livro fundamentos da acupuntura médica

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Livro Fundamentos da Acupuntura Médica 1. O Contexto Histórico 2. O Contexto Científico 3. A Abordagem Científica da Acupuntura 4. A Acupuntura Baseada em Evidências 5. Documentação: A Pesquisa Clínica 6. As Bases Neurobiólogicas da Terapêutica 7. Neurociência da Acupuntura 8. O Tratamento da Dor 1 - Atualização 9. O Tratamento da Dor 2 - A Prática da Acupuntura 10. O Tratamento dos Distúrbios Neurossomáticos Norton Moritz Carneiro Capítulo 1 - O Contexto Histórico As Origens Para descrever o procedimento utilizado pelos médicos chineses, um clérigo europeu criou, no século 17, a palavra Acupuntura, reunindo as raízes latinas acus (agulha) e punctum (puncionar). A palavra se refere à inserção de agulhas através da pele, para produzir um efeito terapêutico, mas não traduz diretamente o nome original do método terapêutico. As palavras chinesas Zhen Jiu, nome chinês da especialidade médica da medicina tradicional chinesa, se traduzem por Agulha e Moxa, não contendo o ato de puncionar. A palavra moxibustão, usada no Ocidente para designar o uso da queima de preparação de folhas secas da planta Artemísia sinensis associado à Acupuntura, vem do nome japonês da planta, mogusa. Com toda a sua antigüidade, a Acupuntura permanece contemporânea. Descrita por viajantes e cientistas europeus desde o século 16, é usada no Ocidente desde o século 19, expandindo-se na década de 1930, e se difundindo em grande escala a partir dos anos 70. Desperta cada vez mais interesse, reforçado pelas demonstrações dos seus efeitos terapêuticos, e pelas suas importantes contribuições para uma ampliação dos horizontes da biologia e da medicina.

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Livro Fundamentos da Acupuntura Médica

1. O Contexto Histórico2. O Contexto Científico3. A Abordagem Científica da Acupuntura4. A Acupuntura Baseada em Evidências5. Documentação: A Pesquisa Clínica6. As Bases Neurobiólogicas da Terapêutica7. Neurociência da Acupuntura8. O Tratamento da Dor 1 - Atualização9. O Tratamento da Dor 2 - A Prática da Acupuntura10. O Tratamento dos Distúrbios Neurossomáticos

Norton Moritz Carneiro Capítulo 1 - O Contexto HistóricoAs Origens Para descrever o procedimento utilizado pelos médicos chineses, um clérigo europeu criou, no século 17, a palavra Acupuntura, reunindo as raízes latinas acus (agulha) e punctum (puncionar). A palavra se refere à inserção de agulhas através da pele, para produzir um efeito terapêutico, mas não traduz diretamente o nome original do método terapêutico. As palavras chinesas Zhen Jiu, nome chinês da especialidade médica da medicina tradicional chinesa, se traduzem por Agulha e Moxa, não contendo o ato de puncionar. A palavra moxibustão, usada no Ocidente para designar o uso da queima de preparação de folhas secas da planta Artemísia sinensis associado à Acupuntura, vem do nome japonês da planta, mogusa.

Com toda a sua antigüidade, a Acupuntura permanece contemporânea. Descrita por viajantes e cientistas europeus desde o século 16, é usada no Ocidente desde o século 19, expandindo-se na década de 1930, e se difundindo em grande escala a partir dos anos 70. Desperta cada vez mais interesse, reforçado pelas demonstrações dos seus efeitos terapêuticos, e pelas suas importantes contribuições para uma ampliação dos horizontes da biologia e da medicina.

Embora na definição da Acupuntura a agulha seja uma condição necessária, observou Lorenz1, esta não é uma condição suficiente, assim como o bisturi não dá uma idéia adequada do que seja a cirurgia. Isto é, sensu strictu, Acupuntura significa o método terapêutico, mas a sua prática pode estar vinculada aos fundamentos teóricos peculiares, meios semiológicos, propedêuticos e diagnósticos que dirigem a execução do tratamento no contexto da medicina tradicional chinesa, ou pode ser baseada em outros parâmetros, que incluem conceitos de fisiopatologia e de terapêutica modernos, ou que combinam os dados iniciais estabelecidos pelos chineses, e mais a abordagem contemporânea.

Até hoje a medicina chinesa surpreende, mesmo aos que já a conhecem. Surpreende pelos efeitos que excedem expectativas, e por ser uma ciência em progresso, de que se descobrem novas possibilidades de aplicação.

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Ainda hoje não é bem compreendida – naturalmente associada ao “exotismo” da civilização chinesa –, mas a aparência de misticismo vem sendo desfeita. Enquanto experimentações repetidas vêm demonstrando, segundo os padrões da ciência moderna a eficácia dos métodos da antiga medicina chinesa, o estudo da filosofia chinesa tem evidenciado um sistema de pensamento racional e simples, não místico.

Uma análise da inserção da Acupuntura no Contexto Médico-Científico se inicia aqui com uma apresentação da história do método terapêutico, incluindo a sua recente globalização, e com a revisão dos fundamentos teóricos da medicina tradicional chinesa. São revistas depois as importantes transformações da Ciência contemporânea, que fornecem ferramentas tecnológicas e conceituais adequadas para o estudo da Acupuntura de uma perspectiva científica, inserida no contexto do novo paradigma, da Medicina Integrativa.

