livro - historia contemporanea

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  • Histria Contempornea

    verton Gonalves de vila

  • Copyright Sociedade de Educao Tiradentes

    A958h vila, verton Gonalves de Histria contempornea. / ver-ton Gonalves de vila. Araca-ju : UNIT, 2011.

    166 p.: il. : 22 cm.

    Inclui bibliografia

    1. Histria contempornea. I. Universidade Tiradentes Educao Distncia II. Titulo.

    CDU : 94654

    Jouberto Ucha de MendonaReitor

    Amlia Maria Cerqueira Ucha Vice-Reitora

    Jouberto Ucha de Mendona JniorSuperintendente Geral

    Ihanmarck Damasceno dos SantosSuperintendente Acadmico

    Eduardo Peixoto RochaDiretor de Graduao

    Jane Luci Ornelas FreireGerente de Educao a Distncia

    Ana Maria Plech de BritoCoordenadora Pedaggica de Projetos Unit EAD

    Lucas Cerqueira do ValeCoordenador de Tecnologias Educacionais

    Equipe de Produo de Contedos Miditicos:

    AssessorRodrigo Sangiovanni Lima CorretoresAncjo Santana ResendeFabiana dos Santos

    DiagramadoresAndira Maltas dos Santos Claudivan da Silva SantanaEdilberto Marcelino da Gama Neto Edivan Santos Guimares

    IlustradoresGeov da Silva Borges JuniorMatheus Oliveira dos Santos Shirley Jacy Santos Gomes

    WebdesignersFbio de Rezende CardosoJos Airton de Oliveira Rocha JniorMarina Santana MenezesPedro Antonio Dantas P. Nou

    Equipe de Elaborao de Contedos Miditicos: SupervisorAlexandre Meneses Chagas

    Assessoras PedaggicasKalyne Andrade Ribeiro Lvia Lima Lessa

    Redao:Ncleo de Educao a Distncia - NeadAv. Murilo Dantas, 300 - FarolndiaPrdio da Reitoria - Sala 40CEP: 49.032-490 - Aracaju / SETel.: (79) 3218-2186E-mail: [email protected]: www.ead.unit.br

    Impresso:Grfi ca GutembergTelefone: (79) 3218-2154E-mail: grafi [email protected]: www.unit.br

    Banco de Imagens:Shutterstock

  • Apresentao

    Prezado(a) estudante, A modernidade anda cada vez mais atrelada ao

    tempo, e a educao no pode ficar para trs. Prova disso so as nossas disciplinas on-line, que possibi-litam a voc estudar com o maior conforto e comodi-dade possvel, sem perder a qualidade do contedo.

    Por meio do nosso programa de disciplinas on-

    line voc pode ter acesso ao conhecimento de forma rpida, prtica e eficiente, como deve ser a sua forma de comunicao e interao com o mundo na mo-dernidade. Fruns on-line, chats, podcasts, livespace, vdeos, MSN, tudo vlido para o seu aprendizado.

    Mesmo com tantas opes, a Universidade Tiraden-

    tes optou por criar a coleo de livros Srie Bibliogrfica Unit como mais uma opo de acesso ao conhecimento. Escrita por nossos professores, a obra contm todo o con-tedo da disciplina que voc est cursando na modalida-de EAD e representa, sobretudo, a nossa preocupao em garantir o seu acesso ao conhecimento, onde quer que

    voc esteja.

    Desejo a voc bom aprendizado e muito sucesso!

    Professor Jouberto Ucha de Mendona

    Reitor da Universidade Tiradentes

  • Sumrio

    Parte 1: As Revolues e o Sculo XIX . . . . . . . . . 11

    Tema 1: No mundo das Revolues . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

    1.1 Revoluo Francesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

    1.2 Etapas e Implicaes da Revoluo Francesa . . . . . . . . . 23

    1.3 Revoluo Industrial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

    1.4 Implicaes da Revoluo Industrial . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

    Tema 2: No mundo do Imperialismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

    2.1 Imperialismo e Colonialismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

    2.2 Liberalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

    2.3 Nacionalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

    2.4 Movimento Operrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

    Parte 2: As Transformaes e o Sculo XX . . . . . 87

    Tema 3: No tempo dos Totalitarismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .89

    3.1 O Mundo da I Grande Guerra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

    3.2 Revoluo Russa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

    3.3 Crise de 29 e os Movimentos Totalitrios . . . . . . . . . . . . .107

    3.4 O mundo da II Guerra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115

    Tema 4: O mundo Ps-Guerra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125

    4.1 Guerra Fria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .126

    4.2 Descolonizao da frica e sia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .135

    4.3 Os anos 60 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144

    4.4 Globalizao e a Nova Ordem Mundial . . . . . . . . . . . . . . .152

    Referncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162

  • Ementa

    No mundo das Revolues: Revoluo Fran-cesa, Etapas e Implicaes da Revoluo Francesa, Revoluo Industrial, Implicaes da Revoluo In-dustrial. No mundo do Imperialismo: Imperialismo e Colonialismo, Nacionalismo, Liberalismo, Movimen-to Operrio. No tempo dos Totalitarismos: O Mundo da I Grande Guerra, Revoluo Russa, Crise de 29 e os Movimentos Totalitarios, O mundo da II Guerra. O mundo Ps-Guerra: Guerra Fria, Descolonizao da frica e Asia, Os anos 60, Globalizao e a Nova Ordem Mundial.

    Objetivos

    Geral

    Compreender como se deu a formao do mun-do contemporneo, atravs da ascenso e fortaleci-mento do capitalismo.

    Especficos

    Abordar temas de histria social econmica e cultural ligados construo da moderni-dade na Europa e nos Estados Unidos du-rante os sculos XIX a XXI.

    Discutir os processos da revoluo industrial e da Revoluo Francesa, como provocado-res de profundas mudanas polticas, econ-micas, sociais e culturais.

    Problematizar as revolues do sculo XIX.

    Concepo da Disciplina

  • Discutir as motivaes para os conflitos do sculo XX, percebendo a conformao do mundo a partir do momento em que foram consumados.

    Analisar a composio poltica e econmica aps o fim da Guerra Fria.

    Contextualizar as relaes entre globaliza-o, terrorismo e multiculturalismo.

    Orientao para Estudo

    A disciplina prope orient-lo em seus procedi-mentos de estudo e na produo de trabalhos cien-tficos, possibilitando que voc desenvolva em seus trabalhos pesquisas, o rigor metodolgico e o esprito crtico necessrios ao estudo.

    Tendo em vista que a experincia de estudar a distncia algo novo, importante que voc observe algumas orientaes:

    Cuide do seu tempo de estudo! Defina um horrio regular para acessar todo o contedo da sua disciplina disponvel neste material impresso e no Ambiente Virtual de Aprendi-zagem (AVA). Organize-se de tal forma para que voc possa dedicar tempo suficiente para leitura e reflexo.

    Esforce-se para alcanar os objetivos pro-postos na disciplina.

    Utilize-se dos recursos tcnicos e huma-nos que esto ao seu dispor para buscar esclarecimentos e para aprofundar as suas

  • reflexes. Estamos nos referindo ao con-tato permanente com o professor e com os colegas a partir dos fruns, chats e encontros presenciais. Alm dos recursos disponveis no Ambiente Virtual de Apren-dizagem AVA.

    Para que sua trajetria no curso ocorra de forma tranquila, voc deve realizar as atividades propostas e estar sempre em contato com o professor, alm de acessar o AVA.

    Para se estudar num curso a distncia deve-se ter a clareza que a rea da Educao a Distncia pau-ta-se na autonomia, responsabilidade, cooperao e colaborao por parte dos envolvidos, o que requer uma nova postura do aluno e uma nova forma de con-cepo de educao.

    Por isso, voc contar com o apoio das equipes pedaggica e tcnica envolvidas na operacionalizao do curso, alm dos recursos tecnolgicos que contri-buiro na mediao entre voc e o professor.

  • AS REVOLUES E O SCULO XIX

    Parte 1

  • 1 No mundo das RevoluesO marco da passagem da Idade Moderna para a Idade Contem-

    pornea a Revoluo Francesa. Contudo, deve-se ressaltar que falar em revoluo na histria no algo muito comum. Falo de revoluo no sentido exato da palavra, j que designa a subverso da ordem. Na grande maioria das vezes, ao estudarmos as ditas revolues na histria, estamos nos referindo a golpes nos quais uma estrutura de poder retirada para dar lugar a outra. No entanto, se observarmos bem, vamos perceber que o que est mudando so os grupos ou pessoas que ocupam o poder, e no o sistema e as estruturas sociais.

    O que vamos estudar nesse tema um dos raros momentos na histria em que um movimento assume a dimenso de ruptura, quando no s um regime foi destitudo, mas as transformaes dos rumos sociais e econmicos ocorreram de forma to intensa que di-taram os caminhos do futuro no s na nao francesa, mas em todo mundo ocidental.

  • Histria Contempornea14

    1.1 Revoluo Francesa

    Muito se falou, escreveu, cantou e proclamou sobre a Revoluo Francesa. Suas influncias extra-polaram e muito as fronteiras francesas e se insta-laram de forma quase ecumnica em todo o canto do mundo Ocidental.

    Seja amando-a como um hino de liberdade, seja odiando-a como uma apologia ao fim dos tem-pos, as ideias da Revoluo Francesa se propaga-ram com fora e rapidez no Ocidente, inspirando reaes violentas com a mesma frequncia que ali-mentava os sonhos de independncia de jovens estudantes no continente latino americano.

    Conflitos, mudanas, rupturas, reformas, so as expresses utilizadas para representar as mlti-plias relaes desencadeadas pela revoluo. Con-tudo, todas so unnimes em afirmar que o mundo nunca mais foi o mesmo a partir do movimento que teve, simbolicamente, seu incio na tomada da Bas-tilha naquele 14 de julho de 1789, em Paris.

    Antecedentes da Revoluo

    Deve-se destacar que, quando se fala em his-tria, a relao direta entre causa e efeito des-cartada. Nenhum acontecimento histrico pode ser concebido a partir de uma nica causa. As socieda-des, assim como a histria, constituem-se de forma complexa e, portanto, multidimensional.

    Ao levantar os antecedentes da revoluo, procura-se de certa forma dar ritmo a essas ml-tiplas relaes de tempo e espao que vieram a desencadear no processo revolucionrio.

    Estudamos na Idade Moderna que a aproxi-mao de setores da burguesia com os reis medie-vais permitiram a formao de uma estrutura forte

  • 15Tema 1 | No mundo das Revolues

    o suficiente para acionar a formao dos Estados Nacionais e, consequentemente, o realinhamento do poder dos senhores feudais.

    Ao invs de esvaziar completamente o poder feudal, a grande maioria dos novos Estados Nacionais buscou estabelecer um novo equilbrio de foras.

    Na medida em que a concentrao de poder na mo de um rei absoluto permitiu reunir condi-es e capitais para as grandes navegaes e o de-senvolvimento das relaes mercantilistas, situao desejada por setores da burguesia, o poder dos senhores feudais no foi desprezado na plenitude.

