livro final grafica - uel · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; a sociologia e os ciber...

380

Upload: others

Post on 28-Feb-2021

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas
Page 2: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Reitora Nádina Aparecida Moreno

Vice-ReitoraBerenice Quinzani Jordão

COMISSÃO CIENTÍFICA

Adriana Cristina BorgesAdriana de Fátima Ferreira

Adriana Regina de Jesus SantosAna Márcia F. Tucci de Carvalho

Ana Odete Santos VieiraAndréia Maria Cavaminami Lugle

Angélica Lyra de Araújo Arelis Felipe Ortigoza

Carlos Alberto Albertuni Célia Regina VitalianoClaudinei José de Sousa

Denise Ismênia B. Grassano Ortenzi Diego Greinert de Oliveira

Eliane Cleide Eczernisz Enio de Lorena Stanzani

Érico EngelmannFabiane Cristina Altino

Fabiele Cristiane Dias Broietti

Helena Ester Munari Nicolau LoureiroJeani Delgado Paschoal Moura

Leandro Augusto dos ReisLucy Maurício Schimiti

Margarida de Cássia CamposMarilene Cesário

Meire Ellen MorenoNeuza Teramon

Michele Salles El Kadri Patrícia de Oliveira Rosa da Silva

Regina Célia AlegroRegina Célia Guapo Pasquini

Rosana Franzen LeiteRosemeri Passos Baltazar Machado

Silmara Sartoreto de OliveiraSimone Alves de Assis MartoranoValdirene Filomena Zorzo Veloso

Vera Lúcia Bahl de Oliveira

Page 3: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas
Page 4: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Editoraçao EletrônicaMaria de Lourdes Monteiro

CapaMarcos da Mata

Revisores dos textos Andressa Anhani Polimeno

Danusia Regina AlvesFernanda Correia Cabral Sanches

Joseane Martins de Oliveira DavidJuliana Del Anhol de AzevedoLuciana Jovanovich de Souza

Catalogação elaborada pela Bibliotecária Roseli Inacio Alves CRB 9/1590

Obs: o conteúdo do texto é de responsabilidade de seus autores

P964 PRODOCÊNCIA/UEL: ensino e pesquisa na formação de professores/ Angela Maria de Sousa Lima [et al.]...(organizadores). – Londrina: UEL, 2013. 399 p. : il.

ISBN 978-85-7846-235-2 Inclui bibliografia.

1. Sociologia – Estudo e ensino. 2. Educação – Formação de professores. 3. Prática de ensino. 4. Aprendizagem. 5. Abordagem interdisciplinar do conhecimento na educação. I. Lima, Ângela Maria de Sousa.

CDU 316:37.02

Obra publicada com recurso público: não pode ser comercializada

Page 5: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .......................................................................................................Angela Maria de Sousa Lima; Angélica Lyra de Araújo

REFLEXÕES SOBRE A 1ª JORNADA DE ESTÁGIOS DO FOPE NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA....................................................Eliane Cleide da Silva Czernisz; Andreia Maria Cavaminami Lugle; Angela Maria de Sousa Lima

DESAPEGO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ESTADO DE SER DA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA .................................................................................................Márcia V. Malcher dos Santos; Lucas de Toledo Martins

O SER E FAZER DOCENTE NO CONTEXTO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS .......................................................................................................................Adriana Regina de Jesus Santos; Hélio José Luciano; Rogério da Costa; Daysa Darcin Alsouza; Nayara Bruna Nicolim; Nadine Elena da Silva

SABER E EDUCAÇÃO: A TRANSMISSÃO DO CONHECIMENTO COMO UM MEIO PARA FORMAR UMA CONSCIÊNCIA MAIS CRÍTICA SOBRE A REALIDADE SOCIAL ..........................................................................................Adriana Cristina Borges

DESAFIOS DO PROFESSOR PESQUISADOR: QUAL O PAPEL DO “OLHAR” ANTROPOLÓGICO E DO LIVRO DIDÁTICO PÚBLICO NA PRÁTICA DE TRABALHO DOCENTE? ........................................................................................Samira do Prado Silva; Thayza de Oliveira

AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DO PROFESSOR DE ENSINO MÉDIO PÚBLICO E A RELAÇÃO COM A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO ....... Aline Graziele R. de Sales Borges

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS PARA UMA REFLEXÃO SOBRE MODERNIDADE E FORMAÇÃO: NEXOS ENTRE VALORES MORAIS E ESCOLA PÚBLICA.....................................................................................................Franciele Alves da Silva

FILOSOFIA E EDUCAÇÃO: A CRÍTICA DE FOUCAULT ÀS PRÁTICAS DISCIPLINARES EM EDUCAÇÃO ........................................................................Claudiney José de Sousa

A ‘RACIONALIDADE GOVERNAMENTAL’ EM FOUCAULT: UMA LEITURA A PARTIR DOS CONCEITOS DE ‘DISPOSITIVOS’, ‘REGIMES DE VERDADE’ E ‘DISCURSO/SABER/PODER’ ....................................................Gregório Antonio Fominski do Prado

11

15

21

27

33

38

50

60

67

73

Page 6: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

82

87

91

97

103

109

113

118

123

127

136

140

159

CONTRIBUIÇÕES DO ESTÁGIO EM DOCÊNCIA NO CURSO DE PEDAGOGIA ..............................................................................................................Camila Aparecida Pio; Eliane Cleide da Silva Czernisz

NARRATIVAS DE OBJETOS ESQUECIDOS: AS POSSIBILIDADES DE UM ESTUDO TEMÁTICO ..............................................................................................Amanda Cristina Martins do Nascimento; Regina Célia Alegro

FOTOGRAFIA E ENSINO DE HISTÓRIA: SOBRE O ACERVO FOTOGRÁFICO DO MUSEU HISTÓRICO DE LONDRINA ...........................Amanda Camargo Rocha; Vanessa Caroline Mauro; Regina Célia Alegro

RPG COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA NAS AULAS DE HISTÓRIA....Juliano da Silva Pereira; Regina Célia Alegro

O QUE PENSAM OS ALUNOS JOVENS E ADULTOS SOBRE A HISTÓRIA? NOTAS SOBRE SUAS IMAGENS E REPRESENTAÇÕES ..................................Wilian Júnior Bonete; Regina Célia Alegro

MUSEU HISTÓRICO DE LONDRINA: ESPAÇO DE APRENDIZAGEM .......Ana Luiza Coradi

O OBJETO ENTRE O MUSEU E O ENSINO DE HISTÓRIA ............................Priscila Rosalen Pasetto de Almeida; Taiane Vanessa da Silva; Regina Célia Alegro

O MUSEU COMO ESPAÇO DE EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL .........................Aryane Kovacs Fernandes; Juliana Souza Belasqui; Regina Célia Alegro

DO ENTRETENIMENTO AO APRENDIZADO: ESCOLARES NO MUSEU .Vagner Henrique Ferraz; Tamiris Helena Doratiotto Baldo; Regina Célia Alegro

IDENTIDADE INDÍGENA: A VALORIZAÇÃO DA DIVERSIDADE HUMANA ....................................................................................................................Gabriela Camacho Gomes; Natália Camacho Gomes; Sandra Regina Ferreira de Oliveira

CULTURAS E HIBRIDAÇÕES: ANÁLISES ANTROPOLÓGICAS NO CONTEXTO DA MODERNIDADE ......................................................................Daniel Vitor Vicente

A SOCIOLOGIA E OS CIBERJOVENS EM TEMPOS DE TRANSIÇÃO – DA CLÁSSICA DESIGUALDADE SOCIAL ÀS INÉDITAS INTERAÇÕES DIGITAIS (ANALISADAS NO FÓRUM VALE TUDO DO SITE UOL) .........Lucas Garcia

ÉMILE DURKHEIM: O SUICÍDIO COMO UM FATO SOCIAL .....................Adriana Cristina Borges; Mateus dos Santos

Page 7: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

169

188

213

222

233

241

247

252

259

264

269

275

A TEMÁTICA DOS POVOS INDÍGENAS NA ESCOLA E A LEI 11.645 DE 2008 ...............................................................................................................................Géssia Cristina dos Santos

POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS COMO MECANISMO PARA A MATERIALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL .....................Talita Soares Leite

A BIOÉTICA COMO SENTIDO PARA A CIÊNCIA: SUBSÍDIOS PARA AULA DE SOCIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO .................................................Angélica Lyra de Araújo

EXPERIÊNCIAS COM A TELEVISÃO NO ENSINO DE SOCIOLOGIA ........Fernando Augusto Violin

A LEITURA DE IMAGENS COMO UM PROCESSO DIALÓGICO EM SALA DE AULA .....................................................................................................................Carla Juliana Galvão Alves; Denise Batista Pinto Sabino

CONCEPÇÃO E INSERÇÃO DO “CONTEÚDO” CARTOGRAFIA NO ENSINO DE GEOGRAFIA .......................................................................................Márcio Miguel de Aguiar

POR UM ENSINO DE GEOGRAFIA LIBERTÁRIO: AS ESPACIALIDADES PRODUZIDAS PELOS MOVIMENTOS SOCIAIS E AS POSSIBILIDADES DE REPRODUÇÃO SOCIAL ....................................................................................Margarida de Cássia Campos; Vitor Ferreira de Souza

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM DEBATE ..........................................................Jeani Delgado Paschoal Moura

SER PROFESSOR DE GEOGRAFIA ......................................................................Luzia Mitiko Saito Tomita; Jeani Delgado Paschoal Moura

O GOOGLE EARTH E SUAS POTENCIALIDADES NAS AULAS DE GEOGRAFIA ...............................................................................................................Patrícia Fernandes Shinobu

ALFABETIZAÇÃO EM GEOGRAFIA: LEITURA DO MUNDO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL .............................................................Luzia Mitiko Saito Tomita; Jeani Delgado Paschoal Moura; Márcio Miguel de Aguiar; Patrícia Paula Fernandes Shinobu

REFLEXÕES SOBRE QUALIDADE DE VIDA E CIDADANIA MEDIADAS PELA OBSERVAÇÃO DA PAISAGEM ....................................................................Diego Pianovski; Daniel Chamlet; Jeani Delgado Paschoal Moura

Page 8: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

280

286

291

297

304

312

318

323

331

337

342

350

LITERATURA E ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA: PONTO DE PARTIDA, MEIO E FIM ................................................................................................................Arelis Felipe Ortigoza; Marília Israel Rocha

GRUPO HETEROGÊNEO PEDE METODOLOGIA HETEROGÊNEA: EXPERIÊNCIA COM O PRODOCÊNCIA E O CURSO DE LETRAS-ESPANHOL DA UEL .................................................................................................Arelis Felipe Ortigoza; Valdirene Filomena Zorzo-Veloso; Enrique V. Nuesch

AUTONOMÍA EN LA ENSEÑANZA-APRENDIZAJE DE ELE: UN CAMINO HACIA LA FORMACIÓN DE PROFESORES .......................................................Arelis Felipe Ortigoza; Valdirene Zorzo-Veloso; Diego Aureliano da Silva

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA POR MEIO DO GÊNERO PROPAGANDA ...........................................................................................................Dayane Caroline Pereira; Rosemeri Passos Baltazar Machado

A LEITURA E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA ....................................Keiti da Cunha Kamita; Rosemeri Passos Baltazar Machado

O INSÓLITO POSSÍVEL DE JUAN CARLOS ONETTI ......................................Enrique V. Nuesch

APRENDENDO A SER PROFESSOR: DESAFIOS DO PIBID ...........................Virgínia Iara de Andrade Maistro

A FORMAÇÃO REFLEXIVA DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA ...................................................................................................................Vera Lúcia Bahl de Oliveira

EDUCAÇÃO SEXUAL: UM DESAFIO NA FORMAÇÃO INICIAL PARA A DOCÊNCIA .................................................................................................................Virgínia Iara de Andrade Maistro

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM EM MATEMÁTICA .................................................................Ana Márcia Fernandes Tucci de Carvalho

PROJETO NOVOS TALENTOS – CIÊNCIAS HUMANAS: UMA CONTRIBUIÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO ........................................Américo Grisotto

RELATO DE EXPERIÊNCIA: A INCLUSÃO DAS ATIVIDADES GINÁSTICAS E AQUÁTICAS NA ESCOLA ....................................................................................Marilene Cesário; Ernani Xavier Filho; Ana Maria Pereira; Antonio Geraldo M. G. Pires; Alison Francisco Sales da Silva; Édipo Henrique Silva

Page 9: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

O MODELO DIDÁTICO PESSOAL DO PROFESSOR: CARACTERIZAÇÃO DOS PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO PELOS ALUNOS DO CURSO DE LICENCIATURA EM QUÍMICA ......................................................................Simone Alves de Assis Martorano

SANGUE – UM TEMA MOTIVADOR PARA O ENSINO DE ALGUNS CONTEÚDOS DE QUÍMICA PARA O ENSINO MÉDIO ...................................Heloisa Cristina Nonis; Sônia Maria Gimenez; Simone A. A. Martorano

AS NOTAS E OUTRAS FORMAS DE APRECIAÇÃO QUANTITATIVA OU QUALITATIVA NA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR ...............Fabiele Cristiane Dias Broietti

INVESTIGANDO A COMPREENSÃO DE ALUNOS DO ENSINO SUPERIOR SOBRE O CONCEITO DE SOLUÇÃO ...................................................................Roberson K. Costa; Fabiele C. Dias Broietti; Flaveli A. de Souza Almeida; Fernanda de A. Fin de Lima; Rosana Franzen Leite; Simone A. de Assis Martorano

EXPERIMENTAÇÃO NAS AULAS DE QUÍMICA: IDEIAS DE UM GRUPO DE PROFESSORES DO PROGRAMA PARFOR/QUÍMICA/UEL .....................Rosana Franzen Leite; Simone Alves de Assis Martorano

356

362

366

372

376

Page 10: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas
Page 11: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 11

APRESENTAÇÃO

O Prodocência (Programa de Consolidação das Licenciaturas), desde 2007, tem se preocupado em desenvolver ações conjuntas que auxiliem na ampliação da qualidade da formação inicial e continuada dos professores desta universidade. Essas ações interdisciplinares, possibilitadas em grande medida pela integração dos cursos de formação de professores no FOPE (Fórum Permanente das Licenciaturas da UEL) buscam ser significativas no debate coletivo dos problemas e desafios pertinentes às diferentes licenciaturas.

Deste modo, a obra “PRODOCÊNCIA/UEL: ensino e pesquisa na formação de professores” é um espaço essencial de disseminação dos resultados das práticas e das reflexões fomentadas pelas quinze licenciaturas dessa universidade, possibilitadas, em grande medida, pela ampliação dos programas de apoio/incentivo à docência organizados pela CAPES. O conjunto dos artigos e dos relatos de experiências das diferentes licenciaturas disseminado nesse livro tenta demonstrar os desafios da articulação entre teoria/prática, entre Educação Básica/universidade e entre pesquisa/ensino, apresentando a escola como um campo privilegiado de produção de conhecimentos.

Entendendo o professor pesquisador da Educação Básica como um profissional dotado de reflexão crítica e criadora e a relevância pedagógica, política e cultural dos seus saberes/fazeres docentes, ressignificados cotidianamente nas escolas e nos cursos de formação continuada possibilitados pelo Prodocência, comprometemo-nos, nesta obra, a divulgar os resultados dos seus trabalhos e a aprender com eles. Essa meta nos aponta novos caminhos necessários para reconstruirmos a relação universidade/escola, repensarmos os desafios da pesquisa educacional e das ações relacionadas à formação de professores. Integrados nesta luta processual e coletiva, apresentamos brevemente os primeiros textos dessa obra, iniciando pelos artigos das áreas de Filosofia, Pedagogia e Ciências Sociais, intitulados: Reflexões sobre a 1ª Jornada de estágios do FOPE na Universidade Estadual de Londrina; Desapego: uma reflexão sobre o estado de ser da educação contemporânea; O ser e fazer docente no contexto das representações sociais; Saber e educação: a transmissão do conhecimento como um meio para formar uma consciência mais crítica sobre a realidade social; Desafios do professor pesquisador: Qual o papel do “olhar” antropológico e do livro didático público na prática de trabalho docente; As condições de trabalho do professor de Ensino Médio público e a relação com a produção de conhecimento; Pressupostos teóricos para uma reflexão sobre modernidade e formação: nexos entre valores morais e escola pública; Filosofia e educação: a crítica de Foucault às práticas disciplinares em educação; A ‘racionalidade governamental’ em Foucault: uma leitura a partir dos conceitos de ‘dispositivos’, ‘Regimes de verdade’ e ‘discurso/saber/poder’; Contribuições do estágio em docência no curso de Pedagogia;

Na sequência, o leitor poderá conhecer referências importantes na criação/recriação de metodologias de ensino/pesquisa da área de História e algumas reflexões que demonstram a pertinência dos museus como espaços educativos, por meio dos textos: Narrativas de objetos esquecidos: as possibilidades de um estudo temático; Fotografia e ensino de História: sobre o acervo fotográfico do museu histórico de Londrina; RPG como ferramenta pedagógica nas aulas de História; O que pensam os alunos jovens e adultos sobre a História? Notas sobre suas imagens e representações; Museu histórico de Londrina: espaço de aprendizagem; O objeto entre o Museu e o ensino de História; O Museu como espaço de educação não-formal; e Do entretenimento ao aprendizado: escolares no Museu.

Page 12: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores12

No bojo da discussão de temáticas sociológicas clássicas e contemporâneas, proporcionando releituras pedagógicas de vários fenômenos sociais, temos os textos: Identidade indígena: a valorização da diversidade humana; Culturas e hibridações: análises antropológicas no contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas interações digitais (analisadas no fórum vale tudo do site UOL); Émile Durkheim: o suicídio como um fato social; A temática dos povos indígenas na escola e a Lei 11.645 de 2008; Políticas públicas educacionais como mecanismo para a materialização dos direitos humanos no Brasil; A bioética como sentido para a ciência: subsídios para aula de Sociologia no Ensino Médio; Experiências com a televisão no ensino de Sociologia; e A leitura de imagens como um processo dialógico em sala de aula.

De igual relevância, disseminamos nessa obra vários textos da área de Geografia, que almejam aproximar, de modo criativo, conteúdos científicos da realidade dos discentes da Educação Básica, instrumentalizando-os a refletirem criticamente sobre vários aspectos da vida social: Concepção e inserção do “conteúdo” Cartografia no ensino de Geografia; Por um ensino de Geografia libertário: as espacialidades produzidas pelos movimentos sociais e as possibilidades de reprodução social; A educação ambiental em debate; Ser professor de Geografia; O Google Eahth e suas potencialidades nas aulas de Geografia; Alfabetização em Geografia: leitura do mundo nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental; e Reflexões sobre qualidade de vida e cidadania mediadas pela observação da paisagem.

Os trabalhos do curso de Letras intitulados Literatura e ensino de Língua Espanhola: ponto de partida, meio e fim; Grupo heterogêneo pede metodologia heterogênea: experiência com o PRODOCÊNCIA e o curso de Letras-Espanhol da UEL; Autonomía en la enseñanza-aprendizaje de ele: un camino hacia la formación de profesores; O ensino de Língua Portuguesa por meio do gênero propaganda; A leitura e o ensino de Língua Portuguesa; O insólito possível de Juan Carlos Onetti; destacam práticas de ensino inovadoras concretizadas nas escolas por meio de alternativas pedagógicas que tentam aprimorar a formação docente.

Os relatos e artigos Aprendendo a ser professor: desafios do PIBID; A formação reflexiva de professores de Ciências e Biologia; Educação Sexual: um desafio na formação inicial para a docência, são alguns exemplos de experiências que vem sendo fomentadas na área de Ciências e Biologia dessa universidade pelos professores participantes do PRODOCÊNCIA.

Por fim, nos textos das áreas de Matemática, Filosofia, Educação Física e Química, intitulados: Algumas reflexões sobre o conceito de transtorno de aprendizagem em Matemática; Projeto Novos Talentos – Ciências Humanas: uma contribuição do pensamento filosófico; Relato de experiência: a inclusão das atividades ginásticas e aquáticas na escola; O modelo didático pessoal do professor: caracterização dos professores do Ensino Médio pelos alunos do curso de licenciatura em Química; Sangue – um tema motivador para o ensino de alguns conteúdos de Química para o Ensino Médio; As notas e outras formas de apreciação quantitativa ou qualitativa na avaliação da aprendizagem escolar; Investigando a compreensão de alunos do Ensino Superior sobre o conceito de solução; Experimentação nas aulas de Química: ideias de um grupo de professores do programa PARFOR/Química/UEL, encontramos resultados significativos de pesquisas e experiências metodológicas que nos auxiliam pensar propostas de ensino-aprendizagem na formação de professores pesquisadores dessas áreas.

Através da apresentação desses textos, a obra “Prodocência/UEL: ensino e pesquisa na formação de professores” objetiva disseminar a valorização dos professores pesquisadores

Page 13: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 13

como sujeitos históricos, políticos, culturais e sociais transformadores, capazes de repensar cientificamente suas práticas de ensino e recriarem processualmente o ambiente escolar. O conjunto destes textos nos comprova que é possível organizar um trabalho integrado com as diversas áreas do conhecimento, uma vez que todas perseguem uma preocupação comum: elevar a qualidade na formação inicial e continuada de professores nos cursos de licenciatura, promovendo uma maior integração entre Educação Superior e Educação Básica.

Neste contexto, muitas considerações poderiam ser apresentadas acerca das seções dessa obra, mas optamos por destacar nesse brevíssimo texto, a relevância que percebemos na integração/articulação política dos professores e das licenciaturas, potencializadas pelo FOPE e pelas ações coletivas dos programas de incentivo/apoio à docência, na luta por desenvolverem juntos, novos olhares sobre os estudantes, sobre as escolas, sobre o estágio curricular e sobre o modo de organizarem as propostas de formação inicial/continuada de professores. Nas entrelinhas, percebe-se também a busca permanente por oportunizar, pela universidade e pelos seus programas, mais espaços de produção/disseminação/valorização dos conhecimentos dos professores das escolas parceiras, auxiliando-os a ressignificá-los cotidianamente. Aliás, ao passo em que conhecemos mais profundamente essas produções científicas dos docentes da Educação Básica, passamos também a ressignificar, de modo mais colaborativo, nossas ações de pesquisa/ensino/extensão na universidade, permitindo-nos repensar coletivamente acerca da prática de pesquisa educacional.

Andréia Maria Cavaminami LugleAngela Maria de Sousa Lima

Angélica Lyra de Araújo

Page 14: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas
Page 15: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 15

REFLEXÕES SOBRE A 1ª JORNADA DE ESTÁGIOS DO FOPE NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA

Eliane Cleide da Silva Czernisz1

Andreia Maria Cavaminami Lugle2

Angela Maria de Sousa Lima3

Breve contextualização

Neste texto faz-se uma análise rápida de algumas discussões que resultaram da 1ª Jornada de Estágios do Fórum Permanente dos Cursos de Licenciaturas – FOPE,4 com o tema: “Diálogos sobre o estágio na formação inicial das licenciaturas”, que ocorreu durante o ano de 2011, na Universidade Estadual de Londrina - UEL.

Logo no início do ano de 2010 foi iniciada pelo FOPE uma série de discussões envolvendo as licenciaturas. No bojo destes debates, elegeu-se uma comissão de professores para organizar as atividades relacionadas diretamente ao estágio curricular obrigatório.

Nessa comissão, que passou a se reunir periodicamente, organizou-se, em quatro etapas, o referido evento que objetivou, no decorrer do ano de 2011, discutir a relevância do estágio nas licenciaturas. Buscou-se compreender como era desenvolvido o estágio nos cursos, com que carga horária, que atividades compunham o estágio, quais as formas de supervisão e acompanhamento pelos orientadores, como eram feitas as avaliações, que resultados essa atividade proporcionava, quais campos estavam sendo utilizados para estágio, o lugar e importância dos estágios nos cursos de licenciatura.

Foram problematizados os estágios curriculares obrigatórios e as diferentes práticas de ensino realizadas no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID.

A partir da reflexão acerca dessas duas modalidades de intervenção direta nas escolas públicas da região, discutiu-se sobre as relações entre instituição e campo de estágio, sobre a documentação necessária para realizar o estágio e sobre as ações importantes para que o estágio contribuísse ainda mais para a formação dos futuros professores em cada licenciatura.

Nesse primeiro momento, foi fundamental o apoio da Pró-Reitoria de Graduação - PROGRAD que, com participação significativa, esclareceu não só os aspectos legais, que permitem a realização do estágio, mas também acerca da documentação necessária para sua efetiva realização. A comissão organizadora tinha clareza sobre o fato de que os encaminhamentos administrativos estão conectados aos pedagógicos e que o estágio necessita ser pensado como política institucional.

1 Professora do Departamento de Educação – Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina. Doutora em Educação pela Unesp/Marília. Contato: [email protected] Professora do Departamento de Educação – Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina. Doutoranda em Educação pela Unesp/Marília. Contato: [email protected] Professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. Doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP. Contato: [email protected] As análises desenvolvidas nesse texto resultam de observações realizadas pelas autoras deste texto, indicadas como Coordenadora e integrantes, respectivamente, da Comissão de Estágio pelo FOPE no ano de 2011.

Page 16: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores16

Foi possível perceber, nessa primeira jornada, que o estágio é visto como um valioso e fundamental momento do curso, onde os alunos têm a oportunidade de ter contato direto com a realidade escolar e com as exigências do fazer docente. É o período em que passa a ser percebida a responsabilidade mais substantiva pelo processo de ensino, pela aprendizagem do aluno da Educação Básica, pelo trabalho realizado nas escolas. É essa formação que nos interessa. A reflexão sobre o fazer docente, possibilitada pelo estágio, precisa ser realizada nos cursos de licenciatura, e cujas concepções orientadoras, constantes em cada projeto pedagógico, é preciso ter clareza.

O estágio na formação inicial do professor permite desvelar o sentido concreto da ação já realizada pelos profissionais formados. É nessa inter-relação que se torna possível a implementação da formação continuada de professores e demais profissionais da educação.

Desse modo, o estágio pode ser entendido numa concepção dialética, sendo a abordagem teórica e prática o núcleo articulador da formação profissional. Isso possibilita romper com a dicotomia que algumas vezes permeia os cursos, direcionando a organização dos currículos e estabelecendo que, de um lado, estejam as disciplinas teóricas e, de outro, o estágio compreendido equivocadamente por alguns como um momento apenas da prática.

Entende-se o estágio como atividade formativa essencial que possibilita mobilizar, de forma integrada, os conhecimentos adquiridos nos diferentes momentos do curso. Cabe ao docente supervisor acompanhar o aluno nesse processo, proporcionando-lhe o desenvolvimento de uma atitude investigativa e avaliativa das ações que irá desenvolver num campo específico. Cabe ao docente e à coordenação do estágio conhecer com profundidade os campos e optar por aqueles que permitam o efetivo desenvolvimento da formação.

Neste contexto, Pimenta e Lucena (2006) esclarecem:

Entendemos que o estágio se constitui como um campo de conhecimento, o que significa atribuir-lhe um estatuto epistemológico que supera sua tradicional redução à atividade prática instrumental. Enquanto campo de conhecimento, o estágio se produz na interação dos cursos de formação com o campo social no qual se desenvolvem as práticas educativas. Nesse sentido, o estágio poderá se constituir em atividade de pesquisa (PIMENTA; LUCENA, 2006, p. 6).

A análise das autoras chama a atenção para o elemento político do estágio: trata-se de reorientarmos nossa reflexão para o significado de estágio. Com esse ponto de partida, o significado de estágio deve propiciar a discussão dos aspectos, tanto pedagógicos como políticos, visto que é neste último que se encontram os aspectos formais e administrativos como: carga horária, supervisão, opção pelo campo, entre outros elementos técnicos importantes. Daqui podem-se levantar algumas perguntas: Que profissional será formado? Que ações serão desenvolvidas? De que forma o estágio pode ser organizado, considerando-se o espaço e o tempo em que será realizado? Que aspectos formais e administrativos garantirão que, de fato, será possibilitada a formação pelo estágio?

É fundamental que a universidade conceba o estágio como algo mais complexo, para além de uma ação eminentemente prática. É na universidade que são formados profissionais, cidadãos participativos e comprometidos, que irão exercer uma profissão, que irão desenvolver, com outras pessoas, ações que possibilitem o desenvolvimento e a transformação do mundo.

Page 17: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 17

A concepção de estágio requer clareza sobre a concepção de educação que orienta e norteia o curso. É no estágio que tal percepção fica mais evidente ao aluno, sendo este um momento pedagógico essencial. Como argumentaram Pimenta e Lucena;

[...] o estágio, nessa perspectiva, ao contrário do que se propugnava, não é atividade prática, mas atividade teórica, instrumentalizadora da práxis docente, entendida esta como a atividade de transformação da realidade. Nesse sentido, o estágio atividade curricular é atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade, este sim objeto da práxis. Ou seja, é no trabalho docente do contexto da sala de aula, da escola, do sistema de ensino e da sociedade que a práxis se dá (2006, p. 14).

Essas preocupações iniciais apontadas emergiram na primeira Jornada de Estágio do FOPE e foram problematizadas pelos professores do Ensino Superior e da Educação Básica que dela participaram. Entre as questões levantadas destacamos:

A preocupação com o percurso metodológico que caracteriza o estágio

As discussões realizadas pelos cursos de Ciências Sociais, Educação Física, Filosofia, Física, Letras Vernáculas, Letras Estrangeiras Modernas –Espanhol, Matemática, Letras Estrangeiras Modernas – Inglês, Ciências Biológicas, Química, Pedagogia, Geografia, Música, Artes e História apontaram questionamentos que envolvem a realização dos projetos a serem desenvolvidos na escola e que requerem tempo para estudo, reflexão e fundamentação.

Discutiram-se a elaboração de planos e diários de campo, a forma como os resultados são sistematizados, as etapas desenvolvidas, a forma de avaliação das atividades vivenciadas pelo aluno nesse período de formação e o tratamento dos vínculos com a escola. Entende-se que esse percurso resulta num conhecimento valioso: o processo do estágio. Isso nos leva a questionar: como podemos desenvolver a formação docente se não aproveitamos o espaço escolar em que as atividades pedagógicas mesclam-se aos pressupostos formativos de cada curso, possibilitando aos alunos e aos professores discutirem as mediações e contradições desse processo pedagógico, em que os conhecimentos são ressignificados e questionados em relação a uma totalidade política, econômica, social, cultural, institucional?

Esses dados precisam ser objeto de estudo pelos cursos de licenciatura, a fim de que seja melhorado o estágio nos cursos e na universidade.

A importância dos conhecimentos obtidos em cada curso

Os professores que participaram das discussões da Jornada do FOPE apresentaram, nas comunicações sobre estágio, comprometimento com o curso e com a formação, demonstrando posicionamento político, ético e profissional. Esse dado pode ser observado nos momentos de apresentação e de intervenção dos docentes que enfatizaram a vinculação das atividades desenvolvidas com o processo formativo previsto nos projetos pedagógicos específicos de cada curso.

Isso nos levou a pensar que o preparo para a docência envolve desde conhecimentos mais amplos, que são foco de disciplinas do curso e contribuem para pensar a formação, a atuação e o

Page 18: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores18

objeto de estudo de cada curso em sua totalidade, até as disciplinas que têm como especificidade preparar para a docência. De acordo com Pimenta:

O estágio como campo de conhecimento e eixo curricular central nos cursos de formação de professores possibilitam que sejam trabalhados aspectos indispensáveis á construção da identidade, dos saberes e das posturas específicas ao exercício profissional docente (PIMENTA, 2004, p. 61).

Esse conjunto é que possibilita um processo formativo, motivo pelo qual o projeto pedagógico do curso é central para desenvolver as discussões sobre o estágio. O estágio, permitindo a vivência de uma prática profissional, na qual ocorre a aprendizagem, é um momento de síntese que apenas se torna possível por ser parte de um processo formativo mais amplo que se dá no curso.

O lugar que o estágio ocupa no interior de cada curso

Das discussões realizadas também fica evidente a preocupação de alunos e professores com alguns limites presentes no estágio. Um dos limites que requer atenção é a carga horária destinada a essa atividade. O estágio é uma atividade peculiar que não se reduz a carga horária que lhe é destinada. Administrativamente refletindo, tanto nos cursos como na instituição, o estágio é desenvolvido a partir de uma carga horária que, muitas vezes, não possibilita ou, melhor, não acomoda a quantidade de tempo necessária a ser disponibilizada, considerando-se a complexidade da ação.

No estágio se desenvolve e compartilha, de forma conjunta, o tempo e espaço da instituição formativa e o tempo e espaço do seu próprio campo do estágio. Nesse entrelaçamento, muitas vezes ele não é exequível, da forma como foi pensado e planejado pelos docentes. Ocorre redução de tempo para atuação efetiva na escola, ocorre ampliação do tempo necessário para desenvolver as reflexões e as mediações teórico-práticas para o bom desempenho do estágio.

Esse fator também impacta a carga horária de que o docente dispõe para desenvolver a supervisão. É preciso um dispêndio de tempo e de energia, para acompanhar o aluno, considerando-se a especificidade de cada campo de estágio. A responsabilidade do docente supervisor aumenta, assim como se amplia o tempo que utilizará para cada supervisão. Há que ser lembrado que o docente é quem representa, no campo do estágio, a instituição formadora, e isso aumenta o peso de sua responsabilidade e o compromisso com sua ação formativa.

Outro limite presente, recorrente nos debates da Jornada, é o fato do estágio ficar organizado como atividade para o final do curso. Reiteramos que é preciso haver articulação entre os professores formadores, entre as experiências proporcionadas por cada disciplina, para que o estágio adquira sentido no projeto pedagógico de origem. Os docentes precisam conhecer o projeto pedagógico para saber os motivos que levam o estágio a se localizarem ao final do curso ou no seu decorrer. Essa é uma responsabilidade dos docentes que, durante o curso, se preocupam com a formação de professores e com o trabalho que desenvolvem para consolidar a formação.

Page 19: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 19

A necessária constituição de grupos que discutem o estágio

A Jornada de Estágios do FOPE permitiu a constituição de grupos que estudam o tema. Ressalte-se, nos momentos de discussão, a importância desse espaço para os docentes dos cursos, já que a ação do professor é uma ação que requer interação entre os pares para conferir, discutir, analisar, refletir a prática docente.

Esse estudo não pode ser feito sem que ocorra a participação dos representantes da escola, dos orientadores de campo, que contribuem para a formação dos alunos numa parceria com a instituição. O estágio se desenvolve de forma efetiva se, ao iniciá-lo, o professor tiver conversado com os responsáveis pelo campo, se tiver a participação deles na elaboração dos projetos de intervenção e com essa participação tenha clareza sobre o objetivo e sobre os motivos que o levou a escolher um campo específico como espaço formativo.

Esse processo é aqui considerado valioso e entendido como embrião da formação continuada na escola e na universidade. Entende-se ser esse um caminho que possibilita reflexões e o redimensionamento do fazer docente. Esse é um processo que pode reverter a equivocada noção do estágio entendido apenas como desenvolvimento de tarefas diversas que não correspondem à uma formação comprometida com o projeto delineado entre campo concedente e instituição formadora.

Algumas considerações

Conforme as discussões desenvolvidas na primeira Jornada do FOPE, considera-se que o estágio, como elemento do processo de formação de professores e de profissionais da educação, deve propiciar a vivência e o contato com a realidade social, bem como configurar-se como espaço para a práxis pedagógica possibilitando, de forma constante, a ação-reflexão-ação. Parte-se do entendimento de que a teoria e a prática devem ser concebidas como dimensões de um mesmo processo, sendo, portanto dimensões que se entrelaçam, perfazendo uma unidade.

A reflexão em torno do estágio deve considerá-lo como elemento formador no qual o saber e o fazer, o conhecimento e a ação, sejam considerados como aspectos de um processo contínuo e unitário da formação profissional, a qual não se esgota no curso de graduação. Dessa forma, está-se possibilitando o desenvolvimento de ações pedagógicas no curso de origem e no campo em que se realiza o estágio, ações cujo conteúdo social e político permitem conhecer, interpretar e transformar a realidade, o que requer ter o estágio como foco permanente de estudos.

Conclui-se que o estágio não é exercício profissional, também não é uma atividade prática qualquer, desvinculada de um projeto pedagógico e de um comprometimento social e político que norteie a formação em cada curso. Estágio também não é oportunidade de substituir o profissional do campo responsável, preenchendo-se indevidamente vagas de emprego existentes por desligamento de professores ou de aumento de demanda de trabalho. Estágio não pode ser entendido como forma de solucionar problemas imediatos em um campo específico, suprindo carências de mão-de-obra de contratantes. Estágio também não pode ser forma de obtenção de vantagens fiscais ou financeiras de um campo concedente.

Page 20: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores20

Estágio é uma atividade formativa essencial nas licenciaturas. Por isso deve ser constantemente fruto de reflexão. Afinal, o que é estágio? Qual sua importância no curso? Qual seu papel na universidade?

Referências

PIMENTA, Selma Garrido. LUCENA, Maria Socorro. Estágio e docência: diferentes concepções. In: Revista Poíesis. Santa Catarina: Universidade do Sul de Santa Catarina -Volume 3, Números 3 e 4, p.5-24, 2005/2006. Disponível em: www.revistas.ufg.br/index.php/poiesis/article/download/.../7012 Acesso em: 04 de fevereiro de 2013.

PIMENTA, Selma Garrido. Estágio e Docência. São Paulo: Cortez, 2004.

Page 21: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 21

DESAPEGO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ESTADO DE SER DA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

Márcia V. Malcher dos Santos1

Lucas de Toledo Martins2

“E nunca me senti tão profundo e ao mesmo tempo tão alheio de mim e tão presente no mundo”

Albert Camus

Introdução

Detachment (EUA, 2012), do diretor Tony Kayle, trata dos problemas e/ou o declínio do sistema educacional americano a partir da perspectiva de um professor substituto de inglês e literatura, Henry Barthes (Adrien Brody), durante o período de algumas semanas, tempo em que ele permanece em uma das escolas. No entanto, está na essência do filme o diálogo fundamental entre o particular/universal em diversos âmbitos, tanto que a escola em que Barthes leciona equivale a muitas outras, de modo que o filme discute a educação em um sentido geral correlacionando-a a trajetória de vida do personagem. Enfatiza o professor não apenas em sua relação com o trabalho (entendido em seu sentido estrito, profissional), mas, para além disso, conjuga o trabalho - como atividade propriamente humana - ao professor/sujeito integral: suas relações/conflitos na escola com a subjetividade que envolve a trajetória pessoal, dificuldades, perspectivas em relação à vida vivida dentro e fora da escola. Enfim, o professor em sua integralidade, das relações que envolvem todo seu ser social.

Aqui, portanto, tal como o próprio tecido da narrativa de Detachment, a intenção é perceber a integralidade de diversos fatos que contribuem para problematizar a experiência educacional contemporânea. Isso porque entendemos que as angústias vividas pelos professores na escola estão a um só tempo, relacionadas ao sujeito cindido tanto social – entre o homem e o produto do seu trabalho, com sua atividade; entre o homem com o seu ser genérico e entre o homem com o próprio homem – como subjetivamente, do homem separado de si mesmo. Pretendemos, assim, ampliar algumas das discussões trazidas pelo filme em relação à educação, considerando-a como parte da constituição do ser humano genérico, em vista de uma emancipação humana.

A indiferença e o ‘estado de ser’ da educação contemporânea

O cerne para compreendermos a cisão do sujeito, no âmbito tanto social como subjetivo, está pautado na ‘invenção’ moderna fundamental da divisão entre Estado e sociedade civil e da dependência ontológica do primeiro em relação à segunda. Pois:

1 Graduada em Comunicação Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL); mestranda em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); bolsista CAPES/REUNI. Contato: má[email protected] Graduado em Comunicação Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL); mestrando em Comunicação Visual da Universidade Estadual de Londrina (UEL); bolsista CAPES. Contato: [email protected].

Page 22: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores22

[...] Onde o Estado político alcançou o pleno desenvolvimento, o homem leva uma dupla existência – celeste e terrestre, não só no pensamento, na consciência, mas também na realidade, na vida. Vive na comunidade política, em cujo seio é considerado como ser comunitário, e na sociedade civil, onde age como simples indivíduo privado, tratando os outros homens como meios, degradando-se a si mesmo em puro meio e tornando-se joguete de poderes estranhos. [...] Precisamente aqui [na sociedade civil], onde aparece a si mesmo e aos outros como indivíduo real, surge como fenômeno ilusório. Em contrapartida, no Estado, onde é olhado como ser genérico, o homem é o membro imaginário de uma soberania imaginária, despojado da sua vida real individual, dotado de universalidade irreal (MARX, 1989, p.13).

Essa contradição entre interesse geral e interesse privado revela a dependência do Estado em relação à vida civil, onde se desenvolve plenamente a economia nacional, a propriedade privada, a concorrência, a indústria, enfim, a natureza antissocial dessa sociedade civil. E o trabalho que constitui o caráter genérico do homem, como atividade vital, vida produtiva, torna-se e se apresenta a ele como uma atividade estranhada. O que deveria ser a expressão da maneira como o homem se relaciona consigo mesmo, com o seu gênero de forma consciente e livre acaba se tornando apenas um meio de vida, necessário para a sua manutenção objetiva. Há a valorização do mundo das coisas em detrimento do mundo dos homens. Humanização do objeto e coisificação do homem. “O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral” (MARX, 2010, p.80).

Na medida em que o trabalho estranhado 1) estranha do homem a natureza, 2) [e o homem] de si mesmo, de sua própria função ativa, de sua atividade vital; ela estranha do homem o gênero [humano]. Faz-lhe da vida genérica apenas um meio da vida individual. Primeiro, estranha a vida genérica, assim como a vida individual. Segundo, faz da última em sua abstração um fim da primeira, igualmente em sua forma abstrata e estranhada (MARX, 2010, p. 84).

Henry anota em seu diário logo no início do filme: “Eu sou dinheiro. Eu mudo de mãos como uma nota de dólar que foi roubada por uma lâmpada quando um gênio apareceu e chorou bem alto, com volume, mas as lágrimas foram todas para mim. E foi aí que tudo deu errado”. Nesse trecho-síntese do autor/personagem o dinheiro é humanizado, o ser humano genérico é transmutado em valor. E o valor é aferido como mercadoria.

A abertura do filme traz diversos depoimentos de pessoas reais que contam os caminhos que os levaram se tornarem professores. Notamos a diversidade das convicções. Alguns começaram a trabalhar por acaso, outros por conveniência, outros por convicção. É então que o próprio personagem, Henry, inicia o seu depoimento (cujos trechos dialogam e são mostrados em diversos momentos da narrativa) dizendo: “a maioria dos professores aqui, em algum momento, eles acreditavam, que podiam fazer a diferença”. Aí está o ponto em comum e o tom do próprio filme. De uma perspectiva derrotista, no decorrer do enredo, percebemos que a concepção de Henry do ser professor se transforma, à medida mesmo que a sua própria vida pessoal o modifica.

Page 23: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 23

Ao mesmo tempo em que ele tem de cuidar do avô doente que está internado em um hospital, também tem de lidar com as lembranças da mãe que cometeu suicídio quando ele ainda era criança. Acaba por ajudar Erica, uma prostituta que encontra por acaso na rua e que sofreu agressão. E, além do mais, tenta ligar com o mal-estar presente nas relações que se manifestam na escola – é aí que a personagem Meredith, uma aluna que vive o preconceito e o desconforto social em casa e na escola, aparece como eixo fundamental da narrativa.

Cada uma das suas relações humanas com o mundo, ver, ouvir, cheirar, degustar, sentir, pensar, intuir, perceber, querer, ser ativo, amar, enfim todos os órgãos da sua individualidade, assim como os órgãos que são imediatamente em sua forma como órgãos comunitários, são no seu comportamento objetivo ou no seu comportamento para com o objeto a apropriação do mesmo, a apropriação da efetividade humana; seu comportamento para com o objeto é o acionamento da efetividade humana (por isso ela é precisamente tão multíplice quanto multíplices são as determinações essenciais e atividades humanas), eficiência humana e sofrimento humano, pois o sofrimento, humanamente apreendido, é uma autofruição do ser humano. (MARX, 2010, p.108).

A tradução do título do filme em português equivale a “desapego”, “indiferença”,

“desencanto”. O nome sintetiza todo um estado de ser que envolve a escola, assim como a comparação que Barthes faz (durante uma aula) da casa de Usher (de Edgar Alan Poe) à escola. A escola não é apenas um prédio físico ou um lugar, mas é e significa as relações que ali se determinam, o que ali se sente. Enfim, ali não estão apenas corredores e salas de aula, mas também a realidade social ampla. E durante todo o filme somos levados a perguntas que envolvem o estado de ser que se vive na escola e/ou na educação atual. Ali vemos que predomina a indiferença, representada por inúmeros fatores: desrespeito em sala de aula, esvaziamento das escolas por parte dos pais, professores pressionados diariamente, desinteresse dos estudantes, interesses econômico-mercadológicos em detrimento da formação humana/social/política, descaso do Estado, entre outros.

A partir do final do século XX há uma crescente profissionalização da educação e um ajuste contínuo às exigências do capital. A escola, moldada com um caráter de controle, como parte de uma verdadeira tecnologia política dos corpos3, passa a atuar a favor da globalização e do mercado, mantendo e conjugando, de inúmeras formas, o velho controle ao novo contexto. “A escola em cada momento histórico constitui uma expressão e uma resposta à sociedade na qual está inserida. Nesse sentido, ela nunca é neutra, mas sempre ideológica e politicamente comprometida” (GASPARIN, 2007, p.2). Na sociabilidade em que vivemos, cada vez mais tecnológica, mediada por imagens, em tumulto contínuo, onde parece que o tempo se acelera, não se trata meramente de ‘atualizar’ a escola, mas sim de antever uma transformação efetiva da educação (que não está presa a muros, mas é social e faz parte da constituição do ser genérico).

Ao falar sobre o sofrimento e a injustiça, Dejours (2003) afirma que, para ele nos anos 80 houve uma mudança qualitativa na sociedade, mudando as suas reações. Nota-se uma evolução das reações sociais ao sofrimento, à injustiça:

3 Ver FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Ed. Vozes, Rio de Janeiro, 1987.

Page 24: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores24

[...] Evolução que se caracterizaria pela indignação, de cólera e de mobilização coletiva para a ação em prol da solidariedade e da justiça, ao mesmo tempo em que desenvolveriam reações de reserva, de hesitação e de perplexidade, inclusive de franca indiferença, bem como de tolerância coletiva à inação e de resignação à injustiça e ao sofrimento alheio. (DEJOURS, 2003, p. 23).

Ora, em um momento de pleno vigor do capital e do caráter antissocial da vida civil, a escola mostrada em Detachment e tantas outras, demonstra o mal-estar presente no ambiente escolar e/ou social e, consequentemente, aponta para a realização crescente da tendência apontada por Dejours como ‘reações de reserva’ e de indiferença. O filme revela os sintomas desse mal-estar impresso nos professores manifestado no cotidiano escolar, sob a forma de depressão, estresse, desajuste subjetivo, desgaste físico e espiritual como reações diretas do trabalhador estranhado.

Além disso, em Detachment, nota-se que esse mal-estar é mediado em relações pautadas no conflito: tanto entre os professores, entre professores e alunos, também presente nos alunos entre si, entre os pais e a escola, bem como entre a diretora e o representante público. E o conflito está intimamente ligado às dificuldades ou desafios, sejam eles subjetivos e/ou objetivos vividos por todos, os quais são expressos de diversas maneiras: uso de medicamentos, sentimento de impotência, raiva, agressão, sofrimento, etc. A imagem do professor – frequentemente desrespeitado, a quem os estudantes ignoram - segurando as grades em uma expressão de dor é emblemática no filme: a sensação de invisibilidade está na sala de aula, está naquele momento em que ele segura as grades e está no ambiente doméstico, ao chegar em casa.

A efetivação do ser genérico: do fatalismo à transformação

A ideia de indiferença/desapego ligada à escola, também se liga de forma irremediável à personagem de Barthes. Ele é um professor substituto por opção que prefere não permanecer em uma mesma escola por muito tempo. Alguém que teve, quando criança, um vínculo cortado precoce e violentamente – com a morte da mãe - e foge da possibilidade de criar vínculos. No entanto, o encontro com Erica, a situação de morte do avô e conciliação com o passado, o encontro com Meredith e a experiência na escola, modificam-no de maneira a retirá-lo da sua ‘reação de reserva’, ainda que em plena busca por respostas.

Em uma de suas aulas, Henry pergunta o significado de algumas palavras e diz a frase: “Em todo lugar, o tempo todo assimilação”. Fala de crenças recorrentes e perversas presentes na sociedade, como os parâmetros impositivos de beleza e o machismo. Aconselha a turma a ler, cultivar sua própria criatividade, imaginação, sua própria consciência para se defender da opressão simbólica diária que trabalha “arduamente no nosso emburrecimento”. Também na relação com Erica, Barthes exerce a função de mediador, ainda que sem o quadro e o giz, mostrando a ela – na práxis, com gentileza e cuidados – uma alternativa de vida à violência das ruas.

Aqui percebemos o sentido fundamental da educação e da atividade docente integral: da efetivação do conceito e da práxis; do relacionar o que se ensina ao dia-dia dos estudantes; à percepção de que é a existência social dos homens que gera o conhecimento, ao invés do

Page 25: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 25

conhecimento se apresentar como algo alheio e puramente abstrato. “A educação como prática da liberdade, ao contrário naquela que é prática da dominação, implica na negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim também na negação do mundo como uma realidade ausente dos homens” (FREIRE, 1987, p. 40).

A amplitude e a gravidade do ser humano apartado de sua condição genérica, oprimido socialmente e subjetivamente é ressaltada no final do filme, ocasião em que Meredith planeja cuidadosamente e comete suicídio na escola, em frente a um painel artístico feito por ela. Meredith vê Henry como uma referência, alguém que a enxerga, o que parece ter sido desfeito após um constrangimento em que ele se negou a abraça-la (seguindo a conveniência do distanciamento professor/aluno presente como regra na escola). Extremamente agredida na escola e também desajustada em casa, onde o pai insiste para que ela perca peso e abandone os projetos artísticos, Meredith opta pelo suicídio. “Todos precisamos de algo para nos distrair da complexidade e da realidade. Mais ou menos como pensar de onde viemos. Ninguém quer pensar na luta que é para tornar-se alguém que fuja... Que fuja de... Do mar de medo, dor, que todos temos que fugir”, diz Barthes em outro trecho do seu depoimento.

Que tipo de sociedade é esta, em que se encontra a mais profunda solidão no seio de tantos milhões; em que se pode ser tomado por um desejo implacável de matar a si mesmo, sem que ninguém possa prevê-lo? Tal sociedade não é uma sociedade; ela é, como diz Rosseau, uma selva, habitada por feras selvagens (MARX, 2006, p. 28).

O suicídio não se relaciona unicamente a uma escolha pessoal, tampouco é decorrente de determinações exteriores ao individuo. É, de acordo com Marx (em diálogo com Peuchet), o alcance de uma renúncia a uma existência inautêntica.

Diante de uma sensação de fracasso, Henry, emocionado, diz para a câmera: “Temos a responsabilidade de guiar nossos jovens para que eles não terminem se desintegrando. Caindo no esquecimento. Tornando-se insignificante”. Acreditamos que essa fala supera uma compreensão estrita de ‘tomada de responsabilidade do professor’, ou uma conotação de cunho heroico. Ao contrário, a fala faz referência a uma responsabilidade que ultrapassa o professor, a uma responsabilidade humano-genérica do ser social. Faz-se necessário traçar o caminho da realidade social como um todo para a escola e da escola para a realidade social novamente.

Detachment é um filme que desestabiliza, estimula a reflexão. Algumas delas foram aqui traçadas nesta sucinta interpretação. No entanto, como ressalta Freire:

[...] diferentemente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. Têm a consciência de sua inconclusão. Aí se encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e na consciência que dela têm. Daí que seja a educação um que-fazer permanente. Permanente, na razão da inconclusão dos homens e do devenir da realidade (FREIRE, 1987, p. 42, grifo nosso).

Acreditamos que a maior contribuição do filme talvez seja esse fundamento da educação como um que-fazer permanente. Os problemas, dúvidas e dificuldades dos professores foram mostrados sob a formulação de perguntas. Diante das amarras da sociabilidade contemporânea,

Page 26: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores26

o filme vai progressivamente do fatalismo à vontade de transformação: “aprofundando a tomada de consciência da situação, os homens se “apropriam” dela como realidade histórica, por isto mesmo, [ela é] capaz de ser trans-formada por eles” (FREIRE, 1987, p. 43). Trata-se, sobretudo, da busca por uma emancipação humana. A busca por atar os laços à comunidade a que o ser humano está apartado, que é da própria vida, espiritual e física, da essência humana.

Referências

DEJOURS, Cristophe. A banalização da injustiça social. Rio, FGV Editora, 2003.

DETACHMENT. Estados Unidos. Direção: Tony Kaye. Roteiro: Carl Lund. 2011. Cor. 97min.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Ed. Vozes, Rio de Janeiro, 1987.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica, 4ed. Campinas: SP: Autores Associados, 2007.

MARX, Karl. A Questão Judaica. Lusosofia. Tradução de Artur Morão. 1989. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/marx_questao_judaica.pdf .Acessado em: 27 de fevereiro. 2013. ____________. Manuscritos econômico-filosóficos; tradução, apresentação e notas de Jesus Ranieri. 4 ed. São Paulo: Boitempo, 2010.

____________. Sobre o suicídio; tradução de Rubens Enderle e Francisco Fontanella. São Paulo: Boitempo, 2006.

Page 27: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 27

O SeR e FAzeR DOcente nO cOntextO DAS RepReSentAçõeS SOcIAIS

Adriana Regina de Jesus Santos1

Hélio José Luciano2

Rogério da Costa3

Daysa Darcin Alsouza4 Nayara Bruna Nicolim5

Nadine Elena da Silva6

Introdução

O presente artigo “O Ser e Fazer Docente no contexto das Representações Sociais” está vinculado ao projeto de pesquisa intitulado: “Gênero na Docência: uma representação dos discentes dos Cursos de Licenciatura da Universidade Estadual de Londrina” e tem como objetivo identificar e analisar as representações dos discentes dos Cursos de História e Letras da Universidade Estadual de Londrina (UEL) em relação à docência.

Sabendo-se que na sociedade contemporânea e globalizada dá-se mais valor a informação instantânea imposta socialmente do que a real apropriação do conhecimento, direcionando, desta maneira, um discurso hegemônico que controla conhecimentos e saberes, controlando assim o modo de se pensar e agir, e, desta forma fazendo com que muitos percam sua identidade, já que na sociedade atual a descartabilidade atinge a todos, inclusive ao professor, que é visto, muitas vezes, apenas como mais uma “força de trabalho”; indagamos o que é ser professor nesta sociedade, ou seja, até que ponto esses fatores sociais influenciam na construção da identidade pessoal e profissional do professor?

Isto posto, pretende-se, neste estudo, compreender a identidade do ser e fazer docente, já que neste contexto da sociedade contemporânea, a identidade docente vem sofrendo modificações em razão de um cenário sócio-político-econômico e tecnológico, o que faz com que seja construída pelo imaginário social uma identidade que muitas vezes não representa de

1 Graduação em Pedagogia e Especialização em Sociologia da Educação pela Universidade Estadual de Londrina, Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É professora da Universidade Estadual de Londrina. Atualmente está na Direção Geral do Colégio Aplicação - órgão Suplementar da Universidade Estadual de Londrina. Participante do Projeto de Pesquisa: Gênero na Docência: uma representação dos discentes dos Cursos de Licenciatura da Universidade Estadual de Londrina. Contato: [email protected] Graduação em Letras e Aluno do 3º ano de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina e Participante do Projeto de Pesquisa: Gênero na Docência: uma representação dos discentes dos Cursos de Licenciatura da Universidade Estadual de Londrina3 Graduação em Teologia e Ciências Sociais. Especialização em Gestão Escolar e Mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina. Professor da rede estadual do Estado do Paraná. Participante do Projeto de Pesquisa: Gênero na Docência: uma representação dos discentes dos Cursos de Licenciatura da Universidade Estadual de Londrina4 Graduação em Arte Visual e Especialização em Metodologia da Ação Docente pela Universidade Estadual de Londrina. Professora da Educação Básica. Participante do Projeto de Pesquisa: Gênero na Docência: uma representação dos discentes dos Cursos de Licenciatura da Universidade Estadual de Londrina.5 Graduação em Pedagogia. Participante do Projeto de Pesquisa: Gênero na Docência: uma representação dos discentes dos Cursos de Licenciatura da Universidade Estadual de Londrina.6 Graduação em Pedagogia. Participante do Projeto de Pesquisa: Gênero na Docência: uma representação dos discentes dos Cursos de Licenciatura da Universidade Estadual de Londrina.

Page 28: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores28

fato o conceito e contexto do ser professor, ou seja, esta identidade, no que tange ao ideário social, acaba sendo entendida no âmbito do senso comum, proporcionando, desta maneira, uma análise fragmentada da formação e do trabalho docente. Para Bauman (2005) a identidade é solta, algumas nós apropriamos e tomamos como nossa, porém outras são atribuídas e disseminadas por outras pessoas a nossa volta.

O que justifica assim este estudo, já que entendemos que precisamos ter uma reflexão crítica sobre o professor e sobre a sua profissão, repensando sua identidade pessoal e profissional e consequentemente sua ação docente.

Materiais e métodos

Em busca de algumas respostas para a nossa indagação, realizamos uma pesquisa bibliográfica sobre o tema formação docente e uma pesquisa de campo com os alunos dos 1º e 4º anos dos cursos de História e Letras da Universidade Estadual de Londrina. No que se refere a pesquisa de campo elaboramos um questionário com uma única pergunta (O que é ser professor?) para os alunos dos referidos cursos, a qual poderia ser respondida de forma escrita ou por meio de um desenho. Os sujeitos participantes da pesquisa apresentam uma faixa etária entre 17 e 52 anos, com um total de 50 alunos respondendo o questionário do curso de História e 93 alunos do curso de Letras.

Dado o questionário, faz-se saber que o nosso objetivo foi identificar e analisar a representação social dos discentes em relação ao ser e fazer docente. É necessário ressaltar que para compreendermos melhor sobre o conceito de representação social, nos fundamentamos em Jodelet. Para este autor, representações sociais são “[...] uma forma de conhecimento socialmente elaborado, com um objetivo prático e que, portanto, contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social.” (2001, p. 22). As representações sociais expressam neste sentido, a forma como o sujeito observa, compreende e explica o mundo.

Dito isso, explicitamos que a metodologia de pesquisa utilizada para analisar a fala dos alunos teve como parâmetro a Análise do Discurso. Para Orlandi (1999) a análise do discurso “[...] concebe a linguagem como mediação entre o homem e a realidade natural e social. [...] e torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive” (p.15).

Outra etapa em nosso estudo deu-se com a análise da grade curricular dos cursos de licenciatura em questão, que teve como finalidade conhecer, por meio da elaboração desses currículos, como é percebida a formação do professor na sociedade contemporânea abrangendo uma formação teórica e prática.

Resultados e Discussão

Na análise das falas dos discentes constatou-se que não houve diferença entre os cursos e os anos cursados quando estes responderam ao questionário, pois os alunos dos 1º e dos 4º anos dos cursos de História e Letras, em sua grande maioria, significaram o que é ser professor de forma parecida, remetendo o ser e fazer docente em duas categorias: precarização docente e professor vocacionado.

Page 29: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 29

No que tange a precarização do trabalho docente, os alunos apontaram as dificuldades da profissão, os “baixos salários”, “desqualificação profissional”, “violência” e “profissão de risco”, como se pode notar na seguinte fala do aluno de Letras, quando este diz que “Ser Professor é cansativo, exige paciência e tempo e é muito pouco recompensado, pouco dinheiro e muito stress” (22 anos, 4º ano de Espanhol).

Complementando esta reflexão apresentaremos abaixo as seguintes falas:

Ser professor na atual conjuntura é basicamente assim: Uma caixa de papelão grande que não tem valor, está cheia de tijolos e molhada, onde a melhor opção é deixá-la onde esta e como está, pois um dia poderá servir para alguma coisa (26 anos, 4 ano do curso de Historia, período noturno).

O professor é um dos contribuintes para o desenvolvimento da humanidade. Tem a difícil tarefa de formar cidadãos. Infelizmente, não é apoiado pelos governantes e boa parte dos alunos desrespeitam tais professores. Socialmente e politicamente falando não são vistos com tanta importância quanto deveriam. Por tais dificuldades, não tenho vontade de desenvolver a profissão, é grande a desmotivação (22 anos, 4 ano, do curso de Letras, período noturno).

Um sacerdócio, onde se ganha pouco, embora muito faça pelo futuro do país (51 anos, 1 ano do curso de Letras, período noturno).

Constatamos que ao representarem o professor remetendo à precarização, os alunos expõem que a figura docente no contexto da nossa sociedade contemporânea não tem o devido respeito social, uma vez que sofre um tipo de marginalização, levando a profissão docente a uma desqualificação e conseqüentemente a proletarização, fazendo com que o professor seja visto como um ser social sem valor. Destarte, ao relacionar o professor e sua profissão à precarização tira-se igualmente a importância do docente como formador, visto que, na precarização docente o professor exerce a sua profissão, mais ao mesmo tempo não se vê como um professor, já que perde o domínio sobre o saber e sobre o seu trabalho, pois se sente isolado e abandonado.

Nesta perspectiva, ficou a indagação do motivo dos alunos estarem matriculados em cursos que formam para ser professor, portanto, com uma grande probabilidade de assumirem a docência no futuro, representarem de forma tão negativa o docente, ligando sua figura e sua profissão à precarização.

No que que tange a segunda categoria do professor vocacionado os discentes relacionaram a figura deste profissional como “vocação”, “missão”, “herói”, “dom de deus”, “um amigo”, “ser espelho”, um ser que “leva a luz”, o “salvador da pátria”. Estas questões podem ser identificadas nas falas dos discente, quando estes apontam que:

“[...] ser professor é como uma fonte de ternura, confiança e defesa a filhos de famílias desamparadas” (28 anos, 1º ano de História).

Para ser professor é necessário dom, vontade, amor, e a sede de até mesmo tentar ser um pouco herói, pois a intenção é levar sabedoria, ensinamentos, cultura, sabendo que a Educação é uma forma de se obter uma vida melhor (24 anos, 1 ano do curso de Letras – Espanhol).

Page 30: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores30

Ser professor é ser paciente e ter o dom de se doar sem esperar nada em troca, somente a sensação gratificante de saber que seu aluno aprendeu e se tornou um cidadão mais critico e consciente. (20 anos, curso de letras, 4 ano do curso de Letras).

Ser Professor é ser portador do dom de ensinar, de ser paciente e de se contentar ou suportar os fatos e acontecimentos ruins da profissão, já que são a maioria (21 anos, 4 anos do curso de Letras, período noturno).Ser professor é ser paciente e ter o dom de se doar sem esperar nada em troca, somente a sensação gratificante de saber que seu aluno aprendeu e se tornou um cidadão mais critico e consciente (29 anos, 1 ano do Curso de Historia, período matutino).

As representações dos discentes , até o momento, podem ser relacionadas com as análises realizadas por Almeida (1998), por meio de redações, produzidas por professoras, sobre “O educador e sua missão de educar”, ou seja, nessa pesquisa, o autor constatou que a função de educar é santificada pelos professores, pois eles não exercem uma profissão, mas uma missão árdua, um sacrifício que exige resignação, um sublime ideal que exige estoicismo, um trabalho heróico, um sacerdócio. Almeida (1998) compara o ser professor com as seguintes metáforas: estrela, farol, luz, lâmpada, sol, vela, porta, caminho, artista, escultor, ator, maestro, jardineiro, médico, psicólogo, tribuno, Cristo, Jesus, missionário, espelho, herói, arauto, pai.

Sendo assim, e tendo como parâmetro o pensamento de Chodorow (1990), pode-se destacar que a imagem do ser professor e/ou professora continuam sendo consideradas como vocaçao e dom natural no que tange ao contexto do magisterio. Cristina Bruschini (1981, p. 72) contribui com a análise em relação a vocação, afirmando que:

A utilização do conceito de vocação que se associa à idéia de que as pessoas possuem dons naturais e uma predisposição para o desempenho de determinadas ocupações constitui um dos mecanismos mais eficazes para induzir a escolha da profissão do magistério. Sendo assim, os professores passam a acreditar que sua opção foi fruto de uma verdadeira vocação e não uma escolha que leva em conta as possibilidades concretas de realização profissional na carreira que vai ser seguida.

Com base nas representações dos discentes em relação aos apectos de virtude, amor, carinho, moral, civismo, mãe, mulher, maternidade, família, vocação, entre outros, pode-se pensar que tais aspectos estão imbricados na construção do imaginário social de uma sociedade, sendo manifestados através de sistemas simbólicos instituídos, como a linguagem, esquemas operativos de representações e de ações, nos quais encontra-se uma dimensão funcional, identitária, e um sentido que se prende à dimensão imaginária ou significativa, o que se observa nas místicas, nas canções e outras manifestações do movimento. “Esse sentido pode ser percebido, pensado ou imaginado, se faz presente no discurso, mas se constitui como um núcleo independente de todo discurso e de toda simbolização” (CORDOVA, 1994, p. 30).

Alguns discentes dos curso de Historia e de Letras representaram também o ser e fazer docente por meio de sentimentos relacionados aos valores moral e cívico, como pode ser visto a seguir:

Page 31: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 31

Ser professor é formar indivíduos, em sentido moral, social, político com o objetivo de serem produtivos para a sociedade (35 anos, 1 ano do curso de Letras, perido vespertino). Definir o professor é bastante complexo. Temos varias visões que podem nortear essa representação. Mas para mim para definir em poucas palavras, professor é ser exemplo em primeiro lugar. Exemplo moral e social (24 anos, 4 ano do curso de Historia, período noturno).

Tendo como parâmetro as falas acima entende-se que as representações dos alunos em relação ao ser e fazer docente estão relacionados também a valores moral e cívico, e esta, está impregnada do discurso da obediência e da santidade, misturado de maneira não muito clara ao de patriotismo. Não se questionam as noções de respeito e amor à pátria, direitos e deveres. Não se pergunta: quem os instituiu, a quem interessam, por que foram instituídos dessa forma e não de outra? O mito da igualdade civil e da cidadania atravessa os conteúdos escolares, os programas de ensino, os projetos pedagógicos, sem discutir suas raízes históricas, o contexto de poder em que foram instituídas. A aproximação entre educação, patriotismo e religião foi e continua sendo uma constante. O professor e ou professora quase sempre são vistos como alguém que tem que pautar sua vida no modelo moral e cívico proposto pela sociedade em que estão inseridos.

Assim, de acordo com essas representações, justifica-se repensar as representações do ser professor, pois no decorrer da historia da educação a imagem deste profissional é relacionada a de um justiceiro social ou de um missionario. Essas representações tornam o professor o único responsável por uma educação que transforma o homem e o mundo. Neste panorama, “[...] o professor compreende o seu trabalho como um cumprimento de dever, de caráter militante, que lhe proporciona satisfação pessoal, embora as condições de trabalho sejam inadequadas.” (SOUZA, 1993, p. 168). Neste caso, a docência deixa de ter um caráter político e pedagógico, que faz do professor um mediador do conhecimento, para assumir um caráter exclusivamente social, como se o professor e a educação dessem conta de todos os problemas da sociedade.

considerações Finais

Como considerações finais, ficou claro em nosso estudo, a necessidade de promover um amplo debate nos currículo dos cursos de História e Letras da UEL no que tange a formação docente no contexto da sociedade contemporânea, uma vez que estes cursos formam exclusivamente para a docência. Tendo como parâmetro os dados coletados foi possível constatar que os futuros professores em formação dos referidos cursos, representam o ser e fazer docente como algo vocacionado e precarizado, sem, no entanto, terem um estranhamento dessas representações.

Neste sentido, vemos com urgência um repensar da grade curricular destes cursos, já que ao representar a docência como o exposto no texto, sem uma reflexão crítica, há uma grande possibilidade desses futuros professores repetirem em suas práticas profissionais essa mesma representação que têm em suas formações, que é uma representação que já vem pronta, oriunda do senso comum, imposta pela sociedade.

Page 32: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores32

Referências

ALMEIDA, Jane Soares de. Mulher e Educação: a paixão pelo possível. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. (Prismas).

BAUMAN, Z. Identidade. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar, 2005.

BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha. Vocação ou profissão? ANDE: Revista da Associação Nacional de Educação, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 70-74, 1981.

CHODOROW, Nancy. Psicanálise da Maternidade: uma crítica a Freud a partir da mulher. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos Ltda., 1990.

CÓRDOVA, Raquel Vieira de. Ficar em terra: o processo de migração de profissionais da pesca. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)-Universidade Federal de Santa Catarina, mimeo, 1994.

JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: ______. As representações Sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2001.

ORLANDI, Eni P. Análise do Discurso. 1º ed. Campinas – SP, editora Pontes, 1999.

SOUZA, A. N. de. Sou professor, Sim Senhor! Representações, sobre o trabalho docente, tecidas na politização do espaço escolar. 1993. 287f. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1993.

Page 33: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 33

SABER E EDUCAÇÃO: A TRANSMISSÃO DO CONHECIMENTO COMO UM MEIO PARA FORMAR UMA CONSCIÊNCIA MAIS

CRÍTICA SOBRE A REALIDADE SOCIAL

Adriana Cristina Borges1

Introdução

Este artigo tem como finalidade a pretensão de construir um resumido raciocínio sobre o processo de transmissão do conhecimento no ambiente escolar. Para isso, será feito um breve ensaio relatando as teorias de C. Wright Mills (1982), Becker (2001) e Jean-Claude Passeron (1995), que dedicam seus estudos a análise da temática em questão. Pretende-se desta forma, fazer uma introdução aos estudos e pesquisas sobre o saber e educação, a fim de futuramente e em outras ocasiões apresentar um trabalho mais extenso com um tempo maior dedicado à pesquisa, tanto a bibliográfica como a de campo.

Em relação à abordagem da temática saber e educação, o objetivo é apresentar o conhecimento como meio de se desenvolver uma consciência mais questionadora. Neste processo, a educação, a didática utilizada e as ciências sociais podem ser ferramentas que se bem utilizadas podem propiciar uma construção do conhecimento que vá para além dos meios tradicionais de transmissão do saber. Desta forma, o indivíduo pode se emancipar e consequentemente ter uma maior liberdade de escolhas e de consciência acerca de sua realidade social, ou seja, um olhar que vá para além das aparências, alcançando a essência dos fatos.

A Imaginação Sociológica

Dentre diversos pensadores que dedicaram seus estudos a análise do conhecimento, pode-se citar o exemplo de C. Wright Mills (1982), que diz que os homens comuns não tem consciência de que suas vidas estão ligadas ao curso da história mundial, e que em decorrência disso, não tem noção de como ocorre o desenvolvimento e transformação do seu ser, e tão pouco de que podem participar da evolução histórica. Neste processo de evolução histórica, os indivíduos acabam por perceber que as formas de pensar e sentir tradicionais entraram em colapso.

As informações de que tem acesso, acabam por dominar estes indivíduos, de tal forma que a capacidade de assimilá-la é destruída. Estes indivíduos precisam saber usar a informação, e com isso desenvolver a razão. Desta forma, terão uma qualidade de espírito que os levarão a ter acesso ao que está ocorrendo do mundo. Esta qualidade de espírito é o que se denomina hoje pelos cientistas de imaginação sociológica (MILLS, 1982).

Este conceito de imaginação sociológica também pode ser denominado como algo que irá capacitar os indivíduos à compreensão do cenário histórico mais amplo e complexo, 1 Graduada de Ciências Sociais, Especialista em Ensino de Sociologia pela UEL, atualmente cursando o mestrado em Ciências Sociais, na linha “Ensino de Sociologia”, pela Universidade Estadual de Londrina, sob orientação da Profª Dra. Angela Maria de Sousa Lima. Foi professora Universitária das disciplinas de Sociologia e Filosofia aplicada aos cursos de Direito e Administração da rede particular de ensino, em Cornélio Procópio. Contato: [email protected]

Page 34: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores34

e a entender como no seu cotidiano vão adquirindo uma consciência falsa de suas verdadeiras posições na sociedade (MILLS, 1982).

Para que o indivíduo consiga entender como de fato é constituída a sociedade, um recorte tem que ser feito para o período em que ele está vivendo. Assim, será possível conhecer o sentido social e histórico do indivíduo, percebendo o que está acontecendo no mundo. Usando o próprio exemplo de Mills, é como se os indivíduos “acordassem em uma casa que apenas aparentemente conheciam” (1982, p. 14).

Neste processo os indivíduos entram em contato com questões que irão trazer a tona contradições ou antagonismos na forma de assunto público, ou seja, irão se caracterizar na forma de instituições de uma sociedade histórica. Possuindo a imaginação sociológica, o indivíduo será capaz de ter consciência das verdadeiras características da estrutura social, e de como as grandes variedades de ambientes de pequena escala estão ligados entre si (MILLS, 1982).

Ainda, a imaginação sociológica:

É uma qualidade que parece prometer mais dramaticamente um entendimento das realidades íntimas de nós mesmos, em ligação com realidades sociais mais amplas. Não é apenas uma qualidade de espírito entre a variedade contemporânea de sensibilidades culturais – é a qualidade, cujo uso mais amplo e mais desembaraçado nos proporciona a perspectiva de que todas essas sensibilidades – e na verdade, a própria razão humana – virão a desempenhar um papel maior nas questões humanas (MILLS, 1982, p. 22).

A educação universal, bem como a distribuição de massa da cultura leva a sua banalização. Ou seja, um alto nível de racionalidade burocrática não leva a um alto nível de inteligência e raciocínio individual. Pelo contrário, estes são meios de manipulação e expropriação da razão, bem como da capacidade do indivíduo de ser um homem livre. Sendo assim, o indivíduo está cada vez mais dotado de racionalidade, porém sem possuir a razão. Neste processo, até o tempo livre do trabalhador permeia a esfera do consumo e é racionalizada. O indivíduo perde sua vontade de raciocinar e sua capacidade de agir como homem livre (MILLS, 1982).

Segundo Mills (1982) as correntes de pensamento liberalismo e socialismo surgiram com o Iluminismo, buscando o progresso da razão. Na atualidade estas duas correntes já não podem mais ser utilizadas para analisar a sociedades, pois elas não existem mais. Não se pode ter como pressuposto que a maior racionalidade gera uma maior liberdade. Presos ao seu cotidiano, entre as esferas de vida, trabalho e ócio, a racionalidade não é possível, e estes indivíduos comuns acabam por não ter consciência das grandes estruturas.

Mills coloca uma questão:

Sabemos, decerto, que o homem pode ser transformado num robô, por meios químicos e psiquiátricos, pela coação permanente e pelo controle do ambiente. Mas também pelas pressões ocasionais e pelas seqüências de circunstâncias não-planificadas. Mas poderá ser levado a querer transformar-se num robô alegre e voluntário? (MILLS, 1982, p. 185).

De todo modo, este robô alegre é a antítese do homem livre. A liberdade só pode existir pelo papel da razão humana de formular escolhas e ampliar o alcance das decisões humanas no processo histórico. Se os indivíduos não fazem sua história, se tornam instrumento e objeto nas mãos dos que a fazem (MILLS, 1982).

Page 35: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 35

Este processo de constituição deste homem livre e consciente da essência da estrutura social pode ser realizado por meio da educação. Porém, para que isso seja possível, é preciso que várias problemáticas relacionadas à estrutura e a forma tradicional de transmissão do conhecimento seja superada. São estas questões que o próximo subitem irá retratar.

A Relação entre Saber e educação: processo de transmissão e construção do conhecimento

Segundo Becker (2001), o acesso à educação e concomitantemente ao pensamento científico, está democratizado na atualidade. Porém, as pessoas não conseguem se valer do conhecimento científico para romper com o senso comum, e interpretar a sociedade em que estão inseridos. Esta problemática também está relacionada com a finalidade das disciplinas escolares:

Toda disciplina escolar tem como propósito máximo: a) proibir que a ação se dê, e b) inviabilizar, pela imposição de mecanismos comportamentais, a apropriação dos mecanismos dessa ação. Toda disciplina escolar, em nome das mais variadas didáticas, tem um ponto em comum: elas proíbem que isso aconteça; por isso, é que se pode falar em produção da ignorância em vez de produção do saber (BECKER, 2001, p. 32).

Uma das explicações pode estar relacionada à finalidade que as elites que governam o Brasil direcionam a educação. Ou seja, a reprodução de modos de existência com o propósito de inserção no modo de produção capitalista. O resultado deste processo é a produção de ignorância dentro das salas de aula, e não do conhecimento (BECKER, 2001).

Adensando a problematização no campo das ciências sociais, podemos destacar os estudos de Jean-Claude Passeron (1995), na sociologia da educação, e na sociologia do conhecimento. Em seu livro “O raciocínio Sociológico”, ele dedica um pequeno capítulo para a análise do saber e a da educação. Para esse autor a pesquisa sociológica demonstrou que existem vários estudos e teorias sobre a transmissão do saber, alguns estudiosos, como os docentes de universidades, chegam a se colocar pessimistas em relação à importância de uma pedagogia científica do ensino das ciências. No que diz respeito à metodologia, ou tipo de pedagogia utilizada, Passeron (1995) cita um texto de Péguy, que ilustra a figura do professor autoritário, símbolo do poder, que mede o valor do ensino da ciência pelo seu poder de imposição do conteúdo.

Existem dois ensinos e apenas dois ensinos. Se conservamos as denominações usuais, apenas o ensino superior e o ensino primário são fundamentados na razão. O ensino secundário, socialmente considerável, só existe por ser a preparação para o ensino superior e continuação ou complemento do ensino primário [...] o professor na École das Hautes Études ou no Collège de France [...] ele não corre atrás de seus alunos, que vêm até ele como ao deus de Aristóteles, acompanham seu curso, ouvem-no o melhor que podem, trabalham e, por necessidade, se preparam para escutá-lo (PÉGUY apud PASSERON, 1995, p. 388).

Nas considerações de Passeron (1995) este texto exprimi a figura do professor cultuado como o deus de Aristóteles, situação presente até a atualidade na realidade das prática pedagógicas, como também uma resistência aos cursos de formação continuada.

Page 36: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores36

Já em relação às formas de transmissão do conhecimento científico, Passeron (1995) cita que existem três tipos de saberes. Estes saberes estão ligados às variações de estado em que A e B podem assumir, em que A é a situação real junto ao sujeito, e B é a situação virtual de um estado (corpus) de uma ciência.

Na primeira forma de transmissão de conhecimento, o saber (B) é capaz de se irradiar sozinho para o sujeito (A), sem que este se preocupe com o processo de transmissão, tão pouco é dado à devida importância a sua aptidão em receber o conhecimento que está sendo irradiado (PASSERON, 1995).

Já no segundo caso, é dada uma extrema importância ao trajeto pedagógico como um processo de valor ético (B), isto é, em seu caráter ascendente, por meio da dimensão do valor moral, social ou cultural que o sujeito (A) pode receber no projeto de aprendizagem. Educar neste caso é levar a uma melhora no quesito civilização e humanização por parte do sujeito (PASSERON, 1995).

O projeto de transmissão de conhecimento mais considerável para Passeron (1995) é aquele que se fundamenta em três tipos de saberes. O A1, caracterizado como estado de um sujeito (A) - como homo sapiens - que ainda não sabe, porém possui competência virtual, ou seja, as operações cognitivas. Já o tipo de saber A2 diz respeito ao estado do sujeito (A) - como homo sociologicus - que se encontra frente ao conhecimento científico, diante de uma variedade histórica, social e cultural, porém que ainda não está aculturado deste conhecimento. Ou seja, A2 seria as ciências sociais que fazem o papel de mediador entre o sujeito que ainda não está aculturado e o conhecimento científico.

No caso do terceiro saber, o B1, nas palavras de Passeron (1995) “diz respeito ao estado do saber (B) na disciplina cujo domínio desejamos transmitir com maior eficácia e da maneira mais completa possível” (p. 391). Neste sentido, chama-se de didática a tentativa de encontrar um ensino mais adequado e eficaz, que permita produzir em A (sujeito) aquilo que até então estava presente somente em B (saber). É uma pesquisa que submete um dado saber a sua transmissão em condições históricas, sociais e psicológicas. Sendo assim, para que este processo se dê da forma mais completa possível, a didática deve considerar tanto os saber (B), como os conhecimentos de tipo A1 e A2. Ou seja, a mesma didática nunca será valida para todos os públicos. Os atos e os programas pedagógicos do ensino científico possuem três papéis:

a) transmitir os conhecimentos, ou uma parte dos conhecimentos cuja soma constitui, num momento histórico, a ciência fundamental e aplicada do período; b)transmitir a postura mental que permite a transposição das competências científicas especializadas, sem o que, mesmo transmitindo conhecimentos, faz-se um ensino ‘tradicional’, ensino paradoxal, já que então associa a inculcação de hábitos mentais que concorrem com os que fazem o espírito científico à transmissão de informações e maneiras de fazer científicas; c) transmitir a todos os que podem e pedem ao mesmo tempo a) e b) sob uma forma que lhes permitirá por sua vez serem pesquisadores (PASSERON, 1995, p. 393).

Passeron (1995) comenta que todo este processo citado é presente na atualidade tanto na França, como no mundo inteiro. Outra problemática também se faz em relação à não valorização das Ciências sociais na reflexão da prática pedagógica, situação que foi construída deste o século XVIII, quando o pedagogo começou utilizar as reflexões psicológicas.

Page 37: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 37

considerações Finais

Para Mills (1982) o indivíduo comum não tem consciência da verdade essência da sua participação no curso da história. Para que esta realidade mude, é preciso que o indivíduo desenvolva a razão por meio de uma qualidade de espírito que o leve para além das aparências dos fatos sociais, isto é o que o autor chama de imaginação sociológica. Por meio desta imaginação sociológica é possível ter acesso a verdadeira característica da estrutura social, e a educação pode ser um instrumento de vital importância neste processo. Porém, é preciso que os educadores tenham uma postura em que seja ultrapassada a forma tradicional de transmissão do conhecimento.

De acordo com Becker (2001) houve uma democratização da educação na atualidade, todavia, os indivíduos não são capazes de usar o conhecimento científico para interpretar a realidade social. Uma das causas deste fracasso pode estar relacionada às disciplinas escolares e a finalidade da educação, que está voltada para a inserção no modo de produção capitalista.

Passeron (1995) também cita outra problemática que deve ser superada no que diz respeito ao saber e educação. Sua preocupação se faz em relação ao tipo de pedagogia utilizada pelos professores em sala de aula. Neste sentido, a figura do professor autoritário deve ser ultrapassada, bem como o processo de transmissão do conhecimento deve ocorrer pautado em três tipos de saberes, ou seja, deve-se partir do pressuposto de que um dado sujeito pode se encontrar em uma situação em que ainda não sabe, porém possui as operações cognitivas para mudar este estado. Neste cenário o indivíduo se encontra diante de uma variedade de conhecimentos científicos, mas ainda não está aculturado destes. É assim que entra em questão a figura do professor que irá fazer uso de determinadas didáticas utilizando como instrumento mediador às ciências sociais. O tipo de didática utilizada deve considerar tanto o saber quanto o sujeito, sendo assim, a didática nunca poderá ser a mesma, e sim ser alterada de acordo com o público em questão.