Capítulo 2 - O Contexto Científico Sobre Ciência A ciência deve ligar o Homem ao Universo.Ilya Prigogine

A Epistemologia, ou Teoria do Conhecimento, por causa do seu pressuposto de que o Conhecimento seja uma forma ou categoria universal que possa ser indagada como tal tem sido rejeitada. Assume-se hoje como objeto de indagação os processos ou a linguagem científica, e já não mais o “Conhecimento” em geral. A Teoria do Conhecimento veio a ser substituída por outra disciplina, a Metodologia, que é a análise das condições e dos limites de validade dos processos de investigação e dos instrumentos lingüísticos do saber científico.

Por outro lado, a Metodologia vem se constituindo como disciplina filosófica relativamente autônoma, e destinada à análise das técnicas de pesquisa empregada em uma ou mais ciências. Tais técnicas compreendem todo procedimento lingüístico ou operativo, todo conceito como todo instrumento, do qual se valem uma ou mais disciplinas para a aquisição e o controle de seus resultados. Envolve: 1, os problemas concernentes às relações entre as ciências e as zonas de interferência entre ciências diferentes; 2, a consideração dos problemas cognoscitivos singulares em uso em um ou mais campos da pesquisa científica, podendo a Metodologia ser chamada de “crítica das ciências”.

Define-se Ciência como um conhecimento que inclua, em qualquer forma ou medida, uma garantia de sua própria validade. Como conhecimento, Ciência se apresenta como o grau máximo de certeza. O oposto da Ciência é a opinião (Filodoxia em oposição à Filosofia, segundo Platão), caracterizada justamente pela falta de garantia acerca de sua validade.

As diferentes concepções de Ciência podem se distinguir conforme a garantia de validade que se lhe reconhece. Essa garantia pode consistir: 1, na demonstração; 2, na descrição; 3, na corrigibilidade.

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1. Toda demonstração implica em sistematização – em reunir os conhecimentos num sistema, como afirmou Kant: “a unidade sistemática é o que, antes de tudo, faz do conhecimento comum uma Ciência” (Crítica da Razão Pura, Doutrina do Método, cap. III). A demonstração é a sistematização das respostas às questões que foram submetidas à verificação experimental, com êxito (Instrumental para o Pensamento, Waddington). Trata-se do método científico, fundamentado em inferências fortes.

Isto não significa que, como num passado muito próximo, o fato científico não passe de conjetura até que se tenha medido algo, apresentando números. Na realidade, a ciência não cuida de números, mas de relações lógicas. Ela é fundada sobre perguntas bem formuladas às quais se podem dar respostas definidas. A tarefa geral de medir com precisão faz parte da tecnologia, da engenharia, ou das ciências aplicadas.

2. O caráter descritivo da ciência vem se formando a partir de Bacon, de Newton e dos filósofos iluministas. O ideal descritivo da ciência não implica em que a ciência consista na reprodução dos fatos. O caráter antecipador do conhecimento científico resulta em previsões fundadas nas relações verificadas entre os fatos. Para Bergson1 “a ciência não se detém sobre as coisas, mas sobre as relações entre as coisas ou situações”.

As relações são outro nome para leis, já que uma lei não é senão a expressão de uma relação, e todos reconhecem como tarefa da ciência a formulação de uma lei.

3. Uma terceira concepção é a que reconhece como garantia única de validade da ciência a sua autocorrigibilidade. Proveniente das vanguardas menos dogmáticas da Metodologia contemporânea, esta concepção parte do princípio do abandono às pretensões de garantia absoluta, abrindo novas perspectivas ao estudo analítico dos instrumentos de pesquisa de que dispõe a ciência. Peirce reconheceu o falibilismo como próprio de todo conhecimento humano, mas Morris Cohen expressou de modo conclusivo: “Podemos definir a ciência como um sistema autocorretivo ... A ciência convida à dúvida. ... A dúvida e a correção se acham sempre de acordo com os cânones do método científico de modo que este é o fio de sua continuidade”(Studies in Philosophy and Science, 1949). Conforme Karl Popper2, “O velho ideal científico da episteme – do conhecimento absolutamente certo, demonstrável – mostrou não passar de um ‘ídolo’”.

A exigência da objetividade científica torna inevitável que todo enunciado científico permaneça provisório para sempre. Pode, é claro, ser corroborado, mas toda corroboração é feita com referência a outros enunciados, por sua vez provisórios. Apenas em nossas experiências subjetivas de convicção, em nossa fé subjetiva, podemos estar absolutamente certos. “Com a queda do ídolo da certeza, tomba uma das defesas do obscurantismo que barra o caminho do avanço da ciência. ... não é a posse do conhecimento, da verdade irrefutável, que faz o homem de ciência – o que o faz é a persistente e arrojada procura crítica da verdade”.

A noção de autocorrigibilidade permite uma análise menos preconceituosa dos instrumentos conceituais, de verificação e de controle de que dispõem cada ciência.

O método científico estabelecido por Galileu no século 17, que se caracteriza pela verificação sistemática, através de experimentos planejados, continua sendo empregado até hoje, com a adição das análises estatísticas.