    Mesmo com a Monarquia Absoluta, o poder dos grandes proprietrios de terra conseguiu so-breviver e de certa forma se fortalecer.

    Por mais absoluto que um regime configure--se, jamais podemos conceb-lo como algo exer-cido por uma nica pessoa. Os reis absolutistas franceses no foram exceo regra. Se de um lado a monarquia absoluta se aproximou da bur-guesia mercantil para obter lucros inimaginveis, como o processo colonial, do outro, buscava sua sustentao poltica mantendo privilgios dos gran-des proprietrios e do clero.

    Sendo assim, esse jogo de interesses pol-ticos e econmicos entre a monarquia absoluta, a aristocracia rural, a Igreja e setores da burguesia mercantil trouxe o equilbrio poltico ao que se con-vencionou denominar o Antigo Regime1.

    Podemos perceber que, atravs do Antigo Re-gime, grande parte da populao francesa estava distante das esferas do poder. O grupo de susten-tao do rei, que iria se constituir na nobreza ou Corte, orbitava em torno da monarquia garantindo seus privilgios cada vez mais exclusivos.

    Quanto mais o grupo de sustentao conso-lidava sua vida prxima ao poder na Corte, mais as

    1 A expresso Antigo Regime utilizada para o regime poltico e social desenvolvido na Frana durante os sculos XVI a XVIII.No Antigo Regime, a sociedade francesa era dividida em Estados. O primeiro Estado era consti-tudo pelo Clero, o segundo Estado pela Nobreza e o Terceiro Estado pelo resto da populao. O Terceiro Estado era o mais ecltico uma vez que era composto por bur-gueses, operrios e camponeses.

  • Histria Contempornea16

    camadas mdias e baixas da populao francesa sen-tiam o custo desse jogo interminvel de privilgios.

    No podemos esquecer o vertiginoso cresci-mento populacional que a cidade de Paris sofrera nos ltimos sculos, atraindo uma constante e fa-minta gama de gente em busca de melhores condi-es de vida e de trabalho. Sonho esse geralmente desfeito pela dura realidade urbana de uma cidade que se v inchar sem receber os investimentos ne-cessrios para comportar o aumento vertiginoso da populao.

    Pobreza, desemprego, fome e desesperana so as marcas da vida dos cidados comuns na Frana pr-revolucionria.

    Aliado a essas desfavorveis condies de vida est a ftil e perdulria Corte francesa que, vivendo da opulncia e de gastos exacerbados, os-tenta uma riqueza desproporcional, revelando um tenso e constrangedor contraste com a fome e a misria de quase noventa por cento da populao.

    Pode-se perceber que o dito equilbrio de for-as alcanado e mantido pela monarquia absoluta na sociedade francesa descansava sobre um mun-do de contrastes e revoltas por grande parte da populao. Frgil e explosivo equilbrio que foi des-gastando suas possibilidades na medida em que o poder absoluto ostentava seu luxo2 frente misria cada vez mais visvel de um povo na sua luta diria para obteno de trabalho e alimento.

    Percebe-se que o grande enclave da Frana era a urgente necessidade de modernizao. A eco-nomia francesa clamava por diversificar sua produ-o, gerar empregos e redistribuir riquezas. Porm, essas condies, exigidas por setores como a pe-quena e mdia burguesia e mesmo por setores da grande burguesia industrial, se faziam nulas frente ao despreparo e cegueira da monarquia francesa.

    2 O exemplo mxi-mo da ostentao do luxo e da alie-nao da nobreza francesa frente s difi culdades da populao est na construo do Pal-cio de Versalhes.

  • 17Tema 1 | No mundo das Revolues

    Para o Rei e sua blindada nobreza, as crises econmicas da Frana do sculo XVIII eram solucio-nadas por uma frmula simples, o aumento dos im-postos. Essa estranha regra matemtica do regime absolutista, alm de ser profundamente contra o processo de modernizao, s fazia despertar a ira de parcelas enormes da populao, principalmente porque os setores que concentravam mais renda, ou seja, a aristocracia rural e o clero eram dispen-sados dessas obrigaes tributrias.

    No necessrio dizer que quem pagava a vertiginosa ascenso tributria na Frana eram os setores menos favorecidos, ou seja, os camponeses e as camadas pobres da populao urbana. Nessa bandeira por uma equiparao de impostos jun-tavam-se os setores produtivos da burguesia que viam, na interminvel tabela de impostos, barreiras reais para o processo de modernizao e competi-tividade da produo francesa.

    Aliado a todos esses fatores estruturais, a Frana viveu alguns conflitos armados que resul-taram em um sistemtico esvaziamento dos cofres pblicos da monarquia.

    A Guerra Franco Indgena (1754-1763)3 e a subsequente Guerra dos Sete Anos (1756-1763), que a Frana travou com a Inglaterra, resultou, para a Frana, na perda de quase todas as colnias na Amrica e em dvidas astronmicas para a monar-quia francesa.

    Como vingana da derrota para os ingleses, o neto de Luis XIV (1638-1715) resolveu fomentar e participar da guerra de independncia dos Estados Unidos (1775-1783)4. O objetivo de Luis XVI (1754-1793) era provocar uma crise econmica na Ingla-terra com a emancipao da sua principal colnia e com isso interromper o fornecimento de algodo, principal matria-prima para a crescente indstria

    3 No incio da segunda metade do sculo XVIII, a Fran-a havia expandido suas possesses na Amrica do Norte impedindo a expanso Inglesa no continente. Com a ecloso da Guerra dos Sete Anos na Europa, a Frana priorizou seus interesses no velho continente abrindo espao para a expanso inglesa na Amrica do Norte.A Inglaterra con-quistou importantes posies francesas como Montreal, Quebec e as ndias Ocidentais.

    4 Com o fi m da Guerra dos sete anos em 1763, as treze colnias in-glesas dos Estados Unidos passaram a questionar o poder da coroa inglesa sobre o territrio. Esse questiona-mento ocorreu principalmente porque a Inglaterra passou a explorar com mais rigor as colnias para sanar os custos com a guerra dos sete anos. O aumento dos impostos e taxaes, alm de uma presena mais acentuada da Inglaterra nas colnias, acabou gerando o confl ito que resultou na independncia dos Estados Unidos em 1776.

  • Histria Contempornea18

    txtil inglesa, e, assim, provocar a bancarrota do modelo industrial de seu inimigo.

    Contudo, armar e mandar exrcitos do outro lado do Atlntico para uma luta que deveria ser rpida, mas que se estendeu alm da conta, prin-cipalmente devido a quantidade de homens e de recursos que a Frana se obrigou a despender nes-sa jornada, foi um golpe que a monarquia francesa no suportou.

    Os cofres pblicos, com a Guerra de Indepen-dncia, chegaram ao limite da exausto e, seguin-do a velha frmula matemtica da monarquia para compensar esses enormes gastos, veio o aumento dos impostos.

    A base da alimentao da populao pobre francesa no final do sculo XVIII era o po. Com os constantes desmandos da monarquia francesa, com os gastos na guerra e com a busca desen-freada pela manuteno do luxo e da opulncia, um dos produtos que mais sofreu aumentos foi a produo de farinha. Isso acarretou um aumento significativo no preo do po, afastando assim um enorme contingente da populao de seu principal alimento.

    Aliado a tudo isso, os cus pareciam conspi-rar contra a monarquia francesa, pois o inverno de 1778 foi um dos mais rigorosos da histria france-sa, levando a uma queda vertiginosa na produo de alimentos.

    Fortes impostos e queda na produo afasta-ram por definitivo o alimento da populao france-sa. Fome e indignao aos desmandos e opulncia da Corte configuraram-se ingredientes bsicos para a revolta.

    Contudo, podemos pensar que as situaes descritas at aqui como condies para a revoluo no so condies exclusivamente francesas. No

  • 19Tema 1 | No mundo das Revolues

    de se admirar que, nos regimes absolutistas, os cofres privados das monarquias se confundam com os pblicos, que o distanciamento entre riqueza e pobreza seja algo comum a todos os regimes ab-solutistas e que, consequentemente, a fome e a in-dignao se fazem presentes em diversos Estados e no s na Frana.

    Devemos lembrar que, a partir do sculo XVIII, os imprios coloniais da Pennsula Ibrica estavam vivendo o perodo de decadncia. Deca-dncia essa que em grande parte se revelou pela ausncia de investimentos produtivos internos. As riquezas oriundas das colnias da Amrica espa-nhola e portuguesa acabavam caindo na mo dos pases que j tinham iniciado o processo de produ-o manufatureira e industrial, como era o caso da Inglaterra e da Frana.

    Com a crise de Portugal e Espanha e com a nova ordem econmica se configurando nas re-laes capitalistas de produo, sua supremacia produtiva e econmica estava em cheque. E essa luta j possua jogadores determinados, ou seja, a Inglaterra e a Frana.

    O grande problema para a Frana que a burguesia produtiva inglesa j estava resolvendo seus problemas com a monarquia atravs de uma srie de transformaes polticas desde 1640, com a Revoluo Gloriosa, o que permitiu que setores, como a indstria txtil, se modernizassem.

    No caso da Frana, a manuteno do Absolu-tismo pela tica da burguesia produtiva no final do sculo XVIII significava perder espao competitivo. As relaes econmicas necessitariam se moderni-zar rapidamente ao custo da Frana perder a guerra de produo para a Inglaterra.

    Com a impacincia crescente da burguesia em busca de autonomia poltica para decidir seus

  • Histria Contempornea20

    investimentos e assim tornar-se competitiva, aliada s precrias condies da populao francesa, isso por si s j se configuraria como condies ideais para o processo revolucionrio. Contudo, para que esse processo significasse realmente uma transfor-mao que extrapolasse a simples substituio de governos, veio a somar-se mais um ingrediente: o Iluminismo.

    Movimento intelectual francs que iniciou al-guns anos antes e que possua pensadores como Diderot (1713-1784) e Voltaire (1684-1778), o Ilu-minismo defendia, atravs da unio entre razo e cincia, solues reais para a crise que a Frana estava vivendo. Dentre essas solues, estava o inexorvel fim do Absolutismo como condio para o necessrio processo de modernizao das rela-es polticas e econmicas da Frana.

    Essas ideias, embora circulando entre uma elite letrada francesa, acabaram chegando a in-flamadas parcelas da populao francesa que en-contraram no Iluminismo uma alternativa real para aquilo que antes era considerado quase como na-tural e at mesmo divino, o poder absoluto do Rei.

    Proclamando alternativas de poder, os ilumi-nistas demonstravam que as reformas deveriam ser bem mais profundas que a simples alternncia de poder. Para a Frana modernizar-se, deveriam ocor-rer significativas transformaes sociais, dando voz e vez a parcelas da populao que at ento esti-veram subjugadas periferia dos acontecimentos.

    Dos deveres aos direitos, com essa frmula discursiva as ideias iluministas minaram a intole-rncia e o descaso de um governo que sequer en-xergava seu povo.