Referências

BECKER, Fernando. Educação e Construção do Conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2001.

MILLS, C. Wright. A Imaginação Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

PASSERON, Jean-claude. O Raciocínio Sociológico: o espaço não-popperiano do raciocínio natural. Petrópolis: Vozes, 1995.

Page 38: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores38

DeSAFIOS DO pROFeSSOR peSQUISADOR: QUAL O pApeL DO “OLHAR” AntROpOLÓGIcO e DO LIVRO DIDÁtIcO pÚBLIcO nA

pRÁtIcA De tRABALHO DOcente?

Samira do Prado Silva1 Thayza de Oliveira2

Introdução

O presente artigo visa discutir a relação entre a Antropologia e a Educação. Dentro destes amplos temas, iremos manter o foco nos desafios da formação do/a professor/a enquanto pesquisador/a, buscando compreender qual o contexto em que ele/a está inserido, as dificuldades que contém a sua prática docente, a relação entre educador/a e educando/a e, por fim, veremos em que medida o livro didático público pode contribuir para o ensino em sala de aula.

Desse modo, para o presente estudo nortearemos algumas perguntas, sendo elas: Quais materiais didáticos o/a professor/a consegue manejar em suas aulas? O livro didático público está inserido de que forma no ensino em sala de aula? É um apoio, um ponto de partida ou uma forma de aula pronta e acabada, para o professor reproduzir tais conteúdos? Entendemos que o universo da Escola, bem como o da sala de aula é repleto de diversidade cultural, composta por questões de gênero, classe, tradição, etnia, religiosidade, dentre tantas outras questões que devem ser lavadas em consideração, pois formam as identidades de cada aluno/a.

Por outro lado, compreendemos que o livro didático materializa o currículo dirigido aos/as alunos/as e estes materiais são marcados por uma universalidade, porém, destinado a um público diverso. Assim, buscaremos a partir dessa reflexão, entender como o educador/a se situa neste contexto e como o diálogo com a Antropologia faz-se pertinente nesse debate e discussão ora proposto.

Conforme exposto brevemente, para pensarmos nessas questões iremos juntar contribuições/reflexões de dois campos do saber, que a nosso ver, se complementam. A Antropologia busca entender as relações sociais e as significações que o outro/a estabelece em sociedade, e a Educação abarca um sujeito, em especial, dentro do espaço escolar, além de docentes, funcionários/as e pedagogos/as e toda a estrutura institucional que dirige este espaço.

O sujeito e alvo do conhecimento é o/a aluno/a. Compreender o outro/a, no caso específico desta análise, o/a aluno/a, é entender como se processa o conhecimento até “chegar” no o/a estudante em sala de aula. Pensamos que, certamente, o educando/a que está na Escola hoje, não é mais o mesmo que adentrou esse espaço no advento da era Moderna. O espaço escolar tinha por objetivo normatizar o sujeito que vivenciava o seu espaço, e fazer com que a sua identidade tivesse um caráter homogêneo (AMARAL & CAPELO, 2013).

1 Mestranda em Ciências Sociais. Estudante da Especialização em “Ensino de Sociologia” da UEL. Graduada em Ciências Sociais pela UEL. Contato: [email protected] Estudante da Especialização em “Ensino de Sociologia” da UEL. Graduada em Ciências Sociais pela UEL. Contato: [email protected]

Page 39: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 39

Outro autor que discute essa temática é Dayrell (2007), que nos mostra, que neste período, a Escola desejava um aluno/a modelo, que fosse disciplinado, obediente e todos/as alunos/as deveriam agir desta forma e com estas disposições.

O que vemos hoje no interior da Escola é um aluno/a que carrega para dentro de seu espaço a sua juventude, que não é una, mas plural, constituída por uma identidade multicultural. Os/as alunos/as “reias” – ou seja, os/as educandos/as atuais, aqueles/as que vivem entre o mundo real e o virtual – (AMARAL & CAPELO, 2013), ou o/a aluno/a “jovem” (DAYRELL, 2007), diz respeito aos sujeitos que vão à Escola com seus objetivos, planos, identidades, formas de pensar a sua prática, que são distintas de outras épocas.

Estes/as autores/a que acabamos de citar, consideram que houve uma mudança na socialização destes/as jovens, que agora carregam suas várias identidades para dentro do espaço escolar, socialização esta que se complexificou com os avanços tecnológicos. Com isso, os/as alunos/as constroem suas vivencias por meio de mundos reais e virtuais, dizem Amaral e Capelo (2013), e precisamos discutir como é que a Escola e seus profissionais se situam neste contexto. As disposições e características obediência como sinônimo de reflexão, concentração, disciplina, comportamento “X” de “aluno” enquanto categoria homogênea e pertencente à outra época social, não mais corresponde com a realidade dos/as alunos/as brasileiros/as.

Dessa maneira, acreditamos que a articulação entre Antropologia, livro didático público e a questão do/a professor/a oferece grande potencial para serem analisados em uma investigação antropológica/sociológica, como é o caso desta pesquisa que nos propusemos a realizar, visto que essa discussão mostra-se de suma importância para que esses conhecimentos sejam debatidos na academia, em sala de aula e ajudem a estimular e a propor novas práticas educativas capazes de acompanhar as transformações sociais.

educação e Antropologia

Tânia Dauster (1989) nos ajuda a refletir de que maneira a Antropologia pode contribuir no campo da Educação, sobretudo, no modo como o/a profissional do ensino pode atuar em sua prática. A Antropologia daria, então, um suporte relativizador ao educador/a, que por meio de um “olhar” embasado em pressupostos teóricos e metodológicos dessa área do saber, seria capaz de compreender certas situações sociais como derivadas de especificidades culturais que cada aluno/a carrega consigo.

Desconstruir e desnaturalizar ideias preconcebidas, bem como noções etnocêntricas em torno dos/as educandos/as seria a forma do/a educador/a atuar com os mecanismos que a Antropologia oferece em sua prática de trabalho. Em outras palavras, a Antropologia daria suportes aos professores/as para compreenderem tanto o universal – a unidade de espécie humana – quanto o particular em sala de aula – os seus/as alunos/as que abarcam culturas particulares (DAUSTER, 1989; 2007). Ou seja,

[...] os conhecimentos antropológicos permitiriam que o professor desenvolvesse uma visão crítica face às suas possíveis posturas etnocêntricas que, por vezes, o levariam a considerar as diferenças de estilos e de histórias de vida dos estudantes como uma manifestação de circunstâncias de inferioridade, incapacidade ou “privação cultural (DAUSTER, 2007, p.14).

Page 40: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores40

Entender o significado das relações sociais, as práticas “nativas” como dotadas de sentido, bem como suas categorias, são de grande relevância para a Antropologia, uma vez que essa foi/é a preocupação que norteou essa área do conhecimento desde seu início (DAUSTER, 1989; 2007). Dessa forma, a autora em análise contribui para que o/a educador/a possa gerir “olhares” mais relativizadores frente as particularidades culturais de seus/ educandos/as, estabelecendo com eles/as relações horizontais.

Como dissemos, o cotidiano do trabalho docente, cujo alvo do ensino é o/a aluno/a, está repleto de diversidade cultural. Ao mesmo tempo em que os jovens que estão dentro da Escola são múltiplos, os mesmos atribuem sentidos diversos a essa instituição. Como diz Dayrell (1996), a Escola é polissêmica, na medida em que consiste em vários sentidos, relacionados com o momento histórico-social e com diferentes atores. Ou seja, podemos ver que existe uma via de mão dupla no processo de atribuição de sentidos e significados entre a Escola e sua estrutura social e os/as educandos/as. Todos/as são sujeitos neste processo.

Ao pensarmos no trabalho do/a docente, como é que esses/as profissionais da Educação exercem seu ofício na realidade? A Escola abarca sujeitos múltiplos que atribuem a este espaço diversas opiniões de acordo com suas ideias, projetos, classe social e histórias de vida. Diante disso, o/a professor/a Escola consegue realizar uma aprendizagem significativa nos/as alunos/as? Uma das questões que a presente análise se propôs a estudar perpassa o papel do livro didático público na realidade escolar. Antes de adentrarmos este assunto, consideramos que Amaral e Capelo (2013, p. 6) contribuem para a temática do ensino-aprendizagem da seguinte forma:

construir a identidade de aluno não significa da parte do aluno submeter-se a moldes previamente definidos, implica atribuir sentido à atividade escolar e, por parte dos docentes, estabelecer relações mais horizontais para que as práticas pedagógicas possam ser mais dialógicas e interculturalizadas (AMARAL & CAPELO, 2013, p. 6).

Uma ponte entre o que a pesquisadora Tânia Dauster (1989; 2007) considera sobre o papel da Antropologia no campo da Educação, pode ser relacionado com a citação à cima referida. Ao dizerem em “estabelecer relações mais horizontais” (AMARAL & CAPELO, 2013, p. 6), os autores estão analisando a questão ensino-aprendizagem, professor-aluno, educando-educador. Em outras palavras, por meio de uma relação não hierárquica, ou seja, horizontal, dialogada, interculturalizada é que consideramos primordiais para que o/a aluno/a confira sentido a Escola e seus conteúdos, relacionando com a sua história ou realidade social, apreendendo-os de forma significativa.

Pensamos que a aprendizagem tem mais chances de ocorrer se o/a professor/a considerar seus/as estudantes como sujeitos sociais, singulares e múltiplos, praticando um olhar relativizador da realidade escolar. Neste sentido acreditamos que é necessária uma ponte entre os campos da Educação e da Antropologia para compreendermos a dinâmica escolar e a formação do/a professor/a enquanto pesquisador/a.

Situação do professor - pesquisador e sua prática de trabalho

Dando continuidade a nossa reflexão, anteriormente, nos indagamos sobre a forma – metodologia – que o/a professor/a consegue utilizar com os seus alunos para passar o conteúdo

Page 41: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 41

sistematizado dos currículos escolares. Pressupomos que para ocorrer um ensino e uma aprendizagem significativa no interior da Escola, a relação professor/a – aluno/a necessita de uma horizontalidade baseada, sobretudo, em uma relativização docente acerca da diversidade cultural e múltiplas identidades dos/as discentes.

Desta forma, entramos em uma questão chave que permeia a realidade e as condições de trabalho do/a educador/a na sociedade brasileira: os desafios do/a professor/a enquanto pesquisador. Alguns destes desafios são os baixos salários que demandam altas jornadas de trabalho, pouca hora-atividade, estrutura escolar precária das escolas públicas, bem como falta de recursos e materiais. Ou seja, isso implica em dificuldades do/a professor/ ser um pesquisador ativo na realidade brasileira. Além disso, existem outros fatores que influenciam a prática docente para Henry Giroux (1997).

Giroux (1997) parte da ideia de duas importantes questões, que ao ser ver, precisam ser criticamente analisadas, vejamos:

É imperativo examinar as forças ideológicas e materiais que têm contribuído para o que desejo chamar de proletarização do trabalho docente, isto é, a tendência de reduzir os professores ao status de técnicos especializados dentro da burocracia escolar, cuja função, então, torna-se administrar e implementar programas curriculares, mais do que desenvolver ou apropriar-se criticamente de currículos que satisfaçam objetivos pedagógicos específicos (GIROUX,1997, p.158).

Além disso, o autor deseja entender porque existe:

[...] uma necessidade de defender as escolas como instituições essenciais para a manutenção e desenvolvimento de uma democracia crítica, e também para a defesa de professores como intelectuais transformadores que combinam a reflexão e prática acadêmica a serviço da educação dos estudantes para que sejam cidadãos reflexivos e ativos (GIROUX, 1997, p.158).

Este autor nos passa duas ideias importantes para pensarmos a condição do/a professor/a na atualidade. Qual é o papel do/a docente na formação dos sujeitos sociais, no caso, o/a aluno/a? Eles/elas conseguem formar sujeitos críticos, dentro da burocracia escolar de passar os conteúdos curriculares ao mesmo tempo em que tem de considerar o contexto dos seus alunos/as que são diferentes entre si?

Uma mesa redonda composta de cinco professores de Sociologia do Ensino Médio, intitulada “Desafios da relação pesquisa/ensino no contexto atual das escolas de Ensino Médio da rede estadual pública” realizada na Universidade Estadual de Londrina/UEL, pode contribuir nessa temática. Os/as docentes assinalaram que há uma grande dificuldade na prática de trabalho, como disse uma professora “em dar aula em uma sala de 45 alunos, trabalhar com as especificidades de cada um”3, ou seja, salas que contém muitos alunos/as, levando em conta as aulas que são curtas é difícil contemplar as particularidades culturais de cada sujeito. Mas por outro lado, os/as professores/as tentam inovar e trazer elementos que possam ser capazes de construir uma aula significativa para os/as alunos/as.

3 As falas dos/as professores/as que participaram da Mesa Redonda estão em “itálico”. E suas identidades serão mantidas.

Page 42: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores42

Como forma de passar os conteúdos curriculares aos alunos/as, os/as professores/as trazem a tona materiais como filmes e músicas, que em suas opiniões produzem efeitos positivos no ensino de Sociologia. Outra forma de dar aula de Sociologia que vem surtindo positividade foi dito por uma educadora que trabalha com oficinas, de variados temas, que são organizadas por meio interdisciplinar. Ela disse que “entra na sala de aula com professores de física, geografia, matemática e isso vem mostrando resultados positivos. É mais trabalhoso, mas está dando certo. Por exemplo, dei uma aula de reforma agrária com professor de matemática, eu mostrando a parte histórica e ele calculado a área dos terrenos, e etc.”. Ou seja, cada um, dentro de suas limitações e dificuldades, como falta de tempo e grande número de alunos, mostrando a possibilidade de ser um/uma professor/a pesquisador/a.

Em um dos escritos de Kenneth M. Zeichner (1998), o autor comenta sobre a necessidade de eliminar essa separação entre professores/as pesquisadores/as e professsores/as acadêmicos. Existe em grande parte das vezes, uma postura negativa dos acadêmicos frente ao professor/a de sala de aula, pois quando esse/a produz algum trabalho/artigo é visto como irrelevante, como desenvolvimento profissional, não como uma produção do conhecimento (ZEICHNER, 1998).

O autor acredita que existe pouca contribuição dos trabalhos acadêmicos para reformar o ensino, a Escola. Para Zeichner (1998) existe uma falta de entusiasmo pelos trabalhos acadêmicos, pois muitas vezes coloca-se o/a professor/a e a escola de maneira negativa. Desse modo, uma pesquisa que envolvesse também a escuta/fala de quem escuta, ou seja, convidassem os/as professores/as para participar do processo do conhecimento, é fundamental.

Além disso, concordamos com o autor quando o mesmo afirma que é necessário haver uma maior colaboração/auxílio financeiro para os/as professores/as pesquisadores/as e acadêmicos de forma igualitária, pois isso aumentaria o nível da democracia na pesquisa, tanto na pesquisa produzida na academia, quanto na produzida por professores/as fora da universidade. Assim, Zeichner comenta que a universidade acaba por excluir e fomentar essa divisão entre escola – professor/a e universidade – pesquisador/a (ZEICHNER, 1998).

Um exemplo prático que tivemos na Mesa Redonda já referida, é que os/as professores/as que estavam expondo as questões sobre o ensino de Sociologia, tem um conhecimento sem igual sobre a realidade escolar e suas dificuldades, o que consideramos imprescindível para a análise de qualquer pesquisa acadêmica sobre educação. Ou seja, é importante o vínculo academia e professores da rede pública ou particular, uma vez que eles/elas tem a experiência diária dos problemas e desafios desenvolvidos dentro da Universidade.

Pensando ainda no “ser” professor/a, outro autor relevante é Carlos Skliar que reflete em seu texto “o que pode significar educar em meio a uma espacialidade do outro que se desvia e que se desloca incessantemente até afastar-se com seu mistério, até tornar-se irredutível?”. (SKLIAR, 2005, p.208). Ainda para Skliar (2005, p. 210), é na escola surgida na “modernidade” que irá se transformar a tarefa de educar, pois, a partir desse período “[...] a tarefa de educar transformou-se em um ato de fabricar mesmidades e ali se manteve, satisfeita de si mesma”. Desse modo, para o autor “o ato de educar tomou outro rumo [...] a educação como um ato que nunca termina e que nunca se ordena”. (SKLIAR, 2005, p. 211).

Ainda nessa discussão, outra contribuição vem de Juarez Dayrell (2001) que escreve que é preciso que os/as professores e a comunidade escolar como um todo enxergue os/as alunos/as “como sujeitos socio-culturais” levando em conta as experiências vividas. Segundo o autor “são essas

Page 43: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 43

experiências, entre outras, que constituem os alunos como indivíduos concretos, expressões de um gênero, raça, lugar e papéis sociais de escalas de valores, de padrões de normalidade” (DAYRELL, 2001, p. 142). Nesse sentido, há para Dayrell (2001) “um processo dinâmico, criativo, ininterrupto, em que os indivíduos vão lançando mão de um conjunto de símbolos, relaborando-os a partir das suas interações e opções cotidianas. (DAYRELL, 2001, p. 142).

Tudo isso implica em desafios, necessitando que os/as educadores/as desenvolvam “posturas e instrumentos metodológicos que possibilitam o aprimoramento do seu olhar sobre o aluno” para que o/a mesmo/a – professor/a, possa reconhecer as dimensões culturais existentes e “resgatar a diferença como tal e não como deficiência”. (DAYRELL, 2001, p. 145). Dentro dessa questão, uma fala de uma professora da Mesa Redonda, mostra a sua indignação com a atitude escolar segregacionista dos chamados alunos-problema.

Essa professora diz que “a maior violência que uma escola pode fazer com seus próprios alunos é colocar todos considerados alunos-problema na mesma sala, juntando 45 alunos, uns com necessidades educacionais especiais, por exemplo, a dislexia, outros com “problemas de comportamentos”, repetentes e os considerados normais”. Esse relato espelha a escola praticando a diferença de cada aluno/a como deficiência, com práticas etnocêntricas que se pauta em um padrão de aluno/a ideal em contraposição com alunos/as “desviantes” da norma.

Desse modo, entendemos que é necessário que o/a professor/a e também a instituição escolar tenha um olhar relativizador perante o/a aluno/a, ou seja, um olhar que permitirá ao professor/a e a Escola “perceber o aluno não mais pela ótica da privação cultural. Trazendo outro valor para o enfoque da diferença” (DAUSTER, 1989, p. 10). Assim, acreditamos que esse olhar e essa postura por parte dos/as educadores/as se estenda em todo o cotidiano escolar, incluindo a escolha e utilização dos materiais didáticos, em especial o livro didático, um dos principais interesses de nosso trabalho.

No presente estudo, escolhemos o livro didático público como análise e reflexão do seu papel na prática do/a educador/a. Consideramos o livro didático público um apoio ou um ponto de partida para o trabalho do/a professor/a, já que o mesmo é resultado do currículo/matrizes curriculares, conteúdos universalmente destinados a um público extremamente múltiplo, o/a aluno/a.

Livro Didático

Comentamos brevemente sobre o/a professor/a pesquisador/a e acadêmico e também sobre a Antropologia e a Educação. Nessa perspectiva, falaremos sobre o livro didático, pensando nele como uma importante “contribuição no campo da construção do conhecimento” e, ao mesmo tempo, pretendemos “mostrar como muitas vezes esses materiais trazem consigo certa dose de preconceitos, anacronismos e outras mazelas” que devemos sempre estar atentos/as (COAN, 2006, p. 102). Além disso, o Plano Nacional para o Livro Didático – PNLD – do Brasil “constitui-se como um dos maiores do mundo”, respondendo “pela metade do mercado editorial nacional. Trata-se de alguns milhões de exemplares distribuídos, o que corresponde a alguns bilhões de reais envolvidos” (COAN, 2006, p. 102). Neste sentido, é preciso que se desenvolvam pesquisas e críticas aos seus conteúdos, uma vez que atinge grande contingente de alunos/as.

Page 44: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores44

Para essa discussão tomaremos como base os escritos de Marival Coan, pois acreditamos que o autor realizou em seu trabalho uma relevante reflexão sobre essa temática. De acordo com Coan (2006),

Desde 1929, quando foi criado um órgão específico para legislar sobre a política do livro didático, o Instituto Nacional do Livro (INL), o governo vem desenvolvendo uma política com a finalidade de prover as escolas das redes federal, estaduais, municipais e do Distrito Federal com obras didáticas e paradidáticas e dicionários. Atualmente, essa política está consubstanciada no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e no Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM). O PNLD distribui obras didáticas para todos os alunos das oito séries da rede pública de ensino fundamental. A partir de 2003, as escolas públicas de educação especial e as instituições privadas definidas pelo censo escolar como comunitárias e filantrópicas foram incluídas no programa. (p.103).

Segundo o autor, “a definição do quantitativo de exemplares a ser adquirido é feita pelas próprias escolas, em parceria com as secretarias estaduais e municipais de Educação” (COAN, 2006, p. 103). Coan (2006) nos fala que o “PNLD é mantido pelo FNDE com recursos financeiros do Orçamento Geral da União e da arrecadação do salário-educação” (COAN, 2006, p. 103). Ainda no que diz respeito ao livro didático, mas especificamente sobre sua circulação no Brasil, Cassiano (2004 apud COAN, 2006, p. 109) “pressupõe levar em conta a condição de mercadoria deste produto, que contém tanto elementos da sua materialidade, ou seja, das leis de mercado, como também do seu uso, portanto, da Educação”. (CASSIANO apud COAN, 2006, p. 109)

Cassiano (2004) fala da importância de se estudar o livro didático, pois o seu uso se faz concreto na sala de aula e, portanto “realiza-se com sujeitos específicos, em dadas condições sócio-históricas e ao lado de outros recursos (a lousa e o giz, por exemplo)”, tendo, segundo a autora, o seu uso “a potência de subverter o prescrito, mas o faz valendo-se do próprio material, isto é, de uma condição objetiva que está dada”. (CASSIANO apud COAN, 2006, p. 109).

Outro ponto considerado pela autora se refere à necessidade de compreedermos o processo de circulação do livro didático, pois “Isso nos possibilita o desvelamento das relações organizacionais e interpessoais entre indústria editorial, políticas públicas e instituição escolar, que deixam marcas no uso desse produto” (CASSIANO apud COAN, 2006, p. 109). A intenção da autora é “verificar as relações extra-escolares inerentes ao produto, que adentram os muros escolares, mas que não ficam explícitas”. (CASSIANO apud COAN, 2006, p. 109).

Concordamos com Coan, quando o mesmo comenta sobre a escassez presente na área da Sociologia para o ensino médio, das análises sobre os livros didáticos. Para Coan (2006, p. 112) “os livros didáticos aparecem como temas subliminares, quando determinados autores se debruçam para analisar como anda o ensino da disciplina de Sociologia no ensino médio”. (COAN, 2006, p. 112).

Outra contribuição importante sobre essa temática vem de Mohr (apud COAN, 2006, 112) que constata que “o livro didático acaba tendo tanto uso devido ao despreparo do professor, falta de tempo para preparar as aulas e o plano de ensino”, com isso, segundo a autora “o professor acaba por adotar o índice do livro didático como programa para seu ano letivo. O livro, ao longo do ano escolar, transforma-se em fonte das informações, textos, exercícios e das ilustrações em aula e em casa”. (MOHR apud COAN, 2006, p. 12).

Page 45: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 45

Pensamos que alguns fatores que podem influenciar nessa prática podem ser: “número de alunos presentes em cada turma, carga horária destinada ao professor, tempo que este pode dedicar-se ao estudo e atualização, além da remuneração dos docentes” (MOHR apud COAN, 2006, p.113). Ainda, para Mohr (apud COAN, 2006, p. 114) é necessário levar em consideração a falta de alternativas ao livro didático, ou seja, “são raras as escolas que possuem bibliotecas adequadas que possam facultar uma diversificação de fontes de consulta a alunos e professores”; além disso, “[...] também são escassas as publicações científicas dirigidas para o público em idade escolar”. (MOHR apud COAN, 2006, p. 114).

Referente à temática do livro didático, a Mesa Redonda com os professores de Sociologia, trouxeram elementos importantes para pensarmos sua utilização. Todos/as os/as docentes usam o livro didático público em suas aulas, principalmente o livro do autor Tomasi, o qual consideram de grande importância e qualidade. Embora todos/as assumiram que o livro tem um importante papel na elaboração das aulas, eles/elas dizem que não o tomam como fonte única, e sim sintética de explorar determinado conteúdo em outras fontes. Eles/elas vêem no livro as ideias de atividades, reportagens e dicas de como trabalhar os conteúdos como significativas, bem como as tarefas para os alunos fazerem em casa.

Dando continuidade a nossa reflexão, outra autora, Molina (1988) traz ainda uma relevante lembrança, como a de que muitos/as estudantes brasileiros/as têm no livro didático, muitas vezes, a única oportunidade de ter acesso a um livro. Por isso, Molina (1988) destaca a importância desses materiais, falando que é também por isso que os mesmos devem ser de boa qualidade, pois “O livro didático acaba sendo o livro”. (MOLINA apud COAN, 2006, p. 114).

Essa prática do livro didático que os/as professores/as fazem, também é apontada por Coan (2006, p. 114) que demonstra que a utilização do livro didático, pode servir como um instrumento valioso, pois geralmente apresenta “uma síntese bem escolhida, organizada com lógica, seleção de bons conteúdos de cada área, e boas propostas de exercícios, dinâmicas, intertextos”, no entanto, ele pode “se tornar fonte de limitação na construção do conhecimento, pode limitar”.

De acordo com Mohr (apud COAN, 2006, p. 114) com a “demasiada circunscrição do conteúdo, que pode apresentar o livro como acabado e imutável, além de dissimular as lacunas de conhecimentos e ignorar as controvérsias que existem nos diferentes campos do conhecimento” (MOHR, apud COAN, 2006, p. 114). Além disso, “toda a riqueza de pontos de vista, opiniões e diferentes enfoques se perde com a utilização de uma única fonte de consulta” (MOHR, apud COAN, 2006, p. 114). Por isso, também consideramos importante, assim como os/as professores/as que participaram da Mesa Redonda, usar o livro combinado com outras fontes na elaboração das aulas.

Para Molina (1988) o livro didático pode ser compreendido como “obra escrita para ser utilizada numa situação didática” (MOLINA, apud COAN, 2006, p. 115); ou “livro cuja intenção é de fazer com que o aluno aprenda, razão pela qual apresenta conteúdos selecionados, simplificados e seqüenciados” (GOLDBERG, apud COAN, 2006, p. 115); ou ainda, “como instrumento com dupla função, a de transmitir um dado conteúdo e de possibilitar a prática de ensino. Ou seja, o livro didático “[...] é um veículo que expressa um modo específico (um modelo) de atuação pedagógica” (OLIVEIRA apud COAN, 2006, p. 115); ou, por fim “[...] o livro didático é uma mercadoria produzida pela indústria cultural e que, por isso, assume todas as características dos produtos dessa indústria” (FREITAG et al. apud COAN, 2006, p. 115).

Page 46: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores46

Paulo Meksenas (apud COAN, 2006, p. 116) afirma que se abandonar o livro didático não é uma atitude simples, “devido à realidade escolar brasileira, por que não começar a refletir/propor sobre o melhor uso que se pode fazer deste material didático e de comunicação?”. Para o autor “A idéia é não abandonar os livros disponíveis hoje, nem ficar esperando a criação de um livro perfeito, e sim transformar substancialmente o modo como tais livros podem ser empregados” (MEKSENAS apud COAN, 2006, p. 116).

Segundo o autor “A saída está na mudança de posturas dos professores em relação à forma como o vêm utilizando” (MEKSENAS, apud COAN, 2006, p. 116). O autor pensa que para que isto aconteça, “é preciso que os cursos e os programas de formação dos profissionais em educação incorporem cada vez mais a discussão das possibilidades criativas do uso do livro didático” (MEKSENAS apud COAN, 2006, p. 116). Além disso, para Meksenas é necessária uma reflexão em torno da educação brasileira e “isso significa reelaborar criticamente a relação aluno-professor colocando em evidência questões da (re)produção do conhecimento em aula” (MEKSENAS apud COAN, 2006, p. 117).

Ainda segundo Meksenas (1995) o conhecimento teórico do professor deve estar relacionado com o conhecimento que o aluno elabora na vida cotidiana; e essa construção da relação professor/aluno implica numa prática pautada em alguns pressupostos. São eles:

- O conhecimento em cada uma das áreas que compõem as ciências naturais e as ciências sociais humanas elabora-se por bases epistemológicas distintas, às quais correspondem conteúdos e métodos distintos. - As distinções nas bases epistemológicas de conhecimento não estão em oposição, mas ao mesmo tempo em que se diferenciam, mantêm reciprocidades nas quais uma base pode interagir com outra. - O conhecimento cotidiano também se caracteriza como distinto do conhecimento das ciências naturais e humanas, porém também interage com estes. - Nas sociedades contemporâneas, os vários níveis do conhecimento circulam e se entrecruzam com maior agilidade e versatilidade do que nas sociedades tradicionais. - Os dogmas, preconceitos ou elaborações do pensamento destituído de crítica podem se manifestar em todas as áreas da ciência e do conhecimento cotidiano, não sendo, portanto, restritas a este último. - A imaginação, criatividade, curiosidade; assim como a capacidade de crítica, podem estar presentes em qualquer um dos vários níveis do conhecimento, científico ou cotidiano. (MEKSENAS apud COAN, 2006, p. 117).

Com isso, Meksenas (1995, p. 69 apud COAN, 2006, p. 118), aponta a necessidade de se repensar os fundamentos que organizam a aula, bem como novas posturas do professor e do aluno a frente dos livros didáticos existentes. A partir disso, devem resultar alguns princípios, a saber:

relativizar o livro didático, perceber que o mesmo apresenta aspectos do conhecimento científico e do cotidiano, não esgotando todos os níveis de conhecimento; saber exercitar a dúvida ante esses materiais; o professor deve oferecer outras fontes de conhecimento científico, possibilitando ao aluno fazer a crítica do livro didático, isso levará o aluno a se interessar por outros textos, não didáticos; lidar criticamente com o livro didático, possibilitará fazer a crítica a livros não didáticos. Tudo isso é possível a partir de ‘novas práticas de ensino’ que se consegue quando a percepção dos professores considera os vários níveis do conhecimento e sua relação com os fundamentos organizadores da aula

Page 47: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 47

como capazes de gerar novas posturas ante o uso do livro didático. A intenção [...] ‘é a demonstração da reinvenção do uso do livro didático como pressuposto viável, mesmo partindo de textos limitados e ideológicos’ (MEKSENAS apud COAN, 2006, p. 118).

Concondarmos sobremaneira com o autor, pois ter uma postura crítica diante do livro didático faz de sua utilização algo bastante rico, o que certamente dará sustentação para a apreensão do conhecimento por parte dos/as alunos/as e mudará sua visão frente a todas as outras leituras, acadêmicas ou não, fazendo com que haja assim, uma leitura mais aprofundada do que está posto a todos/as nós em nossa sociedade.

Desse modo, pensamos ser de fato por uma visão mais crítica e reflexiva com relação ao material didático que os/as professores/as e interessados/as pelo tema, como é o caso dos discentes de cursos de licenciatura, por exemplo, devem partir, para que assim, possamos juntos/as construir livros que não sejam limitados diante da complexidade de temas e sempre trazer também outros materiais didáticos que possam somar-se ao livro, pois assim, esses materiais serão bem utilizados e poderãos, de fato, serem reconhecidos como fonte de conhecimento científico.

considerações Finais

Pensamos que esse breve debate que nos propusemos a fazer merece um aprofundamento e que sua discussão é de suma importância para avançarmos rumo a professores/as e alunos/as mais reflexivos e críticos, bem como a elaboração de livros didáticos cada vez mais de qualidade.

Acreditamos que as contribuições que tivemos perante as leituras de diversos autores/as ligados ao tema da educação, as discussões em sala de aula a partir das aulas expositivas da professora Dra. Ângela Maria de Souza Lima no curso de especialização em ensino de Sociologia, os debates feitos com autores/as convidados/as e professores/as da rede pública de ensino foram essenciais para a compreensão de que todos/as os/as educadores/as devem debater sobre suas dificuldades, soluções encontradas sobre as mais diferentes situações, materiais didáticos utilizados, entre tantas inquietações que permeiam o ambiente escolar. Percebemos a partir da fala desses/as professores/as que o livro é um material que facilita ao/a professor/a elaborar suas aulas (ponto de partida) e também os/as ajudam a trazer outros materiais de apoio, sendo a música e os filmes um dos mais citados por esses/as educadores.

Nesse sentido, e com base em toda a nossa discussão sobre o tema, acreditamos que devemos olhar o livro didático como:

[...] um elemento-chave do currículo, decorre daí a importância de estudá-lo, por outro lado, o seu uso, que se concretiza na prática da sala de aula, na prática pedagógica entre professor e aluno, sujeitos específicos, concretos em dadas condições e ao lado de outros recursos, que têm condições de discutir o que está posto, valendo-se desse próprio material para pode fazer tal crítica. (COAN, 2006, p. 310).

Ou ainda de acordo com Marival Coan (2006, p. 312):

Page 48: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores48

Urge se pensar e repensar as práticas escolares, os fundamentos que organizam a aula, a postura do professor e do aluno ante os livros didáticos existentes, deve-se, por exemplo, relativizar o livro didático, perceber que este apresenta aspectos do conhecimento científico e do cotidiano, não esgotando todos os níveis de conhecimento. Ademais, deve-se exercitar a dúvida ante esses materiais, assim como buscar outras fontes de conhecimento científico, possibilitando-se, com isso, fazer a crítica ao livro didático. É preciso também provocar o interesse por outros textos, não didáticos. O fato de se lidar criticamente com o livro didático possibilitará fazer a crítica a livros não didáticos. Enfim, várias coisas são possíveis a partir do momento em que se quer fazer algo diferente, como conseqüência, uma série de novos desafios também aparecerá (COAN, 2006, p. 312).

Com base em nossa reflexão percebemos que o livro didático - se bem utilizado - contribui enormemente para a boa formação de estudantes críticos e de professores/as engajados com o ensino público de qualidade. Desse modo, um olhar relativizador por parte dos/as educadores/as para o todo o ambiente escolar e seus atores que compõe a realidade da Educação brasileira faz-se urgente e deve ser debatido pela escola e a acadêmia, pois pensamos que a luta por materiais de ensino de qualidade e de um ensino inclusivo e interessante deve ser uma bandeira de todos/as os docentes e futuros/as docentes, estando eles/as presentes nas escolas e/ou nas universidades.

Referências

AMARAL, Wagner Roberto do. CAPELO, Regina Clivati. Diversidade, Escola e os diferentes Sujeitos: o que dizer do currículo? In: LIMA, A. M. de S. et al. Inclusão em Debate: em diferentes contextos. Londrina: UEL, 2013, p. 202-212.

COAN, Marival. A Sociologia no ensino médio, o material didático e a categoria trabalho. Florianópolis. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Educação. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006.

DAUSTER, Tânia. Relativização e Educação – Usos da Antropologia na Educação. Trabalho apresentado no XII Encontro Anual da ANPOCS, no GT: Educação e Sociedade. De 23 a 27 de Outubro de 1989. Caxambu, Minas Gerais. [Versão digitalizada]

______. Um saber de fronteira: entre a antropologia e a educação. 2007. Disponível em: http://www.formaeacao.com.br/Antrop_Ed_Ex01.pdf. Acesso em: 14 de abril de 2013.

DAYRELL, Juarez. A Escola Faz as Juventudes? Reflexões em torno da Socialização Juvenil. In: Revista Educação e Sociedade, Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1105-1128, outubro de 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v28n100/a2228100.pdf Acesso em: 28 de março de 2012.

DAYRELL, Juarez. A Escola como espaço sócio-cultural. In: DAYRELL, Juarez (org.) Múltiplos Olhares sobre a educação. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2001.

Page 49: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 49

GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia critica da aprendizagem. Ed. Artmed. Porto Alegre, 1997.

MEKSENAS, Paulo. O ensino de Sociologia na Escola Secundária. In: Leituras & Imagens, Grupo de Pesquisa em Sociologia da Educação. Florianópolis: Universidade do Estado de Santa Catarina-UDESC, p 67-79, 1995.

SKLIAR, Carlos. A educação que se pergunta pelos outros: e se o outro não estivesse aqui? In: LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elisabeth (orgs). Currículo: debates contemporâneos. 2°. Edição. SP: Corteza, 2005. (Série: cultura, memória e currículo).

ZEICHNER, Kenneth M. Para além da divisão entre professor-pesquisador e pesquisador acadêmico. In GERALDI, Corinta M.; FIORENTINI, Dario & PEREIRA, Elisabete M. (orgs.) Cartografia do trabalho docente: professor(a)-pesquisador(a). Campinas, Mercado de Letras. ABL, 1998, p. 207-236.

Page 50: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores50

AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DO PROFESSOR DE ENSINO MÉDIO PÚBLICO E A RELAÇÃO COM A PRODUÇÃO

DE CONHECIMENTO1

Aline Graziele R. de Sales Borges2

Introdução

Neste artigo tomamos como objetivo a compreensão da relevância e dos desafios da mediação político-pedagógica por parte dos professores do Ensino Médio e a análise da precarização do trabalho que se encontram os docentes, condições estas onde a atuação dos professores pesquisadores torna-se mais difícil. A metodologia desta pesquisa tem como base qualitativa e abordagem bibliográfica e documental. O modo como a mediação dos conteúdos escolares é realizada pelo professor é muito importante para os alunos, pois dependendo da maneira como são orientadas as teorias e planejadas as metodologias, pode-se comprender melhor, dando novo sentido à escola e aos conhecimentos aprendidos. Mesmo com essa ênfase na necessidade de se fazer a mediação pedagógica, planejada e específica para o sujeito jovem do Ensino Médio, não nos esquecemos de outras dificuldades encontradas pelos professores nas escolas da rede pública. Aqui pudemos mostrar algumas delas, como por exemplo, a precarização do trabalho docente e a dificuldade em se ter um professor pesquisador,sendo que estes exemplos evidenciam as principais dificuldades que de maneira breve vivenciamos no campo do estágio obrigatório. Estas péssimas condições de trabalho intensificam a precarização e dificultam a constituição da identidade do professor-pesquisador.

Trataremos das questões relativas ao trabalho docente, da necessidade em se ter um professor-pesquisador e produtor de conhecimentos, nas dificuldades que este encontra em realizar seu trabalho de mediação pedagógica e sociológica nas escolas de Ensino Médio públicas, devido à crescente precarização por que passa seu trabalho. Como fazer a mediação pedagógica de qualidade em um processo de crescente precarização do trabalho docente? É possível, mesmo diante das dificuldades, pensar na constituição de um professor pesquisador na escola de Educação Básica? Mostrando a necessidade deste se constituir em um professor pesquisador, mesmo diante de todas as adversidades e desafios postos neste contexto de precarização do trabalho docente.

educação e pesquisa: alguns pressupostos3

Para Freire (2007) ser professor vai além de transferir conteúdos. É uma prática que deve reforçar a curiosidade do aluno, a sua possibilidade de formular críticas. Os objetos 1 Parte deste texto foi apresentada como um dos subtítulos do artigo final do curso de Especialização em “Ensino de Sociologia”, na Universidade Estadual de Londrina, no ano letivo de 2012. Orientado pela Profa. Dra. Angela M. S. Lima.2 Especialista em ensino de Sociologia pela UEL (2012), graduada em Ciências Sociais pela UEL (2010). Contato: [email protected] Muitas das afirmações contidas neste artigo advêm de minha experiência como professora temporária da rede pública Estadual, como também colaboradora no projeto de extensão LENPES (Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de Sociologia), e da observação participante, por intermédio de uma pesquisa de campo, advinda do estágio curricular obrigatório.

Page 51: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 51

estudados não ficam somente vistos pela sua superfície, mas passam para um nível além, onde se possa analisá-los criticamente. Mas para isso ele ressalta que se necessita de professores e alunos que sejam críticos, questionadores, investigadores, humildes e persistentes. Essas características fazem parte de um aprender criticamente e não de uma mera transmissão de saberes. O professor, sendo também pesquisador, se transforma em real sujeito do objeto da construção do saber a ser ensinado juntamente aos alunos que também são sujeitos desse processo. Ser intelectual, segundo Freire (2007) não é ser memorizador de ideias e conceitos, é muito mais que isso. É poder ler, analisar os textos teóricos e visualizar os problemas, os questionamentos na nossa sociedade e de alguma forma poder intervir, transformando-a.

O professor que pensa certo deixa transparecer ao educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com mundo, como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo (FREIRE, 2007, p. 28).

Com isso podemos pensar que a pesquisa é uma das maneiras de entrarmos em contato com conhecimentos novos, com as práticas inovadoras, de conhecer o mundo, como o próprio Paulo Freire (2007) já demonstrou. O professor não pode perder esta prática de querer conhecer o novo, de realmente pesquisar e poder, de alguma forma, intervir no mundo de maneira criativa. Além do mais, imerso nesta prática de curiosidade científica, estará também incentivando os seus alunos a descobrirem, a questionarem e analisarem o mundo social, para poder futuramente modificá-lo.

Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente (FREIRE, 2007, p. 28).

Essas práticas de ensinar, aprender e pesquisar de forma interligada estão relacionadas à produção do conhecimento para educadores e educandos. Elas são necessárias e devem ser exercitadas concomitantemente no ambiente escolar. Paulo Freire (2007) demonstra que a pesquisa faz parte da prática do professor e que não é uma qualidade a ser buscada. É algo que o professor faz em seu cotidiano. Dela faz parte a busca e a indagação constantes.

Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 2007, p. 29).

Ensinar e pesquisar são processos interligados. Não podemos dissociar as duas, pois o ensino sem a pesquisa e a pesquisa sem o ensino não tem sentido.Como já afirmou Pedro Demo, a pesquisa deve ser princípio científico, atitude cotidiana, estratégia que facilita a educação. A base da educação escolar é a pesquisa. A pesquisa busca na prática a renovação da teoria e na teoria a renovação da prática (DEMO, 2000). Já, segundo Zeichner (1998), na academia, muitas vezes, os trabalhos e as pesquisas desenvolvidas pelos professores que atuam na Educação Básica, não são vistas como produção de

Page 52: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores52

conhecimento. A academia simplesmente desconsidera esses conhecimentos produzidos. Mas também ainda existe a ideia de que o conhecimento produzido nas Universidades não condiz com a realidade encontrada no ambiente escolar, não ultrapassando os muros da Universidade. Esta é também uma crítica que os professores da Educação Básica faz em relação aos estudos acadêmicos.

Mesmo com esses impasses, a ideia de professor como produtor de conhecimento não é uma visão dominante e nem muito difundida entre os próprios professores da Educação Básica. Pois ainda há a impressão, socialmente e historicamente construída, de que uma pesquisa deve ser conduzida por pesquisadores das Universidades.

Apesar da chamada revolução mundial em torno do professor como pesquisador, na qual se fala muito sobre professores como produtores de conhecimentos (Richardson, 1994), é ainda dominante, no meio dos professores, uma visão de pesquisa como uma atividade conduzida por pesquisadores de fora da sala de aula (Nixon, 1981). Até os próprios professores chegam a negar a legitimidade dos conhecimentos gerados através de suas investigações nas escolas (NOFFKE, 1994. apud ZEICHNER, 1998, p.01).

Além da falta de reconhecimento por parte do meio acadêmico, referente às pesquisas desenvolvidas pelos professores, outro aspecto que afasta os professores da pesquisa e que gera a falta de entusiasmo e motivação é a linguagem extremamente técnica e elitizada, que se usa na Universidade, sendo uma das formas de legitimar e dar status superior aos trabalhos acadêmicos. Mas isso não quer dizer que as pesquisas desenvolvidas pelos professores sejam inadequadas e sem cunho teórico. Não menos pertinente é a maneira como as pesquisas acadêmicas, muitas vezes, descrevem as ações dos professores da Educação Básica;

Outra razão para a falta de entusiasmo dos professores pela pesquisa acadêmica sobre educação é a freqüência com que eles se vêem descritos de forma negativa. Os professores, por outro lado sentem que os pesquisadores acadêmicos são insensíveis às complexas circunstâncias vivenciadas em seus trabalhos e freqüentemente se sentem explorados pelos pesquisadores universitários (NOFFKE, 1994 apud ZEICHNER, 1998, p.02).

É importante vermos as pesquisas realizadas pelos professores também como um importante meio de se conhecer o ensino e a escola. Os professores da Educação Básica deveriam ser vistos como pensadores autônomos e reflexivos, não apenas nos discursos, mas nas práticas de pesquisa, de ensino e de extensão conduzidas pelas Universidades.

Dificilmente os professores são convidados pelos pesquisadores a engajar-se intelectualmente na escolha das questões a serem investigadas, na elaboração do projeto de pesquisa, no processo de coleta de dados ou na sua análise e interpretação, e até mesmo a partilha os resultados da pesquisa (ZEICHNER, 1998, p. 03).

No mesmo sentido, é necessário que o professor se veja constantemente como o próprio aluno, ou seja, também na condição de educando, como já disse Paulo Freire (2003) em “Educação e mudança”. Pensamos que o professor deve estar em constante aprendizado,

Page 53: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 53

mas para isso ele precisa estar apoiado por políticas públicas de educação que valorizem seu trabalho. Esta, por sua vez, é uma condição que precisa estar presente na concepção de um professor-pesquisador. O professor, sendo sujeito de uma ação, pode vir a formular as próprias metodologias, respaldado pelas suas próprias pesquisas na área de educação, sem deixar de lado a luta por condições estruturais que lhe possibilite a vivencia da pesquisa no ambiente escolar.

Assim, a nova perspectiva de relacionamento entre a prática e a teoria coloca novos desafios ao professor. Se no quadro do registro epistemológico do taylorismo e do behaviorismo o docente devia ser o dócil executor das estratégias elaboradas pelos teóricos da educação, no quadro da nova instância paradigmática o mesmo é chamado a ser autor das estratégias que deve seguir na prática, especialmente quando essa prática envolve situações de incerteza quanto a pessoas e ambientes (SANTOS, 2009, p. 7169).

Para Santos (2009, p. 7170), “no que se refere ao plano teórico e epistemológico, um dos desafios é a formação do professor, que deve ir além da formação técnica e científica, ou seja, esta deve estar atrelada numa perspectiva de projeto social democrático e emancipatório”. Dito isso, a formação do professor deve ir além, respaldada na preocupação com a formação dos seus alunos, tendo em vista que estes podem contribuir com seu meio social, de forma crítica, democrática, humana e emancipatória.

Uma formação sem uma sólida base teórica e epistemológica reduz-se a um adestramento e a um atrofiamento das possibilidades de analisar as relações sociais, os processos de poder e de dominação. No âmbito dos processos de produção do conhecimento científico, crítico e dos processos de ensino-aprendizagem fica incapacitado de perceber que os mesmos se gestam e se desenvolvem a partir de determinações e mediações diversas no plano histórico, social e cultural (SANTOS, 2009, p. 7170-7171).

Não podemos esquecer que as condições de trabalho atuais dos professores os levam a, muitas vezes, simplesmente cumprirem tarefas já dadas, mesmo dizendo que estas não são tão simples assim, mas que acabam por dificultar a constituição deste profissional como um pesquisador e produtor de conhecimentos na escola.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB) regulamenta a formação dos professores, que não por acaso, reflete as novas formas de trabalho, que tende para uma formação compatível com o processo de desregulamentação do trabalho e de flexibilização da mão-de-obra da classe trabalhadora.

A LDB-96 inclui um novo modelo de formação de professores, que responde às novas demandas do mundo do trabalho, do ponto de vista da acumulação flexível, em conformidade com as políticas das agências financeiras internacionais para os países pobres, assumidas integralmente pelo governo brasileiro (KUENZER, 1999, p. 07).

Deste modo, fica claro como o Estado, especialmente a partir da segunda metade da década de 1990, opta por uma política educacional que valoriza a polivalência tanto do aluno como do professor, que deste modo, não atende às necessidades reais da educação pública. Isto acaba acarretando numa falsa percepção, que diz que a escola forma o aluno tanto para a vida

Page 54: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores54

social quanto para a continuidade na vida acadêmica e para o mercado de trabalho. Como podemos observar, a escola não tem conseguido cumprir estas três funções sociais a contento, por falta de políticas públicas bem definidas e que pensem na melhoria da qualidade de ensino, entrelaçada à melhoria das condições de trabalho dos docentes.

As novas políticas, não obstante a cansativa repetição do compromisso com a universalização, na prática, conduzem à polarização das competências, por meio de uma concepção de sistema educacional que articula formação e mercado, de tal modo que se assegure à maioria da população o acesso à educação fundamental, única modalidade a ser generalizada a curto prazo, embora sem qualidade, a ser complementada com uma formação profissional que permita o exercício de alguma ocupação precarizada na informalidade (KUENZER, 1999, p. 09).

Como Kuenzer (1999) mostra, essa política de universalidade da educação, que não passa de uma farsa, não abrange toda a população, pois como sabemos a educação não é igual para todos, como deveria ser. Fala-se agora de uma educação por equidade. Essa universalidade da educação já caiu por terra, pois o que vemos agora é uma política que acaba por incentivar cada vez mais a desigualdade e a segregação social. Na lógica da equidade, oferece-se a educação conforme regras pré-estabelecidas, onde supõe-se que a maioria da população, por não ter nada além de sua força de trabalho, não necessita de uma educação básica de qualidade, muito diferente do que se espera para a formação de um indivíduo emancipado, crítico e transformador.

A adesão a essa política corresponde à adoção do princípio da racionalidade econômica, inclusive porque a educação fundamental é um bom antídoto contra a barbárie, desde que articulada a alguma forma de preparação para a sobrevivência na informalidade. Em decorrência desse princípio, o conceito de universalidade do direito à educação passa a ser substituído pelo de equidade, segundo o qual dá-se a cada um conforme sua diferença, para que permaneça desigual, em face de suas “dificuldades naturais” para o exercício do pensamento lógico-formal, para o domínio das linguagens e de outros atributos inerentes à atividade intelectual (KUENZER, 1999, p. 09).

Podemos pensar também nesse tipo de política – a de equidade da educação – como diz Kuenzer (1999), como uma política elitista, pois abarca somente os interesses da classe dominante. Como vemos, convém a esta classe oferecer um mínimo de educação possível aos demais. Não interessa a eles que a população tenha uma formação crítica, histórica, científica, etc. O que almejam é a constituição de uma população passiva, que aceite as imposições da classe dominante, que não atrapalhe na reprodução dos objetivos do capital.

Embora cruamente elitista, esse modelo é perfeitamente orgânico às novas demandas do mundo do trabalho flexível na sociedade globalizada, em que a ninguém ocorreria oferecer educação científico-tecnológica e sócio-histórica continuada e de qualidade, portanto cara, aos sobrantes. Estes, sobram; precisam apenas de educação fundamental para que não sejam violentos – embora usem drogas e comprem armas para alimentar os ganhos com o narcotráfico –, para que não matem pessoas, não explorem as crianças, não abandonem os idosos à sua sorte, não transmitam Aids, não destruam a natureza ou poluam os rios, para que o processo capitalista de produção possa continuar a fazê-lo, de forma institucionalizada, em nome do “desenvolvimento (KUENZER, 1999, p. 11).

Page 55: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 55

Por não haver esse interesse em formar um cidadão crítico, conscientizado e emancipado, essa política de equidade também não oferece ao professor uma formação inicial e continuada verdadeiramente qualificada, pois não quer-se investir em um profissional de ensino que atue na educação básica de qualidade.

Ao substituir o princípio da universalidade pelo da equidade, essa política de formação de professores reveste-se da lógica do modelo: como a educação média científico-tecnológica e a educação superior não são para todos, é desperdício investir na formação qualificada de professores para os trabalhadores e sobrantes, que provavelmente serão clientes dos cursos de formação profissional. Para os sobrantes, professores precariamente qualificados, e, em decorrência, com salários rebaixados e condições precárias de trabalho (KUENZER, 1999, p. 11).

Então, podemos concluir, através destas evidências teóricas e estruturais, que a educação pública não tem formado bem, nem para a vida, nem para o trabalho e nem para a continuidade dos estudos. Como já havíamos suposto, ela não realiza o seu verdadeiro objetivo social e político, buscando apenas sanar desejos capitalistas econômicos imediatos. Ou seja, se as condições das escolas e do trabalho docente não melhorarem, a educação pública como vem sendo realizada, serve apenas para legitimar o sistema imposto. Mas, não podemos esquecer que ainda temos condições de superar estas limitações, a escola ainda tem brechas para que possamos realizar as modificações necessárias, para que esta tenha o seu verdadeiro sentido.

A escola pública cumpre, portanto, a função real, não de qualificar para o trabalho e preparar para a cidadania, e sim, de estabilizar minimamente a economia capitalista; para tanto, ela deve evitar que os filhos concorram precocemente com os pais no mercado de trabalho [...] (SAES, 2004a, p.10 e 11).

A escola está a serviço do capital, pois somente reproduz a lógica capitalista, incentiva o individualismo e o consumismo, esquecendo-se do seu papel que deveria ser o de construir saberes e contribuir para a formação de indivíduos emancipados. Do modo como está, acaba por perpetuar as condições existentes, condições estas demasiadamente excludentes e desiguais quando tratamos do Ensino Médio público, especialmente o ensino noturno e as condições de trabalhos dos professores que trabalham sob o Regime Simplificado (PSS). Mesmo depois de vermos algumas das dificuldades que os professores estão sujeitos no seu ambiente de trabalho, não podemos esquecer da importância de percebermos estes mesmos profissionais como produtores constantes de conhecimentos na escola.

Em última instância. Seja qual for seu público, desejamos que todos os professores também se tornem formadores, tanto no caso de crianças quanto no de estudantes mais velhos. Lutar contra a exclusão, contra o fracasso escolar, contra a violência; desenvolver a cidadania, a autonomia, criar uma relação crítica com o saber: tudo isso exige que os professores de todos os níveis transformem-se em formadores. Sem dúvida, esta é a razão fundamental de privilegiar a postura reflexiva (PERRENOUD apud DUARTE, 2003, p. 04).

Significa dizer que mesmo circunstanciado por uma situação dificultosa, os professores não podem perder de vista sua função como professor-pesquisador, desenvolvendo trabalhos,

Page 56: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores56

artigos, materiais didáticos, pesquisas a respeito de suas disciplinas, de áreas de atuação e também sobre o ambiente escolar que lhes dêem instrumentos inclusive para reverter a condição desigual que vivenciam nas escolas. Talvez por aí também possamos pensar vias para mudar a condição do trabalho docente, denunciando, nestes trabalhos científicos, a estrutura falida das escolas públicas, sugerindo mudanças e produzindo maneiras diferentes de ensinar a partir da própria escola.

Não há como formar o professor de novo tipo senão preparando-o para a pesquisa em educação, o que só é possível pela graduação em universidade, e sempre ligada à extensão e às práticas, como forma de articulação entre teoria e intervenção na realidade. (KUENZER, 1999, p. 07).

Mas, não é isto que vem acontecendo! Os professores saem das escolas esgotados devido a grande carga horária, não têm tempo e nem ânimo para desenvolver pesquisas. Muitas vezes estão tão exauridos que não conseguem desenvolver nenhum trabalho extra-escola. O Estado deveria abrir os olhos para esta situação, porque o professor não pode perder a sua essência, o professor é um intelectual e deve ser tratado pelo Estado como tal. As políticas públicas de educação deveriam ser planejadas de maneira a dar auxílio para que isso aconteça.

Nessa precariedade em que se encontra o docente, fica muito mais complicado para que este realize pesquisas e produções na escola. Poucos conseguem dar continuidade aos seus estudos e, desta forma, a potencialidade para a pesquisa fica decaída. Não podemos perder de vista a importância de lutarmos por políticas públicas que incentivem realmente a formação continuada de professores e que propiciem meios para produção e valorização dos trabalhos científicos desses profissionais. Quando pensamos em espaço para as pesquisas, estamos também pensando em espaços para explicitarem coletivamente suas dificuldades, suas reivindicações, suas condições, através das reflexões feitas das suas próprias práticas, e das condições de trabalho em que estão inseridos.

professor mediador: como ser mediador neste contexto de precarização?

As Orientações Curriculares Nacionais (2008) já apontam a importância da mediação pedagógica. “[...] a mediação pedagógica [...] parece tão mais necessária [...] quanto mais diverso é o público que o professor.” (Orientações Curriculares Nacionais, 2008, p. 108). Como consta no documento, é necessário que o professor faça a mediação entre teoria, o conhecimento e os alunos. A mediação se baseia na relação de ensino-aprendizagem, por isso estápresente na ligação entre o conhecimento científico (a teoria) e os conhecimentos dos alunos (prática). Com uma mediação bem planejada e bem feita podemos superar as diferenças entre o conhecimento sistemático e a experiência sensível.

Podemos entender a mediação no sentido de produto, mas não como algo que se opõe ao outro. Com a mediação democrática, os lados deixam de ser opostos, podendo se tornar homogêneos, mesmo respeitando toda a sua diversidade, complexidade e heterogeneidade. Por mediação, entende-se também uma ponte entre esferas diferentes, que irá aproximar e relacionar os opostos. Assim é o papel do professor, pois é ele que irá articular os conhecimentos científicos e transmitir aos alunos. Mas tomemos cuidado para não esquecer que ser professor não é só

Page 57: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 57

transmitir conhecimentos. “Mas isso não significa dizer que o ensino se reduza à transmissão de um saber como se fosse uma palestra, uma conferência ou uma simples leitura na frente dos alunos.” (Orientações Curriculares Nacionais. 2008 p. 108). Paulo Freire (2007) aponta que ensinar não é transferir conhecimento, conhecimento é construção e produção.

Para que a mediação possa alcançar o seu fim, nas Ciências Sociais, é preciso que ela possa provocar a desnaturalização e o estranhamento nos alunos, referente ao seu cotidiano. (Guia Nacional de livros didáticos PNLD, 2011, p. 14). Mas, como é possível fazer a mediação diante da precarização do trabalho em que se encontra o professor? Do mesmo modo que é possível, não temos a pretensão de criar fórmulas e métodos para esta mediação. Sabemos que é muito difícil para o professor da Educação Básica desenvolver estas ações diante do contexto complicado permeado por péssimas condições de trabalho, mas mesmo assim, não podemos deixá-las de lado. Os alunos precisam dela, ou seja, de estratégias didáticas e metodológicas cada dia mais envolventes, inclusive para poderem aprender mais e vislumbrarem caminhos de superação das relações de exploração.

Além da luta diária por melhorias no sistema de ensino, das condições de trabalho, cabe ao professor elaborar, criar e investigar estratégias que alcancem os alunos, que os possibilitem desnaturalizar e estranhar seu cotidiano, podendo entender, pesquisar, criticar para transformar estas realidades sociais. Mas isso não quer dizer que o professor é o único responsável por este desenvolvimento, fica também a cargo do Estado, por intermédio de políticas públicas dar suporte e resolver estas questões relacionadas ao sistema de ensino.

considerações Finais

Há de se registrar também a relevância da constituição coletiva de currículos que ajudem a legitimar as boas práticas docentes nas escolas. Hoje poucos professores, sobretudo os que trabalham sob regime PSS, conseguem participar, por exemplo, da elaboração das propostas políticos pedagógicas das escolas onde atuam. Uma mediação pedagógica e sociológica condizente com a realidade dos alunos dessas escolas precisa passar pela mudança destas condições.

Na elaboração destes documentos temos a oportunidade de propor mudanças, agir de modo político e estratégico na luta pela melhoria da qualidade do ensino, assim como passamos a conhecer melhor os alunos com os quais trabalhamos. O simples conhecimento mais detalhado das propostas pedagógicas das escolas já interferia positivamente nas nossas práticas como estagiários/docentes Com isso, pensamos que também deve se rever a formação dos professores. Uma formação pautada pelo pensamento mecanicista e técnico certamente pouco poderá contribuir para a formação dos alunos.

Se esperamos que a escola seja um espaço onde os alunos desenvolvam de modo criativo os conhecimentos, contribuindo futuramente para a constituição de sociedade mais democrática, verdadeiramente humana e emancipatória, precisamos garantir que estes princípios sejam os principais norteadores da formação docente nas universidades.

Foi por meio dos estágios e das atividades extensionistas do LENPES que pudemos perceber também como está difícil as condições de trabalho dos professores das escolas públicas, especificamente do Paraná. O Estado com sua política neoliberal, sucateia a educação, quer que

Page 58: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores58

a escola ofereça o mínimo de educação possível. Não tem como objetivo a formação de sujeitos críticos; mesmo que se possa parecer nos discursos, não é o que vemos na prática. E com isso, o Estado ainda investe muito pouco na educação pública, e muito menos ainda na melhoria das condições de trabalho da formação continuada dos profissionais de ensino.

Os laboratórios de ensino e de extensão podem auxiliar os licenciandos e os professores da Educação Básica, na formulação de novos materiais didáticos, para que se possa fazer a mediação pedagógica. Estes novos materiais são de extrema importância, pois podem levar consigo conhecimentos riquíssimos que contribuirão com a ressignificação da formação dos alunos. É importante também que o professor possa desenvolver seus próprios materiais. Desta maneira o ensino e a aprendizagem serão mais proveitosos, tanto para o aluno quanto para o professor, pois este último estará também desenvolvendo a prática da pesquisa. Deste modo, destacamos também a responsabilidade do Estado, e não só do professor, em criar maneiras para se resolver estes impasses, podendo criar meios para a superação destas dificuldades apontadas durante este artigo.

Referências

BORGES, Aline Graziele Rodrigues de Sales. A condição do trabalho do professor de Ensino Médio público e a relação com a produção do conhecimento. 2012. 32f. Artigo de Pós-Graduação Lato Senso (Especialização Em Ensino de Sociologia) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012.

BRASIL. GOVERNO FEDERAL. Lei n.º 9.394 20 de Dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

BRASILIA. MEC. Secretaria de Educação Básica. Guia Nacional de livros didáticos PNLD 2012. Sociologia. Ensino Médio. Brasília, DF: MEC, 2011. 36p. ISBN 978-85-7783-053-4.

BRASILIA. MEC. Secretaria de Educação Básica. Orientações curriculares para o ensino médio.Volume 3:Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília, DF: MEC, 2008. 133p.

DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 4ª. Edição. Campinas, SP: Autores Associados, 2000.

DUARTE, Newton. Conhecimento tácito e Conhecimento escolar na formação do professor (por que Donald Schön não entendeu Luria). Educação & Sociedade/ versão impressa/ v.24 n.83 Campinas ago. 2003 ISSN 0101-7330. 

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 12ª Ed. 2003.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

Page 59: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 59

KUENZER, AcaciaZeneida. As políticas de formação: A constituição da identidade do professor sobrante. Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro de 1999.

SAES, Décio. Educação e socialismo. In: Rev. Crítica Marxista,n. 18, Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2004a.

SANTOS, Adriana Regina de Jesus. Formação do professor na contemporaneidade: repensando conceitos e possibilidades. Texto apresentado no IX Congresso Nacional de Educação – EDUCERE; III Encontro Sul Brasileiro de Psicopedagogia, na PUCPR, de 26 a 29 de outubro de 2009.

ZEICHNER, Kenneth M. Para além da divisão entre professor-pesquisador e pesquisador acadêmico In: GERALDI, Corinta M.; FIORENTINI, Dario & PEREIRA, Elisabete M. (orgs.) Cartografia do trabalho docente: professor(a)-pesquisador(a). Campinas, Mercado de Letras?ABL, 1998. p. 207-236.

Page 60: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores60

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS PARA UMA REFLEXÃO SOBRE MODERNIDADE E FORMAÇÃO: NEXOS ENTRE VALORES

MORAIS E ESCOLA PÚBLICA

Franciele Alves da Silva1

Introdução

Desde seus primórdios a escola pública enfrenta o desafio de fornecer conhecimentos tanto para o desenvolvimento individual, quanto para a manutenção da vida social. Estes preceitos, cujas bases estão na construção da escola pública francesa, difundiram-se pelo mundo e inspiraram diversas nações que se consolidaram sobre os princípios republicanos e de base capitalista. Nesse sentido, a proposta desse artigo é apresentar algumas considerações acerca da relação entre os valores da sociedade moderna e a constituição da escola pública.

Para tanto, as reflexões apresentadas terão como ponto de partida as contribuições teóricas de Jules Ferry (1945), em Carta dirigida a los maestros por el ministro de instrucción pública Gabriel Compayré (1908), em L’Education intellectuelle et morale. Os textos escolhidos apresentam uma discussão sobre a importância dos valores morais (da democracia) para a formação humana e também o papel da educação, em especial da escola pública, na construção destes preceitos. A partir dessas reflexões é possível indagar sobre o papel da escola pública na atualidade, verificando a relação de tais preceitos com as necessidades de formação do homem contemporâneo.

Reflexões sobre modernidade e formação

A proposta desse artigo é apresentar algumas considerações acerca da relação entre os valores da sociedade moderna e a constituição da escola pública. Para tanto, as reflexões apresentadas terão como ponto de partida as contribuições teóricas de Jules Ferry (1945), em Carta dirigida a los maestros por el ministro de instrucción pública Gabriel Compayré (1908), em L’Education intellectuelle et morale2. Os textos escolhidos apresentam uma discussão sobre a importância dos valores morais (da democracia) para a formação humana e também o papel da educação, em especial da escola pública, na construção destes preceitos.

Cabe destacar que as ideias elaboradas foram construídas a partir das leituras e discussões feitas durante a disciplina Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação II, no curso de mestrado em Educação da Universidade Estadual de Maringá3. Desse modo, o trabalho desenvolvido pretende, antes de tudo, ser um exercício de reflexão acerca dos processos educativos, entendendo que a educação condiz com o processo de produção da vida humana e, logo, desenvolve-se conforme as especificidades histórico-sociais.

1 Mestre em Educação e Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá. Socióloga/ Analista Socioambiental pela Companhia Paranaense de Energia (COPEL). Aluna da Especialização em Ensino de Sociologia pela UEL. Contato: [email protected] Texto traduzido por Zélia Leonel para uso exclusivo dos alunos da disciplina de Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação II, do curso de Mestrado em Fundamentos da Educação. DFE-UEM. 2/93.3 Professores responsáveis: Célio Juvenal Costa (PPE/DFE/UEM) e Maria Cristina Gomes Machado (PPE/DFE/UEM).

Page 61: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 61

Logo, a interação entre os indivíduos com o mundo circundante se dá de maneira peculiar, segundo a ação que exercem para transformar a natureza na garantia de sua sobrevivência; criando e recriando o mundo humano, ou seja, da cultura. Em diferentes sociedades e épocas, os homens elaboram formas de manutenção e reprodução desse mundo, transmitindo a seus membros as idéias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades e sentidos de sua organização social.

Dentre as várias formas de transmissão e sistematização do conhecimento a educação assume uma dimensão formativa importante na solidificação dos valores que historicamente os homens socialmente produzem. A educação pode se dar, por exemplo, pela vivência cotidiana; no contato com o mundo e as pessoas à sua volta; pode ser através da experiência vivida, o que é o caso dos saberes transmitidos pelos mais velhos; e através do saber sistematizado, ou seja, a educação escolar.

A educação, em suma, varia de acordo com a forma de civilização, o tipo de sociedade e as concepções desta sobre o papel do homem na vida social. Ou seja, a educação se dá conforme a cultura e esta sendo dinâmica modifica-se conforme o tempo e o espaço; desse modo existem diferentes maneiras de “fazer” o mundo humano. A discussão desse trabalho, portanto, diz respeito a algumas concepções de mundo que se consolidaram na era moderna, mais especificamente entre os séculos XVIII e XIX.

Conforme Eric Hobsbawn (1979), em A era das revoluções na Europa 1789-1849, a era moderna foi resultado das mudanças históricas que vieram ocorrendo desde o século XVI. Uma das principais mudanças que podemos apontar é a substituição gradativa do saber contemplativo pelo saber empírico. Inicia-se nesse período uma tentativa de se explicar o mundo para além das concepções mística e religiosa, marcando o período das grandes navegações, de novas descobertas e invenções, como a bússola. No século XVII, com o surgimento das ciências naturais, a razão e o empirismo são tidos como base para a compreensão do mundo físico e social.

Como características desse período pode-se citar a ascensão dos ideais de racionalidade, humanismo e progresso técnico e científico, ou seja, os ideais do Iluminismo. No século, XVIII, estes ideais encontraram entre a burguesia as condições favoráveis para seu desenvolvimento, o que auxiliou a consolidação do capitalismo. A educação, nesse momento, passa a ser utilizada como instrumento para a instauração dessa nova ordem, pois para atender a demanda do desenvolvimento econômico era preciso adquirir conhecimentos condizentes com a lógica capitalista (HOBSBAWN, 1982, p.67).

Através do discurso de que uma sociedade democrática deveria, conforme as formulações de Saviani (2006), libertar os homens da opressão e da ignorância propagava-se a necessidade de proporcionar às massas conhecimentos úteis e práticos para sua inserção tanto no processo produtivo, quanto na participação no Estado. A opressão dizia respeito aos laços servis do Antigo Regime, fundado principalmente na submissão aos preceitos da Igreja e a ignorância é entendida como o não domínio dos “conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente” (SAVIANI, 2006, p. 6). Data, portanto, desse período o nascimento do ensino público, tendo a escola como instituição que transmite os saberes formais:

A constituição dos chamados “sistemas nacionais de ensino” data de meados do século XIX. Sua organização inspirou-se no princípio de que a educação é direito de todos e dever do Estado. O direito de todos à educação decorria do tipo de sociedade correspondente

Page 62: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores62

aos interesses da nova classe que se consolidara no poder: a burguesia. Tratava-se, pois, de construir uma sociedade democrática, de consolidar a democracia burguesa. (SAVIANI, 2006, p. 5).

Apresentava-se a necessidade de formar o homem para o trabalho (capitalista), logo sob os preceitos do individualismo, como o do direito à propriedade privada; e do outro, o cidadão (homem público) que participa do Estado, e, portanto, defende os direitos fundamentados na democracia. Na estruturação da escola encontra-se, portanto, o desafio de formar o indivíduo moderno com os valores e condutas condizentes com o modelo social instaurado: de um lado o individualismo e do outro os preceitos de cidadania.

Individualismo e cidadania: desafios da escola pública

Tendo em vista os pressupostos supracitados, a escola pública (e laica) é vista como uma força homogeneizadora atuando na superação da marginalidade, ou seja, da situação do indivíduo não esclarecido. A educação escolar, parafraseando Saviani (2006), teria, pois, a função de cooperar com o reforço dos laços sociais, promovendo a coesão e integração dos indivíduos na sociedade. Nesse contexto, se coloca o debate sobre o que ensinar na escola, sobre quais os conhecimentos válidos, úteis, “verdadeiros”, enfim, sobre o papel desta para a construção desses valores.

Jules Ferry, político francês do século XIX, quando Ministro da Educação na França foi responsável pela aprovação da lei de 16 de junho de 1881 que assegurava a gratuidade do ensino primário. Em 28 de março de 1882 institui-se a lei que versa sobre a obrigatoriedade do ensino primário para ambos os sexos e a laicidade no ensino:

La ley de 28 de marzo se caracteriza por dos disposiciones que se completan sin contradecirse: de uma parte, deja fuera del programa obligatorio la enseñanza de todo dogma particular; de outra, pone em el primer plano la enseñanza moral y cívica. la instrucción religiosa pertence a lãs familias y a la iglesia; la instrucción moral a la escuela. El legislador no ha pretendido, pues, hacer uma obra puramente negativa. Sin duda ha considerado como primer obetivo separar la escuela dela iglesia, asegurar la libertad de conciencia de los maestros y de los alumnos, diferenciar, finalmente, dos dominios demasiado tiempo confundidos: el de las creencias, que son personales, libres y variables, y el de los conocimientos, que son comunes e indispensables a todos, según lo reconocen todos. Pero hay además outra cosa em la ley de 28 de marzo: afirma la vonluntad de fundar entre nosotros uma educación nacional y de fundarla em nociones de deber i de derecho que el legislador no vacila em contar entre el número de las primeras verdades que nadie puede ignorar (FERRY, 1945, p. 14-15).

Esta lei que apresenta orientações para o ensino da moral e do civismo, em substituição do ensino religioso, demonstra que a estruturação da escola pública francesa se constitui em um projeto nacional a cargo do Estado republicano. A propagação dos princípios de igualdade, laicidade e liberdade de pensamento apontam que tal projeto estava em consonância com os ideais de modernidade, sobretudo, para a construção uma educação nacional que forme um indivíduo conhecedor de seus direitos e deveres perante a sociedade.

Page 63: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 63

Para tanto, se mostra necessário ensinar conhecimentos universais, ou seja, que sejam de aceitação comum e indispensáveis a todos. Para isso, separa-se os conhecimentos que são do domínio do privado (crenças pessoais, valores religiosos) e privilegia-se o ensino moral que tem caráter universal por corresponder a valores, costumes, hábitos que contribuem com o progresso social. Ferry (1945) aponta, então, que ao professor caberia, além de ensinar a ler e escrever, o ensino das regras elementares para a vida, o que significa, as regras sociais vigentes. Ao considerar a moral como sendo um saber universal, a coloca no mesmo patamar de outras disciplinas como matemática, linguagem, ciências. À escola, portanto, como responsável pela transmissão dos conhecimentos sistematizados, teria também a responsabilidade ensinar as regras morais.

Porém, o autor alerta para os cuidados e procedimentos que se deve ter para o ensino da moral, enfatizando que o professor deve estar atento para que não se confunda os preceitos morais com sentimentos religiosos pessoais, haja visto que tais ensinamentos advêm dos conhecimentos da própria vivência (FERRY, 1945, p.17). O objetivo desse ensino não é apenas a compreensão dos preceitos, afirma Ferry (1945, p.20), mas, sobretudo, a modificação do caráter. Por isso, estes devem ser úteis à prática, à vida social.

No basta, pues, que vuestros alumnos hayan comprendido y retenido vuestras lecciones; es necesario, sobre todo, que su caráter se modifique com ellas: no es enla escuela, es, sobre todo, fuera de la escuela como se podrá juzgar lo que ha valido vuestra enseñanza (FERRY, 1945, p. 20).

Aponta-se, desse modo, que os conhecimentos ensinados na escola devem relacionar-se

com a vida do indivíduo e contribuir para sua prática em sociedade. Por exemplo, o entendimento acerca do respeito à lei deve impedir comportamentos desviantes como roubo, infrações, violência. Assim, como ensinar os valores da justiça e da verdade contribuem com o combate ao egoísmo. As transformações advindas do ensino da moral, segundo Ferry (1945, p.21), precisam, do mesmo modo que a leitura e o cálculo, de exercícios práticos, de treino, do cultivo de hábitos. Isto significa que é preciso internalizar, naturalizar as práticas relativas à moralidade.

O texto de Ferry (1945) traz importantes apontamentos sobre como o ensino da moral proposto no período de institucionalização da escola pública na França ligava-se a um projeto do governo republicano de afirmação da nacionalidade e da cidadania. O ensino é entendido como meio para se civilizar o indivíduo à medida que este aprende “boas regras e bons costumes”. A escola laica, por sua vez, tem o papel de cooperar na construção desses valores pelo ensino moral e cívico.

Nesse debate da época, insere-se também o texto de Gabriel Compayré (1908), no qual se apresenta os questionamentos correntes sobre o impasse do que se ensinar na escola. Aparece a questão do conteúdo escolar que, primando pela formação do homem contemporâneo, deve conciliar o ensino científico (para educar o homem, o indivíduo) e das humanidades (para educar o cidadão).

Os conhecimentos científicos, que são resultado dos saberes acumulados pelas gerações, seriam responsáveis por subsidiar o desenvolvimento das forças físicas e intelectuais necessárias para os indivíduos garantirem sua sobrevivência. Por outro lado, às humanidades caberia o desenvolvimento das virtudes sociais de respeito ao semelhante e às leis, de solidariedade e cooperação para com a harmonia social. Compayré (1908) procura demonstrar que a educação

Page 64: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores64

intelectual, ou seja, dos conhecimentos científicos auxiliam a formação moral, pois à medida que estes esclarecem a consciência contribuem com o desenvolvimento do “bom julgamento” e logo, de uma “boa conduta”.

A consciência moral, no entanto, não é entendida como algo natural, que se desenvolve como os instintos e sentidos. A moralidade é adquirida e resulta da influência do meio em que se vive, dos exemplos que são passados, das lições de educação. Assim, a educação moral teria duas missões: esclarecer a consciência, ensinando que existem deveres e quais são esses; e, depois, fortalecer a vontade para que se saiba executar, cumprir os deveres, ensinando os meios para isso (COMPAYRÉ, 1908, p.6-7).

Desse modo, Compayré (1908), assim como Ferry (1945), considera que o ensino da moral é um direito, haja visto que possui diversos princípios que definem as boas ações e que são aceitos universalmente. Estes princípios estariam acima das controvérsias religiosas e filosóficas, logo o ensino da moral se insere no patrimônio cultural que a humanidade transmite às novas gerações, como os conhecimentos adquiridos pelos avanços científicos. À escola, pois, caberia buscar os métodos para desenvolver estes preceitos morais:

Nos contemos de pesquisar por quais meios práticos se obtêm das crianças que adquire as virtudes sobre as quais todo mundo está de acordo e que asseguram por sua vez a felicidade individual e a paz social. §O que importa com efeito, não é tanto o motivo pelo qual se faz o bem, a razão pela qual se cumpre seu dever, é que se faça o bem e que se cumpra seu dever. §Quando no cumprimento de um ato bom nós temos sido dirigidos pela consciência de nossa dignidade pessoal ou pelo sentimento de solidariedade social, pelo respeito à lei moral ou pelas vias do interesse e da utilidade, o ato não será menos praticamente bom (COMPAYRÉ, 1908, p.7).

Compayré (1908, p.11), em diálogo com Ferry, reafirma o papel dos educadores para com o ensino da moral e enfatiza a necessidade de neutralidade religiosa, ou seja, da manutenção do princípio da laicidade. Todavia, o autor destaca que o ensino laico, não quer dizer hostilidade com as crenças religiosas e demais valores alheios. Isso aponta para outro princípio da modernidade que é o da liberdade de pensamento. O educador em suas ações deve, nesse sentido, ter uma postura neutra e primar pelo ensino dos saberes universais. O debate acerca do papel da escola pública trouxe consigo sempre a necessidade de conciliar, portanto, o caráter dual do homem moderno em sua formação. As considerações teóricas de Compayré (1908) e Ferry (1945), sobre a necessidade do ensino da moral demonstram que a educação, ao corresponder às necessidade históricas dos homens, precisa dialogar com as diversas instâncias sociais pelo fato de que o indivíduo não se forma apenas na escola. Por sua vez, tais indagações, trazem para o centro da discussão a função da escola, que enfrenta desde seus primórdios, o desafio de fornecer conhecimentos tanto para o desenvolvimento individual, quanto para a manutenção da vida social.

A influência dessas concepções que construíram a escola pública francesa difundiu-se pelo mundo e inspiraram diversas nações cuja organização do Estado também se estabeleceu sobre os princípios republicanos e de base capitalista. Nos cabe indagar se na atualidade tais preceitos correspondem às necessidades de formação do homem contemporâneo. Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 a finalidade da educação se expressa na

Page 65: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 65

preparação para o mundo do trabalho e o exercício da cidadania. Isso demonstra que as duas funções históricas da escola se mantêm até os dias de hoje.

Conforme Zélia Leonel (2006), em Tendência atual da História da Educação, a escola pública que, surgiu no século XIX como resposta à crise do modo de produção capitalista, ao ter essas duas funções tem como objetivo “dar continuidade ao processo de acumulação de riquezas” e “conter os problemas derivados da degradação social e das lutas sociais que acompanham todo o processo” (p.54). Assim, a promoção do trabalho e da cidadania apontam a contradição inerente ao tipo de organização social que se estabeleceu.

Essa dupla finalidade de educar o indivíduo para reproduzir sua existência material, com seu próprio trabalho, e conservar, como cidadão, a organização social na qual ela ocorre, é conflituosa. Ao cindir o indivíduo entre o que é bom para si e o que é bom para o outro, de tal forma que o primeiro garante o êxito individual e o segundo está em contradição com o primeiro, expressa a natureza da contradição social, que nunca foi tão conflituosa como nesta fase da drástica redução da força global de trabalho. (LEONEL, 2006, p. 55).

A autora aponta para a discussão sobre como na atualidade à medida que tem-se cada vez mais desenvolvimento tecnológico, necessita-se cada vez menos de força de trabalho. Desse modo, o discurso de manutenção da sociedade e promoção do progresso social pelo trabalho não se sustenta nos dias de hoje. A degradação social que se buscava combater pela inserção do indivíduo no mundo do trabalho, tem hoje outras fontes, ou melhor, a estrutura de produção que gerou essas condições, tornam os seres humanos desnecessários ao processo de trabalho.

A cidadania, por sua vez, torna-se um conceito problemático numa sociedade em que a igualdade formal e a desigualdade material “saltam aos olhos”. Segundo Leonel (2006, p. 63), a formação do cidadão hoje se insere num contexto de perpetuação cada vez maior do privado em detrimento do público. A redução do número de empregos acompanha-se do afrouxamento dos laços sociais que eram cultivados pelo trabalho. Fazem-se mais necessárias as virtudes do cidadão, no entanto as condições de vida em que se está imerso solapam tais virtudes, juntamente com o trabalho.

A escola na atualidade, portanto, se apresenta como um ambiente dicotômico: seu papel institucional de preparar para o mundo trabalho e para a vida social (ser cidadão) contrasta com a própria estruturação da sociedade contemporânea, intrinsecamente marcada pela impessoalidade, rapidez e superficialidade nas relações num ambiente cada vez mais tecnocrático e mercantilizado. As facilidades e seduções tecnológicas motivam uma percepção temporal e espacial nada próxima da vivência de aulas e conteúdos sequencialmente desconexos.

Nesse ambiente, problemas de indisciplina, posturas preconceituosas, desinteresse pela formação são cada vez mais acirrados. A própria mídia noticia inúmeros casos de violência de alunos contra alunos e professores, de depredação dos prédios escolares, dos baixos índices de desempenho educacional. Todavia, essa realidade não é senão produto da violência enraizada no modo de organização social vigente, que se perpetua por práticas de massificação cultural.

considerações Finais No início do ano de 2010, por exemplo, a mídia televisiva mostrou uma situação polêmica

gerada pelo uso das chamadas “pulseiras eróticas”. Segundo as informações correntes em alguns

Page 66: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores66

países da Europa, como a Inglaterra, os jovens utilizariam essas pulseiras em festas como uma espécie de brincadeira: se a pulseira é arrebentada a pessoa que a utiliza deve cumprir o que a cor da mesma indica (os significados vão desde um abraço à atos sexuais). No Brasil o uso dessas pulseiras se espalhou entre adolescentes e crianças, inserindo-se também no cotidiano escolar.