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Capítulo 3 - A Abordagem Científica da Acupuntura Conflito de Paradigmas Trata-se de uma questão intrigante: por que a Acupuntura, cujas virtudes terapêuticas são reconhecidas, não está ainda amplamente integrada no sistema médico ocidental, e apesar de no Brasil ser uma Especialidade Médica, não está no currículo normal das Faculdades de Medicina, e não é objeto de pesquisa científica mais intensa.

A dificuldade é bilateral. Há obstáculos propostos pelo discurso da Acupuntura, que apresenta conceitos dificilmente avalizados pela lógica científica, como o de energia vital circulante nos meridianos, relacionado com a tradução do conceito de Qi, para energia. O desconhecimento do Sistema Nervoso, e de outros fatos relacionados com os organismos vivos, como a informação biológica, levou a uma noção equivocada do Qi, que confunde diferentes funções orgânicas sob um mesmo título.

Além disso, devido às grandes diferenças conceituais, as traduções dos termos médicos chineses são bastante prejudicadas no significado, subordinadas ao acervo de conceitos do tradutor, às metáforas vigentes na época da tradução.

Por outro lado, os paradigmas culturais e científicos ainda prevalentes no Ocidente, igualmente anacrônicos, ainda presos a noções atomistas, analíticas, reducionistas e mecanicistas, não relativísticas, não sistêmicas, também impedem uma compreensão mais clara do enorme potencial da Ciência Médica Chinesa Tradicional.

Dado que a Acupuntura é admiravelmente coerente com a ciência contemporânea, é forçoso que se busquem razões que justifiquem o ceticismo, resultante de uma compreensão parcial.

Os resultados analgésicos da Acupuntura não são mais contestados. Mas ouvimos dizer que “Acupuntura só tira a dor”, como se fosse banal. Causa uma certa impaciência em quem conhece a Acupuntura, não serem considerados os importantes resultados clínicos da sua aplicação, e seu potencial terapêutico ainda ser pouco explorado. Parece que um dos fatores é se atribuírem às agulhas um caráter mágico.

Ao Oriente se atribui um caráter mágico - um “Oriente místico” habita o imaginário do Ocidente. Isso e resultado da carência de informação. Chama-se de Oriente tudo o que não pertence à Civilização Européia – num mesmo “Oriente” estão o mundo árabe, há um Oriente Próximo, um Oriente Médio, o Irã, a Turquia, todo o continente asiático, incluindo a Índia, e um Extremo Oriente. Não se faz distinção entre civilizações e culturas tão diferentes entre si. Da China pouco se sabe ainda hoje, e quase nada até há pouco tempo.

Quando se associam as agulhas de Acupuntura a alguma prática mágica, o que se faz é usar os modelos ocidentais para avaliar uma técnica produzida numa cultura muito mais diversa do que imagina quem não a conhece. Na verdade, a profundidade teórica e o imenso potencial clínico da Medicina Chinesa permanecem virtualmente desconhecidos.

Ted Kaptchuk1 levantou um outro aspecto da questão: segundo ele, “muitos ocidentais decerto ainda têm estranhas noções da Medicina Chinesa, vendo-a como uma espécie de

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passe de mágica, algum vodú, produto de um pensamento mágico ou primitivo, e só admitem duas possibilidades para as curas efetuadas resultantes de tratamentos por Acupuntura: ou a cura foi psicossomática, ou acidental - um resultado feliz de um procedimento casual, do qual o praticante nada entendeu. Pensam que a Ciência e a Medicina Ocidentais correntes têm um domínio único da verdade, e o resto é superstição”.

“Outros ocidentais têm uma visão mais favorável mas igualmente errônea da Medicina Chinesa: acham que o Sistema Chinês, porque o sentem como mais antigo, mais espiritual, ou mais holístico, é mais “verdade” que a Medicina Ocidental. Esta atitude leva a tornar a Medicina Chinesa num sistema de fé religiosa. Ambas as atitudes mistificam o assunto - uma por subvalorizá-lo arrogantemente, e a outra por sacralizá-lo, colocando-o num pedestal”.

É preciso que se diga que a Medicina Chinesa é um sistema coerente e independente de pensamento e prática que se desenvolve há mais de dois milênios. Resulta de um processo contínuo de pensamento crítico, tanto quanto de exaustivas observações clínicas e testes. Representa uma criteriosa formulação e reformulação de temas por clínicos e teóricos respeitados. Ao mesmo tempo, está enraizada na Filosofia, Lógica, sensibilidade e hábitos de uma civilização estranha ao Ocidente, que desenvolveu sua própria percepção do organismo, da saúde, da doença e da cura

Capítulo 4 - A Acupuntura Baseada em EvidênciasO Paradigma da Medicina Baseada em Evidências Desde os tempos da antiga Grécia, a medicina tem se baseado em evidências1. Os médicos conscienciosos estão sempre familiarizados com a pesquisa recente e fazem seus melhores esforços para manter atualizada a leitura dos periódicos. O termo moderno, medicina baseada em evidências – MBE, (do inglês Evidence Based Medicine) descreve o esforço para conciliar a prática clínica com as políticas coletivas, com evidências de que as intervenções melhoram significativamente os resultados.

O interesse atual no modelo da medicina baseada em evidências apareceu a partir da crise da atenção à saúde do final dos anos 1980 nos EUA. Os custos crescentes dos serviços e a variabilidade na prática clínica levantaram um questionamento da eficácia de muitos exames e tratamentos.

