuição elétrica no veículo, mas a tendência a substituir a produção de com-ponentes pela de módulos ou sistemas. 37. Consultar Yazaki (1999).38. http://www.yazaki-group.com/environment/pdf/2007e/yazaki_001.pdf

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dores. Chrysler vendeu PEDSA a Yazaki em 1993, atualmente depende de EWD, a qual tem seus escritórios centrais em Troy, Michigan e é mais uma das empresas do corporativo Yazaki; suas funções principais são desenvol-ver, fabricar e vender chicotes automotivos na América do Norte. A terceira empresa é a Autoelectrónica, de Juárez estabelecida em 1985 e desde 1994 pertence a EWD-Yazaki North America e conta com duas plantas e 5.401 empregados.

Nenhuma dessas empresas tem sindicato em suas plantas mexicanas. A montagem dos chicotes de fios se realiza fundamentalmente de maneira manual na área de montagem final e o maior nível tecnológico está nas áreas de corte, decapagem e prensado, e igualmente como nos painéis de prova, que, no início eram eletromecânicos e agora são de eletrônica digi-tal; do mesmo modo, anteriormente as equipes testavam submontagens completas dos chicotes de fios e agora se testa cada parte do chicote de fios antes de montá-lo. Em questão do controle de qualidade as certificações internacionais como: ISO/TS-16949, ISSO-9000, QS-9000, ISSO-14000, e ISO-14001 são indispensáveis, além das práticas produtivas como: a téc-nica 5S, certificação de trabalhadores em operações críticas, enfoque de provedores e clientes internos, etc., as quais são requeridas pelas plantas montadoras.39

Diferentemente dos anos 1990, hoje achamos que cada planta pode trabalhar com vários clientes (chamados negócios) ao mesmo tempo, mas produzem chicotes de fios de um determinado sistema (interiores, portas, painéis etc.), para diferentes tipos de veículos. Seus clientes principais são Honda, Toyota, Nissan, Ford e Chrysler. Essa divisão de trabalho por tipo de sistema de módulos por planta responde às especi-ficações de cada um dos sistemas modulares que leva cada modelo de carro, e à grande quantidade de produção que deve realizar-se para tais modelos. Os painéis onde se montam os chicotes de fios dificilmente podem ser flexíveis para poder atender a diversos modelos de carros, já que implicam diferente tamanho de cabo, distintos conectores e diversas funções, entre outros. Recordemos que as plantas de chicotes de fios são de grande tamanho (em muitas ocasiões, chegam a mil trabalhadores cada uma).

39. Esta informação foi obtida a partir de entrevistas com operadores de produção e funcio-nários de plantas maquiladoras de chicotes de fios, e faz parte do trabalho de investigação de campo da tese doutoral de Martha Miker (MIKER PALAFOX, 2007).

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2.2.2. Delphi Automotive Systems40 Delphi operava em 156 estabelecimentos em 34 países, com vendas de US$22.3 bilhões em 2007.41 Possui escritórios regionais em Paris, Tóquio e São Paulo; os escritórios centrais se encontram em Warren, Ohio. Delphi se encontra composta por sete divisões sob o conceito de sistemas: Chassis, Delco Electronics, Energy & Engine, Harrison Thermal, Interior, Packard Electric e Saginaw Steering. Destas áreas, a que nos interessa destacar se denomina Delphi Packard Electric Systems (Delphi-Packard), que se encar-rega da análise da arquitetura dos sistemas elétricos e eletrônicos de todo o veículo; a distribuição e integração eletrônica, e a otimização do design de sistemas completos. Entre os produtos que fabrica se incluem: centros e sistemas elétricos/eletrônicos; produtos eletrônicos; sistemas leves de fi-bra ótica; sistemas de ignição por cabo; sensores e cabines modulares. No México, Delphi fabrica sistemas de gestão de motores a diesel, manejo de combustível e emissões do motor através de sua divisão Delphi PowerTrain Systems; e sistemas e controles de segurança, entretenimento e comuni-cação na Division Delphi Electronics, também produz sistemas de conexão para os centros eletrônicos (chicotes) para os carros através de sua divisão Delphi Packard Arquitetura Elétrica e Eletrônica; produtos térmicos para os automóveis e para novos mercados na Divisão de Thermal Systems. Delphi declarou falência em 2005 diante da queda de seu principal cliente, Gene-ral Motors. Desde esse ano até esta data, vendeu no México duas de suas divisões, a de direções, e a de interiores, e concretizou a venda de uma terceira, a de Steering Systems que foi adquirida por Steering Solutions, propriedade de Platinum Equito LCC.42

Atualmente, o corporativo Delphi tem aproximadamente 169.500 em-pregados em nível mundial, sendo o México o principal receptor do empre-go com 68 mil pessoas ocupadas em 50 plantas e um Centro Técnico. Só a Ciudad Juárez conta com 15 plantas. No México, a Delphi-Packard conta com cinco empresas RBE, ACE, ECSA, AA e Cableados y Promotoras de Par-tes Eléctricas Automotrices (investimento conjunto com a Condumex).

Em Ciudad Juárez se encontram as oito plantas de RBE que ocupam um total de 11.231 trabalhadores; esta empresa fabrica chicotes de fios auto-motivos de diferentes tipos para diversos clientes entre os quais se encon-tram, Ford, Harley, GM, Harrison, BOS Wagner, Panasonic, Ford, Subaru,

40. Consultar em Delphi (1999).41. Ver http://es.delphi.com/enes/about/main/42. A venda desta divisão impactará 726 trabalhadores localizados em Ciudad Juárez, 139 que trabalham no MTC e o resto que trabalha na planta Río Bravo Eléctricos XXII. Além disso, 1.024 trabalhadores que trabalham em duas plantas em Querétaro, uma em Sabinas Hidalgo e outra em Nuevo León México (El Diario, 21 de janeiro de 2008, Suplemento Manufactura).

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Lear Corporation, Packard Interiores e Toyota. Além disso, conta com um Centro Técnico que se encarrega de atividades de pesquisa, design e desen-volvimento, e oferece apoio às outras seis divisões do corporativo. De 1998 a 2007 o centro inscreveu 188 patentes no Registro de Patentes, além disso possui 801 registros de invenções (primeiro passo de uma patente), 65 pu-blicações defensivas e 11 segredos industriais. Conta, também, com aproxi-madamente 1.600 engenheiros dos quais quase 90% são mexicanos.43

A primeira planta de Packard no México foi a Conductores, que iniciou suas operações em 1978 e hoje é conhecida como RBE 1. Río Bravo, em suas diferentes plantas há duas décadas, veio implementando e aperfeiçoando o sistema de controle de qualidade global de Packard. É uma iniciativa que pretende homogeneizar os processos em todas as empresas do corporativo em qualquer parte do mundo, conseguindo que “estas falem a mesma lin-guagem que seus clientes”, isto é, que todas mantenham um mesmo modelo organizacional baseado na qualidade total. Este sistema se dirige não só à atividade central da empresa, quer dizer a manufatura, mas também àque-las áreas em que tradicionalmente não se efetuava o controle de qualidade tal como finanças, administração e pessoal; além disso, permite assegurar o padrão de qualidade especificado por seus clientes sob o sistema global de controle de qualidade que inclui modelos como o ISO-9000, o QS-9000, ISO/TS-16949, técnicas 5S.

Essas empresas não têm sindicato, a tecnologia empregada na elabora-ção de chicotes de fios continua sendo manual e organizada em painéis mó-veis, só se encontram mecanizadas as linhas nas fases finais da montagem. No entanto, se integraram à operação das empresas o processo de corte dos cabos, que se realizava anteriormente em El Paso, e o teste nas estações de trabalho. Talvez o mais inovador seja o desenvolvimento dos processos multiplex.44 Embora não contem com sindicato, o pagamento a operadores semanalmente varia entre US$28 (para operadores em treinamento) e US$ 98 para operadores flexíveis.45

Como conclusão a esta seção, podemos dizer que a indústria dos chico-tes de fios automotivos é de vital importância para o setor automotriz. Seu impacto na economia regional é muito elevado, já que as empresas tendem a aglomerar-se neste setor, gerando uma grande quantidade de empregos diretos e indiretos. Ainda que os salários de entrada nas plantas de chicotes de fios sejam muito baixos, estes tendem a elevar-se consideravelmente à

43. Xóchilt Díaz, gerente de assuntos Corporativos de Delphi no México, segunda-feira, 14 de abril de 2008, El Diario, de Ciudad Juárez, Suplemento Manufatura.44. Multiplex pode ser definido como um número pequeno de cabos que transmitem uma grande quantidade de dados, como uma linha telefônica. 45. Miker Palafox (2007), ver nota 9.

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medida que aumentam as habilidades no tempo. Também, se apresentam problemas “clássicos” nos mercados de trabalho de aglomerações indus-triais fronteiriças, tais como a rotatividade voluntária no trabalho e as au-sências.

O elevado conteúdo tecnológico nos chicotes de fios fez com que fosse mais complexo seu design e manufatura. A diversidade nos modelos de veículos também provoca que as plantas de cabos de chicote de fios requei-ram contar com uma alta flexibilidade para mudar e ajustar-se à cambian-te demanda no mercado. A flexibilidade laboral (numérica e funcional) é talvez uma de suas características centrais que permitem fazer os ajustes necessários.

Neste processo, competem provedores globais automotivos integrados verticalmente como Delphi, assim como multinacionais mais especializadas em sistemas e componentes, como Sumitomo ou Lear. As estratégias de fir-ma variam tendo como consequência um impacto regional diverso. Enquan-to algumas firmas redistribuem desde a montagem de chicotes de fios até as atividades de engenharia avançada com o fim de sincronizar manufatura e Pesquisa e Desenvolvimento (I+D), outras promovem a redistribuição das atividades mais intensivas em trabalho de baixa qualificação. A hipótese de mover os processos de menor valor agregado, como os chicotes de fios, de países mais caros para os mais baratos não resulta totalmente certa. Na me-dida em que se desenvolveu a produção modular e os sistemas justos a tem-po na indústria automotiva, componentes cruciais como os chicotes de fios requerem se localizar mais próximos dos clientes. Ninguém poderá objetar que o setor automotriz representa uma das indústrias mais globalizadas de nossa era, no entanto, a evidência assinala que existe um processo de in-tegração regional na América do Norte. Por enquanto, a hipótese “todas as empresas de baixo valor e altamente intensivas em mão de obra” vão à Chi-na não se demonstra neste caso. O México continua altamente competitivo neste setor. No entanto, a ascensão das firmas asiáticas em relação a seu posicionamento no mercado e o retrocesso das americanas, talvez marque uma diferença importante no futuro mediato.

3. A indústria dos aparelhos de televisãoA indústria do televisor se encontra em uma importante mutação tecnológi-ca. A televisão analógica em cor, que se desenvolveu durante a segunda me-tade do século passado, entrou em fase de envelhecimento. Os televisores de projeção com tela grande estão na metade de sua fase de maturidade. Contrariamente, os televisores digitais estão iniciando sua fase de cresci-

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mento (Gráfico 1). Isto obedece ao avanço da tecnologia, que permitiu que, embora mantenha volumoso e pesado cinescópio (CRT – tubos de raios catódicos), oferece ao consumidor diversos modelos, aparelhos com telas planas, múltiplas funções, multimídia, muitos tamanhos diferentes de tela, e variada tecnologia. Isso, somado ao menor custo diante dos televisores digitais de tela plana, permitiu que aparelhos de TV produzidos com cines-cópio ainda tenham um futuro promissor, nos mercados de alto valor de consumo como a Europa, e particularmente nos Estados Unidos. Sem dú-vida, isto está mudando constantemente, em particular com a entrada dos “canais digitais” na televisão por contrato. A televisão digital – de plasma, Liquid Cristal Display (LCD) e outras tecnologias –, conhecida como Flat Panel Display (FPD), se encontra em fase de crescimento. Também existe o desenvolvimento de novas tecnologias e materiais que darão lugar a novos aparelhos de televisão, como indica o Esquema 1.

Gráfi co 1 – TV: Ciclo de vida do produto

Fonte: Producen, 2002

3.1. A geografi a da produçãoEmbora uma televisão como produto se assemelhe mais aos computadores em termos de cadeia do valor e da arquitetura de produto, seu compor-tamento no mercado se parece mais ao da indústria automotiva (Kenney, 2004; Fujimoto, 2004). Segundo Kenney (2004:82-83), a indústria dos te-levisores foi a primeira grande “indústria fordista” a se converter em vítima da concorrência global; tendo de encarar a competição brutal do preço des-de 1980, a constante sobrecapacidade.

A produção da TV teve um caráter doméstico por curto tempo, parti-cularmente com os aparelhos em preto-e-branco. Esta situação começou a

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mudar na metade dos anos 1960, quando a fase de montagem intensiva em mão de obra foi transferida dos países desenvolvidos para os subdesenvol-vidos, como foi o caso da transferência de plantas dos Estados Unidos para o Norte do México a partir de 1968, o do Japão para os países do Sudeste asiático, como Malásia e Tailândia. Este fenômeno foi conceituado como a internacionalização da produção e implicou uma nova divisão internacio-nal do trabalho (FROBEL et al., 1980). Embora existisse uma divisão entre países, sendo que alguns tinham como função prover outros países que con-sumiam, o mercado era regional. Ou seja, a produção no México se dirigia ao mercado estadunidense; e a dos países do Sudeste asiático para o Japão. Nos países europeus, produziam-se e consumiam-se os televisores.

Embora o processo de globalização esteja mudando a divisão tradicional de mercados regionais, e exista uma tendência similar à que se dá na pro-dução de computadores, por excelência globalizada, o processo não avança tão rápido como a tecnologia. Os produtores regionais estão pressionando para manter o comércio intrarregional, através de regras de origem, medi-das anti-dumping, estabelecendo transplantes etc. Porém, isto contrasta com as estratégias agressivas das firmas para aumentar mercados, os avanços na tecnologia e na logística, a redução generalizada de custos, e a maior efici-ência em serviços como o transporte. Tudo isso possibilitará que a mudança de “mercados regionais” a “mercados globais”, e de “produtores domésticos e regionais” a “centros de manufatura mundial” seja mais rápida.

Antes mesmo da primeira onda de internacionalização da produção, a integração vertical dentro dos países produtores era considerável. Com a realocação de plantas e o processo de globalização, o fenômeno das aglo-merações industriais já não estava acompanhado pela integração regional. O abastecimento de componentes locais, em países em desenvolvimento, é baixa em geral, embora haja exceções importantes. Por exemplo, em 1995 a indústria de televisores tinha no México um conteúdo local de somente 4%; enquanto na Malásia e Tailândia alcançava 62% e 40%, respectivamente (MORTIMORE et al. 2000:65-71). Ainda que esta cifra para o México tenha mudado de modo substancial com a chegada das empresas produtoras de CRT e de componentes-chave, os percentuais ainda são menores do que nos países asiáticos.

Com a transição da produção de aparelhos de televisão analógicos a digitais, espera-se que o conteúdo local mude novamente. Porém, ao que parece, a mudança será positiva para as instalações manufatureiras expor-tadoras, já que o valor do painel, neste caso, é menor (70% contra 80%) que o do televisor analógico (veja o Capítulo 3) e atualmente toda a pro-dução de flat panel display se realiza no Japão e Coreia do Sul. Ainda que as filiais e os governos nos países subdesenvolvidos estejam ávidos para

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receber estes novos investimentos, não existe nenhum plano de realoca-ção de tais plantas,46 com exceção de uma empresa japonesa que, segundo consta, estabeleceu nos últimos dois anos uma planta produtora de FPD na China. Para ter-se uma ideia, o investimento requerido para estabelecer uma planta de CRTs chega a US$150 milhões, aproximadamente, enquanto uma de FPD é de mais de US$500 milhões.47 Não obstante as informações anteriores, empresas coreanas de televisores em Tamaulipas e japonesas na Baixa Califórnia anunciaram que realizarão investimentos importantes para realizar uma parte adicional da montagem de FPD.

a) Oportunidades dos países em vias de desenvolvimentoOs países subdesenvolvidos desempenharam um papel central na expor-tação de receptores de TV em cores. Sua participação aumentou de pouco mais de 16% das exportações totais em 1980, avaliadas em US$5.5 bilhões, a quase 35% de exportações do total de 1990, avaliadas em US$14.5 bi-lhões (MORTIMORE, et al., 2000). Os três principais países produtores de TV, México, Malásia e Tailândia, desempenharam um papel importante na reestruturação desta indústria. México participava, em 1995, com 18,5% das importações de aparelhos de televisão na OCDE, Malásia com 7,2% e Tailândia com 4,8%. China não era um jogador global devido grande parte de sua produção estar destinada ao mercado doméstico.

Quadro 3 – Principais países produtores de receptores de televisão em cor (sitc 761) segundo principais mercados. Participação no mercado

de importação, 1994-5 e porcentagem de câmbio 1980-1995

Posição América do Norte* Europa ocidental* Japão*

160,0%, México, 9,230%

14,6%, Reino Unido, 194%

30,0%, Malásia, >10,000%

212,2%, Malásia, >10,000%

13,0%, Alemanha, -60%

20,7%, Coreia do Sul, -22%

37,6%, Japão, -71%

9,7%, França, 1,147%

19,0%, Tailândia, >10,000%

46,4%, Tailândia, >10,000%

7,9%, Espanha, 1,652%

9,3%, Singapura, 162%

46. Entrevistas com empresas televisoras em Japão, China e Tijuana. Jorge Carrillo, trabalho de campo durante 2004.47. Ibidem. O investimento de US$500 milhões equivale a construir uma moderna planta pro-dutora de automóveis – como foi o caso da Ford na cidade de Hermosillo.

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Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 83

Posição América do Norte* Europa ocidental* Japão*

5 4,5%, Estados Unidos, -55%

7,6%, Áustria, 53%

7,2%, Taiwán, -86%

63,0%, China, >10,000%

7,5 %, Bélgica / Luxemburgo, -24%

6,7%, China, >10,000%

72,2%, Coreia do Sul, -90%

5,9%, Itália, >10,000%

2,4%, México, >10,000%

81,5%, Canadá, -71%

3,5%, Japão, -70%

1,9%, Filipinas, 5,411%

91,0%, Singapura, -69%

2,6%, Coreia do Sul, 28%

1,9%, Estados Unidos, -75%

100,5%, Taiwan, -98%

2,4%, Finlândia, -41%

0,5%, Bélgica/Luxemburgo, -38%

10 principais 98,9% 74,7% 99,5%Resto 1,1% 25,3% 0,5%Total 100% 100% 100%

Notas:1) - = perda de participação no Mercado durante 1980-1995. 2) A primeira porcentagem é a participação no mercado de importação. Assim, por exemplo, a primeira linha da primeira coluna signifi ca que México participou com 60% das importações dos Estados Unidos. E a segunda porcentagem, a porcentagem de câmbio signifi ca a diferença entre o volume de comércio das importações em 1980 e 1995.Fonte: CAN PLUS computer program of ECLAC, Tomado de Morrimore, et al., 2000.

Em relação ao México, o crescimento da indústria da televisão conven-cional foi um resultado direto das mudanças nesta indústria nos Estados Unidos; primeiro com a implementação de transplantes asiáticos48 naquele país e com a redistribuição das plantas para a fronteira norte do México. Três fatores críticos para o sucesso japonês na América do Norte foram: a taxa de câmbio favorável do iene ante o dólar, o baixo custo da mão de obra japonesa nos anos 1960 e 1970 e o sistema de produção japonês. Devido a montagem de televisões requerer abundante mão de obra, o fator custo desde seus inícios foi fator importante na realocação dos investimentos.

No fim da década de 1970, o papel do México havia evoluído de ser um fornecedor de partes para converter-se em um exportador de televisores em cores. Companhias como RCA, Sylvania, e Zenith estabeleceram suas plan-tas mexicanas desde o fim dos anos 1960 na fronteira de Ciudad Juárez. Esta decisão foi determinada parcialmente pelas restrições de importação

48. Assim se denominam as fábricas, neste caso asiáticas, estabelecidas fora de seu país de origem.

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que requeriam os produtores dos Estados Unidos para reunir o produto final nesse país e evitar tarifas altas (KENNEY, 2004:97).

Na metade dos anos 1980, a maioria dos produtores americanos nos Es-tados Unidos foram pressionados a abandonar o setor por parte das trans-nacionais europeias e, principalmente, asiáticas. A firma francesa Thomson comprou as plantas da General Electric e RCA. A Thomson posteriormente foi adquirida por uma firma da China. A Philips, da Holanda, adquiriu as marcas de Sylvania e Magnavox. A Matsuchita do Japão comprou a Quasar. E, posteriormente, a empresa coreana LG Electronics comprou as operações da Zenith. Este processo de concentração produziu uma indústria de tele-visores dividida principalmente entre transnacionais europeias com plantas de produção nos Estados Unidos (que controlavam pelo menos 34% do mercado estadunidense em 1990), e um rápido crescimento dos transplan-tes principalmente japoneses, os quais investiram na criação de um cluster de aparelhos de televisão na cidade de Tijuana, cuja proximidade ao porto de Long Beach, Califórnia, facilita as importações procedentes de Ásia.

O complexo de televisor do Norte do México empregava no ano 2000 mais de 90 mil trabalhadores e produzia cerca de 30 milhões de aparelhos ao ano (CONTRERAS e CARRILLO, 2002). De acordo com projeções do Banco Mexicano de Comércio Exterior (Bancomext), em 2003, o consumo de televisores novos nos Estados Unidos se havia estabilizado em uns 29 milhões ao ano, enquanto a região da América do Norte no seu conjunto estaria consumindo um total de 33 milhões de aparelhos. Naquele momen-to, a produção de televisores no México havia superado a demanda da re-gião norte-americana e estaria abastecendo outros mercados como América Central e América do Sul. De fato, empresas como Sony e Sansumg haviam começado faz vários anos a exportação para essas regiões. Porém este prog-nóstico não levou em conta outros fatores: (a) a entrada de um agressivo país produtor como China que desde os anos 1980 era um produtor impor-tante de TV; (b) a mudança substancial no mercado dos Estados Unidos e Canadá de CRT/TV a TV digital;49 (c) a preferência por televisores de gran-de tamanho; e (d) o ciclo de vida do produto em cor analógico. Portanto, as projeções não foram alcançadas.

Não obstante o anterior, as expectativas de crescimento da indústria do televisor na região ainda são promissoras. A maioria das plantas de manufa-tura substituiu grande parte da produção de televisores convencionais pela

49. Em entrevista com diretores japoneses em um dos corporativos eletrônicos em Tóquio, mencionou-se que os últimos shows de exibição em Las Vegas por parte de importantes firmas que comercializam eletrônicos, não se apresentou nenhum aparelho de TV analógico, todos eram plasma e LCD. A cadeia COSTCO na União Americana exibe para sua venda, pela primei-ra vez e desde 2004, TV digitais de tamanho pequeno feitos na China.

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Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 85

de televisores digitais, como se verá na seção seguinte. Entrevistas do autor nos corporativos das empresas eletrônicas no Japão demonstram que na maioria destas firmas existe o projeto para desenvolver a montagem de TV digital no México, por meio de seus transplantes, e sua possível manufatura em um futuro próximo, ainda que não haja planos específicos.50

Em relação ao caso da China, tudo indica que este país está tratando de seguir veementemente o processo do catching up dos países do Sudeste asiático (Coreia do Sul, Hong Kong e Taiwan principalmente):51 promoção e atração dinâmica de investimento estrangeiro direto, agressivo investi-mento conjunto com capital estatal e privado, desenvolvimento de marcas próprias como as empresas gigantes Midea e TCL, e investimento no es-trangeiro (por exemplo, maquilas de origem Chinesa no México) etc. Além disso, os chineses desenvolveram intensamente as cópias tanto de produ-tos artesanais e de baixa tecnologia quanto intensivos em tecnologia – por exemplo, artesanato mexicano, cerâmica italiana, motocicletas italianas, carros japoneses etc. –, o que obviamente gerou múltiplas controvérsias sobre propriedade intelectual.

A China conseguiu atrair um considerável volume de investimento es-trangeiro direto 3,2 vezes mais que o México no ano 2000 e 4,3 vezes em 2002. No período 1992-2002, a China captou US$370 bilhões de investi-mento estrangeiro, convertendo-se no lugar preferido para o investimento. Diferentes indústrias com distintos níveis tecnológicos na China já estão competindo diretamente com as exportações mexicanas no mercado esta-dunidense. O México perdeu mercado diante da China. Enquanto em 1995 representava 66% das importações dos Estados Unidos de aparelhos de te-levisores, para 2002 a porcentagem baixou para 47%. Contrariamente a China aumentou sua participação de 3% a 8% no mesmo período. Em 2005, China havia superado o México nas exportações para o mercado estaduni-dense (Gráfico 2).

Uma amostra da forte concorrência entre as distintas firmas se refletiu na guerra comercial iniciada pelo governo dos Estados Unidos contra as empresas chinesas acusadas de dumping. Segundo tal demanda, as empre-sas deste país vendiam seus produtos até 120% mais baixo que seu preço de produção em outros países devido aos subsídios outorgados pelo governo chinês. No entanto, a resolução da demanda se traduziu em 2003 na proibi-

50. Entrevistas realizadas no Japão por Jorge Carrillo e Akihiro Koido entre 23 de fevereiro e 20 de março de 2004.51. Hobday (1995) para Taiwan e Gereffi para Hong Kong (1994) descrevem como um con-junto de firmas aprendeu e se moveu no decorrer de três estágios: (i) manufatura de equipe original; (ii) produção de designs próprios; e (iii) criação de marcas próprias. Inclusive con-seguiram converter-se no ponto (hub) central de comércio e transferência de investimento estrangeiro direto.

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86 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais

ção de a China exportar televisores maiores de 20 polegadas. Tal resolução implicou, na prática, um respiro para as firmas que disputam o mercado estadunidense. Mais ainda, recentemente a principal empresa chinesa de televisores, TCL, anunciou que dadas as práticas anti-dumping investirá na fronteira Norte do México com a finalidade de produzir para o mercado norte-americano.

Gráfi co 2 – Importações dos EUA: TV e outros equipamentos de vídeo

Fonte: USCensus

Diversas pessoas entrevistadas nas OEMs da Baixa Califórnia manifes-taram que não há pressão pela concorrência chinesa no interior de suas corporações, e manifestaram ter uma vantagem comparativa para o apro-veitamento do mercado norte-americano por sua localização geográfica, já que mencionaram não ser conveniente trazer TVs da China de mais de 20” pelos custos do transporte. Por outra parte, o traslado das TVs de Plasma e LCD é muito delicado, sendo por isso mais conveniente que o processo pro-dutivo se realize perto do mercado de consumo final. Neste sentido, não há risco para o México de que se dê um êxodo massivo de plantas ou linhas de produção para a China. Pelo contrário, tudo parece indicar que virão plan-tas chinesas e taiwanesas para estabelecer-se na região. Algumas empresas como Hitachi estão prevendo isto, pois aumentaram seu nível de salários. No Gráfico não se pode apreciar a diminuição na participação de mercado das CRT/TVs, as PTVs, a estabilização das de Plasma e o crescimento das LCD no mercado norte-americano.

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Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 87

Gráfi co 3

Planta

Inícios 2003 Mediados 2004

CR

T

RPJ

LCD

Plas

ma

DLP

-DIL

A

CR

T

RPJ

LCD

Plas

ma

DLP

-DIL

A

Adi Systems Mexico, SA de CV * * Diamond Electronics, SA de CVDelta Electronics Mexico, SA de CV * * Benq * JVC Industrial de Mexico, SA de CVSamsung Mexicana, SA de CV (Display)Sanyo Manufacturing, SA de CVSony de Tijuana Este SA de CV *Sony de Mexicali, SA de CVLG Electronics Mexicali, SA de CV * Mitsubishi Pims, SA de CVPanasonic (Matsushita Television and Network Systems de BC)Sharp Electronica Mexico, SA de CVHitachi Consumer Products de Mexico, SA de CVDaewoo Electronics

Nota: *. Solo monitor PCFonte: ProduCen, 2003. Elaboração dentro do Programa de Televisão Digital, 2003. Atualização em 2004 por meio de entrevistas a empresas do setor.

3.2. O caso da Baixa Califórnia52

Sem dúvida, a indústria da televisão na Baixa Califórnia foi tomada como exemplo para a análise da indústria maquiladora no México, no entanto, as dimensões da análise desta indústria vão mais além dos aspectos de for-necimento e emprego, primordialmente por ser a televisão um produto de “primeira linha” (front line) para o posicionamento de marcas na indústria eletrônica de consumo.

Esta indústria nasce na entidade no fim dos anos 1970 com a monta-gem do produto final e a produção de certas submontagens e componentes, como o tubo de raios catódicos (CRT), cartões de circuito impresso (PCB), buzinas, jugos e sintonizadores, entre outros. Estas iniciativas florescem no Estado devido a decisão de corporações asiáticas de transferir parte de suas operações dos Estados Unidos para o México.

52. Esta Seção 3,2 faz parte do capítulo “Indústria do Televisor na Baixa Califórnia e sua Tran-sição Tecnológica” de Saúl de los Santos e Jesús Gilberto Elias, que compõe o livro de Hualde e Carrillo (2007b). Está reproduzido com a permissão dos autores.

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88 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais

As empresas que se estabeleceram inicialmente na Baixa Califórnia fo-ram Hitachi, Sanyo e Panasonic53 buscando como objetivo não só focar-se na estratégia de redução de custos, mas também de encontrar novos mo-delos de negócio com melhores vantagens competitivas, sendo uma das características encontrar acesso ao recurso humano capacitado a preços mais competitivos e também mais próximo ao principal mercado mundial de televisores: os Estados Unidos.

A segunda onda de empresas chegou ao norte do México nos anos 1990 com novas plantas japonesas, taiwanesas e coreanas que foram redistribu-ídas a partir dos Estados Unidos, em busca das mesmas estratégias antes mencionadas e que em conjunto atraíram um grupo considerável de em-presas provedoras, primordialmente de origem asiática, conseguindo assim uma massa crítica e a conformação de um cluster.

De acordo com o estudo realizado por ProduCen, a região conta com 15 empresas grandes classificadas como OEMs (original equipment manufactu-rers) que contribuíam com mais de 22 mil empregos diretos, uma produção superior a 19 milhões de unidades anuais de televisões e seis milhões de unidades de monitores para computador. Tijuana é a cidade com maior concentração de plantas e emprego (9% e 68%, respectivamente); Mexicali conta com quatro plantas e 25% do emprego; Rosarito e San Luis Río Co-lorado (Sonora) com uma planta e uma geração de empregos de 6% e 1% respectivamente54 (ProduCen, 2004).

O agrupamento conta com cerca de 180 empresas provedoras, que ge-ram uns 20 mil empregos diretos adicionais. Além disso, se articularam ao agrupamento instituições de apoio, tais como câmaras e associações de indústria, instituições educativas, e um amplo número de provedores de bens e serviços indiretos como são as agências alfandegárias, provedores de serviços logísticos, capacitação, transporte de valores e de pessoal, entre outros (ProduCen, 2000).

Vejamos o caso da televisão de CRT, em que a maioria das empresas locais provê insumos genéricos como buzinas, chicotes de fios, controle remoto, impressão de instruções, gabinetes de plástico, materiais de em-pacotamento e alguns estratégicos como o CRT, jugos, cartões de circuito impresso e sintonizadores (ProduCen, 2003).

53. Informação conseguida dentro do Programa de Desenvolvimento da Indústria de Display Device que foi concluído no ano 2003 pelo Centro de Inteligência Estratégica ProduCen. Esta información foi obtida por meio de entrevistas diretas às empresas.54. ProduCen, 2003. Com base em diretórios industriais e entrevistas telefônicas com as em-presas.

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Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 89

No caso de novas tecnologias, a existência de provedoria local é também limitada, o que constitui um desafio para a consolidação do agrupamento para o futuro.

As operações regionais do cluster fundamentalmente se dirigem à mon-tagem de produto final e à fabricação de alguns componentes; no entan-to, no contexto amplo da indústria é importante ressaltar a existência de operações não associadas à manufatura, muitas das quais apresentam um componente de maior valor agregado associado em grande medida aos ní-veis de sofisticação em atividades de pesquisa e desenvolvimento, design, serviço e logística, entre outras (ProduCen, 2003).

A estratégia de desenvolvimento do cluster regional formado implicou o fomento de atividades complementares que previamente não tinham parti-cipação local. Com o objetivo de ter níveis de competitividade mais eleva-dos para a indústria e uma maior contribuição econômica local (ProduCen, 2003).

3.2.2. Planejamento e estratégiaA janela de oportunidade para o cluster ainda continua sendo muito interes-sante; de maneira direta, a incursão no segmento de televisores médios a grandes oferece vantagens para a região, sem comprometer a atenção para fatores críticos associados ao conhecimento da tecnologia, domínio dos no-vos processos de fabricação e montagem, assim como a integração regional de uma cadeia de abastecimento considerável.

Para o caso de tecnologias que não são de retroprojeção, como o caso de LCD e plasma, o “painel” ou a tela, chega a representar até 70% do custo de fabricação, de modo que esta única operação dá vida à indústria. A atra-ção de fabricantes de painéis na região requer que isto seja justificado com base no volume da demanda do agrupamento [polo], aspecto que se dará à medida que o mercado faça a transição a essa plataforma; no entanto, algu-mas estratégias alternativas como a fabricação regional de outros produtos com tela, como podiam ser certos equipamentos eletromédicos, painéis de controle e máquinas industriais, com tela, vieram complementar o conjunto e tirando proveito dos conhecimentos e das habilidades que o pessoal da equipe desenvolveu.

A concorrência entre as tecnologias de demonstração ainda não se defi-niu, de modo que a melhor estratégia neste momento implica não destinar a uma única plataforma todos os esforços, enquanto se mantém um moni-toramento do comportamento destas tecnologias no mercado, procurando ver quais resultariam dominantes.

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90 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais

Os processos de prospectiva tecnológica que se iniciaram na região com a participação de instituições educativas como o Citedi, a UABC e o Cice-se, em combinação com ProduCen, permitirão alimentar com informação-chave, a este respeito, os atores estratégicos da indústria e órgãos de apoio, para que estes por sua vez realizem as adequações aos seus processos para manter o cluster na vanguarda. Exemplos disso são o Diplomado em Tele-visão Digital que foi coordenado pelo Citedi-IPN, em 2004, para atender os requisitos de engenheiros que trabalham nas empresas do agrupamento, as-sim como a incorporação de matérias optativas no tema de televisão digital para alunos de engenharia eletrônica por parte da UABC.

Em termos de crescimento do agrupamento, pode-se destacar a tendên-cia de consolidação regional de fabricantes de televisores com a chegada potencial de uma terceira onda de empresas asiáticas e a transferência de linhas de novas tecnologias para as plantas existentes. O desenvolvimen-to de equipes de especialistas em tecnologia nas principais empresas do agrupamento fala concretamente de uma tendência para melhorar a com-posição da estrutura de utilização do cluster por meio do desenvolvimento de processos de maior valor agregado e a divulgação do conhecimento de novas tecnologias entre o pessoal das empresas.

Invariavelmente, a indústria de televisores projeta tendências favoráveis de crescimento no mercado (Gráfico 4), das quais a região Noroeste do México poderá tirar vantagem graças à massa crítica e conhecimento que se tem dos processos associados, no entanto, é importante não perder de vista que a tecnologia seguirá evoluindo e o desafio de manter-se atualizado torna-se dominante.

Gráfi co 4 – Cenários da Baixa Califórnia na Indústria da Televisão Digital

Alto Meio alto

Meio Baixo Muito / baixo

Nulo Muito baixo

Baixo Meio Meio alto

Alto

Cenário desfavorável Cenário favorável

Inovação em produtos e processos

Número de plantas

Mercado

Normatividade

Recurso humano

Produtividade e qualidade

Fonte: ProduCen, 2005. Análise de informação obtida do Programa de Prospectiva da Indústria da Televisão no primeiro semestre de 2005

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Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 91

Com base na análise situacional e a formulação de distintos cenários, considera-se que a Baixa Califórnia deve posicionar-se na manufatura de produtos de maior valor agregado (principalmente de 32 ou mais pole-gadas) e nas diferentes tecnologias emergentes; o que lhe permite obter vantagens econômicas em termos de logística para o abastecimento do mer-cado americano.

Concluindo esta seção sobre televisores, podemos dizer que a transição em que se encontra a indústria do televisor em nível mundial está impli-cando importantes reestruturações nos países produtores e consumidores. Como vimos, a geografia da produção também se vê afetada pelo processo de globalização e pela emergência de novos mercados de consumo. Os tra-dicionais países produtores de televisores competem não só por manter sua participação nos seus mercados de exportação, mas nos próprios mercados domésticos. As cotas de participação por firma diminuem, como no caso da China.

As firmas líderes em eletrônicos de consumo se sentem também ame-açadas por novos concorrentes, o que está levando a novos acordos entre grandes conglomerados que respeitam cada vez menos o país de origem para fazer negócios entre empresas. A maior parte delas são grandes cor-porativos com uma carteira de negócios diversificada em que os televisores não costumam ser a parte mais rentável. Como explicava a propósito das reestruturações do grupo francês Thomson. O grupo – mencionava uma revista – terá que convencer a Bolsa de que não é um simples fabricante de eletrônica de consumo, senão um grupo tecnológico de alto valor agregado centrado nas imagens.55

Neste contexto, países como o México conseguiram manter sua impor-tante participação. Este país ainda conserva o predomínio como principal produtor mundial de televisores, porém sua participação diminui conside-ravelmente diante das exportações principalmente chinesas para os Estados Unidos. Além disso, novas empresas asiáticas começam a aparecer na re-gião fronteiriça do norte do México.

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A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia56, 57

Alfredo HualdeRedi Gomis

Introdução: A importância da inovação nas economias contemporâneasExiste um acordo generalizado sobre o papel da inovação nas economias contemporâneas para conseguir crescimento, aumentos de produtividade e competitividade, tanto das empresas quanto dos próprios países (DOSI, 2001:30, FAGERBER, MOWERY e NELSON, 2005). Esta contribuição ao desempenho econômico realizado pela inovação já se reconhecia, inclusive, desde a economia clássica.58 Uma segunda ideia a ser ressaltada, talvez mais polêmica ou com um grau menor de generalidade que a anterior, é que para conseguir um ambiente favorável à inovação, é importante a ancora-gem territorial das empresas. Assim, de acordo com Cooper (1991), há três aspectos importantes que devem ser considerados a respeito da inovação: a) que a mudança tecnológica está localizada; b) que a inovação no nível da firma é o resultado de um processo acumulativo; e c) que os fatores que determinam a apropriação das novas tecnologias incidem de maneira dife-renciada.

Contudo, além destes acordos estendidos, observam-se matizes impor-tantes na literatura não só a respeito do próprio conceito de inovação, mas também das distintas classes de inovação ou dos fatores que propiciam e/ou dificultam os processos inovadores. Além disso, é importante constatar que há empresas e regiões que sobrevivem sem inovar, e que as formas em

56. O presente trabalho faz parte da pesquisa denominada “PMEs: Redes de Conhecimento, atividade inovadora e desenvolvimento local: 45550, financiado por Conacyt. Algumas das ideias foram debatidas em seminários internos. De modo especial agradecemos a nosso colega José Luis Sanpedro as contribuições à parte teórica. 57. Tradução de Maria do Carmo Cardoso da Costa e Maria del Carmen Thomas.58. Cooper (1991:3) cita Ricardo: “He... who made the discovery of the machine, or who first usefully applied, it would enjoy an additional advantage, by making great profits for a time...” (Ricardo, 1830; ed. 1971, Chapter XXXI, p. 378-379).

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que se dá a inovação são diferentes segundo setores econômicos e, inclusi-ve, dentro de um mesmo setor também se advertem diferenças (STORPER, 1997, BLONDEL, 2002:135).

Neste artigo, apresentamos os resultados da pesquisa para a indústria de software da Baixa Califórnia, um complexo empresarial composto, prin-cipalmente, por micro, pequenas e médias empresas.

De acordo com o que apresenta uma pesquisa realizada com 30 des-sas empresas, parece existir uma alta taxa de inovações incrementais. Os clientes são a fonte mais importante de inovação, enquanto outros ato-res e instituições, como as universidades ou os centros de pesquisas, têm papel secundário. Os dados do mercado, principalmente local e regional, indicam que tais inovações se dão em produtos ou serviços; no entanto, as empresas encontram dificuldades para avançar em suas capacidades organizativas. A experiência baixa californiana, apesar do tamanho relati-vamente reduzido do setor, é importante porque as PMEs de software vêm tentando cooperar desde, aproximadamente, o ano de 2001. E desde 2004 vêm operando com certa coordenação em um cluster formalizado. Neste artigo trata-se de avaliar até que ponto o cluster pode ou não ser considera-do como um conglomerado inovador e se a organização coletiva contribui para o desenvolvimento dessas inovações. O cluster é enfocado a partir de uma perspectiva empírica, examinando um agrupamento de empresários e instituições que propõem o desenvolvimento do setor atuando de maneira conjunta.

De acordo com os objetivos propostos, sugerimos, em primeiro lugar, alguns temas básicos sobre o conceito em si de inovação, as formas em que esta se produz, assim como os atores que intervêm no processo ino-vador, tanto nas empresas quanto no seu entorno; em segundo lugar, en-focamos o tema da inovação a partir de diferentes ângulos: as inovações organizativas se documentam descrevendo e analisando tanto o tipo de organização que apresentam quanto o nível de certificação em que se encontram. As inovações de produto e serviço se detectam descrevendo o tipo de especialidade produtiva, assim como a percepção das empresas sobre a inovação que realizam, as fontes de inovação e as tecnologias que utilizam. A metodologia utilizada não permite aprofundar os aspectos organizativos internos das empresas para examinar, por exemplo, o tipo de rotinas que ocorre e a possível ruptura das mesmas, porém possibilita analisar os resultados significativos sobre o tema da inovação nas empre-sas de software da região. Finalmente, desenvolvemos à luz dos resultados obtidos, uma serie de reflexões expondo alguns temas importantes para a pesquisa futura.

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1. Inovação na empresa e no territórioEm um primeiro aspecto a ser levado em consideração, Alter e Poix (2007:7-8) apontam que a inovação é um processo coletivo que se dá em um contexto de incerteza, o qual permeia todo o processo inovador em seus diversos matizes.

A inovação tem um significado econômico que a diferencia da invenção. Podem-se ter novas ideias que, entretanto, nunca se comercializam como um produto ou um serviço. Citando Schumpeter, a inovação é uma fun-ção econômica assumida por empreendedores que aceitam um risco para conseguir do mesmo uma vantagem competitiva (Blondel, 2002:134). Para chegar à fase de comercialização ou à valorização do produto, é necessário dispor de uma série de recursos humanos e organizativos: a criatividade, a capacidade de resolução de problemas e a gestão do conhecimento são requisitos prévios para que o produto seja inovador no sentido econômico (FORAY, 2002). Para Villavicencio (2006:223), a inovação nas empresas é uma questão complexa porque “trata-se essencialmente de aprender a orga-nizar a difusão e a criação de conhecimentos na organização, assim como a aquisição de conhecimentos provenientes do entorno institucional”.

Por outro lado, a inovação supõe uma alteração das rotinas das empre-sas que representam a forma “normal” do funcionamento das mesmas, tal como destacou Schumpeter e, desde os anos 1970, os economistas da es-cola evolucionista. A empresa encontra sua eficiência a partir de uma série de procedimentos, arquiteturas organizativas, canais de comunicação esta-belecidos que lhe dão, além disso, certeza sobre sua identidade como tal. A ideia central é que as rotinas encarnam a maneira na qual se resolveram os problemas de uma empresa no passado, pelo que constitui um repertório de respostas eficazes (NELSON e WINTER, 1982; cit. por VILLAVICENCIO, 2006:226; TANGUY, 2000). De acordo com Tanguy (2000:99), a rotina é uma construção coletiva de indivíduos que são interdependentes e que no curso de suas experiências elaboram regras simples e duráveis (transmiti-das aos novos que chegam) que guiam a ação de cada um.

As rotinas são a cristalização dessas formas de atuação recorrentes, e a inovação, o processo que viria a alterar tais rotinas.59 Pela razão anterior, a inovação ocasiona na empresa ajustes e adaptações; em suma, uma re-organização que altera as rotinas preestabelecidas. Se a inovação é muito

59. Villavicencio critica a noção de rotinas pelas seguintes razões: a) não permite conhecer o processo de transformação da organização; b) segundo Hatchuel não distingue entre in-formação e conhecimento e, portanto, não prevê as dificuldades da aquisição e transferência do mesmo; e c) a concepção de Nelson e Winter não contempla a possibilidade de utilizar concorrências em situações não previstas. A rotina pode constituir um dispositivo eficaz de resposta a um problema, porém não assegura que os indivíduos ponham em jogo todas as suas capacidades para resolvê-lo (Villavicencio, 2006:22).

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radical ou a empresa muito rígida, o processo de inovação pode vir acom-panhado de conflitos, na medida em que os inovadores podem modificar as relações de poder nas organizações.

As empresas não são estruturas rígidas, mas sim organizações nas quais interagem atores com visões e projetos diferenciados que tratam de nego-ciar ou impor seus próprios pontos de vista. Por isso, diferentemente da proposta evolucionista, alguns autores insistem na ideia do conflito como um fator a ser levado em conta nos processos de inovação. Nessa medida, é possível matizar também a ideia da acumulação do conhecimento, já que certos conhecimentos anteriores são questionados na medida em que não resultam úteis no caminho da inovação (TANGUY, 2002:114).

Um segundo aspecto a ser examinado na questão das inovações tem a ver com seu grau de quebra com o anterior. É importante, então, por suas consequências econômicas, tecnológicas e organizativas, calibrar a profun-didade da inovação.

Tradicionalmente, os autores que estudaram o tema concebiam a ino-vação como uma mudança estrutural que procedia das atividades deriva-das do trabalho realizado no Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento (VILLAVICENCIO, 2006:223). Em contrapartida, atualmente se argumenta que podem ser consideradas inovações outro tipo de transformações no processo ou no produto que não se deriva de maneira direta da atividade de I+D. Landabaso et al. (2003), ao descrever políticas de inovações para as PMEs nos Sistemas Regionais de Inovação europeus, apontam que a ino-vação nas PMEs pode dar-se em I+D, na fabricação, na comercialização e em outras atividades.

Pelo seu grau de ruptura com o passado, as inovações se dividem em radicais e incrementais. As primeiras introduzem uma novidade que supõe uma ruptura com os produtos ou processos anteriores. Nesse sentido, as inovações radicais na indústria de software se localizaram nas novas lingua-gens e em algumas ferramentas de programação, porém, sobretudo, nos algoritmos e lógicas de programação. Poucos casos, se encontram em so-luções de aplicação ou programas de software. A diferença entre inovações radicais e incrementais permite incluir nesta última categoria a maior parte das inovações de países em desenvolvimento. Uma inovação incremental pode ser a fabricação de um produto determinado, pela primeira vez, em um mercado específico, embora tal produto já tenha sido introduzido em mercados de outros países.60 Se bem que esta classificação tenha a virtude de precisar novidades surgidas da prática cotidiana das empresas, corre-se,

60. Hobday ( 2000:344) assinala: “Many innovations occur from behind the technology fron-tier defined by leaders in the advanced countries” e acrescenta: “Many firms have grown and succeeded as a result of innovations new to the company, although not new to the world”.

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no entanto, o risco de trivializar o sentido da inovação, ao atribuir o caráter de inovadora a qualquer mudança ou mutação nos processos de produção (BLONDEL, 2002:133).

Um terceiro aspecto a ser levado em conta tem a ver com as fontes de inovação. Uma parte importante da inovação se localiza, certamente, na empresa. Entretanto, a organização em rede das empresas e dos sistemas produtivos propicia a importância crescente de outros atores, principalmen-te instituições de âmbito distinto. O contato com os clientes ou usuários (VON HIPPEL, 1988) é outra fonte importante de inovação, e entre as ins-tituições destacam as que pertencem ao sistema de inovação científico e tecnológico.

No seio da empresa também há diferenças a respeito do papel que ocu-pa cada um dos estratos que atuam nelas. Há autores, como foi dito, que localizam as inovações exclusivamente nos departamentos de I+D. No en-tanto, para outros a inovação é um tema que afeta a toda a organização e surge da interação entre seus distintos membros (NONAKA e TAKEUCHI, 1995). Estes autores destacam a grande importância do aprendizado e da gestão do conhecimento nas empresas como um assunto que compete tanto aos engenheiros quanto aos supervisores e trabalhadores de base. Foray (2004:67-68) menciona três modelos críticos de inovação na criação do conhecimento.

O primeiro tem a ver com a natureza crescentemente científica dos mé-todos de pesquisas. Cada vez mais setores da “cultura epistêmica” da ciên-cia para a produção de conhecimento está crescendo em importância. O segundo, marca uma tendência crescente do envolvimento dos “usuários”. O terceiro, a complexidade crescente e a modularização da arquitetura in-dustrial faz mais crítica à produção de “conhecimento integrativo” como modelos, normas, arquiteturas comuns e plataformas.

É necessário entender que as relações com o entorno são diferentes se-gundo os setores. Por exemplo, a indústria farmacêutica é um setor mais dependente de modo direto da ciência básica, enquanto as indústrias tradi-cionais, como calçado e outras, dependem fundamentalmente de inovações no âmbito da ciência aplicada. Entretanto, outras atividades produtivas dependem para a inovação de desenvolvimentos puramente tecnológicos, cuja relação com o sistema científico-tecnológico é distante ou inexistente (MALERBA, 2005; FORAY, 2004:51; BLONDEL, 2002:133).

Além da compreensão da inovação na empresa e nas formas de apren-dizagem que se dão nela, o território é considerado um ator por si mesmo no que se refere à inovação. Dado que a empresa não desempenha, nem funciona de maneira isolada, considera-se que as empresas com maiores

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possibilidades de inovar são as que se encontram em redes e/ou sistemas que lhes proporcionam ferramentas de aprendizagem que não encontram nos limites de sua própria organização. A ideia de competitividade sistêmi-ca ou eficiência coletiva alude a este conjunto de atores que cooperam de forma mais ou menos coordenada em um entorno territorial.

2. O território como ator inovadorOs diferentes estudos sobre os sistemas produtivos e a inovação destacaram o papel do entorno em que se desenvolvem as empresas. Um entorno favo-rável à inovação consiste em um conjunto de atores, empresas, instituições, que atuam de forma coordenada em um marco coerente de ação (STOR-PER, 1997; EDQUIST, 1998).

O território não é comparável a uma região político-administrativa ain-da que possa coincidir com ela. No entanto, em uma economia global cada vez mais interconectada, o território é o entorno de mobilização de recursos (humanos, tecnológicos, financeiros) que interage em distintas dimensões espaciais.

A ênfase no local e no regional provém de uma tendência para a des-centralização observável há várias décadas nas economias europeias. Al-guns autores designaram tais entornos como sistemas de inovação. Desde a contribuição pioneira de Lundvall que caracterizou os Sistemas Nacionais de Inovação, muitos estudiosos puseram ênfase nos entornos locais ou re-gionais. Entre eles, a corrente que propõe como conceito “Os Sistemas Re-gionais de Inovação”.

Nos Sistemas Regionais de Inovação existem alguns mais abertos ao ex-terior, enquanto outros estão baseados nos recursos locais, e uns terceiros naqueles em que se percebe uma combinação de ambos elementos. Deste ponto de vista, Cooke et al. distinguem entre:

Sistemas “localistas” são aqueles baseados em pequenas em-presas que podem fazer parte de redes de locais fortes.

Sistemas “globalizados” são aqueles dominados por firmas multinacionais que estão fortemente ligados aos mercados globalizados.

Sistemas “interativos” são os que contêm um equilíbrio de ambos.

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Outro eixo de enfoque para analisar o RIS é o da governança (governan-ce), em que distinguem, de igual modo, aqueles constituídos desde a base (Grassroots), os constituídos em redes e os dirigistas.

Em relação ao que foi dito é necessário considerar o papel diferenciado dos atores públicos e privados. Se nos sistemas são importantes o governo e outros atores públicos, Cooke (2004:4-5) os denomina Sistemas Regio-nais de Inovação Institucionais, e dá como exemplo Gales. Aos sistemas em que os atores privados são dominantes, ele os considera Sistemas Regionais de Inovação de Empreendedores, que corresponderia à variedade anglo-saxã do capitalismo. Os estudos europeus ou estadunidenses (SAXENIAN, 1999-2000; ARORA e GAMBARDELLA, 2005) foram complementados com estudos em países latino-americanos. No caso destes últimos, se destaca em geral uma maior debilidade das instituções e uma falta de colaboração en-tre as empresas (BERCOVICH e SWANKE, 2003; CASSIOLATO e LASTRES, 2003; YOGUEL, 2001).

A relevância dos entornos regionais deve, no entanto, matizar-se. Não resulta uma panaceia, nem exclui o papel dos Estados-nação, nem têm as mesmas implicações em todas as atividades econômicas. Concretamente, no caso do software é importante saber se os entornos locais têm relevância para o desenvolvimento das empresas. Intuitivamente, poder-se-ia pensar que esta indústria, intimamente ligada às TICs, poderia desenvolver-se em função de redes globais de tipo virtual. As experiências internacionais mos-tram resultados complexos. Ainda que, efetivamente, a indústria tenha sua sede em cidades específicas, no entanto, os efeitos das derramas não pa-recem ter uma importância muito clara. Ou melhor, o que destacam estes estudos é a importância de uma mão de obra qualificada nessas cidades, mas também as redes globais ou internacionais que utilizam uma parte dessa mão de obra para buscar nichos de mercado, negociar investimentos e fazer acordos com os processos de outsourcing. Isto é assim no caso da Índia e, em certo sentido, na Irlanda (ARORA e GAMBARDELLA, 2005). Para estes autores, uma vantagem competitiva de grande importância nos países estudados é a aquisição de concorrências organizativas por parte das empresas.

Heidenreich (2004:366), em um livro coordenado com Cooke, expõe um conjunto de dilemas interessantes surgidos do trabalho empírico reali-zado em 12 sistemas regionais de inovação ao redor do mundo:

O investimento em educação e capacitação, pesquisa e desenvolvimen- to, transferência de tecnologia e marketing não “produz” automatica-mente inovações. As regiões não são regiões empreendedoras quando

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lhes falta um número suficiente de PMES e empresários criadores em novos campos tecnológicos.

Há tensão entre a ideia de sistema (estabilidade) e o processo de ino- vação (ligado à incerteza). Por um lado, as inovações são arriscadas, com custos geralmente altos, e resultados incertos. Por outro lado, os investimentos prévios, as concorrências, os hábitos e as qualificações permanecem desvalorizadas pela inovação.

O paradoxo espacial: enquanto a distância está perdendo importância, o sucesso econômico dos distritos de negócios metropolitanos aponta o papel-chave da proximidade espacial e a comunicação pessoal. O dilema da regionalização e a globalização determina a relação de grupos domi-nantes globalmente orientados e pequenas companhias orientadas para mercados regionais e nacionais.

Apesar do benefício de trabalhar em redes, a contribuição das redes de cooperação para a inovação regional pode perigar devido a efeitos do fechamento (lock-in) de redes estabelecidas ou, por outro lado, estratégias de negócios individualistas. As redes interorganizacionais, conforme visto, sempre têm de ser estabilizadas por ordens de tipo regional (regional orders) ou sistemas como os mundos de produção baseados em convenções coletivas que reduzem a incerteza. Por outro lado, ao fornecer “bens coletivos locais para a concorrência” podem ajudar a superar problemas de ação coletiva; isto é, estabelecendo regras de interpretação e conduta, e proporcionando recursos coletivos, as “ordens regionais” contribuem essencialmente para o potencial inovador das firmas regionais.

3. A inovação na indústria do software: entre a produção artesanal e a produção estandarizadaNo fim dos anos 1990, 72% dos trabalhadores de software nos Estados Uni-dos estavam empregados fora do setor especializado (EISCHEN, 2000). No México, se calcula que dos quase 323 mil trabalhadores em atividades de software apenas a sexta parte – cerca de 54 mil empregados –, trabalhava em empresas especializadas (MOCHI e HUALE, 2006:61). Esta presença generalizada do software no tecido produtivo leva a considerar que é uma tecnologia genérica. Alguns autores mencionam que se trata de um bem intermediário e outros o caracterizam até como uma commoditie. Athreye (2005:7-8) menciona que a função do software na economia digital é simi-lar a do setor de bens de capital em uma economia baseada em tecnologias mecanizadas. O software de embalagens é uma pequena parte da indústria de software em uma indústria na qual dois terços do esforço em desenvol-

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vimento de software se emprega mais para manter e fortalecer o código de software existente, do que produzir um novo software. Esta peculiaridade da indústria leva Eischen (2000:5) a assinalar que o software é um processo, um produto e uma indústria. Para este autor o software, tal como o DNA, o cérebro humano, o disco rígido [hardware] e os libros, é simplesmente o meio mais recente para o armazenamento do conhecimento. Acrescenta, no entanto, que comparado a esses outros meios de conhecimento, seu traço distintivo é a persistência, a velocidade para atualizar-se, a flexibilidade de-liberada e a aplicabilidade para a ação. E muito mais importante ainda é a habilidade do software para emular cada um destes meios de conhecimento (idem).

Bitzer (1997), por seu lado, distingue dois tipos de processos de de-senvolvimento de software, tomando como critério diferencial o plano que persegue a empresa que o realiza. Assim, se o software resultante de tal processo de desenvolvimento se vende a um só cliente ou a vários conjun-tamente, os desenvolvimentos de software se farão respectivamente, sob medida ou estandardizados. O custo para os clientes é menor neste último caso do que no primeiro, pois o mesmo é compartilhado por todos os que adquirem o produto final. No entanto, quanto maior é o grau de estan-dardização do produto – “uma função do número de usuários que possam resolver seus próprios problemas com o mesmo software” (BITZER, 1997:8) –, mais cresce simultaneamente a necessidade das adaptações individuais para satisfazer necessidades específicas que as soluções padronizadas não podem considerar a priori.

Ainda que as soluções padronizadas venham com o tempo ganhando terreno na indústria, ainda mantêm sua importância os desenvolvimentos “a la medida” ou “a la carta” (CUSUMANO, 1998). Entretanto, mesmo as empresas que adquirem no mercado produtos de software como um ERP (Enterprise Resource Planning) como o SAP,61 requerem que sejam adaptados às suas necessidades particulares. É precisamente no terreno dos desenvol-vimentos sob medida, assim como os serviços relacionados à indústria do software (treinamento, suporte técnico, manutenção e atualização etc.), em que floresceu a terceirização [el offshore outsourcing].

Portanto, o tipo de atividade condiciona a organização. A fabricação de produtos em série permite, em princípio, maior divisão nas empresas e nos processos de subcontratação, tanto que o software sob medida se baseia em uma interação frequente com o cliente e em uma adaptação sucessiva às necessidades do mesmo. O segmento de software em pacote apresenta

61. Este é um complexo e custoso sistema produzido por uma empresa homônima de selo alemão, capaz de integrar a informação produzida pelos diferentes departamentos de uma empresa.

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maiores exigências de investimento e maiores barreiras à entrada de novas empresas.

No entanto, com independência da especialidade das empresas e do grau de complexidade do produto, reiterou-se que uma das principais difi-culdades da indústria do software foi industrializar, estandarizar e raciona-lizar os processos devido à característica de criatividade (individualidade) que engloba o software, pelo menos em suas fases de design e análise de requerimentos. Essa característica traduz que a organização nas empresas de software tende a reforçar o trabalho em equipe, pelo que se disse que é modelo de tipo pós-fordista (não taylorista).

Esta escassez de “princípios de engenharia” na produção do software ocasionou problemas de entrega a tempo, mal uso de recursos, pouca pre-visibilidade e, em geral, carências de produtividade na indústria. Um dos problemas, neste sentido, no desenvolvimento de software sob medida, é que cada vez que se inicia um processo, se parte do zero, porque não se pode usar os códigos empregados em um produto ou processo para outro distinto, na medida em que os requerimentos dos clientes são em princípio distintos. Esta ideia, no entanto, foi criticada e matizada por alguns autores. Há várias ferramentas que tendem a racionalizar de maneira mais significa-tiva os processos de software de modo que seu desenvolvimento seja mais previsível tanto em tempo quanto em custo. Duas delas são importantes:

Em primeiro lugar, as certificações CMM criadas pelo Software Enginee-ring Institute, têm como proposta o objetivo de documentar os processos e, deste modo, avaliar as capacidades das empresas mediante uma classifica-ção em cinco níveis. Há outras certificações para software nas ISO: Mochi, (2006) e Spice (Software Process Improvement and Capability Determina-tion) (CASTILLO, 2007:42). Em segundo lugar, é necessário considerar as tendências recentes ao trabalhar por módulos, o que permite uma especia-lização dos diferentes grupos de trabalho e uma produção estandardizada e em massa (MOCHI e HUALDE, 2006).

As certificações CMM receberam diferentes tipos de críticas, por seus inconvenientes práticos: grande investimento de tempo e dinheiro, e incer-teza com respeito a seus resultados. Chama atenção que países como Irlan-da só tiveram há alguns anos uma empresa certificada no nível 4 (MOCHI, 2006:217).

O tema de caráter artesanal e da escassa produtividade parece ser con-traditório com a ideia de que o software é um commoditie, um bem inter-mediário para a economia em geral. Se fosse assim, um commoditie perde o caráter original, artesanal, único e irrepetível, para converter-se em um produto estandardizado e até certo ponto banalizado. A explicação mais

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razoável que para esta diferença de pontos de vista é que o software deve ser considerado como um setor bastante heterogêneo, não só porque há produtos e serviços, mas também porque os graus de complexidade dos mesmos variam substancialmente.

As características assinaladas anteriormente do processo de software têm várias implicações para o tema da inovação:

Por um lado, como apontam vários autores, as inovações organizativas são muito importantes. Por isso, é interessante examinar as possíveis fontes de inovação organizativa, as ferramentas que se utilizam para isso e a forma em que o entorno pode contribuir para o resultado. Em princípio, podemos considerar fonte de inovação a experimentação com formas associativas (cluster, integradoras), os projetos de Prosoft destinados a isso, a presença de grandes empresas que podem transferir métodos de organização, formas de subcontratação (exemplo, SAIC na Baixa Califórnia), e os processos de certificação.

O outro aspecto é o tema das inovações de produto e/ou serviço. Em ambos os casos é muito importante a relação com o mercado e, de maneira significativa, a relação com os clientes. Os clientes são a fonte de inovação, especialmente em software sob medida. Por outro lado, convém levar em conta que a inovação se encontra tanto na fase de produção, quanto na de atualização, suporte, instalação e manutenção.

4. A indústria do software no MéxicoNo México, o mercado de software é reduzido quando comparado com os principais países industrializados ou com Brasil. No entanto, o mercado mexicano é o segundo em importância na América Latina. O mercado de TIC no México chegou, em 2005, a US$8.254 milhões, dos quais o software em pacote alcançou os US$817 milhões e os serviços somaram US$2.311 milhões, quase três vezes mais que aquele (MOCHI e HUALDE, 2006).62 As empresas têm um tamanho bem inferior ao da média internacional, que é de 250 funcionários, e detectam-se grandes desigualdades entre elas. Junto a um punhado de grandes empresas, a maioria delas estrangeiras e algumas nacionais, várias centenas de PMEs desenvolvem principalmente serviços sob medida. Além disso, o software desenvolvido pelas empresas especiali-zadas tem um valor muito menor do que o elaborado pelas universidades, instituições públicas e grandes empresas não especializadas em software

62. No ano de 2007 o mercado de software, segundo o Anuário de Prosoft, ultrapassou ligei-ramente os US$1.000 bilhões, porém não se especifica se se refere unicamente ao software em pacote.

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(MOCHI e HUALE, 2006; ORDÓÑEZ, 2006). Finalmente, o software pro-prietário é mais importante que o software livre, embora existam exemplos interessantes desta última modalidade. Para desenvolver a indústria, o Mi-nistério de Economia elaborou em 2002, o Prosoft, com sete estratégias, que vão desde o diagnóstico até o apoio de projetos de desenvolvimento das empresas63. O Prosoft, com suas limitações, permitiu aos empresários desenvolver projetos para remediar as deficiências organizacionais e tecno-lógicas, assim como melhorar os processos de produção das empresas.

O Prosot foi aumentando o montante de investimentos entre os anos de 2004 e 2006, começando com aproximadamente US$25 milhões, o que tri-plicou em 2005 para US$75 milhões e dobrou novamente no ano seguinte até alcançar uns US$140 milhões.64

Tabela 1. Investimento total em nível nacional, 2004-2006 (pesos).

Prosoft Estados IP Academia Total2004 139700000 43689659 60417130 5716130 2495229192005 192493118 110010083 432877722 18372097 7537530202006 416797147 232279662 727696671 32721063 1408494543Total 747990265 385979404 1220991523 56809290 2411770482 Prosoft Estados IP (empresas) Academia Total2004 56.0 17.5 24.2 2.3 1002005 25.5 14.6 57.4 2.4 1002006 29.5 16.5 51.7 2.3 100

Fonte: Ministério de Economia. Anuário do Prosoft (5 de julho de 2007)

A peculiaridade da composição do gasto é que na medida em que foi amadurecendo o programa, a iniciativa privada (empresas) assumiu mais da metade do investimento realizado.

O Prosoft tem um significado importante porque conseguiu pôr em con-tato as empresas, iniciar projetos e criar redes. Em certo sentido, significa que o governo mexicano passou de uma atitude passiva de laissez faire a desenhar uma política de acompanhamento, ou “maridagem” (husbandry), com as empresas (PARTHASARATHY, 2004). Além disso, para efeito deste trabalho, é necessário destacar que o Programa teve um projeto regional-

63. As estratégias em questão são as seguintes: 1) Promover as exportações e a atração de in-vestimentos; 2) Educação e formação de pessoal competente no desenvolvimento de software, em quantidade e qualidade convenientes; 3) Contar com um marco normativo e promotor da indústria; 4) Desenvolver o mercado interno; 5) Fortalecer a indústria local; 6) Alcançar níveis internacionais em capacidade de processos; 7) Promover a construção de infraestrutura física e de telecomunicações (Ministério de Economia, 2002). Tal quantidade de estratégias dificulta avaliar as prioridades reais, sobretudo no que se refere à dualidade mercado interno versus mercado externo. 64. O cálculo em dólares se obtém de maneira aproximada dividindo a quantidade em pesos por dez.

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territorial baseado na existência de aglomerações de empresas que o pró-prio Programa denominou cluster. O Ministério de Economia fala de 23 clusters nos 32 estados da República mexicana.

Na distribuição de recursos, a Baixa Califórnia ocupou os primeiros luga-res junto ao Distrito Federal, Jalisco e Nuevo León, ainda que sua participação em relação a outros estados foi perdendo relativa importância (ver anexo).

5. A inovação na indústria de software da Baixa CalifórniaAs empresas de software da Baixa Califórnia, concentradas fundamental-mente em Tijuana e Mexicali, surgem em sua maioria nos anos 1990, e seu crescimento continuou de forma regular durante a segunda metade dessa década e na atualidade.65

Em relação aos empresários, o aspecto mais relevante a ressaltar, de acordo com os objetivos deste trabalho, tem a ver com a formação profis-sional deste coletivo fundamentalmente masculino entre 40 e 50 anos. O elevado nível de instrução formal, a afinidade temática dos estudos reali-zados e a aproximidade institucional das casas de estudo, foram elementos que favoreceram os contatos entre eles e o estabelecimento de redes sociais que também contribuiu para o processo da criação do cluster e ao posterior estabelecimento de diversas empresas integradoras (HUALDE e GOMIS, 2007).

Quanto às empresas, o traço mais importante do setor é que está for-mado principalmente por empresas muito pequenas. Oitenta por cento das empresas têm menos de 15 empregados e, das restantes (20%), nenhuma chega aos 100 empregados. Trata-se, em geral, de um conjunto composto por microempresas, com todos os inconvenientes que isto supõe em termos de recursos e de organização, elementos importantes nos processos propen-sos à inovação. Em efeito, as PMEs habitualmente têm dificuldades para ter acesso à informação necessária para desenvolver inovações, devido a problemas de custos, insuficiência de pessoal dedicado a isso, deficiências organizativas e limitações derivadas de seu tamanho. E é por isso que as mesmas consideram agentes débeis pela escassez de recursos humanos e financeiros, as ineficiências associadas à escala reduzida e o baixo poder de mercado. Porém, da mesma maneira, tem de se levar em conta que “a experiência demonstra que as PMEs que se agrupam em clusters podem ter sucesso e competir com as grandes empresas” (BERTINI, 2000:107).

65. Os dados que expomos a seguir provêm de uma pesquisa terminada em janeiro de 2006 a 30 empresas que desenvolvem os softwares na região. Também se utiliza informação obtida mediante entrevistas realizadas com empresários do setor.

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As limitações financeiras destas empresas de software são similares as de outras PMEs. Embora seja certo que em software não se requer um forte investimento para iniciar operações, nenhuma delas surge a partir de cré-ditos bancários ou capital de risco, senão fundamentalmente a partir de poupanças pessoais e, em menor medida, de empréstimos familiares. Nisto não se diferenciam de outros setores mais tradicionais; a distância entre instituições financeiras e empresas parece ser uma característica generaliza-da. Apenas um quinto das empresas têm vendas anuais acima dos US$500 mil. A metade vende em uma categoria comprendida entre os US$100 mil e US$500 mil, e quase a terça parte está abaixo deste nível. Por último, tampouco recorrem a programas especializados de apoio governamentais – como Fundo PME, Avance, Nafinsa, Fundos Mixtos etc. –, o que lhes da-ria acesso a recursos extraordinários. O motivo é que 90% das empresas desconhece tais programas com exceção do Prosoft ao qual se outorga uma avaliação positiva.

No que diz repeito à sua organização interna, pode-se dizer que, em linhas gerais, têm uma estrutura interna flexível. A pesquisa revela que nestas empresas se privilegia, em termos de importância, o trabalho em equipe, em que se intensificam os processos de comunicação e interação das equipes de desenvolvoimento de software. Sessenta por cento das em-presas entrevistadas responde que esse é o tipo de organização predomi-nante em sua empresa, diante de 30% que organiza as tarefas de maneira individualizada.

No entanto, ao trabalho de equipe se soma uma diferenciação formal pouco clara dos postos de trabalho. Os que desenvolvem costumam efetu-ar diferentes funções, desde a análise de requerimentos, até a instalação dos programas na base do cliente, passando pelo design, a codificação, o suporte técnico etc. Esta estrutura flexível é, principalmente, palpável nas pequenas empresas. Tal polivalência de funções se deve, principalmente, às dificuldades por parte dos empresários para responder de forma organi-zada à atividade produtiva, sobretudo, quando aumenta a demanda. Esta problemática é percebida pelos próprios empresários, em quem se observa uma preocupação pelos aspectos organizativos de sua empresa, e, conse-quentemente, uma tendência a procurar formas mais eficientes para or-ganizar o trabalho. Nas entrevistas, os donos mencionam, por exemplo, a necessidade de destinar pessoal de maneira ativa para a função de buscar clientes e ampliar mercados. Para tal, o dono tem o propósito de dedicar-se a essa atividade, abandonando a favor deste propósito qualquer trabalho técnico. No entanto, indicam que lhes resulta dificultoso dar este passo seja por incapacidade dos outros empregados, por falhas organizativas, seja por cumprir os prazos de determinados pedidos.

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A certificação dos processos de desenvolvimento, apesar de que não co-brir a totalidade da atividade desenvolvida nestas empresas, provavelmen-te contribuiu para aliviar suas insuficiências de organização. De qualquer forma, teria de levar em conta o fato de que, embora a certificação seja um indicador de consolidação estrutural, estes sistemas têm vantagens dife-renciadas segundo o tipo de empresas, sendo mais úteis para as grandes (CUSUMANO, 2004). Na mostra se observa que poucas empresas (17%) contam com algum tipo de certificação, duas delas em CMMI Nível II. Entre-tanto, apenas a terça parte se encontra atualmente em processo de adquirir alguma certificação, fundamentalmente na norma mexicana Moprosoft.66 A maioria (68%) das que não contavam com certificação alguma, também não iniciaram ainda o processo para consegui-lo.

Nas entrevistas, os empresários explicam que a certificação contribui para elevar a confiança do cliente no serviço e, portanto, as credenciais da empresa. Esta opinião é, sobretudo, sublinhada por aqueles cuja ativida-de está fundamentalmente orientada aos serviços, e de maneira especial, aqueles que aspiram a que seus serviços sejam subcontratados nos Estados Unidos. Do mesmo modo, a certificação ganhará em importância se a nor-ma mexicana Moprosoft se converter finalmente em um requisito exigido pelas dependências governamentais para seus provedores de software, tal como está sugerido. Não ocorre o mesmo, no entanto, com as empresas que ofrecem principalmente produtos, pois, segundo os empresários, a qualida-de do produto é a principal carta de confiança diante dos seus clientes.

De qualquer modo, a questão da certificação, observada nos processos inovadores, pode ser um elemento importante, na medida em que contribui para melhorar a organização dos procedimentos de trabalho dentro das empresas de software, e a melhor concentração de pessoal na melhora dos processos produtivos e de negócio.

Nesse sentido, a organização coletiva no cluster serviu para capacitar as empresas em processos de negócios orientados para a certificação. A maior parte destes cursos foram financiados no ano 2005 pelo Prosoft.

5.1. Atividade econômica das empresas: produtos versus serviçosUm elemento relevante para a discussão acerca da inovação nas empresas de software se relaciona diretamente com a atividade econômica que reali-

66. O Modelo de Processos para a Indústria de Software (MOPROSOFT) tem por objetivo proporcionar à indústria mexicana, e às áreas internas dedicadas ao desenvolvimento e manu-tenção de software um conjunto integrado das melhores práticas baseadas nos modelos e pa-drões reconhecidos internacionalmente, tais como ISO 9000:2000, CMM-SW, ISO/IEC 15504, PMBOK, SWEBOK entre outros.

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zam. Neste sentido, as empresas do setor se orientam ligeiramente para os serviços de software, na medida em que representam a atividade medular para 53% delas. Entretanto, a característica mais destacada é a combinação de ambos os tipos de atividades, produtos e serviços na mesma unidade de negócios.

Os produtos de software mais importantes são:

Software de gestão, uma categoria que inclui soluções para o controle de folhas de pagamento e recursos humanos, controle de inventários, pontos de vendas etc. Tudo isso representa 29% do total e constitui so-luções para a atividade de importação e exportação, fundamentalmente orientadas ao mercado das empresas maquiladoras.

Os programas de Comércio exterior/Alfândegas/Impostos, que repre- sentam 24% do total, e constituem soluções para a atividade de impor-tação e exportação, são fundamentalmente orientados ao mercado das empresas maquiladoras.

As aplicações verticais, com 16% do total, e incluem soluções bancárias e outras destinadas aos funcionários do governo.

Em relação aos serviços, os tipos mais importantes são os seguintes:

Serviços em produtos não próprios, com 30% do total, inclui não só a ven- da dos mesmos, mas também sua adaptação, integração e manutenção.

Consultoria, com 28% do total.

Desenvolvimento sob medida, com 23% do total.

Como se pode inferir, não há uma especialização clara. Se houvesse al-guma, seria para o mercado da indústria maquiladora, por isso uma carac-terística importante a ser destacada é que tanto seus produtos quanto seus serviços estão destinados essencialmente aos consumidores corporativos, não indivíduos, destacando-se entre eles outras empresas. Como clientes importantes se destacam as maquiladoras, o comércio – como farmácias e postos de gasolina –, o turismo – como hotéis e restaurantes –, e as agências do governo. De qualquer modo, nos parece relevante mencionar que as em-presas da região têm uma presença importante na Índia, por exemplo, em escrever códigos para soluções desenhadas por outros. De fato, na opinião de alguns empresários entrevistados, a região vai em direção a uma espe-cialização que tende à consultoria.

5.2. Características do mercadoDiante da falta de dados que permitissem estabelecer comparações retros-pectivas, foi perguntado às empresas acerca da demanda de seus produtos

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no momento da enquete. Os resultados são bem similares para os três pro-dutos principais. Pouco mais da metade das empresas considerava que a demanda começava a crescer em cada um dos três produtos principais. Cer-ca de 20% das empresas considerava com poucas oscilações que seus três principais produtos tinham uma demanda estável ou estancada, e, pratica-mente, nenhuma estimava que a demanda de seus produtos se encontrava em retrocesso. Ou seja, quatro de cada cinco empresas se encontravam em uma trilha de crescimento.

O âmbito geográfico do mercado também é um indicador indireto da atividade inovadora das empresas. Clientes com níveis altos de exigência, competidores globais, poderiam estimular inovações para poder manter a competitividade. No caso das empresas estudadas, os resultados do estudo apontam que as empresas do cluster de software operam, em um mercado basicamente nacional, em que o peso do local e o fronteiriço ainda é forte. Para os três principais clientes, o mesmo lugar é a localização mais impor-tante, seguida por outra localidade fronteiriça e por outra localidade não fronteiriça. No entanto, a localização física tem uma conotação diferente quando se considera que a vinculação com as empresas maquiladoras colo-ca as empresas de software como um elo de uma cadeia global.

A localização de clientes no estrangeiro é pouco importante, ainda que não depreciável, já que um terço das empresas pesquisadas exporta. Apesar de ser um cluster fronteiriço com os Estados Unidos, e que sua intenção ini-cial seria penetrar o mercado de outsourcing no sul da Califórnia, os países centro e sul-americanos constituem, em conjunto, um destino de exporta-ção similar em importância ao norte-americano. De todos os modos, é sig-nificativo que o peso das exportações sobre o total das vendas é de somente 8% na média.

As entrevistas realizadas com os empresários ratificam o interesse de alguns deles em estender suas redes no mercado nacional e abrir mercados nos países latino-americanos, ainda que o objetivo inicial de exportar para os Estados Unidos não tenha sido abandonado, por parte de uma das quatro integradoras existentes que deixou de operar no ano de 2007. As empresas exportadoras mostram, entretanto, que para uma empresa mexicana é mais fácil exportar para outros países da América Latina. Em alguns aspectos é necessário levar em conta o idioma, porém, segundo estas interpretações, a imagem do México como um país mais avançado e com certa afinidade cultural, facilita as transações comerciais. Na relação com Estados Unidos, as exigências para as empresas mexicanas dificultam a eles converterem-se em clientes dos vizinhos do norte. Os requisitos organizativos – as vezes tra-duzidos em certificações –, as dúvidas acerca do cumprimento dos prazos

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de entrega com a qualidade requerida, formam um quadro no qual se dá a confiança suficiente para concretizar projetos.

5.3. As tecnologiasA respeito das tecnologias utilizadas, a enquete incluiu perguntas acerca de sua estabilidade/novidade. Mais da metade das empresas consideram que sua tecnologia pode ser qualificada como “estável e difundida”. Apesar do predomínio de tecnologias “estáveis e difundidas” é interessante destacar que três de cada quatro empresários responderam afirmativamente à per-gunta: se haviam introduzido os produtos novos ou serviços. Um terço des-sas empresas introduziu tanto produtos quanto serviços, 45% unicamente produtos e cerca de 23% unicamente serviços. Isso confirma que muitas das empresas combinam produtos com prestação de serviços de software.

Em relação à valoração sobre os diferentes tipos de inovações nas em-presas de software, em conjunto, estes concedem uma importância maior às inovações em “produto/serviço” do que as “organizações”; essas, por sua vez, avaliadas com uma pontuação mais alta do que as inovações em “processos”.

Quanto as inovações “organizacionais”, as mais importantes foram as modificações nas práticas de “mercadotecnia” e “comercialização”, sobre as “práticas de gestão” ou das modificações na “estrutura organizacional”.

A respeito da origem das inovações, os empresários consideram que “as solicitações dos clientes” é o fator principal para o início de novos proje-tos, seguido da “iniciativa própria”. As “relações com outras empresas” são avaliadas como pouco importantes, o que é novamente um indicador da relativa baixa influência que a interação entre as empresas tem como fonte de inovação.

Também lhes foi perguntado acerca do lugar de seus produtos/serviços diante daqueles com os quais competia no mercado. Em conjunto, a meta-de das empresas, aproximadamente, considera que são pioneiras no que se refere a seus três produtos principais: 55% se consideram pioneiras em seu primeiro ou terceiro produto ou serviço, em torno de 45% no segundo produto. Cerca de um terço das empresas se considera seguidoras de pro-dutores nacionais nos dois primeiros produtos (29% e 36%) e uma propor-ção inferior, cerca de 16%, se considera seguidoras de empresas nacionais em seu terceiro produto ou serviço. Finalmente, 15% no primeiro produto, 20% no que se refere ao segundo e 27% no terceiro se consideram seguido-ras de empresas internacionais.

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Destes produtos, os mais bem-sucedidos são até o momento os que vão dirigidos para a indústria maquiladora. O grupo Tress vende a mais de 10 anos um software de gestão de recursos humanos que foi evoluindo con-forme as necessidades dos clientes. Outra empresa de Tijuana, Vanguardia Technologies, vende um software que permite às maquiladoras administrar seus processos de import/export. Uma terceira empresa, localizada em Me-xicali, tem, entre outros produtos, um software para administrar parques industriais.

Além do âmbito maquilador, podemos destacar uma empresa que ex-porta para a América Central serviços de segurança para governos locais ou municipais sobre a base da experiência adquirida, fornecendo esses siste-mas ao governo da Baixa Califórnia.

Por último, resulta muito interessante a associação de três empresas que trabalham para o setor médico. Uma delas desenvolve um software que plas-ma o expediente médico dos pacientes; a segunda, um laboratório médico assessora no que se refere às necessidades do setor e a conjunção do software com o aparelho de radiologia. Finalmente, uma terceira empresa de teleco-municações contribui com a tecnologia necessária para pôr em conexão os distintos subsistemas implicados no serviço. Esta integradora tem relação com o Cicese de Ensenada, para que esta instituição tome parte ativa realizando pesquisa aplicada que permita melhorar a inovação realizada até o momento. Nessa integradora, percebe-se, portanto, uma inovação de produto, porém uma das chaves da inovação reside no avanço para uma organização distinta, com empresas de diferentes giros que complementam suas capacidades.

ConclusõesA indústria da Baixa Califórnia mostra traços que permitem extrair algu-mas conclusões a respeito da inovação. Em um contexto de crescimento moderado da demanda (2006), as empresas operam em um mercado fun-damentalmente local ou regional, embora um terço das empresas consigam exportar. Apesar de o software no México estar composto majoritariamente por empresas que prestam serviços, na Baixa Califórnia há um setor não desprezível de empresas de produtos.

As inovações que os empresários percebem são sem dúvida de tipo incre-mental. Centram-se fundamentalmente em inovações de produto ou servi-ço, porém os empresários não valorizam muito as inovações organizativas e menos ainda as de processo, o que se relaciona diretamente com a escassez de empresas certificadas. Esta valoração relativamente pouco importante contrasta com o assinalado no nível internacional especialmente para pa-

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íses como a Índia (ARORA et al., 2005). Contrasta também com a ideia expressa em entrevistas, pelas microempresas, no sentido de que necesitam uma consolidação organizativa que lhes permita ser eficientes e melhorar a comercialização de seus produtos ou serviços.

O alcance das inovações das empresas da região se relaciona, em boa medida, com que seus produtos sejam “idiossincráticos”. A empresa local mais inovadora tem como cliente a indústria maquiladora local, e a ino-vação provém do acesso a um mercado que em seu momento foi virgem e que é difícil de alcançar por empresas estrangeiras, porque requer um conhecimento e atualização constante da legislação laboral e da legis-lação de comércio exterior mexicanas, que é o país em que aquelas se encontram operando. Isso explica a alta proporção de empresas que se consideram pioneiras na introdução de determinados produtos ou servi-ços, apesar de muitas delas empregarem, segundo a enquete, tecnologias estáveis e difundidas.

