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  • Um mapa da aao e organizaao dos

    grupos skinheads no

    estado do Parana

    ~ ~

    Odiados e Orgulhosos

    Ricardo Ampudia

  • Odiados e Orgulhosos

    Ricardo Ampudia

  • Reviso

    Jeferson Augusto Gonalves

    Jean Souza

    Eveline Martins

    Orientao

    Prof. Ms. Rafael Schoenherr

    Capa e projeto grfico

    Ricardo Ampudia Talachia

    Livro-reportagem apresentado como Trabalho de

    Concluso de Curso para obteno do ttulo de

    bacharel em Comunicao Social Jornalismo na

    Universidade Estadual de Ponta Grossa.

    2006

  • s vtimas da intolerncia

  • Sumrio

    Introduo

    Captulo 1- As origens

    O incio do skinhead

    Oi!Oi!Oi!

    Captulo 2 - Tomando posio

    Nem direita, nem esquerda

    We are the reds!

    Pela Direita

    Sangue e Honra

    Blood & Honour no Brasil

    Hamerskins Nation

    Captulo 3- Futebol e pancadaria

    Holligans

    Ultras

    Medo na Copa

    Hooligans Brasileiros

    Captulo 4 - Carecas do Brasil

    Do punk ao careca

    Nazistas moda da casa

    Carecas do ABC

    Captulo 5 - Carecas no Paran

    Carecas de Londrina

    Encontro marcado

    Fascismo brasileira?

    Carecas de Maring

    Verses

    Odiados e Orgulhosos

    Odiados e Orgulhosos

  • Odiados e Orgulhosos

    Captulo 6 - Carecas de Curitiba

    A primeira gangue de Curitiba

    Sulismo

    Punks vs Carecas

    Carecas da capital

    Trads

    Captulo 7 - A ideologia do dio

    A escalada da intolerncia na Europa

    Nazismo reformado

    A grande mentira do sculo XX

    Herana nazista no Brasil

    Carrascos fugitivos

    Captulo 8 - Poder Branco

    Sangue imigrante, sangue ariano

    Hitler vai te matar

    Curitiba White Power

    Os fatos

    O caso

    Os alvos

    No banco dos rus ou

    Ministrio Pblico versus Curitiba White Power

    Captulo Final

    Por que ainda no nos livramos do nazismo?

    Boas iniciativas e a observao final

    Odiados e Orgulhosos

  • Ns, Carecas do Brasil, somos contra

    racistas,

    comunistas,

    anarquistas,

    neonazistas e

    outros lixos que existem em nossa Ptria.

    Somos ultra-conservadores sim!

    Porque Deus criou o homem e a mulher

    e no existe uma terceira opo.

    Temos todo o direito de no aceitar vocs

    libertrios que no fazem nada para ajudar

    o Brasil e s ficam fazendo manifestos idiotas

    ao invs de lutar por uma causa maior,

    contra as drogas, corrupo, por exemplo,

    esses sim so verdadeiros problemas que temos.

    ODIADOS E ORGULHOSOS, SEMPRE! OI!

    PELO NOSSO BRASIL,

    NOSSA SOBERANIA!

    CARECAS DO BRASIL

    ETERNAMENTE.

    LONGA VIDA AO OI! E A NS!*

    *(extrado do fanzine CONSCINCIA OI!Carecas do Vale do Paraba- Jacare-SP)

    7

  • 8

  • Introduao~

    Odiados e Orgulhosos

    Odiados e Orgulhosos

  • No era a primeira vez que ouvia essa histria, j a tinha

    ouvido outras vezes, cada vez com uma maior riqueza de detalhes. A

    verdade que ele nunca gostou muito de tocar nesse assunto, mas

    sempre o fazia com a inteno de reforar a idia de que

    precisvamos ficar atentos para no sermos os prximos.

    Era noite, sentamos em cima de um tijolo de frente um para o

    outro, em sua casa que, durante aquela reforma s tinha um cmodo

    de madeira, dividindo espao com meias paredes de alvenaria que

    ele mesmo estava levantando.

    C.M. punk, tem 28 anos, no consigo precisar desde

    quando nos conhecemos, mas eu tambm era punk, colvamos

    juntos, tivemos uma banda, brigamos, deixamos de nos falar at que

    um dia ele apareceu em minha casa dizendo pra gente deixar as

    desavenas de lado. Ele me ensinou a maioria das coisas que eu sei

    sobre a contracultura punk e me incentivou deveras a escrever este

    livro.

    Enchemos nossos copos de vinho, sob a luz de uma fraca

    lmpada colocada do lado de fora, fazia frio.Vou colocar esse som

    aqui, disse ele de dentro do casebre, estendendo a mo pra fora

    segurando a capa de um vinil do Fear of God e depois a cabea:

    Conhece?.

    - Me conta aquela histria do teu ataque l, como que foi?

    - Vixi, foi nervoso, disse ele apreensivo. Foi uma mo assim:

    A gente tava voltando de um som com vrias bandas punks

    no campus da Federal. Samos em dois casais com uma criana de

    uns oito meses num carrinho de beb. A gente at brincou no

    caminho, o beb tava dormindo e a gente ficou dizendo que ele tinha

    curtido o som.

    A passou por ns um Jipe Toyota e deixou um cara num

    ponto de nibus um pouco a nossa frente, mas nem demos bola.

    Quando dobramos a esquina vimos uns seis caras na outra ponta da

    quadra e achamos a movimentao estranha e j nos ligamos.

    Tentamos desviar, atravessando a rua, passando pelo ponto de

    nibus.

    Quando a gente tava passando pelo ponto, esse cara que

    11

  • desceu antes, virou e me bateu com um soco ingls no rosto. Eu

    atordoei na hora, me recuperei e comecei a sair na mo com o cara,

    nisso os outros que estavam na esquina vieram correndo e gritaram

    careca, punk. Corre!.

    Pedimos para as meninas fugirem com o beb, um dos

    carecas ainda correu atrs da me e cortou as costas dela com um

    faco, mas o companheiro dela segurou o cara com uma corrente.

    Ficamos s ns dois contra os sete caras e resolvemos fugir.

    Sa correndo por uma rua escura com dois caras atrs de mim, um

    deles ficou no meu encalo, estava com um capuz e alguma coisa na

    mo. Ainda lhe perguntei: o que foi que eu te fiz?, a tropecei e

    ca, j em posio fetal, pra me proteger.

    Ele me bateu duas vezes na cabea com uma machadinha,

    por sorte, eu protegia a cabea e pegou minha mo, na hora nem

    percebi o que tinha acontecido, fiquei no cho at quando eu ouvi o

    barulho de tiros, disparados pra cima por um cara pra apartar a

    briga, e os carecas dispersaram.A o jipe passou e todo mundo fugiu

    nele.

    Foi s ento que percebi o que tinha acontecido com minha

    mo, que estava toda ensangentada com os nervos todos expostos.

    O cara dos tiros se aproximou e vi que era um conhecido nosso da

    rua, que j chamou o Siate em seguida.

    O Siate chegou mais rpido do que a gente imaginava,

    estavam ali perto atendendo uma outra ocorrncia de um garoto de

    rua que tinha sido espancado por uns caras, atrs da Igreja, na

    Saldanha Marinho.

    Mas quando chegaram l o garoto j tinha morrido. Depois

    testemunhas disseram que viram o mesmo jipe cinza circulando por

    l naquela noite.

    O M., outro punk que me acompanhava tambm tomou uma

    machadada na mo. Eu passei por vrias cirurgias e alguns meses

    de recuperao, mas fiquei bem, ele j teve os movimentos da mo

    comprometidos.

    Durante o perodo de recuperao eu fiquei morando na

    casa de um amigo. Num certo final de semana, mesmo detonado, fui

    num show pra rever a galera e nessa noite no voltei pra l, fiquei na

    casa de uns outros punks.

    No outro dia de manh, fiquei sabendo que eles [os carecas]

    12

  • estiveram l e num moc ali perto me procurando, dizendo que iam

    terminar o servio.

    Na segunda-feira, logo depois desse dia, quando fomos ao

    centro expor nossos artesanatos, a calada onde a gente expunha

    estava toda pichada em vermelho Contra-ataque skinhead, anar

    cu Oi!Oi!Oi! e duas machadinhas cruzadas.

    A tomei a deciso: Vou embora antes que os caras me

    matem, sa de Curitiba e no pretendo nunca mais voltar a morar

    l.

    Eu me perguntava: a troco de que algum devotaria seu

    tempo e disposio para acabar com vida de outros? Que tipo de

    ideologia era essa, que prega o dio e a intolerncia e quem so essas

    pessoas?

    Essas respostas nunca viriam nas pginas dos jornais, nem

    nos noticirios da TV. Muitas histrias semelhantes a essa ficaram

    ocultas, por medo, e s so ouvidas no submundo da rua, na

    convivncia dos grupos contraculturais e minorias tnicas, que tm

    de arrumar modos para se proteger e no entrar para as estatsticas.

    Foi compartilhando desse medo, o de ser o prximo, que me

    aproximei de uma bem montada rede clandestina de informaes a

    respeito de neonazistas e carecas, mantida por punks de diversas

    cidades do estado. Todo punk sabe da movimentao em sua cidade.

    Faltava desvendar o que era mito e o que era real, descobrir a

    verdadeira retrica dos grupos skinheads paranaenses. Durante

    quase um ano, reuni estrias e entrevistas, alm de passar horas

    revirando papis de arquivo e recortes de jornal e at arriscar meu

    prprio pescoo numa aproximao mais real desse mundo.

    O medo era freqente nas entrevistas, o anonimato era

    pressuposto bsico at para conversas por e-mail. A grande maioria

    de meus entrevistados preferiu usar apenas as iniciais, quando muito

    apenas deixaram revelar seu primeiro nome.

    Iniciei as investigaes tentando descobrir onde se

    concentravam os grupos organizados de skinheads no estado. Ouvi

    boatos sobre o Sudoeste, cidades como Mal. Cndido Rondon e

    Cascavel.

    Outras histrias remetiam a um quase folclrico nazista de

    dois metros e tanto de Cianorte, que hoje bombeiro. Mas as

    13

  • investigaes s renderam frutos nas cidades de Curitiba, Londrina

    e Maring, alm de suas respectivas regies metropolitanas.

    Talvez seja mesmo no subrbio das grandes cidades que as

    culturas skinhead e careca se desenvolvam e assim desde sua

    origem, como veremos adiante. Mas isso no descarta a hiptese

    desse tipo de atividade criminosa (me refiro ao neonazismo) se

    desenvolver bem debaixo de nossos olhos em lugares jamais

    imaginados.

    O trabalho que segue pretende alertar a todos sobre a real

    ameaa neonazista existente no pas e no estado do Paran, bem

    como descriminalizar a to rica e, infelizmente, por vezes deturpada

    contracultura skinhead.

    As pessoas pensam que parania, mas uma coisa

    real. C.M.

    14

  • A origem

    Odiados e Orgulhosos

    1

    Odiados e Orgulhosos

  • O incio do skinhead

    Na dcada de 1960, o mundo viveu umas das mais intensas

    pocas no que diz respeito ao surgimento e disseminao das

    contraculturas juvenis, contestao dos valores morais da poca,

    do autoritarismo e do uso da violncia como forma de protesto.