A polêmica assinalada girou em torno de que com tal acessório os jovens estariam incentivando (ainda que ingenuamente) possíveis abusos sexuais por se exporem através das cores das pulseiras utilizadas. A discussão veio à tona depois que foi noticiado o caso de uma adolescente, da cidade de Londrina no Paraná, que teria sido obrigada por alguns garotos a práticas sexuais depois de ter a pulseira que usava arrebentada. A Secretaria de Educação do Paraná se pronunciou e proibiu o uso do artefato nas escolas. Aos pais, professores e responsáveis orientou-se que coibissem a prática da mesma forma.

Debates como o exemplificado acima acabam restritos à superficialidade de engendrar medidas de coerção para se combater um problema que tem raízes assentados numa estrutura social que produz um indivíduo alienado. Por detrás dos discursos de resgate da moral que essa situação gerou se coloca a questão da erotização infantil e da sexualidade precoce que podem ser considerados um dos problemas da contemporaneidade. Quando se culpabiliza o indivíduo por sua condição sem considerar as condições que o geraram, tira-se da sociedade a responsabilidade por uma formação consistente. No caso das pulseiras, por exemplo, é mais fácil proibir com discursos de contorno moral do que trazer para debate os fatores que na sociedade tem gestado comportamentos irracionais e barbarizantes.

Desse modo, retornar ao passado para se refletir sobre os conceitos que consolidaram esse tipo de sociedade, como pela análise da escola pública, contribui para refletirmos sobre nossa própria prática educativa. Logo, pensar as questões morais na atualidade requer uma reflexão sobre até que ponto o acirramento de violências e atitudes irracionais não se travestem de princípios democráticos e liberdade individual.

Referências

BRASIL. GOVERNO FEDERAL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.º 9.394. 20 de Dezembro de 1996.

COMPAYRÉ, Gabriel. A educação moral. In:_____. L’Education intellectuelle et morale. Paris, Librairie Classique Paul Delaplane, 1908.

FERRY, Jules. Carta dirigida a los maestros por el ministro de instrucción pública. In:_____. La escuela laica. Buenos Aires: Losada S.A, 1945.

HOBSBAWN, E. J. A era das revoluções na Europa 1789-1849. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1979.______. A era do capital: 1848-1875. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

LEONEL, Zélia. Tendência atual da História da Educação. In: Educação em debate: perspectivas, abordagens e historiografia. Org. Analete Regina Schelbauer et al. Campinas – SP: Autores Associados, 2006. (Coleção memória da educação).

SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. 38. ed. Campinas, SP: Autores associados, 2006. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo; vol. 5).

Page 67: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 67

FILOSOFIA E EDUCAÇÃO: A CRÍTICA DE FOUCAULT ÀS PRÁTICAS DISCIPLINARES EM EDUCAÇÃO

Claudiney José de Sousa1

Orientações didáticas

O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) realizou investigações históricas em diversos campos do conhecimento. Escreveu sobre poder, loucura, política, sociedade, sexualidade, saúde, direito, educação etc. Contudo, suas investigações não se detiveram a uma análise ou registro históricos destas práticas ou destes saberes. Os estudos de Foucault sempre foram fundamentados na reflexão e na crítica filosóficas (MAIA, 1998, p.103-104).

Podemos dividir sua produção teórica em duas grandes fases (ou eixos epistemológicos): a primeira fase, que compreende as produções da década de 60 e a segunda fase, comumente conhecida como genealogia do poder, resultado das produções da década de 70 e que privilegiaram questões de natureza política e social. “A genealogia é um modo de analisar que usa a história para situar saberes e práticas que têm efeitos de poder na medida em que servem para adestrar, controlar, examinar, produzir comportamentos” (ARAUJO, 2009, p. 223). Neste texto faremos menção principalmente a uma obra deste segundo período – Vigiar e Punir, publicada em 1975. Embora Vigiar e Punir trate quase que especificamente da história da violência nas prisões, pode ser entendida também como um modelo para o estudo de outras instituições repressoras, como a escola, por exemplo.

Na sequência faremos uma breve apresentação sobre as relações entre filosofia e educação no processo de desenvolvimento da história Ocidental para, em seguida, destacarmos a filosofia de Michel Foucault como caso exemplar da crítica e da fundamentação filosófica na esfera da educação.

Filosofia e educação

Desde a Antiguidade filosofia e educação estiveram estritamente ligadas. A filosofia nasceu não apenas como logos, mas também como paidós (Paideia). Os primeiros filósofos, principalmente Sócrates e os sofistas, foram grandes educadores; educavam enquanto dialogavam em praça pública; educavam enquanto defendiam e difundiam suas concepções filosóficas. Nesse sentido, é quase impossível falar de uma destas áreas de conhecimento de forma específica: todo filósofo é um educador; a educação pode ser vista como a essência do fazer filosófico.

A filosofia, contudo, tem como uma de suas especificidades o fato de ser a fundamentação dos saberes e de se perguntar pelos fins a que se destinam as ações e práticas humanas2. Ao

1 Graduado em Filosofia pela UEL. Doutor em Filosofia pela Unicamp. Professor de filosofia da Faculdade Apucarana Cidade Educação (FACED), da Faculdade Paranaense (FACCAR) e professor colaborador da UEM. Contato: [email protected] ou [email protected]. 2 Podemos dizer que há pelo menos quatro grandes pressupostos filosóficos da educação: antropológico, epistemológico, axiológico e político. Cada um destes pressupostos destaca aspectos específicos como valores éticos, espirituais, estéticos (axiologia), discute uma concepção específica de homem (antropologia), analisa problemas como a origem, limites e possibilidades do conhecimento (epistemologia) ou trata, por exemplo, das relações entre poder e saber (filosofia política). Para mais detalhes veja Aranha (2006), p.146-204.

Page 68: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores68

proceder dessa forma com relação à educação, a filosofia tem o propósito de mostrar como mudam historicamente as finalidades e os modos de fundamentação do saber. Veremos mais adiante – ao discutir a filosofia de Michel Foucault – como o estudo das diferentes visões filosóficas sobre a educação poderá nos esclarecer sobre as estreitas relações ente saber e poder no longo e doloroso processo histórico de construção do sujeito e do conhecimento.

Quando coloca a questão pelos fins a que se destina a educação, a filosofia mostra que diferentes sociedades e diferentes épocas prezam por diferentes formas de educar: na Grécia clássica educava-se o cidadão, em Esparta o guerreiro belo e bom, na Idade Média o ensino sofreu forte influência da fé; no Renascimento o gentil-homem é o modelo a ser perseguido; a partir da revolução científica do século XVIII o indivíduo começa a ser preparado para o trabalho técnico. Na contemporaneidade várias tendências pedagógicas convivem e reivindicam para si o fato de serem teorias capazes de responder efetivamente aos anseios educacionais da época atual.

De uma forma geral podemos dizer que, no processo de desenvolvimento histórico, a educação sofreu a influência de pelo menos três grandes concepções ou visões antropológicas que orientaram a busca desses fins ou dessas finalidades. Veremos ainda que, em geral, essas visões apresentaram cunho fortemente filosófico: i) a essencialista; ii) a naturalista (ou cientificista) e; iii) a histórico-dialética.

A visão essencialista sobre a educação tem a característica de definir de antemão (de forma a priori) o modelo de homem que se deve educar. Platão, Aristóteles, Agostinho e Tomás de Aquino são os grandes representantes da idéia de que é preciso perseguir, em educação, um modelo de homem previamente pensado: o cidadão, o guerreiro belo e bom, o político filósofo, o religioso etc. Nessa concepção, aspectos como as circunstâncias, a situação econômica, política e social na qual o indivíduo é educado quase sempre não são destacadas como determinantes na formação. Enfatiza-se, por outro lado, um projeto ou uma essência que precede uma existência (que somente depois será definida, realizada).

A concepção naturalista ou cientificista firmou-se principalmente após a revolução científica do século XVIII e manteve-se influente até meados do século XX. Essa concepção esteve sempre atrelada aos anseios da indústria, da técnica, da ciência e da burguesia nascente após as revoluções francesa e industrial. Por isso, esperava-se superar a visão essencialista fortemente metafísica difundindo a idéia de que a formação científica é emergente porque atende às necessidades práticas do homem (produção material, consumo, desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias etc).

Por fim, a concepção histórico-dialética procura mostrar os erros e as limitações das duas concepções anteriores. Tanto a concepção essencialista quanto a concepção naturalista pecam por cair em extremos. Não se pode pensar num homem ideal, abstrato e desconsiderar sua vida prática, assim como não basta formar o homem com base apenas em modelos mecanicistas. O homem é também subjetividade e liberdade; caracteriza-se pela inviolabilidade e inobjetabilidade enquanto pessoa. Por isso, a concepção histórico-dialética tem o mérito de reunir as contribuições das duas grandes tendências anteriores e, além disso, mostrar que o processo de formação do homem é principalmente um processo dialético, em constante transformação e desenvolvimento; tem o mérito de mostrar que nesse processo os aspectos históricos e sociais devem ser definidos como as principais coordenadas do pensar e viver humanos.

Page 69: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 69

Desde os séculos XVIII e XIX filósofos como Kant, Rousseau, Hegel e Marx já haviam chamado a atenção para a importância dos fatores históricos e sociais na formação humana, contudo é apenas no século XX que encontraremos teóricos que se dedicam especificamente à exploração desses elementos. Estes teóricos são principalmente Lev Semenovich Vygotsky, Jean Piaget, Lawrence Kohlberg, no âmbito mais estritamente pedagógico e Edmund Husserl, Jean-Paul Sartre, Martin Heidegger, Merleau-Ponty (com a fenomenologia – um movimento que modificou totalmente a noção clássica de conhecimento) e Michel Foucault (com sua genealogia e suas críticas aos modelos repressivos em educação). Cabe lembrar que estes teóricos (principalmente os filósofos) nem sempre escrevem ou falam diretamente sobre educação, o que não nos impede de adotar suas teorias para iluminar a prática pedagógica.

Michel Foucault e a análise das práticas disciplinares em educação.

Nesta seção nos deteremos à análise como, na sociedade contemporânea, a educação tem se configurado em regime disciplinar devido às microfísicas relações de poder que se constituem na institucionalização do saber, permitindo, assim, que atenda aos padrões de normalidade do atual sistema político e econômico. Neste contexto, algumas questões são pertinentes: qual a relação entre saber e poder? O que podemos entender por educação disciplinar? Quais as implicações desse discurso repressivo na prática educativa?

Em Vigiar e Punir Foucault fala de uma tecnologia geral do poder que evolui de acordo com a evolução das necessidades materiais e da moral de um povo. Essa evolução, na Modernidade e na Contemporaneidade, está ligada ao surgimento e desenvolvimento das ciências humanas. O filósofo procura compreender essas transformações verificando como se pune e o que se pune em cada época. Na Modernidade, por exemplo, não se pune o ato, mas o indivíduo, o sujeito. Investiga-se sua interioridade psicológica. Com isso Foucault acredita mostrar a importância e a tarefa dessas ciências que começam a se esboçar neste período. Elas são instrumentos importantes na decisão sobre a culpa ou não do réu. O psiquiatra, por exemplo, embora não possa decidir sobre a responsabilidade do indivíduo, pode avaliar seu comportamento. Isso significa que a punição agora se refere a elementos de conhecimento e que há uma estreita relação entre saber e poder (SOUZA, 2010, p.50-51).

Segundo a análise genealógica de Foucault o indivíduo moderno nasce juntamente com as ciências humanas. Há um forte vínculo entre tecnologias disciplinares e ciências normativas como sociologia, psicologia, psiquiatria, antropologia etc, que criam o indivíduo como corpo dócil e útil para o trabalho, para a prática esportiva, para o estudo, para a guerra, para a formação profissional etc. Por isso Vigiar e Punir seria

Uma história correlativa da alma moderna e de um novo poder de julgar; uma genealogia do atual complexo científico-judiciário onde o poder de punir se apóia, recebe suas justificações e suas regras, estende os seus efeitos e mascara sua exorbitante singularidade (FOUCAULT, 2002, p. 23).

Num texto intitulado “Uma Política da Verdade: a Estratégia de Michel Foucault”, Candiotto procura mostrar a diferença entre os dois grandes eixos epistemológicos do pensamento de Foucault (arqueologia e genealogia). Fala da genealogia do poder como sendo uma “história

Page 70: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores70

política da verdade”. Uma investigação que, segundo ele, “não rejeita as verdades científicas; apresenta apenas o modo como nas práticas que acompanham o discurso científico, a distinção entre o verdadeiro e o falso [...] são efeitos de complexas estratégias de poder” (CANDIOTTO, 2006, p. 129). O verdadeiro se apresentaria, na concepção de Foucault, como uma “justificação racional da reprodução do poder, jamais a pesquisa desinteressada da verdade” (CANDIOTTO, 2006, p. 129). Foucault acaba mostrando, com sua genealogia, que o que se considerava um desejo natural de saber (como defendia Aristóteles na Metafísica) vai transformando-se em vontade histórica da verdade, um “impulso à verdade” – como diria Nietzsche3 (ex.: nos discursos científicos da medicina, da psiquiatria, da criminologia etc). Esse discurso passa a ser, na concepção de Foucault, “uma arma de poder, de controle, de assujeitamento, de qualificação e de desqualificação [...] o embate de uma luta fundamental” (apud CANDIOTTO, 2006, p.131).

Com isso podemos ver que a psiquiatria, a medicina, a criminologia e mesmo ciências como a sociologia, psicologia e antropologia são, no momento de sua constituição, discursos científicos a favor do poder, uma arma do poder. Elas serão ferramentas fundamentais para o estabelecimento dos padrões de normalidade/anormalidade4 e para a justificação desse poder. Veremos que essa mesma análise poderia aplicar-se ao discurso da educação e de suas ciências particulares.

Não trataremos aqui especificamente da pedagogia ou de qualquer outra ciência auxiliar do campo educacional enquanto discurso da verdade a favor do poder. Adotaremos a estratégia de tratar desse tema de forma indireta, a partir de um texto do educador João Batista Freire que, em nossa concepção, será um modelo explicativo dessa problemática.

Em 19925 o educador João Batista Freire publicou um artigo com título nada convencional: “Métodos de Confinamento e Engorda (como fazer render mais porcos, galinhas, crianças...). O tom provocativo do título convida-nos rapidamente à leitura. O brilhante artigo discute a questão do confinamento das crianças no ambiente escolar. Para desenvolver sua discussão Freire estabelece um paralelo entre o contexto escolar e o Panóptico de Jeremy Bentham (um modelo arquitetural para prisões que permitisse requinte de vigilância sobre condenados). As claras interconexões entre o panóptico e a escola denunciam as relações de poder, disciplina e repressão nessas instituições. Nosso objetivo é adotar o texto de Freire como modelo para a análise do pensamento de Foucault em Vigiar e Punir e apresentar uma crítica aos diferentes modelos ou métodos repressivos em educação na sociedade contemporânea.

Todos nós sabemos que animais, quando confinados engordam mais e consequentemente tornam-se mais produtivos. Em uma palavra, isso significa economia, seja de pasto, comida, medicamentos ou de mão-de-obra para o produtor. Isso foi possível na agropecuária do mundo todo principalmente devido ao surgimento e disseminação de novas tecnologias no campo. O confinamento é uma técnica moderna, que a exemplo de outras técnicas aplicadas às mais diferentes áreas da vida humana (saúde, lazer, trabalho, esporte, educação etc) significariam

3 Veja, a esse respeito, um ensaio de Nietzsche de 1873, intitulado Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-moral.4 Em sua tese de doutorado História da Loucura na Idade Clássica, publicada em 1961, Foucault já procurava tematizar a questão dos padrões de normalidade/anormalidade, neste caso a razão e a loucura. O que era dito racional e não racional na época clássica? Por que se fazia essa classificação? Segundo Foucault, “Sob controle, a loucura mantêm todas as aparências de seu império. Doravante, ela faz parte das medidas da razão e do trabalho da verdade. Ela representa, superfície das coisas e à luz do dia, todos os jogos da aparência, o equívoco do real e da ilusão, toda essa trama indefinida, sempre retomada, que une e separa ao mesmo tempo a verdade e o parecer” (FOUCAULT, 1997, p.45).5 Utilizaremos aqui a edição de 1999.

Page 71: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 71

progresso, modernização, menos miséria, bem-estar para todos. Essa era uma das idéias básicas de Jeremy Bentham (1748-1832), filósofo e jurista inglês que difundiu o pensamento utilitarista, uma teoria ética que responde a todas as questões acerca do que fazer, do que admirar e de como viver, em termos da maximização da utilidade e da felicidade6. Foi pensando nessa economia do confinamento que Bentham projetou o Panóptico, um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma torre central disposta de forma que, mesmo na ausência daquele que vigia o indivíduo ainda acreditava estar sendo vigiado7. O anel dividia-se em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior, proporcionando vigilância ininterrupta. A eficácia desse modelo também seria comprovada pelo fato de ser aplicável a muitas instituições; em cada uma delas teríamos, segundo o objetivo da instituição, uma criança aprendendo a escrever (escola), um operário a trabalhar (fábrica), um prisioneiro a ser corrigido (prisão), um louco tentando corrigir a sua loucura (manicômio), etc (FREIRE, 1999, p. 109-111).

Causa-me arrepios pensar no panóptico quando se tem em mente prisões, manicômios, hospitais ou escolas, principalmente estas últimas. Métodos de vigilância sempre me causaram mal-estar. Sei para que servem e sei como atuam. Invariavelmente cerceiam as manifestações corporais e ritualizam a vigilância até que a sentinela se instale simbolicamente dentro do vigiado. Daí para a frente a tarefa se simplifica, e somente ai ela se cumpre (FREIRE, 1999, p. 111).

Freire quer mostrar, com seu texto, que a escola é também uma instituição panóptica, principalmente quando se considera a simbologia do panóptico. Basta considerar apenas uma questão trivial do confinamento e da disciplina escolar, a avaliação: “mesmo quando o professor se ausenta em meio a uma prova escrita, os alunos relutam em colar” (FREIRE, 1999, p.111), ou o fato de que “o exame vale uma nota e não um conhecimento” (idem). É sinal de que o panótico está nas entranhas dos vigiados, funcionando exatamente da forma como Bentham imaginara. “Na ausência física do examinador [...]permanece sua presença simbólica, que continua a vigiar todos, a cercear a “cola” de boa parte dos alunos e a prejudicar a eficiência dos que se propõem a vencer a vigilância simbólica do professor ausente” (idem).

Enfim, dentro dos limites desse texto, o que podemos dizer, a partir do exemplo anterior, é que Vigiar e Punir denuncia (indiretamente) as práticas disciplinares em educação, mostrando como há uma forte relação entre saber e poder em nossa sociedade. Para o poder é importante que não haja a transgressão, “transgredir torna-se, por vezes, uma arte, tentada por poucos” (FREIRE, 1999, p.111). É para isso que servem os métodos de confinamento e engorda, no caso das crianças enfileiradas em salas lotadas, servem para engordar um comportamento esperado, a normalidade de um saber institucionalizado.

6 Para mais detalhes veja Bentham (1979).7 Um modelo que hoje é substituído pela tecnologia das câmeras de vídeo, de computadores e outros aparatos modernos que garantem, de forma ainda mais sofisticada, o requinte de vigilância idealizado por Bentham.

Page 72: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores72

Métodos de confinamento e engorda. Aplicáveis indiferentemente a porcos, vacas, galinhas e homens. Atesta-o a metodologia do traseiro, a mais cruel e freqüente nas nossas escolas. Crianças confinadas em salas e carteiras, mais imóveis que os bichos que já mencionei. Como se, para aprender, fosse necessário o contato permanente do traseiro com a carteira. Mas, assim como os nazistas o sabiam, o sistema escolar também sabe. O corpo tem que se conformar aos métodos de controle, caso contrário, as idéias não podem ser controladas (FREIRE, 1999, p. 114).

Referências

ARANHA, M. L. de Arruda. Filosofia da Educação. 3ª ed. São Paulo:Moderna, 2006.

ARAÚJO, I. L. Foucault: um pensador da nossa época, para a nossa época. In: MARÇAL, J. (Org.). Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: Seed- Secretaria de Estado da Educação do Paraná, 2009, p. 219-228

BENTHAM, J. Os Pensadores. São Paulo:Abril, 1979.

CANDIOTTO, C. Uma Política da Verdade: a estratégia de Michel Foucault. In.: ARAÚJO, I. L. e BOCCA, F. V. (orgs). Temas de Epistemologia. Curitiba:Champagnat, 2006.

FREIRE, J. B. Métodos de Confinamento e engorda (Como fazer render mais porcos, galinhas, crianças ...), In.: MOREIRA, W. W. et. all. (Orgs), Educação Física e Esportes: perspectivas para o século XXI, 4ª Ed. São Paulo:Papirus, 1999.

FOUCAULT, M. História da Loucura na Idade Clássica. Trad. de José Teixeira Coelho Netto. São Paulo: Perspectiva, 1997.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. de Raquel Ramalhete, 26ª Ed. Petrópolis:vozes, 2002.

MAIA, A. C. A Genealogia de Foucault e as formas Fundamentais de Poder/Saber: o Inquérito e o Exame. In.: BRANCO, G. C. e NEVES, L. F. B. (Orgs), Da Arqueologia do Saber à Estética da Existência. Londrina/Rio de Janeiro:Nau Editora, 1998.

NIETZSCHE, F. Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-moral. In: MARÇAL, J. (Org.). Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: Seed- Secretaria de Estado da Educação do Paraná, 2009, p.530-541.

SOUZA, F. M. C. A Objetivação do Sujeito por práticas Disciplinares em Vigiar e Punir. Índice, vol. 2, n. 1, 2010, p.50-59.

Page 73: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 73

A ‘RAcIOnALIDADe GOVeRnAMentAL’ eM FOUcAULt: UMA LeItURA A pARtIR DOS cOnceItOS De ‘DISpOSItIVOS’,

‘ReGIMeS De VeRDADe’ e ‘DIScURSO/SABeR/pODeR’1

Gregório Antonio Fominski do Prado2

Introdução

Como se configuram as estratégias dos jogos de poder constitui uma das grandes preocupações que motivam intelectuais atualmente, não somente por ocasiões que se remetem a macro-política, mas, sobretudo aos desdobramentos “microfacetários” e heterogêneos que tecem as relações e manifestações de poder na sociedade moderna. Tal preocupação sempre foi recorrente na história, porém, os estudos sobre configuração e manifestação de poder recebe um novo fôlego e outra orientação a partir das contribuições de Michel Foucault, o qual mediante a assertiva “saber é poder” coloca como centro de análise a produção e manutenção de “verdades”, enfatizando os efeitos práticos de poder produzidos por discursos constituídos em determinados “regimes de verdade”. A contribuição de Foucault reside na possibilidade de interpretar o poder de acordo com sua própria manifestação discursiva, que pauta e é pautada pelo “regime de verdade” a qual pertence. Os “regimes de verdade” podem ser entendidos como o ambiente e contexto intelectual, cultural e epistemológico em que se criam e se relacionam os discursos. Nos “ regimes de verdade” encontra-se o processo justificação e fundamentação de uma determinada ‘verdade’, mas também encontra-se a justificação e fundamentação de rupturas e conflitos. Evidentemente que os “regimes de verdade” se encontram marcados pela sua multiplicidade e heterogeneidade, portanto, gerando múltiplos discursos.

Nas teorizações foucaultianas sobre política é possível perceber uma abordagem e foco nas micro-desenvolturas das relações de poder, evidenciando que as manifestações discursivas de poderes estão inseridas em todos os âmbitos da vida dos indivíduos. O conceito de “biopolítica” revela que nas mais íntimas e impensáveis relações sociais existe uma configuração de poder latente, e que os discursos produzidos em heterogêneos “regimes de verdade” pautam as relações sociais.

As manifestações discursivas de poder nos âmbitos microfacetários da dinâmica social constitui o enfoque da presente reflexão, que pretende em primeiro momento identificar como determinados ‘regimes de verdade’ inauguram discursos que se manifestam como poderes disciplinadores e normatizadores. A tentativa é identificar as estratégias discursivas das micro relações sociais que originam e legitimam uma ‘governamentalidade’3, expressa na positividade de leis e normas. Para tal propósito o caminho inicial será a análise das possibilidades de determinados discursos de saber/poder atravessarem vários ‘dispositivos’ e ‘regimes de verdade’,

1 Artigo apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Estadual de Londrina, na disciplina de Teoria Antropológica – 2SOC 127 – 2ºsem/2011, ministrada pela Prof. Dr. Leila Jeolás2 Professor de Sociologia da Educação Básica. Graduado em Ciências Sociais e Especialista em Ensino de Sociologia pela UEL. Mestrando em Ciências Sociais pela UEL, na Linha “Ensino de Sociologia”. Contato: [email protected] 3 Foucault entende a ‘governamentalidade’ ou ‘artes de governo’ como um conjunto de racionalidades políticas e procedimentos técnicos originários de uma configuração de saber/poder que determina o governo da vida.

Page 74: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores74

e várias micro relações sociais. Nesse momento a contribuição de Deleuze4 se apresenta como necessária, pois é justamente a partir da sua leitura do conceito de ‘dispositivo’ que se fundamenta a argumentação do presente artigo.

Deleuze, ao dizer que os dispositivos são compostos por linhas ou discursos que sedimentam um ‘regime de verdade’, e que essas linhas ou discursos de sedimentação podem atravessar vários dispositivos, abre possibilidades para se pensar os caminhos percorridos por determinados discursos que extrapolam limites, mas não são universais, e se consolidam na institucionalização de uma ‘governametalidade’ expressa pelas leis e normas. Nessa leitura os caminhos do saber/poder não se constituem em via e em mão única. O controle, a disciplina, a normatização da vida não é exclusivamente atributos de uma ‘governamentalidade’ via Estado, antes é produto de jogos estratégicos das micro relações sociais, que se perduram via discursos e se fortalecem também em outras relações e instituições. A ‘governamentalidade’ pode então ser relacionada aos discursos que atravessam o maior número de ‘dispositivos’ e determinam as sedimentações ou as rupturas que devem ser respeitadas e seguidas no interior da sociedade. Quando esses discursos de saber/poder são inseridos institucionalmente é normal e pertinente a luta para sua manutenção e perpetuação, dessa forma a ‘governamentalidade’ também exerce o caminho contrário de afirmar e fazer valer um poder de cima para baixo, que além de instrutivo e normativo tem agora a legitimidade de ser repressivo e opressor, o que torna-o mais fácil percebê-lo e caracterizá-lo como poder governamental via Estado.

A racionalidade de governo: construção de entendimento via “dispositivos”

A ‘governamentalidade’ a qual Foucault se preocupa em teorizar deve ser entendida como um resultado e processo discursivo histórico, que mobilizando ‘verdades’ construídas em determinado contexto produziu uma racionalidade, no sentido de modus operandi, específica. Foucault em aulas proferidas no Curso do Collège de France de 1978 a 1979, que deu origem ao livro “Nascimento da Biopolítica” enfatiza que o surgimento desta nova maneira de gerir uma sociedade se dá a partir do séc. XVIII, no momento em que uma nova arte de governar se coloca como necessária. O contexto europeu do séc. XVIII, de acordo com Foucault, era marcado pelo liberalismo, mas um liberalismo com resquícios do naturalismo e dos fisiocratas que adotavam algumas regras como: mercado livre, Estado mínimo, livre iniciativa de mercado e livre concorrência, enfim, medidas que não somente constituíam orientações de negócios em escalas mundiais. De acordo com Foucault essas medidas, até certo ponto pragmáticas, foram resultados de ‘regimes de verdade’ que deram origem à discursos que sedimentaram toda uma racionalidade moderna, sobretudo na maneira de gerir a sociedade em escala global. De acordo com Foucault:

Mas digamos que temos aí o inicio de um novo tipo de cálculo planetário na prática governamental européia. Desse aparecimento de uma nova forma de racionalidade planetária, desse aparecimento de um novo cálculo com as dimensões do mundo, creio que podemos encontrar muitos indícios. Cito apenas alguns deles. Tomem, por exemplo, a história do direito marítimo no século XVIII, a maneira como, em termos de direito internacional, procurou-se pensar o mundo, ou pelo menos o mar, como um espaço de

4 DELEUZE, Gilles ¿Que és un dispositivo? In: Michel Foucault, filósofo. Barcelona: Gedisa, 1990, p. 155-161.

Page 75: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 75

livre concorrência, de livre circulação marítima e, por conseguinte, como umas das condições necessárias à organização de um mercado mundial. [...] Digamos que houve uma juridificação do mundo que deve ser pensada em termos de organização de um mercado. (FOUCAULT, 2008, p. 77).

O conceito de ‘Biopolítica’ pode ser comprovado justamente nesse momento, em que se origina uma racionalidade capaz de orientar as ações macro de políticas entre Estados, e, além disso, também apresenta a possibilidade de gerir as ações mais comuns da vida cotidiana, com mediação das instituições como famílias, escolas, fábricas, hospitais, prisões, etc. Teórico-metodologicamente é possível perceber as instituições como dispositivos que são atravessadas por certos discursos/poder que instauram certa conduta a ser respeitada e seguida, porém um discurso emanado pela racionalidade de mercado.

No entanto, essa abordagem foucaultina não é a única, e nem mesmo tão aceita. É possível perceber outras perspectivas de entendimentos5 que associam a configuração dos jogos de poderes com os discursos ideológicos de uma suposta racionalidade moderna instrumental. A perspectiva Foucaultiana, por especificidades teórico-metodológicas, se afasta do conceito de ideologia, portanto, não sendo possível relacionar a “crítica à racionalidade instrumental” dos Frankfurtianos com as aspirações intelectuais de Foucault. Mas é pertinente mencionar que a racionalidade a qual Foucault teoriza como produto de estratégias de saber/poder constitui e é constituído pelo próprio discurso que se materializa em práticas institucionais do próprio Estado. O que estranha alguns iniciantes leitores é realmente a falta da ideologia como a orientadora das práticas e estratégias de poderes, como se faltasse uma ordem geral do jogo que direcionasse todas as micro estratégias. O papel da ideologia parece ser teórico-metodologicamente substituído pela função que o discurso apresenta na construção de verdades e poderes. O discurso não é geral e nem universal, é heterogêneo e microfacetário. No entanto, como Foucault em “Arqueologia do Saber (2000)” e “A Ordem do Discurso(2004)” já ressaltou, sabe-se que o próprio discurso revela manifestações de poder, sendo ele, o discurso, a própria manifestação do poder, pois esta inserido em uma construção de saber/poder. Se o próprio Foucault em “Nascimento da Biopolítica” (2008) reconhece e menciona uma “noção” de racionalidade moderna geral, em hipótese, é porque essa “noção” se constitui e se apresenta nos vários discursos heterogêneos que atravessam e emanam pelos “dispositivos”, os quais podem ser considerados como mecanismos multilineares de produção e transmissão de “epistemes” ou “regimes de verdade”, que por sua vez inauguram racionalidades no sentido da positividade de modus operandis que são passiveis de constantes mudanças. Segundo Deleuze definindo o “dispositivo”:

Em primeiro lugar, é uma espécie de novelo ou meada, um conjunto multilinear. É composto por linhas de natureza diferente e essas linhas do dispositivo não abarcam nem delimitam sistemas homogêneos por sua própria conta (o objeto, o sujeito, a linguagem), mas seguem direções diferentes, formam processos sempre em desequilíbrio, e essas linhas tanto se aproximam como se afastam uma das outras. Cada está quebrada e submetida a variações de direção (bifurcada, enforquilhada), submetida a derivações. Os objetos visíveis, as enunciações formuláveis, as forças em exercício, os sujeitos numa determinada posição,

5 Escola de Frankfurt por exemplo.

Page 76: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores76

são como que vetores ou tensores. [..] Há linhas de sedimentação, diz Foucault, mas também há linhas de “fissura”, de “fratura”. Desemaranhar as linhas de um dispositivo é, em cada caso, traçar um mapa, cartografar, percorrer terras desconhecidas, é o que Foucault chama de “trabalho em terreno”. É preciso instalarmo-nos sobre as próprias linhas, que não se contentam apenas em compor um dispositivo, mas atravessam-no, arrastam-no, de norte a sul, de leste a oeste ou em diagonal. [...] Os dispositivos têm, então, como componentes linhas de visibilidade, linhas de enunciação, linhas de força, linhas de subjetivação, linhas de ruptura, de fissura, de fratura que se entrecruzam e se misturam, enquanto umas suscitam, através de variações ou mesmo mutações de disposição. Decorrem daí duas conseqüências importantes para uma filosofia dos dispositivos. A primeira é o repúdio dos universais. Com efeito, o universal nada explica, é ele que deve ser explicado. Todas as linhas são linhas de variação, que não tem sequer coordenadas constantes. O Uno, o Todo, o Verdadeiro, o objeto, o sujeito não são universais, mas processos singulares, de unificação, de totalização, de verificação, de objetivação, de subjetivação, processos imanentes a um dado dispositivo. E cada dispositivo é uma multiplicidade na qual esses processos operam em devir, distintos dos que operam em outro dispositivo. (DELEUZE, 1990, p. 1 a 4).

Percebe-se que toda uma arqueologia sobre a formação e movimento de um discurso/poder determina suas ações enquanto disciplinadora, normatizadora, reguladora, negadora, enfim, o próprio movimento discursivo revela por onde e como se deve configurar as estratégias de poder. E cada movimento inaugura uma razão própria, por isso, epistemologicamente, Foucault não acredita no poder universal da razão, pois acredita que toda razão é fruto de uma disposição de estratégias discursivas. De acordo com Deleuze:

Neste sentido, a filosofia de Foucault é pragmática, funcionalista, positivista, pluralista. Talvez o que coloque o maior problema seja a razão, porque os processos de racionalização podem operar sobre segmentos ou regiões de todas as linhas consideradas. Foucault credita para Nietzsche a historicidade da razão; e acentua toda a importância duma investigação epistemológica sobre as diversas formas da racionalidade no saber (Koyré, Bachelard, Canguilhem), e de uma investigação sociopolítica dos modos de racionalidade no poder (Max Weber). Talvez ele reserve para si a terceira linha, o estudo dos tipos “do razoável” em eventuais sujeitos. Mas, o que Foucault essencialmente recusa é a identificação destes processos com razão por excelência. Foucault recusa toda a restauração de universais de reflexão, de comunicação, de consenso. Pode-se dizer, neste sentido, que as relações com a escola de Frankfurt, e com os sucessores dessa escola, são uma longa série de mal-entendidos dos quais Foucault não é responsável. E assim como não há universalidade de um sujeito fundador, ou de uma razão por excelência que permita julgar os dispositivos, também não há universais da catástrofe nos quais a razão se alienaria, onde uma vez por todas se afundaria. Como Foucault disse a Gérard Raulet, não há uma bifurcação da razão, o que acontece é que esta não deixa de se bifurcar; há tantas bifurcarções e ramificações quantas instaurações, tantos desabamentos quantas construções, segundo os recortes operados pelos dispositivos, e “não há nenhum sentido na proposição segundo a qual a razão é uma longa narrativa agora terminada”. (DELEUZE, 1990, p. 4).

A razão em Foucault, segundo Deleuze, assume posição heterogênea e se diferencia e se caracteriza na linha de subjetivação e objetivação a qual é originaria e a qual determina. No

Page 77: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 77

entanto, se torna evidente na modernidade uma linha de objetivação que extrapola para todos os âmbitos da vida social, fortalecendo a leitura de Foucault sobre a racionalidade de mercado inserida na própria maneira de administrar a vida em sociedade. Têm-se como assertiva a não universalização de uma racionalidade, mas ao mesmo tempo observa-se uma mundialização de uma maneira específica de pensar e de agir, fortemente influenciada por uma lógica de mercado, que paulatinamente se transformou em uma política geral e específica ao mesmo tempo, disciplinando e normatizando das leis mais gerais até as práticas mais íntimas dos indivíduos em sociedade, a análise sobre o “dispositivo geral de governamentalidade” e os “dispositivos da sexualidade” servem como exemplos desse movimento.

Certamente o que se coloca como problema central é a capacidade de uma linha de objetivação possuir maior poder de determinação, mas que esse poder é um dentre os vários discursos produzidos em diversos e heterogêneos ‘regimes de verdade’. Não é possível admitir uma universalização da racionalidade, papel atribuído em outras vertentes epistemológicas à ideologia, como então pensar a mundialização de uma forma específica de pensar que consegue sobredeterminar vários âmbitos da vida em sociedade? O caminho epistemológico possível em Foucault reside nas relações entre os discursos/saber/poder e os “dispositivos”.

Se os “dispositivos” permitem o atravessamento de determinados discursos dos vários “regimes de verdade” é possível admitir que existe uma certa “noção” de racionalidade moderna, advinda com os preceitos do liberalismo (Sec. XVIII), que sobressai a heterogeneidade dos múltiplos “dispositivos” e “epistemes” e perdura nas configurações e manifestações de poder? Como esse atravessamento se processa e se converte em discursos que se institucionalizam? A “noção” de racionalidade moderna, na perspectiva de Foulcault, é uma componente específica ou uma característica comum presente na heterogeneidade dos vários e possíveis discursos dos “regimes de verdade”? A racionalidade moderna se constitui em uma grande “episteme” que ativa os vários “dispositivos”? São questões como essas que podem direcionar os estudos sobre racionalidade moderna em Foucault, no entanto, para os objetivos e limites do presente artigo o foco reside apenas na primeira questão.

Foucault em “Microfísica do Poder” (2008) admite que o “dispositivo” pode ser definido por uma estrutura de delimitações flexíveis e elementos heterogêneos, mas que também apresenta uma gênese. Vários “dispositivos” diferentes podem apresentar uma mesma gênese? Foucault concebe a gênese como um momento em que surge um “objetivo estratégico” pautado pela “episteme”, o qual apresenta como função o processo de “sobredeterminação funcional”, de modo que seus desdobramentos processuais de poder sigam a partir de uma relação de ressonância ou de contradição, o que não deixa de ser um condicionamento de saberes, que ainda favorecem para o processo perpétuo de “preenchimento estratégico”.

O dispositivo, portanto, está sempre inscrito em um jogo de poder, estando sempre, no entanto, ligado a uma ou a configurações de saber que dele nascem, mas que igualmente o condicionam. É isto, o dispositivo: estratégias de relações de força sustentando tipos de saber e sendo sustentadas por eles. (FOUCAULT, 1998, p. 246).

Se os “dispositivos” apresentam suas origens em jogos de poderes e estão sempre submetidos e condicionados às configurações de saber, é pertinente e necessário entender como essas configurações de saber são selecionadas, atravessadas e de que modo pautam os

Page 78: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores78

“dispositivos”, e dessa forma inauguram e legitimam noções maiores como racionalidade e modernidade.

Evidentemente que essa problemática se insere em uma questão de poder, e nessa medida uma tentativa de entender a governamentalidade liberal teorizada por Foucault em “Nascimento da Biopolítica” (2008) se revela como um caminho possível para entender como os “dispositivos”, sendo tecidos e processados dentro de uma configuração específica de saber/poder, liberalismo por exemplo, são atravessados por certos discursos de verdade originados por determinados “regimes de verdade” como a lógica de mercado.

A racionalidade a qual Foucault se remete é uma das muitas formas do discurso/poder adquirir positividade, a ponto de ser considerada uma estrutura que tudo engloba e que tudo determina. Nas palavras de Foucault:

O que eu havia tentado identificar era a emergência de um certo tipo de racionalidade na prática governamental, um certo tipo de racionalidade que permitiria regrar a maneira de governar com base em algo que se chama Estado e, em relação a essa prática governamental, em relação a esse cálculo da prática governamental, exerce a um só tempo o papel de um já dado, visto que é verdade que o que será governado é um Estado que se apresenta como já existente, que se governará nos marcos de um Estado, mas o Estado será ao mesmo tempo um objetivo a construir. O Estado é ao mesmo tempo o que existe e o que ainda não existe suficientemente. E a razão de Estado é precisamente uma prática, ou antes, uma racionalização de uma prática que vai se situar entre um Estado apresentado como dado e um Estado apresentado como a construir e a edificar. A arte de governar deve então estabelecer suas regras e racionalizar suas maneiras de fazer propondo-se como objetivo, de certo modo, fazer o dever-ser do Estado tornar-se ser. O dever-fazer do governo deve se identificar com o dever-ser do Estado. O Estado tal como é dado - a ratio governamental - é o que possibilitará, de maneira refletida, ponderada, calculada, fazê-Io passar ao seu máximo de ser. O que é governar? Governar segundo o principio da razão de Estado é fazer que o Estado possa se tornar sólido e permanente, que possa se tornar rico, que possa se tornar forte diante de tudo o que pode destruí-Io. (FOUCAULT, 2008, p. 6).

A positividade da racionalidade de Estado é constituída a partir de estratégias discursivas que buscam ao mesmo tempo construir, fundamentar e justificar uma normatização e disciplinarização que abarque tudo que o fortalece. Mesmo o Estado não pertencendo à determinados “regimes de verdade”, ele para se construir e se afirmar como Estado deve fazer valer alguns discursos que atravessam “epistemes” e configuram sua positividade de Estado.

construindo uma possível hipótese: o atravessamento dos discursos/poder/saber

O que se coloca como central para entender a configuração e manifestação de poder na atualidade mediante as contribuições de Foucault é a relação em que os “regimes de verdade” e poder é tecida discursivamente e heterogeneamente pelos “dispositivos”. Nesse sentido, é possível levantar como hipótese o atravessamento e o movimento de determinados “discursos/poder/saber”, que extrapolam os limites dos “dispositivos”, os quais não apresentam em sua funcionalidade a tarefa de delimitar campos, tendo em vista que suas linhas constitutivas são marcadas pelas diferenças, pelas rupturas, pela multilinearidade e pela heterogeneidade.

Page 79: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 79

Dessa forma, a governamentalidade liberal a qual Foucault teoriza em “Nascimento da Biopolítica” (2008) pode ser produto e produtor de uma discursividade que permeia e é permeada pelos vários discursos e pelos vários “regimes de verdade”, e como conseqüência atravessa os “dispositivos” pautando e configurando as estratégias e manifestações de poder.

A racionalidade de uma governamentalidade, no decorrer da história, apresenta entre outras especificidades a inevitabilidade do conflito. Teóricos clássicos6 levantaram a partir de pontos de vista diferentes a problemática sobre a racionalidade ou irracionalidade de uma lógica de mercado pautada pelo capitalismo. Embora haja em suas orientações teórico-metodológicas profundas diferenças, não se pode negar a permanência da idéia da crise de governo, se para alguns a crise era reflexo de uma lógica contraditória marcada pela divisão de classe antagônicas, para outros a crise era resultado de uma racionalidade irracional da sociedade capitalista. Sobre esse processo Foucault diz:

Se Marx procurou definir e analisar o que poderíamos chamar, numa palavra, de lógica contraditória do capital, o problema de Max Weber e o que Max Weber introduziu, ao mesmo tempo na reflexão sociológica, na reflexão econômica e na reflexão política alemã, não é tanto o problema da lógica contraditória do capital quanto o problema da racionalidade irracional da sociedade capitalista. Essa passagem do capital ao capitalismo, da lógica da contradição a demarcação entre o racional e o irracional e, a meu ver é, mais uma vez, de maneira muito esquemática, o que caracteriza o problema de Max Weber. E podemos dizer em linhas gerais que tanto a Escola de Frankfurt quanto a Escola de Friburgo, tanto Horkheimer quanto Eucken, retomaram esse problema simplesmente em dois sentidos diferentes, em duas direções diferentes, pois, de novo esquematicamente, o problema da Escola de Frankfurt era determinar qual poderia ser a nova racionalidade social que poderia ser definida e formada para anular a irracionalidade econômica. Em compensação, a decifração dessa racionalidade irracional do capitalismo, que também era o problema da Escola de Friburgo, gente como Eucken, Ropke, etc. vai procurar resolve-Ia de outra maneira. Não procurarão encontrar, inventar, definir a nova forma de racionalidade social, mas definir, ou redefinir, ou reencontrar, a racionalidade econômica que vai permitir anular a irracionalidade social do capitalismo. Logo, digamos assim, dois caminhos inversos para resolver o mesmo problema. Racionalidade, irracionalidade do capitalismo, não sei. O resultado afinal foi o seguinte: tanto uns como outros, como vocês sabem, voltaram para a Alemanha depois do exílio, em 1945, 1947 - enfim, estou falando, é claro, dos que foram forçados ao exílio -, e a história fez que esses últimos discípulos da Escola de Frankfurt se chocassem, em 1968, com a polícia de um governo inspirado pela Escola de Friburgo, e, assim, se dividiram entre um campo e outro, porque foi finalmente esse o duplo destino, ao mesmo tempo paralelo, cruzado e antagônico, do weberianismo na Alemanha. (FOUCAULT, 2008, p. 145)

Diante desta análise de Foucault é possível admitir que a governamentalidade moderna imposta via discursos/saber/poder atravessando vários dispositivos se relaciona fortemente com uma racionalidade de mercado, a qual, a partir do capitalismo, faz da economia uma espécie de “regime de verdade” que não somente cria discursos de saber/poder, mas injeta seu ‘objetivo estratégico’, pois esta inscrito em um jogo de poder que é o próprio âmbito econômico.

6 Max Weber – A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo Karl Marx – O Capital

Page 80: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores80

Portanto, a reflexão sobre a governamentalidade recai em uma componente sempre lembrada: a questão econômica. É na questão econômica Foucault que credita a possível explicação para crise de governamentalidade, pois, como muitos já levantaram, as crises no capitalismo são constantes e fazem parte de estratégias de poderes. Alguns pensavam a crise do capitalismo como sendo um problema que deveria ser solucionado ainda pela racionalidade irracional econômica do capitalismo, sem perceber que exatamente a maneira de operar com a razão que estava determinada pelo jogos estratégicos de poderes, influenciando e influenciada pela própria economia. Foucault percebe que a crise de governamentalidade se relaciona com a crise econômica e diz:

[...] se é verdade que o mundo contemporâneo, enfim, o mundo moderno desde o século XVIII, tem sido incessantemente percorrido por certo numero de fenômenos que podemos chamar de crises do capitalismo, será que não se poderia dizer também que houve crises do liberalismo, que, bem entendido, não são independentes dessas crises do capitalismo? [...] As crises do liberalismo, vocês vão encontrá-las ligadas às crises da economia do capitalismo.(FOUCAULT, 2008, p. 94-95) Grifos meus.

Foucault chega a admitir que existe um “dispositivo geral de governamentalidade” e que este dispositivo é ligado ao liberalismo e, portanto, ao capitalismo. E mais, menciona que as crises do liberalismo no sec. XX são também, evidentemente, do capitalismo, mas não somente em preceitos políticos, e aí reside uma possível afirmação da hipótese; Foucault admite que a crise que existe é uma crise política e econômica própria do que ele chama “dispositivo geral de governamentalidade”, crises já anunciadas por outros intelectuais historicistas clássicos, que também se remeteram às configurações de poder e aos desdobramentos políticos para entender a racionalidade moderna, porém com outros enfoques e referenciais teóricos.

Pode-se então admitir, em tese, que existe uma convergência de resultados explicativos para um mesmo tema e momento histórico, porém com referenciais teórico-metodológicos totalmente distintos. Se em Marx as crises são resultantes de uma dinâmica político-econômica contraditória que cria suas próprias limitações, em Foucault é o “dispositivo geral de governamentalidade”, sendo atravessado por discursos produzidos por “regimes de verdade”, que entra em crise. Assim, possibilitando o entendimento de que há nas estratégias heterogêneas de poder uma característica comum: a inevitabilidade da luta, do conflito, que condensa, condiciona, associa e relaciona todos os “dispositivos“ na constante construção do Estado, e conseqüentemente normalizando a vida através da biopolítica.

Entretanto, também se pode argumentar que nas indicações teóricas de Foucault estão presentes várias estratégias de resistências, sobretudo nos aspectos discursivos possibilitados pela tecnologia informacional moderna e na possibilidade de fortalecer os estudos da teoria do sujeito, debruçando sobre a temática ‘objetivação e subjetivação’ que uma análise dos atravessamentos dos discursos propicia.

Referências

DELEUZE, Gilles ¿Que és un dispositivo? In: Michel Foucault, filósofo. Barcelona: Gedisa, 1990, p. 155-161. Tradução de wanderson flor do nascimento. Disponível em: http://vsites.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/art14.pdf. Acesso em 02/11/2011.

Page 81: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 81

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 13ª Ed, 1998.

________. Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

________. A  Arqueologia do Saber. 6ª ed.  Rio de  Janeiro:  Forense  Universitária, 2002.

________. A Ordem  do Discurso:  aula inaugural no Collège  de  France, pronunciada  em  02 de  Dezembro de  1970.10ª  ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

________. Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

SENELLART, Michel. A crítica da razão governamental em Michel Foucault. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 7(1-2): 1-14, outubro de 1995.

Page 82: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores82

CONTRIBUIÇÕES DO ESTÁGIO EM DOCÊNCIA NO CURSO DE PEDAGOGIA

Camila Aparecida Pio1 Eliane Cleide da Silva Czernisz2

Introdução Neste artigo, apresentam-se as contribuições do estágio em docência, realizado no ensino

superior, exigência ao aluno bolsista da pós-graduação stricto sensu. A Portaria-Capes 76/2010 explicita que o objetivo do Programa de Bolsas de Desenvolvimento Social é a formação de recursos humanos necessários ao país, sendo o estágio em docência integrante deste processo formativo. Destaca-se que a referida atividade desenvolve-se por meio de um processo de ação e reflexão que possibilita análises, elaborações teóricas e questionamentos sobre a natureza e efetividade das ações desenvolvidas no espaço educativo. Os dados aqui apresentados referem-se a atividades de estágio em docência, realizadas na disciplina de Pesquisa Educacional, segunda série do Curso de Pedagogia, durante o primeiro semestre. Destacam-se, dentre as ações efetivadas, o planejamento de aulas, a regência, a avaliação de atividades, a análise dos resultados da avaliação e o acompanhamento da turma. Como resultados, observou-se não só a importância da formação acadêmica para o ensino superior como também da vivência da ação docente na universidade, em sua relação com o ensino, com a pesquisa e com a extensão, elementos considerados importantes para a reflexão sobre a docência neste espaço. Finalizando, destacamos a ênfase na formação do profissional que irá exercer a docência no ensino superior.

Entendemos que o estágio se constitui como um campo de conhecimento, o que significa atribuir-lhe um estatuto epistemológico que supera sua tradicional redução à atividade prática instrumental. Enquanto campo de conhecimento, o estágio se produz na interação dos cursos de formação com o campo social no qual se desenvolvem as práticas educativas (PIMENTA, LIMA, 2006, p. 6).

Dos alunos bolsistas da Pós-Graduação Stricto Sensu exige-se o desenvolvimento do estágio em docência. Conforme a Portaria-Capes 76/2010 o objetivo do Programa de Bolsas de Desenvolvimento Social é a formação de recursos humanos necessários ao país, possibilitando aos alunos dedicação integral às atividades da Pós-Graduação Stricto Sensu. O anexo à Portaria supracitada destaca:

Art. 18. O estágio de docência é parte integrante da formação do pós-graduando, objetivando a preparação para a docência, e a qualificação do ensino de graduação sendo obrigatório para todos os bolsistas do Programa de Demanda Social [...]. (BRASIL, 2010, p. 31).

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina. Contato: [email protected];2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação/Mestrado e do Curso de Pedagogia - Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina. Contato: [email protected]

Page 83: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 83

No caso das licenciaturas, desde a formação docente, percebe-se haver uma preocupação com a atuação do profissional que irá exercer a docência no ensino superior. Por este motivo, busca-se, na etapa formativa do graduando em Pedagogia, possibilitar ao aluno tanto os conhecimentos teóricos imprescindíveis para análise do fenômeno educativo quanto o contato com realidades educacionais que favoreçam o estabelecimento de relações que resultem em reflexão sobre o encaminhamento de ações pedagógicas não só em sala de aula como também na gestão e desenvolvimento de processos pedagógicos formais e não formais.

Se tal preocupação está presente desde a formação inicial nos cursos que buscam fortalecer a docência, na pós-graduaçãostricto sensu, área da educação,é uma questão de notável relevância. As atividades que envolvem o ensino na educação escolar, assim como os processos que o envolvem, constituem centro das referências para o qual se voltam os olhares das pesquisas no programa de mestrado em educação, o que demonstra a importância atribuída à formação docente. Desta maneira, também no estágio em docência do stricto sensu, necessita-se de reflexão teórico-prática, de discussão do fazer pedagógico, pensando-se não apenas na atuação profissional na educação básica ou noutro espaço educativo, mas também, focalizando a compreensão da complexidade da educação, da atuação e preparo docente para a educação superior.

É imperiosa, portanto, a participação do pós-graduando em atividades de planejamento de aulas, a partir das diretrizes estabelecidas para a disciplina e descritas no plano de curso. Faz-se necessário, ainda, o acompanhamento, a regência, a avaliação das atividades realizadas na graduação junto com o professor supervisor, voltando-se o olhar para o preparo dos alunos da graduação e sua relação com a formação do pós-graduando. Explorar um pouco mais as características do referido estágio é o objetivo deste texto que busca também explicitar sua importância em docência na pós-graduação stricto sensu.

A importância do estágio na formação de professores: um breve relato

Sabe-se que o estágio é componente curricular nos cursos de licenciatura, cuja importância formativa tem sido objeto de amplos debates. Assim como a licenciatura forma professores para a educação básica, tais cursos também são frutuosos espaços para a formação de professores para o ensino superior. Atualmente, a formação nos cursos stricto sensu tem a exigência do estágio que, se por um lado é atividade obrigatória aos alunos bolsistas visando a formar pesquisadores de excelência, por outro entende-se constituir um importante momento para aprofundar reflexões referentes ao campo do conhecimento, de pesquisa e de atuação do pós-graduando. Assume-se a quique o estágio é considerado atividade formativa, que possibilita ampliar o conhecimento do aluno, não ficando reduzido apenas a uma tarefa técnica ou instrumental. Como afirmado por Pimenta e Lima (2006, p. 6), “[...] o estágio se constitui como um campo de conhecimento, o que significa atribuir-lhe um estatuto epistemológico que supera sua tradicional redução à atividade prática instrumental”. Este entendimento permite esclarecer que o estágio não é uma ação sem orientação e sentido, ao contrário, requer reflexão sobre a ação docente que, no caso da universidade, desenvolve-se numa realidade diferente da escola básica.

O estágio de docência na graduação é um momento bastante relevante para formação do pós-graduando, pois lhe permite conhecer o processo de ensino e aprendizagem, ao mesmo tempo que favorece a experiência na prática docente no ensino superior.

Page 84: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores84

Como discorreram Pimenta e Lima (2006),a ação docente se dá num espaço constituído de práticas institucionais imprescindíveis de serem compreendidas em sua complexidade, dado que reforça a necessidade de um conhecimento aprofundado sobre a universidade. As autoras comentam:

A prática educativa (institucional) é um traço cultural compartilhado e que tem relações com o que acontece em outros âmbitos da sociedade e de suas instituições. Portanto, no estágio dos cursos de formação de professores, compete possibilitar que os futuros professores se apropriem da compreensão dessa complexidade das práticas institucionais e das ações aí praticadas por seus profissionais, como possibilidade de se prepararem para sua inserção profissional. É, pois, uma atividade de conhecimento das práticas institucionais e das ações nelas praticadas (PIMENTA e LIMA, 2006, p. 12-13).

Importante dizer que a mescla entre as práticas institucionais e os objetivos para formação no curso e disciplina em que o pós-graduando desenvolve estágio precisam ser conhecidos e entendidos a fim de possibilitar uma síntese em que seja possível compreender o curso no cenário institucional. É inegável que, nesta ação pedagógica, a relação entre teoria e prática são importantes, porém o espaço e tempo universitário guardam peculiaridades que propiciam reflexões sobre a formação do professora qual inclui tal relação e, ao mesmo tempo, permite ampliá-la. As atividades educativas se dão mescladas com conhecimentos obtidos e experienciados em trabalhos de ensino, de pesquisa, de extensão. A ação docente abrange também o conhecimento que está em construção na realização das atividades de pesquisa, na discussão do objeto de estudo de cada disciplina, nos questionamentos que os alunos estabelecem nas aulas, nas mediações realizadas pelos professores com os alunos e com a comunidade. A vivência e compreensão deste processo são vitais ao pós-graduando.

Entende-se que o estágio permite o aprofundamento do conhecimento sobre a docência, cujos pontos considerados mais relevantes foram o conhecimento da dinâmica do curso e da instituição, o planejamento, desenvolvimento e avaliação das aulas e dos trabalhos elaborados pela turma. Entre as aprendizagens possibilitadas pelo estágio, destacam-se:- Compreensão do processo de ensino-aprendizagem no ensino superior, a partir da realização

de estudos, debates, discussões, exposições.- Compreensão da importância da organização do curso no contexto universitário e da ação

docente no ensino superior, enquanto componente do tripé: ensino, pesquisa e extensão. - Participação na apreciação e análise do processo avaliativo, enquanto processo de organização

e sistematização das aprendizagens.- Reconhecimento da importância do planejamento docente para a efetividade das aulas.

Entre os aspectos relevantes marcados, ressalta-se a autonomia do aluno, que, diferentemente da relação ensino/aprendizagem manifestada no ensino fundamental e médio, no ensino superior evidencia-se uma relação de autonomia acadêmica - entendida como forma de o discente planejar-se, de guiar-se, de escolher como desenvolver os estudos. O professor trabalha, iniciando a exposição, a apresentação do assunto, discutindo os conhecimentos referentes à disciplina. Ao graduando, fica a responsabilidade de realização de leituras, discussões e questionamentos, reforçando-se a importância de este buscar também o conhecimento para além do que lhe é oferecido em sala de aula.

Page 85: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 85

O estágio que aqui é relatado foi realizado no primeiro semestre do ano de 2013, na disciplina de “Pesquisa Educacional” - segundo ano do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina, uma turma caracterizada pela marcante participação, pela intensa interação com a professora e pelos questionamentos relativos aos assuntos apresentados. A disciplina de “Pesquisa Educacional”, por ser uma das que dão sustentação para os procedimentos metodológicos e elaboração do projeto de pesquisa de trabalhos de conclusão do curso de Pedagogia, possibilita, também, o levantamento de muitas dúvidas e questionamentos pelos alunos, que revelam uma preocupação muito grande sobre a realização do trabalho de conclusão de curso. Esta preocupação, manifestação de uma ansiedade que caracteriza as discussões referentes ao assunto, tem antecedido o início de realização das pesquisas.

Durante sua execução, solicitou-se aos alunos a leitura prévia dos autores de referência para a disciplina, a fim de, que, nas aulas, nos momentos em que fossem apresentados os aspectos e conceitos mais relevantes, estes participassem com questionamentos e problematizações a respeito do tema em questão.

As atividades desenvolvidas neste estágio permitiram conhecer a organização da sala, a relação professor/aluno, a realidade institucional e do curso, a relação ensino/aprendizagem. Além do mais, a docência desenvolvida neste período propiciou experienciar o contato com os alunos da graduação em pedagogia. Tratou-se de um momento muito significativo pela oportunidade de troca de vivências, já que os alunos perguntaram à professora e à estagiária como havia sido construído o percurso de pesquisa por elas desenvolvida.

O estágio também possibilitou compreender que a avaliação é um processo de mão dupla, pois nos permite avaliar tanto os alunos quanto a atuação docente. Deste modo, ao final das aulas, era solicitado que os graduandos apresentassem questionamentos, pontos de partida para análise sobre os aspectos ainda não compreendidos e que necessitassem ser rediscutidos. A avaliação, enquanto aspecto formal, foi elaborada entre estagiária e professora regente, depois da análise dos conteúdos trabalhados, das metodologias utilizadas, das análises verbais desenvolvidas pelos alunos em sala.

Destaca-se, aqui, a importância da avaliação a cada aula trabalhada,o que permite sistematizar as experiências da docência no ensino superior ao término de cada dia, possibilitando, também, uma análise completa do processo e do encaminhamento da disciplina. Ressalta-se que, especificamente,nesta disciplina – Pesquisa Educacional – o conhecimento sobre o envolvimento de docentes do curso em projetos de ensino, pesquisa e extensão são essenciais para informar aos alunos os possíveis temas que poderão contribuir na elaboração dos projetos de pesquisa.Este conhecimento favorece, ainda, a compreensão sobre a organização dos docentes no curso a partir de cada área de atuação.

Algumas considerações Após ter realizado esta atividade, fica patente a importância do estágio em docência

como forma de vivenciar a ação docente no ensino superior. Evidencia-se, também, que esta não se restringe ao desenvolvimento de aulas desconectadas de uma realidade institucional que precisa ser conhecida e que este aspecto é imprescindível ao pós-graduando para compreensão do curso em questão, da disciplina no curso e dos objetivos para a formação do graduando.

Page 86: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores86

Constata-se que o estágio em docência traz contribuições à formação do pós-graduando, pois oportuniza uma reflexão sobre a ação docente na universidade.

Referências

BRASIL. Capes. Portaria Nº 76, de 14 de abril de 2010. Aprova regulamento do Programa de Demanda Social – DS.Diário Oficial da União, 19 de abril de 2010, p. 31-32.

PIMENTA, Selma G.; LIMA, Maria S. L. Estágio e docência: diferentes concepções. IN: Revista Poiésis, V. 3, 2006, p. 05-24.

BRASIL. Capes. Anexo à Portaria CAPES nº 76, de 14 de abril de 2010.Regulamento do Programa de Demanda Social – DS. Diário Oficial da União, 19 de abril de 2010, p. 31-32.

Page 87: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 87

nARRAtIVAS De OBjetOS eSQUecIDOS: AS pOSSIBILIDADeS De UM eStUDO teMÁtIcO

Amanda Cristina Martins do Nascimento1

Regina Célia Alegro2

Introdução

Etimologicamente a palavra documento, segundo Jacques Le Goff (1984, p.95) vem do termo latino documentum derivado de docere “ensinar”, que ao longo do tempo adquiriu um novo significado: “prova”. Essa nova definição, para a Historiografia Positivista determinava, assim, o documento escrito como seu principal pilar. Essencialmente, o testemunho escrito seria o único válido, não sendo considerada nenhuma outra forma de documentação.

Com a criação da revista “Annales d’histoire économique et sociale” no ano de 1929 (THÉBAUD, 2009, p.34), dirigida pelos professores da Universidade de Estrasburgo, Marc Bloch e Lucien Febvre, surge a História Nova. Diferentemente da História Positivista, não vê como documentos somente o que é escrito, e sim tudo que é feito e transformado pelo homem. “[...] a obra de uma sociedade que remodela, segundo suas necessidades, o solo em que vive é [...] um fato eminentemente ‘histórico’” (BLOCH, 2001, p.53), com essa afirmação, Bloch reforça a premissa de que a História Nova não utiliza somente os documentos escritos, mas também outros objetos como fonte de estudo do homem, ou melhor, dos homens, para que façamos jus a toda diversidade criativa.

Destarte, podemos ter como fontes objetos, desde artefatos arqueológicos até peças presentes no nosso cotidiano. Todavia, um objeto sozinho, sem o questionamento correto, é apenas mais um elemento em um cenário maior, a análise de artefato deve ser problematizada como um documento, sendo que ele pode nos revelar até mais que alguns escritos.

Os artefatos são vestígios de um passado cotidiano, indicativos e indutores de relações sociais, enquanto que os documentos escritos fornecem a visão de um autor, que muitas vezes pode ser um membro de uma elite. Por meio de ferramentas interpretativas objetos podem nos revelar ações sociais que se estabeleceram ao longo do tempo.

Portanto, a utilização de objetos para o estudo de história no ambiente escolar é um instrumento didático de grande utilidade, pois aproxima o aluno da matéria estudada e provoca uma mudança de olhar através das diferentes problematizações que o professor pode conduzir durante o estudo. Pensando ainda, em âmbito local como na cidade de Londrina, uma história nova, devido aos seus quase oitenta anos de idade, os objetos do cotidiano remetem a uma memória coletiva bem viva da sociedade londrinense. Assim, grande parte do acervo presente da exposição permanente do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss transpassa por essa história daqueles que aqui ainda vivem, mas que também deve ser passada para as gerações seguintes.

Por meio dos objetos queremos aqui propor o estudo de caso em um único objeto ligado a uma temática não muito pesquisada pelos professores em sala de aula sobre Londrina: 1 Bolsista recém-formada do Programa “Universidade Sem Fronteiras”, através do projeto “O Museu Vai a Escola: memória e educação patrimonial”. contato: [email protected] Coordenadora/orientadora.

Page 88: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores88

a diversidade religiosa. Nota-se através das visitas monitoradas realizadas no MHL que, em geral, a história política é privilegiada pelos professores que visitam com suas turmas o espaço do museu. Destarte, escolhemos também um objeto pouco questionado; o sino presente no pátio do museu.

Uma história escondida: o sino da primeira igreja.

Primeiramente, é necessário salientar que aqui entendemos a religião como um sistema simbólico cultural, historicamente construído por uma sociedade, na qual “[...] opera uma ordenação lógica de seu mundo natural e social [...]” (OLIVEIRA, 2003, p.178). Trabalhar com religião em um ambiente escolar pode parecer uma tarefa difícil e algumas vezes até impossível, porém é de grande importância para desenvolvimento da criança um estudo que abarque essa temática. Encontramos no próprio espaço da sala de aula essa diversidade, que deve ser, acima de tudo, respeitada.

Ao se pensar o objetivo do MHL como um ambiente de mediação, reflexão e reconstrução permanente de memórias e identidades coletivas, a memória religiosa também deve ser contemplada. E essa ação pode ser já na parte externa do museu:

Figura 1: Em detalhe: o sino que se encontra exposto no Museu Histórico de Londrina Pe. Carlos Weiss. Autor: Amauri R. Silva Silva, 2009. Acervo: Museu Histórico de Londrina.

O objeto em detalhe na Figura 1 é nada mais que um sino que foi utilizado para chamar os fiéis católicos à missa, nos primeiros anos da construção de Londrina. O sino se localizava em um imóvel alugado, na Avenida Paraná esquina com a Rua Professor João Cândido. Essa casa de madeira servia tanto de moradia para o primeiro pároco da cidade, padre Carlos Dietz, como paras as primeiras celebrações.

Feito de trilhos de trem constitui-se em um objeto que evoca não somente uma memória religiosa, mas também, a toda história da cidade que perpassa pela trajetória do desenvolvimento de Londrina, muito atrelada a estação ferroviária e aos trens. Um artefato que muitas vezes passa

Page 89: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 89

despercebido pelos visitantes do museu, lembrado apenas por alguns dos primeiros moradores da região.

conclusões

Como já mencionamos acima, muitas vezes as visitas monitoradas tendem a seguir um caráter político, não somente em razão da exposição da galeria permanente, pois essa oferece um grande acervo sobre o cotidiano, desde o antigo Patrimônio Três Bocas até a urbanização de Londrina. Na grande parte das vezes, a visita já é induzida pelo professor que acompanha a turma para esse enfoque, foram raras as ocasiões nas quais professores indicavam um interesse especifico em alguma temática.

A linguagem museológica, que fala por meio da indagação aos objetos pode trazer a tona história ainda desconhecidas; como afirma Tereza Cristina Scheiner:

Já os objetos (coisas materiais), quando se fazem presentes no discurso, se desvelarão ao observador em sua espetacular complexidade, apresentando, ‘sob a forma de experiência, mais propriedades e relações do que poderiam ser escolhidas e valorizadas por qualquer signo’. Reconhecemos, assim, uma inegável vantagem da linguagem museológica, quando esta se constrói sobre objetos materiais musealizados: a força simbólica desses objetos como elementos de presentificação. (SCHEINER, 2009, s/p.).

Na adição de uma nova hermenêutica através de uma visão de mundo externa, de outros especialistas de áreas correlatas e complementares, observou-se o alargamento dos limites de atuação do historiador. E ainda, a possibilidade de apropriação destes conhecimentos na análise e interpretação do desenvolvimento cultural em sua diversidade.

Portanto, uma abordagem temática, concomitante assim ao estudo de elementos específicos do MHL oferece ao processo de aprendizagem uma possibilidade diferenciada e mais dinâmica. Aqui utilizamos como estudo de caso um objeto que está constantemente exposto, porém, pouco problematizado. Como afirmam Leandro Henrique Magalhães; Elisa Zanon e Patrícia Martins Castelo Branco (2009, p.47):

Faz-se assim necessário a reapropriação dos espaços e a criação de novos, entendendo que preservar deve ser diferente de congelar, levando em consideração seus usos, olhares e fazeres sociais. Ou seja, deve-se garantir que os patrimônios já consolidados adquiram novos olhares, e que estes sejam respeitados e levados em consideração [...]

O Museu Histórico de Londrina contem um grande acervo que esta disponível para a pesquisa acadêmica e para as escolas. Alguns desses objetos ainda podem ser requisitados para desenvolvimento de pesquisas e desenvolvimento de atividades culturais para as escolas (já realizadas no ano de 2012).

As possibilidades de um estudo pontual, que também é necessariamente o resultado um estreitamento de laços entre o professor e da ação educativa do museu para a preparação das visitas, permite-nos chegar aos objetos da escola e do museu como espaços de produção de conhecimento.

Page 90: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores90

Referências

BLOCH, M. Apologia da História: ou o ofício do historiador. Tradução André Toller. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. 159.

LE GOFF, J. Documento/Monumento. Enciclopédia Einaudi. 1984. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1984, p.95-106.

MAGALHÃES, L. H; ZANON, E.; BRANCO, P. M. C. Educação Patrimonial: da teoria à pratica. Londrina: Edit. Unifil, 2009.

OLIVEIRA, P. A.R. de. A teoria do trabalho religioso em Pierre Bourdieu. In: TEIXEIRA, Faustino. (org.) Sociologia da Religião no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 177-195.

SCHEINER, T. C. Museologia e Interpretação da Realidade: o discurso da história. 2009. Disponível em: http://www.museoliniers.org.ar/icoescofom2006/icofom06scheinerbr.htm. Acessado em 10/07/2008. Não paginado.

THÉBAUD, Françoise. Políticas de gênero nas Ciências Humanas. O exemplo da disciplina de história na França. In: Revista Espaço Plural. Tradução: Débora El- Jaick de Andrade. Revisão da Tradução: Mariana Joffily. Projeto Saber; Unioeste; Cascavel: Paraná. Ano X, nº 21, 2º semestre 2009, p. 33-42. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/espacoplural/article/view/3551/2821. Acessado em: 24/06/2012, às 14h54min.

Page 91: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 91

FOTOGRAFIA E ENSINO DE HISTÓRIA: SOBRE O ACERVO FOTOGRÁFICO DO MUSEU HISTÓRICO DE LONDRINA

Amanda Camargo RochaVanessa Caroline Mauro1

Regina C Alegro2

Vivemos em um tempo em que a sociedade como um todo está voltada para as mídias visuais através dos meios de comunicação, sejam eles revistas, televisão, cinema, internet. As crianças e jovens que atualmente se encontram em fase de aprendizado frequentando o ensino básico, estão acostumadas a lidar cotidianamente com diversas mídias de comunicação predominantemente visual, porém, por vezes, sem a experiência de uma interpretação crítica do que está sendo visto, influenciados sem sequer se dar conta disso. Assim, os educadores podem se utilizar dessa intimidade que seus alunos têm com os recursos imagéticos e explorar as possibilidades que estes recursos oferecem ao ensino, levando o aluno a refletir sobre aquilo que é por eles consumido e produzido em imagens. Dessa maneira, “as imagens não cumprem apenas a função de informar ou ilustrar, mas também de educar e produzir conhecimento.” (SARDELICH, 2006, p.459)

Dentre essas mídias, recebe grande destaque a fotografia, meio pelo qual a humanidade tem sido retratada desde o século XIX, não só como meio de comunicar algo, mas também como uma maneira de guardar recordações. Essa tentativa de “eternizar” o acontecimento retratado, o que não é algo exclusivo do momento presente, acaba por criar uma iconografia permeada pelas características sociais e culturais do momento histórico em que foi produzida, tornando-a uma importante fonte documental que cada vez mais tem sido explorada e utilizada nas pesquisas historiográficas. Segundo Borges,

Ao longo dos séculos, as diferentes sociedades têm criado distintas formas de produzir, olhar, conceber, dialogar e utilizar suas produções imagéticas. Ao possibilitar o constante desejo de eternizar a condição humana, por certo transitória, a imagem fotográfica se aproxima de outras iconografias produzidas no passado. Como essas, a fotografia também desperta sentimentos de medo, angústia, paixão e encanto. Reúne e separa homens e mulheres, informa e celebra, reedita e produz comportamentos e valores. Comunica e simboliza. Representa. (BORGES, 2003, p.02)

Atualmente, após um longo período de exclusão, a fotografia é considerada sem questionamentos um documento histórico, sendo vista ao mesmo tempo como um meio de comunicação visual que transmite ideias e uma forma de expressão artística que acaba por desencadear emoções. “A imagem fotográfica tem significados evidentes, aparentes e latentes, perceptíveis após um primeiro olhar, que lhe conferem uma comunicação instantânea, capaz de dispensar mediações” (LEITE, 2001, p.81) Porém, quando se trata do ensino básico de história,

1 Graduandas, bolsistas Fundação Araucária. Orientadora: Dra. Regina Célia Alegro. Projeto Contação de Histórias do Norte do Paraná, Museu Histórico de Londrina (UEL).2 Coordenadora do Projeto Projeto Contação de Histórias do Norte do Paraná/orientadora, Museu Histórico de Londrina (UEL).

Page 92: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores92

para que o educador alcance o objetivo almejado de fazer com que o aluno tome consciência e realize a interpretação da imagem apresentada, essa mediação é indispensável, uma vez que,

São constantes os equívocos conceituais que se cometem na medida em que não se percebe que a fotografia é uma representação elaborada cultural/estética/tecnicamente, e que o índice e o ícone, inerentes ao registro fotográfico – embora diretamente ligados ao referente no contexto da realidade –, não podem ser compreendidos isoladamente, ou seja, desvinculados do processo de construção da representação.

Essa incursão hermenêutica, multidisciplinar, passa justamente pela “desmontagem” do processo de construção que teve o fotógrafo ao elaborar uma foto, pelo eventual uso ou aplicação que essa imagem teve por terceiros e, finalmente, pelas “leituras” que dela fazem os receptores ao longo do tempo. Nessas várias etapas da trajetória da imagem, ela foi objeto de uma sucessão de construções mentais interpretativas por parte dos receptores, os quais lhe atribuíram determinados significados, conforme a ideologia de cada momento. (KOSSOY apud SAMAIN, 2005, p.41)

A fotografia é portadora de um amplo grau de informações que são reveladas em muitos aspectos: a partir dos próprios elementos visuais que compõem a cena, a maneira com que estes elementos estão dispostos, sendo necessário também considerar as intenções do fotógrafo que captou o momento. Dessa maneira, é necessário afirmar que no estudo da história a fotografia é um rico material a ser empregado tanto por seu valor estético quanto por seu valor histórico propriamente dito.

Através da fotografia aprendemos, recordamos, e sempre criamos novas realidades. Imagens técnicas e imagens mentais interagem entre si e fluem ininterruptamente num fascinante processo de criação/construção de realidade – e de ficções. São essas as viagens da mente: nossos ‘filmes’ individuais, nossos sonhos, nossos segredos. Tal é a dinâmica fascinante da fotografia, que as pessoas, em geral, julgam estáticas. Através da fotografia dialogamos com o passado, somos os interlocutores das memórias silenciosas que elas mantêm em suspensão. (KOSSOY, 2007, p.147)

Dessa forma, fotografia e memória estão entrelaçadas nos olhares da história, retratando uma realidade e tornando-se patrimônio documental. Ainda segundo Kossoy,

Fotografia é memória e com ela se confunde. Fonte inesgotável de informação e emoção. Memória visual do mundo físico e natural, da vida individual e social. Registro que cristaliza, enquanto dura, a imagem – escolhida e refletida – de uma ínfima porção de espaço do mundo exterior. É também a paralisação súbita do incontestável avanço dos ponteiros do relógio: é, pois o documento que retém a imagem fugidia de um instante da vida que flui ininterruptamente.

A relação entre fotografia e memória é também muito presente no cotidiano do aluno, sendo praticamente uma relação naturalizada, como se a fotografia sempre tivesse existido, uma vez que a criação de sua própria identidade é realizada a partir das fotografias de seu cotidiano as quais produz e participa, sendo retratado ou retratando, num período em que, via de regra, muitas crianças e jovens possuem um arquivo fotográfico pessoal. Além disso, com o advento da

Page 93: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 93

internet, é considerada comum a exposição de sua própria imagem, incluindo aí a perspectiva artística. Dessa forma, o educador tem a possibilidade de desenvolvimento do olhar do aluno ampliada, explorando a intimidade que o aluno tem com um tipo de fotografia, e apresentando-os a outros tipos, com os quais convive, mas, por muitas vezes, não se atenta.

No campo do ensino de história as imagens podem ser exploradas de diversos modos, e vários tipos de imagens são utilizados, desde as fotografias jornalísticas, passando pelas ilustrações publicitárias, até as fotos familiares, etc. Do mesmo modo, podem ser agregados ao ensino da sala de aula muitos outros elementos externos, que trazem uma nova forma de exploração dos documentos históricos, e a descoberta de novos tipos de documento, além de acrescentar interdisciplinaridades ao ensino. Um desses elementos é o museu histórico. Os museus históricos apresentam, em suas exposições, novas análises e formas de ver a história, em seus cenários, compostos, entre outros, por objetos e imagens. Na exposição, o aluno é estimulado a desenvolver um olhar histórico para os objetos que o circundam, além de ser estimulado, pela estética das exposições museais, a contemplar de modo artístico. A fotografia é utilizada amplamente na narrativa da exposição do museu histórico. Sua principal função é instigar o olhar do visitante; informar, mas também impressionar.

O Museu Histórico de Londrina – Padre Carlos Weiss, órgão suplementar da Universidade Estadual de Londrina, através do setor de Imagem e Som tem cumprido com o papel da preservação de importante patrimônio fotográfico referente à história e memória do surgimento e desenvolvimento da cidade de Londrina a partir da década de 1930. Atualmente o museu conta com cerca de 70 mil peças que incluem fotografias, negativos de vidro e flexíveis, álbuns fotográficos e slides. Parte desse acervo foi recebida como doação de diversas famílias que moram ou moraram na região, de origens diferentes, retratando de maneira amadora o cotidiano desde o Patrimônio Três Bocas (que mais tarde viria a se tornar Londrina) até os dias atuais. Porém, há também a presença de imagens produzidas por diversos fotógrafos da região como é o caso das coleções de George Craig Smith (funcionário da Companhia de Terras Norte do Paraná desde sua fundação) e José Juliani (fotógrafo da CTNP que teve seu acervo adquirido pelo museu). Essas fotografias passam por um processamento técnico, que inclui o diagnóstico das condições de degradação, recebendo então os cuidados necessários de acordo com o grau de sua deterioração, o que inclui o processo de higienização e também a utilização de suporte adequado para sua melhor conservação.

Parte desse acervo o Museu apresenta como componente de suas exposições de curta e longa duração. Na exposição de longa duração abrigada em um espaço composto por uma antesala e três salas, é apresentada ao visitante a história de Londrina, sob a temática do trabalho, e cujo discurso mais veiculado é o do pioneirismo imigrante. Esta exposição possui, em sua composição, várias fotografias, que vão do campo publicitário ao familiar. Ao visitante esporádico e ou pesquisador, a primeira impressão do conjunto das imagens com os objetos nos cenários passa a ideia da manutenção do discurso do pioneiro. Porém, como já se sabe as imagens não mostram um discurso pronto e estático, elas, assim como (e talvez até mais que) os documentos escritos, podem descortinar uma série de outros rumos para diversos discursos, e podem servir como “prova” dos mais variados fatos históricos, até mesmo antagônicos (isto, assegurando que a exploração das imagens não incida no anacronismo). Cabe ao historiador que se depara com as imagens o desenvolvimento dos rumos do discurso das fotografias, pareando-o, nesse caso, com o discurso geral da organização da exposição.

Page 94: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores94

Sendo assim, as fotografias são, para exploração da exposição, elementos fundamentais. Ao educador que deseje passar a seus alunos um discurso mais amplo a respeito da história de Londrina, concerne desenvolver uma análise mais ampla das imagens componentes da exposição. Esse trabalho é, cotidianamente, feito pelos monitores do Museu. É nas monitorias que, comumente, o esforço de revelar novos sentidos à mesma imagem e levar os alunos à reflexão histórica acontece.

A utilização do acervo imagético do Museu Histórico de Londrina em suas exposições compreende apenas uma das muitas formas de exploração desse acervo, que é largamente procurado e utilizado, sobretudo pela comunidade acadêmica, além das atividades desenvolvidas por projetos do Museu, como as oficinas de sensibilização para exploração de fotografias em sala de aula, oferecidas aos estudantes do ensino básico. As muitas formas de exploração é que permitem a criação de infinitos discursos sobre o mesmo assunto, ampliando a discussão sobre o mesmo. Entre os variados usos das imagens, encontra-se o uso para atividades e materiais didáticos. Sendo assim, serão analisadas a seguir duas categorias de conjunto de imagens, cada uma apresentando suas peculiaridades na utilização didática.

O acervo de imagens do Museu Histórico de Londrina pode ser dividido em produções de caráter amador e de caráter profissional. As imagens profissionais geralmente eram utilizadas para a confecção de materiais publicitários da companhia colonizadora das terras da região de Londrina, a Companhia de Terras Norte do Paraná. Já as produções fotográficas amadoras não se detinham apenas ao registro familiar, mas abrangiam também os registros institucionais e de grupos de militância. Um dos conjuntos de imagens que se encaixa no último grupo de registros é o das imagens da comunidade negra londrinense, em sua maioria retratando as atividades da Associação de Recreação Operária Londrinense (AROL), clube predominantemente negro que promovia reuniões, debates, palestras e manifestações acerca do reconhecimento da participação negra no Brasil.

Estas imagens não tinham como mero objetivo a eternização dos momentos de atividades do clube, mas o registro das mesmas, deixando clara a atividade de militância da associação, e por vezes, as diretrizes e ideais da luta, no registro fotográfico. Um exemplo é a fotografia do desfile em homenagem ao 13 de maio (dia da Abolição da Escravatura no Brasil) que aconteceu na Avenida Paraná.

Na imagem aparecem membros da AROL desfilando, e vê-se, com eles, uma faixa com dizeres e desenhos a respeito da abolição. Nesta imagem fica clara não só a atuação militante da AROL na questão negra, como os próprios ideais que regeram, na ocasião, o desfile em lembrança à Abolição da Escravatura.