As fontes internas de inovação mais importantes são os departamentos ou pessoas encarregadas da comercialização, e como fontes externas, os clientes. Entre as fontes externas não se percebe uma influência das gran-des empresas assentadas na região. Por um lado, Zentrum é uma empresa corporativa de Telnor (Telmex) que até o momento não se apoia nas PMEs regionais e, em consequência, não as subcontrata. Tampouco na atividade de Softtek, a maior empresa mexicana de serviços de software, se adverte a relação com as PMEs. Isto priva a região de uma fonte de aprendizagem potencial e de inovação em aspectos organizativos.

Quanto ao tema da inovação, as instituições educativas ou científicas da região também não são relevantes para o conjunto das empresas. Isso não se contradiz com a participação de algumas destas instituições como o Cicese em projetos relacionados com software médico.

Os resultados expostos mostram que a indústria do software na Baixa Califórnia se concentra em linhas gerais em inovações incrementais que lhe permite se desenvolver em um mercado local e regional, embora seja interessante observar a evolução das empresas que atualmente exportam. A característica mais relevante para nosso estudo, é que as inovações obtidas se produzen pela atividade individual das empresas. A agrupação em um cluster não se traduziu, por enquanto, em inovações de tipo coletivo, seja por alianças entre empresas seja por trabalhos conjuntos com instituições. Nesse sentido, a indústria se assemelha a outros países nos quais não se detectaram economias de aglomeração significativas, porém os usuários constituem uma fonte de demanda que induz ao crescimento da indústria e à conquista de inovações incrementais (Arora et al., 2005:202).

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Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões: Baixa Califórnia, México67, 68

Sárah Eva Martínez Pellégrini

1. IntroduçãoO objetivo deste trabalho é apresentar e analisar algumas características das políticas de desenvolvimento econômico do estado fronteiriço da Baixa Califórnia, México, baseadas na integração de clusters. Estes efeitos refe-rem-se especificamente ao grau de consolidação de um sistema produtivo regional com certo nível de organização interna particular e um modelo de desenvolvimento regional concreto, fundamentados no empresariado lo-cal e capaz de recuperá-lo e melhorá-lo. Dando-se estas características, se poderia propor que a clusterização do estado contribua para a articulação territorial na região.

A Baixa Califórnia é um “estado ganhador” da integração comercial do México com os Estados Unidos,69 situação que deriva em grande parte de uma prévia relação de fato com este país através das maquiladoras (monta-doras) localizadas no estado. Estas empresas explicam grande parte do em-prego industrial e as exportações da região. O impulso produtivo descrito gerou uma dinâmica de crescimento econômico induzido e alimentado por fatores exógenos, sem que se tenham detonado dinâmicas locais espontâ-neas que permitam falar de um processo de articulação endógena ou local. A recente política de fomento do desenvolvimento de clusters do governo do estado poderia modificar esta situação nos próximos anos, mediante o estabelecimento de estratégias territoriais dos mesmos clusters.

67. Este texto retoma parte dos resultados do trabalho de pesquisa doutoral da autora intitula-do “Sistemas productivos locales e integración económica: el caso de Baja California México”. Agradeço os enriquecedores comentários de Antonio Vázquez Barquero, orientador da tese, e dos Doutores Enrique Cabrero e Noé Arón Fuentes.68. Tradução de Maria do Carmo Cardoso da Costa e Maria del Carmen Thomas.69. O estado ocupa a metade norte da Península de Califórnia, no extremo Noroeste do país. Sua localização contígua aos Estados Unidos e em particular a uma das economias mais di-nâmicas do mundo, a californiana, tem sido sua principal vantagem em relação ao resto do país.

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No texto, se discute se os setores em que está especializada a região, aqueles que explicam seu “dinamismo econômico”, apresentam uma estru-tura integrada setorial e territorialmente que se possa considerar como um sistema produtivo local articulado e com certo grau de endogeneidade. Isto é, se a partir de sua situação privilegiada geograficamente e o fomento dos clusters no estado, Baixa Califórnia apresenta um caminho de mobilização de seus recursos com tendência à consolidação de um sistema produtivo regional com maior equilíbrio de componentes exógenos e endógenos.

A evidência sugere que o sistema produtivo da Baixa Califórnia carece de uma organização com capacidade de resposta às mudanças do mercado e às circunstâncias econômicas, com capitalização da capacidade de empre-endimento local e orientada a geração de vantagens competitivas especí-ficas que permitam determinar seu próprio caminho de desenvolvimento. Nesse sentido, não se pode falar ainda da existência de um processo de reestruturação e reorganização a nível regional conforme as propostas das teorias do desenvolvimento endógeno ou da existência de uma estratégia territorial.

Discutir essa hipótese equivale a referendar que a taxa de crescimen-to é informação insuficiente para determinar que uma economia regional (ou nacional) tenha características estruturais “sadias” que garantam a sua competitividade e, portanto, a sua capacidade de crescer no tempo. A apro-ximação através da análise de fatores associados ao desenvolvimento, como são a organização da base econômica e sua articulação com outros atores regionais, são indicadores mais adequados para conhecer a situação de uma economia diante do entorno e do futuro. Esta conclusão também relativiza a utilidade dos estudos de convergência como instrumentos únicos de ava-liação da situação e lucros em matéria de desenvolvimento econômico.

O texto começa com uma apresentação do marco teórico e os conceitos utilizados para a análise do caso. Prossegue com a apresentação do caso da Baixa Califórnia e a aproximação a dois clusters de serviços de alto valor agregado como aproximação ao processo de articulação territorial. Por últi-mo, se apresentam algumas reflexões finais.

2. As teorias e conceitos marco da discussãoO eixo da análise que se propõe é a organização espacial do sistema econô-mico e a partir daí, a integração do sistema produtivo local e seu impacto na consolidação de processos de desenvolvimento territorial. Partimos de que a economia regional pode conceber-se como um sistema de desenvol-vimento cuja estrutura produtiva fica definida pela diversidade dos seus

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componentes e seu grau de integração (PERRIN, 1974); a estrutura produ-tiva regional é um conjunto específico de atividades produtivas localizadas em um espaço regional, cuja dinâmica impõe suas próprias limitações à organização espaço-econômica do sistema geral e que tem certos impactos diretos na organização social.

Não se pode avançar na definição das dinâmicas e características do território unicamente a partir dos elementos endógenos mencionados na colocação anterior, mas é também necessário recuperar de forma explícita as principais linhas de interação desse sistema regional com “o exterior”, posto que, em alguns casos, estas podem ter também maior incidência na organização interna que os fatores endógenos. Nesse sentido, é importan-te recuperar as contribuições sobre os impactos territoriais da integração econômica por meio de seus efeitos dinâmicos, sobretudo para a análise das regiões fronteiriças. De fato, as evidências de interação e influência mútua entre regiões nacionais e supranacionais conduzem diretamente à discussão do paradoxo territorial mencionado por Precedo (2004), na que se recuperam espaços de ação locais e regionais, precisamente, como for-mas mais efetivas de resposta aos efeitos do funcionamento do “grande sistema” mundial.

A forma de incidência dos fatores exógenos depende das características próprias da região e, em particular, de seu potencial endógeno. Esse poten-cial inclui como fatores de fortaleza ou debilidade local uma multidão de elementos que abrangem desde os tangíveis até os intangíveis dos recursos e a organização do sistema local. Colletis e Pecqueur (1993) os agrupam em cinco pontos que poderíamos considerar endógenos (1 – o suporte territo-rial como provedor de recursos; 2 – o modelo de especialização produtivo local; 3 – a localização e articulação das indústrias; 4 – as características laborais e empreendedoras da população; 5 – a existência de centros e or-ganizações capazes de assumir a liderança) e um, de interação com outros sistemas (6 – a integração a outros mercados).70 Estes seis pontos resumem, em geral, as linhas fundamentais de aproximação ao diagnóstico das carac-terísticas próprias de um sistema regional e entre os de caráter endógeno, o modelo de especialização produtiva local, a localização e articulação das indústrias e as características laborais e empreendedoras da população são os traços que definem a iniciativa empresarial regional, elemento central de discussão.

70. Estes elementos são a base do questionário que foi aplicado nas empresas da Baixa Califór-nia para efetuar o estudo de caso.

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Deve considerar-se que assim como estas características podem conter um potencial, também podem ser limitadoras para o desenvolvimento de um território e, nesse sentido, haverá que complementar o anterior conside-rando a viabilidade de mudança ou reestruturação produtiva71 factível para cada caso concreto. Esta vai depender de: 1) a estrutura econômica e orga-nização da produção existentes; 2) a evolução do sistema tecnológico; 3) o mercado laboral e as relações industriais; 4) os atores e estruturas sociais; 5) as características do mercado e as formas de competência; 6) a fluidez de circulação da informação; e 7) as instituições reguladoras existentes.

Se o desenvolvimento territorial é “o processo de transformação produ-tiva e organizativa em cujo marco o conjunto de atores sociais presentes em um determinado território mancomunadamente aproveitam potencia-lidades endógenas” (GÖSKE, 2001) e o território terá sua origem a partir dos fluxos de intercâmbio horizontais, de mercado e de outro tipo entre os sujeitos de um espaço, e virá determinado precisamente pelo potencial endógeno definido anteriormente.

A definição prévia de território tem como antecedente os distritos indus-triais cuja técnica produtiva depende de variáveis do entorno e não exclu-sivamente do preço dos fatores produtivos. Garofoli (1992) destaca como elementos básicos desses sistemas a existência de uma cultura do trabalho entre os diversos estabelecimentos integrantes do sistema, uma forte es-pecialização produtiva, a intervenção no sistema de uma pluralidade de agentes locais, o estabelecimento de um sistema eficiente de transmissão da informação na medida local, o alto grau de qualificação da mão de obra, e a proliferação de relações pessoais entre os agentes econômicos.

Sistema produtivo local (o herdeiro direto do distrito industrial), cluster e desenvolvimento territorial são os enfoques complementários utilizados para compreender a articulação produtiva, no âmbito da economia indus-trial, mas com diferentes consequências quando se utilizam como estraté-gias de desenvolvimento regional. Essa articulação produtiva é a que consi-deramos o articulador territorial diferentemente da proposta de geógrafos e urbanistas que o fazem a partir dos sistemas de cidades ou assentamentos humanos e os eixos e sistemas de comunicação. A articulação de redes de empresas seria a forma embrionária de articulação, um segundo nível seria o fomento da competitividade de clusters e um terceiro, a competitividade do sistema produtivo local-territorial no que ficam subsumidos os dois ní-veis anteriores. Estes três passos marcam um nível crescente de articulação territorial porque no primeiro caso se geram sinergias com benefícios estri-

71. O termo reestruturação produtiva está referido à reestruturação industrial que D. Massey (1983:74) define como “um dos mecanismos através dos quais se reforma a estrutura social e se mudam as relações sociais, e se rompem ou se reconstroem as bases da ação política”.

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tamente para os membros da rede, no caso dos clusters existem externalida-des consideráveis que se difundem para toda a cadeia produtiva ou cluster sem barreiras de apropriação, no caso dos sistemas produtivos locais, se trabalha sobre fatores competitivos genéricos que tem “um conteúdo de bem público maior” (DINI, FERRARO e GASALY, 2007) e impactam a todas as atividades econômicas do território ou localidade.

Precisamente uma das principais contribuições dos enfoques de desen-volvimento local é buscar propostas integrais e territoriais de desenvolvi-mento cujos objetivos virão definidos pelas especificidades de cada região. A outra grande contribuição é considerar como fator estratégico do processo a participação dos atores locais desde a concepção do projeto de desenvol-vimento até sua gestão, o que é em si mesmo uma garantia de contribuição à articulação e construção territorial.

Além do marco teórico do ponto de partida, a avaliação das iniciativas concretas de desenvolvimento territorial (regional) se deve fazer em função dos objetivos que explicitamente propõem e do contexto ao que são aplica-dos. No caso da América Latina, por exemplo, entre os principais objetivos das iniciativas de desenvolvimento econômico local aparecem às seguintes (ALBUQUERQUE, 2001; AGHON et al., 292-293):

Diversificação produtiva baseada nos recursos endógenos (locais).

Articulação público-privada para promover a inovação produtiva e em- presarial.

Cooperação entre municípios para obter melhores resultados em desen- volvimento.

Estímulo de sementeiros de empregos locais e novas fontes de ingresso.

Apoio financeiro às micro e PMEs.

Promoção da competitividade sistêmica territorial.

Iniciativas relacionadas com a sustentabilidade.

Apesar de sua generalidade podemos identificar claramente que esses objetivos abrangem os diferentes aspectos considerados centrais para endo-geneizar e territorializar o desenvolvimento. Merecem particular atenção os pontos de diversificação de produtiva, promoção da competitividade sis-têmica territorial e iniciativas para a sustentabilidade, como contrapeso à parte dos riscos atribuídos às iniciativas orientadas à integração produtiva e ao fomento de agrupamentos industriais.72

72. Pacheco-Vega (2007) enfatiza como tais o canibalismo empresarial, a excessiva especiali-zação e a saturação de mercados que podem derivar-se da existência de sistemas produtivos dependentes de um cluster monoespecializado.

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3. A região da Baixa Califórnia e sua estratégia de desenvolvimento

3.1. Políticas nacionais de desenvolvimento econômico e seu impacto regional no MéxicoNem a política de substituição de importações, nem a de abertura ao ex-terior aplicadas no México desde os anos 1950 até essa data tem contri-buído para um equilíbrio territorial. Estes resultados foram previsíveis a partir das premissas e orientação de ambas para a consecução de maiores níveis de crescimento dos que supostamente derivariam de forma natural a redistribuição e o desenvolvimento, sem nenhum outro tipo de medida equilibradora. Mas, principalmente, dado que de forma natural, as políti-cas desenhadas de forma muito vertical reforçaram os padrões existentes provocando uma situação como a descrita pela teoria da causação acumu-lativa. No país, o desenvolvimento e o crescimento se concentraram nas grandes cidades e suas áreas de influência direta, posteriormente, e como resultado da aparição das deseconomias de aglomeração e do avanço nas comunicações e transportes se incorporaram algumas áreas vizinhas às an-teriores à dinâmica de crescimento.

As características do México, por sua extensão e heterogeneidade de partida dificultam em grande medida pelo menos a homogeneização de condições mínimas. Alguns dos fatores que explicam são as característi-cas demográficas, climatológicas, culturais e de desenvolvimento prévias. As diferenças entre as regiões do México superam em alguns aspectos às divergências entre os países da União Europeia (ao menos até a última ampliação).

A conclusão que se tira das características da única política que se po-deria considerar territorial, a urbana, é que não tinha matizes de política de desenvolvimento e sim de fornecimento de serviços à população e nesse contexto em algum momento chegou a propor uma revisão das dimensões urbanas e dos problemas de grande crescimento de poucos núcleos de po-pulação, sem propor uma estratégia real de desenvolvimento ou reforma do padrão de assentamento de população e a dinâmica produtiva impe-rantes. Derivado do anterior, não se pode falar até datas muito recentes (por volta de 2000) de uma visão de desenvolvimento regional, e sim de crescimento econômico nacional, por um lado, e de solução de problemas urbanos, por outro. Essa situação reflete claramente no mapa de atores relevantes no desenvolvimento no México o que têm sido tradicionalmente o governo central e os municípios grandes; os governadores ou governos estatais aparecem em cena quando surgem as petições de redistribuição das

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participações federais na segunda metade dos anos oitenta. Esta situação é particularmente preocupante em um contexto em que ainda não se deu a transição das estruturas centrais para um papel de árbitro e nivelador das diferenças de desenvolvimento entre regiões, no lugar de interventor direto nas iniciativas de desenvolvimento.

O país apresenta uma situação geral de estagnação da convergência, que a partir do nosso ponto de vista e segundo os dados,73 é mais de polarização da situação de desequilíbrio entre as “locomotivas” e os “últimos vagões” no que se refere ao desenvolvimento. O que agrava essa situação no caso de países de desenvolvimento tardio como o México? Que neles os indicadores de condi-ções de vida por grupos estão deslocados em direção aos extremos inferiores e, portanto, nesses casos, os perdedores ou casos críticos se situam abaixo das linhas aceitáveis de nível de vida, com ameaças de não sobreviver.

Retomando as disparidades regionais por entidades federativas, os Gráficos 1 e 2 apresentam os resultados de uma análise de β condicionada para os es-tados mexicanos para o período 1980-1998 (MARTÍNEZ PELLÉGRINI, 2006), que se subdivide em duas etapas correspondentes às políticas de fechamento do país e de abertura internacional respectivamente. Para o primeiro período, que abrange a maior parte do modelo de industrialização por substituição de importações e uma pequena parte do período de crise econômica, existe uma clara convergência β absoluta já que os estados com menor ingresso per capita em 1975 (Tlaxcala, Oaxaca, Zacatecas, San Luis Potosí, Nayarit, e Durango) foram os que apresentaram maiores taxas de crescimento (Gráfico 1).

O Gráfico 2 evidencia, com dados do PIB para os estados mexicanos no período 1985-1998, uma clara divergência β absoluta. As entidades federa-tivas com menor renda per capita em 1985 (Tlaxcala, Oaxaca, Zacatecas, Nayarit, e Durango) crescem mais devagar que a média nacional, enquanto as regiões com maior renda per capita em 1980 (Baja California, Tamaulipas, Nuevo León, e DF) apresentam taxas superiores.

Os dados anteriores permitem constatar a existência de duas etapas cla-ramente diferenciadas a respeito da convergência nos níveis de renda per capita no período 1980-1998; uma primeira, 1980-1985, com aproximação da maioria dos estados mais atrasados à média nacional e posteriormente outra, 1985-1998, de progressiva divergência depois da abertura comercial iniciada em 1985. Com esses resultados, pode-se concluir que a política de In-dustrialização Orientada para o Exterior, antecedente do TLCAN, teve efeitos negativos em relação à convergência regional entre os estados mexicanos.

73. Sárah Martínez Pellégrini (2006), Sistemas productivos locales e integración económica: el caso de Baja California, México, tese doutoral. Capítulo 4, Universidad Autónoma de Madrid, España.

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Gráfi co 1

Fonte: Martínez Pellégrini, Sárah Eva, 2006.

Gráfi co 2

Fonte: Martínez Pellégrini, Sárah Eva, 2006.

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Outro grande problema é que as disparidades entre regiões e entre gru-pos sociais para países em desenvolvimento, caracterizados por seus me-nores níveis de estruturação social, são muito maior que nos países mais desenvolvidos.74

3.2. Os clusters como base do SPL na Baixa CalifórniaFocando agora a dinâmica econômica do Estado da Baixa Califórnia, a con-clusão geral a que se chega é que esta região “ganhadora” depois do pro-cesso de abertura é uma zona de crescimento industrial com subvenções exteriores75 como demonstram seu potencial de desenvolvimento, o tipo de reestruturação requerida pelos problemas locais, o modelo de desenvol-vimento em que se baseia a economia local e a experiência adquirida no manejo dos instrumentos de desenvolvimento.

Quadro 1 – Participação no Produto Interno Bruto nacional por municípios

AnosMunicípios

Tijuana Mexicali Ensenada Tecate Baixa Califórnia % % % % %

1994 19.568.862 1,50 12.563.666 0,96 1.720.893 0,13 1.218.294 0,09 38.071.715 2,911995 27.478.856 1,64 17.642.067 1,05 6.629.140 0,39 1.710.746 0,10 53.460.809 3,181996 38.097.563 1,66 23.221.372 1,01 8.708.014 0,38 2.539.837 0,11 72.566.786 3,161997 50.153.250 1,58 30.569.600 0,96 11.463.600 0,36 3.343.550 0,11 97.637.698 3,391998 61.620.825 1,60 37.559.360 0,98 14.084.760 0,37 4.108.055 0,11 119.420.226 3,391999 75.557.175 1,64 46.050.240 1,00 17.268.840 0,38 5.036.745 0,11 148.810.050 3,532000 ND ND ND ND 180.879.629 3,632001 ND ND ND ND 183.592.039 3,482002 ND ND ND ND 189.341.710 3,302003 ND ND ND ND 210.633.123 3,372004 ND ND ND ND 244.088.677 3,502005 ND ND ND ND 264.439.299 3,542006 ND ND ND ND 294.838.022 3,60

Fonte: INEGI.

Embora a participação estatal no PIB nacional tivesse pequenos aumen-tos na última década (Quadro 1), se retomamos os índices de volume físico da produção manufatureira o estado tem tido um crescimento da atividade muito superior à média nacional. Este dado é um indicador de que a Baixa Califórnia apresenta um retrocesso no valor de sua produção e, portanto,

74. Não se insiste mais neste ponto porque é tema recorrente nas discussões sobre desen-volvimento. É suficiente revisar os índices de desenvolvimento humano e os índices de Gini que costumam acompanhá-los para confirmar este ponto. O ponto está proposto de maneira extensa em Martínez Pellégrini, 2006, Capítulo 4.75. Estamos aplicando a classificação regional proposta em Vázquez, 1992.

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está nos enlaces mais baixos da cadeia de produção. Este resultado contra-diz a visão de que a maquiladora esteja contribuindo para a reestruturação do sistema industrial local, para uma maior competitividade tecnológica e melhora do capital humano regional.

O potencial de desenvolvimento econômico da região está, portanto, for-temente ancorado no recente desenvolvimento industrial fomentado a partir da instalação de maquiladoras no estado durante os anos 1960 como resul-tado do regime de zona livre. Neste sentido, a vocação estatal é claramente industrial em termos dos ativos ou fatores produtivos que estão explorando de fato. Os setores manufatureiros com maior peso desde o começo dos anos 1990 são “produtos metálicos, maquinaria e equipe” com participa-ções crescentes entre 40% e 51% da produção manufatureira, “alimentos, bebidas e tabaco” que foi desde 21% a 14,5% da participação, “mineração de não metálicos excetuando derivados do petróleo” e “madeira e seus pro-dutos” que passaram a representar por volta de 7% da produção estatal a 5% e, por último, “químicos, derivados do petróleo, borracha e plásticos” que passaram de 4,8% a 5,57% e “têxteis, vestido e couro” que partiram de 3,33% e chegaram a 4,63%. A evolução setorial do estado, no período 1993-1999, permite estabelecer uma clara diferenciação entre as atividades predominantemente organizadas como maquiladoras e conexas que cresce-ram no período, e aquelas dirigidas ao abastecimento local ou nacional que decresceram.

Os serviços complementam a atividade manufatureira como recurso ou fator por explorar e, embora ainda se centrem no comércio, foram evolucio-nando para serviços turísticos associados a alguns serviços profissionais de alto valor agregado como os serviços médicos.

Em geral os últimos anos deram indícios de certa reestruturação da base produtiva regional com a consolidação dos setores em que há maquilado-ras, a contração dos setores tradicionais locais e o surgimento, embora em pequena escala, de novos setores competitivos e dirigidos a mercados muito concretos. A maquiladora apresentou durante todo o período 1986-2000 ta-xas de crescimento do emprego e do número de plantas superiores à média nacional e manteve sua geração de divisas a taxas de crescimento superio-res a 6% anual. Portanto, manteve bons resultados nas duas contribuições básicas à economia: emprego e divisas, no entanto encontramos evidências de que essas maquiladoras têm outro tipo de derramas estruturais ou orga-nizativas no sistema local.

Esse processo poderia significar uma polarização do sistema econômico regional entre setores de vantagem comparativa associados à maquiladora que absorvem a maior parte dos empregos e mantém baixos níveis de valor

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agregado, e setores minoritários em emprego de alto valor agregado que permitem o desenvolvimento de áreas competitivas no estado.

A diferenciação de tipos de produção se repete na distribuição espacial de atividade já que o Estado da Baixa Califórnia apresenta claras concentra-ções em dois municípios mais povoados e dinâmicos: Tijuana que contribui com aproximadamente 50% do PIB estatal (centro econômico do estado) e Mexicali (capital do estado) que contribui com 30%. Os outros três muni-cípios (Ensenada, Rosarito e Tecate) são de menores dimensões populacio-nais e menor taxa de crescimento (Quadro 2).

Os problemas econômicos fundamentais da região, derivados do mo-delo de desenvolvimento em que se baseia a economia local, requerem a consolidação do sistema regional para obter certo nível de controle endó-geno de seu desenvolvimento e uma maior competitividade territorial. Faz poucos anos, a única política de desenvolvimento regional existente era a promoção de investimento estrangeiro sem discriminação de setores ou ati-vidades, isto é, sem uma visão de construção de um sistema produtivo com certa orientação para desenvolvimento a longo prazo. O modelo de desen-volvimento estava totalmente dirigido para a atração de grandes empresas estrangeiras pela disponibilidade de mão de obra barata e a proximidade ao mercado estadunidense, além de alguma outra concessão (fundamental-mente fiscal) negociada para cada caso concreto. Tudo isto explica o cres-cimento sustentável dos setores com a presença maquiladora e a contração ou estagnação dos demais setores produtivos. A origem do capital investido na zona é na maioria estadunidense, seguido do japonês e do coreano.

Quadro 2 – Indústria maquiladora de exportação por município, BC

AnosNúmero de

estabelecimentos % Pessoal ocupado % Valor agregado %

Mexicali Tecate Tijuana Mexicali Tecate Tijuana Mexicali Tecate Tijuana1995 16,60 11,11 65,43 19,04 6,29 70,55 19,04 5,59 72,331996 16,12 10,71 66,62 20,60 5,24 70,09 20,70 4,63 71,821997 16,37 10,62 66,26 21,43 4,50 69,31 22,72 3,94 69,811998 16,80 11,00 65,52 22,03 4,70 68,29 22,20 3,64 70,501999 16,28 11,12 65,21 21,97 4,90 67,67 22,15 3,76 69,972000 15,93 11,33 64,70 22,62 4,37 67,59 23,40 3,30 69,572001 15,38 11,36 64,94 21,94 4,21 68,11 24,96 3,50 67,552002 14,85 12,09 63,94 22,89 4,11 66,71 26,29 3,49 65,892003 14,75 12,27 63,96 23,68 4,15 65,84 30,66 3,52 61,572004 14,51 12,36 64,74 22,88 4,17 67,22 29,45 3,59 63,082005 14,95 12,74 63,57 22,59 4,18 67,52 28,63 3,82 63,462006 14,79 12,80 63,69 21,79 4,32 68,51 26,36 4,11 65,81

Fonte: Estatísticas econômicas INEGI, Indústria Maquiladora de Exportação, vários anos.

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Tijuana concentra a maior parte das maquiladoras, aproximadamente 60% do total estatal, e está aumentando a proporção de maquiladoras, embora os demais municípios mantenham em geral suas taxas de participação em Ense-nada, município em que havia outro tipo de indústria em crise. Isto é, o modelo de utilizar a maquiladora como geradora de emprego e indústria continua sen-do predominante, o que é, em muitos casos, uma medida a curto prazo para atenuar situações de estagnação econômica como a de Ensenada.

O manejo local-regional dos instrumentos de desenvolvimento tem sido bastante reduzido, salvo no caso das ações orientadas à captação de inves-timento estrangeiro mencionadas.

Desde então, se detecta a escassa articulação do sistema local já que a política de desenvolvimento territorial pode considerar-se muito limita-da. A atração de investimento estava mediada pelas iniciativas nacionais de apoio à indústria maquiladora em geral e alguns setores considerados importantes, também em nível nacional, sem que se incorporassem as vo-cações ou potenciais regionais especificamente. Este primeiro aspecto de desarticulação implica nos níveis: 1) da desconexão das autoridades locais quanto ao projeto econômico e de desenvolvimento da região; e 2) da de-sarticulação da base produtiva que é criada na região incapaz de integrar aos atores entre eles, particularmente os exógenos e endógenos.

Outro dos determinantes da organização produtiva regional são os tra-ços próprios de seu sistema produtivo. Partindo de uma aproximação às economias internas e externas, a partir do trabalho de campo realizado,76 achamos que o sistema gera escassas economias externas e que na maioria dos casos as plantas estão isoladas, mas que no caso das grandes empre-sas estrangeiras, estas têm economias internas elevadas e tendem a uma forte integração vertical de funções. Podemos afirmar que existem duas dinâmicas dominantes, uma de PMEs locais desarticuladas e orientadas ao mercado regional com algumas exceções de empresas que exportam ou for-necem para as empresas maiores, e a outra que é a das grandes empresas estrangeiras que funcionam praticamente como enclaves (inserções) e cujos insumos locais são o emprego, e 3% dos outros recursos que são na maioria consumíveis para a operação da planta. Esses últimos não são precisamente os que poderiam detonar processos de complementaridade ou de integra-ção de cadeias produtivas.

76. Os dados apresentados são resultado da aplicação de entrevistas e pesquisas a 150 empre-sas da Baixa Califórnia selecionadas como amostra estratificada para identificar sua organiza-ção e inter-relações. A metodologia pode ser consultada em Martínez Pellegrini, 2006.

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Esquema 1 – Organização e territorialização das empresas

Não integração territorial das empresas

Redes de empresas

Integração territorial das empresas

Sistemas locais integrados nas fi leiras de produção de

outras cadeias

Sistemas locais integradosnas cadeias de valor locais

Enclaves Empresas externas integra-das na cadeia local de valor

Modelo hierárquico de organizaçãoFonte: Vázquez, 2002.

Retomando a proposta de análise de SPL (VÁZQUEZ, 2002) a partir de dois eixos que são o nível de integração territorial das empresas e a organi-zação reticular ou em redes (Esquema 1), as empresas do estado tendem a situar-se no modelo de enclaves ou de empresas externas integradas debil-mente na cadeia de valor local. Neste sentido, o esforço de “clusterização” se apresenta como uma alternativa para, por um lado, integrar os produto-res externos ao sistema local e, portanto, enraizá-los ou territorializá-los, e, por outro, para gerar um modelo mais próximo à organização reticular dos atores produtivos, seja estes locais ou de fora, em lugar do atual esquema hierárquico. Estaríamos diante de uma situação de apoio a clusters naturais em formação e de geração de outros induzidos ou forçados, segundo a termi-nologia de Pacheco-Vega (2007).

Em relação ao emprego, em geral, existem níveis de rotação laboral signi-ficativos de entre 20% e 30% dos empregados anualmente. Ainda que todos os setores apresentem situações similares aos plásticos e autopeças são aque-les para os quais essa situação resulta problemática, o que é explicável pelo fato de que nestes setores os trabalhadores são formados na própria empresa em atividades especializadas.77

Os principais problemas detectados no mercado laboral continuam rela-cionados a aspectos como a rotação, o absentismo laboral e a falta de tra-balhadores qualificados. Ainda não foi consolidada a qualidade do recurso humano como uma das externalidades próprias dos clusters e sistemas pro-dutivos locais. O único caso em que parece existir essa reserva de trabalho é para o setor elétrico-eletrônico. Esses resultados podem relacionar-se com a dinâmica populacional do estado, em geral, e de Tijuana em particular; o crescimento demográfico resulta da chegada de migrantes em busca de em-prego na fronteira ou nos Estados Unidos.

Retomando as relações entre empresas e o grau de aglomeração espacial, a indústria da Baixa Califórnia é dispersa e mais hierárquica que cooperativa.

77. Os aspectos analisados da organização dos agrupamentos foram documentados a partir de fontes secundárias e da aplicação de questionários e entrevistas em 150 empresas da Baixa Califórnia dos setores autopeças, têxtil, de plásticos e eletroeletrônico.

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As redes são débeis e incipientes e o que se pode encontrar é uma aglome-ração de empresas concentradas no território sem grande inter-relação entre elas. Existem poucas relações de interdependência e, portanto, não podemos falar de que existam redes de atores múltiplos que interatuem e reajam às ações dos demais membros da rede. Os grupos mais articulados são explica-dos por relações hierárquicas entre empresas por controle de recursos.

Apesar de que os setores que foram selecionados sejam aqueles em que haja certo nível de especialização regional que tem coeficientes de localiza-ção superiores a 1 (Quadro 3) e com inter-relações com outras atividades (vinculados segundo a matriz input output) não se confirma a existência de inter-relações produtivas de subcontratação ou cooperação, nem a existên-cia de cooperação informal significativa. Não há complementaridade entre as indústrias, embora o setor têxtil e o automotivo apresentem certos meca-nismos de colaboração interempresarial.

Quadro 3 – Setores de atividades com coefi cientes de localização maiores de 1 na Baixa Califórnia

Setores de atividade Coefi ciente de localização

Número de es-tabelecimentos

Volume de emprego

Total para a indústria manufatureira 4.813 248.45821 Cerveja 1,25 * 40713 Indústria de vestido e têxteis 1,09 119 3.41137 Resinas sintéticas e fi bras artifi ciais 0,87 18 56248 Móveis e acessórios metálicos 1,23 87 3.218

57 Carrocerias e indústria de auto-peças 1,79 91 12.569

45 Outros prod. de minerais não metálicos 1,57 366 5.829

46 Indústrias básicas do ferro e aço 1,01 67 1.50940 Outros produtos metálicos 1,27 145 13.38964 Transporte 1,74 9 4.20854 Equipes e acessórios eletrônicos 1,93 147 57.28943 Vidro e seus produtos 1,22 45 1.81842 Artigos de plástico 1,02 130 17.14250 Maquinaria e aparelhos eletrônicos 1,28 102 18.690

Fonte: Tomado de Martínez, 2006. Elaborado com informação de Censos Econômicos, 1998.*Informação não disponível por questões de segredo estatístico.

A maioria dos insumos de produção é importada, tanto matérias-primas quanto componentes e maquinaria. No caso dos serviços, a balança é um pouco mais favorável aos fornecedores regionais, mas unicamente em ser-viços de gestão empresarial e capacitação e não naqueles diretamente vin-

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culados à produção o que é uma debilidade para conseguir a integração das cadeias de produção locais.

A identificação dos setores de atividades evidencia uma economia pouco diversificada, como confirma o resto dos dados sobre o funcionamento da economia local. Além disso, caracteriza-se por uma forte vinculação aos mercados externos como o esperado e poderíamos falar de duas áreas da economia isoladas, a orientada ao mercado externo (maquiladora) e a que cobre o mercado interno, com diferenças importantes na sua organização e funcionamento. Esse é um dos efeitos polarizadores que teve o processo de abertura econômica na Baixa Califórnia, onde se reforçaram os padrões tradicionais em lugar de originar-se uma reestruturação com outros fatores de competitividade.

Retomando as alternativas utilizadas na literatura sobre cluster, a respeito das suas características trabalhamos com as acepções geográficas do cluster e uma visão horizontal do mesmo. Estas estruturas respondem a critérios de similitude e, do nosso ponto de vista, são agrupamentos em que as redes entre atores ainda não estão necessariamente muito desenvolvidas. Essa é de fato a grande tarefa pendente no caso da Baixa Califórnia, em que as relações de complementaridade entre atores são incipientes e o que existe são ações comuns em função de objetivos ou necessidades pontuais compartilhados.

A consolidação destes clusters incipientes, por meio da consolidação das redes de atores, apresenta potencial evolução para clusters laterais (setores entre os que existem possíveis sinergias) para alguns dos grupos e verticais (articulados em torno de cadeias de produção) para outros. Esta situação é consistente com a juventude do estado que explica que em muitos aspectos é ainda um sistema territorial jovem em que a infraestrutura física e a or-ganizacional são débeis.

Os fatores de competitividade que identificam os empresários (Quadro 4) são o custo e a disponibilidade de mão de obra e a qualidade dos pro-dutos fabricados, o que indica que não se incorporaram ainda as visões de vantagens competitivas baseadas em intangíveis,78 e sim fatores tradicio-nais de competitividade. Esta interpretação é reforçada pela resposta obtida sobre as fortalezas que os empresários identificam ter.

A identificação de debilidades abre mais o panorama para possíveis bus-cas de articulação já que entre elas se mencionam a falta de associações e colaboração entre empresários, as estratégias de mercado inadequadas, o

78. Estes intangíveis referem-se fundamentalmente ao capital humano e à capacidade de or-ganização do sistema nos seus diferentes níveis institucionais, incluindo os mecanismos de cooperação formal e informal entre atores. Em geral, poderíamos dizer que são todos os fa-tores, não circunscritos às mudanças tecnológicas, susceptíveis de incorporar inovações no funcionamento do sistema regional.

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crédito e a falta de informação sobre tecnologia, mercados e produtos, to-dos eles possíveis campos de colaboração.

Quadro 4 – Fatores de competitividade empresarial mencionados

Fator Autopeças Elétrico Plásticos TêxtilPreço 50% 51,6% 80% 50%Tempo de entrega 50% 48,4% 53,3% 33,3%Qualidade dos componentes - 58,1% 46,7% 58,3%Tecnologia - - 26,7% -

Fonte: Identifi cação e diagnóstico das possibilidades de SPL na Baixa Califórnia, fi nanciadora SIMAC, Martínez Pellegrini, 2006.

As respostas sobre os fatores de competitividade empresarial têm mais uma vez a mesma orientação, e a conclusão que obtemos é que não foi modificada a visão do empresariado local sobre a organização da produção baseada na disponibilidade do fator trabalho com os problemas que isto implica, porque incide inclusive em uma intensificação do padrão de imi-gração interna com os subsequentes problemas que isto gera.

Partindo dos modelos dominantes de cluster em outras experiências (Qua-dro 5), a orientação que parece factível para conseguir a consolidação dos agrupamentos na Baixa Califórnia é um híbrido do modelo de redes de PMEs que poderia tratar de integrar a algumas médias e grandes empresas para incentivar a inovação e do modelo de desenvolvimento regional que estimule uma especialização, a partir de redes de empresas ou agrupamentos existen-tes ou em formação. Essa hibridização permitiria coordenar as propostas de ação e fazê-las congruentes entre si enlaçando os objetivos de competitivida-de e de fomento das PMEs com a incidência sobre o desempenho econômico e o desenvolvimento da região, ambos modelos se referem aos níveis micro e médio, embora possa considerar-se que são priorizados de forma diferente.

Quadro 5 – Os modelos internacionais dominantes de cluster

Nível Proposta para a melhora

Atividade típica Países típicos

Modelo nacional de aproveita-mento

Mega/Médio

Vantagem, nacional em certos setores ou cadeias de valor.

Identifi cação de clusters e criação de condições de apoio.

Canadá, Holan-da Dinamarca, Finlândia, Suécia.

Modelos de redes PMEs Micro/Médio Competitividade-

PMEs.

Aumento nas inte-rações com os por-tadores externos de conhecimento para inovar e aprender dos outros.

Austrália, Nova Zelândia, No-ruega, Estados Unidos.

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Nível Proposta para a melhora

Atividade típica Países típicos

Modelo de desenvol-vimento regional

Médio/Micro

Atividade sobre o desempenho econômico e o desenvolvimento regional.

Estímulo de espe-cialização por meio de investimento e de redes.

Canadá, Escó-cia (RU), Es-tados Unidos, Gales (RU).

Modelos de enlace sobre pesquisa industrial

Micro/MédioColaboração e re-des entre a indús-tria e a pesquisa.

Criação de uma massa crítica em tec-nologias emergentes atraindo centros de pesquisa, investi-mentos e empresas.

Áustria, Ale-manha, Países Baixos.

Fonte: Boekholt y Thuriaux, 1999.

4. A política de fomento e desenvolvimento de clusters do Estado da Baixa CalifórniaO papel do governo local é central na consolidação da estratégia de asso-ciação ou construção das redes, em grande parte porque os atores perce-bem uma situação de insegurança jurídica que inibe os projetos de médio e longo prazos que é onde estaria o maior potencial de colaboração entre empresas e das empresas com outras instâncias de apoio. A partir de 2002, o governo de Estado, através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SEDECO), inicia os trabalhos para articular uma política de desenvolvi-mento estatal que envolva ativamente os empresários; até esse momento, a relação com as instâncias governamentais se havia circunscrito à distribui-ção de incentivos, principalmente financeiros, dos governos estaduais e fe-derais. Não existia uma relação horizontal ou articulação institucionalizada entre os atores do Estado para impulsionar o projeto de desenvolvimento regional.

A nova política de fomento de cluster pretendeu obter a articulação ho-rizontal incorporando os empresários ao design, à implementação e à ava-liação da política de desenvolvimento empresarial, apesar dos obstáculos existentes, e mudar o esquema vertical de relações do governo e de ato-res econômicos. A atividade das instâncias governamentais propôs como fortalecer e desenvolver de maneira organizada e cooperativa alguns dos setores mais importantes, estratégicos ou emblemáticos do estado.79 Um

79. As atividades importantes são aquelas que apresentavam emprego e PIB acima da média estatal, as estratégicas, aquelas cujo crescimento tinha sido superior à média estatal e as em-blemáticas, aquelas que se consideravam próprias do Estado, como, por exemplo, a vitivinicul-tura. O cluster vitivinícola foi considerado um dos emblemáticos da Baixa Califórnia, produz 80% do vinho do país e com padrão de qualidade que lhe permitiu obter numerosos prêmios internacionais e posicionar-se no mercado internacional apesar de sua reduzida produção. Ver Plan estratégico del cluster vitivinícola (2003) publicação da Secretaría [Ministério] de Desen-

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dos aspectos importantes da proposta desta estratégia foi incorporar ao pla-nejamento, além dos setores em que se especializa o Estado, outros setores produtivos com menor nível de especialização e menor impacto na econo-mia regional nesse momento, mas com maior identidade e enraizamento locais como opções para detonar o processo de articulação do SPL da Baixa Califórnia.

Retomamos duas definições de sistema produtivo local como base de análise para a Baixa Califórnia:

“uma série de atividades dirigidas à produção de um grupo li-mitado de bens semelhantes ou complementares, série que pode assumir diferentes configurações orgânicas e técnicas, vindo a restrição definida por una dotação de ativos produtivos não (fa-cilmente) transferíveis” (BELLANDI, 1996).

“conjunto de atores produtivos e instituições que pertencem a uma determinada localidade histórica e geograficamente deter-minada e que participam nos processos de desenvolvimento eco-nômico da mesma” (DINI, 2007).

Como primeiro passo foram identificadas as vocações produtivas80 do es-tado para, a partir delas, proceder à identificação e diagnóstico quantitativo de cluster existentes e potenciais e de suas fortalezas e debilidades. A parte quantitativa da identificação, por meio da matriz insumo-produto estatal, permitiu avaliar a magnitude das relações entre atividades e inclusive, em alguns casos, detectar vínculos que não se tinham contemplado, mas se limitam às relações de intercâmbios comerciais, setoriais e intersetoriais. A eficiência da política, uma vez feita a identificação dos clusters reais e potenciais, fundamentou-se na seleção de instrumentos ad-hoc à situação revelada por cada diagnóstico e à priorização das ações sobre os pontos es-tratégicos dos agrupamentos. A avaliação da eficácia seria feita partindo do grau de comunicação e cooperação desenvolvida, por esta razão os acordos de cooperação foram cruciais desde o início dessa política de desenvolvi-mento empresarial até a data. A avaliação de impacto requer algo mais de tempo para registrar mudanças na base produtiva da Baixa Califórnia.

Pode considerar-se que as três principais mudanças de enfoque dessa nova política foram: 1) que as unidades ou sujeitos de políticas passaram a ser redes de empresas (clusters) no lugar de empresas individuais; 2) que

volvimento Econômico do Estado da Baixa Califórnia, responsável pelo projeto Sárah Martínez Pellégrini.80. Realizado por Integra Internacional cujos resultados se encontram em “La política de de-sarrollo empresarial del estado: vocaciones productivas” para Sedeco.

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se propôs enfatizar a provisão de serviços reais às empresas no lugar de incentivos econômicos; e 3) que se partiu de um diagnóstico que conjugou os aspectos qualitativos da detecção de vocações e os quantitativos da quan-tificação de encadeamentos. Os apoios inicialmente foram condicionados a que o cluster estivesse identificado e contasse com um plano estratégico81 que contemplasse a linha de ação para a qual foi solicitado o apoio, e que da ação fossem beneficiadas ao menos 10 empresas. Essas características contribuíram para que a política de desenvolvimento empresarial, baseada no desenvolvimento e fomento de clusters da Baixa Califórnia, seja conside-rada uma das pioneiras em seu âmbito no país.

Inicialmente, foram identificados oito clusters de turismo, eletrônica, software, automotivo e plástico, vitivinicultura, móveis, horticultura e cer-veja, e, embora ainda seja cedo para avaliar em todas às suas dimensões a política de fomento e desenvolvimento de clusters, um primeiro dado é que desde 2003 a janeiro de 2008, o número de clusters registrados aumentou em 15: aeroespacial, agroindustrial, automotivo, biotecnologia, eletrônica (display devices), energia, logística, móvel e madeira, pesca e aquicultura, produtos médicos, plásticos, serviços médicos, tecnologias de informação, turismo e vitivinícola. Mantiveram-se ativos os agrupamentos iniciais e sur-giram outros cinco.

A comparação das listas de clusters da Baixa Califórnia em 2003 e 2008 reflete, em primeira instância, uma reorganização de parte dos grupos que existiam, de forma que os atores associados em cada cluster se modificaram segundo o funcionamento do sistema produtivo na realidade ou segundo os interesses por parte dos integrantes das atividades. Esse último caso acon-tece particularmente em casos em que coexistem atividades maduras com atividades mais inovadoras, o que permitiu identificar as vantagens da coo-peração com o objetivo de gerar sinergias e economias externas de diversos tipos. São os casos em que a complementaridade dos envolvidos no cluster é o elemento crítico da cooperação.

A segunda mudança que estas listas de clusters refletem é o tipo de agrupamentos que surge, poderia dizer-se que uma “segunda onda” está integrada por cluster de atividades mais intensivas em tecnologia e conhe-cimento (biotecnologia, aeroespacial) e cluster de serviços à atividade em geral (energia e logística). Uma primeira interpretação deste sentido pode-ria ser certa mudança estrutural na base econômica da região, na qual estão iniciando os setores de potencial especialização ou atividades incipientes e que está organizando-se de maneira mais integrada ao sistema produtivo

81. Os planos estratégicos dos agrupamentos podem ser consultados em: www.clusterbc.org, assim como qualquer outra informação sobre suas atividades e integração.

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local com o surgimento de demandas de serviços às empresas mais avança-dos (energética e logística). Para corroborar esta interpretação seria neces-sário contar com a informação precisa sobre os projetos de cada cluster e as relações entre agrupamentos, assim como acompanhar a evolução tanto dos agrupamentos, atores do sistema econômico regional, quanto das rela-ções entre eles em uma dinâmica de integração da economia regional como sistema produtivo local.82

Entre as linhas de ação ou iniciativas propostas formalmente pelos clus-ters da Baixa Califórnia nos seus planos estratégicos se destacam, em pri-meiro lugar, os projetos no âmbito da formação de recursos humanos. Essa é uma das linhas de ação presentes em praticamente todos os planos e abrange desde a capacitação dos operadores e técnicos das empresas, até a capacitação em temas de administração empresarial para os gestores e empresários. Essa demanda das empresas é congruente com duas caracte-rísticas da região; em primeiro lugar, a presença de um grande número de atividades que fundamentam sua competitividade nos custos e disponibili-dade da mão de obra; e, em segundo lugar, o escasso impacto da indústria que foi desenvolvida até o momento na orientação do mercado laboral para a competitividade por qualidade.

Outra linha de ação que retoma a maior parte dos planos estratégicos é o desenvolvimento de fornecedores ou articulação com clientes, o que indica que ao menos parte das empresas da região procura trabalhar no ca-minho da integração de redes, mais ou menos locais segundo os casos, mas com uma visão de coordenação e cooperação um pouco mais complexa do que o simples intercâmbio de produtos, mercadorias ou serviços. Em alguns dos planos inclusive se propõe uma linha estratégica de vinculação entre os atores do mesmo setor.

Na lógica dessa cooperação-colaboração de diferentes maneiras surge outra preocupação, que se poderia considerar geral por aparecer na maior parte das propostas que os agrupamentos empresariais baixo-californianos fazem: a necessidade de articular-se com outras instituições denominadas de apoio, entre as que se encontram de maneira destacada o setor gover-no e o educativo de pesquisa. O governo aparece considerado como um ator importante na articulação dos grupos (correspondendo ao papel de motivador dos clusters que teve com o início da política), como possível financiador de parte das ações e principalmente como um interlocutor para melhorar o quadro regulatório e institucional no qual são desenvolvidas as atividades.

82. Até a data só existe informação sistemática sobre o monto de investimento por cluster, segundo os projetos financiados total ou parcialmente com participação do setor público.

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O que foi dito anteriormente, sem ser uma avaliação, no sentido estrito, da política de desenvolvimento empresarial baseada no desenvolvimento e fomento de cluster da Baixa Califórnia, permite sugerir que se ainda não se pode falar de um sistema produtivo local da Baixa Califórnia, começam a dar-se sinergias em algumas atividades e entre atividades, como reflete a permanência dos agrupamentos iniciais e o surgimento de novos, e co-meça a permear, em um setor da base econômica, a visão de um esquema de cooperação para conseguir maior competitividade em nível setorial e territorial.

Refl exões fi naisNo caso da Baixa Califórnia, a origem – local ou internacional – das empre-sas agrupadas e a forma de organização inicial das mesmas foram deter-minantes das possibilidades de existência e reforço de articulação entre os atores. Por esta razão, a estratégia de vinculação da economia estatal apa-rentemente teve maior impacto e apresenta maiores possibilidades de êxito nos setores de atividade emergente com alto potencial de crescimento que podem consolidar-se com uma lógica de competitividade baseada na coope-ração e na qualidade. Nesse caso, se encontra o cluster vitivinícola que, por seu desenvolvimento atual, pode considerar-se em uma lógica de desen-volvimento territorial e prestes a constituir um sistema produtivo local nos vales de Ensenada onde está situado. Outro caso seria o do agrupamento de serviços médicos, que é um agrupamento de alto valor agregado com alto potencial de exportação de serviços e uma clara diferenciação municipal na sua organização e funcionamento.

A análise das redes (por agrupamento) ressalta a demora na adapta-ção institucional às dinâmicas de baixo para cima como um dos principais inibidores aos que os atores locais têm que enfrentar. A obsolescência ins-titucional se manifesta por igual no âmbito público e no privado e aponta a inexistência de um consenso sobre a organização mais adequada para obter os objetivos de desenvolvimento econômico propostos para o esta-do, a partir de um consenso público-privado. Esta situação responde às recentes dinâmicas de descentralização e abertura no país, o que explica que a aprendizagem das novas regras é um processo ainda incipiente, em-bora apresente principalmente nos estados que, como a Baixa Califórnia, enfrentam a competitividade internacional de forma mais direta por sua localização e por sua dinâmica de produção manufatureira muito marcada pela presença das maquiladoras.

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No caso do México e, em particular da Baixa Califórnia, os resultados ob-tidos em diferentes pesquisas83 demonstram: 1) que o processo de integração reforçou os modelos de especialização existentes; e 2) que na Baixa Califór-nia, o grau de articulação entre atores para poder falar de sistemas produti-vos locais ainda é baixo, mas apresenta elementos para poder consolidar um sistema produtivo local que responda às especificidades regionais.

O Estado da Baixa Califórnia apresentou uma situação de crescimento sustentável sem que tenham ocorrido na mesma velocidade as mudanças estruturais da base produtiva regional que permitiriam falar em desenvol-vimento do potencial competitivo regional. Neste sentido, é necessária uma nova proposta da estratégia de desenvolvimento do estado para estabelecer uma dinâmica que aponte resultados de longo prazo (desenvolvimento) e não tanto de benefícios de curto prazo (crescimento), fundamentada nos recursos regionais e não somente no investimento externo. É difícil falar que o empresariado local conseguiu consolidar um caminho de desenvolvi-mento local ou um modelo de desenvolvimento que contribua para a cons-trução territorial do estado.

Apesar da existência dos intercâmbios detectados a partir da tabela ou matriz de insumo produto e da especialização do estado em certos setores, ainda não foram geradas as redes de interação que permitam explorar real-mente as economias externas. A menção por parte de uma proporção de empresários da necessidade de maior cooperação interempresarial e com outras instituições é um indício de que já existe certa consciência da neces-sidade de articulação para obter maiores níveis de competitividade.

A política de desenvolvimento empresarial baseada no desenvolvimen-to e fomento de clusters poderia ser um bom começo desta mudança de enfoque para uma proposta de desenvolvimento territorial marcada pela evolução para a consolidação de um sistema produtivo local com caracte-rísticas próprias. Os fundamentos, dos quais parte abrangem a maioria dos elementos necessários para conseguir o objetivo de integração do sistema produtivo local; falta ver se os atores envolvidos decidem dar um voto de confiança e tempo e recursos necessários para alcançar os objetivos comuns e perpetuar o estabelecimento de novos acordos de cooperação.

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Empresas incentivadas e o perfi l exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado 145

Empresas incentivadas e o perfi l exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado

Maria Cristina Pereira de Melo84

1. IntroduçãoO Estado do Ceará, assim como o Brasil, era uma economia pouco aberta ao comércio exterior até a década de 1990. No ambiente globalizado, a reação estadual à abertura comercial da economia brasileira começa a se fazer sen-tir de maneira significativa a partir de 1999, evidenciada pelo movimento ascendente das exportações. O incremento das vendas externas estaduais a partir daí foi resultado, em grande medida, de políticas públicas estaduais que associadas às características da demanda mundial e do comportamento de seus principais parceiros chegaram a mudar o perfil da pauta.

Na década seguinte, os preços internacionais ajudaram, sobremaneira, o crescimento das vendas externas cearenses. O índice de preço geral das exportações estaduais sustentou trajetória de crescimento a partir de 2003, depois de ter experimentado trajetória descendente na década que prece-deu. Contudo, o quantum exportado já vinha registrando movimento ascen-dente desde 1999 e sustentou a tendência até 2007. Os setores industriais cearenses que começaram a despontar, na segunda metade da década de 1990, como importantes exportadores tiveram papel fundamental nesse re-sultado. De fato, os setores couros e calçados seguiram em ciclo ascendente do quantum exportado desde a implantação das primeiras unidades atraí-das para o estado pelos incentivos do governo local. Esses setores também têm aproveitado o bom momento dos preços internacionais de seus produ-tos (FUNCEX, 2008).

O estudo analisa o comércio exterior do Ceará no que se refere às carac-terísticas e as tendências das transações no período 1990-2007. O caminho traçado para análise aborda a balança comercial estadual através da evolu-ção do saldo da balança comercial e de indicadores que possam qualificar a composição das trocas em nível de setor. Nesse contexto, examina-se a

84. A autora agradece a Diego Holanda pela tabulação de dados e a Graziela Daniela Barros pela colaboração nos gráficos.

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composição da pauta no período a fim de qualificar as mudanças de perfil ocorridas ao longo dos anos considerados levando em conta as diferentes trajetórias dos setores exportadores. Por fim, a análise ficará por conta das alterações verificadas no comércio a partir dos incentivos concedidos pelo governo do estado e o papel das empresas beneficiadas nesse processo. Dessa forma, o estudo está divido em quatro seções. Na primeira seção, será apresentada uma breve retrospectiva dos programas estaduais de atração de investimentos industriais, na segunda, será traçado o perfil exportador cearense nos anos 1990, ou seja, aquele período que antecede o ingresso das empresas incentivadas na economia do Ceará; na terceira, serão avalia-das as trocas comerciais externas cearenses no ambiente globalizado; e na quarta, será abordada a dinâmica de comércio exterior das empresas incen-tivadas cearenses e a recomposição da pauta exportadora estadual.

2. O Fundo de Desenvolvimento Industrial e atração de empresas para o estadoO Estado do Ceará começou a se interessar em atrair empresas de outros estados no final da década de 1970 através do Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI). Este fundo foi criado em 1979 através da Lei no 10.367, o qual dotou o Estado de instrumento legal para a concessão de incentivos às empresas industriais que investissem no estado.

As principais formas de incentivo previstas pela referida legislação eram a concessão de empréstimos de médio e longo prazos, aquisição de ações, debêntures ou títulos outros emitidos por empresas industriais e subsídio de encargos financeiros para empresas com sede no Ceará. Foram acoplados vários programas a esse Fundo, com destaque para o Programa de Atração de Investimentos de Empresas Industriais (PROVIN), criado no início da década de 1980. Esse programa passou por várias reformulações ao longo dos anos. Em 1989, o Provin foi reformulado e passou a conceder, como principal forma de incentivo, empréstimo sobre o ICMS arrecadado pelas empresas incentivadas. Em 1995, outra reformulação adotou a lógica dos raios econômicos, ou seja, quanto mais distante da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) fosse instalada a empresa industrial, maiores seriam os incentivos. Essa reformulação foi a mais duradoura e a que expressou maior poder de atração. Em 2002 e 2003, esses incentivos foram alterados mais uma vez (IPECE, 2006a). A última modificação foi efetuada em 2007.

O deslocamento das empresas para o Ceará tomou fôlego a partir da segunda metade da década de 1990. De fato, entre 1995 e 2005, 432 em-presas foram beneficiadas como resultado da implementação do citado

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Programa. Dessa forma, empresas dos mais variados setores de atividade foram contempladas pelos referidos incentivos, sendo os setores os mais representativos mencionados a seguir: têxtil, alimentos, metalmecânico, calçados, vestuário e mais recentemente químico (IPECE, 2006b).

A estratégia de deslocamento das empresas contava não só com os in-centivos atrelados ao programa de atração citado acima, como também com outras vantagens locacionais, tais como mão de obra com custo relati-vo mais baixo que do Estado de origem (30% em relação ao Sul/Sudeste), infraestrutura portuária (importante para exportação) e proximidade ao mercado consumidor (tempo de transporte marítimo corresponde três dias de redução no Ceará comparado com o Sul do País para Estados Unidos e Europa). Adicionalmente, o estado oferecia terreno para a instalação da planta e treinamento de mão de obra no período de três meses.

Para uma empresa intensiva em mão de obra e inserida em um mercado globalizado, as vantagens comparativas citadas se traduziriam em poder competitivo. Fica evidente que setores intensivos em mão de obra foram, sobremaneira, beneficiados com o Provin e são, por conseguinte, importan-tes para a geração de emprego. Dentre esses, o mais importante gerador de postos de trabalho é o calçadista, seguido pelos setores de alimentos, vestuário e têxtil.

Outro Programa associado ao FDI beneficiou empresas exportadoras, exclusivamente dos setores de couros e calçados. Somente empresas desses setores receberam incentivos atrelados ao Programa de Incentivos às Ati-vidades Portuárias e Industriais do Ceará (PROAPI), cujo benefício estava atrelado diretamente ao comércio externo. Esse Programa teve como fina-lidade, segundo o Decreto no 24.096 de 22.5.1996 do governo do Estado do Ceará:85

“contribuir para a consolidação e descentralização do setor industrial cearense, através de incentivo à implantação, am-pliação, modernização, diversificação, recuperação e relocali-zação de empresas industriais, consideradas de fundamental interesse para o desenvolvimento econômico do estado;

“fomentar as atividades portuárias e incrementar o desenvol-vimento industrial e de produtos industrializados em todo o Estado do Ceará a serem exportados para o exterior”.

85. A íntegra do decreto está disponível em www.fiscosoft.com.br.

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Consta do decreto:

“Art. 1o O Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI) do Cea-rá assegurará, através do Programa de Incentivo às Atividades Portuárias e Industriais (PROAPI) do Ceará, financiamento para capital de giro às empresas industriais predominante-mente exportadoras de calçados e/ou de componentes de cal-çados, sediadas no estado, na forma prevista nos arts. 1o e 2o da Lei no 12.478, de 21 de julho de 1995, através da utilização dos recursos decorrentes dos retornos das operações do FDI, enquanto não creditadas à conta do Tesouro do Estado.”

“Parágrafo único. Para os fins do caput deste artigo, entende-se por empresa industrial predominantemente exportadora de calçados e/ou componentes de calçados, sediadas no Estado do Ceará, aquela que comercialize para fora do País pelo me-nos, 90% (noventa inteiros por cento)”

3. Perfi l exportador cearense nos anos 1990Na década de 1990, o Estado do Ceará apresentou comportamento singular quando comparado aos demais estados da região. Participava, em 1991, com 15% do PIB nordestino e, em 1997, com 16%. Serviços era o principal setor produtivo do estado nesse último ano, participando com 65% da geração de seu PIB, enquanto a indústria detinha 29% e o setor agropecuário 5,7%.

A indústria cearense sofreu perda na participação no PIB estadual durante o período 1991-1997. Em 1998, a expansão de 4% ocorrida no setor indus-trial elevou novamente a participação no PIB estadual, perfazendo 35% dessa medida. A participação da agropecuária cearense no PIB estadual também perdeu nesse período e se reduziu ainda mais em 1998, como resultado da seca que atingiu o estado. No ano anterior, este setor alcançou apenas 3,5% do PIB estadual, expressando retração de 24% (FONTENELE; MELO, 2004).

Considerando-se o crescimento real da indústria, constata-se que o Ce-ará obteve baixo crescimento comparando-se os dois extremos do período 1991-1996. No entanto, deve-se salientar que este estado, em 1991, apre-sentou crescimento real da indústria de 19%, maior crescimento dentre os estados da região e, em 1998, já surgiram os resultados da política estadual de estímulo à indústria e atração de novos investimentos

Durante o ano 1998, a atividade industrial cearense mostrou comporta-mento instável. Observa-se que, da retração de 2,5% nos primeiros meses do ano, a economia cearense recuperou-se no segundo semestre crescendo 5%.

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Setorialmente, constatou-se recuo de 23% dos produtos da indústria alimen-tícia motivado pelo fraco desempenho da castanha de caju. A recuperação no segundo semestre deveu-se principalmente aos setores de metalurgia, material elétrico e de comunicação e minerais não metálicos. Interessante observar que entre os setores industriais de pior desempenho estavam alguns dos principais produtos de exportação do estado, enquanto no grupo que mais se destacou no período apareciam outros não tradicionais na pauta de exportação.

Em 1997, o Estado do Ceará respondia por 9% das exportações nordes-tinas aumentando sua participação mais um pouco até o final da década. Era o quarto estado exportador do Nordeste, seu coeficiente de importação mais que triplicou na década de 1990. O grau de abertura mais que dobrou comparando-se o início e o fim da década, no entanto, o estado revelava-se aberto ao comércio exterior fundamentalmente pelo desempenho de seu se-tor importador. Esse resultado era esperado uma vez que tradicionalmente o Estado do Ceará não expressava caráter exportador na região Nordeste evidenciado pelo indicador que expressa a importância das exportações no PIB estadual com relação ao mesmo indicador para a região como um todo (Xest/PIBest<Xne/PIBne) (FONTENELE; MELO, 2004) (Tabelas 1 e 2).

Tabela 1 – Brasil, Nordeste e Ceará: coefi ciente de importação (m) e grau de abertura (GA)

Indicadores 1991 1997 2000 2005m Brasil 0,0517 0,0712 0,0848 0,1099m Nordeste 0,0244 0,0318 0,0574 0,0847m Ceará 0,0168 0,0312 0,0594 0,0703GA Brasil 0,1364 0,1439 0,1843 0,2881GA Nordeste 0,0703 0,0649 0,1120 0,1951GA Ceará 0,0455 0,0502 0,1067 0,1373

Fonte: BRASIL, 2008. IBGE, contas regionais, 2007. FONTENELE; MELO, 2004.

Tabela 2 – Nordeste e Ceará: indicadores de exportações e importações (1991-1999)

Anos Xne/XBr Mne/MBr Xce/Xne Mce/Mne1991 0,0904 0,0749 0,0946 0,10351992 0,0848 0,0669 0,1000 0,17391993 0,0781 0,0769 0,0912 0,19741994 0,0701 0,0763 0,0956 0,21561995 0,0912 0,0717 0,0831 0,18431996 0,0807 0,0778 0,0994 0,19721997 0,0747 0,0669 0,0884 0,15281998 0,0727 0,0657 0,0955 0,15981999 0,0699 0,0716 0,1106 0,1627

Fonte: FONTENELE; MELO, 2004.

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Quanto ao comportamento da balança comercial cearense na referida década, constata-se movimento declinante bem mais forte que o apresen-tando para o Nordeste e para o Brasil, expressando saldo negativo já em 1993, que se manteve até o final do período, apesar de ter havido movimen-to em direção à redução do déficit comercial a partir de 1997 (Tabela 3).

Tabela 3 – Brasil, Nordeste e Ceará: saldo da balança comercial (1991-1999) (em US$ 1.000)

Ano SBCce SBCne SBCbr SBCce/X+M SBCne/X+M SBCbr/X+M1991 105.801 1.291.173 10.578.794 0,24 0,29 0,201992 64.975 1.665.215 15.239.895 0,12 0,38 0,271993 (113.133) 1.047.428 13.298.768 -0,17 0,20 0,201994 (187.867) 1.047.389 10.466.459 -0,24 0,16 0,111995 (294.823) 636.216 (3.465.614) -0,30 0,09 -0,031996 (433.036) (315.420) (5.599.039) -0,37 -0,04 -0,051997 (328.826) (268.239) (6.752.887) -0,28 -0,02 -0,071998 (250.697) (79.974) (6.623.614) -0,26 -0,01 -0,061999 (202.269) (172.055) (1.283.195) -0,21 -0,03 -0,01

Fonte: FONTENELE; MELO, 2004.

A análise setorial da década de 1990 está segmentada em dois subpe-ríodos. O primeiro corresponde aos anos 1991 a 1996 e o segundo 1997 a 1999. Essa divisão se deve ao fato de que foi a partir do ano 1996 que co-meçaram a ser assinados os contratos de incentivo à exportação entre o go-verno do estado e empresas privadas através do Programa de Incentivo às Atividades Portuárias e Industriais do Ceará (PROAPI). Dessa forma, pode ser visualizado, com maior clareza, o início dos rebatimentos no comércio exterior estadual a partir de tais eventos.

O Ceará foi o principal exportador de 12 setores dentre os 45 mais im-portantes para a região em 1996, quais sejam: peixes, crustáceos e moluscos (69% da exportação regional); frutos comestíveis cascas de frutas (67%); gomas, resinas, outros sucos de extração vegetal (47%); gorduras, óleos e ceras (47%); têxteis metalizados (74%); algodão (72%); outros artigos de confecção de tecidos (56%); calçados, perneiras (72%); ferro fundido, ferro e aço (77%); caldeiras máquinas, aparelhos e instrumentos mecânicos (55%); navegação marítima e fluvial (87%); instrumentos musicais aparelhos de re-produção som e imagem (72%).

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Tabela 4 – Ceará: principais setores exportadores de 1996 (1991/1996) (% na Pauta)86

NCM Setores 1991 199608 Frutas, cascas de cítricos e de melões 34,26 40,2252 Algodão 11,05 16,2003 Peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos 19,99 11,7015 Gorduras, óleos e ceras animais ou vegetais etc. 8,28 10,0964 Calcados, polainas e artefatos semelhantes, e suas partes 1,54 2,7004 Leite e laticínios, ovos de aves, mel natural etc. - 2,4641 Peles, exceto a peleteria (peles com pelo), e couros 3,90 2,4355 Fibras sintéticas ou artifi ciais descontínuas 9,84 1,7972 Ferro fundido, ferro e aço 2,25 1,6662 Vestuário e seus acessórios, exceto de malha 0,78 1,5473 Obras de ferro fundido, ferro ou aço 0,85 1,2813 Gomas, resinas e outros sucos e extratos vegetais 1,68 0,9584 Reatores nucleares, caldeiras, máquinas etc., mecânicos 0,21 0,9290 Instrumentos e aparelhos de óptica, fotografi a etc. 0,24 0,8068 Obras de pedra, gesso, cimento, amianto, mica etc. 0,58 0,76 Total 95,45 95,49

Demais produtos 4,55 4,51

Fonte: FONTENELE; MELO, 2000.

A análise da distribuição setorial das exportações do Ceará para o período 1991-1996 destaca que sete setores foram responsáveis por 90% do valor da pauta cearense no início do período enquanto, em 1996, um conjunto de nove setores correspondia por esse percentual, revelando alguma diversifi-cação, ainda que tímida. Desse conjunto de setores, em sete deles o estado tinha forte especialização relativa à região. Avalia-se, a seguir, o comporta-mento de setores representativos na pauta de exportação de 1996.87

Frutos comestíveis, casca de frutas etc. foi o setor com maior participa-ção na pauta de exportação cearense em 1996 (40%), correspondendo a 67% das exportações nordestinas. Suas exportações permaneceram estáveis em toda a década. A castanha de caju se mantém, desde sempre, na primei-ra posição na pauta estadual exportadora.

O setor de algodão, fios e tecidos de algodão foi responsável, em 1996, por 16% das exportações cearenses (74% das exportações nordestinas do setor). O produto mais representativo nas vendas desse setor foi tecido algodão>=85%,p>200g/m2,”denim”, o qual se sustentou até a década seguin-te com parcela importante, apesar de paulatinamente perder importância.

86. Principais setores correspondem ao conjunto formado por aqueles que totalizam 90% da pauta.87. Para análise setorial detalhada da pauta exportadora estadual cearense na década de 1990 (ver FONTENELE; MELO, 2004).

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Peixes, crustáceos e moluscos, é o terceiro setor em ordem de importân-cia na pauta de exportações cearenses em 1996. Naquele ano, lagostas era o produto mais vendido ao exterior por esse setor, este perfazia cerca de 90% de tudo que era exportado pelo setor de peixes. Nos anos subsequentes, este produto perdeu posição de maneira acentuada.

O setor de gorduras, óleos e ceras participou com 10% da pauta exporta-dora estadual em 1996, o que representou aumento de participação de 21% em relação a 1991. Foram as ceras vegetais os mais importantes produtos exportados pelo setor (quase a totalidade) para 1996 e nos anos seguintes apesar de, pouco a pouco, ver reduzida sua parcela nas vendas externas totais do estado.

O quinto setor na pauta exportadora estadual foi o de calçados, pernei-ras etc., que participou com 2% das vendas externas estaduais. O produto mais representativo comercializado por este setor em 1996 foi outros cal-çados de couro natural, com 40% das vendas do setor, cuja importância se acentua e perpassa os anos subsequentes.

O sexto setor na pauta de exportações, em 1996 foi o de leite, laticínios, ovos de ave e mel, o qual apresentou desempenho instável no período. Nesse ano, leite integral em pó foi o produto mais vendido por esse setor cearense.

O setor de peles e couros correspondeu a 2,6% da pauta exportadora cearense de 1996. Para esse setor o produto mais representativo para a pauta estadual exportadora desse ano foi outros couros e peles de bovinos/equídeos, curtidos e recurtidos.

Fibras, fios e tecidos de fibras sintéticas ou artificiais, descontínuas, tra-dicional setor exportador da pauta cearense, apresentou forte recuo das exportações de 1991 para 1995, mas se recuperou em 1996 expressando inclusive aumento de participação na pauta cearense, passando de 1% para 2% no final do período. O Estado do Ceará demonstrou significativa espe-cialização relativa à região como um todo nesse setor. Aqui, o produto a ser destacado é, sem dúvida, fio de fibra de poliéster c/algodão, cru/alvejado/branqueado.

Para o subperíodo seguinte, constata-se que a pauta de exportação do Ceará continuou muito restrita, oito setores foram responsáveis, em 1999, por 90% do total das exportações (com 16 setores responsáveis por 97%). O principal setor exportador permaneceu frutos comestíveis (32% da pauta). A queda de participação desse setor em 22% de 1996 para 1999 deveu-se, essencialmente, ao crescimento da parcela dos setores de calçados e de couros: o primeiro saiu de uma parcela de 2,7% em 1996 para 19,3% em 1999 e o segundo de 2,4% para 6,4% no mesmo período. Sem dúvida, deve-se salientar o comportamento

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das exportações de calçados, sétimo setor da pauta de exportação de 1996 (2%) evoluindo para o segundo lugar no ranking em 1998 (19%), deslocando algodão, fios e tecidos de algodão e peixes, crustáceos e moluscos para terceiro e quarto lugar na pauta, respectivamente. Ressalta-se, ainda, o comportamento do setor peles e couros que passa a ocupar a quinta posição no ranking dos principais exportadores de 1999 (Tabela 5). Nesse período, observa-se que a política de incentivos do governo do estado, orientada para exportação, come-ça a colher os primeiros frutos.

Tabela 5 – Ceará: principais setores de exportação de 1999 (1997-1999)

NCM Setores 1997 1998 199908 Frutas cascas de cítricos e de melões 39,43 35,19 31,76

64 Calçados, polainas e artefatos semelhantes, e suas partes 10,00 18,47 19,30

52 Algodão 12,11 14,24 12,02

03 Peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos 12,04 9,91 9,99

41 Peles, exceto a peleteria (peles com pelo), e couros 0,78 0,76 6,4115 Gorduras, óleos e ceras animais ou vegetais etc. 9,54 7,98 5,7255 Fibras sintéticas ou artifi ciais, descontínuas 2,69 2,15 3,3799 Transações especiais 1,36 0,75 1,8413 Gomas, resinas e outros sucos e extratos vegetais 1,75 2,00 1,4073 Obras de ferro fundido, ferro ou aço 1,26 0,79 1,2772 Ferro fundido, ferro e aço 1,36 0,92 0,9468 Obras de pedra, gesso, cimento, amianto, e mica etc. 1,18 1,02 0,8263 Outros artefatos têxteis confeccionados, sortidos etc. 0,34 0,42 0,64 Total 93,85 94,59 95,48

Demais Setores 6,15 5,41 4,52

Fonte: BRASIL, 2008.

4. Trocas comerciais externas cearenses no ambiente globalizadoConforme foi revelado acima, o Estado do Ceará perpassa praticamente toda década de 1990 com saldo negativo no comércio exterior. O cresci-mento das vendas mais que proporcional às compras entre 2000 e 2005 fez inverter a trajetória anterior de resultados negativos, no entanto, nos dois anos subsequentes, o incremento das compras tem baseado a volta do déficit no saldo da balança comercial estadual (Tabela 6).

O bom desempenho do setor exportador do Ceará está, sem dúvida, rela-cionado à política de incentivos do governo do estado através do Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI) com seus diversos Programas, tais como: Programa de Incentivo ao Funcionamento de Empresas (PROVIN), Progra-ma de Incentivos às Atividades Portuárias e Industriais do Ceará (PROAPI).

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Associa-se, ainda, esse comportamento externo, em certa medida, ao ajuste fiscal das contas públicas, ao crescimento dos investimentos públicos e pri-vados e ao razoável crescimento econômico nas áreas urbanas e nos setores industrial e de serviços processados no estado na última década.

Tabela 6 - Ceará: Evolução do Saldo da Balança Comercial (2000-2007) (US$ 1000)

AnoExportação Importação Saldo

(A) – (B)Valor (A) Var % Valor (B) Var %2000 495.098 33,38 717.933 25,19 -222.8352001 527.051 6,45 623.492 -13,15 -96.4402002 543.902 3,20 635.910 1,99 -92.0072003 760.927 39,90 540.760 -14,96 220.1672004 859.369 12,94 573.590 6,07 285.7792005 930.451 8,27 588.656 2,63 341.7952006 957.045 2,86 1.096.715 86,23 -139.6702007 1.148.357 19,39 1.405.686 28,00 -257.329

Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria

Gráfi co 1 – Ceará- Exportações (1990-2007)

Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

Gráfi co 2 – Ceará: índice de quantum (1990-2007) (2006 = 100)

Fonte: FUNCEX, 2008. Elaboração própria

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Com relação ao fator agregado, percebe-se, claramente, perda de par-ticipação dos produtos básicos na composição das exportações cearenses. Na década de 1990, os produtos básicos chegaram a participar com quase 60% do valor total da pauta exportadora estadual. Em 2007, essa categoria correspondeu a 27,6% das vendas externas estaduais. A redução da parcela relativa dessa categoria vem ocorrendo ano a ano desde 2003. As vendas dos produtos industrializados, por sua vez, alcançaram desempenho bem superior àquelas dos produtos básicos. Em 1992, por exemplo, esse grupo de produtos respondeu por 42,1% do total exportado; em 2007, essa par-ticipação passa a 70,5%. Destacam-se, aqui, os produtos manufaturados, compondo 2/3 do total exportado pelo estado nesse último ano. Sem dúvi-da alguma, houve recomposição da pauta exportadora estadual em direção a produtos com maior nível de agregação de valor nos anos recentes. As vendas externas de produtos industrializados, notadamente os manufatura-dos, foram impulsionadas pelas políticas de atração de empresas postas em prática pelo governo estadual na última década.

A participação das importações dos produtos básicos também se reduziu ao longo do período, chegando, em 2007, a representar menos da metade da parcela registrada em 2000 (Tabela 7).

Tabela 7 - Ceará: Exportação e Importação segundo Fator Agregado (2000-2007) (participação)

Ano

Exportações Importações

Bás

icos

Indu

stria

lizad

os

(A+B

)

Sem

i Man

ufat

u-ra

dos

(A)

Man

ufat

urad

os

(B)

Bás

icos

Indu

stria

lizad

os

(A+B

)

Sem

i Man

ufat

u-ra

dos

(A)

Man

ufat

urad

os

(B)

2000 0,4020 0,5760 0,1665 0,4095 0,4082 0,5918 0,0191 0,57262001 0,3214 0,6561 0,1768 0,4793 0,2812 0,7188 0,0136 0,70522002 0,3626 0,6171 0,1575 0,4595 0,2662 0,7338 0,0207 0,71312003 0,3342 0,6553 0,1390 0,5163 0,3212 0,6788 0,0256 0,65322004 0,3328 0,6624 0,1666 0,4957 0,2949 0,7051 0,0334 0,67172005 0,3198 0,6802 0,1764 0,5039 0,1681 0,8319 0,0152 0,81672006 0,3035 0,6965 0,1793 0,5172 0,1356 0,8644 0,0343 0,83022007 0,2755 0,7047 0,1794 0,5253 0,1634 0,8366 0,0330 0,8036

Fonte: BRASIL,2008. Elaboração própria.

A distribuição setorial das pautas exportadora e da importadora cearen-ses passou por mudanças significativas no período 2002-2007. A pauta ex-portadora continua com certo grau de concentração setorial e ligeiramen-

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te mais concentrada que a importadora. No entanto, salienta-se que tem ocorrido movimento em direção à desconcentração nas duas pautas, com a entrada de novos setores nos últimos anos, mesmo que nem todos ocupem posições de destaque. De fato, de 2002 para 2007, entraram, na pauta ex-portadora, 11 novos setores e quatro na importadora, ao mesmo tempo em que ocorreu redistribuição setorial dos pesos relativos em cada conjunto.

A concentração das exportações pode ainda ser avaliada através da par-ticipação dos setores no conjunto da pauta estadual: 12 deles corresponde-ram a 90% do valor total da pauta exportadora, enquanto o mesmo percen-tual das importações totalizou 13 setores para o ano de 2007. Nesse ano, apenas três setores responderam por 60% das vendas, foram eles: calçados, polainas e artefatos semelhantes, e suas partes; frutas, cascas de cítricos e de melões e peles, exceto a peleteria (peles com pelo), e couros. Os três se-tores citados vêm mantendo posições relativas importantes na pauta expor-tadora estadual desde 2003, tomando espaço de setores tradicionais como algodão e peixes. Quanto às importações, apenas três setores somaram 59% das compras em 2007, tais quais: combustíveis minerais, óleos minerais etc., ceras minerais, ferro fundido, ferro e aço e cereais.

Ao serem examinadas as exportações cearenses constata-se que a maio-ria dos setores revelou incremento nas vendas nos últimos seis anos. Alguns cresceram suas vendas externas de maneira significativa no período 2002-2007, obtiveram ganho de participação na pauta exportadora estadual e, ao mesmo tempo, estiveram entre os mais representativos no período, como exemplos: calçados, polainas e artefatos semelhantes, e suas partes (cresci-mento de 170% no período); frutas, cascas de cítricos e de melões (170%) peles, exceto a peleteria (peles com pelo), e couros (124%). Outros não re-levantes para a pauta de 2002 se inseriram entre os principais em 2007: re-atores nucleares, caldeiras, máquinas etc., mecânicos; ferro fundido, ferro e aço; preparações de produtos hortícolas, de frutas etc., e obras de pedra, gesso, cimento, amianto, mica etc.

Os setores algodão e peixes, tradicionais na pauta exportadora do esta-do, ocuparam posição de relevo no ranking das vendas em 2007, contudo vêm apresentando redução de suas importâncias desde 2002. O primeiro encolheu as vendas em três anos consecutivos 2004-2006 e o segundo re-duziu em 45% de 2002 para 2007.

Vários produtos pertencentes aos principais setores exportadores cea-renses em 2007 não eram exportados na década de 1990, sobretudo aque-les pertencentes aos setores algodão, couros, e calçados. Grande parte des-ses produtos não só passou a ser exportada, ao longo dos anos 2000, como também alcançou participação significativa na pauta.

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O primeiro e principal produto exportado, em 2007, continuou sendo castanha de caju, fresca ou seca, sem casca (com participação de 16%). Esse vem mantendo a primeira colocação desde os anos 1990, apesar de sua parcela relativa ter sido reduzida ano a ano.

O segundo produto da pauta naquele ano foi couros/peles, inteiros, bo-vinos, plena flor e o terceiro foi outros calçados de couro natural, mer-cadorias produzidas por setores incentivados pelas políticas estaduais. O primeiro produto citado começou a ser exportado pelo estado em 2002, contudo, em 2007, passou a responder por 9% das exportações estaduais. Já, outros calçados, segundo produto do setor, chegou em 2007 com 8,6% de participação na pauta. Há, ainda, que considerar outro produto, novo na pauta, processado por empresa incentivada, e que já apareceu neste último ano com certa representatividade: máquinas de costura doméstica (2%).

Tabela 8 – Ceará: principais setores exportadores de 2007 (2002-2007) (Participação)

Setores 2002 2003 2004 2005 2006 2007(64) Calçados, polainas e artefa-tos semelhantes, e suas partes 0,2033 0,2197 0,2166 0,2199 0,2474 0,2620

(08) Frutas, cascas de cítricos e de melões 0,1754 0,1725 0,1938 0,1940 0,1930 0,2240

(41) Peles, exceto a peleteria (peles com pelo), e couros 0,1179 0,1149 0,1283 0,1254 0,1330 0,1258

(52) Algodão 0,1542 0,1571 0,1365 0,1204 0,1149 0,1003(03) Peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos

0,1770 0,1476 0,1238 0,1161 0,0952 0,0466

(15) Gorduras, óleos e ceras animais ou vegetais etc. 0,0273 0,0138 0,0178 0,0270 0,0260 0,0302

(84) Reatores nucleares, caldei-ras, máquinas etc., mecânicos 0,0039 0,0033 0,0088 0,0054 0,0086 0,0245

(72) Ferro fundido, ferro e aço 0,0057 0,0158 0,0315 0,0351 0,0191 0,0215(99) Transações especiais 0,0203 0,0104 0,0048 0,0073 0,0168 0,0198(73) Obras de ferro fundido, ferro ou aço 0,0066 0,0053 0,0067 0,0090 0,0136 0,0175

(83) Obras diversas de metais comuns 0,0023 0,0055 0,0091 0,0095 0,0117 0,0168

(20) Preparações de produtos hortícolas, de frutas etc. 0,0095 0,0074 0,0122 0,0125 0,0137 0,0146

(68) Obras de pedra, gesso, cimento, amianto, mica etc. 0,0070 0,0062 0,0089 0,0105 0,0155 0,0131

(85) Máquinas, aparelhos e ma-teriais elétricos, suas partes etc. 0,0011 0,0038 0,0040 0,0026 0,0016 0,0102

Total 0,9116 0,8832 0,9026 0,8948 0,9101 0,9269Demais setores 0,0884 0,1168 0,0974 0,1052 0,0899 0,0731

Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

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Os bens produzidos sob condições de baixa intensidade tecnológica têm dominado as vendas externas cearenses. Essa categoria correspondeu a 85% do total do valor exportado em 2007, apesar de, no período 2002-2007, ter havido redução na ordem de oito pontos percentuais no peso relativo des-ses setores. Deve-se ressaltar o crescimento, registrado de 2002 para 2003, das exportações dos setores classificados como média baixa intensidade, os quais vêm apresentando trajetória crescente na parcela total vendida até 2006, e se mantém no ano seguinte. A participação do valor exportado por esse conjunto de produtos em 2007 esteve cinco pontos percentuais acima do registrado em 2002. Outro fato a ser destacado foi o incremento de participação dos grupos de produtos de média alta intensidade tecnológica nos anos mais recentes, ainda que de forma muito mais suave que do grupo anterior (Gráfico 3).