    A Inglaterra tinha uma efervescncia cultural peculiar,

    sendo a casa dos Beatles, dos pubs undergrounds e de uma cena

    musical que evolua a partir do rocknroll e ainda contava com uma

    diversidade de culturas convivendo nas grandes cidades, fruto da

    imigrao de jamaicanos e asiticos, atrs do progresso que o boom

    econmico traria at a dcada de 70 .

    Foi na segunda metade da dcada de 60 que os primeiros

    skinheads ingleses surgiram. A cultura skin deriva principalmente

    da conjuno de trs outras culturas juvenis: os hardmods, os Rude

    boys jamaicanos e os hooligans.

    Os primeiros so remanescentes radicais da cultura Mod,

    surgida no fim da dcada de 50 e propagada ao mundo

    principalmente por cones do rock como a banda The Who. Eram

    rapazes briges que se vestiam com terninhos caros e

    sapatos impecveis.

    Os hardmods surgiram aps 1964 de um

    grupo de adeptos que queria se distinguir dos mods

    que rejeitavam a violncia como parte de sua

    cultura.

    Nessa poca o Mod j estava em decadncia

    e mostrava sua face violenta. As brigas em pubs

    eram cada vez mais constantes e as roupas

    engomadas foram ento substitudas por algo mais

    confortvel e eficiente para uma possvel briga:

    botas e camisas. Ter o cabelo muito comprido nestas

    situaes tambm no favorecia, o que foi cada vez

    mais baixando o corte dos hardmods.

    1

    At 73 a Europa viveu a chamada poca de ouro. Com o crescimento da indstria e, conseqentemente dos postos de trabalho, levas de imigrantes chegaram Inglaterra, o que anos

    mais tarde, quando a era dourada acabou, causaria uma grave crise social.

    1

    17

  • Os Rude Boys eram um grupo de jovens jamaicanos,

    amantes do ska (msica rpida, com metais, mais acelerado que o

    reggae) e usavam terninhos com mangas curtas e calas com o

    coturno mostra. Os primeiros skins eram filhos de operrios que

    dividiam o bairro com migrantes jamaicanos e seus filhos, que

    trataram de importar a cultura Rudeboy para a Ilha.

    J os hooligans apareceram na cena cultural europia aps a

    Copa de 1966, que iniciou um grande boom entre os ingleses: a

    paixo pelo futebol. Os jovens aprenderam a freqentar os estdios,

    a irem em partidas fora de casa e, como era tpico da juventude da

    poca, arranjar confuso.

    Verdadeiros campos de batalha se formaram nas

    arquibancadas por garotos armados de pedras, alambrados, laranjas

    e botinas (da o termo bootboy - como so chamados os skins que

    vo aos estdios), quanto maior era a represso policial mais a

    confuso ia sendo levada para fora dos estdios, chegando s

    estaes de metr, pubs e becos.

    Em 1969, skinhead era o termo cunhado para definir este

    novo grupo de garotos arruaceiros, provenientes dessa mescla

    cultural, de visual caracterstico pela cabea raspada, camisas

    justas, calas jeans curtas ou dobradas o modelo preferido era

    Levis, feita para usar na altura do quadril, mas eram puxadas para a

    cintura, da a necessidade de um suspensrio e coturnos bem

    engraxados, sempre dispostos a brigar.

    Mas o que definia um verdadeiro skinhead ingls no era

    apenas seu visual, mas o esprito rueiro, o orgulho de pertencer a um

    grupo, de ter nascido e vivido em um lugar, da advinham as

    qualidades mais admiradas pelos skins: a fora, a honra e o orgulho.

    Oi!Oi!Oi!

    No final de 1970, as coisas no iam bem para os skinheads.

    O governo ingls resolveu tomar providncias quanto ao seu mau

    comportamento, para limpar a imagem do pas na imprensa do

    mundo todo, um verdadeiro toque de recolher foi imposto aos skins

    londrinos.Qualquer um de botas e cabea raspada andando pelas

    2

    -

    -

    2

    O termo skinhead era utilizado devido ao penteado curtoquepossibilitava ver o courocabeludo.

    18

  • ruas era alvo da polcia, sedenta por faz-los andarem na linha.

    A cultura skinhead era associada puramente violncia,

    justamente pela garotada mais nova na cena, que s se importava em

    confrontar gangues rivais ou qualquer um que usasse jaqueta de

    couro e topete brilhantina.A dura represso policial e alguns

    amigos na cadeia levaram muitos a aposentarem o suspensrio e

    optar por uma vida mais comum.

    O surgimento do punk, em 1976, parecia ter abafado de vez o

    esprito de 69 (como ficou conhecido a raiz do skinhead - a primazia

    do vestir, os bailes de reggae e ska jamaicanos e as gangues de

    bairro), mas, pelo contrrio agitou um novo levante dos skins

    ingleses.

    Em 1976, os Sex Pistols despontavam como um tapa na cara

    do mercado musical. Apontada como a primeira banda punk, era

    composta de garotos mal vestidos, declaradamente a favor das

    drogas e da libertinagem, cantando composies nada educadas,

    num estilo extravagante que ia alm do que tinha se visto nos palcos

    at ento.

    Mas poucos anos depois, o discurso vazio do vocalista

    Johnny Rotten e seu empresrio Malcon Mclaren, dono de uma loja

    de roupas caras num boulevard da cidade, j no fazia mais a cabea

    dos punks londrinos interessados em mudar o estado das coisas, em

    combater a misria e o militarismo.

    As incessantes aparies dos Pistols na mdia deixaram de

    ser chocantes e, em 1978, a atitude punk de contestar o consumo e a

    moda havia sido abocanhada pelo prprio mercado e alguns

    anunciavam que a essncia do punk havia morrido.

    Enquanto isso acontecia, de 76 a 78, alguns punks ingleses,

    desiludidos com o punk de boutique que fazia o circuito nada

    underground da cidade, raspavam a cabea em sinal de repdio aos

    falsos punks e adotavam a rua como o lugar dos acontecimentos.

    Nascia o esprito rueiro e, na esteira do punk rueiro,

    surgiam bandas como Cock Sparrer, Angelic Upstarts, Cockney

    Rejects, e a mais importante de todas, Sham 69. Pela primeira vez as

    mesmas pessoas que curtiam o som nas gigs eram as mesmas que

    estavam no palco e as gigs iam pipocando pela Inglaterra.

    3

    3

    Festivais de msica promovidos de/para skinheads, o termo tambm usado pelos punks

    19

  • As confuses nos shows iam sistematicamente acabando

    com as bandas, os partidrios do National Front e do British

    Moviment, organizaes da extrema-direita inglesa, que se

    encarregavam de fechar gigs antifascistas sempre apareciam

    procurando uma briga ou outra.

    Quando no eram eles eram partidrios da Rock Against

    Racism - organizao juvenil da esquerda inglesa que promovia

    shows de bandas contra o racismo - acusando as bandas de ligaes

    com o neonazismo e propaganda xenfoba.

    A simpatia com a direita tornara-se, j em 76, um grave

    problema para a cena musical inglesa, a mdia acusava qualquer

    banda cujo pblico era formado por skins, de fascistas e partidrios

    do NF. A questo que as acusaes comeavam a ser paranicas, e

    qualquer um que no tomasse partido seria fascista para os

    tablides.

    At a banda Selecter, do respeitado selo 2Tone, que pregava

    o anti-racismo at no nome, chegou a ser acusada pelo tablide

    ingls Evening News de hitlerismo dos sete membros da banda,

    apenas um era branco, o que no se encaixa exatamente no bitipo

    dos soldados de Hitler.

    Dentro deste conturbado cenrio onde poltica se misturava

    com msica, Gary Bushell,

    jornalista conhecedor da cena das

    ruas, percebeu uma nova linha

    mus ica l , ma i s p rx ima do

    s e n t i m e n t o r u e i r o e d a s

    arquibancadas dos estdios.

    Bushell cunhou o termo Oi!

    para defini-la - conta-se que o termo

    vem da msica Oi!Oi!Oi! da banda

    Cockney Rejects e, segundo George

    Marsha l l , um sk inhead de

    Glasglow, autor do livro A Bblia do

    Skinhead, se devia insistncia do vocalista Stinky Tuner em repetir

    o grito ao invs do costumeiro um, dois, trs - e lanou o LP pioneiro

    4

    -

    4

    2tone quer dizer dois tons, o xadrez de branco e preto era usado nas logos do selo, que foi um dos primeiros a lanar discos voltados para os skins.

    20

  • do gnero, Oi! The lbum, no fim de 1980, reunindo Angelic

    Upstarts, Cockney Rejects, entre outras, revelando a ainda

    desconhecida 4Skins, banda que melhor definiria o Oi! anos mais

    tarde.

    Mas a questo que se tornara crucial nas culturas jovens da

    Inglaterra dos fins de 1970 era que todas estavam sobre um muro e

    deveriam escolher para qual lado cair, podendo ser para a direita e

    serem acusadas de xenofobia e racismo pelos tablides ingleses ou

    poderia ser para a esquerda e serem usados como massa de manobra

    do Socialists Workers Party (Partido dos Trabalhadores Socialistas,

    ala da esquerda do parlamento ingls) e ainda verem suas gigs

    destrudas por membros do NF.

    A verdade que os skinheads no queriam se envolver com

    poltica nenhuma. Bandas como a Last Resort pediam aos

    espectadores que arrancassem de suas roupas qualquer smbolo que

    identificasse uma posio poltica antes de entrarem nos shows e o

    vocalista da 4Skins respondia as saudaes nazistas da platia

    dizendo: No precisa levantar a mo que eu no vou fazer

    chamada.

    Nem o escrnio, nem as precaues foram suficientes para

    evitar que o Oi! fosse tachado de msica neonazista e as coisas

    ficaram realmente srias depois do conflito entre asiticos, na sua

    maioria paquistaneses migrantes, e skinheads durante uma gig do

    4Skins em Southall, bairro londrino de maioria asitica, em julho de

    1981.

    O pub onde acontecia o show ficou completamente

    destrudo pelo fogo, assim como boa parte do bairro e da estao de

    metr. Era o que faltava para sujar a barra do movimento skinhead

    ingls, para sempre rotulados de nazistas, longe do esprito de 69,

    de msica por diverso.

    21

  • 22

  • 2Tomando posiao~

    Odiados e Orgulhosos

    Odiados e Orgulhosos

  • Nem direita, nem esquerda

    A idia de manter uma distncia segura de

    qualquer posio ideolgica sempre foi

    assimilada por boa parte das bandas inglesas que fizeram parte da

    cena original dos skinheads. Mesmo aps 1980, quando o

    movimento se definia em diversas partes do mundo como um

    movimento, no mnimo, nacionalista.

    Eis que em 1986, um grupo de Mineapollis chamado

    Carecas contra o racismo, deu origem ao projeto Anti-Racist Action

    (Ao Anti Racista), para congregar skinheads na luta contra o

    racismo e a xenofobia.

    Inspirado na idia, em Nova York, um grupo de skins fundou

    a organizao Skinheads Against Racial Prejudice (Skinheads

    Contra o Preconceito Racial), organizada em sedes regionais.