Para qualquer terapia e intervenção médica, a determinação da eficácia e recomendações para aplicação clínica deve ser baseada na força das evidências científicas, usando critérios explícitos para escalonar a qualidade da evidência (ver tabela), assim como para avaliar a indicação como “estabelecida”, “promissora”, “sob investigação”, “duvidosa” ou “inaceitável”2.

Epistemologistas têm questionado a própria noção de evidência e a adequação dos desenhos correntes dos estudos e instrumentos de mensuração na pesquisa que busca atender a preocupação com qualidade. A falta de evidência de eficácia não prova a ineficácia, ainda que companhias de seguro e governos façam em geral esta inferência para justificar restrições na cobertura ou financiamento da pesquisa3.

Medicina Baseada em Evidências é uma abordagem da prática da atenção à saúde na qual o clínico está consciente das evidências que fundamentam a sua prática clínica, e

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da força dessas evidências. Evidence-Based Medicine Working Group, McMaster University, Canada

Capítulo 5 - Documentação: A Pesquisa ClínicaAs evidências provenientes das pesquisas básicas e clínicas são claras e conclusivas. Atualmente, pode-se prever que o uso da Acupuntura – nas condições em que está indicada, passe a ser não somente opcional, mas que, em algumas situações, se estabeleça como a primeira escolha terapêutica.

O objetivo desse trabalho, que reúne, classifica e comenta os estudos clínicos mais importantes em cada área investigada de aplicação da Acupuntura, é facilitar o acesso a esta informação, aqui organizada sob tópicos, além de divulgar os resultados encontrados pelos pesquisadores, e colaborar para situar em bases mais sólidas a prática clínica da Acupuntura.

As aplicações clínicas da Acupuntura não se esgotam nessa revisão comentada da literatura a qual, pelo contrário, propõe uma ampliação das indicações tradicionais do método, incluindo condições clínicas definidas recentemente.

Dor Através de estudos anatômicos e neurofisiológicos, assim como de experimentos em animais, já estão bem compreendidas as bases neurobiológicas da analgesia por Acupuntura. Os ensaios clínicos, além de serem expressivos numericamente, vêm sendo aperfeiçoados, e a partir das experiências anteriores, tem sido promovido um grande incremento em qualidade, demonstrando reiteradamente a eficácia da Acupuntura no tratamento da dor de diversas etiologias. O seu uso na prática médica corrente vem sendo recomendado por autoridades científicas e governamentais de todo o mundo.

No tratamento da dor crônica, seus resultados foram comparados aos de muitos analgésicos, apresentando, entre outras vantagens, a ausência de efeitos adversos, mas em alguns casos a desvantagem de serem necessárias sessões repetidas, efetuadas por profissional altamente qualificado. Em algumas doenças, como a artrite reumatóide, o efeito analgésico da Acupuntura mesmo que não seja permanente, resulta em melhora a longo prazo, devido às suas propriedades antiinflamatória e moduladora da imunidade.

Em muitos tipos de dores a Acupuntura vem se firmando como o tratamento de primeira linha, admitindo a associação com medicamentos, como na nevralgia do trigêmeo, na fibromialgia, nas dores articulares agudas e crônicas de diversas etiologias, nas dores viscerais, como cólicas nefréticas, biliares, gastralgias e dismenorréia.

Destaca-se a dor miofascial crônica (caso das Lesões por Esforços Repetitivos), componente da síndrome de fibromialgia, caracterizada pela presença dos pontos-gatilho, que apresentam identidades com os pontos de Acupuntura, e para a qual é imprescindível uma ação terapêutica direta sobre os músculos alterados. A dor crônica está também associada a memórias que se implantam nos diferentes níveis do sistema nervoso, desde a periferia até os centros mais altos. A Acupuntura atua em todos esses níveis, sendo um método indispensável, e que deve ser incluído no elenco de medidas terapêuticas destinadas a tratar dessas situações.

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É evidente e indispensável que um diagnóstico correto deve ser feito antes de se empreender uma terapêutica antiálgica, qualquer que seja.

O levantamento que se apresenta abaixo, tem a finalidade de divulgar os resultados da pesquisa clínica, e estimular o uso do método, para benefício dos pacientes e dos médicos, que passam a contar com mais um importante recurso terapêutico, útil pela eficácia, e recomendável pelo baixo custo. Não foram incluídos aqui os estudos da eficácia da Acupuntura no tratamento da dor miofascial, que se encontram em capítulo com esse título, em outra seção desse livro.

Analgesia cirúrgica e pós-operatória [ 28 ]

Normalization of acupuncture anesthesia used in operation of neoplasm in functional area or deep site of brain. Jiang C.Chen Tzu Yen Chiu 21(2), 4-7, 1996 De outubro de 1990 a dezembro de 1995, o National Cooperative Neurosurgical Acupuncture Research Group já havia reunido 100 casos clínicos, consistindo em 20 casos de cirurgia para neoplasia localizada em regiões profundas do cérebro, e 80 casos em região funcional. As indicações, a escolha dos pontos de Acupuntura, os parâmetros de estímulo e os complementos foram estudados pelos mesmos procedimentos e critérios manipulativos. Na prática, os resultados eram não somente confiáveis, mas reiteradamente altos, estando 98% dos casos incluídos no grau 1 (sucesso).