Na sala de aula, este tipo de documento fotográfico pode ser amplamente abordado, por serem registros fotográficos não tão familiares aos alunos. Hoje em dia, geralmente é no fotojornalismo que são vistas fotos de grupos de militância. Dificilmente se explora em sala de aula registros de grupos e associações feitos por eles próprios. A visão encontrada nestes registros é única, pois traz um ponto de vista sobre as atuações de determinado grupo dentro da visão dos próprios integrantes, trazendo uma aura até mesmo heróica aos feitos do grupo, diferente da visão crítica, por vezes negativa, comumente retratada nos meios jornalísticos. É a diferença da visão interior para a visão exterior, e nesse sentido em particular essas imagens podem ser comparadas às imagens familiares. Nos álbuns de famílias não se vêem, por exemplo, imagens de brigas, situação existente em convivência familiar. Vêem-se retratados apenas os momentos

Page 95: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 95

felizes, aqueles que “valem a pena” ser eternizados. Assim se vê nas fotografias institucionais, em sua maioria. Exaltam-se as vitórias e ações louváveis, e escondem-se os fracassos e percalços. Estes, quando retratados, geralmente o são para provar a força do grupo que os venceu.

Diante da análise dessas características de exaltação de qualidades e feitos no registro fotográfico, outro tipo de registro muito lembrado e emblemático são as imagens publicitárias. Essa categoria de registro imagético pode ser explorada das mais variadas maneiras, pois, afora as imagens familiares, as campanhas publicitárias são o campo midiático de imagens que as crianças e jovens mais têm contato, e são também, em sua maior parte, os materiais fotográficos os quais os alunos menos refletem a respeito. É então de suma importância que se desenvolva a análise e o olhar crítico sobre as imagens presentes nas campanhas publicitárias. Esse é um tipo de análise facilitado também pela grande presença desse tipo de registro no acervo fotográfico do Museu Histórico de Londrina. Ele se encontra nas fotografias de caráter profissional, feitas pelos fotógrafos contratados pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), e nos anúncios publicitários diversos feitos pela CTNP, presentes no acervo do setor de Biblioteca e Documentação do Museu Histórico de Londrina.

A fotografia é um meio de propaganda muito eficaz, e era largamente utilizado pela CTNP. Através de anúncios em jornais, em cartazes afixados a estações de trem e ônibus, além de estabelecimentos comerciais de várias cidades, e nos álbuns e catálogos feitos por fotógrafos contratados pela CTNP, dos quais os agenciadores de terras iam munidos ao abordar as famílias propensas a serem compradoras de lotes. O registro fotográfico passa a mensagem de veracidade, reprodução fiel da realidade, como diz Paulo César Boni e Larissa Ayumi Sato em seu artigo “A mídia fotografia como estratégia publicitária da Companhia de Terras Norte do Paraná”:

[...] a fotografia se transformou em importante mídia de publicidade, cada vez mais utilizada por sua capacidade de informação e persuasão, por continuar desfrutando o status de veracidade e, claro, para atender a interesses determinados. [...] (2009, p. 248)

A CTNP se utilizava majoritariamente em suas campanhas publicitárias de imagens que remetiam ao progresso e à terra fértil da região Norte do Paraná, elementos que eram grandes atrativos a pessoas que pensassem em vir viver no sertão norte paranaense. Um dos exemplos é a utilização das imagens da chegada da linha férrea a Londrina e região como sinônimo de progresso e segurança de venda da produção agrícola, além da facilidade do acesso aos bens de consumo do básico ao supérfluo, e da comodidade do ir e vir. Porém, acima de tudo, essas imagens representavam grandiosamente a modernidade que havia chegado aos sertões do norte do Paraná.

Um exemplo é uma propaganda que foi veiculada pelo jornal Diário de S. Paulo, um dos meios de publicidade utilizados pela Companhia de Terras. Na propaganda há uma foto de um vagão de trem sendo içado por um cabo de aço que passa sobre o Rio Tibagi, que foi utilizado durante toda a obra para transporte de materiais e trabalhadores. A propaganda é intitulada “Bonito Flagrante”, isto porque se utiliza da imagem do vagão sendo atravessado pelo rio como prova de que o mesmo havia chegado até as terras vendidas pela CTNP, ou seja, chegou a Londrina a garantia no lucro da produção, e chegou graças à CTNP, que não media esforços para garantir ao comprador de suas terras o que fosse preciso para sua prosperidade. Quem comprou

Page 96: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores96

as terras da CTNP garantiu “um futuro muito promissor” para si e sua família. Na propaganda a modernidade trazida pela CTNP é sempre a unidade de medida das prosperidades trazidas pela terra a quem dela usufrui. Através desse discurso, a CTNP conseguiu criar uma aura de modernidade ao Norte do Paraná, refletindo a importância do discurso publicitário fotográfico e a atenção crítica que deve ser desenvolvida quanto a ele.

Com estes exemplos, cabe reafirmar a importância do acervo fotográfico do Museu Histórico de Londrina a as possibilidades que oferece para o desenvolvimento do ensino sobre a história da cidade de Londrina de uma maneira que possibilite um ensino mais crítico e criativo, bastando, para tanto, que a exposição e o acervo sejam explorados assertivamente.

Referências

BONI, P. C., SATO, L. A. A mídia fotografia como estratégia publicitária da Companhia de Terras Norte do Paraná. In: BONI, P. C. (org.). Certidões de Nascimento da História: o surgimento de municípios no eixo Londrina – Maringá. Londrina: Planográfica, 2009.

BORGES, Maria Eliza L. História & fotografia. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

DIARIO DE S. PAULO. Bonito Flagrante. P. 2. Sem data. Acervo do Museu Histórico de Londrina.

KOSSOY, Boris. Fotografia e História. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.

KOSSOY, Boris. Fotografia e memória: reconstituição por meio da fotografia. In: SAMAIN, Etienne. O Fotográfico. 2ª ed. São Paulo: Editora Hucitec/Editora Sena, 2005.

LEITE, Miriam M. Retratos de família: leitura da fotografia histórica. São Paulo: Edusp, 2001.

SARDELICH, Maria Emilia. Leitura de imagens, cultura visual e prática educativa. In: Cadernos de Pesquisa, v. 36, n. 128, p. 451-472, maio/ago. 2006. Departamento de Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana – BA.

Page 97: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 97

RPG COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA NAS AULAS DE HISTÓRIA

Juliano da Silva Pereira1

Regina Célia Alegro2

Uma das perguntas constantes na prática do professor refere-se a como estimular seu aluno para o aprendizado. Como ensinar um aluno conectado ao mundo pela internet utilizando um quadro negro e um giz? É necessário criar novas formas para estimular o aluno para o aprendizado superando as didáticas áridas através de um conjunto pulsante e rico em sociabilidade e em realização.

Hoje, ao conjugar elementos variados na sala de aula, o professor considera não apenas o raciocínio, o desenvolvimento motor, mas também a criatividade e a imaginação no desenvolvimento da criança. É nessa perspectiva que foi realizado em 2009, em uma escola da rede pública estadual de ensino na cidade de Londrina – PR, um projeto no qual o jogo chamado RPG (sigla para Role Playing Game) foi utilizado como ferramenta pedagógica no ensino de história. Participaram do jogo 83 alunos da 6ª série do ensino fundamental na faixa etária de 11 a 12 anos. (PEREIRA, 2010).

O jogo criado nos Estados Unidos pode ser traduzido para algo como jogo de personificação (ou interpretação) de papéis. A idéia do jogo é interpretar um personagem em todos os seus aspectos (físicos e sociais) dentro de um ambiente e ali viver aventuras só possíveis na imaginação. Algo como jogar um videogame no qual não há gráficos (ou TV) e todas as ações dos personagens são definidas através da sua interação em uma história contada por um narrador.

Geralmente as histórias coletivas contadas quando se joga RPG estão ligadas ao faz-de-conta. Não é para menos, pois na sua origem o jogo privilegiava cenários que misturavam Idade Média com realismo fantástico (monstros mitológicos e outros seres sobrenaturais).

Para jogar RPG é necessário um narrador. Seu papel é conduzir a história, descrever o cenário (tudo que pode ser apreendido pelos sentidos) e as situações do jogo em que os demais jogadores interagem entre si ou com outros personagens que não são jogadores (todos representados pelo narrador).

Embora haja um roteiro que conduz os personagens, os jogadores interferem na criação e condução da história conforme tomam decisões diante dos desafios colocados em seu caminho pelo narrador. Ele tem que ajustar a narrativa para que o personagem cumpra seu objetivo no jogo. Podemos dizer que jogar RPG é contar uma história coletivamente, com vários autores. Esta foi uma das idéias que guiaram a experiência: contar com os alunos uma história sobre Roma.

1 Professor da rede estadual de ensino e mestrando em História Social (UEL). Grupo de Pesquisa Rede de Estudos sobre ensino e aprendizagem em História (UEL).2 Grupo de Pesquisa Rede de Estudos sobre ensino e aprendizagem em História (UEL). Projeto O Museu Vai à Escola (USF/SETI/PR)

Page 98: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores98

RpG no ensino de História

O RPG foi pensado como uma ferramenta pedagógica voltada para a educação no Brasil em meados dos anos 1990 com o lançamento do livro de Alfeu Marcatto, “Saindo do Quadro”, cujo público alvo seria os professores, não importando sua formação ou área de conhecimento, provavelmente atuantes no ensino fundamental e médio. Seu objetivo era ensinar ao leitor (educador) a criar “aventuras pedagógicas” que ajudassem o professor a ensinar seu conteúdo jogando RPG.

No entanto, as características do RPG que Marcatto considera importantes para a educação são mais comportamentais que cognitivas. Seu livro ensina a criar aventuras que, antes de conhecimento, devem ensinar ao aluno a: trabalhar em grupo, superar a timidez, melhorar sua sociabilidade, aumentar o gosto pela leitura. Além disso, em se tratando de conteúdos específicos, as aventuras acabam por contribuir somente para a fixação de fatos históricos.

Além dessa experiência, podemos citar os livros da coleção Mini-Gurps (RINCON, 1999) com temáticas históricas como: cruzadas, descobrimento do Brasil, Quilombo dos Palmares e entradas e bandeiras. Trata-se de livros-jogos que contém, de forma resumida, as regras para se jogar, uma aventura solo (uma história na qual o leitor escolhe entre alternativas que mudam o rumo da história) e uma aventura para se jogar em grupo. Embora aborde temas históricos não há um sistema que possibilite que se jogue em uma classe de história, além disso, as aventuras também priorizam, no contexto da sala de aula, o estudo e memorização de fatos de fatos históricos. Esta é a ajuda que o livro pretende dar no processo ensino-aprendizagem.

O proposto nesse artigo é utilizar o RPG como uma ferramenta pedagógica para o ensino de conteúdos e conceitos relacionados à História, é permitir ao aluno se confrontar com problemas que só podem ser resolvidos com o entendimento do conteúdo e não sua simples memorização.

Para trabalhar o jogo no ensino de história é necessária uma metodologia específica que possa dar conta das peculiaridades da área. Em primeiro lugar, o aprendizado de história só terá sentido para o aluno do ensino fundamental na medida em que puder relacionar as novas informações com aquilo que já conhece e reconhecer elementos que diferenciam o passado do presente.

Um conceito importante para pensarmos o ensino é o de aprendizagem significativa, criado por David Ausubel (apud LIMA, 2009), que ocorre quando:

[...] há uma ancoragem, na estrutura cognitiva do aluno, de uma nova informação. “[...] Na aprendizagem significativa há uma interação entre o novo conhecimento e o já existente, na qual ambos se modificam. À medida que o conhecimento prévio serve de base para a atribuição de significados à nova informação, ele também se modifica” (LIMA, 2009, p. 5)

Dizemos, então, que para o aluno aprender de forma significativa o conteúdo precisa “fazer sentido” para ele. Em outras palavras, o conteúdo tem que se inserir na experiência do aluno para que ele se reconheça como agente participante e modificador da história.

É preciso considerar que o aluno não é tabula rasa e traz conhecimentos advindos de sua experiência de vida. Segundo Rüsen, todo homem possui e desenvolve ao longo de sua vida

Page 99: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 99

uma consciência histórica que funciona como um modo específico de orientação em situações reais da vida presente: tem como função nos ajudar a compreender a realidade passada para compreender a realidade presente (RÜSEN, p. 29, 1992).

Esta consciência, enquanto orientação para a vida faz com que formemos conceitos históricos que não nos foram passados pela escola, foram apreendidos em nossas relações com as pessoas e o mundo em que vivemos. Tudo que foi apreendido pelo aluno antes de se deparar com o conhecimento científico propagado na escola, Ausubel (apud LIMA, 2009) chama de conhecimento prévio e é a este conhecimento que o aluno deve ligar ao conhecimento da escola para que possa ter uma aprendizagem significativa.

A aprendizagem significativa deve ser objetivo de toda a escola, mas em se tratando de história temos outro objetivo que se conjuga a este: estimular o aluno a desenvolver idéias históricas, ou antes, a pensar historicamente. Para isso o foco do ensino de história deve estar tanto na aprendizagem de conceitos substantivos como de segunda ordem pelo aluno.

No ensino de história exploramos dois tipos de conteúdos: substantivos e de estruturais. Conteúdos substantivos referem-se a conceitos do campo da História explorados como conteúdo escolar, como por exemplo, feudalismo, democracia, trabalho. (ALEGRO, 2008). Estes conteúdos são muito importantes para o aluno no aprendizado de história, porém são conhecimentos que devem estar ligados aos conceitos estruturais, ou de segunda ordem, como a noção de narrativa, relato, explicação. São estes conceitos que, segundo Lee (2001), dão consistência à disciplina, à aprendizagem histórica.

Para que o aluno aprenda história, além de estudar os conceitos substantivos e ligá-los ao seu conhecimento prévio, deve compreender o passado ou correr o risco de torná-lo “[...] numa espécie de casa de gente desconhecida a fazer coisas ininteligíveis, ou então numa casa com pessoas exactamente como nós, mas absurdamente tontas” (LEE, 2003, p.19).

Não basta ligar conceitos novos àqueles já presentes na estrutura cognitiva do sujeito que aprende, é necessário compreender o pensamento do personagem histórico dentro de seu contexto. Para facilitar este processo de compreensão o professor deve criar situações de aprendizado que estimulem o aluno a tomar a perspectiva do outro. Lee chama esta compreensão de empatia histórica, a qual define como uma realização (e também uma disposição) “algo que acontece quando sabemos o que o agente histórico pensou, quais os seus objetivos, como entenderam aquela situação e se conectamos tudo isto com o que aqueles agentes fizeram”. (LEE, 2003, p.20).

Esta empatia não pressupõe sentir os sentimentos dos agentes do passado, mas sim entender como eles pensavam. “Nossa compreensão vem da forma como sabemos como é que as pessoas viram as coisas, sabendo que sentiram os sentimentos apropriados àquela situação, sem nós próprios as sentirmos” (LEE, 2003, p.21)

O modo como podemos saber sobre o passado, passa obrigatoriamente pela seleção de fontes (documentos) e sua análise. Isso implica que o aluno precisa desenvolver a capacidade de imaginar, inferir e analisar evidências. É através da análise das evidências (ou fontes, ou documentos) que o aluno pode entender e estabelecer uma relação de empatia com personagens e acontecimentos históricos.

Page 100: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores100

A experiência

Um jogo de RPG funciona como um simulador de realidades e no ensino de história deve funcionar como um simulador (aquilo que representa com semelhança) de uma experiência do passado. A intenção não é reconstruir o passado tal como existiu concretamente, mas pensá-lo sob diferentes pontos de vista. A narrativa do RPG, apesar de ficcional, permite ao aluno se colocar como protagonista de uma experiência vivida no passado, entre diferentes lugares e personagens.

Os jogadores produzem narrativas que expressam suas percepções da experiência humana no tempo. Estas irão variar conforme a sua experiência de vida, pois ao se manifestar no jogo expressa a sua própria identidade, o modo como se vê no mundo, como concebe os acontecimentos. Essa atividade favorece ao aluno, no processo de aprender a construir significados e sentidos. Esse é um conhecimento produzido na experiência escolar que caracterizamos como narrativa histórica escolar.

Por outro lado podemos pensar a narrativa ficcional do RPG com elementos do real, como diz Sonia Rodrigues (2004, p. 35), a “ficção busca dar vida às ações que poderiam ter acontecido, ações, portanto, verossímeis” e desta forma aproximá-la da narrativa na aula de História. É possível pensarmos em um jogo no qual a narrativa seja construída com base no documento e no movimento que caracteriza as relações humanas.

Uma forma de usar o RPG, enfrentando anacronismos e, ao mesmo tempo, pensando na aprendizagem de conceitos e não somente de fatos, se efetivou na sala de aula com uma aventura em que os alunos “viajaram no tempo”. Desta forma, se o aluno-jogador vê o passado com as suas percepções do presente, pode se colocar no lugar de quem analisa documentos, evidências do passado, com certo distanciamento e reconhecer o próprio papel nesse processo como distinto daqueles dos personagens.

A experiência aqui descrita tinha como objetivo demonstrar como o RPG pode ser usado como um instrumento didático no ensino de História.

Começou com uma investigação sobre o que os alunos entendiam por escravidão, para depois relacionar estes conhecimentos ao tema escolhido: escravidão na antiguidade romana. Para o grupo participante duas idéias prevaleceram com unanimidade: a violência física como característica permanente da escravidão e que todo escravo era negro. O segundo passo foi a aplicação e análise de uma aventura de RPG, criada especificamente para discutir o tema proposto.

No jogo realizado em aula cada detalhe foi pensado para facilitar a apreensão de conceitos por parte do aluno. Os alunos se dividiram em grupos e cada grupo interpretou um personagem, criado especialmente para o jogo.

Os alunos-personagens viajaram através do tempo e chegaram à Roma antiga. Lá eles tiveram enigmas para resolver com o objetivo de voltar para nossa época. Chamo de enigmas as situações criadas em que eles têm que interagir com personagens da época para resolvê-los. Isto é feito através da leitura e interpretação de documentos (que aparecem no jogo como falas de outros personagens da época estudada).

Foi criado para o jogo um grupo de personagens, os Detetives prodígio, seis adolescentes que investigam mistérios na história, todos grandes conhecedores de história e prodígios em

Page 101: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 101

suas áreas específicas. Cada um possui uma habilidade específica que ajuda na elucidação dos enigmas colocados na aventura.

najub, por exemplo, tem conhecimentos de lingüística e sua habilidade lhe permite ler línguas arcaicas como grego e aramaico. Raquel é arqueóloga e pode descobrir vestígios materiais de povos antigos, seu funcionamento e seus usos. Romeu é especialista em documentos escritos e heráldica, auxilia o grupo na interpretação dos textos. Moema é antropóloga e tem a habilidade de compreender os hábitos e as crenças de qualquer cultura. Helena é geógrafa e pode se localizar no tempo e no espaço com perfeição. Simão (caçula do grupo) é advogado especializado em Direito Civil.

Como exemplo de um enigma, em determinada altura os personagens tiveram que agir como advogados de um garoto que seria vendido como escravo. Os personagens analisaram documentos de Roma sobre o tema e montaram uma defesa para o garoto. Estes passos foram encenados e os personagens tiveram que imaginar a cena em que eles apresentam as suas conclusões diante do senado romano.

Através do jogo os alunos vislumbraram uma possibilidade de passado. Estudaram fontes primárias e estabeleceram relações com o seu presente. Claramente perceberam que o mundo romano é diferente do seu. Ao final, descobriram mais sobre o que significava ser escravo em Roma, passaram a relativizar a generalização da violência física nas relações entre senhores e escravos e deixaram de associar escravidão e homens negros. Mas, sobretudo, aprenderam brincando.

Referências

ALEGRO, Regina C. Conhecimento prévio e aprendizagem significativa de conceitos históricos no Ensino Médio. Tese (Doutorado em Educação) – UNESP, Marília, 2008.

PEREIRA, Juliano da Silva. O uso do RPG como ferramenta pedagógica nas aulas de história. Monografia (Especialização em História e Ensino de História) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina. 2010.

LEE, Peter. Progressão da compreensão dos alunos em história. In: BARCA, I. (Org.) Perspectivas em educação histórica. Actas das primeiras Jornadas Internacionais de Educação Histórica. Braga: UMinho, 2001.

LEE, Peter. “Nós fabricamos carros e eles tinham que andar a pé”: Compreensão da vida no passado. In: BARCA, I. (Org). Jornadas Internacionais de Educação Histórica, II, 2001. Portugal. Atas: Educação Histórica e Museus. Portugal: Lusografe, 2003. p. 19-36.

LIMA, Maria. Os mapas conceituais como instrumentos de avaliação da aprendizagem de conceitos na disciplina de história. http://www.ichs.ufop.br/perspectivas/anais/GT1001.htm, acesso dia 03/08/09.

MARCATTO, Alfeu. Saindo do Quadro. São Paulo: Edição do autor, 1996.

Page 102: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores102

PEREIRA, Juliano da Silva. O uso do RPG como ferramenta pedagógica nas aulas de história. Monografia (Especialização em História e Ensino de História) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2010.

RICON, Luiz Eduardo. As Cruzadas. Série Mini GURPS. São Paulo: Devir, 1999.

RICON, Luiz Eduardo. Entradas e Bandeiras. Série Mini GURPS. São Paulo: Devir, 1999.

RICON, Luiz Eduardo. O Descobrimento do Brasil. Série Mini GURPS. São Paulo: Devir, 1999.

RICON, Luiz Eduardo. Quilombo dos Palmares. Série Mini GURPS. São Paulo: Devir, 1999.

RODRIGUES, Sonia. Roleplaying Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2004.

RÜSEN, Jorn. El desarollo de La competência narrativa em El aprendizaje histórico. Uma hipóteses ontogenetica relativa a la conciencia moral. In: Propuesta Educativa, n. 7, 1992. Buenos Aires: Flacso, p. 17-36.

Page 103: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 103

O QUe penSAM OS ALUnOS jOVenS e ADULtOS SOBRe A HIStÓRIA? nOtAS SOBRe SUAS IMAGenS e RepReSentAçõeS

Wilian Junior Bonete1

Regina Célia Alegro2

Introdução

O presente texto apresenta um fragmento de nossa pesquisa de mestrado que foi realizado junto ao Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHS) da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e que teve como objetivo analisar o pensamento dos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) sobre a História. Em outras palavras, a pesquisa procurou identificar as relações que os alunos estabeleciam com o conhecimento histórico e se eles atribuíam, ou não, um sentido prático para o ensino e a aprendizagem da História3.

Os dados foram coletados através de um instrumento de pesquisa inspirado no projeto “Youth and History” realizado na Europa na década de 1990 sob a coordenação de Magne Angvik e Bodo Von Borries (PAIS, 1999), porém, readaptado à realidade dos alunos da EJA.

Nesse sentido os alunos responderam 10 (dez) questões históricas fechadas sobre significado, importância, gosto, interesse, confiança, temporalidade e experiência em sala de aula; 4 (quatro) questões discursivas sobre conhecimento histórico e vida prática; e uma situação hipotética baseado em Rüsen (2010). Todas essas questões tiveram como pressuposto as teorias concernentes a consciência histórica.

As respostas foram analisadas mediante o uso da Escala Likert, habitualmente utilizada em questionários e pesquisas de opinião onde os participantes especificam seu nível de concordância. Os dados foram tabulados, tratados estatisticamente e geraram médias (porcentagens) que possibilitaram a visualização de um quadro representativo para cada questão. As respostas discursivas foram analisadas à luz da metodologia denominada Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1977) que procura, através da organização, categorização e interpretação, revelar as minúcias e os sentidos manifestados nos diversos tipos de discursos.

No presente texto será realizado um pequeno recorte nos dados da pesquisa que se referem às imagens ou representações que os alunos fazem acerca da História. A exposição do tema está dividida em duas partes. A primeira contempla uma breve discussão dos conceitos centrais dessa investigação: Didática da História e consciência histórica. A segunda dedica-se a expor os resultados da análise das respostas dos alunos da EJA.

consciência histórica e Didática da História: conceitos centrais de investigação

A Didática da História – Geschichtsdidaktik – ao longo das últimas décadas tem se estabelecido com um campo híbrido entre a História e a Educação, desenvolvendo objetivos e reflexões teóricas voltadas para diversos temas, dentre eles, a circulação social do conhecimento histórico, a formação de professores, aprendizagem, currículo e as práticas de 1 Mestrando. Programa de Pós-Graduação em História Social (UEL). Linha História e Ensino.2 Orientadora3 A pesquisa foi realizada com 66 alunos da EJA de uma escola pública na cidade de Guarapuava, PR.

Page 104: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores104

ensino. (CARDOSO, 2007, 2008). Apesar dessa amplitude temática, seu objetivo vem sendo uníssono: a formação política, crítica e comunicativa dos indivíduos na qual se pretende formular conhecimentos relevantes sobre o passado, procurando transmitir o “saber histórico” de modo que possa ser transformado em habilidades sociais para as novas gerações. (ECKER, 2002).

Segundo Rüsen (2012), a Didática da História considera a subjetividade dos alunos, os processos de recepção da História e os interesses desses alunos como tema essencial de suas reflexões didáticas. Entretanto, o seu objeto principal de análise é a consciência histórica (em todas as suas formas e funções) e o seu papel na vida prática humana. Nas palavras do autor:

Com esta expansão da área de competência do ensino de História, para a análise global de todas as formas e funções da consciência histórica, a didática da história desenvolveu um auto-entendimento com o qual ela se apresenta como relativamente autônoma, como uma sub-disciplina da ciência da história, com a sua própria área de pesquisa e ensino, com seus próprios métodos e com a sua própria função. Isso ocorre devido a função de orientação que o conhecimento histórico tem na vida prática humana e a didática da história pode contribuir com suas pesquisas para controlar esta função. Esta afirmação é inquestionável quando se trata da função prática que o conhecimento histórico desempenha na educação e formação, especialmente no ensino de história. (RÜSEN, 2012, p.70).

Rüsen define a consciência histórica como sendo um conjunto de operações mentais pelas quais os homens orientam e interpretam sua experiência no tempo e no espaço, nas diversas circunstâncias da vida prática. (RÜSEN, 2001, p.57). De maneira convergente, Heller (1993, p15) entende que a consciência histórica é uma forma pela qual os homens buscam respostas as diversas situações que o tempo e a experiência do cotidiano lhe impõem. Na concepção de ambos os autores, a consciência histórica não é única, mas múltipla. A forma como o indivíduo interpreta e lida com sua experiência no tempo, ao passo que é levado a tomar atitudes ou decisões, é passível de mudança conforme as condições do contexto social e sua realidade.

Nesse sentido, Rüsen (2007, 2010) aponta quatro “dimensões da consciência histórica”, ou “formas de geração de sentido histórico” que são manifestas no ser humano: tradicional, exemplar, crítica e genética. Heller (1993), por sua vez, propõe um quadro teórico denominado de “estágios da consciência histórica” que mostra o desenvolvimento da consciência histórica, desde os primórdios da humanidade até a atualidade. Entretanto, esses estágios não devem ser entendidos como níveis ou etapas a serem atingidas. Para a autora, a consciência histórica é a forma que possibilita o homem encontrar respostas as suas necessidades (ou carências) de orientação no tempo e no espaço, nas diferentes sociedades e também de responder à pergunta “de onde vim, quem sou e para onde vou”.

As perspectivas de Rüsen e Heller são privilegiadas, no que tange ao ensino de História, porque ambos mostram que a consciência histórica é necessariamente um fator humano, que emerge do cotidiano. Isso abre espaço para o entendimento de que os alunos, em geral, são dotados de uma consciência histórica, pois todos são levados a lidar com diversas situações diárias que exigem reflexão e interpretação da realidade e do mundo contemporâneo. Nesse sentido, parte-se do pressuposto de que à História e o conhecimento histórico, como elementos da consciência histórica, exercem um papel decisivo na vida dos alunos.

Page 105: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 105

Desse modo, quando indagações sobre as ideias, os saberes e o aprendizado dos alunos são levantados, significa que reflexões sobre a consciência histórica. Segundo Rüsen (2006, p.16) “o aprendizado é uma das dimensões e manifestações da consciência histórica. É o processo fundamental de socialização e individualização humana e forma o núcleo de todas estas operações”.

Assim, com base nesses pressupostos, pode-se perguntar: O que pensam os alunos da EJA sobre a História e sua função social? Qual é a importância do conhecimento histórico para a formação da consciência histórica? O ensino de História tem importância para a vida prática? De que forma o conhecimento histórico pode influenciar nas decisões e ações da vida humana?

Os dados selecionados para o presente texto não dão conta de responder a todas essas perguntas, todavia, eles oferecem um quadro específico sobre as imagens e as representações que os alunos fazem da História, a partir de suas experiências de vida.

jovens e adultos: imagens e representações da História

A História enquanto conteúdo da consciência histórica representa o nexo significativo entre as três dimensões temporais: o passado, o presente e futuro. (RÜSEN, 2010; PAIS, 1999). Entretanto, a História não possui um sentido independente daquele que as pessoas lhe atribuem. Desse modo, uma investigação sobre a consciência histórica representa o empenho de se identificar e analisar como as pessoas veem e convivem com o passado, uma vez que o utilizam como conhecimento. Segundo Pais (1999, p.1), a consciência histórica é permeada por múltiplas representações e, no final, são elas que conferem sentido à História.

Assim, com o objetivo de refletir sobre qual a imagem que os alunos possuíam sobre a História, foi elaborado a seguinte pergunta:

Para você a História é:

Disc

ordo

Con

cord

o

Con

cord

o to

talm

ente

Não

R

espo

nder

am

Tota

l

a) Uma matéria da escola e nada mais. 83,3% 12,1% 3,0% 1,5% 100%

b) Uma fonte de coisas que estimula minha imaginação. 7,6% 68,2% 24,2% - 100%

c) Uma possibilidade para aprender com os erros e acertos dos outros. 21,2% 56,1% 22,7% - 100%

d) Algo que já morreu e passou e que não tem nada a ver com a minha vida. 87,9% 9,1% 3,0% - 100%

e) Mostra o que está por trás da maneira de viver no presente e explica os problemas atuais. 7,6% 63,6% 27,3% 1,5% 100%

f ) Um amontoado de crueldades e desgraças. 78,8% 10,6% 6,1% 4,5% 100%

g) Uma forma de entender a minha vida como parte das mudanças na História. 4,5% 66,7% 22,7% 6,1% 100%

Pelos dados verificou-se claramente uma desvalorização do componente estritamente letivo da escola. O índice de “discordância” em relação à História enquanto “(a) Uma matéria

Page 106: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores106

da escola e nada mais” chegou a 83,3%, contra 15,1% (na somatória de “concordo” e “concordo totalmente”). Notou-se também um grande índice de rejeição em relação às imagens negativas da História. A alternativa “(d) Algo que já morreu e que não tem nada a ver com a minha vida”, foi discordada por 87,9% dos alunos contra um grupo de 12,1% (na somatória de “concordo” e “concordo totalmente”). Já a alternativa “(f ) Um amontoado de crueldades e desgraças” obteve 78% das respostas assinaladas em “discordo” contra 16,7% (na somatória de “concordo” e “discordo totalmente”).

Por outro lado, no que se refere às imagens positivas da História, foi constatada a valorização dos aspectos críticos e reflexivos que o conhecimento histórico, por si próprio, carrega. Os alunos indicaram principalmente que a História “(e) Mostra o que está por trás da maneira de viver no presente e explica os problemas atuais”; é “(g) Uma forma de entender minha vida como parte das mudanças na História” e também “(c) Uma possibilidade de aprender com os erros e acertos dos outros”. Isso revela que os jovens e adultos se afastam da noção da História como a imagem de um passado sem significado ou ainda como mero registro de guerras, desgraças ou crueldades.

O aluno é um ser social, alguém que vive em uma determinada época e contexto histórico, sendo proveniente de uma determinada classe social e contemporâneo de determinados acontecimentos. Ou seja,

[...] Ele é um homem do seu tempo, e isso é uma determinação histórica. Porém dentro do seu tempo, dentro das limitações que lhes são determinadas, ele possui liberdade de optar. Sua vida é feita de escolhas que ele, com grau maior ou menor de liberdade, pode fazer como sujeito de sua própria história e, por conseguinte, da Historia Social do seu tempo. (PINSKY, PINSKY, 2009, p. 28).

Conforme Pinsky e Pinsky (2009), o aluno deve enxergar-se enquanto sujeito histórico. Deve entender que a História é feita por seres humanos e que “gente como a gente vem fazendo História” ao longo do tempo. Desse modo, quanto mais o aluno sentir a História como algo próximo, mais terá vontade de interagir com ela.

Nessa perspectiva, grande parte dos alunos questionados percebe que o conhecimento histórico pode expandir os horizontes reflexivos acerca de si mesmos e dos mecanismos de funcionamento da sociedade e do mundo contemporâneo.

Outro dado importante aparece na alternativa “(b) Uma fonte de coisas que estimula minha imaginação”, que representa na somatória das opções “concordo” e “concordo totalmente”, 92,4% das respostas dos alunos. A explicação desse significado da História no imaginário dos jovens e adultos pode estar relacionada à influência dos meios de comunicação em massa, principalmente dos filmes, novelas, minisséries ou documentários, cujos conteúdos, muitas vezes, abordam temas históricos.

Do ponto de vista da consciência histórica, a interpretação que o homem faz de si mesmo, do tempo, da sociedade e da coletividade começa muito antes da sua escolarização e é permeada por diversas imagens, elementos ou saberes que não são provenientes da escola (CERRI, 2011). Nesse caso, entende-se que o ensino de História possui uma função de orientação no tempo, corrobora para a formação da consciência histórica, todavia, isso não é um pré-requisito seu.

Page 107: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 107

considerações finais

Mediante a breve análise da questão acerca das imagens e representações que os alunos fazem sobre a História, percebe-se que o conhecimento histórico possibilita os alunos identificarem e explicarem as permanências e rupturas entre o passado, o presente e futuro. A essa perspectiva acrescente-se a experiência individual, que, no caso dos alunos da EJA, já possuem uma trajetória de vida, uma bagagem cultural mais ampla, além de ideias e opiniões arraigadas sobre si e o mundo que os cerca.

Nessa direção, infere-se que, somente um ensino de História, pautado no diálogo entre professores e alunos, que valorize as muitas experiências, as histórias, as memórias, as vivências, a ideias, os saberes e as opiniões, poderá contribuir para a formação e o desenvolvimento da consciência histórica.

Assim, conhecer os alunos jovens e adultos com quem se trabalha é essencial para um trabalho frutuoso. O aprofundamento do tipo de pesquisa aqui relatado poderá produzir importantes informações para aprimorar o ensino de História e poderá contribuir para as discussões no âmbito dos estudos da Didática da História.

Referências

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

CARDOSO, Oldimar Pontes. A Didática da História e o Slogan da formação de cidadãos. (Tese de doutorado em Educação), São Paulo, USP, 2007.

CARDOSO, Oldimar Pontes. Para uma definição de didática da história. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 28, nº 55, p. 153-170 – 2008.

CERRI, Luis Fernando. Ensino de História e Consciência histórica: implicações didáticas de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.

ECKER Alois. Didactica de la historia orientada a los processos. Nuevos caminhos em la formacion de maestros (as) de educacion superior en la Universidad de Viena, 2002. Disponível em: <hppt://www.univie.ac.at/wirtschaftsgeschichte/pdf_gdes.html> Acesso em: dez. de 2012.

HELLER, Agnes. Uma teoria da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993.

PAIS, José Machado. A consciência histórica e identidade: os jovens portugueses num contexto europeu. Oeiras: Celta: 1999.

PYNSKY, Jaime; PYNSKY, Carla Bassanezi. Por uma história prazerosa e conseqüente. In: KARNAL, Leandro. (org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 2ª Ed. São Paulo: Contexto, 2009.

Page 108: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores108

RÜSEN, Jörn. Aprendizagem histórica: fundamentos e paradigmas. Curitiba: W.A. Editores, 2012.

RÜSEN, Jörn. O desenvolvimento da competência narrativa na aprendizagem histórica: uma hipótese ontogenética relativa a consciência moral. In: SCHMIDT, Maria; BARCA, Isabel;

MARTINS, Estevão (Org.). Jörn Rüsen e o Ensino de História. Curitiba: Editora UFPR, 2010, p. 51-77.

RÜSEN, Jörn. Razão histórica. Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora da UnB, 2001.

RÜSEN, Jörn. História Viva: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: Editora da UnB, 2007.

Page 109: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 109

MUSEU HISTÓRICO DE LONDRINA: ESPAÇO DE APRENDIZAGEM

Ana Luiza Coradi1

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, um dos eixos temáticos a serem desenvolvidos pelos professores em sala de aula nas turmas de 4° ano do ensino fundamental é sobre a história local. Assim, no município de Londrina está previsto que os alunos do 4° ano tenham no currículo de conteúdo de história destacando a história da cidade de Londrina (PR). E a maioria de escolas municipais agendam visitas monitoradas no Museu Histórico de Londrina (MHL), para ilustrar e aprofundar a aprendizagem sobre os conteúdos previstos na história local de Londrina.

A instituição museal é uma importante aliada para o ensino de História. Nas atuais orientações pedagógicas, o museu surge como um espaço de memórias, capaz de promover a identidade e a cidadania, seja ela local ou regional. Os museus também são caracterizados por contribuir para o desenvolvimento social e democratização dos bens culturais.

Ao desenvolver temáticas da história local, o educador pode levar em consideração a cidade, a urbanidade, enquanto fator significativo da cultura contemporânea. As cidades podem ser compreendidas como seres coletivos, prenhes de vontades e memórias, que geram representações e conceitos. (AZEVEDO; CATÃO; PIRES, 2009, p.5)

As cidades são destinadas a todos os diferentes grupos que nela residem. Essas populações residentes nas cidades são caracterizadas por estarem envoltas por diferentes peculiaridades locais, hábitos, costumes, tradições e memórias. Tais características da sociedade pertencem ao campo do patrimônio imaterial, entretanto, alguns desses bens imateriais estão tão imbricados no cotidiano dos indivíduos que, muitas vezes, passam despercebidos como parte de suas vidas, como patrimônios que dão substância a própria história.

Geralmente, enaltecemos apenas os “vencedores” e os “grandes feitos”, esquecendo-nos do social como um todo, de que a vida social, a História, é feita a todo o momento e por todos. (,AZEVEDO; CATÃO; PIRES, 2009, p.6).

E, na perspectiva do que se refere ao patrimônio imaterial, encontram-se as memórias, que estão imbricadas nos diferentes povos que compõe as cidades. Nas últimas décadas, a memória passou a ocupar um importante papel no cenário intelectual. Dessa maneira, a memória passou a ter outros significados, sentidos, apropriações, vozes e atores. (AZEVEDO; CATÃO; PIRES, 2009, p.6-7)

A memória ensinada nas escolas, antes privilegiava os “grandes heróis” e “grandes feitos”, agora passa a reconhecer novos atores como importantes agentes históricos, com uma rica gama de diferentes visões sobre uma mesma cultura, enriquecendo a história com diversificadas e plausíveis fontes históricas. Entende-se assim, que a propagação de uma única memória é impossível diante de tantas outras que fazem parte do mesmo universo histórico, que são tão importantes e fundamentais para a construção da narrativa histórica quanto à memória “oficial”, privilegiada, que silencia a maioria, marginalizando-os. Com esse novo contexto de valorização

1 Graduada em Licenciatura em História pela UEL. Bolsista pelo programa Universidade sem Fronteiras/Seti-PR, Projeto O Museu vai à escola: memória e educação patrimonial. Orientadora: Prof. Dra. Regina Célia Alegro.

Page 110: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores110

de diferentes vozes, somos capazes de notar a cultura de modo mais ativo e inter-relacionado, ultrapassando a antiga visão e polarização entre vencidos e vencedores, popular e erudito. (AZEVEDO; CATÃO; PIRES, 2009, p.8-9).

De acordo com os autores:

O reconhecimento do caráter potencialmente problemático de uma memória coletiva já anuncia a inversão de perspectiva que marca os trabalhos atuais sobre esse fenômeno. Numa perspectiva construtivista, não se trata mais de lidar com os fatos sociais como coisas, mas de analisar como os fatos sociais se tornam coisas, como e por quem eles são solidificados e dotados de duração e estabilidade. Aplicada à memória coletiva, essa abordagem se interessa, portanto, pelos processos e atores que intervêm no trabalho de constituição e de formalização das memórias. Acentuando o caráter destruidor, uniformizador e opressor da memória coletiva nacional. (ARENDT, apud AZEVEDO; CATÃO; PIRES, 2009, p.09)

Desse modo, a memória não é uma só e nem é feita apenas pelos “grandes”, e que patrimônio são, então, patrimônios, importantes para a constituição de identidades, e que os museus tem importante função para caracterizar e concretizar tais fatos.

Sabe-se hoje que os Museus também possuem a função de propagar e apresentar ao público outras memórias. Na pesquisa sobre patrimônios e na organização do acervo museal há a possibilidade de apresentar, por meio das diferentes vozes, as diversas versões do passado, gerando novos monumentos, documentos e lugares de memória.

A função dos Museus abre um debate sobre memória, identidade, patrimônio cultural, podendo expor e propagar memórias antes omitidas. Oportunizar diferentes ações e vozes estimula o desenvolvimento social, uma vez que abre os horizontes dos agentes históricos responsáveis pela construção da História. (AZEVEDO; CATÃO; PIRES, 2009, p.8)

Por essa perspectiva, somos capazes de analisar os elementos que determinam a constituição de memoriais, diferenciando os aspectos da memória coletiva, oficial e unificadora, enaltecendo assim, os elementos criativos, múltiplos e diversificados que as identidades propiciam para as vivências na História, abrindo caminhos para diferentes, criativas e novas versões para uma mesma experiência histórica:

A partir do resgate, valorização, sensibilização e divulgação dos bens culturais locais, regionais percebemos a democratização da memória de uma comunidade. A divulgação de diversas manifestações culturais, costumes, saberes festividades e tradições promove a visibilidade e o reconhecimento da diversidade e da riqueza cultural. Igualmente tais ações são promotoras da democratização aos bens culturais, portanto facilitadoras do desenvolvimento social, da sustentabilidade e das diferentes facetas da identidade cultural, seja ela local, regional ou nacional. (AZEVEDO, CATÃO, PIRES, 2009, p. 9)

Assim, os professores de História que queiram utilizar o espaço do Museu Histórico de Londrina para melhor ilustrar e enriquecer o conteúdo do eixo temático história local e que se preocupam em valorizar os grupos da cidade pouco representados nos espaços de memória, podem contar com o próprio espaço museal para ensinar e problematizar a memória dessas populações, assim como as concepções e narrativas prevalecentes no museu..

Page 111: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 111

O Museu Histórico de Londrina conta com um rico acervo a respeito de indígenas, caboclos, tropeiros, posseiros, afro-descendentes, etc, que encontram-se nos setores de Documentação e Biblioteca, de Imagem e Som, no setor de Museologia. São depoimentos, entrevistas, fotos e objetos que falam dessas populações. Assim, os professores que queiram alargar o horizonte de informações nas aulas, além das visitas ao Museu, podem pesquisar esse acervo. O professor também pode agendar as visitas dos seus alunos no setor de Ação Educativa e solicitar que a monitoria enfatize recortes temporais, temáticos e outros elementos, de modo mais detalhado, especificando o que deseja realçar.

Assim, buscando novas vozes e novos atores sociais que constituíram a formação da cidade, os professores também ajudarão os alunos a se auto-valorizarem, sentindo-se também como parte da história e pertencendo à comunidade. Os alunos terão maiores oportunidades de apreciar a memória do bairro, da família, do grupo social a que pertencem, despertando nos alunos consciência e crítica histórica.

Uma maneira de proporcionar aos alunos um enfoque histórico mais abrangente e diferenciado é utilizar os objetos que estão expostos nas galerias de exposições. Muitos dos objetos são de uso cotidiano, objetos que os alunos possuem em casa, por exemplo, ferro de passar roupa, chuveiro. Nas monitorias, os alunos irão perceber que os objetos, ao longo do tempo sofrem modificações em seu formato, no modo de ser utilizado, porém, a função pela qual o objeto foi criado continua a mesma, apesar da passagem do tempo.

Por outro lado, no Museu Histórico o objeto muda de função. Os objetos expostos no museu não podem ser ligados, usados, não tem a mesma utilidade verificada no cotidiano. Então passam a representar e ilustrar o passado.

O museu possui a capacidade de despertar o interesse pelo conhecimento e enriquecer culturalmente, mas também possui um lado afetivo, pelo qual desperta nos visitantes emoções, afetos, sentimentos, pensamentos sob a forma de matéria. Articulando essas experiências (de diferenciar, localizar, caracterizar, emocionar-se, imaginar) os alunos ampliam a oportunidade de reconhecerem-se verem o mundo diverso no qual vivem.

Usando a imaginação, o museu faz com que os alunos vejam tempos e dimensões diferentes, e podem assim, interpretar o passado em suas diversas facetas, nos objetos há vidas latentes, extensões do corpo, rupturas e concordâncias perante tempo e espaço.

Essa relação entre museu e objetos gera uma dupla ação de usos e funções, na qual uma delas é pragmática, feita de modo racional e sistemático pelos especialistas, e a outra é desenhada a partir da imaginação, práticas e expectativas de quem visita o museu, e que possui sua base nos objetos. Os objetos podem então ser vistos pelos visitantes, como suportes de representações subjetivas abrangentes, gerando um jogo de sentido que se intensifica nas visitas ao museu, e faz com que o aluno encaixe os objetos expostos em sua própria vida e interprete-os enquanto referenciais. (BITTENCOURT, 2009, p.22).

Referências

AZEVEDO, Flávia Lemos M. de; CATÃO, Leandro P.; PIRES, João Ricardo F. Cultura, patrimônio e memória: o museu como local de cidadania, identidade e desenvolvimento social. In: ___ (Org.) Cidadania, patrimônio e memória: as dimensões do museu no cenário atual. Belo Horizonte: Crisálida, 2009.

Page 112: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores112

BITTENCOURT, Jose N. As coisas dentro da coisa: observações sobre museus, artefatos e coleções. In: AZEVEDO, Flávia Lemos M. de; CATÃO, Leandro P.; PIRES, João Ricardo F. (Org.) Cidadania, patrimônio e memória: as dimensões do museu no cenário atual. Belo Horizonte: Crisálida, 2009.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – Ensino Fundamental. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12640%3Aparametros-curriculares-nacionais1o-a-4o-series&catid=195%3Aseb-educacao-basica&Itemid=859 > Acesso em: 02. fev. 2013.

Page 113: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 113

O OBJETO ENTRE O MUSEU E O ENSINO DE HISTÓRIA

Priscila Rosalen Pasetto de Almeida1

Taiane Vanessa da Silva2

Regina Célia Alegro3

Todos os dias usufruímos de uma variedade de objetos que auxiliam e compõem nossas atividades rotineiras. O aparelho de televisão ligado durante o café da manhã, a roupa escolhida para o trabalho, e talvez a louça de porcelana sobre a mesa para o jantar de negócios; percebemos que para tudo se usam objetos, mas sem pensar muito sobre eles. Pela perda, ou inexistência do ato de reflexão sobre os objetos do dia-a-dia, ela – a falta do refletir – é também repetida durante a percepção dos mesmos expostos dentro de um museu. Em um espaço museal que se constitui por uma sequência de objetos em exposição, constantemente passam despercebidos durante a visitação de caráter espontânea ou aquela sem preparação do que se verá dentro de certo museu. Se aprendemos a ler palavras, também é preciso exercitar o ato de ler objetos, de observar a história que há na materialidade das coisas. (RAMOS, 2004, p. 21).

Mas que fique claro: a apreensão individual dos visitantes em um museu, não deve ser descartada. O papel do monitor – que às vezes é confundido com “informador” – é utilizar-se daquilo que fora apreendido pelo visitante, incitando a problematizá-lo com a narrativa que o museu desejou passar. A exposição, então, tem de ser colocada como um programa educativo mais amplo – seja por visitadas guiadas, dentro da sala de aula ou em outros espaços –, mas é o museu que deve assumir a responsabilidade e manter estratégias de orientação para os professores que constroem a ponte de contato entre seus alunos e o museu. (RAMOS, 2004, p. 24-25).

As exposições de um museu dispõem de vários cenários e vitrines compostas por objetos museais carregados de significados que dependem de interpretações para serem descobertos pelo visitante. Isso é particularmente importante quando se trata do público infantil.

Relativamente ao público infantil, no decorrer de nossas experiências no Museu Histórico de Londrina (MHL), percebemos que o monitor – ou mediador – tem o papel fundamental de estimular a interpretação pessoal de cada criança.

Os diversos significados de um objeto partem da “leitura” de suas características básicas – cor, tamanho, material. Estes primeiros diagnósticos motivam reflexões sobre significados não tão explícitos – como suas funções de uso, época em que foi criado, quem o usava – e que podem ser estimuladas por comparações de objetos do passado e do presente aproximando-os da realidade temporal da criança. (PEREIRA; SIMAN; COSTA; NASCIMENTO, 2007). Esta análise, fundamentada na imaginação e observação, tem como finalidade situar a criança no tempo e no espaço recortado por um museu.

1 Graduanda do curso de História da Universidade Estadual de Londrina, bolsista do Programa Universidade Sem Fronteiras/SETI/PR no projeto de extensão: O Museu vai à escola: memória e educação patrimonial. Contato: [email protected] Graduanda do curso de História da Universidade Estadual de Londrina, bolsista MEC/SESU do projeto de extensão: A Construção da memória e a preservação do patrimônio cultural em Londrina: reflexão e estratégias para a dinamização da educação patrimonial. Contato: [email protected] Orientadora Prof.ª Dr.ª Regina Célia Alegro. Museu Histórico de Londrina/UEL. Contato: [email protected]

Page 114: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores114

A exposição permanente do MHL traz uma narrativa sobre os primeiros colonizadores atraídos pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), privilegiando sua importância ao início da construção da cidade. Fotos, objetos, cenários e maquetes, a história de vencedores e o apogeu da cidade, em virtude da riqueza gerada pelo café, são articulados em torno da idéia do trabalho que constrói o progresso. (GERALDO; GARCIA; SCALASSARA, 1996).

O acervo formou-se, portanto, como envolvimento permanente das famílias e descendentes daqueles que chegaram a Londrina e na região nas primeiras décadas da constituição do empreendimento mobiliário da CTNP. (HILDEBRANDO, 2010, p. 44).

A concepção original da exposição não impede idéias, interpretações e narrativas diversas. A ação educativa do museu pode colaborar para esta multiplicidade de perspectivas atuando junto à escola e à comunidade. O museu dispõe de ações culturais educativas que auxiliam os visitantes a desenvolver habilidades para analisar os objetos em seus aspectos materiais, históricos e simbólicos. (BARBOSA; OLIVEIRA; TICLE, 2010, p. 10).

Segundo o Ministério da Cultura (Brasil), a ação educativa de um museu pode ser descrita como um conjunto [...] ‘dos procedimentos que promovem a educação no museu, tendo o acervo museológico como centro das suas atividades. Ela visa promover a participação, reflexão crítica e transformação da realidade social integrada à apropriação de uma cultura museal. Nesse caso, deve ser entendida como ação cultural, que consiste no processo de mediação, permitindo o homem aprender, em um sentido amplo, o bem cultural, em vistas ao desenvolvimento de uma consciência crítica e abrangente da realidade que o cerca. Seus resultados devem assegurar a ampliação das possibilidades de expressão dos indivíduos e grupos nas diferentes esferas da vida social. Concebida dessa maneira, a ação educativa em museus promove sempre beneficio para a sociedade, determinando, em ultima instância, o papel social dos museus.’” (BRASIL, 2006, p. 147 apud HILDEBRANDO, 2010, p. 71-72)

Assim, a ação cultural educativa em um museu está relacionada a um conjunto de programas e atividades, a fim de um diálogo entre a instituição-museu com as demais instituições da sociedade. E pela pretensão da ampliação das possibilidades de expressão dos indivíduos, no caso do público infantil, a criança faz de sua experiência no museu – ou por atividades vinculadas a ele – uma ampliação da sua memória; esta, composta pelo conhecimento construído por métodos comparativos ou de relações entre sua vivência com o que está sendo celebrado nos espaços expositivos do museu – o mesmo acontece com a disciplina de História, a qual deve considerar aquilo que o aluno carrega consigo a partir das suas vivências, internas e externas ao âmbito escolar. A narrativa histórica é, então, criada por esta criança a partir da memória desenvolvida pelo seu universo referencial. A função da escola, assim como foi assumida pelo museu, é de provocar aos alunos perguntas, suspeitas sobre a veracidade do narrado.

O foco do museu, então, volta-se não à exposição em si, mas ao público que a recebe. O museu não pode ser resumido à sua função protetora de objetos e outros itens uma vez que a preservação não justifica a si mesma; ela é um meio e não um fim. É necessário que ao lado da preservação, se instaure o processo de comunicação. A função comunicadora de um museu é, então, indissociável a ação educativa; uma vez que esta “deve propor-se desafiadora, instigante

Page 115: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 115

e problematizadora, afastando-se o princípio da transmissão de conhecimentos. [...] Assim, o educador do museu precisa ter a mediação como meta em sua prática diária”. (BARBOSA; OLIVEIRA; TICLE, 2010, p.16)

Quando nos voltamos para a nossa experiência como monitores, percebemos uma grande dificuldade em situar a criança visitante no tempo histórico que foi recortado no MHL, pois esta está em processo de formação do seu desenvolvimento cognitivo. Uma alternativa positiva é encontrada quando usamos da vivência da criança para contextualizar a narrativa do museu, tendo como premissa aquilo que elas já conhecem. A relação criativa com outros campos cognitivos tece uma rede de abertura interminável ao museu. E como falamos dos objetos como peças museais – e não mais auxiliares do cotidiano –, adquirimos o papel de possibilitar o entendimento às nossas crianças do objeto que, agora, reconfigurou o seu sentido.

Em vista de melhor visibilizar a relação entre o objeto museológico com o cotidiano das crianças, criamos uma atividade onde se espera que a criança visitante do MHL sinta-se participante da história narrada neste local; a narrativa é a história da cidade onde ela vive e, que todos os dias, participa da construção de um lugar bem diferente daquilo que fora no passado. Tal atividade chama-se Meu objeto também é histórico, onde a criança – durante uma visita ao MHL - analisará os objetos que, um dia fizeram parte do cotidiano dos povos que chegaram a Londrina e participaram de sua construção, e que hoje estão expostos no museu. Após a visitação, a proposta ao aluno é fazer uma pesquisa com suas famílias sobre onde seus antepassados vieram, e por que escolheram viver em Londrina. Com os dados em mãos, a criança irá escolher um objeto de sua casa (ou da casa dos avós, tios, etc.) que faça referência a sua história, para ser exposto em sala de aula.

A atividade proposta tem como problematizar, a partir do universo das crianças, “os por quês” dos objetos que um dia fizeram parte do dia-a-dia de pessoas comuns, hoje estão expostos no museu; e quais são suas relevâncias – dos objetos – quando estudamos a histórias de sociedades antepassadas. O MHL contém um acervo rico e diversificado sobre os colonos londrinenses. Objetos que vieram do Japão (como um bule de chá), ou da Holanda (um sapato feito de madeira), entre outros exemplos. A proposta é se trabalhar com a (re)significação dos bules e dos sapatos dentro deste museu; a criança, também, deve refletir sobre a pergunta: será que todo mundo que morava em Londrina usava este tipo de sapato e no fim de tarde colocava seu chá neste bule de louça? Questionar-se se todos os objetos presentes no MHL representam, necessariamente, a comunidade londrinense como um todo ou parte dela. E mais, estes objetos expostos em redomas de vidros representam você (a criança)? Desse modo, vai se desenvolvendo uma pedagogia dos objetos como prática envolvida nas perguntas das crianças participantes.

Como apoio teórico e metodológico, utilizamos da ideia do objeto gerador proposta por Ramos (2004); onde um professor ou orientador trabalharia a partir dos objetos significativos aos alunos, com o intuito de proporcionar a compreensão e elaboração de exercícios sobre a leitura do mundo através dos objetos selecionados. (p.32) A finalidade está em perceber a vida dos objetos, sentir seus traços culturais, para melhor entendimento que estes, nada mais são do que criadores e criaturas dos seres humanos. O ato da criança poder escolher seu objeto que lhe é conhecido e participativo da casa de sua família, extrai do seu cotidiano, o novo conhecimento na própria experiência vivida.

Page 116: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores116

[…] Falar sobre objetos é falar necessariamente acerca de nossa própria historicidade. O trabalho pedagógico com o objeto gerador sugere que, inicialmente, sejam exploradas as múltiplas relações entre o objeto e quem o escolheu. Mais cedo ou mais tarde, isso desemboca em outros atos criativos: a relação entre objetos do presente e do passado e o próprio questionamento sobre as divisões entre o pretérito e o mundo atual. Tais exercícios vão, pouco a pouco, constituindo base para um relacionamento mais crítico com as exposições museológicas. Mas isso só acontece porque há, antes de tudo, uma abertura de visibilidade, o alargamento da percepção. Desse modo, o objeto gerador não é método e sim parâmetro hermenêutico para construção criativa de práticas pedagógicas que possibilitam novas leituras da nossa própria historicidade. […] (RAMOS, 2004, p.62)

Isto posto, a relação que a criança faz com o objeto do seu cotidiano e aquele exposto no museu, problematiza a questão situacional do momento de escolha do objeto dentro do contexto de uma exposição; o objeto assume outras “situcionalidades”. (RAMOS, 2008, p. 34) Mas tanto aquele extraído do âmbito familiar da criança, como o presente na galeria do museu, são passíveis de estudos sobre a nossa historicidade. O que nós monitores não podemos esquecer é que existe uma distância entre a vida cotidiana do objeto – aquela criadora e criatura dos seres humanos e engendrada nas relações sociais – com a sua “vida museológica” dentro de uma instituição museal, que é pautada na preservação e memória de uma sociedade. Confusões entre estas duas condições reduzem o museu como um espaço de imitação, perdendo todo seu sentido educativo e de produção do conhecimento. Deve-se tratar a cultura em sua constituição conflituosa, dialogar com o passado, não para sentir saudade ou tentar salvá-lo do esquecimento, mas para interpretá-lo como fonte de conhecimento a respeito de nossas idas e vindas nos mapas da temporalidade. (RAMOS, 2004, p. 81)

Situar as experiências humanas no tempo e no espaço é algo complexo, especialmente para as crianças. O exercício da monitoria pressupõe a pretensão de mediação da percepção do tempo pelas crianças e de proporcionar outras dimensões ao ensino de história. Pretendemos construir a ponte entre o passado e o presente, a partir dos objetos, que interliga o cotidiano da criança, e não descarta a funcionalidade e o significado dos objetos expostos no espaço do museu. Afinal, quantas histórias podemos construir a partir de um objeto?

Referências

BARBOSA, Neilia Marcelina; OLIVEIRA, Anna Luiza Barcellos de; TICLE, Maria Letícia Silva. Ação Educativa em Museus. Caderno 04. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura/ Superintendência de Museus e Artes Visuais de Minas Gerais, 2010.

GERALDO, Conceição Ap. Duarte; Garcia, Elaine Ap.; SCALASSARA, Marina Z. Plano diretor: museu histórico de Londrina “Pe. Carlos Weiss”. 1996. Mimeo.

HILDEBRANDO, Gilberto. O museu e a escola: memórias e histórias em uma cidade de formação recente – Londrina/PR. 2010. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012.

Page 117: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 117

PEREIRA, Júnia Sales; SIMAN, Lana Mara de Castro; COSTA, Carina Martins; NASCIMENTO,Silvania Sousa do.Escola e Museus: diálogos e práticas. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura / Superintendência de Museus; Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais / Cefor, 2007. P. 41-50.

RAMOS, Francisco Régis Lopes Ramos. A danação do objeto. O museu no ensino de História. Chapecó: Argos, 2004.

Page 118: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores118

O MUSeU cOMO eSpAçO De eDUcAçãO nãO-FORMAL

Aryane Kovacs Fernandes1

Juliana Souza Belasqui2

Regina Célia Alegro3

É comum se ouvir que o museu é um local onde guarda coisas antigas que são resquícios de um passado longínquo, sem relações com o cotidiano. Entretanto, de acordo com o Conselho Internacional de Museus (ICOM), o museu:

[...] é uma instituição sem fins lucrativos, permanente a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberto ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e exibe o patrimônio tangível e intangível da humanidade e do seu meio ambiente para fins de ensino, estudo e diversão. (ICOM, s/d).

O Museu Histórico de Londrina Pe. Carlos Weiss busca pautar suas ações nestes princípios através da ação cultural educativa. Desta forma os projetos “A Construção da memória e a preservação do patrimônio cultural em Londrina: reflexão e estratégias para a dinamização da educação patrimonial” e o “O Museu vai à escola: memória e educação patrimonial” atuam como instrumentos de da educação não formal.

A ação cultural educativa praticada no Museu promove a educação a partir do seu acervo, em beneficio da sociedade. Para isso desenvolve diversas atividades que necessitam da participação ativa da comunidade e por meio dos projetos citados se realiza atividades direcionadas aos alunos. Como por exemplo, visitas monitoradas, oficinas que dão a amplitude de como trabalhar o documento histórico (oficina de mapas alternativos, fotografia, entrevistas, maquete), e exposição itinerante que se constitui como parte do acervo das exposições temporárias (todo o material é disponível para empréstimo às escolas). Estas atividades proporcionam interação com o conteúdo histórico, concepção de espaço, memória, patrimônio e preservação.

A questão da educação em museus possui um importante foco de interesse na atualidade, tanto no que diz respeito ao seu papel social, quanto no que se refere às práticas realizadas nesse espaço e suas possíveis reflexões. Percebe-se o interesse não apenas na organização e preservação de acervos, mas também na ênfase da compreensão, desenvolvimento e promoção da divulgação, bem como na formação de público como forma de disseminar conhecimentos por meio de uma ação educativa. (FRONZA-MARTINS, s/d).

Entretanto não é papel do museu assumir a função da escola, é seu trabalho estabelecer diálogos com ela. Portanto a ação cultural educativa parte da idéia de mediação entre museu e visitante, entre museu e escola. Seu principal objetivo é tornar o visitante mais ativo, situando-se

1 Graduanda em História, bolsista MEC/SESU do projeto de extensão: A Construção da memória e a preservação do patrimônio cultural em Londrina: reflexão e estratégias para a dinamização da educação patrimonial. 2 Graduanda em História, bolsista Universidade Sem Fronteiras do projeto de extensão: O Museu vai à escola: memória e educação patrimonial.3 Orientadora/supervisora. Programa Contação de Histórias do Norte do Paraná. Museu Histórico de Londrina/UEL. Contato: [email protected]

Page 119: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 119

no papel determinante para a reflexão da exposição. O visitante ativo determina as perguntas que o levará à sua interpretação.

[...] sabe-se hoje que o museu é o cenário institucionalizado da relação entre patrimônio e público. [...] Quanto a esse processo de comunicação museológica, entende-se que o público não é passivo. Ao contrário, no encontro entre público e patrimônio cultural musealizado, os sujeitos são construtores ativos de suas próprias experiências, pois cada pessoa vai ao museu com uma leitura de vida e com experiências únicas de seu cotidiano. (LIMA; POLO, 2012, p.27).

Desta forma cabe ao professor explorar o espaço do museu de maneira interativa por meio de diálogos e reflexões com seus alunos, auxiliado pela ação cultural educativa promover diferentes possibilidades de aprendizagem. Desta maneira os professores passam a colaborar com o potencial educativo do museu.

[...] reflexões sobre a ação educativa em museus mostram que este setor tem potencial para pensar suas ações como experiências da educação não formal, ou seja, aquelas iniciativas que ocorrem fora do sistema de ensino cronologicamente gradual e hierarquicamente estruturado. (CRUZ, 2006, p.7).

Durante o ano de 2012 tivemos a oportunidade de estudar a estatística anual relativa ao número de visitantes no espaço do Museu Histórico de Londrina. Destacamos duas categorias: público espontâneo e público escolar. Foi constatado que o público escolar corresponde ao segundo maior grupo de visitantes do museu, evidenciando o seu potencial educativo. De acordo com Almeida e Cruz, “os museus deveriam oferecer atividades complementares ao ensino formal, em ratificação à idéia de museu como complemento da escola.” (ALMEIDA, 1997, p.51; CRUZ, 2006, p.18 apud LIMA; POLO, 2012, p. 25).

Taiane Vanessa da Silva. Público Visitante do Museu Histórico de Londrina em 2012. MHL, 2013.

Diante das experiências vividas com os projetos e atuando na ação cultural educativa do Museu Histórico de Londrina, percebemos que grande parte dos professores conduzem suas turmas para o espaço museal sem um objetivo específico. Ainda, o visitam como mero espaço ilustrativo. Desta maneira, o potencial cultural educativo do museu é desconhecido por muitos. Porém, no decorrer do ano de 2012, alguns professores nos chamaram a atenção, pois perceberam que o museu pode ser um espaço da sala de aula.

Page 120: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores120

Uma professora procurou o setor educativo a fim de encontrar possibilidades de como trabalhar o museu na escola. Assim, identificou no acervo os materiais necessários para a atividade que seria desenvolvida com os alunos e emprestou parte dele. Segundo Bittencourt:

Um dos vilões do ensino de história para ser “o método tradicional”, termo usual entre docentes e pesquisadores do ensino, embora pouco explicitado e definido concretamente. Pode-se entender o método tradicional – que tem sido criticado desde o fim do século XIX, segundo o que apresentamos anteriormente – como aquele que conduz o aluno a simplesmente aprender de cor os conteúdos. (BITTENCOURT, 2005, p. 225).

Bittencourt ainda ressalta a importâcia do incentivo aos alunos “a ter contato com materiais como fotos, músicas, filmes e bibliografias relacionados ao tema.” A professora procurou a exposição itinerante porque ela proporciona este contato com documentos e a exploralção de recursos que rompem com o método tradicional de ensino de história. Giles afirma:

A verdadeira história é busca, investigação e procura sistemática, com o intuito de tornar o presente mais inteligível. Uma vez que a história das ideias e das instituições – isto é, da realidade social global – e o processo educativo são inseparáveis, questionar a consciência social coletiva e, ao mesmo tempo, provocar essa mesma consciência ao questionamento é tarefa fundamental da história da educação. (GILES, 1987, p.1).

Além da exposição itinerante, foi sugerido à professora o desenvolvimento de oficinas que se relacionavam com a proposta de seu trabalho. Como por exemplo, a oficina de mapas, que procura sensibilizar os alunos para o trabalho com fontes documentais. As fontes utilizadas na oficina fazem parte do acervo do Museu Histórico de Londrina e a sua análise envolve questões sobre a orientação e a identificação dos alunos com a localidade na qual estão inseridos. Propõe a eles pensar o mapa historicamente e a confeccionar seus próprios mapas.

No processo de estudo preliminar para organização do nosso trabalho, encontramos um caso interessante: uma oficina voltada para os professores que desejam realizar com seus alunos um trabalho baseado nos objetos expostos no museu, no qual foi sugerida a leitura da introdução do texto de Barbuy (1995), “Entendendo a sociedade através dos objetos”. No texto são fornecidas informações sobre a importância da observação e do diálogo com os objetos por meio de perguntas.

A professora participante utilizou deste texto antes de planejar uma atividade no Museu da Escola, em Belo Horizonte. Fez uma leitura coletiva com os seus alunos e reservou algumas aulas anteriores à visita para estudarem sobre o conceito de patrimônio, privilegiando as relações sociais com os objetos. Ao final da visita os alunos confeccionaram um texto coletivo no qual puderam revelar suas experiências.

Começamos a perceber que aqueles objetos que considerávamos apenas como coisas velhas, achando que não tinham nada a ver conosco, porque na sua maioria são de um outro tempo, servem, na verdade, para compreendermos uma porção de coisas que acontecem todos os dias em nossas vidas, em nossas escolas, em nossas cidades, em nosso país. [...] É importante pensarmos que todos os objetos que nos cercam estão relacionados com o nosso modo de vida, com a sociedade que pertencemos. [...] Depois que estão nos museus, esses objetos

Page 121: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 121

devem passar a ser considerados parte de nosso patrimônio cultural. Isto quer dizer que eles serão exemplos concretos da sociedade que os produziu e utilizou. (PEREIRA, 2007, p. 120).

Em outra situação, nos deparamos no Museu Histórico de Londrina com um professor que estava realizando um trabalho em sala de aula sobre os meios de comunicação ao longo do tempo. Ele observou em uma pré-visita, no espaço do museu, possibilidades de aprofundar o conteúdo de modo a proporcionar aos alunos uma melhor compreensão, a partir de suas experiências vividas. Então, os alunos foram conduzidos ao museu e recebidos pela equipe de monitores. O professor conversou com a equipe para a possível colaboração a respeito do tema a ser trabalhado. Os monitores conduziram a visita focando no recorte escolhido e os alunos observaram no espaço da galeria permanente os tipos de meios de comunicação através de fotografias, objetos e dos meios de transporte. Visitaram ainda os carros ferroviários e deste modo puderam perceber que os carros não eram apenas meios de transporte, mas também meios de comunicação.

A ação cultural educativa não atende somente a alunos do ensino básico, fundamental e médio. Seu atendimento abrange outros níveis escolares, como o ensino superior. Foi o caso de uma professora que encaminhou os seus alunos do curso de Jornalismo até o museu com a finalidade de explorar o acervo fotográfico exposto na galeria permanente. Esta professora fez o agendamento da visita e a visita prévia para saber sobre o que o museu poderia lhe oferecer em ajuda ao desenvolvimento do tema. Este consistia nas transformações da paisagem londrinense. Posteriormente, seus alunos foram conduzidos pelos monitores seguindo a proposta da professora, ancoraram a monitoria nas fotografias, as quais eram os seus principais objetos de estudo. Além das exposições, tiveram a oportunidade de visitar os setores que compõem as atividades museais, isto é, a secretaria, a museologia, a biblioteca e o áudio/visual. Neste último setor, puderam concretizar suas pesquisas para fins acadêmicos.

Para realizar o trabalho com imagens com alunos do ensino básico, fundamental e médio sugerimos a execução da oficina de fotografias. Ela possibilita a construção de um exercício mental de interpretação indispensável para o resgate da memória. Incentiva a compreensão das técnicas de produção, e permite que os alunos produzam suas próprias fotografias e depois elas são analisadas por todos na sala de aula. Ao analisarem, mergulham em seu conteúdo, imaginam toda a trama envolvida na imagem e questionam sobre a intenção de quem a fotografou, pois ele a produz de acordo com o seu modo de ver as coisas. O objetivo principal da oficina é compreender a fotografia como um documento histórico.

Quaisquer que sejam os conteúdos das imagens devemos considerá-las sempre como fontes históricas de abrangência multidisciplinar. Fontes de informação decisivas para seu respectivo emprego das diferentes vertentes de investigação histórica, além, obviamente, da própria história da fotografia. As imagens fotográficas, entretanto, não se esgotam em si mesmas, pelo contrário, elas são apenas o ponto de partida, a pista para tentarmos desvendar o passado. Elas nos mostram um fragmento selecionado da aparência das coisas, das pessoas, dos fatos, tal como foram (estética/ideologicamente) congelados num dado momento de sua existência/ocorrência. (KOSSOY, 2002, p.21).

Frente às experiências vividas com os projetos em parceria com a ação cultural educativa do Museu Histórico de Londrina, percebemos diferentes maneiras de desmistificar o conceito

Page 122: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores122

de museu como um lugar onde se guarda coisas velhas. Também nos foi possível utilizar o espaço como algo a complementar a sala de aula e local de aprendizado informal devido às várias possibilidades oferecidas por ele, além da disponibilidade do acervo.

Visto que o segundo maior público de visitantes do museu é o escolar, refletimos sobre algumas práticas de ensino para que estas visitas e atividades sejam melhor aproveitadas. Desta maneira, o espaço do museu passa a ter maior sentido para os visitantes escolares, o local consentido como morto se torna vivo e, mais importante que constatar uma narrativa na exposição é problematizar essa narrativa

Referências

ALMEIDA, Adriana Mortara. Desafios da relação museu – escola. In Revista Comunicação e Educação. ECA/USP. Editora Moderna. Ano III – n.10 set/dez – 1997.

BARBUY, Heloísa. Entendendo a sociedade através dos objetos. In: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles (org.). Museu Paulista; novas leituras. São Paulo: Museu Paulista da USP, 1995. p. 17-23.

BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2005.

LIMA, Leilane Patrícia de; POLO, Mario Junior Alves. Reflexões sobre o papel de educador de museus. In: Boletim Museu Histórico de Londrina/Universidade Estadual de Londrina. Museu Histórico de Londrina./Londrina-Pr: Universidade Estadual de Londrina, v.3 n.6 jan/jun 2012. P. 23-31.

CRUZ, Lívia Lara da. O museu e a Escola: construindo monólogos e diálogos? Monografia (Especialização em Museologia) – Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, 2006.

FRONZA-MARTINS, Aglay Sanches. Da magia à sedução: a importância das atividades educativas não-formais realizadas em Museus de Arte. In: http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/reduc/article/viewPDFInterstitial/198/195.

ICOM, http://icom.museum/the-vision/museum-definition/. Acesso em: 13 Fev/2012.

GILES, T. R. História da Educação. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária Ltda, 1987.

KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. 3 ed. Editora: Ateliê Editorial, 2002.

PEREIRA, Júnia Sales. Escola e Museus: Diálogos e práticas/Júnia Sales Pereira, Lana Mara de Castro Siman, Carina Martins Costa, Silvania Sousa do Nascimento. – Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura / Superintendência de Museus; Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais / CEFOR, 2007.

Page 123: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 123

DO ENTRETENIMENTO AO APRENDIZADO: ESCOLARES NO MUSEU

Vagner Henrique FerrazTamiris Helena Doratiotto Baldo

Regina Célia Alegro1

Um dos grandes desafios que atualmente se colocam para os museus históricos é o modo pelo qual se deve atender a uma demanda que, a cada dia, se torna mais volumosa: a visita dos estudantes. Se o objetivo é construir um saber histórico, é imprescindível pensar sobre o público em geral e, sobretudo, os visitantes das escolas. Desobrigando-se da promoção de atividades educativas com alunos e professores, o museu peca por omissão, anula-se como lugar de produção do conhecimento. (RAMOS, 2004, p. 13).

No planejamento de uma visita ao Museu Histórico de Londrina é preciso pensar não somente o momento da visita, mas nas experiências a serem vivenciadas e do efeito que elas causarão ao visitante. A visita não é um passeio, ou dia de folga, mas uma atividade didática extraclasse, que demanda a mesma seriedade, estabelecimento de metas e objetivos a serem alcançados na perspectiva do ensino e da aprendizagem.

Uma programação de visita articulada aos objetivos pedagógicos e aos conteúdos ministrados em sala de aula vai torná-la mais eficiente e fértil. Isso porque a qualidade da visita começa a ser construída na sala de aula, bem antes da chegada ao museu.

A etapa que a antecede, chamada pré-visita, pode ser desenvolvida em sala de aula, seja na exploração do conteúdo referente à visita, seja nas orientações básicas para a visitação (noções sobre o patrimônio a ser conhecido e a importância da sua conservação, relação entre a experiência vivida pelo grupo, museu como espaço de narrativas e o acervo comportamentos esperados no espaço museal para proteção do acervo, por exemplo). Após a visita, é recomendável que se realizem atividades de “pós-visita”.

Tem-se aqui por objetivo propor um modo de visita ao espaço do museu que auxilie nas práticas educativas e que se relacione ao conteúdo a ser estudado em sala de aula, como ressalta Ramos (2004), de maneira a garantir que ao pedir aos alunos respostas relativas a uma atividade de visita, estes não saiam escrevendo com um frenesi de anotações vazias e que não reflitam o objetivo pedagógico estabelecido para a visita.

O tipo de saber a que o museu induz não se desenvolve em outros lugares, e tal lacuna deixa o estudante (ou o visitante) quase desprovido de meios para interpretar as nuanças da linguagem museológica. Nesse caso, o envolvimento entre o que é dado à visão e quem vê necessita de atividades preparatórias, com o intuito de sensibilizar aquele que vai ver. Do contrário, não se vê, ou pouco se vê. E por isso que a visita ao museu deve começar na sala de aula, com atividades lúdicas que utilizem materiais do cotidiano, como indícios de práticas que se fazem nas relações sociais. (RAMOS, 2004, p. 13).

1 Vagner Henrique Ferraz e Tamiris Helena Doratiotto Baldo, bolsistas Universidade Sem Fronteiras no Museu Histórico de Londrina (UEL). Projeto O Museu vai à escola; memória e educação patrimonial e Projeto Museu espaço de identidades (PRODOCÊNCIA/UEL). Regina Célia Alegro, orientadora. Departamento de História/ Museu Histórico de Londrina Pe. Carlos Weiss (UEL).

Page 124: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores124

Então, ao programar uma visita ao Museu é necessário, em primeiro lugar, junto com os alunos, prepará-la em sala de aula. É fundamental que o tema a ser abordado no museu esteja ligado aos objetivos e ao conteúdo privilegiado em sala de aula para que essa visita não se configure como um passeio sem compromisso e não se desvincule da proposta pedagógica. Nesse preparo é interessante tratar com os alunos, além de informações sobre o que está exposto no museu e das possibilidades de narrativas ali observadas, como funciona a dinâmica de um museu, o modo de comportamento dentro do espaço e observar as regras a serem observadas para manter a preservação do acervo (ver com a instituição quais são os procedimentos básicos recomendados).

Também é interessante mostrar que a função do museu não se restringe apenas a expor objetos, mas que esse espaço se configura como um lugar de pesquisa e de memória, e que o que está ali exposto tem um sentido, faz parte de uma narrativa. É interessante ressaltar, que assim como a história é escrita por pessoas e passível de perspectivas pessoais e grupais, uma exposição também o é, a exposição do museu também é organizada por pessoas que possuem um determinado ponto de vista acerca da interpretação dos fatos e na exposição apresentam o seu ponto de vista.

Durante o preparo inicial elabora-se o objetivo do trabalho a ser realizado na visita e se explora com os alunos o que deve ser observado durante o roteiro da visita. Nesse processo é importante permitir ao aluno a elaboração de questionamentos. Um exemplo dessa atividade é apresentar uma imagem de um objeto que se encontre em exposição e pedir ao aluno que determine se aquele objeto, ou alguma versão dele, ainda pode ser encontrado em uso em nossa vida cotidiana, se suas características permanecem as mesmas ou se observam mudanças significativas, como o desenvolvimento de uma nova tecnologia que fizesse com que o objeto acabasse por entrar em extinção na vida cotidiana, ou se mesmo depois de algum tempo (na relação entre a época em que o objeto foi feito e o presente momento do observador) ele continuasse usado no dia-a-dia. Além disso, pode-se levantar questionamentos em relação ao contexto histórico em que esse objeto estava inserido. Isso favorece discutir a função do objeto museal.

Um museu pode conter em sua coleção os mais variados tipos de objetos, que podem ser utilizados para pesquisa, exposição ou ensino. Algo que pode estimular a reflexão crítica é explicar o objeto museológico. É preciso ressaltar que, estando no museu o objeto é ressignificado, ou seja, este perde suas antigas funções para adquirir novo sentido em uma exposição. Ele está exposto para lembrar o visitante de algo, para contar uma história.

É importante que de antemão o professor conheça o espaço, para que, além de seguir um roteiro pré-determinado, possa ele mesmo, a partir de suas experiências, criar novas formas de trabalho e novos olhares sobre aquele ambiente.

O professor é sujeito do processo educativo, aprende com as oportunidades formativas que vivencia e está aberto ao diálogo proporcionado pela equipe do museu e pelos alunos. Como instituição formadora, o museu também se institui no lugar de promoção do trabalho compartilhado e do diálogo. (PEREIRA; SIMAN; COSTA; NASCIMENTO, 2007, p. 36).

O preparo de uma visita ao museu é importante para que os alunos entendam primeiramente o que é este espaço e qual seu objetivo. Segundo Ramos (2004), originalmente

Page 125: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 125

os museus possuíam outros objetivos como a celebração de personagens ou classificação enciclopédica da natureza, sendo atualmente o seu foco, sobretudo, a reflexão crítica. Ou seja, é preciso que haja a problematização das temáticas das exposições, da sua narrativa, do objeto museal, instigando a reflexão sobre os mesmos, destacando, por exemplo, quais as funções anteriores deste objeto, qual o significado hoje deste objeto exposto, o que ele representa estando neste espaço museológico e quais relações que este estabelece com seu entorno.

Conhecendo previamente o museu, o professor pode não só acessar a prática da instituição para recepcionar o público, mas conhecer as técnicas e procedimentos de trabalho utilizados pelos seus profissionais, como por exemplo, os critérios de seleção de acervo e métodos de conservação desse acervo, entre outros aspectos que podem ser destacados nas aulas e nas visitas.

Esses cuidados contribuem para que a visita não seja simplesmente uma ilustração do que foi visto em sala de aula. É importante que o museu acrescente elementos na discussão que vem sendo feita. Enfim, é preciso que haja um diálogo entreo museu e a escola e não uma sobreposição de elementos e práticas.

Mas o museu é ambiente educativo peculiar. Ele tem um acervo de registros selecionados da vivência sócio-histórica. Ele tem, afinal, materialidade e oportunidades de simbolização não encontradas na escola. E é a partir de uma educação para olhar através dessa materialidade (dispersa, contraditória, lacunar e plural) que se realiza seu papel educador, sua peculiaridade, sua potencialidade. (PEREIRA; SIMAN; COSTA; NASCIMENTO, 2007, p. 37).

A visita ocorre de maneira mais produtiva quando acompanhada por alguém que conheceo espaço e possa orientar o roteiro de maneira adequada. Aí reside a importância do professor/educador conhecer de antemão esse espaço. Isso não exclui que seja auxiliado por monitores ou outros funcionários do museu (para elaborar a preparação da visita que será efetuada posteriormente com seus alunos, para acompanhá-los e para colaborar com a discussão entre professor/educador e seus alunos).

Em diálogo com a educadora do museu, ele pôde descobrir que, além da veiculação da informação - que é uma das finalidades do museu - há também a possibilidade de produção do conhecimento e aprimoramento das formas de interpretação da realidade histórica pelos objetos, com eles e por meio deles. (PEREIRA; SIMAN; COSTA; NASCIMENTO, 2007, p. 36).

Após a visita vem o trabalho de conclusão da atividade realizada no espaço do museu, portanto é necessário questionar os alunos sobre o que foi visto e a sua relação com o tema estudado em sala de aula. É também interessante elaborar uma atividade pela qual se possa registrar o que foi visto e aprendido durante a visita para que os alunos possam sistematizar os conteúdos aprendidos. Essa atividade não necessariamente precisa ser um texto escrito, mas que seja uma atividade em que eles possam expressar o que lhes chamou a atenção durante a visita (por meio da música, do teatro, uma exposição na escola, por exemplo). É interessante a possibilidade dos alunos apresentarem para outras pessoas a sua reflexão/atividade (para divulgar seu trabalho e incentivá-los a dedicarem-se às atividades).