    Todas as condies estavam alinhadas para desencadear o movimento revolucionrio que no s mudaria radicalmente os rumos da histria fran-

  • 21Tema 1 | No mundo das Revolues

    cesa, mas se propagaria de forma quase endmica por todos os cantos do ocidente onde a luta contra a opresso do absolutismo do Antigo Regime se fizesse presente.

    A burguesia rompe seus acordos com a mo-narquia construdos no incio da Idade Moderna, que deram poder ilimitado ao rei em troca dos ga-nhos econmicos do mercantilismo. A partir do final do sculo XVIII, a burguesia no se satisfaz somen-te com as relaes econmicas e passa a buscar o poder poltico.

    Atravs dessa disputa, sabe que somente al-canar o poder no basta, pois necessita criar as condies para que as relaes capitalistas prospe-rem. Para que isso acontea, a simples passagem do poder para mos diferentes no seria suficiente, pois, como alardeava o Iluminismo, uma nova or-dem deveria ser criada, um novo arranjo de foras e de produo, na qual o saber cientfico substitusse o arcaico e tradicional pensamento religioso, e a intrincada mquina administrativa desse lugar a um gil e arejado sistema de governo que atendesse, com a velocidade e a dinmica necessrias, as exi-gncias dos mercados e da produo.

    Um novo mundo, longe dos privilgios aristo-crticos e do poderes perptuos, como os da Igreja e da Monarquia.

    INDICAO DE LEITURA COMPLEMENTAR

    HOBSBAWN, Eric. A Era das Revolues. 25 ed., So Paulo: Paz e Terra, 2009.p.71 a 94.

    A obra de Eric Hobsbawn revolucionou os estudos historiogrficos sobre o processo revolucionrio. Em a Era das Revolues, Hobsbawn no se fixa em

  • Histria Contempornea22

    detalhes sobre a revoluo francesa, mas promove uma profunda anlise do que ele denomina uma dupla revoluo para mudar o mundo A revoluo francesa e a Revoluo Industrial. Destaque para o captulo a Revoluo Francesa.

    PERROT, Michelle (org.). Histria da Vida Privada: da Revoluo Francesa Primeira Guerra Mundial. Edio de Bolso. So Paulo: Cia das Letras, 2009. v. 4. p.21-52

    J no livro de Michel Perrot, o destaque para o ca-ptulo Lynn Hunt, discutindo as noes de pblico e privado a partir da revoluo.

    PARA REFLETIR

    Reflita com seus colegas e tutores sobre como as necessidades impostas pela formao do sistema econmico capitalista exigiu uma radical transfor-mao nas relaes internas e externas dos pases europeus.

  • 23Tema 1 | No mundo das Revolues

    1.2 Etapas e Implicaes da Revoluo Francesa

    Uma das caractersticas mais conhecidas do rei Luis XVI (1754-1793) era sua total incapacida-de de governar. Seus desmandos e incertezas eram sua marca registrada.

    Quanto mais o dficit francs aumentava, chegando ao ponto de criar uma dvida impagvel, maior era o conflito que gerava. Como j foi dito, os setores que compunham a nobreza, entre eles os grandes proprietrios e a Igreja, eram isentos do pagamento de impostos.

    Toda vez que a monarquia agia para conter a dvida, aumentava a cobrana dos impostos sobre os produtos e quem pagava a conta era a popula-o e a burguesia.

    Como a crise e a insatisfao eram crescen-tes, o rei Luis XVI nomeou como ministro das finan-as um iluminista. Jacques Necket (1732-1804) as-sumiu o gerenciamento da crise com uma bandeira bem definida: que todos os setores da sociedade francesa deveriam pagar impostos.

    Essa declarao levou Necker a conquistar uma ampla simpatia da populao pobre francesa e entre a burguesia na mesma proporo, o que gerou a ira entre os setores da nobreza.

    O impasse levou o rei a convocar os Estados Gerais, assembleia representativa que desde 1614 no era convocada na Frana e que era constituda por trs categorias: o clero, a nobreza e o terceiro estado.

    A grande reivindicao dos representantes do terceiro estado era que tivessem uma maior propor-cionalidade ao voto, pois, embora representassem quase noventa por cento da populao e reunissem uma gama profundamente diversificada de interes-ses, entre eles os da populao e dos burgueses,

  • Histria Contempornea24

    esse grupo s tinha direito a um tero dos votos, j que os outros dois teros eram da nobreza e do clero.

    Dentro dessas regras, qualquer esperana de transformao a partir dos Estados Gerais seria, portanto, impossvel. Contudo, setores da burgue-sia encontraram nessa extraordinria convocao dos Estados Gerais a oportunidade de transformar a assembleia em um grande frum poltico marcado pela crtica iluminista monarquia e aos estados sociais franceses.

    O rei, percebendo que a reunio dos Estados Gerais estava se encaminhando para rumos incer-tos e perigosos, manda fechar a assembleia, o que provoca a ira do terceiro estado.

    A partir da, o terceiro estado se rene sepa-radamente e funda a Assembleia Geral Nacional e passa a redigir a constituio para a Frana. Com essa constituio, busca-se limitar o poder do rei.

    Visando consolidar o esvaziamento do poder do rei, a burguesia atrai o apoio da populao que, devido s condies precrias em que se encontra-va, percebeu que o momento da revolta era emi-nente.

    Assim, em 14 de julho de 1789, a populao enfurecida toma de assalto a fortaleza da Bastilha, smbolo do poder absoluto, que funcionava como priso e depsito de plvora do rei.

    Ao tomar a Bastilha, e agora na posse de armas e munio, o movimento acaba tomando propores gigantescas e violentas, e os ataques a casas de nobres foram se sucedendo at a mar-cha em direo a Versalhes que acabou culminando com a priso de Luis XVI e de sua famlia.

    O rei, agora preso, foi conduzido novamente a Paris e a burguesia, temendo perder o controle do movimento, extingue os direitos feudais, causa-

  • 25Tema 1 | No mundo das Revolues

    dores da fome e da explorao secular no campo e proclama rapidamente a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado em 17895.

    O Processo Revolucionrio

    A primeira fase da Assembleia Nacional Cons-tituinte6 foi marcada por uma profunda confuso. Porm, de forma certeira, a Assembleia direciona seus esforos em direo ao clero francs, que v suas posses e riquezas confiscadas para pagar a vasta dvida do Estado. Evidentemente que essa ao despertou a indignao dos setores da Igreja que chegaram a articular uma resistncia.

    A Assembleia agiu prontamente, tornando os membros do clero funcionrios do Estado e, assim, submetendo-os s rgidas leis de disciplina, segun-do as quais qualquer ato contrrio aos interesses do Estado seria considerado crime e, portanto, su-jeito priso.

    Durante esse perodo, o Rei foi obrigado a ceder espao, ou seja, a abdicar de privilgios do Absolutismo. E de certa forma, passou a desen-volver uma poltica de duas mos. Se de um lado parecia estar cedendo s tendncias de abertura poltica exigidas pela revoluo, de outro, conspira-va com os vizinhos estados absolutistas da ustria e da Prssia para articular uma invaso e, com isso, sufocar o processo revolucionrio e restaurar nova-mente o Absolutismo.

    O rei, percebendo prxima a invaso estran-geira na Frana que ele mesmo articulara, tenta fu-gir de Paris para a Prssia, mas durante essa fuga capturado e novamente preso em Paris.

    A tentativa de fuga do rei e seus acordos para que naes estrangeiras invadissem a Frana desencadeia a ira dos franceses e as acusaes e

    5 Com fortes infl u-ncias da Revoluo Americana de 1776 e do Iluminismo, a Assembleia Nacional Constituinte aprova a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado. So 17 artigos que versam sobre a igualdade e a liberdade perante a lei, a defesa da propriedade privada e o direito de resistir opresso.

    6 Aps a revoluo, os integrantes do Terceiro estado comearam a se articular em partidos polticos. Os giron-dinos, compostos pela alta burguesia, queriam evitar a radicalizao da revoluo, ou seja, que seus efeitos refl etissem no povo. Os Jacobinos, compostos pela baixa burguesia e pelo povo em geral, defendiam a radica-lizao do processo revolucionrio.

  • Histria Contempornea26

    os nimos contra o Rei agora assumem caminhos perigosos.

    Porm, temendo a exaltao dos nimos re-volucionrios, os setores mais conservadores da Assembleia proclamam a Constituio de 1791, que mantinha a figura do rei, no entanto, com poderes limitados pelo parlamento.

    A constituio, liderada por setores da alta burguesia e da aristocracia liberal, acabou distan-ciando o povo das decises polticas.

    As atitudes da Assembleia e os rumos que a constituio estava tomando despertaram a radica-lizao dos interesses polticos na prpria Assem-bleia.

    Eram mltiplos os interesses e conflitos re-presentados na Assembleia. Defendia-se a maior participao do povo, os interesses dos aristocra-tas liberais, os da alta burguesia, do clero e mesmo de restauradores disfarados.

    Porm, mesmo com essa multiplicidade de interesses e com um profundo desconfiar das clas-ses populares de que a revoluo estava apenas substituindo o poder do rei pelo poder da alta bur-guesia, existia um consenso na Assembleia e mes-mo na Frana como um todo.

    O processo revolucionrio que derrubara o absolutismo estava incomodando as outras monar-quias europeias. O sentimento de que haveria uma retaliao continental contra a ameaa burguesa se fazia presente.

    A certeza de que a Frana seria alvo de inva-ses absolutistas levou a fortalecer a proposta de que ela deveria tomar a dianteira e contra-atracar, ou seja, disseminar pelas armas os ideais burgue-ses nas outras monarquias absolutistas. O grito de guerra toma conta das ruas de Paris e a Frana passa a articular suas defesas e seus exrcitos.

  • 27Tema 1 | No mundo das Revolues

    Como anunciado e proclamado, a guerra com a Prssia e a ustria acontece e a atuao do exer-cito francs desastrosa. Nesse momento, o grupo radical liderado por Maximilien Robespierre (1758-1794), os jacobinos, tomam a frente nos protestos e acusam o rei de passar informaes de defesa aos inimigos.

    Acusar o rei de desmando ou incompetncia era uma coisa, mas de traio foi outra. Nesse ins-tante, o futuro do rei e da monarquia parlamentar estava com os dias contados e sua execuo foi tomada como certa.

    Aps uma sucesso de derrotas, o exrcito francs consegue a vitria em 1792 e, no mesmo momento, feita a proclamao da Repblica na Frana que seria governada por uma Conveno eleita atravs do voto universal.

    Durante a conveno, as tendncias polticas tornaram-se mais claras e concentraram-se em duas posies: a dos Girondinos, representantes da alta burguesia, e a dos Jacobinos, representando a ala radical a favor de mudanas drsticas com maior participao do povo.

    Os primeiros atos da Conveno s trouxe-ram indignao populao francesa, na medida em que os preos continuavam a subir.

    Em 1793, os sans culottes7, movimento radi-cal das ruas de Paris, depuseram os girondinos do poder e instauraram um novo governo, agora sob o domnio dos Jacobinos.

    Embora profundamente identificados com o apoio popular, os jacobinos governam para os pe-quenos burgueses. Contudo, as exigncias pela ra-dicalizao da revoluo fazem com que o perodo Jacobino seja considerado como o perodo do terror.