Os autores sugerem que a Acupuntura deveria ser empregada como um dos métodos usuais de anestesia. O mecanismo do método, e dados específicos para a Acupuntura, são discutidos no trabalho. Ao mesmo tempo, são levantdas as vantagens e os problemas remanescentes na anestesia por Acupuntura em cirurgias crânio-cerebrais.

Capítulo 6 - As Bases Neurobiólogicas da TerapêuticaDo empirismo à Ciência Os efeitos da Acupuntura são explicadospor princípios e mecanismos fisiológicos. Wall P.D., Melzack R.1

A Acupuntura é um modo de acessar o sistema nervoso central através de estimulação neural periférica, promovendo um reajustamento das funções cerebrais, neurais, hormonais, imunitárias e viscerais. São diversos os alvos da estimulação, incluindo receptores e vias das diferentes modalidades sensoriais, relacionadas com a propriocepção e com os sentidos do tato e da temperatura. a inervação motora dos músculos, sendo o principal, a rede neural relacionada com a modulação da dor.

O processo terapêutico da Acupuntura promove analgesia, normalização da regulação e controle das funções orgânicas, modulação da imunidade, das funções endócrinas, autonômicas e mentais, e ativação dos processos regenerativos.

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A Acupuntura gera efeitos biológicos de naturezas variadas, que se desenvolvem a partir do estímulo aplicado às diversas estruturas e diferentes sistemas subjacentes aos pontos de Acupuntura. Os sinais introduzidos nesses pontos, sítios privilegiados de acesso às redes nervosa e circulatória, produzem modificações que se traduzem de formas peculiares a cada tipo de estrutura e modalidade de estímulo.

A natureza, a forma e a função da maioria dos pontos de Acupuntura, canais estruturados que conduzem diretamente a um complexo vásculo-nervoso, ou envolvem predominantemente a fáscia subjacente, explicam o alcance das suas ações terapêuticas.

Os estímulos aplicados nesses pontos, que operam como transdutores de entradas e de saídas informacionais, afetam as diversas estruturas que compartilham o espaço dessas “portas” periféricas de comunicação organismo-ambiente. Artérias, veias, linfáticos, nervos de vários tipos, todos esses elementos são sensíveis e responsivos às mínimas alterações no seu micro-ambiente.

No segmento neural, as fibras do sistema nociceptivo ocupam papel destacado, mas não são as únicas a serem afetadas pelo estímulo da Acupuntura, que aciona também, e de modo às vezes decisivo – por causa da importância terapêutica da obtenção da sensação descrita pelos chineses antigos como Deqi, as fibras mielinizadas não-nociceptivas, incluindo aquelas relacionadas com a propriocepção, os mecanoceptores, assim como os ramos dos nervos motores.

Cada tipo de estrutura estimulada gera respostas específicas, e há também uma especificidade de ação das diferentes modalidades de estímulo – aplicação simples da agulha, como na técnica de reforço (ou tonificação), manipulações variadas, como nas manobras de dispersão (ou sedação), prescritas na Acupuntura clássica chinesa, estimulação elétrica de diversas modalidades (forma de onda, intensidade e freqüência da corrente), determinam reações típicas, que vêm sendo identificadas e padronizadas.

As conseqüências do estímulo sobre as outras estruturas presentes nos pontos de Acupuntura – vasos sangüíneos e linfáticos, e estruturas músculo-esqueléticas, incluindo fáscias, tendões, aponeuroses e músculos, ainda não estão bem exploradas, mas a relação entre estes elementos e outras estruturas com as quais se comunicam, através, por exemplo, da secreção e liberação de endotelinas originárias das paredes dos vasos, e das mudanças regionais promovidas pela ação sobre cadeias musculares ou miótomos, explicitada no tratamento da dor referida originária da hiperatividade dos pontos-gatilho miofasciais, é uma hipótese coerente com os dados atuais da fisiologia.

As ligações dessas estruturas periféricas com centros do sistema nervoso que integram, processam, atualizam e geram respostas orgânicas adaptativas sistêmicas são muito mais importantes do que seria possível prever há 30 anos. Impulsos provenientes principalmente do sistema límbico, que integra estruturas de nível elevado, como o córtex cerebral, com as mais baixas, até as terminações periféricas, afetam todas as funções de regulação e controle exercidas pelo sistema nervoso central.

Memórias, configurações estáveis da circuiticidade neuronal, padrões de comunicação entre estruturas do sistema nervoso, podem ser modificadas pelo método que, ativando um sistema modulador da atividade neuronal, exerce efeitos sobre diversos neuro-hormônios e neurotransmissores2. Esses fatos têm sido extensamente demonstrado,

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proporcionando bases sólidas para as aplicações da Acupuntura nas perturbações emocionais e afetivas, caso da depressão, assim como nos distúrbios neurossomáticos3 (ou psicossomáticos) e endócrinos.

A Acupuntura exerce um efeito de re-aprendizagem fisiológica4, 5, tanto por modificar padrões de conectividade neuronal, através do acionamento de dispositivos periféricos de entrada informacional que funcionam como comandos numa interface com centros decisores, como também pelo fato de modular neurotransmissores (como a dinorfina) essenciais para a potenciação de longa duração (LTP), base das mudanças envolvidas com a memória. Também foi sugerido que a ativação repetida de sistemas fisiológicos de inibição da dor treinaria o organismo a continuar essa atividade, mantendo por longo prazo o alívio da dor, de modo semelhante ao dos métodos de treinamento de funções autonômicas alteradas6.