Page 126: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores126

Concluímos enfatizando que as vantagens relativas ao ensino e a aprendizagem são ampliadas quando a visita ao museu proporcionar aos alunos a construção de novos significados e de novos sentidos, por meio da programação de objetivos, do conhecimento do ambiente a ser visitado, da preparação dos alunos, da vinculação aos conteúdos escolares. Por isso enfatizamos a importância, para o professor, de conhecer de antemão, o espaço a ser estudado e assim ter subsídios para realizar a preparação, a visita e as atividades posteriores relacionadas. Portanto, não se deve encarar apenas como um passeio, ou momento de lazer, o contato dos escolares com o museu.

Referências

ALMEIDA, Adriana Mortara. Desafios da relação museu-escola. Disponível em: <http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/comeduc/article/view/4369/4079>. Acesso em: 30 jul. 2012.

Boletim Museu Histórico de Londrina, v.1, n.1, jun/dez 2009.

HORTA, Maria de Lourdes Parreiras; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia básico de educação patrimonial. Segunda edição.  Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial. Brasília, 1999.

MARTINS, Luciana Conrado. A relação museu/escola: teoria e praticas educacionais nas visitas escolares ao Museu de Zoologia da USP. São Paulo, 2006.

MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. A problemática da identidade cultural nos museus: de objetivo (de ação) a objeto (desconhecimento). Anais do Museu Paulista Nova série, n. 1, 1993.

NASCIMENTO, Rosana. O objeto museal como objeto de conhecimento. Disponível em:<http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/304/213> . Acesso em: 30 jul.2012

RAMOS, Régis Francisco Lopes. A danação do objeto: o museu no ensino de história. Editora Argos, Chapecó, 2004.

SIMAN,Lana Mara de Castro; COSTA, Carina Martins;NASCIMENTO, Silvania Sousa do. Escola e Museus: diálogos e práticas. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura / Superintendência de Museus; Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais / Cefor, 2007.

Page 127: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 127

IDENTIDADE INDÍGENA: A VALORIZAÇÃO DA DIVERSIDADE HUMANA

Gabriela Camacho Gomes1

Natália Camacho Gomes2

Sandra Regina Ferreira de Oliveira3

Introdução

Este artigo busca, prioritariamente, divulgar as ações desenvolvidas no projeto “Outros Olhares, Outras Histórias: Os Kaingang e os Guarani no contexto da colonização e da atualidade” parte do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina.

Destaca-se, em um primeiro momento, o processo histórico de consolidação e valorização da identidade indígena por meio do estudo de algumas bases legais, tais como a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto do Índio.

Posteriormente, serão ressaltadas as experiências vivenciadas no projeto, evidenciando aspectos sobre a como são entendidas pelos alunos não índios algumas das tradições e crenças indígenas. Identifica-se, inicialmente, que tais compreensões revelam uma percepção negativa acerca da cultura indígena que, de certa forma, é alimentada pela instituição escolar que mantem e reforça a imagem do índio vinculada ao período colonial da história do Brasil. No trabalho desenvolvido buscou-se possíveis modificações no entendimento de como tal conteúdo pode ser trabalhado na sala de aula com os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental. O caminho escolhido foi dar voz ao índio e valorizar o intercâmbio cultural entre crianças índias e não índias.

O processo de consolidação da valorização da identidade indígena

Nas últimas décadas as políticas públicas têm avançado, ainda que a passos lentos, quanto ao direito das minorias e o respeito a diversidade cultural, religiosa e sexual. No presente artigo retoma-se o processo de valorização da identidade indígena, buscando compreender como ocorreu esse processo historicamente. Escolheu-se como fonte investigar a Constituição de 1988, o Estatuto do Índio e a Lei 11.645, de março de 2008, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e regulamenta que:

Art. 26-ANos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1o  O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses

1 Discente do terceiro ano do Curso de Pedagogia da UEL. Contato: [email protected] Discente do terceiro ano do Curso de Pedagogia da UEL. Contato: [email protected] Prof. Coordenadora do PIBID – Pedagogia, UEL. Contato: [email protected]

Page 128: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores128

dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o  Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileira. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm . Acesso em 14/04/2013)

Para iniciar a análise proposta, faz-se necessário compreender o conceito de identidade. Segundo Claude Dubar (1997) a identidade nunca é dada, é sempre construída como resultado do processo de socialização. De acordo com esta denominação, a identidade consolida-se no decorrer do tempo, a partir de culturas, crenças e hábitos de determinados grupos sociais.

Antonio da Costa Ciampa entende que, o que se define como identidade é o resultado de muitas e contraditórias combinações. Para o autor, “uma totalidade contraditória, múltipla e mutável, no entanto una. Por mais contraditório, por mais mutável que seja, sei que sou eu que sou assim, ou seja, sou uma unidade de contrários, sou uno na multiplicidade e na mudança” (1984, p. 61).

Ciampa (1984) destaca que a construção da identidade é um “fenômeno social e não natural” (p. 65), com caráter temporal (p. 66) e só possível de ser compreendido articulado ao movimento da sociedade (p. 72). O autor registra que, nos estudos sobre a temática, valoriza-se o conceito de identidade vinculado a permanência, a estabilidade (p. 74). No entanto, para ele, o que determina a identidade é o movimento que se imprime ao transitar pelos ritos sociais. Dessa forma não se trata de algo concluído, mas sim como um processo em formação.

Zygmunt Bauman (2005) adverte que, historicamente, o conceito de identidade relaciona-se diretamente com a necessidade de construção das identidades nacionais (p. 26). Em suas análises destaca também que no mundo moderno, o “anseio por identidade” (p. 35) relaciona-se diretamente ao desejo de segurança. No entanto, em uma sociedade na qual tudo se desfaz rapidamente, falar em identidade torna-se quase contraditório.

É neste contexto fluído, conforme define Bauman (2005), que constrói as noções de identidade: quem sou eu e quem é o outro. Neste trabalho buscou-se compreender que saberes os alunos não índios formulavam sobre as sociedades indígenas e, a partir deste conhecimento, construir uma didática eficaz para a valorização da cultura indígena.

Discutir sobre a identidade indígena é uma temática complexa. A situação de dominação cultural a qual esses povos estiveram submetidos ao longo de séculos resultou em uma visão negativa do índio em relação a sua própria cultura. Na década de 1970, muitos indígenas passaram a negar sua origem, devido ao constante descaso da sociedade para com a sua cultura e a ausência de respeito dos indivíduos não-índios com as diferenças étnicas.

Alfredo, Veiga-Neto , citado por Gersem dos Santos Luciano (2006), corrobora na compreensão do porque os indivíduos passam a negar sua própria cultura. Para este autor, por muito tempo, a cultura ocidental foi considerada como universal e as demais culturas deveriam assemelhar-se à esta, considerada como superior. Logo, chamar alguém de indígena nesse período era considerado uma ofensa, já que possuíam um sentimento de inferioridade imposto

Page 129: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 129

pelos colonizadores durante o processo de colonização. É necessário enfatizar que a negação da identidade étnica pelos indígenas era ilusória, já que “ninguém consegue esconder aparência, físico, usos, costumes e modos de vida e de pensamento” (LUCIANO, 2006, p. 31).

Segundo Luciano (2006), pode-se citar como exemplo de autonegação às origens étnicas o fato de indivíduos na Amazônia que se autodenominavam “caboclos”. Esses sujeitos não queriam ser identificados como índios, mas também não poderiam ser considerados brancos ou negros, devido à aparência. Então, consideravam-se como indivíduos que possuíam uma identidade de transição de índio - sendo compreendido por eles como uma cultura inferior - para branco – possuindo a percepção de civilização e superioridade. Então, de acordo com Luciano (2006), o caboclo seria o indígena que nega a sua identidade étnica e nativa e que busca assemelhar-se o mais próximo possível do branco.

Atualmente, embora ainda existam reflexos desta percepção, percebe-se que houve uma considerável mudança, já que a valorização da identidade indígena se deu, sobretudo, por meio da consolidação de determinantes legais que defende os direitos dos povos indígenas. Dentre os aspectos legais que contribuíram para a determinação da identidade indígena destaca-se a Constituição Federal de 1988.

De acordo com Araújo 2006, p. 38 a Constituição de 1988:

Trouxe uma série de inovações no tratamento da questão indígena, incorporando a mais moderna concepção de igualdade e indicando parâmetros para a relação do Estado e da sociedade brasileira com os índios.

Assim, na a Constituição Federal de 1988 há um capítulo dirigido exclusivamente às questões indígenas, assegurando o direito à diferença. No capítulo VIII, artigo 231, consta:

são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (http://www.funai.gov.br/quem/legislacao/indios_na_constitui.htm. Acesso em 16/04/2013)

Por meio desta legislação, estabeleceu-se uma nova percepção a respeito destes povos no território brasileiro, reconhecendo que são organizados culturalmente de maneira distinta. . Assim, a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como precursora da valorização indígena, tendo em vista que esta foi a primeira a reconhecer seus direitos e determinar as diretrizes para implementação das leis instituídas desde então.

Além disso, a partir deste determinante legal, garantiu-se o direito territorial indígena. O constante nos parágrafos 1º e 2º do artigo 231,estabelece que:

§ 1.º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.§ 2.º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. (Acesso em 16/04/2013).

Page 130: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores130

Para Luciano, a definição de tais critérios na lei soberana do país marca definitivamente o direito do índio à terra pois, anteriormente, não havia clareza e definição legal quanto ao assunto (Luciano, 2006 p. 106). Ainda que clareza na Lei não signifique cumprimento da mesma, não há como negar o significativo avanço obtido quanto às questões indígenas com a promulgação da Constituição de 1988.

Anterior à Constituição de 1988 tem-se o Estatuto do Índio, Lei Nº 6.001, de 19 De Dezembro de 1973. Tal documento retrata a ideia, predominante na década de 1970, de integração cultural do índio à cultura do homem branco, conforme já destacado anteriormente neste texto. Em seu artigo primeiro apresenta:

esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmonicamente, à comunhão nacional. (http://www.funai.gov.br/quem/legislacao/estatuto_indio.html. Acesso em 16/03/2013)

A Constituição Federal de 1988, calcada de uma sociedade multicultural, estabelece em forma de Lei o preconizado nas lutas de vários segmentos sociais em prol de compreender o índio a partir de sua identidade cultural, valorizando a diversidade e não a partir da integração à cultura do homem branco. Em decorrência, no ano de 1992 é criada uma comissão na Câmara Federal para elaboração de um novo documento visto as defasagens encontradas no anterior. Porém, pouco se avançou sobre a questão. Em 1994, essa comissão propõe o Estatuto das Sociedades Indígenas que ainda não foi aprovado no Congresso Nacional.

Tem sido grande o esforço de alguns segmentos da sociedade civil e organizações indígenas quanto a conseguir avanços nas políticas públicas referentes às sociedades indígenas, porém há enorme resistência por parte de outros. No entanto, embora existam dificuldades em reconhecer o direito indígena, é importante considerar as legislações impostas como um avanço no que diz respeito à valorização de sua identidade.

Apesar das iniciativas governamentais que levam às determinações legais percebe-se que, no Brasil, muitos brasileiros não-índios ainda possuem do indígena uma visão negativa, como um indivíduo incapaz, sem cultura, incivilizado, preguiçoso, selvagem. Para outros ainda, segundo Luciano (2006, p. 30), o índio é um ser romântico, que protege as florestas. Essas denominações referentes ao indígena, tão presentes na contemporaneidade, são marcas profundas do processo de Colonização.

A cultura indígena desde o processo de Colonização, em 1500, não foi respeitada em suas particularidades e especificidades e predominou durante séculos a busca de sua integração e assimilação à cultura global, do branco, considerada superior. Essa forma de pensar encontra respaldo nas palavras de Veiga-Neto:

Aceitou-se, de um modo geral e sem maiores questionamentos, que cultura designava o conjunto de tudo aquilo que a humanidade havia produzido de melhor – fosse em termos materiais, artísticos, filosóficos, literários etc. Nesse sentido, a Cultura foi durante muito tempo pensada como única e universal. Única porque se referia aquilo que de melhor havia sido produzido; universal porque se referia à humanidade, um conceito totalizante, sem exterioridade. (VEIGA-NETO, 2003, p. 7)

Page 131: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 131

É possível compreender que, a visão que limita e inferioriza a cultura indígena resultou em uma série de ambigüidades que persistem até os dias atuais. De acordo com Luciano (2006), atualmente, os indígenas lidam com o desafio de lutar pela valorização e auto-afirmação de sua identidade, paralelamente à luta pela por seus direitos de cidadão.

Muito se caminhou desde a década de 1980, quando da emergência do movimento indígena em recuperar a valorização de sua identidade sociocultural. Em decorrência houve evidente reconhecimento dos índios como falantes de suas línguas originárias e praticantes de suas tradições e culturas. Dessa forma, o indivíduo que negava suas origens e buscava ser cada vez mais semelhante do homem branco, ou seja, aqueles que se autodenominaram caboclos, para não serem chamados de índios, passaram a ser cada vez mais desvalorizados, e consequentemente, houve a discriminação desses sujeitos por parte dos próprios povos indígenas.

O reconhecimento e a valorização da identidade indígena, anteriormente negada por muitos indivíduos, resulta na conscientização e disseminação da luta por seus direitos. Dessa forma, identifica-se atualmente que o indígena passou a ter “orgulho de ser nativo, de ser originário, de ser portador de civilização própria e de pertencer a uma ancestralidade particular” (LUCIANO, 2006, p. 33).

Percebe-se então que vivenciamos um processo de valorização da cultura indígena por seus próprios entes e que reverbera na forma como são entendidos pelos não índios. O indígena passou a valorizar e reafirmar sua identidade étnica e cultural, reivindicando seus direitos como cidadãos da sociedade e o reconhecimento de suas terras, o que proporcionou conquistas políticas, culturais, econômicas e sociais. Percebe-se então que,

Os povos indígenas do Brasil vivem atualmente um momento especial de sua história no período pós-colonização. Após 500 anos de massacre, escravidão, dominação e repressão cultural, hoje respiram um ar menos repressivo, o suficiente para que, de norte a sua do país, eles possam reiniciar e retomar seus projetos sociais étnicos e identitários. Culturas e tradições estão sendo resgatadas, revalorizadas e revividas. Terras tradicionais estão sendo reivindicadas, reapropriadas ou reocupadas pelos verdadeiros donos originários. Línguas vêm sendo reaprendidas e praticadas na aldeia, na escola, nas cidades. Rituais e cerimônias tradicionais há muito tempo não praticados estão voltando a fazer parte da vida cotidiana dos povos indígenas nas aldeias ou nas grandes cidades brasileiras. (LUCIANO, 2006, p. 39)

A partir da reafirmação dos valores culturais e étnicos do povo indígena, as tradições,

línguas e costumes passaram a ser valorizados e preservados. No caso da cidade de Londrina, estado do Paraná, o índio está presente na cidade, principalmente, nos arredores do Centro Cultural Kaingang, lugar no qual ficam quando veem das reservas. No entanto, o que se identifica nas escolas é um estudo do índio preso no passado, no período colonial da história do Brasil e bem distante, temporal e espacialmente, de nossa região. São muitas as questões que envolvem dar voz ao índio atual, dentre uma delas, a disputa pela terra é, sem dúvida a mais incômoda a ser enfrentada, pois não há como conciliar o discurso construído pela historiografia oficial de que essas terras eram “despovoadas” se o passado se faz presente concretamente nas ruas da cidade.

Neste sentido, a educação escolar possui perceptivelmente considerável responsabilidade pela valorização da identidade indígena, bem como à transmissão de valores e da cultura, de modo que as novas gerações possam elaborar novas compreensões sobre a constituição da sociedade atual. . Segundo Luciano,

Page 132: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores132

as crianças desde cedo vão aprendendo a assumir desafios e responsabilidades que lhes permitem inserir-se na vida social e o fazem, principalmente, por meio da observação, da experiência empírica e da auto-reflexão proporcionadas por mitos, histórias, festas, cerimônias e rituais realizadas para tal fim (LUCIANO, 2006, p.130)

A educação escolar também é vivenciada pelas crianças indígenas. Atualmente, valoriza-se os as produções dos conhecimentos indígenas, mas durante um longo período foi mais valorizado os conhecimentos não advindos da cultura indígena. Não há como esquecer que a escola é uma é uma instituição introduzida na sociedade brasileira por meio dos colonizadores.

Por meio da educação escolar então, os indígenas deveriam aprender sobre conteúdos que não fazem parte de sua cultura, mas também possuir subsídios para a transmissão de sua cultura e valores. Tempos atrás, os indígenas possuíam certa repulsa em integrar-se à cultura escolar, já que consideravam que este processo poderia ser uma forma de imposição de outras culturas à sua. Mas, diante da existência de um mundo cada vez mais globalizado, os indígenas passaram a compreender que o processo escolar poderia ser um instrumento de fortalecimento de sua cultura, visando atender suas necessidades atuais. Assim, a educação passou a ser uma forma de consolidar a identidade sociocultural e de garantir a cidadania dos povos indígenas.

É fundamental que exista, na educação escolar indígena, o respeito à diferença e a valorização da pedagogia indígena, resultando assim no reconhecimento da identidade sociocultural do índio. De acordo com Freire (2008), em qualquer modalidade educativa, deve existir na educação o respeito à identidade cultural, mas também o reconhecimento de cada indivíduo em assumir suas culturas, tradições. Mas, essa é uma realidade que é incoerente com uma prática pedagógica autoritária que evidencia somente um tipo de indivíduo e de prática educativa, como se todos os indivíduos aprendessem da mesma forma e no mesmo ritmo. Outro aspecto importante a ser enfatizado é a importância da socialização no processo educativo. . Segundo Freire (1996), todos os alunos, independente de sua cultura, precisam reconhecer-se como seres sociais e históricos, pensantes, comunicantes, transformadores, criadores, realizadores de sonhos.

Porém, o que se percebe atualmente é que em muitas escolas não indígenas, não há práticas pedagógicas que valorizem a sociedade indígena e que priorize o aluno a compreender quem é o indígena na atualidade, suas tradições, costumes e valores. A realidade dos alunos indígenas, muitas vezes, não é considerada nas escolas não indígenas e, nas escolas indígenas, é reproduzido o modelo escolar do homem branco. Tem-se então um paradoxo. Percebe-se, diante dessa situação, que a escola é influenciada por uma ideologia monoculturalista, que seja única para todos, sendo estabelecida pela modernidade como a “mais homogênea e a menos ambivalente possível. Ou seja, em outras palavras: uma sociedade a mais previsível e segura possível” (VEIGA-NETO, 2003, p. 10).

Apesar do monomodelo quanto à escola, de acordo com Luciano (2006), as culturas e os interesses indígenas vêm sendo cada vez mais respeitados pela prática educacional no país. Porém, é necessário que existam ainda avanços nos mecanismos administrativos, políticos, socioculturais e financeiros, para que haja a efetiva garantia dos direitos dos povos indígenas de desenvolverem processos político-pedagógicos autônomos, para que haja a consolidação da identidade indígena.

Page 133: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 133

Sintetizando, é possível compreender que, desde a década de 1980 houve um intenso movimento referente à valorização da identidade indígena, pelos indígenas, na qual a cultura, os valores, as tradições passaram a ser reconhecidos e praticados, sendo transmitidos às novas gerações, seja por forma oral – de pais para filhos – ou por meio da educação, seja tradicional ou escolar. No entanto, tais mudanças não tem se espalhado para grande parte da sociedade, que alimenta representações sobre o índio na qual predomina uma visão negativa, na linha imposta pelos colonizadores. Neste sentido, torna-senecessário que possam ser compreendidos por todos os indivíduos, não somente da população brasileira, mas mundial, como integrantes assíduos de uma sociedade multicultural e que vivenciam aspectos semelhantes à vida do homem não-índio preservando e valorizando sua identidade cultural.

Vivências e contribuições: o intercâmbio cultural como possibilidade no pIBID

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID – financiada pela CAPES, propõe a inserção de futuros docentes à sala de aula, a fim de enriquecer seu processo de formação. Para conseguir tal objetivo, concede bolsas de iniciação à docência para alunos de licenciatura, supervisores (professores da Educação Básica) e coordenadores (professores das IES) com a finalidade de aperfeiçoar a formação docente e a melhoria da qualidade da educação pública brasileira, tendo em vista que possibilita o vínculo entre acadêmicos em formação, professores com atuação em sala de aula e professores formadores de professores.

Na Universidade Estadual de Londrina – UEL – o programa é realizado em várias licenciaturas, dentre elas, no curso de Pedagogia. Nesta, trabalha-se com a metodologia de projetos inserindo temáticas nas salas de aula das escolas do município de Londrina. Um dos projetos desenvolvidos no ano de 2012 foi “Outros olhares, outras histórias: os Kaingang e os Guarani no contexto da colonização e na atualidade”.

O projeto em questão tem por finalidade incentivar diferentes modalidades de intercâmbio cultural entre os alunos não-índios (inseridos nas escolas municipais nas quais a temática foi desenvolvida) e alunos, professores e representantes da escola indígena. .

Optou-se por aprofundar aspectos referentes à cultura indígena na atualidade e, particularmente, dar voz aos indígenas na tentativa de romper com um ensino que se volta para o índio do passado. Por vezes, ainda não se enfatiza a questão do multiculturalismo, como herança, “[...] a cultura foi durante muito tempo pensada como única e universal” (Veiga-Neto 2003, p. 7)

No desenvolvimento do trabalho em sala de aula, mesmo com as tentativas de trabalhar com a temática indígena valorizando a diversidade cultural, percebeu-se que ainda se encontra muito presente uma visão negativa do indígena.

No levantamento dos conhecimentos prévios que os alunos não índios possuíam acerca dos povos indígenas despontou a ideia de a margem da sociedade do homem branco. Alguns alunos responderam que acreditavam que alguns representantes indígenas ainda viviam em florestas.

Sob outras percepções, acreditavam que, quando não viviam neste ambiente, estavam em espaços urbanos, mas como sujeitos à parte, como cita um aluno ao dizer que “é normal ver um índio drogado e bêbado”. A frase dos alunos vai na direção do preconizado por Luciano que escreve:

Page 134: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores134

Historicamente, os índios têm sido objeto de múltiplas imagens e conceituações por parte dos não-índios e, em conseqüência, dos próprios índios, marcadas profundamente por preconceitos e ignorância. (2006, p. 34)

Como reflexo das percepções da sociedade, a escola na maioria das vezes colabora na transmissão e consolidação de uma representação negativa do índio. Na maioria das vezes, os estudos propostos vinculam a cultura indígena somente aos aspectos passados, deixando de considerar como o índio vive atualmente, mantém e transmite suas tradições, valores e cultura. Revela-se de fundamental importância que seja abordado nos conteúdos escolares não somente o índio no processo de colonização, já que se refere à parte fundamental da compreensão da história brasileira, mas o modo pelo qual o indígena vive atualmente, uma vez que são indivíduos contemporâneos. A aprendizagem destes conhecimentos permitiria a ruptura de mitos e paradigmas existentes em relação ao indígena, já que, assim como citado, existe ainda, por muitos indivíduos, a percepção de que este indivíduo ainda vive em florestas, sem roupas e alheio à sociedade.

O projeto citado pretendeu romper com esta percepção descrita anteriormente. É importante destacar que, um dos fatores a serem transmitidos consiste no fato de que, embora os aspectos do homem não índio tenham sido incorporados ao cotidiano dos povos indígenas, estes ainda preservam sua cultura. A realização de um intercâmbio cultural, em que alunos do ensino fundamental de escolas municipais do município de Londrina visitaram uma escola no município de São Jerônimo da Serra contribui para que as crianças, índias e não índias se encontrassem na situação de alunos. A figura do índio de personificou com rosto e voz e situada no presente.

Outro aspecto que proporcionou uma mudança nos saberes dos alunos sobre os índios foi a visita de representantes de comunidades indígenas às escolas, possibilitando que os próprios alunos retirassem dúvidas. Estas e outras atividades realizadas, que evidenciavam e valorizaram o na atualidade contribuiu para construir outras imagens e concepções sobre as sociedades indígenas.

considerações finais Por meio dos estudos realizados para elaboração do artigo em questão, foi possível

compreender em um primeiro momento, que, durante um período considerável, a identidade indígena foi negada, não somente por integrantes não-índios da sociedade, mas também pelo próprio indígena. A isso, deve-se o fato de que por muito tempo, houve ênfase a uma cultura global, desconsiderando a existência da ampla diversidade de culturas que permeia na sociedade atual.

Entretanto, a partir de determinações legais, tais como a Constituição de 1988, o Estatuto das Sociedades Indígenas (ainda não aprovado) e a Lei 11.645 tem-se consolidado a da valorização da identidade indígena, sobretudo, enfatizando o direito às diferenças entre as culturas.

É possível compreender atualmente, que os indígenas possuem o desafio de lutar pela valorização e auto-afirmação de sua identidade, ao mesmo tempo em que a preocupação com a conquista de seus direitos como cidadãos.

Page 135: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 135

É necessário enfatizar que ainda, por falta de informações ou preconceito, existem ainda no Brasil indivíduos que possuem a visão errônea de que o indígena não possui educação, desconsiderando as mais diversas formas de transmissão de conhecimento existentes na sociedade, tais como por meio da oralidade. . Percebe-se então, que é de fundamental importância que o indígena seja cada vez mais valorizado na sociedade, enfatizando e reconhecendo constantemente a importância do respeito e do direito à sua cultura e identidade.

Em um segundo momento, foi possível romper com a visão que se possuía do indígena, na qual era percebido muitas vezes tal como era no período de colonização. Inicialmente, era perceptível que a visão negativa do indígena prevalecia, sendo percebido como um indivíduo que não estuda, trabalha e consequentemente, não faz parte da sociedade. Porém, a necessidade de abordar nos conteúdos escolares não somente o indígena tal como permanecia antigamente, mas também como vive hoje torna-se fundamental, já que são indivíduos que pertencem à sociedade vigente e que devem ter respeitada sua cultura e identidade. Dessa forma, por meio do processo de ensino e aprendizagem destes conhecimentos, foi possível que houvesse a ruptura de mitos e paradigmas existentes em relação ao indígena, como a de sua existência somente em florestas, sem vestimentas e excluído da sociedade.

Referências

ARAÚJO, Ana Valéria (Org.). Povos Indígenas e a Lei dos Brancos: o direito à diferença. Brasília: MEC/SECAD; LACED/Museu Nacional, 2006. 212p. (Coleção Educação Para Todos. Série Vias dos Saberes n. 3).

BAUMAN, Zygmunt. Identidades: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2005.

CIAMPA, A.C. (1984). Identidade. In: W. Codo & S. T. M Lane (Orgs.). Psicologia social: o homem em movimento (p. 58-75), São Paulo: Brasiliense.

DUBAR, Claude. (1997). A Socialização: Construção das Identidades Sociais e Profissionais. Porto: Porto Editora.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa/ Paulo Freire – São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura).

LUCIANO, G. S. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/ Museu Nacional, Brasília, 2006.

Page 136: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores136

CULTURAS E HIBRIDAÇÕES: ANÁLISES ANTROPOLÓGICAS NO CONTEXTO DA MODERNIDADE

Daniel Vitor Vicente1

Introdução

O presente trabalho tende a abordar os conceitos e interpretações da Antropologia em relação ao conceito de cultura nos aspectos da contemporaneidade e de um mundo globalizado. Pretende-se, a partir da exposição e problematização dos conceitos de cultura e hibridização, avançar no debate das Ciências Sociais para a compreensão das novas dimensões sociais que a cultura produz, seja nas pesquisas de grupos sociais mais restritos ou culturas globais. Almejamos que esse trabalho pode ser utilizado como uma reunião de conteúdos e conceitos para possível apropriação nas aulas de Antropologia no Ensino Médio. Será abordada em questão, as análises de Stuart Hall (1997), Canclini (2001) e Renato Ortiz (1993).

Stuart Hall

O trabalho de Hall (1997) retoma a importância da análise da cultura e sua centralidade como instituidora de significação às relações sociais. Dialogada nas várias ciências, a cultura é eixo de análise das organizações e formações grupais sociais. Tendo a cultura como o centro da análise, Hall (1997) propõe uma conceituação da cultura: ela possui seu aspecto “substantivo” e “epistemológico”.

A dimensão substantiva é a dimensão concreta da cultura, sua forma e expressão na história; sua dimensão epistemológica é aquela que compõe as dimensões humanas relacionadas ao conhecimento, ou seja, a cultura como potencialidade humana de transformação social e compreensão da realidade. Ao comentar sobre a dimensão substantiva da cultura, o autor analisa os processos globais da difusão cultural, apontando algumas tendências (em especial as norte americanas) como hegemônicas. A cultura global seria não apenas uma “troca” de valores e culturas, mas a recepção de uma cultura dominante. Hall (1997) comenta que a “troca” das culturas se dá pelo capitalismo através de uma apropriação mercadológica, criando “produtos exóticos”, a cultura como bem de consumo. Há também a ideia de não existir uma incorporação total de novas culturas, mas sim o sincretismo e a hibridação.

Outra importante intervenção do autor repousa na problemática dos conceitos de identidade/subjetividade. Avaliar a cultura como esta mediação entre a disposição do meio (cultura) e os processos de subjetivação dos valores (individual), resultando nesta relação dialógica entre o social e o individual, que busca romper com a barreira epistemológica entre a sociologia e a psicologia.

A segunda dimensão da cultura é apresentada como epistemológica. Esta representa a condição e capacidade da cultura dinamizar o meio social. a linguagem é um dos maiores passos nesta chamada “virada cultural”, pois é capaz de produzir e atribuir novos significados à realidade

1 Bolsista do Projeto OBEDUC – Observatório da Educação – CAPES/MEC. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. Contato: [email protected]

Page 137: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 137

a ao mundo da abstração, sendo esta capaz de constituir e delinear, através da abstração, uma forma de representação do real, tornando-a inelegível, não apenas a linguagem, mas podem-se considerar as ciências sociais também como um elemento transformador e como fruto e produto destas novas condições desta virada cultural. A cultura e a produção de significados são remontadas como universo de investigação e explicação científica, sendo também a própria ciência, um produto da linguagem constituída quanto da capacidade de teorização da vida social. Apresenta-se neste contexto também o poder institucional como regulador cultural. Somam-se a isso os processos de regulação cultural das instituições enquanto universos relativamente autônomos também produtores e reguladores de significado.

nestor canclini

Canclini (2006) pretende analisar os conceitos de hibridação e o impacto da hibridação nos conceitos de cultura, identidade, multiculturalismo. Retoma o conceito de “mestiçagem” e mudanças culturais no processo histórico. Porém, o debate na atualidade sobre o conceito de hibridação abrange processos de desconolização, cruzamentos de fronteiras, fusões artísticas. Para tal, articula e inicia o debate em torno do próprio conceito de hibridação, originado da biologia, que devido a sua continua profusão pode ser carregado de equívocos. Canclini (2006) conceitua hibridação como “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas. (CANCLINI, 2006, p.XIX).

O autor cita variados exemplos de processos de hibridação na cultura mundial: musicais, arquitetônicos, religiosos, literários. Assim o conceito de hibridação busca representar fenômenos sociais nos quais suas bases epistemológicas se assemelham de certo ao seu sentido originalmente formulado, porém amplia seu potencial explicativo, a exemplo dos conceitos de reprodução, de Marx, também originados da biologia, ou de capital simbólico – de Pierre Bourdieu (2001) derivado da economia.

De certa forma, os processos de hibridação ocorreriam, segundo o autor, de forma criativa, seja ela individual ou coletiva. São reconversões, processos de apropriação de informações e valores que são reconfigurados e reordenados seguindo finalidades específicas e socialmente projetadas. O que se torna o “centro” de análise são estes processos, as formas como tais apropriações são realizadas pelos diversos grupos sociais. Neste sentido, a pesquisa que enfatiza a identidade deve pautar-se por estes processos históricos de influencia, escolha e apropriação de valores diversos. Assim, a proposta de análise deve se deslocar da identidade para a “heterogeneidade e a hibridação interculturais”. Soma-se a este conceito não somente o viés otimista e passivo da hibridação: segundo o autor, estes processos também são confrontados e contraditórios em certas ocasiões. Há também a simples recusa de indivíduos ou de grupos sociais nestes processos de hibridação.

O autor pretende então abordar as questões relativas à hibridação no contexto da modernidade. Retoma o debate pós-moderno, que foi substituído no fim dos anos 90 com o fenômeno da globalização no contexto das análises sociológicas. O contexto da globalização acentua os processos de hibridação e interculturalidade, reduzindo fronteiras geográficas e facilitando o acesso as informações e o processo de reconversão.

Page 138: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores138

Estes processos de hibridação são facilitados pelas novas formas de comunicação e nos avanços tecnológicos. Assim, presenciam-se os processos tradicionais de hibridação (migrações, relações políticas, intercâmbios comerciais) em conjunto com estas formas citadas. A ressalva deste conteúdo é o que o autor chama de hibridação restrita, um processo na qual se intensificam as referidas interculturações, porém alguns traços de tradição são mantidos, tornando a análise de identidade pura/simples ainda mais deficitária. O rumo proposto pelo autor seria uma formação de políticas de hibridação, em que direitos políticos e sociais sejam hibridados.

Renato Ortiz

Ortiz (1993) analisa o conceito de mega sociedade, o “mundo”, tomando como hipótese um processo “civilizatório” mundial. Para tal, parte da análise histórico do conceito “mundo”, já abordados por certas religiões. Há também as análises culturais que propunham o conceito de economia mundo. Porém Ortiz (1993) argumenta que a internacionalização homogênea destas economias-mundo se dá apenas com o surgimento do capitalismo no século XX.

O impacto cultural desta mudança é o tempo: antes medidos pelos ciclos da natureza, pôr-do-sol, se transforma num tempo técnico, medido pela racionalização e pelas demandas do trabalho. A ressalva para esta questão é que esta mudança ocorre somente nas grandes capitais e cidades, se tornando massificadas somente no pós-guerra de 1945. Ortiz (1993) continua sua análise abordando as revoluções tecnológicas e comunicacionais.

Para o autor, estas mudanças auxiliaram na difusão de uma massificação cultural, que é capaz de diminuir as distanciam sociais, aproximando fatos e acontecimentos mundiais, afastando do centro de atenção aquilo que é regional, local. Porém o autor defende o argumento de que não é precisamente a revolução tecnológica que determina a mudança destas configurações culturais locais, mas propõe a capacidade inerente e sincrética da humanidade de absorver e reestruturar processos sociais tradicionais, articulando expressões da “cultural mundial” e das representações locais.

Nestes processos, a tecnologia e a transmissão de informações são capazes de apresentar ao mundo o que ficaria restrito a determinado circulo social. Porém, o contraste de tal cenário faz direcionar o foco aos atores que produzem e controlam tal difusão: neste sentido, o conceito de indústria cultural retorna as discussões.

Outro ponto é a descentralização das produções humanas veiculadas a grandes projetos - sejam eles materiais ou não-, tornando a desterritorialização um fenômeno recorrente, cujo fenômeno também é presenciado nas produções artísticas: produções que possuem leituras mundiais, situados em locais alheios à qualquer tradição.

Ortiz (1993) pontua a discussão sobre a pós-modernidade propondo a idéia de que esta capacidade de conhecer a concretude de uma realidade diversa e policêntrica da humanidade é capaz de tornar a produção teórica desprovida dos grandes relatos, grandes narrativas.

Assim, a totalidade utópica das grandes narrativas perde sentido e é então substituída pela valorização do cotidiano. Porém, a mundialização da cultura se torna muito mais expressiva quando se analisa o consumo mundial, veiculado a franquias mundiais, espalhados pelos quatro cantos do mundo. Marcas, produtos e imagens são veiculados internacionalmente, buscando apreender arquétipos universais da humanidade. Uma ressalva importante que Ortiz (1993)

Page 139: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 139

propõe é a coexistência de culturas, ou seja, a possibilidade da existência mutua entre culturas-mundo e culturas locais: estas coabitam, ora de forma sincrética, ora distinta.

considerações Finais

Buscou-se verificar através das análises em questão como o conceito de cultura – eixo central da Antropologia – e seus desdobramentos e vertentes conceituais é ampliado e renovado a partir das mudanças sociais decorrentes da globalização. O conceito de hibridização/hibridação abre espaço para análises das mudanças que as culturas se difundem através dos meios de comunicação, trazendo para o campo de pesquisa antropológico novas configurações e universos de análise pertinentes às Ciências Sociais.

Referências

BOURDIEU, P. O Poder Simbólico. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001a.

CANCLINI, Néstor García. As Culturas Híbridas em Tempos de Globalização. In: Culturas Híbridas. São Paulo: EDUSP, 2001.

HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação Online. Disponível em: <http://.educacaoonline.pro.br/artigos_autor.asp?p_id_autor=381>. Acesso em 05 fev. 2013.

ORTIZ, Renato. Cultura e mega-sociedade mundial. Lua Nova,  São Paulo,  n.28-29, Apr.  1993. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451993000100014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:  14  Feb.  2013. 

Page 140: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores140

A SOcIOLOGIA e OS ciberJOVeNS eM teMpOS De tRAnSIçãO – DA cLÁSSIcA DeSIGUALDADe SOcIAL ÀS InÉDItAS

InteRAçõeS DIGItAIS (AnALISADAS nO FÓRUM VALe tUDO DO Site UOL)

Lucas Garcia1

Introdução

Neste trabalho pretende-se uma abordagem da sociologia enquanto ciência da sociedade cujo conhecimento deve oferecer uma melhor compreensão da vida social, enfatizando-se para tanto o seu aspecto educacional. Por isso este trabalho aproxima-se da atual geração de jovens, indivíduos sob processo de formação pessoal, os quais, contudo, estão inseridos em novas relações sociais ocorridas dentro do inovador contexto virtual das super-redes digitais.

O objetivo é apresentar uma compreensão sobre a sociologia e sua relação com os jovens de hoje – inseridos em inéditas formas de interação social. Para isso, neste trabalho essas novas relações sociais são representadas por um fórum denominado como Vale Tudo, que é um dos mais freqüentados fóruns (ambientes virtuais de interatividade entre internautas) pertencentes ao site UOL (Universo On Line, endereço eletrônico em http://forum.jogos.uol.com.br/ ). O Vale Tudo pertence a um conjunto de fóruns vinculados a uma comunidade de jogadores e demais interessados em games e jogos de computador (em rede ou não), os quais neles atuam compartilhando conversas, debates e troca de arquivos e informações relacionadas aos games, bem como aos demais assuntos de interesse comum daquela comunidade virtual.

Assim, considerando a Sociologia especificamente enquanto um conhecimento educativo necessário à formação crítica dos futuros agentes sociais, esta pesquisa faz uma reflexão sobre um tema que é bastante comum e recorrente na vida social dos jovens de hoje: as novas relações sociais surgidas a partir das novas formas de comunicação (e interação social), proporcionadas pelas novas tecnologias da informação surgidas a partir da década de 1970.

Portanto, um dos pressupostos delimitadores deste trabalho é a busca de uma compreensão de como esses novos fenômenos da vida social têm influenciado os jovens, que, afinal, é o público ao qual uma sociologia com fim educacional é institucionalmente destinada. Assim, para realizar o objetivo – apresentar uma compreensão da relação da sociologia e os ciberjovens –, pretende-se compreender algumas características adquiridas por essa nova juventude, que tenham sido proporcionadas pelas inéditas formas de interação social advindas das tecnologias da informação que dão suporte à internet e às suas redes sociais. Pois, com uma maior compreensão dessa nova juventude, pode-se buscar uma melhor compreensão da relação entre ela e a sociologia como meio educacional nos tempos atuais.

Isso, uma vez que, muito além das novas formas de interação social, as novas tecnologias da informação têm promovido uma verdadeira revolução, cujo grau de transformação compara-se até mesmo com a revolução industrial, a qual foi geradora da sociedade capitalista que impulsionou o desenvolvimento do mundo ocidental moderno. Logo, para diversos pensadores sociais – a exemplo de Manuel Castells –, as tecnologias relacionadas às fontes de energia (motor 1 Graduado em Ciências Sociais e Especialista em Ensino de Sociologia pela UEL. Contato: [email protected]

Page 141: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 141

à vapor, eletricidade etc) das máquinas criadoras dos primeiros bens de produção significariam, à sociedade industrial capitalista, o mesmo que as novas tecnologias da informação e comunicação têm significado àquela que seria uma nova configuração social – que estaria sendo formada a partir das novas redes hiperconectadas.

Uma das denominações dessa nova forma de organização social, atribuída por Manuel Castells, é a de Sociedade em Rede. Para Castells, a sociedade contemporânea globalizada é caracterizada pelas relações mediadas pelas tecnologias da informação e da comunicação e, inclusive, que a tendência histórica, as funções e os processos na era da informação se organizam cada vez mais em rede (CASTELLS; 1999, p. 565).

Diante disso é que esse ilustre sociólogo enfatiza a relevância da lógica do funcionamento de redes – cujo símbolo é a internet – afirmando que ela “tornou-se aplicável a todos os tipos de atividades, a todos os contextos e a todos os locais que pudessem ser conectados eletronicamente” (CASTELLS, 1999, p. 89). Para Castells,

Enquanto que a forma de rede de organização social existiu noutros tempos e noutros espaços, o paradigma da nova tecnologia da informação fornece o material de base para sua expansão hegemônica por toda a estrutura social. As redes são estruturas abertas, com o potencial de se expandirem sem limites, integrando novos nós desde que sejam capazes de comunicar dentro da rede, nomeadamente desde que partilhem os mesmos códigos de comunicação (por exemplo, valores ou objetivos de desempenho). Uma estrutura social com base na rede é um sistema altamente dinâmico e aberto, susceptível de inovar sem ameaçar o seu próprio equilíbrio. (1999, p. 565).

Esse pressuposto delimita o lado da relação a ser investigado – a partir do qual se busca compreender melhor a relação de uma sociologia educacional com o público jovem. No outro lado da relação, este trabalho coloca em relevo um objeto sociológico que, entretanto, já consiste em um fato histórico consumado e, por isso, aqui corresponde apenas ao conhecimento representativo da sociologia clássica brasileira: a histórica estrutura social desigual.

Portanto, ao lado daquelas novas interações sociais (a serem identificadas pela análise da interatividade no fórum Vale Tudo do site UOL), aqui destacadas como características muito representativas de uma nova configuração social hiperconectada via super-redes digitais (já bastante presente na vida social dos ciberjovens), neste trabalho determina-se – como uma característica representativa da sociologia clássica e educacional brasileira – a desigualdade da estrutura social (tão estudada e demonstrada cientificamente pela sociologia do país).

A definição de uma relação entre os dois polos mencionados será utilizada na busca do objetivo do trabalho. Pois, para buscar uma compreensão da relação entre a sociologia e os ciberjovens, nestes tempos de transição, considera-se necessário investigar aquelas novas formas de interação dos jovens e suas possíveis consequências sociais, bem como, abordar um consumado conhecimento sociológico que muito elucida a sociedade brasileira – e que por isso sintetiza um conhecimento a ser transmitido por uma sociologia com fim educacional.

Este trabalho tem como fundamento a relevante atribuição que tem a sociologia para a educação à vida social, a qual vale dizer é demonstrada historicamente no Brasil. Aliás, essa é uma das principais causas da sua inclusão como disciplina escolar no sistema educacional brasileiro. Pois desde os intelectuais e os educadores responsáveis pelos primeiros manuais didáticos do

Page 142: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores142

país, ainda nas décadas de 30 e 40 do século passado, verifica-se, a exemplo de Delgado de Carvalho, um zeloso esforço na fixação da relação entre as ideias sociológicas e os fatos da vida social; e, a exemplo de Carneiro Leão, um necessário contato íntimo com a sociedade em que é ministrada ou lhe falta nexo num currículo escolar (MEUCCI, 2000).

Nesse sentido, segundo Florestan Fernandes, a sociologia enquanto ciência da sociedade não se limita a estudar as condições de existência social dos seres humanos. Todavia, Florestan destaca que essa é a porção mais fascinante ou importante de seu objeto, a qual inclusive muito alimentou a preocupação de aplicar o ponto de vista científico à observação e à explicação dos fenômenos sociais (FERNANDES, 1960). Constata-se, assim, a relevância e a prioridade que a análise das condições de existência social tem à sociologia, inclusive em seu âmbito eminentemente científico.

Dessa forma, considera-se que a sociologia como meio educacional deve principalmente contribuir à formação individual e social dos jovens e à sua inserção na sociedade brasileira. Por isso este trabalho pretende compreender a relação da sociologia com os ciberjovens – almejada através de uma análise das interações no fórum Vale Tudo – determinada, em síntese, de um lado pela desigual estrutura social; e, de outro lado, pelas inéditas interações sociais, a serem elucidadas com base na análise do referido fórum do site UOL, bastante freqüentado por inúmeros jovens – todos conectados entre si – de diversas regiões do Brasil. E a relevância desse tema é ainda maior hoje em dia, uma vez que, conforme será explicitado adiante – os indivíduos, as sociedades, as sociologias, as ciências em geral, estariam inseridos em um período histórico de grandes transformações sociais pelo mundo.

Aqui são conceituados como ciberjovens aqueles jovens plenamente inseridos nessas possíveis e novas relações sociais surgidas a partir das novas formas de comunicação. Pois eles, principalmente, têm vivenciado – e de forma bastante intensa, posto que já faz parte da sua rotina e cultura juvenil – algumas formas de interação sequer delimitadas pelo espaço e pelo tempo, o que é algo completamente novo na história humana, ou seja, algo jamais vivenciado anteriormente por nenhuma geração de jovens (viver em uma rede com infinitas conexões no ciberespaço), e que estaria entre as principais causas das transformações sociais atuais. O conceito de ciberjovem foi aqui adotado inspirando-se na teoria de Pierre Levy, filósofo e pensador social reconhecido por abordar as transformações culturais ocorridas a partir do contato com a internet e o meio digital. Levy, na sua obra Cibercultura, afirma que,

Em primeiro lugar, que o crescimento do ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas nos propõem. Em segundo lugar, que estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômico, político, cultural e humano. (LEVY, 1999, p.11).

Este trabalho, portanto, almeja contribuir com a elucidação daquilo que se configura como uma espécie de dilema destes tempos de transição (no campo da sociologia). De um lado, a sociologia como conhecimento à vida social (brasileira). De outro lado, porém, a sociologia necessitando compreender na nova geração os denominados ciberjovens, os indivíduos bastante inseridos naqueles fenômenos sociais que tanto têm influenciado a atual juventude bem como

Page 143: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 143

o seu comportamento individual e social, surgidos com as novas relações sociais proporcionadas pelas novas formas de comunicação (e interação social), basicamente a partir da internet.

Desigual estrutura social – uma síntese representativa da Sociologia clássica brasileira aos ciberjovens

Em relação à desigual estrutura social, o próprio histórico dos estudos sociológicos a respeito do Brasil consiste em um pleno veredicto dessa que é uma característica sócio-cultural desde os tempos de colônia aos dias de hoje. E, ao tempo da proclamação da República – conceito “importado” da vida pública europeia – nosso país também “importou” o Estado Democrático de Direito – modelo estatal típico da Modernidade Ocidental –, o qual também é uma concepção que é própria da vida cultural europeia, mais ainda, que é resultado de longas e árduas guerras e transformações sócio-históricas incorridas em quase toda a Idade Moderna. Enquanto isso, importadas às terras brasileiras – dominadas por outra realidade sócio-histórica – aquelas concepções sócio-políticas acabaram não se desenvolvendo com o mesmo vigor tido em seu solo original europeu. Essa história, enfim, está devidamente relatada e documentada pela diversificada produção teórica e sociológica brasileira do século XX.

Assim, ao mesmo tempo em que iam sendo introduzidas a república, a democracia, a legalidade, a industrialização, o capitalismo etc, também a antiga estrutura histórico-social – de caráter patrimonialista e desigual – foi se mantendo em nossa sociedade ao lado daquelas novas instituições – que seriam os fundamentos da organização da nova sociedade e Estado brasileiros. Mas, decorrido todo o século XX e tendo perdurado até hoje, essa estrutura desigual configura, portanto, um fato histórico e social consumado, o qual neste estudo é tomado como elemento-chave para uma compreensão da sociedade brasileira moderna.

Para tanto, neste trabalho inspira-se basicamente na clássica teoria social brasileira que interpreta a nossa modernidade pela concepção de mundo do patrimonialismo. Ela é encontrada, com mais ou menos centralidade, em diversos pensadores sociais como Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, Roberto Da Matta, entre outros. Numa abordagem dessa reconhecida interpretação, o sociólogo Jessé de Souza assim sintetiza:

O patrimonialismo desenvolve-se diretamente do personalismo, impedindo o desenvolvimento de um Estado racional democrático. O Estado permanece como uma mera generalização do princípio de sociabilidade familiar baseada na preferência particularista de afetos, alfa e ômega do personalismo enquanto concepção de mundo. A burocracia racional, enquanto princípio contíguo à moderna democracia, na medida em que corporifica a possibilidade de um trato objetivo e consequentemente igualitário das questões políticas, não pode desenvolver-se como um elemento autônomo nesse contexto. (SOUZA, 2000, p.166).

Aliás, especificamente à manutenção dessa desigual estrutura (nas mais diferentes regiões do país), são ainda mais diversificados os estudos e as teorias sociológicas que elucidam essa realidade histórica. Nesse contexto, para ir além do patrimonialismo, cita-se outra destacada abordagem da década de 1950 em diante, conduzida pela Escola Sociológica Paulista e seu mestre

Page 144: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores144

Florestan Fernandes, cujos estudos propuseram-se compreender as condições de integração (ou desintegração) dos indivíduos na dinâmica estrutural da sociedade. Muitos foram, afinal, os estudos “florestanianos” compreendendo a diferenciação social como resultado de uma desigual inserção dos indivíduos na estrutura social (MEUCCI, 2006).

Seguindo-se com Florestan Fernandes, para ele um grande marco do pensamento social brasileiro foi estabelecido em 1902: a publicação de Os Sertões, de Euclides da Cunha. Fernandes considera essa obra um divisor histórico do pensamento social produzido desde 1860 até 1902; com o pensamento social produzido desde 1902 até 1930 (ano da institucionalização acadêmica da sociologia).

Na interpretação teórica de Fernandes, o período sócio-histórico, decorrido até 1902 e “Os Sertões”, esteve bastante influenciado por diversos entraves estruturais até então modelados pelo poder tradicional (patrimonialista). Segundo Fernandes, após 1902 (e Os Sertões) dar-se-ia um aperfeiçoamento nos diagnósticos dos pensadores sociais da época (Silvio Romero, Manuel Bonfim, Euclides da Cunha etc). Para Fernandes surgiria então o pensamento sociológico pragmático, cujo método já permitia revelar a relação existente entre os fatos históricos e o pensamento social; ou, melhor ainda, entre as condições sócio-históricas brasileiras e o desenvolvimento da própria sociologia como ciência no Brasil.

Para finalizar, seguem duas citações de Florestan Fernandes: a primeira, acerca do período até 1902; a segunda, quanto ao pensamento social iniciado desde Os Sertões em diante:

[...] o desenvolvimento institucional da sociedade brasileira, durante o séc. XIX, foi insuficiente para criar as condições que são indispensáveis à formação de um saber racional autônomo.” (FERNANDES, 1977, p. 20). [...] daí (1902) em diante o pensamento sociológico pode ser considerado como uma técnica de consciência e de explicação do mundo, inserida no sistema sócio-cultural brasileiro. (FERNANDES, 1977, p.35).

Para a sequência lógica deste trabalho, desde já é válido evidenciar aquela relação (analisada pela sociologia): a dos fatos históricos com as ideias e as ações, individuais e sociais, existentes em um dado período sócio-cultural. E, nesse contexto, a decadência do modelo de sociedade tipicamente patrimonialista (dada para Florestan Fernandes a partir de 1902) teria se desencadeado mediante um abalo simultâneo, tanto daquela forma societal quanto do seu pensamento dominante típico.

Por fim, nessa mesma lógica relacional dar-se-ia, a partir de 1930: um maior aperfeiçoamento científico da sociologia, que, entretanto, não teria sido suficiente para promover a superação das características patrimonialistas da sociedade. Isso também foi constatado sociologicamente – por uma outra teoria – a partir da década de 1950 com Fernandes e a Escola Paulista. Assim, não obstante a diversidade teórica clássica – patrimonialismo, “florestanianos” etc – pode-se constatar que a desigual estrutura da sociedade brasileira trata-se de uma característica histórica marcante, muito bem identificada pelos clássicos da sociologia brasileira.

Page 145: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 145

As interações das super redes digitais (uma análise das novas interações sociais no fórum vale tudo do site UOL)

Algumas pesquisas e estatísticas recentes têm demonstrado que o número da população brasileira com acesso à internet mais que dobrou em apenas seis anos, saltando, de 2005 a 2011, de 32 milhões para 78 milhões. E, especificamente entre os jovens, na faixa de 15 a 17 anos, o percentual já chega a 74% (fontes IBOPE, Target Group, IBGE, em Revista Veja, 2327, de 26 de junho de 2013). Também é inegável o interesse e a intimidade dos jovens com a internet e suas diversas plataformas de entretenimento e interatividade. Inclusive as suas participações de forma muito identificada com a lógica de funcionamento das redes virtuais, proporcionadora de uma grande complexidade de interações. Portanto eles agem muito na forma de grupos, fazendo uso da rede (virtual) no sentido de meio de acesso a informações, de contatos com outros jovens e demais pessoas através da rede internet, inclusive jogando seus games também em rede, cujos jogadores estão fisicamente em diferentes localidades e ao mesmo tempo jogando entre si (a mesma lógica virtual da internet, das redes sociais, dos fóruns em geral e do Vale Tudo).

No que se refere ao conjunto de fóruns do site UOL, segundo as suas estatísticas, em 12.12.2012, o portal de fóruns do UOL Jogos totalizava: 41 fóruns de assuntos específicos, 353.047 usuários cadastrados, 6.859.605 tópicos e 170.586.500 mensagens postadas nos mesmos. O conjunto de fóruns UOL Jogos reúne uma infinidade de assuntos genéricos e específicos, contendo notícias, explicações, opiniões, informações em geral a respeito desde videogames, games em rede, webgames e games on line; chegando a assuntos mais gerais sobre automóveis, cinema, música, religião, ciência, ideologia, vestibular, esportes etc.

É válido comparar esses números totais do UOL Jogos, com as suas mais recentes estatísticas apuradas em 02.07.2013. Uma vez que o número de usuários passou a ser de 512.394 membros cadastrados; a quantidade de tópicos já era a de 6.901.716; e a quantidade de mensagens era de 171.771.808 postagens, realizadas no conjunto dos 41 fóruns do portal UOL. Trata-se, portanto, de um verdadeiro universo virtual de dados e informações relacionados ao mundo dos jovens, os quais, ali, podem interagir a respeito de qualquer assunto, com qualquer tipo de pessoa de qualquer região do país, desde que cadastrados e usuários desse sistema virtual interativo. Essa é uma grande fonte de entretenimento, de troca de ideias e de informações, principalmente entre jovens que, entre outras ferramentas oferecidas pelo site UOL, desfrutam também de um mecanismo de pesquisa que pode rapidamente localizar qualquer assunto que seja do interesse de quem estiver fazendo aquela determinada busca.

Observa-se que esses fóruns funcionam como um processo interativo que é aberto, multiplicador, difuso, cumulativo – promovendo um total compartilhamento das informações de forma livre e colaborativa a toda a comunidade virtual. Como simples decorrência de sua própria estrutura e mecanismo, eles consistem inevitavelmente numa enorme fonte de comunicação interativa e, por conseguinte, de muitas informações para todos os jovens conectados de toda e qualquer localidade. A qual, como será melhor analisado, possui uma dinâmica muito veloz e instantânea bem como um infinito armazenamento, fatores que formam um acúmulo imenso de informações disponíveis e utilizados pelos jovens, para fins seja de entretenimento, seja de troca de informação, sobre os assuntos e temas de seus interesses.

Page 146: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores146

Especificamente em relação ao fórum Vale Tudo, na data de 12.12.2012 ele totalizava 851.530 tópicos e 18.283.965 mensagens específicas postadas pelos usuários. Dentre esses tópicos, conforme prenuncia o próprio nome do fórum, pode-se encontrar praticamente de tudo que seja relacionado aos interesses da juventude: baladas, sexo, filmes, televisão, universidades e seus cursos, livros, novas mídias etc. Dentre os tópicos campeões de respostas e exibições destacava-se o tópico “Panela da Madrugada 2.0 – porque postar é melhor que dormir”, cuja denominação sugere uma forte propensão comportamental dos jovens, a de ir dormir tarde da noite justamente para permanecer navegando na internet em contato com webgames em rede, amigos em rede, temas em rede etc. Nesse freqüentado tópico (de 30.06 a 12.12.2012), acumulou-se um expressivo total de 83.866 respostas e de 24.119.556 exibições entre os seus usuários.

Em seguida, após ter sido efetuada uma pesquisa, pelo buscador do portal dos fóruns do UOL Jogos, com a palavra “sociologia”, esta pesquisa constatou o seguinte: 336 tópicos relacionados ao assunto “sociologia”, com 249 deles, ou seja, a grande maioria desses tópicos, pertencendo ao fórum Vale Tudo. Quanto aos demais 87 tópicos relacionados à palavra “sociologia” que não estavam no Vale Tudo, estavam inseridos em sua maioria no fórum Papo Cabeça (26), seguido pelo fórum Vestibular (23). Os fatores e números descritos acima exemplificam a preferência desta pesquisa em selecionar o fórum Vale Tudo, e não, por exemplo, o fórum Papo Cabeça (aparentemente com mais probabilidade de conter tópicos com mensagens e sucessivas respostas mais qualitativas e mais fundamentadas). Uma vez que o objetivo maior deste trabalho consiste em analisar a estrutura “em rede” e a espécie de padrão dela, os quais repercutem no nível de interatividade e de compartilhamento de informações entre os usuários da estrutura de um fórum. Já que isso tudo pode ser considerado, contemporaneamente, como relevantes características dessas novas formas de relações sociais.

Desse modo, há na pesquisa uma certa preferência pela forma, pela estrutura da rede e não pelo aspecto da substância, do conteúdo das informações fluídas através dela. Nesse mesmo contexto, opta-se por mencionar os nomes de somente alguns tópicos do Vale Tudo, relacionados ao termo “sociologia”: para quê existe aula de sociologia no ensino médio (09.06.2009); meu professor de sociologia jurídica trouxe um livro do Giddens para a aula hoje (08.05.2009); acho que eu não estudaria sociologia (22.11.2009); tenho que fazer uma conclusão para um trabalho de sociologia (14.08.2009); sociologia e filosofia (22.05.2010); pergunta da professora de sociologia (14.04.2010); livros básicos, introdutórios e (ou) importantes (04.11.2010).

Esta pesquisa, por não se concentrar no conteúdo das informações intercambiadas entre os membros do Vale Tudo – e mais na forma, na estrutura, no padrão e alcance da interatividade –, ao mesmo tempo não se envolve em um significativo tema sociológico (muito debatido entre os clássicos): aquele sobre serem conceituadas ou não, como sociais, todas as relações ocorridas em um dado grupo ou somente algumas delas. Na sociologia clássica esse tema encontra-se, somente como exemplo, em Max Weber, para quem haveria que se considerar como sociais somente as relações conscientes (WEBER, 1947, 88); e em Parsons e Shils, aos quais seriam “sociais” somente aquelas relações consensuadas normativamente (1951, 195).

Neste trabalho, considerando-se a contemporaneidade, buscou-se uma aproximação com as teorias das redes sociais (cujas análises constam desde os tempos da sociologia clássica). E, através de uma dimensão ampliada delas, Manuel Castells identifica o surgimento daquilo

Page 147: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 147

que seria uma verdadeira sociedade global “em rede”. Para esclarecer mais a linha de análise desta pesquisa, cita-se Raquel Recuero, para quem as redes sociais são uma metáfora para a análise dos padrões de conexão de grupos sociais, sendo impossível isolar atores e conexões, pois o foco está exatamente na observação do padrão de interação identificado. Segundo Recuero, essas interações são capazes de proporcionar a troca de informações e a criação de laços sociais.

Por isso foi priorizada uma busca por dados de caráter relacionais, ou seja, por dados que identificam os contatos, os laços, os vínculos, mais ainda, os dados que identificam a forma de comunicação entre o grupo a partir de seus agentes. O foco, em suma, está nos dados que conectam os jovens entre si (no grupo do Vale Tudo). E o foco é, basicamente, a informação e a medida da relação, que expõem os laços de funcionamento entre os ciberjovens daquela comunidade virtual de debates, diálogos e troca de informações. Portanto, a análise das interações é especificamente contextualizada. E nesse contexto, os indivíduos participantes são considerados a partir das múltiplas interações existentes no Vale Tudo, todas essas, ocorridas em cada um dos tópicos que foram criados pelos participantes da rede, bem como, a partir do conjunto de mensagens e exibições que compõem cada um dos respectivos tópicos. Uma vez que o foco é realizar uma medição da rede e da extensão e intensidade das relações por ela proporcionadas.

Assim, em suma, os dados relacionais foram selecionados da interatividade constatada no portal com 41 fóruns do UOL Jogos; selecionando-os, mais ainda, a partir da interatividade realizada especificamente no Vale Tudo. E, sem menosprezar o aspecto qualitativo da pesquisa, também a partir da interatividade encontrada em torno da palavra “sociologia”, de acordo com o resultado da busca desse termo e de acordo com os respectivos tópicos e mensagens. Ademais, não se desprezou as opiniões, as atitudes ou as ações dos ciberjovens. Entretanto, tanto no modelo da análise, como na tomada de informações, fez-se prevalacer a interação, ou seja, a relação que no objeto em foco é coletivamente construída entre os agentes da comunidade virtual, sendo essa, portanto, a unidade elementar desta análise sociológica.

A partir da análise acerca das interações entre os ciberjovens freqüentadores do Vale Tudo, compreende-se que eles configuram uma típica comunidade virtual, nos mesmos termos em que ela é conceituada por Pierre Levy:

Uma comunidade virtual é construída sobre as afinidades de interesses, de conhecimentos, sobre projetos mútuos, em um processo de cooperação ou de troca, tudo isso independentemente das proximidades geográficas e das filiações institucionais. [...] Para aqueles que não a praticaram (comunidades virtuais), esclarecemos que, longe de serem frias, as relações on line não excluem as emoções fortes.” (LEVY, 1999, p. 127-128).

E a análise das formas de interações no fórum Vale Tudo permite mais uma identificação: em relação às características próprias à interatividade específica dos fóruns digitais. Ela pode ser apontada, através daquilo que seriam diferenças entre os sites de redes sociais e outras formas de comunicação mediadas por computador – dentre estas, as do Vale Tudo. Eis as diferenças, segundo Raquel Recuero: os sites de redes sociais permitem a visibilidade e a articulação das redes sociais. E, seguindo essa definição, Recuero defende que esses sites – tais como o Orkut, o Facebook, o Twitter – podem ser categorizados como sites de redes sociais, pois eles “mostram as redes sociais de cada autor de forma pública e possibilitam que os mesmos construam interações

Page 148: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores148

nesses sistemas.” (RECUERO, 2009, p.103). Seguindo a linha analítica de Recuero, pode-se caracterizar a interatividade do fórum Vale Tudo como baseada essencialmente na própria informação em si. Ou melhor, é o conjunto das informações em geral, trocadas de forma aberta, múltipla e compartilhada entre todos os freqüentadores do fórum, que consiste no elemento central da sociabilidade daquelas interações. Assim, em ambientes virtuais estruturados como o Vale Tudo, o objeto em interação é menos os indivíduos e suas características pessoais, e muito mais as próprias informações e seus conteúdos, trocados e transmitidos entre os membros e suas mensagens em cada tópico.

Nesse sentido, é válida a diferenciação apontada por Recuero, podendo ser aplicada na presente análise. Enquanto os sites de redes sociais são promotores da sociabilidade das próprias pessoas (e todas as suas circunstâncias sociais) e de suas respectivas redes sociais (e as diversas circunstâncias das respectivas vidas sociais de cada membro), já as formas de comunicação como as do fórum (vide o Vale Tudo) promovem uma sociabilidade que gira em torno das próprias informações em si, trocadas, compartilhadas e multiplicadas entre todos os usuários daquele fórum. Dessa forma, conforme a análise das interações do Vale Tudo indicam, ficariam em segundo plano os demais aspectos pessoais e sociais da vida de cada um de seus usuários. Isso ao menos enquanto perdura a lógica da interatividade que de fato prevalece no interior desses fóruns, que são, em suma, verdadeiros canais de construção, descontrução, troca e compartilhamento de informações relacionadas ao universo de assuntos e interesses da juventude do ciberespaço.

Com isso se pode compreender a interatividade de um fórum como um verdadeiro processo de construção, descontrução, reconstrução etc, das informações relacionadas a todo e qualquer assunto que é postado e desperta o interesse daqueles jovens – que, como já destacado, são ávidos por experimentar coletivamente essas novas formas de comunicação digital. Esses elementos, característicos da internet e da cibercultura em geral, no que diz respeito aos ambientes como os fóruns, possuem uma capacidade de transformar muitas informações, fornecidas pelos mais distantes usuários, em um sistema informacional comum e compartilhado por todos. Retornando aos dados estatísticos, em 12.12.2012, especificamente ao fórum Vale Tudo, existiam 25.080 páginas de tópicos, os quais podem assim ser conceituados: a primeira mensagem que, por ser enviada por um usuário diretamente na base do fórum (e não no interior da lista das mensagens já contidas em um outro tópico já existente), gera uma espécie de título que dá início à construção da interatividade em torno daquele assunto (descrito naquela mensagem inicial e direta à base do Vale Tudo).

Dentre os tópicos do Vale Tudo – relacionados com a palavra “sociologia” – foi selecionado nesta pesquisa o tópico denominado “Sociologia no Ensino Médio” (criado em 28.11.2012). Como o nome indica, trata-se de um tópico cujo autor – o usuário cujo nickname é “Zé do Machadão” – almeja debater com os demais colegas a respeito da sociologia enquanto disciplina escolar no ensino médio.

Esse tópico desencadeou discussões, debates, trocas de opiniões, de experiências próprias, de informações gerais etc, fornecidas por cada usuário que enviou suas mensagens. Nesse tópico – bastante marcado pelo comportamento jovial – a discussão teve grande interatividade. Iniciada às 14:20 horas, após somente uma hora ela já possuía um total de 37 mensagens encaminhadas por pessoas das mais diferentes localidades do país. A proposta desse tópico estava relacionada também com a sociedade brasileira, bem como, com a sua desigualdade social. Entre essas primeiras 37 mensagens, ao lado de uma maioria delas marcada por muito senso comum e senso

Page 149: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 149

juvenil, houve uma pequena parcela em que se pode notar um razoável senso crítico. Verificou-se, por exemplo, uma interação, às 14:53 horas, entre o criador do tópico e outros três de seus participantes que mais proporcionaram uma boa interatividade em torno daquilo que o tópico propunha fazer: um debate e troca de ideias sobre a sociologia enquanto disciplina no ensino médio.

Pode-se deduzir, por fim, que a utilização da teoria das redes sociais por esta pesquisa dá-se, tanto porque se trata de uma teoria desenvolvida desde os tempos clássicos da sociologia, como porque a sua aplicabilidade analítica pode ser igualmente pertinente a esses novos tempos de sociedades em redes – os quais necessitam ser investigados pela sociologia, especialmente quando ela se relacionar educativamente com os ciberjovens – os indivíduos imersos nessa nova configuração social (representada pela interatividade produzida entre os agentes no fórum Vale Tudo do site UOL).

tempos de transição – do conhecimento clássico (desigual estrutura social) ao conhecimento das super redes digitais (com inéditas interações sociais especialmente entre os jovens)

Anthony Giddens, em 1997, sobre estes tempos assim afirmou: “estamos em um período de evidente transição – e o ‘nós’ aqui não se refere apenas ao Ocidente, mas ao mundo como um todo”. (GIDDENS, 1997, p.21).

Evidencia-se que o atual período histórico tem-se caracterizado como um período conturbado, complexo, de grandes transformações sociais. Ao mesmo tempo, observa-se uma diversidade teórica nas ciências sociais e, entre elas, para algumas esses tempos de virada de milênio – desde a década de 70 e a consolidação das tecnologias da informação – têm sido interferidos por aquilo que significa uma mudança de um verdadeiro conjunto de paradigmas científicos, epistemológicos e sociais.

Aquilo que Anthony Giddens denominou por “consenso ortodoxo” – a visão predominante da sociologia clássica, do pós-guerra até o fim do séc. XX – no fim do milênio já não se apresentava mais daquela forma. O sociólogo inglês afirma então que, “[...] na atualidade, ela já se tornou minoria (certamente na área da teoria social, talvez nem tanto na pesquisa social empírica), e que aqueles que atualmente defenderiam tal ponto de vista representam apenas uma entre uma gama diversificada de perspectivas (GIDDENS, 1997, p. 98-100). Em relação ao modelo estrutural da sociedade moderna (até então em pleno vigor) – cujo desenvolvimento fez surgir tanto a sociologia enquanto ciência como se consistiu no típico objeto de seus estudos clássicos –, estaríamos possivelmente vivenciando um tempo de transições paradigmáticas e quiçá em direção a novos modelos societais. Em meio a isso, estar-se-ia transitando do típico modelo societal moderno e em rumo a novas configurações sociais, dadas as constantes e rápidas transformações que têm ocorrido no mundo – desde as novas tecnologias da informação e da comunicação e a internet. Estas e suas interações tratam-se de fenômenos inéditos na história da humanidade, que tendem a produzir novas sociabilidades, não verificadas nas formas societais construídas sob os paradigmas da sociedade tipicamente moderna.

Entre os pilares relacionados às bases de desenvolvimento da sociedade moderna, encontram-se os da metodologia e da epistemologia que deram moldes àquilo que deve ou não ser socialmente reconhecido como “ciência”. A qual, vale dizer, conceitua-se nos moldes

Page 150: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores150

e critérios modernamente estabelecidos e, dentro do campo da sociologia, sob os modelos ontológicos, metodológicos e epistemológicos defendidos pelo “consenso ortodoxo” segundo Giddens. A esse respeito Pedro Demo, pensador social com ênfase na sociologia da educação e na epistemologia e metodologia da ciência social, em sua mais recente obra explica:

Estabeleceu-se a expectativa analítica de que a realidade seria um todo estruturado e permanente, formalizável matematicamente, linear e definitivo, sendo apenas a soma de suas partes. O lado possivelmente dinâmico da realidade era tratado como distúrbios secundários a serem descartados no laboratório, em nome de estruturas invariantes ou códigos dados (MASSUMI, 2002; DEMO, 1995). É nesse contexto (segunda metade do século XVIII e decorrer do século XIX) que o método científico ganhou contornos mais resistentes, tornando-se positivista, ou seja, tomando a realidade como dada fixamente, devassável analiticamente, racionalizável e explicável finalmente (ADORNO et al., 1972). Do ponto de vista das ciências sociais, um de seus maiores clássicos, Marx, embora defendendo postura dialética, cedeu a esse espírito positivista em seus escritos mais maduros, à medida que tentou explicar a história humana através da infraestrutura econômica, colocando em segundo plano a cidadania, como consta de seu ‘testamento metodológico’ (1973:28-29; DEMO, 1995:108ss). Comparando-se a Darwin, que descobrira as leis da natureza, Marx pretendia ter descoberto as leis da história que se imporiam com ‘necessidade de bronze’ (MARX; ENGELS, 1983, p. 12; DEMO, 1995, p. 109). (2012, p. 09).

Diante desse amplo panorama, os atuais ciberjovens compreenderiam a primeira geração de seres humanos educada plenamente em meio aos tempos de transição e sob as novas configurações sociais neles verificadas. Esses ciberjovens, inclusive, pertenceriam a uma primeira geração sob um processo de formação social no qual a convivência dá-se numa ampla cibercultura. Esta, por sua vez, construída a partir das novas redes sociais digitais, dos novos padrões de interatividade, de multiplicidade e de compartilhamento jamais imaginados (advindos da internet e das tecnologias de informação e comunicação) – os quais ocorrem instantaneamente com os cliques de mouses dos jovens nas infinitas redes sociais de todo o mundo virtual.

No desenvolvimento da linha desta pesquisa, ao lado das duas características-sínteses – que simbolizam respectivamente a sociologia dos tempos clássicos modernos e a sociologia dos tempos de transição – formou-se a ideia de que, para buscar uma compreensão da relação da sociologia com os ciberjovens (nos atuais tempos de transição), fazia-se necessária a problematização dos mesmos no interior das novas formas de interação social praticadas no ciberespaço da internet. Este trabalho coaduna-se portanto com aquelas teorias sociais que identificam a configuração de novas formas de organização social – distintas e inovadoras em relação à sociedade moderna – as quais, assim sendo, formam características específicas do atual período de transição (não encontradas no modelo da clássica sociedade moderna). Assim, deduz-se que os ciberjovens e os ambientes virtuais das novas interações (objeto da pesquisa) compõem as características da nova configuração social desses novos tempos (pós-tecnologias da informação e da comunicação e pós-internet).

No que se refere aos tempos de transição – mais especificamente aos paradigmas relacionados à ciência social – novamente é válido mencionar Pedro Demo, para quem o mundo do conhecimento científico estaria sofrendo terremotos constantes, sem termos, por isso, ideia de

Page 151: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 151

aonde estamos indo. Considerando que muito desse mundo da ciência está ruindo, Pedro Demo entende que esses tempos de transição estão solicitando reestruturações também radicais. Ao lado daquele aspecto positivista da ciência moderna, também o aspecto materialista científico tem sido questionado. Conforme Pedro Demo,

O materialismo tem esta vantagem: tudo fica mais facilmente mensurável e cabe melhor no método. Marx assim via, imaginando, porém, que não estaria ‘reduzindo’ a complexidade da realidade a uma faceta só, mas indo ao fundo dela. Consta de seu ‘testamento metodológico’: ‘Ao considerar tais alterações é necessário distinguir entre a alteração material – que se pode comprovar de maneira cientificamente rigorosa – das condições econômicas de produção e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito, levando-o às últimas consequências’ (MARX, 1973:28; DEMO, 1995:108, realce meu). O texto insinua que visões não materialistas seriam ‘ideológicas’, porque forjadas à revelia do método científico, tal qual aparece na obra de Engels sobre ‘socialismo científico’ (1971). Estamos ainda longe de sugerir que o materialismo estaria esboroando-se, mas torna-se crescentemente mais palatável admitir que a realidade complexa é multifacetada (KAKU, 1998; 2000; FUCHS, 2008; LAHIRE, 2011).

Dessa forma, por estarmos inseridos em grandes transições tanto sociais como científicas, presume-se como relevante, à sociologia, investigar os ciberjovens e suas novas formas de interação social. Tendo sido demonstrado, pela análise do Vale Tudo, que os ciberjovens compõem entre eles uma múltipla rede altamente interativa. Isso, numa metáfora com os conceitos de redes – na condição de “nós” da rede que estão todos interligados entre si, compondo um sistema cuja estrutura proporciona: permanentes oportunidades; acesso a todos os dados intercambiados na rede; influências comportamentais recíprocas entre todos os “nós” daquela rede. E cuja estrutura de rede, inclusive, proporciona um padrão de conexões pelo qual se constrói coletiva e colaborativamente uma verdadeira fonte de informação – aberta e compartilhada por todos os “nós” (ciberjovens) conectados à rede. Dadas as características do trabalho, cuja análise foca inclusive os padrões da interação ocorrida no ambiente virtual (a partir da comunicação e trocas de informação), observa-se que a teoria sociológica das redes sociais coaduna-se com o objeto pesquisado. E, não obstante se tratar de uma teoria social dos tempos clássicos da sociologia, a sua aplicabilidade analítica pode ser igualmente pertinente a esses novos tempos de sociedades em redes.

De qualquer forma, vale destacar ainda que – nesses tempos de transição – todas as ciências sociais contemporâneas têm vivido um período de reflexão sobre si mesmas. Destacando-se inclusive que “os professores, educadores e demais envolvidos precisam ser sujeitos da ação e ter propostas para a vida e para o mundo” (BRIDI e outros, 2010). E que o conhecimento social pode contribuir conscientemente para reduzir a opacidade das relações sociais e ampliar o potencial de ação disponível; adquirindo, assim, a produção de conhecimentos, um valor moral, de ética e de responsabilidade (MELUCCI, 2005). Assim, também por causa das características dos tempos atuais, tem sido problematizado pela própria sociologia o significado de si própria, ou melhor, os significados que lhe têm sido atribuída no atual contexto social. Diante disso, somente como mais um exemplo, pode-se mencionar o sociólogo Alberto Melucci, para quem,

Page 152: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores152

na vida contemporânea cotidiana, o sentido da ação não é mais indicado somente pelas estruturas sociais, devendo, assim, emergir uma orientação reflexiva do próprio debate contemporâneo, com a cultura num papel central nas ciências sociais (MELUCCI, 2005).

As características de transição, enfim, fazem parte do quadro geral da sociedade global contemporânea – toda ela inserida e influenciada pelas novas formas de informação e comunicação. Nesse panorama global tem sido proposto, inclusive, que o ensino escolar da sociologia necessita de inovações. A exemplo do estudo de Silke Weber, que, em texto apresentado à ANPOCS (2003), após abordar diferentes autores como Immanuel Wallerstein, Robert Connel e Anthony Giddens, expõe três diferentes pontos de vista em relação a esse assunto: todos eles, contudo, unânimes quanto à necessidade de uma reflexão sobre o futuro do ensino da sociologia – no âmbito do esgotamento da sociedade que a teria engendrado (WEBER, 2005).

E todo esse contexto mundial é, também, desigual e conectado por super redes digitais. Uma outra definição, que bem sintetiza o atual estágio da sociedade globalizada, é a de que a população mundial estaria vivendo sob um “tentacular mundo em rede” (GOMES, 2010). E também para esse citado autor, ao se considerar as transformações sócio-culturais decorrentes dessa realidade hiperconectada, anunciam-se mudanças profundas as quais atingem em cheio as ciências sociais, a sociologia, a sociologia da educação (GOMES, 2010).

No entanto, para Gomes essas transformações deste período interessam, em especial, a sociedades como a brasileira: marcada pelo contraste entre os mais e menos favorecidos e pela luta de muitos grupos que procuram fazer ouvir suas vozes. Segundo Gomes, em países como o Brasil muitos grupos não ingressaram sequer na modernidade, enquanto o tentacular mundo em rede caminha para a pós-modernidade. E conclui que a reflexão precisa investigar cuidadosamente em que medida e de que formas as novas teorias podem contribuir para explicar as nossas circunstâncias (GOMES, 2010).

Dado o exposto, busca o presente estudo por novas compreensões – no que se refere à relação entre a sociologia e os ciberjovens (aos quais ela tem sido ensinada em nível médio e universitário) – considerando-se a análise da interatividade da comunidade de um fórum virtual. Objetivou-se elucidar as novas formas de interação social verificadas especificamente no fórum Vale Tudo, um ambiente virtual que forma uma verdadeira comunidade de ciberjovens, conceito que se coaduna com a definição dada por Pierre Levy. São, enfim, diversos os exemplos e os pensadores sociais refletindo acerca dessas conjunturas emergidas nesse tempos de transição. Para Baumann, por exemplo, em um mundo imerso na “pós-modernidade”, não se espera mais, como nas gerações anteriores, que os jovens estejam se preparando para ser adultos como nós. Segundo Baumann eles são uma espécie muito diferente de pessoa, destinados a ser diferentes de nós por toda a vida, afirmando ainda que a sociologia precisa apontar sua mensagem contra a tremenda desigualdade e que o mais importante passa a ser enviar e receber essa mensagem, sendo esse o segredo para que as pessoas tenham mais interesse hoje pela informação que a sociologia pode proporcionar. Baumann, concluindo, diz que o nosso dilema não é nem um pouco facilitado pelas redes conceituais, pois tantas palavras e conceitos que deveriam servir parecem agora inaptos e que, portanto, precisamos urgentemente de novos conceitos (BAUMAN, 2009).

No entanto, ainda que se tratem de tempos de transitoriedade, para José Maurício Domingues, a despeito da validade de certas indagações, não se pode questionar a validade do conhecimento sociológico, sistemático, científico. Para ele, tal qual a maioria dos empreendimentos humanos, a sociologia tem consistido em um esforço sempre renovado e

Page 153: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 153

provisório, à mercê das contingências do mundo e, enfim, sem certificado prévio de validade ou de certezas em suas conclusões (DOMINGUES, 2005).

Enquanto isso, já para Alain Touraine, se antes falávamos de atores e movimentos sociais, no mundo em que entramos, ao mesmo tempo em que as desigualdades sociais aumentam, também é de sujeitos pessoais e movimentos culturais que devemos falar o mais das vezes; [...] devendo-se partir do ator e recompor – a partir dele, de suas expectativas e de suas interações – o campo social em que ele age (TOURAINE, 2005).

Mas as diversas leituras sociológicas acerca dessa sociedade hiperconectada, multifacetada, emaranhada por infinitas redes de interdependência, não se esgotam por aí. Outra citação válida é a de Maria Setton, que, amparada em ampla bibliografia (Berger, Luckmann, Giddens, S. Hall, Morin etc), afirma que na adaptação e na percepção – que os indivíduos contemporâneos passam a ter sobre o mundo e sobre si mesmos – têm importantes implicações aquilo que seria uma nova configuração cultural sobre o campo da educação.

E quanto ao aspecto da educação – em meio às novas tecnologias e em meio aos ciberjovens e à cibercultura – são igualmente variadas as leituras sociológicas, pedagógicas etc. Pedro Demo, por exemplo, abordando o aspecto de uma possível descentração do professor, afirma que a mesma

[...] é facilmente mal interpretada (ANAGNOSTOPOULOS; BASMADJIAN; MCCRORY, 2005) por conta da tradição disciplinar docente, indicando o quanto os professores ainda estão subordinados ao argumento de autoridade. Na prática, porém, descentrar o professor nada tem a ver com descartá-lo. Ao contrário, trata-se de valorizar seu lugar próprio como orientador e avaliador, comprometido com a aprendizagem dos estudante. [...] Essa descentração, no entanto, está sendo empurrada com vigor maior do que se imagina pela nova geração e suas novas tecnologias, à medida que questionam a educação formal, preferindo chances não formais (ROSEN, 2010; KAMENETZ, 2010; KNOBEL; LANKSHEAR, 2010), o que implica quebra de monopólios acadêmicos da certificação, diplomação, validação de cursos e carreiras. As novas tecnologias permitem novos formatos de autoria e construção do conhecimento, incluindo também amadores (Wikipédia, por exemplo), bagunçando inapelavelmente as carrancas acadêmicas (LOVINK, 2011).