    Qualquer pessoa identificada com os inte-resses aristocrticos, dos girondinos, acusada de

    7 Os sans culottes eram compostos por comerciantes, artesos, trabalha-dores assalariados, camponeses e desocupados fran-ceses. Eram radicais e queriam que as reformas chegassem ao universo das classes populares.

  • Histria Contempornea28

    traio e executado.Os jacobinos eram liderados por Robespier-

    re que, ao longo de seu mandato, teve sempre a atitude de tentar se manter no centro das decises polticas. Isso fez com que se voltasse contra os prprios companheiros de poder.

    Embora Robespierre tenha conseguido dar fim contra-revoluo e imprimir vrias derrotas aos inimigos externos e internos da revoluo, suas atitudes muitas vezes eram profundamente impo-pulares tanto para a burguesia, que clamava pelo livre comrcio, quanto para a populao, que dese-java controle de preos e salrios mais altos.

    A situao dos jacobinos torna-se insuport-vel e, em 1794, um golpe sela com grande agres-sividade o perodo Jacobino, levando guilhotina todos aqueles que participaram diretamente do go-verno, entre eles o prprio Robespierre.

    Nesse golpe, a alta burguesia e os banquei-ros tentam tomar os rumos da revoluo e desen-cadeiam uma srie de aes para atender seus in-teresses como, por exemplo, permitir o aumento de preos das mercadorias.

    O Diretrio

    Com a derrubada dos jacobinos e a instala-o do Diretrio, a Frana passa a ser governada por um grupo de cinco membros que compe o executivo. O voto universal novamente substitu-do pelo censitrio, o que garante a manuteno da alta burguesia no poder.

    Com o domnio da alta burguesia, a poltica do Diretrio promove atitudes que beneficiam aber-tamente os interesses dos ricos, como a liberao completa dos preos e a especulao financeira, atravs de uma poltica inflacionria que trazia ga-

  • 29Tema 1 | No mundo das Revolues

    nhos astronmicos aos burgueses e banqueiros.Evidentemente que novamente quem pagava

    caro por essas polticas eram os pobres, que viram os preos subirem, os salrios perderem poder de compra e a fome rondar suas casas e famlias.

    Assim como internamente, na poltica externa no poderia ser diferente. Para o Diretrio, a pre-sena dos exrcitos da Frana servia para conter as tentativas contra-revolucionrias dos vizinhos absolutistas e tambm, por que no dizer, para au-mentar a rea de domnio francs na Europa.

    O general responsvel por esses interesses era Napoleo Bonaparte (1769-1821), que cumpriu com grande xito suas obrigaes, chegando a ane-xar para a Frana regies da Alemanha e da Itlia.

    Porm, atitudes nada populares preocupa-vam os integrantes do Diretrio principalmente devido instabilidade poltica advinda da insatis-fao popular. Pensou-se, assim, na possibilidade da instalao de um governo forte, ditatorial, que assegurasse pela fora as reformas que a alta bur-guesia estava promovendo.

    Em 1799, com o golpe do 18 Brumrio8, Na-poleo Bonaparte, o jovem general, forte politi-

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    8 O golpe do 18 Brumrio foi articulado pelos Girondinos para por fi m s constantes revoltas do perodo do Diretrio. Aliados com o exrcito, os Girondinos colocaram Napoleo Bonaparte no poder.

  • Histria Contempornea30

    camente por suas conquistas militares, derruba o Diretrio e instaura o Consulado, passando a admi-nistrar a Frana em busca da estabilidade poltica que a alta burguesia desejava para continuar a ga-nhar dinheiro.

    Governo de Napoleo Bonaparte

    Como era esperado, o governo de Napoleo trouxe certa estabilidade ao pas. O grande pndu-lo poltico que at ento fazia a Frana oscilar ora para o terrorismo popular, ora para a possibilidade de uma restaurao absolutista, foi de certa forma contido.

    Napoleo Bonaparte construiu essa estabili-dade no s por sua imagem forte, mas principal-mente por aes como a reforma administrativa, que trouxe uma durabilidade ao governo, alm da implantao do Cdigo Civil de 1804 e a reestrutu-rao urbana de Paris, com obras pblicas de infra--estrutura e de estradas.

    Contudo, foi sem dvida na poltica externa que Napoleo ficou mais conhecido. Atravs de uma poltica agressiva de expanso militar, desen-cadeou uma frente de batalha com a Inglaterra que veio a reorganizar o mapa comercial europeu, como, por exemplo, o Bloqueio Continental, que proibia a entrada de qualquer produto ingls no continente europeu. Atravs do Bloqueio Continental, a pres-so francesa sobre a Corte portuguesa resultou na sua partida para o Brasil em 1808, transformando os rumos das relaes entre metrpole e colnia na Amrica Portuguesa.

    A partir do fracasso da invaso russa, Na-poleo enfraquecido ainda teve que enfrentar os exrcitos da 6 Coligao, compostos por ustria, Prssia, Rssia, Inglaterra e Sucia.

  • 31Tema 1 | No mundo das Revolues

    Em 1814, aps a invaso de Paris pela 6 Coligao, Napoleo forado a abdicar, e a mo-narquia francesa novamente conduzida ao poder com o rei Luis XVIII.

    INDICAO DE LEITURA COMPLEMENTAR

    HOBSBAWN, Eric. A Era das Revolues. 25 ed., So Paulo: Paz e Terra, 2009. p.95-116

    Eric Hobsbawn no captulo A Guerra, do seu livro a Era das Revolues, desenvolve um estudo sobre as diversas formas como foram vistas o perodo de guerras entre 1792 a 1815.

    Veja tambm o texto: Os ritos das famlias burgue-sas em:

    PERROT, Michelle (org.). Histria da Vida Privada: da Revoluo Francesa Primeira Guerra Mundial. So Paulo: Cia das Letras, 2009. v. 4. p.193-262.

    PARA REFLETIR

    Pesquise com os colegas e depois debata com o tu-tor sobre como a ascenso de Napoleo Bonaparte assegurou a expanso dos ideais revolucionrios para a Europa e para o Mundo.

  • Histria Contempornea32

    1.3 Revoluo Industrial

    A velocidade e a capacidade de produo so sem dvida marcas registradas da Revoluo Industrial. Caractersticas que podemos considerar como um marco de transformao do velho mundo mercantilista para a configurao das modernas re-laes capitalistas de produo.

    A partir da Revoluo Industrial, o mundo no foi mais o mesmo, pois raramente um conjunto de transformaes tecnolgicas provocou um pro-cesso de transformao to intenso e complexo no planeta e na sociedade como um todo.

    Destaca-se na Revoluo Industrial esse com-plexo processo, pois ele no se resume em pro-mover a substituio da forma de se produzir. Ele altera, interfere e transforma o modo de viver e sentir na Europa assim como provoca sucessivas ondas de transformao no resto do mundo a partir de seu desenvolvimento.

    Cidades se formam e inflam com a velocidade das mquinas, naes se aproximam pelas estradas de ferro, populaes inteiras so engolidas pela proletarizao. Alm disso, a busca desenfreada por recursos naturais, ainda considerados inesgot-veis, modifica radicalmente a paisagem do planeta.

    A Revoluo Industrial pode ser concebida em trs fases distintas. A primeira corresponde ao perodo de 1760 a 1850, quando praticamente um movimento restrito Inglaterra e tem como caracte-rstica a produo de bens de consumo fundamen-tada na mecanizao e na energia a vapor.

    A segunda fase da revoluo caracterizada pelo desenvolvimento dos bens de produo. Nessa fase, o vapor, as ferrovias e, finalmente, o petrleo so a fora que move o sistema produtivo. Essa se-gunda fase compreende o perodo de 1850 a 1900.

  • 33Tema 1 | No mundo das Revolues

    O terceiro momento da revoluo industrial caracteriza-se pela formao das grandes multina-cionais e pela configurao da sociedade de consu-mo em massa que caracterizam nossa poca.

    Pode-se considerar o artesanato como a pri-meira ou primitiva forma de produo industrial. Essa forma de produo teve seu florescimento nos tempos modernos a partir do final da Idade Mdia. Sua produo era simples e caracterizava-se por aglutinar, em um mesmo processo produtivo, todas as etapas na mo de um s trabalhador.

    Uma das principais caractersticas dos arte-sos medievais justamente o controle da produ-o. Desde o tratamento da matria prima a ser trabalhada at a confeco e manuseio das ferra-mentas e a forma como produzir o produto final.

    O arteso, ao controlar todas as etapas de produo, especializava-se em uma determinada atividade e passava a viver exclusivamente dela. Todo o seu capital era obtido a partir da venda do produto produzido por ele e sua famlia e, com a obteno do dinheiro da venda desse produto, po-dia adquirir todas as outras coisas que necessitava para sobreviver.

    Pode-se perceber que esses artesos, geral-mente urbanos, distanciaram-se gradativamente do tpico processo produtivo medieval, que se carac-terizava por atividades agrcolas de subsistncia.

    Com o crescimento das cidades, do comrcio e das prticas produtivas, os artesos passaram a ter necessidade de produzir de forma mais rpida e eficaz.

    Quanto mais as cidades inflavam de gente, maior era a necessidade de produzir com rapidez para atender as exigncias do mercado consumi-dor ascendente, o que determinou a passagem do trabalho artesanal para as primeiras manufaturas e

  • Histria Contempornea34

    a busca de desenvolvimento tecnolgico que per-mitisse a conquista de mais produtos e com isso mais capital.

    As primeiras mquinas manuais comearam a aparecer na medida em que as prticas comerciais se especializavam.

    Com essa demanda, os manufatureiros forne-ciam a matria-prima e at mesmo alguns teares e o arteso trabalhava em casa, tecendo fios, costu-rando, tingindo tecidos e fazendo malhas.

    Porm, essa forma de produo foi perdendo eficcia na medida em que a demanda por produ-tos se fazia sentir em escala global. Dos pequenos teares dispostos nas casas dos artesos surgiram mquinas cada vez mais eficazes e consequente-mente mais volumosas.

    Os grandes teares com uma capacidade as-tronomicamente maior levou construo de gran-des prdios para abrigar essas mquinas. Assim, surgiram fbricas. Agora a mo-de-obra deve ser concentrada, pois no se pode perder tempo no deslocamento para o trabalho.

    Ao lado das grandes fbricas surgiram as vi-las operrias, um pequeno comrcio e assim tem incio as primeiras cidades industriais.

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  • 35Tema 1 | No mundo das Revolues

    Nesse momento, o trabalhador perde total-mente o controle sobre a produo. As mquinas, as edificaes, a matria-prima, as ferramentas, so de propriedade exclusiva do industrial, inclusive as moradias dos operrios. Nessas circunstncias, ao operrio s resta vender a fora de trabalho e, as-sim, inaugura-se as relaes capitalistas, nas quais duas classes distintas se opem e se complemen-tam em um sistema de dependncia e explorao.

    De um lado, os burgueses, proprietrios dos meios de produo e, de outro, os operrios que vendem sua fora de trabalho em troca de salrio.