Gráfi co 3 – Ceará: saldo da balança comercial segundo intensidade tecnológica (1999-2007)

Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

Para o segmento composto de produtos de baixa intensidade tecnológi-ca, ressaltam-se, pela importância nas vendas externas do estado, os que participaram com mais de 10% na pauta exportadora estadual em 2007: a) calçados, polainas e artefatos semelhantes, e suas partes (26%); b) frutas, cascas de cítricos e de melões (22%); c) peles, exceto a peleteria (peles com pelo) e couros (13%); e d) algodão (10%).

No segmento de média alta intensidade, os setores representativos fo-ram, no último ano, os seguintes: a) reatores nucleares, caldeiras, máquinas

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etc., mecânicos (2,5%) e b) máquinas, aparelhos e materiais elétricos, suas partes etc. (1%). Alguns outros setores relevantes na pauta exportadora de 2007 e classificados como de média baixa intensidade tecnológica podem ser mencionados. Estão, nesse conjunto, os grupos de produtos formados por: a) ferro fundido, ferro e aço (com participação de 2% na pauta estadu-al); b) obras de ferro fundido, ferro ou aço (1,7%) e obras de pedra, gesso, cimento, amianto, mica etc. (1,3%).

No âmbito empresarial, constata-se forte concentração das exportações em 2003, que não se dissimulou nos anos mais recentes, apesar de o núme-ro total de empresas exportadoras no estado ter crescido nos últimos anos, ou seja, o incremento foi de 24% entre 2002 e 2007. No último ano, 40 em-presas exportadoras responderam por 88% do valor total da pauta expor-tadora estadual, sendo que as 20 maiores empresas vendedoras detiveram mais de 73% do valor total (Tabela 9). As 40 principais empresas formam o conjunto que cresceu suas vendas em 28%, de 2006 para 2007, enquanto as demais, grupo constituído por empresas de menor porte, decresceram em 21% conduzindo a uma variação total líquida de 19%.

A concentração se afirma na medida em que se aproximam percentuais mais estreitos, ou seja, nove empresas exportadoras totalizam 50% do valor total vendido, número ainda menor que nos anos anteriores (Tabela 9). As três empresas exportadoras que mais transacionaram com o exterior foram, em 2007, em ordem de importância: Bermas Indústria e Comércio Ltda., Vicunha Têxtil S.A., e Grendene S.A. (Tabela 9). Essas empresas são as que, desde 2004, têm exportado montantes acima de US$ 50 milhões. Elas fazem parte do grupo daquelas que são beneficiadas por programas de in-centivos do governo estadual. De fato, os resultados da política estadual no Ceará, na última década, expressam o papel fundamental da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado no que diz respeito à concessão de incentivos de várias ordens que, em grande medida, beneficiaram empresas exportadoras, especialmente de couros e calçados. Do conjunto de empre-sas que participaram com pelo menos 1% da pauta de exportação estadual, naquele ano, mais da metade está contemplada em um ou mais Programas do Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI).

Tabela 9 – Ceará: empresas exportadoras (2006/2007) (US$) (%)

Empresas Valor (2007) % Valor (2006) % Δ%Total da área 1.148.357.273 100,00 961.874.415 100,00 19,39Total das principais empresas 1.009.125.923 87,88 785.329.327 81,65 28,50

01 Bermas Industria e Comercio Ltda 109.986.373 9,58 129.527.525 13,47 -15,09

02 Vicunha Textil SA 101.009.079 8,80 96.953.273 10,08 4,18

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160 Empresas incentivadas e o perfi l exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado

Empresas Valor (2007) % Valor (2006) % Δ%03 Grendene SA 96.710.157 8,42 76.192.836 7,92 26,9304 Disport Nordeste Ltda 80.114.218 6,98 65.357.975 6,79 22,58

05Iracema Industria e Co-mercio de Castanhas de Caju

49.559.363 4,32 42.857.400 4,46 15,64

06 Calcados Aniger Nor-deste Ltda 42.974.020 3,74 27.337.286 2,84 57,20

07 Vulcabras do Nordeste SA 42.716.862 3,72 30.643.124 3,19 39,40

08 Del Monte Fresh Pro-duce Brasil Ltda 36.305.377 3,16 20.458.912 2,13 77,46

09Bermas Maracanau Industria e Comercio de Couro

32.709.552 2,85 --- --- ---

10 Companhia Brasileira de Resinas-Resibras 29.019.041 2,53 24.746.122 2,57 17,27

11 Cia Industrial de Oleos do Nordeste Cione 28.695.759 2,50 17.636.401 1,83 62,71

12 Singer do Brasil Indus-tria e Comercio Ltda 24.469.452 2,13 6.463.438 0,67 278,58

13 Cascaju Agroindustrial SA 24.028.938 2,09 16.951.653 1,76 41,75

14 Amendoas do Brasil Ltda 23.296.224 2,03 16.183.087 1,68 43,95

15 Gerdau Acos Longos SA 22.555.100 1,96 15.077.897 1,57 49,59

16 Petroleo Brasileiro S/A Petrobras 21.133.144 1,84 18.963.777 1,97 11,44

17 ESMALTEC SA 19.075.863 1,66 12.578.314 1,31 51,66

18Usibras Usina Brasilei-ra de Oleos e Castanha Ltda

18.629.354 1,62 5.529.830 0,57 236,89

19 Pesqueira Maguary Ltda 17.691.606 1,54 14.359.075 1,49 23,2120 Cia Metalic Nordeste 14.759.009 1,29 7.281.870 0,76 102,6821 OLAM Brasil Ltda 14.746.976 1,28 18.840.242 1,96 -21,73

22 TBM Trade - Importa-cao e Exportacao SA 13.997.536 1,22 16.890.393 1,76 -17,13

23 Dafruta Industria e Comercio SA 13.054.459 1,14 7.032.503 0,73 85,63

24 H.Bettarello Curtidora e Calcados Ltda 11.951.097 1,04 10.431.574 1,08 14,57

25 Wobben Windpower In-dustria e Comercio Ltda 10.711.227 0,93 815.422 0,08 ---

26 Durametal SA 10.507.419 0,91 10.298.583 1,07 2,0327 Cerapeles Ltda 9.534.395 0,83 7.072.128 0,74 34,82

28Compex Industria e Comercio de Pesca e Exportação

8.021.543 0,70 10.974.934 1,14 -26,91

29 Fazenda Amway Nutrili-te do Brasil Ltda 7.944.653 0,69 1.531.217 0,16 418,85

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Empresas Valor (2007) % Valor (2006) % Δ%

30 Pontes Industria de Cera Ltda 7.858.837 0,68 4.483.665 0,47 75,28

31 Dakota Nordeste SA 7.579.682 0,66 6.070.314 0,63 24,86

32 MM Monteiro Pesca e Exportacao Ltda 7.506.672 0,65 9.136.836 0,95 -17,84

33 Agricola Cajazeira Ltda 7.160.304 0,62 235.101 0,02 ---34 Von Roll do Brasil Ltda 6.865.327 0,60 5.288.032 0,55 29,83

35 Fitesa Horizonte Indus-trial Ltda 6.833.837 0,60 1.975.681 0,21 245,90

36 Granitos SA 6.823.845 0,59 7.239.882 0,75 -5,75

37 JS Tropical Comercio de Frutas Ltda 6.119.017 0,53 5.405.090 0,56 13,21

38Intermelon Comercial Exportadora e Impor-tadora

5.767.714 0,50 7.459.382 0,78 -22,68

39 Carnauba do Brasil Ltda 5.435.216 0,47 1.806.426 0,19 200,88

40 Foncepi Comercial Exportadora Ltda 5.267.676 0,46 7.242.127 0,75 -27,26

41 Demais Empresas 139.231.350 12,12 176.545.088 18,35 -21,14

Fonte: BRASIL, 2008. As empresas destacadas são aquelas que são contempladas com incentivo do FDI.

5. Empresas incentivadas e a recomposição da pauta exportadoraO Fundo de Desenvolvimento Industrial beneficiou empresas de vários seg-mentos industriais por meio de concessão de incentivos atrelados do Provin. A reformulação do programa ocorrida em 1995 impulsionou sobremaneira a atração de investimentos a partir desse ano. Apesar de não ser um Programa orientado para o estímulo da atividade exportadora, várias empresas contem-pladas por ele se mostraram, ao longo do tempo, competitivas no mercado externo, conforme mostrou a Tabela 9.

No entanto, a partir de 1996, começaram a ser assinados os contratos referentes ao programa de incentivos – Proapi – com a finalidade de atrair empresas de couros e calçados de fora do estado que destinassem toda ou parte de sua produção ao mercado externo. O primeiro contrato data de 1996 e foi assinado com a empresa Canindé Calçados Ltda., localizada no município de Canindé. A partir daí foram firmados outros nos anos subse-quentes até 2002, envolvendo 19 municípios no total. Com exceção de uma empresa de couros e peles, denominada Bermas Indústria e Comércio Ltda., originária da Itália, a qual assinou protocolo em 1999, as demais pertencem ao setor calçadista. Das 15 empresas desse setor beneficiadas pelo Progra-ma, com contrato em curso em 2007, 10 são originárias do Estado do Rio

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Grande do Sul. Essas unidades produzem produtos finais e intermediários traduzidos em: sapatos femininos, masculinos e infantis, botas femininas, tênis, sandálias, tamancos; saltos, solas, palmilhas, couros e peles.

Não tardou para que as repercussões na pauta de exportação do Estado do Ceará se fizessem sentir. Em 1997, as exportações do setor calçadista começaram a tomar impulso de maneira efetiva, quando então chegaram a participar com 10% da pauta estadual. A partir daí só há registro de cres-cimento das vendas tanto em valor quanto no quantum, alguns anos com maior outros com menor intensidade (Tabela 10 e Gráficos 4 e 5). Em 2001, a parcela relativa desse setor na pauta de exportação do Ceará ultrapassou 20% e o setor passou a se posicionar na primeira posição no ranking, colo-cação que se manteve em 2007 com mais de 25% do peso relativo. A totali-dade das exportações de calçados é efetuada pelas empresas incentivadas.

Quanto ao setor de couros e peles, constata-se que as vendas externas tiveram algum significado para a pauta estadual entre 1990 e 2007, com exceção de 1997 e 1998. No entanto, a partir de 1999, com a entrada em operação da empresa Bermas Indústria e Comércio, esse setor sustentou, nos anos subsequentes, incremento das vendas externas em valor e em quantum e passou, assim, a fazer parte da configuração dos principais ex-portadores do estado, ocupando posição cada vez de maior destaque. Essa empresa é, nos dias atuais, a única responsável pela exportação estadual desse setor. Desde 2005, esse setor tem se firmado na terceira colocação, na frente dos setores de algodão e de peixes, historicamente dois dos maiores exportadores estaduais (Tabela 10 e Gráficos 4 e 5).

Tabela 10 – Ceará: exportação de calçados e de couros (1990-2007) (US$) (índice de valor-IVX) (% na pauta estadual)

AnoCalçados Couros e Peles

Valor IVX % Valor IVX %1990 1.379.954 - 0,60 16.613.482 - 7,201991 4.164.043 301,75 1,54 10.554.293 63,52 3,901992 3.769.310 90,52 1,24 9.456.433 89,60 3,111993 4.839.701 128,40 1,76 7.405.515 78,31 2,691994 4.862.349 100,04 1,45 10.546.101 142,41 3,151995 2.981.377 61,31 0,85 10.307.620 97,74 2,921996 10.269.054 344,44 2,25 9.228.477 89,53 2,521997 35.324.950 343,99 10,01 2.742.654 29,72 0,781998 65.627.412 185,78 18,46 2.692.664 98,18 0,761999 71.651.803 109,18 19,30 23.793.790 883,65 6,412000 81.252.002 113,40 16,41 53.663.444 225,54 10,842001 106.458.007 131,02 20,20 67.380.071 125,56 12,782002 110.769.431 104,05 20,37 64.267.152 95,38 11,79

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Empresas incentivadas e o perfi l exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado 163

AnoCalçados Couros e Peles

Valor IVX % Valor IVX %2003 167.514.704 151,23 21,97 87.647.025 136,38 11,492004 186.520.089 111,35 21,70 110.546.242 126,13 12,832005 205.201.999 110,03 21,99 117.109.354 105,94 12,542006 237.714.309 115,90 24,74 127.891.898 109,21 13,302007 300.847.336 126,44 26,20 144.454.209 112,95 12,58

Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

Gráfi co 4 – Ceará: exportações de calçados e de couros e peles (1990-2007) (2006 = 100)

Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

Gráfi co 5- Ceará: Índice de quantum das exportações de calçados e de couros e peles (1990-2007) (2006 = 100)

Fonte: FUNCEX, 2008. Elaboração própria.

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Existe significativa concentração do destino das vendas externas do se-tor calçadista cearense. Nos últimos três anos, Estados Unidos, Argentina e Reino Unido têm adquirido o correspondente a 65% do valor das vendas deste setor cearense. As vendas externas do setor de couros expressam mui-to mais forte concentração. Itália (país de origem da empresa exportadora), Estados Unidos e China. Em 2007, o primeiro adquiriu 50% do total vendido pela empresa citada anteriormente e os três juntos perfizeram 75% (Gráfi-cos 6 e 7). Os calçados mais vendidos ao exterior pela indústria cearense na década de 2000 são os transformados a partir de matéria-prima sintética e couro. Os primeiros expressaram crescimento tanto da quantidade quanto do valor das vendas externas estaduais no decênio. A participação desse tipo de calçado no total das vendas externas estaduais do setor passou de 32% em 2002 para 42% em 2007. De seu lado, o segmento de caçados de couro registrou maior contribuição no total exportado em 2007, reflexo principalmente da evolução do preço unitário nos últimos cinco anos, visto que o aumento da quantidade exportada não foi significativo no período.

Tabela 11 – Ceará: exportações de calçados e de couros e peles segundo destino (2005-2007) (US$) (Participação)

Países2007 2006 2005

Valor Part. Valor Part. Valor Part.CalçadosEstados Unidos 85.767.049 0,2851 89.431.602 0,3759 82.538.145 0,4020Argentina 58.617.801 0,1948 39.045.481 0,1641 34.218.837 0,1667Reino Unido 47.572.459 0,1581 29.231.498 0,1229 15.536.786 0,0757México 16.784.342 0,0558 22.201.913 0,0933 24.957.012 0,1216Paraguai 13.795.715 0,0459 10.967.897 0,0461 8.091.870 0,0394Venezuela 11.477.216 0,0381 6.900.391 0,0290 4.236.069 0,0206Espanha 6.170.733 0,0205 4.051.835 0,0170 2.702.170 0,0132Bolívia 5.881.063 0,0195 3.941.218 0,0166 2.728.357 0,0133Angola 3.876.845 0,0129 715.855 0,0030 419.939 0,0020Colômbia 3.296.851 0,0110 2.126.237 0,0089 1.943.437 0,0095Portugal 3.160.083 0,0105 689.662 0,0029 915.272 0,0045Couros e PelesItália 71.403.990 0,4943 54.829.428 0,4287 23.099.162 0,2151Estados Unidos 21.682.734 0,1501 9.097.557 0,0711 12.542.590 0,1168China 14.733.133 0,1020 13.718.227 0,1073 9.731.682 0,0906Indonésia 11.639.075 0,0806 2.152.369 0,0168 – 0,0000México 6.225.468 0,0431 2.020.816 0,0158 478.758 0,0045Hong Kong 5.587.776 0,0387 12.387.271 0,0969 11.426.051 0,1064Tailândia 4.730.477 0,0327 4.438.703 0,0347 7.349.939 0,0685Vietnã 3.722.813 0,0258 526.139 0,0041 – 0,0000

Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

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Gráfi co 6 - Ceará - Exportações de calçados segundo destino (2007

Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

Gráfi co 7 - Ceará - Exportação de couros segundo destino (2007)

Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

6. Notas conclusivasO comércio exterior do Ceará reagiu pouco no período imediatamente após à abertura comercial propriamente dita no que se refere ao grau de abertu-ra de sua economia. Até a primeira metade da década de 1990, a pauta de exportações do Estado do Ceará pouco se modificou, no entanto, a partir de 1997, pode-se claramente identificar uma recomposição na sua estrutura. O crescimento das vendas externas estaduais, que tem lugar a partir de 1999, está, em grande medida, intrinsecamente associado aos incentivos advindos da política industrial do estado, os quais conduziram a mudanças no perfil da pauta. Produtos tradicionais na pauta estadual como têxteis e castanha de caju cedem lugar aos produtos pertencentes, fundamentalmen-

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te, aos setores de couros e calçados transformados por empresas atraídas para o estado pelos incentivos do governo local.

As exportações do Ceará têm apresentado crescimento anual significati-vo a partir de 2003, ano em que foram registrados recordes de crescimento tanto do quantum quanto do valor exportado. Esses resultados revelam, em primeira aproximação, que o estado vem participando, em certa medida, para a dinâmica recente das vendas externas nacionais nos últimos anos. A efetiva contribuição do estado para o crescimento das exportações nacio-nais foi da ordem de 3% anuais entre 2002 e 2005.

Na pauta exportadora cearense, há predominância dos setores inten-sivos em recursos naturais e em mão de obra, caracterizando claramente uma especialização do estado em produtos que se apoiam em vantagens comparativas clássicas. Essa pauta é, essencialmente, constituída de bens produzidos sob condições de baixa intensidade tecnológica, na medida em que os setores que participam com mais de 10% da pauta exportadora estão enquadrados nessa categoria. A realidade cearense expressa que seria difícil uma mudança significativa na pauta de exportação em direção a produtos com maior conteúdo tecnológico.

De fato, os setores industriais que despontaram nos últimos 10 anos como exportadores de relevância foram aqueles estimulados pela política industrial implementada pelo governo do estado que de, alguma forma, buscou potencializar algumas vantagens comparativas do Ceará, como é o caso dos setores de calçados e couros e peles e que requerem baixo conteú-do tecnológico para processamento, portanto nessa perspectiva de análise, o perfil da pauta exportadora praticamente não se altera.

A distribuição das exportações e importações reflete certa concentração em nível setorial e de destino tanto para as vendas quanto para as compras, contudo, tem se verificado tendência mais recente à desconcentração, o que favorece inserção externa menos dependente. No entanto, as vendas para o exterior assim como as compras continuam concentradas em poucas empresas sem que tenha havido algum processo desconcentrador nos últi-mos anos. A economia cearense ainda conserva no comércio externo forte peso nas trocas intersetoriais características da exploração de vantagens comparativas.

O comportamento dos destinos dos produtos cearenses está atrelado, em grande medida, à dinâmica da demanda dos Estados Unidos e do Mer-cosul, principais parceiros do estado, como referência para a análise de competitividade de setores exportadores. A proximidade geográfica do Ce-ará ao mercado norte-americano reforça ainda mais o potencial comprador daquele país.

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Sem sombra de dúvidas, os setores incentivados pelos programas gover-namentais atrelados ao FDI, fundamentalmente o Proapi, orientaram a re-composição da pauta exportadora cearense a partir da segunda metade da década de 1990. Esse programa específico para os setores calçadistas e cou-ros visou exclusivamente o comércio externo e como tal surtiu o efeito espe-rado. Quanto à repercussão na economia estadual, constata-se que cada um deles rebate de maneira diferenciada localmente. As empresas incentivadas do setor calçadista são importantes geradoras de empregos diretos e a de couros geradora de poucos postos de trabalho. Os insumos são adquiridos, em sua maioria, fora do estado para o setor calçadista usufruindo pouco, portanto, o Estado dos fortes efeitos em cadeia próprios deste setor. De seu lado, o couro, utilizado pela empresa transformadora de couros e peles, é exclusivamente originário de fora do Ceará. As atividades de P&D dessas empresas são desenvolvidas em suas matrizes localizadas no estado/país de origem onde ocorre o desenvolvimento de produtos.

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Em direção a uma integração virtuosa: o caso da economia baiana88

Hamilton de Moura Ferreira JuniorLúcio Flávio da Silva Freitas

Fábio Batista Mota

1. IntroduçãoO presente artigo, em caráter exploratório, busca discutir a inserção econô-mica do Estado da Bahia, suas limitações e oportunidades, bem como apon-tar tendências em curso para orientar políticas públicas voltadas para o crescimento econômico. Deve-se notar que, embora crescente quando com-parado a outros estados da federação, a participação baiana ainda é bastan-te reduzida diante das possibilidades que se podem agora vislumbrar. Ser o estado maior exportador do Nordeste revela, de certa forma, o tamanho dos problemas da região e não o sucesso local – até 2002 a Bahia gerava 34% do PIB da região, porém o Nordeste participava com apenas 13,4% do PIB brasileiro. Sabe-se que o comércio exterior da Bahia está concentrado em poucos produtos, semi-manufaturados, que têm origem em poucos setores e exíguo número de empresas – apenas quatro empresas realizam mais de 50% das importações e das exportações do estado. Cabe, então, apresentar a pergunta básica de investigação que norteou o desenvolvimento deste tra-balho: quais oportunidades disponíveis para a Bahia poderiam lhe permitir caminhar rumo a uma integração virtuosa? Duas alternativas foram anali-sadas, o adensamento da cadeia produtiva através do Complexo Industrial Ford Nordeste (CIFN) e a valorização dos setores intensivos em recursos.

O trabalho está estruturado em mais quatro seções, além desta introdu-tória e das considerações finais. Na primeira, procede-se uma breve discus-são dos determinantes do comércio mundial e do investimento externo di-reto. Neste ponto, são revelados os padrões de interação entre os países do Norte e os do Sul e aqueles referentes aos países do Sul. Na segunda parte é realizada uma breve análise do comércio exterior da Bahia, observando al-

88. Os autores agradecem a colaboração da Sra. Nívea Santana, Coordenadora do APL automo-tivo da Bahia, da SECTI – Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado da Bahia.

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guns dos seus principais problemas e possibilidades. Trata-se de uma apre-sentação de cunho setorial, focalizada nos principais produtos presentes na pauta de exportação da Bahia. A seguir é discutida a pauta de exportações da Bahia, no período entre 1995 e 2005, inferindo as limitações do estado em termos de sua competitividade. A quarta seção apresenta sugestões para uma integração virtuosa da economia baiana.

2. Breve panorama internacionalO Gráfico 1, abaixo, ilustra os novos padrões de comércio exterior e de espe-cialização da economia mundial. Faz-se, aqui, referência explícita à impor-tância das redes de produção internacional na Ásia como a mais moderna forma de articulação intra-regional da atualidade. Na verdade, o Trade and Development Report de 2005, da Unctad, chega a falar em nova geografia do comércio. Esta se caracteriza por três aspectos: a) crescente participação das exportações de manufaturas nas exportações mundiais; b) acelerada participação dos países em desenvolvimento no comércio mundial de ma-nufaturas com alta intensidade de tecnologia; c) e forte crescimento do comércio Sul-Sul no comércio global – “[...] o comércio Sul-Sul como per-centual das exportações dos países em desenvolvimento aumentou de 25% em 1965 para 43% em 2003” (UNCTAD, 2005, p. 130). Um aspecto crucial para os países latinos é que a China e os Países de Industrialização Recente (PIRs) da Ásia (Coreia do Sul, Taiwan, Singapura e Hong Kong) respondem por mais da metade do crescimento das exportações dos países em desen-volvimento. O detalhe significativo é que “[...] as exportações Sul-Sul como percentagem das exportações dos países em desenvolvimento para os paí-ses desenvolvidos (comércio Sul-Norte) mais que dobrou, alcançando 74% em média no período 2000 a 2003 (e mais de 80% em 2003)” (ibid).

Como explicar o impulso tomado pelo comércio Sul-Sul? Em primeiro lugar, o retorno ao crescimento econômico, depois do longo pesadelo que foram as renegociações periódicas da dívida externa dos países em desen-volvimento nos anos oitenta. A busca de dólares fez com que o conjunto dos incentivos à exportação estivesse focalizado nos países detentores de moeda forte em reserva. O resultado foi o crescimento do comércio Sul-Norte em detrimento do comércio Sul-Sul. Em segundo lugar, a liberaliza-ção do comércio mundial e, no interior das políticas econômicas no Sul, a mudança de sinal na direção de maior abertura comercial e tentativa de inserção nos fluxos de comércio e da produção em nível mundial. Por fim, três fatores atuaram de forma a estimular um maior comércio internacional na direção Sul-Sul: mais rápido crescimento dos países em desenvolvimen-to relativamente aos países desenvolvidos; países com grande tamanho e

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crescimento na periferia; e a crescente especialização regional no marco das redes de produção regional, particularmente, mas não apenas, na Ásia (em 2003, 75% do comércio Sul-Sul aconteceu na Ásia). Além disso, este comércio é profundamente concentrado em poucos países: as 10 mais im-portantes economias no comércio Sul-Sul dão conta de 84% do comércio e 74% do total das importações Sul-Sul (UNCTAD, 2003).

Gráfi co 1 – Evolução das exportações Sul-Norte e Sul-Sul por categoria de produto 1976-2003.

Fonte: Adaptado de Unctad, 2005.

Quando se trata de manufaturas, a concentração comercial é mais forte ainda – considerado o total das exportações e importações: as 10 economias mais importantes realizam 90% do total das exportações Sul-Sul. Mais ain-da, apenas as exportações de Hong Kong e da China juntas perfazem 40% deste total, representam 20% do comércio total de mercadorias e cerca de 25% do comércio de manufaturados entre os países em desenvolvimento

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(ibid). Deve-se observar que parte importante deste comércio é resultado do chamado comércio triangular decorrente da montagem das redes de manufatura na Ásia. O sentido geral dessas redes de subcontratação inter-nacional, ou modelo SCI, é o seguinte:

[...] menor custo de transporte e comunicações e reduzidas barreiras regulatórias têm facilitado a produção compartilha-da em base global. A produção compartilhada é geralmente concentrada em produtos intensivos em mão de obra; mas ela também envolve a localização em diferentes lugares de seg-mentos intensivos em trabalho e outros processos de produção tecnologicamente complexos. Isto permite às firmas explorar a vantagem comparativa de diferentes localizações específi-cas para a produção de componentes particulares, incluindo economias de escala e diferenças nos custos do trabalho entre diferentes países (UNCTAD, 2003, p. 136-7).

São pertinentes algumas observações acerca dos padrões de comércio internacional. Primeiro, as exportações dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos estão concentradas em três categorias de pro-dutos, a saber: produtos manufaturados intensivos em tecnologia e mé-dia qualificação; produtos eletrônicos, exclusive partes e componentes; e partes e componentes para produtos eletrônicos. Já as exportações Sul-Sul estão compostas por: produtos manufaturados intensivos em recursos e em trabalho; produtos eletrônicos, exclusive partes e componentes; e partes e componentes para produtos eletrônicos. Ademais, as atividades nas quais a América Latina evoluiu nos últimos dois decênios são: serviços não-comer-cializáveis; indústrias de transformação de recursos naturais e bens inter-mediários (como papel e celulose, ferro e aço, azeites vegetais); indústria maquiladora de produtos eletrônicos (televisores, aparelhos de vídeo), ves-tuário e, por último, a indústria automobilística, beneficiada por programas de incentivo específicos (UNCTAD, 2003). Porém, cerca de um terço da produção e dois terços do comércio mundial estão na esfera de controle das empresas transnacionais; deste último, cerca de um terço são trocas intrafirmas. Dos cinqüenta setores mais dinâmicos em termos das importa-ções da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas dois são classificados como produtos baseados em recursos naturais (peixes frescos e crustáceos e moluscos).

Ainda do ponto de vista externo, algumas questões condicionam a im-plementação e o avanço das proposições de políticas nacionais ou de âmbi-to regional: o cenário internacional, que restringe a extensão e a profundi-

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dade da política econômica nacional; e a crescente complexidade das novas tecnologias e das relações interfirmas.

Embora extremamente concentrado, o comércio mundial, de forma re-corrente, abre espaço para novos entrantes, ou seja, janelas de oportunida-de são recriadas, por vezes, em razão de mudanças acentuadas no cenário internacional. A questão central é que cerca de dois terços deste comércio é do tipo administrado (no interior de circuitos privilegiados entre corpo-rações transnacionais). O livre comércio está restrito a um terço das trocas comerciais no mundo. De certa forma, nos países avançados, a menor im-portância das commodities industriais resulta do próprio desenvolvimento. Não apenas parte significativa dos investimentos intensivos em recursos (exclusive os investimentos dirigidos para a exploração de novos recursos energéticos) já foi realizada, como os novos desenvolvimentos tecnológicos são intensivos em cooperação e conhecimentos. Este é o mesmo motivo que explica a enorme importância da China como demandante fundamental de produtos intensivos em recursos naturais.

A inserção externa focalizada em produtos intensivos em recursos é factível e importante. A questão central é não confundir especialização do País com especialização regional ou estadual. Enquanto pequenos países podem adotar especializações restritas a um conjunto limitado de produtos dinâmicos, grandes economias podem e devem explorar tanto as vantagens decorrentes da dotação de recursos quanto as vantagens adquiridas através do aprendizado e da imitação. Aqui surgem duas questões. A primeira, de ordem mais geral, atribui ao mercado a capacidade de estruturar a ativi-dade econômica dos países. No entanto, isto só ocorre quando diversos requerimentos sistêmicos (como a oferta de bens públicos e várias externa-lidades) são fornecidos ao setor privado. O que o período recente, a cha-mada globalização, tem também apresentado é a permanência de sólidas comunidades, quando elas já existiam, através da manutenção e aprofunda-mentos de várias identidades de dimensão cultural e histórica. Parece que as relações decorrentes da formação de renda interna em vários setores, da geração e fornecimento de bens públicos, da estruturação na sociedade civil de organizações promotoras da cooperação, e daí de atividades econômicas que resultam e ganham competitividade com a ação coletiva, são muito importantes para a formação de comunidades de alguma forma solidárias. Por essas razões, entre outras, vários arranjos produtivos locais (APLs) en-contram enormes dificuldades para se reproduzirem. A falta de confiança entre seus membros, e certamente os seus maiores beneficiários, impede a ação coletiva no sentido da aquisição e compartilhamento de ativos que ultrapassam em preço ou volume de produção as necessidades de uma em-

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presa particular. O problema é que a cooperação é intensiva em valores compartilhados e não apenas em relações tipicamente mercantis.

A segunda questão está relacionada à baixa taxa de crescimento dos produtos intensivos em recursos e mão de obra. Tais mercados crescem lentamente, em face do maior dinamismo dos setores intensivos em tec-nologia. É importante frisar que os prognósticos mais pessimistas com res-peito à substituição do cobre, nas linhas de transmissão de comunicações, por fibras óticas, simplesmente não ocorreram de forma a levar o Chile, por exemplo, à extrema penúria ou à exclusão do comércio mundial. Pelo contrário, o próprio progresso técnico encontrou meios para rejuvenescer e preservar uma tecnologia considerada velha por analistas e formuladores de cenários.

Uma outra dimensão importante diz respeito ao aprofundamento da di-visão internacional do trabalho na manufatura. É fundamental perceber que a “externalização da manufatura” abre uma janela de oportunidade para novos entrantes. O importante é identificar precisamente os fatores de atração destes investimentos. Nas cadeias produtivas em que o investimen-to internacional é do tipo busca de eficiência e controlado pelo comprador (buyer-driven) – como na agro-indústria –, o fornecimento de externalidades para incrementar a qualidade dos produtos em direção a segmentos mais nobres e a oferta de serviços de apoio e logística parece crucial para o êxito de uma estratégia exportadora. A questão é articular as políticas produtivas e tecnológicas de tal forma que resulte em planos de ação focalizados no incremento da produtividade dos recursos existentes ou relacionados com a base de conhecimentos da região. Já nas cadeias produtivas dominadas pelo produtor (producer-driven), são necessários esforços no sentido de for-necer as economias externas derivadas da aglomeração: “Nas redes de pro-dução dominadas pelo produtor, tais como automóveis e eletrônicos, forte integração é importante, através de um considerável clustering de firmas” (UNCTAD, 2006, p. 160).

3. Breve panorama da economia baiana Entre as décadas de 1950 e 1980, o Estado da Bahia modifica sua estrutura e passa de um modelo primário-exportador para uma economia de base industrial, de modo complementar às regiões Sul e Sudeste do País. Ao lado de um sistema produtivo agropecuário ancorado em produtos tradicionais, fixou uma estrutura industrial baseada na produção de commodities inter-mediarias. Esta estratégia permitiu, ao longo do período, que a Bahia con-solidasse um setor industrial representativo na composição do produto do

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estado, alterando o perfil agro exportador até então predominante. Entre os anos de 1960 e 1980, verifica-se que a indústria elevou sua participação na composição do PIB de 12% para 32%, enquanto que a participação do setor primário foi reduzida de 40% para 16% – em parte devido à crise que se abateu sobre segmentos importantes do agronegócio (cacau, feijão). Res-salte-se que a contribuição da indústria para a arrecadação do ICMS, saltou de 30% em 1975 para cerca de 55% em 1985, contribuindo a petroquímica com 64% do total. Em meados de 1980 o setor químico representava cerca da metade do valor agregado bruto da produção industrial do estado, com metade da atividade econômica concentrada na Região Metropolitana de Salvador (RMS).

O que se observou até então foi que o desenvolvimento da Bahia se caracterizou não apenas por descontinuidades, mas, também, por uma es-trutura econômica concentrada, tanto do ponto de vista setorial como espa-cial. Observe-se que os setores de bens intermediários que caracterizavam a economia do estado eram limitados em sua capacidade de articulação e de absorção de mão de obra. O segmento químico-petroquímico que já repre-sentava mais de 50% do valor agregado da produção industrial em meados da década de 1980 empregava apenas 14,5% do total da mão de obra ocu-pada. Estas atividades, no entanto, produziram impactos importantes na geração de empregos indiretos, conduzindo a resultados positivos no pro-cesso de modernização e ampliação das atividades comerciais, de serviços e de construção civil, contribuindo sobremaneira para o surgimento de uma infraestrutura de serviços ao derredor da capital do estado.

Nos primeiros anos da década de 1990, em face da elevada concentra-ção da sua economia em commodities oriundas da indústria petroquímica, o estado sofreu com mais rigor os efeitos das transformações estruturais com a abertura comercial e desregulamentação econômica verificadas na economia brasileira. Nesse período, ocorreu no setor petroquímico, que é reconhecido pelo seu comportamento cíclico, uma superoferta de commodi-ties. Este fato, conjugado à exposição à concorrência externa e às condições sistêmicas internas desfavoráveis, como taxas cambial e de juros, além do regime tributário, fez com que o setor assumisse uma posição estratégica de defesa, ajustando-se às condições de acirramento da concorrência. Neste contexto, o segmento petroquímico e os setores produtores de bens inter-mediários passaram por um processo de reestruturação, buscando ganhos de produtividade através de automação e racionalização administrativa. O que se viu, na prática, foi um intenso processo de fusões e incorporações, e terceirizações e redução de postos de trabalho, que se prolongou por toda a década de 1990. Como resultado, em 1994, o Polo Petroquímico de Ca-

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maçari – que em 1990 empregava cerca de 20 mil pessoas de forma direta – apresentava um quadro de pouco mais de 13 mil empregos.

Embora a indústria petroquímica baiana tenha passado por esta rees-truturação e reduzido significativamente os empregos, sua participação relativa na estrutura da indústria de transformação não chegou a ser com-prometida, mantendo-se acima dos 50%. O setor de metalurgia, no qual se verificou também redução dos postos de trabalho, permaneceu com sua participação no valor agregado bruto da transformação industrial por vol-ta dos 15%. Entre meados da década de 1980 e meados da de 1990, nos segmentos de metais não ferrosos e mecânico, os postos de trabalho caíram de aproximadamente 20 mil para oito mil empregos. Não obstante este ce-nário, os dois segmentos, petroquímico e metalúrgico, representaram mais de 60% da estrutura da indústria de transformação no decorrer da década, sendo que a sua participação no valor agregado bruto da transformação industrial da Bahia ultrapassava 70% em 1999.

Durante os anos 1990, passou a fazer parte do desenvolvimento do es-tado a estratégia de integração vertical de cadeias de produção, com a im-plantação de indústrias produtoras de bens finais que fossem capazes de aproveitar a oferta estadual de produtos agropecuários e bens industriais intermediários. Estimulou-se a criação de um mercado local de peças, com-ponentes e embalagens, entre outras medidas de incentivo, tendo em con-sideração que o estado representava, já no início da década de 1990, cerca de 40% do mercado do Nordeste, com escala de produção que possibilitaria viabilizar empreendimentos deste porte. Portanto, colocou-se em destaque uma estratégia que já era apresentada em anos anteriores como alternativa adicional para o desenvolvimento da Bahia.

A partir dos anos 2000, o estado passa a referir-se explicitamente à ne-cessidade de maior integração de cadeias de produção, visando absorver parte da produção de bens intermediários, assim como pela sua capacidade de geração de empregos. É também neste período recente que reconhece a necessidade de promover a desconcentração espacial das atividades eco-nômicas – embora tenha havido avanços (especialmente no Extremo Sul, Oeste e Baixo São Francisco), a Região Metropolitana de Salvador con-tinuava respondendo por cerca de 50% do valor da produção gerada no estado. Foi neste cenário que o conceito de integração logística adquiriu importância, considerando que a base da desconcentração espacial estaria no desenvolvimento integrado das regiões do estado. Esta situação funda-mentou o argumento que subsidiou a divisão do Estado da Bahia em oito grandes eixos de desenvolvimento, nos quais os critérios de definição estão associados aos fluxos principais de mercadorias e aos corredores de escoa-mento disponíveis.

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Ao longo dos anos 1990 verificou-se também a expansão em alguns se-tores econômicos que contaram com uma política mais ativa do governo, tais como: papel e celulose, transformação plástica, fabricação de calçados e eletroeletrônicos. Pode-se ainda fazer referências aos investimentos em segmentos de alimentos e bebidas, cerâmica, polo pirotécnico etc. As políti-cas aplicadas para a atração de investimentos, de um modo geral, seguiram a orientação de promover o adensamento das cadeias produtivas e a inte-riorização das atividades econômicas.

Não obstante os movimentos de diversificação buscados pelo estado te-nham obtido algum êxito, a composição do PIB baiano sofreu alterações consideradas pequenas em termos setoriais. Neste contexto, espera-se que o Complexo Industrial Ford Nordeste, instalado em Camaçari, pela magnitu-de dos investimentos e pelas articulações intersetoriais que é capaz de pro-mover, possa impulsionar modificações estruturais na economia do estado e produzir resultados e taxas de crescimentos expressivas.

Contudo, ainda persistem, do ponto de vista interno, alguns problemas fundamentais para uma inserção virtuosa da economia baiana. Teixeira e Guerra (2000) delinearam os aspectos importantes que fomentaram a ins-talação do parque industrial instalado no estado e descreveram a reação da economia baiana a esses eventos: a indústria entrante recebeu todo apoio governamental (em todos os níveis de governo) e, na medida em que se materializavam no tecido produtivo local, geravam grandes ondas de ex-pansão logo arrefecidas. Posteriormente, a abertura comercial brasileira revelou as ineficiências da estrutura industrial com a consequente redução do emprego e da renda. Os problemas locais são ainda mais difíceis de solu-cionar porque se revelam em comportamentos pouco empreendedores e de formação técnica cujo encaminhamento encontra solução apenas à longo prazo. Nas palavras dos autores:

[...] sem dúvida que boa parte da explicação para as deficiên-cias competitivas das empresas locais está relacionada com os baixos investimentos em atividades de aprendizado e inovação tecnológica e gerencial. O conservadorismo e a aversão ao risco do nosso empresariado podem ajudar a explicar essa situação. Mas isso, certamente, não é tudo. Temos carência de pessoal ca-pacitado em todos os níveis. A suposta criatividade da mão de obra baiana não parece ser suficiente para engendrar um pro-cesso virtuoso de aprendizado neste momento em que o mun-do vive uma fase de transição entre dois distintos paradigmas técnico-econômicos (TEIXEIRA; GUERRA, 2000, p. 14).

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Neste panorama, externo e interno, quais os indicadores das relações co-merciais da Bahia que apontam para problemas e oportunidades no sentido de uma inserção virtuosa da economia baiana?

4. Pauta de exportação da BahiaO comportamento das exportações pode ser considerado um indicador de competitividade de um sistema econômico, podendo-se delimitar o sistema em análise a um território – país, região, estado, município etc. Sua limita-ção, como indicador, é que, em uma análise pontual, fica difícil separar os fatores conjunturais de mercado das forças competitivas estruturais.

Para se beneficiar da globalização, um sistema econômico deve ser ca-paz de criar empresas que se articulem a cadeias de valor global dinâmicas, bem como aprimorar eficiência e capacitações para enfrentar as mudanças tecnológicas e nos preços relativos dos fatores produtivos. Mesmo a Bahia sendo um dos estados mais diversificados da região Nordeste, em termos de pauta de exportação, há indícios de uma grande concentração da pauta em setores pouco dinâmicos em relação ao mundo e uma alocação de recursos não convergente com as exportações mundiais (XAVIER; VIANA, 2006).

À luz dessas observações, analisou-se o comportamento geral da pauta de exportações do Estado da Bahia. Primeiramente, destacam-se os princi-pais segmentos exportadores do estado em 1995, 2000 e 2005 (vide Tabela 1), na tentativa de identificar mudanças na pauta de exportações decorren-tes das transformações industriais no estado ao longo da última década.

A pauta de exportações da Bahia reflete a história do processo de indus-trialização do estado, primeiramente concentrado na produção de bens in-termediários. Os produtos químicos e petroquímicos nos anos 1995 e 2000 respondiam por aproximadamente 33% das vendas externas. O ciclo inicial de industrialização do estado ocorreu no final dos anos 1970 com a implan-tação do Polo Petroquímico de Camaçari, induzido pela política nacional de industrialização, que visava diminuir a dependência da indústria doméstica em insumos importados e reduzir as desigualdades regionais; e ocorre no período em que se completava o ciclo de industrialização por substituição de importações. O Estado da Bahia foi escolhido como local para instalação do polo petroquímico por ser, àquela época, o único produtor de petróleo, por já contar com uma refinaria, com um porto no meio da costa brasileira, e, finalmente, pela sua localização entre as regiões Sudeste e Norte-Nordes-te (GUERRA, 2001).

A partir de 1990 as políticas públicas se voltam à diversificação desse modelo de industrialização visando, no longo prazo, consolidar no estado

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atividades manufatureiras de bens de consumo final. Para se atingir este objetivo, utiliza-se intensamente os mecanismos fiscais de atração de inves-timentos industriais, cuja implementação foi possível graças aos esforços de saneamento fiscal e financeiro do estado. Por outro lado, a localização estratégica do estado, entre os mercados do Nordeste e Sudeste, e a presen-ça de uma indústria produtora de bens intermediários também contribuem para reforçar a política de atração de empresas.

As transformações na pauta de exportações ocorridas na última década refletem as mudanças recentes na indústria de transformação do Estado da Bahia. A Tabela 1 sintetiza a pauta de exportações nos anos de 1995, 2000 e 2005. Exibem-se as vendas FOB dos principais segmentos; a participação de cada um deles no valor total exportado pelo estado; e os totais expor-tados pelo Brasil com os respectivos percentuais de participação da Bahia, nos três períodos.

Grosso modo, verifica-se que não houve muitas transformações nos re-sultados de exportação entre 1995 e 2000: a participação da Bahia nas exportações do Brasil declinou de 4,13% para 3,53%; os produtos químicos e petroquímicos lideravam a pauta, respondendo por cerca de 33% das ven-das FOB nos dois períodos; três segmentos – químicos e petroquímicos, me-talúrgicos e os produtos de celulose e papel – concentravam cerca de 50% das vendas externas nesses anos. Todas as outras categorias de produtos tinham percentuais abaixo de dois dígitos. Na pauta há predominância dos produtos industriais intermediários – a exemplo das resinas termoplásticas e dos derivados de cobre, no grupo metalúrgicos, e das commodities agríco-las, como soja, cacau, fumo e sisal. De 2000 para 2005, o valor exportado pelo estado triplicou. Provavelmente este bom desempenho foi favorecido pelo aumento dos preços das commodities industriais, agrícolas e minerais no mercado internacional, decorrente da dinâmica da economia internacio-nal, estimulada pelo crescimento da China, assim como pela expansão do agronegócio no Brasil.

Tabela 1 – Exportações do Estado da Bahia: principais segmentos e participação do estado nas exportações do Brasil (1995-2000-2005)

Valores (US$ 1.000 FOB)

Segmentos1995 1995 2000 2000 2005 2005

US$ 1000 % US$ 1000 % US$ 1000 %Derivados de Petróleo 98.104 5,11 192.643 9,91 1.375.657 22,97Químicos, petroquímicos e transformação plástica 652.206 33,98 636.095 32,74 1.152.388 19,25

Automotivo 872.186 14,57Metalúrgicos 328.949 17,14 186.840 9,62 578.294 9,66Papel e celulose 301.013 15,68 291.430 15,00 434.363 7,25

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Segmentos1995 1995 2000 2000 2005 2005

US$ 1000 % US$ 1000 % US$ 1000 %Soja, mamona e derivados 40.500 2,11 139.063 7,16 377.174 6,30Cacau e derivados 118.629 6,18 99.276 5,11 224.401 3,75Minerais 123.703 6,45 108.376 5,58 154.801 2,59Frutas e suas preparações 24.220 1,26 36.159 1,86 103.581 1,73Algodão 96.112 1,61Café e especiarias 89.054 1,49Couros e peles 29.888 1,56 23.533 1,21 71.597 1,20Móveis e semelhantes 68.236 1,14Sisal e derivados 51.293 2,67 44.521 2,29 63.552 1,06Calçados e suas partes 56.032 0,94Borracha e suas obras 46.797 0,78Maquinas, aparelhos e materiais. elétricos 38.826 0,65

Fumo e derivados 28.243 1,47 15.353 0,79 18.613 0,31Pesca e aquicultura 18.118 0,30Demais segmentos 122.444 6,38 169.679 8,73 147.962 2,47Total Bahia 1.919.192 100,00 1.942.968 100,00 5.987.744 100,00Bahia/Brasil (%) 4,13 3,53 5,06 Total Brasil 46.506.000 55.086.000 118.308.000

Fonte: Promo.

Por outro lado, como observou Uderman (2005), a indústria baiana, beneficiando-se de importantes investimentos realizados na última década, inicia um leve movimento de desconcentração setorial a partir da primeira metade da década de 2000, que não se faz acompanhar por uma redução do grau de intensidade do capital de suas unidades produtivas. Constata-se uma diversificação da pauta de exportações em 2005, em comparação a 2000, com o surgimento de novos segmentos exportadores e um aumento vertiginoso das exportações de derivados de petróleo da Petrobras, especifi-camente o óleo combustível. Os três segmentos líderes, que respondem por quase 50% das exportações em 2005, são: derivados do petróleo (22,97%); químicos e petroquímicos (19,25%); e o automotivo (14,57%). Embora as exportações da categoria químicos e petroquímicos tenham quase duplica-do em cinco anos, sua perda de participação relativa se deve à introdução e expansão desses dois outros segmentos, altamente concentrados em gran-des empresas.

O leve movimento de desconcentração, a que Uderman (2005) se refere, pode ser sinalizado também pelo surgimento de novos segmentos exporta-dores, a exemplo da indústria de calçados, móveis, borracha e suas obras e materiais elétricos. Embora suas vendas FOB não os coloquem na liderança da pauta de exportações, esses são segmentos relevantes para a geração de empregos e demanda de serviços. De acordo como o Promo (2005), 163

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produtos foram introduzidos na pauta do estado em 2005, muitos deles for-necidos por empresas de pequeno porte, como ferramentas, obras de porce-lana, lenços, freezers, máquinas agrícolas, relógios de ponto, bolas para golfe, raquetes de tênis e esquis aquáticos, dentre outros. Verificou-se também uma expansão de vendas para mercados não tradicionais, como, por exemplo, Mé-xico (automóveis), China, Venezuela, Índia, Tailândia e Nigéria. Percebe-se, ainda, um significativo aumento no número de empresas exportadoras. En-quanto em 2002, 250 empresas baianas realizaram exportações (SPÍNOLA; RIBEIRO, 2004), em 2005 este número atingiu 432, das quais 85 são grandes empresas; 142, médias; e 204, pequenas.89 Porém, cerca de 20 empresas, ape-nas, responderam por cerca de 80% do valor exportado pelo estado. Logo, as 412 empresas restantes, no total, venderam o equivalente a US$ 1,16 milhão no mercado externo em 2005.90

5. Em direção a uma integração virtuosa da economia baianaEm uma fase marcada pela abertura comercial e desregulamentação econô-mica, no início da década de 1990, a Bahia buscou a fixação de estratégias que reduzissem a concentração em atividades produtoras de commodities intermediárias, visando à diversificação da economia, assim como reduzir a concentração espacial e atrair investimentos mais intensivos em mão de obra. Ao lado destas providências instituiu um mecanismo de incentivos fiscais e financeiros para estimular o crescimento de atividades que aten-dessem aos objetivos previstos.

Nesse contexto, deu-se a implantação da montadora automobilística Ford e foram atraídos alguns projetos de menor importância em outras áreas. En-tretanto, persiste um perfil bastante concentrado setorial e espacialmente e o nível de desemprego elevado. Ou seja, a reduzida diversificação da base produtiva torna o desempenho econômico dependente da performance de poucos setores, limitando as alternativas de crescimento em fases recessi-vas. Por outro lado, o peso acentuado da produção de bens intermediários no PIB aumenta a vulnerabilidade da economia às variações do mercado e dos preços das commodities. Quando se analisa a concentração espacial, verifica-se que à elevada concentração produtiva na Região Metropolitana de Salvador (RMS) corresponde uma subocupação de espaços territoriais do estado, cujo potencial de crescimento está praticamente inexplorado. A ocupação é agravada pelas características naturais de vasta área do semiári-

89. Na Tabela A1, no apêndice, faz-se um cruzamento dos principais segmentos exportadores com o número de empresas por porte. 90. A Tabela A2, no apêndice, mostra as empresas da Bahia que mais exportaram em 2005, com os respectivos valores e categorias de produto.

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do, representando 68,7% da área total da Bahia. Essa concentração agrava os problemas do desemprego e das desigualdades distributivas, em face da limitada abrangência espacial da produção e da pequena participação rela-tiva de setores de maior oferta de emprego.

Identificada parte das limitações da inserção econômica da Bahia, é preciso discutir as oportunidades que o estado oferece, tendo em vista o desenvolvimento de uma economia competitiva. Com este propósito, em linhas gerais, as duas subseções seguintes discutem: (i) a possibilidade de adensamento da cadeia produtiva do Estado da Bahia a partir da instalação do Complexo Industrial Ford Nordeste; (ii) a valorização dos setores inten-sivos em recursos, como estratégia para a melhor inserção econômica do estado, sobretudo em face das possibilidades de desconcentração espacial da produção contidas nesta opção.

5.1. Complexo Industrial Ford NordesteInstalado no município de Camaçari, no ano 2000, o Complexo Industrial Ford Nordeste contou com um investimento inicial de US$ 1,9 bilhão. No ano de 2006, a montadora norte-americana já exportava US$ 920 milhões, 13% do total das exportações baianas, e produzia cerca de 250 mil veí-culos, pouco menos que 10% da produção total nacional. A indústria da Ford instalada na Bahia pressupõe uma hierarquização de fornecedores em diferentes níveis. Envolve os encarregados pela entrega de sistemas e peças completas (sistemistas ou fornecedores de primeira linha) à montadora, os produtores de peças e componentes que fornecem aos sistemistas ou forne-cedores de segunda linha, os fabricantes de peças isoladas, mais simples, e os produtores de matérias-primas, considerados de terceira e quarta linha. Com isso, estima-se que 60% do valor agregado ao longo da cadeia de pro-dução seja realizado na Bahia.

Não obstante, o adensamento da cadeia produtiva baiana decorrente do impulso inicial da montadora ainda requer a superação de problemas estruturais. Conforme ilustra Mercês (2005), dentre os maiores desafios en-frentados pelas empresas sistemistas da Ford – cerca de 35 empresas, sendo 26 na planta – estão a pouca disponibilidade de mão de obra qualificada e a insuficiência do mercado local para garantir uma escala de produção mínima, capaz de atrair novos investimentos. Grosso modo, os resultados apresentados pelo autor indicam que, seja pelo nível de sofisticação das ati-vidades desenvolvidas na cadeia de fornecedores, pela debilidade da indús-tria baiana, pela limitação na mão de obra, ou pela escala insuficiente para atração de novos capitais, as vantagens locacionais do arranjo produtivo

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acabam sendo restringidas. Com isso, o Estado deixa de explorar todas as possibilidades trazidas pelo CIFN.

De fato, a interação entre o CIFN e os demais setores da economia baia-na carece de aprofundamento. Conforme indicam Lima e Spínola (2008), a maior parte das 25 toneladas de componentes e artefatos plásticos deman-dados pelo CIFN é adquirida de empresas de São Paulo e Minas Gerais, em detrimento das empresas instaladas no Polo Petroquímico de Camaçari. Em parte, a organização modular do complexo industrial automotivo implica que as empresas sistemistas, e a própria matriz, possuam fornecedores cati-vos nas regiões do País em que atuam há mais tempo. Todavia, dois outros fatores que justificam a reduzida integração do CIFN aos produtores locais de plásticos são mais relevantes, pois remetem diretamente à competitivi-dade da economia baiana. São eles: a baixa capacitação da indústria esta-dual para atender a demanda do complexo automotivo, cujo exemplo mais imediato é a pouca adesão dessa indústria às normas de qualidade previstas na certificação ISO 9000; e a inexistência de escala suficiente para a atração de novas empresas produtoras de moldes e peças uti lizadas no automóvel (LIMA; SPÍNOLA, 2008). Esses resultados são semelhantes àqueles indica-dos em Mercês (2005) e reforçam a necessidade de superação dos obstá-culos estruturais da economia baiana para o adensamento de sua cadeia produtiva.

Com relação à insuficiência de mão de obra qualificada, espera-se que externalidades positivas do complexo automotivo, como treinamento de pessoal e a formação de parcerias junto a entidades locais, a exemplo da atual parceria entre a Ford e o Senai/BA,91 possam contribuir para a ele-vação do nível técnico do trabalhador local. Há também, nas empresas sistemistas, constante realização de programas de treinamento voltados à gestão de qualidade, modernização organizacional ou técnicas gerenciais avançadas, visando atender às normas e certificações exigidas pela monta-dora (MERCÊS, 2005). Espera-se daí a geração de externalidades positivas para outros setores do sistema produtivo baiano, em particular o fomento a cultura empreendedora que valorize o papel das inovações. Todavia, a presença de tais externalidades não assegura o resultado econômico dese-jado, ou seja, a qualificação da mão de obra local e o exercício de práticas

91. Foi montado no município de Camaçari um projeto para qualificar profissionais para tra-balharem no APL. Esse projeto conta com a participação das seguintes instituições: Senai/BA, Ford Motor Company Ltda., governo federal, através do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), governo do estado, através da Secretaria do Trabalho e Ação Social (SETRAS) e prefei-tura municipal de Camaçari, através da Secretaria de Expansão Econômica. Segundo dados fornecidos pelo Senai até julho de 2004, 28 turmas foram treinadas nos cursos de Operadores Automotivos, Ferramenteiros, Manutencistas e Visão do Processo de Produção, totalizando mais de cinco mil pessoas (MERCÊS, 2005, p. 90).

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inovativas e empreendedoras pelo empresariado baiano vão requerer novos incentivos. O exemplo das sistemistas do CIFN pode ser ilustrativo. Tais em-presas atribuem baixa importância a parcerias firmadas com universidades, organizações voltadas para testes, institutos de pesquisas, centros de capa-citação, representações de classe e órgãos de apoio e promoção e agentes financeiros locais, em um indício dos limites que alcançam os efeitos exter-nos provenientes das menores empresas deste empreendimento (MERCÊS, 2005). Em grande medida, o desapreço às parecerias citadas é decorrente da própria liderança que a montadora norte-americana exerce sobre as de-mais firmas do complexo, assumindo o papel preponderante nas inovações técnicas e estímulos às inovações organizacionais. Em geral,

[...] os ganhos auferidos com os acordos estabelecidos entre própria Ford e universidades, agentes financeiros, órgãos de apoio e promoção, instituições de testes, ensaios e certifica-ções, centros de capacitação profissional de assistência téc-nica e de manutenção, que geram capacitações inovativas, tecnológicas, de gestão, produtiva e de recursos humanos, são transferidas pela montadora para as sistemistas que, assim, se descomprometem, de certo modo, com tais iniciativas (MER-CÊS, 2005, p. 110).

Não obstante, a qualificação do trabalhador e também a promoção de uma cultura empresarial moderna podem ser aprofundadas caso as exter-nalidades do CIFN sejam potencializadas. A cooperação entre empresas e instituições cumpre o papel essencial de estimular o surgimento de inova-ções. A perspectiva neo-schumpeteriana, em particular quando trata dos Arranjos Produtivos Locais, tais como o CIFN, entende que a inovação, ain-da que ocorra no interior da firma, é resultante de um processo sistêmico, em geral, causado, mantido e influenciado por interações interempresas e relações interinstitucionais, especialmente mediante contatos dentro de redes de atores locais e regionais.

A debilidade da indústria baiana em alguns segmentos também pode-ria ser atenuada pelas externalidades positivas do arranjo automotivo. Por exemplo, Lima e Spínola (2008) incluem a resistência dos produtores locais de plástico às normas e padrões exigidos pela Ford e certificações internacio-nais, como um dos fatores que dificultam a integração do CIFN à indústria do Polo Petroquímico. Por outro lado, as autoras já vislumbram, em algumas firmas, iniciativas em prol do atendimento dos requisitos exigidos pela mon-tadora norte-americana. O objetivo de entrar para o rol de fornecedores da Ford pode induzir, portanto, uma estratégia mais agressiva, o que constitui o primeiro sinal de um espírito mais empreendedor estimulado pela busca

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de competitividade. Obviamente, este evento isolado não constitui exemplo de um renovado ethos capitalista local, mas alude a um empresariado local capaz de responder com ações proativas e medidas práticas em face de um regime de incentivos adequado. Todavia, a indução do adensamento da ca-deia produtiva do Estado da Bahia não pode prescindir do fortalecimento das micro e pequenas empresas baianas como fornecedoras de insumos para a Ford. A articulação institucional das empresas do setor automotivo e do Polo Petroquímico junto às entidades relacionadas ao comportamento ino-vativo, aquelas que integram o chamado sistema estadual de inovação, ou seja, universidades, centros de pesquisa e ensino técnico, representações de classe etc.,92 requer atenção e estímulos do governo baiano.

De fato, em arranjos produtivos locais da indústria automotiva, a pre-sença do setor público, seja através da articulação interinstitucional ou da concessão de incentivos mais diretos, tem sido constante. Um exemplo é o Programa de Política Industrial e de Comércio Exterior, do governo me-xicano, vigente entre os anos 1995 e 2000. O programa dedicava atenção especial às micro e pequenas empresas fornecedoras de insumos e prioriza-va a agregação de valor às exportações nacionais. Uma de suas principais medidas, nesse caso, consistia em facilitar o acesso ao crédito pelas empre-sas, articulando acordos entre a Nacional Financeira e as pequenas e mi-croempresas. Outro exemplo da articulação realizada pelo setor público é o programa Centro-Satélites (CS), do governo de Taiwan, cujo objetivo era estimular a cooperação entre grandes firmas, chamadas Centros, incluindo fornecedoras de matérias-primas, montadoras e companhias de comércio, e pequenas unidades, ditas Satélites, basicamente fornecedoras de com-ponentes. Em cada arranjo CS, as grandes firmas se responsabilizam pela coordenação, monitoramento e modernização das pequenas firmas. Como estímulo à cooperação, o governo oferecia apoio financeiro e assistência técnica. Para as pequenas empresas, entre os principais benefícios estão a maior segurança de mercado e o acesso facilitado a matérias-primas e novas tecnologias. Para as grandes empresas há vantagens pela redução de custos, em função dos menores salários pagos pelas firmas pequenas, uso das Satélites como proteção contra flutuações na demanda e a menor neces-sidade de investimentos, em consequência da terceirização de atividades. No Brasil, também há uma série de incentivos à indústria automotiva. O exemplo mais evidente é a isenção fiscal, expediente largamente utilizado na elaboração do chamado Regime Automotivo. Esse pacote de isenções, do governo federal, estabelece desde a redução de impostos sobre a produção, como o Imposto sobre Produtos Industrializados, e tarifas de importação

92. Uma descrição pormenorizada da infraestrutura do arranjo produtivo do CIFN e das insti-tuições do sistema estadual de inovação pode ser encontrada em Merces (2005).

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de autopeças e bens de capital, a taxas de frete da Marinha Mercante, ou a redução do Imposto sobre Operações Financeiras nas transações cambiais para o pagamento de bens importados. Estados e municípios também con-cedem incentivos fiscais, além de obras de infraestrutura e concessões de créditos (NAJBERG; PUGA, 2003).

Outro desafio colocado à economia baiana diz respeito a sua diminuta capacidade de atração de novos investimentos, sobretudo em setores de produção de bens finais, necessários à diversificação da cadeia produtiva local. Em resumo, há três alternativas básicas de crescimento. Na primei-ra, a substituição de importações, os investimentos são induzidos pela in-ternalização de segmentos produtivos quando a capacidade de importar é restringida. Nesse caso, os mercados preexistentes são os responsáveis por capitanear as decisões de investimento. A segunda alternativa remete ao drive exportador, aqui a competitividade das exportações permite o alcance continuado de mercados adicionais, donde advêm as decisões de investi-mento. A terceira forma de crescimento é através do ciclo endógeno, nesse caso os investimentos promovem o crescimento do mercado doméstico, de modo autônomo ou pelas relações intraindustriais, e daí surgem os impul-sos a novos investimentos. Ou seja, aqui, as decisões de gastos dos capitalis-tas e do Estado ao criarem mercados ocasionam a ampliação da capacidade produtiva (CARNEIRO, 2002). Na Bahia, a baixa atração de investimentos pode ser atribuída à reduzida capacidade de absorção do mercado e indús-tria locais, bem como, a fatores institucionais e limitações na de mão de obra: “[...] pelas evidências disponíveis, a industrialização baiana não foi capaz de gerar uma capacidade empresarial local, capaz de aproveitar as oportunidades que as grandes empresas abriam ao se implantarem na re-gião” (TEIXEIRA; GUERRA, 2000, p. 96). A Bahia vive a condição incômoda de não se beneficiar plenamente do drive exportador, pelo baixo valor agre-gado de suas vendas e exportações, e pelo caráter incompleto de sua cadeia produtiva, fortemente concentrada na produção de bens intermediários. O estado também não possui um mercado local suficiente para garantir a escala de produção e a indução de investimentos adicionais, e ainda dispõe de um empresariado conservador e avesso ao risco.

As inovações podem ser decisivas para a competitividade da firma, a rigor, na abordagem neo-schumpeteriana, são o elemento indutor da própria dinâ-mica sistêmica da economia capitalista. Os ensaios empíricos, embora não conclusivos, já trazem sinais que coadunam com esta proposta. Por exemplo, De Negri e Freitas (2005) apresentam indícios de que as firmas brasileiras mais propensas à inovação têm melhor inserção externa; e mesmo o número de empresas brasileiras exportadoras pode ser aumentado em função desta variável. No caso particular da indústria baiana, o comportamento inovativo

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ainda é bastante incipiente. Uma simples visita aos dados da Pintec confirma esta fragilidade, como apontado por Nascimento (2007).

No CIFN, é a montadora norte-americana que comanda os processos de inovação. Já em 2003, a empresa demonstrava a importância que as atividades inovativas teriam em sua planta de produção na Bahia. Naquele ano, quase 300 engenheiros foram transferidos para o estado, um ganho expressivo de massa crítica. Já as empresas sistemistas, em sua maioria, não possuem departamentos exclusivos para Pesquisa e Desenvolvimento e rea-lizam inovações autônomas esporadicamente, em geral, apenas seguem as determinações da montadora quanto às modificações desejadas nas peças e componentes (MERCÊS, 2005). Não obstante, as empresas sistemistas en-treveem a possibilidade de fornecer localmente mais insumos, peças, com-ponentes e serviços, necessitando, para tanto, de articulação institucional e atração de novos investimentos. Em geral, o desenvolvimento de produtos e processos nas empresas fornecedoras da cadeia automotiva resulta, no caso das peças e componentes metálicos, principalmente, das especificações téc-nicas indicadas pela montadora. No caso das peças e produtos eletrôni-cos, a tecnologia é dominada pelas fornecedoras, que desenvolvem novos produtos e processos em parceria com a montadora. Já as fornecedoras de componentes poliméricos talvez estejam em uma situação intermediária (CERRA et al., 2007).

O adensamento da cadeia produtiva da economia baiana, a partir do es-tímulo gerado pela instalação do CIFN, deve contar com a atuação do setor público – a atração da Ford, por exemplo, contou com a atuação enérgica do governo baiano. O fomento a uma cultura mais agressiva e inovadora do empresariado local, como demonstra a história, não virá sem um regime de incentivos adequado, tampouco sem que os desafios estruturais sejam superados. Sobre este último aspecto, mas também relacionado às inova-ções no CIFN, está a elaboração de uma capacidade logística no estado, aumentando as sinergias do complexo automotivo e explorando de modo mais intenso seus efeitos sobre os demais setores da economia.

A aglomeração de fornecedores vem se mostrando uma solução compe-titiva para a cadeia produtiva da indústria automotiva. Entre os seus princi-pais benefícios estão as vantagens logísticas no transporte e administração de estoques e, ainda, redução no prazo de entrega de peças e componentes. Ademais, existe a possibilidade de “maximizar” a competitividade gerencial de toda a cadeia produtiva, através do estabelecimento de relações coope-rativas e de confiança entre os seus participantes (GUARNIERI et al., 2006). Entretanto, para melhor aproveitar as vantagens locacionais que o APL da Ford Nordeste dispõe, são necessários investimentos na capacidade logísti-ca do Estado da Bahia. Hori (2003) argumenta que mesmo a instalação do

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CIFN, em Camaçari, em detrimento da cidade de Feira de Santana, foi uma decisão fundamentada no potencial logístico da primeira e na perspectiva de atuação da empresa no mercado global, não se limitando ao mercado interno ou regional. Nesse caso, justificava-se a escolha, de Camaçari, pela maior proximidade do porto da Bahia de Todos os Santos.

Um desenho logístico eficiente poderia atrair para o estado novos inves-timentos, sejam voltados ao mercado interno, regional ou internacional. O potencial de exportação, e a presença de um setor intensivo em capital e tecnologia, cuja cadeia produtiva é complexa e causa significativas externa-lidades, faria com que o Estado da Bahia, desde que detentor de vantagens competitivas, claramente sob o aspecto logístico, usufruísse do drive expor-tador para a atração de novos capitais – em particular aqueles que comple-mentariam sua cadeia produtiva e agregariam valor às suas exportações.

Em que pese os constrangimentos apontados, cabe destacar, na busca pelo maior adensamento da cadeia produtiva baiana a partir do CIFN, a relevância da atuação do governo do estado, que, através da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI), vem desenvolvendo ações efetivas de políticas públicas junto a Ford, sistemistas, fornecedores locais (efetivos e potenciais) e demais agentes locais relevantes (Sebrae; Senai/Cimatec; Seplan/SICM; FIEB/IEL; dentre outros). Resumidamente, pode-se afirmar que o governo do estado assumiu o papel de coordenador dos diversos agentes relevantes ligados direta ou indiretamente ao CIFN, orientando o desenvolvimento das ações com base nas suas demandas; identificadas pela própria Secti. São exemplos de ações institucionais desenvolvidas: Projeto baianização (Ford/Sistemistas); Programa de Qualificação de Fornecedores (FIEB/IEL); Planejamento e Fortalecimento Industrial (Seplan/SICM); Pro-jeto Vínculos (GTZ; Unctad; FDC; IEL); Cursos de Capacitação Empresarial (Sebrae); Projeto PPP (GTZ; Senai/Cimatec); e Empresa Competitiva Bahia (Secti/BID). Dentre os resultados mais significativos, o aumento do grau de “baianização”93 dos fornecedores de bens e serviços para a Ford e seus sistemistas; segundo informações da Secti.

5.2. Valorização dos setores intensivos em recursosEm um quadro de abertura externa de desenho de novas formas institu-cionais de políticas regulatórias setoriais e horizontais, como a defesa da concorrência, é necessário fortalecer os incentivos a concorrência e a in-

93. Significa dizer que houve aumento no número de empresas localizadas na Bahia que forne-cem bens e serviços para a Ford e seus sistemistas; deslocando fornecedores de outros estados da federação, em grande parte localizados no Sul e Sudeste.

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trodução e difusão de inovações. Trata-se de compatibilizar os incentivos e restrições macroeconômicas e microeconômicas focalizando-os para a efi-ciência econômica em um ambiente competitivo para as empresas. A ênfa-se, contudo, é numa gestão seletiva e flexível dos instrumentos de política pública. O ponto central é que as indústrias intensivas em recursos também têm sido rejuvenescidas através da adoção de novas tecnologias. Certamen-te este fator deve fazer parte da explicação do êxito recente da economia chilena. As Tabelas A3, A4 e A5, em apêndice, apresentam a evolução de alguns indicadores relativos à economia do Chile e da Bahia.

É claro que no caso em pauta (Chile e Bahia) trata-se de duas unidades de análise diferenciadas quanto ao seu estatuto jurídico-político, um país e uma unidade de uma Federação. De início, a Bahia sofre o “custo Brasil” e o Chile não. A autonomia da Bahia está submetida ao disposto no arranjo federativo e o Chile é um Estado unitário. As “histórias” que importam nas trajetórias adiante estão, portanto, condicionadas por traços de dependên-cias do caminho, específicos e localizados, entre outros fatores que se po-deria apontar. A Bahia parece estar, frente ao Chile, e aos valores do PIB e comércio internacional que este apresenta, 10 anos atrasada.

O que mais chama a atenção é que os dados apresentados na Tabela A5 não permitem que se atribua as diferenças gritantes entre os indicadores transcritos nas Tabelas A3 e A4 à origem setorial dos produtos que com-põem a pauta do comércio exterior dessas economias. O Chile é um país exportador de commodities baseadas em recursos naturais. Então, quais são os fatores responsáveis pelas diferenças de produtividade induzidas dos da-dos apresentados nas tabelas a que fazemos referência? Talvez a difusão de tecnologia, educação e treinamento da mão de obra, e, possivelmente, a abertura da economia nos anos 1970 e sua conversão em uma economia dinâmica, nos anos 1980, apoiada na exportação de recursos naturais e produtos agrícolas sofisticados, corretamente acondicionados, preparados sob medida para o cliente. Além disso, o custo do transporte marítimo, o frete, diminui com o aumento da corrente de comércio (exportações e im-portações). Para a Bahia o custo do frete é mais caro porque o fluxo global é reduzido. É a interdependência que torna a especialização de alta produ-tividade possível.

Ademais, o estado poderia se beneficiar do potencial que a economia brasileira exibe na geração de inovações associadas aos recursos naturais, energia e agricultura. Nos termos de Kirsten Bound (2008), o país poderá tornar-se uma economia do conhecimento natural. Esta autora realizou uma pesquisa extensiva sobre os insumos e resultados da ciência e inovação no Brasil. Seu trabalho foi baseado em mais de 100 entrevistas com policy-makers, empresários, cientistas e economistas em sete grandes capitais bra-

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190 Em direção a uma integração virtuosa

sileiras, além da revisão da literatura pertinente. No seu entendimento, o Brasil pode escrever uma nova estória da inovação nacional, com o meio ambiente e recursos naturais no centro da discussão. São exemplos desse potencial: a produção de biocombustível; as pesquisas baseadas na biodi-versidade aplicadas aos fármacos, fitoterápicos, indústria de cosméticos e indústria alimentícia; a nanotecnologia que serve principalmente aos seto-res aeroespacial, químico, têxtil e cosmético; e as pesquisas com células-tronco.

Na Bahia, há oportunidades evidentes como o aproveitamento do in-centivo de mercado dado pela produção de biodiesel para a reativação da produção de mamona. Entretanto, o aproveitamento do potencial para a produção de biodiesel demanda a formação de redes de fornecedores cres-centemente tecnificados e o estabelecimento de contratos de médio e longo prazos, que permitam, antecipadamente, evitar que intermediários conde-nem o cultivo ao círculo vicioso de baixo preço/baixa tecnificação que hoje marcam o cultivo.

Outras possibilidades emergem das regiões em que o empreendendo-rismo criou as bases de uma nova atividade no estado. Até pela velocidade em que as atividades econômicas foram implementadas, carecem de in-fraestrutura, redes de difusão de conhecimento tecnológico e de vigilân-cia sanitária e de mecanismos de inserção produtiva que a coloquem em mesmo nível para competir com as regiões já estabelecidas (e altamente capacitadas). Nestes casos, se nada é feito, a atividade insere-se de forma marginal no cenário nacional e internacional, sendo a região a primeira a ser expulsa quando os preços estiverem baixos no mercado – caso da produção de grãos no Oeste do estado. Pode-se incluir, aqui, também a produção de frutas e a agricultura irrigada em Juazeiro. O caso do cultivo do café difere apenas pelo fato de estar localizado em regiões mais pró-ximas às vias de escoamento do produto. Todavia, encontra limitações à sua expansão futura na situação das estradas e do porto utilizado para o escoamento do produto.

Finalmente, há que se contornar os conflitos decorrentes dos investi-mentos realizados em papel e celulose no Sul da Bahia, derivados em parte das características de monocultura e enclave do plantio do eucalipto de fibra curta, mas também pela importância de grupos cuja missão é ques-tionar o agronegócio para propor como alternativa a pequena produção familiar. Trata-se de uma situação curiosa, em que apesar de existir inserção internacional, capacidade empresarial e demanda pelo produto, há a opo-sição de grupos locais. Neste caso, a diretriz principal é implantar sistemas que motivem a geração de externalidades sociais por parte desses empre-endimentos.

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Considerações fi naisOs instrumentos de política pública devem ser capazes de promover a difu-são de inovações tecnológicas e o aprimoramento das capacitações locais, entre elas o aprendizado comercial. Assim, estes instrumentos devem ser concebidos para ampliar e potencializar a competitividade, contribuindo para a dinâmica de substituição de produtos, processos e formas de gestão, em razão das inovações tecnológicas, atentando para o que Schumpeter cunhou como “destruição criativa”. Não é razoável prescindir da criação de mecanismos institucionais transversais para a coordenação da ação pública orientada para a implementação de instrumentos que visem ao incremento da concorrência nos mercados, superação de falhas de mercado e coopera-ção interfirmas, fomentando o aumento de produtividade e competitivida-de da economia local.

O Estado da Bahia deve induzir, atuar na promoção e estruturar uma nova forma de inserção produtiva, que inclusive crie nova dependência. No sentido atual, depender quer dizer participar, estar integrado aos crescentes fluxos de comércio e investimentos mundiais. Para tanto, deve centralizar seus esforços sistêmicos na montagem de uma rede de comunicações, logís-tica, educação e treinamento da sua população.

A questão, do ponto de vista de uma mais promissora articulação inter-na e acelerada inserção externa, passa necessariamente pela organização e montagem das condições sistêmicas enunciadas e por uma grande ênfase no papel do planejamento do sistema de apoio apontado. Nesta perspectiva, o planejamento econômico deve focalizar segmentos fornecedores de exter-nalidades fundamentais para o avanço do investimento privado nacional e internacional na economia do estado. Estas externalidades são adicionadas e realizadas em sequências antecipáveis pelo gestor público e, portanto, passíveis de coordenação através do planejamento.

Por fim, o que fazer para estimular as estratégias de localização, no caso da grande empresa industrial, pública ou privada, que porventura queira desenvolver atividades na Bahia? Nestes casos, além da infraestrutura em logística, treinamento e comunicações, o governo estadual deve identifi-car as possíveis entrantes na economia baiana, estimar suas necessidades quanto ao cada vez mais limitado apoio público e, obtendo sucesso, tentar impulsionar a qualidade dos fornecedores locais. Como se sabe, a entrada de uma empresa de grande porte, nacional ou internacional, resulta da necessária articulação e compatibilidade entre as políticas do estado e os objetivos estratégicos das mesmas. Afinal, poderia ser diferente?

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194 Em direção a uma integração virtuosa

Apêndices

Tabela A1 – Bahia: segmentos exportadores por porte de empresa – 2005*

Segmentos exportadores Grandes empresas

Médias empresas

Pequenas empresas

Número de empre-sas por segmento

Derivados de petróleo 6 2 8Químicos e Petroquímicos 21 8 6 35Plásticos e suas obras 11 8 1 20Automotivo 2 2Metalúrgicos 4 6 1 11Celulose e Papel 5 1 6Soja, mamona e derivados 4 1 3 8Cacau e derivados 3 1 3 7Minerais 4 11 31 46Frutas e suas preparações 1 20 31 52Algodão 9 28 37Café e especiarias 10 11 21Couros e Peles 3 3 3 9Móveis e semelhantes 2 2 5 9Sisal e derivados 16 1 17Calçados e suas partes 1 7 2 10Borracha e suas obras 4 1 5Máquinas, aparelhos e materiais elétricos 4 14 5 23

Fumo e derivados 5 6 11Pesca e aqüicultura 3 4 7Outros comestíveis 1 4 8 13Bebidas, líquidos alcoó-licos 1 4 5

Outros 9 11 50 70Total de empresas 85 143 204 432

Fonte: Promo; Sefaz.*De acordo com critérios estabelecidos pela Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia (SEFAZ). As grandes empresas são aquelas com faturamento igual ou maior que R$ 2,4 milhões em 2005; as médias, maior que R$ 360 mil e menor que R$ 2,4 milhões; pequenas, abaixo de R$ 360 mil.

Tabela A2 – Bahia: principais empresas exportadoras em 2005.

Empresa Categoria de produtos Valor exportado (US$ 1000 FOB) Part. %

Petróleo Brasileiro SA – Pe-trobras derivados de petróleo 1,392,064 23.25

Ford Motor Company do Brasil Ltda automóveis 865,039 14.45

Braskem SA químicos e petroquímicos 509,880 8.52Caraíbas Metais SA cobre 410,267 6.85Bunge Alimentos SA grãos de soja 275,205 4.60

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Empresa Categoria de produtos Valor exportado (US$ 1000 FOB) Part. %

Bahia Sul Celulose SA celulose/pasta quimica de madeira 254,036 4.24

Cargill Agrícola SA grãos de soja 143,401 2.39Veracel Celulose SA celulose/madeiras em bruto 118,245 1.97Dow Brasil Nordeste Ltda químicos/soda 96,446 1.61

Gerdau Açominas SA minérios de ferro não aglo-merados 96,402 1.61

Oxiteno Nordeste SA Indústria e Comércio

químicos/etilenoglicol (etanodiol) 92,719 1.55

Monsanto Nordeste SA químicos/ácido fosfonome-tilminodiacetico 81,086 1.35

Politeno Indústria e Comércio SA petroquímicos/polietileno 80,145 1.34

Rio Doce Manganês SA minérios de manganês aglomerados 70,739 1.18

Joanes Industrial SA pasta de cacau 67,323 1.12Barry Callebaut Brasil SA (Chadler) pasta de cacau 66,417 1.11

Bahia Pulp SA celulose/pasta química de madeira 57,743 0.96

Polialden Petroquímica SA petroquímicos/polietileno 49,503 0.83Petroquímica União SA químicos e petroquímicos 49,303 0.82Mastrotto Reichert SA couros e peles 48,806 0.82Demais empresas 1,162,975 19.42Total 5,987,744 100.00

Fonte: Promo; Sefaz.

Tabela A3 – Chile: contas nacionais, população e balança comercial.

Ano

PIB

tota

l –

milh

ão

US$

Popu

laçã

o em

1.0

00

hab.

PIB

per

ca

pita

US$

Expo

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ões

FOB

Impo

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S$

milh

ões

CIF

Sald

o da

B

alan

ça

Com

erci

al

2005 115.295,100 16,266 7.088,000 39.536,100 30.300,100 9.236,0002004 94.997,500 16,247 5.847,000 32.024,900 23.005,800 9.019,1002003 73.682,490 15,990 4.608,000 21.523,600 18.001,700 3.521,9002002 67.236,130 15,746 4.270,000 18.179,800 15.794,200 2.385,6002001 68.623,410 15,571 4.407,000 18.271,800 16.428,300 1.843,5002000 75.297,050 15,398 4.890,000 19.210,200 17.091,400 2.118,8001999 72.978,070 15,197 4.802,000 17.162,300 14.735,100 2.427,2001998 79.368,420 14,998 5.292,000 16.322,800 18.363,100 -2.040,3001997 82.820,840 14,797 5.597,000 17.870,200 19.297,800 -1.427,6001996 75.778,200 14,595 5.192,000 16.626,800 17.698,700 -1.071,9001995 65.214,290 14,396 4.530,000 16.039,000 15.914,100 124,9001994 50.910,610 14,154 3.597,000 11.604,000 11.824,600 -220,600

Fonte: Banco Central do Chile; Cepal.

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196 Em direção a uma integração virtuosa

Tabela A4 – Bahia: conta estadual, população e balança comercial. A

no

PIB

tota

l –

milh

ão U

S$*

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Impo

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milh

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FOB

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B

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al

2005 45.589,274 13,806 3.302,104 5.988,000 3.311,000 2.677,0002004 41.266,469 13,687 3.014,994 4.063,000 3.021,000 1.042,0002003 34.237,945 13,551 2.526,603 3.259,000 1.945,000 1.314,0002002 29.060,717 13,415 2.166,251 2.410,000 1.878,000 532,0002001 24.449,846 13,281 1.840,996 2.120,000 2.274,000 -154,0002000 22.553,661 13,148 1.715,402 1.943,000 2.242,000 -299,0001999 19.672,489 13,016 1.511,463 1.581,000 1.469,000 112,0001998 18.137,153 12,885 1.407,659 1.829,000 1.500,000 329,0001997 17.323,777 12,755 1.358,169 1.868,000 1.590,000 278,0001996 15.437,297 12,627 1.222,593 1.846,000 1.343,000 503,0001995 12.526,472 12,499 1.002,233 1.919,000 1.208,000 711,0001994 7.006,301 12,371 566,364 1.721,000 753,000 968,000

Fonte: SEI; Promo.

Tabela A5 – Exportações chilenas – principais segmentos 2004-2005.

SegmentosValores (US$ 1.000 FOB)

Variação % Part. %2004 2005

Minerais 16.656 22.588 35,62 58,20Agropecuário-sivícula e pesqueiro 2.346 2.459 4,83 6,34Alimentos industrializados 4.018 4.766 18,61 12,28Móveis, madeira e semelhantes 1.732 1.810 4,54 4,66Bebidas e tabaco 888 936 5,41 2,41Papel e celulose 1.230 1.612 31,05 4,15Químicos e petroquímicos 2.119 2.838 33,95 7,31Metalúrgicos 512 642 25,37 1,66Máquinas, aparelhos e materiais elétricos 651 872 33,90 2,25

Demais segmentos 273 290 6,31 0,75Zona franca 834 847 1,55 2,18Total 30.425 38.814 27,58 100,00

Fonte: Banco Central do Chile; Cepal.

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Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00 197

Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00

Carlos Américo Leite MoreiraInez Silvia Batista Castro

1. IntroduçãoEm nível mundial, a atividade calçadista é concentrada tanto em termos de mercados consumidores quanto em países que abrigam as plantas produto-ras. Estados Unidos com 2.241,9 milhões de pares anuais, China (2.096,5 milhões), Japão (650,3 milhões) e Brasil (555 milhões) são os maiores mercados consumidores mundiais, consoante dados de 2005 (SATRA..., 2008).94 Sendo uma atividade intensiva em trabalho a produção acabou se localizando em países em desenvolvimento, com grande oferta de mão de obra, como a China (nove bilhões de pares/ano), a Índia (909 milhões) o Brasil (762 milhões), a Indonésia (580 milhões) e o Vietnã (525 milhões).