    Roddy Moreno, vocalista da banda inglesa The Opressed, visitou

    Nova York por volta de 89 e gostou da idia, expandindo-a para a

    Europa, criando sees por l.

    A SHARP prega a distncia da contracultura skinhead dos

    partidos e organizaes polticas, sejam elas de direita ou esquerda e

    pregam uma atitude positivamente anti-racista, num argumento de

    lgica j que, sem o ska e os rudeboys jamaicanos, o skinhead nem

    existiria.

    Hoje a SHARP mais uma designao pessoal, de uma

    atitude anti-racista, existem pessoas que se afirmam SHARPs

    mesmo sem serem filiados a uma seo. No Brasil, apesar de no

    existirem sees reconhecidas, muitos indivduos se dizem

    SHARPs, principalmente na regio Sul, em Curitiba, por exemplo,

    onde existem diversos skinheads tradicionais (prezam o esprito de

    69) e SHARPs.

    We are the reds!

    No s o neonazismo produzira jovens violentos e dispostos

    a destruir bares e crnios em nome de sua posio poltica. Em

    25

  • meados de 1984, em Paris, um grupo de jovens skins resolveu se

    encarregar de fazer a segurana de festivais de msica e congressos

    do Partido Socialista, mantendo os fachos longes.

    O visual era uma mescla dos coturnos skinheads, dos

    suspensrios dos operrios socialistas e adornos e penteados que

    lembravam indgenas, da o trocadilho, triplamente empregado,

    surgiam os Redskins.

    Pela Frana comearam a surgir caadores de skinheads

    neonazistas, grupos como Lenin Killers, Red Action Skinhead e os

    temidos Red Warriors que tinham como emblema uma foice

    cruzada com um basto de beisebol. Musicalmente, o grupo era

    to misto quanto o visual adotado, bandas como a inglesa The

    Redskins, faziam algo prximo do hardrock, enquanto a basca

    Kortatu produzia uma mistura de dub e hiphop.

    Os redskins viram sua cultura se mesclar ao skinhead

    ressurgimento da cultura skin original atravessou o Canal da

    Mancha, j perto da dcada de 90. Os redskins passaram a adotar o

    termo Redskinheads e espalharam-se pela Europa sempre atreladas

    extrema-esquerda, reunindo inclusive anarquistas.

    Para congregar todos os skinheads anarquistas e comunistas

    do mundo nasce, em 1993, em Nova York, a RASH (Red &

    Anarchist SkinHeads), contando posteriormente com sees na

    Frana, Colmbia, Chile, Itlia, Quebec (Canad), Pas Basco e

    Espanha.

    O RASH passou a designar uma opo poltica de cada skin.

    Pode-se dizer, por exemplo, que fulano rash, mas a RASH

    United quem reconhece as sees pelo mundo todo e que devem

    necessariamente aceitar todos os pontos de sua carta de princpios,

    que inclui a ausncia de sectarismo, o combate ao racismo,

    homofobia e ao machismo, bem como ao fascismo. Outro ponto do

    documento rejeita a autoridade da polcia e recusa qualquer tipo de

    cooperao com ela.

    Na Amrica do Sul, o movimento ainda forte na

    Colmbia e Chile. No Brasil, existem apenas duas pequenas sees

    uma em So Paulo, oficialmente reconhecida pela RASH e outra em

    Fortaleza, ainda em fase de reconhecimento.

    Um dos integrantes da RASH So Paulo, que se deixou

    identificar apenas como Janana, conta que o grupo tem atualmente

    26

  • Os Redwarriors faziam a guarda

    dos comcios dos partidos socialistas

    franceses e ainda caavam naziskins pela

    cidade.

    Odiados e Orgulhosos

    Odiados e Orgulhosos

    27

    Arquivo/Carecas do Interior

    Barricata

    Zine/website

  • cerca de 20 membros diretos e mais cerca de 30 membros de

    apoio, que se envolvem nas atividades de alguma forma, mas no

    tm poder de voto e deciso. Segundo ela, a seo paulista foi

    reconhecida com o apoio da RASH Portugal.

    A relao dos skins vermelhos com os Carecas - skins

    nacionalistas e Integralistas - no nada boa. De acordo com Janana

    existem alguns amigos ou militantes do grupo que so SHARP ou

    anarquistas, mas no existe contato com nenhuma seo organizada.

    Quanto aos carecas, simplesmente no os reconhecemos como

    skins, dispara.

    Todo esse amor compartilhado tambm pelos Carecas do

    Subrbio. O zine Filhos da Ptria, de Ribeiro Preto, So Paulo, traz

    uma matria sobre os Redskins, intitulada Galinhas Vermelhas,

    trazendo a alegao de que a histria sobre os skins comunistas

    surgirem primeiro falsa: Essa histria comeou com uma banda

    inglesa chamada Redskins, que era um a mistura de estudantes

    comunas fs de soul e rockabillies [...] O visual dos Redskins e seus

    fs era diferente dos skinheads verdadeiros [...] Foram ridculos

    tanto ideologicamente quanto visualmente.

    Quando perguntada sobre a histria de os primeiros skins j

    serem nacionalistas, Janana nega. Independente do que era no

    princpio, acreditamos que assim como a idia do punk rock evoluiu

    e modificou-se, o mesmo se d conosco, se antes os skins no

    estavam abertamente posicionados a esquerda, hoje esto, estamos

    aqui promovendo o que acreditamos, lutando por nosso espao,

    diz.

    Pela Direita

    Ainda no incio dos anos 1970, o British

    National Party (Partido Nacional Britnico),

    partido de extrema-direita ingls ganhava fora nas ruas atravs do

    British National Front (conhecido como Frente Nacional), uma

    organizao paramilitar que agia nas ruas da capital inglesa,

    agredindo homossexuais, imigrantes e principalmente atacando

    sedes de partidos comunistas, aos quais se opunham radicalmente.

    A situao da ilha no ia bem desde os anos 60 quando uma ,

    28

  • onda de histeria contra a imigrao comeou a tomar corpo pela voz

    do parlamentar Enoch Powell, durante um discurso em 1968,

    quando afirmou que a Inglaterra veria rios de sangue se no

    tomasse medidas para conter a invaso estrangeira no pas .

    At 1976, o discurso do Front e de Powell no fazia muito

    sentido para a maior parte da populao inglesa, at que os tablides

    se encarregaram de transformar dezenas de refugiados vindos de

    Malaui em centenas de milhares, num movimento de xodo, um

    prato cheio para a extrema-direita e seu discurso xenfobo.

    Foi nas ruas que o National Front, atravs do Young

    National Front (ala jovem do NF), encontrou jovens torcedores

    fanticos dos times locais e arruaceiros convictos que, porm, se

    preservavam das drogas, se importavam com a famlia e

    valorizavam o trabalho.

    Os skinheads se tornaram a linha de frente da ultradireita

    inglesa, se divertindo na noite fazendo o paki bashin -

    malhao do paki, como era conhecida perseguio aos

    migrantes orientais - e participando das reunies do Partido, que por

    sua vez financiava gigs e at montou um selo para distribuir discos

    de msica ariana, o White Noise Club.

    No s os skinheads tiveram contato com a extrema-direita,

    alguns punks londrinos fundaram, em 1978, o Punk Front, grupo

    que reunia punks que compartilhavam das idias neonazistas,

    conhecidos como NaziPunks ou HatePunks. No entanto, o

    movimento nunca chegou a crescer muito, pela prpria rejeio de

    outros grupos punks, na sua maioria anarquistas ou comunistas. O

    movimento ainda existe em pequena escala na Alemanha, Sucia,

    Estnia, Litunia e Chile, onde os nazipunks se envolveram, em

    2005, na morte de um anarcopunk.

    Em 1979, o NF contava com cerca de 15 mil filiados, mas

    boatos na imprensa sobre a ndole de seus representantes polticos,

    acusando-os de corrupo de menores, por exemplo, fizeram

    muitos skins desertarem e engrossarem as fileiras do British

    5

    6

    g

    5

    Powell era do Partido Trabalhista ingls, ala da esquerda do parlamento, que no gostou nada de

    seu discurso e o expulsou da sigla aps o episdio.

    6

    interessante ressaltar que o bashing era praticado desde os anos 60 pelos skinheads interessados em arruaa e confuso e no somente pelos neonazistas

    29

  • Movement, uma associao abertamente nazista e que deixava os

    meios polticos de lado, mais interessados em violncia.

    Sangue e Honra

    Na dcada de 80, a parceria da gravadora alem - a

    Alemanha Oriental mostrou-se campo frtil para os neonazistas,

    pela rejeio ao comunismo e pelo sonho da reunificao - Rock-o-

    Rama com a White Noise comeou a no render bons frutos, quando

    o endividamento de uma com a outra atrapalhou os projetos de

    muitas bandas.

    frente do racha estava Ian Stuart, vocalista da banda

    Skrewdriver que outrora, anos antes, havia sido apontada como

    uma das melhores bandas punks pela crtica musical e acabou se

    envolvendo assumidamente com o NF em 1979 que, para competir

    com o WNC, criou a Blood&Honour (Sangue e Honra, em

    portugus) atualmente uma das maiores organizaes da juventude

    neonazista pelo mundo, com sees em cerca de 17 pases, segundo

    o site oficial do grupo.

    Stuart ainda participou da criao da Combat 18 (18

    equivalem s letras A e H, de Adolf Hitler), uma organizao

    neonazista nascida nas arquibancadas dos estdios ingleses, junto

    torcida organizada Chelsea HeadHunters. A Combat 18 ficou

    conhecida por publicar em 1992, ano de sua criao, o boletim

    RedWatch com nomes e endereos de comunistas e antifascistas, e

    incitar a violncia contra eles.

    No dia 24 de Setembro de 1993, Ian Stuart morreu num

    acidente de carro, seus seguidores alegam que o acidente foi uma

    sabotagem promovida pelo Servio de Inteligncia Britnica,

    embora no haja nenhuma prova disso. O aniversrio de sua morte

    celebrado pelo mundo todo pelas duas organizaes, que se uniram.

    7

    7 Sangue e Honra era a inscrio que vinha grafada nas facas dos soldados das tropas SS

    30

  • Blood & Honour no Brasil

    Na Argentina, a Blood&Honour/Combat18 conta com uma

    seo que promove gigs atravs principalmente do grupo Legin

    Negra, cujo lder conhecido como Sikito. Os neonazistas

    portenhos so acusados de crimes de intolerncia no pas, sobretudo

    contra os SHARPs, movimento com muitos adeptos no pas.

    Existem ainda boatos de que abrigam neonazistas procurados pela

    polcia de outros pases da Amrica do Sul, como um chileno

    supostamente envolvido na morte de um SHARP de quinze anos de

    idade, em Santiago, em 2005.

    Em Julho de 2006, um grupo intitulado White Power So

    Paulo (WPSP) lanou seu site na Internet, retirado do ar alguns dias

    depois e relanado atravs de um servidor americano, j que a

    legislao daquele pas permite tal prtica sob a alcunha de

    liberdade de discurso. Uma semana aps o lanamento, os

    neonazistas do WPSP ainda realizaram colagem de cartazes pelo

    ABC Paulista, com dizeres pelo orgulho da raa branca e contra a

    imigrao.