Tempos ou não de transição, é inegável que estamos inseridos naquilo que pode ser definido como uma Era das novas tecnologias da informação e comunicação. Nesse sentido, para finalizar, vale apontar alguns dados estatísticos também apresentados por Demo, que, citando T. L. Thompson, traz números significativos sobre essa nova realidade virtual:

No Yahoo, há mais de 115 milhões de membros com seus 10 milhões de grupos (PREIMESBERGER, 2010). Technorati (2008) registra 900.000 postagens de blog feitas a cada 24 horas. Em 2011, mais de 500 milhões de usuários ativos estavam no Facebook gastando mais do que 700 bilhões de minutos a cada mês interagindo com 900 milhões de objetos (páginas, grupos) (FACEBOOK, 2011). Conforme o YouTube (2011), vinte e quatro horas de vídeo são carregadas em seu site a cada minuto, o equivalente a mais de 150.000 filmes inteiros a cada semana. Embora tais estatísticas estejam em fluxo, sugerem que para muitas pessoas, espaços e lugares na web se tornaram parte integral de suas vidas (THOMPSON, 2011, p. 157).

Page 154: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores154

considerações finais

Mudar paradigmas significa renunciar a uma visão de mundo, de que resulta sofrimento e angústia. Transformar radicalmente a escola que se conhece e que formou os imigrantes digitais é doloroso. [...] Mas o mundo atual aponta para a necessidade de formar as novas gerações de forma diferente. As tecnologias digitais, que continuam se transformando por si próprias, trazem desafios diários aos educadores.” (LINS e SILVA, PATRÍCIA KONDER, 2011).

Verifica-se o decurso de uma possível transformação em diversos âmbitos da área da educação. Quanto à sociologia e sua metodologia científica, Pedro Demo, evitando incidir naquilo que seriam armadilhas pós-modernas (de caráter mais relativistas e devassas), sugere algumas ferramentas analíticas bastante válidas aos tempos atuais (DEMO, 2002). Dentre as quais influenciaram este trabalho (seu campo, objeto e temática) as seguintes: análises autocríticas e conscientes das fragilidades; argumentos com qualidade lógica; preferência por analisar cortes próximos da vida cotidiana; explicações dos relevos da realidade que nos envolvem todo dia sem discursos empolados que mais parecem para complicar, entre outros procedimentos de análise. Buscou-se a inspiração e a aplicação dessas ferramentas sugeridas por Demo, ao longo da pesquisa. Inclusive devido às infinitas fontes virtuais de informação e comunicação, cabe à linguagem científica, quando se pretende educativa à juventude, adequar-se aos meios sociais e culturais deles. Portanto, se nos tempos da instituição da sociologia clássica, necessidades como o fortalecimento e a autonomia conduziram a uma linguagem mais rigorosa, formal e sofisticada (por vezes incompreensível ao leigo); nos atuais tempos de transição tal rigor não mais se impõe – ao menos para uma sociologia que precisa dialogar com a nova geração dos nativos digitais.

Em se tratando de tempos de uma nova geração inserida numa inovadora interatividade, cabe à sociologia buscar aproximações educacionais, pedagógicas, inclusive sociológicas com esse contexto social. De forma que possa comunicar-se e transmitir da melhor forma o conhecimento fundamental da sociedade clássica brasileira (no caso deste trabalho). E os ciberjovens precisam mais ainda se interessar e serem despertados, para querer aprender e refletir sobre a modernidade clássica, bem como sobre a sociedade em rede em que vivem. Sendo possível, com isso, inclusive atenuar eventuais distanciamentos e dificuldades educacional, advindos da “concorrência” das redes digitais e suas possíveis e diversificadas formas de informação, aprendizado e conhecimento geral ou específico, construídos e compartilhados coletivamente dentro da cibercultura na forma de vídeos, desenhos, charges, artigos, livros, todas as formas possíveis de criação interativa.

Neste trabalho reconhece-se que nos tempos de virada de milênio tem sido necessário buscar significados acerca da própria sociologia, inclusive enquanto ciência social. Ao lidar com os jovens atores sociais de hoje, faz-se necessário que ela busque compreender os novos contextos de interação em que aqueles jovens estão bastante envolvidos, o contexto da cibercultura compartilhada e colaborativa e seus padrões de redes digitais. Para tanto, analisando algumas relações e interações, existentes no interior das redes sociais digitais, a sociologia pode elucidar outros elementos relacionados a essa nova configuração social. Todos proporcionados pelas novas tecnologias da informação, por suas novas formas de conexões e comunicações – causas também de grandes influências às novas visões, comportamentos e ações sociais já identificadas na nova geração digital.

Page 155: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 155

Maria Setton, socióloga da educação, baseando-se nos pensamentos de François Dubet (“A Sociologia da Experiência”) e Bernard Lahire (“O Homem Plural”), afirma que as identidades sociais e individuais dos sujeitos são construídas em um ambiente favorável à difusão de valores e padrões de conduta diversificados e heterogêneos, e que as ações educativas não mais se realizam somente nos espaços tradicionais (família, IES, igrejas). E, com a pluralidade, a heterogeneidade e a massiva difusão das informações em circulação, os contemporâneos dessa nova configuração cultural constroem a realidade a partir de outros parâmetros: modelos e referências produzidos e vividos em contextos sociais longínquos e/ou virtuais. Tendo-se, ao final, novas formas de pensar e agir, novas maneiras de conceber e interpretar o mundo – construídas a partir das experiências dos indivíduos ao se apropriarem da heterogeneidade e da complexidade do mundo social (SETTON, 2005).

Todas essas relevantes considerações teóricas estão relacionadas e foram observadas na análise empírica da comunidade do fórum Vale Tudo, que: está alheia ao controle das tradicionais instituições educadoras; é dotada de um pleno espírito de juventude; tem os seus atores agindo numa rede de interdependência em que, segundo Baumann, seus membros estão sob condicionamento recíproco (BAUMANN, 2005). Dessa forma pode-se considerar, o Vale Tudo e sua rede de múltiplas interações, como inserido plenamente nessa nova configuração cultural e suas características gerais (esclarecidas acima por Maria Setton). Através desta pesquisa pôde-se evidenciar o grande fluxo de informações, que é construído coletivamente por causa do padrão de rede formada por múltiplas conexões entre os seus membros, ou seja, entre os “nós” dessa “rede” de comunicação. Há enfim a existência de uma nova forma de interatividade social – capaz de multiplicar desde entretenimento a conhecimento – sequer impedida pelo espaço e pelo tempo, impulsionada por um ambiente virtual sem limite físico nem geográfico (bastando a conectividade à internet, cada vez mais disponível no mundo todo).

Devido simplesmente a essa veloz e incessante interatividade, bem como à transitoriedade e à instabilidade em torno da sociedade global, torna-se a reflexão sociológica bem mais desafiante, auto-crítica e reflexiva. Como toda ciência contemporânea, hoje ela pertence a um período de transição (de paradigmas), com naturais desafios e buscas por novos sentidos. E isso, mais ainda à sociologia que se relaciona com jovens, considerados hoje por muitos autores como novos tipos de pessoas, destinados a ser diferentes de nós (Baumann).

Por isso, buscou-se problematizar também a realidade sócio-histórica brasileira com os jovens de hoje, relevante atribuição da sociologia, inclusive enquanto disciplina de ensino médio e universidades em variadas graduações. Uma adequada transmissão da desigual estrutura sócio-histórica – e dos demais conhecimentos clássicos – aos ciberjovens trata-se de uma condição necessária e indispensável às suas plenas formações individuais e sociais. Os ciberjovens dessa nova configuração social produzem novas formas de cultura, cujos reflexos têm atingido a área educacional (e nela a sociologia). Por isso, entende-se que nesses tempos de mudanças a relação entre a sociologia educacional e os ciberjovens é uma reflexão desafiadora e essencial: tanto ao conhecimento sociológico como aos jovens de hoje. E, mais ainda, é uma reflexão indispensável à própria sociedade desses tempos em que não se sabe exatamente para onde caminhar (conforme Pedro Demo).

Também tem havido na contemporaneidade uma intensa experimentação no campo das práticas e da metodologia de pesquisa. A título de exemplo, Juarez Dayrell, em introdução a uma

Page 156: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores156

obra metodológica do sociólogo Alberto Melucci, destaca que a mesma se dá sob a influência de uma abordagem reflexiva. Pois, frente ao quadro geral de incessantes mudanças, deve-se reconhecer o caráter parcial e limitado no tempo da visão e do sentido dado ao mundo e, ainda que não esgote a complexidade da realidade, a pesquisa sociológica amplia o vocabulário para interpretar a realidade social (MELUCCI, 2005).

Devido, enfim, às enormes mudanças há uma grande necessidade de avaliação e de ação, que envolve escolas e projetos educacionais (BRIDI & Outros, 2010). Diante disso se faz necessário buscar compreensões breves e constantes em relação aos jovens e seus contextos sociais. Bem como, realizar compreensões sobre como a sociologia tem sido compreendida por aqueles atores. Isso, para que não sejam esquecidos os elementos essenciais da sociedade moderna ainda tão presentes nos dias de hoje. Ou, então, para que a sociologia não seja subestimada ou incompreendida pelas gerações nativas do mundo globalizado digital e suas infinitas interações em super redes sociais.

Ademais, nessa transitoriedade (inclusive de paradigmas), o advento das novas tecnologias da informação (déc. 70 do séx. XX) e da internet comercial (déc. 90) são grandes marcos dessa conjuntura de super redes digitais. E, na linha lógica e cronológica desta análise, deduz-se os marcos acima como tão importantes quanto o foram – conforme verificado em Florestan Fernandes – a obra “Os Sertões” (1902) e a institucionalização da sociologia educacional (1930). Diante disso, no entanto, é possível estabelecer uma outra relação: bastante similar àquela que os marcos florestanianos têm com o início da era moderna e da sociologia como ciência (no Brasil). Assim, vislumbra-se aqueles dois marcos do final do século XX como causalmente relacionados: tanto com o início da “sociedade em redes” (para Castells), como com o início de uma possível transição de paradigmas sociais e científicos.

Por outro lado – esclarecendo-se mais tal relação – aqueles marcos destacados por Florestan Fernandes também demarcaram um rompimento com o modelo de pensamento social que era produzido até então; o qual, segundo Fernandes, era influenciado pelos entraves estruturais modelados pelo poder tradicional patrimonialista. Entretanto, pode-se depreender esse mesmo tipo de relação quanto aos dois grandes marcos de fins do séc. XX destacados neste trabalho. Ou seja: há que se compreender até que ponto eles significam uma espécie de rompimento (ou não), com o modelo científico predominante em toda a sociologia clássica, não só no Brasil e sim no mundo. Uma vez que já foi apontado, por exemplo, por Giddens, que lá nos anos 90 do século passado o denominado “consenso ortodoxo” já não significava propriamente um consenso na sociologia. E, pela recente abordagem de Pedro Demo (2012), que há consideráveis modificações no interior do pensamento sociológico e científico em geral. Sem mencionar os demais sociólogos ilustrativos desta pesquisa e suas variadas teorias abordando a conjuntura do recente período, posterior às tecnologias da informação e comunicação e à internet e redes sociais.

Portanto, ao mesmo tempo em que se analisou as inéditas interações (através do fórum Vale Tudo), tão utilizadas pelos nativos do mundo digital, o presente trabalho também buscou aproximar, “conectar” a sociedade moderna brasileira (vide os marcos históricos de 1902 e de 1930) com a “sociedade em rede”. Especialmente através do conceito da estrutura sócio-histórica desigual explicada aqui principalmente pelo patrimonialismo, e através da análise da interatividade nas super redes digitais (verificadas no fórum do site UOL). A necessidade dessa “aproximação” dá-se porque nesta análise também se compreende que nos tempos atuais, além

Page 157: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 157

da transitoriedade, há igualmente uma certa ruptura: entre o típico pensamento sociológico clássico e o pensamento sociológico da sociedade contemporânea das tecnologias da informação e comunicação e da internet. Esse período requer, portanto, um esforço de (re)conexão entre o inovador e o clássico. Ou seja, ele requer esforços no sentido de reconectar e de reafirmar a importância da sociologia, ao mesmo tempo: tanto em relação à era da sociedade tipicamente moderna como em relação à era da sociedade em redes.

Nesse cenário de busca por significados e caminhos, cabe analisar o conhecimento da sociologia sobre si mesma, em especial, quanto ao que tem sido refletido e produzido em sua relação com os jovens atores sociais. E, relacionando-se com os ciberjovens, é necessário compreender sociologicamente esse contexto das inovadoras interações em que eles estão tão envolvidos. Isso tudo considerando-se, enfim, as citadas transformações sociais que afetam a realidade individual e social e, por conseguinte, as ciências humanas em geral (BRIDI & outros, 2010). Isso tudo, porque os ciberjovens precisam aprender a sociologia clássica (e a desigual estrutura social); porque é preciso apreender as novas configurações sociais (e suas interações digitais, vide o fórum Vale Tudo); e porque a atual transição precisa ser apreendida, tanto pela sociologia, como pelos ciberjovens formados em meio ao turbilhão dessa transição social e paradigmática.

Referências

BAUMANN, Zygmunt. Aprendendo a Pensar com a Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

BAUMANN, Zygmunt. Capitalismo Parasitário. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. BRIDI, Maria Aparecida, ARAÚJO, Sílvia Maria de, MOTIM, Benilde Lenzi. Ensinar e Aprender Sociologia. São Paulo: Contexto, 2009.

CASTELLS, Manuel. Sociedade em Rede – A Era da Informação: Economia, Socieidade e Cultura.

DEMO, Pedro. Introdução à Sociologia: Complexidade, Interdisciplinaridade, Desigualdade Social. São Paulo: Atlas, 2002.

DEMO, Pedro. Ciência Rebelde. São Paulo: Atlas, 2012.

DOMINGUES, José Maurício. Sociologia e Modernidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

FERNANDES, Florestan. Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1960.

FERNANDES, Florestan. A Sociologia no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1977.

GIDDENS, Anthony. Em Defesa da Sociologia. Rio de Janeiro: Campus, 1990.

Page 158: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores158

GOMES, Candido Alberto. A Educação em Novas Perspectivas Sociológicas. São Paulo: EPU, 2010.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999.

LINS e SILVA, Patrícia K. e outros. Vivendo Esse Mundo Digital. Porto Alegre: Artmed, 2011.

MELUCCI, Alberto. Por uma Sociologia Reflexiva: Pesquisa Qualitativa e Cultura. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

MEUCCI, Simone. A Institucionalização da Sociologia no Brasil: Os Primeiros Manuais e Cursos. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, 2000.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet – Coleção Cibercultura. PortoAlegre: Editora Sulina, 2009.

SETTON, Maria da Graça Jacintho. A Particularidade do Processo de Socialização Contemporâneo. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, v. 17, 2005.

SOUZA, Jessé. A Modernização Seletiva: Uma Reinterpretação do Dilema Brasileiro. Brasília: UNB, 2000.

TOURAINE, Alain. Um Novo Paradigma. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

WEBER, Silke. A Pós-Graduação em Ciências Sociais: Problemas e Perspectivas do Ensino da Sociologia. In: MARTINS, Carlos Benedito (Org.). Para Onde Vai a Pós-Graduação em Ciências Sociais no Brasil. São Paulo: EDUSC, 2005.

Page 159: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 159

ÉMILE DURKHEIM: O SUICÍDIO COMO UM FATO SOCIAL

Adriana Cristina Borges1

Mateus dos Santos2

Introdução

Um dos clássicos abordados na disciplina de Sociologia no Ensino Médio é o pensador Émile Durkheim (1985), que teve por objetivo em seus escritos constituir a Sociologia como ciência. O autor (1985) descreve como a Sociologia deve estudar cientificamente seu objeto, fugindo totalmente do senso comum e das prenoções. É com esta preocupação que Durkheim (1982) vai estudar e explicar as causas que levam o indivíduo ao suicídio, tratando este como um fato social digno de ser analisado e classificado.

O Suicídio era algo preocupante na época, e a estatística não conseguia explicar o porquê de alguns indivíduos serem levados a cometer este tipo de conduta. Em suas análises e estudos sobre os fatos que levam ao suicídio, o autor (1982) vai perceber que existem um conjunto de regras e normas coletivas exteriores ao indivíduo que podem explicar este tipo de comportamento. Para chegar a esta conclusão Durkheim (1982) aplica as regras do método sociológico e transforma o suicídio em um fato social. Busca uma forma de conhecer metodicamente todos estes fatos exteriores caracterizados por regras e normas, por meio de um método positivo e comparativo. De uma forma sistemática, classifica as causas do suicídio sociologicamente, fundamentado pelo coletivo, utilizando-se de dados estatísticos, através de seqüências históricas em diferentes regiões da Europa e uma diversidade de variáveis, ou seja, o autor se utiliza de um método que seja capaz de orientar sua pesquisa. A autor (1982) teve como pretensão se afastar do método que a psicologia usa para explicar estas causas, que se dá pela análise do indivíduo.

No estudo do suicídio como um fato social, o autor (1982) utiliza o método comparativo de análise. Classifica as causas que levam ao ato de se suicidar, conforme as suas manifestações. Ele observa este fato social, determina suas causas, classifica as suas diferenças e por último compara os resultados.

Após longa pesquisa do suicídio, se valendo de métodos quantitativos, positivos, comparativos e classificatórios, o autor (1982) chega às explicações causais do suicídio como um fato social e um fenômeno moral.

O suicídio como um fato social

Em sua trajetória marcada pela busca da instituição da Sociologia como uma ciência, traçando a diferença entre o senso comum e o conhecimento científico, Durkheim (1985) analisa o que seria o seu objeto de estudo, isto é, o fato social. Em seu livro “As Regras do Método Sociológico” ele apresenta o fato social como maneiras de pensar e existir exteriores ao indivíduo, coletivas e com poder de coerção.

1 Mestranda em Ciências Sociais, Especialista em Ensino de Sociologia e graduada em Ciências Sociais, todos pela Universidade Estadual de Londrina. Professora da Rede de Ensino Estadual. Contato: [email protected] Especialista em Análise e Educação Ambiental em Ciências da Terra e graduação em Ciências Sociais, ambos pela Universidade Estadual de Londrina. Trabalha como Educador Social. Contato: [email protected]

Page 160: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores160

Nas palavras de Durkheim:

Estamos, pois, diante de uma ordem de fatos que apresenta caracteres muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se impõem (1985, p. 03).

Ou ainda:

Esses tipos de conduta ou de pensamento não são apenas exteriores ao indivíduo, são também dotados de um poder imperativo e coercitivo, em virtude do qual se lhe impõem, quer queira, quer não. Não há dúvida de que esta coerção não se faz sentir, ou é muito pouco sentida quando com ela me conformo de bom grado, pois então torna-se inútil.(DURKHEIM, 1985, p. 02).

Estes fatos sociais expressam o movimento coletivo da sociedade. Tais fatos para Durkheim (1985) são construídos pela própria sociedade, e não por seus membros. Em decorrência disso são exteriores as consciências individuais, a vida existe no todo e não nas partes. Como o próprio autor disse “Não são nas partículas inanimadas da célula que se alimentam, se reproduzem, que vivem em suma; é a própria célula, e só ela” (1985, p. 25). Neste aspecto ele vai divergir da forma como a psicologia analisa os problemas sociais, olhando sempre para o indivíduo.

Em contraposição, a Sociologia visa sempre voltar o seu olhar para o coletivo, nunca para o individual. Busca assim uma neutralidade por parte do pesquisador, que vai observar e comprovar o fato social empiricamente, por meio da experimentação, observação e indução. Em resumo, o autor (1985) comenta que a Sociologia possue um método e um objeto.

Durkheim (1982) escreve um livro com o propósito de aplicar seu método, que se constitui em analisar e entender as verdadeiras causas do Suicídio. Neste livro intitulado “O Suicídio”, o autor (1982) toma o suicídio como um objeto sociológico, mais precisamente como um fato social posto a ser estudado e analisado. Neste sentido então, Durkheim (1982) aplica as regras do método sociológico, problematizando o suicídio como um fato social e o considerando como “coisa”. Afasta assim todas as suas prenoções e senso comum. Desta forma, busca conhecer metodicamente todas as regras e causas que levam o indivíduo ao ato de se suicidar, com o intuito de chegar a uma observação geral deste fenômeno, caracterizada por uma lei geral de explicação. Neste ponto é pertinente ressaltar o objetivo do autor (1982) de aplicar seu método classificatório, o qual é composto de taxas, dados estatísticos e de suas devidas interpretações, para contrapor as causas individuais da psicologia. Como se percebe, Durkheim (1982) faz todo um esforço em construir seu próprio método sociológico.

Para Durkheim (1982), as causas que levam ao suicídio são exteriores ao indivíduo, vem da estrutura social. Como pode ser observado em “As Regras do Método Sociológico”, que em uma de suas análises sobre o fato social, o autor vai dizer que:

Parece-nos inteiramente evidente que a matéria da vida social não é possível de se explicar por fatores puramente psicológicos, isto é, por estados individuais de consciência. Com efeito, o que as representações coletivas traduzem é a maneira pela qual o grupo se enxerga a si mesmo nas relações com os objetos que o afetam (DURKHEIM, 1985, p. 26).

Page 161: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 161

Por isso, este fenômeno não pode ser explicado tendo como base o método da psicologia, que trabalha o âmbito individual. O indivíduo é submetido a normas, pois desde o seu nascimento até sua morte se dá este processo de socialização, que consta na interiorização destas referidas normas de conduta. O indivíduo não vive sem o social, ele observa, interioriza e pratica. Isso é o que vai expressar a consciência coletiva. Em meio a esta problemática entra a explicação do suicídio, que sendo um fato social, só pode ser observado e descrito por estas normas e regras exteriores ao indivíduo. Regras estas que influenciam diretamente as suas ações. Conseqüentemente, Durkheim (1985) não aceita a idéia de ação individual, trabalha as representações coletivas. É pelo processo de socialização, que se dá à interiorização, escolha e prática.

Seguindo esta linha de explicação, para Durkheim (1982) o indivíduo incorpora através de suas práticas, as normas e regras exteriores ao seu ser. Quando estas não cumprem seu objetivo de integração do indivíduo ao coletivo, ocorre o suicídio. Pois, o indivíduo é instituído pelo coletivo / sociedade, não é um agente, é moldado pelas instituições. O fato social tem como característica um movimento próprio, possue fundamentos coletivos com ação própria que independem destes indivíduos. É pela manifestação coletiva que se constitui os fatos sociais e as causas do suicídio. Para Durkheim (1985) “existem certas correntes de opinião que nos impelem com intensidade desigual, segundo as épocas e os países, ao casamento, por exemplo, ao suicídio ou então a uma natalidade mais ou menos forte, etc. Tais correntes são evidentemente fatos sociais” (1985, p. 06).

As causas da morte por suicídio vistas de forma social, se situam fora do indivíduo. Estas causas tem que ser pensadas como um ato conjunto de vários indivíduos, são causas exteriores e coercitivas. Para analisar este fato social, Durkheim (1982) segue as regras do método sociológico buscando as causas do suicídio e a função que o mesmo desempenha.

O fato social então:

É reconhecível pelo poder de coerção externo que exerce ou é suscetível de exercer sobre os indivíduos; e a presença deste poder é reconhecível, por sua vez, seja pela existência de alguma sanção determinada, seja pela resistência que o fato opõe a qualquer empreendimento individual que tenda a violentá-lo. Todavia, podemos defini-lo também pela difusão que apresenta no interior do grupo, desde que, de acordo com as precedentes observações, se tenha o cuidado de acrescentar como característica segunda e essencial, que ele existe independentemente das formas individuais que toma ao se difundir (DURKHEIM, 1985, p. 08).

Em seus estudos Durkheim (1982) cita que “o suicídio é, por seu elemento essencial, um fenômeno social”. Tal elemento essencial consiste na influência exterior e coercitiva ao indivíduo. Portanto, o suicídio é considerado um fato social porque suas práticas são decorrentes de causas impostas pelo coletivo, são maneiras de agir exteriores e coercitivas. Para comprovar esta discussão Durkheim (1982) usa alguns dados coletados em suas análises e explica que “se a mulher se mata muito menos que o homem, isso ocorre porque ela se acha muito menos imiscuída do que ele na vida coletiva, sentido, portanto, menos intensamente a boa ou má influência que esta exerce” (1982, p. 239). Segundo o autor (1982), a taxa de suicídio só pode ser explicada sociologicamente, diz que existe uma força coletiva que impele os homens a se matarem. Em relação a estas causas:

Page 162: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores162

Existe alguma força que as inclina todas a esse mesmo sentido e cuja intensidade mais ou menos forte torna menos ou mais elevado o número dos suicídios particulares. Ora, os efeitos pelos quais essa força se revela não variam segundo os meios orgânicos e cósmicos, mas exclusivamente segundo as condições do meio social. Ela é, pois, coletiva. Noutras palavras, cada povo tem coletivamente, para o suicídio, uma tendência peculiar e que decorre da importância do tributo que paga à morte voluntária (DURKHEIM, 1982, p. 243).

Como as forças que levam os homens ao suicídio são morais, e o ser moral fora do homem é a sociedade, conclui-se que tais forças sejam sociais. As propriedades do fato social estão contidas nos espíritos do indivíduo. Entretanto, estes fatos só surgem no momento da associação dos indivíduos. Surge com esta associação a opinião pública que influencia a todos, pois o indivíduo vai agir não conforme suas escolhas isoladas, e sim pela pressão da coletividade.

É importante retratar que para o autor (1985) em questão o fato social divide-se em normal e patológico. Estes são fatos sociais da mesma natureza, porém se manifestam de formas diferentes. O primeiro é aceito por todos e o segundo se manifesta como crise. Um fato pode ser normal para um grupo e patológico para outro grupo. O suicídio em questão é algo que muitas sociedades condenam. Manifesta-se como patológico, e se torna fato social assim que se aplicam as regras do método sociológico. Encontrando as verdadeiras causas deste fato social, a sociedade pode absorver este fenômeno como normal novamente.

O método comparativo

Émile Durkheim (1982) se encarrega de fazer um amplo trabalho sobre o suicídio. Para isso, com seu intuito de dar à sociologia um status de ciência autônoma perante as demais ciências, se fez necessário à utilização de um método inovador pelo qual o autor (1982) se utiliza para encontrar as verdadeiras causas do suicídio, classificando os seus tipos.

Em primeiro lugar o autor (1982) inicia sua obra fazendo menção a concepções correntes a respeito do suicídio, como a explicação dada por psiquiatras, os quais defendiam que o suicídio seria apenas uma doença individual provocada pela alienação mental. Para contestar essa teoria Durkheim (1982) utiliza a própria literatura psiquiátrica da época e os diversos tipos de suicídios vesânicos classificados por ela, como: suicídio maníaco, suicídio melancólico, suicídio obsessivo, suicídio impulsivo e automático.

A partir dessa classificação das propriedades essenciais do suicídio vesânico, o autor (1982) começa a por em prática seu método. Com isso, utiliza a estatística implementando novas variáveis, como idade, sexo, religião, regiões e outras. Através da comparação metódica de tais variáveis comprova estatisticamente que não existe paralelismo entre loucura e suicídio, colocando em pauta as teses frágeis defendidas pela psiquiatria.

Outra concepção a ser debatida pelo autor (1982) é a respeito ao suicídio e os estados psicológicos normais, raça e hereditariedade. Em primeiro lugar o autor vê um problema na definição de raça, impossibilitando relacioná-la com o suicídio. Por isso, Durkheim (1982) prefere definir raça como “[...] cada grupo de nações cujos membros, devido a relações íntimas que as uniram durante séculos, apresentam semelhanças em parte hereditárias” (1982, p. 51). A partir de tal definição há a possibilidade de classificar grandes tipos de raça.

Page 163: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 163

Através dessa classificação é possível compará-las e concluir que a causa não se encontra no sangue e sim no grau de desenvolvimento de cada civilização, o autor (1982) demonstra que o suicídio varia segundo o meio social, não sendo transferido hereditariamente.

Uma terceira concepção é a relação do suicídio com os fatores cósmicos, ou seja, a influência de elementos do meio ambiente, como o clima e temperatura. Com relação a esta última variável, Ferri e Morselli (apud DURKHEIM, 1982) defendiam haver uma influência direta sobre o suicídio, teoria classificada por Durkheim (1982) como simplista e sedutora.

Através da classificação e comparação estatística, esta interpretação sociológica dos dados permite ao autor (1982) contestar as causas oriundas dos fatores cósmicos, e chegar a conclusão da forte relação entre a vida social no seu mais alto grau de efervescência e o suicídio.

Na obra “O Suicídio”, Durkheim (1982) faz referência a mais uma concepção que convém ser lembrada antes de avançarmos no seu percurso metodológico, seria o fator psicológico denominado de Imitação, idéia de que uma pessoa possa imitar outra, mesmo que não haja nenhum laço social entre elas. A respeito desse termo Durkheim (1982) ressalta a necessidade de uma determinação metódica para impedir ambigüidades. Com isso, se faz plausível a definição de imitação.

Há imitação quando um ato tem por antecedente imediato a representação de um ato semelhante, anteriormente praticado por outrem, sem que, entre essa representação e a execução se intercale qualquer operação intelectual, explicita ou implícita, a respeito das características intrínsecas do ato repetido (DURKHEIM,1982, p.90).

O autor (1982) admite que a imitação possa exercer certa influência sobre o suicídio, mas há algumas delimitações, como por exemplo, a existência de um modelo a ser imitado, se o fato a ser imitado seja característico da região e esteja à vista do imitador e também a influência entre regiões geograficamente próximas. Enfim, apesar de Durkheim (1982) admitir tal situação, explica que a imitação é incapaz de determinar uma inclinação desigual que influenciaria diferentes sociedades, provocando o suicídio. O que pode ocorrer é antes uma influência particular em alguns casos mais ou menos numerosos.

Percebe-se que a imitação não é a fonte principal da vida coletiva. Cabe então a partir de tal exposição, buscar quais são as verdadeiras causas que influenciam na taxa social do suicídio. Uma vez que Durkheim (1982) através de seu método demonstrou que as explicações psicológicas, o ambiente natural como os fatores cósmicos, são incapazes de explicar essa tendência ao suicídio, necessitando de uma análise das causas sociais para explicar tais tendências. Assunto que merece uma atenção minuciosa.

As explicações causais do suicídio Segundo Durkheim (1985) para explicar um fato social é necessário buscar

primeiramente sua causa. De acordo com o autor (1985), existem diferentes causas, fazendo-se necessário classificá-las. Para isso, é preciso conhecer a natureza de tais causas, para em seguida poder deduzir a natureza dos efeitos, ou seja, primeiro se faz uma classificação etiológica e depois uma classificação morfológica. Nesse movimento há uma relação recíproca.

Page 164: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores164

Porém, o autor (1982) tinha plena consciência da dificuldade de se chegar às verdadeiras causas do suicídio. Para facilitar seu trabalho utilizou documentos como os autos judiciários e os relatórios estatísticos de quase todos os países. A partir desses documentos Durkheim (1982) aplica suas técnicas, pois esses autos judiciários apresentam diversos defeitos, cabendo compará-los e em seguida interpretá-los e explicá-los. Ou seja, não basta apenas apresentar os dados estatísticos.

O objeto primeiro de análise será os estados dos diferentes meios sociais em função dos quais o suicídio varia, ou melhor, primeiro se indagará as causas gerais para em seguida verificar como elas se individualizam. Este é um método comparativo dedutivo, colocando o indivíduo em segundo plano. A partir desse momento Durkheim (1982) classifica três tipos de suicídios, Suicídio Egoísta, Suicídio Altruísta e Suicídio Anômico.

No Suicídio Egoísta, Durkheim (1982) relaciona os credos religiosos ao ato de se suicidar. Através de seu método comparativo, correlaciona duas religiões numa mesma sociedade para confirmar a veracidade de que os católicos se suicidam menos do que os protestantes. A partir de vários quadros estatísticos e de suas devidas interpretações, o autor chega à conclusão de que apesar de raças diferentes é possível verificar a influência do credo.

Porém, a análise que Durkheim (1982) faz não é simplista, uma vez que procura descobrir por que os protestantes têm maior propensão para o suicídio do que os católicos e os judeus. Assim, busca explicar essa diferença de taxas sociais de suicídio, pois todas essas religiões proíbem este ato. Essa explicação esta diretamente relacionada com o grau de coerção e organização de cada religião.

No caso do catolicismo, há a presença de uma forte hierarquia e submissão por parte dos fiéis aos escritos religiosos. É uma religião idealista muito bem organizada, que não permite em geral a variação de sua tradição, apresentando então uma maior coerção da instituição religiosa sobre os indivíduos. Já o protestantismo, apresenta um maior individualismo religioso, não é imposta nenhuma interpretação determinante da bíblia, permitindo uma maior autonomia do individuo, participando inclusive da elaboração de sua crença. Inviabiliza também na maioria dos países a organização hierárquica no interior de sua religião.

Como se percebe o protestantismo apresenta uma menor integração e coesão sobre os indivíduos do que a Igreja católica. Já no caso dos judeus há fortes laços de solidariedade, fazendo com que a ciência e a tradição se completem e não que uma negue a outra, impedindo elevadas taxas de suicídio.

Para alcançar as verdadeiras causas do suicídio, o autor (1982) levanta novas variáveis, como escolaridade, profissão e sexo. Em seguida faz as devidas comparações e suas interpretações, chegando a conclusão de que as mulheres têm menor propensão ao suicídio, devido ao fato de obter um menor grau de instrução. Vale lembrar também que, voltando à variável da religião, uma vez que os protestantes são mais instruídos, possuem uma tendência maior para o suicídio. Como se percebe, a ciência aparece como fator determinante nesse fato social. Mas não é a culpada pelo suicídio, pois é procurada quando a religião já não mantém sua coesão e integração, ou seja, a ciência aparece como mecanismo que pode ser um meio para a reestruturação da sociedade.

Outras variáveis importantes que o autor (1982) ressalta é a instituição familiar e a sociedade política. Com relação à primeira, pode-se dizer que após várias comparações entre casamentos precoces, variações de sexos, relação entre casados, solteiros e viúvos, casamentos

Page 165: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 165

sem filhos, chega-se a conclusão de que a família enquanto instituição organizada e coesa age de forma profilática frente ao suicídio. Na sociedade civil, há um espírito que fortifica os sentimentos coletivos em momentos de crises, como no período de guerras e comoções sociais, fazendo com que haja uma forte integração da sociedade.

Perante essas proposições que Durkheim (1982) sublinha sobre a variação inversa do suicídio perante a sociedade religiosa, sociedade doméstica e a sociedade familiar, cabe utilizar de suas palavras para expor sua conclusão geral:

A causa só pode residir numa mesma propriedade que todos esses grupos sociais possuem, embora, talvez, em graus diferentes. Ora, a única a satisfazer essa condição é que todos esses são grupos sociais fortemente integrados. Chegamos, pois a essa conclusão geral: o suicídio varia na razão inversa do grau de integração dos grupos sociais a que pertence o indivíduo (DURKHEIM, 1982. p. 161).

Como se percebe o suicídio egoísta ocorre quando o individualismo passa a prevalecer sobre o coletivo. Mas é importante dizer também que o ser social é bastante complexo, necessitando de vários pontos de apoio para manter o indivíduo em equilíbrio. Nesse sentido o homem é dúplice, acrescentando o homem social ao homem físico, de tal forma que seja preciso manter a sociedade integrada para não romper com a parte social do homem.

Por outro lado aparece o Suicídio Altruísta, esse tipo de suicídio ocorre quando o coletivo é por demais presente, integrado, vigilante, faltando para o indivíduo uma fisionomia própria, certo grau mínimo de individualismo. De acordo com Durkheim (1982), este suicídio é mais comum em sociedades anteriores, que apresentam algumas características muito fortes, como a honra e o dever.

Quanto a sociedades mais recentes, Durkheim (1982) faz uma série de comparações em relação à predisposição dos militares para este tipo de suicídio. Demonstra que o suicídio varia segundo o grau de estado moral, conclui afirmando que: “Cada espécie de suicídio nada mais é, portanto, que a forma exagerada ou desviada de uma virtude” (1982, p.187).

Enquanto o tipo de suicídio egoísta ocorre porque o indivíduo não se sente integrado na sociedade, apresentando ele um sentimento de inutilidade, lembrando que as instituições neste caso já não mais conseguem manter sua organicidade. Neste outro tipo de suicídio, o altruísta, se demonstra um certo desprezo pelo indivíduo, a moral coletiva exerce excessiva influência sobre o particular. Verifica-se nos dois casos que o problema esta no extremismo de suas qualidades, o que Durkheim (1982) prefere chamar de excesso de virtudes, que pode levar a um fato social denominado de suicídio.

O autor (1982) sublinha um terceiro tipo de suicídio, composto por causas diferentes, denominado de Suicídio Anômico. Apesar de ser muito parecido com o suicídio egoísta, ele apresenta características próprias, suas causas estão ligadas diretamente a um corpo estrutural no qual a ação reguladora em alguns momentos se afrouxa, afetando assim a solidariedade das partes integrantes da sociedade. Uma vez rompendo com o equilíbrio da ordem, consequentemente causa o suicídio anômico. Segundo Durkheim (1982), as causas não são as crises industriais e financeiras em si, mas a perturbação da ordem coletiva. As instituições devem exercer um papel moderador e cumprir suas funções. Ao mesmo tempo deve deixar espaço para que os indivíduos possam fazer suas escolhas, ou melhor, a coesão deve ser justa e aceitável.

Page 166: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores166

A questão principal nesse tipo de suicídio diz respeito ao controle das paixões individuais, e de que maneira a sociedade disciplina o indivíduo. Através de sua análise metódica, o autor (1982) faz diversas comparações com relação ao avanço industrial, provando que a miséria não é a causa preponderante dos suicídios, como alguns autores defendiam na época. Comparou também as diversas profissões, a relação das atividades comerciais e a agricultura, enfim, todo esse trabalho estatístico metodológico, para provar que as causas estão na ausência de influência dos poderes reguladores, que possam manter a integração do sistema.

A partir dessas inferências, permite-se afirmar que há três tipos de suicídios, mas ambos estão ligados a uma constituição moral que é determinante de cada suicídio, ou seja, o ato de um indivíduo tirar a sua própria vida parece ser semelhante em qualquer sociedade. Mas na realidade o autor (1982) demonstra após ter classificado os fatos sociais a partir de suas causas e suas funções, permitindo-lhe estabelecer leis gerais deduzidas de suas comparações metodológicas, que cada tipo de suicídio possui significados morais e sociais muito diferentes, o que lhe permite sua classificação.

considerações Finais

Quando se pensa na importância da formação do professor, tanto em nível de graduação quanto no que diz respeito a formação continuada, para que este profissional tenha ferramentas para abordar os conteúdos estruturantes da disciplina de Sociologia frente aos alunos do Ensino Médio, também entra em questão a possibilidade de abordar as teorias dos clássicos de uma forma mais compreensível. É com base neste pressuposto que este artigo foi escrito, de forma a aprofundar um pouco mais a teoria de Durkheim (1985) sobre o seu método de pesquisa e os fatos sociais, utilizando como exemplo a sua pesquisa sobre o suicídio.

Em sua busca pela constituição da Sociologia como ciência, Durkheim (1985) vai pensar em regras de pesquisa a serem aplicadas no seu objeto próprio de estudo, o fato social. Aponta que o cientista deve tratar seu objeto de estudo como coisa, isto é, com uma neutralidade absoluta. Assim o cientista vai abandonar totalmente as suas prenoções, de tal forma que o objeto prevaleça acima das idéias deste pesquisador. Em contradição a este tipo de método, alguns autores vão dizer que é impossível a total neutralidade do pesquisador. Um destes pensadores é Max Weber (1998), que em seu método diz que no processo de análise do objeto, é compreensível que alguns valores permaneçam presentes no decorrer da pesquisa, pois é impossível que exista uma total neutralidade do pesquisador. Com isso, para Durkheim (1985) o objeto deve se impor ao sujeito, já para Weber (1998) sujeito constroe o objeto. O que se pode afirmar com clareza em relação a estes pensadores é com relação às primeiras impressões na escolha do objeto. É possível ver esta discussão referente à forma de tratamento do objeto a ser estudado nas duas grandes pesquisas que os dois autores fizeram. Ambos analisaram fenômenos sociais que tinham uma influência marcante em suas realidades sociais. Weber (2002) escreveu um livro intitulado “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, seu foco neste objeto pode ter sido originado no fato de Weber ter vindo de uma família com laços fortes no protestantismo. Já Émile Durkheim (1982) escreve um livro com o título: “O Suicídio”, seu interesse no objeto em questão pode ter surgido da relação existente entre os Judeus (cujo qual Durkheim era descendente) e o suicídio, como algo fortemente condenado.

Page 167: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 167

Continuando a discussão referente ao objeto que Durkheim (1982) toma para estudo, o autor vai efetuar uma análise utilizando-se de métodos empíricos e comparativos. Através destes métodos ele vai problematizar o suicídio como um fato social. As causas do suicídio seriam coletivas, isto é, coercitivas e exteriores ao indivíduo. Como um fato social, o suicídio pode ser explicado por outros fatos sociais. É assim que o autor, após longa coleta de dados estatísticos referente às causas que podem levar ao homem se suicidar, vai classificar as diferentes causas que levam a esta ação. Como as causas não são as mesmas, existem diversas espécies de suicídio. Estes se classificam morfologicamente em: suicídios egoístas, altruístas e anômico. Após classificar as causas atribuídas ao seu objeto, Durkheim (1982) vai confirmar a hipótese levantada no início de seus estudos, quando disse que o suicídio poderia variar conforme as condições sociais de maior ou menor integração da sociedade.

Ao analisar a obra “O Suicídio”, e fazer a comparação com “As Regras do método Sociológico”, fica evidente que todo o esforço de Durkheim (1982) em analisar diversas regiões, classificar uma infinidade de variáveis estatísticas, com o intuito de buscar as verdadeiras causas para explicar o suicídio, nada mais é do que aplicar seu método sociológico para transformar um problema social em um problema sociológico. Em meio a estas análises, cabe citar os comentários de Steven Lukes (1977), autor que faz questão de acentuar diversas ambigüidades, equívocos e provas inadequadas, que Durkheim cometeu durante a elaboração de seus escritos. Como por exemplo:

Em suma, Durkheim foi um construtor de teorias corajoso e aventureiro que, se já não pretendia que os “fatos estão errados”, apesar de suas aspirações a uma ciência empírica objetiva, era surpreendentemente insensível ao papel dos fatos na falsificação ou verificação de suas teorias [embora possa ser inteiramente racional para um cientista, evidentemente, confiar mais em suas teorias do que em algumas das provas à sua disposição] (LUKES, 1977, p. 43).

Porém, Lukes (1977), ao fazer várias críticas aos escritos de Émile Durkheim, admite que a partir de uma abordagem de suas idéias com possibilidades explicativas, visualiza seu valor, pois “certamente suas idéias tiveram e continuam tendo um considerável poder de organizar, iluminar e sugerir explicações de muitos aspectos da vida social, do suicídio e da desviância ao ritual e às crenças religiosas” (1977, p.44). A partir desta análise pode-se concluir que Durkheim (1985) vivenciou um período em que a Sociologia não tinha seu devido reconhecimento como uma ciência autônoma. Apesar de ser criticado por alguns comentadores, por se expressar de maneira inapropriada, não resta dúvidas que conseguiu dar a Sociologia um “status” de Ciência, constituída de seu próprio objeto, e independente das outras. Prova disso é o valor atribuído a suas obras, tanto pelos seus discípulos, quanto por seus críticos.

Referências

DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Ed. Nacional, 1985.

DURKHEIM, Émile. O Suicídio. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.

Page 168: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores168

LUKES, Steven. Bases Para a Interpretação de Durkheim. In: COHN, Gabriel (org). Sociologia: Para Ler os Clássicos. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e científicos, 1977.

WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da Sociologia compreensiva. Tradução de Régis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4. ed. Brasília: UnB, 1998.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2002.

Page 169: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 169

A TEMÁTICA DOS POVOS INDÍGENAS NA ESCOLA E A LEI 11.645 DE 20081

Géssia Cristina dos Santos2

Introdução

Vivem atualmente no Brasil mais de 225 povos indígenas falantes de pelo menos, 180 línguas. Essa imensa sociodiversidade é quase desconhecida pela maioria dos brasileiros. E quando se pensa nos povos indígenas, logo se imagina que eles só vivem na Amazônia e no Parque Nacional do Xingu. Ao fazer o recorte metodológico do Paraná, Tommasino (2001) informa que a grande maioria dos paranaenses desconhece os povos indígenas que vivem no Paraná, e muitos nem sabem que eles existem. Por isso o objetivo deste trabalho é investigar, pautando-se na Lei 11.645 de 2008 que torna obrigatória a História e Cultura dos Povos Indígenas nos currículos do ensino médio e fundamental das escolas públicas e privadas, como a temática indígena está sendo trabalhada nos livros didáticos da disciplina de História e, como comparativo serão apresentadas as impressões dos alunos de um colégio público de Londrina, acerca da temática dos Povos Indígenas, bem como suas impressões destes povos no Paraná, para que assim se faça um paralelo entre o que está sendo ministrado e como essas informações estão sendo apropriadas pelos alunos. E por fim far-se-ão algumas considerações sobre o quadro que será delineado.

A justificativa reside em conciliar a obrigatoriedade da lei os conteúdos relacionados à questão indígena, para não serem transmitidos permeados de muitas informações incorretas, como também carregadas de uma visão etnocêntrica e preconceituosa. Por isso, tem de existir não apenas uma lei que legitime trabalhar a história e cultura indígena, mas também é necessário criar mecanismos fomentadores de um diálogo entre escola e universidade, para que ocorra uma adequação dos conteúdos que serão ministrados. Grupioni explicita essa problemática, ao dizer:

[...] apesar da produção e acumulação de um conhecimento considerável sobre as sociedades indígenas brasileiras, tal conhecimento ainda não logrou ultrapassar os muros da academia e o círculo restrito dos especialistas. Nas escolas a questão das sociedades indígenas, frequentemente ignorada nos programas curriculares, tem sido sistematicamente mal trabalhada. Dentro da sala de aula, os professores revelam-se mal informados sobre o assunto e os livros didáticos, com poucas exceções, são deficientes no tratamento da diversidade étnica e cultural existente no Brasil. Os meios de comunicação continuam produzindo imagens distorcidas da realidade indígena. As organizações não-governamentais, que tem elaborado campanhas de apoio aos índios e produzido material informativo sobre eles, tem atingido uma parcela muito reduzida da sociedade” (GRUPIONI, 2004, p.13).

Ou seja, mesmo com a ampliação, nos últimos anos dos conteúdos sobre os povos indígenas e das tentativas de produção de materiais de divulgação, pôde-se constatar que o

1 Este artigo obedece às disposições para o trabalho de conclusão da licenciatura em Ciências Sociais, previsto seu término ao final do ano letivo de 2012. Sob orientação da profa doutoranda Adriana de Fátima Ferreira2 Graduanda do 4° ano do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. Contato: [email protected]

Page 170: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores170

conhecimento produzido não tem tido o impacto que deveria ter. Será que, mesmo com a lei 11.645/08, os Povos Indígenas continuaram sendo pouco conhecidos e os diversos estereótipos sobre eles continuarão sendo veiculados? Avaliar-se-ão as condições em que os educadores estão trabalhando a temática, bem como as impressões dos alunos sobre os Povos Indígenas no Brasil.

A pesquisa é motivada pela inserção da autora do trabalho no grupo de pesquisa que busca compreender as “Trajetórias Formativas dos Estudantes Indígenas Kaingang e Guarani na Universidade Estadual de Londrina e na Universidade Estadual de Maringá”. Com suas atividades o grupo de pesquisa procura estabelecer contatos com as histórias de vida dos estudantes indígenas. Por seus mais diversos relatos chega-se a saber que eles enfrentam preconceito e discriminação dentro da Universidade, o que leva a fazer vários questionamentos, e direciona a autora do trabalho estudar às possíveis raízes dessa problemática.

No que diz respeito aos Povos Indígenas é apresentada em nossa formação durante o ensino fundamental e médio, uma historiografia tradicional3 que os livros didáticos, assim como os educadores, veiculados por esse material, reproduzem. Eles transmitem então especialmente a versão dos colonizadores, e assim a história oficial é a história da sociedade ocidental, de maneira que a história dos Povos Indígenas ainda tem ocupado o segundo plano na historiografia brasileira. A participação do indígena na história nacional, na maioria das vezes, encontra seu único espaço na escola, em eventos comemorativos – como o Dia do Índio – ou então, quando a grande mídia os torna notícia ao relatar conflitos que envolvem disputas por terra. Dessa forma, o que se apresenta tanto na educação, no âmbito dos colégios, como na grande mídia é a imagem do índio estereotipado, exótico, genérico, representante do passado da história do Brasil.

Percebe-se que, nas escolas básicas, o Dia do Índio nada mais é que a reprodução do ideário do “índio genérico”, e exotizado. Por isso gera tanto preconceito ao se deparar com o índio na cidade, na universidade, usando roupas. E em os vendo, os indivíduos revivem na memória a imagem que foi ensinada na escola básica, o “índio nu”4, paramentado com cocares de penas e pinturas pelo corpo, que mora no meio da floresta em ocas, vive da caça e da pesca é protetor da natureza. O que ainda é mais problemático, isso que gera um questionamento sobre a identidade étnica desses povos, por não corresponderem ao ideário que foi naturalizado no imaginário dos indivíduos. (GROUPIONI, 2004)

Dessa forma, a pesquisa analisará se houve avanços em relação à diversidade cultural, ou seja, se há o respeito e reconhecimento da diferença dos Povos Indígenas no âmbito da educação, ou, se o que permeia os conteúdos do livro didático, é o discurso reprodutor de discriminações. Como o Brasil, pela sua Constituição Federal de 1988, proclama sua condição de país pluriétnico e diverso, analisar-se-á subsídios para que essa lei seja implementada de fato, e assim sejam superados os preconceitos. Visto que esse ideário possui raízes nos saberes que são vinculados sobre os Povos Indígenas pela educação formal.

3 Historiografia Tradicional: aborda a historia em sua dimensão meramente informativa e não valoriza o conhecimento histórico em seu aspecto construtivo. As narrativas são organizadas a partir de recortes já consagrados, as fontes históricas ganham caráter mais ilustrativo e não são exploradas ma dimensão que aproxime o aluno daquilo que preside o procedimento histórico; nesse sentido, uma concepção de verdade pronta e irrefutável preside a obra. (LUCCA, Tânia Regina de & MIRANDA, Sônia Regina. “O livro didático de História hoje: um panorama a partir do PNLD”. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.24, n.48,2004, p.140-141).4 O que demonstra como a cultura ocidental não problematizou, e se negou a ver nas pinturas corporais ou em diferentes adornos e adereços dos grupos indígenas sul-americanos os correspondentes às nossas roupas, e criou-se a ideia de que o índio andaria pelado e estaria mais próximo da natureza. (THOMAZ, 2004).

Page 171: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 171

Por fim, ressaltar-se-á a necessidade de compreender o lugar de fala dessas ideologias que são difundidas; e reconhecer a necessidade de proceder de maneira diferente para não reproduzir esse ideário fantasioso e cristalizador dos Povos Indígenas. E assim caminhar para uma formação que respeite e reconheça a diversidade cultural dos Povos Indígenas, bem como construir uma visão verdadeira do que é o índio, hoje, além de dar visibilidade às suas lutas e resistências.

Para esse objetivo, a pesquisa será dividida da seguinte forma: Primeiro examinar-se-á brevemente, como a História Oficial retratou os Povos Indígenas no Brasil, através da análise de Novak (2006), expor-se-á algumas críticas de Grupioni (2004) referente aos livros didáticos, antes da lei 11.645 de 2008. Em seguida serão utilizados como interlocutores Tommasino (1995,2001) e Mota (1994, 2008) para apresentar um breve panorama da região do Paraná e o encobrimento dos Povos Indígenas na história oficial. A terceira parte se concentrará na apresentação da pesquisa dos livros didáticos da editora Moderna da disciplina de História a respeito da lei 11.645/08, como abordam a temática dos Povos Indígenas em seus conteúdos, para que seja traçado um comparativo com as impressões dos alunos de três salas do ensino médio de um colégio estadual de Londrina acerca da temática, para assim construir uma reflexão comparativa.

Historiografia tradicional, visão dos conquistadores e os livros didáticos antes da lei 11.645/2008

Refletir-se-á, a partir de uma breve apresentação, o que a historiografia tradicional costumeiramente vinculou/a em âmbito geral para chegar às especificidades da história da colonização do Paraná. Segundo Novak (2006), a história da humanidade foi e é marcada por uma visão histórica etnocêntrica, na qual os autores, inseridos numa determinada sociedade, emitem um juízo de valor, colocando suas concepções de mundo, seu comportamento, ou seja, sua cultura, como o modelo a ser seguido, hierarquizando com isso e depreciando os povos das demais regiões e suas diferentes culturas.

Carregam consigo uma noção de superioridade, característica da civilização ocidental europeia. Novak (2006) lembra que, em tempos antigos essa relação hierarquizada era observada, principalmente entre cristãos e bárbaros, quando estes nem humanos eram considerados por aqueles. Durante toda a Idade Moderna a ideia de superioridade procurou justificar a exploração das riquezas e da mão de obra do Novo Mundo. Para isso, a Europa Ocidental deixou clara sua primazia, denominando os demais povos de bárbaros e selvagens.

Numa breve contextualização histórica, nota-se que aceitar as diferenças não é prática comum de sociedades ocidentais que tratam o estrangeiro como ser inferior e o veem como um ser que não se adapta as normas de vivência, estabelecidas por ela. Já nos séculos XVIII e XIX, a implantação dos valores superiores da cultura europeia legitimou a exploração dos povos da África e Ásia. Ao longo do século XX, pesquisas preocupadas em mostrar o atraso histórico das culturas não ocidentais buscavam legitimar, através da cientificidade e da explicação biológica, o domínio e a tutela sobre outras nações e culturas, inclusive o extermínio em massa de povos considerados atrasados, definidos como entraves ao desenvolvimento e ao progresso. Esses povos passaram a ser descritos como membros de uma raça inferior, ou estavam no primeiro estágio da

Page 172: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores172

escala da evolução. Como exemplo, Novak (2006) cita as ideias do diretor do Museu Paulista no início do século XX, o Alemão Hermann Von Ihering, que justificava o extermínio dos grupos indígenas, por se constituírem obstáculos às frentes capitalistas de expansão. (NOVAK, 2006).

Grande parte da história do Brasil é fabricada pela visão do Ocidente. Especificamente sobre os índios, a sociedade ocidental os qualificou como primitivos colocados em uma escala temporal, em que seriam os representantes da origem da humanidade, ao passo que a sociedade europeia estaria no ápice do desenvolvimento humano. Por isso não valeria a pena buscar sua história, por estarem parados no tempo. Essa ideia pode levar muitos indivíduos a pensar que as sociedades indígenas de hoje são semelhantes às de antes de 1500 (NOVAK, 2006), levando o aluno a concluir pela não-contemporaneidade dos índios, por, muitas vezes, serem apresentados no passado e pensados a partir do paradigma evolucionista, exposto anteriormente. No entanto, muitas transformações ocorreram através do contato, da tentativa de impor os valores da sociedade nacional sobre as populações indígenas, silenciou a resistência e a ressignificação desses valores externos, neste processo.

Pode-se concluir que o que permeia a educação formal antes da lei 11.645/2008 é uma história que mostra a mortandade, o massacre e o extermínio de muitas etnias indígenas, pelas guerras de conquista, pelos apressamentos e pelo simples contato com o branco que provocou a difusão de doenças contagiosas. Silencia-se também a história que revela a participação dos índios, e suas ações políticas estratégicas na dinâmica de fronteiras estabelecida nas relações interculturais entre índios e brancos (NOVAK, 2006).

As recentes contribuições acadêmicas utilizam como perspectiva o registro do processo de ocupação dos territórios indígenas em meio a lutas e resistências. Essa interpretação contrapõe-se à história que mostra os índios apenas como vítimas do sistema mundial e da política e das práticas que lhes eram externas e os destruíram, provocando, além de sua eliminação física e étnica, sua eliminação como sujeitos históricos. Dessa forma, para adequar-se-á Lei e ao respeito pela história e cultura dos Povos Indígenas os conteúdos trabalhados em sala de aula devem incorporar elementos importantes do conhecimento etnográfico, elegendo-se assim o índio, seja ele Kaingang, Guarani, Yanomami, Tikuna, como agente de sua própria história.

Ora, não há dúvida de que os índios foram atores políticos importantes de sua própria história e de que, nos interstícios da política indigenista, se vislumbra algo do que foi a política indígena. (CUNHA, 1998, p. 18 apud NOVAK, 2006).

Sabe-se que, há alguns anos, não é mais novidade o quanto a imagem dos índios tem sido construída de modo simplificador e estereotipado, tanto pela historiografia mais tradicional, quanto pelos livros didáticos que a reproduzem. Lima (2004) nos informa que a crítica antropológica é antiga e contundente a respeito desse ideário e que, recentemente, os historiadores começaram a despender um grande esforço para refletir acerca, do modo, como a historiografia tratou essas e outras populações brasileiras, qual conhecimento está sendo adquirido na graduação pelos futuros professores de ensino médio, e se o que está sendo transmitido pelos livros didáticos e grades curriculares têm contribuído para perpetuar um quadro genérico estereotipado, inculcado desde o período colonial português. (LIMA, 2004).

Insistir-se-á na necessidade de lidar com os esquemas de geração de conhecimento em Antropologia e História a fim de que sejam conhecidos e se disponibilizem conteúdos que, aqui

Page 173: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 173

e ali, estão disponíveis como produtos de pesquisa, mas que dificilmente chegam às salas de aula. Segundo Lima (2004), há estruturas cognitivas que estão impregnadas na maneira de pensar a história brasileira reproduzindo um universo imaginário em que os indígenas são representados como povos ausentes, imutáveis, dotados de um essencialismo5 a-histórico, que por vezes são objetos de preconceito. Mostrados costumeiramente como um dos componentes do povo e da nacionalidade brasileira, tidos, algumas vezes, como vítimas de uma terrível “injustiça histórica”, ou/como também os “verdadeiros senhores da terra” (LIMA, 2004).

Dificilmente aparecem como atores históricos e concretos, dotados de trajetórias próprias, participantes de guerras pelo controle de espaço geográficos específicos, inimigos dos colonizadores ou/como também aliados, mas sempre como instrumentos dos conquistadores. Por vezes são caracterizados como incapazes de se reelaborar, seriam eternos portadores de uma história cristalizada imutável, que daria a especificidade do Brasil, porém nesse trajeto de transferir uma especificidade para o território nacional sua presença foi diluída, logo após a chegada do colonizador (LIMA, 2004).

Depois desse breve panorama serão expostas algumas críticas sistematizadas por Grupioni (2004) a respeito do conteúdo difundido pelos livros didáticos. Ressalta-se que são análises anteriores à lei. Posteriormente, no item quatro, será apresentada uma análise simplificada do que se encontrou no livro didático de História da Editora Moderna utilizado pelo colégio6, em que se fez a pesquisa, lembrando-se que o livro didático analisado é de difusão nacional. Como primeira crítica aos livros didáticos, Grupioni (2004), baseado nas análises de historiadores, pedagogos e antropólogos, diz que como: Rocha (1984), Pinto e Myazaki (1985), Almeida (1987) e Telles (1987) na maioria das vezes mostram como o índio, quase sempre, é retratado no passado, ou seja; falar em índio é falar do passado, sua existência é mostrada de forma secundária: o índio sempre aparece em função do colonizador, como um coadjuvante. Como se retratou no início dessa reflexão, a história é tratada de forma estanque, marcada por eventos significativos de uma historiografia basicamente europeia, ocidental, não se trata de uma historia em progresso que leve em conta a diversidade dos povos, que acumula e se transforma.

Um dos maiores problemas encontrados por Grupioni em sua análise é que, na maioria dos manuais, a presença do índio neste continente não é problematizada; na maioria das vezes, é dada como um fato consumado (MYAZAKI, 1985 apud GRUPIONI 2004, p. 486). Como exposto inicialmente, os manuais privilegiam os feitos da historiografia das potências europeias, silenciando ou encobrindo os feitos e vivências dos povos que aqui habitavam antes da chegada dos colonizadores. O que resulta na representação do índio como coadjuvante na historia e não como sujeito histórico, o que revela um ideário permeado do etnocentrismo da historiografia em uso (GRUPIONI, 2004).

Outro ponto é a omissão dos livros didáticos ao não considerarem a história do continente americano. Muitas vezes ocorre uma simplificação dos conteúdos e não se considera como relevante todo o processo histórico em curso no continente. Como exemplo, tratar o ano de 1500 como ano do descobrimento, desconsidera o fato de que essas terras já eram habitadas há milhares de anos atrás, quando as primeiras levas de homens saíram da Eurásia. Quando

5 Visão essencialista de homem, isto é, o homem é concebido como constituído por uma essência humana imutável. (SAVIANI, 2004).6 O Livro Didático da Editora Moderna da disciplina de História é de difusão nacional pelo MEC, e é utilizado pela escola estadual que se realizou as oficinas que resultaram as impressões dos alunos acerca da temática.

Page 174: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores174

os europeus chegaram ao continente, este já possuía sua dinâmica própria que começou a ser totalmente alterada, não havia nada à espera de um descobridor. Telles (1987 apud GRUPIONI, 2004) ressalta que o conceito de descoberta só faz sentido se o entendermos dentro da perspectiva da historiografia europeia, ou seja, a preocupação básica era o que ocorria na Europa, ignorando-se a historia do continente americano (TELLES, 1987 apud GRUPIONI, 2004).

Grupioni (2004) resgata também a crítica sobre a maneira como as sociedades indígenas foram retratadas pelos livros didáticos, geralmente pela negação de traços culturais considerados significativos: falta de escrita, falta de governo, falta de tecnologia, nomadismo, tudo apresentado de forma isolada e descontextualizada dos documentos históricos que falam sobre os índios. Há cartas, alvarás, relatos de cronistas e viajantes, que revela a real história do índio, mas como são transmitidos sem que haja uma contextualização desses fragmentos, essas informações são passadas para os alunos sem que consigam reconhecê-las dentro do contexto no qual aconteceram. Assim, são difundidas de forma simplificada e recortada, e com isso gera-se uma imagem exotizada dos Povos Indígenas. Para melhor compreensão segue trecho da crítica de Rocha (1984):

É assim que fatos etnográficos retirados do seu contexto, bem como iconografias da época, são apresentados, criando um quadro de exotismo, de detalhes incompreensíveis, de uma diferença impossível de ser compreendida, e portanto, aceita. É significativo, nesse sentido, o fato de muitos livros didáticos usarem, basicamente, informações sobre os índios produzidas nos primeiros séculos da colonização, escritas por cronistas, viajantes e missionários europeus (ROCHA, 1984, p. 29 APUD GRUPIONI, 2004).

Tais recortes dos relatos e essas imagens simplificadas sobre os Povos Indígenas colaboram para que os alunos tenham desses povos uma ideia distanciada do presente presumindo pela não-contemporaneidade, por serem sempre apresentados no passado, e acabam por concluir que os povos indígenas fazem parte de um tempo pretérito.

Por fim, a questão mais problemática que Grupioni sinalizou foi a maneira como os livros didáticos desaparecem e aparecem com os índios no âmbito da história do Brasil, e nesse movimento de relegar os índios ao passado, não facultam aos alunos entenderem a presença dos índios no presente e no futuro, e não os capacitam a verem a nossa sociedade como uma sociedade pluriétnica, em que os índios são parte do presente e futuro.

Essa situação destoa do que foi inicialmente abordado, isto é, que a Constituição Federal 1988 assegura e reclama para si sua condição de país pluriétnico, porém não constrói nenhum instrumento que implemente e assegure, de fato, que isso se reproduza na realidade material, concreta. A educação formal pode ser o grande instrumento que pode ser capaz de levar nossa sociedade para essa condição de equidade e respeito à diferença, por isso a necessidade de investigar o que está sendo trabalhado nos livros didáticos. O que deve ser frisado na educação é que os povos indígenas são extremamente diversificados, cada grupo tem sua lógica própria e uma história específica, habitam diversas áreas ecológicas e vivenciaram situações particulares de contato e troca com outros grupos humanos, possuem identidades próprias. E é justamente essa sociodiversidade ampla que não aparece nos livros didáticos.

Page 175: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 175

cada sociedade indígena se pensa e se vê como um todo homogêneo e coerente e procura manter suas especificidades apesar dos efeitos destrutivos do contato. Um Guarani ou um Yanomami, apesar de índios, vão continuar se pensando como um Guarani e como um Yanomami. (GRUPIONI, 1992, p.18).

Depois de ter apresentado um panorama geral das abordagens historiográficas, passar-se-á para o contexto do Paraná, como a história oficial se difundiu e encobriu os Povos Indígenas que habitavam/am a região.

Os povos indígenas no paraná e seu silenciamento

Ao se fazer referência ao contexto do Paraná, percebe-se que a história oficial privilegiou a Companhia de Terras Norte do Paraná, assim como os pioneiros, encobrindo7 os Povos Indígenas, silenciando-se até sua presença e omitindo-se que são representantes de uma cultura muito diversa, e que há muito tempo habitam o continente americano e ainda que, há apenas 512 anos, tiveram contato com os invasores europeus. É necessário focalizar, no âmbito da escola, que cada povo, cada nação ou etnia, possui uma cultura própria, e o continente americano era constituído por centenas de povos diferentes. Reporto-me ao espaço da escola, por acreditar-se que é o lugar mais propício para a quebra dos pré-conceitos, para a troca de conhecimentos, transformação e construção de um novo conhecimento, bem como para direcionamentos que levem os educandos a uma formação crítica e consciente, livre dos preconceitos, que surgem do desconhecimento. Tommasino (1995) afirma que a matriz teórica da academia sobre o território do Paraná, dos anos 60s em diante, é a do vazio demográfico, que silencia a presença indígena no Paraná. Informa ainda, que a maioria dos intelectuais partem desta noção quando as frentes pioneiras começam a atingir a região norte do Estado.

Na verdade, os historiadores profissionais acabam por assumir a discussão produzida pelo historiador da pequena cidade, do poeta local e só próprios promotores da colonização (TOMMASINO, 1995, p.140).

Como consequência, a história oficial acaba por suprimir dos seus registros todo o processo relacionado às invasões, à exploração, aos conflitos e à resistência indígena. Retirando da história social paranaense a presença que resistiu e continua resistindo, das mais diversas formas, à ocupação das terras e à sua destruição como comunidade diferenciada da sociedade envolvente (MOTA, 1994, p.42-43). A história oficial que trata da ocupação do Paraná relata simplesmente que este território seria um grande “vazio demográfico” que deveria ser ocupado pela colonização pioneira. Vazio este, criado pela expulsão ou eliminação das populações indígenas. Dessa forma, os Povos Indígenas acabaram sendo relegados à margem da história, como grupos que pertencem ao passado da história do Brasil. Isso repercute na formação dos indivíduos que, ao obterem essa formação acabam impregnando em seu imaginário uma visão cristalizada dos indígenas. É isso que tem de ser revisto, desconstruído e modificado.

Nos livros didáticos que trabalham a colonização do Paraná, ao reconstituírem o 7 Expressão utilizada por Tommasino em sua tese de doutorado, 1995

Page 176: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores176

processo do ponto de vista do civilizado, os autores apresentam gráficos e mapas que reproduzem conjunturas demonstrativas do crescimento da mancha de ocupação do Paraná pela população nacional, das cidades, estradas e ferrovias, evidenciando o avanço do “progresso e da civilização”. Por exemplo, no Atlas do Estado do Paraná, elaborado pelos órgãos oficiais, há uma sequência de mapas sobre a “evolução histórica e população”. Tommasino (1995), ao analisar a abordagem dos Povos Indígenas na história oficial do norte do Paraná, nos chama a atenção para duas coisas. Primeiro, a historiografia oficial “esvaziou” as terras habitadas pelos indígenas entre 1641 a 1700 e produziu um marco zero para explicar a colonização. Por outro lado, percebe-se que essa mesma historiografia reconhece a presença espanhola no Paraná e só por isso as missões jesuíticas aparecem no mapa. Podemos analisar essa configuração, constatando que a história oficial é a da sociedade ocidental, que se acostumou a negar a presença das populações indígenas, pois, reconhecer a presença das sociedades indígenas representaria o reconhecimento dessas nações. Por isso, os mapas da época analisados por Tommasino expressam essa operação de “apagamento” dos índios, ao mesmo tempo, que expressam a evidência da presença da população ocidental.

Tommasino (1995) aponta para algumas publicações de circulação mais restrita, como é o caso do Boletim do Instituto Histórico e Geográfico e Etnográfico Paranaense. A revista contém textos que reconstituem os aldeamentos indígenas do estado e tem sido uma das poucas fontes sistematizadoras do processo que envolve as populações indígenas. A autora informa que Leônidas Boutin faz uma reconstituição de todos os aldeamentos indígenas paranaenses e apresenta alguns quadros comparativos da população nacional, africana e indígena aldeada, de forma a podermos delinear o movimento dos três grupos no Paraná, não apenas quanto à densidade demográfica, mas também quanto à produção, educação, batizados e casamentos de pessoas indígenas e nacionais, até os primeiros anos deste século. A revista também dedicou um número para a apresentação dos estudos sobre os Xetá8 de Kozák, Baxter, Willamson e Carneiro em 1981, além de outros números que trazem artigos e documentos de interesse sobre a situação indígena na região. A história paranaense produz o apagamento dos indígenas, e também de outros grupos como os sertanejos e os negros. Devido a essa configuração nacional e local podemos concluir que:

[...] a história tradicional, no sentido de que tem sempre se concentrado nos grandes feitos dos grandes homens, estadistas generais ou ocasionalmente eclesiáticos. Ao resto da humanidade foi destinado um papel secundário no drama da história [...] (BURKE, 1992:12 apud TOMMASINO, 1995)

Nestes 512 anos, a maioria foi exterminada pelos conquistadores e os que sobreviveram estão hoje vivendo na miséria e na condição de dominados e explorados, nas reservas indígenas do Brasil. Pertencem ao mundo moderno porque estão submetidos às suas leis maiores, mas não gozam da cidadania plena (TOMMASINO, 1995). As políticas educacionais e de saúde não tem levado em consideração as suas especificidades culturais. Apresentam-se sempre como políticas homogeneizantes e indiferenciadas, consistindo em ações que desrespeitam a existência dos sistemas indígenas, baseados em códigos e lógicas que diferem dos sistemas ocidentais.

8 Grupo indígena que habitava a Serra dos Dourados no Paraná contactado na década de 50 e exterminado. Restando 8 descendentes.

Page 177: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 177

Depois de problematizado no âmbito nacional e local, direcionamos à parte que compreende as análises do livro didático da disciplina de história e a exposição das impressões dos alunos, a fim de construir um paralelo do que está disponibilizado para os alunos e como isso é incorporado por eles.

As leis, o livro didático de História e as impressões dos alunos, primeiros apontamentos

As Leis

A Lei nº. 10639/03 de nove de janeiro de 2003 e a Lei nº 11.645 de 2008 alterou a Lei nº. 9394/96, a LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), tornando obrigatória a inclusão nos currículos da educação básica a história e cultura afro-brasileira e indígena. As Diretrizes Curriculares Nacionais, emanadas do Conselho Nacional de Educação, ampliaram as discussões, incluindo a educação das relações étnico-raciais.

A Lei nº 11.645, de 2008 que modifica a Lei nº. 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional explicita, em sua redação no Art. 26-A: Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. Apresentando os incisos:

§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil9.

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileira10. Em vista das disposições da lei n.° 11.645/2008 com foco nas sociedades indígenas, serão analisados os livros didáticos da editora Moderna da disciplina de história distribuídos em nível nacional pelo MEC, bem como as impressões dos alunos de três salas do ensino médio de um colégio estadual de Londrina11, - essas impressões são fruto de um material recolhido em oficinas realizadas sobre o tema. Isso posto a fim de analisar se a lei está sendo reconhecida e aplicada se está, de que maneira o livro didático aborda a temática, e como se afiguram aos alunos a história e a cultura indígena, como eles veem os índios. Essas são algumas das questões que nortearam a proposta de pesquisa. Analisam-se as dissonâncias entre o que está assegurado pela lei e o que de fato ocorre.

Essas reflexões possuem a finalidade de refletir se, com a lei 11.645/08, a representação do índio no âmbito da escola está caminhando para uma visão mais verdadeira, desligada do imaginário cristalizador, ou se ainda está permeada da historiografia mais tradicional. Por fim, traçar-se-ão algumas considerações acerca da pesquisa.

9 Redação dada pela Lei nº 11.645, de 200810 Redação dada pela Lei nº 11.645, de 200811 Participaram duas salas do 2º ano e uma sala do 1º ano do ensino médio do colégio estadual da região oeste de Londrina.

Page 178: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores178

Análise do livro didático da disciplina de História para o ensino Médio

O livro didático da disciplina História escolhido para a construção da análise pertence à Editora Moderna, e possui como editora responsável Maria Raquel Apolinário. Este livro faz parte do “Programa Nacional do Livro Didático”, distribuído pelo MEC às escolas públicas de ensino fundamental e médio de todo o país12.

O livro didático desta editora procura seguir o parecer do Ministério da Educação de abril de 2009, o qual define o “Programa Ensino Médio Inovador”, especialmente no tocante às recomendações a favor da diversidade de modelos pedagógicos variáveis conforme o alunado; de currículos flexíveis; de práticas pedagógicas não limitadas às aulas, mas que incentivem atividades extraclasse e intraclasse. O programa frisa que o conteúdo seja aberto à diversidade de interpretações, conforme a época abordada e às evidências documentais, como também ao debate historiográfico.

Este livro traz, ao final de cada volume, uma parte intitulada “Manual do Professor”13, que consiste em três partes: fundamentação teórica e pedagógica, plano geral da obra e orientações específicas acerca do conteúdo para os educadores. No que concerne às orientações sobre os conteúdos, especificamente sobre a história do Brasil, o manual do professor diz que a temática encontra-se em todos os volumes da coleção e destaca-se em diversos capítulos exclusivos. Informam que essa opção deriva-se da fuga da compartimentação da história do Brasil como algo isolado do mundo em uma espécie de história pátria. Por isso colocam a história sempre inserida em contextos mais amplos.

O manual faz referência à Lei 11.645 de 2003 e à de 2008 que faz obrigatório o ensino da história e cultura africana e indígena, como já exposto. Percebe-se um avanço significativo em relação à historia e cultura africana visto que há alguns capítulos exclusivos, com o objetivo de desvincular a história do Brasil da existência dos escravos como se o Brasil tivesse servido apenas de reservatório de escravos. Já, em referência à Lei 11.645 de 2008 sobre os Povos Indígenas, o manual informa que a história indígena também foi posta em cena em vários capítulos dedicados ao Brasil e demais regiões americanas, e explicita que a abordagem não se faz por conta de uma idealização ingênua do “bom selvagem”, mas pela enorme importância dos grupos nativos na história do continente. O manual ressalta ainda que possui o objetivo de articular a grande história, a história dos grandes processos, dos grandes conflitos, bem como a história dos hábitos, dos costumes, das experiências de vida. Em vista disso temos o seguinte trecho:

É nesse ponto que a obra ensaia rastrear as subjetividades dos agentes históricos coletivos ou individuais, valoriza a memória na reconstrução histórica, mergulha nas diferenças culturais no tempo e no espaço, refletindo sobre identidades e alteridades. A perspectiva antropológica, por vezes adotada, ajuda nesse percurso microanalítico. (MANUAL DO PROFESSOR, p.01).

Percebe-se que há preocupação em desvincular o ideário etnocêntrico no intuito de buscar a humanização do ensino de história, pelo diálogo entre história e antropologia; isso deve 12 Faz parte do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.13 Manual do Professor: ao final de cada livro didático há uma parte destinada à orientações dos professores.

Page 179: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 179

ser reconhecido, ao tratarem-se os conteúdos de maneira distinta do que a história tradicional difunde. O conteúdo que diz respeito aos Povos Indígenas, ficou compreendido no total dos três volumes do ensino médio, segundo o manual:

A história das populações indígenas é analisada no capítulo 2 do volume 1, antes da chegada dos europeus na América, e em vários itens dos capítulos 13, 17, e 18 do volume I, já no contato com os europeus. (MANUAL DO PROFESSOR, p.19).

Ou seja, no âmbito de toda a coleção do livro didático de história, para o ensino médio, se faz referência aos Povos Indígenas apenas no volume 1 que corresponde ao primeiro ano, em quatro capítulos, que tratam, especificamente, no capítulo 02: da ocupação da América, no 13 das Américas conquistadas, no 17 dos impérios e sociedades coloniais, e no 18 da colonização na América portuguesa. Será exposto brevemente como se trabalhou o tema Povos Indígenas no Brasil, nesses capítulos.

O capítulo 02 trata do “Povoamento do continente americano”, a origem das populações americanas, levantando algumas hipóteses a respeito desse fenômeno. Especula sobre quem habitava o território que viria a ser o Brasil, demonstra dados arqueológicos, fala da diversidade da ocupação dos territórios do continente americano, pelos povos nativos. O capítulo 13 compreende o tema das “Américas conquistadas”, principalmente as sociedades pré-colombianas conquistadas pelos espanhóis durante o século XVI frisando-se a mestiçagem cultural ocorrida nesse período. No que concerne aos povos indígenas no Brasil, há poucas referências. Há explicações sobre o termo errôneo “índio”, empregada por Colombo, para denominar os povos nativos. Informa a diversidade de povos existentes no período colonial, como no trecho: - “abrigava populações muito diversas, que tinham ao menos quatro troncos linguísticos, centenas de línguas nativas, diferentes formas de organização social, cultural material e religião” (VOLUME I. p.217). Apresenta características da cultura tupi, pois foi o grupo que predominou na faixa litorânea, visto que foi a primeira região a ser ocupada pelos portugueses.

Destina uma parte para abordar sobre a guerra e o canibalismo entre os povos indígenas Tupinambás pertencentes ao grupo Tupi. Para sua ilustração traz uma gravura de Theodor de Bry que retrata o ritual antropofágico dos Tupinambás, com o objetivo, segundo o manual, de mostrar aos alunos os significados e as motivações da guerra entre os povos tupis, que era de cunho cultural, como também o significado da vingança naquela sociedade. Aborda os conflitos do contato entre índio e colonizador, que primeiramente se deu de forma pacífica e, posteriormente, cedeu lugar a conflitos violentos e à escravização dos indígenas, chamados na época de “negros da terra”. Nos fragmentos que falam dos povos indígenas, ressalta sua importância nas relações de negociações entre grupos indígenas e colonizadores. Fala dos náufragos e dos degredados que eram enviados para várias regiões inclusive para o Brasil, e sobreviviam, pois eram acolhidos pelos grupos indígenas e dessa relação resultavam várias conexões do grupo indígena com o colonizador. Aborda, ainda, as relações entre as mulheres indígenas e os náufragos, para mostrar a mestiçagem cultural que se iniciava pelo contato.

Como atividades propõe uma reflexão sobre o conceito de mestiçagem cultural durante a ocupação inicial do Brasil, a partir de fragmentos de dois náufragos, esclarece a respeito dos aspectos culturais presentes nos encontros descritos e sobre o papel da mestiçagem cultural no

Page 180: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores180

processo de colonização. No indicativo de bibliografias complementares traz a obra “O índio e a conquista portuguesa” de Luiz Koshiba que reflete sobre o embate entre a cultura indígena e a europeia e busca propor uma categoria de análise mais adequada para o estudo das sociedades tribais. O autor demonstra como os colonizadores portugueses acabaram por submeter guerreiros tupis- guaranis, transformando-os em trabalhadores; “Franceses e Tupinambás na Terra do Brasil” da Adriana Lopez. Há também indicações de filmes como: “Como era gostoso meu francês”, de 1971 de Nelson Pereira dos Santos, baseado no relato de Hans Staden sobre o período em que ficou cativo dos tupinambás, “1492 a conquista do Paraíso” de Ridley Scott, mostra as ilusões e desilusões de Cristovão Colombo, suas desavenças com vários conquistadores e a violência contra os indígenas.

Capítulo 17 “Impérios e Sociedades Coloniais na era do Mercantilismo”. Nesta unidade o que se encontrou sobre os Povos Indígenas foram conteúdos mais a respeito das sociedades pré-colombianas. Em relação ao Brasil o capítulo relata sobre o controle e monopólio do território, frisando o aspecto dos engenhos de cana-de-açúcar. Nesse contexto os indígenas aparecem, como mão-de-obra nativa que se reproduziu ao longo do século XVI. Neste capítulo há dois boxes que mostram a dimensão da resistência indígena no período, apresentando duas revoltas indígenas. De leitura complementar traz “O Brasil no império português” de Janaíma Amado, “A civilização do açúcar – séculos XVI a XVIII” de Vera Lúcia Amaral; dentre os filmes, o que corresponde à história do Brasil é “Anchieta, José do Brasil”, 1978, de Paulo César Sarraceni, que retrata a vida do apóstolo do Brasil no seu trabalho de catequese dos indígenas.

O capítulo 18 “A colonização na América Portuguesa” inicia com o quadro de Victor Meirelles (c.1860) que busca recriar a cena da primeira missa celebrada, que retrata vários indígenas, paramentados com seus adereços, cocares, penas, olhando a cerimônia. A temática indígena, nessa parte, centra-se nas relações de troca com os portugueses, na qual figura principalmente o pau-brasil pelas mercadorias dos europeus. Informa que os grupos indígenas tinham grande interesse pelos objetos dos europeus.

Em meio às exposições há uma atividade que traz o texto “Do escambo à escravidão indígena: entre tragédias e alianças”, texto que busca mostrar as duas perspectivas distintas do processo de colonização, a do colonizador e a dos grupos indígenas. Coloca o impacto da economia açucareira sobre os grupos indígenas, pois aquela tornou a estes escravos, processo que se deu com muita violência. Frisa a dimensão dos interesses dos portugueses e dos interesses dos grupos indígenas no âmbito dos conflitos, e das alianças. E faz a seguinte pergunta: -“É possível afirmar que os grupos indígenas foram protagonistas da conquista portuguesa? Ou, foram, sobretudo, vítimas? Discuta em grupo as duas possibilidades”

Apresenta, ainda, este capítulo as guerras por territórios e as alianças com os colonizadores. Os portugueses e franceses ao saberem das rivalidades existentes entre os diferentes grupos indígenas, utilizaram-se delas para efetivar alianças e assim conquistar territórios explorando o antagonismo destes grupos. Na página 314 do volume 01, há uma gravura de Theodore da Bry chamada “Luta entre tribos indígenas” (1564), que faz parte de uma atividade sobre a “Disputa pela baía da Guanabara”, conflito entre portugueses e franceses. A gravura retrata exatamente a arte indígena da guerra, por meio de canoas. E traz o seguinte enunciado: “É possível afirmar que a guerra travada na Guanabara, em meados do século XVI, foi ao mesmo tempo uma disputa colonial e uma guerra indígena tradicional? Ou os grupos indígenas teriam sido manipulados por franceses e portugueses, respectivamente? Justifique sua resposta.”

Page 181: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 181

Outro âmbito trabalhado foi a catequização dos indígenas, apresentada como um dos objetivos da colonização por notarem-se a grande resistência indígena ao avanço dos portugueses, e as possibilidades de alianças com outros colonizadores. O texto informa que a coroa, ao percebê-las traçou um plano de “pacificação” dos nativos por meio das missões jesuíticas, projetando transformar o nativo em cristão. Lançou-se o “plano de aldeamento”, que consistia em deslocar os indígenas de suas “malocas” para viverem nos aldeamentos dos jesuítas. O livro ressalta a resistência indígena em adaptar as mudanças de hábitos introduzidas pelas missões.