Dentre os maiores exportadores, há países industrializados como a Itá-lia, que conseguiu se consolidar como vendedora de calçados de elevado padrão de qualidade e grande diferenciação do produto, voltados para a po-pulação de alta renda. Dentre as marcas italianas conhecidas, pode-se men-cionar: Sergio Rossi, Testoni, Pollini, Casadei, Giovanni Martini, Giuseppe Zanotti, Prada e Gucci. A China (6.914 milhões de pares/ano) é também o maior exportador mundial de calçados seguida por Hong Kong (741 mi-lhões), Vietnã (472,7 milhões), Itália (249 milhões) e Brasil (217 milhões). Uma das metas traçadas pela Política de Desenvolvimento Produtivo Nacio-nal é tornar o Brasil o terceiro maior exportador mundial.

A atividade calçadista no Brasil, representava (em 2006) 4,6% (BRASIL, 1991-2006) dos empregos formais da indústria de transformação e 1,6%95 do valor da transformação industrial, o que denota o caráter intensivo em trabalho. Até a década de 1980, a indústria calçadista nacional concentra-

94. Dado estimado.95. Estes valores foram obtidos a partir da Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física (PIM-PF). Esta fonte não analisa separadamente a indústria calçadista, logo, os dados que podem ser comparados com os valores adicionados da indústria geral ou de transformação são aqueles indicados pela rubrica “couros e calçados”.

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va-se nas regiões Sul e Sudeste. Dados do Inquérito Industrial (1907) e dos Censos Industriais de 1920, 1960, 1970 e 1975 revelam que estas duas regiões contaram com, no mínimo, 68,9% do número de estabelecimentos e 86,5% do pessoal ocupado da referida indústria. Inicialmente este ramo industrial se concentrou na região Sudeste, de onde, gradualmente se mo-veu para o Sul, quer em virtude das crescentes exportações do Rio Grande do Sul, quer pela perda de competitividade no mercado interno de São Paulo e Rio de Janeiro, onde durante todo o século XX, concentraram-se as maiores médias salariais do setor. Assim, até os anos 1980, os empregos e produção aglomeram-se no interior dos estados do Rio Grande do Sul (Vale dos Sinos), São Paulo (Franca, Birigui e Jaú), Minas Gerais (Nova Serrana, Uberaba), Espírito Santo (Cachoeiro do Itapemirim) e Santa Catarina (São João Batista, Aranguá) (COSTANZI, 1999).

A partir da década de 1990 e até 2007, a indústria de calçados e couros nacional96 apresentou taxas de crescimento inferiores às da indústria de transformação. Também denota a perda de competitividade do setor, em nível nacional, o fato deste não acompanhar o considerável crescimento das exportações totais do País.

Dessa forma, a exemplo do movimento de relocalização do setor em ní-vel mundial, processou-se movimento semelhante, em nível nacional, com o setor se transferindo para o Nordeste a partir da década de 1990, impul-sionado pela oferta de mão de obra mais barata, em um cenário de perda de competitividade internacional. A relocalização parece ter produzido re-sultados em termos de ganho de competitividade para as empresas situadas no Nordeste.

O comportamento da atividade calçadista no Nordeste entre 2000 e 2007, sua distinção do desempenho do resto do País e sua atuação no mer-cado exterior são o objeto de estudo deste artigo. Para seu desenvolvimen-to, este trabalho terá quatro partes, além desta introdução. Na primeira parte, serão expostas as teses de (re)localização industrial. Tece-se a hipóte-se de que a cadeia calçadista é um exemplo de filière internacional dirigida pela distribuição. Partindo deste princípio, investiga-se, na segunda parte, o comportamento dos preços destes produtos no comércio internacional.

Na terceira parte examinam-se os custos de produção do setor, anali-sando o comportamento dos salários e da produtividade do trabalho entre 2002 e 2007. Na quarta parte há as considerações finais na qual se analisa até que ponto o setor calçadista nordestino tem uma estratégia de concor-rência alicerçada no preço.

96. Tanto a Pesquisa Industrial Mensal como a Pesquisa Industrial Anual do IBGE não relatam dados em separado para a atividade de calçados. Esta se encontra agregada na atividade “cal-çados e artigos de couro”.

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2. Estratégias de concorrência internacional e (re)localização industrialA crise do fordismo e a intensificação da concorrência internacional produ-ziram mudanças significativas na organização da produção e nas caracterís-ticas da demanda. Uma nova configuração da concorrência se delineia ba-seada principalmente em critérios de “diferenciação da oferta, da inovação, da qualidade e da variedade dos bens e serviços”. A introdução de novas tecnologias de informação engendrou transformações substanciais no sis-tema produtivo, ao permitir, por um lado, a redução dos custos de mão de obra pouco qualificada no total dos custos de produção e, por outro lado, a obtenção de economia de variedade, ou seja, a possibilidade de decompor o produto em diferentes modelos e variedades sem incorrer em custos irre-cuperáveis de capital.

Nesse contexto, o conhecimento assume um papel estratégico e a manu-tenção de vantagens concorrenciais em longo prazo exige cada vez mais a criação de ativos intangíveis tais como know how e aprendizagem. Ademais, a existência de mercados mais reativos e versáteis requer uma aproximação das atividades de produção dos locais de consumo assim como novas for-mas de produção mais adaptadas às especificidades da demanda.

Esses fenômenos de inversão de diferencial de custos devidos notada-mente à automatização dos processos de produção, às restrições de flexibi-lidade da produção e à proximidade entre a produção e o mercado limitam as operações de implantação de firmas multinacionais em direção aos paí-ses periféricos (MOREIRA; MELO, 2003).

O impacto dessas transformações no critério de localização foi desta-cado por alguns autores. De acordo com Mouhoud e Moati (2000, 2005), a redução dos custos de transação possível em função do progresso nos transportes e das tecnologias de informação e comunicação foi crucial para a maior internacionalização das firmas, que se encontram atualmente mais livres para explorar as opções de vantagens de localização ofertadas pelos territórios em nível mundial. Entretanto, a essa força centrípeta se opõe um movimento de polarização das atividades econômicas que beneficia essen-cialmente as regiões desenvolvidas.

Mouhoud e Moati (2000, 2005) formulam a hipótese de que o desenvol-vimento de uma economia baseada no conhecimento se acompanha de uma “divisão cognitiva do trabalho” em oposição à “divisão técnica do trabalho”, colocando em cheque o processo de espacialização da produção em mas-sa. Enquanto na divisão técnica do trabalho, a firma localiza os diferentes segmentos do processo de produção seguindo a lógica de minimização de custos; na divisão cognitiva de trabalho, ocorre a fragmentação do processo

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de produção em blocos de conhecimento homogêneos97 e a especialização das firmas de acordo com suas competências.

Em consequência, uma nova concepção de atratividade se impõe. A neces-sidade de adquirir competências (mão de obra com qualificações específicas, a presença de instituições de pesquisa especializadas) passa a ser um critério decisivo na determinação da localização das firmas. Passa-se de uma lógica técnica e de rendimento para uma lógica de competência e aprendizagem visando à criação e o desenvolvimento de recursos específicos. Os países/regiões onde as vantagens não se reduzem à disponibilidade de fatores gené-ricos (mão de obra não qualificada e recursos naturais), mas que são capazes de obter blocos de conhecimentos requeridos à divisão das tarefas no interior das firmas ou entre firmas concentrarão os investimentos.

De acordo com Delapierre (1995), as estratégias de localização fogem de restrições tais como a disponibilidade de capital e recursos naturais e passam a ser direcionadas prioritariamente a favor de condições que permi-tam a aquisição e exploração dos conhecimentos. Esse processo contínuo de inovação/crescimento produz um aumento das operações de relocalização de firmas em direção a países que dispõem de fatores competitivos.

Contrapondo-se a essa tese de relocalização, Sachwald (1996) procura destacar que os critérios de localização das grandes empresas obedecem a restrições vinculadas a sua performance em nível mundial. As firmas locali-zam suas atividades levando em consideração tanto os custos de produção quanto os elementos relacionados a competitividade extra preço. Para um mesmo setor, estratégias visando à minimização de custos ou privilegiando a diferenciação dos produtos são susceptíveis de se implementar. É nesse contexto que se constata a reintegração de certos países/regiões na organi-zação global das grandes firmas nacionais e/ou estrangeiras.

Essa reintegração se observa na medida em que essas regiões em ques-tão revelaram-se aptas a adotar novas modalidades técnicas e organiza-cionais idênticas às existentes em países/regiões desenvolvidos. Ou seja, a reintegração deve ser entendida como um processo de homogeneização de novas modalidades técnicas e organizacionais, possível em um contexto de liberalização comercial e estabilização monetária, assim como uma forma de se beneficiar das disparidades nacionais (MOREIRA, 2000).

97. Um conjunto de conhecimentos vinculados a um mesmo corpo científico e técnico. Es-ses conhecimentos são submetidos a uma dinâmica de evolução comum, impulsionada por uma atividade de pesquisa e de transformação das inovações em novos conhecimentos e obe-decendo a certas heurísticas compartilhadas por uma comunidade de especialistas (MOATI; MOUHOUD, 1994).

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Não se trata mais de arbitrar entre a introdução de novas tecnologias nos países/regiões desenvolvidos e o descolamento de unidades de produção nos países portadores de vantagens de localização clássicas. A maior abertu-ra comercial permitiu às grandes empresas presentes em regiões periféricas a modernização mediante investimento em novas tecnologias de produção. Como afirma Pottier (1996, 2003), as grandes firmas nacionais e estrangei-ras foram capazes de combinar a produção em massa e a produção flexível. Esse arranjo permitiu a realização em países/regiões em desenvolvimento de uma produção em massa de mercadorias de low market, em que prevalece a competitividade via preço.

Na avaliação do autor, para entender o papel ainda importante das es-tratégias de minimização de custos, é preciso analisar a concorrência entre firmas e não entre países. Diante da intensificação da concorrência em nível mundial, as firmas dos países/regiões desenvolvidas procuram fortalecer sua competitividade se apoiando cada vez mais nos países de baixos salá-rios. É verdade que a concorrência preço não assume grande importância para os novos produtos direcionados a mercados de consumidores de alta renda. Porém, dificilmente a firma se especializará apenas nesses produtos e deixará de produzir bens de low e middle market.

Nessa mesma linha, Giraud (1996) afirma que a convergência tecnoló-gica entre os países desenvolvidos provocou um forte aumento da concor-rência. Nesse processo, o nível relativo de salários tornou-se um parâmetro crucial de competitividade desses países, já que a mundialização da produ-ção das firmas limitou a intervenção do Estado nos mercados de trabalho nacionais.

A importância das estratégias de minimização de custos engendrou um movimento importante de deslocamento de algumas atividades industriais de países/regiões ricas em direção aos países/regiões considerados de bai-xos salários. As grandes empresas utilizam as disparidades do nível de re-muneração e as condições de trabalho para estabelecer um processo de concorrência entre os trabalhadores de diversas regiões. De acordo com Costello (2004), essa concorrência torna-se ainda mais intensa em zonas de livre comércio, como o Nafta.

Vale destacar que as atividades transferidas não estão relacionadas uni-camente ao trabalho não qualificado. As atividades que utilizam mão de obra qualificada são cada vez mais realizadas na periferia. Constata-se, por exemplo, de forma crescente, a realização de serviços de tecnologia de in-formação (TI) em região/países periféricos. É o caso da Índia que se cons-

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tituiu no principal destino de empresas no que se refere ao deslocamento desse tipo de atividade.98

No caso do setor calçadista constata-se uma mudança gradual, em nível mundial, da produção para países onde o custo de mão de obra é mais baixo. Na década de 1960 ainda era possível a predominância da produção norte-americana nos Estados Unidos, onde apenas 4% do mercado era provido por manufatureiros estrangeiros. Em 1976, as importações de calçados pelos EUA totalizaram 29,2 milhões de pares por mês. Em 1980, a média mensal subiu para 30,5 milhões, e em 1990 já somavam 74,8 milhões e em 1995, 90 milhões de pares. A penetração dos estrangeiros, em 1995, chegava a 89% do mercado norte-americano.

E, mesmo entre os exportadores estrangeiros, constata-se mudanças ex-pressivas. Na metade dos anos 1980, Taiwan e Coreia supriam cerca de 45% das exportações mundiais de calçados. Essa parcela, em 1994, caiu para 7% enquanto a China cresceu sua participação de 8% em 1986 para 50% em 1986. Neste ínterim os Estados Unidos detinham menos que 1% das exportações mundiais.99

As grandes empresas procuram se beneficiar do movimento que associa convergência de produtividade e manutenção de fortes disparidades tanto de natureza salarial quanto de condições de trabalho. Nessa perspectiva, diferen-tes estratégias visando explorar esse diferencial de custo de produção são ado-tadas. A forma mais tradicional consiste na transferência de uma unidade de produção de países/regiões desenvolvidas para espaços onde o custo do traba-lho é inferior. Essa transferência pode ocorrer em detrimento ou não da reali-zação de atividades nos países de altos salários. Em termos de modalidades de implantação, as grandes empresas nacionais e estrangeiras procuram investir na criação de uma nova unidade de produção (greenfield) ou nas operações de fusão e aquisição.

Um importante estudo realizado por Bronfenbrenner e Luce (2004) pro-curou observar o impacto da transferência de plantas industriais dos Esta-dos Unidos para China e outros países sobre a produção e o emprego norte-americano. Com base em informações do primeiro trimestre de 2004, os autores constataram um forte crescimento dos anúncios ou transferências efetivas de produção dos Estados Unidos para outros países, em especial o México (69 plantas), a China (58), a Índia (31), outros países da Ásia (39), outros países da América Latina (35) e outros países, incluindo Leste Euro-

98. Sobre esse assunto, ver matéria da revista francesa Alternatives Economiques (dezembro de 2003) intitulada “L’inde, paradis de la delocalisation higt-tech”.99. http://www.infomat.com/research/infre0000246.html

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peu e Canadá (23). No mesmo período de 2001, foram observados somente 30 deslocamentos para o México, 25 para a China e apenas 1 para a Índia.

Diferentemente de 2001, quando a maioria das transferências ocorria para um único país de destino, 48% dos deslocamentos foram realizados de forma simultânea para países near shore na América Latina, China e outros países offshore da Ásia. Esse movimento segue uma tendência mundial, com os países europeus transferindo produção para a o Leste Europeu, Ásia e economias emergentes asiáticas utilizando países vizinhos e a China como base de produção.

O impacto dessas transferências sobre o emprego industrial foi signifi-cativo. Somente nos três primeiros meses de 2004, foram anunciadas ou confirmadas a perda de 48,4 mil empregos nos Estados Unidos vinculados a produção em função do deslocamento de plantas industriais. Em termos anuais, as estimativas dos autores apontavam para uma perda de 406 mil empregos em 2004 contra 204 mil em 2001.

Os pesquisadores chegam a conclusão que esse fenômeno faz parte de um amplo movimento de reestruturação das grandes empresas multinacio-nais, caracterizado por um processo de deslocamento dos centros de pro-dução dos países de altos salários para múltiplos países/regiões de baixos salários.

Os grupos industriais também se utilizam de formas de internaciona-lização que não implicam aportes de capital ou resultam de negociação internacional entre as estruturas de produção de regiões de baixos salários e as grandes redes de distribuição (CHESNAIS, 1997). No primeiro caso, trata-se do mecanismo de subcontratação onde grupos industriais procu-ram tirar proveito da liberalização comercial e das novas tecnologias de informação para explorar as regiões caracterizadas por baixo custo de mão de obra e legislação trabalhista flexível. No segundo caso, as empresas não manufatureiras têm um papel crucial na organização da produção mundial, ao subcontratar produtores locais para a produção de bens finais e interme-diários, de acordo com os padrões das redes de comercialização, nas regiões de baixos salários. Uma particularidade dessa forma de internacionalização é que as grandes estruturas de distribuição passam a comercializar esses produtos utilizando suas próprias marcas. Esse sistema é aplicado princi-palmente em segmentos intensivos em mão de obra (calçados, têxtil etc.). A forte concentração no segmento varejista das principais economias desen-volvidas aumenta a pressão sobre os fabricantes de bens padronizados de low market para reduzirem seus preços e aumentarem suas performances.

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A exploração das oportunidades oferecidas pela subcontratação inter-nacional, assim como, o controle de acesso ao mercado das economias de-senvolvidas por intermédio de barreiras industriais em vez de comerciais caracterizam o que Gereffi (1994, 2002) chamou de filières internacionais controladas (ou dirigidas) pela distribuição (buyer-driven international com-modity chains), em oposição às filières controladas pela produção (producer-driven international commodity chains). Na avaliação do autor, a principal função das estruturas de distribuição refere-se à gestão das redes de pro-dução e de comércio. Os lucros não derivam dos ganhos de escala e das vantagens tecnológicas, mas de combinações de design, vendas, marketing e serviços financeiros que permitem a essa estruturas de comercialização de agir como verdadeiros brokers, vinculando estrategicamente os centros de produção com seus principais mercados.

Essa vinculação está associada a um forte processo de hierarquia, na medida em que as estruturas de comercialização exigem uma adaptação da produção internacional as especificidades de seus mercados, o que implica no controle sobre o que produzir, como produzir, onde produzir, quando produzir e o custo para produzir. A tendência dos grandes compradores (big buyers) de recorrer a produção offshore implicou forte crescimento das importações nos países/regiões desenvolvidas, assim como na redução do emprego doméstico nas indústrias intensivas em mão de obra. Vale desta-car que as manufaturas de marcas reconhecidas mundialmente também se utilizam de mecanismo de subcontratação, explorando os baixos custos da mão de obra de regiões periféricas.

Nesse processo, a China desponta como um centro produtor para as grandes estruturas de comercialização. Ou seja, nas filières dirigidas pela distribuição, a expansão da produção tem sido muito mais demand-pull do que supply-push (GEREFFI, 2005). Um exemplo está na relação entre esse país e a cadeia de supermercados Wal-Mart. Em 2003, mais de 80% dos seis mil fornecedores desse gigante da distribuição estavam na China. Em torno de US$ 15 bilhões foram gastos pela Wal-Mart com produtos elaborados na China, o que correspondeu a aproximadamente 1/8 das exportações chinesas para os Estados Unidos (GOODMAN; PAN, 2004 apud GEREFFI, 2005).

Na nossa avaliação, a reestruturação da indústria calçadista brasileira nos últimos oito anos está inserida nesse duplo processo de convergência de produtividade e forte diferencial em termos salariais e de condições de trabalho. Ademais, o excedente obtido quer em função dos ganhos de pro-dutividade ou dos níveis salariais parece estar sendo apropriado pelas gran-des estruturas de comercialização mundiais. Um dos possíveis indícios é a

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constância do preço médio em dólar do calçado brasileiro e nordestino no exterior a despeito da desvalorização da moeda norte-americana.

Um dos aspectos dessa reestruturação está relacionado ao segundo mo-vimento de deslocamento de parte de firmas calçadistas do Sul e Sudeste do País para os estados nordestinos, abrindo unidades fabris nas capitais da região e no interior. As dificuldades dos produtores de calçados, em virtude da valorização do câmbio e da intensificação da concorrência externa, prin-cipalmente de países asiáticos, têm provocado esse processo de migração.

Entretanto, esse movimento de relocalização industrial para o Nordeste é menos intenso do que o observado na década de 1990, já que os estados nordestinos sofrem concorrência de outros países que possuem fortes van-tagens de localização. É o caso da China, onde os produtores locais são am-plamente beneficiados por vantagens vinculadas ao custo de mão de obra, à política cambial, que mantém a cotação do dólar, e à ajuda financeira do governo chinês para as empresas exportadoras (MOREIRA, 2006). Todos esses últimos elementos são considerados por Fajnzylber como fontes de competitividade espúria.

Com o deslocamento da produção para regiões/países de custo inferior, os grandes produtores concentram no Sul/sudeste as atividades de alto va-lor agregado (design, desenvolvimento de marca) e a produção de bens de maior preço unitário. Ou seja, observa-se uma assimetria na organização da produção da indústria calçadista brasileira, com forte participação das ativi-dades e produtos de maior agregação de valor nos centros de produção do Sul/Sudeste. Nesses espaços, o objetivo é compensar o maior custo de mão de obra com o uso de novas tecnologias, aliando ganhos de produtividade com estratégias competitivas voltadas a diferenciação de produtos.

Em contrapartida, grande parte da produção de bens de low e middle ma-rket desses grandes produtores do Sul/Sudeste é transferida para a região Nordeste e outros países onde prevalecem condições espúrias de competiti-vidade e baixo custo de mão de obra. O calçado nessas regiões é produzido como uma commodity, com forte predominância da concorrência-preço na sua competitividade. No caso específico do Nordeste, as vantagens salariais, e fiscais e financeiras associados a fortes incrementos de produtividade são fatores determinantes para esse deslocamento. A baixa agregação de valor ao produto reflete-se na formação do preço médio do produto exportado da região, que tem se mantido estável apesar da apreciação cambial. Dada a hipótese de que as cadeias produtivas de calçados seriam dirigidas pela dis-tribuição, investigar-se-á no próximo tópico, o comportamento dos preços internacionais do calçado nordestino.

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3. As exportações de calçados brasileira e nordestinaA produção de calçados no Brasil é estimada em 796 milhões de pares (2006), sendo cerca de 180 milhões voltados para a exportação. A análise do coeficiente de exportações da indústria nacional, em 2007, revela que, dentre 26 setores analisados, o de “preparação de couros, seus artefatos e calçados” apresentou coeficiente de penetração de exportação entre os mais elevados – acima de 40%. Entre 1996 e 2007 esse indicador variou entre 19,7 a 42,7. Assim este setor industrial tem avançado nos últimos anos em termos de inserção no mercado internacional. As importações de calçados ainda são de pequena monta. Em 2007, as compras do exterior somaram apenas 28 milhões de pares de calçados, mas esse número tem apresentado nos anos recentes crescimento expressivo, visto que, em 2004, o País impor-tava nove milhões de pares.

No Brasil, o processo de reestruturação do setor de calçados na década de 1990,100 visando enfrentar a concorrência externa, teve como consequên-cias a terceirização de atividades e, sobretudo, o deslocamento de fábricas para o Nordeste na perspectiva de reduzir custos de produção e aumentar a participação no mercado externo.

A exemplo do movimento ocorrido em nível internacional, onde plantas se deslocaram da Europa e Estados Unidos para países como Índia, China e Vietnã, firmas brasileiras passaram da região Sul para Nordeste. Em termos mundiais este movimento é bem ilustrado pelas mudanças nas importações de calçados dos Estados Unidos, um dos maiores mercados do setor. Em 1980, as importações representavam 50,9% do consumo norte-americano, em 2006, 98,7%. A China, cuja participação nas importações norte-ameri-canas era 1,1% em 1980, alcança 72% em 2006 (AAFA, 2008).

No Brasil, em 1991, somente 3,3% dos empregos diretos formais do se-tor calçadista nacional eram gerados no Nordeste. A partir de 2001, esta ci-fra ultrapassa os 20,0%, atingindo o pico em 2006 (29,6%). Ceará (48.309 empregos formais em 2006), Bahia (24.282 empregos) e Paraíba (11.692 empregos) foram os maiores empregadores do setor na região.

O percentual do número de estabelecimentos na região permanece entre o mínimo de 4,4% (ano de 1991) e o máximo de 6,4% (ano de 1999) du-rante os anos de 1991 a 2006, quando alcança 6,28%. Esse é um indício de que a expansão do setor calçadista no Nordeste se deu principalmente pela implantação de grandes empresas.

100. Sobre este assunto veja: Costanzi (1999).

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Corroborando essa ideia de que as empresas instaladas no Nordeste bus-caram ganho de escala de produção, dados estaduais de 2006, acerca da média de emprego por empresa calçadista, revelam que os maiores expo-entes do País eram a Bahia (266 empregos/empresa) e o Ceará (203). São Paulo e Rio Grande do Sul, os dois estados com maior volume absoluto de empregos formais no setor, tiveram média deste indicador inferior a 42 empregos por empresa.

No que concerne à exportação de calçados, de 2000 a 2007, Nordeste e Brasil apresentam desempenhos diferentes. Nesse período, o Brasil expande suas exportações (em quantidade de pares de calçados) em 8,8%. Entre 2000 e 2004, registra-se o ápice das exportações nacionais, que evoluem de 162,5 milhões de pares para 212,4 milhões. A partir de 2004 este montante declina, alcançando 177,0 milhões de pares em 2007.

A análise do valor exportado pelo País revela elevação das receitas das vendas externas em cerca de 23,5% no período. Apesar deste aumento, as exportações do setor calçadista não acompanharam o forte crescimento das exportações totais nacionais. Assim, a participação do valor das exportações de calçados brasileiros (considerando-se o capítulo 64 da NCM)101 no total exportado pelo País decresceu: em 2000, representava 2,94% das exporta-ções totais, mas em 2007 essa participação é de apenas 1,27%.

A situação das exportações de calçados do Nordeste entre 2000 e 2007 apresenta quadro bastante diverso do nacional. Durante todo o período, registra-se crescimento expressivo das exportações, tanto na quantidade de pares (281,4%) quanto na receita gerada (335%). Desta maneira, o valor da participação das exportações de calçados regionais nas exportações to-tais nacionais se eleva de 0,18% para 0,28%.

A compreensão deste desempenho desigual entre o País e a região Nor-deste passa por uma análise segmentada por tipo de calçado exportado. Na Nomenclatura Comum do Mercosul os quatro dígitos iniciais indicam o material do cabedal de que é composto o calçado. Desta forma, os calçados são classificados como: injetados (6401), sintéticos (6402), couros (6403), têxteis (6404) e outros materiais (6405). A evolução dos números de pares exportados pelo Brasil, conforme o material do cabedal está descrita no Gráfico 1. É patente o declínio da quantidade de calçados com cabedal de couro, a partir de 2004. Por outro lado, ao longo do início deste século há aumento gradual do número de calçados sintéticos exportados que ultra-passam a marca de oitenta milhões de pares em 2007 (Gráfico 1).

101. O Capítulo 64 da NCM abrange: calçados, polainas, artefatos semelhantes e suas partes.

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Gráfi co 1 – Brasil: quantidade de pares de calçados exportada por tipo de calçado (2000-2007)

Fonte: BRASIL, 2007, 2008. Elaboração própria.

Em nível nacional, observa-se a regionalização da produção, cada uma se especializando em diferentes segmentos. O Nordeste se destaca na ex-portação de calçados feitos de material sintético (Gráfico 2).

Gráfi co 2 – Nordeste: quantidade de pares de calçados exportada por tipo de calçado (2000 -2007)

Fonte: BRASIL, 2007, 2008. Elaboração própria.

Em 2000, as vendas externas nordestinas de sintéticos eram apenas cer-ca de 11 milhões de pares. Mas, em 2007, a cifra se expande seis vezes, alcançando os 69 milhões de pares representativos de 80,4% dos sintéticos vendidos pelo Brasil no exterior. Essa predominância do calçado sintético nordestino pode ser explicada por seu preço de exportação que gira em tor-no de US$ 3,08 enquanto a média nacional atinge o patamar de US$ 4,20.

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Este preço mais baixo é viabilizado pelo diferencial na remuneração da mão de obra, que gira em torno de 72% do valor da remuneração da região Sul do País. A questão da remuneração da mão de obra será objeto de discussão do próximo tópico. Também esse tipo de segmento parece se caracterizar, internacionalmente, por uma estratégia de concorrência via “preço”.

Já no Sul do País, onde se sobressai a região do Vale dos Sinos, conta-ta-se uma especialização em calçados de couros femininos. De fato, em 2007, 72,3% dos calçados de couros exportados pelo Brasil provieram do Rio Grande do Sul. Gandini (2003) assinala, como resultado de pesquisa direta, que os produtores gaúchos informaram como países concorrentes no mercado internacional a China e a Itália. A primeira nação se destaca no segmento de produto de menor preço e a segunda, no design diferencia-do, que pode ser vista como uma estratégia de “diferenciação” de produto. Cumpre salientar que a Itália pode ser considerada um exemplo das ideias defendidas por Sachwald (1996), pois também estabelece concorrência via “preço” com a instalação de fábricas no leste Europeu, visando redução dos custos de salário. Na mesma pesquisa, realizada em 2002, os produtores gaúchos revelaram preocupação com a melhoria da qualidade do produto fabricado na região.

Uma análise mais rigorosa do comportamento dos preços dos calçados exportados pela região Nordeste e das notícias acerca das estratégias de atuação das firmas nordestinas revela que, a despeito da importância da produção de sintéticos na região, esta não pode ser tratada como um todo uniforme.

Do ponto de vista da participação no valor de transformação industrial, o setor calçadista nordestino102 (Tabela 1) tem maior relevância econômica em dois estados: Ceará e Paraíba. Dentre os estados brasileiros, Ceará e Paraíba ocupam respectivamente a segunda e quinta posição no valor das exportações brasileiras de calçados (ABICALÇADOS, 2008g). A Bahia tam-bém se destaca na terceira colocação.

No Ceará e na Paraíba predomina, em número de pares de calçados ex-portados, o segmento de sintéticos.103 Já a Bahia tem uma estrutura produ-

102. O IBGE não divulga as informações da indústria calçadista nordestina isoladamente. Em vez disto, é comum a utilização das informações da “indústria de calçados e couros” como referência para o desempenho do setor calçadista. Esta proxy é utilizada para dimensionar a participação do setor no valor de transformação industrial.103. Se, por um lado, os estados do Ceará e da Paraíba se especializam na produção e expor-tação de sintéticos de baixo valor unitário, por outro lado, constata-se um crescimento das importações de calçados de maior valor unitário provenientes da China. Estes dados são indí-cios de uma possível situação de complementariedade neste segmento. Sobre essa questão, ver Melo, Maria Cristina Pereira; Moreira, Carlos Américo Leite; Weber, Alexandre (2008).

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tiva que, a partir de 2003, vem apresentando mais exportações de calçados de couros.

O comportamento dos preços médios em dólar destes dois segmentos será analisado para os três principais estados exportadores nordestinos (Ce-ará, Paraíba e Bahia).

Tabela 1 – Prepação de couros e fabricação de artefatos de couro, viagens e calçados no valor de tranformação industrial

Estados 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006Maranhão - 0,30 - 0,56 0,24 0,22 0,53 0,21 0,08 0,40 0,84Piauí 7,04 5,34 3,75 5,23 6,71 2,99 3,57 2,42 3,10 0,73 0,73Ceará 11,18 15,86 14,54 12,33 14,92 20,74 22,26 24,86 24,98 25,40 22,87Rio Grande do Norte 0,74 1,63 0,70 1,22 1,29 1,72 2,03 1,90 1,49 1,38 1,83

Paraíba 18,40 13,02 15,70 22,59 21,30 16,46 19,94 17,22 19,55 23,20 27,76Pernambuco 0,63 0,72 0,94 1,49 1,14 0,73 0,97 0,90 0,97 0,94 0,87Alagoas 0,02 0,04 0,03 0,08 0,02 0,04 0,06 - 0,02 0,05 0,04Sergipe 7,90 5,46 2,71 0,73 0,35 0,35 0,73 1,36 1,51 2,02 3,37Bahia 0,37 0,48 0,47 1,16 1,50 1,92 1,85 2,09 2,07 1,54 1,98

Fonte: (IBGE, 2008a).

Entre 2000 e 2007, o preço médio do calçado sintético cearense expor-tado se expandiu de US$ 2,98 para US$ 3,23. Na Paraíba esse mesmo preço declinou de US$ 2,67 para US$ 2,45. Esses estados terão o maior peso para a formação do preço dos calçados sintéticos nordestinos de US$ 3,08 em 2007.

Se esse preço do sintético for convertido em reais a partir da taxa de câmbio nominal média anual, constatar-se-á que o preço unitário era para a região nordestina de R$ 5,42 em 2000 e subiu para R$ 6,70 (US$ 3,08) em 2007. Nesse período, a taxa de inflação brasileira, medida pelo IPCA, ultrapassou o patamar de 70%. A remuneração média do trabalhador de chão de fábrica da indústria calçadista se elevou em mais de 82% (somente entre 2000 e 2006) e as firmas aumentaram o preço final do produto em apenas em 23,6% na moeda nacional. Ou seja, houve um esforço no sentido de manter o preço em dólar relativamente estável (Tabela 2 e Gráfico 3).

Tabela 2 - Brasil e Regiões.Remuneração Média da Indústria de Calçados (2000 - 2006)

Regiões 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006Nordeste 266,80 305,50 329,81 380,26 413,26 437,10 485,92 Sudeste 347,34 385,41 409,78 464,48 511,54 540,75 569,28 Sul 374,20 425,17 474,09 543,15 611,90 637,68 669,37 Brasil 344,54 390,15 423,95 482,21 533,90 554,75 586,41

Fonte: (BRASIL, 1991-2006).

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De fato, entre 2000 e 2003, quando o dólar não está apreciado relativa-mente ao ano base de 2000, o preço médio do calçado sintético nordestino é de US$ 2,72 e no quadriênio seguinte este preço se expande apenas 7%, a despeito da apreciação real da moeda doméstica.

Já para as firmas produtoras de calçados de couro no Nordeste se cons-tata o incremento de preço médio em dólar de 12,32 (em 2000) para 16,56 em 2007 (ou de R$ 22,60 para R$ 36,03).

A evolução dos preços médios em reais dos produtos de couro foi mais alta no Rio Grande do Sul, maior exportador desse segmento no Brasil que na Bahia, destaque no Nordeste (Gráfico 3). Naquele estado, o percentual de aumento não chegou a compensar sequer a inflação do período (2000 a 2007).

Gráfi co 3 – Preços médios em reais dos calçados de couro exportados pela Bahia e pelo Rio Grande do Sul (2000-2007)

Fonte: BRASIL, 2007, 2008. Elaboração própria.

Assim, o segmento de calçados sintéticos, cujo consumidor final apre-senta menor renda e que compete diretamente, no mercado internacional com os produtos chineses, teve elevação de preço mais comprimida, o mes-mo não acontecendo com as firmas exportadoras de calçados de couros.

Cumpre ressaltar que o comportamento declinante do quantum de calça-dos de couro exportados nacional coincide com o movimento de apreciação do real, desde 2004, comparativamente aos patamares de 2000. Quer se considere a taxa de câmbio efetiva real das exportações de manufaturados ou das exportações totais, registra-se a apreciação real da moeda nacional.

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Assim, o produtor nacional de calçados passou a receber menos por cada dólar exportado. O Estado do Rio Grande do Sul, que chegou a exportar mais de cem milhões de pares de calçados de couro no ano 2000, somente vendeu cerca de 54 milhões em 2007. A apreciação do real teve maior im-pacto nas vendas deste segmento.

Um dos maiores mercados consumidores do calçado brasileiro, os Esta-dos Unidos, tem apresentado entre 2000 e 2006, declínio no preço em dólar dos calçados (em torno de 0,8%). Para o segmento feminino, constata-se ligeiro incremento, cerca de 2%, no preço do produto no mercado ameri-cano (AAFA, 2008). Assim, para manter-se no mercado internacional, os produtores brasileiros, e em particular os de calçados sintéticos nordesti-nos, têm empreendido esforços no sentido de manter o preço final em dólar relativamente estável.

Gráfi co 4 - Brasil e Nordeste. Preço Médio de Calçados de Couro e Sintético (R$)

Fonte: BRASIL, 2007, 2008. Elaboração própria.

A preocupação em como o câmbio afetou a atividade calçadista levou, em 2007, o governo a incrementar de 20% para 35% a tarifa de importa-ção deste produto. Desta maneira, os produtores voltados para o mercado interno estariam mais protegidos da concorrência internacional. A decisão foi publicada em 28 de setembro no Diário Oficial da União. A expectativa do secretário executivo da Camex, Mário Mugnaini, é que os efeitos práti-cos da medida somente foram sentido no início de junho de 2008 (TARI-FA..., 2008). O setor de “couros e calçados” também consta como foco dos programas para fortalecer competitividade da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) Nacional.

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4. O comportamento dos salários e da produtividade da indústria de calçados nordestina.O IBGE não divulga as informações da indústria calçadista nordestina isola-damente. Em vez disto, é comum a utilização das informações da “indústria de calçados e couros” como referência para o desempenho do setor calça-dista. Entre 1996 e 2007, a “indústria de calçados e couros” nordestina tem se expandido acima da média da indústria de transformação regional como se pode depreender do Gráfico 5.

O desempenho da atividade na região tem superado inclusive a média da indústria de transformação nacional. No período de 1996 a 2007, a indústria de transformação brasileira cresceu 28,8% enquanto a atividade de calçados e couros no Nordeste expandiu sua produção em 39,8%.

Gráfi co 5 – Nordeste: produção física industrial (número índice) – 1996-2007.

Fonte: IBGE, 2008c. Elaboração própria.

O forte crescimento da produção industrial no setor de calçados foi acompanhado da expansão do emprego. Esse ciclo virtuoso está relaciona-do com o segundo movimento de deslocamento de parte de firmas calçadis-tas do Sul e Sudeste do País para os estados nordestinos, abrindo unidades fabris nas capitais da região e no interior. As dificuldades dos produtores de calçados, em virtude da valorização do câmbio e da intensificação da concorrência externa, principalmente de países asiáticos, tem provocado esse processo de migração.

Esse fato tem engendrado a transferência de parte da produção ou a fabricação terceirizada com o objetivo de manter suas fatias de mercado. Nessa segunda opção, a produção de calçados sai das fábricas localizadas

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em outros países com etiquetas de marcas brasileiras para terceiros merca-dos, ou até mesmo para o mercado brasileiro.

Um exemplo emblemático está relacionado a fabricante de calçados Azaléia que fechou unidades no Rio Grande do Sul para concentrar sua produção na região Nordeste e alguns países da Ásia ou na Argentina. A diferença de custo de produção foi apontada pela empresa como o principal motivo para a transferência da produção.

Atualmente, mais de 80% da produção nacional da Azaléia é realizada no Nordeste. Essa concentração na região cresceu com o controle da empre-sa pela Vulcabrás. Um ano após a aquisição em junho de 2007, o número de trabalhadores das fábricas da Azaléia na Bahia saltou de nove mil trabalha-dores para 13,7 mil. A meta da empresa é atingir 15 mil pessoas até o final de 2008. A conclusão da ampliação das fábricas de calçados localizadas no estado no primeiro semestre de 2008, com investimento de R$ 27 milhões, contribuirá para esse aumento.

Além da região Nordeste, boa parte da produção da empresa é realizada em outros países com melhores condições competitivas. Faz parte também do novo grupo a empresa Argentina Indular, adquirida no mesmo período da Azaléia, que alcançou dois mil trabalhadores em junho de 2008 contra apenas 400 empregados antes da aquisição. A empresa terminou o ano de 2007 com uma produção de dois milhões de pares e a perspectiva para 2008 é de atingir 3,5 milhões de pares. A produção atende principalmente o mercado argentino, porém uma parte já é exportada para o Brasil. Para os próximos anos, o grupo projeta um maior abastecimento para o Brasil em função, sobretudo, dos encargos sobre a mão de obra e os salários serem menores na Argentina (GAZETA MERCANTIL, 2008).

O modelo de subcontratação internacional é também amplamente uti-lizado pelo grupo brasileiro. Vale destacar que a Azaléia, antes mesmo da aquisição, exportava para vários países e regiões, abastecendo 60% do mer-cado norte-americano e 20% a 30% do mercado latino-americano com pro-dutos asiáticos (GLOBAL 21, 2007).

Tabela 3 - Produtividade de Calçados e CourosBrasil e Nordeste (2002-2007) Base: Ano anterior = 100

2002 2003 2004 2005 2006 2007BR 100,0 92,0 102,8 108,7 106,3 108,1NE 99,7 83,0 95,0 97,7 101,9 104,0

Fonte: Elaboração Própria a partir de dados da Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salário da Pesquisa Industrial Mensal - Produção Física

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Além do deslocamento da produção, outras estratégias que atingem as unidades localizadas na região Nordeste estão sendo colocadas em prática pelos produtores de calçados brasileiros. Uma particularidade desse movi-mento de reestruturação diz respeito ao crescimento da produtividade nos últimos dois anos. Esses ganhos de produtividade decorrem do aumento da produção industrial acima do incremento das horas pagas. Outro aspecto relevante é a associação entre os ganhos de produtividade e a estabilidade do rendimento médio dos trabalhadores (em número de salários-mínimos) do chão de fábrica.

Esse fato parece revelar a tendência das unidades de utilizarem tecnolo-gias poupadoras de mão de obra na perspectiva de elevar os ganhos de pro-dutividade. Reportagem recente do jornal Valor Econômico intitulada “Fábri-ca do Ceará supera produtividade chinesa” revela que a unidade de produção da Grendene está fabricando até 600 mil pares de sapatos feitos de plástico injetável, seguindo uma fórmula que mistura PVC, corante e pouca mão de obra (FÁBRICA..., 2007). Com essa combinação, a Grendene se transformou em uma exceção em meio a uma indústria intensiva em mão de obra, já que produziu 130 milhões de pares de calçados com apenas 25 mil empregados (5.200 pares/empregado), enquanto a chinesa Yue Yuen produziu 180 mi-lhões de tênis com 250 mil trabalhadores (720 pares/empregados).

Também faz parte da estratégia da empresa um esforço de marketing significativo. Com várias unidades de produção no Nordeste, a Grendene está centralizando sua estrutura de marketing nas marcas que proporcio-nam maiores margens. Atualmente, a empresa exporta mais de 300 mode-los de diversas marcas por ano, estratégia considerada arriscada, já que são produtos de baixo valor agregado que sofrem com a concorrência chinesa.

Ademais a menor remuneração do trabalhador na região Nordeste, com-parativamente ao restante do País revela a possibilidade de ampliação do excedente do setor calçadista na região, amplificado pelo crescimento da produtividade dos últimos anos. Entretanto, como já mencionado, as firmas exportadoras de calçados de sintéticos, predominante na região Nordeste, comprimiram suas margens no mercado internacional, o que pode indicar uma transferência deste excedente para as estruturas de comercialização.

Vale salientar que essa compressão não acontece no segmento de cou-ros, com destacada produção no Estado da Bahia. O aumento de preço em dólares está relacionada a atuação em nichos de maior valor agregado, bem como um esforço no sentido de abrir novos mercados. Cumpre mencionar as estratégias de expansão da capacidade produtiva e de fabricação de pro-dutos diferenciados com maior valor agregado em grandes empresas cal-çadistas instaladas na Bahia. Na Bahia, foram instaladas grandes empresas

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como Azaléia, Umbro, Kildare, Ramarim, Daiby, Calçados Bel Passo, Disport do Brasil/Paquetá, Bibi, Via Uno, Dilly, Grendene e Dal Ponte.

Também tem ocorrido o redirecionamento de parte da produção para o mercado interno. Em 2007, a Grendene com sede em Farroupilha (RS), mas com mais de 95% de sua capacidade produtiva no Nordeste, investiu R$ 10 milhões em Teixeira de Freitas, Bahia. A cidade foi escolhida pra diversificar os locais de produção e facilitar a logística, para atender também aos cen-tros consumidores do Sudeste.

Vale destacar que a indústria de calçados tem sua cadeia de produção dirigida pelos compradores, ou seja, nesse segmento os grandes varejistas e os grandes comerciantes desempenham o papel principal do arranjo de redes de produção descentralizadas, numa variedade de países exportado-res. Comerciantes de marcas podem terceirizar parte ou toda sua atividade de desenvolvimento de produtos, manufaturas, embalagens, embarque e até recebimento de cotas de diferentes agentes de todo o mundo. Com a terceirização em outros países, grandes empresas brasileiras do setor, como Grendene e Azaléia, parecem cada vez mais propensas assumir funções de comercialização em detrimento da produção nas regiões onde há salários mais elevados.

Considerações fi naisA relocalização industrial do setor calçadista na região nordestina reflete dupla motivação: a homogeneização da produtividade obtida quer através da importação de máquinas e equipamentos, ou de insumos mais elabora-dos e o diferencial de remuneração dos trabalhadores de chão de fábrica na região (cerca de 30% menor que no Sul do País).

Essa relocalização é concentrada espacialmente em três estados: Ceará, Paraíba e Bahia. Cumpre destacar que os dois primeiros se especializam na produção/exportação de calçados sintéticos ao passo que a economia baia-na apresenta vendas externas alicerçadas em produtos de couro.

Entre 2000 e 2007, constata-se a presença crescente dos produtores nor-destinos nas exportações nacionais de calçados. A expansão do quantum exportado se deu com relativa estabilidade de preços, especialmente, no segmento de sintéticos – o que é indicativo de uma concorrência via pre-ço. A abertura de novas plantas em países asiáticos de fábricas nacionais reforça a ideia de Sachwald (1996) de que os critérios de localização das grandes empresas obedecem a restrições vinculadas a sua performance em nível mundial.

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As firmas nordestinas, para manter a estabilidade do preço final do pro-duto também apresentaram processo de aumento de produtividade, espe-cialmente em 2006 e 2007, aliado a um diferencial de salário relativamente às demais regiões.

Essa combinação de estabilidade de preços dos produtos exportados e geração de excedente na região pode indicar que a apropriação destas ren-das estaria se realizando em etapas como marketing, design e comerciali-zação e não obrigatoriamente sendo revertidas para a região, o que parece fortalecer a hipótese do setor estar inserido em uma cadeia produtiva global dirigida pela comercialização.

Nesse sentido, referindo-se às exportações de 2004, era registrado que: A maior parte das vendas externas brasileiras está baseada no modelo pri-vate label, pelo qual as fábricas locais são contratadas para produzirem cal-çados para marcas internacionais. Segundo Heitor Klein, diretor-executivo do programa Calçado do Brasil, da Abicalçados, “quase 90% das exporta-ções brasileiras do setor são feitas nesse modelo de subcontratação” (ABI-CALÇADOS, [2008]a).

A partir de 2004, com a intensificação da concorrência internacional, aliada à apreciação da moeda brasileira, constata-se iniciativas no sentido de reter maior excedente nas empresas produtoras, agregando maior valor aos pro-dutos, por meio de campanhas de fortalecimento da imagem no Brasil e no exterior. Como exemplos, pode-se citar as Havaianas e os Calçados Democrata (Franca/SP), este último vem se consolidando como uma marca global.

Como sugestão de trabalhos futuros, seria importante identificar os com-pradores da produção nordestina calçadista bem como a formação de preço no mercado consumidor final, como por exemplo, Estados Unidos.

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Os arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de redução da pobreza

Eveline Barbosa Silva Carvalho104

1. IntroduçãoOs Arranjos Produtivos Locais (APLs)105 têm sido objeto de inúmeros artigos científicos, teses, dissertações e monografias. Inspiradas na literatura recen-te de economia da inovação, economia industrial e geografia econômica, tais estudos têm destacado a importância dos APLs especialmente em áreas menos favorecidas.

Investigações sobre casos de sucesso de APLs no Brasil e em outros países, características de APLs, a importância das instituições parceiras, benefícios dos APLs para a inserção de pequenas empresas no mercado e na geração de renda, o fortalecimento das vocações locais, a geração de oportunida-des, economias de escala e externalidades, entre outros aspectos, tem sido largamente documentados. Existe, porém, uma lacuna na literatura quanto à visão de APLs como estratégia de redução da pobreza.

Esse tema deverá se tornar importante na medida em que governos, como o do Brasil, têm baseado suas políticas de combate à pobreza em medidas assistencialistas que a rigor não se constituem estratégias susten-táveis de desenvolvimento. O presente estudo tem, portanto, o objetivo de mostrar os arranjos produtivos como estratégia sustentável de redução da pobreza e como opção para migração de programas como o Bolsa Família para uma atividade de geração de renda e de estímulo à cidadania.

104. A autora agradece a colaboração de Victor Hugo de Oliveira Silva bem como os comen-tários e sugestões de Cláudio André Gondim Nogueira e Vitor Hugo Miro. Eventuais falhas são de responsabilidade exclusiva da autora. 105. Essa nomenclatura corresponde à utilizada pela RedeSist da Universidade Federal do Rio de Janeiro em http://www.redesist.ue.ufrj.br/. De acordo com a RedeSist os arranjos produ-tivos locais têm as seguintes principais características: abrangem grupos de atores (empresas, organizações de P&D, educação, treinamento, promoção, financiamento etc.) de um território e favorecem o aprendizado e a troca de informações permitindo a inovação e a criação.

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A pobreza é cada vez mais reconhecida como um problema multidimen-sional não se resumindo à privação de renda, mas também à limitação de capacidades e de bem-estar. A criação de oportunidades para pessoas com menor nível de escolaridade e de educação formal, como é composta uma parcela de trabalhadores e empresários, pode ser uma forma eficiente de romper a armadilha da pobreza, daí a relevância dos APLs.

De maneira simplificada podem-se conceituar Arranjos Produtivos Lo-cais (APLs) como concentrações territoriais de firmas, associações e outras unidades engajadas num mesmo ramo de atividade ou atividades correlatas que sirvam de suporte a um setor ou setores de determinado local, poden-do desse modo gerar vantagens para particulares e pequenas empresas a partir da existência de economias de aglomeração, competição, cooperação e da ênfase em ligações internas com o engajamento de instituições locais fazendo, desse modo, com que firmas ou associações ganhem mercado e possam inclusive se colocar no mercado internacional saindo do local para o global.

Mas será que os APLs realmente levam à melhoria do bem-estar e podem ser considerados como estratégia eficiente para a redução da pobreza? Para responder a essa pergunta o presente artigo está assim dividido: no item dois é apresentada discussão sobre o que vem a ser pobreza e a amplitude desse conceito; no item três são apresentados comentários sobre políticas de intervenção governamental e Arranjos Produtivos Locais com respaldo no referencial teórico sobre o tema; no item quatro são apresentados resultados empíricos de experiências de desenvolvimento local e melhoria de bem-estar em municípios do Estado do Ceará com base na evolução dos indicadores de municípios selecionados onde estão localizados APLs comparativamente àqueles da mesma mesorregião que não apresentem APLs identificados, além de mensuração dos possíveis impactos de APLs em termos de redução na pobreza. Por fim, são apresentadas as considerações finais.

2. Afi nal o que é pobreza?Para analisar a relação entre APLs e pobreza é preciso ter em mente que a pobreza que se objetiva vencer é aquela em sentido amplo que leva em consideração as dotações pessoais e o bem-estar. Não se trata, pois da visão restrita que só considera a renda monetária, embora seja essa a medida comumente adotada para designar a pobreza.

De fato, as definições de pobreza utilizadas se baseiam na capacidade de adquirir produtos e serviços e a partir desses cálculos se deriva a noção de linha de pobreza. O Banco Mundial tornou popular a noção de linha de

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pobreza para quem ganha menos de US$1,00/dia e recentemente essa refe-rência passou para US$1,25 como forma de atualização. No Brasil é comum a utilização da linha da pobreza de meio salário-mínimo por mês de renda per capita como medida de pobreza.

O conceito de pobreza, porém é bem mais amplo pois não se limita à renda e sim à privação de capacidades básicas (SEN, 1999). Apesar disso a renda continua sendo uma importante causa da pobreza já que a insuficiên-cia de renda leva a uma limitação na obtenção dessas capacidades.

A privação de capacidades está relacionada ao nível de educação e exis-te na prática uma íntima relação entre pobreza e educação. A escolaridade do indivíduo é fundamental na determinação de sua renda proveniente do trabalho e a literatura econômica é vasta de exemplos empíricos que mos-tram que a educação exerce efeito sobre o diferencial de salários entre os indivíduos.

Para o Estado do Ceará, um indivíduo analfabeto (sem instrução ou com menos de um ano de estudo) possui em média um rendimento men-sal de R$ 176,2. Se esse indivíduo completasse o ensino fundamental seu rendimento médio mensal poderia ser 2,5 vezes maior. Para um indivíduo que concluiu o ensino médio, o rendimento médio obtido no trabalho pode chegar a R$ 682,7. Caso esse indivíduo concluísse o ensino superior, seu rendimento médio seria, em média, três vezes maior. Um indivíduo com nível superior ganha em média 4,5 vezes mais do que alguém com o ensino fundamental completo e 11,6 vezes mais do que uma pessoa analfabeta (OLIVEIRA; CARVALHO, 2007).

Estudo realizado para o Estado do Ceará, a respeito do programa de combate a pobreza adotado no Brasil, o Bolsa Família, mostrou que a maio-ria das faixas de renda obteve ganhos reais entre 2001 e 2005, com exceção das faixas menos favorecidas (famílias abaixo da linha de indigência)106 e que as faixas de renda que mais obtiveram ganhos reais no período foram as mais próximas da linha de pobreza.

Conclusões a respeito do Programa Bolsa Família para o País sugerem que ele está atingindo o objetivo de aliviar a pobreza (MEDEIROS; BRITTO; SOARES, 2007). Mas será que esse resultado é de fato sustentável? Tendo em vista se tratar de política de intervenção do governo de cunho assisten-cialista esse programa sofre da dificuldade na saída: como sair e em que momento? Esse assunto é objeto do comentário do item a seguir.

106. Renda mensal per capita de até um quarto de salário-mínimo.

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3. Políticas de intervenção e a alternativa dos APLsExiste uma vasta literatura em políticas públicas que analisam a ineficiência provocada por intervenção governamental a partir do triângulo de Harber-ger (BULLOCK, 2007). O modelo de Arrow-Debreu cujo principal resulta-do é o primeiro teorema do bem-estar diz, considerando o pressuposto de mercado competitivo, que a não intervenção é eficiente no sentido de Pare-to, ou seja, cada pessoa ou empresa não poderá alcançar situação melhor sem prejudicar outros. Esse resultado é exatamente um dos argumentos da chamada escola de Chicago, que é favorável ao menor envolvimento do governo.

Ocorre que os pressupostos que dão alicerce ao primeiro teorema na prática são quebrados já que no mundo real existem falhas de mercado, ou seja, externalidades, poder de mercado, desemprego e a pobreza, no sen-tido amplo, é uma realidade. Desse modo, ou seja, como os pressupostos são violados, é possível para o governo melhorar o bem-estar dos agentes através da implementação de políticas intervencionistas.

O Programa Bolsa Família é uma política de intervenção do governo, jus-tificável considerando o tamanho da pobreza no Brasil e no Estado do Cea-rá (dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2007 revelam que 52,86% da população desse estado é pobre), mas certamente não sustentável já que é assistencialista em sua essência e essa característi-ca por si só leva a perdas de bem-estar.

Porém, mesmo ocorrendo perdas, uma política pode ser considerada efi-ciente já que o fato de haver perdas de bem-estar não implica que exista outro programa que possa levar todos a uma melhor situação. Além disso, a transferência de renda através do bolsa família pode ser um caminho em direção à equidade contribuindo para a redução da distância entre ricos e pobres o que remete ao segundo teorema do bem-estar. Ocorre que a trans-ferência de renda não significa a distribuição de dotações já que renda não é uma dotação como a capacitação pode ser considerada.

Mas, seriam os APLs uma alternativa de saída, ou seja, uma estratégia de modo a permitir a migração da posição de assistência para uma situação de participação, ou melhor dizendo, de uma estratégia de dependência para outra sustentável e que possibilita a independência? Em outras palavras, será que os APLs de fato favorecem os territórios onde estão inseridos em termos de redução da pobreza ou de impulso ao crescimento? Se essa é de fato uma estratégia que leva a um maior nível de bem-estar, nada mais justo do que pautar políticas na direção desses arranjos.

As referências teóricas sobre Arranjos Produtivos Locais têm como prin-cipais alicerces Alfred Marshall, que tratou do tema aglomerações em deter-

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minados espaços geográficos, além de Shumpeter, que relacionou o proces-so de desenvolvimento econômico a mudanças endógenas e descontínuas na produção de bens e serviços destacando o empreendedor como agente fundamental do processo de desenvolvimento econômico, além de Hirsch-man e Perroux. Para esses dois últimos o processo de desenvolvimento só poderia ser iniciado a partir de polos, que obteriam vantagens da aglomera-ção e das externalidades, tendo o governo como o mais importante agente coordenador e incentivador do processo.

Estudos sobre APLs reconhecem a importância do governo não como interventor no processo, mas como articulador ao lado da interação entre os agentes locais não apenas entre as empresas e trabalhadores, mas entre esses e as instituições de pesquisa, treinamento, consultoria e financiamen-to, possibilitando assim a capacitação e inovação.

A nova teoria do crescimento tem sido a inspiração para diversos estu-dos em países em desenvolvimento sobre aglomerações locais ao lado de argumentos de retornos crescentes nos quais fatores como inovação tec-nológica endógena (que surgem como resultado dos esforços dos agentes produtivos para maximizarem seus lucros), capital humano (ou seja, o es-toque de conhecimento dos agentes econômicos) e os arranjos institucio-nais (incluindo a política governamental e a organização da sociedade civil) passam a assumir papel crucial no crescimento contínuo da renda (SILVA; CARVALHO, 2000).

Diversos autores destacam o papel das aglomerações especialmente de pequenas e médias empresas como fundamentais para o desenvolvimento e a construção de externalidades positivas. Essa versão contrapõe-se à visão que veio juntamente com a globalização de que o espaço seria menos im-portante na economia.

Contudo, Porter (1990) enfatiza a importância da formação de conglo-merados e argumenta que a vantagem competitiva na economia global de-riva de uma constelação de fatores locais, que sustentam o dinamismo de empresas líderes, reforçando ou enfatizando especialmente a importância da rivalidade local e redes de fornecedores.

Storper (1995) também contribuiu para uma nova ênfase no papel do local, especialmente ao abordar os efeitos do aprendizado e da inovação. Já a chamada economia da inovação, abordagem teórica concernente ao desenvolvimento tecnológico, deu ênfase à aprendizagem por interação em nível nacional e depois regional e local (CASSIOLATO; LASTRES, 2000).

Amaral Filho (2002) destaca quatro elementos comuns a arranjos produ-tivos de sucesso: capital social (construído mediante a confiança e principal condição para a existência de cooperação), estratégia coletiva de organiza-

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ção da produção (toma decisões sobre a produção e compras conjuntas); estratégia coletiva de mercado (objetivando a manutenção e conquista de novos mercados); articulação político-institucional (como o APL se rela-ciona com as organizações públicas e privadas responsáveis pelas políticas públicas e com as instituições às quais cabe o papel de apoio às pequenas empresas ou ao desenvolvimento local).

Na América Latina, Ásia e África, pequenas empresas em aglomerações que formam redes são encontradas em diversos países como empresas de calçados e peças avulsas de automóvel no Peru; calçados, têxteis, indústria automobilística, semicondutores na Coreia do Sul; e carpintarias no Sudão, Kenya, Tanzânia e Zimbabwe, entre outros.

Para o caso brasileiro, diversos arranjos produtivos foram identificados em diferentes estados e nos mais variados ramos de atividade como, aero-náutico em São Paulo; metalmecânica, móveis, aço e mármore e granito no Espírito Santo; automobilístico, biotecnologia e móveis em Minas Gerais; fumo, vinho, móveis e couros e calçados no Rio Grande do Sul; cacau na Bahia; têxtil e vestuário, cerâmica e software em Santa Catarina; rochas ornamentais, têxtil e vestuários e software no Rio de Janeiro; telecomuni-cações no Paraná, couros e calçados na Paraíba; frutas tropicais, na região do baixo Jaguaribe no Estado do Ceará, Assu e Mossoró no Rio Grande do Norte; Alto Piranha na Paraíba; Juazeiro na Bahia; Petrolina em Pernambu-co; Sul de Sergipe e Norte de Minas, entre outros. No Ceará são cerca de 40 os Arranjos Produtivos Locais identificados em diferentes municípios e que atuam em diversos setores.

De acordo com Nadvi e Barrientos (2004), os impactos dos APLs sobre a pobreza variam de acordo com o tamanho do arranjo, sua localização, tipo de setor, a natureza das firmas que participam do APL e que tipo de empre-go o APL gera: formal ou informal, mão de obra ou capital-intensivo.

Considerando que os APLs são usualmente formados de pequenas em-presas e que essas em geral exploram atividades trabalho-intensivas que requerem mão de obra pouco qualificada, a oportunidade que o fortale-cimento de uma atividade naturalmente estabelecida pode proporcionar torna-se um atrativo natural para aquele município, podendo estancar o processo migratório ou mesmo atrair mão de obra ociosa de grandes cen-tros urbanos.

A cooperação local tanto entre firmas individuais quanto através das ins-tituições participantes do APL pode fortalecer a habilidade de competição nos mercados por meio do compartilhamento de custos e do compromisso em tarefas conjuntas mediante associações, por essa razão os APLs tendem a ter uma forte presença de capital social.

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Além disso, por serem dinâmicos os APLs passam por processos que po-dem levar a uma melhoria no capital humano e tecnológico propiciando au-mento de produtividade e abertura de mercado o que, como consequência, favorece a elevação do nível de renda tanto para as firmas quanto para tra-balhadores, permitindo uma ambiência sustentável de geração de renda.

O governo pode usar diferentes instrumentos de política para mudar o bem-estar de n grupos sociais. Formalizando, suponha que x = (x1,..., xm) seja um vetor que descreve os níveis de instrumentos de política governamental 1,..., m (exemplo: o instrumento de política x1 pode ser a bolsa família, o instrumentos de política x2 pode ser o apoio a APLs etc.).

Suponha ainda que u = (u1,..., un) seja um vetor dos elementos que medem o bem-estar de n grupos sociais 1,... n, como grupos de pequenos empresários, pessoas pobres etc. e que b = (b1,..., bn), seja um vetor de va-riáveis que descreve as condições econômicas e sociais, por exemplo: b1 = índice de desenvolvimento humano (IDH); b2 = média de anos de estudo; b3 = número de analfabetos; b4 = renda familiar per capita; b5 = Gini; b6 = proporção de indigentes, b7 = proporção de pobres; b8 = percentagem de renda apropriada pelos 40% mais pobres; b9 = população residente.107

Os níveis de bem-estar são funções das condições econômicas e sociais e dos instrumentos de política utilizados pelo governo: u = (h1 (x, b),..., hn

(x, b)) = h (x, b) e assim sendo, considerando-se os níveis de b, que é o vetor de variáveis econômico-sociais e, um conjunto de políticas factíveis, se obtém os níveis de bem-estar que o governo pode atingir.108

O próximo item apresenta a evolução de variáveis b para municípios selecionados na tentativa de mensurar a importância do instrumento de política x2 na melhoria do nível de bem-estar e consequentemente na redu-ção da pobreza.

4. Achados de estudos empíricos que apontam para a relevância dos APLsDiversos são os estudos teóricos sobre APLs com exemplificações de ca-sos de sucesso ou identificação de arranjos produtivos em várias partes do mundo. Para o Ceará alguns estudos acadêmicos e do próprio governo tra-balham a identificação de arranjos produtivos locais principalmente através

107. Outras variáveis poderiam ser incluídas relacionadas à receita do município e outras que reflitam as condições de mercado ou mesmo condições climáticas e não foram aqui incluídas por falta de disponibilidade de dados.108. Observe que há uma relação de dependência já que x é função do vetor b de variáveis econômico-sociais.

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da utilização do Quociente Locacional que é a metodologia mais difundida na literatura para a identificação de APLs (como em AMARAL FILHO et al., 2006).

Outros estudos empíricos para o Ceará apontam para a relevância de APLs. A partir de resultados calculados para os 184 municípios do estado e utilizando a base da Relação de Informações Sociais (RAIS), Holanda e Petterini (2003), investigaram os possíveis determinantes do indicador de vantagem comparativa municipal (IVCM). Referido estudo incluiu como variáveis explicativas: a infraestrutura local, incentivo fiscal, a distância dos maiores centros consumidores, a proximidade do litoral, o índice pluviomé-trico, os agropolos e os arranjos produtivos locais (APLs).

O coeficiente da variável explicativa APL mostrou-se estatisticamente significante, e positivo, tanto para a equação do ICVM agregado quanto para as do ICVM agrícola e do ICVM do setor secundário. Os resultados provam empiricamente que os APLs conferem vantagens competitivas para os municípios cearenses, de acordo com a definição do ICVM.

Nogueira e Lopes, 2008, analisaram os municípios e setores que mais contribuíram para o crescimento econômico por meio da análise de shift-share tendo os resultados da regressão indicado que a vantagem competi-tiva ou diferencial de um município é positivamente correlacionado com a densidade populacional (até certo ponto) e que os municípios com APLs tendem a ter maior diferencial em relação a outros, porém esse efeito é menor quanto mais distante for o APL da capital.

Para o presente estudo optou-se por avaliar os possíveis impactos dos APLs sobre o bem-estar e para tal, foram selecionados dois municípios na mesorregião Noroeste do Estado do Ceará que abrigam APLs identificados: Frecheirinha, APL de confecções, situada na macrorregião administrativa de Sobral/Ibiapaba e Marco, APL de calçados, situada na macrorregião do litoral Oeste.

Primeiramente foi realizada uma análise comparativa com base na evolu-ção de indicadores econômicos e sociais dos municípios onde estão localiza-dos os APLs selecionados, comparativamente à média daqueles municípios pertences à mesma mesorregião que não apresentam APLs identificados. Conforme anteriormente mencionado os indicadores selecionados foram: Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o número de anos de estudo da população maior de 25 anos, taxa de analfabetismo, da população acima de 15 anos de idade, a renda familiar per capita, Índice de Gini, proporção de indigentes, proporção de pobres, proporção da renda total apropriada pelos 40% mais pobres e população total com base em dados do PNUD/Ipea.

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Um breve histórico indica a curiosa trajetória dos APLs selecionados. O município de Frecheirinha, com aproximadamente 13.405 habitantes, se baseava até 1990 na economia de subsistência. No início da década de 1990 por incentivo de empresário local, teve início o APL de confecções que possui cerca 18 empresas formais e informais que geram 500 empregos diretos.

O município de Marco possui 20.222 habitantes e até 1990 também apresentava economia de subsistência. No início da década de 1990, após grande seca e estimulados inicialmente por compras do governo, carpintei-ros e pequenos empresários locais atenderam a demanda de forma conjun-ta. Posteriormente esses e novos trabalhadores passaram a se dedicar ao ramo por incentivo de um empresário local. Hoje o município conta com 24 empresas moveleiras que empregam cerca de 1.200 pessoas.

A Tabela 1 mostra a variação dos indicadores sociais para os municípios do Noroeste cearense que não estão situados em APLs comparativamente aos resultados obtidos para Frecheirinha e Marco, de 1991, ano de início da atividade dos arranjos produtivos, até 2000.

Tabela 1 – Taxa de variação de indicadores selecionados de 1991 a 2000 (%)

Indicadores Noroeste Cearense – municí-pios sem APLs identifi cados Frecheirinha Marco

IDH 12,97 19,80 29,41Média de anos de estudo 30,00 51, 76 63,27Analfabetos -33.19 -18,88 -28,80Renda familiar per capita 37,23 14,56 46,95Gini 3,21 15,09 22,00Proporção de indigentes -15,01 -11,28 -15,06Proporção de pobres -8,95 -6,47 -16,14% renda apropriada pelos 40% mais pobres -20,83 54,11 -46,97

População residente 16,71 21,93 -1,34

A análise dos resultados da Tabela 1 revela que de fato houve crescimen-to superior para os municípios que abrigam APLs (no caso, Frecheirinha e Marco) em relação aos municípios sem APL também do Noroeste cearense nos seguintes indicadores: índice de desenvolvimento humano (IDH) e mé-dia de anos de estudo. Já o gini cuja variação positiva revela uma elevação no nível de concentração de renda, mostrou aumento na concentração de renda maior para os municípios que possuem APL.

A variação na renda familiar per capita para o período foi positiva e indi-cou variação superior para o município de Marco em relação à Frecheirinha e à média dos municípios sem APLs identificados da mesma mesorregião.

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Contudo, a variação negativa da taxa de analfabetismo no período ana-lisado foi superior para a média dos municípios fora de APL da mesma me-sorregião o que evidencia que a queda no número de analfabetos foi ainda maior para os municípios sem APL.

A variação negativa da proporção de pobres foi superior para Marco tendo caído duas vezes mais do que para municípios sem APL identificado, mas a proporção de indigentes se manteve praticamente a mesma para o município de Marco e para municípios sem APLs. A variação na proporção da renda total apropriada pelos 40% mais pobres cresceu mais para Fre-cheirinha, mas caiu mais para Marco do que para a média dos municípios fora de APL da mesma mesorregião.

É curioso notar que a população de Frecheirinha aumentou (22%) no período, mais do que a população dos municípios da mesma mesorregião sem APLs identificados. Isso explica parcialmente porque os indicadores de Frecheirinha não apresentaram variação tão significativa quanto os de Marco cuja população caiu -1,34%.

Apesar de ilustrativa, a variação dos indicadores acima citados não torna evidente o diferencial imposto pela existência de APLs para os municípios selecionados em termos de redução da pobreza e melhoria do bem-estar por essa razão, o estudo de mensuração de impacto se faz necessário.

Estudos empíricos mostram que, em geral, o crescimento econômico atua na redução da pobreza evidenciando, desse modo, uma conexão entre crescimento e pobreza. Porém, de acordo com o Relatório do Banco Mun-dial (Desenvolvimento Mundial: combate à pobreza 2000/2001), há gran-des divergências em vários países já que em alguns casos os pobres ganham pouco ou nada com o crescimento.

De fato, considerando os arranjos produtivos locais identificados para o Ceará, foi realizada a estimação de parâmetros de uma função do tipo Cobb-Douglas com o objetivo de verificar se municípios com APLs constituí-dos possuem um efeito positivo sobre a taxa de crescimento da renda.

Guardando todas as propriedades de uma função de produção neoclás-sica de crescimento econômico, além dos fatores tradicionais como capital físico, capital humano, trabalho e tecnologia, a variável APL foi incorporada como uma variável binária indicando valor 1 para os municípios com APL e 0 para municípios sem APL.

O resultado da regressão não evidenciou impacto dos Arranjos Produti-vos Locais, sobre a taxa de crescimento da renda, porém é de se salientar de que não se trata de resultado conclusivo especialmente considerando que as variáveis capital-físico e capital-humano capturam em muito os efeitos que poderiam ser atribuídos aos APLs.

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A estimativa do impacto na proporção de pobres em municípios do Cea-rá foi realizada tendo como variável depende a proporção de pobres (P) e como variáveis explicativas o Gini (g) a renda per capita (y) e os municípios com e sem APLs (0 e 1). Considerando variáveis em nível e em diferença a partir de 1990, ano considerado como marco de identificação e reconheci-mento de APLs no Ceará, constatou-se que em nível (sem levar em conta a variação no tempo, efeito dinâmico) a variável APL mostrou-se não relevan-te em termos de impacto na proporção de pobres.

Contudo, a Tabela 2 que apresenta os resultados do modelo de regressão estimado em termos de variação (diferença), mostra que a proporção de pobres se reduz quando a renda per capita aumenta e quando existe APL no município e essa proporção aumenta se cresce o nível de concentração de renda medido pelo Gini. O fato de os resultados relativos ao Gini e a renda per capita corroborarem as expectativas, fortalece o resultado obtido com relação a APLs que foi significante. Tais resultados se confirmam tanto quando se inclui todos os municípios do estado (Modelo 1) como quando se exclui a Região Metropolitana de Fortaleza, Crato Juazeiro e Barbalha e Sobral (Modelo 2).

Tabela 2 – Resultado da regressão que estima o impacto na proporção de pobres nos municípios do Ceará – variáveis em diferença

Variável dependente: Proporção de pobresVariáveis explicativas Modelo 1 Modelo 2

Intercepto-0,0845 -0,0807(0,000) (0,000)

ln(Gini)0,2700 0,2561(0,000) (0,000)

ln(Renda per capita)-0,2713 -0,2696(0,000) (0,000)

APL-0,0126 -0,0147(0,089) (0,065)

R² 0,6642 0,6760

Teste F Geral150,97 144,65(0,000) (0,000)

RESET1,22 0,57

(0,306) (0,634)

Breusch-Pagan4,23 3,57

(0,040) (0,059)Observações 184 167

Obs.: Entre parêntesis os valores – p.

Embora nenhum dos resultados aqui apresentados sejam conclusivos, funcionam como indicativo de que o apoio a arranjos produtivos locais ao

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longo do tempo pode ter um impacto na redução da pobreza. Mesmo assim, não se pode afirmar que qualquer APL traga benefícios em termos de re-dução da pobreza uma vez que para isso é preciso que a mão de obra local seja utilizada e para tanto o setor deve ter preferencialmente mão de obra intensiva e que consiga incluir mão de obra de baixa qualificação ou que possibilite as capacitações necessárias em pequeno espaço de tempo.

Apesar de haver evidência de que APLs geram emprego e renda para os pobres no mundo em desenvolvimento, como num jogo, o fortalecimento de APLs pode produzir ganhadores e perdedores (NADVI; BARRIENTOS, 2004), daí a razão de se conceber estratégias de atuação de modo a ofere-cer suporte a produtores e trabalhadores efetivos e potenciais a partir da identificação da privação de capacidades tanto de trabalhadores quanto de empresários.

Isso sugere a necessidade de intervenção, mas não no sentido vertical, porém com o objetivo de oferecer suporte já que o próprio conceito de APL pressupõe surgimento natural e com base nas vocações locais e culturais.

Considerações fi naisNão se pode afirmar que a constituição de um APL por si só traga benefícios em termos de redução da pobreza uma vez que para isso é preciso que a mão de obra local seja utilizada, que o setor seja preferencialmente de mão de obra intensivo e possa incluir mão de obra de baixa qualificação ou que possibilite as capacitações necessárias em pequeno espaço de tempo.

Se por um lado essas características podem significar a geração de em-prego em posições de “chão de fábrica” e com salários inferiores, por outro significa a absorção de mão de obra ociosa e carente de oportunidade, o que no longo prazo pode ensejar melhoria no nível de educação em termos de capacitação e número de anos de estudo que a própria ocupação pode proporcionar ou estimular. Considerando que melhores níveis de educação formal ensejam melhores salários, isso pode representar uma melhoria de renda para trabalhadores de APLs.

Os resultados das investigações aqui mostradas apontam para um possí-vel impacto positivo dos APLs na redução da pobreza. Embora não se possa atribuir o mérito exclusivo aos APLs, fica evidente que houve crescimen-to superior para os municípios que abrigam APLs em relação aos municí-pios sem APL do Noroeste cearense no índice de desenvolvimento humano (IDH) e na média de anos de estudo.

Os resultados estimados em termos de diferença mostram que a propor-ção de pobres se reduz quando a renda per capita aumenta e quando existe

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APL no município e essa proporção aumenta se o nível de concentração de renda medido pelo Gini se eleva. Embora os resultados apresentados sofram algumas falhas inerentes às variáveis incluídas no modelo, o fato de os resultados relativos ao Gini e a renda per capita corroborarem a ex-pectativa, fortalece o resultado obtido com relação a presença dos APLs, que foi significante. Ademais, tais resultados se confirmam tanto quando se inclui todos os municípios do estado (Modelo 1) quanto quando se exclui a Região Metropolitana de Fortaleza, Crato Juazeiro e Barbalha e Sobral (Modelo 2).

Tendo em vista as análises realizadas, o fortalecimento dos Arranjos Pro-dutivos Locais (APLs) como estratégia de combate à pobreza deve aconte-cer sem prejuízo do programa de assistência em andamento do governo federal, funcionando assim como uma política alternativa e complementar que, por oferecer oportunidade de renda e capacitação, permite o desloca-mento em direção à inserção sem traumas e de forma sustentável.

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Capacitação tecnológica no Brasil 235

Capacitação tecnológica no Brasil: por que as políticas de C,T&I são pouco efi cazes?

David Rosenthal

1. “Chovendo no molhado”: Inovação, Competitividade, DesenvolvimentoA literatura sobre o papel da inovação na vida econômica moderna ex-pande-se dia a dia, assim como o número de campos de estudo que visam a explicar sua importância e, principalmente, os fatores determinantes do próprio fenômeno “inovação”, e as condições necessárias para a endogenei-zação e potencialização desses fatores na atividade “regular” dos agentes econômicos, com vistas a transformar a “produção de inovações” num dos principais resultados dessa atividade.

Começando pelos chamados “economistas clássicos”, e passando por Marx e Schumpeter, a “tecnologia” e/ou a “mudança técnica” tem sido vista como um dos principais motores da elevação da produtividade que, a partir da revolução industrial, vem caracterizando a evolução do sistema capita-lista e viabilizando o processo de transformação e elevação do padrão de vida das sociedades humanas, a que se dá (com propriedade discutível) o nome de desenvolvimento econômico. Mas é a partir dos trabalhos dos economistas da chamada “escola neo-schumpeteriana”, na segunda metade do século XX – coincidindo, não por acaso, com a emergência das primeiras inovações precursoras da nova revolução tecnológica associada ao “proces-samento automático da informação”109 – que a inovação tecnológica passa a ser vista como principal instrumento de competição, na dinâmica do sis-tema capitalista, e a capacidade de gerar e introduzir tais inovações, como fator decisivo na determinação, de um lado, da sobrevivência da empresa e, de outro, da competitividade do país. As ideias básicas dessa escola – acei-tas hoje, com pequenas variações de detalhes, por estudiosos de diferentes áreas de conhecimento – podem ser resumidas nas seguintes proposições:

109. Especialmente a computação eletrônica, o transistor e o circuito integrado.

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236 Capacitação tecnológica no Brasil

1) Do ponto de vista da empresa, atuante num sistema econômico con-correncial, no qual a busca do lucro constitui o motor da atividade pro-dutiva, a tecnologia por ela empregada110 – principal determinante das características funcionais, físicas e econômicas dos bens e serviços por ela produzidos – define diretamente a aceitação de seus produtos e, por-tanto, sua capacidade de sobrevivência e expansão. Assim, quanto mais intensa é a concorrência no mercado, tanto maior tende a ser, em princí-pio, a motivação (e a necessidade) da empresa de buscar a diferenciação de seu produto, através da introdução de aperfeiçoamentos naquelas características – isto é, de alterações na tecnologia (consubstanciada no produto ou no processo de produção), ou “inovações tecnológicas”.111

2) Do ponto de vista da sociedade como um todo (um país), o nível da pro-dutividade social – e, portanto, o da renda por ela gerada – depende fun-damentalmente da proporção representada, no valor total da produção (e na parcela da população ocupada), pelos setores em que a produtivi-dade do trabalho é mais alta. Da mesma forma, o ritmo de crescimento desse nível de renda – isto é, de “desenvolvimento econômico” – varia diretamente com o ritmo de elevação dessa produtividade, ao longo do tempo. Essa elevação, por sua vez, depende, não apenas da acumulação física do estoque de bens de capital da sociedade (como preconizam muitos modelos de crescimento), mas, principalmente, do ritmo de in-trodução de inovações tecnológicas no sistema produtivo. Como o vetor principal dessa introdução é a empresa capitalista, o desenvolvimento econômico pode ser visto como dependente de dois conjuntos de fatores fundamentais: aqueles que influenciam a “motivação” que impulsiona a empresa a desejar inovar, e os que determinam sua “capacidade” de fazê-lo.

3) Enquanto o primeiro conjunto está diretamente relacionado com carac-terísticas específicas à empresa (e aos decisores) e com suas expectati-vas de lucro e sobrevivência – padrões de inserção no mercado, relação entre os custos da atividade inovativa e os ganhos esperados de seus resultados – o segundo já depende, em grande medida, dos padrões tec-nológicos prevalecentes no setor em que ela atua (e do “estado da arte” já atingido por esses padrões no nível mundial), seja no que respeita ao produto, seja com relação aos processos de produção (no sentido mais amplo do termo). Esses padrões, por sua vez, refletem o nível dos conhe-

110. Para uma discussão do conceito de tecnologia, e dos diferentes níveis de abrangência em que pode ser considerado, ver Rosenthal (2007), p. 16-22.111. Evidentemente, essa motivação é apenas um dos muitos e complexos requisitos envolvi-dos nesse processo – uma das principais “fontes de inovação internas à empresa” –, conforme referido por Rosenthal (2007), p. 31.

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cimentos tecnológicos consubstanciados nos bens e serviços gerados por esse setor – e dos requisitos, em termos de recursos humanos, materiais e informacionais, necessários para sua aplicação. Assim, a “capacidade” de uma empresa para gerar e/ou introduzir inovações depende do nível de domínio exercido sobre os conhecimentos tecnológicos essenciais, que definem o “estado da arte” em seu setor de atuação, “pela própria empresa” – e também pelo ambiente em que atua, especialmente no que respeita àquelas partes/instituições desse ambiente que lhe podem servir de fontes dos recursos para a atividade inovativa. O nível de complexi-dade e sofisticação dos “conhecimentos tecnológicos essenciais” abran-gido por esse requisito tende a ser tanto mais elevado quanto maior for o peso da exploração de conhecimentos de ponta, gerados pelos mais recentes avanços da ciência, sobre os fenômenos da natureza aplicados

na determinação das características do bem ou serviço.112 Não é por ou-tro motivo que os setores cujos produtos (e/ou processos de produção) consubstanciam uma elevada densidade de conhecimentos científicos avançados – e apresentam os mais altos requisitos de especialização e níveis de produtividade da força de trabalho empregada – são designa-dos como de “alta tecnologia” (high-tech).

Essas proposições nos permitem concluir que:

a) O ritmo de desenvolvimento econômico de um país depende muito de sua capacidade de inovação.

b) Esta última depende, de um lado, da “motivação das empresas”, cons-titutivas de seu sistema produtivo, para investir em atividades volta-das para a geração/introdução de inovações, genericamente designadas como de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D); e, de outro, de sua “capa-cidade” de desenvolver eficazmente tais atividades.

c) Diferentemente do fator “motivação”, esse último requisito, conquan-to se manifeste na própria empresa, transcende necessariamente seus limites, estendendo-se à sociedade como um todo, já que pressupõe a possibilidade de mobilizar, dentro do ambiente em que aquela atua, os recursos humanos, fontes de conhecimento e demais requisitos científi-co-tecnológicos necessários à atividade inovativa.

d) Essa natureza sistêmica da “capacidade de inovação” vincula o desen-volvimento econômico ao ritmo de introdução de inovações pelo siste-ma produtivo como um todo – e à participação relativa, neste último, de empresas (e cadeias produtivas) atuantes nos setores de maior produti-vidade, especialmente os de alta tecnologia.

112. É o caso, no contexto mais atual, das tecnologias baseadas em conhecimentos gerados pela física subatômica e quântica, fisico-química, fotônica, genética, biologia molecular etc.

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e) Assim, a capacidade inovativa e o nível de desenvolvimento de um país podem ser vistos como dependentes da proporção, representada por bens e serviços de alta tecnologia, na produção (e na composição da ocupação da força de trabalho) do mesmo – e esta, por sua vez, ten-de a ser tanto maior quanto mais elevado for o nível de domínio exer-cido, pela sociedade (e seu sistema produtivo), sobre os “paradigmas tecnológicos”113 mais avançados.

f) Esse domínio traduz-se, em primeiro lugar, no peso relativo dos setores responsáveis pela produção dos “bens e serviços que consubstanciam esses paradigmas e viabilizam suas aplicações”; e, ainda, na experiência das empresas, atuantes nesses setores, na busca de aperfeiçoamentos desses paradigmas, para geração e/ou introdução de inovações nos seus mercados;114 na disponibilidade de recursos humanos capacitados para essas atividades, em quantidades e níveis de qualificação compatíveis com as necessidades de funcionamento e expansão daquelas empresas; na existência de instituições de ensino e/ou pesquisa capacitadas para: (i) garantir a formação daqueles recursos e seu acesso aos fluxos de novos conhecimentos, resultantes dos avanços da ciência e da concor-rência nos mercados mundiais, que enriquecem incessantemente aque-les paradigmas; e (ii) explorar, em atividades de P&D acadêmicas e/ou voltadas para prestação de serviços tecnológicos a empresas, as fron-teiras de aplicação de tais conhecimentos, seja no aperfeiçoamento das utilizações atuais, seja na sua introdução em novas áreas de atividade produtiva; ou (iii) expandir tais fronteiras, através da geração de novos conhecimentos científicos, que ampliam as “oportunidades tecnológi-cas” desses paradigmas.

g) É justamente essa natureza sistêmica da capacidade inovativa, e sua re-lação direta com o desenvolvimento econômico, que dá lugar ao con-ceito de Sistema Nacional de Inovação (SNI), e ao reconhecimento, em todos os países, da importância das políticas públicas, para a criação das condições necessárias ao fortalecimento desse sistema e à ampliação do domínio dos paradigmas tecnológicos mais avançados.