    Segundo fontes seguras e que no se deixaram revelar, a

    ao foi deflagrada com o intuito de mostrar servio para os

    integrantes da BH Argentina. Sikito, segundo a fonte annima,

    visitaria o Brasil em Agosto do mesmo ano, para negociar com

    Alemo e Charles - apontados como mentores do WPSP - a criao

    de uma seo da Blood&Honour no pas.

    Charles j havia inclusive tentado iniciar, sem sucesso, uma

    seo dos Hammerskins no Brasil.

    Hamerskins Nation

    We are fighting for the Hammerskins

    We never lose. We always win!

    Num mundo em que os skinheads representam o que h de

    melhor na sociedade, ns somos o que de melhor existe nos

    skinheads!, assim se autodefinem os hammerskins, filiados da

    Hammerskins Nation (HSN), espalhados em sees pelo mundo

    31

  • todo e que acreditam ser a elite dos skinheads neonazistas.

    A HSN surgiu em meados de 1988, em Dallas, no Texas,

    atravs de skinheads ligados a grupos que pregam a supremacia

    branca como a Klu Klux Klan e decepcionados com a falta de ao

    de skinheads ligados a tambm americana White Arian Resistance

    (Resistncia Ariana Branca, outro grupo da juventude neonazista,

    surgido na Sucia com ramificaes na Amrica).

    Sob o lema Hammerskins Forever, Forever Hammerskins, o

    grupo estabelece rgidas regras para reconhecer uma seo e filiar

    novos membros ao que eles entendem como uma irmandade.

    Tentar desistir de ser um hammerskin pode ter srias

    conseqncias.Um homem foi encontrado crucificado em

    Sacramento, nos Estados Unidos, no final dos anos 80, por querer

    sair de um grupo que pregava a supremacia branca.

    Os hammerskins so considerados o grupo skinhead

    neonazista mais violento, com sees Canad, Inglaterra, Frana,

    Alemanha, Holanda, Hungria, Portugal, Espanha, Nova Zelndia e

    Austrlia.

    O nome e a logo do grupo so inspiradas no clipe The Wall,

    da banda Pink Floyd. Lanado em 1982, o filme relata uma histria

    fictcia de uma anti-heri chamado Pink, que tem uma vida

    humilhante desde sua infncia e um dia, durante uma alucinao

    causada pelas drogas, imagina-se um ditador fascista, lder de uma

    nao sob a bandeira de dois martelos sobre um escudo.

    O Pink Floyd fez muito sucesso nas dcadas de 1970 e 80,

    com seu rock progressivo inovador e letras ora psicodlicas, ora

    contestadoras e nada tem a ver com o neonazismo.

    Independentemente se pertencem a um grupo organizado ou

    no, os skinheads neonazistas se intitulam White Power (Poder

    Branco), mais conhecidos pelas iniciais WP. So supremacistas

    brancos, negam o holocausto, idolatram Hitler e seus comandantes,

    fazendo saudaes caractersticas e ostentando smbolos como a

    sustica e a cruz celta.

    32

  • Espalhada por 17 pases no mundo , a Blood&Honour promove todos os anos uma grande

    festa em homenagem pstuma a Ian Stuart, seu criador, misturando msica e racismo.

    Odiados e Orgulhosos

    Odiados e Orgulhosos

    33

    Website: Blood&Honour International

  • 34

  • Futebol e pancadaria

    3

    Odiados e Orgulhosos

  • Hoolligans

    All seater grounds the rucking's no more

    But up at the station we'll still have a war

    Youre just a hooligan

    A hardcore hooligan THE BUSSINESS - HARDCORE HOOLIGAN

    Hooliganismo o termo utilizado para definir o

    comportamento vndalo, violento e apaixonado de torcedores de

    futebol, a palavra hooligan tem origem incerta, mas provavelmente

    remonta transcrio errnea da palavra Hooley, nome de uma

    gangue de Islington, e foi cunhado em 1898.

    O comportamento hooligan to antigo quanto o termo, logo

    nos primrdios do futebol ingls, ligado classe operria, centrada

    em bairros, torcedores aterrorizavam as vizinhanas dos rivais,

    provocando brigas e danificando propriedades.

    Os enfrentamentos violentos entre torcedores de futebol

    tornaram-se incontrolveis na ilha bret durante a dcada de 1970,

    quando os estdios se tornaram verdadeiros campos de batalha. A

    cada fim de partida as torcidas se encontravam para confrontos com

    hora marcada em estaes de trem, ou portes do estdio.

    O bero dos hooligans a Inglaterra, mas o termo

    associado pela imprensa a torcidas organizadas em toda a Europa e

    at no Brasil.

    O fenmeno hooligan s tomou corpo mundialmente pela

    cobertura da imprensa, taxada pelos prprios torcedores de

    difamadora, sendo os jornalistas to odiados quanto a polcia.

    Entre os mais tradicionais grupos ingleses esto os

    torcedores do West Ham United, Manchester United, Nottingham,

    Millwall e Liverpool. Os torcedores deste ltimo foram

    protagonistas das duas maiores tragdias da histria do futebol

    europeu: The Heysel disaster e The Hillsborough disaster

    8

    8

    A multido e as arquibancadas acabaramMas na estao ainda teremos uma guerra

    Voc um hooligan

    Um hooligan da pesada

    37

  • Juventus FC x Liverpool FC final da Copa dos Campees

    Os torcedores do Liverpool derrubam a grade que os separa do setor

    neutro (para ambas as torcidas), onde a maioria dos torcedores era do Juventus,

    que passam a revidar com pedaos de pedra e barras de ferro do prprio

    alambrado.

    A torcida do Liverpool, em maior nmero, acua os torcedores rivais

    junto murada que os separa da arquibancada trrea, a polcia entra em ao e

    provoca mais correria e pnico, o muro no resiste e cai. Dezenas de torcedores

    caem e morrem, outros so pisoteados na fuga.

    Ao todo, 39 pessoas morreram. O Liverpool foi banido de competies

    internacionais por dez anos, dos quais seis foram cumpridos e os demais times

    ingleses banidos por cinco anos dos campeonatos europeus.

    Liverpool x Nottingham - final do Campeonato Ingls.

    Os estdios ingleses tiveram de dar respostas s aes dos hooligans

    e s cenas de guerras travadas nas torcidas, uma delas foi o uso de altas

    grades de ao em volta do campo. Os estdios europeus costumavam apenas

    ter telas protetoras com a torcida bem prxima ao campo, para reprimir as

    invases e o arremesso de objetos.

    Em Hillsborough o problema no foram os hooligans, mas

    justamente as medidas de segurana adotadas. Para a partida, um campo

    neutro, fora das cidades sede dos times foi escolhido, esperando ento menos

    torcedores.

    O fato que s trs horas da tarde uma multido se aglomerava nos

    portes do estdio, que no estava preparado para tanta gente e os torcedores

    foravam a entrada para no se atrasar para o incio da partida.

    Sem ter para onde ir, uma verdadeira multido em pnico se

    esmagava nas grades do campo, alguns tentavam escal-las e eram impedidos

    pela polcia, dezenas de pessoas morreram pisoteadas ou sufocadas.

    As autoridades policiais e os organizadores do evento foram

    culpados pela morte de 96 torcedores e outros 766 feridos. A partir desse dia,

    o juiz ingls conhecido como Taylor decretou novas regras para a composio

    dos estdios, removendo as grades em volta do campo e exigindo dos clubes

    que as cadeiras fossem numeradas, a fim de evitar a superlotao das

    arquibancadas.

    Heysel Stadium Bruxelas. 29 de Maio de 1981

    Hillsborough Stadium, 15 de Abril de 1989.

    38

  • Aps os incidentes, o parlamento ingls instaurou leis

    rgidas na punio e controle dos hooligans que podem ser proibidos

    de freqentar estdios e terem passaporte apreendido durante

    partidas internacionais.

    Ultras

    Hooligans parece mesmo apenas um termo da imprensa

    europia para designar o comportamento arruaceiro de jovens

    torcedores bbados e briges. Na dcada de 1980, os torcedores

    italianos cunharam o termo Ultra, para designar o que se entende

    como a filosofia hooligan, o jeito de torcer.

    As ultras so torcidas organizadas com diretoria executiva e

    ligadas muitas vezes prpria diretoria do time, participando de

    decises e arrecadaes de fundos para o clube. No Brasil, o termo

    no muito usado, mas se encaixa na descrio das Organizadas.

    Existem quatro mandamentos do estilo ultra de torcer:

    Jamais sentar durante uma partida, no importa o resultado;

    Nunca para de cantar ou gritar o nome de seu time; Comparecer a

    todos os jogos possveis, no importando as distncias ou custos e

    Lealdade curva. Este ltimo faz referncia aos locais que as

    torcidas elegem para ficar durante as partidas, podendo ser na curva

    sul, norte ou laterais das arquibancadas - via de regra, a curva o

    local mais barato para se ver jogo em um estdio - especificando no

    prprio nome a lealdade ao local, como os Ultras Sur (Real Madrid,

    da curva sul).

    Fenmeno cada vez mais comum na Europa, no fim da

    dcada de 90, a ligao das Ultras com a extrema-direita tem

    preocupado as autoridades, principalmente com a crescente onda

    racista e xenfoba que assola a Europa desde os anos 80.

    As torcidas de times como o Lazio, da Itlia, exibem

    bandeiras com smbolos fascistas e entoam gritos de guerra racistas.

    O Lazio SS tem tradio de torcedores e jogadores da extrema-

    direita, entre eles o jogador Paolo Di Canio, que comemorou a

    vitria sobre o Roma fazendo a saudao fascista com o brao

    direito - onde tem tatuado a palavra Dux (Duce, o Fhrer italiano) -

    em homenagem a Alessandra Mussolini, neta do ditador e fiel

    39

  • torcedora do Lazio. Di Canio foi multado pela Federao Italiana de

    Futebol em dez mil euros.

    Nos campeonatos espanhis de 2004 e 2005, vrios

    jogadores foram ofendidos pelas torcidas dos prprios times, como

    o caso de Ronaldo, que foi hostilizado pela torcida Ultras Sur do

    Real, que imitava sons de macaco a cada vez que o jogador tocava na

    bola. O lateral Roberto Carlos tambm foi ofendido pela torcida do

    La Corua, que gritava frases racistas. O time foi condenado a pagar

    apenas 786 dlares de multa.

    A Ultras Sur, do Real e a Irriducibili, do Lazio so

    certamente as duas torcidas mais ligadas extrema-direita na

    Europa, aparecendo nos estdios portando bandeiras com susticas,

    cruzes celtas e frases anticomunistas e racistas.

    Medo na Copa

    Durante a Copa da Alemanha, em 2006, o medo da polcia

    local no eram apenas os terroristas do Isl, a ameaa hooligan fez

    os governos europeus tomarem medidas drsticas para coibir as

    brigas entre torcidas.

    O medo era justificvel. Um ano antes, em maro de 2005,

    cerca de 200 hooligans alemes quebraram lojas aps um amistoso

    contra a Eslovnia, em Celje, naquele pas, causando uma

    verdadeira crise diplomtica.