Capítulo 7 - Neurociência da Acupuntura A Rede Neuronal As concepções mecanicista e sistêmica (integrada ou holística) do organismo se encontraram em fins do século XIX nos estudos do sistema nervoso. Aqueles que adotaram uma concepção reducionista - que encontra um paradigma na escola encabeçada pelo físico e fisiologista Hermann von Helmholtz, estavam inclinados a reduzir tudo a relações físicas isoladas; estudavam a condução de impulsos nervosos e outros detalhes dos nervos isolados do seu ambiente natural. A outra concepção encarava o organismo como um todo; esta última levou à percepção de que havia uma diferença entre os nervos que se dirigiam à coluna vertebral e os que saíam dela. A escola integrativa também fez estudo do sistema reflexo, como o arco reflexo gerado pela percussão do tendão patelar. Era, como ainda hoje, difícil compreender como o sistema nervoso funciona como um todo.

Os pesquisadores Ivan Pavlov, russo e o inglês Charles Sherrington realizaram notáveis avanços. Pavlov havia sido aluno de Ivan Setchenov, que estudara com Helmholtz e Claude Bernard e chegara à conclusão de que todo o comportamento se devia a um equilíbrio emtre estímulos internos e externos aos nervos. No começo, Pavlov adotou uma concepção reducionista e mecanicista, que mais tarde modificou, embora permanecesse mecanicista.

Os estudos de Pavlov concluíram, a partir do reflexo condicionado, que envolve uma composição de reflexos, que conexões nervosas temporárias se formavam no córtex cerebral, demonstrando importante relação entre o comportamento e a fisiologia do sistema nervoso.

Charles Sherrington, nascido em 1857, era um anti-reducionista: a mente, segundo acreditava, era uma entidade não física, enquanto o corpo era um organismo físico. A pesquisa de Sherrington, sobre a transmissão de impulsos nos nervos, se baseou nos trabalhos de Ramón y Cajal, que na década de 1880 descobrira que os nervos são feitos de unidades individuais, os neurônios, cada qual diferente do seguinte e dele separado por um intervalo, que Sherrington chamou de sinapse. Isto contrariava a antiga concepção dos nervos como fio contínuo, e Sherrington demonstrou que as sinapses eram importantes se os impulsos não se transmitissem a um conjunto randômico (casual) de percursos de saída. Ele encarava a coluna como um sistema de entrada e

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saída, e percebeu que é mais do que isso, pois não recebe apenas vários impulsos, mas os integra num caminho comum para o músculo apropriado a fim de proporcionar a reação correta. Também percebeu que as entradas em um nível podiam modificar as entradas em outro nível, e desenvolveu essa idéia para mostrar que era possível haver níveis de controle muito especializados.

Essa concepção mais holística, não considerava o organismo como partes separadas, mas como totalidade. Em 1906 publicou o livro Ação integrada do sistema nervoso, em que expressava a opinião de que há três níveis para se estudar o comportamento animal: o nível físico-químico, referente às ações dentro dos neurônios individuais, que dá ao animal um aspecto mecânico; o nível da psique, no qual os processos neurológicos se unem para formar uma criatura pensante e perceptiva; e um terceiro nível, o do relacionamento mente-corpo.

Sherrington realizou uma descrição integrada do sistema nervoso de um organismo até o nível do neurônio. Mais tarde o trabalho de Lawrence Henderson, sobre o modo como o organismo regula seu equilíbrio químico, especialmente quanto ao pH, foi ainda mais abrangente. A pesquisa de Henderson mostrou claramente que as reações químicas em um corpo vivo trabalhavam para que o organismo mantivesse um constante equilíbrio interno - outra evidência em favor da concepção holística de Sherrington. O conceito evoluiu para a Homeostase de Cannon.

A pesquisa bioquímica das décadas seguintes veio a demonstrar que as reações químicas biológicas mudam as condições existentes em torno delas, modificando o curso futuro das reações, confirmando o dado de que o organismo é uma entidade interagente. A antiga e simples perspectiva mecanicista tinha que dar lugar a um materialismo holístico, ponto de vista que encara o organismo como um todo e que faz eco à antiga concepção chinesa do próprio universo como organismo autodependente.

O Sistema Nervoso é o responsável pelo controle das funções do organismo. Controlando também as secreções das glândulas endócrinas, tem sob sua tutela não só as atividades musculares e vicerais, como também o metabolismo.

Waddington1 diz que “talvez seja um erro analisar o cérebro em células individuais; as entidades a serem analisadas poderiamser algo bem diferente, possivelmente circuitos elétricos, que apresentam características importantes, independentes das células que porventura façam parte do circuito”.

Recebendo simultaneamente milhares de informações dos diferentes órgãos sensoriais, os dispositivos que permitem conhecer as variações do ambiente, tanto externo quanto interno, integra estas informações, e depois de processá-las, determina a resposta a ser dada pelo organismo. As informações transitam por canais de condução elétrica que compõem a chamada Rede Neural, ou Neuronal. Esta seção contém um estudo dos conhecimentos disponíveis sobre esta rede de controle, incluindo a central, o Sistema Nervoso Central.