113. Na concepção original do pioneiro na utilização desse conceito, um “paradigma tecno-lógico” consiste em “um ‘modelo’ e um ‘padrão’ de soluções para determinados problemas tecnológicos, baseados em determinados princípios das ciências naturais e em determinadas tecnologias materiais”. Dosi (1984), p. 85.114. Em se tratando de setores de grande complexidade tecnológica, nos quais a produção (e a concorrência) é caracterizada por um elevado nível de globalização e especialização dis-tribuída, o grau de inserção da indústria do país nas redes mundiais de produção constitui também um importante indicador de “domínio do paradigma tecnológico”. Ver Ernst e Kim (2001).

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2. Capacitação tecnológica como objeto explícito de política públicaO surgimento e rápida expansão, a partir do último quartil do século XX, dos novos setores econômicos ligados aos bens e serviços que consubstan-ciam o paradigma digital115 – e as amplas oportunidades tecnológicas aber-tas por esse último, para transformação radical dos processos de produ-ção, em todos os demais setores da vida econômica – deflagrou, nos países em que o nível de desenvolvimento das ciências e a existência de outras condições propícias116 permitiram, um intenso processo de introdução de inovações que, em duas décadas, veio a configurar uma “nova revolução industrial” (além de uma não menos radical revolução informacional, que converteu a “informação” em recurso estratégico, em termos de política internacional).117 Esse processo deu lugar a uma grande intensificação da concorrência entre os países desenvolvidos, no campo da ciência e tecnolo-gia (C&T), na medida em que a capacidade de introduzir inovações tecno-lógicas, e especialmente o domínio daquele paradigma, passou a ser reco-nhecida como principal determinante de sucesso econômico, não mais em nível de empresas, mas agora em nível de nações.118

A amplitude das possibilidades abertas, para avanço tecnológico em to-dos os campos de conhecimentos básicos que constituem o cerne das TICs – a microeletrônica, a engenharia de software e a eletrônica digital – e para aplicação dessas tecnologias em todos os campos de atividade humana, en-sejaram o surgimento de uma corrida mundial para as atividades de P&D voltadas para a exploração dessas oportunidades. A elevação dos custos dessas atividades, associada à necessidade de ampliação das escalas de pro-dução dos bens e serviços delas resultantes, necessária a sua amortização, constituiu um poderoso impulso propulsor do processo de globalização da economia mundial – ao mesmo tempo em que a aplicação dessas tecnolo-gias, em redes mundiais de comunicação e processamento de informações, criava as bases técnicas de viabilização dessa mesma globalização.

Assim, já a partir das duas últimas décadas do século XX, as políticas governamentais de elevação acelerada da capacidade inovativa adquiriram

115. O termo « paradigma digital » traduz a aplicação do conceito de « paradigma tecnoló-gico » ao campo das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). O núcleo desse paradigma é constituído pelas áreas da « computação e comunicação », abrangendo disposi-tivos e equipamentos (hardware), software e os « circuitos integrados semicondutores », que viabilizam sua aplicação a todas as áreas de atividade humana.116. Com destaque para o avançado nível de domínio do paradigma eletromecânico e o ele-vado grau de industrialização, de desenvolvimento econômico e social e de maturação do sistema capitalista.117. Ver Rosenthal, 2007 (2).118. Ver, por exemplo, Nora e Minc (1980).

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um papel predominante nos países centrais. Tais políticas, com pequenas variações, têm sido voltadas para ampliar a participação dos setores de alta tecnologia na formação do produto nacional, através do fortalecimento das empresas nacionais que atuam nesses setores, seja defendendo ativamente sua competitividade nos mercados mundiais (e, portanto, sua motivação para inovar), seja fomentando a consolidação e desenvolvimento dos de-mais segmentos constitutivos da sociedade vistos como determinantes de sua capacidade para fazê-lo.

Essas políticas são baseadas no modelo dos “sistemas nacionais de ino-vação” (SNIs),119 que atribui a capacidade inovativa de um país ao resultado de interações sinergéticas entre três conjuntos de agentes sociais, cujas ati-vidades podem, e tendem a, gerar contribuições significativas (embora não suficientes, isoladamente) para a capacitação tecnológica, configurando-se assim como “subsistemas básicos” do respectivo SNI. Esses são: o “sistema120 institucional”, abrangendo todo o conjunto de normas legais, instituições e agências públicas e mecanismos de apoio, por meio do qual o Estado pode criar um ambiente social e econômico mais, ou menos, favorável às ações inovativas empreendidas pelos outros dois, e influenciar nos seus resul-tados; o “sistema científico-tecnológico”, abrangendo todas as instituições envolvidas na absorção, geração e difusão de conhecimento científico e/ou tecnológico, assim como na formação de recursos humanos qualificados para a aplicação desse conhecimento às atividades produtivas e à solução de problemas da vida social em geral; e, finalmente, o “sistema produtivo”, englobando o conjunto dos agentes sociais que, movidos pela dinâmica dos mercados – baseada na concorrência capitalista e na busca do lucro – ten-dem a constituir os principais introdutores de inovações tecnológicas na vida econômica do país: as empresas privadas. Esse modelo sugere a neces-sidade de alguma forma de intervenção do Estado nessa vida econômica, na medida em que atribui a ele um papel fundamental na conformação da capacidade tecnológica do país. Tal papel diz respeito tanto à função de identificação de eventuais entraves ao desempenho dos demais subsistemas do SNI, quanto à formulação de políticas públicas voltadas para superação de tais entraves, através da criação de condições ambientais estimuladoras da motivação das empresas, e/ou de fortalecimento do sistema científico-tecnológico e direcionamento e compatibilização de sua atuação, no senti-do de fornecer o suporte necessário ao sistema produtivo.

119. Ver, por exemplo, Edquist (1997).120. Um postulado básico da teoria geral de sistemas é que todo subsistema, componente de um sistema maior, pode ser visto como constituindo também, ele próprio, um sistema. Ver Ackoff (1971).

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Nos países centrais, essas políticas têm-se traduzido em ações direciona-das principalmente para a defesa dos interesses das empresas de proprieda-de de seus grupos de capital – especialmente aquelas que já vêm disputando a liderança nos setores mais avançados e dinâmicos – nos mercados mun-diais121 e, ao mesmo tempo, na alocação de recursos financeiros vultosos para promover atividades de P&D e formação de recursos humanos de seus sistemas científico-tecnológicos. No que respeita ao sistema produtivo, es-sas políticas são voltadas, de um lado, para estimular a ampliação das esca-las de produção e dos mercados de suas empresas em nível global122 e, de outro, para intensificar o ritmo de criação de novas empresas, para disputar na fronteira da incorporação dos avanços científicos mais recentes ao siste-ma produtivo. Ressalte-se que, nesses países – especialmente nos Estados Unidos – o setor público também atua fortemente sobre os demais subsis-temas do SNI, mediante subvenções maciças e compras governamentais de bens e/ou serviços de pesquisa científico-tecnológica, diretamente ao setor produtivo (e, através deste, ao sistema científico-tecnológico), nos campos do paradigma digital e demais paradigmas tecnológicos de ponta, como no desenvolvimento e produção de armamentos e grandes projetos espaciais.

Também no caso dos países ditos emergentes – especialmente os asiáti-cos, que vêm alcançando sucesso relativo, nos esforços para superação da condição de subdesenvolvimento – as premissas acima serviram de base para as políticas governamentais de fomento à capacidade de inovação de suas respectivas sociedades. Nesses, os patamares iniciais de organização do SNI e seus subsistemas constituintes eram bem diferentes daqueles dos países centrais – e o reconhecimento dessa realidade, pelos governos, le-vou-os a atribuir ao subsistema político-institucional um papel bem mais ativo, assumindo o comando do SNI e atuando diretamente sobre os demais subsistemas, a fim de capacitá-los para superar suas deficiências.

Esses países seguiram o exemplo dado pelo Japão nas décadas de 1960-1970, orientando suas políticas de capacitação tecnológica no sentido de acelerar o domínio do paradigma digital, mediate investimentos estatais ma-ciços em instituições de P&D nas áreas de C&T centrais desse paradigma,123 juntamente com a concessão de fortes estímulos fiscais, financeiros e mer-

121. Principalmente no que respeita à liderança tecnológica, como mostram as pressões exer-cidas, nos organismos internacionais, na defesa intransigente da ampliação dos direitos de propriedade industrial (TRIPS) – ou ainda a atitude do governo norte-americano, nos casos do Protocolo de Kyoto, negociações da Rodada Doha, OMPI etc.122. Inserem-se aí, por exemplo, os esforços da União Europeia para incentivar a consolidação de sua economia e viabilizar a criação de empresas “europeias”, que possam concorrer com os grandes grupos de capital americano. 123. Atuando intensivamente na atração de cientistas nacionais, empregados em universi-dades e empresas norte-americanas, para retornarem a seus países, a fim de dirigirem essas instituições. Ver Kim (1993).

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cadológicos (por meio do uso do poder de compra do governo) aos grupos de capital e empresas nacionais, atuantes nos setores-chave de produção diretamente ligados a esse paradigma, que se dispusessem a tentar concor-rer nos mercados mundiais (o que exigia, necessariamente, desenvolver sua capacidade de inovação).124

3. Políticas de capacitação tecnológica no Brasil – uma rápida visão panorâmicaNo Brasil, onde a atuação do governo na área da C&T tem uma história re-lativamente longa, remontando pelo menos ao início da década de 1950,125 as políticas específicas, voltadas para o desenvolvimento da capacidade de inovação, passaram a receber atenção especial nessa última década. Note-se que, apesar dos intensos movimentos pendulares que têm caracterizado a “visão estratégica” dos governos brasileiros, no que respeita às causas do atraso relativo do País, às condições necessárias para sua superação e ao papel do setor público na criação dessas últimas, as políticas de C&T man-tiveram, durante décadas, certa estabilidade, apresentando, quase sempre, um forte viés para o campo do conhecimento científico e privilegiando a academia (especialmente as universidades federais) como foco principal de atuação daquelas políticas. Talvez por isso – e pelo fato de terem sido a definição e gestão dessas políticas atribuídas, em grande medida, a pro-fissionais da área acadêmica126 – muitos dos instrumentos e mecanismos criados por essas políticas, inclusive suas estruturas operacionais, sofreram relativamente pouca influência daquelas oscilações e puderam continuar atuando, com maior ou menor eficiência, sob as diferentes orientações.

Assim, tais políticas foram regularmente orientadas para a construção de um sistema científico-tecnológico – num país altamente carente, nos es-tágios iniciais, de instituições capacitadas para preencher essa função. Com relação ao sistema produtivo – salvo em alguns períodos e/ou segmentos “excepcionais”, como veremos adiante – o pressuposto básico parece ter

124. Evidentemente, esta afirmativa constitui uma generalização grosseira, já que as políticas seguidas por cada governo levaram em conta características próprias do sistema produtivo de seu país. Assim, a Coreia do Sul deu grande ênfase ao fortalecimento dos chaebols, enquanto que Taiwan procurou estimular mais as pequenas e médias empresas que já atuavam nesses setores. Ver, por exemplo, Kim (1993) e Hou e Gee (1993). 125. Embora voltada prioritariamente para a constituição e fortalecimento do “sistema cien-tífico-tecnológico” e motivada, em grande medida, por preocupações de ordem geopolítica e militar. Ver Erber (1981).126. E também, com menos destaque público, mas com considerável peso nas decisões, a mi-litares preocupados com a grande dependência tecnológica das forças armadas, e/ou atuantes nos núcleos incipientes de pesquisa tecnológica voltada para reduzir essa dependência, criados após a Segunda Guerra Mundial.

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sido, até o final da década de 1980, o de que a elevação do nível de qualifi-cação dos recursos humanos disponíveis no mercado de trabalho, juntamen-te com os diferentes mecanismos tarifários, cambiais, financeiros e fiscais de estímulo ao investimento produtivo, introduzidos no marco da política mais geral de Industrialização por Substituição de Importações perseguida pelo governo desde a década de 1950, levaria a um processo contínuo de elevação da capacidade tecnológica e, portanto, da produtividade do País.

As exceções referidas anteriormente ocorreram em alguns setores e pe-ríodos específicos – exploração de petróleo, na década de 1950; petroquí-mica, siderurgia, energia (atômica e hidrelétrica) e telecomunicações, nas duas décadas seguintes – em que a preocupação com a dependência tecno-lógica, em termos daquilo que era visto como “ameaças” à soberania (ou até mesmo segurança) nacional, e/ou a maior influência exercida por setores nacionalistas nas forças armadas, levaram o governo a intervenções mais ativas no setor produtivo. Essas se deram através da criação de empresas estatais e/ou da formação de associações do Estado com empresas multina-cionais, interessadas no mercado brasileiro, com participação paritária de capital privado nacional – o modelo conhecido como “tripé”.127

Merece destaque especial, nesse contexto, a chamada Política Nacional de Informática que, durante aproximadamente uma década e meia (1975 a 1990), conseguiu aliar expressivos segmentos da academia a profissionais das áreas de processamento de dados, técnicos e servidores públicos e se-tores nacionalistas das forças armadas. A instável união entre esses grupos convergiu em um grande esforço para criação de um segmento do setor produtivo nacional, voltado para a produção dos bens que consubstancia-vam o também incipiente paradigma digital e capacitado para interagir com o sistema científico-tecnológico, na geração e utilização de inovações baseadas no domínio das tecnologias básicas desse paradigma.128 Embora radicalmente descartada pela vigorosa reversão pendular da “filosofia de governo” ocorrida no governo Collor, essa política deixou marcas profun-das, que continuam exercendo influência considerável no SNI brasileiro. A própria manutenção do título “política nacional de informática”, como cam-po específico, no contexto do conjunto de mecanismos de política de C,T&I oficialmente em vigor – pode ser vista como indicação do reconhecimento da importância especial do segmento do setor produtivo por ela englobado, e da atenção especial que merece, como vetor da capacidade de inovação do País. Aquela influência evidencia-se ainda mais na sua contribuição para a formação de um considerável acervo de “ativos tecnológicos” do País,

127. Ver Evans (1979).128. Para detalhes muito esclarecedores, ver Dantas (1989) e Tapia (1995).

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consubstanciados nos recursos humanos capacitados hoje disponíveis, seja nos setores usuários, seja na academia, ou nas ainda escassas e reduzidas (em termos de escala) empresas nacionais129 produtoras de bens e servi-ços baseados no paradigma digital. Afinal, não parece coincidência o fato de que muitas das maiores e mais dinâmicas empresas nacionais do setor de software130 se tenham originado durante a vigência daquela Política, e/ou sejam dirigidas por profissionais cuja atividade empresarial teve origem naquela época.131

O mesmo pode ser dito com relação aos principais centros universitários e instituições de pesquisa hoje atuantes no País, nos campos de conheci-mento relevantes para esse paradigma. E não se deve minimizar, também, a influência daquela política, na formação técnica e intelectual de muitos dos dirigentes atuais das instituições responsáveis pela formulação e implemen-tação das políticas governamentais: ela pode ser percebida no enfoque das mudanças introduzidas, a partir do final da década de 1990 e, principalmen-te, no começo da década atual, que reconhece no setor produtivo o agente principal da inovação e volta-se para a busca de mecanismos de estímulo a sua motivação – reduzindo o tradicional “viés pró-academia” predominante no período anterior. A introdução da inicial “I” no nome oficial do “foco” da política governamental, que deixou de contemplar a “Ciência e Tecnologia” (C&T) para englobar a “Ciência, Tecnologia e Inovação” (C,T&I) pode ser vista, talvez como expressão simbólica dessa mudança de ênfase – ainda que, em termos institucionais, as responsabilidades continuem repartidas entre ministérios diferentes (e nem sempre bem entrosados), e decisões envolvendo políticas econômicas e sociais mais amplas, determinantes do ambiente, padrões de concorrência e comportamento estratégico das em-

129. Que não incluem, evidentemente, as subsidiárias de empresas multinacionais que atuam no Brasil nessas áreas, cuja contribuição para a formação da capacidade inovativa nacional limita-se, em grande medida, à capacitação dos recursos humanos que empregam, como será visto adiante.130. Das de hardware sobraram muito poucas, às quais se somaram algumas outras – a maio-ria atuando apenas na montagem de equipamentos, cuja essência tecnológica está concen-trada, em grande medida, nos componentes microeletrônicos.131. Um exemplo ilustrativo é a cooperativa de software Tecnocoop, criada em 1982 por pioneiros da PNI, saídos das fileiras dos funcionários do Serpro: seu banco de dados rela-cional Open Base, projetado originalmente para permitir ao IBGE executar seus serviços em computadores Cobra, concorre hoje no mercado internacional. Outros exemplos, citados pela imprensa como sucessos de exportação, são: a Datasul, fundada (1979); a Microsiga (1985); a Módulo Consultoria e Informática (1985); a Infocon (1985); a Fácil Informática (1985); a Tales Informática (1986); a Amerinvest (1987) etc. Uma das maiores empresas do setor, a COM, é presidida por Antonio Carlos Rego Gil, que foi presidente da SID Microeletrônica, spin-off da SID, uma das principais empresas que constituíram as bases da Indústria Nacional de Informática criada naquela época.

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presas (e portanto de sua atitude com relação à inovação) sejam tomadas em instâncias políticas alheias, ou mesmo opostas, a essas premissas.132

4. As políticas atuais de C,T&I no Brasil – objetivos, pressupostos, estratégias e mecanismos de atuaçãoComo visto, as políticas explícitas de C,T&I hoje implementadas no País re-fletem, de um lado, uma vertente de continuidade histórica, de instituições e mecanismos operacionais consolidadas ao longo de mais de cinco déca-das; e, de outro, uma tendência de adaptação dos objetivos perseguidos às novas percepções quanto ao estágio atual de desenvolvimento e à contribui-ção esperada dessas instituições.

Uma das características dessa modernização é a ênfase dada à inovação como objetivo principal – e a adoção do modelo dos SNIs como princípio norteador daquelas políticas. Essa ênfase tem-se traduzido no fortalecimen-to dos mecanismos organizacionais existentes, na criação de novas institui-ções de alto nível (como a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI, os Fundos Setoriais, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – CGEE e o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia) e na ampliação dos recursos financeiros alocados às atividades voltadas para esse fim (Lei da Inovação, Lei do Bem, descontigenciamento de recursos do FNDCT...).

Essas modificações vêm visando a ampliar a motivação das empresas para utilizar a introdução de inovações tecnológicas como instrumento de competição pelos mercados – como pressupõe o modelo dos SNIs – através da redução dos custos associados, direta ou indiretamente, ao desenvolvi-mento de tais inovações.

Outros pressupostos, implícitos na legislação que rege as políticas de C,T&I no Brasil, são os de que, a) a geração e introdução de inovações exigem o exercício de atividades de P&D, seja diretamente pela empresa, seja através de diferentes formas de interação com instituições integrantes do sistema científico-tecnológico;133 b) portanto, ele exige a mobilização de recursos humanos especializados, a aquisição de equipamentos e outros recursos tecnológicos (ou de serviços de tais recursos) e envolve, portan-to, custos financeiros elevados; c) a atividade inovativa constitui um em-

132. Ver, nesse contexto, o trabalho esclarecedor de Nassif (2007).133. A consolidação e expansão desse sistema, objetivo central da política de C&T “tradicio-nal”, continua constituindo, segundo declaração recente do Ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, a primeira prioridade da atual – inclusive como instrumento de formação e disponibilização, no mercado de trabalho, dos recursos humanos de alto nível, e de instituições especializadas, para o fornecimento dos recursos informacionais e laboratoriais necessários à atividade inovativa das empresas. Ver CGEE (2007).

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preendimento caracterizado pela incerteza dos resultados, envolvendo um risco mais elevado do que o da atividade “normal” da empresa, quanto à lucratividade esperada do capital nela investido; d) assim, os instrumentos utilizados pelo setor público, para reforçar o “impulso natural” à inovação exercido pelas forças de mercado sobre o setor produtivo, devem visar à elevação da relação benefício esperado/custo das atividades inovativas em-preendidas pelas empresas, especialmente as ligadas a P&D.134

Sendo o numerador dessa relação incerto por natureza, dependendo não apenas dos resultados técnicos do projeto, mas também da aceitação desses pelo mercado135, as políticas de incentivo tendem a concentrar-se nos fatores determinantes do “denominador” – isto é, em medidas voltadas para a redução dos custos econômicos incorridos pelas empresas em seus projetos de P&D. Muitas dessas medidas já integravam as políticas anterio-res – e parte das alterações recentes visam à sua diversificação, aprofunda-mento e/ou ampliação do universo das empresas contempladas. Entre os principais incentivos às atividades de P&D podem-se citar:

a) Redução dos custos de capital aplicado, por meio de mecanismos diretos – como financiamentos a taxas de juro subsidiadas e isenções ou redu-ções de alíquotas tributárias incidentes sobre a importação ou aquisição de equipamentos – ou indiretos (abatimento, do valor dos lucros tribu-táveis ou dos próprios tributos devidos, dos recursos financeiros aloca-dos); um dos mecanismos mais recentes, nesse contexto, é a concessão de “subvenção” – isto é, a doação de recursos financeiros “a fundo per-dido”, para o desenvolvimento de projetos de P&D, desde que aprovados pela Finep.136

b) Redução dos custos de recursos humanos – pesquisadores e técnicos especializados de alto nível – para as atividades de P&D, mediante a concessão de bolsas para remuneração de tais profissionais, ou subsídios para formação ou aperfeiçoamento de pessoal dos quadros da empresa.

134. O peso das atividades de P&D é tão decisivo que o valor total a elas dedicado, em ter-mos de percentual do PIB, constitui um dos principais indicadores de dinamismo tecnológico (e de desenvolvimento econômico) dos países. Vale notar-se que, com a crescente dispersão geográfica das operações dos grandes grupos de capital, a “produção de atividades de P&D” de uma empresa multinacional, em um país, pode não se traduzir necessariamente em maior capacidade de inovação desse último, ainda que, estatisticamente, seu valor contribua para elevação da relação gastos em P&D/PIB. Ver Chesnais (1988).135. O resultado esperado (mas incerto) do projeto de P&D seria a “inovação tecnológica”, definível como “a aplicação de uma nova tecnologia (...) ao processo produtivo, resultando em: a) um novo produto; ou b) alteração de algum atributo do produto antigo, ou de seu grau de aceitação pelo mercado – que leve a níveis mais elevados de lucratividade (...) a empresa inovadora.” Ver Rosenthal, 2007, p. 26.136. Ver CGEE (2007).

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c) Redução dos custos de utilização de serviços científicos e tecnológicos especializados, pela concessão, direta ou por via de isenções fiscais, de recursos para remuneração de tais serviços, em projetos contratados junto a instituições do sistema científico-tecnológico (especialmente centros de pesquisa universitários) ou desenvolvidos conjuntamente com tais instituições.

Note-se que, como esses incentivos são oferecidos, em tese, a todas as empresas atuantes na economia137 – e os resultados são incertos e, quase sempre, de difícil avaliação – sua implementação envolve necessariamente a montagem de uma complexa sistemática de gestão, sujeita, de um lado, aos controles orçamentários e contábeis inerentes às finanças públicas e habilitada, de outro, a acompanhar e avaliar a eficácia de sua utilização.

Merece destaque ainda, nessa síntese dos objetivos e pressupostos da política de C,T&I atual, a inclusão, no “Plano de Ações” (em fase final de consolidação) em que ela está explicitada, de duas outras “linhas prioritá-rias”: a “pesquisa e desenvolvimento em áreas estratégicas” e a “Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento” (CGEE, 2007). Essa inclusão pare-ce consistir em uma especificação de campos de conhecimento científico e tecnológico diretamente associáveis à busca de soluções para problemas sociais de ordem mais abrangente, do país ou mesmo do mundo – tais como fontes de energia, mudanças climáticas etc. – ou, ainda, a questões de se-gurança e/ou soberania nacional. Como tais, esses campos são vistos como merecendo atenção especial do governo, seja em termos de iniciativas es-pecíficas para criação e/ou domínio de novos conhecimentos, seja de apoio financeiro mais intensivo aos segmentos do sistema científico-tecnológico envolvidos em tais atividades.

Esse conceito de “áreas estratégicas” parece ter alguma correlação – mas não correspondência biunívoca – com o utilizado na Política Industrial, Tec-nológica e de Comércio Exterior (PITCE), para especificação dos chamados “setores (econômicos) estratégicos”, que, por seu peso especial na econo-mia, deveriam ser priorizados para fortalecimento do sistema produtivo.138 Essa diferença evidencia que o papel desempenhado pelo governo, como integrante decisivo do SNI, transcende as fronteiras institucionais de agên-cias e ministérios, resultando em grande medida nos efeitos das chamadas “políticas implícitas”.139 Ela implica ainda a necessidade de uma política

137. Na prática, como visto adiante, o conjunto das empresas com acesso a tais benefícios é bastante restrito, abrangendo, em alguns casos, menos de 10% do universo total de empresas do País. Ver Wiziack (2007).138. “O critério (para definir as áreas estratégicas) é a importância para o futuro do País. É uma questão de estratégia nacional desenvolver essas áreas; daí a atenção específica a P&D para elas”. Ver CGEE (2007).139. Vale lembrar, de novo, Nassif (2007).

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explícita, de atuação proativa sobre o setor produtivo, no sentido de de-senvolver sua capacidade de inovação (isto é, sua capacitação tecnológica), como um dos vetores fundamentais do desenvolvimento do País.

Resumindo, pode-se dizer que as políticas de C,T&I implementadas na última década vêm-se baseando nos supostos do modelo dos SNIs: elas visam à constituição e consolidação de um setor produtivo dinâmico, “motivado e capacitado” para desenvolver e/ou introduzir continuamente inovações tecnológicas, que lhe permitam manter-se competitivo no mer-cado mundial (que inclui, evidentemente, o nacional) – e, ensejem ao País uma elevação acelerada de sua produtividade social e o padrão de vida da população. Com esse objetivo, aquelas políticas vêm utilizando meca-nismos e instrumentos, aplicados em outros países com relativa eficácia. No entanto, isso não parece estar ocorrendo aqui: as políticas estão muito longe de atingir os resultados desejados e, segundo avaliação da maioria dos observadores, as respostas do setor produtivo têm sido, em grande medida, decepcionantes.

5. As políticas atuais de C,T&I no Brasil – o quê não está dando certo?Apesar de expressivos resultados em algumas áreas específicas – princi-palmente em termos de aumento da participação de trabalhos científicos de pesquisadores brasileiros em revistas internacionais (e do número de citações desses trabalhos), e de ampliação do número de incubadoras de empresas de base tecnológica no País – a maioria dos estudos efetuados sobre o SNI brasileiro tem destacado o baixo nível de resposta àqueles es-forços. Isso se expressa, por exemplo, em termos de presença de “marcas” (e, portanto, de empresas) “nacionais”, nos mercados mundiais de bens e serviços intensivos em tecnologia e da participação de tais empresas no fluxo de registro de patentes e outras formas de propriedade industrial, seja nos Estados Unidos e na Organização Mundial de Propriedade Industrial, seja no próprio País.140

Em quase todos os pronunciamentos dos dirigentes responsáveis pela condução das políticas referidas acima encontram-se referências a essa falta de resposta do setor produtivo como um “paradoxo a ser ainda superado”141: a baixa participação desse setor, na absorção dos pesquisadores de alto nível que vêm sendo formado pelo setor científico-tecnológico; o já referido redu-zido número de pedidos de patentes registrados por empresas nacionais; e,

140. Ver, por exemplo, Chade (2006).141. Ver, por exemplo, Veiga (2006).

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não menos importante, a elevada concentração das exportações brasileiras em produtos de baixo ou médio nível de complexidade tecnológica, além da quase total inexistência de marcas nacionais, nos setores mais dinâmicos da economia mundial, especialmente naqueles baseados nos paradigmas tecnológicos mais avançados, como é o caso das TICs.

A “superação” desse paradoxo exige, antes de tudo, que ele seja explica-do: afinal de contas, o foco principal da política de C,T&I é voltado expres-samente para “induzir” e “incentivar” o setor produtivo a incorporar a intro-dução de inovações tecnológicas em suas estratégias de negócios, mediante mecanismos utilizados, com diferentes graus de sofisticação e sucesso, por países que se empenharam deliberadamente em expandir sua capacidade tecnológica – e na verdade continuam a sê-lo, mesmo naqueles que mais ferrenhamente se proclamam contrários a qualquer tipo de intervenção do Estado no “livre jogo das forças de mercado”.142

Vale relembrar, contudo, que a expectativa de eficácia desses mecanis-mos está baseada nos pressupostos de que: a) o setor produtivo tende “na-turalmente” a responder a tais incentivos – já que, para as empresas que o compõem, a introdução de inovações tecnológicas bem-sucedidas deverá reverter em vantagens competitivas em seus mercados respectivos; e, b) a experiência resultante das atividades desenvolvidas para esse fim tende a acumular-se, não apenas nessas empresas, mas também nas suas equipes técnicas e recursos humanos, e nos demais agentes das cadeias produtivas e de conhecimento envolvidas, ampliando a capacidade de inovação de toda a sociedade. Assim, as “missões básicas” das políticas de C,T&I seriam as de: i) promover ativamente a formação e desenvolvimento das fontes de inovação externas (às empresas)143 – como os recursos humanos qualifi-cados e o acesso a tecnologias e conhecimentos científicos disponíveis no “ambiente”144 – e sistêmicas (instrumentos e instituições que intensificam a articulação e integração entre o setor científico e o produtivo); e, ii) esti-mular, através de incentivos econômicos, as atividades de P&D, das quais resultariam as inovações tecnológicas e o desenvolvimento cumulativo das fontes de inovação “internas” das próprias empresas.

No entanto esses pressupostos, implícitos no modelo dos SNIs, são deri-vados de estudos efetuados sobre os sistemas econômicos de países centrais – e podem não se confirmar na realidade de países periféricos que, no pro-cesso de consolidação de suas economias nacionais, não conseguiram eli-minar os vínculos de dependência, resultantes da natureza complementar

142. Ver, por exemplo, Mowery e Rosenberg (1993).143. Os conceitos de fontes de inovação – internas, externas ou ambientais (às empresas) e sistêmicas – são discutidos em Rosenthal (1995). 144. Mercado mundial, literatura, universidades etc.

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de seus setores produtivos, com relação às antigas metrópoles (ou às novas metrópoles que as substituíram). Esse nos parece ser o caso do Brasil, cujo setor produtivo apresenta diferenças significativas, com relação aos dos pa-íses centrais – diferenças essas que se refletem, de um lado, nos efeitos diretos exercidos pela implementação das políticas referidas anteriormente e, de outro, na resposta do setor a essas últimas.

5.1. Algumas especifi cidades brasileirasEntre as principais “peculiaridades” do setor brasileiro, merecem destaque as seguintes:

a) A forte participação, no reduzido universo das grandes empresas, de subsidiárias de empresas multinacionais.145 Tidas como “nacionais” para todos os efeitos legais,146 essas empresas, cujos centros de controle es-tratégico (e, portanto, de decisões de política de inovação) são situados nos países-sede, tendem a usufruir parcela considerável dos incentivos – mas sua contribuição para a ampliação da produção “nacional” de inovações é no mínimo questionável.147

b) A predominância quase absoluta, nos setores mais dinâmicos e intensivos em tecnologias avançadas – especialmente aquelas que consubstanciam o paradigma digital – da classe de empresas já citadas. Elas constituem parcela considerável do segmento da “indústria brasileira” designado como “intensivo em ciência” (ou de “alta tecnologia”) – embora atuem apenas nas etapas finais da extensa cadeia de valor que caracteriza as redes globais de produção dos bens. Ressalte-se que, dada sua relevân-cia como “vetor natural” de inovação tecnológica – e também a de seu peso na balança comercial do País148 – o segmento do setor produtivo diretamente ligado às TICs tem recebido desde há muito um “tratamen-

145. “As filiais estrangeiras controlam 82% do setor da indústria baseada em ciência; 73% da diferenciada, e 68% da produção contínua. É particularmente inquietante a progressão da em-presa estrangeira na indústria intensiva em recursos naturais (...) cresceu de 15%, em 1985, para 24%, em 2002” (LESSA, 2007).146. A distinção entre empresas “nacionais” e “brasileiras”, presente no texto da Constituição de 1988, foi revogada, no marco das medidas voltadas para a “inserção competitiva do Brasil no mercado mundial” (ou “adesão incondicional às premissas do Consenso de Washington”) implementadas a partir de 1990.147. Deve-se reconhecer que a utilização de recursos humanos e serviços tecnológicos nacio-nais contribui para o desenvolvimento do setor científico-tecnológico do País, o que é, sem dúvida, importante – mas não constitui, em si mesma, inovação... Para exemplos significativos dessa contribuição, ver Wiziack (2007).148. Segundo Ricupero (2006), “as importações brasileiras no setor (eletroeletrônicos) em 2005 chegaram a US$ 15,1 bilhões, e o déficit setorial foi de US$ 7,4 bilhões.” Para detalhes, ver Iedi (2007).

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to diferenciado”, no que respeita aos incentivos governamentais. Assim, além dos benefícios fiscais regidos pela chamada “Lei de Informática”,149 os setores de “semicondutores” e de software figuram explicitamente en-tre os segmentos “estratégicos” contemplados na PITCE.150

c) A quase total inexistência de empresas “nacionais” nos setores referidos anteriormente com participação, seja como concorrentes, seja como in-tegrantes das “cadeias globais de valor”, nos mercados mundiais desses bens. Cabe aqui uma ressalva para a Embraer – um dos três exemplos sempre citados, quando se fala de capacidade tecnológica nacional – que, embora importe a maioria das peças e componentes de alta densi-dade tecnológica incorporadas em seu produto, concorre com sua marca própria em um mercado extremamente dinâmico, em que a inovação constitui fator decisivo de vantagem competitiva.151 O desenvolvimento atual do setor de software também merece destaque – lembrando-se, contudo, que, em sua grande maioria, as empresas que o constituem atuam (e vêm tentando penetrar no mercado mundial) na ponta dos serviços, software aplicativo e terceirização de capacidade consubstan-ciada em recursos humanos especializados (“cabeça de obra”, segundo alguns estudiosos). A consolidação desse setor pode ser vista como uma contribuição importante de ampliação da capacidade de inovação, tanto no que diz respeito ao desenvolvimento do PD – criação de novas TICs – quanto ao dos demais setores econômicos, em que sua aplicação im-pulsiona a introdução de inovações.

d) A histórica tendência da indústria brasileira à absorção de tecnologias importadas, consubstanciadas em produtos, processos, insumos e bens de capital já referendados pelo mercado interno – resquício do processo de industrialização centrada na “substituição de importações” que lhe deu origem. A possibilidade de se copiarem (ou licenciarem) inovações introduzidas por empresas-líderes do setor tende a apresentar-se como

149. A “Lei da Informática”, remanescente da tentativa de se criar uma indústria nacional de computadores no País, rege a concessão de benefícios fiscais à produção local de bens defini-dos como “de informática” e às atividades classificadas como “de P&D” das empresas envolvi-das – abrangendo quase todo o setor aqui referido. Para detalhes, ver Tapia (1995).150. Chama a atenção notícia recente sobre declarações do “Ministro do Desenvolvimento”, de que “... uma nova Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) está sendo discutida pelo ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), BNDES e a Agên-cia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)”. Se a exclusão do MCT não se dever a erro gráfico (e for confirmada), isso pode configurar uma alteração significativa na efetividade das políticas discutidas neste trabalho. Ver Anpei (2007).151. A Embraer é um exemplo vivo de construção sistemática de capacidade tecnológica por meio de atuação eficaz do setor público – particularmente das forças armadas – começando pela criação do Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), na década de 1950, passando pela do Centro Tecnológico da Aeronáutica e, finalmente, a da empresa estatal Embraer.

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caminho mais curto, seguro e de menor custo do que o desenvolvimento próprio de inovação.152 Essa tendência, que configura (ou pelo menos evidencia) um dos principais fatores determinantes da condição de sub-desenvolvimento – a dependência tecnológica – reflete-se claramente em pesquisas recentes sobre a atividade inovativa das empresas brasilei-ras, e até mesmo no “senso comum” de muitos economistas, que apon-tam todo indicador de elevação das importações como “evidência” de aumento da produtividade (e de “desenvolvimento”), já que significaria mais importação de bens de capital.153

O baixo nível de eficácia – apesar dos aperfeiçoamentos recentes – dos instrumentos de política de C,T&I utilizados pelo setor público constitui, a meu ver, decorrência direta dessas características do setor produtivo. É interessante notar que muitos estudiosos e técnicos do governo parecem ignorar ou menosprezar esse problema, e tendem a insistir unicamente na necessidade de se ampliarem e aprofundarem aqueles mecanismos, como se o “cada vez mais do mesmo” pudesse levar a, ou substituir, superação da-quelas distorções estruturais do SNI brasileiro. Assim, por exemplo, embora a principal deficiência (na verdade, sintoma) apontada, nesse sistema, seja o insignificante número de patentes registradas por empresas “brasileiras”, e a baixíssima participação de “marcas nacionais” no mercado mundial – indicadores evidentes da baixa capacidade de inovação do “setor produtivo nacional” – persiste em muitos meios a “autoilusão” de que o fortalecimen-to daquele sistema, e a elevação dessa capacidade, independem da com-posição estrutural desse setor, e da origem (e propriedade) do capital das empresas atuantes nos diversos segmentos e cadeias produtivas que o com-põem. Por isso, mesmo quando as políticas já são orientadas para incentivar setores específicos, mais intensivos em tecnologia, essa não diferenciação acaba por favorecer prioritariamente as empresas de capital estrangeiro, que os dominam – pouco ou nada contribuindo para o desenvolvimento daquela capacidade que tanto se deseja criar.154

152. Isso, evidentemente, no que concerne a empresas de capital nacional. Nas subsidiárias de multinacionais, as tecnologias tendem a ser definidas pelas matrizes – ainda que, em muitos casos, exijam adaptações às condições locais e/ou recebam contribuições significativas desen-volvidas pelas próprias filiais. Ver adiante.153. Evidentemente, não há aqui qualquer implicação negativa quanto à relevância da im-portação – muito menos, a de bens de capital. A referência é apenas à ideia implícita de que ganhos de produtividade só podem ser obtidos, necessariamente, de tais importações...154. Ressalvem-se, de novo, as exceções já apontadas: no período de 1994 a 2004, uma parce-la significativa dos benefícios concedidos foi alocada à Petrobras e à Embraer. (Desequilíbrios, Editorial de O Globo, 27/6/2005.)

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5.2. Algumas implicações das distorçõesUma consequência direta das distorções estruturais apontadas anteriormen-te é a “quebra”, no contexto brasileiro, da cadeia de relações de causalidade direta entre o exercício de “atividades de P&D”, pelas empresas e o desen-volvimento da capacidade de inovação (isto é, capacidade tecnológica) do País – um dos principais pressupostos das políticas de C,T&I implementadas nos países centrais. Aqui, essa cadeia – por meio da qual as atividades de P&D (1) levariam necessariamente à geração/introdução de “inovação” na empresa (2), ensejando a criação de novos “ativos tecnológicos” (patentes, marcas nacionais) (3), e resultando finalmente no objetivo visado pela polí-tica, a “elevação da capacidade de inovação nacional” (4), apresenta várias descontinuidades e/ou desvios; estes, por sua vez, acabam, muitas vezes, tornando ineficazes as políticas atuais, focadas na concessão de incentivos e benefícios financeiros (5), a fim de incentivar as empresas a se engaja-rem em atividades de P&D. Esses pontos são discutidos abaixo em maior detalhe.

1. O conceito de “atividades de P&D das empresas” é extremamente vago e abrangente, envolvendo muitas atividades não dirigidas para a geração de inovação. Assim, o fato de uma empresa desenvolver projetos em parceria com instituições de pesquisa, e/ou atividades com participa-ção de recursos humanos especializados – critérios usuais definidores de tais atividades – não implica necessariamente a intenção de gerar inovação significativa (ainda que possa levar a inovações incrementais e/ou capacitação adicional de seu pessoal). É amplamente aceito, pelos estudiosos, que a motivação determinante para que empresas busquem inovar deriva de seu posicionamento em seus mercados, e dos benefícios por elas esperados da inovação. E a grande maioria das empresas, no Brasil, que atuam em mercados em que a dinâmica da concorrência é determinada pela inovação, são subsidiárias de multinacionais.155 Uma questão básica que se coloca, portanto, é em que medida as atividades de P&D desenvolvidas por tais subsidiárias vão alimentar a cadeia de causalidades referida, levando à elevação da capacidade tecnológica e de inovação do Brasil. Essa questão está de certa forma relacionada com a do papel das empresas estrangeiras (especialmente as multinacionais) na economia brasileira, em geral. Mas essa última é assunto longo, rela-cionado com todo o processo de formação econômica do País, e foge em grande medida ao problema em discussão aqui: o peso da contribuição de suas atividades de P&D para o funcionamento de um Sistema Nacio-

155. Nos setores intensivos em ciência (em que 82% das empresas são multinacionais), essas são também as empresas grandes, que pagam imposto sobre a renda apurada e podem benefi-ciar-se dos incentivos fiscais. Ver Lessa (2007).

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nal de Inovação eficaz, capacitado a impulsionar a elevação do padrão de vida da sociedade.156

Sem menosprezar algumas importantes vantagens resultantes daquelas atividades para o fortalecimento do sistema científico-tecnológico – parce-rias com laboratórios e centros de pesquisa, formação de pessoal especiali-zado, transferência de conhecimento avançado – minha opinião é que, com relação ao objetivo já citado anteriormente, a contribuição dessas ativida-des tende a ser muito reduzida, por dois motivos principais. Em primeiro lugar, porque, em sua maioria, essas atividades de P&D não são voltadas para geração de inovações significativas, visando mais a buscar soluções para problemas específicos das empresas no mercado local157 (nada contra isso – pelo contrário, dou a essa finalidade um grande valor!) e/ou, mui-tas vezes, integrando-se a projetos de maior vulto – de interesse da matriz da empresa, evidentemente – como parte de redes corporativas globais. E, em segundo, porque, mesmo no caso pouco provável em que se gerem inovações, essas tendem a ser apropriadas – sob a forma de patentes, segre-dos industriais etc. – pela matriz. No final das contas, parece mais realista supor-se que as subsidiárias de empresas multinacionais desenvolvem suas atividades de P&D, não em resposta aos incentivos recebidos do governo, mas movidas por interesses estratégicos da corporação – mas acabam be-neficiando-se daqueles incentivos, que funcionam como subsídios (sempre bem-vindos, é claro...).158

2. A amplitude do conceito de “inovação” permite supor-se que, em princí-pio, todas as atividades de P&D tendem a resultar em inovação – embo-ra, pelo menos no que respeita à empresa, elas não sejam indispensáveis para tal resultado. Em muitos casos, pequenas inovações incrementais, em produtos e/ou processos, assim como aperfeiçoamento da forma-ção da força de trabalho ou introdução de novos bens de capital, po-dem levar à elevação da produtividade da empresa e, portanto, de sua competitividade em seu mercado específico – além de contribuir para o aumento da produtividade geral da economia. Sob esse ponto de vis-ta, é válido afirmar-se que, num Brasil caracterizado pela coexistência

156. Isso, num ambiente caracterizado pela globalização dos mercados, pelo acirramento da concorrência entre os grandes blocos de capital nacionais (dos países centrais) e pela crescente participação do conhecimento científico-tecnológico na composição do valor adicionado dos bens e serviços produzidos e transacionados nesses mercados.157. Tais como adaptação do produto, utilização de materiais mais acessíveis ou mesmo, no caso das empresas de software, tradução das mensagens, do inglês para o português...158. Curiosamente, muitos acadêmicos, consultores e dirigentes, atuantes em instituições que se dedicam a estudar o SNI brasileiro e a fomentar seu aperfeiçoamento, insistem – pelo menos em público – em desconsiderar esses fatos, apontando tais atividades de P&D das empresas multinacionais como contribuições “legítimas” para o desenvolvimento da capacidade nacio-nal de inovação. Ver, por exemplo, Nicolsky (2004).

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de segmentos econômicos tecnologicamente atrasados, com outros que atuam bem próximos à fronteira tecnológica mundial – o bem conhecido (e pouco lembrado) “dualismo estrutural” – a redução desse fosso deve constituir um dos objetivos fundamentais de toda política voltada para a promoção do desenvolvimento econômico, incluindo-se aí as políticas de C,T&I. Por outro lado, porém, é preciso lembrar-se que o objetivo principal visado por essas últimas é o de se constituir e consolidar um SNI capaz de assegurar a competitividade da economia brasileira no mercado mundial – e essa depende da capacidade de geração de inova-ções significativas para esse mercado.159 Ressalvadas algumas exceções importantes, pode-se afirmar com segurança que as inovações resultan-tes das “atividades de P&D” beneficiadas pelos incentivos poderiam ser enquadradas naquela primeira categoria...

3. O item “produção de novos ativos tecnológicos” comporta poucos co-mentários, já que, como já visto, o baixíssimo desempenho do Brasil, em termos de patentes registradas nos Estados Unidos e na OMPI, assim como de produtos com marcas brasileiras concorrendo nos mercados mundiais, evidencia claramente a deficiência do SNI do País, que confir-ma o argumento aqui desenvolvido, quanto à pouca eficácia das políti-cas que vêm sendo implementadas.160

4. Com relação ao objetivo declarado da política – a “elevação da capaci-dade de inovação nacional” – existe claramente um sério problema de entendimento (ou, quem sabe, de desentendimento), quanto ao signifi-cado do conceito, especialmente no que se refere à qualificação “nacio-nal”. Para a corrente hoje predominante, na academia (e na política?) brasileira, esse termo parece indicar apenas a “localização” da empresa ou agente econômico habilitado a utilizar a inovação em seu sistema produtivo, ou, no melhor dos casos, a nacionalidade dos indivíduos que participam da “geração da inovação” – pouco importando a dimensão estratégica das decisões que comandam essa geração e a apropriação dos rendimentos econômicos dela decorrentes. Por outro lado, porém, o peso crescente desses últimos, na composição do valor adicionado ge-rado em cada país, vem fazendo com que a propriedade dos “ativos tecnológicos” resultantes da produção de inovações seja cada vez mais considerada, na teoria econômica moderna, como fator determinante da “riqueza das nações”. Para muitos autores, a capacidade inovativa

159. Especialmente aquelas a que Stern, Porter e Furman (2000) chamam de “innovation of new-to-the-world technologies”. Ver p. 1.160. Apenas a título de comparação, o número de pedidos de patentes registrados pelo Brasil na OMPI, em 2005, foi 283 (abaixo dos da Rússia, Índia e China), enquanto que a Coreia do Sul registrava 4.747. Ver Amorim (2007).

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nacional de um país está associada diretamente à capacidade de “suas” empresas – isto é, aquelas cujo controle tecnológico (e, portanto, de capital) esteja nas mãos de cidadãos integrantes de sua sociedade – de gerar inovações que lhes permitam assegurar sua competitividade nos mercados mundiais mediante a apropriação dessa parcela da renda. Assim, Stern et al. (2000) referem-se a “national innovative capacity” como “a capacidade de um país – “tanto como entidade política quanto econômica” – de produzir e comercializar um fluxo de tecnologia inova-tiva no longo prazo”.161

5. Resumindo a discussão, nosso argumento central é o de que, devido a características específicas do setor produtivo brasileiro, as políticas de C,T&I, centradas no estímulo às atividades de P&D, perdem muito de sua eficácia, porque: uma parte considerável dos incentivos é apropria-da por empresas multinacionais, cujas atividades de P&D ou não resul-tam em inovações relevantes ou, quando essas ocorrem, tendem a gerar ativos tecnológicos que são apropriados pela corporação global, sem se traduzirem em contribuição significativa para o atingimento do objetivo central da política, a elevação da capacidade inovativa nacional.162

Além dos pontos já citados – e/ou, em parte, como consequência de-les – as políticas atuais apresentam ainda algumas disfunções importantes, como o fato de que, por calcularem o imposto de renda a pagar com base no “lucro presumido”, uma grande maioria das empresas nacionais fica ex-cluída do acesso ao benefício dos incentivos fiscais, que constituem um dos principais mecanismos daquelas políticas.163

Outros pontos que merecem ser citados, como temas para estudo mais detalhado, são:

a) Na forma como as atividades de P&D estão definidas hoje, na legislação que as regulamenta, os incentivos fiscais concedidos às mesmas ensejam oportunidades para “elisão fiscal”, na medida em que abrem espaço para que empresas atuantes em setores de alta tecnologia – principalmente

161. Tradução e ênfase nossas. Os autores associam a capacidade inovativa àquilo a que chamam de “inovação de tecnologias novas-para-o-mundo”. Ver Stern, Porter e Furman, 2000, p. 1.162. Não se entenda essa conclusão como menosprezo à importância das atividades de P&D das multinacionais para o fortalecimento do SNI brasileiro. Elas contribuem, e muito, para a formação de recursos humanos especializados, seja por meio da absorção de pessoal de alto nível, seja pela transferência de conhecimentos de ponta e criação de oportunidades de cresci-mento profissional para essas pessoas. Do ponto de vista das multinacionais, a busca, em todos os países do mundo, pelo recurso tecnológico fundamental – o capital humano disponível – constitui um importante instrumento de concorrência e um dos fatores impulsionadores do processo de descentralização geográfica de suas atividades de P&D. Ver Chesnais (1988). 163. Segundo algumas estimativas, apenas 6% das empresas teriam possibilidade de acesso a esse benefício. Ver Salgado (2007).

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multinacionais grandes – classifiquem como P&D atividades rotineiras de seu processo produtivo.

b) Mesmo quando de fato aplicados a atividades de P&D, esses incentivos acabam por contribuir para o avanço tecnológico das multinacionais, aumentando, assim, sua vantagem competitiva e reduzindo ainda mais as oportunidades para criação de empresas nacionais, especialmente nos setores mais intensivos em tecnologia.

c) Adicionalmente, pode-se ver também, nesses incentivos, um significante reforço, e até subsídio, à captação de recursos humanos especializados brasileiros – a famosa “fuga de cérebros” – inclusive aqueles mais neces-sários à consolidação de um dos poucos setores de alta tecnologia em que começa a se desenvolver um segmento nacional promissor, que é o setor de software.164

6. A título de conclusãoPara concluir estas considerações, revisemos rapidamente as ideias nortea-doras do trabalho: partimos da suposição, central ao modelo dos Sistemas Nacionais de Inovação, de que o principal agente responsável pela concreti-zação de seus resultados – e, portanto, aquele que expressa sua eficácia – é o setor produtivo “nacional”.165 A seguir, passamos a identificar algumas limitações estruturais desse setor, no Brasil, sugerindo que caberia ao “sub-sistema político-institucional” do SNI – que abrange todo o conjunto de atores e instituições compreendidos no setor público, cujas ações podem exercer influência sobre aqueles resultados166 – a função básica de corrigir tais distorções, isto é, a de visar à formação/consolidação de empresas na-cionais, especialmente nos setores mais dinâmicos e intensivos em tecno-logia. É a participação nos mercados globais desses setores – com marcas próprias ou, pelo menos, como fornecedores especializados de subconjun-tos e componentes, integrantes de cadeias de valor – que criará a motivação necessária para que essas empresas se sintam “impelidas” a inovar e, para

164. Ver detalhes impressionantes em César (2007).165. Para a maioria dos autores, cujos estudos se baseiam nos SNIs dos países centrais, esse ponto não recebe ênfase especial – é “obvio” que o setor produtivo é nacional... 166. Na pertinente observação de Nassif (2007), “...since public institutions responsible for conventional macroeconomic policies are part of the NIS, the lack of coordination between their main aims and those of the other national institutions involved in industrial and technological policies can jeopardize national economic performance” (p. 1). A sigla acima refere-se a National Innovation System.

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tal, mobilizar (e exigir) todos os incentivos e recursos disponibilizados pe-los demais segmentos do SNI.167

É importante ressaltar-se, mais uma vez, que essas ideias não implicam qualquer negação da grande contribuição das empresas multinacionais para a economia, ou mesmo para a formação da capacidade tecnológica nacional – e, muito menos, expressão de uma visão maniqueísta estreita, de que “o capi-tal estrangeiro é ruim e o capital nacional é bom”. Nesse ponto, concordamos plenamente com Nicolsky (2005), quando afirma, em suas conclusões, que “...é tempo de se redefinir o conceito de empresa nacional” e que “...tanto a empresa transnacional quanto a empresa de propriedade de brasileiros po-dem ser igualmente oportunistas ou construtivistas”. Discordamos, porém, quando insinua que tudo é questão de “... como a empresa se posiciona ante o processo de inovação”, e que “se a empresa se empenha em gerar em nosso País as inovações de que necessita para ser internacionalmente competitiva nos produtos fabricados no País, essa empresa é nacional, qualquer que seja a sua estrutura de proprietários, pois está efetivamente contribuindo para o desenvolvimento sustentado do País”. É preciso abstrair-se totalmente a “lógica” da concorrência internacional – e, principalmente, o significado do conceito de “capacidade inovativa nacional” – para supor que: (a) a inovação eventualmente gerada por uma multinacional no País se irá transformar em ativo tecnológico nacional; e (b) o fato de um produto aqui fabricado pela multinacional ser internacionalmente competitivo contribui para o “desen-volvimento sustentado” do Brasil. Felizmente, o autor reconhece, a seguir, que “...certamente, a maioria dessas empresas (que inovam) terá proprietá-rios brasileiros”. Menos mal...

Aqui reside, talvez, um ponto-chave da questão: num contexto de cres-cente financeirização mundial e volatilidade do capital, o problema parece centrar-se na nacionalidade do “núcleo de controle” da empresa – que, em geral, está diretamente relacionado com o do capital social da mesma, mas pode independer, em certa medida, da propriedade de parcelas do capital financeiro por ela utilizado. Para não nos alongarmos no tema, recorramos a um exemplo: o fato de a Embraer ter sócios minoritários estrangeiros não a torna menos “nacional” – pelo menos até agora, enquanto o controle está nas mãos do grupo de proprietários nacional.168

167. A utilização dos incentivos atuais evidencia isso: “(...) de 1994 a 2004, segundo o Mi-nistério da Ciência e Tecnologia, das mais de 70 mil companhias brasileiras com 10 ou mais funcionários, apenas 109 fizeram uso dos incentivos fiscais à inovação, cabendo 62% a so-mente duas, Petrobras e Embraer”. (Desequilíbrios, Editorial de O Globo, 27/6/2005.)168. Não parece ser coincidência o fato de que, quando da privatização da empresa, o governo brasileiro se preservou o direito sobre esse controle, através da golden share em mãos da União Federal (Embraer 2005 – Resultados e Demonstrações Financeiras, Gazeta Mercantil, 3/4/2006).

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Capital estrangeiro desse tipo é, em princípio, altamente bem-vindo – como o é, também, o capital que vem sendo negociado pelo ex-presidente de uma multinacional do ramo automobilístico, “com grupos empresariais brasileiros e estrangeiros, com o Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico e Social (BNDES), e os governos federal e de Minas Gerais”, para criação da Companhia Brasileira de Semicondutores (CBS)169 e similares...

Em suma, a proposição de que as políticas de C,T&I privilegiem a con-solidação do setor produtivo nacional não implica qualquer rejeição ao in-vestimento estrangeiro direto (IED) ou discriminação contra as empresas multinacionais já atuantes no País. Sob esse aspecto, o exemplo que vem sendo dado pela China e pela Índia – países em que o fortalecimento dos Sistemas Nacionais de Inovação vem puxando seu crescimento econômico acelerado, com a participação cada vez mais significativa de investimentos de capital estrangeiro – parece ser uma boa evidência da validade dos argu-mentos aqui apresentados.

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Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação 263

Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação

Helena M. M. LastresJosé Eduardo Cassiolato

1. IntroduçãoO reconhecimento da importância dos processos de inovação e mudança tecnológica na evolução do capitalismo e na competitividade do setor pro-dutivo ganhou renovado vigor a partir das duas últimas décadas do século XX. A realização de estudos teóricos e empíricos tem gerado significativo acúmulo de conhecimentos levando a mudanças fundamentais nos referen-ciais e modelos analítico e de políticas para inovação. Dentre os principais avanços nota-se que, a partir dos anos 1980, o foco deixa de ser em inova-ções individuais, passando a se concentrar nos processos sistêmicos para a geração e aquisição de conhecimentos, os quais possibilitam que empresas e demais organizações acumulem capacitações e desenvolvam novos pro-dutos e processos. Este entendimento é analisado neste texto.

Acrescenta-se ainda que o desenvolvimento tecnológico e as modifica-ções conexas nas atividades organizacionais e institucionais ao serem con-siderados como principais elementos da competitividade de empresas e de países lançam novas luzes sobre a necessidade de políticas para sua pro-moção.

Desta maneira, o objetivo do capítulo é retomar as discussões sobre o avanço no entendimento do conceito de inovação – assim como de seus desdobramentos: arranjos e sistemas produtivos e inovativos – visando des-cortinar suas implicações para políticas. O capítulo encontra-se estruturado da seguinte forma: o item 2 examina como a visão schumpeteriana sobre inovação foi gradualmente transformada a partir do final dos anos 1960 desaguando na formulação do conceito de sistemas de inovação; o item 3 discorre sobre as implicações para políticas dos principais avanços no entendimento de inovação e de sistema de inovacão examinando suas van-tagens e desafios como novo instrumental analítico e normativo; e o item 4 introduz a experiência brasileira na utilização e no desenvolvimento deste

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conceito de forma a torná-lo operacionalmente capaz de compreender e orientar processos de geração, uso e difusão de conhecimentos. Na conclu-são são retomados os principais elementos da análise realizada e discutidas suas consequências para a formulação de políticas no Brasil.

2. Inovação e sistemas de inovação: avanços na compreensãoPode-se afirmar que a forma pela qual os economistas do mundo inteiro entendem a inovação é muito influenciada por J. Schumpeter, para quem o crescimento da economia, consistia num processo dinâmico dependente tanto da geração e uso das inovações, quanto de sua difusão.170 As contri-buições originais de Schumpeter têm sido qualificadas e aprimoradas por uma série de autores que, mediante a incorporação do progresso técnico em suas análises, pretendem entender a dinâmica capitalista atual. Neste esforço os avanços (produtivos, tecnológicos, organizacionais, institucio-nais etc.) resultantes de processos inovativos continuam sendo considera-dos como fatores básicos na formação dos padrões de transformação da economia, bem como do seu desenvolvimento de longo prazo.

Os principais avanços no entendimento da inovação derivam, em pri-meiro lugar, da diferenciação de informação e conhecimento. Destaca-se inclusive que, a economia da inovação surgiu exatamente defendendo teses opostas à teoria neoclássica, a qual: (i) tomava informação e conhecimento como sinônimos; e (ii) considerava a tecnologia como fator externo e uma “quase mercadoria”, que poderia ser comercializada, transferida etc. Mais do que diferenciar informação de conhecimento, a economia da inovação propõe a necessidade de uma segunda importante diferenciação entre as distintas formas de conhecimento (tácitas e codificadas). Os conhecimentos codificáveis, transformados em informações, de fato podem ser reproduzi-dos, estocados, transferidos, adquiridos, comercializados etc.. Já a transfor-mação dos conhecimentos tácitos em sinais ou códigos, e sua consequente transmissão, é extremamente difícil, pois sua natureza está associada a pro-cessos de aprendizado, os quais são totalmente dependentes de contextos e formas de interação sociais específicas (POLANYI, 1966).

Ampliou-se a compreensão da inovação especialmente a partir do final dos anos 1960. Até então, a inovação era vista como ocorrendo em estágios sucessivos de pesquisa básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento, pro-dução e difusão (visão linear da inovação). Geralmente a discussão sobre as fontes mais importantes de inovação, polarizava-se entre aqueles que

170. Ver Teoria do Desenvolvimento Econômico (1912), Ciclos Econômicos (1939) e Capitalismo, Socialismo e Democracia (1942).

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(i) atribuíam maior importância ao avanço do desenvolvimento científico (science push) e os que (ii) enfatizavam a relevância das pressões da deman-da por novas tecnologias (demand pull). Como consequência as políticas para CT&I também passaram a alternar a ênfase na geração de oferta com o estímulo e organização da demanda.

O estudo de Mowery e Rosenberg (1979) – e outros que os seguiram – colocou claro a armadilha de separar e até considerar como alternativos os dois lados do que passou a ser considerado como um mesmo processo. Seguiu-se a consolidação desse entendimento da inovação não mais como um ato pontual, isolado e independente, mas sim como processo, não linear e capaz de envolver, inclusive simultaneamente, conhecimentos resultantes tanto das atividades e experiências acumuladas pela empresa com sua pró-pria atuação, assim como de sua interação com outras empresas, institui-ções de ensino e pesquisa, demais atores e com o ambiente que a cerca.

Sublinha-se o entendimento que parcelas importantes das capacitações produtivas e inovativas são igualmente tácitas e emanam de processo de aprendizado, fazendo, produzindo, usando e interagindo e não apenas de processos de busca relacionada aos avanços da ciência e tecnologia. Daí a conclusão de que “inovação é muito mais do que P&D”.171 Ressalta-se in-clusive um possível equívoco oriundo da tendência de confundir invenção com inovação. As atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) se bem-sucedidas podem resultar em invenções. No entanto, invenções por mais importantes que sejam não necessariamente transformam-se em inovações. Uma das contribuições clássicas na literatura de inovação discute o porquê de algumas invenções rapidamente se transformarem em inovações, outras demorarem anos e até séculos e outras jamais (JEWKES; SAWERS; STIL-LERMAN, 1959).

Rompeu-se definitivamente com a então usual visão restrita às ativida-des de P&D – e dicotômica – que colocava como antagônicos os impulsos advindos da oferta ou da demanda de conhecimentos (science push versus demand pull). Visão essa que até os anos 1970 orientava grande parte das políticas para o desenvolvimento científico e tecnológico de países e insti-tuições internacionais. Dentre as mais importantes conclusões que acompa-nharam a ênfase conferida ao entendimento das diferentes condições ofere-cidas pelo ambiente local e nacional onde se realiza o processo de inovação, nota-se o seguinte reconhecimento:

Os principais atributos dos casos de sucesso inovativo eram as ligações com diversas fontes de informação científica e tecnológica tanto “inter-

171. Esta frase no original “innovation is much more than R&D” foi cunhada por H. Brooks nos anos 1980, explicitando a noção de que P&D é apenas uma parte do processo de inovação.

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nas” – realização de atividades de P&D, produção, marketing, vendas, treinamento, contratação de recursos humanos etc.; quanto “externas à firma” – destacando-se desde as relações tradicionalmente vistas como cruciais entre empresas e instituições de ensino e pesquisa (IEPs), até aquelas entre empresas de uma mesma cadeia produtiva ou mesmo con-correntes.

A engenharia reversa mostrava-se como importante forma utilizada pela grande maioria das empresas para apropriação de conhecimentos, res-saltando a relevância das articulações e os fluxos de conhecimentos en-tre atores produtivos da mesma cadeia de produção.

A acumulação de capacitações internas às empresas colocava-se como fun- damental para a inovação, uma vez que possibilitavam tanto o aperfeiçoa-mento de processos, quanto a interação com o ambiente externo e, princi-palmente, o entendimento e o uso de conhecimentos trazidos de fora.

Algumas inovações falhavam devido à falta de comunicação com os usuários, enquanto as que tinham tido sucesso resultavam de tentativas explícitas de entender as necessidades dos mesmos, quase sempre por meio de processos interativos e cooperativos. Daí a preocupação com a relação entre empresas e principalmente entre produtores e usuários e com a formação e uso de redes formais e informais de inovação.

Que a frequência e intensidade das relações de cooperação refletiam di- ferenças relativas aos distintos atores envolvidos, áreas científicas, tecno-lógicas, atividade e natureza das inovações (incrementais ou radicais) e dependiam significativamente de políticas diretas ou indiretas de CT&I.

A partir do início da década de 1980, o reconhecimento do caráter sis-têmico da inovação ganhou momentum impulsionado principalmente pelos trabalhos de Freeman e seus seguidores: “the ‘coupling mechanisms’ betwe-en the education system, scientific institutions, R&D facilities, production and markets have been an important aspect of the institutional changes introdu-ced in the successful national innovation systems” (FREEMAN, 1982a). Essa contribuição – que também reconhecia a fundamental influência dos sis-temas financeiros, de educação e de organização do trabalho nas decisões e estratégias tecnológicas – já sinalizava a definição de Sistema Nacional de Inovação (SNI) que foi explicitada no livro sobre a evolução do caso japonês (FREEMAN, 1987). É importante notar que, conforme observado por diversos autores latino-americanos e caribenhos, desde os anos 1970, o entendimento da dinâmica industrial e tecnológica, e das políticas para sua mobilização, exigia considerar e atuar sobre os condicionantes do quadro macroeconômico, político, institucional e financeiro específico dos diferen-tes países e da relação de cada país com o sistema mundial (FURTADO,

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1961, 2002). Ênfase fundamental foi dada à observação de que esse con-texto macro se constitui em “política implícita”, que pode dificultar e até anular as políticas explícitas específicas (HERRERA, 1971).172

Especialmente relevante foi o entendimento que os processos de ino-vação e de difusão se determinam mútua e simultaneamente. Nessa pers-pectiva, a existência de capacitações e de interações entre produtores e usuários foram destacados como cruciais no processo de desenvolvimento e aquisição de novos conhecimentos e tecnologias. Nessa relação simbiótica, o ambiente onde a inovação se desenvolve e difunde conforma o padrão da evolução das capacitações e das tecnologias, que por sua vez redefine a própria trajetória inovativa. Ambientes diferentes onde se encontram as empresas e outros atores são associados a diversos padrões de avanço tec-nológico. Isso ressalta as especificidades nacionais, regionais e locais dos processos de geração, uso e difusão de inovações. O processo inovativo é então visto como resultado de uma aprendizagem coletiva, a partir dos vín-culos dentro da empresa e entre esta e demais organizações (LUNDVALL, 1985; PÉREZ, 1988, FREEMAN, 2003). A inovação passou a ser vista como um processo de aprendizado não linear, cumulativo, específico ao contexto e, portanto, dificilmente replicável. Esta percepção reforçou a necessidade de desmistificar ideias simplistas sobre as possibilidades de gerar, adquirir e difundir tecnologias. Tal ênfase torna claro que a aquisição de tecnologia no exterior não substitui os esforços locais. Ao contrário, é necessário mui-to conhecimento para poder interpretar a informação; selecionar, comprar, copiar, transformar e internalizar a tecnologia importada.

O avanço do entendimento do processo, o papel das redes de coopera-ção e das parcerias estratégicas, a importância do conhecimento tácito e o desenvolvimento do conceito de sistema nacional de inovação, aliada às vantagens da abordagem integrada para questões sociais, econômicas e tec-nológicas tiveram evidentes implicações para a formulação de políticas na última década do século XX (DOSI et al. 1988; OCDE, 1992b). Os estudos e proposições de política passaram a enfatizar a importância da adoção da visão sistêmica e a sublinhar a necessidade de reconhecer as especificidades de cada sistema nacional de inovação, assim como a relevância de mobili-zar as articulações entre atores. Nota-se a dupla característica desta nova geração de políticas: a inovação passa a ser o mais importante componente das estratégias de desenvolvimento – e não apenas das políticas de C&T ou das políticas industriais – e as políticas a ela direcionadas passam a ser entendidas como políticas para sistemas de produção e inovação.

172. Ver também Sagasti (1978) e Coutinho (2005). Para uma discussão sobre as convergências entre as escolas estruturalista latino-americana e schumpeteriana ver Cassiolato et al., 2005.

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O foco em conhecimento, aprendizado e interatividade deu sustenta-ção à ideia de sistemas de inovação (FREEMAN, 1988; LUNDVALL, 1992, 1995), destacando “os ambientes nacionais ou locais onde os desenvolvi-mentos organizacionais e institucionais produzem condições que permitem o crescimento de mecanismos interativos nos quais a inovação e a difusão de tecnologia se baseiam” (OCDE, 1992a, p. 238). Nessa perspectiva, sis-temas de inovação são conceituados como conjuntos de instituições e suas relações, as quais contribuem para o desenvolvimento e afetam o mesmo na capacidade de aprendizado e de criação de competências de um país, região, setor ou localidade. Constituem-se de elementos que interagem na produção, uso e difusão do conhecimento. Tais sistemas contêm, não ape-nas as organizações diretamente voltadas à CT&I, mas também e princi-palmente todas aquelas que, direta ou indiretamente afetam as ações dos atores. Um corolário direto de tal entendimento é que, por exemplo, o setor financeiro e as políticas – incluindo as macroeconômicas mais amplas – pas-sam a ser objeto de preocupação e ação dos policy-makers.

A ideia básica do conceito de sistemas de inovação é que o desempenho inovativo depende não apenas do desempenho de empresas e organizações de ensino e pesquisa, mas principalmente de como elas interagem entre si e com vários outros atores e como o ambiente onde se inserem e as políticas (incluindo as macroeconômicas) afetam o desenvolvimento dos sistemas. Reforça-se, deste modo, a ideia de que os processos de inovação que têm lugar no nível da firma são gerados e sustentados por suas relações com outras organizações, refletindo as características dos sistemas produtivos e inovativos locais e nacionais dos quais fazem parte.

Tais resultados levaram pesquisadores e policy-makers a mudarem a ên-fase analítica e normativa. A definição de sistemas nacionais de inovação objetiva incorporar o papel e a dinâmica das firmas, mercado de trabalho e de capitais, organizações de ensino e pesquisa, governo (como um todo e não apenas a política de C&T), organismos de financiamento e outros atores e elementos que influenciam a aquisição, uso e difusão das inova-ções. Nesta linha é que se enfatiza: (i) o papel de processos históricos – responsáveis por diferenças em trajetórias de desenvolvimento, evolução político-institucional e capacitações socioeconômicas; (ii) a importância do caráter nacional dos sistemas de inovação; (iii) a relevância das relações produtor-usuário para a inovação; e (iv) o papel do mercado doméstico (FREEMAN, 1982, 1987, 2003; LUNDVALL, 1985, 1988). Foi reafirmada a importância de capturar a especificidade dos diferentes atores, a qualidade das relações e o entendimento do papel das instituições no seu sentido mais amplo – como normas e regras, informais e formais. Assim, diferentes con-textos, sistemas cognitivos e regulatórios e modos formais como informais

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de articulação e de aprendizado são reconhecidos como fundamentais para explicar as diferenças na aquisição, uso e difusão de conhecimentos e par-ticularmente aqueles tácitos.

Em particular, diferencia-se o entendimento restrito e amplo de sistema de produção e inovação (Figura 1).

Figura 1 – Sistema nacional de inovação: as visões restrita e ampla

Fonte: Cassiolato e Lastres, 2009.

Aspecto essencial refere-se ao papel central dado à inovação para a com-petitividade dinâmica e sustentável. Essa contrasta com a usual prioridade dada à exploração das vantagens competitivas tradicionais (como baixos custos da mão de obra e da exploração de recursos naturais sem uma pers-pectiva de sustentabilidade no longo prazo e à manipulação das taxas de câmbio e de juros), as quais Fajnzylber (1988) chamou de espúrias.

Outro avanço crucial consolidado na abordagem de SNI se refere à cons-tatação de que inovação não se restringe a processos de mudanças radicais na fronteira tecnológica, realizados quase que exclusivamente por grandes empresas através de seus esforços de pesquisa e o desenvolvimento (P&D). São significativas as consequências de entender a inovação como “proces-so pelo qual as organizações incorporam conhecimentos na produção de bens e serviços que lhes são novos, independentemente de serem novos, ou não, para os seus competidores domésticos ou estrangeiros”.173 Esse enten-dimento ajuda a evitar diversas distorções, incentivando os policy-makers a adotarem uma perspectiva mais ampla sobre as oportunidades para o

173. Esta definição baseia-se em proposta de Lynn Mytelka (1993), suas vantagens para países menos desenvolvidos são discutidas em Cassiolato, Lastres e Maciel, 2003 e Lastres, Cassiolato e Arroio, 2005.

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aprendizado e a inovação em pequenas e médias empresas (PMEs) e tam-bém nas chamadas indústrias tradicionais. As implicações para políticas de tais qualificações são significativas.

Acompanhando tais desenvolvimentos as ideias de sistemas setoriais (MALERBA; ORSENIGO, 1996), sistemas regionais (COOKE; MORGAN, 1998), sistemas supranacionais (Freeman 1999) e de arranjos e sistemas produtivos e inovativos locais (CASSIOLATO; LASTRES, 1999), têm sido propostos.

Evidentemente existem contradições entre uma visão estritamente se-torial da inovação e a abordagem sistêmica neste capítulo apresentada. De fato, a visão setorial não captura a situação em que as fronteiras dos “setores” produtivos se encontram em constante mutação. Questionam-se também as formas tradicionais de mensurar e avaliar atividades econômi-cas agrupando-as em “setores”, principalmente dada à heterogeneidade das organizações e as distintas estruturas produtivas e inovativas presentes dentro de um mesmo setor. Adiciona-se a esta condição a tendência tanto à incorporação de conhecimentos avançados e crescentemente multidiscipli-nares, quanto à convergência das funções e aparatos tecnológicos de vários segmentos até então desvinculados entre si. Tais tendências são particu-larmente marcantes em situações de transformações técnico-econômicas radicais e abrangentes – como nas mudanças de paradigma (LASTRES; CASSIOLATO; CAMPOS, 2006). Há casos ilustrativos nos chamados setores primários, como o agrícola, o extrativo e o pesqueiro, e também naqueles mais avançados.

Utilizando a produção de tomates para mostrar como as novas tecno-logias afetam todas as etapas da cadeia produtiva, Marques (1999) sugere que a produção deste bem depende e se articula profundamente com a produção de diversos setores, tornando pouco relevante a sua classificação como um produto agrícola: “agora, antes de plantar tomates são necessá-rios muitos planos, desenhos, tabelas e roteiros para produzir as sementes geneticamente tratadas, os fertilizantes, o plantio geométrico, a colheita-deira, o sistema de seleção eletrônica, os recipientes e seus meios de trans-porte etc. – o tomate é um produto high-tech!” (p. 199-200).

No caso da pesca, observa-se o uso de: design e materiais avançados nos navios e equipamentos de pesca; sistemas de comunicação e rastreamento por satélite; sistemas de sonares, sensores e identificação ótica para moni-toramento de cardumes e seleção de peixes; sistemas on-line para pesagem, avaliação, resfriamento e acondicionamento, assim como para o acompa-nhamento das atividades. Isto é também verdade no caso das fazendas de peixes, que vêm igualmente incorporando design e materiais avançados

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na construção de lagos, açudes etc.; tecnologias de nutrição e aumento da reprodução baseada em biotecnologia e engenharia genética; sistemas de alimentação baseados em robótica. Adicionam-se ainda os esforços no desenvolvimento e aplicação de equipamentos, sistemas e procedimentos visando: (i) proteger o meio ambiente, tendo em vista o uso mais intensivo dos recursos naturais, assim como de aditivos sintéticos e outros fatores que podem levar à degradação ambiental; (ii) garantir a sustentabilidade dos empreendimentos.

Com a alta pervasividade das novas tecnologias base do atual padrão de produção – TICs, biotecnologia, engenharia genética e materiais avançados – mesmo setores considerados tradicionais podem apresentar-se como in-tensivos em tecnologias de ponta. Torna-se, portanto, ainda mais evidente a inadequação da forma como são definidos os setores econômicos. Apesar de o conhecimento já acumulado sobre as trajetórias setoriais continuarem re-levantes, tanto a produção quanto a inovação são cada vez mais influencia-das pelo conhecimento e as capacidades de diferentes atividades produtivas e áreas científicas e tecnológicas. Devido a dificuldades em mensurar os co-nhecimentos de variadas origens, utilizadas em diferentes setores, continu-amos tratando tais setores do mesmo modo que quando as classificações fo-ram concebidas, tornando-se, crescentemente difícil continuar usando estas categorias sem questioná-las (LASTRES; CASSIOLATO; CAMPOS, 2006). Enfatiza-se o imperativo de um referencial que dê conta dos novos desafios. A classificação setorial usual relaciona-se a conjuntos de conhecimentos e atividades que podem estar representando peso minoritário no valor agre-gado do setor em questão. Evidentemente a linha de fronteira entre setores sempre foi arbitrária. Ressaltamos, porém, que, no quadro atual, torna-se mais agudo o problema de se captar – por meio de indicadores imperfeitos – apenas parte dos sistemas produtivos e inovativos.

3. Implicações para políticas dos principais avanços no entendimento de inovaçãoAvanços significativos na compreensão da inovação permitiram inaugurar e desenvolver uma nova linha do pensamento alternativa à teoria dominan-te neoclássica. A partir desses entendimentos básicos e cruciais uma nova perspectiva abriu-se. Esses desenvolvimentos evidenciaram a necessidade de rever as formas tradicionais de apoio e exigem o desenho de novas polí-ticas realmente capazes de promover a CT&I.

Como vimos anteriormente, o primeiro passo foi o reconhecimento da importância de diferenciar informação de conhecimento, assim como as distintas formas de conhecimento: as tácitas das codificadas. O segundo

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passo, e também ao contrário do apregoado pelos economistas ortodoxos, destaca-se o entendimento de que:

Parcelas importantes das capacitações produtivas e inovativas são igual- mente tácitas e emanam de processo de aprendizado, fazendo, produ-zindo, usando e interagindo e não apenas da realização ou contração de atividades de P&D.

Deve-se focalizar a criatividade humana, em vez das trocas comerciais e a acumulação de equipamentos e de outros recursos materiais.

Os principais elementos do conhecimento estão incorporados na mente e corpo dos atores ou enraizados em rotinas das empresas e nas relações entre empresas e demais organizações. Portanto, eles são localizados, não facilmente transferíveis de um lugar/contexto a outro.

A geração de novos conhecimentos, sua introdução e difusão no sistema produtivo exigem esforços e capacitações significativos.

O caráter eminentemente cumulativo, interativo e localizado do proces- so de inovação leva à necessidade de entender:

– as empresas, como organizações enraizadas em ambientes socioeconômi-co-políticos que refletem trajetórias históricas e culturais particulares;

– que o foco no aprendizado e na assimilação, uso e difusão da inovação opõe-se à ideia de um suposto tecnoglobalismo;174

– que é um equívoco ver a aquisição de tecnologia estrangeira como alter-nativa ou prescindindo de esforços locais.

O terceiro passo, aponta o reconhecimento de que:

Há significativa complementaridade entre inovações incrementais e ra- dicais, técnicas e organizacionais e suas diferentes e simultâneas fontes. Assim, como existe uma complexa interação entre diferentes atores e fontes de inovação e o dinamismo inovativo depende não apenas do desempenho das empresas e de como estas interagem entre si e com os ademais atores, mas também do contexto em que tais processos ocor-rem. Daí a importância da visão sistêmica.

É mais importante conhecer as práticas e condições de cada ambiente, relativas ao aprendizado, investimento, natureza e extensão das intera-ções intra e entre empresas e demais organizações (IEPs, organismos de apoio, financiamento e regulação etc.) do que simplesmente quantificá-las. Essas conformam a propensão a adquirir capacitações e a inovar (JOHNSON, 1998; MYTELKA, 2000; JOHNSON e LUNDVALL, 2003).

174. Para detalhes ver Freeman, 1995.

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Os quadros de referência nacional e local importam, pois trajetórias espe- cíficas de desenvolvimento contribuem para a conformação de sistemas de inovação distintos. A diversidade dos sistemas de inovação reflete dife-rentes combinações das suas características aos níveis micro, meso e ma-croeconômicos, bem como das articulações entre estes níveis (FREEMAN, 1987, 1999; LASTRES, 1994; CASSIOLATO; LASTRES, 1999).

O entendimento da dinâmica industrial e tecnológica, e das políticas para sua mobilização, exige considerar e atuar sobre os condicionantes do quadro macroeconômico, político, institucional e financeiro específi-co dos diferentes países e da relação de cada país com o sistema mundial (FURTADO, 1961, 2002).

A capacidade inovativa deriva da confluência de específicos fatores eco- nômicos, sociais, políticos, institucionais e culturais e do ambiente em que eles operam, o que implica na necessidade de um instrumental ana-lítico e de orientação de políticas mais amplo e complexo do que aqueles oferecidos pela teoria econômica tradicional (FREEMAN, 1982, 1987; LUNDVALL, 1985; LASTRES; FERRAZ, 1999).

Assim é que a partir dos anos 1980 a visão sistêmica passou a povoar os novos referenciais analíticos e as proposições de política. A inovação passa a ser o mais importante componente das estratégias de desenvolvimento (e não apenas das políticas de C&T ou das políticas industriais) e as políticas a ela direcionadas passam a ser entendidas como políticas para sistemas de produção e inovação. Nesta discussão mostra-se particularmente importan-te destacar a necessidade de distinguir invenção de inovação. São significa-tivas as implicações para políticas desta distinção. Se o objetivo é o estímulo a invenções, as políticas, com razão, devem buscar mobilizar as infraestru-turas e as atividades de P&D, assim como de propriedade intelectual. Neste caso, sabemos que tais esforços podem ou não resultar em invenções, as quais, por sua vez, podem ou não ser incorporadas pelos sistemas produti-vos. No segundo caso, se o foco é a mobilização dos processos de inovação, as políticas devem estimular as diferentes formas de aquisição, uso e dis-seminação de conhecimentos nas estruturas produtivas de qualquer bem ou serviço (incluindo aqueles essenciais à mobilização do desenvolvimento social). A ênfase central das políticas passa, portanto, a ser o estímulo às articulações entre atores dos diferentes sistemas de produção e inovação e à sua capacidade de assimilar e utilizar conhecimentos provenientes das diversas fontes internas e externas aos mesmos.

O desenvolvimento da abordagem de arranjos e sistemas produtivos e inovativos locais, objetivou atender a tal imperativo visando potencializar as ações de políticas, reorientando-as para o território e para as interações

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entre conjuntos de atores visando estimular os processos de capacitação, aprendizado, inovação e competitividade com a finalidade de ampliar e enraizar o desenvolvimento local. Tal abordagem pretende oferecer uma nova forma de olhar, pensar e fazer política que abrange atores e ativida-des produtivas e inovativas, com distintas dinâmicas e trajetórias, desde as mais intensivas em conhecimentos até as que utilizam conhecimentos endógenos ou tradicionais, de diferentes portes e funções, originários dos setores primário, secundário e terciário, operando local, nacional ou inter-nacionalmente.

4. A experiência brasileira no desenvolvimento do conceito de sistema de inovaçãoNo Brasil, o conceito de sistemas produtivos e inovativos locais foi criado e desenvolvido pela RedeSist em finais da década de 1990 e foi rapidamente disseminado na esfera de ensino e pesquisa e de política.175 Este conceito combina as contribuições sobre desenvolvimento da escola estruturalista latino-americana com a visão neo-schumpeteriana de sistemas de inova-ção.176 Chama-se a atenção para o significativo processo de aprendizado posto em marcha ao colocar em prática esta nova abordagem, tanto en-quanto ferramenta analítica quanto de orientação de políticas. Todos os atores envolvidos aprenderam muito com erros e acertos e muitas vezes tiveram de inovar.

A abordagem de Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos, abrange conjuntos de atores econômicos, políticos e sociais e suas interações, in-cluindo: empresas produtoras de bens e serviços finais e fornecedoras de matérias-primas, equipamentos e outros insumos; distribuidoras e comer-cializadoras; trabalhadores e consumidores; organizações voltadas à for-mação e treinamento de recursos humanos, informação, pesquisa, desen-volvimento e engenharia; apoio, regulação e financiamento; cooperativas, associações, sindicatos e demais órgãos de representação.

A ênfase no local levou ao desenvolvimento do termo mais amplamente difundido de arranjos produtivos locais (APLs). Isto se deve ao fato de que as atividades produtivas e inovativas são diferenciadas temporal e espa-cialmente, refletindo o caráter localizado da assimilação e do uso de co-nhecimentos e capacitações, resultando em requerimentos específicos de políticas.

175. Cassiolato e Lastres, 1999; Lastres, Cassiolato e Matos, 2006.176. Para detalhes ver Cassiolato et al., 2005 e Guimarães et al., 2006.