    Como veremos mais adiante, as relaes de trabalho surgiram da necessidade e da desagrega-o do trabalho artesanal onde o arteso possua o controle da produo. Com o trabalho assalariado, o operrio passa a depender exclusivamente da jor-nada de trabalho e do seu respectivo salrio.

    Porm, as condies nas quais essas relaes se constituram no foram marcadas pela justia e pela segurana.

    Quanto mais as cidades cresciam e o campo cedia lugar produo mecanizada, maior era a concentrao de pessoas que migravam do campo para a cidade.

    As cidades cresciam numa velocidade muito inferior capacidade de absorver a grande quanti-dade de populao. A falta de moradias e de vagas de trabalho deixou um nmero exagerado de pes-soas margem da misria.

    O desemprego, a falta de moradias e a total incapacidade dos operrios em garantir o sustento da famlia sem a venda de sua fora de trabalho, deixaram as condies da classe operria em pro-funda fragilidade.

    A grande demanda por vagas de trabalho e as poucas vagas minavam a capacidade da classe

  • Histria Contempornea36

    trabalhadora de reivindicar melhores salrios e con-dies de trabalho.

    Um enorme exrcito reserva de mo-de-obra pressionava por reivindicaes e, ao menor movi-mento de protesto, o desemprego se fazia presente frente aos revoltosos.

    Essas condies praticamente imperaram ao longo do sculo XIX, no s nas cidades industriais da Inglaterra como tambm nas principais regies europeias onde a indstria j se fazia sentir.

    Porm, mesmo com as mquinas manuais, as necessidades do mercado consumidor ao longo da Idade Moderna se fizeram sentir.

    J no sculo XVII, o mundo moderno dividia as atenes entre o sistema comercial mercantilista, baseado na extrao e comercializao de riquezas coloniais, como especiarias e produtos coloniais, e a produo de manufaturas, principalmente txteis, fabricadas na Europa.

    A grande transformao na estrutura poltica produtiva inglesa veio exatamente desse embate entre duas formas de produzir e de perceber o fu-turo.

    Se, de um lado, a monarquia absolutista in-glesa apoiava-se na grande burguesia comercial, setores da pequena e mdia burguesia lutavam contra uma srie de impedimentos fiscais e polti-cos para produzir em seus teares mecnicos.

    A luta entre esses interesses acabou por es-vaziar o poder poltico do Absolutismo, transfor-mando a Inglaterra em uma Monarquia parlamen-tarista.

    A transformao dos interesses e das influn-cias polticas acabou por dar condies ao processo produtivo ingls, que passou a investir capital na obteno de mquinas que acelerassem o processo de produo. Com mais produtos e de melhor qua-

  • 37Tema 1 | No mundo das Revolues

    lidade, as exigncias por expandir os mercados se fez evidente.

    A Inglaterra atravessou o sculo XVIII e ini-ciou o XIX com o objetivo claro de expandir o mer-cado consumidor. Logo, sua sede por matria-pri-ma e energia tornou-se quase uma obsesso. E exatamente devido a essa busca desenfreada por mercados consumidores e fornecedores de matria--prima e energia que a Inglaterra despontou na luta contra as prticas mercantilistas. Nessa luta, pode--se destacar duas bandeiras.

    A primeira est ligada necessidade de que-brar as barreiras do monoplio colonial. Para a In-glaterra, era fundamental poder comercializar seus produtos industrializados diretamente nas col-nias, sem o custo adicional dos intermedirios, isto , comerciantes das burguesias nacionais.

    Um exemplo dessa poltica industrializado-ra contra os monoplios mercantilistas estava nas presses que os ingleses fizeram sobre a j frgil nobreza portuguesa para que assinasse os Trata-dos de 18109 que resultaram na abertura dos por-tos brasileiros s naes amigas.

    Outra grande bandeira inglesa ao longo do sculo XIX no sentido de atender suas necessida-des produtivas foi estabelecer uma barreira no Oce-ano Atlntico contra a comercializao de escravos.

    Ao contrrio de bandeiras humanistas, perce-be-se o interesse explcito ingls em no s com-prometer as ordens coloniais como tambm criar um futuro mercado consumidor nas Amricas. Com o escravismo, grande parte da populao ficava alheia s possibilidades consumidoras. Com o fim da escravido e sua substituio por mo-de-obra assalariada, mesmo que em condies precrias, os novos trabalhadores teriam condies, ainda que tmidas, de participar do mercado consumidor.

    9 A partir dos tratados de 1810, a Inglaterra pode co-locar seus produtos de forma direta na Amrica Portuguesa, o que provocou o incio do fi m do processo colonial e a quase bancarrota da burguesia co-mercial portuguesa e da monarquia portuguesa e, consequentemente, selou o destino da histria brasileira, pois, a partir desses tratados, os pro-dutores brasileiros puderam sentir os benefcios de desvincularem suas produo e mesmo sua existncia dos interesses coloniais portugueses.Enquanto a bur-guesia portuguesa pagava uma taxa de 16% sobre os produtos vendidos no Brasil, as outras naes 24% e a Inglaterra apenas 15%.

  • Histria Contempornea38

    Pode-se destacar que, ao mesmo tempo em que os interesses capitalistas promoveram em certo sentido um processo de modernizao das relaes econmicas e sociais no mundo, houve um avano tanto em direo extino da grande praga do escravismo como no processo de implementao de melhorias tecnolgicas em diversas regies do mundo. No caso brasileiro, um exemplo so as es-tradas de ferro.

    Contudo, devemos refletir que justamente atravs desses avanos que as formas de domina-o se estabelecem principalmente dentro dos pa-ses ou continentes como o americano e o africano.

    Explicando melhor, a constante necessida-de de novos mercados consumidores e de regies produtoras de matria-prima e energia so fatores determinantes para o ritmo das transformaes ad-vindas do capitalismo.

    Trata-se de um processo que ao mesmo tempo em que promove saltos tecnolgicos e de modernidade, promove com a mesma intensidade, graus de dependncia das regies atingidas por es-ses avanos.

    Quando se financia, por exemplo, a expanso da rede ferroviria em um pas, objetiva-se dinami-zar o fluxo de mercadorias, matria-prima e energia para os portos desse pas. O que percebemos que, a partir do capitalismo do sculo XIX, a de-pendncia dos pases consumidores ou produtores de matria-prima e energia est vinculada ao total domnio tecnolgico e que esses aparentes avan-os tecnolgicos no significam de forma alguma a construo de um quadro de autonomia e de real desenvolvimento.

    Esse o caso da realidade brasileira que, a partir do sculo XIX, entra de forma definitiva para a rbita de influncia inglesa. O caso brasileiro

  • 39Tema 1 | No mundo das Revolues

    tpico da situao descrita acima, pois acaba com as relaes escravistas, de forma lenta verdade, recebe uma malha ferroviria em torno do sudeste brasileiro, ou seja, em torno da produo do caf e certamente v suas estruturas porturias moder-nizadas no sentido de tornar suas exportaes de produtos tropicais e as importaes de produtos industrializados mais geis e seguras.

    Porm, ao mesmo tempo em que as estradas de ferro cortam o sudeste brasileiro e o escravismo mngua mais pela teimosia dos grandes propriet-rios, o que percebemos no Brasil, principalmente a partir da segunda metade do sculo XIX, sua total falta de oportunidade em reverter esses avanos tec-nolgicos em benefcio prprio ou de sua populao.

    O sistema capitalista promove avanos tecno-lgicos e modernizao com a mesma intensidade que impe limites e at mesmo proibies, como o caso do desenvolvimento industrial brasileiro que atravs de diversas reaes e presses polticas e econmicas inglesas, teve que ser retardado at as primeiras dcadas do sculo XX para acontecer.

    INDICAO DE LEITURA COMPLEMENTAR

    Quanto ao processo de desenvolvimento da produ-o industrial ver o captulo de Hobsbawn, Rumo a um Mundo Industrial onde ele comenta as mltiplas condies que possibilitaram a Revoluo Industrial.

    HOBSBAWN, Eric. A Era das Revolues. 25 ed. So Paulo: Paz e Terra, 2009. p.187-202

    E quanto relao entre Revoluo Industrial e suas implicaes com o Imperialismo leia o captu-lo A Revoluo Industrial do livro,

  • Histria Contempornea40

    HOBSBAWN, Eric. Da Revoluo Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.53-73.

    PARA REFLETIR

    Pesquisa e reflita com os colegas e tutor sobre a relao entre o processo de desenvolvimento tec-nolgico a partir das necessidades geradas pelo sistema produtivo da Revoluo Industrial.

    1.4 Implicaes da Revoluo Industrial

    O alinhamento inicial do processo industrial, marcado pelo pioneirismo ingls, acabou ditando o ritmo do desenvolvimento industrial europeu e as prprias relaes dentro do sistema econmico capitalista.

    Grandes mquinas, grandes prdios para abrig-las, uma disponvel e prxima fonte de energia, principalmente o carvo, e uma vila operria onde o operrio, instalado em precrias condies, estabelece sua dependncia do tra-balho no s por sua capacidade produtiva, mas tambm por um processo de disciplinarizao do trabalho promovido pelos detentores do capital, os burgueses.

    A disciplinarizao um processo que objeti-va, a partir de um intrincado conjunto de tcnicas, procedimentos e estratgias, criar uma mentalidade operria ao longo do sculo XIX.

  • 41Tema 1 | No mundo das Revolues

    So vrias as estruturas desse processo, mas o que os burgueses desejam criar uma mentali-dade operria, isto , que o trabalhador passe a pensar e a viver como operrio no s durante a jornada de trabalho mas sim durante vinte e quatro horas por dia.

    So vrias as frentes de atuao da discipli-narizao do trabalhador e so vrias as institui-es que participam desse processo. A escola, a igreja, a famlia, a polcia, o discurso mdico e cien-tfico, so exemplos de instituies que, atravs de um conjunto bastante diversificado de discursos e prticas, acabam por construir uma mentalidade, ou seja, uma forma hegemnica de se pensar e ser a partir do capitalismo.

    Contudo, a mais abrangente sem dvida a criao da noo de famlia operria. A tentativa de criar um ncleo familiar reduzido presena dos pais e filhos em casas operrias independentes sem dvida um ousado e abrangente processo.

    A caracterstica predominante familiar no s-culo XVII e XVIII era fundamentada no sistema de linhagens, ou seja, grandes unidades familiares que abrangiam uma gama imensa de membros. Essas famlias, geralmente rurais, estabeleciam-se em tor-no da propriedade da terra e compunham a fora de produo da subsistncia e mesmo das obriga-es pela utilizao da terra.

    O grande inconveniente dessas estruturas familiares gigantes, nas quais pais, filhos, tias, so-gras e agregados viviam e habitavam o mesmo es-pao, era a sua capacidade de subsistncia. Sobre o mesmo teto, a troca de alimentos e cuidados se fazia de forma quase coletiva.

    Uma das grandes preocupaes burguesas a respeito dessa concepo de famlia estava justa-mente nessa capacidade de autossubsistncia, ou

  • Histria Contempornea42

    seja, caso um operrio perdesse o emprego e seu salrio, certamente a convivncia em grupo iria ga-rantir a sobrevivncia de seus filhos. Mesmo com pouco dinheiro, a solidariedade familiar iria falar mais alto.