    O ministro do Interior alemo veio a pblico pedir desculpas

    ao governo esloveno e reiterar que medidas duras seriam tomadas

    para a segurana durante a Copa.

    Um ms antes do incio do torneio, em 2006, a Alemanha

    divulgou seu plano de conteno para os hooligans: todos aqueles

    que j fossem fichados seriam advertidos em suas casas e locais de

    trabalho para no comparecerem aos estdios, se fossem pegos

    prximos aos "anis de segurana - crculos imaginrios ao redor

    dos estdios - deveriam se apresentar at trs vezes por dia s

    autoridades policiais e, se insistissem em ir ao estdio seriam presos.

    Em Hamburgo, a segunda maior cidade do pas, foi construda uma

    cadeia especial para comportar at 150 hooligans.

    A Inglaterra por sua vez convocou 3.330 supostos hooligans

    40

  • a entregar seus passaportes durante o perodo de realizao da Copa,

    aqueles que no o fizessem ou tentassem viajar durante este perodo

    de tempo poderiam cumprir at seis meses de priso ou condenados

    a pagar multa de 7.250 euros.

    Mesmo assim, durante a Copa alguns distrbios ocorreram,

    cerca de 170 torcedores, entre eles um grupo de skinheads alemes,

    foram presos aps o jogo entre Alemanha e Polnia e outros 20

    alemes e ingleses na partida entre Inglaterra e Paraguai. Ainda

    foram presos nove hooligans ingleses que tentaram furar o bloqueio

    fronteirio e entrar na Alemanha pela Repblica Tcheca.

    Hooligans Brasileiros

    Ser hooligan ter amor ao time, beber e, se necessrio,

    tretar, assim Nen, da torcida Fanticos, do Atltico Paranaense,

    me definiu o que ser hooligan. Segundo ele, entre as torcidas mais

    fortes e organizadas do estado esto a Imprio, do Coritiba, a

    Falange, do Londrina e a prpria Fanticos. Mas a torcida do Rio

    Branco, de Paranagu, tambm osso duro de roer, complementa.

    O envolvimento dos skinheads com as torcidas organizadas

    vem da sua identificao com a paixo operria que demonstram os

    torcedores e a demarcao do territrio, demonstrar fora no grito,

    no tamanho de suas bandeiras e hinos de amor ao time. Um das

    caractersticas do hooligan ir ao estdio apoiar seu time do

    corao, independente do lugar, relata Guilherme, torcedor

    incondicional do Londrina Esporte Clube, o Tubaro, time que

    segundo ele tem sido injustiado pelos governos da cidade. um

    time de porte para a segunda diviso, mas est na terceira, reclama.

    Os skinheads que se identificam com as torcidas organizadas

    e a paixo hooligan so chamados de bootboys, basicamente so

    skins que amam seu time, cerveja e msica Oi!. O nome bootboy

    vem dos coturnos usados pelos jovens ingleses amantes de futebol

    que, sob presso da polcia, conseguiam apenas se armar com

    coturnos com biqueiras de ferro para enfrentar as torcidas

    adversrias. Mais tarde, at o coturno foi proibido no estdio, sendo

    inclusive confiscados na entrada dos jogos, a ento os tnis Adidas,

    modelo Slk, muito parecidos com chuteiras, passaram a fazer parte

    41

  • do visual hooligan, eram especialmente confortveis para correr da

    polcia.

    No Paran, os bootboys que se organizam para ver o lado

    so apenas pequenos grupos, indo sempre aos estdios torcer pelo

    seu time. Hoje as torcidas esto perdendo a graa, esto querendo

    dar tiro, pegar de galera, o intuito no esse, diz Guilherme.

    Na imprensa inglesa, os confrontos entre torcidas brasileiras

    so constantemente noticiados como confuses entre hooligans. Na

    verdade a denominao se encaixa s caractersticas desse tipo de

    confuso - hora marcada, vandalismo e violncia gratuita - mas o

    termo no utilizado por aqui.

    Na dcada de 90, as brigas entre torcidas organizadas

    causaram vergonha mundial ao pas e clamaram pela urgncia de

    polticas que coibissem a ao das organizadas, que foram proibidas

    aps um confronto entre as torcidas Mancha Verde, do Palmeiras e

    Independente, do So Paulo, na final da Copa So Paulo de Juniores,

    em 1995, resultando em pelo menos trs mortes.

    A partir da as torcidas organizadas foram impedidas de

    adentrar o estdio com qualquer bandeira, faixa ou camisa que as

    identificassem, mas aos poucos a medida foi perdendo fora e elas

    foram voltando aos estdios.

    Os confrontos tornaram a acontecer mesmo depois da

    criao do Estatuto do Torcedor em 2003, que exigia dos times

    responsveis pelos campos, um sistema eficiente de segurana e

    separao das torcidas.

    Mesmo assim, em maio de 2006, a torcida organizada

    Camisa 12, do Corinthians, tradicional time paulista, entrou em

    confronto com a polcia quando tentou invadir o campo para

    interromper o jogo no qual seu time foi desclassificado da Copa

    Libertadores da Amrica, pelos argentinos do River Plate.

    Aps o confronto, a Federao Paulista de Futebol baixou

    uma portaria impedindo as organizadas de entrarem nos estdios por

    90 dias e prometeu identificar e banir dos estdios os responsveis

    pelo tumulto.

    A medida no foi suficiente. Menos de 90 dias depois, as

    torcidas paulistas voltaram a protagonizar confrontos nas ruas e

    arquibancadas, ora contra torcidas adversrias, ora contra a prpria

    42

  • polcia.

    O maior medo dos cartolas e autoridades do esporte

    brasileiro que se medidas eficazes no forem tomadas, a

    candidatura do pas para sediar a Copa do Mundo, em 2014, acabe

    sendo prejudicada.

    Ultras do CSKA Sofia intitulados CSKA SS Front

    fazem saudao nazis ta durante par t ida

    Paolo Di Cani fazendo ato que lhe rendeu multa de dez

    mil euros, durante jogo contra a Roma

    Odiados e Orgulhosos

    43

    AP

    DW

  • 44

  • Carecas do Brasil

    Odiados e Orgulhosos

    Odiados e Orgulhosos

    4

  • Do punk ao careca

    Vamos para a rua

    Juntar a nossa turma

    Careca!Careca!

    Fruto do crescimento econmico e do boom da indstria

    automobilstica, So Paulo, que outrora chamou ateno pelos

    casares de grandes cafeicultores e imigrantes italianos, via surgir

    na dcada de 1970, nas Zonas Leste e Norte o maior reduto de

    cultura proletria do pas.

    Na periferia da cidade e fronteiria ao ABC paulista, no

    haveria lugar mais adequado ao surgimento da cultura punk e, mais

    tarde, da cultura skinhead do que a Zona Leste paulistana.

    Em 1976 o punk explodia pelo mundo e o Brasil se tornara

    terreno frtil para a contracultura, mas assistiu ao seu declnio na

    dcada seguinte, assim como a Inglaterra.

    Pelos idos de 1982, O comeo do fim do mundo como

    ficou conhecido o primeiro concerto de msica punk no Brasil,

    marcava o renascimento do punk, mais voltado a uma ao social e

    politizao do movimento do que antes, mas as tretas na platia

    entre punks e garotos de cabea raspada vindos da Zona Leste,

    moldavam algumas diferenas cruciais dos movimentos juvenis

    brasileiros.

    O movimento punk estava abalado, diversas gangues punks

    haviam se formado, a diviso principal era entre os punks da city,

    freqentadores do centro da cidade e os punks do subrbio, vindo

    do fundo da Zona Leste e regio do ABC.

    Os primeiros taxavam os punks do subrbio de vndalos e

    ganguistas, enquanto estes acusavam os punks da city de playboys e

    traidores do movimento, por terem se vendido ao new wave - a nova

    onda do punk, embalada por letras vazias e embalos danantes, pura

    diverso, distante das aspiraes revolucionrias de quem queria

    mudar o rumo do pas, ainda sob o Regime Militar.

    Era usual a violncia entre os dois grupos quando se

    9

    9

    Trecho de msica da banda Neurticos, que participou do festival O Comeo do Fim do Mundo, em 1982, apontada como a primeira a usar o termo careca em uma msica.

    47

  • encontravam e ficava claro que o movimento do subrbio tinha um

    carter proletrio mais forte, marcado pelo moralismo, por uma

    cobrana de uma postura mais sria e coerente, inclusive no modo

    de se vestir. Em oposio ao punk new wave e as roupas rebitadas e

    sujas, os punks do subrbio prezavam um visual mais limpo, alguns

    at raspando a cabea.

    Em 1982, quando os punks lanaram uma ofensiva no

    campo do discurso para desmistificar a imagem que tinham perante

    a imprensa e a sociedade, alguns punks da ZL e ABC se posicionam

    radicalmente contra este punk, que no acreditavam mais ter

    coerncia, e se denominam carecas do subrbio.

    Baseada numa moral mais rgida no que diz respeito

    famlia e trabalho e demonstrando preocupao com os rumos da

    ptria, at numa retomada da histria e dolos nacionais, a cultura

    careca foi se moldando e criando afinidades com a cultura

    skinhead inglesa, porm com peculiaridades que distinguem o

    movimento brasileiro.

    Demorou pouco para a tendncia paulistana se alastrar pelo

    pas e, numa oposio ao punk e a degradao dos valores da

    famlia, de Deus e da ptria. Surge o movimento Carecas do Brasil,

    agrupando todos os Carecas do Subrbio das vrias metrpoles do

    pas.

    A proposta era ousada, unir carecas do pas todo, todos eles

    com suas peculiaridades regionais, os carecas de Campo Grande,

    por exemplo, pregavam o dio contra os paraguaios, enquanto os

    paulistanos atacavam nordestinos e os cariocas tinham uma posio

    antiestadunidense. Da que sairiam as definies e rachas entre os

    Carecas do Brasil, interessados em unificar um movimento

    nacionalista, contra o racismo e o imperialismo e um movimento

    neonazista, encabeados pelos paulistanos, mas copiados pelo

    pessoal do Sul, com uma concepo racista e orgulho de ter sangue

    europeu. 10

    10

    A imigrao europia se deu com mais vigor nestas reas, So Paulo com

    colnias italianas e o sul com os alemes.

    48

  • Nazistas moda da casa

    Com o ttulo Neonazistas esto de volta s ruas, o jornal O

    Estado de SP alertava as autoridades, em 19 de maio de 1989, sobre

    as manifestaes relativas ao aniversrio do Fhrer, que seriam

    levadas a cabo por um grupo de carecas na capital paulista, com

    direito a queima de fogos e distribuio de panfletos.

    Foi por volta de 1987 que a ideologia careca comeou a

    tomar corpo e se definir, a princpio confusa, com mesclas de

    xenofobia, regionalismos e uma atrao pelo nazismo hitlerista.

    Neste ano foi fundada a Frente Nacionalista Brasileira, com o

    intuito de unir os Carecas do Brasil sob uma nica sigla, para unir e

    lutar pelo pas, mas a unio era vista com maus olhos pelo

    movimento do Subrbio, que enxergava na partidarizao do

    movimento um mal que o fadaria desunio.