Apresenta um boxe que ressalta a resistência indígena por meio das revoltas; como exemplo cita: “Santidade Indígena”. Por fim, propõe uma atividade sobre a definição de aldeamento jesuítico, a qual contém um texto que traz informações sobre o período. Nas leituras complementares há os livros “Franceses e Tupinambás na terra do Brasil” de Adriana Lopez, “Guerras do Brasil (1504-1654)” de Pedro Puntoni, “Os jesuítas no Brasil colonial” de Paulo de Assunção. Como indicação de filme “Anchieta, José do Brasil”, de 1978, com direção de Paulo César Sarraceni, filme que retrata a vida do apóstolo do Brasil no seu trabalho de catequese dos indígenas.

Percebe-se que a temática indígena ainda habita uma posição secundária, é abordada de maneira coadjuvante e apresenta alguns elementos através de atividades, pequenos fragmentos em forma de boxes, porém o foco reside nas conquistas dos europeus. Os Povos Indígenas ainda aparecem em função da história eurocêntrica, do colonizador. Há avanços significativos ao tentar-se demonstrar a perspectiva dos grupos indígenas; incitam-se os alunos a refletir sobre os interesses desses grupos. Dessa forma, a alteridade é marcada, o que é fundamental para estreitar o caminho a fim de entender a diversidade e respeitá-la.

Porém, a constatar-se que a historia e a cultura indígena, que a lei obriga serem trabalhadas ao longo de todo ensino médio, é tratada apenas nos conteúdos compreendidos no primeiro ano do ensino médio, por meio de quatro capítulos. Aborda-se, porém, a fala do colonizador, as se trabalharem os feitos das potências europeias.

Constatou-se, como ponto positivo, a problematização da presença dos grupos indígenas, através da apresentação da história do povoamento do continente americano, contrapondo-se a omissão costumeiramente posta. Também há de se reconhecer a abordagem sobre a resistência indígena e a perspectiva dos grupos indígenas durante o processo de ocupação e formação do Brasil, aparecem, todavia de forma pontual e situacional, sem um maior enfoque, como, algo mais genérico. Há também a tentativa de articular a perspectiva integrada que trata a história da civilização ocidental, com os conteúdos da história do Brasil e história da América, através de atividades que incentivam as comparações históricas, relacionando tempos e culturas diferentes. No entanto, destina-se um espaço secundário para as culturas não ocidentais, ao aparecem através de itens, imagens, boxes; na maioria das vezes, como um apenso, o foco reside nos feitos das grandes potências.

Ao final da análise dos capítulos permanece a sensação de que os Povos Indígenas estavam presentes apenas no momento da colonização, do encontro com os europeus, ficando o conteúdo destinado à abordagem dos Povos Indígenas no Brasil restrito apenas a esse momento, o que acaba, ainda, por considerá-los como representantes do passado da história do Brasil, consideração que faz os alunos pensar na não-contemporaneidade dos Povos Indígenas que

Page 182: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores182

habitam este território, uma vez que os livros didáticos abordam os grupos indígenas só no momento da ocupação e colonização do território; posteriormente, a história ignora estes grupos, e não dá nenhuma informação sobre os indígenas no presente, sobre suas lutas atuais, suas conquistas. Conclui-se que, mesmo com a lei de 2008, velhos problemas persistem, diversos deles expostos inicialmente pela sistematização de Grupioni (2004).

O livro didático reconhece a lei, já que destina uma parte do manual do professor para abordá-la e mostrar como foi trabalhada nos livros; contudo, percebe-se que muito precisa ser construído e estruturado, mas ocorre que antigas problemáticas se revelam ao longo da formatação do livro didático.

Oficina sobre “diversidade e os povos indígenas no Brasil”; impressões dos alunos

Realizou-se oficina sobre “Diversidade e os Povos Indígenas” em três salas do ensino médio de um colégio estadual da região oeste de Londrina. A oficina inicia-se primeiramente com a divisão da sala em grupos os quais deviam discutir sobre “Diversidade e os Povos Indígenas no Brasil”, para, posteriormente, escreverem e exporem para a sala o que cada grupo havia discutido. A metodologia consistia em anotar as reflexões de cada grupo na lousa, e, depois de encerrada a apresentação de todos os grupos, começava a problematização do que havia sido exposto. Partia-se do ponto de vista dos alunos, para direcionar a discussão que envolvia a alteridade, a quebra do etnocentrismo, a busca da compreensão do ponto de vista do “outro”, bem como a apresentação da situação dos grupos indígenas que habitam o Paraná.

As respostas dos estudantes da escola da rede estadual de ensino de Londrina à questão: “Diversidade e os Povos Indígenas no Brasil, como vocês veem os índios, o que pensam sobre esse tema”, da oficina desenvolvida em sala de aula, expõem-se a seguir:

Os nossos índios são os povos mais antigo do Brasil, eles preservam nossa fauna e nossa flora, só caçam e pescam o que realmente necessitam para viver, cultuam seus deuses e suas crenças, vivem geralmente em aldeias, e deviam ser protegidos pela FUNAI, só que como nem sempre isso acontece acaba tendo falta de verbas e eles necessitam vir para as cidades vender seus artesanatos e arrumar rendas.Um ser pacivo, foi desemado pelos portugueses, eles são esquecidos por nós, nós não entendemos os seus rituais. Existem leis que protegem os índios contra o trabalho? Falta de compreensão da parte de nós. Eles são os verdadeiros donos da nossa terra (Brasil). Sempre utilizamos o etnocentrismo A cultura indígena é um pouco excluída da sociedade, não ouvimos falar de grandes conquistas que eles fazem ou fizeram. O índio na sociedade é importante por ser como relíquia de uma cultura antiga. Respeito à natureza. [grifo meu]As impressões sobre os índios é um povo que tem suas próprias culturas, crenças não são muito induzidos pela mídia. Eles não acreditam em medico ou algo assim, recorrer a medico algo assim apenas em estado terminal. Indio em londrina geralmente encontramos eles em cinaleiros pedindo ou vendendo seus artesanato. Os índios tem sua cultura própria suas crenças, suas regras.Realmente em nosso estado tem muita diversidade cultural ou melhor em nosso país. No caso dos índios deveriam dar emprego a eles uma melhor moradia, e não deixar crianças e mulheres na rua, tentar retirá-los da margem da sociedade.

Page 183: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 183

Indios são um grupo de pessoas que vivem em aldeias, são acostumados a fazerem vários rituais, decoram seus corpos, gostam de enfeitar suas cabeças também com cocar e etc, e andam nu.O índios foi enganado, por sua engenuidade o único problema do índio é ele ser puro. Mas nos tempos de hoje essa pureza foi anulada pelos homens brancos, mudando assim a mente do cacique, tornando alguns corruptos. Diversidade cultural como o nome fala vários tipos de cultura, essas ideias e culturas devem-se respeitadas e nunca discriminadas.A discriminação indígena é muito forte em nosso pais e suas cultura por ser meio que selvagem e algumas pessoas colocam suas ações de raiva – de serem como índios por terem essa cultura. [grifo meu]Antigamente os índios tinham suas crenças suas culturas que com o passar dos tempos foram perdendo os seus costumes. Eles moravam em aldeias, andavam a vontade, já hoje as cosias mudaram. Geralmente eles tem cabelo liso e preto e pele morena. Foram os primeiros a habitar no Brasil, eles caçam animais, pois se alimentam deles. [grifo meu]Natureza. Artesanato. Os primeiros povos a habitar o Brasil. Um povo que foi precionado a aceitar o catolicismo na vida deles.São os primeiros povos que habitaram o Brasil, esse povo produzia suas próprias ferramentas que eram usados para caça, eles andavam nus, produzia seus remédios que eram feitos pelos pajés, não tinham estudo. Com o passar do tempo chegaram os portugueses no Brasil para explorar os recursos naturais como o pau-brasil, davam objetos em troca. [grifo meu]Os índios tem uma cultura muito distinta da nossa, pois eles praticam ou fazem vários rituais religiosos, que nós da cidade, não estamos acostumados a presenciar, como por exemplo: fazer rituais de iniciação para passar para a fase adulta, também algumas danças, usam roupas feitas de sua própria cultura, e comidas típicas de suas tribos.Acreditamos que os índios, são os verdadeiros brasileiros que hoje assim como ao longo do tempo, foram sendo “excluídos” de seu próprio território. Pessoas que tem sua própria identidade.Como todos já sabemos os índios estavam aqui primeiro que nós, deveríamos ter uma ideia diferente sobre que todos os índios vivem pelados e ..... falando sem nem mesmo conhecimento sobre eles, deveríamos respeitá-los mais e até mesmo a retribuição da terra que hoje tem muita desigualdade.

Como pôde ser analisado, predominou, ainda, nas exposições dos alunos, muito do discurso da historiografia tradicional, do índio genérico. Encontraram-se vestígios do paradigma do Culturalismo Norte-americano, o qual concebe que os grupos indígenas, em estreito contato com a sociedade envolvente, acabam aculturados, ou seja, perdem sua cultura e são integrados a sociedade, condição essa que chama a atenção para a necessidade de capacitação dos professores, para que se descarte esse ideário, que é problemático, pois gera questionamento sobre a identidade étnica dos Povos Indígenas. Muito se falou da relação entre índio e natureza. O índio é tido como protetor da fauna e da flora. O que porém, deve ser enfatizado é que os índios, como todo ser humano, vivem de acordo com sua cultura; não existe entre os seres humanos maneira natural, instintiva ou inata de interagir com o meio ambiente. Há que se entender que toda ação humana altera o estado natural dos materiais para melhor aproveitá-los e, assim, imprimem-se à natureza as marcas características de uma determinada cultura. O que se pode compreender é que os grupos indígenas convivem com o ambiente sem depredá-lo irreversivelmente. (TASSINARI, 2004).

Page 184: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores184

É interessante notar como apareceu, nas impressões dos grupos, a mentalidade de que os Povos Indígenas sofrem discriminação de que sua cultura e história são deixadas à margem em nossa sociedade, e de que não há a devida compreensão sobre esses grupos. Proclamam-se também o reconhecimento dos direitos dos grupos indígenas à terra, o que nos últimos anos se configura como um dos maiores focos de conflitos, entre os proprietários de terras e Povos Indígenas. No que diz respeito à relação entre índio e trabalho apresentaram-se vários questionamentos nos relatos, sobretudo na discussão em sala de aula. Os alunos levantaram vários questionamentos referentes a essa questão. Há incompreensão sobre o que é trabalho para os indígenas; predominou uma visão etnocêntrica de que índio não gosta de trabalhar, e fizeram-se indagações do tipo: “por que, que índio não trabalha, existe uma lei que o protege?”. Podemos buscar raízes para esse pensamento na história tradicional difundida pelos livros didáticos, que abordam o índio da época da colonização em que ele é apontado como avesso ao trabalho, como “preguiçoso”, mentalidade que ainda é reproduzida.

Em um relato constata-se que inexiste compreensão dos seus rituais. A inadequada contextualização de fragmentos da história dos Povos Indígenas, nas salas de aula, expostos sem uma devida explanação gera um estranhamento tão grande que torna difícil compreender sua diversidade. Como exemplo, a exposição, no livro didático, do ritual antropofágico dos Tupinambás, juntamente com a gravura que demonstra o ritual, deixa notar que, se o tema não for tratado de forma contextualizada, não haverá a mínima compreensão da questão, o que poderá gerar inclusive o aumento do preconceito.

Se expressa nas impressões dos alunos a exclusão dos Povos Indígenas dos conteúdos trabalhados em sala de aula, ou seja, falta material, falta informação, falta visibilidade no âmbito dos livros didáticos, falta capacitação dos educadores. Por isso a mentalidade que reina entre os alunos é considerar o índio genericamente, como exemplo a expressão usada por um grupo: - índio como “relíquia de uma cultura antiga”-, o que significa representá-lo no passado como algo cristalizado, como de uma cultura estanque. Os livros didáticos, como exposto, acabam reforçando esse ideário, já que só apresentam os Povos Indígenas quando abordam a ocupação e colonização do território brasileiro, vendo-os apenas como representantes do passado da história do Brasil.

Foi recorrente nas respostas, sobretudo nas exposições em sala, a questão do índio na cidade. O estranhamento de ver índios na cidade, na maioria das falas, ressaltavam-se pela observação de que a cidade não era lugar para eles. Isso se deve à proximidade da cidade de Londrina com as terras indígenas do Norte do Paraná, que se configura um espaço de trânsito. Muitos grupos indígenas, principalmente Kaingang, vêm para a cidade para a venda do artesanato, prática tradicional deste grupo. Os alunos cuja mentalidade, é ver o índio de um modo genérico, protetor da natureza, habitante das florestas, caçam e pescam para sobreviver, que vive em aldeias, estranham ao se depararem com os grupos indígenas na cidade, gera um grande estranhamento, devido à falta de conhecimento e informação sobre estes grupos. Por ai se vê a importância de capacitar os professores sobre a história e cultura indígena, bem como providenciar sobre os índios materiais que sejam distribuídos nos colégios, para a formação dos alunos, a partir da compreensão da alteridade, a fim de que conheçam e respeitem a perspectiva do “outro”. Para que assim promova a construção do conhecimento sobre estes povos, e assim minimize os estranhamentos e preconceitos sobre eles.

Page 185: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 185

É pertinente um breve relato da autora do trabalho a respeito das oficinas realizadas. Percebe-se como os jovens estão abertos para o diálogo e para a desconstrução dos pré-conceitos. Primeiramente, os alunos expunham suas ideias com firmeza, à medida que ia se explicando, e apresentando a alteridade, - a necessidade de compreender a perspectiva do “outro”, do “diferente”, buscar entender e respeitar os grupos indígenas, e respeitar suas diferenças, os educandos passavam a contribuir e se mostravam interessados em conhecer a respeito desses povos. Chama a atenção a fala de um aluno do segundo ano do ensino médio, na última exposição apresentada pelo grupo ao qual ele pertence, em que ele insistiu na necessidade de repensarmos e deixarmos de manter a tradicional ideia exótica do índio, citando a vasta diversidade dos índios existente no Brasil e até mesmo das etnias que habitam o Paraná. Indagado a respeito de seu conhecimento que destoava do conhecimento dos outros grupos, ele informou que havia tido uma aula com a professora de Sociologia a respeito dos Povos Indígenas. Isso nos mostra, que o pouco que se conhece dos índios é fruto, na maioria das vezes, de esforços individuais, mérito de professores que buscam e constroem materiais a respeito do assunto.

considerações Finais

Houve o intento de delinear um breve panorama da representação do índio pela história oficial do Brasil, como os livros didáticos a difundem para as escolas. Por fim ficou patente a problemática apontada neste trabalho, à medida que não há uma visibilidade da historia e da cultura dos Povos Indígenas, de suas lutas e conquistas, bem como de sua presença na atualidade. Houve avanços nas abordagens do livro didático da editora Moderna, como a apresentação dos elementos da perspectiva dos grupos indígenas, uma amostra da diversidade dos povos que habitam o país, a resistência dos Povos Indígenas durante o processo de colonização, porém constata-se que pouco foi feito: apenas um volume do ensino médio trata dos grupos indígenas, o que é absolutamente insuficiente para desconstruir o ideário tradicional inculcado nos alunos. Deixa-se de apresentarem, de fato, a historia e a cultura dos Povos Indígenas e sua presença na atualidade, como também a sua ampla sociodiversidade, as diferentes dinâmicas organizacionais, políticas e sociais. Por fim, verifica-se uma abordagem deficiente da diversidade étnica e cultural, dos índios presente no Brasil, dos tempos da colonização aos dias atuais. A lei 11.645 de 2008 é um avanço na busca de dar a devida visibilidade à cultura e história dos Povos Indígenas no Brasil, porém há uma série de dificuldades que devem ser discutidas em âmbito dos colégios e das universidades, para a busca de soluções. Pode-se citar como problema a falta de qualificação dos docentes para levar adiante o objetivo da lei e o acesso ao material didático, pois poucos professores tiveram, em sua formação, um aprofundamento na história dos Povos Indígenas do Brasil. Em relação ao material didático, sua produção ainda é escassa, e muitas publicações ainda se encontram repletas de erros, seja por desinformação, seja por manterem antigos preconceitos.

Um dos objetivos da pesquisa foi analisar se houve avanços em relação ao conhecimento da diversidade cultural dos Povos Indígenas no âmbito da educação. Pelos relatos dos alunos, percebe-se que ainda há muito do ideário simplificador e genérico da historiografia tradicional. No que se refere ao livro didático, pouco se avançou; os grupos indígenas ainda ocupam a posição de coadjuvante na história oficial, abordados por meio de boxes e algumas atividades. A presença indígena, na atualidade, nem sequer é abordada. Com a falta de formação adequada

Page 186: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores186

dos professores, inexistência de material abrangente não se capacitam os alunos a compreender a sociedade como pluriétnica, configurando-se os índios como parte do presente e do futuro. Discriminação, ausência de informação e intolerância são resultado mais que esperado deste quadro. A educação formal é um grande instrumento capaz de levar nossa sociedade para a condição de equidade e respeito à diferença dos Povos Indígenas, porém é necessário que se construam mecanismos e se assegure que sejam implementadas, de fato, essas condições. É de fundamental importância encurtar os caminhos entre colégio e universidade; para tanto deve existir intercâmbio de conhecimentos, bem como a realização de cursos de capacitação para os professores, em que a Antropologia seria responsável por produzir material a ser disponibilizado para além dos muros da academia.

Referências

GRUPIONI, Luís Donisete Benzi - “As sociedades indígenas no Brasil através de uma exposição integrada” In ______ (org.) - índios no Brasil, SMC-SP, São Paulo, 1992, págs. 13-28.

MONTEIRO, John Manuel. (2004). O Desafio da História Indígena no Brasil. In: SILVA, A. L. & GRUPIONI, L.D.B. (org.). A Temática Indígena na Escola. 4ª ed. São Paulo: Editora Global.

MOTA, Lúcio Tadeu; SOARES DE ASSIS, Valéria. Populações Indígenas no Brasil: histórias, culturas e relações interculturais. Maringá: Eduem, 2008

MOTA, Lúcio Tadeu. As Guerras dos índios Kaingang: a história épica dos índios Kaingang no Paraná (1769-1924). Maringá: EDUEM, 1994.

NOVAK, Éder da Silva. Tekoha e Emã: a luta das populações indígenas por seus territórios e a política indigenista no Paraná da Primeira República - 1889 a 1930. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Maringá. Programa de Pós-Graduação em História, 2006.

LIMA, Antonio Carlos de Souza. Um olhar sobre a Presença das Populações Nativas na Invenção do Brasil. In: SILVA, A. L. & GRUPIONI, L.D.B. (org.). A Temática Indígena na Escola. 4ª ed. São Paulo: Editora Global, 2004.

PNLD; Ronaldo Vainfas; Sheila de Castro Faria, Jorge Ferreira, Georgina dos Santos. Historia Social 1 ª edição 2010. História das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas, volume 1/ Ronaldo Vainfas [et al]. – São Paulo: Saraiva 2010.

TASSINARI, Antonela Maria Imperatriz. Sociedades Indígenas: Introdução ao Tema da Diversidade Cultural. In: SILVA, A. L. & GRUPIONI, L.D.B. (org.). A Temática Indígena na Escola. 4ª ed. São Paulo: Editora Global., 2004.

Page 187: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 187

TOMMASINO, Kimiye. A História dos Kaingang da bacia do Tibagi: Uma sociedade Jê Meridional em movimento. Tese (Doutorado em Antropologia) - Faculdade de Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 1995.

TOMMASINO, Kimiye. Algumas considerações acerca das exposições proferidas pelos representantes dos povos indígenas no simpósio”As cidades e os povos indígenas: mitologias e visões”. In: MOTTA, Lúcio Tadeu (org.). As cidades e os povos indígenas: mitologia e visões. Maringá: EDUEM, 2000

THOMAZ, Omar Ribeiro. (2004). A Antropologia e o Mundo Contemporâneo: Cultura e Diversidade. In: SILVA, A. L. & GRUPIONI, L.D.B. (org.). A Temática Indígena na Escola. 4ª ed. São Paulo: Editora Global.

Page 188: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores188

POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS COMO MECANISMO PARA A MATERIALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

Talita Soares Leite1

Introdução

Para além de qualquer pretensão, este trabalho constitui, antes, um esforço analítico para a compreensão de um modelo de educação idealmente tipificado num entendimento predominante de direitos humanos, motivando políticas públicas, as quais parecem se apresentar como um forte componente estratégico para que tais direitos sejam materializados no Brasil. Não objetiva-se qualquer fidelização teórico-ideológica, ainda que a abordagem do tema se dê a partir de alguns pressupostos constituintes, que serão contemplados ao longo do trabalho, quais sejam: os direitos humanos são uma construção e uma conquista histórica do ocidente para o ocidente, se estabelecendo enquanto uma narrativa comum; se isto é verdade, e se desejamos aderir a essa narrativa, concretizar os valores neles imprimidos deve ser uma tarefa estimulada nas esferas do Estado e da sociedade – separadas nesta ocasião por fins metodológicos e não empíricos; e o anseio por sua aplicação está estritamente vinculado a apelos democráticos, os quais fortalecem o Estado democrático de direito.

Parte-se, então, de uma postura pragmática frente aos direitos humanos, que os coloca sociologicamente na história, sem que se busque, por sua vez, uma gênese oficial ou qualquer tipo de fundamentação transcendental. O pragmatismo2 nos permite abandonar os argumentos e as discussões filosóficas intermináveis e inférteis do ponto de vista da ação, e, ainda assim, defender os direitos humanos, partindo da compreensão de adesão a valores que nos parecem contextualmente ser mais dignos de serem perseguidos. Esta atitude metodológica nos leva ao tema de interesse deste trabalho quando entendemos que, enquanto uma construção narrativa de valores, portanto, os direitos humanos retirados de contexto tornam-se vazios de significado para qualquer tentativa de ação. E aqui as políticas públicas educacionais, cujo núcleo é o discurso dos direitos humanos, não poderiam deixar de ser consideradas somente na medida em que no nosso campo de visão as particularidades sociais, políticas, econômicas e culturais do Brasil se apresentem de forma clara.

O fato de o Brasil ter incorporado a narrativa e os valores impressos no ideário dos direitos humanos não significa, entretanto, que o nosso Estado de direito de papel passado tenha algo a ver com o (bom) emprego destes direitos. Materializar os direitos humanos num país como o Brasil não é tarefa fácil nem imediata. As condições de miserabilidade, a violência, as desigualdades, dentre outros fatores sociais, são indícios de um Estado de direito frouxo, bem como do fraco e deficiente alcance dos direitos humanos. Ao longe do pessimismo, esta denúncia não esgota, nem deveria esgotar, a disposição em criar mecanismos para fazer valer os valores que tal adesão demanda.

Aqui chegamos ao título deste trabalho: Políticas públicas educacionais como mecanismo para a materialização dos direitos humanos no Brasil. Dentre os diferentes esforços que parecem 1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Contato: [email protected] Cf. RORTY, 1998 e JOAS, 2012.

Page 189: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 189

contribuir com esta intenção, o conjunto de ações mobilizadas no campo da educação, que se configura enquanto políticas públicas, se apresenta como um importante elemento no processo de alcance dos direitos humanos, seja a educação um meio para tal façanha, seja ela um fim almejado por meio destes direitos. Explico: entendo ser adequado para a discussão que façamos uma divisão imaginária nas políticas públicas educacionais, para fins metodológicos e analíticos; de um lado encontraríamos esforços que pretendem garantir institucionalmente o “direito humano” à educação de modo democrático e universal, traduzidos no direito à educação, e, de outro, teríamos empenhos em criar, via educação, uma narrativa compartilhável capaz de motivar práticas e ações destinadas à promoção dos valores vinculados ao ideário dos direitos humanos.

Este trabalho foi estruturado com base nestes dois possíveis movimentos das políticas públicas educacionais, de modo que os documentos que as representam pudessem ser analisados a partir deste ponto de vista. Antes, porém, deste momento ser iniciado, entendeu-se relevante a rápida exposição das motivações contextuais as quais sugerem que o debate acerca dos direitos humanos no Brasil tenha se intensificado.

Na primeira sessão, portanto, estas serão apresentadas com o intuito de reforçar o caráter histórico e contingente dos direitos humanos, de modo que as lutas em prol deste ideal sejam amplamente consideradas no processo de fortalecimento de tal debate. Isso nos permite esclarecer que o discurso dos direitos humanos no Brasil não se deu a priori nem tão pouco independente deste processo que é, também, social. Ignorá-lo é, senão, perder de vista uma sociologia capaz de compreender o que os valores podem significar numa dada sociedade, e como eles são assumidos como narrativa na interlocução de seus atores e, ainda, motivam ações concretas individuais, coletivas e institucionais. Faz-se importante, por sua vez – para não submergirmos num abismo de abstrações –, a ênfase nas particularidades do contexto brasileiro, que nos levará a uma melhor compreensão das políticas públicas que requerem continuamente contextualização. No âmbito do discurso a nível internacional, os documentos utilizados foram a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Declaração e Programa de Ação de Viena (1993); no âmbito nacional, utilizou-se o Programa Nacional de Direitos Humanos (1996).

Na segunda sessão, de acordo com a divisão proposta, serão abordados os esforços de ação direcionados à afirmação do direito à educação. Aqui, a intenção é discutir o processo de constitucionalidade da educação enquanto um direito humano fundamental, bem como os aproveitamentos práticos deste direito, o que inclui temas como acesso, permanência e conclusão de crianças e adolescentes no ensino básico3. Para a realização desta tarefa, além da Constituição Federal (1988), os documentos consultados foram o Relatório Brasileiro sobre Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (2003), o Programa Nacional de Direitos Humanos (1996) e sua terceira revisão atualizada (2010) e o Relatório Todas as crianças na escola em 2015 – iniciativa global pelas crianças fora da escola (2012).

A terceira e última sessão nos conduzirá àquele segundo movimento das políticas públicas educacionais, cuja pretensão é estabelecer uma narrativa comum, que possa ser compartilhada e seja um motivador para ações voltadas à promoção dos direitos humanos. Será neste terreno fértil que a aspiração de uma educação em direitos humanos florescerá enquanto um plano de educação entremeado por conteúdos e valores capazes de dar seiva àquela narrativa. O ponto

3 Por limitações objetivas, deu-se preferência a este recorte. Entende-se, porém, que isto não esgota a gama de significações e implicações do direito à educação, nem tão pouco a discussão sobre o tema.

Page 190: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores190

de partida é o entendimento da educação enquanto um elemento orientador e motivador do respeito aos direitos humanos, através da inclusão do tema nos programas de educação, currículos escolares, livros didáticos etc. Foram de grande relevância aqui os documentos: Declaração e Programa de Ação de Viena (1993), Programa Nacional de Direitos Humanos–3 (2010), Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2007), Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos (2012), Texto orientador para a elaboração das Diretrizes Nacionais da Educação em Direitos Humanos (2011) e Parecer CNE/CP nº 8/2012 (2012).

Não é de desconhecimento da autora que os documentos consultados para a elaboração deste trabalho não são, de forma alguma, suficientes para uma análise abrangente da discussão das políticas públicas educacionais. Mais uma vez o debate não se esgota. As observações que aqui foram feitas são uma pequena tentativa de expor, ainda que de modo lacônico, uma versão do que estes documentos podem indicar quando partimos da compreensão de que as ações motivadas por eles mostram-se como um mecanismo muito produtivo para que os direitos humanos sejam alcançados, e passem do discurso aos fatos. Isso me permite dizer que este trabalho não se restringe a uma tarefa acadêmica, mas ele tem raízes num modo de ver as possibilidades de alcance dos valores que julgamos dignos de serem impulsionados.

Intensificação do debate sobre os direitos humanos no Brasil

Antes de qualquer coisa, é válido lembrar que a crescente intensificação do debate acerca dos direitos humanos nos últimos anos pode, em muitos momentos, ofuscar a natureza histórica destes mesmos direitos e todo o processo de lutas e conquistas que envolvem a sua promoção e garantia. Reconhecer a historicidade e a contingência do que entendemos hoje por direitos humanos pode nos permitir uma melhor compreensão das políticas públicas motivadas por tais direitos. Esta afirmação se confirma tendo em vista as particularidades sociais, políticas, econômicas e culturais do Brasil, as quais devem ser obstinadamente levadas em conta para a compreensão do processo de estabelecimento jurídico-constitucional dos direitos humanos e das dificuldades que acometem a sua efetiva concretização.

Em termos gerais, é de conhecimento das ciências sociais, que a modernidade ocidental possibilitou o surgimento de uma noção particular de indivíduo/pessoa, portador de certa dignidade em si mesmo. Este paradigma foi intensamente violado e posto à prova em diversos momentos da história recente do ocidente, destacando-se o século XX com suas experiências totalitárias na Europa e ditaduras na América Latina. O trauma infligido por estes contextos fizeram emergir a necessidade do nascimento de um aspecto mais “humano” do universo político e social, anseio que induziu novos discursos sobre os direitos humanos.

Tendo isto em vista, para pensarmos num nível mais internacional, farei aqui um pequeno parêntese com as contribuições de Hannah Arendt4, que ao longo de sua vida produziu vários ensaios dedicados à compreensão do sentido da política na modernidade, a experiência totalitária da Alemanha e da Rússia, e, consequentemente, induzem sobre as possibilidades de um modo de vida novo e plural. As reflexões apuradas de Hannah Arendt sobre o sentido do fenômeno do totalitarismo lançam-nos subsídios analíticos para a discussão do tema dos direitos humanos: o rompimento estabelecido pela experiência totalitária do nazismo e do

4 Cf. ARENDT, 1979; 2009.

Page 191: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 191

stalinismo acarretou um reconhecimento legal/legítimo dos indivíduos enquanto meros objetos rejeitáveis e superficiais, ferindo fatalmente os princípios, antes consagrados, do Direito e da Justiça – valores individuais e sociais.

Este rompimento, em termos jurídicos, representa o momento em que uma “lógica do razoável”, que compõe a análise e o discurso jurídicos, não contempla os meios necessários para frear uma nãorazoabilidade que configura certos experimentos, como é o caso do fenômeno totalitário. Os totalitarismos não foram produto, como muitos sustentam, de determinada iminência externa; ao contrário, teve seu nascimento em meio à modernidade enquanto uma ampliação nãoprevista e nãorazoável dos valores abarcados por ela.

Arendt busca não só compreender a realidade como também se dedica a certa proposição reconstrutiva desta realidade, por meio de uma argumentação crítica: obstina uma análise das qualidades políticas e jurídicas as quais possibilitam a manutenção e segurança de um mundo comum, caracterizado pela presença de formas de vida plurais e diversas, e vigorado através da “criatividade do novo”, que, segundo Arendt, seria capaz de barrar o ressurgimento de uma nova configuração de Estados totalitários. Contudo, ainda que findo os totalitarismos, a conjuntura social, política e econômica da contemporaneidade – naturalização da pobreza, condições precárias de vida, fundamentalismos étnico-religiosos etc., violências institucionais – parece ter mantido o modo desumanizado de conceber os seres humanos e reforçado a ideia de um nãopertencimento a formas de vida comum.

Um reconhecimento dos indivíduos enquanto meros objetos rejeitáveis e superficiais, tão claramente atestado pelo totalitarismo, configura um afrontamento direto à concepção dos indivíduos, tal qual construído pela modernidade ocidental, enquanto valor primordial da legitimidade da ordem jurídica: a correspondência jurídica deste valor em si do sujeito de direito são os próprios direitos humanos, hoje marcados pela conexão entre direitos civis, políticos e sociais. Aqui, a educação pública e universal, não apenas como um direito pleiteado pelas constituições com base nos direitos humanos, mas ainda como um instrumento de reavivamento dos valores dos sujeitos que legitimam os próprios direitos do homem, pode possibilitar uma mudança paradigmática e prática do modo de conceber os indivíduos.

Afora este quadro das experiências dos países europeus, que influenciaram fortemente o entendimento atual acerca dos direitos humanos, nas particularidades dos países da America Latina, a vivência com regimes ditatoriais contribuiu para a mobilização da sociedade civil em prol dos direitos humanos, como será demonstrada adiante, os quais foram aderidos discursivamente como uma resposta àqueles governos autoritários e em defesa das liberdades políticas-democráticas, que, posteriormente, se estabeleceram como conteúdos de várias demandas sociais, políticas, econômicas e culturais.

Estas considerações implicam a verificação de que o fato de um quadro compartilhado de direitos ser reconhecido por uma comunidade internacional, na qual o Brasil é um país membro, não valida a afirmativa de sua incondicionalidade, exatamente devido a seu caráter histórico. Em outras palavras, seguindo os indicativos de Bobbio5, a Declaração Universal dos Direitos Humanos – Carta da ONU de 1948 – que assinalou a atual compreensão dos direitos humanos, ainda que represente “a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX”, ela não apresenta, por sua vez, “tábuas gravadas de uma vez para

5 Cf. BOBBIO, 1988.

Page 192: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores192

sempre” (BOBBIO, 1992, p. 34), de tal modo que sugere a necessidade de periódica atualização e aperfeiçoamento de seus conteúdos, sempre tendo em vista as demandas e especificidades do país.

Em consonância com esta posição, o surgimento de novas discussões no sentido da defesa dos direitos humanos nos permite constatar que estes direitos não ficam restritos a um tipo de normatividade definitiva. Isto é, o próprio conteúdo do conjunto de direitos considerados fundamentais se apresenta de certo modo flexível às diversas exigências e particularidades nacionais, o que corrobora para a manutenção de uma práxis democrática. Um grande marco neste debate foi a Declaração e Programa de Ação de Viena aprovada em 25 de junho de 1993 pela Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, que visa atualizar a DUDH de 1948, propondo uma revisão e reafirmação não apenas da pretensão universal daquela primeira, mas também “dos mecanismos de proteção dos direitos humanos, a fim de melhorar e, assim, promover uma plena observância desses direitos, de forma justa e equilibrada” (cf. ONU, 1993).

O pressuposto de que os direitos humanos são desejáveis e, portanto, devem existir procedimentos para alcançá-los, não garante a sua legitimidade. Nesse sentido, o problema atual referente aos direitos humanos deixa de ser pensado em termos de fundamentações filosóficas, no sentido de sua justificação, mas apresenta-se enquanto uma questão política e social acerca do alcance da aplicabilidade e proteção destes direitos. No quadro das sociedades modernas, a observância dos direitos humanos se torna um desafio nos diversos contextos. No Brasil, este desafio é acentuado pelas condições de desigualdades sociais, para além de um histórico recente de constituição democrática, que impedem os direitos humanos de cumprirem o seu papel universal.

Considerando essa problemática, parece ser interessante a identificação, ainda que sinteticamente, das condições históricas que possibilitaram a intensificação do debate sobre os direitos humanos no Brasil. Para tanto, com fins exclusivamente metodológicos, utilizarei aqui a sugestão de movimento analítico proposto por Emir Sader6. Sader irá distinguir quatro momentos da história do Brasil que de alguma forma influenciaram o entendimento atual acerca dos direitos humanos. Em primeiro lugar, no período que antecedeu o golpe de 64, onde a própria ideia de direito restringia-se ao âmbito jurídico, a questão integral dos direitos humanos não se incluía no repertório teórico e político das pautas governamentais e de movimentos e partidos de oposição. Neste momento, a ênfase era colocada no aspecto econômico, o qual promovia os direitos trabalhistas em vista da superação das situações de informalidade.

Este quadro configurou, segundo Sader, o “processo mais extenso na história brasileira de promoção dos direitos humanos” (SADER, 2007, p. 76), uma vez que proporcionou a milhões brasileiros o status de sujeitos de direitos, por meio da concessão do “direito à carteira de trabalho e, com ela, a assistência social, a aposentadoria, a organização sindical” (ibidem), de modo que estes novos sujeitos pudessem reclamar judicialmente estes direitos, agora na categoria de cidadãos. Nesta ocasião, vale lembrar que a configuração predominante em vigor fincava raízes na administração de Vargas, na qual o desenvolvimento foi marcado por um alargamento do mercado interno fortemente caracterizado pela massificação do consumo. Esta configuração foi constituída a partir de uma aliança entre as organizações sindicais, as classes médias e a grande burguesia industrial, que detinha a dominância, uma vez que sua motivação principal era o desenvolvimento econômico. Isto é, nas palavras de Sader:

6 Cf. SADER, 2007.

Page 193: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 193

O desenvolvimento industrial requeria mão-de-obra qualificada, mercado interno de consumo, um Estado que o protegesse da competição predatória dos grandes monopólios internacionais e fornecesse créditos para os investimentos. Este programa contemplava interesses das classes médias e dos trabalhadores sindicalizados, constituindo a base da grande aliança social que dava sustentação aos governos desde 1930 a 1964. (SADER, 2007, p. 76).

O que hoje entendemos por Estado, no Brasil, foi fruto exatamente deste quadro

específico de desenvolvimento assinalado por um “modelo de industrialização substitutiva de importações”, o qual proporcionou a mudança de um Estado ruralista calcado nas demandas da chamada “oligarquia primário-exportadora” para um Estado urbano-industrial com caráter nacional, que agora se encarregava de afiançar os direitos sociais, de um modo genérico, encabeçados pelos direitos trabalhistas e pelo direito ao voto, os quais se caracterizavam, segundo Sader, enquanto um “desdobramento imediato desse desenvolvimento” (SADER, 2007, p. 77). Este primeiro período teve seu desfecho com o golpe militar de 1964, que inaugurou uma nova temporada que viria romper drasticamente com aquele modus operandi econômico, social e ideológico: o processo de inclusão das massas ao sistema de mercado e ao status de cidadania, o qual proporcionava uma crescente movimentação social, foi obstruído por um novo regime econômico que recolocou no cenário nacional a questão da exportação, que beneficiava as classes com alto poder de consumo em detrimento do fortalecimento do mercado interno de consumo.

As práticas deste novo modelo, que de forma geral se baseavam na rescisão dos acordos com a massa trabalhadora, na compressão dos salários e na coibição a qualquer movimento sindical e de oposição, distinguiu este momento da história do país, justamente pelo fato de os direitos econômicos, políticos e sociais terem sido fortemente violados. O governo de Vargas (1930-1945), ainda que tenha se configurado também como uma ditadura em termos da ausência de liberdades políticas, obteve ganhos sociais inovadores, ao passo que o governo militar (1964-85) “reprimiu, sistematicamente, os direitos políticos e, ao mesmo tempo, expropriou direitos econômicos e sociais, caracterizando-se claramente como um governo a favor dos ricos e poderosos” (SADER, 2007, p. 78). A nossa compreensão atual acerca dos direitos humanos surge neste contexto em que, tendo esgotado o período de desenvolvimento econômico, que perdurou cinquenta anos, e intensificado a oposição com períodos de grandes greves, introduz o terceiro momento do histórico destes direitos no Brasil, o qual foi marcado pelo processo de transição democrática, motivado pela deslegitimação do regime militar. Este período de transição, segundo Sader:

[...] foi uma mescla do velho regime e do novo, porque a oposição não conseguiu impor a realização de eleições diretas para que o povo escolhesse o primeiro presidente não militar, em mais de duas décadas. Assim, quem acabou assumindo esse posto – José Sarney – tinha sido presidente do partido da ditadura e havia comandado a campanha contra as eleições diretas até poucas semanas antes. Constituiu um governo baseado na aliança entre o PMDB e um partido proveniente da ditadura – o PFL –, com ministérios importantes do novo governo ocupados por políticos do antigo regime. A principal limitação do novo governo acabou sendo que, apesar de reconstituída a democracia política – e votada uma nova Constituição -, não foi feita nenhuma reforma econômica ou social, que desse um

Page 194: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores194

caráter mais profundo à democratização. Ao contrário, acentuou-se a concentração do poder da terra, da indústria, dos meios de comunicação, dos bancos. A democratização restringiu-se ao plano político-jurídico. (SADER, 2007, p. 79).

Esta configuração teve como consequência um abatimento daquele acúmulo de motivação democrática advinda da oposição ao governo autoritário e cujo apogeu se deu na ocasião da Assembleia Nacional Constituinte, a qual demandava uma nova Constituição que estivesse em consonância com um Estado democrático de direito, em detrimento da Constituição imposta pela ditadura até então em vigor. A energia gerada pela declaração daquela nova Carta Constitucional, que estabelecia para os cidadãos a garantia dos direitos desapropriados pelo período ditatorial, não durou muito tempo: uma empreitada ideológica que criminalizava o Estado, prontamente se estabelecia e armava o cenário para a propagação da ideologia neoliberal. A oposição contra a Nova Carta foi incentivada pelo governo Sarney sob o pressuposto de que o Estado não detinha qualidades suficientes para acolher todo o conjunto de direitos que prescrevia aquela Constituição. O neoliberalismo adentrou o Estado com a eleição direta – primeira desde 1960 – do presidente Fernando Collor de Mello, que abandonou as ideias de criminalização do Estado em favor das teorias que sugeriam o estabelecimento de um Estado mínimo e de uma economia centrada no mercado. Deste modo, se deu início ao quarto momento caracterizado pela “hegemonia neoliberal”.

A ideologia neoliberal, segundo muitos críticos, possui um processo intrínseco acelerado de desapropriação de direitos, uma vez que se baseia em um “modelo que privilegia os mecanismos de mercado, que prega a retração do Estado na prestação de políticas sociais, que promove a precarização das relações de trabalho” (SADER, 2007, p. 80) etc. O neoliberalismo, em termos sociais, tem se mostrado, não espantosamente, como um modelo fracassado na garantia e proteção de direitos, tendo em vista o esforço, sempre aparentemente ativo, no sentido de uma substituição da concepção de direitos pela ideia de oportunidades. Há, portanto, uma configuração aqui que parece funcionar de um modo contraditório no que diz respeito aos direitos humanos. A abertura democrática de 1985 permitiu ao Estado brasileiro o desenvolvimento de uma política nacional de direitos humanos, que compartilharia as avaliações das diversas organizações e movimentos de luta por estes direitos iniciada na oposição à ditadura nos anos 70, momento em que foram criadas as primeiras comissões de direitos humanos, e que ganharia uma forma mais clara a partir de 1995, com o governo de Fernando Henrique Cardoso. Aqui, passados quase cinquenta anos da Carta da ONU de 1948, os direitos humanos começam a se configurar também como política oficial do Estado, e recebem uma fundamentação também oficial com o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), afirmado em 1996, pelo então presidente.

Para além do estabelecimento de uma política institucional, o PNDH se apresenta com a pretensão de provocar mudanças significativas na opinião pública. É claro que a transformação da mentalidade política e social dos cidadãos não se dá de forma imediata nem tão pouco efetiva, de modo que políticas públicas com a intenção de suavizar, em todas as camadas da população, a aceitação de ações despóticas por parte do Estado, no período de consolidação da democracia, operam num universo de resultados com prazos estendidos.

Page 195: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 195

O PNDH, que se configura como uma espécie de continuação e reforço do artigo 5º da Constituição Federal de 19887, caminha no sentido de tentar balizar e reverter as graves violações de direitos humanos, e segue as sugestões, como será exposto com maior clareza na sessão seguinte, da Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993 em Viena, que contou com a presença ativa do Brasil. O texto introdutório do PNDH traz a conceituação dos direitos humanos que o país irá assumir oficialmente após a reunião de Viena:

Os direitos humanos não são porém, apenas um conjunto de princípios morais que devem informar a organização da sociedade e a criação do direito. Enumerados em diversos tratados internacionais e constituições, asseguram direitos a indivíduos e coletividades e estabelecem obrigações jurídicas concretas aos Estados. Compõem-se de uma série de normas jurídicas claras e precisas, destinadas a proteger os interesses mais fundamentais da pessoa humana. São normas cogentes ou programáticas, que obrigam os Estados nos planos interno e externo. (BRASIL, 1996)

Nesse sentido, o PNDH promove uma reflexão e um aprofundamento de um novo entendimento acerca dos direitos humanos, cujas bases são uma compreensão anteriormente compartilhada por diversas organizações de direitos humanos, mas que se distinguiu, naquele momento, devido ao fato de ter sido pela primeira vez professado e defendido pelo governo brasileiro. Este novo entendimento propõe uma visão mais ampla dos direitos humanos, que reúne os direitos deliberados em convenções internacionais e que foram sancionados pelo Congresso Nacional. Neste momento, o valor da cidadania é central, com pretensões de alcance universal, ou seja, em contraposição à tradição de privilégio das elites, a cidadania deve abarcar de forma integral os indivíduos de todas as esferas sociais. Deste modo, o governo nacional, juntamente com os governos estaduais, passa a ter a responsabilidade da proteção não só dos direitos humanos determinados pela Constituição Federal e as constituições estaduais, mas também daqueles decididos por acordos internacionais que são validados e aplicados pela Constituição de 88.

No ano de 2002, o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que sublinhava os direitos civis e políticos, teve sua segunda revisão (PNDH-2), a qual aliava àqueles direitos também os direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais, e, no ano de 2010, foi estabelecida a sua terceira revisão (PNDH-3), com o objetivo de possibilitar um roteiro de ação para dar sequência à integração e ao aperfeiçoamento dos instrumentos capazes de instituir novos mecanismos de construção e monitoramento de políticas públicas de direitos humanos no Brasil.

É válido lembrar que as políticas públicas de direitos humanos, que se pretendem efetivas e duradouras, devem ser políticas de Estado, isto é, independente do governo em vigor, da conjuntura, o Estado e a sociedade civil compartilham das responsabilidades em relação ao esforço em prol dos direitos humanos. Tão importante se mostra, por sua vez, a relação decisiva entre o estabelecimento dos direitos humanos e o fortalecimento da democracia, relação esta que aparece de forma mais intensa quando olhamos para as condições históricas que impulsionaram

7 O Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 tem como princípio: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Page 196: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores196

o discurso dos direitos humanos no Brasil. Nesse sentido, as políticas públicas de direitos humanos assumem a responsabilidade de promover não só os direitos humanos e sua total observância, mas também a democracia, afirmando, assim, o Estado democrático de direito.

Direito à educação: da constituição às políticas públicas

Após uma breve reconstrução dos contextos históricos nos quais o conceito e a institucionalidade dos direitos humanos se ativaram no Brasil, chegaremos ao tema da educação e das políticas públicas educacionais como ferramentas importantes na luta em prol da promoção e concretização destes direitos no nosso país. Sendo assim, para fins analíticos, parece ser conveniente que façamos uma distinção de duas disposições das políticas públicas educacionais: aquelas que visam à garantia institucional do direito humano à educação, e aquelas que se dirigem à criação de uma narrativa compartilhável capaz de motivar um conjunto de práticas e ações dedicadas à promoção dos valores impressos no ideário dos direitos humanos. Nesta segunda sessão, portanto, sugiro uma abordagem das políticas públicas e ações voltadas para afirmar o direito à educação, com o objetivo de abordar as questões que indicam não só a constitucionalidade da educação como um direito humano, mas também aquelas que se referem à ocorrência prática deste direito – acesso, permanência e conclusão.

Ao tratar do Direito Humano à Educação, no Relatório Brasileiro sobre Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais, produzido em 2003, Sérgio Haddad, argumenta que entender a educação como um direito humano é compreendê-la como um caminho essencial para se alcançar os direitos humanos em todos os seus aspectos. Nesses termos, Haddad assume que:

[...] o acesso à educação é em si base para a realização dos outros Direitos. Isso quer dizer que o sujeito que passa por processos educativos, em particular pelo sistema escolar, é normalmente um cidadão que tem melhores condições de realizar e defender os outros direitos humanos (saúde, habitação, meio ambiente, participação política etc). A educação é base constitutiva na formação do ser humano, bem como na defesa e constituição dos outros direitos econômicos, sociais e culturais. (HADDAD apud BRASIL, 2003, p. 123).

No Brasil, a ideia da educação como um direito universal irá ser especificamente delineada apenas na Constituição Federal, promulgada em 1988, na qual a educação aparece como sendo parte do conjunto de direitos sociais8; até então, as legislações anteriores não traziam de forma evidenciada uma afirmação desta espécie de direitos, cujo direito à educação é proeminente9. Assim, esta nova visão constitucional da educação representou uma melhoria

8 Os direitos sociais são declarados no artigo 6º da Constituição Federal de 1988: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.9 O que constava anteriormente era apenas que cabia à União dos Estados “estabelecer planos nacionais de educação” e “legislar sobre: [...] q) diretrizes e bases da educação nacional” (Constituição Federal de 1967, artigo 8). Ainda que a educação já estivesse prevista como um direito universal, a gratuidade e obrigatoriedade do ensino só seria garantida para o ensino dos sete aos quatorze anos, sendo mantida a gratuidade após este período “para quantos, demonstrando efetivo aproveitamento, provarem falta ou insuficiência de recursos. Sempre que possível, o Poder Público substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o posterior reembolso no caso de ensino de grau superior” (Artigo 168, § 3º, inciso III). O artigo 206 da Constituição de 1988 avança no sentido da gratuidade do ensino, agora prevista em todos os níveis da educação pública, sendo estendida para o ensino médio, antes era encarado apenas como exceção.

Page 197: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 197

no sentido da ampliação do conceito de educação pública a partir da incorporação de uma Declaração do Direito à Educação, especialmente detalhada, e que introduz os mecanismos jurídicos necessários para que este direito seja garantido, uma vez que, para além da noção de direito, a educação aparece na legislação nacional também como um dever que compete ao Estado10. Tal detalhamento do direito à educação encontra-se estabelecido no artigo 208 da Constituição, conforme mostra o Quadro 1.

Quadro 1: Exposição do artigo 208 da Constituição de 1988

SeçãO I - DA eDUcAçãO

Art. 208.O dever do Estado

com a educação será efetivado mediante a

garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

Art. 208.O dever do Estado

com a educação será efetivado mediante a

garantia de:

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional n nº 59, de 2009)

§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola.

Fonte: Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

De um modo geral, podemos distinguir os incisos acima em duas categorias: aqueles que podem responder “o que o Estado está sendo convocado a garantir?” e aqueles que sugerem uma resposta à “como o Estado deve garantir?”. Seguindo este fio condutor, observamos que os seis primeiros incisos indicam quais as disposições que o Estado deve tornar efetivas para que o direito à educação seja afirmado, isto é, garantir a universalização de toda a educação básica 10 Como previsto no artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Page 198: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores198

desde a creche, ainda que o ensino médio apareça como uma meta “progressiva”, bem como prover satisfatoriamente a educação especial e a educação no período noturno.

Já o inciso VII apresenta a maneira pela qual as disposições citadas anteriormente poderão ser realizadas, ou seja, por meio de um conjunto de práticas que devem ser desempenhadas pelo Estado. Nesse sentido, fica claro que somente a garantia da universalização da educação não assegura a efetividade do direito; é necessária uma série de outros elementos práticos para que o gozo do direito à educação seja atingido: nos termos da Constituição, para além da afirmação do direito, o Estado deve oferecer as condições para o seu acesso “por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”.

Os parágrafos que dão sequência ao inciso VII, ao alegarem a categorização da educação como um “direito público subjetivo”, da responsabilização do próprio Estado pelo não cumprimento das disposições declaradas e indicar que a frequência escolar do aluno deve ser acompanhada “junto aos pais ou responsáveis”, reafirmam a educação como um direito de todos e um dever do Estado e da família, que deve ser indiscutivelmente garantido. Com relação a esta afirmação, o jurista José Cretella Junior, ao comentar a Constituição Federal de 88, argumenta que não há “a menor dúvida a respeito do acesso ao ensino obrigatório e gratuito que o educando, em qualquer grau, cumprindo os requisitos legais, tem o direito público subjetivo, oponível ao Estado, não tendo este nenhuma possibilidade de negar a solicitação, protegida por expressa norma jurídica constitucional cogente” (CRETELLA, 1993 apud OLIVEIRA, 1998, p. 64).

Estas considerações dão margem para que os cidadãos possam demandar o cumprimento do direito à educação, com todas as implicações constantes no texto constitucional, frente ao Poder Público e à autoridade competente, ou seja, ainda nas análises do jurista brasileiro:

[...] todo cidadão brasileiro tem o direito subjetivo público de exigir do Estado o cumprimento da prestação educacional, independentemente de vaga, sem seleção, porque a regra jurídica constitucional o investiu nesse status, colocando o Estado, ao lado da família, no poder-dever de abrir a todos as portas das escolas públicas e, se não houver vagas, nestas, das escolas privadas, pagando as bolsas aos estudantes (CRETELLA, 1991 apud OLIVEIRA, 1998, p. 65).

Um exemplo prático desta condição de exigência do direito à educação, nas qualidades previstas na Constituição, são as ações civis públicas que foram impetradas pelo Ministério Público Estadual (MPE) de Alagoas, que tem como finalidade exigir que o governo do Estado reestabeleça de pronto ato os serviços de educação, sob a alegação de que cerca de 11 mil alunos, segundo os dados do MPE, perderam o primeiro semestre letivo do ano de 2012 ao fato de as atividades escolares não terem sido iniciadas até julho do mesmo ano. De acordo com o jornal Gazeta de Alagoas (edição do dia 07 de julho de 2012), tanto a promotora de Justiça, Cecília Carnaúba, quanto o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinteal), avaliaram que os prejuízos são fruto de uma ausência de planejamento, por parte da Secretaria de Estado da Educação, no sentido de implementar o plano que prevê a reforma de 163 unidades escolares em todo o Estado de Alagoas, que acabou por impedir o início das atividades. Dentre as dificuldades apreendidas, encontra-se a carência de carteiras em diversas unidades escolares, uma delas está sob o risco, segundo a Defesa Civil, de desabamento de uma barreira localizada nos fundos da escola, e o descontrato com empresas que realizariam as reformas.

Page 199: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 199

Na história recente do Brasil, muitas têm sido as iniciativas que visam à promoção dos direitos humanos no país. Como destacado na sessão anterior, desde a abertura democrática têm-se criado possibilidades para que os direitos humanos sejam introduzidos no cenário da discussão pública, objetivando não só a visibilidade do tema como também a transformação destes direitos, agora já assumidos pelo Estado brasileiro, em políticas públicas. Essas possibilidades foram fortalecidas pela incorporação das disposições propostas pela Declaração e Programa de Ação de Viena (1993), a qual sublinha a interdependência entre democracia e direitos humanos, de tal modo a orientar os Estados a promoverem instrumentos de garantia destes direitos, para que o Estado democrático de direito seja estabelecido e fortalecido, ao passo que, simultaneamente, quando reforçado os aspectos democráticos, os direitos humanos encontram espaço para se efetivarem.

Entendendo este fundamento, o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH (1996) se apresentou nesses termos, ou seja, objetivou-se promover uma interação democrática entre a sociedade civil e o Estado, em busca do desenvolvimento de uma política voltada para os direitos humanos. Nesse sentido, o PNDH foi um marco no que diz respeito às políticas públicas de direitos humanos no Brasil, e, depois de um pouco mais de dez anos de existência, culminou numa das mais importantes conquistas na área da promoção dos direitos humanos, que foi a sua terceira revisão, assinada em 2009, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fruto dos debates ocorridos na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos em 2008. O PNDH-3 tem fundamentos numa sugestão proposta pela Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena: promover e assegurar os direitos humanos, por meio da elaboração de um roteiro de ações, e fortalecer a democracia, não só no seu sentido político-institucional, mas principalmente quanto à promoção da igualdade econômica, social e cultural.

Com a imputação de status de ministério à Secretaria Especial dos Direitos Humanos e a criação da “Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, também com força de ministério, destinadas, as três, a articular esforços com todas as demais áreas da administração” (PNDH-3, p. 11), o ex-presidente Lula, na apresentação do PNDH-3, afirmou que houve a preocupação para que “a proteção aos Direitos Humanos fosse concebida como ação integrada de governo e, mais ainda, como verdadeira política de Estado, com prosseguimento sem sobressaltos quando houver alternância de partidos no poder, fato que é natural e até indispensável na vida democrática” (ibidem), de modo que não seja um programa intermitente.

A Declaração e Programa de Ação de Viena (1993), é válido lembrar, tem como base o tripé direitos humanos – democracia – desenvolvimento, de tal forma que, para além de estabelecer uma reciprocidade entre direitos humanos e democracia, afirma a indivisibilidade e interdependência de todas as dimensões dos direitos humanos: direitos sociais, políticos, civis, econômicos, culturais, ambientais. Reafirmando esta qualidade dos direitos humanos, o PNDH-3 apresenta esforços para integrar as classes destes direitos por meio de uma estruturação do programa em eixos temáticos que mobilizam a cooperação de diversos setores do Governo, uma vez que os principais desafios para sua efetivação são elencados numa disposição interdependente. Esta configuração, assim, tem como premissa levar a cabo o desafio: como promover e universalizar os direitos humanos num contexto de desigualdade e de vigência de um modelo de desenvolvimento insustentável e concentrador de renda?

Page 200: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores200

Nesse sentido, fica evidente que não podemos articular o tema dos direitos humanos no Brasil isentos da consideração de que há uma conjuntura de desigualdades sociais e estruturais que impossibilitam que determinados sujeitos tenham seus direitos reconhecidos ou garantidos, sob diversos pretextos como classe social, idade, sexo, cor etc. Isto nos permite entender que, para que os direitos humanos sejam efetivos num país com intensas desigualdades, as políticas públicas de promoção e garantia destes direitos devem vir sempre acompanhadas de políticas que visam também o combate a estas desigualdades; afirmativa que pode ser apreendida no modo como o PNDH-3 integra as ações requeridas para a concretização dos direitos humanos. A educação, um dos eixos condutores do programa e o “mais estratégico para transformar o Brasil num país onde, de fato, todos assimilem os sentimentos de solidariedade e respeito à pessoa humana” (PNDH-3, p. 12), aparece como um direito básico, parte universal, indivisível e interdependente dos direitos humanos, fundamental para o desenvolvimento do país. Na estrutura do PNDH-3, no Eixo Orientador III, conforme mostra o quadro 2, o direito do acesso a uma educação qualitativa e à garantia de permanência na escola será colocado como o quinto objetivo estratégico de ação.

Quadro 2: Exposição do referente trecho do PNDH-3eIxO ORIentADOR III

Universalizar Direitos em um Contexto de Desigualdades

DIRetRIz 7Garantia dos Direitos Humanos de Forma Universal, Indivisível e Interdependente,

assegurando a cidadania plena

Objetivo estratégico VAcesso à educação de

qualidade e garantia de permanência na escola

Ações programáticas:a) Ampliar o acesso à educação básica, a permanência na escola e a universalização do ensino no atendimento à educação infantil.b) Assegurar a qualidade do ensino formal público com seu monitoramento contínuo e atualização curricular.c) Desenvolver programas para a reestruturação das escolas como polos de integração de políticas educacionais, culturais e de esporte e lazer.d) Apoiar projetos e experiências de integração da escola com a comunidade que utilizem sistema de alternância.e) Adequar o currículo escolar, inserindo conteúdos que valorizem as diversidades, as práticas artísticas, a necessidade de alimentação adequada e saudável e as atividades físicas e esportivas.f ) Integrar os programas de alfabetização de jovens e adultos aos programas de qualificação profissional e educação cidadã, apoiando e incentivando a utilização de metodologias adequadas às realidades dos povos e comunidades tradicionais.g) Estimular e financiar programas de extensão universitária como forma de integrar o estudante à realidade social.h) Fomentar as ações afirmativas para o ingresso das populações negra, indígena e de baixa renda no ensino superior.i) Ampliar o ensino superior público de qualidade por meio da criação permanente de universidades federais, cursos e vagas para docentes e discentes.j) Fortalecer as iniciativas de educação popular por meio da valorização da arte e da cultura, apoiando a realização de festivais nas comunidades tradicionais e valorizando as diversas expressões artísticas nas escolas e nas comunidades.k) Ampliar o acesso a programas de inclusão digital para populações de baixa renda em espaços públicos, especialmente escolas, bibliotecas e centros comunitários.l) Fortalecer programas de educação no campo e nas comunidades pesqueiras que estimulem a permanência dos estudantes na comunidade e que sejam adequados às respectivas culturas e identidades.

Fonte: Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), 2010.

Page 201: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 201

A conciliação entre a universalização do direito à educação e a garantia do acesso, permanência e conclusão é um desafio constante que deve ser encarado como uma política pública de Estado voltada, principalmente, para as populações mais vulneráveis em termos de sucesso escolar. O panorama de institucionalidade do direito à educação e de possibilidade jurídica de exigência do seu cumprimento é inegavelmente um avanço na luta em prol da concretização dos direitos humanos no Brasil; negar a sua importância seria desconsiderar, num comportamento anacrônico, todo o processo histórico e de luta cursado por estes direitos, que permitiu à educação o ganho do status legal de direito e universalidade. Não seria preciso salientar, contudo, que há um longo caminho que separa a garantia constitucional da educação enquanto um direito e a sua plena efetivação, realidade esta que pode ser apreendida tendo em vista os índices de acesso, permanência e sucesso da história escolar.

Diante da necessidade de encurtar esse caminho, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação publicaram em 2012 o Relatório Todas as crianças na escola em 2015 – Iniciativa global pelas crianças fora da escola, projeto que tem como objetivo atuar como uma iniciativa de cooperação nos esforços públicos para aperfeiçoar os progressos em relação à garantia do direito à educação, por meio da ênfase na questão da superação da exclusão escolar tanto dos que estão fora da escola quanto daqueles que, inseridos no sistema escolar, encontram-se vulneráveis a ela. Segundo o relatório, “a falta de diálogo e trabalho conjunto entre as várias áreas e os diversos níveis do Estado é um dos principais entraves para a implementação de políticas públicas efetivas de enfrentamento do complexo fenômeno da exclusão escolar” (UNICEF, 2012, p. 11), constatação que motivou a integração de representantes de diversos setores do Estado e da sociedade civil no desempenho do projeto.

Todo o desenvolvimento dos tópicos propostos pelo Relatório tem em vista o cenário de desigualdades sociais do Brasil, que, mesmo apresentando uma melhoria nas condições de miserabilidade de muitos, por meio de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, ainda tem um alto índice de pessoas, 16 milhões segundo o Relatório, que continuam na pobreza absoluta, das quais 40% são crianças e adolescentes de até 14 anos. De acordo com os dados divulgados pelo PNUD em 2010, no Relatório Regional sobre Desenvolvimentos Humano para a América Latina e o Caribe, “o Brasil fica em oitavo lugar na América Latina no ranking do IDH-D (Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado à Desigualdade), que leva em conta as diferenças de rendimento, de escolaridade e de saúde” (PNUD apud UNICEF, 2012, p. 21), tendo a educação a maior influência no IDH-D, depois da desigualdade de renda.

Segundo as análises do Relatório da UNICEF, esse contexto de desigualdades é determinante na questão do acesso, permanência e exclusão escolar, uma vez que as regiões com maior índice de pobreza, que são as regiões Norte e Nordeste, são as que possuem o menor índice de escolaridade, o qual é intensificado pelas diferenças de renda. Em suma:

[...] os grupos mais vulneráveis são aqueles historicamente excluídos da sociedade brasileira: as populações negra e indígena, as pessoas com deficiência, as que vivem nas zonas rurais e as de famílias com baixa renda. [...] As desigualdades existentes no acesso e na progressão dos estudos para esses grupos persistem ao longo de toda a Educação Básica, impedindo que todas as crianças e todos os adolescentes brasileiros tenham assegurado seu direito de aprender. (UNICEF, 2012, p. 45).

Page 202: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores202

Estes diagnósticos, portanto, indicam a existência de inúmeros obstáculos, de diversas fontes: econômica, social, cultural etc., quanto ao acesso universal à escola e à conclusão na idade apropriada dos estudos. A atuação escolar é expressivamente influenciada por condições socioculturais como a exposição à violência, a gravidez na adolescência e a discriminação racial. Esta última, por exemplo, é indicada como uma das principais limitações, uma vez que “todos os indicadores de acesso à escola e conclusão dos estudos mostram que as crianças e os adolescentes negros estão em desvantagem em relação aos mesmos grupos etários da população branca” (UNICEF, 2012, p. 67). Para além das questões socioculturais, as análises dos entraves econômicos que compõem o Relatório confirmam que o combate à pobreza deve estar numa posição de destaque nas políticas educacionais: “todos os indicadores revelam que os grupos mais pobres da população são os que apresentam as menores taxas de frequência à escola e os maiores índices de repetência e abandono” (UNICEF, 2012, p. 67). Neste quadro, fica evidente que temas como o trabalho infantil, o sistema de transporte eficiente e a maior aproximação dos conteúdos com a realidade concreta dos estudantes devem ser abordados por estas políticas de maneira significativa, a fim de obter resultados no que diz respeito tanto ao desempenho escolar quanto à permanência dos alunos na escola.

Diante destas análises empreendidas pelo Relatório da UNICEF, podemos chegar a uma hipótese que parece estar presente na maior parte dos planos e propostas, fundamentados pelos direitos humanos, que se pretendem políticas públicas: não se pode falar em direitos humanos no Brasil sem passar pela questão da redução das desigualdades; e isso se deve à identificação da conjuntura social do país, que inclui a relação dos aspectos e obstáculos que comprometem a garantia do acesso à educação de qualidade e a permanência e conclusão das fases do ensino.

Em concordância com esta pressuposição, o Relatório apresenta, como considerações finais, quatro sugestões estratégicas que caminham em sentido à consolidação dos direitos humanos por meio da superação das limitações impostas pelo quadro de desigualdades: 1) políticas educacionais e financiamento da educação; 2) oferta de educação de qualidade; 3) barreiras socioculturais; e 4) barreiras econômicas.

A primeira defende a ideia de que a garantia do princípio da universalidade demanda que as políticas públicas de educação sejam estrategicamente assentadas num corpo intersetorial, ou seja, uma espécie de regime de colaboração que permita a inclusão de crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade econômica e social. Seu objetivo, por sua vez, deve ser o comprometimento em “inspirar a construção de um Sistema Nacional Articulado de Educação, que se traduza em Planos Nacional, Estaduais e Municipais de Educação integrados e integrais, respeitando-se a autonomia dos entes federados” (UNICEF, 2012, p. 97), cujo sucesso está sujeito fundamentalmente à ampliação do financiamento público das políticas e programas de educação.

A segunda sugestão fundamenta que o processo de universalização de uma educação de qualidade deve ser um “desafio estratégico” para uma efetiva diminuição das desigualdades no Brasil, uma vez que apontam “a oferta da educação integral e contextualizada, com atenção e respeito ao ciclo de vida, à cultura e à etnia de crianças e adolescentes” como uma “estratégia importante para quebrar o ciclo da pobreza e da desigualdade” (UNICEF, 2012, p. 98). Esta sugestão implica, portanto, um cuidado especial com a infraestrutura da escola, a acessibilidade e o transporte de alunos e profissionais da educação, com a distribuição do material didático, com a nutrição escolar e, por fim, a valorização e capacitação dos professores, traduzidas na efetivação dos planos de carreira, na formação continuada etc.

Page 203: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 203

A terceira e quarta sugestões estratégicas focalizam os empecilhos de caráter socioculturais e econômicos: do ponto de vista sociocultural, é preciso assinalar os fatores que contribuem para arraigar a discriminação daqueles que se encontram em “desvantagem em todos os indicadores educacionais”, na tentativa de eliminá-los a partir do entendimento de que “todas as ações e políticas reconheçam, respeitem e efetivem o direito à educação específica, diferenciada, intercultural, comunitária e de qualidade” (UNICEF, 2012, p. 99); do ponto de vista econômico, é preciso fortalecer os “programas voltados para a inclusão social e econômica de famílias abaixo da linha da pobreza”, uma vez que se constatou que “a imensa maioria das crianças e dos adolescentes fora da escola ou em risco de exclusão escolar é oriunda dessas famílias nas zonas rurais, em comunidades populares de centros urbanos ou em situação de rua” (UNICEF, 2012, p. 100).

Outro ponto tocante à superação desses obstáculos enraizados nas desigualdades sociais é a inclusão, tanto nos livros didáticos quanto nos roteiros para a formação dos profissionais da educação, de temas relacionados ao preconceito e discriminação, tais como “gênero, raça e etnia, religião, deficiências e orientação sexual”, os quais contribuem para alguma forma de exclusão social. A implicação é que uma educação que contemple os direitos humanos enquanto conteúdo estruturante é capaz de abordar com sucesso todos estes temas. Aqui, já se caminha para uma análise que diz respeito ao momento em que as sugestões passam da promoção do direito à educação, e tudo aquilo que decorre desta demanda, para a valorização e empenho no desenvolvimento de políticas e planos de ação que pretendem promover os direitos humanos por meio da educação. Isto é, a proposta de uma educação em direitos humanos, que será exposta na próxima sessão, florescerá como instrumento para a inspiração de um compartilhamento comum de valores que contribuem para o fortalecimento dos próprios direitos humanos no Brasil.

educação em direitos humanos

Esta terceira sessão, como sugerido, será dedicada à exposição e discussão do segundo momento analítico das políticas públicas educacionais, as quais abarcam propostas que têm por finalidade indicar um compartilhamento comum de uma narrativa que incentive ações e práticas de promoção dos valores que permeiam a ideia de direitos humanos. Para além do reconhecimento da educação como um direito humano, reafirmado na Constituição Federal de 1988, é aqui que o debate em torno de uma educação em direitos humanos aparece como uma sugestão de plano educativo entremeado por conteúdos e valores que proporcionem a criação deste escopo compartilhável.

Desde a Declaração de Direitos Humanos da ONU (1948), a educação já se apresentava como instrumento ideal para a promoção dos direitos humanos, pretensão que foi reforçada e intensificada de modo mais detalhado pela Declaração e Programa de Ação de Viena (1993). Na Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, da qual resultou o Programa de Viena, a educação será apresentada com a finalidade de orientar, motivar e promover o respeito pelos Direitos Humanos, à cidadania e as liberdades fundamentais, por meio da inclusão do tema nos programas de educação. Esta pretensão será claramente exposta no item “D” do Programa de Viena, o qual sublinha a importância dos Estados incluírem, conforme declarado no seu inciso

Page 204: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores204

79, “os Direitos Humanos, o Direito Humanitário, a democracia e o primado do direito como disciplinas curriculares em todos os estabelecimentos de ensino, formais e não formais” (ONU, 1993, item D), de modo que o compartilhamento de um entendimento comum acerca dos valores imprimidos no tema dos direitos humanos possibilite a motivação de um compromisso com estes direitos.

Entendendo que as determinações oriundas de documentos e tratados internacionais devem ser adequadas para o contexto do país, o Programa Nacional de Direitos Humanos pretende firmar a obrigação do Estado brasileiro em efetivar os direitos humanos. A terceira versão do Programa, PNDH-3, de 2012, dedica uma seção especialmente para a abordagem da concepção de uma educação e cultura em direitos humanos (Eixo Orientador V), a fim de que a educação, uma vez compreendida como um elemento estratégico na promoção dos direitos humanos, ultrapasse os limites institucionais na sua forma de direito universal. A Educação em Direitos Humanos, nesse sentido, é entendida como uma ferramenta que articula:

[...] a) a apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre Direitos Humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional, regional e local; b) a afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos Direitos Humanos em todos os espaços da sociedade; c) a formação de consciência cidadã capaz de se fazer presente nos níveis cognitivo, social, ético e político; d) o desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados; e) o fortalecimento de políticas que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos Direitos Humanos, bem como da reparação das violações. (BRASIL, 2010, p. 150)

O PNDH-3, no Eixo Orientador V, conforme mostra o Quadro 3, incorpora as disposições presentes no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) de 2007, e pretende se estabelecer, a partir da indicação das ações que devem ser implementadas no país, como um programa instrutivo para a política nacional de Educação e Cultura em Direitos Humanos.

Quuadro 3: Exposição da Diretriz 18 do PNDH-3

eIxO ORIentADOR VEducação e cultura em Direitos humanos

DIRetRIz 18Efetivação das diretrizes e dos princípios da política nacional de educação em Direitos Humanos para fortalecer cultura de direitos

Objetivo estratégico IImplementação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos

(PNEDH)

Ações programáticas:a) Desenvolver ações programáticas e promover articulação que viabilizem a implantação e a implementação do PNEDH.b) Implantar mecanismos e instrumentos de monitoramento, avaliação e atualização do PNEDH, em processos articulados de mobilização nacional.c) Fomentar e apoiar a elaboração de planos estaduais e municipais de educação em Direitos Humanos.d) Apoiar técnica e financeiramente iniciativas em educação em Direitos Humanos, que estejam em consonância com o PNEDH.e) Incentivar a criação e investir no fortalecimento dos Comitês de Educação em Direitos Humanos em todos os estados e no Distrito Federal, como órgãos consultivos e propositivos da política de educação em Direitos Humanos.

Fonte: Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), 2010.

Page 205: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 205

A primeira orientação do PNEDH, traduzido no PNDH-3, propõe transformações nos currículos da educação básica, de tal sorte que “a educação transversal e permanente nos temas ligados aos Direitos Humanos e, mais especificamente, o estudo da temática de gênero e orientação sexual, das culturas indígena e afro-brasileira entre as disciplinas do ensino fundamental e médio” seja contemplada, a fim de “possibilitar, desde a infância, a formação de sujeitos de direito, priorizando as populações historicamente vulnerabilizadas” (BRASIL, 2010, p. 150).

Em termos gerais, esta recomendação é seguida das propostas de disseminação do tema dos direitos humanos no ensino superior, através do incentivo à pesquisa e ensino na área; no ensino não formal, como a qualificação profissional e a alfabetização de jovens e adultos; no serviço público, especialmente para os agentes do Sistema de justiça e segurança pública, a fim de consolidar o Estado democrático de direito; e conclui indicando o papel essencial dos veículos de comunicação de massa na construção de uma cultura nacional de respeito aos direitos humanos. Todas estas disposições consideradas no PNEDH e no PNDH-3 podem ser ainda apreendidas no Plano de Ação: Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos, um dos mais importantes esforços para o estabelecimento de estratégias e práticas para a efetivação das propostas de uma Educação em Direitos Humanos. Plano este que foi resultado de um entendimento comum entre os Estados membros das Nações Unidas, reunidos em Assembleia Geral em 2005, e publicado em 2006 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).

Esta importância parte, primeiramente, deste caráter de transposição de um entendimento universal acerca da educação em direitos humanos para o contexto mais particularista da realidade nacional. Essa tentativa é sempre a chave para que os parâmetros estabelecidos por uma convenção internacional, ou mesmo de dentro do país, não se perca num abismo de universalismos que não encontra nenhuma conexão com o contexto das realidades sociais.

As atividades de educação em direitos humanos devem transmitir os princípios fundamentais dos direitos humanos, como a igualdade e a não discriminação e, ao mesmo tempo, consolidar as suas características de interdependência, indivisibilidade e universalidade. Do mesmo modo, essas atividades devem ter natureza prática e ser encaminhadas aos estabelecimentos de ensino, tendo em vista a relação entre os direitos humanos e a experiência dos educandos na vida real, permitindo que eles se inspirem nos princípios de direitos humanos existentes no seu próprio contexto cultural. Por meio dessas atividades, os educandos obtêm os meios necessários para determinar e atender às suas necessidades no âmbito dos direitos humanos e buscar soluções compatíveis com as normas e parâmetros estabelecidos por esses direitos. Tanto o que é ensinado, como a forma pela qual se ensina, devem refletir os valores dos direitos humanos, estimular a participação nesse campo e fomentar ambientes de aprendizagem nos quais não existam temores nem carências. (BRASIL, 2012, p. 3).

A edição brasileira do Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos (PMEDH) consiste numa expressiva orientação que delineia um conjunto de ações, tais quais direcionadas para os esforços de institucionalização de uma cultura de promoção e garantia dos direitos humanos que tem como carro-chefe a educação. O PMEDH foi dividido, segundo sua

Page 206: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores206

apresentação (BRASIL, 2012, p. 2), em duas fases – ainda que publicadas concomitantemente em 2012: a primeira, de 2005 a 2009, na qual estão contempladas “recomendações, referências e metas concretas para as pessoas engajadas na construção coletiva de uma cultura de direitos humanos”, abrangendo, sobretudo, “abordagens possíveis da educação em direitos humanos para os níveis de ensino primário e secundário”; a segunda, de 2010 a 2014, “confere prioridade ao ensino superior e à formação em direitos humanos para professores, servidores públicos, forças de segurança, agentes policiais e militares”. Dentre as pretensões da primeira fase do PMEDH, a qual é mais pertinente para a discussão proposta, destaca-se o auxílio a ser conferido às deliberações quanto à formulação e constituição das diretrizes curriculares nacionais da educação em direitos humanos, produzidas pela cooperação entre o Conselho Nacional de Educação (CNE) e a sociedade civil. Nesse sentido, o PMEDH organiza uma série de ações que demandam incorporação integrada por parte dos Ministérios da Educação, de todos os agentes do sistema educacional e da sociedade civil como um todo. Deste modo, compreendem que:

A educação em direitos humanos pode ser definida como um conjunto de atividades de educação, de capacitação e de difusão de informação, orientado para a criação de uma cultura universal de direitos humanos. Uma educação integral em direitos humanos não somente proporciona conhecimentos sobre os direitos humanos e os mecanismos para protegê-los, mas, além disso, transmite as aptidões necessárias para promover, defender e aplicar os direitos humanos na vida cotidiana das pessoas. A educação em direitos humanos promove as atitudes e o comportamento necessários para que os direitos humanos para todos os membros da sociedade sejam respeitados. (BRASIL, 2012, p. 3).

A promoção de valores como o respeito à dignidade, à igualdade, à diversidade, e, no mesmo sentido, à participação democrática etc., corrobora para a crença no potencial de que uma educação calcada nos direitos humanos, além de estabelecer de antemão aquela narrativa necessária para o firmamento de uma cultura de direitos humanos, possa vir apresentar alguns resultados efetivos em longo prazo, como a prevenção de graves violações e enfrentamentos com violência.

Nestes termos, ademais o seu caráter de contribuição na garantia de uma total vivência dos direitos humanos, a título de política pública educacional, o PMEDH assume como finalidade “promover o entendimento comum dos princípios e das metodologias básicos da educação em direitos humanos, proporcionar um marco concreto para a ação, e reforçar as oportunidades de cooperação e de associação, desde o nível internacional até o nível das comunidades” (BRASIL, 2012, p. 4). A partir da definição deste objetivo com sentido mais estratégico e prático de implementação da educação em direitos humanos, a primeira fase do PMEDH concentra alguns subsídios fundamentais que visam sua excelência, como mostra o Quadro 4.

Page 207: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 207

Quadro 4: Exposição do referente trecho do PMEDH

cOMpOnenteS DeteRMInAnteS DA eDUcAçãO eM DIReItOS HUMAnOS nOS nÍVeIS De enSInO pRIMÁRIO e SecUnDÁRIO

1. Políticas educacionais

Consideradas declarações de compromisso dos governos, as políticas educacionais, incluindo as leis, os planos de ação, os planos de estudo, as políticas de capacitação e outros elementos, devem promover claramente um enfoque da educação embasado no gozo de direitos. Levando em consideração essas declarações, os direitos humanos passam a ser parte de todo o sistema educacional. Suas políticas são elaboradas de maneira participativa, em cooperação com todas as partes interessadas, e cumprem a obrigação de se oferecer e promover uma educação de qualidade, assumida pelos países ao subscreverem os diversos tratados internacionais, como a Convenção sobre os Direitos da Criança.

2. Implementação de políticas

Para que as políticas sejam eficazes, é necessária uma estratégia de implementação consistente, que compreenda, em particular, medidas tais como a designação de recursos adequados e o estabelecimento de mecanismos de coordenação, e que observe a coerência, a supervisão e a prestação de contas. Nessa estratégia, deve ser levado em conta o grande número de interessados, tanto no nível nacional − por exemplo, o Ministério da Educação, os institutos de capacitação de professores, os órgãos de pesquisa e as organizações não governamentais (ONGs) −, como no nível local – por exemplo, as autoridades locais, os diretores de escola e seu pessoal, os pais e os estudantes –, e engajá-los na aplicação prática da política educacional.

3. Ambiente de aprendizagem

A educação em diretos humanos inclui a criação de um ambiente em que os direitos humanos possam ser exercidos e respeitados na atividade diária de toda a escola. Da mesma forma que o aprendizado cognitivo, a educação em direitos humanos compreende o desenvolvimento social e emocional de todos os que participam do processo de ensino e aprendizagem. Em todo o ambiente baseado em direitos, devem ser respeitados e promovidos os direitos humanos de todos os agentes do sistema educacional; esse ambiente, por sua vez, deve ter como características principais a compreensão, o respeito e a responsabilidade mútuos. Nele, deve ser proporcionada às crianças a liberdade de expressão de opinião e a possibilidade de participação na vida escolar. Da mesma forma, deve-se oferecer a elas oportunidades apropriadas de interação permanente com a comunidade em geral.

4. Ensino e aprendizagem

Implementar o aperfeiçoamento da educação em direitos humanos abrange a adoção de um enfoque holístico do ensino e da aprendizagem que reflita os valores dos direitos humanos. Os conceitos e as práticas dos direitos humanos devem ser integrados o quanto antes em todos os aspectos da educação. Por exemplo, o conteúdo e os objetivos dos planos de estudo devem ser embasados nos direitos humanos, os métodos de ensino devem ser democráticos e participativos, e todos os materiais e livros didáticos devem ser compatíveis com os valores dos direitos humanos.

5. Formação e aperfeiçoamento profissional do pessoal docente

Para que a escola seja um modelo de aprendizagem e de prática dos direitos humanos, é necessário que todos os professores e demais profissionais docentes possam transmitir os valores dos direitos humanos que servirão de modelos para a sua prática. A formação e o aperfeiçoamento profissional dos educadores devem fomentar seus conhecimentos dos direitos humanos e sua firme adesão a eles, bem como motivá-los para que os promovam. Além disso, no exercício de seus próprios direitos, o pessoal docente deve trabalhar e aprender em um contexto de respeito à sua dignidade e aos seus direitos.

Fonte: Programa Mundial Para a Educação em Direitos Humanos, 2012.

Os elementos acima parecem indicar a necessidade, sugerida por trabalho, das políticas públicas de educação serem abordadas sob, pelo menos, dois pontos de vista: por um lado, os componentes titulam o sentido de que estas políticas devem caminhar no campo da garantia do direito à educação, enquanto próprio direito humano, e, por outro lado, no campo da penetração dos direitos humanos na educação como um todo, enquanto conteúdo normativo e regulador11.

Há aí uma relação enérgica de reciprocidade. As políticas que visam à promoção de uma educação em direitos humanos, ainda que preocupadas em determinar conteúdos e metodologias compartilháveis para sua implementação, não abrem mão da interpretação de que não é possível falar em direitos humanos na educação sem falar em direitos humanos para a educação. Em poucas palavras, os sujeitos de direito devem ter uma educação que contemple esta sua condição de “sujeito de direito” e permita o desenvolvimento desta, por isso o enfoque na criação de um ambiente de cultura de direitos humanos com conteúdos de direitos humanos que possam ser interiorizados por todos. Neste ponto, por mais que possa haver algum entendimento internacional comum acerca de disposições para a construção de uma educação em direitos 11 Uma vez já discutida esta distinção, ela não será estendida.