    Como o pensamento burgus era criar uma dependncia do operrio ao trabalho, pois muitas vezes esse operrio era treinado para executar seu trabalho, como o de operar uma mquina, e sendo esse treinamento um investimento, o desejo bur-gus era de que esse operrio voltasse ao trabalho e continuasse a produzir.

    Eliminando a solidariedade familiar, criando uma autonomia da famlia que passa a ser reduzida figura dos pais e filhos atravs da implantao de moradias populares com pequenssima rea, impe-dindo assim a concentrao de pessoas e desestru-turando as grandes redes familiares, o pensamento burgus impunha, pelo distanciamento a partir des-sa nova unidade familiar, a total dependncia do sustento familiar do trabalho do pai operrio.

    O que temos a criao de um modo de vida operrio em que o pai passa a ser o nico respon-svel pelo sustento de sua famlia, e esse sustento vem diretamente de seu salrio obtido pela venda de sua fora de trabalho.

    Qualquer rebeldia, descontentamento ou rei-vindicao por parte do operrio, era punido com o desemprego. Isso significava, a partir de sua dependncia com o salrio, no s a perda das condies de sustentar sua famlia como coloc-la na rua, pois as moradias eram de propriedade do empregador.

    Essas condies visavam no s um contro-le operrio, mas faziam com que a utilizao do salrio obtido fosse direcionada para o consumo. A compra de alimentos, roupas e outros utenslios

  • 43Tema 1 | No mundo das Revolues

    permitiam a circulao de capital e de mercadorias, criando assim o desejado mercado interno dentro das redes de produo capitalista.

    Como se pode perceber, a vinculao a uma nova forma de vida era essencial dentro do projeto de implantao e desenvolvimento das redes de produo do capitalismo. Contudo, essas transfor-maes revelaram-se profundamente abrangentes e, por que no dizer, radicais.

    Estava-se transformando um modo de vida em detrimento de outra concepo de mundo. Para isso, somente a dependncia econmica gera-da no se mostrou plenamente satisfatria. Aes mltiplas e conjuntas foram acionadas para criar a noo de famlia operria que prevalece como hegemnica at os dias de hoje.

    Como exemplo, pode-se citar a questo de gnero. nesse momento que se inicia um projeto de privatizao da vida feminina. A mulher passa a ser paulatinamente recolhida vida privada, cui-dando da casa e dos filhos, ou seja, gestando e mantendo a unidade familiar. Os papis passam a ser definidos a partir de uma relao entre o p-blico e o privado, compelindo a mulher ao mundo domstico e, portanto, afastando-a da vida pblica, do trabalho e da vida poltica. O homem, ao assu-mir a responsabilidade nica de sustentar a famlia, passa a ocupar o espao pblico.

    Essa transformao e criao de relaes de gnero, em que a mulher ocupa o espao privado e o homem, o espao pblico, tende a reforar ainda mais o sistema de dependncia do sustento da fa-mlia do salrio do operrio.

    Contudo, a passagem para a vida privada da casa e da famlia reforada socialmente, por um for-te e moralista discurso religioso que, atravs da tradi-cional relao dual, mulher de bem e mulher munda-

  • Histria Contempornea44

    na, que marcaram as relaes religiosas na histria, passa a construir a imagem da me, a dedicada mu-lher que abdica dos prazeres e da prpria vida para garantir a prosperidade de sua famlia, ou seja, abdica do trabalho e dos prazeres para cuidar dos filhos e marido. Essa mulher, que passa a assumir a forma da grande me, reclusa nas atividades domsticas, constantemente contraposta, dentro da lgica reli-giosa, figura da mulher mundana, ou seja, a mulher que teima em ocupar o espao pblico.

    A prostituio, a perda dos valores, a m con-duta que devem ser atacadas por todos os cida-dos de bem so imagens amplamente propagadas pela igreja para combater a mulher que, porventu-ra, opte por trabalhar ou at mesmo estudar.

    A rua passa a ser lugar exclusivo de homens e do mundo do trabalho, e a mulher que desafiar essa verdade construda passa a ser condenada pela marca da prostituio ou da perdio.

    Outro grande processo ligado a esse modelo de disciplinarizao est relacionado constituio da cidade. As grandes cidades iniciam um proces-so de urbanizao, redirecionando suas ruas, eli-minando as antigas ruelas medievais por avenidas amplas e lineares, permitindo a livre circulao de mercadorias e mquinas e, principalmente, impe-dindo grandes concentraes populacionais, sem-pre um perigo manuteno da ordem poltica e produtiva do capitalismo do sculo XIX.

    As cidades tornam-se grandes canteiros de obras, os antigos casares so substitudos por pe-quenas unidades familiares, bairros operrios sur-gem no entorno das fbricas, e toda uma estrutura de lazer e transporte passa a ser construda para direcionar a vida operria a momentos de diverso controlados e afinados com as necessidades pro-dutivas.

  • 45Tema 1 | No mundo das Revolues

    Bares e prostbulos so fechados, ruelas e becos so destrudos, a mendicncia passa a ser considerada crime punido com priso. As ruas so limpas, iluminadas, policiadas e consequentemente pacificadas, tanto nas questes ligadas criminali-dade como principalmente nas atividades ligadas poltica e a reivindicaes operrias.

    Todas essas transformaes eram acompa-nhadas pela produo de um saber cientfico que, por exemplo, dedicava-se a combater doenas que se tornavam um perigo constante, principalmente em grandes cidades onde a aglomerao de po-pulao se fazia de forma intensa. Uma epidemia poderia significar um alto ndice de mortalidade de-vido a sua fcil proliferao entre a alta concentra-o de pessoas nas fbricas, o que certamente iria comprometer a ordem poltica e produtiva.

    Contudo, deve-se salientar que o que foi ex-posto at aqui no se trata de um projeto ni-co que passa a ser aplicado de forma vertical e plena. Deve-se ressaltar que, embora os interesses burgueses estivessem direcionados na tentativa de criar uma nova forma de viver, produzir e consumir, a construo desse modelo foi se fazendo no coti-diano, atravs de avanos e recuos, de resistncias e adeses, e em nenhum momento pode ser consi-derado acabado ou plenamente desenvolvido.

    A construo e o avanar desse projeto se fez ao longo dos sculos XIX e XX e, ainda nos dias de hoje, podemos perceber sua dinmica ou movi-mento, tanto porque est constantemente adequa-do aos interesses e necessidades da populao e do modelo econmico vigente.

    A ttulo de exemplo pode-se destacar que as primeiras organizaes operrias, sejam de orienta-o marxista ou anarquista, participaram de forma ativa na questo referente ao papel da mulher na

  • Histria Contempornea46

    sociedade. Enquanto o discurso poltico, econmi-co e religioso vigente compelia as mulheres para a vida privada, o movimento operrio no s se calou como se pronunciou de forma incisiva a favor dessa concepo.

    O que se pode perceber que o movimento operrio, pressionado pelas poucas vagas de tra-balho e pelo crescente e assustador desemprego, enxergou na sada da mulher do mundo do traba-lho a oportunidade de diminuir a concorrncia por vagas de trabalho.

    Eliminava-se uma volumosa concorrncia, mesmo que isso custasse uma drstica reduo da renda familiar que passava a ser atribuio exclusi-va do homem.

    Outro grande brao desse projeto esteve li-gado ao mundo infantil. a partir do sculo XIX que a noo de infncia passa a assumir sua viso contempornea, ligada principalmente ao processo formativo e educacional.

    Se as grandes transformaes tiveram de ser executadas frente a uma populao j formada atravs de antigos hbitos e costumes, o mesmo esforo no era desejado para as futuras geraes.

    Para isso, a preocupao com a formao das novas geraes se processou de forma inten-sa. Atravs da implantao de escolas profissionais destinadas ao mundo infantil ensinava-se muito mais do que uma profisso, ensinava-se uma forma de vida. Preceitos, valores, normas e sistematiza-o das tarefas era o cenrio das escolas, que dei-xa de ser privilgio das elites e passa a fazer parte da vida operria.

    A criao e popularizao das escolas tcni-cas e operrias devem-se novamente necessidade de produzir uma gerao apta ao mundo do traba-lho e do consumo. O saber ler e escrever deixam

  • 47Tema 1 | No mundo das Revolues

    de ser privilgio e passam a ser necessidade. Com as mquinas e instrumentos de trabalho cada vez mais sofisticados, as exigncias de uma mo-de--obra qualificada eram necessrias.

    A escola pblica, financiada pelo Estado, a grande revoluo educacional do sculo XIX e XX, pois pela primeira vez na educao comea-se a pensar no o que ensinar, mas fundamentalmen-te como ensinar uma grande parcela da populao operria.

    A partir do que foi dito at aqui, pode-se perceber que a Revoluo Industrial foi algo muito alm de uma nova forma de produo. Ela abran-geu a necessidade e a consolidao de novas es-truturas polticas, de novas estruturas sociais com a implantao do proletariado, de novas relaes urbanas, com a criao das fbricas e das vilas operrias, que rapidamente modificaram a paisa-gem das cidades do sculo XIX, de novas fontes de matria-prima e energia, de novas e geis estru-turas de transporte, como as ferrovias, e de novas tecnologias de produo.

    Portanto, a Revoluo Industrial foi uma revo-luo que modificou o mundo, que espalhou uma nova doutrina e filosofia, a da produo. Muito mais que uma transformao nas estruturas econmicas, ela criou e ditou o ritmo das relaes polticas e sociais do sculo XIX e XX. Ela ir desencadear a sociedade de consumo.

    INDICAO DE LEITURA COMPLEMENTAR

    Quanto ao processo de desenvolvimento das rela-es de produo industrial e suas consequncias para a vida operria ver o captulo de Hobsbawn, A transformao dos rituais do operariado.

  • Histria Contempornea48

    HOBSBAWN, Eric. Mundos do Trabalho. Rio de Ja-neiro: Paz e Terra, 2000. p.99-122

    E quanto ao processo de disciplinizao e suas im-plicaes para o processo de formao de cidados e operrios dceis, leia a parte trs do livro:

    FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrpolis, RJ: Vo-zes, 2004. p.117-194

    PARA REFLETIR

    Com o tutor e colegas debata sobre as relaes entre educao e trabalho dentro da tica do pro-cesso de disciplinarizao do trabalho estudado.

    RESUMO

    No primeiro contedo do tema, estudamos as ml-tiplas condies que levaram as radicais transfor-maes trazidas pela Revoluo Francesa no sen-tido de construir um mundo sob a tica burguesa.

    No segundo contedo, vimos que as caractersticas e consequncias do processo revolucionrio fran-cs extrapolaram e muito a limitao geogrfica da Frana e acabaram por contaminar toda e Europa e posteriormente o mundo

  • 49Tema 1 | No mundo das Revolues

    J no terceiro contedo, estudamos a formao do sistema econmico capitalista a partir de um dos seus principais expoentes, a revoluo industrial inglesa.