    Os regionalismos eram claros, os carecas da capital paulista

    eram duramente criticados pela violncia que usavam contra os

    retirantes nordestinos, pelos carecas de outros estados como Mato

    Grosso do Sul, que acreditavam que o verdadeiro inimigo do pas

    eram os estrangeiros.

    Em Campo Grande, destacavam-se os zines Coturnos, de

    1992 e o zine que se auto-proclamava revista Xenofobia, do ano

    anterior, ambos apoiadores da banda campo-grandense

    Carbonrio, que se destacava na cena careca nacional junto com a

    banda Vrus 27.

    Bradando pela soberania e patriotismo, ambos os zines

    atacavam os estrangeiros, o Coturnos trazia j no editorial do seu

    primeiro nmero: o Mato Grosso do Sul foi palco de gloriosas

    vitrias sobre os imundos paraguaios. Hoje esse povo entope minha

    cidade e rouba nosso empregos, essa a real ameaa ao povo

    brasileiro.

    As matrias do zine se confundiam patriotismo e

    elogio ao nazismo matrias sobre as ligaes do

    filsofo Heidegger com o nazismo, uma notcia sobre a

    possibilidade de Hitler estar vivo no Chile e um confuso cartaz

    com o emblema dos Carecas do Brasil onde se v uma a runa Odal, e

    dois lees celtas. Os smbolos germnicos e celtas so muito usados

    entre

    , passando por

    11

    49

  • pelos neonazistas, que assimilaram a idia do exrcito de Hitler,

    numa evocao do arianismo.

    J o Xenofobia trazia em seu tambm primeiro nmero,

    incitaes ao uso da violncia contra os inimigos, artigos sobre

    empresas multinacionais e pregando o dio contra os judeus, numa

    matria onde se l: Afinal o que as pessoas pensam do nazismo?

    Ser que aquela histria contada pelos judeus atravs da

    manipulao da Histria ainda a mais aceita?. A reportagem

    consistia numa enquete feita sob critrios no explicitados com

    pessoas de nvel universitrio sobre o que achavam do nazismo de

    Hitler, a maioria aprovava.

    Nos trechos de cartas de leitores e contatos v-se ainda a foto

    de um skinhead identificado como Valdemir, de BH, vestindo uma

    braadeira nazista. O Xenofobia ainda trazia uma histria em

    quadrinhos onde o enredo consistia em um skinhead que espancava

    turistas estrangeiros.

    O movimento paulista, por sua vez, tinha suas

    peculiaridades. Os Carecas do Subrbio eram criticados por

    defenderem a violncia contra migrantes do Nordeste e a capital

    paulista contava com movimentos como a Juventude Paulista, de

    1990, de cunho separatista.

    Outro grupo paulistano que pregava a emancipao do

    estado era o Orgulho Paulista, que acreditava numa So Paulo

    branca, usando da violncia e da propaganda contra os migrantes

    nordestinos e negros. No era um grupo grande, mas eram

    articulados com pgina na Internet e panfletagem pela cidade. Por

    volta de 1999, o grupo foi dissolvido assim que seus lderes foram

    presos.

    Os paulistas do ABC, alis, foram os primeiros a criar

    grupos neonazistas articulados e ganharam a ateno da grande

    mdia e das autoridades quando, em 23 de Setembro de 1992, um

    bando de skinheads neonazistas atacou a Rdio Atual, emissora

    voltada para o pblico nordestino, disparando tiros contra o prdio e

    pichando slogans racistas e xenfobos. Um dia antes, no Rio de

    11

    A afirmao do antroplogo suo Reiff Told Newsmen que dizia ter encontrado Hitler numa aldeia indgena ao sul de Santiago, segundo ele o homem conhecido como Adolfo havia chego,

    segundo os aldees, num submarino, acompanhado de uma bela mulher que seria, supostamente,

    Eva Braun.

    50

  • Cartaz do incio do movimento Carecas do Brasil, com propaganda anti-semita e

    smbolos nrdicos. Na poca a ideologia do grupo no estava bem definida.

    Odiados e Orgulhosos

    Odiados e Orgulhosos

    51

  • Janeiro, um grupo de carecas causou tumulto que resultou em uma

    morte durante o show da banda de punk rock Ramones, no Caneco.

    No dia 26 de Setembro, em Porto Alegre, um cemitrio judaico teve

    suas tumbas profanadas com susticas e frases anti-semitas.

    Um movimento coordenado destas dimenses no poderia

    ser ignorado pela mdia, que tratou de investigar - ou no mnimo

    noticiar - os diversos grupos que agiam no pas. Talvez tenha

    comeado a a confuso a respeito da ideologia dos grupos.

    Carecas do ABC

    Ainda no incio do movimento careca, em 1982, o grupo da

    regio conhecida como ABC paulista (que abrange as cidades de

    Santo Andr, So Bernardo e So Caetano) se destacava por serem

    mais organizados e com uma ideologia melhor definida. Nas suas

    fileiras estavam negros e filhos de nordestinos, unidos em torno da

    causa operria, de uma moral trabalhadora para o progresso do pas,

    longe de racismos e de encantos com Hitler.

    O ABC sempre foi mais politizado que o subrbio. Sempre

    nos envolvemos mais com questes polticas, indo a reunies

    Integralistas e congressos de cunho nacionalista, diz D.M.S,

    careca do ABC com quem consegui contato atravs da Internet, por

    intermdio de um skinhead de Curitiba. Segundo ele o grupo

    organizado e so engajados socialmente Ns fazemos alguns

    concertos para arrecadar roupas para doar. Arrecadamos agasalhos e

    distribumos nos centros comunitrios da regio. Ns tambm

    temos uma academia de luta e deixamos que as pessoas da

    comunidade treinem de graa se no puderem pagar, conta.

    Os Carecas do ABC foram acusados pela mdia de

    protagonizarem dois episdios de violncia na regio, o ataque a

    Rdio Atual, em 92 e o mais recente em 2003, quando dois garotos

    punks foram obrigados por um grupo de carecas a pularem de um

    trem em movimento, um deles acabou perdendo a vida. Perguntei

    sobre o assunto a S.M.D.:

    - Algum reivindicou o ataque a Radio Atual, em 92?

    - No, tanto no reivindicaram que sobrou para os Carecas

    52

  • do ABC.

    - E os moleques que jogaram do trem em Mogi? Quem

    estava envolvido?

    - Sobre quem estava envolvido prefiro nem dizer e eram

    garotos novos [os envolvidos], no estavam h um ano sequer no

    rol.

    - Eram ABC?

    - No eram ABC, se fossem no fariam aquela besteira.

    - Como a represso policial a?

    - Dura (risos). O engraado que a polcia sabe muito bem a

    diferena entre Carecas e WPs, sabem tambm quais os grupos de

    Carecas existem em So Paulo. Acontece que a mdia para vender

    jornais ou ter audincia sempre nos coloca como nazis, como viles.

    O que engraado, porque ns fazemos parte de uma juventude que

    no faz uso de drogas, pregamos a moral, amamos nossa ptria, mas

    parece que isso crime, enquanto os punks, queimam a bandeira

    nacional, usam drogas, pregam a libertinagem e todos acham isso

    bonito.

    Ele ainda me relatou sobre a integrao entre os diversos

    grupos no pas, incluindo carecas do Nordeste, Rio de Janeiro e at

    outros pases como Argentina.

    Conhecidos como rapados, existe na Argentina um

    movimento skinhead de terceira posio (termo usado para definir

    os nacionalistas) muito semelhante aos Carecas, com quem mantm

    afinidades. Eles sabem que o nacionalismo que pregamos no

    imperialista. Lutamos pela soberania de nossa ptria, assim como

    eles lutam pela deles, finaliza S.M.D.

    Casos de violncia e alardes na mdia sobre grupos

    neonazistas agindo, como no ABC, foi que me levaram at a cidade

    de Londrina, no norte do Paran, procurar entender quem estava por

    trs de tanto barulho.

    53

  • 54

  • Carecas do Parana

    Odiados e Orgulhosos

    Odiados e Orgulhosos

    5

  • Carecas de Londrina

    O primeiro relato que ouvi sobre os carecas de Londrina veio

    de Juca, arteso que estava de passagem por Ponta Grossa, em 2005,

    e com o qual eu tinha amigos em comum. Uma figura nica,

    espalhafatoso e contador de causos, que afirmava sempre aps a

    quarta ou quinta cerveja que j havia participado da terceira

    formao do Sepultura.

    Juca morou em Londrina por dois anos, aps desistir da

    profisso de tecnlogo em engenharia de telecomunicaes e virar

    arteso, viajando de cidade em cidade.

    Uma de suas estrias remetia a uma certa madrugada,

    quando voltava do trabalho para casa pelo Calado, no centro de

    Londrina, e percebeu uma movimentao de alguns jovens bebendo

    em torno de um banco. Ele j sabia da perseguio dos skinheads

    aos hippies , mas resolveu continuar em frente: Quando resolvi

    voltar j era tarde, mermo.

    O grupo de carecas cercou Juca, tomou sua mochila e sua

    camiseta. Eu usava uma camiseta com uma caveira fumando um

    cigarro com uma folha de cannabis ao fundo. Eles me fizeram tirar e

    disseram que era apologia s drogas e que eram contra, depois

    arrancaram minha mochila com meus trabalhos e instrumentos

    dentro e arremessaram em cima de uma marquise, da onde s fui

    retirar no dia seguinte, relatava, num peculiar jeito de contador de

    estrias, interpretando os personagens com diferentes tons de

    vozes, gesticulando compulsivamente como se brigasse com

    algum que no estava ali.

    Quinze dias mais tarde voltava ele por um caminho diferente

    quando resolveu passar em um bar do caminho tomar uma dose.

    J dentro do bar se deparou com o mesmo grupo de carecas: A eu

    vi que no tinha mais jeito, pedi uma pinga e fiquei me enrolando,

    acho que demorei uma meia hora pra tomar uma dose de pinga, ria

    ele.

    Juca saiu apressado do bar e foi perseguido, mas desta vez

    no fugiu, parou. Eles disseram: 'Ah pegou a mochila de volta', a

    12

    12

    Hippie como os skinheads chamam os artesos, que no reivindicam, tampouco aceitam o termo.

    57

  • eu disse que era trabalhador e s tava voltando pra casa, eles

    disseram: 'se tu trabalhador ento tudo bem, mas apologia s

    drogas a gente no permite, se virmos voc com aquela camiseta de

    novo, vai tomar um pau.' Depois disso, vazei. T louco, ficar

    fugindo de careca todo dia? Vrios amigos tomaram pau, eu sa de

    l.

    Encontro marcado

    Inmeras coincidncias me levaram minha primeira

    entrevista com um careca. Foi atravs de uma amiga que havia

    estudado no ensino mdio com uma garota que havia se tornado

    skinhead, a quem encontrou certa vez no nibus, voltando para casa,

    que iniciei meus contatos. Aps inmeros telefonemas e

    levantamento de dados, tomei um nibus para Londrina, em meados

    de maio.

    Meu contato era Guilherme, dos Carecas de Londrina, o

    encontro estava marcado para a tarde de sbado, encontraria ele

    mais a amiga da minha amiga, que resolveu ir junto para garantir

    que tudo corresse bem.