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Seguindo as orientações do foco em sistemas de inovação, essa abor-dagem focaliza as articulações entre conjuntos de diferentes atores, assim como entre atividades conexas dos diferentes sistemas produtivos e inova-tivos locais. Acompanhando o desenvolvimento desse conceito, a RedeSist também desenvolveu uma metodologia que focaliza e investiga essas articu-lações entre empresas e com outros atores; os fluxos de conhecimento (em particular, em sua dimensão tácita); as bases dos processos de aprendizado para capacitação produtiva, organizacional e inovativa; e o papel da proxi-midade geográfica e da identidade histórica, institucional, social e cultural como fontes de diversidade e vantagens competitivas sustentadas. O objeti-vo final é discutir as implicações para políticas das análises realizadas.177

As experiências pioneiras de analisar e promover sistemas produtivos e inovativos no Brasil confirmam que essa consiste de fato em uma nova forma de pensar e fazer política que:

Coloca a geração, aquisição e difusão de conhecimentos e a criação e uso de capacitações produtivas e inovativas como fatores-chave da pro-dutividade e competitividade dinâmica e duradoura de organizações, regiões e países.

Engloba diferentes tipos de atores e atividades, inclusive aqueles geral- mente excluídos das ações de promoção, como, por exemplo, as empre-sas de micro e pequeno portes e seus requerimentos; as atividades do setor primário e terciário, os segmentos à margem da vida econômica formal, icluindo empresas, atividades e processos de aquisição, trans-missão de conhecimento.

Cobre o espaço, onde ocorre o aprendizado, são criadas as capacitações produtivas e inovativas e fluem os conhecimentos e particularmente aqueles tácitos.

Permite estabelecer uma ponte entre o território e as atividades econô- micas, as quais também não se restringem aos cortes clássicos espaciais como os níveis municipais e de microrregião.

Visa dar conta das variações espaciais devidas à grande extensão geográfica, heterogeneidade e desigualdades econômicas, políticas, sociais e regionais.

Tem proporcionado um entendimento amplo das oportunidades e desa- fios colocados ao desenvolvimento produtivo e inovativo.

Representa o nível em que as políticas de promoção do aprendizado e criação de capacitações produtivas e inovativas podem ser mais efetivas.

177. A descrição detalhada desta metodologia encontra-se em www.sinal.redesist.ie.ufrj.br. Ver também Lastres, Cassiolato e Campos (2006).

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Destaca a necessidade de articular e implementar as diferentes políticas em uma perspectiva transescalar, integrada e de longo prazo.

Segundo esse enfoque, onde houver produção de qualquer bem ou ser-viço haverá sempre um sistema em torno da mesma, envolvendo atividades e atores relacionados desde a aquisição de matérias-primas, máquinas e demais insumos até a sua comercialização. Tais sistemas variarão desde aqueles mais rudimentares àqueles mais complexos e articulados, que fun-cionam de modo realmente sistêmico. Nessa perspectiva, o número de siste-mas produtivos locais existentes em qualquer país é tão grande quanto sua capacidade produtiva permita. Tanto do ponto de vista analítico quanto do normativo, não basta desenvolver indicadores e mapas objetivando iden-tificar a quantidade de sistemas existentes e suas diferentes configurações e graus de desenvolvimento. De forma semelhante, por serem baseadas no reconhecimento das especificidades dos diferentes sistemas, as políticas para sua promoção são incompatíveis com modelos genéricos que utilizam ideias de benchmark e best practice.

Diferentes tipologias e indicadores vêm sendo desenvolvidos visando entender os processos de aprendizado, capacitação e inovação. Entretanto, alerta-se que o uso de algumas dessas taxonomias, indicadores, assim como a seleção de casos exemplares não deve de maneira alguma inibir a compre-ensão dos elementos diferenciados que a riqueza das experiências apresen-ta no mundo real. Isto é particularmente importante no caso da definição e implementação de políticas. Sublinha-se aqui a conclusão que a adoção de políticas uniformes ignora a existência de disparidades, que decorrem não só de fatores econômicos, mas também de diversidades das matrizes socio-políticas e das particularidades históricas (FURTADO, 1998). A mobilização de um determinado sistema produtivo geralmente implica em conjuntos es-pecíficos de requerimentos que variam tanto no espaço quanto no tempo.

ConclusãoComo vimos anteriormente, desde o final dos anos 1970 uma substantiva literatura foi desenvolvida. Conforme resumido no Glossário da RedeSist: a inovação passou a ser vista não mais como um ato isolado, mas como um processo, cumulativo e localizado, não linear e sistêmico com múltiplas e simultâneas fontes, resultando de interações entre diferentes atores. Ao mesmo tempo em que a inovação passa a adquirir papel ainda mais estra-tégico na nova ordem mundial, importantes avanços na compreensão desse processo trazem significativas implicações para políticas. Sete pontos prin-

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cipais resumem os avanços no conhecimento sobre inovação, mais relevan-tes em termos da nova geração de políticas na segunda década do milênio.

1. O papel fundamental conferido à inovação para a agregação de valor aos bens e serviços e para a competitividade sistêmica, dinâmica e du-radoura de organizações, localidades e países. Esse entendimento con-trasta com os denominados processos competitivos espúrios baseados na redução dos salários e na exploração de recursos naturais sem uma perspectiva de sustentabilidade.

2. A inovação não se restringe a processos de mudanças radicais na fron-teira tecnológica, realizados quase que exclusivamente por grandes em-presas através de seus esforços de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Entender a inovação como “processo pelo qual as organizações incorpo-ram conhecimentos na produção de bens e serviços que lhes são novos, independentemente de serem novos, ou não, para os seus competidores domésticos ou estrangeiros”: ajuda a evitar exclusões e distorções da agenda de política e incentiva a adoção de uma perspectiva mais ampla sobre as oportunidades para o aprendizado e a inovação em MPEs e também nos chamados setores tradicionais.

3. A aquisição de conhecimentos, equipamentos e tecnologias desenvol-vidos externamente jamais substitui a relevância da criação de capaci-tações locais. A própria seleção, compra, cópia, incorporação e uso dos mesmos requer significativa capacitação. Dimensão crucial do aprendi-zado relaciona-se à capacidade de colocar em prática os conhecimen-tos e tecnologias adquiridos. Ênfase dada à relevância de uma indústria nacional sólida e dinâmica – a capacidade de gerar e internalizar novos conhecimentos depende diretamente de seu uso.

4. A base do dinamismo e da competitividade das empresas não se restrin-ge a uma única organização ou a um único setor, estando fortemente associada a atividades e capacidades existentes ao longo da cadeia de produção e comercialização, além de envolver uma série de outras ati-vidades e organizações responsáveis pela assimilação, uso e dissemina-ção de conhecimentos e capacitações. A dinâmica inovativa depende das empresas, suas cadeias e complexos produtivos, dos demais atores não econômicos, que compõem os diferentes sistemas produtivos, e dos ambientes onde se inserem.

5. A capacidade produtiva e inovativa de um país ou região – vista como resultado das relações entre os atores econômicos, políticos e sociais – reflete as condições culturais e históricas próprias. Diferentes contextos, sistemas cognitivos e regulatórios e modos de articulação e de apren-dizado levam a formas diferentes de gerar, assimilar, usar e acumular

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conhecimentos e a requerimentos específicos de políticas. Necessidade de contextualização das políticas.

6. As atividades produtivas e inovativas são distintas temporal e espacial-mente e apresentam diferentes requerimentos de políticas. Dinâmicas muito diversificadas podem ser encontradas dentro de um mesmo setor. O conhecimento sobre trajetórias setoriais é muito relevante, mas deve ser complementado pelo entendimento sobre a forma como as empresas se inserem e se articulam com seus sistemas produtivos e os territórios que as hospedam. Além de captar apenas parte dos sistemas produtivos e inovativos, a visão setorial não tem dado conta da constante muta-ção nas fronteiras dos setores. Tanto a produção quanto a inovação são crescentemente influenciadas por conhecimentos multidisciplinares e multissetoriais. Esta consideração é especialmente relevante para países com dimensões continentais como o Brasil.

7. As implicações para políticas do entendimento de inovação como pro-cesso localizado, cumulativo, não linear e sistêmico são significativas e apontam para o imperativo de mobilizar articulações e sinergias visando ampliar as formas de aquisição, uso e difusão de conhecimentos nas es-truturas produtivas; e de desenhar e implementar políticas apropriadas, coordenadas nacionalmente e que contemplem as escalas regional, es-tadual e local, envolvendo e comprometendo atores que operam nesses diferentes níveis.

Aponta-se, por um lado, para o papel dos pesquisadores, planejadores e implementadores de política e para a importância de escolher e usar con-ceitos, indicadores e modelos contextualizados que: ajudem a reduzir os desequilíbrios sociais e regionais; associem desenvolvimento econômico e social; e coloquem em seu centro o apoio a processos de aprendizado e de criação de capacitações produtivas e inovativas. Por outro lado, destaca-se a necessidade de mobilizar propostas e processos locais e não sufocá-los com modelos de apoio ofertistas e pontuais, sem compromisso e que ignoram as necessidades locais.

A análise das políticas para a mobilização de arranjos e sistemas produ-tivos e inovativos mostra que vários resultados positivos foram alcançados. A inclusão de atores, regiões e atividades geralmente excluídos da agenda de políticas e os avanços na articulação de atores foram dois destes, além obviamente do importante processo de aprendizado posto em marcha no País. Conforme argumentado, podemos avançar mais ainda se forem enten-didos os preceitos básicos desta nova abordagem e implementadas ações correspondentes de forma coerente. Para tal mostra-se vital superar os sig-nificativos desafios colocados, os quais se associam, em primeiro lugar, à

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enorme profusão e confusão de terminologias, escalas e conceitos vigente; à ausência de planejamentos integrados e de longo prazo; e à falta de mo-nitoramento e avaliação das políticas; em segundo lugar, aponta-se para a predominância das políticas baseadas em modelos únicos, derivados de casos exemplares, descontextualizados e geralmente formulados segundo uma “lógica administrativa”.178 Tais modelos orientaram as políticas em ge-ral e, em particular, aquelas voltadas à promoção de arranjos produtivos locais principalmente a partir dos anos 1990. Uma tendência desta lógica é a redução da política a uma questão de administração ou gestão; a outra é a ênfase dada a métodos quantitativos, atribuindo aos mesmos uma cienti-ficidade inquestionável, definindo parâmetros padronizados para orientar as políticas e estabelecendo atributos e regras de funcionamento ideais de um APL, tais como sua governança e seus processos de gestão. Nota-se no entanto que os indicadores usados para balizar tais políticas, além de insu-ficientes, geralmente mostraram-se inadequados, enviesados, muitas vezes incompatíveis e constantemente desatualizados.

Finalmente, coloca-se o problema de descontextualização e a necessida-de de superar modelos preestabelecidos baseados na lógica administrativa e que embutem escolhas políticas realizadas a priori e cuja adoção contribui para reforçar desigualdades. O principal desafio colocado é o de desenhar e implementar políticas que mobilizem propostas e processos locais, em vez de ignorá-los e sufocá-los com o uso de modelos pontuais, sem compromis-sos e que desconsideram as necessidades nacionais e locais.

Tendo em consideração o caso brasileiro e a ênfase dada pelas novas políticas para arranjos e sistemas produtivos e inovativos, reitera-se uma recomendação fundamental que já fizemos em textos anteriores: esta ên-fase não deve significar apenas mais uma tentativa de utilização de novos rótulos em velhas práticas,179 visando seguir a moda e obter acesso rápido a apoio financeiro. Em muito avançaremos quando as abordagens analí-ticas e normativas incorporarem de fato, a essência dos conceitos em que se baseiam, ao objetivarem mobilizar o sistema nacional de produção e inovação.

Cabe considerar finalmente o significativo esforço de reflexão que o BN-DES mobilizou, o qual finaliza no primeiro trimestre de 2010, sobre o que tem sido e como pode ser refinada a política de APLs no Brasil. Tal esforço envolvendo mais de 200 pesquisadores em 22 estados brasileiros objetivou: (i) identificar como tem sido usado o conceito de APLs no País; (ii) o que

178. Para detalhes ver Lastres et al., 2010.179. Reinhert e Reinert, 2003 notaram que algumas tentativas de uso do enfoque em sistemas de inovação em nível internacional tanto no âmbito da pesquisa quanto no da política, não passavam de “a thin icing on a solid neo-classical cake”.

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tem sido considerado, mapeado e apoiado como APL nos diferentes estados e o que poderia ser tratado como tal; (iii) revelar quais têm sido os resul-tados positivos e negativos das políticas de apoio a arranjos produtivos; (iv) indicar formas possíveis de aprimoramento das políticas adotadas nos estados e no Brasil.

A principal intenção deste capítulo foi a de sumarizar o enorme o avanço desencadeado nas últimas décadas do século XX na forma de entender o processo de aquisição, uso e difusão de conhecimentos nos sistemas pro-dutivos. Chama-se, no entanto, a atenção que grande parte dos esquemas teóricos utilizados para captar e explicar o processo de inovação, formular indicadores e, mais importante ainda, orientar políticas de inovação e de promoção dos sistemas produtivos e inovativos, baseia-se ainda em conhe-cimentos desatualizados e descontextualizados. Neste sentido, finalizamos o capítulo ressaltando a necessidade de incorporar esse avanço, que em muito ampliou nosso entendimento do processo inovativo e da dinâmica de nossos sistemas produtivos e inovativos locais, regionais e nacionais, nos referenciais conceituais e metodológicos utilizados para compreender, mensurar e orientar tal processo. Esperamos que o capítulo contribua nesta direção.

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Sudene: do desenvolvimento cepalino ao desenvolvimento endógeno

Fernanda Ferrário de Carvalho

“Nem mesmo as mudanças de rumo instituídas pelas forças mais conservadoras do País e da região, a partir de abril de 1964, foram capazes de alterar as bases da cultura do planeja-mento e do trabalho organizado pela mais bem-sucedida das superintendências de Desenvolvimento Regional, instituídas no Brasil. Não dá, porém, para deixar de lado, o fato de as gerações formadas sob o signo do desenvolvimento planeja-do em bases regionais, pela Sudene originária, terem tido de conviver com as formulações que a Superintendência viria a adotar, consoante as diretrizes estabelecidas em Brasília ou fora do Brasil. De fato, depois de 1964, a Sudene foi instada a adotar as concepções do “desenvolvimento rural integrado”, do “desenvolvimento local integrado”, do “desenvolvimento sustentável” e do “desenvolvimento baseado em clusters”. Na realidade, muitos sudeneanos se esforçaram para não se deixar levar pelo mimetismo de tais formulações, construídas segundo leituras envolvidas por embalagens que, de novo, ti-nham apenas a cor e as facetas de suas apresentações formais, do tipo ‘capriche na capa’, que isso vende” (CARVALHO, Ca-dernos do Nordeste).

IntroduçãoO presente artigo tem por objetivo analisar as principais correntes teóricas que influenciaram a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), ao longo de sua existência, na adoção da política de desenvolvi-mento regional no Nordeste brasileiro. Com isso, pretende-se tentar esta-belecer uma “conexão” entre as formulações teóricas que o órgão adotou e as principais transformações, estruturais ou não, por que a região passou, desde a criação da Superintendência.

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Nesse primeiro momento da pesquisa, foram identificados quatro gran-des influências teóricas: a teoria cepalina; os Polos de Desenvolvimento de François Perroux, através da adoção de Complexos Industriais e de polos de desenvolvimento rural integrado; o desenvolvimento sustentável, que sofreu grande influência do Banco Mundial; e por fim as diversas contri-buições teóricas de desenvolvimento local, cujo pressuposto é o desenvol-vimento endógeno.

Seguindo esses momentos, o artigo está estruturado em cinco partes, além dessa breve introdução. No primeiro item, analisa-se o modelo de-senvolvimentista e a influência cepalina nos primeiros anos de atuação da Sudene. No segundo item, procura-se compreender a importância dos incentivos e a disseminação dos polos de desenvolvimento na economia nordestina, dentro do contexto dos Planos de Desenvolvimento do período autoritário. No terceiro item, faz-se uma retrospectiva de como a Sudene de certa forma “abandona” o paradigma desenvolvimentista para assumir “o novo paradigma do desenvolvimento sustentável”. No quarto item, é anali-sada a importância do “local” e do desenvolvimento endógeno. Por fim, são feitas algumas considerações finais.

1. O modelo desenvolvimentista e a infl uência cepalina nos primeiros anos de atuação da SudeneEm meados da década de 1950, o Nordeste era um “turbilhão efervescente”, e as pressões e os movimentos sociais estavam eclodindo com muita força na região. Diante disso, o governo federal criou, em 1956, o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) (que resultou na criação da Sudene, em 1959), “encarregado de identificar os principais problemas da região, as oportunidades para superá-los, e os mecanismos mais eficazes para desenvolver econômica e socialmente a região” (CARVALHO, 2001).

O GTDN continha uma abordagem histórica e foi um marco no enfren-tamento do problema regional no Brasil, ao mostrar, pela primeira vez, que os recursos naturais não eram os únicos fatores sobre os quais as ações governamentais deveriam agir. As suas propostas visaram, sobretudo, à res-truturação econômica e social da região.

Com a utilização do método de análise desenvolvido pela Cepal, o GTDN tenta reproduzir as teses cepalinas em uma espécie de “moldura nordesti-na” (OLIVEIRA, 1981). “Nesse sentido, haveria, entre o Nordeste e o Cen-tro-Sul, uma relação típica entre centro (produtor de bens industrializados) e periferia (produtora de matérias-primas). Tal relação estaria baseada em uma deterioração dos termos de troca entre as regiões, o que significava

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que o poder de compra da região mais atrasada era cada vez menor em relação ao da moderna”180 (CARVALHO, 2001).

Para tirar a região da estagnação em que se encontrava, o GTDN apon-tava como condição sine qua non a necessidade de profunda transformação agrária e agrícola, além da industrialização. O desenvolvimento só seria factível mediante a diversificação da produção interna, ou seja, por meio da industrialização. Como assinala o documento,

“Nestas condições, a única forma de incrementar, com segu-rança, o nível de renda da região seria desenvolver outras ati-vidades, especialmente a industrialização” (GTDN, 1959).

O GTDN pretendia “criar no Nordeste um centro autônomo de expansão manufatureira”. Em tese, sua proposta era transpor os marcos da região em uma política de industrialização assentada, marcadamente, na substituição regional de importações. Diante disso, a “nova” industrialização preconiza-da para a região deveria ter um caráter autônomo e, predominantemente, de base regionalista (ALMEIDA; ARAÚJO, 2004).

Segundo Celso Furtado, o esquema cepalino sobre a divisão internacio-nal do trabalho era reproduzido em escala intraregional. Ou seja, a consti-tuição de um centro industrial no Sudeste, a partir da primeira metade do século XX, reproduzia o mesmo padrão de relacionamento que dera origem às nações industrializadas e outras fornecedoras de insumos e matérias-primas. Assim, a existência de centros industriais tenderiam a inibir a di-versificação das economias estruturadas na produção e comercialização de produtos primários, pois as relações entre estas duas economias “tendem sempre a formas de exploração”. Em outras palavras, a trajetória do proces-so de desenvolvimento seria configurada por relações espoliativas entre os estados mais industrializados e o restante do País.

Verifica-se, com isso, que o discurso hegemônico sobre o qual girou a polêmica regional nesse período não se deu através de uma argumentação “original”, mas, antes, por uma forte “internalização” da discussão sobre as relações internacionais.

180. Com relação a esse ponto, Cano (1985:18-19) faz uma importante crítica. Segundo o autor, “a concepção ‘Centro-periferia’ só é válida quando aplicada ao relacionamento entre estados-nações politicamente independentes, e não entre regiões de uma mesma nação, onde a diferenciação de fronteiras internas não pode ser formalizada por medidas discriminatórias de política cambial, tarifária e outras, salvo aquelas relacionadas às chamadas políticas de incentivos regionais”. Nesse sentido, o GTDN se equivoca ao tentar transpor para os marcos da região Nordeste uma política cepalina de industrialização orientada para a substituição de importações no marco nacional, “tentando compensar, precariamente, através de incentivos fiscais, a inexistência de fronteiras políticas regionais lastreadas por dispositivos alfandegários ou fiscais protecionistas ao Nordeste” (CANO, 1985:21).

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Em uma época onde se generalizavam as teses de vinculação da questão do subdesenvolvimento ao imperialismo e de predominância da economia agrária sobre a industrial, não foi muito difícil a transposição do discurso cepalino como eixo explicativo dos desequilíbrios regionais. As análises que balizaram a discussão internacional da deterioração das relações de troca foram tomadas, em muitos aspectos, como enfoques que permitiam o en-tendimento das relações entre “economias industrializadas” e “economias agrícolas” como relações colonialistas (teoria de “imperialismo sanguessu-ga”). Segundo Diniz Filho e Bessa (2006),

não seria exagero afirmar que a ideia de planejamento regio-nal herdado da fase pré-64 é construída em função da assi-milação in loco da teoria cepalina do subdesenvolvimento. O enfoque centrado no binômio intervenção estatal/ indústria preconizado nas diretrizes de criação da Sudene é exemplar neste sentido, dado que estas recomendavam o desenvolvi-mento industrial como forma de garantir o crescimento regio-nal sem comprometer a autonomia dos estados nordestinos no processo de integração da região no mercado nacional.

No âmbito político, esse processo reforça o papel do Estado como agente capaz de produzir instrumentos de intervenção e o consolida como instân-cia de decisão em que se objetivam políticas antes realizadas no âmbito estritamente regional (DINIZ FILHO; BESSA, 2006).

Com o advento do golpe militar, a Sudene sofreu uma forte intervenção e um redirecionamento de suas diretrizes. A partir daí, os governos mili-tares trataram de tirar a relativa autonomia e legitimidade da Sudene e transferiram investimentos para outras atividades econômicas e para outras regiões do País, esvaziando completamente a força coordenadora da agên-cia de desenvolvimento do Nordeste. Segundo Lyra:

“A repressão no Nordeste foi muito forte, obrigando a muitos profissionais jovens que estavam trabalhando em prol do de-senvolvimento regional a se deslocarem para outras regiões do País e para o exterior. Isso trouxe consequências negativas para o futuro da região, porque a Sudene vinha produzindo uma verdadeira revolução administrativa no Nordeste. A par-tir do golpe, a Sudene nunca chegou a se recuperar inteira-mente. Os militares não foram capazes de conceber uma nova estratégia para o desenvolvimento regional, nem sequer de implementar adequadamente a que havia sido desenhada por Celso Furtado. Não obstante, a Sudene foi uma ideia tão forte

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que, mesmo assim, ainda cumpriu por vários anos papel im-portante na industrialização da região” (LYRA, 2007).

“...os militares, após a vitória do golpe não levaram adiante as propostas originais da Sudene e desencadearam um processo violento de repressão contra seus servidores mais qualifica-dos, considerados subversivos. Perdeu-se a perspectiva de um desenvolvimento integral da região, no plano programático. Muitos técnicos foram submetidos a um verdadeiro tribunal de guerra, instalado no âmbito da Sudene. Os que se salva-ram dessa primeira investida foram progressivamente sendo afastados, ou afastaram-se espontaneamente, uns para o setor privado, outros deixaram a região e mesmo o País. A falta de rumo da Sudene a transformou num mero balcão de conces-são de incentivos fiscais ao investimento de empresas, descon-siderando a necessidade de elevar a competitividade sistêmica da economia regional. Disto resultaram duas consequências negativas: muitos empreendimentos privados fracassaram, com notório desperdício de recursos, e foram progressivamen-te minguando as oportunidades de investimentos rentáveis” (LYRA, 2007).

Cabe salientar, por fim, que a maior crítica que se faz ainda hoje em re-lação à visão industrializante (com vistas a criar um centro manufatureiro autônomo), oriunda do GTDN e defendida pela Sudne, é não ter percebido que as possibilidades de implementação de um modelo de industrialização no Nordeste naqueles moldes, dentro de um contexto de crescente inserção da economia brasileira na economia capitalista mundial, eram bastante re-motas, senão impossíveis. A esse respeito afirma Cano (2000, p. 113-114):

“[...] essa concepção industrializante do GTDN pode ser criti-cada por não se ter dado conta de que a industrialização que se processava no País, a partir de meados da década de 1950, já não guardava as mesmas relações que predominaram no processo até então desenvolvido por substituição de impor-tações”.

2. Os incentivos e os polos de desenvolvimentoNo início dos anos 1970, uma nova estratégia de desenvolvimento foi ela-borada, e o papel da Sudene foi redefinido, com a perda de sua autonomia relativa para formular as políticas de desenvolvimento regional. A partir

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de 1972, a estratégia de desenvolvimento regional brasileiro passou a ficar atrelada à estratégia dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs), que tinha por base a criação de condições para a intensificação do processo de integração inter-regional, através do Plano de Integração Nacional (PIN), e do Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agropecuária do Norte-Nordeste (Proterra).181

Essas mudanças começaram a se conformar no I PND (1972-1974), que representou uma mudança na concepção do papel da agricultura no desen-volvimento econômico do País, com reflexos diretos sobre a questão agrá-ria. Isso se deveu ao abandono da ideia de se resolver o “problema agrário” e à substituição da estratégia de desenvolvimento regional global por uma estratégia de polos de desenvolvimento182 (VIEIRA, s./d.).

Em meados da década de 1970, o quadro apresentado pela economia nordestina era bastante diverso daquele dos anos 1960, quando os incenti-vos fiscais foram instituídos. O Nordeste, agora atrelado economicamente às áreas mais industrializadas do País, dando continuidade a um processo que iniciara no início da década de 1960, passa a acompanhar o dinamismo do restante da economia brasileira.183

A fase do auge do “Milagre Econômico” (1967-1973) chegara ao fim. Os setores que haviam impulsionado o crescimento já haviam perdido fôlego, acarretando, assim, o arrefecimento da atividade econômica. O cenário in-ternacional, por sua vez, era bem mais preocupante: havia eclodido o pri-meiro choque do petróleo, e a economia mundial sofria suas consequências (CARVALHO, 2001).

É nesse contexto que se dá início à passagem para uma nova fase da eco-nomia regional, principalmente com o surgimento do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), de 1974. O II PND tinha como principal objetivo completar a matriz industrial (intersetorial) do País e diminuir a dependên-cia externa, além de possibilitar uma maior complementaridade inter-re-gional. Em relação ao Nordeste, uma característica marcante do II PND é a visão de industrialização diferente do GTDN. Enquanto o GTDN, dentro da visão Cepalina, propunha o fechamento do elo produtivo, com a produção,

181. O objetivo desse Programa era favorecer o deslocamento dos “excedentes” populacionais, especialmente nordestinos, para a nova fronteira agrícola localizada no Norte e no Centro-Oeste, com vistas a diminuir as pressões decorrentes da grande concentração de terras na região, para preservar a secular estrutura fundiária do Nordeste.182. A estrutura fundiária deixa de ser apresentada como um dos gargalos do processo de desenvolvimento nacional, abolindo-se a reforma agrária como elemento estratégico das polí-ticas de desenvolvimento.183. É a fase em que o processo de “Integração Produtiva” se completa, e vão deixando de existir economias regionais, para surgirem economias nacionais regionalmente localizadas (OLIVEIRA, 1981; ARAÚJO, 1995a).

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inclusive, de bens de capital na região, o II PND procura integrar o Nordeste à base produtiva nacional, ou seja, procura a complementaridade da econo-mia local à economia do País. Uma de suas preocupações era incrementar o crescimento do produto nacional e regional, mas aproveitando os tipos específicos de produto que a região pudesse oferecer. A região, dessa forma, deixa de ser vista como elemento autônomo, e passa a ser encarada como parte integrante à economia nacional (CARVALHO, 2001).

Em nível regional, o II PND, que trazia embutido dentro de si a ideologia do “Brasil Potência”, inseriu alguns princípios que visavam à maior integra-ção dos diversos espaços regionais. Assim, o referido plano estabeleceria dois elementos novos à estratégia de intervenção do Estado no Nordeste: da perspectiva agrícola, foram criado os Programas Especiais, voltados para o desenvolvimento rural integrado de áreas selecionadas, cujo objetivo maior era a transformação da agropecuária nordestina nos moldes de uma mo-dernização conservadora; e, da perspectiva industrial, seria estimulada a instalação de Complexos Industriais na região,184 cuja ideia ganhara força no Brasil na segunda metade dos anos 1960.

Com relação aos Programas Especiais, foram concebidos de forma cen-tralizada, fora do âmbito do planejamento regional, que tinha como ór-gão coordenador a Sudene, o que reflete o aumento do poder central e a crescente marginalização da Sudene nos processos de decisão. Eviden-ciam, também, a tendência a tratar as questões do Nordeste a partir da agropecuá ria (TAVARES, 1989).

Esses Programas Especiais contemplavam inúmeras áreas periféricas do território nacional. Ou seja, enquadram-se na nova estratégia de ação do governo federal com respeito às “questões regionais” do País, as quais en-fatizavam a necessidade de promover o processo de integração econômica e social do espaço brasileiro, e não mais a redução das desigualdades re-gionais.

No Nordeste, os principais foram o Programa de Áreas Integradas do Nordeste (PoloNordeste) e o Programa Especial de Apoio ao Desenvolvi-mento da Região Semiárida do Nordeste (Programa Sertanejo), ambos re-cebedores de recursos do Proterra. O Projeto Sertanejo tinha por objetivo estimular o desenvolvimento das áreas secas do Nordeste. Quanto ao Polo-nordeste,

“esse projeto é a expressão mais bem acabada da nova estraté-gia de desenvolvimento regional, pois se volta para a concen-

184. Uma vez que o II PND projetava o crescimento industrial baseado nos setores de insumos básicos e de bens de capital, os grandes complexos regionais, nacionalmente integrados, pas-sam a ter um papel destacado.

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tração dos investimentos em determinados espaços considera-dos estratégicos (VALLE, 1977), expressando uma estratégia de criação de “polos de desenvolvimento” regionalmente arti-culados” (VIEIRA, s./d.).

Da perspectiva industrial, a ideia de se utilizar Complexos Industriais como um instrumento de desenvolvimento econômico do Nordeste coadu-nava-se, em primeiro plano, com os objetivos estratégicos em nível nacio-nal, de expansão industrial do País. A região passa a desempenhar de forma mais efetiva um importante papel na cadeia produtiva do País, ou seja, a especialização na produção de bens intermediários (petroquímica, química, metalúrgica, borracha, plásticos etc.), que de um lado asseguraria a pro-dução de excedentes exportáveis e, de outro, reforçaria a base do sistema industrial brasileiro.

No plano regional, além de representarem um objetivo implícito de des-concentração industrial, a concepção dos Polos ou Complexos Industriais também significou a possibilidade de maiores externalidades e efeitos mul-tiplicadores para a economia regional.

À concepção da implantação de Complexos Industriais se somaria uma reformulação no sistema de incentivos fiscais, que culminou na criação, em 1974, do Sistema Finor, cuja lógica de funcionamento se revelaria muito mais ao alcance das grandes empresas. Tal reformulação tinha embutida em si uma forte correlação com a estratégia dos complexos industriais.

Contrariando as proposições do GTDN, a rigor desde meados da déca-da de 1960 a política de industrialização do Nordeste vinha privilegiando os grandes compartimentos industriais. Essa tendência agudizou-se ain-da mais com a implantação, a partir da década de 1970, de complexos industriais no Nordeste, como: o Complexo Petroquímico de Camaçari; o Complexo Industrial Integrado de Base de Sergipe; o Polo Cloroquímico de Alagoas; o Complexo Químico-Metalúrgico do Rio Grande do Norte; o III Polo Industrial do Nordeste; o Polo Mínero-metalúrgico do Maranhão, além do Complexo Industrial Portuário de Suape (Pernambuco), do Polo Têxtil e de Confecções de Fortaleza (Ceará), do Complexo Agroindustrial do Médio São Francisco (Petrolina/Juazeiro) e do Polo de Fruticultura Irrigada do Vale do Açu (Rio Grande do Norte).

A concepção adotada a partir da década de 1970 tinha como pano de fundo a teoria dos polos de desenvolvimento, originalmente elaborada por François Perroux, na década de 1950. De acordo com a citada teoria, a eco-nomia capitalista tenderia a produzir polos que se constituiriam a partir da localização de indústrias em um determinado espaço econômico, as quais desempenhariam uma força centrípeta na atração de novos investimentos

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(PERROUX, 1974). Esses polos estabeleceriam relações com outros espaços polarizados mediante a estruturação de sistemas de transportes e comuni-cações, estruturando “eixos” de desenvolvimento. Com isso, procurava-se, por meio dos investimentos nas áreas delimitadas, produzir efeitos irradia-dores na economia regional.

Do ponto de vista teórico, acreditava-se que o desenvolvimento de re-giões menos desenvolvidas seria possível de ser obtido com a implantação de empreendimentos de grande porte, que ancorassem o desenvolvimento posterior de uma cadeia produtiva mais ampla e adensada. Para a atração desses investimentos preconizava-se a concessão de benefícios fiscais (como foi o caso do Finor no Nordeste) (SICSÚ; LIMA; SILVA, s./d.).

Os polos de desenvolvimento lograram alcançar expressivos níveis de crescimento de produtividade e incremento tecnológico, mas os efeitos pro-pagadores esperados para o restante da economia regional pouco se fize-ram sentir. Ao contrário, as desigualdades espaciais foram mantidas e, em muitos casos, até aprofundadas, e agravou-se a concentração de renda.

Não obstante o fator indutor dos investimentos no Nordeste ter sido, em princípio, determinado pela volumosa cesta de benefícios concedidos ao capital, as decisões de continuar investindo na região foram mudando gra-dualmente, passando a ser definidas em função das novas alternativas que surgiam com o desenvolvimento do processo de acumulação de capital nos distintos setores dos vários espaços regionais (ALMEIDA; ARAÚJO, 2004).

Nesse processo, a industrialização do Nordeste, antes programada para ser funcional ao mercado regional, inverteu-se completamente, passando a ter concatenação direta com o sistema nacional. Segundo Moreira (1979, p. 84),

“a industrialização perde seu caráter originalmente proposto, como elemento de uma estratégia mais ampla e integrada de desenvolvimento regional, passando o Nordeste a funcionar como área de expansão, sobretudo da inversão de grandes empresas, numa conjuntura [...] de busca de novas formas para a [...] acumulação de capital”.

Nessa perspectiva, ressalta Araújo (1992, p. 5) que “a proposta inicial da Sudene de constituição de um ‘centro autônomo de expansão manufa-tureira’ não foi implementada e ficou definitivamente inviabilizada nesse novo contexto”.

Diante disso, ocorreu a “homogeneização” dos subespaços regionais pelo capital monopolista em expansão, no sentido de estabelecer o domínio sobre os mercados periféricos, bem como sobre a exploração de determina-

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das fontes de recursos naturais existentes nessas áreas, ou mesmo para tirar proveito de algumas vantagens locacionais que lhes permitissem obter altas taxas de lucro (ALMEIDA; ARAÚJO, 2004).

Em essência, quando se analisa a evolução e o aperfeiçoamento da le-gislação do sistema de incentivos no Nordeste, constata-se que ocorreu um “desvio” desse mecanismo, no sentido de se transformar cada vez mais num instrumento de indução intencional de capitalização de grandes empresas privadas, notadamente para as empresas do Sudeste do País (ALMEIDA; ARAÚJO, 2004).

Nesse sentido, a Sudene se evidenciaria como instrumento da “naciona-lização do capital”, à medida que se generalizava no Nordeste uma forma de reprodução originariamente estruturada no Sudeste. Assim, a Sudene – inicialmente concebida tendo como um de seus propósitos criar condições de desenvolvimento “autônomo” baseadas no desenvolvimento de uma in-dustrialização regional – transforma-se, contraditoriamente, em um meca-nismo de destruição acelerada da própria “economia regional” nordestina, no contexto do movimento de integração mais amplo (OLIVEIRA, 1977; DINIZ FILHO; BESSA, 2006).

Os desdobramentos da política implantada pela Sudene no período de regulação autoritária consolidaram o processo de integração daquela área ao restante do País. A presença de empresas estatais na montagem de im-portantes parques industriais e o afluxo de investimentos privados origina-dos do Centro-Sul, atraídos pelos ganhos garantidos mediante incentivos fiscais, incidiram de forma decisiva no processo de modernização regional imposto pelo regime militar (DINIZ FILHO; BESSA, 2006).

Embora tenham tido resultados concretos em termos de ampliação da estrutura produtiva, essas experiências têm sido alvo de muitas críticas, principalmente devido aos altos custos, e aos benefícios insuficientes em termos sociais e mesmo econômicos. Isso porque os ganhos registrados não foram maximizados, em parte pela falta de uma estratégia mais bem apri-morada de definição de prioridades com base no adensamento de cadeias produtivas, ou de foco em determinados segmentos industriais mais utiliza-dores de mão de obra e de outros recursos com maior abundância relativa nessas regiões. Além disso, a falta de uma estratégia mais bem-definida de desenvolvimento tecnológico levou à dependência de tecnologias importa-das e um baixo dinamismo.

Em boa parte em função desses resultados insatisfatórios e também em virtude de mudanças nos métodos e processos produtivos observados, como em algumas regiões da Terceira Itália, o planejamento do desenvolvimento econômico vem passando por uma reorientação em termos de objetivos,

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mas também de métodos. Nesse sentido, tem incorporado mais intensa-mente as instâncias locais e as atividades de menor escala. Isso reflete também uma maior democratização das sociedades capitalistas, inclusive das chamadas de industrialização retardatária. Com isso diferentes atores sociais passaram a ter um pouco mais de acesso aos níveis decisórios, até mesmo por conta da reorientação dos estados nacionais e da descentraliza-ção do poder da instância federal para as estaduais e municipais (SICSÚ; LIMA; SILVA, s./d.).

Não se pode negar que houve avanços e desenvolvimento, ainda que restrito, mas os seus frutos foram altamente concentrados, dependentes de uma forte participação estatal e com uma grande exclusão social. Não houve o “natural” espraiamento dos frutos do progresso que se esperava automático, segundo a teoria dos Polos de Desenvolvimento (SICSÚ; LIMA; SILVA, s./d.).

Como diretriz de desenvolvimento do Estado, o discurso regional de extração cepalina tornou-se hegemônico até meados da década de 1960, quando as forças militares reequacionaram a discussão territorial no País com a adoção de políticas de desenvolvimento regional assentadas nos preceitos da “ciência regional”. Então, rapidamente foram difundidos pro-gramas voltados para a difusão do desenvolvimento em torno dos centros dinâmicos do País e seus “polos de desenvolvimento” (COSTA, 1988). Pressupondo que as economias regionais não possuíam motivações inter-nas capazes de promover a diversificação de suas estruturas produtivas, as inovações industriais do Centro-Sul agiriam favoravelmente no processo de crescimento econômico em todo o País. Como um grande mercado con-sumidor de insumos e alimentos, os estados de industrialização mais avan-çados assegurariam uma condição estável para o crescimento das regiões onde fossem capazes de capitanear os benefícios advindos das relações de complementaridade (DINIZ FILHO; BESSA, 2006).

Neste sentido, em contraste com a teoria cepalina, a perspectiva da “ci-ência regional” aceitava a diferenciação centro-periferia como uma mani-festação natural do desenvolvimento (CORREA, 1986).

As políticas de desenvolvimento deveriam orientar uma diferenciação hierarquizada do processo de integração nacional, não constando da agen-da do Estado a superação das disparidades proporcionadas pelo desenvol-vimento desigual, mas antes orientar o fortalecimento da articulação inter-regional do mercado interno. Nessa ótica, o processo de integração passa a ser equacionado através de projetos de ampliação das fronteiras econômicas internas, passando ao largo da preocupação redistributiva do regionalismo da década de 1950 e dos discursos que apontavam planos de confronto en-

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tre o Centro-Sul e o Nordeste. Aqui, a região é menos uma identidade bus-cada no confronto de forças sociais determinadas dentro de um campo de luta ideológica ricamente politizado, do que um espaço geográfico reificado pela tecnocracia estatal dentro das novas diretrizes impostas pelos órgãos de planejamento no País e na construção do “Brasil Potência”. No fundo, com o estreitamento do campo democrático, a despolitização da “questão regional” tem como base a negação dos pressupostos políticos da discus-são cepalina, buscando pontuar o processo de integração que passa pela separação da “questão das disparidades regionais”, da “questão regional” e da “questão nordestina” em esferas de discussão bastante diferenciadas (DINIZ FILHO; BESSA, 2006).

3. O paradigma do desenvolvimento sustentávelNo final da década de 1970, emerge nos países desenvolvidos o debate so-bre a “crise ambiental”, que sofreu fortes influências de um contexto marca-do pela crise do fordismo e pela crítica ao Estado intervencionista. Assim, a “crise ambiental” se desenrola como uma crise da ideia de desenvolvimento que, por sua vez, está intimamente relacionada com a crise das ideias in-tervencionistas, e consubstancia o centro das críticas liberais que ressurgem nesse momento (VIEIRA, 2003).

A crítica da ideia de desenvolvimento tem origem em um modelo co-mum a todos os países desenvolvidos: a industrialização. O acelerado de-senvolvimento industrial por que os países, principalmente desenvolvidos, passaram proporcionou inúmeros impactos, tanto sociais quanto políticos, a exemplo do grande aumento de produtividade do trabalho humano, do aumento da produção, do rebaixamento do valor e dos preços das mercado-rias, e da ampliação do consumo, com a formação de um mercado mundial e uma expansão da produção e do consumo de matérias-primas cada vez maiores.

Tais fatos, ao lado da crise do modelo fordista e da ascensão das ideias liberais, tornaram cada vez mais evidentes uma verdadeira “catástrofe am-biental”, e colocaram em dúvida a capacidade de reprodução do capitalis-mo como modo de produção e de sociabilidade humana no futuro. Mais do que nunca se percebeu que grande parte dos recursos naturais são esgotá-veis, e que os que são renováveis não conseguem ser repostos na velocidade necessária para acompanhar o consumo desenfreado, especialmente nos países ricos.

Diante disso, as respostas dadas pelo capital “global” foram o “consenso liberal” e a crítica radical das políticas de regulação econômica. Para os paí-

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ses periféricos do capitalismo mundial, isso significou a perda de autonomia quanto à formulação de suas próprias estratégias de desenvolvimento, ou seja, a transferência das decisões sobre as políticas econômicas do Estado nacional para instâncias externas, especialmente financeiras. No Brasil, a consequência mais imediata foi a crise do Estado desenvolvimentista, cujo modelo de desenvolvimento modernizara a economia e a sociedade brasi-leiras (VIEIRA, 2003).

Como consequência, verifica-se, também no Nordeste, uma mudança no paradigma de desenvolvimento regional, que até então seguia o modelo desenvolvimentista. Em seu lugar, surge o que tem sido chamado de “novo paradigma de desenvolvimento sustentável”.

Essa mudança de paradigma deu-se nos primeiros anos da década de 1990, principalmente a partir da elaboração do Projeto Áridas, e está as-sociada à nova estratégia de liberalização e desregulamentação econômica dos governos dos países desenvolvidos. Essa nova estratégia foi colocada em prática, no campo político, por meio dos organismos internacionais (como a ONU), no campo do financiamento, pelos de organismos financei-ros (como o Banco Mundial), e no campo econômico, mediante a ação das grandes corporações econômicas internacionais e do grande capital rentista (VIEIRA, 2003).

Tal estratégia coaduna-se com as exigências de ajustamento da estrutura e das políticas do Estado, cuja implicação mais significativa é a perda da capacidade do Estado de atuar como agente político e econômico contra as contradições engendradas pelo livre-mercado. Uma de suas consequências mais imediatas foi o abandono progressivo das políticas de industrializa-ção e modernização que marcaram a ação do Estado, no Nordeste, desde a década de 1960, através das políticas de desenvolvimento industrial da Sudene (VIEIRA, 2003).

Nesse processo, o Banco Mundial e seu discurso de combate à pobreza tiveram grande influência. Segundo o Banco Mundial, a pobreza era a prin-cipal geradora da degradação ambiental, configurando-se como a principal variável que explica o crescimento dos problemas ambientais.

Nos relatórios de 1990 e 1992, conjugaram-se dois pontos centrais que foram o fundamento da estratégia de desenvolvimento proposta pelo Banco Mundial para os países “em desenvolvimento”, e que determinaram a lógica dos programas financiados pelo BIRD a partir da década de 1990: combate à pobreza e desenvolvimento local. Ou seja, a relação entre sustentabilidade ambiental e desenvolvimento só pode se realizar pelo combate à pobreza. Ressalte-se, ainda, que o elemento central da estratégia de desenvolvimento sustentável é a participação das comunidades locais. Não é à toa, portanto,

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que o combate à pobreza e o desenvolvimento local aparecem como partes essenciais do conceito de desenvolvimento sustentável.185

No Nordeste, três iniciativas devem ser destacadas. No início dos anos 1980, foi criado o Programa de Desenvolvimento Rural do Nordeste, que gerou, em 1985, o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural do Nor-deste (PAPP), o qual tinha como preocupação “diminuir o grau de pobreza” na zona rural (SUDENE, 1990, p. 2), ainda se enquadrando, pelo menos até 1993, na categoria de programa de desenvolvimento rural. Depois, foi redefinido no âmbito da nova estratégia centrada nas duas linhas mestras das políticas do BIRD hoje: “desenvolvimento comunitário e alívio à pobre-za” (VIEIRA, s./d.).

Em 1991, foi criada, no Congresso Nacional, a Comissão Especial Mista sobre “Desequilíbrio econômico inter-regional brasileiro”, cujo objetivo foi fazer um balanço das ações do Estado no desenvolvimento regional e pro-por ações que superassem os “desequilíbrios” regionais. Essa comissão pro-duziu um relatório cujas conclusões gerais apontavam para a necessidade de uma reorientação estratégica para o desenvolvimento regional. Segundo Vieira,

o relatório, entre outras coisas, analisou as causas dos “dese-quilíbrios” regionais no Brasil e propôs, como saída, a supe-ração das noções tradicionais de desenvolvimento regional, influenciadas ainda àquela época pela visão do GTDN, e a adoção de um novo modelo orientado pelas novas concepções de desenvolvimento que estavam em pleno amadurecimento e que atendiam pelo nome de “desenvolvimento sustentável”. O documento incorpora as críticas às políticas desenvolvimen-tistas, esboçando uma concepção de Estado e de regulação econômica de nítida ascendência neoliberal, ao defender a aplicação de medidas como ajuste fiscal, abertura externa, desregulamentação da economia, desestatização, além da descentralização e da “delegação de competências” à socieda-de (BRASIL, 1993, p. 32-33) (VIEIRA, s./d.).

Em 1993, veio a público o “Projeto Áridas”, cuja missão era “elaborar” um novo modelo de desenvolvimento para o Nordeste. Para o “Projeto

185. A conjuntura da década de 1980 foi marcada pela crise da dívida, pelo consequente esgotamento do Estado desenvolvimentista no Brasil, por forte crise econômica e descontrole inflacionário. Devido às limitações financeiras causadas pelo comprometimento fiscal com o pagamento dos serviços da dívida, os financiamentos de organismos como o Banco Mundial acabaram constituindo uma necessidade para a preservação do modelo que estava sendo ges-tado. A presença das agências de financiamento externo (BIRD e BID) nas políticas de desen-volvimento no Nordeste, desde então, tornou-se cada vez maior, especialmente a partir do início da década de 1990 (VIEIRA, s./d.).

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Áridas”, um dos pontos que distinguem o novo modelo (desenvolvimento sustentável) do anterior (desenvolvimentista) diz respeito à compreensão do desenvolvimento como um “processo global”, em contraponto à visão desenvolvimentista, que era economicista e exclusivamente voltada para o crescimento econômico.

Para o “Projeto Áridas”, o combate à pobreza e a participação da so-ciedade justificam a própria elaboração da nova estratégia, que pressupõe uma integração das ações políticas, da gestão e do controle social e exige uma adequação institucional.

É nesse contexto de redefinições estratégicas que se verifica uma ade-são generalizada, por parte dos governos estaduais nordestinos, ao novo paradigma de desenvolvimento, a partir de 1995, com a adoção de planos estaduais de desenvolvimento sustentável (que seguem o modelo proposto pelo Projeto Áridas e que têm, no combate à pobreza, o objetivo justificador de toda a política de desenvolvimento) (VIEIRA, s./d.).

A partir de então, a Sudene, que fora uma das diversas instituições que trabalhar na elaboração do Projeto Áridas, passa a adotar o paradigma do desenvolvimento sustentável, não apenas no sentido “ambiental”, mas tam-bém no sentido da “sustentabilidade”.

4. A importância do “local” e o desenvolvimento endógenoNa tentativa de se obter um processo menos excludente e com maior inter-nalização dos seus frutos, e diante da crise fiscal e do surgimento de novas estratégias observadas em alguns países, no início dos anos 1990 começa-ram a surgir no Brasil novas concepções teóricas aplicadas ao planejamento regional.

Nesse processo, inúmeros argumentos favoráveis à adoção de políticas de desenvolvimento endógeno e sistemas de formulação participativos surgiram, em oposição aos modelos de desenvolvimento “de cima para baixo” adotados no auge do processo de industrialização nacional (UDERMAN, 2008).

Segundo Amaral Filho (1999), desenvolvimento regional endógeno186 pode ser entendido como um processo interno de ampliação contínua da ca-pacidade de agregação de valor sobre a produção, bem como da capacidade de absorção da região, cujo desdobramento é a retenção do excedente eco-nômico gerado na economia local e/ou a atração de excedentes provenientes de outras regiões, e consequentemente a ampliação do emprego, do produto

186. Na teoria macroeconômica, o conceito de desenvolvimento endógeno está associado ao surgimento da teoria do crescimento endógeno, que passa a utilizar o axioma dos rendimentos crescentes.

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e da renda do local ou da região. O diferencial desse processo está no fato de que passa a ser estruturado pelos próprios atores locais, e não mais pelo pla-nejamento centralizado; assim, a base de decisões autônomas por parte dos atores locais amplia-se. Ainda de acordo com Amaral Filho (1999):

o desenvolvimento endógeno deve ser entendido, antes de tudo, como um processo de transformação, fortalecimento e qualificação das estruturas internas de uma região. Isto deve ser processado no sentido de criar um ambiente ótimo e atra-tivo para capturar e consolidar um desenvolvimento original-mente local e/ou permitir as atração e localização de novas atividades econômicas numa perspectiva de economia aberta e de sustentabilidade.

Na década de 1990, o conceito de capital social passava a permear o discurso de organismos internacionais, governos e organizações não gover-namentais. Assim, com base em inúmeras pesquisas (a exemplo da Terceira Itália e do Silicon Valley), recomendações e propostas de políticas públicas dirigidas para o fortalecimento institucional, para a qualificação de pessoal e para a formação de redes, clusters, Sistemas Locais de Inovação e Arranjos Produtivos Locais passaram a ocupar um destaque crescente nas agendas de desenvolvimento regional.187

Nesse contexto, o Estado passa a desempenhar uma nova função, pas-sando à condição de mobilizador de capital social e criador de bases institu-cionais para a mobilização das iniciativas coletivas (UDERMAN, 2008).

A Sudene, que já incorporara o conceito de desenvolvimento sustentá-vel, passa, então, a valorizar mais os fatores endógenos do desenvolvimen-to. Sua primeira grande experiência nesse sentido foi o Programa Regional de Desenvolvimento Local e Sustentável, implantado juntamente com o PNUD. O referido programa tinha por objetivo reduzir as desigualdades regionais através do estímulo a políticas de desenvolvimento local e da am-pliação de oportunidades de trabalho e renda. Na primeira fase, 33 municí-pios foram atendidos pelo Projeto Piloto, nos 11 estados da área de atuação da Sudene. O critério principal para a seleção dos municípios que serviriam de piloto foi o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Os municípios, por estado, com menores IDH seriam escolhidos. Um critério secundário foi o bom desempenho conseguido pelos municípios no Programa Federal de Combate aos Efeitos da Seca.

187. Essa visão é incorporada por diversas instâncias públicas e instituições preocupadas com o tema do desenvolvimento, a exemplo do Banco Mundial, do BID e da ONU.

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O Programa Regional de Desenvolvimento Local e Sustentável, consi-derado uma inovação na região e nas políticas implantadas pela Sudene, utilizou uma metodologia baseada no desenvolvimento local sustentável, identificando as potencialidades de cada município e investindo em expe-riências bem-sucedidas de geração de emprego e renda. Para a Sudene e o PNUD, a participação da comunidade, por meio de organizações sociais, sindicatos e cooperativas, foi considerada essencial para seu pleno desen-volvimento (CARVALHO, 2001).

Em relação à questão industrial, passa-se a argumentar que concentra-ções geográficas de empresas relacionadas potencializariam a geração de externalidades provenientes da maior possibilidade de cooperação, redução dos custos de transação, compartilhamento de experiências e difusão de inovações tecnológicas e organizacionais.

A problemática industrial, que se manifesta nas propostas de fortaleci-mento de empresas de menor porte e no estímulo ao desenvolvimento de clusters, APLs e redes de empresas, perde a primazia como instrumento de apoio ao desenvolvimento regional, surgindo envolta nos processos de for-talecimento do potencial endógeno. O foco da ação do Estado desloca-se do estímulo à constituição de um polo de produção capaz de desencadear um processo expansivo, para a criação de um entorno atraente à maior articu-lação entre agentes, recorrendo à transposição de experiências exitosas e à generalização de metodologias de fomento ao capital social.

Partindo do pressuposto de que os custos associados à implementação de uma política industrial descentralizada concebida nacionalmente são elevados e seus resultados são poucos e pontuais, o governo federal passa a apostar no estímulo ao empreendedorismo e na construção de uma am-biência local propícia a iniciativas produtivas, como estratégia de desenvol-vimento regional, praticamente excluindo da agenda instrumentos de peso destinados a apoiar processos de desconcentração produtiva.

Essa abordagem sugere que o novo padrão de desenvolvimento pode ser construído em âmbito local, dependendo, acima de tudo, “da força de von-tade dos agentes empreendedores, que mobilizariam as potências endóge-nas (ocultas e/ou reveladas) de qualquer localidade” (UDERMAN, 2008).

Entretanto, a atribuição de um papel ativo à região e seus agentes, e os avanços que representam as iniciativas que visam a articular interesses e potencialidades locais em benefício de uma estratégia de desenvolvimento endógena e sustentável muitas vezes esbarram no exagero de propostas que negligenciam questões de caráter estrutural e histórico, e conferem pouca importância ao ambiente externo, assumindo uma visão excessivamente simplificada e fragmentada da realidade. Nesses casos, as soluções consi-

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deradas mais eficientes para o estabelecimento de uma rota de desenvol-vimento local consistem, paradoxalmente, em tentar replicar experiências exitosas identificadas em outros espaços, desconsiderando justamente as características e os condicionantes de cada situação específica (UDERMAN, 2008).

Uderman (2008), analisando o relatório do “Estudo de Atualização do Portfólio dos Eixos Nacionais de Integração de Desenvolvimento”, afirma que o mesmo reconhece que:

se no período áureo da industrialização nacional as propostas de desenvolvimento regional vinculadas à formação de polos de crescimento dependiam decisivamente das políticas indus-triais e das possibilidades de implantação de unidades produ-tivas, mediadas pela ação das instituições de fomento ao de-senvolvimento regional, as ações de fortalecimento de APLs, por outro lado, distanciam-se das diretrizes gerais da política de desenvolvimento produtivo, que sustentam propostas ho-rizontais e assumem focos setoriais, orientando-se pelos dita-mes do mercado e seus requisitos de competitividade. Assim, a tentativa de distensão do conceito de desenvolvimento com vistas a transpor os limites das propostas meramente indus-trializantes parece ter tido como efeito prático a retração de ações estratégicas capazes de modificar de maneira represen-tativa a estrutura produtiva regional. Além disso, a instituição de uma visão estritamente local dificulta a formulação de uma estratégia ampla e consistente, capaz de inserir espaços regio-nais num projeto de desenvolvimento nacional e mesmo de articular agentes regionais em torno de questões de interesse comum.

Sem dúvida, a incorporação do conceito de APL à política de desenvol-vimento nacional e às ações regionais conferiu uma nova direção à atuação do Estado nessa área. Entretanto, apesar dos avanços decorrentes da am-pliação do conceito de desenvolvimento – que extrapola a visão estritamen-te industrialista predominante no passado – e da atribuição de um papel ativo à região e seus agentes na formulação e implementação de uma estra-tégia de desenvolvimento local, pode-se levantar uma série de entraves que parecem cercar as ações propostas a partir do novo enfoque.

Segundo Uderman (2008), em princípio a transposição de metodologias e modelos identificados em estudos de casos descritos na literatura muitas vezes esbarra em elementos específicos aos novos ambientes, que não ne-cessariamente respondem da mesma maneira aos mesmos estímulos. De

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um modo geral, a ausência de uma institucionalidade apropriada aos obje-tivos de articulação localizada de atores diversos e/ou a carência de recur-sos econômicos obstruem os processos de mobilização local ou impedem a sua conversão em processos de desenvolvimento sustentáveis.

Outro ponto a ser levantado é que a dissociação entre a mobilização de recursos locais e as políticas macroeconômicas e setoriais limitam o poten-cial de transformação das iniciativas de APLs, que muitas vezes assumem uma visão fragmentada da realidade, conferindo excessivo poder aos agen-tes locais e à sua capacidade de sustentar processos de desenvolvimento endógenos. Isso se deve ao “localismo exacerbado”, que restringe as alter-nativas de planejamento e limita os instrumentos de intervenção utilizados, estreitando as possibilidades de transformação estrutural que poderiam decorrer de sua inserção em projetos de desenvolvimento regionais e na-cionais. Assim, a excessiva valorização do local muitas vezes minimiza a importância de um projeto nacional de superação do subdesenvolvimento, que pressupõe transformações estruturais vinculadas a uma ação incisiva do Estado e de unidades produtivas dominantes, fortemente influenciada pelos movimentos do capital no plano internacional.

Ademais, o propósito de fortalecimento produtivo local distancia-se, sobretudo nas áreas mais carentes, de uma política de desenvolvimento econômico estruturante, podendo não se configurar sua sustentabilidade (UDERMAN, 2008).

Considerações fi naisAo longo de quase meio século de políticas regionais no Nordeste brasilei-ro, muita coisa foi feita, algumas deram certo, outras não, outras tiveram resultados abaixo do esperado. A Sudene tentou, apesar do processo de desgaste e enfraquecimento por que passou, fazer uma política de caráter desenvolvimentista, que proporcionasse maior inclusão social e diminuição das desigualdades interpessoais e inter-regionais de renda. Entretanto, ape-sar de haver conseguido modificar fortemente sua estrutura produtiva, não foi bem-sucedida em termos sociais.

Depois de seis anos fora do cenário nacional e regional, a Sudene retor-nou, agregando à sua concepção de desenvolvimento original novas con-cepções de política regional. Espera-se, com isso, que os erros do passado não sejam cometidos outra vez e que o Nordeste entre definitivamente em outro patamar de desenvolvimento.

Sobre as políticas públicas de apoio a arranjos produtivos locais, a Supe-rintendência continua investindo, assim como a de incentivos produtivos.

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Não se deve perder de vista, entretanto, que regiões como o Nordeste bra-sileiro são muito heterogêneas e estão em um estágio de desenvolvimento muitas vezes bastante inferior aos parâmetros internacionais.

Diante disso, a compreensão da nova Sudene, nesse seu início, é que as políticas de apoio a APLs, sem os papéis tradicionais do Estado na atração de empresas, na formação de infraestrutura básica, na universalização e melhoria do ensino formal e na saúde pública vai estimular a economia, mas este estímulo não será sustentável, e a região continuará dependente da manutenção da política.

Isso significa que a saída que está sendo buscada tenta conciliar os dois tipos de política, uma vez que a forma antiga de atuação ainda é necessária para a economia nordestina, por ser a que cria os pré-requisitos para que as políticas de estímulo a arranjos produtivos sejam sustentáveis (CAMPOS; LIMA, s./d.).

Com isso, argumenta-se que o apoio a arranjos produtivos locais deve ser utilizado para potencializar os efeitos das políticas tradicionais.

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Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia: uma metodologia de delineamento188

Francisco de Assis Costa189

1. IntroduçãoA relação entre o conhecimento, em particular o conhecimento técnico apropriado no processo produtivo, e as características atuais e possibilida-des futuras de desenvolvimento de base agrária na Amazônia tem mere-cido uma rica reflexão entre policy makers e advisers em posições relevan-tes no campo científico e tecnológico que têm a região como uma de suas referências. Partindo do reconhecimento de que as dinâmicas observadas configuram um desenvolvimento baseado em produtividade espúria (FAJN-ZYLBER, 1988) “...que leva a uma progressiva depreciação da mão de obra local, a um esgotamento acelerado da base de recursos naturais e a uma de-gradação ambiental contínua dos ecossistemas” (EGLER, 2006), se observa a necessidade de uma mudança na atitude do Estado Nacional, alterando sua abordagem em relação à região, daquela atual, que a considera uma “economia de fronteira” (BECKER, 2005a; BECKER, 1995) para outra que a trate como uma “fronteira do capital natural” (BECKER, 2005b) – do que faria parte uma revolução científico-tecnológica (BECKER, 2007).190

188. Trabalho realizado com o apoio do CGEE, posto que resultou de texto escrito por sua solicitação (ver Costa, 2006). O trabalho se beneficiou extraordinariamente dos comentários de Diógenes Alves do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Foram também de extraordinária valia os comentários e recomendações de três pareceristas anônimos, aos quais agradeço enfaticamente.189. Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PDTU) do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) e dos Programas de Pós-Graduação em Economia (PPGE) e de Ciências Ambientais da Universidade Federal do Pará (UFPa). Pesquisador Associado da RedeSist, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ). Visiting Fellow at the Centre for Brazilian Studies (CBS), Uni-versity of Oxford, UK. 190. Essas noções estão aplicadas aqui nos significados utilizados pela geógrafa Berta Becker, para quem a “economia de fronteira” representa um padrão exportador de matérias-primas valorizadas no mercado externo, cujo crescimento, lvisto como linear e infinito, se faria através da incoporação de terra e produtos naturais (BECKER, 2005:4001); uma “fronteira do capital natural” seria um território onde “eldorados naturais” com grande disponibilidade de recursos

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Isso exigiria dois movimentos. Um que produzisse bases institucionais para a formação de uma matriz de conhecimento que mostrasse nexos con-sistentes entre conhecimento tácito e conhecimento codificado no que se refere ao uso da base natural da região, permitindo a interação de “... duas redes de inovação: i) rede de inovação institucional (instituições de pes-quisa, universidades) e ii) rede de inovação tradicional (povos indígenas e diversos tipos de populações tradicionais)...” (SÁ, 2006). Outro que estabe-lecesse os nexos institucionais de integração entre o universo da produção de mercadorias e o da produção de conhecimento, de modo a garantir “...a formação de clusters competitivos de produtos e processos baseados no uso sustentável dos nossos recursos naturais” (VIEIRA, 2006).

Tais posições vêm permeando as avaliações encampadas por organiza-ções de grande relevância para a região. Em documento conjunto, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e o Conselho das Entidades Estaduais de Pesqui-sa Agropecuária (CONSEPA) sublinham que a Amazônia deve ser encarada como “...objeto de observação especial, devido a sua importância estraté-gica para a pesquisa científica agropecuária” (CGEE/EMBRAPA/CONSEPA, 2006), sendo tal relevância definida em documento mais específico em ter-mos das disponibilidades naturais, dos usos atuais que delas se fazem e das perspectivas que podem oferecer. Parece estabelecido o entendimento de que, destacando-se a região pela sua biodiversidade, pelas reservas de re-cursos naturais que abriga e pelas tensões sobre elas exercidas por legítimas aspirações de produtores agrícolas e demais segmentos populacionais nela radicados, a perspectiva estratégica que deve orientar uma requalificação da pesquisa agropecuária na região deverá ser a que prioriza a utilização do potencial de recursos humanos, culturais e naturais com base num modelo de “exploração” sustentável nas dimensões – econômica, social e cultural (CGE/EMBRAPA/CONSEPA, 2006:1).

1.1. Questionamento As decisões orientadas por tais disposições portam riscos relevantes. É que sua efetivação implicará em grandes rupturas – no que se refere às matrizes de conhecimento, no que se refere ao portfólio tecnológico disponível, no que se refere à cultura institucional dominante e, por fim, mas de modo al-gum menos importante, no que se refere às concepções subjetivas de mun-do e devir. Entre uma sociedade baseada em economia de fronteira e uma

vitais para a vida humana – o ar, a água, a biodiversidade – estariam sofrendo tensões que le-variam ao processo de mercantilização, à transformação de bens da natureza em mercadorias (BECKER, 2005:74-77).

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sociedade que seja fronteira de capital natural há o abismo cognitivo criado pela razão industrialista191 e seus padrões de relação com a natureza, na forma de um paradigma de modernização industrial da agricultura, podero-so de muitos modos. Entre instituições de acúmulo de conhecimento tácito e as de conhecimento codificado há a incongruência de suas respectivas matrizes, desde a profunda distinção nas percepções de sujeito e objeto, até a visão de finalidade e sentido. No aglomerado, por seu turno, residem assimetrias profundas, nas quais os paradigmas e padrões de relação com a natureza e a natureza dos paradigmas organizacionais consolidam práxis e atitudes profundamente distintivas – dos sujeitos da produção material en-tre si e entre esses e os sujeitos da formação e controle do conhecimento.

Isto posto, parece claro que superar tais problemas requer mudanças igualmente importantes no quadro organizacional e nas atitudes. Será ne-cessário, por suposto, redefinir, subverter mesmo o papel desempenhado pela institucionalidade de ciência e tecnologia na região. Não obstante, não são óbvios nem os sujeitos, nem os objetos de tal subversão: Quem, na Amazônia, submetido a que razão, promoverá qual conhecimento tácito ou codificado? Quem, nessa enorme e diversa região, submetido a que razão, valorizará qual capital natural? Quem, nesse espaço onde se espera orien-tação ao desenvolvimento sustentável, validando que razão, liderará quem em tais movimentos? Eis as questões que nos é exigido responder – referên-cia de fundo do esforço que adiante se fará.

1.2. O encaminhamento teórico I: diversidade de agentes e estruturas e percepção complexa de suas relaçõesAs questões acima exigem capacidade teórica de tratamento da diversidade de sujeitos e fundamentos. Em relação a isso, a economia vive um momento particularmente fértil, após décadas de prevalência de percepções basea-das em estruturas e agentes padrão. Uma convergência entre as tradições schumpeteriana e keynesiana (POSSAS et al. 2001), dessas com aspectos importantes da tradição marxista, através de Kalecki (POSSAS, 1999) e da Escola da Regulação Francesa (BOYER, 1988) e com as abordagens da Nova Economia Institucional e do desenvolvimento endógeno (CASTRO, 2004), vem produzindo perspectivas inteiramente novas na observação da dinâmica das relações ação/agente-estrutura/agência, esse antigo dilema metodológico das ciências da sociedade. Com isso, criou-se a possibilidade de analisar o desenvolvimento como processo dependente de trajetória em

191. A “ciência moderna” é industrialista porque “...se desenvolve sob o signo da instrumeta-lização e apropriação da natureza; esta é vista como passível de dominação racional e técnica pelo homem (MOREL, 1979).

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contextos marcados espacial e historicamente por diversidade estrutural e tecnologias concorrentes.

Desse esforço tem emergido programas de pesquisa orientados pela hi-pótese de que a conformação de uma dada realidade social tem um mo-mento fundamental na combinação dos meios disponíveis para a produção e para a gestão da produção em tecnologias geradas e difundidas em pro-cessos, nos quais “agentes heterogêneos”, caracterizados por uma raciona-lidade limitada, no sentido (forte) de Simon (1983), tomam decisões em ambientes de incerteza, no sentido (radical) de Keynes (1970), marcados a) por dinâmicas competitivas, cujo Estado dominante é o do desequilí-brio entre as forças decisivas e b) a isso associado, por uma considerável complexidade e diversidade institucional (NELSO; WINTER, 1982). Em tal contexto, decisões sobre mudança e inovação associam-se a processos de aprendizado que “...podem ser vistos como competição dinâmica entre di-ferentes hipóteses ou crenças ou ações” (ARTHUR, 1994:133).

Inscrevemos-nos nesse movimento de ideias para explorar, aqui, um de seus resultados: o de que as noções articuladas de paradigmas e trajetórias tecnológicos oferecem perspectivas de compreensão dinâmicas e comple-xas, fundamentais para heurísticas de intervenção quando os problemas estratégicos de desenvolvimento reclamam reorientações nas bases institu-cionais de produção e distribuição de conhecimento, como é claramente o caso da Amazônia.

1.3. O encaminhamento teórico II: Paradigmas tecnológicos como relações sociedade-natureza – uma aproximação no que se refere à AmazôniaDosi define paradigma tecnológico “...como um ‘modelo’ ou um ‘padrão’ de solução de problemas tecnológicos selecionados, baseado em princípios se-lecionados, derivados das ciências naturais e em tecnologias materiais sele-cionadas. (...) Ao mesmo tempo, paradigmas tecnológicos definem também alguma ideia de progresso” (DOSI, 2006:22-23). Um paradigma tecnológi-co se constitui, assim: a) de uma “perspectiva” de definição de problemas relevantes à luz de uma noção de progresso e b) de um conjunto de pro-cedimentos – heurísticas – para resolver tais problemas. De outra forma, um paradigma oferece uma possibilidade entre outras na organização da reprodução social, sendo sua existência concreta (histórica) c) resultado de mecanismos de seleção c.1) associados à dimensão econômica e c.2) a outras dimensões da vida em sociedade, em particular à cultura, à política e à ciência.

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Uma trajetória tecnológica, nessa perspectiva, é um padrão usual de ativi-dades que resolvem, com base em um paradigma tecnológico, os problemas produtivos e reprodutivos que confrontam os processos decisórios de agentes concretos em contexto específico nas dimensões econômica, institucional e social (DOSI, op. cit., 22-23). As particularidades do contexto econômico se estabelecem nos critérios econômicos “...que agem como seletores definindo mais ou menos precisamente o trajeto concreto seguido no interior de um conjunto maior de possibilidades” (DOSI, 23). Considerando o elevado nível de incerteza que cerca a adoção de tecnologias, o ambiente institucional as-sume particular relevância na configuração de trajetórias tecnológicas, desde o interesse econômico das organizações, passando pelas respectivas histórias e acúmulos de expertise, até variáveis institucionais strictu sensu, como agên-cias públicas e interesses geopolíticos (DOSI, 24-25).

Além dos condicionantes econômicos, sociais e políticos, realçados por Dosi “...como os fatores prováveis a operar como forças focais na delimi-tação das direções que toma o desenvolvimento tecnológico” (DISI, 25), sublinhamos o contexto ecológico – o papel da base natural na configuração de paradigmas tecnológicos e suas trajetórias. Os problemas a que se refere um paradigma tecnológico são, por suposto, problemas tecnológicos: isto é, problemas da relação entre trabalho humano, objetivado por um modo de produção, e seu objeto último, a natureza. Nos processos industriais, a natureza está presente dominantemente como “natureza morta”. Mas há inúmeras atividades produtivas que se realizam em interação com a natu-reza viva. Nesse caso, a capacidade produtiva da natureza codetermina o resultado do processo produtivo. Como matéria prima, a natureza é objeto inerte do trabalho humano; como uma força produtiva, capacidade ativa e, como tal, um capital: o “capital natural”.

A natureza vista como matéria-prima é tratada na sua condição “me-diata”, como matéria genérica intercambiável e substituível – nesse caso, não é a capacidade produtiva das relações próprias e localizáveis de suas manifestações, como biomas ou ecossistemas, mas os componentes dessas relações individualmente, como matéria prima, como “matéria genérica”, que entra nos processos produtivos. Nesse caso se igualam: a) a madeira que é retirada de um bioma e b) o solo que se usa apenas como suporte de uma fórmula química que se integra sob controle com um clima de estufa, ou um pacote tecnológico fechado.

Como capital, força produtiva, a natureza é meio de produção “imedia-to” pela qualidade impar das suas manifestações originárias, é dizer, pelas particularidades de uma “natureza” (para si, na tradição hegeliana, encam-pada por Marx) que possam constituir “valores de uso” próprios, por seus atributos únicos. Isso acontece quando certa configuração das relações entre

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elementos vitais da natureza, configuração essa espacialmente delimitada e intransportável, é utilizada em um processo produtivo particular. Nesse caso, pode ser vista: a) como um “ecossistema originário”, um bioma, que, por preservado em sua complexidade, produz com exclusividade valores de uso capazes de atender necessidades humanas ou b) como um “ambiente edafo-climático”, isto é, uma certa interação particular entre solo e clima a permitir a produção alternativa e excludente de valores de uso em sistemas simplificados (agrícolas, pecuários, silviculturais) com o propósito de maxi-mizar a produção de biomassa por unidade de tempo/espaço.

A presença imediata da natureza como força produtiva faz a principal diferença entre a agricultura, ou melhor, entre os setores da produção rural, e a indústria. Isso tem tido grande importância no tipo de dinâmica tec-nológica que o desenvolvimento da sociedade capitalista vem produzindo nesses setores, pois à razão industrialista (industrial-capitalista) importa re-duzir essa presença e controlar o seu significado. Tal esforço é central e em torno dele tem se organizado o paradigma da modernização da agricultura, enquanto sua industrialização. Goodman, Sorj e Wilkinson (1988) demons-tram duas grandes trajetórias de industrialização do rural: a representada por um conjunto de soluções tecnológicas que se sucedem como esforço industrial de apropriação de papéis desempenhados pela natureza e outra por um conjunto de soluções que buscam substituir produtos da natureza viva por produtos inorgânicos e obtidos em laboratório (isto é, industrial-mente). Haiamy e Ruttan (1980), por seu turno, observam que nesses pro-cessos a mecânica e a química têm papéis destacados, sendo a primeira o fundamento das soluções onde há abundância de terra e a segunda onde esse fator é limitado.

Em qualquer dos casos, domina, em nível global, um paradigma ou pa-drão tecnológico, que se afirma por conjuntos de soluções selecionadas pela eficiência demonstrada no controle da natureza para que corresponda às necessidades industriais e capitalistas. Tais soluções se sucedem compondo trajetórias tecnológicas marcadas pelo uso intensivo da mecânica e da quí-mica e pela formação dos sistemas botânicos e biológicos homogêneos para isso necessários.

Tal paradigma “global” está presente na realidade amazônica em dois universos: o da produção de bens, controlado pelos agentes produtivos me-diante seus critérios próprios de decisão, e o da gestão das políticas públi-cas, nos quais se destacam aquelas que condicionam a produção e difusão de conhecimento científico e tecnológico. Está, portanto, na prática pro-dutiva e reprodutiva dos que operam os processos de uso da natureza, de que faz parte um conhecimento tácito difuso e culturalmente conformado, na prática dos que operam as organizações de produção de conhecimento

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codificado e de transmissão das soluções tecnológicas daí derivadas, além de incorporado em meios de produção gerados com conhecimentos obtidos alhures.

Em tal perspectiva, a natureza (a base natural) é vista e tratada na con-dição de matéria prima em dois estágios – no inicial, quando se desmonta o ecossistema para comercializar suas partes; e no final, quando a terra é um suporte descartável. A natureza é vista e tratada, também, como um capital natural, quando incorporada na condição de sistema edafo-climático para a produção agropecuária.

Todavia, não está sozinho na configuração da realidade agrária da Ama-zônia esse que chamaremos aqui de “paradigma agropecuário”. Há formas de utilização da base natural da região que pressupõem a manutenção da natureza originária e configuram, por isso, um paradigma tecnológico – que trataremos como “paradigma extrativista” -, porquanto perspectiva particu-lar do uso social dos recursos e de resolução dos problemas a isso afetos. As soluções daí derivadas organizam as trajetórias tecnológicas sobre as quais procuraremos discernir.

1.4. Encaminhamento metodológicoO “paradigma agropecuário”, como perspectiva de progresso ou desenvol-vimento, e conjunto de procedimentos que pressupõem a transformação industrial da natureza originária no atendimento de necessidades reprodu-tivas da sociedade, se desenvolve, na Amazônia, por um antagonismo de fundo com o “paradigma extrativista”, que pressupõe a manutenção dessa mesma natureza originária. Eles se desenvolvem em concorrência, protago-nizada por atores privados e organizações.

No interior de cada paradigma, confrontam-se trajetórias também em concorrência materializada no embate entre as estruturas que gerem os processos produtivos e suas instituições de suporte, em particular as que lhes são fonte de conhecimento e inovação.

Os critérios privados, mesmo ganhadores na disputa entre trajetórias, não desembocam necessariamente nos melhores resultados para o conjunto da sociedade. A divergência poderá crescer mediante uma perspectiva de progresso e modernidade balizada por máxima esperança de sustentabili-dade ecológica e equidade social. Faz-se necessária a antecipação de tais inconsistências, a verificação das suas causas e inquirição das condições institucionais que as superem.

Para tanto, partindo da premissa de que há uma relação íntima e indis-sociável entre sujeito e objeto do conhecimento tecnológico, se deve inves-

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tigar, de uma parte, as estruturas produtivas que operam tal conhecimento; de outra, os espaços institucionais que os elaboram. Colocados no campo de visão os resultados de tal empreitada, poder-se-á proceder a um julgamento das convergências e divergências mediante uma perspectiva de progresso social, moderno porque dominada pelo ideário do desenvolvimento susten-tável. Esta tem sido nossa orientação em um trajeto já longo de pesquisa (COSTA, 2007a; COSTA, 2005, 2006; COSTA, 2000, 2001; COSTA, 1998; COSTA, 1992), no qual este artigo é um passo adicional.

Amparados na explicitação da diversidade de agentes e estruturas que fundamentam a produção rural na região (Seção 2), procurar-se-á delinear trajetórias tecnológicas no limite oferecido pelas estatísticas disponíveis (dis-cutiremos esses limites em 2.1). O que nos levou a uma estratégia de trabalho que privilegia a observação das relações entre as trajetórias e seus produtos – levando bem longe a exploração da compreensão de que produtos são fe-nômenos das trajetórias (2.2). De modo que, observando as características econômicas da produção (2.2.1 a 2.2.4), as interações que ocorrem entre os grupos de produtos e a distribuição espacial de sua ocorrência (2.2.5), a rela-ção que apresentam com as instituições (2.2.6) e a forma como desenvolvem no tempo (2.2.7) se espera configurar, na Seção 3, as “trajetórias tecnológicas fundamentais na Amazônia – e visualizar como paradigmas tecnológicos” se manifestam na região. Ao final se discutirão questões relativas ao futuro da Amazônia e as implicações nas políticas de C&T que visam mudar “trajetórias indesejadas” em favor de “trajetórias desejadas” numa perspectiva de um desenvolvimento de outro tipo, isto é, com maior esperança de sustentabili-dade. Nesse momento nos manteremos atentos para o alerta feito por Dosi de que “podem ser muito difíceis tais mudanças, especialmente quando a trajetória é muito ‘poderosa’” (DOSI, 25).

2. A diversidade estrutural na Amazônia e seus agentes: o ponto de partida das trajetórias Temos nos esforçado em estabelecer a diversidade de agentes e estrutu-ras que conformam a dinâmica agrária na região com base nas respectivas especificidades de razões e processos decisórios (racionalidades) que, por uma parte, emergem de relações sociais próprias, por outra, conformam relações técnicas particulares, profundamente marcadas pela diversidade de fundamentos naturais e institucionais que, por seu turno, formam o piso e o entorno de suas existências. O modelo relacional que nos orienta está esquematizado na Figura 1. Dois tipos básicos têm prevalecido: Os agen-tes camponeses, caracterizados pela centralidade da família nos processos decisórios, seja como definidora das necessidades reprodutivas, que estabe-

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lecem a extensão e a intensidade do uso da capacidade de trabalho de que dispõe, seja como determinante no processo de apropriação de terras nas sagas de fronteira, para os quais a “eficiência reprodutiva” (COSTA, 1995, 2005; COSTA, 2007a, 2007b e 2007c) não elimina, mas subordina a “efi-ciência marginal do capital” (KEYNES, 1967; PRADO, 1993) nas decisões econômicas fundamentais. 2) Os agentes patronais, os quais dependem do trabalho assalariado e, por isso, do grau de desenvolvimento do mercado de trabalho, resultam de processos de apropriação da terra e dos recursos da natureza definidos pelo poder econômico de seus titulares, que se com-portam orientados dominantemente por avaliações da “eficiência marginal do capital”.

Figura 1 – Fundamentos da diversidade de agentes no setor rural da Amazônia

Agentes: Racionalidade (gené rica) e Características específi cas

Natureza: percepção social e caracterís-ticas objetivas da reprodução

Instituições: acesso à natureza e a capital tangível e intangível

Cam

pone

ses

“Efi ciência Reprodutiva” subordina “Efi ci-ência Marginal do Capital” (de-cisões pautadas e multicritério, trade oss média/variança da renda, da oferta/segurança alimentar, etc.)

Consis-tência Inter-tem-poral das decisões (sim/não) ↔

Natureza morta, natureza como maté-ria prima

Terra-fi rme

“Property Rights” garanti-dos

Acesso a ca-pital Dinheiro

VárzeaAcesso a co-nhecimento codifi cado

Consistên-cia Inter-espacial das decisões (sim/não)

Nature-za viva, natureza como força produtiva

Terra-fi rme

Status de fronteira

Acesso a ca-pital Dinheiro

VárzeaAcesso a co-nhecimento codifi cado

Pat

rona

is

“Efi ciência Marginal do Capital” (renda líquida descon-tada) subordina “Efi ciência Reprodutiva”

Consis-tência Inter-tem-poral das decisões (sim/não) ↔

Natureza morta, natureza como maté-ria prima

Terra-fi rme

“Property Rights” garanti-dos

Acesso a ca-pital Dinheiro

VárzeaAcesso a co-nhecimento codifi cado

Consistên-cia Inter-espacial das decisões (sim/não)

Nature-za viva, natureza como força produtiva

Terra-fi rme

Status de fronteira

Acesso a ca-pital Dinheiro

VárzeaAcesso a co-nhecimento codifi cado

Fonte: Desenvolvimento do autor.

Agentes camponeses e patronais têm modelos próprios de avaliação da consistência intertemporal e interespacial de suas decisões, que os diferen-ciam intrinsecamente em seus modos de produzir, ao par das capacidades respectivas de acesso a instituições e conhecimento: de acesso a capital natural (como propriedade, contestável ou não), a capital físico e a capital humano e social. Mutuamente determinadas, essas diferenças estabelecem modos próprios de ver e usar a natureza: se como matéria prima ou como

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força produtiva – na condição de relações edafo-climáticas ou na condição de bioma florestal.

Numa análise que confrontou quatro modelos multivariados que explici-tavam os fundamentos produtivos e os resultados da produção com 443.570 estabelecimentos rurais da região Norte, dos quais 93% camponeses e 7% patronais (para a metodologia de distinção estatística ver Box 1), logramos demonstrar que tais diferenças caracterizam claramente dois “projetos” de desenvolvimento de base rural na Amazônia, os quais “...diferenciam-se nas formas de tratamento do capital natural (cuja referência primordial é o bioma da floresta amazônica), (...) e nas proporções de uso de capital físico e de trabalho” (COSTA, 2007a:141-142). Em análises institucionais prece-dentes, demonstramos também que tais projetos têm suportes institucio-nais distintos, baseados “... numa razão técnica incapaz de lidar, conceitual e operacionalmente, com o ‘valor’ da diversidade para um desenvolvimento duradouro na região, desaparelhada para tratar com os atores capazes de gerir diversidade e com as manifestações e resultados locais dessas capaci-dades” (COSTA, 2005:144-145).

Agora, colocamos duas questões: a) Podemos, “com os dados que nos são disponíveis”, decompor tais “projetos” em trajetórias e situá-las em pa-radigmas tecnológicos?; b) Podemos imbricar nessas categorias as ques-tões relevantes de conhecimento e política?. Nos próximos segmentos nos dedicaremos a responder a esses quesitos e confrontar os resultados com perspectivas de desenvolvimento moderno e sustentável, com o propósito de julgar o que se faz para indicar o que se poderia fazer na conformação das bases de conhecimento adequadas.