    E, finalmente, no quarto contedo, podemos ava-liar que para o processo de expanso das relaes capitalistas de produo houve a necessidade de provocar uma radical mudana na constituio da prpria noo de sociedade.

  • No mundo do Imperialismo2Todas as transformaes estudadas at aqui com a Revoluo

    Francesa e com a Revoluo Industrial estavam marcadas pelo proces-so de construo das relaes capitalistas de produo.

    O que estudaremos a partir de agora a forma como o capita-lismo se consolidou, propagou e dominou as relaes econmicas e polticas ao longo do sculo XIX e XX.

    A partir da busca de novas zonas de consumo e de matria--prima, as principais naes europeias do sculo XIX desencadearam uma radical transformao no mapa poltico do planeta.

    Na busca cega de mercado, os grandes centros industriais pro-moveram uma corrida desenfreada por zonas de influncia, rasgando, atravs da cobia por lucros, culturas, povos, continentes e oceanos, fazendo do mundo um grande jogo onde as regras se baseiam na superioridade militar, tecnolgica e econmica.

  • Histria Contempornea52

    2.1 Imperialismo e Colonialismo

    Basta olhar com mais ateno para perceber que as grandes navegaes do sculo XV e XVI aca-baram ficando reduzidas ao continente americano.

    Por mais que se tenha tentado intensificar o comrcio com as ndias, a conquista do continente africano e asitico, por Portugal e Espanha, ficou s na inteno. Por incapacidade militar e mesmo econmica, tanto a frica como a sia no pro-grediram no sentido de estabelecer uma produo mais sistemtica, como podemos perceber no caso do Brasil e de toda a Amrica Espanhola.

    No que diz respeito frica e sia, os imp-rios ibricos limitaram-se basicamente a fixar alguns postos comerciais, como so os casos da costa atln-tica da frica e algumas cidades especficas da sia.

    Ao iniciar o sculo XIX, as naes que de cer-ta forma j haviam despertado para a produo industrial perceberam que grandes extenses de terras, riquezas e matria-prima ainda virgens esta-vam nos continentes asitico e africano.

    Afinal, seus interiores eram praticamente des-conhecidos, salvo algumas poucas e muitas vezes mal sucedidas expedies para o interior africano.

    Portanto, naes como Inglaterra, Frana, Blgica, Itlia e Alemanha, passaram a ver os con-tinentes africano e asitico como uma grande fron-teira e ser explorada.

    Inicia-se, assim, em meados do sculo XIX uma nova corrida colonial, s que agora com novos personagens, novas paisagens e antigos interesses, o lucro certo e fcil.

    Contudo, deve-se diferenciar o sistema colo-nial do sculo XV e XVI implantado por Portugal e Espanha do colonialismo desenvolvido pelas na-es industriais do sculo XIX.

  • 53Tema 2 | No mundo do Imperialismo

    Esses dois sistemas coloniais possuem estru-turas diferenciadas. Diferentemente do sistema de plantation, ou seja, o sistema colonial fundamen-tado na grande propriedade produzindo produtos tropicais para exportao atravs da monocultura e da mo-de-obra escrava, o colonialismo do sculo XIX possua uma gama mais complexa de interes-ses e necessidades.

    Na medida em que as jovens naes indus-trializadas europeias desenvolviam seu sistema pro-dutivo e aumentavam sua capacidade de conquistar e ingressar em novos mercados consumidores, elas passaram a necessitar cada vez mais de novas zonas fornecedoras de matria-prima e principalmente de energia, como carvo, ferro e petrleo.

    A conquista e o domnio de colnias no con-tinente africano e asitico tambm assumiram uma posio estratgica ao longo do sculo XIX.

    O ato de controlar terras e povos longe do continente europeu implicava em aumentar a ca-pacidade de tropas para as ainda inseguras naes europeias. O controle de colnias podia significar o contrapeso necessrio para decidir conflitos ar-mados na Europa, pois significava mais gente para compor os exrcitos e mais fonte de energia para mover as indstrias.

    Outro fator determinante na corrida pela ex-panso colonial era a criao ao longo do mundo de entrepostos de abastecimentos para os navios mer-cantes ou militares das naes europeias que passa-vam a navegar com mais autonomia sem depender de longas e inseguras logsticas de navegao.

    As colnias na frica e sia significavam se-gurana e possibilidades de crescimento econmi-co. Atravs da energia, matria-prima e mercados consumidores, conquistava-se fora poltica e mi-litar no cenrio europeu, uma vez que permitia s

  • Histria Contempornea54

    naes desenvolverem seus exrcitos e seu poder territorial.

    Contudo, essa expanso europeia em direo aos continentes africano e asitico abriu, como o caso anterior dos pases ibricos, o contato da cul-tura europeia com diversas culturas do mundo.

    Esse aparente choque cultural rapidamente foi percebido como sendo um fator to importante como o de manter exrcitos nas colnias. Conhecer o espao a ser ocupado, suas potencialidades e suas riquezas tornou-se preocupaes de centros de estudos cientficos que, com suas expedies, percorreram o mundo em diversas direes levan-tando e catalogando tudo o que viam.

    As Associaes, Sociedades e Academias Cientficas tiveram seu apogeu financiando essas expedies e principalmente serviram para propa-gar algumas novas e muitas vezes mal interpreta-das teorias sobre as relaes culturais no planeta.

    Um exemplo dessa utilizao errnea est na absoro da teoria evolucionista de Darwin, que defendia a superioridade da cultura europeia frente s africanas e asiticas. Essa compreenso era vista como uma misso, ora religiosa pelos missionrios que, atravs da catequese, defendiam a propaga-o do verdadeiro Deus europeu, ora cientfica que pretendia ajudar a propagar os avanos do saber cientfico como forma de desenvolvimento econ-mico e tecnolgico10.

    O que se pode perceber atravs dessas duas formas de, aparentemente, auxiliar os di-tos povos mais atrasados a se desenvolverem seja cultural ou tecnologicamente aos padres europeus foi a justificativa para um desumano sistema de domnio e de aculturao por parte das companhias de comrcio e pela fora militar dos exrcitos coloniais.

    10 Com a prolifera-o do pensamento cientfi co na era industrial, a cincia passou a ser vista como um impor-tante instrumento de transformao social. Contudo, essa postura man-tida e fi nanciada por academias e associaes cientfi cas nem sempre estiveram atreladas aos seus reais objetivos.Por exemplo, a questo da adap-tao da teoria da seleo de Darwin para os interesses imperialistas. A justifi cativa do Darwinismo Social era retirar da teoria de Darwin (exclusi-vamente biolgica) justifi cativa para as diferenas de nveis de desenvol-vimento das naes, principalmente entre Europa e frica. O argumento baseava-se em que as naes indus-trializadas eram as naes mais aptas ou adaptadas e as menos desen-volvidas seriam as menos aptas.Com esse argu-mento, que fugia completamente da teoria de Darwin, a Europa justifi cou sua dominao.

  • 55Tema 2 | No mundo do Imperialismo

    Esse aparente auxlio ao desenvolvimento igno-rou as relaes culturais e as necessidades histricas dos povos conquistados, impondo um processo de-senvolvimentista que certamente colocou os pases e povos asiticos e africanos no sistema capitalista pela porta de trs, ou seja, em um intrincado sistema de dependncia tecnolgica, poltica e econmica, fazen-do-os vivenciar o capitalismo e as ditas maravilhas do sistema industrial apenas como fornecedores de matria-prima, energia e mo-de-obra barata.

    O quadro poltico e econmico de dependn-cia acabou por gerar um imenso cinturo de misria nesses dois continentes que at os dias de hoje cobram por esse processo de dominao. Os pases africanos so um exemplo dessa dominao selva-gem. Sugados at a exausto do solo e dos povos, foram levados a uma estrutura marcada pela fome e pela violncia que permanece at os dias de hoje.

    Abaixo, apresentamos alguns exemplos de como foi feita a partilha do continente africano en-tre as principais naes industrializadas europeias.

    A Frana conquistou a Arglia, Tunsia, frica Ocidental Francesa, frica Equatorial Francesa, Cos-ta Francesa da Somlia, e a ilha de Madagascar.

    A Inglaterra conquistou o Egi-to, Sudo, frica Oriental Inglesa, Rodsia, Unio Sul-Africana, Nig-ria, Costa do Ouro e Serra Leoa.

    A Alemanha ficou com Ca-mares, Sudeste africano e frica Oriental Alem.

    Uma das novas exigncias do sistema capitalista, no que se refere prtica colonial, que, mesmo para explorar, deve-se desenvolver. Obje-tivando aperfeioar a capacidade de

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  • Histria Contempornea56

    sugar os continentes asitico e africano, as naes eu-ropeias foram obrigadas a promover diversas melho-rias na infraestrutura de suas respectivas colnias.

    Porm, deve-se salientar que esses desenvol-vimentos foram localizados e restritos a alguns se-tores estratgicos para a explorao. Investiu-se na construo e modernizao de portos, na distribui-o de energia, direcionada para as regies produto-ras e, principalmente, foi construda uma intrincada rede ferroviria que visava escoar a produo das colnias aos portos e assim ao mundo todo.

    No referente s ferrovias, sem dvida esse foi o ponto de maior investimento nos continentes asitico e africano, pois ao mesmo tempo em que permitia escoar a produo com uma velocidade e segurana para os portos, era tido como uma das principais contribuies dos pases europeus nas colnias, pois representava no s a falsa preten-so desenvolvimentista nas colnias, como trazia a percepo de que a modernidade estava chegando definitivamente nos povos atrasados.

    Aes e discursos como esses justificaram ideologicamente o capitalismo e as atuaes desu-manas do colonialismo europeu.

    Contudo, deve-se ressaltar que se tratava de desenvolvimento localizado e que dificilmente iria trazer avanos nas condies de vida das popula-es, alm de causar uma dependncia completa dos povos colonizados aos pases europeus, j que o controle tecnolgico dos avanos era de domnio exclusivo da Europa.

    O contato dos europeus colonizadores com os povos asiticos e africanos se deu, na maioria das vezes, atravs do conflito, pois o processo de ocidentalizao do mundo, atravs do colonialis-mo, implicou na desestruturao de todo o proces-so histrico das culturas e regies colonizadas.

  • 57Tema 2 | No mundo do Imperialismo

    O processo colonial foi provocando uma homogeneizao nas relaes, desconsiderando aspectos culturais, econmicos e cotidianos. Des-respeitam-se tradies e conflitos, unificando pela fora regies e povos que historicamente eram ini-migos, suplantando divergncias religiosas e polti-cas, todos unificados na mesma trajetria de explo-rao de raas e de culturas diferentes11.

    Os nefastos efeitos da colonizao, funda-mentada no total desprezo das caractersticas his-tricas dos povos, ns podemos perceber com uma rpida olhada no mapa poltico do continente afri-cano contemporneo.

    O que vemos que as divisas entre os pa-ses modernos so totalmente geomtricas, alheias s divisas e fronteiras naturais, como o caso do mapa europeu. Linhas geomtricas cruzam o con-tinente constituindo pases e unificando regies e povos diferentes que foram obrigados a conviver sob a mesma forma de opresso.