    No horrio marcado l estvamos ns na Rua Piau, centro

    de Londrina, aflitos, esperando na esquina, enquanto ningum

    chegava. O cheiro de bolo ia pairando pelo ar quando de uma moto

    desce um rapaz alto e forte de pele morena, que caminha em nossa

    direo.

    - Vocs que so da entrevista?

    - Isso, voc que o Guilherme? Tudo bom?

    - Tudo beleza.

    - Vamos sentar ali pra conversar, disse eu apontando um

    banco da praa do outro lado da rua.

    Escolhemos a ponta de um banco, ainda que ningum

    tivesse comentado nada a respeito, fora escolhido a dedo como

    sendo o nico lugar onde algum pombo no pudesse cagar em

    nossas cabeas, fato mais do que comum em Londrina

    . Expliquei a ele sobre o livro, sobre minhas intenes e

    naquela 13

    poca

    58

  • iniciamos uma longa conversa:

    - Quantos so os Carecas de Londrina, hoje?

    - Chegou uma poca que havia 50 pessoas usando visual,

    dizendo que era careca, mas na verdade s queriam arranjar

    confuso, achando que andar em turma ia virar homem. Homem se

    forma em casa estudando, trabalhando e no na rua, querendo bater

    em todo mundo. A os mais velhos, que realmente fazem a cena, so

    os que tm que segurar a bronca de bandido, de polcia, de punk, a

    troco de um z man que entrou s pra fazer baguna.

    - Como feito o recrutamento? Como o cara vira um

    careca?

    - Ento, antigamente achvamos que volume era o que

    importava, saamos na rua recrutando todo mundo. Hoje em dia o

    recrutamento feito com mais cautela, quem chega pra conhecer a

    idia a gente passa um material, mas deixa o cara de molho um

    tempo pra ver qual a idia dele, seno o cara sai achando que

    careca briga, dar porrada.

    - Quais so os princpios dos carecas realmente?

    - A idia baseada no lema Deus, Ptria e Famlia. A postura

    do careca de trabalhar, estudar, valorizar o corpo, no usar drogas.

    - Todos os carecas so envolvidos com a direita?

    - No Brasil, eu penso que ou o cara da direita careca ou

    whitepower nazista, que na real no tem nada a ver com careca.

    - E os SHARPs e RASHs?

    - Esse negcio de SHARP e trads coisa do cara que no

    quer se envolver com o lance poltico, no quer dizer 'sou direita,

    sou esquerda a ele diz que apoltico, que tradicional. RASH eu

    nunca vi, dizem que existe, mas eu nunca vi.

    - O que o movimento faz pela comunidade? Quais so os

    projetos pra pr em prtica essas idias?

    - Temos projetos sociais como uma academia de boxe onde

    priorizamos a comunidade carente para incentivar o esporte,

    tambm fazemos arrecadao de agasalhos e alimentos durantes os

    shows para entregar as entidades como os Narcticos Annimos. S

    13

    Londrina enfrentou em 2006 uma superpopulao de pombos que culminou num programa de extermnio das aves na cidade.

    59

  • que a gente no faz questo que todo mundo saiba disso porque isso

    no vende, o que vende aparecer na TV que careca bateu em punk e

    tudo mais. Tem muito cara de 40, 50 anos que participa das reunies,

    mas tem famlia, casado, com filhos, ento no se assume como

    careca pelo risco de sair na rua e ser atacado por um monte de

    bandido e drogado a.

    - Qual a opinio de vocs a respeito dos punks?

    - Tem um pessoal aqui em Londrina que se diz punk, que

    come lixo na rua, mas quando aperta pega o carto de crdito, vai ao

    banco, passa e come. E da ele fez algum bem pra sociedade? O punk

    hoje, em Londrina, est totalmente distorcido, a partir do momento

    em que ele quer impor o vandalismo, a anarquia na cidade, impor

    que a sociedade hipcrita, quando o hipcrita ele, que acorda de

    manh e escova os dentes com uma pasta de uma empresa

    multinacional. Prega o fim do capitalismo, mas fica pedindo

    dinheiro no calado.

    A rivalidade entre punks e carecas na cidade j havia

    resultado em algumas confuses. Um dia antes eu havia conversado

    com Gabriel, estudante de Cincias Sociais da UEL, que teve a

    perna fraturada ao pular de um muro de quase cinco metros quando

    fugia de quatro carecas, aps passar em frente a uma academia de

    boxe, prxima rodoviria: Estvamos em grupo, com vrias

    garotas junto, eu estava de moicano levantado, quando eles saram e

    gritaram Se correr pior', contou.

    - E a respeito da homossexualidade?

    - Cada um faz o que quer da vida. A partir do momento em

    que o indivduo se assume como homossexual, independente disso,

    ele um cidado, ento deve ser respeitado como um cidado. Mas

    ele tem que cumprir com os direitos de um cidado. Assim como ele

    tem direito de dizer que homossexual eu tenho o direito de dizer

    que no gosto, mas a partir do momento que ajo com violncia estou

    errado.Temos que transmitir a idia e mostrar que a vida que ele est

    levando no leva a nada.

    - Vocs se assumem integralistas, essa viso do Integralismo

    como um fascismo brasileira, verdadeira?

    60

  • - No. As pessoas confundem o integralismo com o

    fascismo, o que mentira. O integralismo foi o nico pensamento

    poltico que lutou contra o fascismo, contra o nazismo. uma

    postura voltada para defesa do cidado e no s do Estado. Passa na

    novela da Globo os integralistas matando um monte de gente, mas

    ningum fala que o comunismo matou muito mais gente que o

    nazismo, com Lnin e Stalin.

    - Existem partidos integralistas no Brasil hoje?

    - Existem alguns partidos que compactuam da idia do

    Integralismo, mas no se assumem como Integralistas, como o

    caso do PRONA, do Doutor Enas e do Partido Nacionalista

    Democrtico, fundado por um pessoal do Exrcito. So partidos

    pequenos, creio que com essa nova lei dos 5% muitos desses

    partidos vo sumir.

    - E as mulheres, qual a funo delas dentro do grupo? O que

    elas podem fazer?

    - Tudo. Tm os mesmos direitos de qualquer um l dentro,

    mas tambm os mesmos deveres. Se ela entra no movimento tem

    que ter postura ntegra, existem pessoas que prezam pela ordem, se

    eu tenho uma namorada ela minha namorada, ela no vai ficar

    rodando banca.

    Guilherme relata o caso de uma garota que namorava um

    integrante do grupo at que um dia se separaram. Numa certa gig, a

    garota tinha bebido alm da conta e comeou a dar bola pra um

    outro integrante, novato. Ele foi avisado de que no deveriam ficar,

    pois o ex-namorado ainda gostava dela, conta. Apesar do aviso, o

    novato resolveu ficar com a garota. Ambos foram espirrados do

    grupo, ele, como j havia sido advertido para no fazer aquilo, teve

    uma punio mais severa, completou. Apesar da insistncia,

    Guilherme no relatou que tipo de punio seria, disse apenas que

    ele foi expulso do grupo e ainda acabou tomando uns tapas do ex-

    namorado da garota.

    Aps a entrevista ficamos em um posto, tomando cerveja e

    trocando algumas idias, Guilherme ainda me passava a indicao

    14

    14

    De acordo com a nova Lei Eleitoral, vlida para as eleies de 2006, os partidos que no alcanarem 5% dos votos para a Cmara dos Deputados perdem direitos fundamentais como

    formao de bancada e Fundo Partidrio.

    61

  • de novos contatos quando um grupo de punks passou do outro lado

    da rua. Al que belezinha, disse rindo. Essa mina a [apontando

    uma garota no grupo] a famlia dela tem grana, ela treinava com a

    gente l na academia. Para andar com esses caras eles pedem pra

    essas menininhas ir l e tirar xerox dos fanzines e panfletos pra eles,

    a pode andar junto, continuou, rindo com ar de inconformado.

    Nos despedimos, agradeci e partimos.

    Fascismo brasileira?

    O projeto ufanista de Plnio Salgado foi por muito tempo

    associado a uma espcie de fascismo brasileiro, isso devido s

    semelhanas com projetos fascistas da poca

    como na Itlia de Mussolini, Portugal de

    Salazar e Alemanha de Hitler.

    Alm disso, a simbologia e ritos

    integralistas davam ainda mais margem para as

    acusaes. Eles usavam a saudao Anau! -

    voc meu irmo, em tupi - numa reverncia

    com o brao direito estendido, semelhante

    saudao nazista e cultuavam a letra grega

    Sigma () como bandeira,.

    A historiografia est aos poucos

    mudando essa concepo. Na verdade o projeto

    integralista tinha caractersticas prprias de um contexto brasileiro

    do fim dos anos 20, onde se buscava retomar uma identidade

    nacional, Plnio era um modernista, do grupo conhecido como pau-

    brasil, que buscava nacionalizar a arte brasileira., diz o professor

    titular do Departamento de Histria da Universidade Estadual de

    Ponta Grossa, Niltonci Batista Chaves, pesquisador do assunto.

    Segundo Chaves, a aproximao dos integralistas com o

    fascismo ou nazismo se dava pela simpatia no ocultada por Plnio

    Salgado a Mussolini e pela propaganda exercida sobre os

    imigrantes alemes e italianos. Era comum os integralistas

    divulgarem panfletos entre os colonos dizendo 'se estivesses na

    Alemanha serias nazista, se estivesses na Itlia serias fascista, se

    ests no Brasil, sejas Integralista', conta.

    62

  • Apesar destas simpatias e de ser caracterizado como um

    modelo de governo autoritrio, onde o projeto de sociedade

    conduzido por um nico lder e onde a vontade coletiva se

    sobrepunha vontade do indivduo, o Integralismo no promovia o

    racismo, pelo contrrio, reverenciava a miscigenao das raas que

    compe a identidade nacional. O projeto integralista propunha uma

    sociedade que retomasse os verdadeiros valores da ptria, contra a

    europeizao da cultura e dos costumes e contra o comunismo ateu.

    O anti-semitismo, no entanto, aparece na figura de Gustavo

    Barroso, importante lder integralista, que acusava os judeus de

    serem os responsveis pelo incio do endividamento do pas.

    O Integralismo se idealizou inicialmente atravs da figura de

    Plnio Salgado, nos anos 30, trazida a pblico pelo manifesto de 07

    de Outubro de 1932, quando foi fundada a Ao Integralista

    Brasileira (AIB).

    No Paran, o Integralismo se desenvolveu principalmente na

    regio dos Campos Gerais e no Sudoeste do Estado. Ponta Grossa,

    por exemplo, contava com um ncleo maior do que o da capital

    Curitiba. Eram cerca de 1000 filiados, divididos em trs sedes na

    cidade, eram em nmeros maiores do que os comunistas, conta

    Chaves. E eram pessoas influentes na poltica da cidade, tendo

    inclusive representantes na Cmara, completa.

    A AIB foi posta na ilegalidade em novembro de 1937, com a

    instaurao do Estado Novo, nas mos de Getlio Vargas. Mesmo

    assim, no ano seguinte um grupo de integralistas tentou tomar de

    assalto o Palcio Guanabara, sede do governo no Rio, episdio que

    ficou conhecido como Levante Integralista. Os insurgentes foram

    duramente reprimidos, muitos torturados e fuzilados. Plnio

    Salgado se exilou em Portugal, onde permaneceu at o fim do

    regime no Brasil.