Neurônios, Fibras Nervosas e o Impulso Nervoso2 A existência do potencial de membrana só é conhecido desde o século XIX. Du Bois-Reymond, ao interpretar sua natureza, propôs um modelo em que as moléculas

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componentes do tecido vivo tinham disposição orientada, isto é, o tecido vivo como polarizado.

Seres vivos são sistemas elétricos. Em seus componentes celulares se apresenta uma diferença de potencial, nos dois lados da membrana. Com exceção de algumas células vegetais, o interior é sempre negativo, e o exterior positivo. A origem desses potenciais é uma distribuição assimétrica de íons, especialmente de Na+, K+, Cl- e HPO4=. O potencial existe sob duas formas principais:

a) Potencial de Repouso, ou de estado fixo;

b) Potencial de Ação, que é uma variação brusca do potencial, e que pode conduzir mensagens.

Nas membranas celulares de tecidos chamados excitáveis, em consequência da aplicação de um estímulo de intensidade suficiente, ocorre uma alteração do Potencial em três etapas - 1o. uma despolarização, 2o. uma polarização invertida, em que se trocam as cargas, ficando positivo no interior, e 3o. uma repolarização. Há células que são auto excitávies, gerando ritmos endógenos, como os neurônios que controlam os ritmos biológicos.

Na despolarização, ocorre uma abertura dos canais de sódio, com penetração de íons Na+ suficiente para anular a diferença de potencial trans-membrana. Na fase de polarização invertida continua a entrada de sódio, tornando positivo o interior. Em seguida fecham-se os canais de sódio, o íon potássio sai da célula, repolarizando-a; o pequeno excesso de sódio é expulso pela bomba de sódio, e a membrana volta ao normal.

O potencial de ação se propaga através de células e intercélulas, nos tecidos excitáveis. Os nervos são formados de células que podem atingir metros de comprimento, e que são estruturas adequadas para propagação de Potenciais de Ação.

Quando um nervo é excitado, o impulso caminha igualmente nos dois sentidos. A condução no sentido naturalmente programado para o nervo é chamada de ortodrômica, a que se propaga em sentido contrário é antidrômica. Entre os mecanismos naturais para impedir a condução antidrômica estão as sinapses. Tanto as sinapses inibitórias quanto as excitatórias bloqueiam a condução antidrômica.

Capítulo 8 - O Tratamento da Dor 1 - Atualização A Dor Não há porque temer os deusesNão há porque temer a morteÉ possível ser felizÉ possível eliminar a dorTetrafármacon, de Epicuro

Manifestação primordial do sofrimento, a dor é a maneira como em geral se expressa. Sendo um dos componentes fundamentais da vida emotiva, indica o caráter

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desfavorável da situação em que se encontra o ser vivo. De importância vital, informa o sistema nervoso sobre certas condições externas ou internas incompatíveis com a integridade morfológica ou funcional do indivíduo.

A dor é a forma mais universal do stress1, e ninguém está permanentemente livre do stress da dor.

Havia no passado uma dificuldade em abranger sob a denominação de dor muitas das sensações descritas. Atualmente se considera como sendo dor tudo o que o paciente diz que é.

A Associação Internacional para Estudos da Dor (IASP) define o termo como “experiência sensorial e emocional desagradável, que é descrita em termos de lesões teciduais, reais ou potenciais; é sempre subjetiva, e cada indivíduo aprende a utilizar este termo através de suas experiências traumáticas”2.

A dor é a percepção de uma sensação aversiva ou desagradável que se origina em alguma parte específica do corpo. Como todas as percepções, a da dor envolve abstração e elaboração dos inputs sensoriais. Sua natureza altamente subjetiva é um dos fatores que tornam difícil sua definição e seu tratamento clínico3.

Sendo um sistema de alarme, não deve ser desprezada como dado semiológico, mas como norma, a dor deve ser suprimida para não comprometer comportamentos de defesa, e por que ela própria se torna uma ameaça à integridade da saúde. Não sendo simplesmente um sinal de lesão acima de tudo é um sinal de que o organismo demanda reparo e recuperação4. Em seus diversos aspectos psico-fisiológicos, é um fenômeno distribuído pelo SNC. Estudos eletrográficos e através de neuroimagem demonstraram que muitas áreas estão envolvidas em processos relacionados com a dor5.

Na Medicina Tradicional Chinesa, assim como na Medicina Grega Antiga, a dor era reconhecida como fenômeno sistêmico: “A noção de dor como resultante e causadora de uma perturbação global do indivíduo está presente no Corpus Hippocraticum e no Huang Di Nei Jing Su Wen. Enquanto no Ocidente esta visão foi esquecida até recentemente, a medicina chinesa guarda fortemente desde sua origem o princípio que, para ser eficaz ao se tratar a dor, é necessário reconhecer, considerar e tratar o indivíduo em sua totalidade”6.

O conhecimento da fisiologia da dor foi revolucionado nas décadas de 1960, 1970 e 19807, mas têm uma história mais antiga. Em 1911, Head & Holmes demonstraram a modulação cortical da atividade talâmica; Em 1954, Hagbarth & Kerr esclareceram o controle supraespinal das vias ascendentes, e em 1965 Carpenter publicou trabalho sobre o controle descendente sobre aferências.