    11 A expanso da Europa sobre os povos da frica e sia gerou fortes confl itos militares.Na China a Guerra dos Boxers (1899-1900), movimento popular contra a presena ocidental na China e na frica a Guerra Anglo-Zulu (1879) guerra de resistncia contra a expanso britnica no sul do continen-te Africano.

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  • Histria Contempornea58

    Esse mapeamento ou diviso arbitrria do continente africano sem dvida um dos grandes responsveis pelas constantes guerras e genoc-dios que a frica vem presenciando nos tempos atuais, pois, na medida em que a influncia das metrpoles foi se enfraquecendo, principalmente a militar, as antigas diferenas afloraram com uma violncia alimentada pela opresso e pelo silncio que os exrcitos europeus impuseram por mais de meio sculo.

    Antigas rixas e conflitos, movidos agora pela perspectiva de controle de regies, levam povos e etnias a deflagrarem uma incontvel sucesso de conflitos e sangrentas guerras civis, arrastando a j fragilizada economia africana a patamares inconce-bveis de inoperncia e trazendo com isso os refle-xos que hoje podemos perceber com os cintures de fome, AIDS e as irracionais guerras civis alimen-tadas por potentes armas europeias12.

    Ao mesmo tempo em que todas as naes industrializadas do sculo XIX estavam se articu-lando e participando desse processo de coloniza-o do mundo, como foi o caso de Frana, Itlia, Alemanha, no de se admirar que a Inglaterra, utilizando seus conhecimentos de quase cem anos no processo de industrializao, tenha assumido a dianteira nesse processo.

    Ao longo do sculo XIX, a Inglaterra tornou--se a principal nao do mundo, dominando a pro-duo e os mercados consumidores. Mquinas, fer-rovias, tecidos, exrcitos e energia que circulavam no mundo era praticamente ingls.

    Esse perodo de apogeu por parte da Ingla-terra ficou conhecido com a Era Vitoriana, pois foi durante o reinado da rainha Vitria (1837-1901) que a Inglaterra tornou-se a principal nao industrial e comercial de todo o mundo

    12 Um dos mais conhecidos confl itos africanos o da Repblica de Ruanda entre as duas etnias do Pas. O confl ito entre Hutus e Tutsi em 1994 quase levou a extino da minoria Tutsi. Estima-se que o confl ito contabilizou mais de 800 mil mortos em apenas cem dias.

  • 59Tema 2 | No mundo do Imperialismo

    INDICAO DE LEITURA COMPLEMENTAR

    Atravs da leitura dos dois textos de Hobsbawn possvel compreender de que forma a Inglaterra preparou-se para ser a grande superpotncia do sculo XIX.

    No captulo A Gr-Bretanha na Economia Mundial, pode-se estudar de que forma a economia inglesa agiu em relao a economia dos outros pases.

    HOBSBAWN, Eric. Da Revoluo Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.124-142

    No captulo Uma economia mudando de marcha, Hobsbawn descreve as radicais mudanas econmi-cas na Inglaterra com a Revoluo Industrial.

    HOBSBAWN, Eric. A era dos Imprios. So Paulo: Paz e Terra, 2007.p.57-87

    PARA REFLETIR

    Com os colegas e tutor debata sobre as consequ-ncias do imperialismo para atual situao africana.

  • Histria Contempornea60

    2.2 Liberalismo

    A partir do sculo XVIII, uma filosofia ou dou-trina filosfica se propagou pela Europa. Dentre as suas vrias bandeiras, podem-se destacar duas principais: o Estado Laico e o Estado no-interven-cionista.

    Quanto ao Estado Laico, os liberais defen-diam que nenhuma manifestao religiosa poderia interferir nas decises do Estado. O Estado deveria ser completamente independente da religio.

    Porm, essa independncia do Estado frente religio tambm serviria para o prprio estado que de forma alguma deveria interferir ou influen-ciar nenhuma manifestao religiosa dos cidados.

    Quanto ao Estado no-intervencionista, a doutrina liberal defendia a radical oposio ao absolutismo e sua incansvel interferncia na eco-nomia. Para os liberais, a economia movia-se pela manuteno e autonomia da propriedade privada e pela obteno do lucro e da livre iniciativa.

    O lucro e a livre iniciativa seriam a mola pro-pulsora do empreendedorismo e principalmente da competio, considerados aspectos fundamentais para o desenvolvimento das relaes econmicas pela tica burguesa.

    Opondo-se energicamente, portanto, ao Esta-do Absolutista e sua poltica mercantilista e inter-vencionista, a doutrina liberal preparava a criao de uma mentalidade burguesa, na qual a proprie-dade privada seria o carro chefe da sociedade e da economia e a livre iniciativa, o combustvel que impulsionaria a consolidao do preceito industrial e capitalista.

    Porm, deve-se destacar que, embora os pre-ceitos liberais tenham influenciado e sofrido influ-ncias das revolues burguesas, eles no eram

  • 61Tema 2 | No mundo do Imperialismo

    contra a presena do Estado. Apenas defendiam que ao Estado competem as decises polticas e economia liberal as decises econmicas.

    Propunha-se, assim, a separao entre o p-blico e o privado, cabendo ao Estado os assuntos da esfera pblica e sociedade civil, os assuntos da economia.

    No entanto, a ideia de separao entre os assuntos pblicos, dominados pelo Estado, e os privados, dominados pela sociedade civil, merece-ria uma detalhada ateno por parte dos liberais.

    Na preocupao de manter, vigiar e conter os avanos do Estado sobre as questes privadas e controlar suas aes e gastos, os liberais defen-diam a criao do parlamento, lugar onde a popu-lao teria voz e controle sobre as aes do Estado.

    A constituio do parlamento seria feita a partir do voto, rompendo com as concepes ab-solutistas que defendiam que o acesso ao poder e sua manuteno se fundamentavam na percepo divina ou dinstica.

    Dentro da preocupao de conter as poss-veis intervenes do Estado sobre a vida privada, o liberalismo, atravs de um de seus principais pen-sadores, defende a criao dos trs poderes.

    Montesquieu (1689-1755) defendia a forma-o do Estado em trs poderes autnomos e equi-librados. Atravs do Executivo, do Legislativo e do Judicirio, o Estado dividiria atribuies e funes e caberia a cada um desses estados vigiar o outro, alm de estarem submetidos s leis, representadas pelo maior poder da sociedade, a Constituio.

    Com essas afirmaes, Montesquieu e os liberais de forma geral defendiam o que se pode chamar de legalidade, pois, ao afirmar que ne-nhum poder ou indivduo est acima das leis e tendo a Constituio como a fora maior de

  • Histria Contempornea62

    uma nao, os liberais defendiam que todos so iguais perante a lei.

    Podemos entender, portanto, que a doutrina do liberalismo fundamentalmente individualis-ta. O que prevalece o indivduo. A coletividade, portanto, considerada um enclave ao desenvolvi-mento da liberdade individual.

    Para o liberalismo, por exemplo, as questes ligadas economia devem ser tratadas como o es-foro individual. O economista Adam Smith (1723-1790)13 defendia que cada um faa o seu trabalho. Consequentemente, por seleo natural, o mercado ir escolher os melhores que iro prosperar.

    Esses avanos e consolidaes de elites pro-dutivas iro contribuir no somente para o enrique-cimento e crescimento dos melhores, mas, como defende Adam Smith, esses avanos e desenvolvi-mentos acabaro sendo sentidos por toda a socie-dade, ou seja, atravs do desenvolvimento indivi-dual a coletividade de forma geral tambm obtm ganhos e melhorias.

    No entanto, desde seu princpio essa doutrina tem fomentado uma gama interminvel de crticas, principalmente no que se refere questo do indi-vidualismo, tanto dos interesses ligados ao Antigo Regime e aos interesses aristocrticos quantos dos movimentos populares. Os operrios iro discutir se e de que forma os avanos dos capitalistas iro de certa forma promover avanos na realidade do mundo do trabalho e da sociedade em geral.

    Porm, deve-se destacar que qualquer avan-o durante os sculos XIX e XX a respeito da bus-ca e consolidao da democracia inegavelmente encontrou nos estados e nas doutrinas liberais o seu principal suporte. Podemos criticar a distribui-o de riqueza e a concentrao de privilgios por partes das elites, mas a busca e consolidao da

    13 Em seu livro a Riqueza das Naes, Adam Smith defen-dia que a acumu-lao de riquezas no oriunda das atividades rurais e comerciais, mas sim atravs do trabalho livre e que a economia no deve ser regulada pelo Estado, pois ela apresenta suas prprias leis, a oferta e a procura.

  • 63Tema 2 | No mundo do Imperialismo

    democracia certamente devem-se aos princpios li-berais do sculo XVIII e XIX.

    Contudo, assim como os ideais liberais se posicionaram no interior do Antigo Regime enfren-tando e subvertendo a ordem absolutista e mercan-tilista, as constantes transformaes advindas prin-cipalmente da Revoluo Industrial acabaram por acionar um significativo processo de transformao nas doutrinas liberais desde suas origens.

    O que se pode perceber que, na medida em que as relaes capitalistas progrediam e princi-palmente as transformaes oriundas da Revoluo Industrial se consolidavam, as relaes polticas e sociais se tornavam mais complexas.

    Os contrastes entre riqueza e pobreza e as condies de trabalho e de vida de grande parte da populao engordava os cintures do operaria-do europeu. Suas necessidades e interesses no podiam mais ser desprezados ou simplesmente su-focados pela fora e opresso.

    Com o crescimento e fortalecimento das re-laes sociais, principalmente no mbito urbano--industrial, houve a necessidade latente de revisar e at mesmo modificar as antigas doutrinas liberais que combatiam o mercantilismo e o Absolutismo.

    Essa transformao, como veremos a seguir, deve-se em grande parte pela oposio e conso-lidao do movimento socialista, que se opunha radicalmente ao individualismo liberal e a sua cega manuteno da propriedade privada.

    Atravs da rpida proliferao das ideias socialistas no sculo XIX como tambm pela forte necessidade de adaptao da doutrina aos novos parmetros do capitalismo industrial, a doutrina liberal procurou tender mais para a relao demo-crtica, pregando com nfase a igualdade jurdica e poltica dos cidados, procurando dar voz, com a

  • Histria Contempornea64

    democracia, s necessidades e interesses da classe trabalhadora e da sociedade civil como um todo.

    Porm, somente a guinada para os aspectos sociais do liberalismo no solucionou os problemas liberais, devido tanto propagao do socialismo, como ao agravamento das condies de vida dos trabalhadores.

    No restava, portanto, outra sada seno de-fender a interveno do estado na sociedade como forma de atuar em benefcio das classes populares, ou seja, fazer o Estado intervir para minimizar as pssimas condies das classes operrias no con-tinente europeu.

    Cabe aqui lembrar que, nas origens das doutrinas liberais, o Estado era praticamente uma palavra a ser evitada, j que se defendiam exclu-sivamente os interesses do individualismo e da ini-ciativa privada.

    No entanto, com as condies sociais se agravando e com os constantes saltos tecnolgi