    Hoje, os integralistas brasileiros se renem sob a bandeira da

    Frente Integralista Brasileira, fundada em 2004, presente em 12

    estados brasileiros, que realiza reunies periodicamente e mantm

    em So Paulo um rgo independente conhecido como A Casa de

    Plnio Salgado, um centro cultural que guarda material de estudos e

    propaganda integralista.

    63

  • Carecas de Maring

    A entrevista em Londrina me possibilitou outros contatos e o

    esboo de um mapa dos carecas no Paran. O movimento

    organizado no estado era menor do que imaginava inicialmente,

    abrangeria apenas a regio da capital Curitiba e ao norte com

    Londrina, incluindo Rolndia, Camb, Apucarana e Ibipor, e

    Maring, incluindo Sarandi, Paissandu e Marialva.

    O contato em Maring foi um pouco mais difcil, partiu de

    uma srie de e-mails que demoravam semanas para serem

    respondidos e a entrevista s foi concretizada por um programa de

    mensagens instantneas, na madrugada de um domingo.

    Segundo R.R, dos Carecas de Maring, atualmente o

    movimento conta com oito pessoas na ativa, mas j tiveram mais de

    50 nas suas fileiras, mas so pouco ativos devido a questo de

    tempo. Ningum tem tempo pra trampo voluntrio, no. Tudo

    quebrado, no mximo uma doao de sangue e olha l, todo mundo

    trampa direto, diz.

    Os Carecas de Maring j foram acusados de diversos casos

    de violncia na cidade, principalmente contra homossexuais e

    punks. De acordo com R.R., como pediu para ser identificado, o

    grupo perseguido pela imprensa na cidade: Toda vez que alguns

    moleques metem a porrada em travesti na rua falam que foi a gente.

    H um tempo atrs uns mano mataram um traveco e a culpa caiu na

    gente, nem tentaram saber quem foi e j saiu no jornal que fomos

    ns, s porque um dos moleques estava com a cabea raspada,

    afirma.

    - Vocs perseguem os travestis?

    - Ah cara... nem tem disso de perseguir no. S no curtimos

    o que eles fazem...

    - Mas se trombar na rua?

    - Depende do humor (risos)

    A respeito dos punks R.R. conta orgulhoso o fato de no

    haverem mais punks organizados na cidade: J at teve, agora tem

    uma mulecadinha querendo faze uma cena, mas a damos uns

    64

  • Cartazes de gigs organizadas

    pelos Carecas do Brasil.

    Em 2004, os Carecas de Londrina

    sediaram o Inverno OI!, um dos eventos

    da agenda anual.

    Reunimos umas 500 possoas, veio

    nibus de Porto Alegre, Curitiba,

    Maring, Ribeiro Preto, conta

    Guilherme, orgulhoso.

    Odiados e Orgulhosos

    Odiados e Orgulhosos

    65

  • sacode nos moleques e eles nem aparecem mais de visu. J corta na

    raiz mesmo, conta e ainda comenta: Eu at levo de boa outros

    skins que no so carecas, depende da forma como agem, agora

    punk no passa. So podre, um bando de drogado que se destri e

    tambm suas famlias e s muito tempo depois vo ver o que

    fizeram, isso se perceberem. Ficam zuando a cidade, pichando tudo,

    quebrando as coisas na rua, no tomam banho. No tem como

    algum em s conscincia aceitar um tipo de coisa como essa.

    - Mas isso no suja a imagem do movimento careca?

    - Por que sujaria? NINGUM GOSTA DESSES CARAS

    MESMO.

    Verses

    J perto do fechamento do livro, consegui um contato do

    outro lado em Maring, o ex-militante anarcopunk que prefere ser

    identificado como Bruno Tolstoi me relatou que Maring j foi

    palco de confrontos violentos entre punks e carecas, dos quais ele

    prprio foi vtima.

    Em 2000, Bruno tinha 16 anos e voltava da escola para casa

    de bicicleta quando foi perseguido por um careca que tentou jog-lo

    contra um caminho estacionado e depois o agrediu. S quando as

    agresses cessaram que o careca, conhecido como Cabral, disse que

    era careca do Brasil e foi embora.

    Bruno no se machucou muito e preferiu nem dar queixa na

    polcia. Menos de um ms depois, voltava para a casa a p quando

    foi agredido repentinamente com socos no rosto por um careca.

    Em seguida veio outro careca, mas dessa vez pelas costas e,

    sem que eu visse, comeou a me agredir fisicamente; acabei caindo

    no cho e enquanto levava pontaps pude ver mais adiante outros

    dois carecas se aproximando correndo, um deles como se fosse

    bater um pnalti, tendo minha cabea como alvo, no fosse a

    esquiva, tinha acertado, conta.

    Segundo ele, dessa vez foi registrado boletim de ocorrncia

    e ele prprio pesquisou a rotina dos integrantes do movimento

    careca da cidade, que seriam uns dez. A principio, no vou negar,

    66

  • pensei em mat-los, ou pelo menos um deles, mas essa idia logo

    saiu da minha cabea, pois durante a efetuao da pesquisa no pude

    deixar que algum sentimento de empatia me ocorresse quando

    observei a vida completamente desregrada e sem futuro que eles se

    auto-impuseram. Tambm me questionei seriamente se eu gostaria

    de acrescentar mais um elo nesse grilho de violncia, diz Bruno,

    que hoje adepto da filosofia zenbudista.

    Outro relato impressionante de Maring diz respeito a um

    levante punk contra os carecas nazistas da cidade, em 2002.

    A ex-militante punk Fernanda conta que os naziskins

    comearam a surgir na cidade desde 1998, causando confuso em

    diversos lugares, mas sem muita argumentao ou propaganda.

    Ningum entendia direito o que eles pensavam, eles chegavam,

    batiam e iam embora fazendo saudaes nazistas, relata.

    Em 2002, o movimento punk de Maring estava bem

    articulado. Aps o espancamento de um casal de punks por cerca de

    dez skinheads, os grunges e punks da cidade resolveram se unir para

    um revide. O pessoal foi atrs deles em um bar onde costumavam

    ficar, prximo a Copel. Dessa vez os skins estavam em menor

    nmero, a o pessoal entrou no bar e quebrou eles, com direito a

    garfadas e garrafadas, conta.

    Segundo ela, aps esse episdio comeou uma semana de

    terror para os punks em Maring, dois dos skinheads agredidos

    foram para no hospital em estado grave e o resto do grupo jurou os

    punks de morte. Certo dia eles chegaram em trs na frente da casa

    de uma garota onde nos reunamos, apedrejaram a casa toda,

    arrombaram a porta e quebraram tudo o que tinha l dentro. Quando

    voltamos l no outro dia vimos que no dava pra salvar nada.,

    desabafa.

    Fernanda e seu companheiro perceberam que no seria uma

    boa idia continuar em Maring e foram embora da cidade, junto

    com o resto do grupo:

    - Fomos ento pra Curitiba, mas quando chegamos l

    percebemos que a coisa era ainda pior.

    67

  • Odiados e Orgulhosos

    Odiados e Orgulhosos

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    Div

    ulgao/Care

    cas de Londrina

  • Odiados e Orgulhosos

    Odiados e Orgulhosos

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    Carecas de Curitiba

  • Povo forte, terra fria, sangue quente.

    Gente limpa honesta e decente

    que tem orgulho daquilo que s seu

    de viver feliz, na terra onde nasceu

    Curitiba - Mo-de-Ferro

    Capital do estado, com quase dois milhes de habitantes

    (1.788.560, segundo o Censo de 2000) Curitiba reconhecidamente

    um dos plos culturais no Paran. No surpreende que a cidade

    abrigue inmeras tribos urbanas, entre elas o skinhead, que achou no

    jeito curitibano de ser - considerado bairrista, pouco receptivo e

    tradicionalista terreno frtil para crescer.

    Na cidade os grupos se dividem principalmente em Trads

    (skinheads tradicionais, se ligam mais ao ska e reggae, so

    apolticos), SHARPs, Carecas do Subrbio e White Powers.

    Curitiba tambm conhecida como a capital do psychobilly no Sul,

    contando com um festival anual do gnero que lembra o Oi! e agrada

    a alguns skinheads.

    A primeira gangue de Curitiba

    O primeiro grupo de skins curitibanos de que se tem notcia

    comeou em 1986, ainda com pouca ideologia e organizao. Quem

    conta Gustavo, da banda Mo-de-Ferro - que o mesmo define

    como uma banda de rock de rua, que traz nas letras, futebol,

    cerveja e temas paranistas, tendo inclusive um acorden no line up.

    ramos poucos, sete ou oito, nunca nos preocupamos em

    nos contar. Era 1986/87. ramos pis, bem burros, inocentes e

    irresponsveis. A violncia era o que nos guiava. Brigvamos muito

    com punks, metaleiros, darks e new waves. A ideologia era confusa.

    Falava-se muito em nacionalismo, mas eu no conseguia entender

    bem o que era o que se falava. Tnhamos a notcia de que skinheads

    16

    -

    16

    Em uma pesquisa publicada pelo jornal Gazeta do Povo em 30 de Julho de 2006, de autoria prpria, foram entrevistadas pessoas que so oriundas de fora da capital mas l residem. Dentre as

    palavras que melhor definiriam os curitibanos 55,7% dos entrevistados optaram por

    Fechado/Introvertido, 18,8% os consideram Conservadores e, 17,4% os definiram como

    Arrogantes.

    71

  • eram nazistas. Tudo isso era irrelevante. A briga era o que valia.,

    afirma.

    Segundo ele, o grupo acabou pouco tempo depois de uma

    briga mais feia, quando cada um tomou um caminho diferente.

    Daquele grupo, s eu estou na ativa atualmente, depois de muito

    tempo no meu canto, conta.

    Sulismo

    Apesar do nacionalismo, os skins curitibanos daquela poca

    j compartilhavam da idia do Sulismo - separao da regio Sul do

    resto do pas - de acordo com Gustavo, havia naquela poca uma

    banda no grupo chamada Resistncia Nacional, que tinha no

    repertrio uma msica chamada Por um pas menor.

    Gustavo nega o rtulo de separatista para sua banda atual,

    mas assume ser partidrio da idia. Falar em Sulismo parece

    sempre perigoso. inevitvel a associao com racismo, excluso,

    xenofobia. Mas no nada disso. Nossa postura sempre a do

    orgulho. Temos pouco e nos orgulhamos daquilo que temos e

    somos, no caso, sulistas. Isso decorre do orgulho da prpria rua,

    convivncia de bairro, das caractersticas de nossa cidade natal e

    seus habitantes, que so to peculiares, diz.

    Para ele, a idia de um Brasil unido no deu certo e a

    emancipao das regies, cada qual com caractersticas culturais

    bem definidas seria a soluo. Nossa regio Sul carrega uma gama

    imensa de pontos de semelhana entre as culturas e tradies de seus

    trs estados, a ponto de implicar no fcil reconhecimento da falta de

    uma unidade nacional com o resto do Brasil. O Brasil no deu certo,

    fato. E a auto-afirmao de seus povos, j divididos em regies

    uma sada honrosa e promi