Box 1 – A Base de dados e a classifi cação por Formas de Produção

O meio eletrônico de publicação dos dados censitários tem permitido uma utilização bem mais ampla e fl exível das informações censitárias do que a publicação em papel, não apenas pela velocidade de acesso, mas, sobretudo, pelo fato de permitir que se obtenham todas as tabelas padrão que apresentam os resultados do Censo, anterior-mente só disponíveis para a unidade federativa, para todos os demais níveis regionais de agregação – para as mesorregiões, para as microrregiões e para o município. Não obstante o fato de que a estrutura tabular mantém um elevado grau de rigidez, essa forma de publicação permite trabalhar com graus tanto maiores de fl exibilidade, quanto mais se manejem os dados em esferas espaciais mais elementares. Isso porque, em qualquer dessas esferas, será possível ter todas as variáveis constantes das tabelas bá-sicas para todos os 15 “estratos de área total” usuais do Censo. E, no âmbito geográfi co em que se esteja trabalhando, sempre se poderão considerar as médias de uma variável para os estratos como as das unidades produtivas médias respectivas e, assim tratados, cada estrato ganha a condição de um “caso” em um novo banco de dados passível de retabulação e processamento, tendo a freqüência do estrato como um dos seus campos. Trabalhamos, aqui, com uma desagregação em âmbito de microrregião, para toda a região Norte. Desse modo, manejamos um banco de dados de 960 “casos” (64 microrre-giões multiplicadas por 15 estratos de área).

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Essa metodologia aumentou muito as possibilidades de utilização das informações, per-mitindo não só a edição de variáveis existentes e a criação de novas variáveis e indica-dores com abrangência total, como a melhor operacionalização de conceitos-chave para a compreensão da realidade agrária em âmbito bem mais elementar, e, nesse sentido, estatisticamente bem mais abrangente do que nos havia sido possível até então. Assim, distinguimos os casos entre “camponeses” e “patronais”, com base no tipo de força de trabalho utilizada. Esse critério é necessário e sufi ciente por razões apresentadas antes (ver COSTA, 2000:110-130). Do seguinte modo: para cada um dos 960 casos do banco –- estratos de área x para a microrregião y – calculamos a força de trabalho total pela soma da força de trabalho familiar total mais força de trabalho de terceiros aplicado à produção. A força de trabalho familiar total = total da categoria do Censo “membros não remunerados da família maiores de 14 anos” mais a metade da categoria “membros não remunerados da família menores de 14 anos”. A força de trabalho de terceiros foi obtida pela soma dos gastos com salários, com empreitas e outros contratos de prestação de serviço dividida pelo valor médio da diária prevalecente multiplicada por 300 dias médios de trabalho por ano. Se considerou “familiar” ou “camponês” o caso cuja participação relativa da força de trabalho de terceiros total estimada no total da força de trabalho não ultrapassou 1/2, e “patronal” o estabelecimento médio com força de trabalho de terceiros acima de 1/2.

Fonte: Costa 2007a.

2.1. Os dados disponíveis e a noção de trajetória: o ponto e seu entornoTemos dois tipos de dados que cobrem o setor rural da totalidade da região Norte: os censos agropecuários, com mais de duas centenas de variáveis sobre relações de propriedade, relações sociais e técnicas, estruturas de pro-dução e venda etc. e os acompanhamentos conjunturais, com periodicidade anual (Produção Agrícola Municipal, Produção Extrativa Municipal, Produ-ção Pecuária Municipal etc.).

Os censos são as mais amplas pesquisas com mesma metodologia que se dispõe e os acompanhamentos anuais, por sua vez, os mais amplos e siste-maticamente levantados indexadores de algumas das variáveis constantes dos censos. Os dados de um censo referem-se, para cada variável, a pontos de trajetos percorridos pelos estabelecimentos. Sabemos que tais caminhos são conformados por ajustamentos contínuos naquela variável, processados no passado, que definirão tendencialmente seus próximos momentos. Mas, para aquela variável específica, só vemos o ponto. A questão metodologi-camente relevante é: podemos dizer algo mais, além daquilo que vemos no ponto? Podemos dizer algo sobre o caminho do qual este ponto é uma passagem, como se exige a partir das ideias apresentadas na introdução deste segmento?

A resposta a essa pergunta tem duas partes. A primeira depende do próprio Censo; a segunda da relação entre Censo e os acompanhamentos conjunturais. Se Xt é uma variável do Censo, com t representando o ano de levantamento, do mesmo modo que XPt e XFt o são, a primeira informando sobre o passado de X e a segunda sobre seu futuro, então posso dizer algo

Page 318: Livro Segunda Ultima Revisao Jair

sobre a trajetória de X: ele está vindo de um provável Xt-n informado por XPt, e, passando por Xt, indo para um provável Xt+m, informado por XFt, onde n e m são lapsos de tempo indefinidos, porém reais. Por outra parte, se Xt, no Censo, tem em xt, levantada em pesquisa conjuntural, porém sistemática, uma proxy, pode-se considerar – com margem de erro que depende da qua-lidade da pesquisa – que Xt-n = Xt.(xt-n/xt) e Xt+n = Xt.(xt+n)/(xt), sendo num lapso de tempo definido e real.

Usaremos adiante exaustivamente essas possibilidades metodológicas.

2.2. Trajetória Tecnológica: um conceito operacional e a estratégia da pesquisaSeguindo orientação teórica já detalhada anteriormente, a noção de para-digma tecnológico aplicada à produção rural na Amazônia está aqui refe-rida às atitudes fundamentais mediante a base natural da região: num ex-tremo, as formas de produção que pressupõem a manutenção da natureza originária (o bioma florestal amazônico); noutro, as formas de produção que pressupõem a transformação da natureza originária. Entre o primeiro, que “chamamos paradigma extrativista”, e o último, que chamamos “pa-radigma agropecuário”, há posturas intermediárias que conformariam um “paradigma agroflorestal”.

De tais posturas derivam as soluções técnicas e institucionais (os con-juntos de procedimentos que se constroem no tempo em concatenações próprias de trajetórias, em que as decisões passadas influem no presente e, estas, condicionam o futuro) para os processos produtivos realizados em condições particulares que, ao tempo que suprem as necessidades so-ciais de um conjunto dado de produtos rurais, são soluções moldadas para atender aos anseios privados dos agentes que gerem esses processos produtivos. E, modelos complexos demonstram que, quanto mais um con-junto particular de soluções se torna importante como supridor das neces-sidades sociais, tanto mais, portanto, venha ele a ocupar o espaço social do suprimento dessas necessidades, maior a capacidade de realização, por parte dos agentes envolvidos, de rendimentos adicionais (crescentes) pro-vindos do ambiente institucional (ARTHUR, 1994). Essas interações dinâ-micas entre necessidades sociais e privadas, de um lado, e procedimentos técnicos e institucionais, de outro, realizadas nos processos produtivos de produtos particulares, se fazem, assim, em confronto concorrencial entre as trajetórias tecnológicas, estas as formas particulares e concretas de re-alização de um paradigma tecnológico – de realização de uma ontologia de relações com a natureza.

Page 319: Livro Segunda Ultima Revisao Jair

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 319

Um resultado desse entendimento, de considerável valor experimental, é o de que toda produção se faz como parte de alguma trajetória – portan-to, produtos são fenômenos de trajetórias. Por isso, qualificar a produção (para o que temos um número considerável de variáveis bem informadas no Censo e nas estatísticas anuais) pode ser caminho para se chegar à com-preensão das trajetórias que lhes são subjacentes (as quais não se deixam ver a olho nu). Como corolário, três noções importantes para este trabalho. Primeiro, a relevância de um dado produto ou conjunto de produtos,192 nas variações da produção total revela a sua importância, e por essa via a relevância social (para o todo da economia em questão) da trajetória que lhe é subjacente – seu peso na configuração da divisão social do trabalho. Segundo, a capacidade de um dado conjunto de produtos de compensar os gestores dos processos produtivos revela sua eficiência e, em conseqüência, a eficiência da trajetória de que participa na realização subjacente dos an-seios privados – sua relevância microeconômica privada. Se deve lembrar que estes dois pontos podem guardar relação dinâmica. Terceiro, se um grupo de produtos se revela fonte de investimentos, ele é base da capacida-de de expansão da trajetória que lhe é subjacente.

Conhecidas a relevância social e privada dos grupos de produtos, bem como se os mesmos constituem-se como fonte de investimentos, oito com-binações lógicas são possíveis, as quais permitem inferências na qualifica-ção dos modos como participam das trajetórias que lhes fundamentam, tal como indicadas na última coluna da Tabela 1. Essas combinações consti-tuem interesse para análise em maior detalhe, o que será feito nas Seções 2.2.1, 2.2.2, 2.2.3 e 2.2.4.

192. Daqui por diante esta será uma referência recorrente. Com ela se pretende designar o conteúdo empírico do tipo de informação relativa à produção disponível no Censo Agrope-cuário, que é o valor agregado da produção classificada por origem: se produção animal ou vegetal, e, no interior da primeira, se da pecuária de grande, de médio e pequeno porte; no interior da segunda, se de plantios de culturas temporárias, permanentes, silvicultura etc. Não seria errado presumir, desde o início, que por trás desses conjuntos de produtos sob essas classificações encontram-se sistemas ou subsistemas de produção – presumimos, portanto, sistematicidades a priori desses conjuntos de produtos, per si, a serem integradas nos sistemas maiores pelas trajetórias que pretendemos delinear. Todavia, não explicitaremos tal presunção até dar outros passos na investigação que nos permitam qualificar melhor os grupos de pro-dudtos e, por essa via, aprender mais sobre natureza e forma dos sistemas que eventualmente representem ou integrem.

Page 320: Livro Segunda Ultima Revisao Jair

320 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia

Tabela 1 – Atributos dos grupos de produtos e expectativa quanto às formas respectivas de participação nas trajetórias tecnológicas subjacentes

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Atributos dos grupos de produtos

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Posição principal, infl uenciando na expansão de modo consistente e com capacidade endógena de desenvolvi-mento

2 Verda-deiro

Verda-deiro Falso G2

Posição principal, infl uenciando na expansão de modo consistente, porém sem capacidade endógena de desen-volvimento

3 Verda-deiro Falso Falso G3 Posição principal, porém inconsistente

e decadente 4 Falso Falso Falso G4 Decadente ou ad hoc ou experimental

5 Falso Verda-deiro

Verda-deiro G5 Emergente com capacidade endógena

de desenvolvimento

6 Falso Falso Verda-deiro G6 Subordinado, podendo se constituir

fi nanciador

7 Verda-deiro Falso Verda-

deiro G7 Principal, inconsistente ou subordinada como fi nanciador

8 Falso Verda-deiro Falso G8 Emergente, sem capacidade endóge-

na de desenvolvimento

Fonte: Desenvolvimento do autor.

2.2.1. Sobre a relevância social (macro) dos grupos de produtosAs “formas de produção” prevalecentes no agrário da região amazônica, as-sentadas sobre “peculiares relações sociais” (trabalho familiar e trabalho as-salariado) distinguem-se entre si por seus fins e pelos meios utilizados para alcançá-los. Estruturam-se, isto posto, como combinações próprias das suas disponibilidades (as quais derivam de eventos históricos em que mediações institucionais outras, que não apenas o mercado, têm fundamental impor-tância) e ofertam, como resultado dessas configurações, produtos diferen-tes. As interações trabalho-natureza, mediadas por conhecimentos e meios materiais de produção, constituem os “fundamentos técnicos” das formas de produção. As diferentes composições de produtos que formam o valor da produção final, por seu turno, expressam as formas como tais combinações de disponibilidade se justificam socialmente – como as formas de produção

Page 321: Livro Segunda Ultima Revisao Jair

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 321

participam da “divisão social do trabalho” organizada por mercados amplos – locais, regionais, nacional e mundial.

As diferentes composições de produtos agregadas pelas formas de pro-dução fundamentais para toda a região Norte serão expressas aqui por fun-ções do tipo genérico:

FNYBFNFM

YBFMCS

YBCSCH

YBCHCT

YBCTCP

YBCPPP

YBPPPM

YBPMPL

YBPLPC

YBPCB YYYYYYYYYYY ......... (1)

Onde a variável dependente é:

YB = Valor Bruto de Produção (VBP) total da forma de produção em questão (R$)

e as variáveis independentes são:

YPC = Valor Bruto da Produção (VBP) da pecuária bovina: boi em pé (R$)

YPL = VBP da pecuária bovina: leite e venda de matrizes e outros produtos (R$)

YPM = VBP da pecuária de médios animais: basicamente suínos (R$)

YPP = VBP da pecuária de pequenos animais: basicamente aves (R$)

YCP = VBP das culturas permanentes (R$)

YCT = VBP de culturas temporárias (R$)

YCH = VBP de hortigranjeiros (R$)

YS = VBP da silvicultura (R$)

YFM = VBP do extrativismo vegetal: madeira em tora (R$)

YFNM = VBP do extrativismo vegetal: produtos florestais não madeireiros (R$)

Os coeficientes β descrevem o modo como cada grupo de produtos e, consequentemente, o subsistema de produção a ele subjacente, participam na variação da produção total YB de um modo de produção: são indicações, isto posto, de sua relevância social, macro. Nossa análise distinguirá dois modelos lineares derivados de (1), o primeiro para os estabelecimentos com o atributo de “camponês” no banco de dados já apresentado (a regres-são resultante refere-se ao modo de produção camponês na região Norte), caracterizado pelo conjunto de coeficientes {βC

Z} e o segundoo para os es-tabelecimentos com atributo de “patronal” (a regressão resultante refere-se ao modo de produção patronal na região Norte), caracterizado pelo con-junto de coeficientes {βP

Z}, onde βCZ e βP

Z são os coeficientes padronizados (Standardized Regression Coefficients) das regressões lineares derivadas de (1) expressas em z-scores, isto é, não no seu valor original, mas sim, no

Page 322: Livro Segunda Ultima Revisao Jair

322 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia

número de desvios-padrão em torno da média (BÜHL; ZÖFEL, 1996:197-98; BACKHAUS et al., 2000:18-19; HAIR et al., 1998:147).

Por exemplo, βCBPC corresponde ao número de desvios-padrão que YC

B

varia em torno de sua média para uma variação de 1 desvio-padrão em YCPC

em torno da sua própria média, enquanto que a soma de todos os coeficien-tes βC em YC

B representaria o número de desvios padrão que este variaria em torno da sua média quando todas as variáveis variassem 1 desvio-padrão e, assim, podem ser comparados diretamente na explicação do que ocorre em YC

B.

2.2.2. Infl uência dos grupos de produtos na rentabilidade: sua relevância privadaA composição da produção, tal como a encontramos no momento do Censo, expressa ajustamentos processados cumulativamente para atender às ne-cessidades sociais, como já argumentamos. Contudo, a composição da pro-dução também reflete finalidades das formas de produção na ótica privada, isto é, na perspectiva de seus gestores. Isto quer dizer que se espera uma “indução no processo de mudança” que se faz referido também às razões dos agentes e às condições objetivas a partir das (e sobre as) quais operam. Tais condições são internas a cada unidade produtiva, isto é, legadas pela vivência particular de cada uma em processos históricos da formação social da região; ou são externas, relacionando-se com cada unidade por iniciativa de seus controladores, mas pela via do mercado ou de outras instituições. Ajustada pela interação desses vetores, a composição da produção que re-flete as necessidades privadas dos gestores dos processos produtivos pode ser expressa pela função:

FNYLFNFM

YLFMCS

YLCSCH

YLCHCT

YLCTCP

YLCPPP

YLPPPM

YLPMPL

YLPLPC

YLPCL YYYYYYYYYYY ......... (2)

Na função (2) os valores das variáveis independentes são os mesmos da função (1), enquanto a variável dependente – YL – corresponde à Renda Líquida (VBP total menos Custo da Produção Total), isto é, a remuneração privada dos agentes controladores dos estabelecimentos considerados. As-sim especificada, a função (2) é uma “função de desempenho”, cuja regres-são nos moldes apresentados descreve a forma como o grupo de produtos considerados atua na remuneração dos gestores. Enquanto a função (1), uma “função de produto”, expressa o resultado social (total) de uma divisão social do trabalho, a função (2) expressa de que modo os resultados que importam aos agentes privados, suas remunerações, dependem de tal estru-

Page 323: Livro Segunda Ultima Revisao Jair

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 323

turação. A mesma variável independente YPC, que na regressão da função (1) influencia βY

BPC na variação da produção total, mediante a regressão da função (2) influencia βY

LPC na variação da rentabilidade líquida dos estabe-lecimentos.

2.2.3. Infl uência dos grupos de produtos nos investimentos: fontes endógenas e exógenas Os investimentos fundamentam a dinâmica das formas de produção e das trajetórias que organizam – garantem sua expansão.

Os investimentos podem ser analisados pela ótica da sua fonte. Isto é, por um lado, como uma função da renda gerada na economia em questão; por outro, como uma função das disponibilidades exógenas representadas por outras fontes de financiamento. Considerando que a renda é direta-mente correlacionada com o Valor Bruto da Produção e, por isso, se forma basicamente orientada pelo que se descreveu na relação (1) e, ainda, que os créditos bancários indicam a participação das fontes exógenas de finan-ciamento, tem-se:

IIFCFN

IFFNFM

IFFMCS

IFCSCH

IFCHCT

IFCTCP

IFCPPP

IFPPPM

IFPMPL

IFPLPC

IFPCF CYYYYYYYYYYI ..........

(3)

em que IF é o volume de investimentos observado em função dos grupos de produtos de (1) e (2) e de do volume de crédito para investimentos obtido (CI). Mantido o método já apresentado, os coeficientes β das variáveis Y nas regressões resultantes são medidas da participação dos grupos de produtos nas oscilações de investimentos (uma medida da participação de Y na va-riação do investimento); da variável CI, medida da participação do crédito nessas variações. A esta função denominaremos “investimento-fonte”.

2.2.4. Qualifi cação dos grupos de produtosOs coeficientes das regressões discutidas anteriormente, obtidos a partir da base de dados separada em dois sets em função da forma de produção (conf. Box 1), compõem duas matrizes de valores de [βP

z i j] e [βCz i j], corres-

pondendo, respectivamente, à forma de produção patronal (primeira parte da Tabela 2) e à forma camponesa (segunda parte da Tabela 2). Nessa notação, i denota um grupo de produtos que compõe a produção total da forma de produção e j um dos três tipos de função, conforme especificado na Tabela 2. Usamos esses valores para estabelecer os atributos dos grupos

Page 324: Livro Segunda Ultima Revisao Jair

324 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia

de produtos, de acordo com o indicado na Tabela 1: quanto ao peso e im-portância na variação da produção total – relevância social; quanto à ren-tabilidade privada e quanto à endogeneidade das fontes de recursos para investimento. Os atributos resultaram das seguintes condições:

a) Para qualificar um grupo de produtos segundo o atributo “Socialmente relevante” (Tabela 1), utilizou-se o seguinte critério: se 1,01 >P

iβ então “Verdadeiro”; de outro modo “Falso” (i = 1,...,10, ver Tabela 2). Arbi-trou-se, portanto, que serão considerados de relevância macro (social) os grupos de produtos cujos VBP variam na mesma direção que o VBP total193 e em intensidade relativa (número de desvios-padrão) corres-pondente a pelo menos 10% daquela variação. Sete grupos de produtos entre os estabelecimentos patronais e 6 entre os camponeses apresenta-ram-se como relevantes, com destaque para a pecuária de corte, silvicul-tura e culturas temporárias, entre os primeiros, e culturas temporárias, culturas permanentes e pecuária de leite, entre os últimos.

b) Para qualificar um grupo de produtos conforme o atributo “Compensação privada positiva”, procedeu-se ao seguinte teste: se 0)/( 12 >P

iPi ββ então

“Verdadeiro”, de outro modo, “Falso”. Dado que Pi1β é sempre positivo

(ver nota 4), isso significa que serão considerados consistentes com os fins privados os grupos de produtos cujos VBP influem positivamente na varia-ção da Renda Líquida total (a variação da sua produção influi diretamente proporcional na rentabilidade total). Significa, também, que mais que a medida absoluta da influência na variação da renda líquida, importa sua expressão relativa mediante a influência que o mesmo grupo de produto exerce na variação do VBP total. Esse resultado diz muito sobre a força de expansão e sobre a consistência da relevância social com os anseios privados. Quatro são, pois, as situações a considerar:

1. Os grupos de produtos inconsistentes na perspectiva privada – quando se expandem, reduzem a rentabilidade privada. Dos produtos relevantes, este é o caso dos que resultam das culturas temporárias e permanentes en-tre os estabelecimentos patronais e da silvicultura entre os camponeses.

2. Valores de 1)/( 12 ≅Pi

Pi ββ indicam situações em equilíbrio e expansão

com rendimento constante. É o caso dos produtos da pecuária de corte e da avicultura entre os estabelecimentos patronais e da pecuária leiteira entre os camponeses.

193. A rigor, as regressões especificadas pelas funções de tipo (1) produzirão betas necessaria-mente positivos dado que os valores estatísticos da variável dependente são totalizações das variáveis independentes.

Page 325: Livro Segunda Ultima Revisao Jair

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 325

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Page 326: Livro Segunda Ultima Revisao Jair

326 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia

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Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 327

3. Valores 1)/(0 12 << Pi

Pi ββ indicam situações fora do equilíbrio, nas quais

o VBP do grupo de produtos varia com maior intensidade que a renda líquida total dele derivada, o que aponta para expansão com rentabili-dade decrescente. Tanto mais próximos de zero, maior a inconsistência da rentabilidade privada frente à relevância social que esses valores re-velam e menor a força de expansão do grupo de produtos em questão. Enquadram-se nesse caso os produtos provindos da silvicultura entre os estabelecimentos patronais e das culturas permanentes entre os campo-neses.

4. Valores 1)/( 12 >Pi

Pi ββ , ao contrário, indicam situações fora do equilíbrio,

nas quais a influência da variação do VBP do grupo de produtos na rentabilidade total é maior que no VBP total, o que indica rentabilidade crescente associada ao grupo de produtos. Tanto maior o valor, maior a inconsistência da rentabilidade privada frente à relevância social que esses valores revelam e maior a força de expansão do grupo de produtos em questão. Este é o caso do extrativismo madeireiro e do extrativismo não madeireiro, tanto entre formas patronais como entre camponeses de produção. Para estes últimos, é também o caso dos produtos provin-dos de culturas temporárias.

c) Para a qualificação segundo o atributo “Fonte de investimento”, proce-deu-se ao seguinte teste: se 03 >P

iβ então “Verdadeiro”, de outro modo, “Falso”. Isso significa que se o grupo de produtos se expande, ele contri-bui para a ampliação do investimento global do modo de produção – ele é, portanto, fonte de investimentos do modo de produção. Dos grupos de produtos relevantes, entre os estabelecimentos patronais, este é o caso dos produtos das culturas temporárias, da pecuária de leite e da silvicultura; entre os camponeses, da pecuária de corte e leiteira, das culturas permanentes e da silvicultura.

Quando combinados, estes resultados chamam a atenção para os grupos de produtos com atributo G1, que combinam os três atributos: são relevan-tes em termos macroeconômicos, apresentam rentabilidade privada e cons-tituem fonte de investimento. Eles são, entre os estabelecimentos patronais, pecuária leiteira e silvicultura; entre os camponeses, pecuária de corte, pe-cuária de leite e culturas permanentes. Eles mostram uma capacidade de expansão consistente, endogenamente patrocinada, fonte de acumulação de capacidade produtiva.

Os resultados combinados chamam a atenção, também, para os grupos de produtos qualificados como G2: que combinam como verdadeiros os dois primeiros atributos – de relevância macro e consistência micro – sem

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328 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia

apresentar interferência nos investimentos. Sobre eles se pode dizer que mostram força de expansão, porém não são objetos de acumulação de ca-pacidade produtiva. É o caso dos produtos derivados da pecuária de corte, do extrativismo madeireiro e da avicultura, entre os estabelecimentos pa-tronais, e, entre os camponeses, dos derivados de extrativismo madeireiro e não madeireiro.

Os grupos de produtos qualificados como G7, são os que apresentam relevância macro e condição de fonte ou lócus de investimento, porém com rentabilidade contestável. É o caso dos produtos das culturas temporárias e das culturas permanentes entre os patronais.

O que podem representar essas diferentes características dos grupos de produtos para as trajetórias que lhes são subjacentes? Ou, visto de outro modo, como se combinam tais diferenças na definição das trajetórias que lhes são subjacentes? A isso nos dedicaremos no próximo segmento.

2.2.5. Interação entre os diversos produtos ou grupos de produtosAté agora estudamos grupos de produtos, como fenômenos que nos são apre-sentados pelas estatísticas do Censo. Os qualificamos isoladamente mediante atributos: se têm peso elevado, se são rentáveis, se fundamentam investimen-tos, essas são suas qualidades como grupos de produto. Como sabemos que esses grupos de produtos são expressões de trajetórias, inferimos que eles sub-sidiarão as trajetórias de que fazem parte com esses seus atributos que nos foram revelados pela análise precedente. Mas isso não é suficiente para re-conhecermos que trajetórias são essas. Isso porque as trajetórias (estruturas em reprodução evolutiva em contexto econômico e institucional específico, as quais emitem sinais em seu percurso) podem se expressar em mais que um gru-po de produto – podem emitir diferentes sinais de seu movimento. Precisamos ver, isto posto, se há combinações de sinais que possam, como um sistema de fenômenos, dizer mais sobre os processos e aparatos produtivos subjacentes: as trajetórias.

Assim, qualificados os grupos de produto quanto ao papel que podem desempenhar nas trajetórias de que fazem parte, as questões que se colo-cam: Se, em que medida e de que modo esses produtos ou grupos de pro-dutos se relacionam entre si? Caracterizam tais relações interdependência sistemicamente justificáveis, inteligíveis na perspectiva evolucionária que caracterizam as trajetórias?.

Dois tipos de relações podem ocorrer de modo a caracterizar interde-pendência e, assim, indicar participação em uma mesma trajetória: relações de sucessão e de concomitância entre grupos de produtos diferentes. No

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Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 329

primeiro, um grupo de produtos evolui se nutrindo, por assimilação – e, portanto, anulação – do outro; no segundo evolui se nutrindo, por sinergis-mo – e, portanto, mútuo fortalecimento –, do outro. Há uma terceira rela-ção – a de concorrência, em que um evolui concorrendo pelo espaço (físico ou de mercado) do outro. Nesse caso, os produtos ou grupo de produtos pertenceriam a trajetórias diferentes.

Verificar a interdependência ou concorrência entre os grupos de produ-tos e avaliar o significado no delineamento das trajetórias, propriamente, será a tarefa deste segmento. Para tanto, é necessário observar as estruturas de correlações existentes entre os dados de produção dos grupos de pro-dutos. A “análise fatorial” constitui ferramenta importante para esse tipo de tarefa. Trata-se de técnica de análise estatística multivariada que visa identificar estruturas subjacentes em um conjunto de variáveis observadas, permitindo dois tipos de resultados: a sumarização e a redução de dados (BACKHAU; ERICHSON; PLINKE; WEIBER, 2000:252-327).

Nos processamentos de sumarização, se explicitam as variáveis laten-tes (os “fatores”) pelos padrões de variabilidade das variáveis manifestas ( reais) e as cargas fatoriais de cada variável em relação ao fator. Um fa-tor é um construto, uma entidade hipotética, uma variável não observada cuja realidade reside apenas no fato de explicarem a variância de variáveis observadas. As cargas fatoriais obtidas são coeficientes que expressam o quanto uma variável observada está carregada ou saturada em um fator.

Em processamentos de redução, os fatores podem ser transformados em variáveis inteiramente novas que podem ser incluídas em análises subse-quentes (HAIR; ANDERSON; TATHAM; BLACK, 1998:95).

Submetemos à análise fatorial o VBP dos grupos de produtos que se mostraram, na análise anterior, socialmente relevante para a produção to-tal: sete grupos da produção patronal (Extrativismo Madeireiro, as Culturas Temporárias e as Permanentes, a Pecuária Bovina de Corte e a de Leite, a Silvicultura e a Avicultura) e seis da produção camponesa (o extrativismo madeireiro e o não madeireiro, as culturas permanentes e as temporárias, a pecuária de corte e a de leite). Como nas regressões já apresentadas, aqui também se usou para processamento o SPSS (BÜHL, ZÖFEL,1996:369-376), condicionando o cálculo a 25 interações e a um número máximo de cinco fatores por análise. Cada fator indica uma interação entre grupos de produ-tos, que pode revelar uma trajetória; a relevância empírica do fator deverá se expressar na proporção da variância total que explica. As cargas fatoriais dos grupos de produtos nos fatores – os respectivos graus de importância e o sentido, se positiva ou negativamente, como cada grupo compõe o fa-tor ou componente principal – encontram-se nas cinco últimas colunas da Tabela 2.

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330 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia

Além das cargas fatoriais, utilizamos os resultados do processamento de redução que atribui, a cada elemento do conjunto de dados original (conf. Box 1), pesos (scores) para cada um dos cinco fatores analisados: o peso de cada fator se torna uma variável do conjunto de dados. O fator de maior peso foi utilizado para qualificar o elemento, criando-se assim uma outra variável nova, agora discreta, cujos elementos designam esses fatores dominantes. De modo que se assinala, no conjunto de dados, a que com-binação de grupos de produtos (que chamamos adiante de “Combinações C de Grupos de Produtos”), que podem caracterizar uma trajetória, cada unidade de informação (estabelecimentos em um mesmo estrato de área em uma microrregião) pertence. Cruzando a variável “Combinações C de Grupos de Produtos” com a localização geográfica (mesorregião nos esta-dos) dos estabelecimentos e formas de produção, utilizando o VBT total como variável descritiva, ganhamos informações preciosas sobre a geogra-fia das interações (ver resultados na Tabela 3); cruzando com as formas de produção e tendo como variável descritiva o VBP dos grupos de produtos, adquirimos informações importantes sobre a estrutura da produção por trás dessas “combinações” (ver resultados na Tabela 4).

Combinando o que já sabemos sobre os grupos de produtos per se (suas classes de atributos G) e o que aprendemos sobre suas interações nos pro-cessamentos mencionados podemos caracterizar as combinações C de modo a avançar na percepção de como participam das trajetórias das quais são, de algum modo, expressão. Assim:

1. Combinação Patronal.C1 (o fator explica 24,2% da variância total na análise fatorial). Considerando-se as cargas fatoriais (Tabela 2, coluna C1, forma de produção patronal), pode-se supô-la correspondendo a, ou participando de, uma trajetória comandada pela pecuária de corte, complementada pela produção de leite e matrizes e por culturas tempo-rárias (estas últimas como fontes de investimentos, de acordo com o que indica sua classe G7) e pela extração madeireira (como suporte de ren-tabilidade – indicada pela classe de atributos G2). Tal combinação, cujo VBP representava 17% do VBP agropecuário total da região Norte em 1995 (ver Tabela 7), se desenvolve de modo altamente concentrado nos estados de Tocantins (50% de seu VBP, dominantemente na mesorregião Ocidental do Tocantins – 47%) e Pará (41% do VBP, dominantemente no Sudeste Paraense – 31%). Conforme a Tabela 4, a estrutura da produção média dos estabelecimentos aí posicionados, em toda a região, é com-posta por 66% da pecuária de corte, 14% da de leite e matrizes, 10% de culturas temporárias. As culturas permanentes, com 3%, e a produção de madeira, com 2%, são produções residuais.

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2. Combinação Patronal.C2 (explica 16,1% da variância total na análise fatorial). Comandada por culturas permanentes, de rentabilidade con-testada, complementada por avicultura e pecuária bovina, se desenvolve dominantemente no Pará, onde realiza 67% do seu produto, do que 35% na Região Metropolitana de Belém. Se manifesta, também, no Amazonas e em Rondônia – com 10% do VBP que produz. A estrutura da produção do estabelecimento médio aí detectado se assenta em proporções iguais nas culturas permanentes (30% do VBP) e na produção de aves (30%), além de pecuária bovina de corte (17%) e leite (11%).

3. Combinação Patronal.C3 (14,2% da variância total). Comandada por silvi-cultura. Se desenvolve no Amapá (82%) e no Pará (18%). A produção é, nesse caso, especializada, 100% centrada em silvicultura.

4. Combinação Patronal.C4 (13,8% da variância total na análise fatorial). Co-mandada por culturas temporárias relativamente isoladas, ou compondo em parte com a avicultura (milho para ração) ou com a pecuária de corte. Nessa condição, poderia ser um estágio primário da Combinação Patronal.C1, uma vez que se desenvolve, como nas mesmas regiões daquela: prin-cipalmente no Tocantins (38%, do que 25% na Tocantins Ocidental) e no Pará (26%, dos quais 20% no Sudeste Paraense). A impressão é de que se trata de um estágio inicial da Combinação Patronal.C1, reforçada pelo fato de que as estruturas de produção, não obstante apresentarem a maior par-ticipação de culturas temporárias entre todas da produção patronal (29% do VBP), mostram grande concentração em pecuária de corte (50%).

5. Combinação Patronal.C5 (explica 12,6% da variância total na análise fatorial). Extração de madeira relativamente isolada ou compondo com culturas temporárias. Aqui, também, parece se tratar de um estágio ini-cial de Combinação Patronal.C1, posto que se manifesta particularmente nas mesmas regiões do Pará (62%, do que 33% no Sudeste Paraense); se manifesta também em Rondônia (21%). A estrutura produtiva média dos estabelecimentos corrobora a impressão de se trata aqui de um está-gio inicial da Combinação Patronal.C1 uma vez que, apesar de apresen-tar a maior dependência de extração madeireira (17%) de todas as com-binações encontradas na forma de produção patronal, apresenta, como no caso anterior, elevada concentração em pecuária de corte (46%).

6. Combinação Camponês.C1 (explica 42,1% da variância total da análi-se fatorial). Este fator parece expressar uma trajetória comandada pela combinação de culturas permanentes e da pecuária de leite, ambas com atributo G1 – expansão com rendimento constante e investimento en-dógeno. A pecuária para carne e as culturas temporárias se mostram importantes na combinação, porém complementares. Essa combinação,

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332 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia

cujo VBP representava 24,6% do VBP agropecuário total da região Norte em 1995 (ver Tabela 7), se desenvolve nos estados de Rondônia (35% de seu VBP) e Pará (24% do VBP, dominantemente no Nordeste paraense (13%), mas também no Sudeste paraense (7%)). Conforme a Tabela 4, a estrutura da produção média, em toda a região, é conformada por cul-turas permanentes (23%), leite (16%) e culturas temporárias (34%).

7. Combinação Camponês.C2 (explica 23,2% da variância total). Uma das duas combinações ancoradas em extrativismo não madeireiro, cujo atri-buto G2 indica consistência quanto ao significado e rentabilidade, sem, contudo, representar lócus ou fonte de investimentos – tem presença e sentido, mas não base para expansão. Tem expressão bastante difusa, com manifestação mais acentuada sob as condições particulares da sub-região estuarina da mesorregião Nordeste paraense (26%) e nos campos de Marajó (17%), mas também no Sudeste paraense (13%) e Metropoli-tana de Belém (6%), no Pará (63%); no Amazonas (33%), sobretudo na mesorregião Centro amazonense (15%). A estrutura da produção média para toda a região se assenta nas culturas temporárias (47%), culturas permanentes (19%), extrativismo não madeireiro (15%) e extrativismo madeireiro (9%).

8. Combinação Camponês.C3 (15,6% da variância total). Combina extrati-vismo madeireiro, pecuária de corte e de leite, esta última apresentando atributo G1, constituindo objeto e fonte de investimentos e acumulação de capacidade produtiva. Ocorrem fundamentalmente no Marajó (44%) e no Baixo Amazonas, no Pará, (74%), e em Rondônia (11%). No esta-belecimento médio, a produção madeireira representa 42% do VBP, a de culturas temporárias, 18%; a produção de culturas permanentes e de pecuária leiteira representam, respectivamente, 9% e 10%. As caracte-rísticas da combinação indicam a possibilidade de ser estágio inicial da combinação Camponês.C1.

9. Combinação Camponês.C4 (10,8% da variância total). Trata-se da combi-nação na qual o extrativismo não madeireiro apresenta maior participação, com interações tênues com a pecuária de corte e de leite. Ocorre prin-cipalmente no Sudeste paraense (18%), também no Marajó (14%) e na sub-região estuariana do Nordeste paraense (14%). Se expressa de modo importante no Acre (7%) e difuso no Amazonas (9%). A estrutura da pro-dução se esteia em 26% de produtos do extrativismo não madeireiro, em outros 26% de culturas temporárias, em culturas permanentes e na pecuá-ria de leite (12% e 8%, respectivamente) e 10% de pequenos animais.

10. Combinação Camponês.C5 (explica 5,2% da variância total). Represen-tado por interações pouco significativas entre culturas temporárias e pe-

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Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 333

cuária de corte. Se manifesta particularmente no Pará (21%, dos quais 15% no Sudeste paraense e 6% no Nordeste paraense) e em Tocantins (20%). A estrutura da produção é concentrada em culturas temporárias (52%), pecuária de corte (15%), pecuária de leite e culturas permanen-tes (12% e 8%, respectivamente).

2.2.6. Atuação institucional e “Combinações C de Grupos de Produtos”Reiteramos a noção de que as trajetórias se desenvolvem confrontando-se, em concorrência materializada no embate entre as estruturas que operam os processos produtivos e suas instituições de suporte. Os modos como o ambiente institucional age sobre as estruturas produtivas e é influenciado por elas são, assim, determinantes na concorrência entre as trajetórias, fun-damento no diferencial de rendimentos que as qualificam nessa concorrên-cia (DOSI, 2006; ARTHUR, 1994).

Para tratar essa questão, as informações relativas ao crédito agropecuá-rio no Censo têm significado especial, pois expressam bem mais que recur-sos de empréstimo. É que, na agricultura, o crédito é fundamentalmente crédito de fomento e, como tal, mecanismo de política. De modo que, em torno dele movimentam-se outras políticas – suas instituições e organiza-ções mediadoras – sendo as mais notórias as de pesquisa tecnológica e as de assistência técnica. Ademais, o crédito reflete o estado geral do ambiente institucional nas áreas rurais. Pois, onde há políticas de ordenamento terri-torial, há crédito; onde as relações de propriedade da terra são dúbias, não há crédito; ou, se existe apesar disso, há algum tipo de organização que o garante. Desse modo, a variável crédito pode ser vista como proxy das relações institucionais dos agentes e suas formas de produção. Ademais, quando o Censo Agropecuário se realizou em 1995, a política de crédito baseada nos Fundos Constitucionais vigia há sete anos, sendo o FNO a mais importante política rural em andamento na região (COSTA, 2005, 2006).

Adotamos, por isso, um Índice de Densidade Institucional (IDI) a par-tir do crédito, o qual resulta da divisão entre participação percentual das “Combinações C de Grupos de Produtos” no crédito (% que acessaram do crédito total) e a participação respectiva no VBP rural (% do VBP rural). Na Tabela 5 estão os resultados desse procedimento considerando a ocorrência da “Combinação C” no espaço. Se o valor do IDI for maior que 1 significa que a combinação C acessou mais crédito que sua importância econômica, permitindo inferir que teve um ambiente institucional que a favoreceu na razão direta do valor do IDI.

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336 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia

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Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 337

Alguns resultados devem ser sublinhados:

Todas as combinações patronais apresentam IDI maior que 1, devendo- se sublinhar os seguintes:

– A Patronal.C2 se destaca com IDI = 2,67. Trata-se da combinação do-minada por culturas permanentes, com rentabilidade contestada, objeto demonstrado de investimento, cuja fonte agora se explicita melhor.

– Anteriormente indicamos três combinações patronais que seriam pro-vavelmente sucessivas – momentos distintos da evolução de um único trajeto –, duas delas, a Combinação Patronal.C4 e Combinação Patronal.C5 confluindo para a outra, a Combinação Patronal.C1. Pois bem, essas três combinações se destacam na sequência: a Patronal.C5, com IDI = 2,34, a Patronal.C4, com IDI = 1,75, e a Patronal.C1, com IDI = 1,39. Essa curiosa hierarquia no IDI é particularmente verdadeira nas duas mesorregiões já mencionadas do Tocantins e na Madeira-Guaporé, em Rondônia. Mas ocorre também parcialmente no Sudoeste e Sudeste do Pará e em Roraima.

– Por seu turno, a Patronal.C3, comandada por silvicultura – uma das duas patronais com atributos classe G1 – apresenta IDI menor que 1.

Todas as combinações camponesas tem IDI menores que 1, com as se- guintes diferenças a considerar.

– A mais relevante é que a Combinação Camponês.C1, na qual se destaca as culturas permanentes e a pecuária leiteira, ambos os grupos de pro-duto com atributo G1, apresenta a maior IDI (0,83).

– A segunda maior expressão do IDI foi o da Combinação Camponês.C5 (0,67): dominada por culturas temporárias e pecuária de corte.

– O mais baixo IDI foi a da Combinação Camponês.C3 (0,23), a qual se indicou antes como provavel preliminar a Combinação Camponês.C1.

– Também são muito baixos os IDI da Combinação Camponês.C2 (0,43) e da Combinação Camponês.C4 (0,30): as duas combinações ancoradas em produção extrativa não madeireira.

2.2.7. Evolução das “Combinações C dos Grupos de Produtos” por uma décadaAs trajetórias evoluem em concorrência, cujo andamento se expressa na diferença nos ritmos de expansão que demonstram. As relações dinâmi-cas entre relevância social, nível de compensação privada e capacidade de acumulação, por uma parte, e ambiente institucional e base produtiva, por outra; as interações, pois, que transformam externalidades em rendimentos

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338 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia

crescentes privadamente apropriados – tanto maiores tais rendimentos em favor de um procedimento tecnológico, quanto mais dominante ele seja no conjunto – referidas a cada trajetória, se expressam, como síntese, na sua capacidade de expansão.

Para analisar este ponto avançando a ideia de que às “Combinações C de Grupos de Produtos” subjazem trajetórias, obtiveram-se as taxas anuais de expansão de cada uma dessas combinações pelo seguinte procedimento: a) Calcularam-se as taxas anuais de crescimento dos grupos de produtos com base no “produto real” do agregado. Uma série de valores de “produto real” constitui indicador da flutuação das quantidades agregadas de produtos de natureza diferente, sendo cada ponto a soma do produto das quantidades no ponto (no ano) por um vetor de preço fixo para todos os pontos (no nosso caso a média dos preços de 1994 a 1996). b) As taxas de crescimen-to dos grupos de produto relativas a um mesmo ano (ver Tabela 6) foram ponderadas pelas proporções com que os grupos respectivos participam na combinação C (conf. Tabela 4), resultando na sua taxa de crescimento agre-gado.

Tabela 6 – Números Índices da evolução do Produto Real dos grupos de produtos – região Norte, 1995 a 2004 ( 1995 = 1)

Grupos de Produtos 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004Pecuária de Corte 1,00 0,96 1,03 1,12 1,19 1,31 1,46 1,62 1,81 2,13Pecuária Leiteira 1,00 0,70 0,80 0,88 0,93 1,00 1,03 1,28 1,39 1,56Culturas Permanentes 1,00 0,92 0,85 0,86 1,05 1,09 2,74 3,02 3,16 2,77Culturas Temporárias 1,00 0,86 0,96 0,96 1,11 1,11 1,15 1,18 1,51 1,50Produtos Madeireiros 1,00 0,87 0,91 0,90 1,07 1,06 1,03 1,06 1,19 1,23Produtos Não-Madei-reiros 1,00 0,83 0,89 0,98 1,04 1,06 1,30 1,34 2,16 1,90

Silvicultura 1,00 0,99 0,87 1,95 1,83 1,82 1,80 1,92 2,12 2,53

Fonte: IBGE, Estatísticas Agrícolas Municipais (PAM), Estatísticas Pecuárias Municipais (EPM), Produção Extrativa Vegetal, Pesquisa Pecuária Municipal.Notas: 1) Todos os estados da região Norte. 2) Produto Real é o um indicador do movimento de quantidades agregadas obtido pela multiplicação das quantidades de todos os anos por um vetor de preço fi xo, no nosso caso a média dos preços de 1994 a 1996. Para culturas permanentes, culturas temporárias, produtos madeireiros e não madeireiros e silvicultura: consideraram-se todos os produtos acompanhados pelo IBGE nos respectivos grupos. Para Pecuária Leiteira considerou-se o número de vacas ordenhadas. Para Pecuária de Corte, considerou-se o rebanho total menos o número de vacas ordenhadas.

Enunciando de outro modo, as taxas de incremento anual das composi-ções Ci são os elementos do vetor coluna Ti = (Sij).(rj), onde os elementos da matriz Sij são as participações relativas dos grupos de produtos j nas composições Ci e os do vetor coluna rj são as taxas de crescimento do grupo de produtos j. Os resultados estão nos Gráficos 1 e 2. c) Calcularam-se as ta-xas de crescimento médio anual das “Combinações C” de modo a captar as

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Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 339

flutuações no tempo. Assim, as taxas de crescimento anual r foram obtidas por regressão das séries contínuas a partir da logaritimazação da fórmula At

= A0.(1 + r)t, para At os números índices da evolução da “Combinação C” e t a variável de tempo (os resultados estão entre parênteses na legendas dos Gráficos 1 e 2).

Gráfi co 1 – Evolução das combinações C de grupos de produtos da forma de produção patronal – 1995-2004 (números índices, 1995 = 100)

Fonte: Tabelas 3 e 5. Ver esclarecimentos metodológicos no texto.

Gráfi co 2 – Evolução das “Combinações C de Grupos de Produtos” da forma de produção camponesa – 1995-2004 (números índices, 1995 = 100)

Fonte: Tabelas 3 e 5. Ver esclarecimentos metodológicos no texto.

Ressaltam os seguintes resultados: A Combinação Patronal.C3 (r = 11% a.a.) e Combinação Patronal.C2 (r = 11% a.a.) destacaram-se em crescimen-to. A primeira corresponde à expectativa de que combinações dominadas por grupos de produtos com classe de atributo G1 tenderiam a prevalecer pela

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340 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia

consistência de seus fundamentos. A segunda corresponde à expectativa deri-vada da sua grande densidade institucional. Por sua vez, as três combinações que parecem sucessivas, crescem de formas semelhantes, contínuas, a taxas crescentes, obedecendo, contudo, a uma hierarquia que indica liderança da Combinação Patronal.C1 (r = 8,7% a.a.), seguida da Combinação Patronal.C4 (8% a.a.) e da Combinação Patronal.C5 (6,6% a.a.).

Correspondendo à expectativa, a Combinação Camponês.C1, com a maior densidade de grupos de produtos com atributo G1 e a maior densida-de institucional entre os camponeses, apresenta um crescimento sustentado à maior taxa média de crescimento na forma de produção (10% a.a.). As segunda e terceira taxas de crescimento são as relativas a Combinação Cam-ponês.C2 (9,2% a.a.) e Combinação Camponês.C4 (8,4% a.a.), nas quais, lembre-se, o extrativismo não madeireiro apresenta relevância. A menor de todas as taxas de crescimento é o da Combinação Camponês.C3 (6,9% a.a.), a combinação que parece ser estágio anterior à Combinação Camponês.C1. A segunda menor taxa verificada foi a da Combinação Camponês.C5 (7,6% a.a.), que compõe, com notável exclusividade, pecuária de corte e culturas permanentes.

3. As trajetórias tecnológicas reveladas Qualificada a produção quanto à relevância social, à efetividade na com-pensação privada e ao desempenho no investimento; verificada, ademais, a estrutura das relações que seus componentes guardam entre si – o nível em que se constituem produções interdependentes; visto, enfim, como essas combinações sofrem a interveniência das instituições e como têm evoluído no período 1995-2004, nos permitimos indicar os grandes movimentos que, resultantes de processos adaptativos conduzidos por agentes, de busca e seleção de possibilidades produtivas e reprodutivas, nos quais se incluem recursos institucionalmente distribuídos, conformam as trajetórias: a sequ-ência de eventos estruturalmente coerentes que configuram o agrário da região Norte. Indicamos seis trajetórias, três patronais e três camponesas, cujas características (apresentadas na Tabela 7) passamos a discutir.

Importante esclarecer que no conjunto de dados criamos uma nova va-riável discreta chamada “Trajetórias Reveladas”, na qual assinalamos com o atributo da trajetória correspondente (Trajetória Patronal.T4, por exemplo) todos os casos (ver Box 1) das “Combinações C” que compõem a trajetória em questão (no caso da Trajetória Patronal.T4, citada como exemplo, os casos que na variável “Combinações C de Grupos de Produtos” estão assinalados com os atributos das combinações Patronal.1, Patronal.4 e Patronal.5). Em

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Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 341

seguida cruzamos a nova variável “Trajetórias Reveladas” com as variáveis indicativas das condições econômicas e técnicas dos estabelecimentos, já dis-poníveis, e obtivemos as características das trajetórias apresentadas na Tabe-la 7 e comentadas a seguir:

Trajetória Patronal.T4 = Patronal. [C5 C4 C1 ( PecCorte ) C5...]. A fórmula acima indica o que segue: há uma trajetória que cha-mamos de Trajetória Patronal.T4 liderada pela Combinação Patronal.C1, a qual se entendeu constituir ponto de chegada da Combinação Patronal.C4 e esta ponto de chegada da Combinação Patronal.C5. Na Combinação Patronal.C1, o grupo de produtos da pecuária de corte constitui o cen-tro. E, dela, se originam os agentes que reestabelecem a Combinação Pa-tronal.C5, fechando um ciclo que requer sempre novos espaços. Seguem as características da Trajetória Patronal.T4.

– Em 1995, atuavam 27.831 estabelecimentos na Trajetória Patronal.T4 (ver primeira linha da Tabela 7), os quais, controlando 33,3 milhões de hectares com 18,4 milhões deles transformados em pastagens, produziam, naquele ano, 28% do VBP do setor rural da região Norte.

– Os procedimentos tecnológicos subjacentes são extensivos em terra, com uma produtividade por trabalhador de R$9.673,40 (valores do VBP corrigidos para 2005) e por área R$52,48/ha, para uma relação terra/trabalhador de 184,31 ha/trabalhador.

– Como implicação dessa característica tecnológica, 71% das áreas degra-dadas por atividades agropecuárias na região foram geradas por essa trajetória (1,6 milhão de ha em 1995): aproximadamente 1/10 da área por ela utilizada, descartado a cada ano, requerendo substituição. Por isso, a trajetória explica 73% dos investimentos declarados em terras na região, a partir de agentes já nela estabelecidos, que continuamente retornam, da Combinação Patronal.C1, à posição inicial da Combinação Patronal.C5.

– O Índice de Intensidade Institucional (IDI) de 1,63 é alto, demonstran-do um correspondente poder da trajetória de configuração das políticas públicas em seu favor. O que explica, em parte, a elevada taxa de in-vestimento de 36% da renda líquida (onde, além dos já mencionados investimentos em terras incluem-se 63% de todos os investimentos do setor na aquisição de animais e 55% das inversões em máquinas).

– A evolução do VBP entre 1995 a 2004 se fez a uma taxa de 8,2% a.a., atingindo ao final R$1,3 bilhões. E tal evolução se fez, no que se refere à intensidade do uso do solo, dominantemente nas mesmas bases e proce-dimentos técnicos, por todo período. Como se demonstrou recentemen-te (COSTA, 2006, 2007), à escala média de 500 cabeças, preponderante

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342 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia

na região, quando se eleva a intensidade (o nível tecnológico) para su-cessivamente 0,86 e 1,02 cabeça/ha, a rentabilidade cai de 1,1% para 0,8% e, finalmente, para –1,6%. Paradoxalmente, larga proporção dos estabelecimentos que conformam a trajetória são economicamente efi-cientes, quando tecnologicamente tradicionais e atrasadas – extensivos no uso do solo. Seja o conhecimento tácito portado pelos agentes eco-nômicos dominantes, seja aquele desenvolvido institucionalmente nesse meio tempo, parecem não ter sido capazes de alterar essa característica da trajetória. De modo que tal crescimento deverá ter correspondido a 3,2 milhões de ha de áreas degradadas em 2004.

– Tal expansão se faz, por outra parte, tencionando ou superando todas as demais trajetórias, com exceção da Trajetória Patronal.T3. Observamos o fenômeno da concorrência entre as trajetórias nas unidades territoriais do seguinte modo: primeiro, encontramos o VBP de cada trajetória para cada microrregião, criando as variáveis VBPTrajetória (1...6); depois, encontramos as correlações de Pearson entre as variáveis “VBPTrajetó-ria”. Se a correlação entre duas trajetórias é positiva e alta, significa que elas se desenvolvem nos mesmos espaços de modo sinérgico – ou complementar. Se a correlação é alta e negativa, significa que elas se desenvolvem em concorrência, superando uma à outra. Se a correlação é próxima de zero, significa que são indiferentes. Os resultados estão na última parte da Tabela 7. Pois bem: verificamos o grau de tensão, nível de concorrência e superação no caso da Trajetória Patronal.T4: em relação à Trajetória Patronal.T1 a correlação de Pearson foi igual a –0,026; em relação à Trajetória Patronal.T2, –0,206; em relação à Traje-tória Patronal.T5, –0,140 e, por último, em relação à Trajetória Patronal.T6, –0,104.

– Nessa capacidade de concorrência que a trajetória demonstra, e na força destrutiva dela derivada, encontram-se os desafios para a produção do conhecimento (C&T) e toda institucionalidade para o desenvolvimento na região, situados num espectro que vai da criação (e desenvolvimento dos mecanismos de internalização) de possibilidades técnicas eficientes para o uso permanente dos recursos naturais no longo prazo (o que ar-refeceria a força de curto prazo), até a formação de técnicas eficientes para corrigir os danos, internalizando à trajetória etapas de reutilização das áreas já degradadas.

Trajetória Patronal.T5 = Patronal.C2 ( Permanentes + Avicultura ). Representa a Combinação Patronal.C2, baseada em cultura permanentes e avicultura.

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Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 343

– A avicultura se realiza na região como momento de uma trajetória de maior abrangência, em relação à qual as especificidades regionais apresentam pouca interveniência – os problemas das plantas de pro-dução não se distinguem muito dos de plantas industriais que aqui se instalam.

– Quanto às culturas permanentes, há questões particulares à sua implan-tação na região que, criando problemas particulares a exigir soluções próprias, configuram trajetória autônoma. Na perspectiva patronal, a implantação de tipo de cultura tem assumido na Amazônia característi-cas de plantation – grande extensão de plantio homogêneo. O resultado é uma recorrente inconsistência em termos de lucratividade – que nossa análise aqui também detectou – comprometendo a capacidade de ex-pansão e afirmação da trajetória.

– Em 1995 eram 4.444 estabelecimentos produzindo 4% do VBP rural da região. Ocupando 29,2 mil trabalhadores equivalentes, dispunha de uma área total de 2,1 milhões de ha, dos quais utilizava 755 mil deles.

– Com produtividade monetária por trabalhador, equivalente à trajetória anteriormente discutida, apresenta uma rentabilidade por área 2,5 ve-zes maior e, com 71,9 ha/trabalhador, a menor relação terra/trabalho de todas as trajetórias patronais. Um resultado disso é que a ela se asso-cia 36 mil ha de áreas degradadas, um valor relativamente baixo.

– A trajetória vem apresentando taxa de crescimento de 11% a.a., a par do maior Índice de Densidade Institucional (IDI) no setor rural da região. Ademais, tem apresentado um crescimento claramente compatível com a Trajetória Patronal.T1 (Correlação de Pearson de 0,133), Trajetória Patronal.T2 (0,270), sendo relativamente indiferente em relação à Tra-jetória Patronal.T5 (0,092).

– De modo que sua inconsistência em termos de rentabilidade, podendo se constituir em barreira para sua evolução – uma alternativa bem mais defensável do ponto da sustentabilidade ecológica que a Trajetória Patro-nal.T4 antes discutida –, se coloca como um desafia à C&T e toda a ins-titucionalidade para o desenvolvimento. Trata-se de superar problemas gerais do paradigma da agricultura homogênea e de grande escala na Amazônia. A agricultura em geral, mas, sobretudo a agricultura de gran-de escala tem evoluído na região sob o peso de dificuldades de ordem técnica: são os transtornos que sofrem os sistemas agronômicos intensi-vos, de composição botânica homogênea, como resultado da fortíssima pressão da biodiversidade amazônica que, favorecida pelo clima quente e úmido, se manifesta ou em um sem número de fungos e bactérias que elevam a probabilidade de predação das variedades agrícolas, ou em um

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344 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia

sem número de plantas invasoras cuja concorrência limita o desenvol-vimento dessas variedades. Ademais, a elevada pluviometria acelera a lixiviação do solo tanto em relação aos nutrientes naturais quanto aos insumos químicos provindos da indústria. Tais determinantes reduzem os ciclos de vida das culturas, a vida útil dos elementos de capital físico e a resiliência produtiva do capital natural, encarecendo relativamente ou, mesmo, impossibilitando certos sistemas produtivos na razão direta da sua frequência e extensão. A exigente tarefa de contrariar tais ten-dências constituiria a agenda da C&T para essa trajetória.

A Patronal.T6 = Patronal.C3 ( Silvicultura ). Representa a combina-ção Patronal.C3, especializada em silvicultura.

– São apenas três estabelecimentos que em 1995 atuavam nessa alterna-tiva tecnológica, produzindo 2% do VBP rural da região, ocupando 2,4 mil pessoas numa área de 1,2 milhão de ha, dos quais 137,4 plantadas.

– A produtividade monetária por trabalhador é mais que cinco vezes a das demais trajetórias patronais e por área é relativamente baixa, de modo que a relação terra/trabalho é a maior de todas. A participação no esto-que de áreas degradadas é, por sua vez, zero.

– A taxa de crescimento tem sido também de 11% ao ano. Diferentemente das plantations das culturas permanentes, as da silvicultura são consis-tentes, apresentando, como já se viu mais de uma vez, classe de atribu-tos G1.

– O principal desafio para a institucionalidade para o desenvolvimento, onde se inclui a produção de conhecimento (C&T), é o de conectar essa trajetória com a Trajetória Patronal.T1, acima discutida, tornando-a uma sucessão factível e de baixo risco. Desafio relevante, considerando que se trata da trajetória de mais baixo Índice de Densidade Institucional de todas protagonizadas por estruturas da produção patronal.

Trajetória Camponês.T1 = Camponês. [C3 C1 ( CultPerm + Lei-te )]. Liderada pela Combinação Camponês.C1, a qual se constitui pon-to de chegada da Combinação Camponês.C3. Na Combinação Camponês.C1, para onde converge a Combinação Camponês.C3, funciona como atrator (centro de convergência) as culturas permanentes e a pecuária de leite, ambos as atividades com a consistência que a classe de atributo G1 permite derivar.

– Baseada nesses fundamentos, com uma taxa de investimento de 7% da renda líquida em 1995, a trajetória logrou se expandir a 11% a.a. até 2004, passando sua participação relativa no VBP rural da região de 29% para 31%.

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Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 345

– Em processos produtivos organizados por 171.292 estabelecimentos, a trajetória absorveu próximo de 50% de todos os investimentos feitos em culturas permanentes na região – confirmando sua característica de fixidez espacial, a trajetória deságua em espaços dados – e 18% da aqui-sição de animais.

– Por outro lado, controlando 9,3 milhões de hectares dos quais utiliza pouco mais que 1/3, os estabelecimentos que protagonizam essa traje-tória mobilizam uma força de trabalho de 723 mil trabalhadores equi-valentes: uma produtividade monetária de R$2.509,45 por trabalhador, produtividade por área de R$104,48/ha e uma relação terra/trabalho de 12,9 ha.

– A trajetória explica 10% das áreas degradadas acumuladas em 1995: 228 mil ha. Uma característica fundamental da trajetória é a de que produz uma intensificação dos processos produtivos por especialização parcial dos sistemas, que, todavia, mantêm um alto grau de complexida-de. Isso é importante numa perspectiva de sustentabilidade e constitui desafio de grande envergadura para as instituições voltadas ao desen-volvimento: para as instituições de C&T, que sejam capazes de produzir conhecimentos ajustados às necessidades tecnológicas de sistemas agro-nômicos complexos, fora dos padrões das simplificações da agricultura altamente especializadas, e para as organizações de fomento, as quais têm de ajustar seus mecanismos de política a uma clientela difusa e heterogênea, em lugar do tipo de clientela com a qual tem mantido relações preferenciais. Sublinhe-se que tais conhecimentos são funda-mentais para elevar a capacidade de concorrência da trajetória, que se mostrou notavelmente contestável na relação com a Trajetória Campo-nês.T3 (a trajetória camponesa extensiva), em relação à qual a correla-ção de Pearson foi de –0,231; mostrou-se também vulnerável, embora fracamente, à Trajetória Camponês.T4 (correlação de –0,026).

– Ademais, há desafios institucionais também importantes em dois tipos de ajustamentos que se produzem como parte da trajetória: a mon-tante, ajustamentos para tornar mais eficiente a passagem dos estabe-lecimentos que atuam pela Combinação Camponês.C3, à Combinação Camponês.C1; e a jusante, no ajustamento das relações crescentes que se estabelecem com a indústria e com mercados amplos, nacionais e internacionais.

Trajetória Camponês.T2 = Camponês. [C4 C2 ( ExtratNãoMad + Agri + Silv. )]. Liderada pela Combinação Camponês.C2, ponto de che-gada da Combinação Camponês.C4, esta trajetória se faz tendo como base o extrativismo não madeireiro em combinação com agricultura di-

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346 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia

versa: cujos resultados são sistemas agroflorestais. Seria expressão de um paradigma – nos quais os processos produtivos pressupõem, em al-gum nível, a preservação da natureza originária.

– Seguem essa trajetória 130.593 estabelecimentos camponeses na região Norte que controlam 3 milhões/ha – dos quais apenas 1/5 aplicado em uso agropecuário – e ocupam 502 mil pessoas.

– A produtividade monetária por trabalhador é a menor de todas as traje-tórias protagonizadas por camponeses, mas a produtividade por área é a maior de todas – posto que a relação terra/trabalho é de apenas 5,99 há/trabalhador.

– Produzindo 18% do VBP do setor rural da região Norte, explica meros 3% da área degradada; tendo seus principais grupos de produtos atri-buto G2 (consistência na rentabilidade privada e relevância social, sem constituir lócus ou fundamento de investimento), apresenta uma taxa de crescimento de 9% a.a. entre 1995 e 2004, não obstante sua taxa de investimento em 1995 ser de meros 3%.

– Não obstante, seus investimentos explicam 39% de todos os investimen-tos em silvicultura, e 16% em culturas permanentes na região. Essa tra-jetória, seria objeto óbvio de uma atuação revolucionária da C&T, se pre-valece uma abordagem de desenvolvimento da região como Fronteira do Capital Natural.

– O Índice de Densidade Institucional é o menor de todas as trajetórias: 0,38. Todavia, crescem as necessidades, a partir de um conjunto de in-dústrias (polpa de frutas, cosmética etc.) que tendem a aumentar em significado.

– As instituições de C&T tenderão correspondentemente a receber deman-das provindas daí e as possibilidades de cooperação podem crescer, nessa interface. Resolver os problemas tecnológicos da trajetória da produção rural, a partir da perspectiva da indústria, pode ampliar a assimetria na relação agricultura-indústria e repartir de modo desigual os resultados, o que deverá ser antecipado e monitorado por pesquisas patrocinadas pelas ciências da sociedade.

– A Trajetória apresenta o enorme desafio de exigir um conhecimento ecológico orientado à produção complexa, a agroecologia – ramo ainda pouco representativo na formação do profissional de C&T em geral e da P&D agropecuária em particular. O progresso nessa área é imprescindí-vel para aumentar a capacidade de concorrência da trajetória, hoje for-temente contestada na concorrência com as trajetórias Trajetória Cam-ponesa.T3 (correlação de Pearson de –0,209) e Trajetória Camponesa.T4 (–0,206).

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A Trajetória Camponês.T3 = Camponês. [C5 ( PecCorte ) C5...]. Representa a Combinação Camponês.C5, combinação organizada por es-tabelecimentos camponeses na qual a pecuária de corte desempenha papel fundamental.

– A trajetória representava 18% do VBP em 1995, perdendo um ponto percentual de expressão ao longo dos 10 anos seguintes.

– Protagonizada por 109 mil estabelecimentos que detinham quase 7 mi-lhões/ha, suas relações técnicas são as mais extensivas no que tange à terra e menos rentáveis no que tange ao trabalho de todas as trajetórias camponesas: rendimento por trabalhador de R$2.615,07, por unidade de área de R$167,33 e relação terra/trabalho de 15,6 ha/trabalhador.

– Por seu turno, explicava 12% do estoque das áreas degradadas.

– Os desafios dessa trajetória para a C&T e a institucionalidade para o de-senvolvimento são similares aos da Trajetória Camponês.T4 – resguarda-das as características e necessidades dos estabelecimentos camponeses que protagonizam.

4. Conclusões: sobre trajetórias, paradigmas e desenvolvimento sustentávelDomina o universo rural do desenvolvimento capitalista um paradigma ou padrão tecnológico que se afirma pela eficiência demonstrada no controle tenso da natureza para que corresponda às necessidades industrialistas. As soluções se sucedem compondo trajetórias tecnológicas que se afirmam, umas por maximizarem ganhos baseados no uso extensivo da terra e dos recursos naturais, ali onde a relação de propriedade fundiária o permite; outras, por maximizarem ganhos baseados no uso intensivo da terra e dos recursos naturais, lá onde os constrangimentos fundiários a isso levam. No primeiro caso, prevalecem as soluções mecânicas; no segundo as químicas e, mais recentemente, as bioquímicas.

Na Amazônia esse paradigma “global” está presente, tanto na esfera da produção de bens, controlada pelos agentes produtivos mediante seus cri-térios próprios de decisão, quanto no universo da gestão das políticas públi-cas, nas quais se destacam aquelas que condicionam a produção e difusão de conhecimento científico e tecnológico. Mas tal “paradigma agropecu-ário” se manifesta aqui por “trajetórias particulares”, marcadas por forte diversidade dos agentes, no que tange à razão decisória e às características estruturais, e por diversidade de situações, no que se refere aos fundamen-tos naturais e fundiários de suas existências. Por outra parte, a história social de muitos desses grupos sociais organizou trajetórias outras que não

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350 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia

são “agropecuárias”, posto que pressupõem, em nível relevante, a manu-tenção da natureza originária. Nesse sentido, elas configuram um padrão tecnológico que poderíamos designar “paradigma extrativista” – porquanto perspectiva particular do uso social dos recursos e de resolução dos proble-mas a isso afetos.

Com efeito, localizamos e caracterizamos, com as estatísticas disponí-veis, elementos de estruturação e dinâmica das grandes trajetórias que re-alizam tais padrões.

a) No contexto de um Paradigma Agropecuário, em que as soluções tecno-lógicas supõem transformação profunda da natureza originária (agrope-cuária) se distinguiram:

1. Trajetória (Patronal.T4) conduzida por agentes patronais, marcada por “uso extensivo do solo”, homogeneização da paisagem (alto impacto na biodiversidade) e “formação intensa de dejetos”: na forma de emissões poluentes (pela queima da floresta na formação de plantações e pasta-gens) e na forma de áreas degradadas.

2. Trajetória (Patronal.T6) conduzida por agentes patronais, marcada por “uso extensivo do solo”, com homogeneização da paisagem (alto impac-to na biodiversidade) e “baixa formação de dejetos”/impacto poluidor.

3. Trajetória (Patronal.T5) conduzida por agentes patronais, marcada por “uso intensivo do solo”, com homogeneização da paisagem (alto impac-to na biodiversidade) e baixa formação de dejetos/impacto poluidor.

4. Trajetória (Camponês.T3) conduzida por agentes camponeses, marcada por “uso extensivo” do solo, homogeneização da paisagem (alto impacto na biodiversidade) e formação intensa de dejetos: na forma de emissões poluentes (pela queima da floresta na formação de plantações e pasta-gens) e na forma de áreas degradadas.

5. Trajetória (Patronal.T1) conduzida por agentes camponeses, marcada por “uso intensivo do solo”, com sistemas diversificados (baixo impacto na biodiversidade) e baixa formação de dejetos/impacto poluidor.

b) No contexto de um Paradigma Extrativista, no qual as soluções tecnoló-gicas supõem integridade da natureza originária, disitinguimos:

1. Trajetória (Camponês.T2) conduzida por agentes camponeses, marcada por “uso altamente diverso das disponibilidades naturais”, com baixíssi-mo impacto na biodiversidade e baixíssima formação de dejetos/impac-to poluidor.

Há um embate entre as trajetórias, expressão do nível de oposição dos paradigmas que as abrigam. Entre os camponeses, a trajetória “extrativa” ou “agroflorestal” – a Trajetória Camponês.T2 – se retrai com a expansão das

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trajetórias “agropecuárias”, mais fortemente quando se trata da Trajetória Campnês.T3 e fracamente quando se trata do Trajetória Campnês.T1. Ela se retrai, igualmente, quando se expande a Trajetória Patronal.T4.

Por sua vez, a trajetória “agropecuária” camponesa intensiva e diversa – Trajetória Camponês.T1 – se retrai quando expande a camponesa (Trajetória Camponês.T3, correlação -0,231) ou a patronal (Trajetória Camponês.T4, correlação -0,026) extensivas e predatórias.

Estabelecido que os desfechos desses confrontos dependem das eficiên-cias relativas das trajetórias em atender necessidades sociais imbricadas na divisão social do trabalho de que, mediadas pelos mercados, fazem parte, e necessidades privadas expressas em compensações que garantem a re-produção social ascendente dos que as operam, opções estratégicas que favoreçam um desenvolvimento com maior esperança de sustentabilidade (social e ambiental) exigiriam esforços institucionais objetivos para tornar mais consistentes os fundamentos principalmente da Trajetória Camponesa.T1 e da Trajetória Camponesa.T2, mas também das trajetórias Trajetória Patronal.T5 e Trajetória Patronal.T6, de modo a habilitá-las na concorrên-cia com a Trajetória Camponesa.T3 e a Trajetória Patronal.T4. Na validação desse princípio estratégico residiria uma revolução institucional capaz de arregimentar os saberes tácitos e laboratoriais necessários a uma fronteira do capital natural e humano, por suposto. Reviravolta nada fácil, posto que representaria inverter as disposições reinantes, como indicado – subverter a ordem de grandeza dos Índices de Densidade Institucional que demons-tramos.

Um último ponto deve ser lembrado. A análise conduzida, por se basear em pesquisa estrutural de 10 anos atrás e proceder a atualizações com os indexadores oficiais até 2004, não trata de fenômenos recentes de grande interesse, como a projeção sobre a Amazônia de duas trajetórias exogena-mente estabelecidas e as iniciativas institucionais que vêm criando alterna-tivas a serem consideradas. No primeiro caso, refiro-me à expansão, sobre áreas da região, do pacote para soja da trajetória mecânico-química vigente em plano mundial, tal como se adaptou a outras áreas do Brasil, e as téc-nicas de exploração florestal manejada, para o que se vem estabelecendo os arranjos institucionais necessários, dentre os quais se destaca o grande esforço no sentido do manejo de biomassa para uma combinação de produ-tos extrativistas (madeira, não madeireira, e resíduos energéticos), numa ótica bioenergética que começa a receber maior atenção para uma políti-ca de desenvolvimento tecnológico. Trata-se do estabelecimento de novos marcos para os dois paradigmas já tratados: um aprofunda a transforma-ção dos fundamentos naturais na agricultura reduzindo-os, em níveis sem precedentes na região, a relações edafo-climáticas intensivamente manejá-

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352 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia

veis; o outro se apresenta como oportunidade de transformar a exploração madeireira na região de extrativismo de aniquilamento para extrativismo de coleta (não muito diferente, em seus efeitos quanto a sustentabilidade, do extrativismo não madeireiro definidor da Trajetória Camponesa.T2). O significado disso para o futuro da região e suas expectativas de desenvolvi-mento moderno, porque economicamente consistente, socialmente equili-brado e ecologicamente sustentável, pode ser muito grande, exigindo, para seu adequado tratamento, novas pesquisas.

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Federalismo fi scal: os efeitos dos fundos de participação dos estados (FPE) e dos municípios (FPM) na distribuição da renda inter-regional e interpessoal no Nordeste brasileiro

Marcelo Callado

1. IntroduçãoEmbora figure entre as 15 maiores economias do planeta, o Brasil se des-taca em diversos estudos comparativos internacionais como possuidor de uma das piores estruturas de distribuição de renda do mundo. Esse fenôme-no tem persistido até mesmo após o fim do longo período de alta inflação das décadas de 1980 e 1990. O Brasil apresenta uma distribuição de renda pior que 90% dos 120 países para os quais há dados sobre a distribuição de renda (RAMOS; MENDONÇA, 2005). Por outro lado, a mesma fonte de dados aponta o Brasil como um País que se coloca entre os 20% de renda per capita mais elevada.

O fenômeno da existência de renda per capita relativamente elevada coexistindo com grandes parcelas da população abaixo do nível de pobreza exige uma explicação. Dado que a população tem uma dotação inicial de ativos a priori, o resultado final da distribuição de renda dentro da socieda-de dependerá de como a sociedade atua em torno dessa dotação inicial.

Em um primeiro momento podemos considerar que as políticas públicas postas em prática pelo Estado são neutras com relação à dotação inicial de ativos. Assim, membros da sociedade com muitos ativos podem administrá-los de forma a receber os retornos correspondentes à posse desses ativos.

Caso o Estado tenha políticas públicas que procurem modificar a dota-ção inicial de ativos da sociedade, os resultados obtidos se dividem em duas hipóteses.

Hipótese 1: o Estado pode atuar para melhorar a distribuição de renda da sociedade, tentando combater a concentração de renda decorrente de uma dotação inicial desigual.

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Hipótese 2: As políticas públicas podem ser planejadas para propiciar maior bem-estar aos membros mais abonados da sociedade, concentran-do ainda mais a renda nas mãos daqueles que já tinham uma dotação inicial favorável.

Segundo Musgrave e Musgrave (1973) o orçamento público se divide em três funções básicas: alocação de recursos, distribuição de renda e esta-bilidade macroeconômica. Cada uma delas pode ser administrada segundo a busca de objetivos específicos, mas levando sempre em consideração a possibilidade de conflito com as outras duas funções orçamentárias.

Sendo os objetivos da estabilidade macroeconômica a busca de um taxa de inflação baixa, pode haver objetivos em comum entre as políticas de dis-tribuição de renda e de estabilidade macroeconômica. Isso ocorre porque a inflação tem conseqüências perversas sobre o processo de distribuição de renda, já que as camadas da população com menor condição de se defender da desvalorização da moeda costumam ser as camadas menos favorecidas. Com isso é de se esperar que um processo de desinflação como o que ocor-reu no Brasil a partir da metade da década de 1990 possa contribuir de forma significativa para a desconcentração da renda no País.

Em um ambiente federalista o processo de distribuição de renda se tor-na ainda mais complexo, pois os objetivos de políticas públicas dos entes federados não necessariamente irão coincidir. Além disso, a função do orça-mento público responsável pela alocação de recursos costuma ter sua res-ponsabilidade mais fortemente dividida entre o poder central e as unidades subnacionais.

Esse artigo está dividido em cinco seções. A Seção 1 irá explorar inicial-mente os aspectos metodológicos da distribuição de renda, o conceito de renda absoluta e de renda relativa e os fatores geradores de renda.

A Seção 2 irá abordar o federalismo fiscal; a distribuição de responsabi-lidades dentro de uma estrutura federalista; como as funções do orçamento público são alocadas em uma estrutura federalista; e como essas funções aju-dam ou dificultam o processo de distribuição de renda.

A Seção 3 desse artigo procurará montar um modelo formal com dados sobre distribuição de renda. Esse modelo procurará estimar a capacidade das políticas públicas de influenciar a alocação de recursos no seio da socie-dade para a obtenção de uma distribuição de renda mais favorável.

A Seção 4 tentará utilizar os dados a respeito da distribuição de renda para examinar de que forma as políticas públicas, como o Fundo de Partici-pação dos Estados (FPE) e o Fundo de Paticipação dos Municípios (FPM),

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têm contribuído para a evolução da distribuição de renda. Essa seção tam-bém examinará a contribuição de outros fatores.

Na Seção 5 serão feitas as considerações finais desse artigo. A partir dessas considerações serão feitas recomendações de políticas para que a atuação do Estado contribua de forma mais efetiva para a distribuição de renda.

2. Metodologia O conceito de renda que se utiliza para verificar a divergência da renda entre indivíduos ou regiões é a renda familiar per capita. A utilização da família como o parâmetro para se medir a renda per capita foi feita devido às grandes diferenças no potencial de captação de renda dentro de uma família. Crianças, assim como idosos e pessoas com condições de saúde especiais tendem a ter pouco ou nenhuma renda. A utilização da renda per capita individual incluindo a renda desses grupos distorceria significativa-mente o conceito de desigualdade de renda.

A partir do conceito de renda per capita parte-se para as medidas de de-sigualdade de renda. Para isso é necessário explorar as medidas de média e de dispersão em torno dessa média. A renda per capita é uma medida de média aritmética das rendas das famílias das regiões a serem estudadas. A medida de dispersão usada comumente para medir a distribuição da renda per capita é o índice de Gini (ou Coeficiente de Gini). O Coeficiente do Índi-ce de Gini é calculado a partir da Curva de Lorenz (ver figura abaixo), que representa a freqüência da renda acumulada pelas parcelas da população, começando pelas parcelas mais pobres até as parcelas mais ricas. A área da figura representada pela área A será tanto maior quanto mais desigual for à distribuição de renda. Uma renda distribuída igualmente entre todos os indivíduos teria a área A igual a zero. O Coeficiente de Gini é dado por:

Coeficiente de Gini = A/(A+B)

onde, 0 ≤ A ≤ 1 e 0 ≤ B ≤ 1.

Duas distribuições de renda iguais podem mascarar situações de bem-estar bem diferentes. O conceito de pobreza serve para diferenciar ambas as situações. Isso ocorre porque em uma primeira situação pode-se ter a maior parte da população em péssimas condições de bem-estar, ainda que a sua distribuição de renda se iguale a outra população onde não há pessoas pobres.

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Figura 1 – Curva de Lorenz

Fonte: Ramos e Mendonça (2005).

O conceito de pobreza feito por uma demarcação de uma linha de bem-estar mínimo abaixo da qual os indivíduos serão considerados pobres. Pobre-za diz respeito a uma noção absoluta de renda. Enquanto que o Coeficiente de Gini procurará demarcar a noção relativa de renda.

2.1. Efi ciência e EquidadeOs conceitos de “renda relativa” (medido pelo Coeficiente de Gini) e “renda absoluta” (medido pelo conceito de Pobreza) representam para a função de bem-estar um embate entre as noções de eficiência e equidade. Quanto menor for percentual de pobreza de uma sociedade, mais eficiente pode ser considerada a função de bem-estar. Quanto menor for o Coeficiente de Gini, mais eqüitativa será considerada a função de bem-estar.

Ramos e Mendonça (2005) procuram hierarquizar as características ne-cessárias que uma função de bem-estar precisa satisfazer:

1. A renda precisa ser repartida de modo que a desigualdade de renda final não seja maior que a da desigualdade da dotação inicial.

2. A “renda absoluta final” não deve ser menor que a “renda absoluta ini-cial” para nenhum indivíduo.

3. A renda no momento final deve ser dividida de forma que a variação da renda acumulada, partindo do indivíduo mais pobre em direção ao indivíduo mais rico, seja sempre maior ou igual a zero.

O conflito entre “eficiência” (exemplificado pelo aumento da “renda ab-soluta” – menor quantidade de pobres) e a “equidade” (diminuição da “ren-da relativa” – menor Coeficiente de Gini) pode ocorrer quando a função de bem-estar aponta uma queda (ou aumento) concomitante tanto da renda absoluta quanto da renda relativa.

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Caso a economia cresça bastante, tirando uma parcela significativa da população da linha da pobreza, é possível que a renda dos mais pobres não tenha crescido a uma velocidade tão grande quanto a renda dos mais ricos. Isso aumentaria a renda relativa, burlando a condições 1 e 3 já cita-das. Nesse caso, a eficiência econômica foi privilegia da em detrimento da equidade.

Em uma situação de estagnação econômica, políticas ativas de renda bem focadas podem transferir recursos para os mais pobres satisfazendo as condições 1 e 3, mas burlando a condição 2 pois os indivíduos mais ricos dessa sociedade estariam tendo queda em sua renda absoluta.

Para que as três condições sejam atendidas, portanto, é necessário que o ambiente macroeconômico conte com uma taxa de crescimento bastante vigorosa do produto, além da distribuição desse crescimento ser feita de forma milimétrica, com cada classe social mais baixa tendo um aumento de renda maior que sua classe imediatamente acima e menor que a sua classe imediatamente abaixo.

2.2. Fatores geradores da RendaEm uma economia de mercado, os indivíduos recebem renda de acordo com a dotação inicial de ativos a sua disposição. A renda pode ser dividida, portanto, pela posse dos fatores capital, trabalho e recursos naturais. Para efeito de análise, considera-se que o fator capital engloba tanto capital fí-sico, quanto capital financeiro e recursos naturais. A posse de Capital gera como renda lucros, juros e aluguéis, enquanto que a posse do fator trabalho gera como renda apenas os salários.

Segundo o Ipea (2006) apenas 3% dos adultos da população brasileira tem renda proveniente de ativos de capital. A principal fonte de renda da população provém do trabalho e das transferências (tanto públicas quan-to privadas). A consequência disso é que as políticas públicas de fomento à educação e à aquisição de habilidades para o trabalho por um lado; e as transferências de fundos públicos (não apenas pelo lado das despesas, mas também pelo lado das receitas) por outro lado representam a forma mais efetiva do Estado de influenciar a distribuição de renda. A criação e manutenção de um sistema tributário é um ponto crucial no processo de distribuição de renda (ALÉM e GIAMBIAGI, 2001). No que diz respeito aos aspectos da eficiência econômica, a aplicação de impostos em determinados setores e sob a responsabilidade de certos entes da federação pode fomen-tar ou reprimir a eficiência econômica.

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3. Federalismo FiscalEntre as três funções do orçamento público citados por Musgrave e Musgra-ve (1973), a alocação de recursos se submete ao princípio da subsidiarieda-de, sendo atribuída à responsabilidade das unidades subnacionais, enquan-to que a estabilidade macroeconômica e a distribuição de renda ficam sob responsabilidade do governo central.

O fornecimento de bens públicos locais pelos entes subnacionais é de-fendido em função da existência de assimetrias de informação e da tendên-cia à uniformização do fornecimento de bens públicos por parte do poder central (STIGLITZ, 1977). O custo da aquisição de informações com parti-cularidades locais por parte do governo central tende a ser muito alto. Já os governos locais têm acesso a essas informações com pouco custo. Assim o princípio da subsidiariedade prega que a maior quantidade possível de bens públicos deve ser ofertada pelos governos subnacionais.

A função Alocação de Recursos tem consequências macroeconômicas, pois a política fiscal tem de ser repartida entre os vários entes federados. Uma estrutura legal de restrição fiscal rígida (hard budget constraint) no nível subnacional pode limitar o efeito das políticas fiscais desses entes. No Brasil a Lei de Responsabilidade Fiscal, que passou a vigorar a partir de 2000, cumpre essa função para os entes subnacionais.

A estabilidade macroeconômica tende a ser atribuição do governo cen-tral, pois na maioria das federações há apenas uma única moeda circulando no espaço nacional, o que exige uma política monetária única. Além disso, as políticas externas, comercial e cambial também costumam ficar a cargo exclusivamente do governo central.

A política de Distribuição de Renda pode ser praticada tanto pelo go-verno central quanto pelos entes subnacionais. Entretanto a literatura a respeito do federalismo fiscal recomenda que os governos centrais se apos-sem da exclusividade dessas políticas (OATES, 1977). Em uma Federação as fronteiras subnacionais são porosas, pois não há impedimento legal (pelo menos dos regimes democráticos) de transposição das fronteiras estaduais por parte dos cidadãos.