Só depois da metade do século 20, com a teoria do gate control8 - Portal de Controle da Dor, de Melzack, os mecanismos centrais de processamento, que integram as qualidades sensoriais da dor, com suas dimensões afetivas e cognitivas passaram a ser um pouco melhor compreendidas.

Evidenciou-se depois que tratamentos cirúrgicos e farmacológicos destinados a evitar a transmissão periférica dos inputs sensoriais noxiosos eram insuficientes para controlar

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todas as formas de dor, tornando-se necessário o estudo dos processos de plasticidade cerebral, e dos substratos perceptuais, cognitivos e afetivos envolvidos9.

Em 1973, ficou definido o papel dos neurotransmissores – endorfina e encefalina, em produzir e modular a dor, e na década de 1980 veio o reconhecimento do envolvimento da neuroplasticidade em resposta à dor.

O avanço no conhecimento das vias periféricas e centrais de condução da sensação dolorosa, que ocorreu na última década, levou a descobertas importantes. A investigação das respostas cerebrais à dor por Ressonância Magnética Funcional, na década de 1990 geram mudanças conceituais importantes, influenciando a prática da Acupuntura no tratamento da dor.

Capítulo 9 - O Tratamento da Dor 2- A Prática da Acupuntura Evidências da Eficácia daAcupuntura no Tratamento da Dor

A Acupuntura tem sido indicada para o tratamento de diversas condições dolorosas, na literatura médica mais atualizada1. A sua eficácia no tratamento das dores músculo-esqueléticas crônicas está amplamente comprovada2, 3. No tratamento de diversas formas de dor crônica os resultados da Acupuntura são comparáveis aos de outros métodos, apresentando vantagens significativas 4, 5, 6, 7.

Os efeitos neurobiológicos da Acupuntura, que atua também sobre os neurotransmissores relacionados com a dor e a depressão8, qualificam o método como útil e adequado na terapêutica da dor crônica. Entretanto, não deve ser considerado como tratamento único para todas as síndromes dolorosas, destacando-se a necessidade de escolher a técnica mais adequada de estimulação de pontos-gatilho ou o meio de modulação do sistema endógeno supressor da dor para obter os melhores resultados9, 10.

Os efeitos do tratamento sobre a qualidade de vida dos pacientes foram constatados num ensaio clínico observacional, em que o tratamento com Acupuntura diminuiu a percepção da intensidade da dor medida tanto pela escala VAS, como pela dimensão da Dor, produzindo melhora nas atividades de vida diária medida pelo Nottingham Health Profile. Outros indicadores importantes utilizados foram a diminuição do consumo diário de medicamentos para a dor e o retorno ao trabalho. Os resultados evidenciaram que o tratamento com Acupuntura11 resulta em melhora da Qualidade de Vida Relacionada a Saúde, melhorando a percepção subjetiva da Qualidade de Vida Relacionada a Saúde independente do local da queixa principal e do número de comorbidades dolorosa; diminuindo a intensidade da dor independente do local da queixa principal e do número de comorbidades dolorosa; diminuindo o consumo diário de medicamentos; permitindo o retorno ao trabalho; permitindo também melhor desempenho nas atividades de vida diária.

A ação terapêutica sobre os pontos-gatilho ou pontos de Acupuntura12, como a aplicação de calor ou frio, eletroestimulação, injeção de anestésico local ou solução salina, ou a simples estimulação do ponto com uma agulha provou que esses pontos são, em muitos casos, a chave para o controle da dor.

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Electroacupuncture: mechanisms and clinical application.

Ulett G.A., Han S., Han J.S.University of Missouri-Columbia, School of Medicine, St. Louis 63139, USA.

Biol Psychiatry 15;44(2):129-38, Jul 1998

Uma serie de estudos foi conduzida para examinar os mecanismos da Acupuntura, esse antigo método chinês de alívio da dor. No artigo, os autores revisam alguns dos principais achados. Os seus estudos mostraram que a Acupuntura produz efeito analgésico, e que a eletroacupuntura é mais eficaz do que a Acupuntura manual.

Além disso, a estimulação elétrica via eletrodos adesivos sobre a pele é tão eficaz quanto a eletroacupuntura. A indução e a recuperação dos perfis da analgesia por Acupuntura sugerem o envolvimento de fatores humorais. Esta noção sustentada por experimentos de perfusão cruzada, nos quais o efeito analgésico induzido pela Acupuntura foi transferido de um coelho doador para um coelho receptor, quando o líquor cerebrospinal foi transfundido. O bloqueio da analgesia induzida por Acupuntura pela naloxona e pelo anti-soro contra endorfinas sugere o envolvimento desses neurotransmissores.

Trabalhos mais recentes demonstraram a liberação de endorfinas no líquor cerebrospinal depois da eletroacupuntura. A eletroacupuntura de baixa freqüência (2 Hz) e de alta freqüência (100 Hz) induz seletivamente a liberação de encefalinas e dinorfinas tanto em animais experimentais quanto em seres humanos. Os estudos clínicos que sugerem a eficácia da Acupuntura em vários tipos de dor, depressão, ansiedade, espasmo muscular induzidos pela medula, AVC, distúrbios gastrintestinais, e drogadição também foram discutidos.