Caso uma entidade subnacional (estado ou município) decida praticar políticas de distribuição de renda para beneficiar os residentes mais pobres de seu estado, ou localidade, os indivíduos pobres de localidades próxi-mas terão enormes incentivos a cruzar as fronteiras com os objetivos de se tornarem beneficiários dessas políticas de rendas. Dessa forma o governo subnacional não estará distribuindo renda apenas para os seus habitantes, mas potencialmente para os habitantes de toda a nação, caso os custos de transação associados à imigração sejam baixos.

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Além disso, caso as unidades subnacionais se submetam a um hard bud-get constraint, o orçamento subnacional destinado à política de distribuição de renda tenderá a ter pouco ou nenhum efeito sobre a melhoria de renda das camadas mais pobres da população.

3.1. Distribuição de Renda Interpessoal e Inter-regionalQuando se investiga o problema da desigualdade de renda no Brasil é co-mum encontrar dois problemas básicos. O primeiro problema, a desigual-dade da renda interpessoal: há uma diferença grande na posse de ativos, e consequentemente no retorno desses ativos em forma de Renda. O segundo problema é quando uma determinada parcela da população tem poucos ativos; esses ativos apresentam um retorno muito baixo; e, além disso, essa população e esses ativos se concentram geograficamente em uma determi-nada região. O segundo problema é mais bem reconhecido quando chama-do de desigualdade de Renda inter-regional.

O primeiro tipo de desigualdade, a desigualdade de renda interpessoal é caracterizada por aspectos peculiares como escolaridade, idade, gênero, experiência, habilidades informais e etnia, entre outras características pes-soais (SEN, 1999). Há pouco a ser feito a respeito de desigualdades de renda devido a fatores como gênero, etnia ou idade, a não ser a imposi-ção de políticas antidiscriminação ativas. Na literatura, políticas públicas de valorização dos trabalhadores, como a política de salário-mínimo, têm influência negativa sobre a discriminação por gênero, por idade e por etnia, tornando mais difícil o emprego e, consequentemente, a obtenção de renda por parte de pessoas com características consideradas desfavorecidas pela sociedade com respeito ao gênero (mulheres), à idade (crianças e idosos) e à etnia (minorias étnicas).

As políticas públicas podem atuar de forma mais efetiva quando o dife-rencial de renda ocorre em função dos outros fatores. Quando o diferencial de escolaridade explica parte significativa da desigualdade de renda, o mer-cado de trabalho se encarregará de valorizar monetariamente os mais bem escolarizados, gerando incentivos ao estudo e à aquisição de habilidades. Ao financiar e fomentar escolas, centros de formação técnica e universida-des, o Estado está diminuindo os custos pessoais de aquisição de conheci-mentos e de habilidades formais, aumentando assim o retorno pessoal ao engajamento nos estudos.

Já os incentivos à experiência e às habilidades informais são mais difí-ceis e fomentar por parte das políticas públicas. A identificação na infância de uma habilidade informal (aptidão) pode ajudar a direcionar o indivíduo

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a uma formação educacional diferenciada. O fato das políticas de educação serem universalistas limita a capacidade das escolas, centros de formação e universidades de montarem currículos e cursos para as habilidade e talen-tos particulares de determinados indivíduos. Já a variável experiência cos-tuma ser um fator de aumento da desigualdade de renda, pois é fortemente correlacionado com a idade do indivíduo. Assim como a aptidão, a expe-riência é extremamente recompensada no mercado de trabalho e costuma aumentar, ao invés de diminuir a desigualdade de renda (IPEA, 2006).

A desigualdade de renda inter-regional costuma ocorrer devido a fatores como ausência ou altos custos de mobilidade de capital e de trabalho (custos de transação). A literatura a respeito da economia regional costuma enfatizar o aspecto da concentração espacial da produção (KRUGMAN, 1991). Quando boa parte da produção fica concentrada em um limite espacial bastante res-trito, os habitantes desse espaço geográfico podem ter uma renda muito su-perior aos habitantes de outras regiões. A concentração espacial da produção (também chamada de desigualdade da renda absoluta) é um problema que pode ser resolvido quando as políticas públicas diminuem os custos de tran-sações e consequentemente capital e trabalho puderem circular livremente a um custo bastante baixo. Enquanto os custos de transação não caírem à zero, algum tipo de diferença de renda permanecerá. Mas essa diferença pode cair a um valor muito pequeno, sendo, portanto, negligenciável.

Caso ocorra a concentração espacial em torno de distritos industriais, com as características Mashallianas de Economias de Escala, de Escopo e de Aglomeração, pode-se supor como permanente um diferencial de renda entre essa e outras regiões.

A migração de trabalhadores ocorrerá até que apareçam as desecono-mias de aglomeração, como poluição, engarrafamentos, sobrevalorização de terrenos e aluguéis e outras manifestações de congestionamento da ofer-ta de bens públicos. Assim pode haver diferencial de renda permanente, sem que haja divergência de bem-estar individual, pois os trabalhadores dessa região terão despesas substanciais com bens não transacionáveis como aluguéis, planos de saúde e escolas, sendo esses bens muito mais baratos em outras regiões.

Em uma estrutura federativa, os custos de mobilidade para capital e trabalho são significativamente menores que os custos de transação entre fronteiras internacionais. Assim, o fator trabalho bem qualificado em de-terminada região pode migrar para outras regiões levando ao fenômeno da convergência das rendas regionais.

Outro aspecto que pode gerar diferenças regionais de renda é o dife-rencial de infraestrutura das regiões. A existência de estradas, portos, ae-

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roportos, ferrovias, escolas, universidades e centros de pesquisas podem aumentar o retorno propiciado pelo trabalho em uma determinada região. A dotação inicial de infraestrutura maior em uma região aumenta o salário real dessa região para que se iguale a uma maior produtividade marginal do trabalho (MANKIW, 1995). O processo de equalização das rendas per capita das regiões ocorreria via processo de migração dos trabalhadores das regiões mais pobres na direção das regiões mais ricas (PESSÔA, 2002).

Uma região menos populosa e de renda menor teria menos recursos para financiar os bens públicos locais, entretanto devido a uma população menor a demanda por esses bens também seria menor, aliviando o setor público local de grandes investimentos. Embora a renda absoluta pudesse ser menor, não haveria razão para a renda per capita se mostrar diferente da renda da outra região.

Caso os custos de transação da imigração sejam altos, haverá demora no processo de convergência das rendas regionais, mas isso não implica a hipótese de divergência das rendas. Pessôa (2002) defende que a única possibilidade das rendas diferirem permanentemente seria no caso em que haja divergência das características individuais de produtividade dos traba-lhadores das diferentes regiões.

Assim o problema da desigualdade de renda interpessoal se confundiria com a desigualdade de renda inter-regional. Ou seja, uma região tem uma renda menor porque a população daquela região tem poucos ativos. Posto de outra forma, como a principal fonte de renda da maioria das famílias costuma ser a renda do trabalho, os trabalhadores daquela região são pou-co produtivos, auferindo assim uma renda per capita baixa. A migração como solução do problema explicita as características do indivíduo como resposta para a questão da distribuição de renda e não da região.

Essa hipótese estaria correta caso a maior parte do diferencial de renda entre as regiões seja explicado pelo diferencial de produtividade do trabalha-dor, ou uma característica que justifique as sua produtividade como a esco-laridade. A questão deixa de ser um problema interpessoal e passa a ser um problema inter-regional caso trabalhadores com escolaridades, ou produtivi-dades, semelhantes, tenham rendas muito diferentes nas duas regiões.

3.2. Aspectos Políticos e Sociais da Concentração Espacial da ProduçãoA preocupação de Celso Furtado ao analisar a concentração da capacidade produtiva da indústria no Centro-Sul do Brasil parecia derivar de problemas sociais decorrentes da esfera econômica (PESSÔA, 2002):

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Caso se demonstre que a solução é inviável (a industrializa-ção), não restaria ao Nordeste senão a alternativa entre des-povoar-se ou permanecer como região de baixíssimo nível de renda.

Caso os custos de transação para a imigração fossem muito altos, parce-la significativa da população não seria capaz de se deslocar para as regiões de salários reais mais altos, perpetuando a desigualdade de renda inter-regional.

Caso os custos de transação fossem baixos e a imigração fosse possível para vastas parcelas da população, a ideia de um deserto populacional em uma estrutura federativa não era vista como desejável. Isso decorre do fato do enfraquecimento do equilíbrio federativo decorrente da concentração espacial da produção (AMARAL FILHO, 2001).

Federações quase sempre têm parlamento bicameral, nos quais a câmara baixa representa a população e a câmara alta representa a federação. Quan-do vários entes federados são considerados desertos populacionais, a repre-sentatividade da câmara alta passa a ser questionada, ferindo o equilíbrio federativo ao tornar os votos dos estados mais populosos centrais para a tomada de decisão, enquanto que os votos dos menores entes da federação tendem a ser ignorados (ABRUCIO, 2001). As grandes unidades subnacio-nais passam a ter o poder de veto de fato, ainda que não de direito.

Uma forma de contornar esse problema poderia ser o aumento da qua-lificação dos trabalhadores, pela via da educação e do treinamento da po-pulação nordestina acima da média nacional. Ao vivenciar os fortes fluxos migratórios do Nordeste em direção ao Centro-Sul do País, Celso Furtado não parecia crer na possibilidade do aumento da mobilidade do capital e na eventualidade das indústrias se tornarem mais móveis que os trabalhadores qualificados.

Caso a indústria passasse a se deslocar em busca de trabalhadores, como se começou a constatar na década de 1990 em virtude da chamada “guerra fiscal”, seria importante descobrir como isso afetaria a distribuição de renda inter-regional. Um bom indicador seria investigar a distribuição de renda interpessoal dentro de uma região. Se o fenômeno da concentração de ren-da existe em um ente federado, não há razão para crer que o deslocamento do capital para outra região iria melhorar a distribuição de renda de uma, ou de ambas as regiões.

Caso a atribuição do processo de distribuição de renda fique sob respon-sabilidade do governo central e seja perseguido via políticas que afetem o indivíduo (e não a região), os indivíduos mais pobres, onde quer que eles

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estejam, seriam os principais beneficiários de uma política de distribuição de renda focada nos mais pobres.

Se as regiões mais pobres são menos desenvolvidas em virtude de pos-suírem volumosas quantidades de indivíduos pobres, essas políticas foca-das nos indivíduos pobres também as beneficiariam diretamente, pois mais cidadãos sob sua jurisdição seriam beneficiados que cidadãos em outras unidades subnacionais.

Uma política de distribuição de renda focada nas regiões (como expli-citado pela fórmula de distribuição de recursos do Fundo de Participação dos Estados – FPE) pode desviar recursos que iriam para indivíduos pobres (morem esses indivíduos em regiões ricas ou pobres) e beneficiar exclusi-vamente indivíduos ricos que morem em regiões pobres. Mas, uma política focada em indivíduos pobres, os mesmos serão beneficiados independente-mente do local onde morem. Este segundo tipo de política de distribuição de renda garante necessariamente a prática de uma distribuição inter-regio-nal da renda porque nas regiões menos desenvolvidas há uma quantidade maior de indivíduos pobres.

4. Modelo e dados de distribuição de rendaA utilização do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) na tentativa de diminuir a diferença de renda inter-regional pode ser pensada de acordo com as equações194 (1) e (2) a seguir (WOOLDRIDGE, 2007):

Gi = α + β1 FPE1i + β2 FPM2i + β3 ESC3i + β4 PIBpc4i + β5 POB5i + εi (1)

POBi = α + β1 FPE1i + β2 FPM2i + β3 ESC3i + β4 PIBpc4i + β5 G5i + εi (2)

Alternativamente, uma equação adicional será utilizada para ver a con-tribuição de cada um desses componentes para o crescimento econômico de cada estado (SALA-I-MARTIN, 2002). A equação (3) demonstra como isso será feito:

PIBpci = α + β1 FPE1i + β2 FPM2i + β3 ESC3i + β4 POBpc4i + β5 G5i + εi (3)

194. O modelo foi logaritmizado não só para suavizar o impacto de uma observação extrema em alguma variável num determinado ano, como também para que a estatística R2 e os coefi-cientes forneçam as elasticidades com relação à variável dependente.

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onde:

G representa o Índice de Coeficiente de Gini;

FPE1i representa as transferências provenientes do Fundo de Participação dos Estados (FPE);

FPM2i representa as transferências provenientes do Fundo de Participação dos Municípios (FPM);

ESC4i representa a escolaridade média do estado;

PIBpc5i representa o produto per capita dos estados;

POB6i representa a parcela da população abaixo da linha de pobreza do estado;

α é q constante da regressão;

βi são os coeficientes das variáveis;

εi representa o erro da regressão.

4.1. Especifi cação das VariáveisPIBpc: Logarítimo do Produto Interno Bruto dos estados desinflacionado e dividido pela população para os anos 1985 a 2000, obtido na base de dados do IBGE/SNC e IBGE/PNAD.

Índice de Gini: Logarítimo do Índice de Coeficiente de Gini dos estados para os anos 1985 a 2000, obtido na base de dados do IBGE/SNC e IBGE/PNAD.195

Pobreza: Logarítimo da parcela da população estadual abaixo da linha de pobreza para os anos 1985 a 2000, obtido na base de dados do IBGE/SNC e IBGE/PNAD.

Escolaridade: Logarítimo da média de anos de escolaridade para a po- pulação acima de 25 anos durante os anos 1985 a 2000, obtido na base de dados do IBGE/SNC e IBGE/PNAD.

FPE: Logarítimo dos repasses constitucionais aos estados provenientes do Fundo de Participação dos Estados (FPE) desinflacionados e dividi-dos pela população para os anos 1985 a 2000, obtido na base de dados do IBGE/SNC e IBGE/PNAD.

FPM: Logarítimo dos repasses constitucionais aos municípios agregados por Estado da federação provenientes do Fundo de Participação dos Mu-

195. Foi utilizado um Lag para a variável Índice de Gini. Dessa forma os dados de um deter-minado ano são relacionados com o Coeficiente de Gini do ano anterior. O objetivo desse Lag é eliminar a possibilidade de efeitos de multicolinearidade do Índice de Gini com relação as demais variáveis dependentes.

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nicípios (FPM) desinflacionados e divididos pela população para os anos 1985 a 2000, obtido na base de dados do IBGE/SNC e IBGE/PNAD.

5. Resultados da Análise EmpíricaNa primeira série de regressões expostas na Tabela 1, quando a variável dependente é o Coeficiente de Gini (G), a variável PIBpc não é considerada relevante para um nível de significância de 90% em duas regressões. Na única regressão em que a variável é significante (para um nível de signifi-cância de 95%), o sinal do coeficiente é o esperado, negativo. Isso significa que um aumento de um ponto percentual do PIB per capita de um estado diminui a sua desigualdade de renda em aproximadamente 1,2%. O cresci-mento econômico dos estados tende a ser, portanto, pró-pobre.

O impacto da variável FPE sobre a desigualdade de renda é semelhante ao impacto do crescimento econômico. Quanto mais recursos do FPE um estado recebe, menor tende a ser a desigualdade de renda. Em todas as regressões, a variável FPE se mostrou significante para explicar a variável Coeficiente de Gini. Um aumento de um ponto percentual nos repasses do FPE para um determinado estado tende a diminuir a desigualdade de renda no estado em 1,3%.

Tabela 1: Resultados MultivariadosVariável dependente: Coefi ciente de Gini

PIBpc -0,0119 (0,0134)**

0,0139 (0,0112)

-0,0107 (0,0110)

FPE -0,0052 (0,0042)**

-0,0103 (0,0035)***

-0,0134 (0,0024)***

-0,0079 (0,0037)**

-0,0060 (0,0031)*

ESC -0,0753 (0,0207)***

0,0249 (0,0187)

0,0405 (0,0138)***

0,0295 (0,0177)*

0,0187 (0,0138)

FPM 0,0085 (0,0056)

0,0088 (0,0056)

POB 0,1099 (0,0082)***

0,1082 (0,0081)***

0,0898 (0,0101)***

0,0928 (0,0096)***

Constante -0,3916 (0,0244)***

-0,4552 (0,0207)***

-0,4480 (0,0199)***

-0,4916 (0,0273)

-0,4939 (0,0267)***

R² 13,9497 41,4108 41,1752 37,5757 37,4048Número de Observações 384 384 384 352 352

Fonte: Cálculos do autor baseado em dados primários do IBGE/SCN e IBGE/PNAD.Nota: Erro-padrão entre parênteses. Nível de signifi cância: ***a1%, **a5% e *a10%.

A variável Escolaridade (ESC) foi relevante apenas em três das cinco re-gressões expostas na Tabela 1. Nas três regressões em que a variável teve um grau de significância anteriormente de 90% e 99%, a escolaridade influen-

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cia a desigualdade de renda com mais ênfase que as variáveis anteriores. Em uma das regressões um aumento de um ponto percentual nos anos de escolaridade chega a diminuir a desigualdade de renda em 7,5%. O pitores-co ocorre com duas das regressões em que o sinal da variável escolaridade é positivo. Isso significa que um aumento da escolaridade pode aumentar a diferença de renda entre ricos e pobres. Isso provavelmente ocorre quando os anos de escolaridade aumentam em função dos ricos estarem estudando mais. Quando isso ocorre, apenas essa camada da população desfruta dos ganhos decorrentes de uma produtividade mais alta.

A variável FPM não teve significância para nenhuma das regressões. Ela não influencia o Coeficiente de Gini. A variável pobreza está fortemente correlacionada com o Coeficiente de Gini, chegando a explicar até 11% da desigualdade de renda, quando os indivíduos pobres diminuem em um ponto percentual. Em todas as regressões a variável pobreza se mostrou fortemente relevante a um nível de significância acima de 99%.

Como o Coeficiente de Gini é uma medida de “renda relativa”, a “renda absoluta” pode está crescendo significativamente e, ainda assim, mesmo com a “maré econômica levantando todos os barcos”, certas parcelas da sociedade ganharem menos que outras. Quando o crescimento econômico é baseado no conhecimento, a variável escolaridade pode ser causadora de desigualdade e não de equalização da renda, com é previsto pela teoria.

Para investigar o efeito das variáveis sobre uma medida de renda absolu-ta, trocou-se a variável dependente do Coeficiente de Gini (G) para pobreza (POB). As regressões decorrentes dessa troca estão expostas na Tabela 2.

O crescimento econômico, exemplificado pela variável PIBpc, influen-cia negativamente a quantidade de indivíduos abaixo da linha de pobreza, como previsto pela teoria. A sua influência é bastante significativa, pois um ponto percentual de crescimento econômico a mais chega a diminuir a quantidade de pobres em até 33%, como mostra a Tabela 2.

O aspecto pitoresco das regressões com a percentagem de pobres como variável dependente ocorre quando se procura investigar a influência do FPE. O sinal da variável FPE nas regressões foi sempre positivo, o que sig-nifica que quando o estado recebe recursos do FPE a quantidade de pobres aumenta. Isso pode significar que os recursos do FPE estão indo beneficiar indivíduos muito acima da linha de pobreza. Com isso indivíduos pobres não conseguem sair dessa condição e indivíduos pouco acima da linha de pobreza acabam por cair para condição de pobres depois que o estado re-cebe recursos do FPE. O efeito de aumentos do repasses do FPE em um ponto percentual é de até 11,4% no aumento da pobreza. Como no siste-ma federativo brasileiro há estados que são receptores líquidos, enquanto

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que outros são pagadores líquidos de impostos ao governo federal, o sinal negativo do FPE talvez indique que a pobreza sobe nos estados pagadores líquidos em uma proporção maior que a queda da pobreza nos estados re-ceptores líquidos desses recursos. Isso evidencia que o FPE talvez seja um instrumento ineficaz de política pública de redistribuição de renda.

A variável Escolaridade (ESC) influencia fortemente a queda na quan-tidade de pobres em cada estado. Um ponto percentual a mais de anos de escolaridade é capaz de diminuir a quantidade de pobres em até 121%, mostrando uma enorme capacidade das políticas de educação em tirar as pessoas da pobreza, como prevê a teoria.

Tabela 2 – Resultados multivariadosVariável dependente: Pobreza

PIBpc -0,2471 (0,0513)***

-0,3311 (0,0559)***

-0,2002 (0,1343)***

-0,2348 (0,0690)***

FPE 0,1091 (0,0170)***

0,1140 (0,0188)***

0,0616 (0,0179)***

0,0462 (0,0216)**

0,1013 (0,0145)***

ESC -0,5267 (0,0806)***

-0,5721 (0,0890)***

- 0,6933 (0,0895)***

-0,9119 (0,1065)***

-1,2115 (0,0608)***

FPM -0,1135 (0,0265)***

-0,1179 (0,0293)***

G 2,0745 (0,2330)***

2,9020 (0,2177)***

Constante 1,3667 (0,1672)***

0,4263 (0,1435)***

1,7149 (0,1343)***

0,5783 (0,1257)

0,4698 (0,1232)***

R² 76,2720 70,8377 72,4701 59,5667 58,3334Número de Observações 352 352 384 384 384

Fonte: Cálculos do autor baseado em dados primários do IBGE/SCN e IBGE/PNAD.Nota: Erro-padrão entre parênteses. Nível de signifi cância: ***a1%, **a5% e *a10%.

Ao contrário do FPE, os recursos provenientes do FPM influenciam ne-gativamente a quantidade de pobres em cada estado. Um ponto percentual em recursos adicionais do FPM pode diminuir a quantidade de pobres no estado em até 11,8% a um nível de significância de 99%.

Por último, temos a forte relação entre “renda relativa” e “renda abso-luta” mostrada pelas variáveis POB e G. Para um aumento da desigualdade de renda em um ponto percentual tem-se um aumento na quantidade de pobres de até 290%. É de se esperar que essas variáveis estejam relaciona-das de forma tão próxima, já que tratam do mesmo problema.

A última da série de regressões múltiplas desse artigo procura examinar a influência da relação da desigualdade de renda e da quantidade de pobres de cada estado na capacidade do Estado de obter crescimento econômico. As outras variáveis utilizadas anteriormente também foram incorporadas,

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apesar de não ser o foco principal do estudo. A Tabela 3 abaixo traz um resumo dos resultados encontrados.

Primeiro se nota que o índice de pobreza é fortemente correlacionado com o crescimento do PIB per capita, embora com o esperado sinal negati-vo. Entretanto, a Tabela 2 parece mostrar com mais precisão a direção dessa relação, com o crescimento econômico reduzindo a quantidade de pobres e não uma queda da quantidade de pobres aumentando o crescimento eco-nômico. Na regressão da Tabela 3 uma queda em um ponto percentual na quantidade de pobres é capaz de aumentar o crescimento econômico do estado em até 27,8%. Em todas as regressões a variável POB apresenta um nível de significância de 99%.

Mais uma vez os recursos provenientes do FPE mostram um resulta-do diferente do esperado. Em vez de aumentar o crescimento econômico, os estados que recebem um ponto percentual a mais de recursos do FPE passam a ter um crescimento econômico até 23,5% menor. Se na Tabela 2 os estados não utilizavam os recursos do FPE para diminuir a pobreza, na Tabela 3 os estados não parecem estar utilizando esses recursos para aumentar o PIB per capita, pois o sinal do relacionamento entre ambas as variáveis é negativo.

Tabela 3: Resultados multivariadosVariável dependente PIBpc

POB -0,2537 (0,0527) ***

-0,2773 (0,0468)***

-0,1572 (0,4478)***

-0,1260 (0,0370)***

FPE -0,1780 (0,0155)***

-0,1765 (0,0154)***

-0,2179 (0,0115)***

-0,2217 (0,0111)***

-0,2345 (0,0106)***

ESC 1,0114 (0,0673)***

1,0066 (0,0672)***

1,1112 (0,0634)***

1,1229 (0,0628)***

1,2756 (0,0445)***

FPM -0,0271 (0,0275)

-0,0293 (0,0274)

G -0,2544 (0,2614)

0,2880 (0,2333)

Constante 0,3700 (0,1840)**

0,4964 (0,1303)***

0,6501 (0,1383)***

0,5211 (0,0907)***

0,4619 (0,0903)***

R² 82,8437 82,7968 82,0305 81,9582 81,4079Número de Observações 352 352 384 384 384

Fonte: Cálculos do autor baseado em dados primários do IBGE/SCN e IBGE/PNAD.Nota: Erro-padrão entre parênteses. Nível de signifi cância: ***a1%, **a5% e *a10%.

A Escolaridade (ESC) é a variável que impulsiona o PIB per capita dos estados de forma mais vigorosa. Em todas as regressões essa variável é significativa para um nível de significância de 99%. Um ponto percentual a mais nos anos de escolaridade chega a aumentar o crescimento econômico

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em até 127%. Como as variáveis FPM e Coeficiente de Gini (G) são insigni-ficantes para todas as regressões da Tabela 3, o fator escolaridade é o que melhor explica o crescimento econômico dos estados.

Considerações fi naisTanto nas regressões mostradas na seção anterior quanto nas dispostas nos anexos, a variável Escolaridade (ESC) mostra o sinal (com uma exceção) e a intensidade previstas pela teoria para aumentar tanto a “renda absoluta” quanto para diminuir a “renda relativa”, quando os mais pobres têm acesso à educação. Com isso a discussão entre as diferenças de renda interpessoal e inter-regional ganha um novo subsídio. Focar as políticas públicas na edu-cação de todos os indivíduos, mas principalmente naqueles mais pobres, parece trazer o melhor resultado possível tanto para questões de “renda absoluta” quanto de “renda relativa”.

A discussão do trade-off entre se investir em regiões pobres ou em pes-soas pobres para aumentar a “renda absoluta” e diminuir as diferenças de “renda relativa” parece receber um novo impulso a partir do desempenho do FPE sobre essas variáveis. A variável FPE parece empobrecer os estados que recebem os seus recursos, pois é negativamente correlacionada com POB e PIBpc. Embora a variável FPE diminua a desigualdade de renda, é bastante comum na literatura encontrar economias estagnadas e com gran-des percentuais de pobres que apresentam uma pequena desigualdade de renda.

O FPE, portanto, parece ser o instrumento que contribui para o empo-brecimento das pessoas nos estados pagadores líquidos de receitas fiscais ao governo central. Ao mesmo tempo o FPE pode estar sendo usado para o enriquecimento de pessoas já abonadas nos estados que são receptores líquidos de receitas fiscais do governo central. Dessa forma a diferença da renda inter-regional não está se modificando, enquanto a diferença de ren-da interpessoal piora com o FPE.

Um importante indicado no sentido de mostrar que tipo de política pode ser mais eficiente para aumentar a renda absoluta é o FPM. Nas regressões múltiplas o FPM se mostrou não significante para as variáveis dependentes do Coeficiente de Gini e PIB per capita. Entretanto, a variável é significante com relação à redução da pobreza. A característica particular dos recursos provenientes do FPM é que, ao contrário do FPE, ele não é condicionado à renda do estado ou do município receptor. Com isso, o FPM é distribuído em todo o País baseado apenas no contingente populacional dos municí-pios. A sua capacidade de reduzir a pobreza talvez esteja nesse aspecto: os

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seus recursos podem seguir na direção dos pobres com menos desvios que os recursos do FPE.

Se temos os recursos do FPE e do FPM como um símbolo de políticas com o intuito de distribuir renda entre as unidades da federação (do gover-no central aos governos subnacionais), e políticas do governo central sem a intenção declarada de distribuir recursos entre os entes federados que tal-vez sejam mais efetivas para aumentar a renda absoluta. Políticas econômi-cas que aumentem o PIBpc tem uma capacidade significativa de diminuir a pobreza, aumentando com vigor a renda absoluta da sociedade. Já o efeito sobre as diferenças de renda relativa provocadas por um aumento do PIB per capita são modestos.

Políticas educacionais e de crescimento econômico (como pode ser visto nas tabelas do Anexo) parecem ser mais eficientes para aumentar a “renda absoluta” e diminuir as diferenças da “renda relativa” que políticas espe-cíficas de transferência de renda entre regiões como o FPE e o FPM. Isso mostra que o caminho da diminuição das diferenças de “renda interpessoal” parece ser mais fácil de trilhar que as diferenças absolutas na “renda inter-regional”.

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WOOLDRIDGE, J. M. Introdução à Econometria, uma Abordagem Moderna. Lear-ning: Thomson, 2007.

Anexos

Tabela 4 – Resultados univariadosVariável dependente: Coefi ciente de Gini

PIBpc -0,0337 (0,0060)***

FPE 0,0023(0,0029)***

FPM 0,0137(0,0061)**

POB 0,0795 (0,0054) ***

ESC -0,0882 (0,0113)***

Constante -0,4980 (0,0090)***

-0, 5554 (0,0128)***

-0,5963 (0,0252) ***

-0,4703 (0,0058) ***

-0,4112 (0,0176) ***

R² 7,7015 0,1627 1,4056 35,5834 13,5915Coefi ciente de Correlação -0.2775 0,0403 0,1185 0,5965 -0,3686

Número de Observações 384 384 353 384 384

Fonte: Cálculos do autor baseado em dados primários do IBGE/SCN e IBGE/PNAD.Nota: Erro-padrão entre parênteses. Nível de signifi cância: ***a1%, **a5% e *a10%.

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Tabela 5 – Resultados univariadosVariável dependente: Pobreza

PIBpc -0,6504 (0,0327)***

FPE 0,1654 (0,0202)***

G 4,4703 (0,3077)***

FPM 0,1297 (0,0479)***

ESC -1,3056 (0,0629)***

Constante -0,0288 (0,0495)***

-1, 6484 (0,0889)***

1,4931 (0,1691)

***

-1,4105 (0,1960) ***

1,0435 (0,0974) ***

R² 50,8712 14,9358 35,5834 2,0548 53,0008Coefi ciente de Correlação -0.7132 0,3864 0,5965 0,1433 -0,7280

Número de Observações 384 384 384 352 384

Fonte: Cálculos do autor baseado em dados primários do IBGE/SCN e IBGE/PNAD.Nota: Erro-padrão entre parênteses. Nível de signifi cância: ***a1%, **a5% e *a10%.

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Guiana Francesa: riqueza e fragilidade numa economia periférica

Yves-A. Fauré

IntroduçãoA Guiana francesa, que se estende por uma superfície de 83.534 km2, está situada entre o Suriname ao Oeste, que separa o rio Maroni, e o Brasil com o qual a fronteira é marcada pelo rio Oyapock (ao Leste) e os montes Tu-muc-Humac ao Sul. A sua população não ultrapassava os 200 mil habitan-tes em 2006 de acordo com os dados oficiais. Consequentemente é ligeira-mente povoada – densidade de aproximadamente 2 km2 contra 110 km2 na França metropolitana196 – mas tem conhecido um importante crescimento demográfico que dilui e mascara os progressos medidos pelos indicadores econômicos e sociais.

Mais de 90% do território está coberto por uma floresta equatorial mui-to densa notavelmente preservada. O interior do País é acessível apenas – exceto por via aérea – pelos rios numerosos e largos, mas caracterizados por uma sucessão de quedas d’água, o que complica a navegação. Devido a estas condições naturais, boa parte da população, das atividades e das infraestruturas localizam-se na região litorânea. A capital é Cayenne onde se aglomera mais da metade da população.

A Guiana é uma região que sofre de grandes deficiências herdadas da sua história197 e é confrontada nos tempos atuais com desafios importantes: infraestruturas insuficientes, significativo crescimento demográfico, estrei-teza da sua base econômica, entre outros. Ao mesmo tempo mostra, em muitos domínios, uma melhoria da sua situação e dos seus resultados, por

196. França Metropolitana ou Metrópole: território da França situado na Europa Continental. A Região (letra maíuscula) significa a Guiana enquanto Coletividade territorial institucionali-zada e a região (letra minúscula) corresponde ao conjunto geográfico constituído pela Guiana e os países circunvizinhos.197. O presente estudo não aprofundará o passado da Guiana, mas é importante considerar que a situação contemporânea desse território é claramente condicionada pela sua história e notadamente pelo período colonial. Em uma literatura especializada podemos citar, entre outros, o estudo da história política de S. Mam Lam Fouck, 2007.

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exemplo: crescimento do produto, progressos escolares, ações mobilizado-ras para um desenvolvimento duradouro e mais autocentrado etc.

Esse território, pedaço da Europa na América do Sul, apresenta as ca-racterísticas que justificam seu destaque em uma reflexão dedicada às eco-nomias periféricas.198 Em princípio, trata-se de uma região situada a mais de 7.000 km das autoridades e administrações centrais. A sua trajetória histórica e a sua localização geográfica conduziram, por muito tempo, à sua relativa marginalização, notadamente se comparada com as evoluções mais favoráveis que conheceram as ilhas das Antilhas francesas vizinhas (Guada-lupe e Martinica). Durante muito tempo prisioneira do seu estatuto de co-lônia, então diretamente comandada e gerida pelo aparelho administrativo do Estado central francês, a Guiana foi apenas recentemente reconhecida na sua identidade própria, transformada e organizada em coletividade pú-blica descentralizada.

Outra consideração que justifica a sua menção em uma reflexão sobre as economias periféricas vem do fato de que se os seus dados sociais e infraes-truturais são qualitativamente relevantes e se os seus indicadores econômi-cos demonstram, mais recentemente, uma evolução significativamente po-sitiva, a dinâmica assim engrenada deve pouco às forças, aos agentes e aos mecanismos internos e muito às transferências financeiras e iniciativas, a programas, atividades, investimentos vindos do exterior, mais notadamente da metrópole. A Guiana, não muito conhecida além das suas próprias fron-teiras, é bastante ignorada no continente sul-americano, ao qual pertence. Apresenta, por conseguinte, as características de uma região periférica, ou seja, de uma entidade que não é plenamente soberana dos seus recursos, das suas decisões e da sua evolução.

Ainda assim, apesar desta realidade periférica, os padrões da Guiana, sem serem equivalentes aos da França metropolitana, são claramente mais elevados que os da região internacional que a cerca. Essa situação, por con-seguinte, impõe ao pesquisador um exercício específico, mas necessário: mesmo que ele deva dar-se conta de fatos positivos e de evoluções favorá-veis, notadamente em comparação com os países da região – e sem negli-genciar as referências guianenses menos vantajosas em relação à metrópole – ele deve se interrogar sobre as fontes desta dinâmica, se interrogar sobre como se comporta uma parte da autonomia interna e sustentabilidade. É levado, finalmente, a reconhecer que as alavancas da atividade econômica do território vêm do exterior. Tal é o objetivo deste estudo que convém rela-tivizar permanentemente os dados que são expostos, visto que as interpre-

198. Alguns organismos públicos franceses, e mesmo a União Européia, utilizam às vezes, o termo de “regiões ultraperiféricas”.

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Guiana Francesa 377

tações que daí geram dependem, antes de mais nada, do quadro e da escala nas quais são colocados estes dados. Por fim, alguns economistas falam de “desequilíbrio” para definir a situação guianense (cf., por exemplo, os tra-balhos de ROSELÉ CHIM, 2007). Esta definição não é falsa, mas insuficien-te, pois ela representa apenas os resultados pontuais de mecanismos estru-turais mais fundamentais, remetendo às relações do tipo centro-periferia, que condicionam a situação guianense e influençam a sua evolução.

1. Uma economia relativamente rica e condições sociais favoráveisTentaremos mostrar, mediante algumas rápidas elaborações, que a Guiana dispõe de um quadro institucional claro, sólido e estável que lhe fornece meios que favorecem estabelecer diversas políticas públicas no sentido do desenvolvimento do território. Naturalmente estes instrumentos institucio-nais são condições necessárias, mas não suficientes, para atingir tal objeti-vo. Além disso, evocaremos as evoluções positivas registradas recentemente nas áreas da economia e do social, fundadas sobre os dados disponíveis.

1.1. Autonomia institucional e voluntarismo político do territórioA Guiana tornou-se um Departamento francês em 1946 e foi erigida como Região em 1982. Uma particularidade administrativa reside no fato do terri-tório ser uma região monodepartamental.199 Essas duas entidades adminis-trativas constituem coletividades territoriais dotadas de competências claras em relação às autoridades governamentais centrais, todavia específicas entre elas. São dirigidas por um presidente, vice-presidentes, conselheiros gerais (Departamento) e conselheiros regionais (Região) eleitos pelo sufrágio uni-versal direto. A Guiana comporta ainda 22 cidades dotadas de competências distintas dirigidas por presidentes de câmaras municipais (maires) e verea-dores, todos eleitos também pelo sufrágio universal direto.

As administrações do Estado central estão evidentemente presentes na Guiana através dos seus serviços desconcentrados e sua direção-geral é as-segurada pelo Prefet da Região, representante do governo. O regulamento nacional é aplicável à Guiana como às outras coletividades francesas ul-tramarinas conforme o princípio da identidade legislativa. Contudo, adap-tações são possíveis para levar em conta as peculiaridades e constrangi-

199. Na maior parte dos casos, as regiões francesas são compostas de vários departamentos, eles próprios compostos de municípios.

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mentos específicos de cada território ultramarino (princípio de especifidade legislativa).

As competências destes três níveis de coletividades públicas são, em ge-ral, conformes às que lhes é reconhecido no conjunto do território francês. A Região é mais particularmente competente em matéria econômica: plane-jamento das ações e dos investimentos públicos, defesa dos interesses eco-nômicos, formação profissional, ensino secundário, transportes regionais, portos, participação em empresas de desenvolvimento, cooperação regional e transfronteiriça, apoio às universidades e a pesquisa etc. O Departamento tem por missões principais a gestão dos serviços e as ações de solidarieda-de: ação social e médico-social, financiamentos de ajudas aos jovens, pesso-as em dificuldades (subsídios e bolsas como, por exemplo, o RMI que é um salário dado pelo Estado em visto da inserção profissional do beneficíario etc.), habitação, equipamento rural, transportes interurbanos etc. Os muni-cípios possuem competências, principalmente, nos seguintes domínios: ges-tão dos registros de estado-civil (nascimentos, casamentos, falecimentos), regulamento da circulação, segurança dos bens e das pessoas, aos lados dos corpos nacionais de polícia, gestão das escolas maternas e primárias, urba-nismo, bibliotecas e museus etc.

As coletividades públicas que administram a Guiana (Região e Depar-tamento e, em menor escala, os municípios) dispõem de receitas fiscais di-retas (taxa de habitação, taxa fundiária sobre as propriedades construídas, taxa fundiária sobre as propriedades não construídas, taxa profissional etc.) e indiretas (concessão de mar sobre os produtos importados, direitos de mutação, de taxa sobre os combustíveis etc.).

As ações realizadas e os investimentos operados pela potência pública central são, como poderemos ver, cruciais para o território guianense. Do mesmo modo, as atividades do centro espacial de Kourou continuam a ani-mar a economia da Região. Entretanto, a evolução da Guiana também é assegurada pelos esforços realizados pelas suas coletividades públicas que, nos últimos 15 anos, mais particularmente, dedicaram conjuntos de me-didas e decisões voltadas para o desenvolvimento da região para tentar reanimar antigas cadeias produtivas, atrair investimentos em setores no-vos, renovar e amplificar o parque dos equipamentos e as infraestruturas, melhorar a formação e a qualificação guianense, aumentar o número e a qualidade dos estabelecimentos escolares e universitários etc. Os planos diretores e outros planos estratégicos, estudos e avaliações não faltam e foram concebidos ou encomendados a empresas especializadas e postos em prática pelos responsáveis políticos guianenses.

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Pode-se notar, de fato, mais recentemente, mudanças significativas na composição das elites políticas da Guiana – rejuvenescimento, origens so-ciais mais diversificadas, menor adesão à partidos políticos nacionais200 – que são a origem de um interesse mais acentuado que no passado para o desenvolvimento do território e que demonstram, neste sentido, um evi-dente voluntarismo. Continua a ser, contudo, bem verdade, que os diver-sos setores econômicos guianenses demonstram tantas potencialidades e promessas quantas dificuldades e deficiências. Para além dos problemas de financiamentos e de equipamentos, as necessidades são consideráveis em matéria de profissionalização das cadeias produtivas. Os organismos de pesquisa e a universidade, por conseguinte, são mobilizados pelos res-ponsáveis políticos para dotar estes setores de atividade do capital humano (conhecimentos, competências e inovações) que lhes falta ainda e do qual depende o seu desenvolvimento e, como consequência, o futuro econômico da Guiana.

1.2. Um forte crescimento econômicoO Produto Interno Bruto (PIB) da Guiana que chegava à 1,9 bilhão de eu-ros em 1999, atingiu 2,3 bilhões em 2003 e obteve uma progressão regu-lar desde que chegou à 2,9 bilhões em 2007, ou seja, uma progressão de aproximadamente 6% ao ano nos últimos anos, comparativamente com a taxa de 1,6% atingida pela França metropolitana. A reativação dos investi-mentos públicos e algumas operações de grande envergadura contribuem largamente para esta evolução positiva: grandes projetos que dinamizam o setor da construção e as obras públicas, programa Soyouz da base espacial Kourou, construção de um novo campus universitário – cujo custo total atin-girá os 180 milhões de euros – consideráveis canteiros de renovação urbana em Cayenne, Kourou e Matoury etc. Os motores da economia do território são assegurados, 2/3 pelo consumo, a partes iguais, das famílias e as admi-nistrações, até 14% pelo investimento (FBCF ou formação bruta de capital fixo), por último por exportações modestas e flutuantes.

O PIB per capita da Guiana situa-se em 49% da média nacional enquanto já foi de 62% em 1993. O forte crescimento demográfico da região pesa sobre este dado per capita e tende a anular os efeitos positivos do seu forte crescimento econômico que foi de 5,2%, em média, nos 13 últimos anos a

200. As regiões ultramarinas francesas foram caracterizadas historicamente por alianças – ou mesmo submissões – dos seus eleitos políticos com as principais formações políticas nacionais. Até o ano de 2010, a vida política na Guiana é dominada por formações de esquerda, agora independentes dos partidos nacionais – a principal formação é o Partido Socialista Guianês (PSG).

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ponto de fazer duplicar o PIB guianense neste período. Esta tensão entre, de um lado o dinamismo econômico e do outro o aumento da população, constitui um dos desafios essenciais da Guiana. Levando em consideração apenas a população detentora de um emprego, o PIB per capita representa cerca de 70% da média nacional, o desvio entre os dois indicadores expli-cam-se pela juventude da população da Guiana e por uma taxa de atividade mais fraca.

A economia da região é caracterizada, estruturalmente, por um impor-tante setor de serviços (70% do valor agregado bruto do conjunto dos seto-res), em razão do peso dos serviços públicos (bem superior ao dos serviços às famílias e às empresas devido à importância da função pública), a pre-sença de um setor industrial modesto (13%) em relação à metrópole e sus-tentado pelas atividades espaciais. O comércio (11%) e a construção (8%) são outros setores que contribuem para a riqueza do território enquanto a agricultura e os transportes são economicamente mais modestos. Se, como veremos mais adiante, a economia guianense é dependente das transfe-rências públicas e das atividades do Centro espacial de Kourou, o declínio regular da taxa das importações em relação ao PIB – passado de 100% em meados dos anos 1990 a menos de 50% nos anos recentes – confirma o alargamento do mercado interno, consequência da melhoria do nível dos rendimentos e das prestações sociais.

É esclarecedor passar de uma visão estrutural à uma visão diacrônica. Se o setor público continua importante mesmo que submetido a uma “lim-peza” e a uma redução de tamanho, e se a atividade espacial permanece como um pilar do crescimento econômico local, observa-se o dinamismo evidente do setor da construção e das obras públicas e o desenvolvimento espetacular do setor terciário. Em se tratando, por exemplo, da construção: os seus desempenhos têm um impacto direto na qualidade das infraestrutu-ras e nas condições de vida das famílias. O ritmo das construções acompa-nhou, mais ou menos, a curva do crescimento demográfico. Sobre os 54 mil alojamentos contabilizados em 1999 (85% sendo residências principais) mais da metade foram construídos após 1982. A atividade de construção, consequentemente, é bastante importante na economia guianense. Explica-se não somente pelo pedido sempre elevado de alojamentos, mas também pela existência eficaz de um sistema público de ajudas. Essas ajudas tam-bém permitiram a melhoria da qualidade e o conforto das residências: em 1999 apenas 8,4% dos alojamentos eram, ao mesmo tempo, desprovidos de água e eletricidade.

Em 2003, o rendimento disponível (após imposto) per capita ascendia à 8.299 euros contra 8.536 euros em 2002 e 8.939 euros em 2001. Es-ses números e a sua evolução resumem perfeitamente as especificidades

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da situação econômica guianense que se verificam concomitantemente a numerosos outros indicadores. Por um lado, são elevados em relação aos outros países da região, mas são mais fracos – cerca de 50% – com relação aos da França metropolitana. Por outro lado, como em outros domínios, os progressos reais são reduzidos ou mesmo anulados pelo ritmo importante do crescimento demográfico (saldo natural e saldo migratório).

Em conformidade com o princípio republicano de igualdade dos direitos e dos deveres – que induz outra norma jurídica, a da continuidade terri-torial que impõe ao Estado que financie à sua carga uma parte dos custos adicionais devidos ao afastamento geográfico – o salário-mínimo (SMIC: salário-mínimo interprofissional de crescimento) em vigor na França me-tropolitana é aplicável também na Guiana. Em primeiro de julho de 2008 esse SMIC mensal bruto (para 35 h de trabalho por semana) é de 1.321,02 euros (bruto) e 1.037,53 euros (livre das contribuições sociais e encargos dos assalariados). Mas as remunerações são, de fato, mais elevadas: em conformidade com antigos textos que datam dos anos 1950, assalariados do setor público (Estado, coletividades territoriais, autarquias, função hos-pitalar, ensino público) recebem todos os prêmios que correspondem a 40% do seu salário e muitos empregados do setor privado recebem prêmios de pelo menos 20% do seu salário, em função do custo de vida. O rendimento salarial anual médio na Guiana é de 22.135 euros em 2004, quase idêntico ao da França (22.193 euros), bastante equitativamente repartido entre ho-mens e mulheres (22.197 euros e 22.036 euros). Todos os dados relativos aos rendimentos testemunham, por conseguinte, níveis de recursos muito superiores ao conjunto dos países da região.

Para resumir, os elevados custos de produção ligados aos problemas de transporte e de energia, o nível relativamente elevado das remunerações e das prestações sociais em relação à região, e o fato de se tratar de um ter-ritório em que a vida é bastante cara e os salários altos, fazem com que a economia guianense, embora dinâmica, seja muito pouco competitiva.

1.3. O bom comportamento dos indicadores sociais e os progressos da escolarização O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) realizado sob a égide do Pro-grama das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) é um bom ins-trumento para medir e comparar a qualidade de vida das populações.201

201. É importante lembrar, que o IDH inclui o PIB per capita – medido em paridade de poder de compra para permitir comparações internacionais – e dados sobre educação (taxas de alfa-betização e de escolarização) e sobre saúde (esperança de vida ao nascimento). Quanto mais

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Entretanto, quando se trata da Guiana francesa, os resultados, causados por atrasos históricos, são inferiores aos da França inteira. Verificam-se resul-tados semelhantes nas mais diversas áreas, mesmo sendo esses resultados claramente superiores aos da região. De acordo com as indicações do PNUD para o ano 2005, enquanto o IDH da França era de 0,952, índice que colo-cava o País em 10° colocado no ranking mundial, o índice da Guiana era de 0,862, o que a colocaria na posição 43° no ranking mundial. Nesse mesmo ano, o Brasil atingia 0,800 (70°), a Venezuela 0,792 (74°), a República Do-minicana 0,779 (79°), o Suriname 0,774 (85°), a Guiana (ex-Guiana Ingle-sa) 0,750 (97°) e o Haiti 0,529 (146°). A situação da Guiana era, evidente-mente, mais favorável que a dos países vizinhos. Como um todo, a América Latina e as ilhas do Caribe atingiram um IDH de 0,803 nesse mesmo ano.

A situação da educação na Guiana exemplifica bem os seus avanços como também ressalta os desafios enfrentados pela Região. Os progressos realizados em matéria de escolarização e formação atestam uma evolução favorável, mas ao mesmo tempo limitada e, às vezes, mascarada pela dinâ-mica dos fluxos de população.

Os efetivos dos alunos acolhidos nos estabelecimentos do primeiro grau (escolas primárias) crescem em média de 9% ao ano. Já o aumento do número dos alunos inscritos no ensino secundário é de 8% ao ano. Essas evoluções notáveis da demografia escolar deixam perceber a pressão quan-titativa que será exercida sobre a universidade na Guiana, progressiva e inexoravelmente.

A taxa de acesso ao nível de baccalauréat202 dos jovens guianenses – re-presentada pela relação efetiva entre classes terminais do ensino médio de cada geração implicadas –, embora tendo um aumento progressivamente regular, é de apenas 38,9% na região enquanto é claramente superior nos outros departamentos ultramarinos (56,7% na Reunião, 70,2% em Marti-nica, 73,5% em Guadalupe). Esses resultados são fruto, mais uma vez, de atrasos históricos que só poderão ser reduzidos lentamente, com o tempo. Os alunos que obtêm o baccalauréat não cessaram de ser numerosos na última década. Contudo, mesmo com todos os tipos de baccalauréat juntos, podemos observar na Guiana uma taxa de sucesso ainda fraca (embora em ascensão), e certamente mais baixa que o conjunto da França (71,7% em 2007, 68,8% em 2006 e 65,4% em 2005 na Guiana contra mais de 80% no País).

o índice se aproxima de 1 mais ele assinala um elevado grau de desenvolvimento, nos limites medidos por esse instrumento.202. O baccalauréat (ou Bac abreviado) é um diploma nacional, baseado principalmente em um exame, que comprova o bom nível de estudos no ensino médio e abre acesso à universi-dade.

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Em 1999 apenas 8,6% dos jovens entre 15 e 29 anos eram titulares de um baccalauréat, 3,7% de um diploma Bac+2 e 3,1% de um diploma Bac+4. Em 2005 esses dados estabelecem-se respectivamente a 10,3%, 3,6% e 3,3%. Levando-se em conta apenas a população nativa, os resul-tados de 2005 elevam-se para 13,4%, 5% e 4,9%, comprovando assim os progressos realizados em termos de desempenho escolar, não obstante rela-tivizados pela carência da escolarização, pouco valorizada, das populações de imigrantes.

As evoluções que caracterizam os fluxos de diplomados do ensino médio podem ser identificadas a partir das orientações dos titulares do baccalau-réat sobre o período 1999-2006. Podemos tirar quatro principais lições: a) o número de neotitulares do Bac guianense não parou de aumentar ano após ano, passando de 763 em 1999 para 1.255 em 2006, ou seja, um crescimento de 64,5% do efetivo referido em 7 anos; b) o número de novos titulares do Bac que prosseguem estudos superiores quase duplicou entre os dois limites do período, passando de 427 sobre 763 em 1999 (56%) à 813 sobre 1.255 em 2006 (65%); c) os novos titulares do Bac que eram apenas de 197 em 1999 a prosseguir estudos superiores na Guiana (46% do total dos titulares do Bac que prosseguem estudos superiores) passaram a ser 571 em 2006, ou seja 70% do efetivo total dos titulares do baccalauréat que prosseguem estudos superiores: a partir de 2003 os novos titulares do Bac matriculados nos estabelecimentos de ensino superior na Guiana tornaram-se maioria e esse movimento continuou a tomar uma amplitude notável; d) por fim, restam 65% de novos titulares do Bac que ou não continuam seus estudos ou continuam em outros estabelecimentos de ensino que não os da Guiana. Consequentemente, estes novos titulares do Bac constituem uma reserva substancial de jovens da Guiana potencialmente estudantes que será orientada para os estabelecimentos universitários locais graças à melhoria das condições sociais por um lado, e a atração progressiva dos estudos superiores e a oferta de formação universitária, por outro.

A evolução dos efetivos de estudantes na Guiana reflete quase meca-nicamente este aumento do número dos alunos que saem diplomados do ensino secundário. De fato, os estudantes inscritos em um estabelecimento público universitário guianense eram, em números arredondados, 1.160 em 1999; 1.450 em 2003; e 2.300 em 2007. Trata-se exclusivamente dos estudantes do Instituto de Ensino Superior da Guiana (IESG), do Institu-to Universitário de Tecnologia (IUT), do Instituto Universitário de Forma-ção dos Professores (IUFM), da seção guianense de Unidade de Formação e Pesquisa (UFR) de Medicina e por último do Instituto Universitário de Formação Contínua (IUFC). O Plano Diretor de Desenvolvimento do Polo Universitário Guianense, reatualizado em 2006, prevê um pouco mais de

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três mil estudantes em 2009 e cerca de cinco mil estudantes no horizonte de 2013.203

O aumento demográfico dos efetivos escolarizados, a melhoria das in-fraestruturas, dos equipamentos e da qualidade do ensino, a valorização crescente da educação escolar das populações e a densificação e diversifica-ção da oferta de formação têm por efeitos quase mecânicos um aumento na duração dos estudos, um crescimento regular dos efetivos de alunos que se apresentam ao baccalauréat e uma elevação progressiva da taxa de sucesso no que se refere a esse diploma pré-universitário. Consequentemente, os fluxos de entrada nos estabelecimentos de ensino superior da Guiana são crescentes.

1.4. Dinamismo demográfi co e importância do fato migratórioO crescimento da população instalada na Guiana é um fenômeno demo-gráfico recente e essencial. Recente porque por muito tempo a população guianense permaneceu extremamente reduzida e estável. Era de aproxima-damente 44 mil habitantes nos anos 1960, em seguida saltou para 73 mil em 1982 e hoje excede os 200 mil habitantes.204 O crescimento demográfico foi de 3,8% ao ano entre 1999 e 2006 contra 0,64% na França metropoli-tana. A população da Guiana, no mesmo período, aumentou 10 vezes, mais rapidamente que a população da França metropolitana. Certos estudos comparam a sua explosão demográfica à dos países em desenvolvimento. De acordo com as projeções do Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos (INSEE), o cenário mais modesto mostra uma duplicação da população no horizonte até 2030 (ou seja, mais de 400 mil habitantes) e o cenário fundado sobre tendências mais dinâmicas conduz a uma triplicação da população neste mesmo horizonte.

No período 1999-2006 a parte do crescimento demográfico anual da Guiana devido ao saldo natural (nascimentos menos falecimentos) foi de

203. Na Guiana, outros estabelecimentos públicos, situados fora da universidade no sentido estrito, asseguram também formações pós baccalauréat. Podemos citar, notadamente, os per-cursos BTS (Diploma de Técnico Superior) cujas aulas são ministradas nos estabelecimentos de ensino médio, a Escola de enfermeiros e de enfermeiras, a agência guianense do CNAM (Conservatório Nacional das Artes e Profissões) que forma designadamente engenheiros, o IRDTS (Instituto Regional de Desenvolvimento do Trabalho Social) que dispensa formações nas áreas da assistência social e a educação especializada, o Instituto Consular de Formação que depende da Câmara de Comércio e de Indústria. Estes estabelecimentos e redes de for-mação acolhem cada ano várias centenas de estudantes e os conduzem a diplomas de pelo menos Bac +2. Além disso, o setor comercial foi testemunha da criação, instalação e evolução de numerosos institutos especializados e escolas profissionais que recrutam parte dos alunos titulares do baccalauréat.204. Apesar da qualidade do censo, a importância das migrações clandestinas evidentemente é subestimada e o número real de população é certamente bastante superior aos dados oficiais.

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2,75% (contra 0,39% na metrópole) e a parte devida ao saldo migratório (imigrantes menos emigrantes) ascendeu a 1,03% contra 0,25% na metró-pole. Estes dados testemunham uma taxa de natalidade muito elevada, bem diferente do da França metropolitana. Mostram não somente a importância do fenômeno migratório em relação ao resto do País, mas também a forte contribuição das migrações ao crescimento da população da Guiana france-sa. Em 1990 os imigrantes declarados que residam na Guiana representa-vam 30,5% da população total contabilizada. Apesar das políticas recentes mais restritivas e mais seletivas em matéria de migração esta proporção não diminuiu tendo em vista que os dados provisórios indicam que esta propor-ção era ligeiramente superior à 29% em 2005.205

Os principais países de origem dos imigrantes são: Suriname (33% do total), Haiti (28%), Brasil (17%), Guiana ex-inglesa (6%), República Domi-nicana, China etc. Nota-se uma elevação relativamente recente das migra-ções originárias dos países sul-americanos hispanófonos (Peru, Venezuela, Colômbia). A relativa riqueza da Guiana, sua estabilidade institucional e política, a segurança dos bens e habitantes constituem características que contrastam frequentemente com os países da região e representam um compreensível fator de atração para as populações estrangeiras.

2. A fraqueza dos motores internos e as difi culdades de uma dinâmica autônomaEvocaremos aqui apenas uma série limitada de fatos e processos que tes-temunham que a escassez de alavancas de desenvolvimento propriamente guianenses expõe o território a um condicionamento de decisões e inicia-tivas largamente advindas do exterior o que a faz sofrer os riscos desta de-pendência diretamente ligada ao seu estatuto de economia periférica.

2.1. As difi culdades do emprego local e as fraquezas do tecido socioprofessionnel guianenseA juventude da população guianense é um de seus principais traços já que os maiores de 60 anos são quatro vezes menos numerosos que na metró-

205. O dispositivo regulamentar que permite os agrupamentos familiares dos migrantes expli-ca em parte a manutenção desta proporção, dado que o fato migratório refere-se cada vez mais às mulheres enquanto que, há 20 anos, tratava-se principalmente de homens. Esta proporção de imigrantes leva em conta apenas os imigrantes “declarados”, ou seja, aquelas que dispõem de documentos oficiais que lhes permitem residir e trabalhar na Guiana. De acordo com certas fontes, os imigrantes clandestinos representariam entre um terço e a metade de imigrantes declarados.

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pole. A pirâmide das idades mostra uma forte perda de habitantes na faixa entre 18 e 25 anos em relação à metrópole. Esta “evasão” deve-se a dois fatores: em idade de prosseguir estudos ou bater à porta do mercado traba-lho, o jovem guianense tende a deixar o território.

A taxa de desemprego na Guiana é muito elevada, três vezes mais que na França metropolitana, e tende a crescer: era de 29,1% em 2006 contra 26,4% em 2005 e 26,2% em 2004. De acordo com um novo método de cálculo harmonizado com o plano europeu adotado pela França, a taxa de desemprego na Guiana, em 2007, foi de 20,6%. Se este resultado, conse-quência de uma nova definição mais restritiva do desemprego, é inferior às taxas declaradas anteriormente, ela é ainda muito elevada. As mulheres e os jovens são as categorias mais afetadas por essa situação.

O número de empregos, estabelecido eram cerca de 53 mil no início de janeiro de 2006, progrediu bem claramente: +6% em relação a 2004. Mas como, ao mesmo tempo, a população ativa, representando a mão de obra potencial, cresceu de mais de 9%, a progressão do número de vagas é insuficiente para absorver os fluxos crescentes de pessoas em idade para assumir um emprego.

A parte do emprego assalariado no emprego total é muito elevada mas tende a diminuir regularmente: 87,2% em 2004; 86,9% em 2005; e 85,2% em 2006. Simetricamente, o emprego não assalariado progride ao mesmo tempo de 12,8% para 14,8%. A fraqueza da agricultura e, sobretudo, do se-tor industrial guianense explica que quase 85% dos empregos assalariados sejam localizados nas atividades terciárias, ou seja, um resultado claramen-te mais elevado que na França metropolitana. Este resultado é causado pela função pública que, excluindo-se a defesa nacional, representa mais de 30% da totalidade dos empregos na Guiana.

Os dados do Insee de 1999 atestavam que mais da metade dos jovens da Guiana de 15 até 29 anos não possuía nenhum diploma (55%). Esta taxa diminuiu ligeiramente até atingir 52,5% em 2005. Embora a taxa de desemprego do jovem tenha continuado muito elevada, cerca de 50%, logo, claramente superior à taxa média, as estatísticas mostram também que a obtenção de um diploma aumenta significativamente as possibilidades de acesso a um emprego.

A migração das pessoas nascidas na Guiana e que vão se instalar na França metropolitana é um fenômeno relativamente importante. Observa-se que o número absoluto de residentes na metrópole nascidos na Guiana é correlacionado diretamente à hierarquia do diploma obtido: quanto mais o diploma é elevado, mais são importantes os funcionários guianenses resi-dentes na metrópole. A Guiana tende, por conseguinte, “a exportar” os seus

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quadros formados beneficiando, assim, a metrópole e empobrecendo o seu contingente de trabalhadores.

O exame das categorias socioprofissionais mostra que os agricultores e os artesões, comerciantes e donos de empresas apresentam as mesmas pro-porções que na metrópole (respectivamente 1,3% contra 1,1% e 3% contra 2,8%). Os profissionais de nível intermediário e os de nível superior são na Guiana duas vezes menos numerosos que na metrópole (respectivamente 6,6% contra 9,8 na metrópole e 2,9% contra 5,3%).

2.2. A importância das tranferências fi nanceirasTais transferências referem-se aos financiamentos e aos investimentos pú-blicos do Estado central, ao apoio financeiro da União Europeia bem como à assistência social.

Em 2004 a Guiana se beneficiou, no total, de transferências públicas de aproximadamente, 900 milhões de euros. Trata-se de esforços redistributivos normais realizados pelo Estado central acrescidos de dotações anuais que alimentam os orçamentos das coletividades públicas a fim de reduzir os de-sequilíbrios entre as regiões francesas. Estes financiamentos suplementares passam por dois principais instrumentos de programação plurianual: o Con-trato de Plano Estado-Região (CPER) e os Programas Operacionais (PO).

As ajudas provenientes da União Europeia são igualmente substanciais. Entre 2000 e 2006 a Região recebeu 400 milhões de euros provenientes de Bruxelas através de vários fundos.206 Essas contribuições europeias são feitas em prol das regiões em atraso de desenvolvimento e são aplicáveis notadamente nas seguintes áreas: portos, aeroportos, telecomunicação, pesquisa e inovação, proteção do meio ambiente, formação profissional, setores produtivos geradores de empregos.

Para o período 2007-2013 as ajudas financeiras excederão 1 bilhão de eu-ros em proveniência, metade do Estado francês, metade da União Europeia.

Além destas ajudas diretas existe um conjunto de medidas indiretas fa-voráveis decididas pelo governo central, por exemplo, sob forma de isenção tributária parcial dos investimentos produtivos e habitacionais ou ainda as reduções de impostos sobre o rendimento das pessoas e de sociedades no que se refere às empresas.

206. Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), Fundo Social Europeu (FSE), Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), Fundo Europeu para a Pesca e a Aquicultura (FEP), Programa de Desenvolvimento Rural (PDR).

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Em 2006 o orçamento da Região da Guiana era de 182 milhões de eu-ros dos quais 39% provêm dos impostos indiretos arrecadados pela coleti-vidade territorial e 37% das dotações do Estado central. Se acrescentarmos as subvenções recebidas, este subconjunto de transferências do Estado e de subvenções representa 52,3% dos recursos orçamentários. Consideradas as despesas, verifica-se que os investimentos são muito elevados (68,5%) e con-tribuem para a taxa de crescimento do PIB. Em 2004, o orçamento de outra grande coletividade pública, o Departamento, ascendia à quase 222 milhões de euros, dos quais 29% provinham de dotações e subvenções recebidas do Estado. As despesas de investimento atingiam 18,4% das despesas totais.

As prestações sociais obedecem às mesmas regras de abertura dos direitos e de atribuição existentes na França metropolitana. Uma especificidade dos territórios franceses ultramarinos reside no número, proporcionalmente mais elevado de pessoas beneficiárias do conjunto destas ajudas que na metrópole. Excetuadas as aposentadorias, contam-se aproximadamente 20 subsídios di-ferentes pagos por organismos nacionais e pelas coletividades descentraliza-das, Departamento principalmente. Às prestações mais frequentes em 2005 referiam-se a CMU207 ou “cobertura doença universal” autorizada para 40 mil pessoas, aos Subsídios familiares atribuídos em 2005 a um pouco mais de 24 mil famílias, aos Subsídios escolares atribuídos a mais de 15 mil famílias, ao rendimento mínimo de inserção (RMI)208 emitido a quase 13 mil pessoas, aos subsídios de moradia familiar e moradia social atribuídos a mais de 11 mil pessoas etc.

2.3. Um comércio externo cativoA balança comercial da Guiana é estruturalmente deficitária. A taxa de co-bertura (valor das exportações/valor das importações) é muito fraca (su-cessivamente 20,1%, 17,5%, 13,4%, 12,6% e 14,9% de 2002 até 2006). A França metropolitana, em 2006, se constituía no principal fornecedor (39,2% do valor das importações) e o principal cliente (54,9% do valor das exportações) da Guiana. Os países da União Europeia e as Antilhas france-sas ocupam os ranks seguintes.

A aproximação das séries anuais de produção, exportação e importação permite medir a evolução do nível de dependência da economia guianense

207. O CMU garante à qualquer pessoa, francesa ou estrangeira, residindo no território nacio-nal os cuidados médicos gratuitos no âmbito do regime geral do seguro “doença”.208. O RMI garante um rendimento mínimo de 450 euros mensais para uma só pessoa a 680 euros para um casal – acrescentam-se cerca de 180 euros por criança, em 2008. Qualquer pessoa com mais de 25 anos (ou menos, se tem uma criança sob sua responsabilidade), tem direitos sociais garantidos entre os quais a sua reintegração profissional.

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em relação às importações de bens. Se a taxa de dependência209 varia pouco sobre a longa duração, as evoluções positivas, ou seja, em baixa, demonstra-das por três conjuntos de produtos (“diferentes produtos agroalimentares”, “bens de consumo”, “outros bens intermédios”) contribuíram para a baixa, modesta, mas real, da taxa de dependência, testemunhando por ela mesma o encadeamento de um início de dinâmica virtuosa de import-substitution que deverá ser confirmada com o tempo.

Contudo, convém notar que as trocas externas são fortemente ligadas às atividades espaciais que representam em valor, nestes últimos anos, cerca de 65% das importações e 87% das exportações. O ratio importações/PIB melhorou há uma quinzena de anos até atingir 48% em 2006, compararati-vamente com as taxas de 60% no Suriname e 116% na Guiana ex-inglesa.

Estabelecendo um paralelo entre os dados mais precisos das importações e das exportações dos produtos é possível elaborar o panorama das taxas de cobertura para o ano 2006. Os resultados são muito significativos. Assim, se a Guiana é relativamente autossuficiente no que diz respeito aos produtos agrícolas até 93%, os produtos das indústrias agrícolas e alimentares têm uma taxa de cobertura de 9%, o que indica que a Guiana é dependente até 91% dos produtos importados. Os produtos do vestuário e o couro têm uma taxa de cobertura de 1,6%, os equipamentos residenciais 1,1%, os equipa-mentos mecânicos 8,6%, os produtos de madeiras, de papel ou de cartão 19,6%, os produtos químicos, borrachas e plásticos 1,1% etc.

Enfim, fora os produtos petroleiros que transitavam até os últimos anos pela Trinidade, devido à ausência de um porto de águas profundas na Guia-na, as importações provenientes da região representam apenas 4% do total das importações de bens, o que demonstra uma fraca integração da Guiana no seu ambiente geoeconômico.

2.4. As defi ciências das empresas privadas guianenses e os problemas dos setores tradicionais de atividade De acordo com o Insee, no início de janeiro de 2006, recenseava-se um modesto parque de 8.600 estabelecimentos na Guiana, ou seja, um número ligeiramente inferior se raciocinarmos em termos de empresas. A grande maioria é constituída de pequenas unidades: 70% não empregam nenhum assalariado e apenas 4% empregam mais que 10 assalariados. São 70% dos estabelecimentos que atuam no setor terciário.

209. Calculada de acordo com a fórmula (importações + taxas sobre as importações) / (pro-dução – exportações – variação dos estoques + importações + taxas sobre importações).

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O comércio contabiliza mais 2.550 estabelecimentos (quase 30% do to-tal das unidades), à frente, o setor da construção (17%), os serviços às em-presas (17%), os serviços aos particulares (10%), as indústrias de bens de consumo, de equipamentos, e de bens intermediários (9,5%), transportes (6%), educação, saúde e ação social (6%) etc.

Devido ao volume considerável dos financiamentos externos e aos gran-des programas de investimento, diversas empresas são dependentes das encomendas públicas e das operações de grande porte, consequentemente, sujeitas aos riscos dessas fontes. Além disso, uma característica guianense desse mundo de empresas é que a subcontratação observada nas grandes atividades – espacial, construção etc. – é realizada geralmente por esta-belecimentos que são de fato sucursais de grandes grupos franceses, cuja sede social encontra-se na metrópole.210 Como consequência, limitam-se os efeitos positivos de qualquer natureza – financeiros, de transferências de tecnologia, de inovação, de aprendizagem etc. – que esses grandes setores poderiam exercer sobre o tecido empresarial guianense.

Sabemos, além disso, que as atividades espaciais exercem um duplo efeito sobre a economia do território. De um lado contribuem fortemente – aproximadamente 20% em média – para a formação do PIB da região. Por outro lado, as variações observadas no setor das atividades espaciais, influenciadas pelo número de lançamento dos satélites – e a observação pode também ser feita a propósito dos grandes programas de construção e de obras públicas – geram, no longo prazo, importantes flutuações sobre as taxas anuais de crescimento econômico.

Várias cadeias tradicionais enfrentam dificuldades e algumas estão em declínio. A produção primária participa com apenas 3,7% do valor agre-gado total em 2006 contra mais de 5% em 1993 e esta parte relativa que declina tem por causa, não somente o dinamismo das novas atividades, mas também a deterioração, em números absolutos de produção, de certas cadeias como o arroz e a pesca enquanto outros, como a madeira, possuem dificuldades para se desenvolver. Os custos adicionais de produção, os obs-táculos físicos de acesso, a estreiteza do mercado interno, as dificuldades de organização e a estruturação dos produtores, características ligadas a peri-fericidade da Guiana explicam esta evolução mesmo que a Região disponha de algumas vantagens comparativas devidas à sua situação geográfica.

O pertencimento à França e à Europa, da qual é orgulhosa a maioria dos guianenses, gera, contudo, alguns constrangimentos em termos de de-senvolvimento. Essa dupla referência, receptor da identidade da Guiana,

210. Em 2005 o número de estabelecimentos subcontratantes do Centro Espacial Guianense (CSG) instalados na Guiana era de 85 e empregavam 2.500 assalariados.

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impõe-lhe notadamente o respeito a normas estritas e caras nas áreas, no-tadamente, da saúde, da segurança, do meio ambiente. Resultam dessas prescrições jurídicas, técnicas, econômicas e sociais, prazos burocráticos alongados, importantes custos de avaliação ex-ante dos projetos. No campo das explorações de ouro vários programas são anulados ou ficam atrasa-dos – enquanto os recursos minerais, relativamente abundantes na Guiana, seduzem os investidores211 – bem como, geralmente, os custos adicionais de instalação e funcionamento das unidades produtivas. A proteção do meio ambiente, tomando o exemplo dessa nova palavra de ordem das autorida-des públicas e das sociedades civis, estabelece condições novas e severas em matéria de desenvolvimento. Na Guiana existem mais de 90 espaços naturais registrados e protegidos. O parque nacional amazônico cobre 2 mi-lhões de hectares e o parque natural regional 270 mil hectares. As espécies animais e vegetais ameaçadas de desaparecimento são preservadas em sete reservas, enquanto outros espaços são sujeitos as autorizações da Préfectu-re antes de se empreender alguma atividade. Vários sítios, representando mais de 50 mil hectares, são inscritos nos registos locais, como patrimônios naturais, devido ao seu interesse histórico etc.

ConclusãoOs poucos dados apresentados neste estudo e as análises decorrentes do funcionamento da economia da Guiana confirmam a situação paradoxal deste território. De um lado, além de beneficiar-se de um importante cres-cimento há uma quinzena de anos, apresenta políticas voluntaristas que têm por objetivo reduzir o atraso que acumulou historicamente em relação às outras regiões francesas e atinge níveis de atividade, de rendimentos e de bem-estar social claramente superiores aos países da Região. Por outro lado, pode-se constatar que as alavancas desta evolução positiva situam-se externamente. Muitas características estruturais da economia da Guiana e vários mecanismos essenciais que asseguram o financiamento contribuem para a perpetuação dessa dependência externa. Dessa forma, a Região ain-da está longe de poder realizar, pela mobilização das suas próprias forças reais e das suas vantagens, numerosas, o potencial de desenvolvimento au-tônomo que a colocaria ao abrigo dos riscos vindos da parte externa e, sobretudo, que a veria dominar o seu próprio destino.

211. Esta relativa abundância do ouro é a origem de uma considerável exploração clandestina realizada por exploradores de ouro vindos geralmente dos países vizinhos, tão pouco escrupu-losos, a ponto de utilizar o mercúrio cujos danos são reconhecidamente sérios para os huma-nos e para o meio ambiente, por ser um metal de duradoura e elevada toxicidade.

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Continuam a ser bem evidentes as numerosas deficiências, os proble-mas e dificuldades que definem intrinsecamente a Guiana e que provêm de fatores não totalmente limitados à assimetria estudada aqui. A ausência de transição demográfica, os custos adicionais em termos de transporte e de produção energética, o déficit de formação dos seus homens e das suas mulheres etc. contribuem por eles mesmos às fragilidades e as fraquezas da sociedade guianense. Mas muito dos elementos que caracterizam a situação da Guiana e, em qualquer caso, os que foram expostos seletivamente neste estudo podem ser explicados pela posição periférica da Região.

Referências Bibliográfi casOs dados quantitativos são, principalmente, resultado das bases estatísticas do Insti-tut National de Statistique et d’Études Économiques (INSEE) e do Institut d’Émission des Départements d’Outre-Mer (IEDOM), do Polo Universitário Guianense (PUG), do Banco Mundial e do PNUD.

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—.; CALLORDA, F. E. Emplois qualifiés et formations supérieures en Guyane. Opportu-nités et contraintes. Cayenne: PUG, 2008.

FOUCK, M. L. S. “Les fondements idéologiques et politiques de la départementali-sation de la Guyane française des années 1820 à 1946.” In: S. Mam Lam Fouck (dir), Comprendre la Guyane d’aujourd’hui. Un département français dans la région des Guyanes, Cayenne: Ibis Rouge Editions, 2007, p. 83-103.

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ROSELÉ, C. P. “Les déséquilibres de développement par la migration et l’informel en Guyane.” In: S. Mam Lam Fouck (dir.). Comprendre la Guyane d’aujourd’hui. Un dé-partement français dans la région des Guyanes. Cayenne: Ibis Rouge Editions, 2007, p. 269-293.

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Autores

Alfredo Hualde AlfaroPesquisador do Departamento de Estudos Sociais de El Colegio de la Fron-tera Norte desde 1990 e, atualmente, ocupa o cargo de secretário geral acadêmico. Seu trabalho de pesquisa está centrado na análise da indústria fronteiriça (maquiladora) do norte do México a partir da perspectiva da aprendizagem, da transmissão de conhecimento e dos mercados de tra-balho. Seus estudos compreendem os setores eletrônico, aeroespacial e as PMEs de software. Atualmente, desenvolve um projeto sobre a precariedade do emprego nos call centers do México.

Carlos Américo Leite Moreira Doutor em Economia pela Universidade de Paris. Professor e pesquisador do Departamento de Teoria Econômica, do mestrado em Logística e Pesquisa Operacional e do mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da Universida-de Federal do Ceará, com produção científica nas áreas de Desenvolvimento Econômico, Economia Internacional e Economia Brasileira Contemporânea. Membro do grupo de pesquisa Região, Indústria e Competitividade (RIC) da Universidade Federal do Ceará. E-mail: [email protected].

David RosenthalGraduado em Economia pela Universidade Católica de Pernambuco; Master in Public Administration pela Florida Atlantic University; PhD em Economia pela Universidade de Londres e pós-doutorado em Economia da Tecnologia na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Atualmente aposentado e con-sultor eventual, atuou como professor nos departamentos de Economia da UFPE e da Católica de Pernambuco, assim como, na qualidade de pesquisa-dor, no Núcleo de Estudos para América Latina (Neal) dessa última univer-sidade. Participou também, na condição de pesquisador-bolsista CDR (Bol-sa de Desenvolvimento Científico Regional) do Programa Funcap-CNPq, da implantação do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da Universidade Estadual do Ceará. E-mail: [email protected].

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Eveline Barbosa Silva CarvalhoPh.D. em Economia Aplicada pela University of Illinois em Urbana-Cham-paign-UIUC-EUA. Professora adjunta IV do Departamento de Teoria Econô-mica da Universidade Federal do Ceará (UFC). Membro do grupo de pes-quisa Região, Indústria e Competitividade (RIC) e diretora do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) do Governo do Estado do Ceará.

Fábio Batista MotaDoutorando em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Economia (2007) e bacha-rel em Ciências Econômicas (2004) pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmente, é pesquisador na Unidade de Estudos Setoriais (Unes) da Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA e na RedeSist, do Instituto de Economia da UFRJ.

Fernanda Ferrário de CarvalhoGraduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Pernam-buco (1994); mestrado em Desenvolvimento Econômico pela Universida-de Estadual de Campinas (2000) e doutorado em Economia Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (2005). Atualmente, é economista na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), como coor-denadora de Gestão da Informação para o Desenvolvimento. Em 2009, cur-sou o Programa Northeastern Brazil: Tourism and Infraestructure Studies Program, na The George Washington University – School of Business. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia Regional e Ur-bana. Recentemente, tem-se dedicado também ao estudo da Economia da Cultura e da Economia Criativa. Foi vice-presidente do Instituto dos Econo-mistas de Pernambuco (IEPE) em 1996/1997.

Francisco de Assis CostaEconomista pela UFRN, mestre pelo CPDA-UFRRJ, doutor em Economia (Universidade Livre de Berlim). Foi professor visitante do CBS, Universi-dade de Oxford. É professor associado do Núcleo de Altos Estudos Ama-zônicos da UFPA. Pesquisador associado da RedeSist, IE/UFRJ e da Rede Geoma/MCT. Bolsista de Produtividade de Pesquisa do CNPq.

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Hamilton de Moura Ferreira JuniorDoutor em Economia (Unicamp); professor adjunto da Faculdade de Ci-ências Econômicas da (FCE/UFBA); coordenador da Unidade de Estudos Setoriais da FCE/UFBA.

Helena M. M. LastresPhD em Desenvolvimento, Industrialização e Política de Ciência e Tecnolo-gia, SPRU/Universidade de Sussex, 1992, Inglaterra. Mestre em Engenharia da Produção, Coppe/UFRJ, 1981. Bacharel em Economia, IE/UFRJ, 1975, Brasil. Pesquisadora titular do Ibict/MCT, assessora da Presidência e chefe da Secretaria de Arranjos Produtivos e Desenvolvimento Local do BNDES, desde agosto de 2007. E-mail: [email protected].

Inez Silvia Batista Castro Economista, doutora em Economia pela Universidade Federal de Pernam-buco. Atualmente, é professora da Universidade Federal do Ceará, onde atua como professora do mestrado acadêmico em Economia Rural (UFC Campus Pici) e do mestrado em Desenvolvimento Regional Sustentável (UFC Campus Cariri). É parecerista da Revista Econômica do Nordeste e presta consultoria a órgãos do setor público na área de desenvolvimento e economia internacional.

Jair do Amaral FilhoDoutor em Economia pela Université de Paris XIII; professor titular em De-senvolvimento Econômico no DTE; professor e pesquisador no Curso de Pós-graduação em Economia (Caen) da Universidade Federal do Ceará. Coordenador do grupo de pesquisa Região, Indústria e Competitividade (RIC) (CNPq/UFC) e membro da RedeSist. E-mail: [email protected] ou [email protected].

Jorge CarrilloMexicano, pesquisador do Colef desde sua fundação, em 1982. Membro do Sistema Nacional de Pesquisadores Nível 3. Doutor em Sociologia por El Colegio de México. Desenvolvimento de pesquisas na Espanha, França, Japão e Estados Unidos. Autor de oito livros; coordenador de 20 livros; 99

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capítulos em livros e 80 artigos científicos em espanhol, inglês, alemão, português, italiano, francês, chinês e japonês. Participação em 40 projetos de pesquisa. Interesse principal da pesquisa atual: emprego, inovação e ca-deias de valor em corporações multinacionais no México.

José Eduardo CassiolatoPhD em Desenvolvimento, Industrialização e Política de Ciência e Tecnolo-gia, SPRU/Universidade de Sussex, 1992, Inglaterra. Mestre em Economia do Desenvolvimento, Universidade de Sussex, 1978, Inglaterra. Bacharel em Economia, FEA/USP, 1972, Brasil. Professor do Instituto de Economia (IE/UFRJ) e coordenador da Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (RedeSist) (IE/UFRJ), Brasil. E-mail: [email protected].

Lúcio Flávio da Silva FreitasMestre em Economia (UFBA); doutorando em Economia na Unicamp.

Marcelo CalladoBacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará (1997), mestre em Economia pelo programa de pós-graduação em Eco-nomia da mesma universidade (2001) e doutor em Teoria Econômica (Volkswirtschftslehre) pela Universidade de Colônia (Universität zu Köln), na Alemanha. É professor adjunto do Departamento de Teoria Econômica da Universidade Federal do Ceará.

Maria Cristina Pereira de MeloDocteur em Sciences Economiques pela Université de Paris. Professora as-sociada III do Departamento de Teoria Econômica da Universidade Federal do Ceará. Professora do curso de mestrado em Logística e Pesquisa Opera-cional da Universidade Federal do Ceará. Membro do grupo de pesquisa Região, Indústria e Competitividade (RIC) da mesma instituição.

Noé Arón Fuentes Diretor do Departamento de Economia de El Colegio de la Frontera Norte. Doutor pela Universidad de California at Irvine. É membro do SNI nível

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III e seus temas de pesquisa são: Desenvolvimento Regional e Técnicas de Análise do Desenvolvimento Regional.

Redi Gomis Formado em Psicologia pela Universidade de Havana. Cursou o mestrado em Desenvolvimento Regional e o doutorado em Ciências Sociais em El Colegio de la Frontera Norte. Membro do SIN nível I. Publicou artigos cien-tíficos em revistas mexicanas e livros especializados. Entre os mais recentes estão “As empresas de software e o sistema de inovação regional da Baixa Califórnia”, “Inovação na indústria de software na Baixa California” [coau-toria com Alfredo Hualde], “A indústria de software e a política pública no Estado de Jalisco e na Baixa Califórnia” [coautoria com Bernardo Jaen] e “As corporações multinacionais no México” [coautoria de Jorge Carrillo]. Trabalha atualmente no Departamento de Estudos Sociais de El Colegio de la Frontera Norte, onde estuda redes empresariais e empresas multinacio-nais.

Sárah Eva Martínez Pellegrini Doutora em Economia, especializada nos temas de desenvolvimento econô-mico territorial em termos de organização produtiva e institucional e mo-delos de desenvolvimento. Realizou pesquisa, publicações e docência nestes temas desde 1992. Pesquisadora de El Colegio de la Frontera Norte.

Yves-A. Fauré Doutor da Universidade de Bordeaux (França); ex-professor no Instituto de Estudos Políticos da mesma universidade; ex-diretor da unidade de pesqui-sa Desenvolvimento Local Urbano – Dinâmicas e Regulações, do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), estabelecimento público fran-cês de pesquisa em cooperação e professor na Universidade do Estado Mon-tesquieu-Bordeaux, membro da Ecole Doctorale d’Economie et de Gestion. Foi pesquisador-visitante no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Responsável, com a professora Lia Hasenclever do IE/UFRJ, de dois programas de pesquisa no âmbito do convênio IRD/CNPq sobre o desenvolvimento local no Estado do Rio de Janeiro. Pesquisador as-sociado ao núcleo de pesquisa Região, Indústria, Competitividade (RIC) da Universidade Federal do Ceará liderado pelo professor Jair do Amaral Filho

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para investigar arranjos produtivos locais (APLs). Atualmente, é diretor do Polo Universitário da Guiana Francesa. Especialista em análise de políticas públicas e de relações entre os meios empresariais e os quadros institucio-nais. Autor de diversos livros e numerosos artigos acadêmicos sobre esses assuntos e coautor de livros publicados no Brasil.