Page 208: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores208

humanos, não se esgota a necessidade de enfatizar a importância de situar a discussão das políticas públicas educacionais de direitos humanos na conjuntura nacional, uma vez que é esta contextualização que parece permitir que tais recomendações obtenham algum efeito. As experiências de outros países com resultados positivos podem contribuir para a elaboração de recomendações mais ou menos universalizantes, como é o caso do Plano de Ação, mas sem perder de vista, contudo, que estas só podem ser adequadas para um contexto particular se em concordância com tal realidade, sob pena de ruírem numa abstração sem precedentes.

A preocupação internacional com a aplicação do Plano em âmbito nacional levou a elaboração de um roteiro com procedimentos que propõem delinear, implementar e avaliar a educação em direitos humanos dentro dos sistemas educacionais (Conferir quadro 5).

Quadro 5: Exposição do referente trecho do PNDH-3

eStRAtÉGIA nAcIOnAL De ApLIcAçãO

Etapa 1 Onde estamos?Análise da situação atual da educação em direitos

humanos no sistema educacional em questão.

Nesta primeira etapa, deve-se realizar um estudo nacional sobre a educação em direitos humanos no sistema educacional. Com ampla difusão e devida análise, o relatório pertinente pode servir de base para a elaboração de uma estratégia nacional de ensino dos direitos humanos na Etapa 2.

Etapa 2 Aonde queremos ir, e de que maneira?

Estabelecimento de prioridades e elaboração de uma estratégia nacional de

aplicação.

A estratégia a ser elaborada nesta etapa aborda os cinco componentes básicos – isto é, as políticas educacionais, a aplicação de políticas, o ambiente de aprendizagem, o ensino e a aprendizagem, e a formação e o aperfeiçoamento profissional – e enfoca as questões que podem ter efeitos sustentáveis. Nela, são fixados os objetivos e as prioridades realistas, bem como são previstas pelo menos algumas atividades de aplicação prática no período de 2005-2007.

Etapa 3 Chegamos ao ponto de destino

Atividades de aplicação e de supervisão.

Nesta etapa, a estratégia nacional é amplamente difundida e aplicada. Seu avanço é supervisionado utilizando-se de parâmetros previstos. Os resultados irão variar em função das prioridades nacionais, mas podem consistir em leis, materiais e métodos didáticos, novos ou revisados, cursos de capacitação ou políticas de não discriminação que protejam todos os membros da comunidade escolar.

Etapa 4Chegamos ao ponto de destino? Com que

sucesso?

Avaliação.

Nesta etapa, como a avaliação é utilizada tanto para prestar contas como para acumular experiências para o futuro, requer-se a valorização das conquistas na estratégia de aplicação. O resultado desse processo será um relatório sobre a estratégia nacional de aplicação da educação em direitos humanos nas escolas, com recomendações para a adoção de medidas futuras com base na experiência obtida.

Fonte: Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), 2010.

A sugestão, durante a elaboração do Plano de Ação, foi que os Estados tentassem colocar em prática, até 2007, pelo menos as Etapas 1 e 2. Dentro desse eixo, porém tardio, o Conselho Nacional de Educação (CNE), ao formular o Texto orientador para a elaboração das Diretrizes Nacionais da Educação em Direitos Humanos (2011), julga ser necessário que o Brasil adote “Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, que contribuirão para a promoção de uma educação voltada para a democracia e a cidadania” (CONAE, 2011, p. 5). Nesse sentido, ao homologar o Parecer CNE/CP nº 8/2012, em 30 de maio de 2012, o Conselho Nacional de Educação (CNE), com o auxílio de uma comissão interinstitucional, elaborou Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (Conferir Quadro 6).

Page 209: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 209

Quadro 6: Exposição do referente trecho do Parecer CNE/CP nº 8/2012

pROjetO De ReSOLUçãO

DIRetRIzeS nAcIOnAIS pARA A eDUcAçãO eM DIReItOS HUMAnOS

FUnDAMentAçãO

Considerando o que dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Declaração das Nações Unidas sobre a Educação e Formação em Direitos Humanos (Resolução A/66/137/2011), a Constituição Federal de 1988; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996); o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH 2005/2014), Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3/Decreto nº 7.037/2009); o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH/2006), as diretrizes nacionais emanadas pelo Conselho Nacional de Educação, bem como outros documentos nacionais e internacionais que visem assegurar o direito a educação a todos/as.

ReSOLUçãO

Art. 1º A presente Resolução estabelece as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (EDH) a serem observadas pelos sistemas de ensino e suas instituições.

Art. 2º A Educação em Direitos Humanos, um dos eixos fundamentais do direito à educação, refere-se ao uso de concepções e práticas educativas fundadas nos Direitos Humanos e em seus processos de promoção, proteção, defesa e aplicação na vida cotidiana e cidadã de sujeitos de direitos e de responsabilidades individuais e coletivas.§ 1º Os Direitos Humanos, internacionalmente reconhecidos como um conjunto de direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sejam eles individuais, coletivos, transindividuais ou difusos, se referem à necessidade de igualdade e de defesa da dignidade humana.§ 2º Aos sistemas de ensino e suas instituições cabe a efetivação da Educação em Direitos Humanos, implicando na adoção sistemática dessas diretrizes por todos/as os/as envolvidos/as nos processos educacionais.

Art. 3º A Educação em Direitos Humanos, com a finalidade de promover a educação para a mudança e a transformação social, fundamenta-se nos seguintes princípios:I - dignidade humana;II - igualdade de direitos;III - reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades;IV - laicidade do Estado;V - democracia na educação;VI - transversalidade, vivência e globalidade; eVII - sustentabilidade socioambiental.

Art. 4º A Educação em Direitos Humanos como processo sistemático e multidimensional, orientador da formação integral dos sujeitos de direitos, articula-se às seguintes dimensões:I - apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local;II - afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade;III - formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo, social, cultural e político;IV - desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados; e o

Page 210: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores210

ReSOLUçãO

V - fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das diferentes formas de violação de direitos.

Art. 5º A Educação em Direitos Humanos tem como objetivo central a formação para a vida e para a convivência, no exercício cotidiano dos Direitos Humanos como forma de vida e de organização social, política, econômica e cultural nos níveis regionais, nacionais e planetário§ 1º Este objetivo deverá orientar os sistemas de ensino e suas instituições no que se refere ao planejamento e ao desenvolvimento de ações de Educação em Direitos Humanos adequadas às necessidades, às características biopsicossociais e culturais dos diferentes sujeitos e seus contextos.§ 2º Os Conselhos de Educação definirão estratégias de acompanhamento das ações de Educação em Direitos Humanos.

Art. 6º A Educação em Direitos Humanos, de modo transversal, deverá ser considerada na construção dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP); dos Regimentos Escolares, dos Planos de Desenvolvimento Institucionais (PDI); dos Programas Pedagógicos de Curso (PPC) das Instituições de Ensino Superior; dos materiais didáticos e pedagógicos; do modelo de ensino, pesquisa e extensão; de gestão; bem como dos diferentes processos de avaliação.

Art. 7º A inserção dos conhecimentos concernentes a Educação em Direitos Humanos na organização dos currículos da Educação Básica e da Educação Superior poderá ocorrer das seguintes formas:I - pela transversalidade, por meio de temas relacionados aos Direitos Humanos e tratados interdisciplinarmente;II - como um conteúdo específico de uma das disciplinas já existentes no currículo escolar;III - de maneira mista, ou seja, combinando transversalidade e disciplinaridade.Parágrafo único. Outras formas de inserção da Educação em Direitos Humanos poderão ainda ser admitidas na organização curricular das instituições educativas desde que observadas as especificidades dos níveis e modalidades da Educação Nacional.

Art. 11. Os sistemas de ensino deverão criar políticas de produção de materiais didáticos e paradidáticos, tendo como princípios orientadores os Direitos Humanos, e por extensão, a Educação em Direitos Humanos.

Art. 12. As Instituições de Ensino Superior estimularão ações de extensão voltadas para a promoção de direitos humanos, em diálogo com os segmentos sociais em situação de exclusão social e violação de direitos, assim como os movimentos sociais e a gestão pública.

Art. 13. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

Fonte: Parecer CNE/CP nº 8/2012, 2012.

A escolha da exposição desta Resolução, que pretende estabelecer diretrizes nacionais para a educação em direitos humanos, foi motivada pelo fato de que, para sua fundamentação, foram considerados todos os documentos que se utilizou na composição da análise proposta por este trabalho: o direito à educação tal qual exposto na Constituição Federal de 1988 e na terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos, os alicerces da ideia de direitos humanos presente na Declaração Universal de 1948, e os programas de ação, Mundial e Nacional, para uma educação em direitos humanos. Assim, a presente Resolução, proposta pelo CNE, parece condensar as bases e expectativas para a implementação da educação em direitos humanos que se procurou demonstrar até aqui.

considerações Finais

Este trabalho teve como horizonte uma compreensão dos direitos humanos enquanto um conjunto de valores narrados pelo chamado ocidente, o que implica dizer que estes direitos estão inscritos numa história contada por nós e que nos motivam, uma vez aderida, a promover e praticar ações que envolvam a reprodução e materialização destes valores. O tema do trabalho sugeriu que as políticas públicas educacionais poderiam ser entendidas também como um mecanismo para que os direitos humanos no Brasil sejam, para além de uma narrativa comum, direitos consolidados.

Apesar de não ser um debate novo, a discussão sobre os direitos humanos, no Brasil, intensificada pelo processo de lutas contra o regime ditatorial e pela conquista de direitos civis, se estabeleceu nas pautas do governo muito recentemente. Os documentos expostos, cujo

Page 211: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 211

cerne são os direitos humanos, demonstram esse momento de adesão aos valores do ideário, e o começo dos esforços institucionais, que se pretendem realizar enquanto políticas públicas, em prol de sua promoção e garantia de permanência. Este quadro, que permanece em vista das atuais renovações de planos, orientações e projetos, nos entusiasma a levar a cabo o anseio, traduzido no título deste trabalho, ainda que os resultados, em termos democráticos e universais, sejam acanhados.

Os programas nacionais de direitos humanos promovem uma atualização do tema, em vista das particularidades do país, com pretensões de democratização e maior alcance social, juntamente com o combate à pobreza. Longe de ser um equívoco, são esforços importantíssimos no entendimento daqueles que julgam os direitos humanos algo no mínimo digno de ser levado a sério e um componente essencial para um regime democrático. Como políticas que devem tanger a democracia, a luta prossegue na tentativa de fazê-las valer também e, principalmente, como políticas de Estado, para que o risco de seu arrebatamento seja diminuído.

Neste processo, fica evidente que há uma forte vinculação entre democracia e direitos humanos, de modo que as políticas públicas devem promover não só os direitos humanos, como também a democracia e o Estado de direito. Portanto, a educação entendida como um fim, enquanto um direito, e como um meio, enquanto afirmação da democracia, nos indica essa apreensão das políticas públicas educacionais de modo mais abrangente e interligado com os valores democráticos: de um lado, há a promoção de mecanismos para fortalecer o Estado democrático, de outro, uma vez reforçados os aspectos democráticos, há espaço para os direitos humanos se efetivarem.

Dentro desta perspectiva, o trabalho buscou demonstrar dois movimentos possíveis (num corte analítico) das políticas públicas educacionais. A educação se afirma como um direito universal na constituição de 88, e, a partir daí, esforços são mobilizados para que esse direito seja garantido legitimamente de modo universal, contemplando não só o acesso no direito à educação, como também a permanência na escola e a conclusão do ensino. Garantido o direito, simultaneamente, a educação aparecerá como um mecanismo capaz de promover os valores dos direitos humanos, por meio do compartilhamento de temas relacionados a eles, que são alocados desde os programas educacionais das escolas até os currículos e livros didáticos, fundando, assim, um fértil terreno para que a democracia se firme.

Referências

ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo. Rio de Janeiro: Documentário, 1979.

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009.

BOBBIO, Norberto. Era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1988.

BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos: 2007. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federal do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

Page 212: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores212

BRASIL. Ministério da Educação. Texto orientador para a elaboração das Diretrizes Nacionais da Educação em Direitos Humanos. Brasília: CONAE, 2011.

BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CP nº 8/2012. Brasília: CONAE, 2012.

BRASIL. Ministério da Justiça. (1996), Programa Nacional de Direitos Humanos. Brasília: Ministério da Justiça, 1996.

BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. (2010), Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Brasília: SDH/PR, 2010.

GAZETA DE ALAGOAS. Onze mil alunos da rede estadual já perderam o semestre. Edição do dia 07 de Julho de 2012. Disponível em: <http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/acervo.php?c=204732>. Acesso em: 08 out. 2013.

JOAS, Hans. A sacralidade da pessoa: nova genealogia dos direitos humanos. São Paulo: Editora Unesp, 2012.

JÚNIOR, Cretella.  Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 1991  apud  OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. São Paulo: LTr, 1998.

ONU. Declaração e Programa de Ação de Viena. 1993. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/viena.htm>. Acesso em: 08 out. 2013.

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: <http:// http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 08 out. 2013.

PLATAFORMA DHESCA BRASIL. Relatório Brasileiro sobre Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais. 2003. Disponível em: <http://www.gajop.org.br/arquivos/publicacoes/Relatorio_Brasileiro_sobre_Direitos_Humanos_Economicos_Sociais_e_Culturais.pdf>. Acesso em 08 out. 2013.

RORTY, Richard. Human rights, rationality, and sentimentality. In: Truth and progress – Philosophical papers, Volume 3. Cambridge University Press, 1998.

SADER, Emir. Contexto histórico e educação em direitos humanos no brasil: da ditadura à atualidade. In: SILVEIRA, Rosa Maria Godoy, et al. Educação em direitos humanos: fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária, 2007.

UNESCO. Plano de Ação: Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos. Brasília: UNESCO, 2012.

UNICEF. Relatório Todas as crianças na escola em 2015 – iniciativa global pelas crianças fora da escola. Brasília: UNICEF, 2012.

Page 213: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 213

A BIOÉTICA COMO SENTIDO PARA A CIÊNCIA: SUBSÍDIOS PARA AULA DE SOCIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO

Angélica Lyra de Araújo1

“Nós, cientistas, cujo trágico destino tem sido ajudar a fabricar os mais hediondos e eficazes métodos de aniquilação, devemos considerar nossa missão solene e transcendente e fazer tudo o que estiver em nosso poder para evitar que essas armas sejam usadas para o propósito brutal com que foram inventadas. Que missão poderia ser mais importante para nós? Que finalidade social estaria mais próxima de nossos corações? [...] Por uma penosa experiência, aprendemos que o pensamento racional não é suficiente para resolver os problemas de nossa vida social. Devemos ter o cuidado de não fazer do intelecto o nosso deus; ele sem dúvida tem músculos fortes, mas nenhuma personalidade. Não é capaz de conduzir. Pode apenas servir. O intelecto tem um olho aguçado para os métodos e ferramentas, mas é cego quanto aos fins e aos valores”. Albert Einstein (Comentário feito após as tragédias de Hiroshima e Nagasaki)

A proposta desse estudo é criar um espaço dentro da Sociologia para debater e refletir acerca da bioética, de modo que possa ser utilizada no ensino de Sociologia nas escolas de ensino médio do NRE/Londrina. O texto enquadra-se como material de apoio, bem como, pode auxiliar no desenvolvimento de pesquisas e de grupos de estudos a respeito da temática.

Como pressuposto metodológico de ensino, optamos por trabalhar com tema, justamente por “[...] articular conceitos, teorias e realidade social partindo-se de casos concretos, por isso recortes da realidade em que se vive. (OCNs, 2008, p.121). Além do mais, pode;

evitar que os alunos sintam a disciplina como algo estranho, sem entender por que têm mais uma disciplina no currículo e para que ela serve [...] permite ao professor desencadear um processo que vai desenvolver uma abordagem sociológica mais sólida de questões significativas [...]. (OCNs, 2008, p.121).

Desse modo, trazemos uma discussão acerca das novas possibilidades técnicas da ciência, através da biotecnologia e a questão da bioética, como mediação entre a ciência e a técnica, lembrando que “[...] só é possível tomar certos fenômenos como objeto da Sociologia na medida em que sejam submetidos a um processo de estranhamento, que sejam colocados em questão, problematizados” (OCNs, 2008, p.107).

Ao discutir esse tema, pretendemos propiciar aos educandos e os educadores um olhar mais crítico sobre os fenômenos contemporâneos, nesse caso, a clonagem humana, e como ela vem se impondo e sendo aceita socialmente, ao mesmo tempo em que despertam questões éticas profundas.

Almejamos que esse debate leve a escola a se constituir uma ágora, capaz de formar jovens éticos e cidadãos e instrumentalizá-los para leituras críticas, como também desenvolver nele atitudes coerentes baseadas em valores partilhados, tendo como objetivo uma sociedade questionadora e autônoma.

1 Doutoranda em Ciências Sociais pela FCLAR/UNESP. Colaboradora dos Projetos Prodocência e LENPES-UEL. Contato: [email protected]

Page 214: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores214

Um Debate sobre a Bioética

Sabemos que o motor a vapor foi o grande impulsionador do avanço tecnológico da humanidade ainda no século XIX. Já no século XX vemos a energia atômica para fins pacíficos e a informática transformando a sociedade. Temos agora, a presença da biotecnologia marcando o início do terceiro milênio. Esta época é também marcada pela presença de uma constante banalização da vida, cujas mudanças nem sempre conseguimos acompanhar e dificultando a escolha de um caminho que garanta ao menos o direito à dignidade das nossas futuras gerações.

Em pleno século XXI, a humanidade se vê diante de um dilema: o avanço da ciência no campo biotecnológico e o que isso pode acarretar nas relações sociais. Através dos estudos a respeito da bioética, nossa análise visa demonstrá-la como uma disciplina preocupada com o equilíbrio ético no desenvolvimento da ciência. Essa preocupação é altamente válida, uma vez que, como já discutimos no outro lugar deste trabalho, a ciência tem-se esquecido em suas práticas do compromisso ético com a sociedade. E isto porque a ciência, embora considerada neutra, para alguns cientistas, tem sofrido interferências de uma razão instrumental.

De acordo com as leituras realizadas sobre esta temática, compreendemos que a bioética2 faz parte de um ramo da filosofia, ampliando-se nos contextos científico, econômico e sociopolítico. Ela se preocupa com a discussão sistemática dos questionamentos sobre as inquietações dos indivíduos a respeito do futuro da espécie humana no seu espaço natural e social. Os problemas éticos3 advindos do desenvolvimento científicos da genética têm colocado em questão a continuidade que, até então, caracteriza os processos biológicos. Através de uma postura ética, os indivíduos possuem elementos norteadores para evitar abusos atuais e futuros no campo das pesquisas com e em seres humanos. Entretanto, a ética, como dizia Bodei (1999):

Não é uma camisa de força, não é uma couraça. É antes de qualquer coisa que devemos, por assim dizer, lubrificar as relações entre as pessoas [...] Que coisa será o mundo sem regras? [...] a ética é a fibra mesma da nossa existência [...] serve a nos fazer vivermos melhor 4. (1999, p. 03).

Neste contexto, a sociedade multicultural como é a nossa precisa ter uma base comum que possibilita a convivência e a colaboração de se viver bem. É por isso que a bioética propõe em sua essência a liberdade com compromisso e responsabilidade, para que o agir humano seja feito com equilíbrio e prudência.

2 Explica Prota (1999) que “ao constituirmos a bioética como paradigma da modernidade vista como maturidade, estamos transpondo para a contemporaneidade um debate que se iniciou na Inglaterra do século XVIII. Sendo um país majoritariamente protestante, imaginou-se que se resolveria a questão do sistema representativo, com a Revolução Gloriosa de 1688, a moralidade ficaria na dependência das diversas Igrejas nas quais se distribuíam os crentes. Não se deram conta, desde logo, do problema do comportamento social dos cidadãos. O debate em questão se referia à natureza da moral social, se deveria ser deduzida da moral de alguns dos grupos sociais proeminentes ou seria algo de específico. O desfecho dessa discussão foi o reconhecimento de caráter consensual da moralidade social. E essa a proposta da bioética, encontrar um consenso a respeito de um importante número de questões éticas” (PROTA, 1999, p.15).3 A perda de sentido ético atual resulta da não reflexão ética responsável acerca das possibilidades da ciência moderna. Acreditamos que a ausência ética na ciência advém de uma racionalidade instrumental que ideologicamente salvaguarda interesses políticos e econômicos de minorias sociais.4 “Non è uma camicia di forza, non è uma corazza. È anzi qualche cosa che dovreble, per cosí dire, lubrificare è rapporti tra le persone [...] Cosa sareble il mondo senza regole?[...] L’etica è la fibra stessa della nostra esitenza [...] serve a farsi vivere meglio” (BODEI, 1999, p. 03).

Page 215: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 215

Para Garrafa (1999), os grandes avanços tecnológicos das pesquisas acerca dos alimentos transgênicos, a possibilidade real de clonagem dos seres humanos, a eutanásia, a comercialização de órgãos, colocadas pela mídia, têm causado discussões de extrema importância, já que, uma vez alterada a concepção sobre a vida, toda estrutura social se metamorfoseará. Todavia, as preocupações da bioética vão além dos temas que nasceram das inovações tecnológicas. Assim, problemas como a exclusão social, a concentração de poder, a globalização econômica internacional, a falta de consolidação da cultura ou de políticas de defesa dos direitos humanos universais e da cidadania, a desigualdade de acesso das pessoas pobres aos bens de consumo básicos para a sobrevivência, entre outros fatores, são temas tratados pela bioética.

A bioética procura auxiliar no amadurecimento das posições morais, promovendo discussões. Portanto, ela tenta também ser prudente com relação às novas descobertas no campo da ciência, refletindo, sobretudo, a partir da dimensão da vida, num âmbito ético e multidisciplinar. Em outras palavras, diríamos que ela se preocupa com os valores da vida e a saúde humana, desde a origem até o seu fim. A definição do termo bioética, segundo o presidente da Sociedade Brasileira da Bioética, o médico Marcos Segre (2001), é uma discussão antiga feita ao longo de todo o processo histórico da ciência. Foi somente na década de 70 que o cientista norte-americano, Van Renslaer Potter, cunha este nome, com a publicação do seu livro Bridge to the future (Uma ponte para o futuro). A palavra ponte é utilizada, pois, a bioética era tida como uma nova disciplina que construiria uma “ponte entre ciência e humanidade, ou mais explicitamente, uma ponte entre a ciência biológica e a ética, portanto – bioética”. (POTTER, apud VIANO, 1997, p. 347). Isto é, já se discutia questões bioéticas sem se fazer uso deste termo, como acontece atualmente. Viano (1997), ao falar de Potter, identifica-o como um:

Cancerologista que considerava a espécie humana, que tendo desenvolvido em uma civilização fundada sobre a ciência e sobre a técnica, e ao expandir-se poderia causá-lo um aniquilamento ambiental [...] O seu instinto moral não era mais suficiente para salvá-la e ocorreria uma nova ética da vida elaborada pela ciência, mais não da ciência física-matemática, que é a causa principal do desequilíbrio com a natureza. Era necessária uma “revolução biológica” capaz de acordar os conhecimentos e com os valores humanos para melhorar a qualidade de vida5. (1997, p. 347).

Neste contexto, percebemos que a bioética não é uma nova moral da vida, ou uma ética especificamente da área biomédica. A bioética, como um despertar da consciência, possui uma abrangência global e propõe uma reflexão a partir das características éticas tradicionais. Em outras palavras, a bioética, ao referir-se às questões fundamentais da nossa a época, munida de certos referenciais éticos, legitima-se quando clama responsabilidade e o respeito à vida.

Na obra A Bioética no Século XXI, Garrafa & Costa (2000), apresenta os três pontos principais de base conceitual da bioética. O primeiro diz respeito ao pluralismo moral. Isto é, cabe aos cientistas respeitar as individualidades de cada cultura, credo ou raça. E quando não há esta tolerância com o outro, com o eticamente diferente, criam-se comitês de bioética. Eles

5 “Um oncologo e ritenava che la specie umana, avendo sviluppato uma civiltà fondata sulla scienza e sulla tecnica, fosse ormai diventata, per via della sua crescita numerica e dell´inquinamento ambientale prodotto [...] Il suo istinta morale non era piú sufficiente per salvarla e occorreva uma nuova etica della vita, elaborata dalla scienza, ma non dalla scienza fisico-matematica, che era stata la ca usa principale dello squilibrio con la natura. Era necessario uma ´rivoluzione biologica` capace de accordare le conoscenze con i valori umani per migliorare la qualità della vita”. (VIANO, 1997, p. 347).

Page 216: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores216

são compostos por pessoas das comunidades que juntos discutem e propõem possíveis soluções aos impasses éticos culturais. O segundo consiste na multidisciplinaridade do conhecimento bioético. Isto se dá na prática pela busca de conceitos e informações em outras disciplinas, como Sociologia, Direito, Filosofia, História, Medicina, para melhor esclarecer e embasar suas teses.

Já o outro ponto é a questão da secularidade, cuja ideia baseia-se no fato de a bioética não ser canônica, mas sim laica. Não se faz um discurso ontológico sobre a bioética, mas se discute com base no consenso social dos valores acerca da preservação e do desenvolvimento equilibrado da vida.

Estes três pontos acima nos ajudam compreender e tomar consciência das consequências de nossa ação técnica sobre a vida, sobre a cultura que estamos de construindo. Eles nos lembram do nosso compromisso com as gerações futuras.

A reflexão bioética leva-nos, por exemplo, a questões intrigantes: podemos fazer tudo o que a tecnociência nos possibilita fazer? Ou ainda, o que vamos fazer do ser humano, da vida? Ou: o que dirão as futuras gerações sobre o resultado da biociência que estamos praticando? Berlinguer & Garrafa (2001) reforça isso, dizendo que “o objetivo da discussão bioética não é estabelecer regras ou dar uma opinião formada e sim trazer assuntos polêmicos [...] ponderando-os sobre os pontos positivos e negativos”. (p. 02).

Nesse sentido, a bioética não ignora os valores implicados em temáticas como vida, dignidade e saúde. De forma alguma ela deseja parar os avanços tecnológicos da ciência. A reflexão proposta pela bioética não postula que a ciência deva abandonar suas pesquisas. Todavia, é preocupante o direcionamento que a biociência poderá dar em relação às descobertas dos códigos genéticos humanos.

A ciência para Garrafa (1997), não deve ter posições diabólicas, nem ser endeusada. Seus princípios devem ser bem utilizados e conduzidos de forma que garantam a dignidade da pessoa humana, valor espiritual e moral inerente ao indivíduo. Além do mais, “a vida não é só biologia é também biografia, isto é toda uma história pessoal”. (PESSINI, 2001, p. 07).

Diante disso, fica explícita a ideia de que a vida, a saúde, a natureza e até mesmo a própria ciência não podem ficar submetidas às influências do mercado econômico-financeiro. Essas são expressões da existência humana e não meros objetos de produção e consumo capitalistas. Por isso, a bioética é uma proposta paradigmática, aparece como uma resposta à crise da modernidade, que implica necessariamente os abusos ideológicos pela razão instrumental. Esta traz consigo uma crise de sentido para a vida humana, uma vez que produz uma existência desprovida de ética social. Isto nos quer dizer que em nossos dias avança a perda de sentido existencial. Portanto temos o avanço do absurdo racional e do caos social da vida humana.

Hoje, explica Garrafa (1997), a ciência pode tudo. Cientifica e tecnologicamente, tudo é possível. Daí a bioética ser tão importante. O princípio que a bioética traz para a ciência atualmente é a seguinte: “eu não vou fazer, não porque posso fazer, eu não vou fazer porque eu não devo fazer”. (1997, p. 28).

O mais importante, neste contexto de mudanças e de incertezas éticas, segundo Oliveira, é que tenhamos em mente que a construção deste mundo é nossa própria construção. Eticamente, “nosso ser é uma tarefa que se cumpre na medida em que o mundo das obras (da ciência, da economia, da política, da arte, da religião, etc.) se efetiva. É através deste mundo

Page 217: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 217

que sabemos quem somos e nos damos a conhecer aos outros”. (1989, p. 15). Assim, resta-nos refletir verdadeiramente sobre a temática da bioética, pois “[...] temos um longo caminho a percorrer antes de sequer pensarmos em alcançar uma sociedade na qual os ‘indivíduos reconheçam sua autonomia junto com os laços de solidariedade que os unem [...]” (BAUMAN, 2000, p.159-160), porque para o bem ou para o mal, a humanidade está se tornando capaz de decidir como serão os novos habitantes do planeta. Agora, por enquanto, fica-nos a questão da construção psíquica desses novos sujeitos, da qualidade ética nas suas relações sociais.

Breve consideração sobre a clonagem Humana: exemplo da Biotecnologia

Para Habermas (1998), o fenômeno científico da biotecnologia é uma nova corrida tecnológica com fins lucrativos. Em outras palavras, diríamos que são novas ofertas da ciência biotecnológica deste início de milênio. Essas novas modalidades científicas influenciam os interesses dos consumidores, produzindo uma racionalidade “ética” que aos poucos tece uma nova realidade social. Assim, o interesse em controlar o direcionamento da ciência torna-se sociologicamente cada vez mais urgente, uma vez que a intenção é de se desenvolver um bio-mercado6.

As novas construções do imaginário ético são, portanto, basicamente técnicas e por meio delas tudo se torna possível, à medida que o possível sem ética se torna realidade, esta mesma possibilidade/realidade ameaça a sobrevivência da espécie humana. O redirecionamento do mundo da ciência numa perspectiva ética implica uma questão filosófica de alcance essencialmente sociológico. Segundo Kirscher (1989):

[...] a questão do orientamento do homem ao mundo, significa interrogar em torno do sentido do mundo – significa filosofar [...] Nem a física, nem a biologia, nem a psicologia, nem mesmo as ciências sociais nos permitam orientar-se. Tais ciências nos fazem conhecer certamente os mecanismos, os determinismos que regem os estratos abstratos da realidade que cada uma evidencia no mundo – e nesta mensura podem servir ao homem que filosofa e que procura orientar – mais não podem conhecer o sentido do mundo, pelo fato de ignorar, nos princípios, a questão do sentido do mundo7 (1989, p.16).

Portanto vemos que compete aos indivíduos em sociedade questionar os rumos que a ciência tem dado à questão ética do bios. É por isso que Habermas (1998) enfatiza a maneira como a vida é concebida. Para ele, a vida deve fazer parte de um processo natural, em que o sujeito

6 O Professor Volnei Garrafa, falando sobre o seu livro O Mercado Humano, faz uma análise do bio-mercado: “[...] a gente analisa desde a questão da chamada venda do uso, a venda do corpo, a exploração física do trabalho, que foi muito forte no século passado – crianças de cartoze anos trabalhavam quinze horas por dia na Inglaterra – e a gente vai chegando até o mercado das partes isoladas do corpo humano. A fragmentação artificial do corpo humano, quer dizer, o benefício científico e tecnológico não segundo direcionado para a melhoria da humanidade. Invariavelmente, pobre do hemisfério sul como vendedores e ricos do hemisfério norte como compradores [...]. No mercado uma ‘partida completa de órgãos’ deve estar por volta de 200.000 dólares. E isto está começando a ficar legalizado. É um problema ético” (CAROS AMIGOS, set.1997, p. 07).7 “[...] la questione dell’orientamento dell’uomo nel mondo, significa interrogarci intorno al senso del mondo – significa filosofare […] Né la física né la biología né la psicología, neppure le scienze sociali ci permetteranno di orientarci. Tali scienze ci fanno certamente conoceré il mecanismo, i determinismi che reggono gli strati astratti della relata che ciascuna di esse evidencia nel mondo – ed in questa misura possono servire all’uomo che filosofa e che di orientarsi – ma non possono conoceré il senso del mondo per il fatto che ignorano, nel loro principio, la questione del senso”.

Page 218: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores218

tem condições de se desenvolver biológico e socialmente, orientado para uma consciência ética de pertença às múltiplas facetas da vida. Assim, o indivíduo teria condições de responder a si mesmo as indagações sobre a existência de si mesmo e de outros seres e, sobretudo, tornar-se-ia responsável pelas suas próprias ações e omissões. O que é possível cientificamente torna-se, por consequência, tecnologicamente ético. Ultimamente, o extremo deste raciocínio tem gerado um novo elemento ético social, uma nova atividade científica capaz de transformar toda e qualquer forma de relação humana: o projeto de clonar seres humanos. Habermas (1998) nos leva a refletir sobre esta nova realidade e possibilidade técnica. Este novo conhecimento torna possível conceber e compreender o surgimento da vida. O mistério-vida “perde” o sentido de causalidade biológica. Tudo se dá a partir de uma escolha e imposição feitas por um indivíduo externo ao processo de criação e construção biológicas. Contrário a isso, Habermas esclarece que:

Nenhuma pessoa tem o direito de dispor de outra pessoa e a controlar sua possibilidade de ação de tal modo que, da pessoa dependente, subtraía assim uma parte essencial de sua liberdade. Esta condição é alterada quando alguém decide sobre o programa genética de outra pessoa. O clone também se encontra a si mesmo no processo de autocompreensão como uma determinada pessoa; mas traz o núcleo essencial destas pré-disposições e propriedades de uma outra pessoa, onde se encontram os desígnios de uma outra pessoa8. (1998, p. 208).

A implicação ética desta reflexão habermasiana é que ninguém tem o direito de fazer do outro o seu próprio objeto de uso somente porque possuidor de suas propriedades genéticas. É claro que a questão não consiste somente na igualdade de semelhanças genóticas e ou fenóticas. O problema ético deste processo está no uso de influências do sujeito manipulador na subjetividade do outro manipulado.

Historicamente, isto nos recorda a escravidão, cuja ética permitia e até legitimava um ser humano explorar o seu semelhante, como sua propriedade particular. O Professor Garrafa, citando Kant, afirma que o indivíduo “pode usufruir o corpo dele, mas não pode vendê-lo. A nossa técnica básica é está: a vida é dom de Deus, para aqueles que acreditam em Deus, ou dom da natureza, e não tem preço, a vida não pode ser vendida”. (1997, p. 27). Assim, como pressuposto ético, é que nunca devemos utilizar o outro como um simples meio mercadológico. É evidente que a escravidão humana fere a dignidade da pessoa. Com relação ao problema da biotecnologia, especificamente a questão da clonagem, o clone humano, para Habermas, pode vir a experienciar uma situação semelhante à daqueles que foram submetidos à escravidão. Diz ainda “o clone se assemelha ao escravo na medida em que pode delegar para outras pessoas uma parte da sua responsabilidade que ele mesmo deveria suportar”9 (1998, p. 208). Assim a crítica harbemasiana, ao comparar o clone ao escravo, nos leva a compreender que a relação ética entre o clone e a sua matriz é altamente complexa. Há uma atitude de outra pessoa que impõe

8 “Ninguna persona tiene derecho a disponer de otra persona y a controlar sus posibilidades de acción de tal modo que a la persona dependiente le sea sustraída una pare esencial sé su libertad. Esta condición es vulnerada cuando alguien decide sobre el programa genético de otra persona. El clon también se encuentra a sí mismo en su proceso de auto comprensión como una determinada persona; pero tras el núcleo esencial de estas predisposiciones y propiedades se encuentran los designios de una persona ajena”.9 “El clon se asemeja al esclavo en la medida en que pueden relegar en otras personas un parte de la responsabilidad que él mismo debería soportar”.

Page 219: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 219

a definição de características ao seu clone antes mesmo do nascimento deste, que certamente estará à disposição do seu proprietário.

Assim, a partir do momento em que o proprietário toma posse dos genes de outra pessoa, rompe-se com a ideia que os indivíduos se relacionam reciprocamente como seres autônomos, tanto na esfera ética da vida privada como na dimensão social da existência humana. Habermas, num tom quase irônico, coloca em dúvida o fato de que “quem poderia considerar-se, por mais narcisista que seja, tão perfeito a ponto de desejar, em geral, uma cópia exata de suas próprias predisposições e propriedades?”10 (1998, p. 209). Onde iremos chegar? A reflexão ética aqui é de extrema urgência e importância.

Além dos problemas que envolvem o clone em si mesmo, tem-se a situação ética de como a sociedade reagiria diante do clone. Sabemos que o clone é vida artificialmente criada, que não segue os processos naturais de criação das formas de vidas. Os clones11, muito provavelmente, estariam fadados a uma marca, a uma situação que envolveria toda a existência deles. Eles poderiam vir a serem objetos de uma nova discriminação social. Sociologicamente, o clone provoca até mesmo uma discussão jurídica. Para Habermas (1998), o fenômeno da;

[...] produção de seres humanos clonados não pode ser evitado com medidas jurídicas; por isso uma discriminação jurídica preventiva conduziria de fato à delimitação de uma nova categoria de minoria. Os clones estariam, todavia, pior ‘marcados’ que outras minorias.12 (p.10).

O clone corre o risco de ser discriminado em função da sua estrutura genética. Do ponto de vista antropológico, a ética da relação entre o clone e sua matriz transformará as relações sociais, já que a interdependência entre ambos, por exemplo, não será a mesma daquela que acontece na instituição família. Ainda em nível sócio-psicológico, Habermas (1998) chama atenção para o fato de que, antes de contemplarmos estupefadamente o fruto dessa ciência biotecnológica, deveríamos questionar como os clones humanos contemplariam a si mesmo. O questionamento, nesse caso, baseia-se no fato de que o clone é o resultado de uma ação intencional da biociência, cuja axiologia não leva em consideração a liberdade presente na dimensão transcendental do ser humano.

Nessa perspectiva de análise, destaca-se a importância de se considerar a bioética no âmbito das possibilidades técnicas da ciência biológica contemporânea. Para Weil, a reflexão bioética, mais do que nunca, faz-se necessária. Segundo ele:

10 ¿Quién puede considerarse, por muy narcisista que sea, tan perfecto como para poder desear, en general, un copia exacta de sus propias predisposiciones y propiedades?”11 A discussão apresentada nesse texto é somente da clonagem de seres humanos, não discutimos a clonagem de plantas, que já existe há muito tempo. Não encontramos debates éticos sobre o uso desses seres vivos.12 “[…] la producción de seres humanos clonados no puede evitarse con medios jurídicos; por eso una discriminación jurídica preventiva conduciría de hecho a la delimitación de una nueva categoría de minoría. Los clones estarían todavía peor ‘marcados’ que otras minorías”. (HABERMAS, 1998, p.10).

Page 220: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores220

A Biologia pode hoje modificar as estruturas fundantes da ordem humana – as relações de parentesco – e, assim, introduzir no mundo uma desorientação bem maior que aquela introduzida, no início da Idade Moderna, pela física que reduziu o antigo cosmo a um mecanismo privado de senso.13 (apud KIRSHER, 1989, p. 16).

Como exemplo da ausência de sentido ético na ciência, gostaríamos de citar um exemplo negativo do uso da ciência que marcou a recentemente a nossa história. A segunda Guerra Mundial produziu eventos de uma crueldade sem precedentes. Através do uso da biologia e de sua aplicação nos campos de concentração nazistas, experiências selvagens foram conduzidas em seres humanos. Isto foi motivado por uma ideologia racional de interesse, com respaldo da possibilidade técnica, criada pela ciência positiva da época. Hofstadter (1965), ao comentar este fato histórico, diz que:

Uma característica da imagem brutal da liderança militar alemã que emergiu da literatura de guerra era a idéia que a mente alemã foi dominada por uma filosofia consciente, intencional e pesadamente divulgada do imoralismo. Os alemães, isso era sustentado, adoravam Treitschke, Nietzsche, von Bernhardi e outros militaristas que os asseguraram que eles eram a elite do gênero humano, uma raça de super-homens destinada a conquistar a Europa ou o mundo, que pregavam que o poder torna tudo certo, legal, que a guerra é uma necessidade biológica, e que a conquista é justificada pela sobrevivência do mais forte14.(p. 196-197).

Diante da corrida tecnológica, é preciso procurar indicações seguras para discernirmos o que realmente tem valor e sentido éticos. Devemos nos preparar criticamente para fazermos frente a essa situação vital de transformações frenéticas. O questionamento acerca do tipo de sociedade, de racionalidade científica e de axiologia que gostaríamos de legar às gerações futuras é uma tarefa árdua que a bioética é chamada a realizar. A bioética surge, portanto, como expressão da nossa responsabilidade que envolve a sobrevivência da espécie humana em relação com a ciência. Ela lubrifica as relações sociais, a partir do âmbito da vida, fornecendo elementos para cada indivíduo viver com qualidade e agir segundo critérios que lhe dêem segurança e garantam um ambiente social equilibrado, mesmo diante de uma ciência ideológica.

Referências

BAUMAN, Z. Em Busca da Política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

BERLINGUER, Giovanni & GARRAFA, Volnei. O Mercado Humano. UNB, Brasília, 2001.

13 “ La biologia puó oggi capovolgere le strutture fondanti dell’ ordine umano – le relazioni di parentela – ed introdurre cosi nel mondo um disorientamento ancora maggiore di quello introdotto, all’ inizio dell’ età moderna, dalla física, che ridusse il cosmo antico a un meccanismo privo di senso” (WEIL, apud KIRSHER, 1989, p.16).14 A feature of the image of brutal German military leadership that emerged from the war literature was the idea that the German mind was dominated by a self-conscious, willful, iron-mailed philosophy of immoralism. The Germans, it was maintained, worshipped Treitschke, Nietzsche, von Bernhardi, and other militarists, who assured them that they were the elite of mankind, a race of supermen destined to Conquer Europe or the world, who preached that might makes right, that war is a biological necessity, and that conquest is justified by the survival of the fittest. (HOFSTADTER, 1965, p. 196-7).

Page 221: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 221

BODEI, Remo. A Che serve l’etica? Il Grillo. p. 1-10. Disponível em: http://www.emsf.rai.it/giostra/tv/99 02/199 02 15/199 02 15.html. Acesso em: 17 de março de 2011.

PROTA, Leonardo. O papel da universidade na construção do saber sobre idosos”. In: Crítica - Revista de Filosofia. Londrina, Volume 4, Número 16, (julho/setembro, 1999).

GARRAFA, Volnei. O Corpo Humano No Balcão. Revista Caros Amigos, São Paulo, Ano I, n. 6, p.26-32, setembro de 1997.

________________. Bioética, Saúde e Cidadania. O Mundo da Saúde: Bioética, São Paulo, Ano 23, Vol. 23, n. 5, p. 263-269, set.-out. de 1999.

GARRAFA, Volnei & COSTA, Sérgio I. F. A Bioética no Século XXI. Brasília: UNB, 2000.

HABERMAS, Jünger. Un argumento contra la clonación de seres humanos. Tres réplicas. In: ____. La Constelación Posnacional. Ensayos Políticos. Biblioteca del presente – Paidós, 1998, p. 207-217.

HOFSTADTER, Richard. Social Darwinism in American Thought. The Beacon Press, Boston, 1965.

KIRSCHER, Gilbert. Orientarsi, Filosofare con Eric Weil. Instituto Italiano per gli Studi filosofici. Prassi. Come orientarsi nel mondo. Quatroventi, 1989.

ORIENTAÇÕES Curriculares Para O Ensino Médio. Ciências humanas e suas tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008.

OLIVEIRA, Manfredo Araujo. A Crise da Racionalidade Moderna: Uma Crise de Esperanças. Revista Síntese. Belo Horizonte, v. XVII, n. 45, jan./abr. de 1989.

PESSINI L. Distanásia: até quando prolongar a vida? São Paulo: Centro Universitário São Camilo Loyola, 2001.

SEGRE, M.; SCHRAMM, F. R. Quem tem medo das (bio)tecnologias de Reprodução Assistida?. Bioética (Brasília), Brasília, v. 9, n. 2, p. 43-56, 2001.VIANO, Carlo Augusto. La bioetica tra passato e futuro. Rivista di Filosofia. Dicembre 1997. p. 1-7. Disponível em: http://www.symbolic.parma.it/bertolin/rs80.htm>. Acesso em: 28 de setembro de 2012.

Page 222: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores222

EXPERIÊNCIAS COM A TELEVISÃO NO ENSINO DE SOCIOLOGIA1

Fernando Augusto Violin2

Introdução

Uma questão óbvia no debate sobre a natureza do ensino de Sociologia relaciona-se com o estabelecimento de um consenso sobre os conteúdos selecionados ao ensino, bem como com a forma de transmissão e produção daqueles conteúdos. Nas reflexões sobre as mídias e educação, o que se observam, ao longo dos anos, a dificuldade que os professores enfrentam com a mudança de percepção dos seus estudantes que vivenciam a cultura visual e digital em pleno desenvolvimento enquanto que os professores, formados numa cultura da linguagem escrita em sua maioria, encontram dificuldades para produzir as relações por meios imagéticos e digitais.

Diante disso, vale dizer que muitos esforços vêm sendo feitos para tentar compreender as mudanças significativas que os meios de comunicação em geral produzem nas percepções dos estudantes e, assim, criar metodologias que sejam compatíveis com a nova realidade.

Sendo assim, a partir das observações do estágio supervisionado em Sociologia do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina durante minha licenciatura, podemos estudar essas percepções tentando compreender que tipo de experiência é produzida com a TV Pendrive nas aulas de Sociologia. Afinal, os adolescentes estão na era da imagem sendo difícil expor uma aula somente com o quadro e o giz, como disse o professor Jeferson no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos Herbert de Souza (Betinho)3.

A TV Pendrive é um projeto da Secretaria de Estado da Educação do Paraná que prevê televisão de 29 polegadas para as 22 mil salas de aula da rede estadual de educação – com entradas para VHS, DVD, cartão de memória, pen drive e saídas para caixas de som e projetor multimídia4. Desde a implantação desse projeto, vemos que o entendimento sobre a utilização dela nas salas de aula dividem os educadores entre aqueles que são favoráveis à utilização dela e aqueles que são desfavoráveis ao uso dela como uma ferramenta de ensino conservadora. No entanto, mais do que se posicionar em relação a essa mudança na sala de aula, devemos tentar compreender também os significados que essas novas tecnologias incorporadas no processo de ensino produzem para os estudantes.

Assim, pretendemos, no lugar de focar a televisão apenas como recurso pedagógico, perceber quais impactos significativos que este meio produz na experiência de seus receptores para evidenciar o que os meios de comunicação podem fazer pela educação e não simplesmente a forma como utilizá-los no ensino. Diante das possíveis transformações que os espaços de ensino sofrem, caso a educação seja vista como um processo dramático, essas reflexões sobre a televisão podem nos levar a pensar nos impactos das novas tecnologias nas formas de produção 1 Artigo apresentado para a conclusão da especialização em ensino de Sociologia pela Universidade Estadual de Londrina. Orientador: Prof. Dr. Celso Vianna Bezerra de Menezes.2 Possui Licenciatura e Bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Ensino de Sociologia pela UEL e Mestrando em Ciências Sociais pela UEL. Contato: [email protected] O CEEBJA Herbert de Souza está localizado na rua Luiz Alves Lima Silva, 336. Jd Presidente, Londrina – PR.4 Disponível em http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=32. Último acesso em 03/11/2011.

Page 223: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 223

de conhecimentos contemporâneos. Talvez porque através da exposição de imagens, músicas e filmes na TV Pendrive que se relacionam com os conteúdos do ensino de Sociologia, só que numa linguagem audiovisual, podemos perceber uma mudança nas formas de relação entre os professores, os estudantes e os conteúdos trabalhados na sala de aula.

experiências com a tV pendrive no estágio de Sociologia

Durante o estágio supervisionado em Sociologia no CEEBJA Herbert de Souza, observei que a TV Pendrive era frequentemente usada pelos professores de Sociologia para uma turma no período noturno onde os estudantes, na maioria, eram adultos que saíram da escola porque tiveram que começar a trabalhar muito cedo e não conseguiam estudar ao mesmo tempo, mas depois voltaram. Eles pretendem fazer uma faculdade, melhorar sua atuação no trabalho ou mesmo estudar por satisfação pessoal 5.

A falta de hábito para estudar em casa e a falta de tempo por causa do trabalho foram fatores que evidenciaram a dificuldade que os estudantes encontraram nas leituras, nas interpretações dos diferentes textos e nas produções orais e escritas, exigindo dos educadores atendimento individual e, às vezes, diferenciado. As exibições na TV Pendrive eram relacionadas aos poucos conteúdos selecionados pelos professores, uma vez que o tempo do curso é menor. Mas esse fato possibilitou que os poucos conteúdos sociológicos fossem trabalhados de diversas formas e, entre elas, observou-se o uso da linguagem audiovisual através da televisão.

Assim, assistimos ao filme Matrix relacionado às discussões sobre o conceito sociológico de ideologia. O filme conta a história de Neo, um hacker programador considerado o salvador da humanidade por Morpheu, que escolheu sair da Matrix para ver o mundo real. A Matrix é um programa de computador que simula a realidade social para escravizar e explorar os seres humanos. Ela é controlada por inteligência artificial (máquinas), segundo aquilo que o professor Jeferson passou na lousa. Esse exercício complementou a ideia de Marilena Chauí (apud PICANÇO, 2006, p.196) sobre a ideologia e a normatização do cotidiano, presente no livro didático da Secretaria de Estado da Educação do Paraná.

No filme, as pessoas vivem num mundo achando que é o mundo real, mas na verdade, o mundo real é essencialmente escondido pelas máquinas através da simulação aparente da realidade pelo programa de computador Matrix. Ao passar o filme para os alunos, “o que interessa é a invenção da realidade”, disse Jeferson. Essa forma de ensino foi possível com o auxílio da TV Pendrive e proporcionou uma maneira diferente de trabalhar o conteúdo sociológico através de uma experiência singular. Ao lembrarem-se do conceito de ideologia, possivelmente os estudantes se lembrarão do filme e do significado criado nessa aula.

Durante o estágio supervisionado III na mesma escola, o professor Luiz passou o filme Tempos Modernos do Charles Chaplin na TV Pendrive para discutir o tema sobre Trabalho. O filme retrata os anos 30 nos Estados Unidos, época logo após a crise de 1929 em que o país passou por uma depressão econômica violenta levando grande parte da população ao desemprego. Através da figura central de Carlitos como operário de uma indústria, o filme é uma crítica à sociedade industrial capitalista caracterizada pela especialização do trabalho onde o trabalhador é engolido

5 Durante o estágio foi aplicado um questionário perguntando por que os estudantes saíram da escola e qual o motivo de voltarem a estudar.

Page 224: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores224

pelas forças do capital que sugam suas energias para as satisfações e diversões burguesas. O filme começa com a imagem de um relógio, simbolizando o tempo programado. Logo em seguida, entra em jogo a troca de imagens de um rebanho de animais com a de uma multidão subindo as escadas de um metrô correndo para seus trabalhos, comparando o homem aos animais.

Quando chegou a minha vez de ministrar as regências para o estágio, meu objetivo foi tentar compreender com os estudantes o que é a indústria cultural através da influência das propagandas nos nossos estilos de vida. Para isso, busquei recursos que trabalhassem o conteúdo nas suas diversas percepções de sentido possíveis – como imagem, som e movimento – ao problematizar as aulas através da exposição de vídeos, imagens e música na TV Pendrive.

Inspirei meu plano de aula na pedagogia histórico-crítica proposta por Gasparin (2005) que auxilia na estruturação da aula. Por exemplo, uma aula sobre indústria cultural pode ser iniciada de várias formas, com teorias clássicas sobre o assunto, com vídeos, com reportagens ou perguntando o que os estudantes já sabem sobre o conteúdo. As respostas deles sobre o conteúdo nos levarão para diversos entendimentos. Cabe ao professor guiar esta teia complexa de conhecimentos. O professor, neste momento, tem um papel fundamental: o de possibilitar o questionamento sobre o que os estudantes já sabem, fazendo a inter-relação entre o saber científico e o senso comum com a apresentação dos conteúdos próprios da disciplina.

A “prática social inicial dos conteúdos” consiste no primeiro diálogo do professor com os estudantes e os seus conhecimentos, numa busca de compreender as suas práticas sociais. O professor explica os objetivos dos conteúdos a serem trabalhados e inicia sua contextualização, identificando o que eles já sabem sobre os temas e o que gostariam de saber a mais. Nessa parte, é construtiva a utilização de filmes, livros, músicas, entre outras estratégias. Dessa forma, é necessário considerar aquilo que os estudantes já sabem para introduzir os conceitos.

Na “prática social inicial dos conteúdos”, introduzimos o tema com a experiência de assistir ao documentário “Criança: a alma do negócio”6, levantando as seguintes questões: Qual o ponto central do vídeo? As propagandas de televisão influenciam na educação da criança? À que elas estão vinculadas?

O documentário traz uma reflexão sobre a sociedade de consumo e sobre o poder impactante das mídias de massa na formação consumidora de crianças e adolescentes através das propagandas e mostra que se perdeu a ética na busca do lucro com a formação de pessoas consumidoras desde pequenas. A partir disso, a aula foi desenvolvida com o auxílio de outras imagens sobre o tema. No final da aula, na “catarse”, o exercício foi auxiliado por uma experiência sonora. Tentando identificar aquilo que os estudantes aprenderam sobre a indústria cultural, o exercício pedia para eles identificarem elementos dela na letra da música “3ª do plural”, da banda Engenheiros do Hawaii7, a partir de um videoclip na TV Pendrive.

Numa outra experiência de ministrar aulas expositivas sobre os eventos de cosplay8 para os alunos do 1º e do 2º ano do ensino médio no “I Curso de formação continuada de professores, alunos, funcionários e pais do Colégio Estadual Polivalente”, promovido pelo Departamento de Ciências Sociais do Centro de Letras e Ciências Humanas da UEL, como parte da formação em

6 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=49UXEog2fI8. Último acesso em 07/05/2012.7 Letra disponível em: http://letras.terra.com.br/engenheiros-do-hawaii/747530/. Último acesso em: 10/05/2012.8 O Cosplay é uma prática que seus participantes fantasiam-se de personagens de quadrinhos, animes, games, desenhos animados japoneses, filmes, séries interpretando-os vestindo trajes e comportando-se segundo a personalidade dos personagens. É praticado em eventos que reúnem fãs desse universo como em convenções de anime e games. Capturado na página virtual http://www.cosplaybr.com.br/site/index.php/O-Que-e-Cosplay.html em 27/11/2010.

Page 225: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 225

estágio, percebi que uma das nossas maiores dificuldades como estagiários era falar na mesma linguagem e universo de entendimento deles.

Durante a exposição da aula, nos momentos que tratávamos de conceitos mais teóricos para explicar o processo de globalização do qual os eventos de cosplay fazem parte, misturando elementos de várias culturas pelo mundo, como os Estados Unidos e Japão, percebi que alguns estudantes perdiam a atenção no que estava sendo passado. Nesses momentos, observei a dificuldade de transpor a minha linguagem aos alunos do ensino médio.

A atenção e o interesse deles com o conteúdo só aumentaram no final da exposição quando mostramos fotos pela TV Pendrive dos eventos de cosplay que fizeram parte da pesquisa de iniciação científica da minha colega que ministrava a aula comigo naquele dia. No final, todos olhavam para a televisão, até os mais desinteressados na aula e que estavam “dormindo” no fundo da sala, uma vez que as fotos mostravam as pessoas fantasiadas de seus personagens favoritos, personagens dos jogos de vídeo game, desenho animado ou filmes, próprios do universo juvenil. Do meu ponto de vista, o fato de estarmos falando dos eventos de cosplay chamou a atenção dos alunos por ser um evento do universo juvenil, predominantemente. A escolha do tema para a aula foi um primeiro passo para falarmos, de algo do mesmo universo deles. Como também chamou a atenção deles, o uso do recurso das fotografias para mostrar os eventos e o uso da televisão, e que os deixaram “meio fixados” com as imagens.

Do mesmo jeito, para começar a palestra sobre tatuagens e outras modificações corporais na “III Jornada de Humanidades do Colégio Estadual Polivalente, ensino fundamental, médio e profissional”, comecei a exibir várias imagens de tatuagens, retiradas da internet e, após um tempo observando-as com os estudantes do ensino médio matutino, pedi para eles me dizerem o que achavam delas. Conforme eles me diziam, eu anotava no quadro os significados por eles atribuídos à prática de tatuar o corpo. Assim, tendo um leque de palavras colocadas pelos estudantes, para refletirmos sobre essas práticas, pude desenvolver um diálogo entre as palavras deles e a teoria sociológica. Com a televisão, a experiência no ensino de Sociologia diferencia-se das outras atividades escritas e orais tradicionais, na medida em que todos na sala de aula se transformam em espectadores envolvidos e participantes, ao mesmo tempo, de um mesmo tipo de engajamento, que foi o esforço da interpretação das imagens, com a cooperação de todos, possibilitando momentos para a técnica de Dinâmica de Grupo.

Para Lauro de Oliveira Lima (1976, p. 21), a grande maioria dos sistemas escolares foi planejada segundo os interesses dos padrões valorativos da sociedade capitalista que levam à meritocracia, um sistema de concorrência e competição. Porém, o mundo eletrônico exige cérebros cada vez mais globalizados com a exigência do planejamento e da programação em que o grupo de trabalho torna-se uma necessidade, extinguindo funções e desmoronando as fronteiras profissionais.

A dinâmica de grupo, um tipo de experiência de ensino que difere do tradicional, para os adolescentes, é um processo de engajamento com técnicas de alta participação que consegue desviar a atenção deles. De acordo com Lima (1976, p. 21), qualquer atividade que, para o jovem, tenha sentido lúdico é uma forma de engajamento funcional e tem mais interesse tudo que é vivencial.

Para ele o especialista não desaparece, mas só pode funcionar em grupo que elimina, por necessidade de sobrevivência, a competição e motiva a construção de processos de cooperação.

Page 226: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores226

Nesse sentido, Lima compara o modelo do professor moderno com o técnico do time de futebol que, inclusive, pode dar aulas expositivas, mas nas situações de profundo engajamento dos estudantes.

Nessa configuração há uma nova forma de relação entre as pessoas na sala de aula: não existem professores e alunos, mas telespectadores engajados num mesmo tipo de experiência em que a interpretação de um vale tanto quanto a de outro. Portanto, ao observarmos todo o grupo, as ideias que faltam num estudante ou que ele não consegue sistematiza-las com outras ideias, outros estudantes podem possuí-las ou já as terem sistematizadas. Aqui, o professor deve assumir seu papel como um guia, para tentar fechar no tema da aula os caminhos em que as diversas interpretações dos estudantes poderiam levar.

Isto pode acontecer porque a experiência com a televisão é totalmente envolvente, segundo Marshall McLuhan (1964, p. 350). Ele diz que “é preciso estar com ela”, por isto ela não serve de pano de fundo para o adolescente desfrutar de certa intimidade com uma garota, como um rádio, por exemplo. Ele nos alerta para estudar os meios de comunicação de massa no cenário eletrônico e digital como extensões do homem porque, para ele, “é o meio que configura e controla a proporção e a forma das ações e associações humanas” (1964, p. 23), criando uma experiência com a participação das pessoas em profundidade ao eliminar os fatores de tempo e espaço da associação humana, como fazem o rádio, o telefone, a televisão e a internet.

A televisão pode incentivar a criação de estruturas em profundidade no mundo das artes e do entretenimento criando, ao mesmo tempo, um intenso envolvimento da audiência. Com a sua imagem, somos exigidos que a cada instante “fechemos” os espaços das tramas televisivas por meio de uma participação convulsiva e sensorial que, segundo McLuhan (1964, p. 352), é profundamente cinética e tátil uma vez que “a tatilidade é a inter-relação dos sentidos, mais do que o contato isolado da pele e do objeto”.

Assim, a sinestesia – unificação dos sentidos e da vida imaginativa – sempre apareceu como um sonho inatingível aos poetas e artistas ocidentais que, com a imagem da televisão, parece exercer agora uma força sinestésica unificadora sobre a vida sensória da população letrada, de acordo com McLuhan (1964, p. 354). Além do que a interpretação na televisão fica extremamente íntima porque o telespectador, por ela envolvido, tende a completar ou a concluir a imagem televisionada.

Não é por acaso que, durante a palestra sobre “Decoração corporal e identidade” na “III Jornada de humanidades do Colégio de Aplicação: in/exclusão e juventude(s)”, promovido pelo Colégio Estadual Professor José Aloísio Aragão (Colégio de Aplicação da UEL) e Departamento de Ciências Sociais (UEL), a turma de estudantes do ensino médio matutino expressava nítidas reações físicas logo ao ver imagens de tatuagens e outras modificações corporais, retiradas da internet e mostradas na TV Pendrive por nós estagiários. Ao expor algumas imagens de modificações corporais em diferentes sociedades, as expressões de contemplação dos estudantes foram uma unanimidade: seguiam as imagens e faziam “OHHHH!!!!!!” ao olharem para a televisão. Demonstravam que tais imagens falam, em primeiro lugar, ao corpo e não à mente.

Algo que Derrick Kerckhove (1997, p. 38) suspeitava há vários anos e pode concluir ao ser convidado por Steven Kline, diretor do Laboratório de Análise dos Media da Simon Fraser University em Vancouver, para um teste num sofisticado sistema de análise de reações fisiológicas a partir de qualquer coisa mostrada, especialmente a televisão. Por isto ela é hipnoticamente envolvente, qualquer movimento na tela atrai nossa atenção automaticamente.

Page 227: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 227

Para conseguirmos criar sentido com a rapidez das imagens, devemos seguir a ação com o nosso corpo e imitamos uma ou outra expressão para melhor interpretarmos. A isto, Kerckhove (1997, p. 42) chama “o efeito de submuscularização” – que é “a interpretação do movimento e da ação por uma espécie de mímica sensomotora envolvendo todo o corpo”. Kerckhove (1997, p. 78) esclarece ainda que o sentido mais antigo da palavra “integração” está ligado à expressão latina “tangere” que quer dizer “tocar”. Assim, quando estamos experimentando uma realidade virtual, o corpo inteiro está em contato com o ambiente virtual como acontece com a água quando se está mergulhado numa piscina.

televisão, sinestesia e experiência Para Derrick de Kerckhove (1997, p. 33), a nossa realidade psicológica não é uma

coisa natural e depende da forma como o nosso ambiente, incluindo as extensões tecnológicas, nos afeta. Na sua visão, os nossos sistemas políticos e de educação estão muito atrás da nossa tecnologia e do nosso marketing, sendo pouco adequados para lidar com os valores e problemas em mudança no mundo. De acordo com ele, “uma das funções da nossa psicologia individual é criar uma ilusão de continuidade quando há quebras culturais e tecnológicas importantes e assim retardar o impacto dessas novas tecnologias em nossas mentes”. Se não tivéssemos uma forma de ambiente estabilizador pessoal, entraríamos em choque permanente causado pelo trauma cultural das novas tecnologias. O telefone, o rádio, a televisão, os computadores e outros chamados media combinam-se para criar ambientes que, juntos, estabelecem um domínio de processamento de informação, que é o das psicotecnologias. Vista desse jeito, a televisão torna-se nossa imaginação coletiva projetada fora do nosso corpo, mudando a localização do processamento de informação de dentro dos nossos cérebros para ecrãs à frente dos nossos olhos. Isto diz respeito não só aos nossos cérebros, mas a todo o sistema nervoso e aos sentidos, criando condições para uma nova psicologia em que a interação, a característica essencial, é fornecida pelas máquinas (KERCKHOVE, 1997, p. 34-35).

Na cultura televisiva, mesmo que nossas mentes divaguem ocasionalmente, nosso sistema neuromuscular segue constantemente as imagens na tela da televisão de forma involuntária. Segundo Kerckhove (1997, p. 40), estamos condicionados para responder a qualquer estímulo interno ou externo, só que na experiência com a televisão as mudanças e cortes rápidos nas imagens provocam continuamente estímulos e respostas a eles, chamando a atenção do corpo sem satisfazer necessariamente os estímulos iniciais. Assim, parece que é negado o tempo necessário para integrar uma informação a um nível de consciência completo. O telespectador, quando colocado com essas mudanças rápidas de imagens, é levado de imagem para imagem o que exige uma adaptação inesperada e constante aos estímulos perceptivos. Então, ele deixa de conseguir manter o ritmo e desiste de fazer classificações mentais. Quando isso ocorre, as pessoas agem e reagem de forma fisiológica podendo reduzir a compreensão. A expressão “colapso do intervalo” criada por Edward Renouf Slopek, comunicólogo e investigador da Universidade McGill, indica o fato de a televisão eliminar o efeito de distanciamento no intervalo entre estímulo e reação e o tempo para processar a informação na nossa mente, sugerindo que ela nos deixa pouco, se é que deixa algum tempo, para refletir sobre o que estamos a ver nela (KERCKHOVE, 1997, p. 41).

Page 228: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores228

Diante dos estímulos externos causados pelos impulsos elétricos da televisão e das nossas reações internas a eles, Kerckhove (1997, p. 45) então aponta para um tipo de experiência com este poder da máquina:

O envolvimento profundo exigido pelo visionamento televisivo, o facto de a maior parte das nossas reacções serem involuntárias parecem demonstrar uma relação de poder entre produtor e consumidor em mudança. Quando lemos, exploramos os livros, temos o controlo. Mas quando vemos TV são os electrões explorando a superfície do cinescópio que nos “lêem”. As nossas retinas são o objecto directo do feixe de electrões. Quando essa exploração se cruza com o olhar e estabelece contacto visual entre homem e máquina, o olhar da máquina é mais poderoso. Em frente ao ecrã da televisão as nossas defesas estão em baixo; somos vulneráveis e susceptíveis à sedução multissensorial. (KERCKHOVE, 1997, p. 45).

Se isto realmente for verdadeiro, as nossas estratégias de processamento de informação estão mudando com o aparecimento da televisão. Ao observar as crianças a lerem, em vez de usarem os olhos sequencialmente como tivessem sido treinadas pela escrita, elas parecem dar “olhadelas rápidas” atirando o olhar para a página como se transferissem a estratégia visual do ecrã de televisão para o texto. Isto, argumenta Kerckhove (1997, p. 47), é muito diferente de dar nomes aos objetos e sistematizar frases coerentes.

Dessa forma, o estudante telespectador da TV Pendrive na sala de aula é envolvido e ativamente participa não pela sua mente e compreensão, mas sim pelas sensações do seu corpo. De acordo com McLuhan (1964, p. 258), sua experiência é sempre superior à sua compreensão e “é a experiência, mais do que a compreensão, que influencia o comportamento, especialmente nas questões coletivas que dizem respeito aos meios e à tecnologia”, cujos efeitos os indivíduos raramente se dão conta. Por outro lado, das análises rituais entre os Ndembu da África para as reflexões dos processos rituais das sociedades industrializadas, Victor Turner (2008) nos inspira a pensar essas experiências em que o poder da máquina parece intensificar as sensações corporais podem se processar de uma forma dramática. Isto porque, para ele, os rituais são momentos excepcionais na vida social da sociedade e expressam os conflitos inerentes a ela bem como pensamentos e comportamentos de uma forma dramatizada.

A partir disso, pode ser que as dificuldades que os professores, formados numa linguagem escrita, encontram para produzir relações com seus estudantes que vivem a linguagem eletrônica e digital em pleno desenvolvimento, expressa um conflito na sala de aula de forma dramatizada, no sentido lúdico e teatral mesmo como num ritual que aponta as continuações e transformações das práticas de ensino.

Turner (2008, p. 27) diz que essas experiências em processos rituais têm uma forma e que essa forma é essencialmente dramática com a sua convicção do caráter dinâmico das relações sociais. Assim, ele define os dramas sociais (2008, p. 33-37) como um instrumento de análise para esses processos rituais em sociedades de todos os tamanhos e complexidade que surgem em situações de conflito e possuem quatro fases de ação pública: 1) a ruptura sinalizada pelo rompimento público de relações sociais formais regidas por normas, ocorrendo entre pessoas ou grupos de um mesmo sistema de relações sociais, descumprindo deliberadamente alguma norma com a sociedade. 2) crise que são “momentos de perigo e suspense [...] uma vez que se trata de um limiar entre fases relativamente estáveis do processo social” (2008, p. 34). 3) ação

Page 229: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 229

corretiva ou reparadora, com o objetivo de limitar a crise, “mecanismos” de reparação são criados pelos membros representativos do sistema social perturbado expressando em diversas formas expressivas de resolução, como a performance de um ritual público. 4) por fim, a última fase de reintegração dos indivíduos ou grupo social perturbado levados a um desfecho que pode romper com o sistema social ou reintegrar-se a ele.

O ponto que Turner (2005a, p. 183) ressalta é o da terceira fase, reparação como processo ritual. Ele diz que o mundo do teatro e, assim, as diversas dramatizações no mundo social derivam não da forma processual completa do drama social, mas sim da terceira fase reparação como processo ritual. É nesta fase que as diversas formas expressivas atingem o máximo da sua expressão ao consumar essas experiências com a possível reparação de um conflito.

De acordo com Serry Ortner (1993), desde os anos sessenta, há um novo símbolo chave aparecendo na orientação teórica que pode ser chamado de “prática”, ou teoria da prática, em que várias teorias e métodos estão sendo desenvolvidos. Na antropologia simbólica de Turner, os olhares voltam-se para os conflitos e as contradições que constroem e mantém o estado normal da sociedade. Os símbolos sociais, para Turner, podem servir como operadores de forças ativas para as pessoas no processo social, coisas que quando colocadas juntas em certas formas e contextos, em especial nos rituais, produzem transformações sociais possibilitando a reparação de um conflito (ORTNER, 1993, p. 16). Esses processos rituais contém uma fase liminar com característica de fornecer estruturas únicas de experiências em que os indivíduos ou grupos têm a possibilidade de transformar também a si mesmos. Para Turner (2008, p. 45), isto pode acontecer através da imaginação criativa, um tipo de inventividade e inspiração genuína que vão além da imaginação. Algo que não consiste apenas na habilidade de evocar impressões sensoriais e corresponder àquilo que vem da percepção porque consiste também na habilidade de criar conceitos que podem não encontrar nenhum correspondente nos sentidos e suscitar ideias não-convencionais.

Essas experiências liminares podem ser captadas a partir da diferença em Dilthey que ele chama entre “mera experiência” e “uma experiência”. A “mera experiência” é a passiva resignação e aceitação dos eventos cotidianos. “Uma experiência” é “como uma pedra num jardim de areia Zen, destaca-se da uniformidade da passagem das horas e dos anos e forma aquilo que Dilthey chamou de uma ‘estrutura da experiência’”. Ou seja, ela não tem um início ou um fim arbitrários, mas tem o que Dilthey chamou de “uma iniciação e uma consumação”, esclarece Turner (2005a, p. 178-179). Ele continua dizendo que todos nós já tivemos certas experiências ao longo da vida que foram “formativas” e “transformativas” envolvendo sequências distinguíveis de eventos externos e de reações internas a eles como as iniciações em novos modos de vida como formatura, casamento, aniversários, entre outros. Algumas dessas experiências formativas são pessoais, outras são compartilhadas com outras pessoas.

Turner (2005a, p. 179) diz que “Dilthey via tais experiências como tendo uma estrutura temporal ou processual – elas são ‘processadas’ através de estágios distinguíveis” e interrompem o comportamento rotinizado e repetitivo. Estas experiências iniciam-se com choques de dor ou prazer e invocam precedentes e semelhanças de um passado consciente ou inconsciente e “as emoções de experiências passadas dão cor às imagens e esboços revividos pelo choque no presente”. Logo em seguida, ocorre uma necessidade de encontrar significado naquilo que se apresentou de maneira desconcertante, através da dor ou do prazer, e coverteu a “mera

Page 230: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores230

experiência” em “uma experiência”. Isto ocorre quando tentamos juntar passado e presente, relacionando a preocupante experiência presente com resíduos de experiências passadas, se não semelhantes, pelo menos relevantes. Quando isso ocorre “emerge o tipo de estrutura relacional chamado ‘significado’”.

A experiência completa-se na expressão de uma forma expressiva, uma performance, através de gestos e comportamentos e, dessa maneira, Turner (2005a) entende que o estudo das performance na busca dos significados simbólicos é essencial na Antropologia da Experiência, exatamente porque a performance consuma a experiência ao completar o processo do significado com uma forma de expressão.

Assim, de acordo com a perspectiva de Turner, para se conhecer as contradições da vida social, há a possibilidade de olhar para os elementos da vida social através das performance que interrompem o fluxo da vida cotidiana e propiciam aos sujeitos a possibilidade de tomarem distância aos seus papéis normativos e, através das reflexividades como se fossem lampejos, repensar a si mesmos, bem como a própria vida social com a possibilidade de refazê-la.

A televisão, no contexto da sala de aula, apareceria como uma experiência diferenciada e singular daquela com as atividades orais e escritas porque intensifica o mundo sensorial do estudante despertando nele memórias que são essencialmente sinestésicas, no sentido que Turner escreve para aquela que ele entende como sendo “uma experiência” ritualística só que, na sociedade capitalista, ela estaria embaralhada com outras esferas de atividade.

As sensações com a TV Pendrive na sala de aula podem possibilitar experiências em momentos liminares na concepção de Turner (2012), algo construído culturalmente, num tipo de flow que, de acordo com o comentário de Dawsey (2005, p. 171), é o “envolvimento total da pessoa naquilo que ela faz”.

Essa experiência parece produzir uma sensação que quebra o fluxo de pensamentos cotidianos e a pessoa envolve-se como um todo numa fusão da ação com a consciência e a perda do ego produz um senso de harmonia com o universo como se estivesse sentado embaixo de uma cachoeira sentindo o fluxo da água passar pelo corpo numa contemplação momentânea.

A partir dessa noção pensamos as experiências sensoriais na sala de aula no ensino de Sociologia que podem trazer novas ideias e suscitarem novos significados porque se, por enquanto, podemos perceber um impacto significativo da televisão nas percepções dos seus receptores, esse impacto é a experiência da integralidade. Algo parecido com um domínio de pensamento que Turner (2005b, p. 146) chama de communitas, que aparece nos momentos liminares, caracterizado por uma camaradagem entre seus pares e franqueza mútua com a ênfase no bem-estar comum. “As pessoas podem ser ‘elas mesmas’, diz-se com frequência, quando não estão desempenhando papéis institucionalizados”, confrontando-se uns aos outros integralmente e não de maneira compartimentada.

considerações Finais

O estágio em Sociologia pelo curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina possibilitou observarmos que a experiência com a TV Pendrive nas salas de aula no estado do Paraná aponta para uma mudança significativa nas formas de relação com o saber que pode ser menos mental e dedutiva do que sensitiva e indutiva. Os professores formados numa

Page 231: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 231

cultura da linguagem escrita encontram dificuldades para estabelecer relações com os estudantes que vivenciam a linguagem digital em pleno desenvolvimento porque estes aprendem também através das experiências sensoriais.

Certamente, se quisermos avançar naquilo que os meios de comunicação podem fazer pela educação, teremos que repensar a estrutura escolar. De acordo com Lauro de Oliveira Lima (1976, p. 14), a escola atual pode estar sendo um obstáculo intelectual à progressão acelerada da história por criar comportamentos incompatíveis com a forma de ser dos próximos vinte anos. A própria disposição física da classe terá que mudar para a escola adaptar-se aos visuais eletrônicos e a dinâmica dos grupos de trabalho e de reflexão. O velho estilo de posicionar as carteiras enfileiradas com o quadro na frente parece não comportar a energia dos corpos dos estudantes que encontram na escola um tipo de experiência coletiva e integral.

Para Lima (1976, p. 18), as transformações sócio-culturais são mais mutações do que projeções, assim, não há como prever as necessidades sociais do futuro. Educar, hoje, pode ser pensado em como preparar os jovens para o imprevisível e desenvolver suas capacidades de resolver problemas, o que diminui as reflexões sobre programas e currículos ao dar mais ênfase sobre as técnicas.

Referências

DAWSEY, John Cowart. Victor Turner e antropologia da experiência. Cadernos de campo – revista dos alunos de pós-graduação em antropologia social da USP, nº13, ano 14. São Paulo: PPGAS/USP, p. 163-176, 2005.

GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia Histórico-crítica. 3.ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

KERCKHOVE, Derrick de. A pele da cultura: uma investigação sobre a nova realidade eletrônica. Lisboa: Relógio D’ Água, 1997.

LIMA, Lauro de Oliveira. Mutações em educação segundo McLuhan. Petrópolis/RJ: Vozes, 1976.

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1964.

ORTNER, Sherry B. La teoría antropológica desde los años sesenta. Traducción de Rubén Páez. Editorial Universidad de Guadalajara. Cuadernos de Antropologia, 1993.

PICANÇO, Katya. Ideologia. In: Vários autores. Sociologia Ensino Médio. Curitiba: Secretaria de Estado da Educação-PR, 2ª Edição, 2006.

TURNER, Victor. Dewey, Dilthey e Drama: um ensaio em Antropologia da Experiência (primeira parte). Cadernos de Campo – revista dos alunos de pós-graduação em antropologia social da USP, nº 13, ano 14. São Paulo: PPGAS/USP, p. 177-185, 2005a.

Page 232: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores232

TURNER, Victor. Betwixt and Between: O período liminar nos “ritos de passagem”. In: TURNER, Victor. Floresta de símbolos – aspectos do ritual Ndembu. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2005b.

TURNER, Victor. Dramas sociais e metáforas rituais. In: TURNER, Victor. Dramas, Campos e Metáforas: ação simbólica na sociedade humana. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008.

TURNER, Victor. Liminal ao liminoide: Em brincadeira, fluxo e ritual. Um ensaio de antropologia comparativa. Mediações Revista de Ciências Sociais, v. 17 n.2. Disponível em http://www.uel.br/pos/ppgsoc/portal/pages/mediacoes---revista-de-ciencias-sociais.php. Londrina: Departamento de Ciências Sociais e Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina, p.214-257, Jul/Dez, 2012.

Page 233: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 233

A LEITURA DE IMAGENS COMO UM PROCESSO DIALÓGICO EM SALA DE AULA

Carla Juliana Galvão Alves1 Denise Batista Pinto Sabino2

O essencial é saber ver,Saber ver sem estar a pensar,

Saber ver quando se vê,E nem pensar quando se vêNem ver quando se pensa.

Mas isso (tristes de nós que trazemos alma vestida!),Isso exige um estudo profundo,

Uma aprendizagem do desaprender.(Fernando Pessoa)

O ensino da arte não é um processo linear de transmissão de conhecimentos e requer mais do que saber sobre dados históricos e biográficos de artistas; ensinar arte pressupõe uma atitude investigativa e questionadora. A arte é a experiência artística, vivida pelo artista no processo de articular sua subjetividade interior com as respostas dadas ao mundo exterior, e pelo espectador no processo de interpretação, que também contribui para conferir sentido à experiência estética. Portanto, os significados das obras de arte não podem ser simplesmente transmitidos em sala de aula, mas devem ser construídos coletivamente e individualmente.

Ela é um fenômeno público, compartilhado socialmente, e portadora de significados que vão além das intenções do artista e das interpretações do espectador. Pode revelar aspectos relativos ao seu tempo e à sua época, que o artista sequer percebeu. O ensino da arte permite mergulhar nesse universo artístico, à procura dos vários sentidos que outras pessoas, de diferentes lugares e épocas, deram à arte e à sua própria existência; à procura de outros olhares e da história desses olhares.

Assim, as imagens nas aulas de arte não são um componente ilustrativo ou complementar de algum conteúdo que já foi trabalhado. Se a leitura da obra de arte, como qualquer outro tipo de leitura, for experienciada através de diálogo, questionamentos e críticas, o conhecimento se torna uma vivência significativa. A esse respeito, diz Barbosa:

Leitura da obra de arte é questionamento, é busca, é descoberta, é o despertar da capacidade crítica, nunca a redução dos alunos a receptáculos das informações do professor, por mais inteligentes que elas sejam (BARBOSA, 1998, p. 40).

Especialmente quando se trata da arte contemporânea, que exige de nós maior autonomia e alguma dose de ousadia. Algumas dificuldades ao ensinar arte contemporânea podem vir de um estranhamento em relação a essa arte que agora vem sem as antigas bases seguras da

1 Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e docente do Departamento de Arte Visual da Universidade Estadual de Londrina (UEL).2 Graduada em Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Page 234: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores234

academia. Ela não possui legendas para orientar nossa compreensão. O estranhamento, porém, pode servir positivamente ao olhar:

Estranhar pode implicar numa postura de questionamento e investigação que tenha diversos desdobramentos positivos. Olhar para o estabelecido como se este fosse estranho e examinar relações que parecem óbvias e conceitos que parecem arraigados é parte integrante da maior parte das posturas críticas, que hoje são tão valorizadas pela educação e vistas como uma urgência na formação dos alunos como agentes culturais. (MENEZES, 2007, p. 1004)

Esse “estranhar” pode ser um primeiro passo para o entendimento da arte contemporânea, e um passo maior ainda para o ensino. Com o desconforto saímos do lugar de passivos para o ato de expor o que pensamos, a partir daí vem a curiosidade e a vontade de entender o que se apresenta a nós.

A importância da participação dos alunos nos processos de interpretação da Arte.Desde que passou a fazer parte do contexto escolar a Arte recebeu diversas denominações

(Desenho Geométrico, Desenho Pedagógico, Artes Domésticas, Artes Industriais, Educação Artística), cada uma delas vinculada a determinadas concepções e/ou tendências artísticas, estéticas e educacionais. Essas mudanças de nomes “[...] não são meras mudanças de rótulos”, alerta Hernández (2000, p.70), “mas respondem a mudanças nas representações que refletem as estratégias de legitimação que pode mediar essa matéria curricular”.

Um rápido olhar para essa trajetória nos ajuda a compreender porque a arte, no contexto da escola, passou a ser considerada como uma atividade informal e menos importante do que as demais disciplinas curriculares, em vez de uma área de conhecimentos próprios, que pode ampliar a nossa compreensão da cultura de nosso tempo, e a de outras épocas e lugares.

Sob influência do escolanovismo, as imagens de arte estiveram ausentes das salas de aula durante muito tempo, por acreditar-se que o contato com elas interferiria negativamente nos trabalhos dos alunos. Como observou a pesquisadora Ana Mae Barbosa (1997, p. 10)

O ensino de arte no Brasil na escola primária e secundária se caracteriza pelo apego ao espontaneísmo, ou pela crença na existência de uma virgindade expressiva da criança e na idéia de que é preciso preservá-la, evitando o contato com a obra de arte de artistas, especialmente suas reproduções, acreditando que esta apreciação incentivaria o desejo de cópia.

Com isto privou-se a criança do contato com as imagens artísticas de toda a tradição cultural, ignorando-se o fato de que ela vive em um mundo saturado de imagens, principalmente aquelas veiculadas pela mídia.

Posteriormente, essa concepção de ensino foi reavaliada e contestada, levando em consideração que todo e qualquer trabalho artístico sofre interferências externas, especialmente no mundo contemporâneo, onde uma grande quantidade de imagens se torna acessível a um maior número de pessoas a cada dia. Além do mais, a imitação representa importante papel no processo de aprendizagem do desenho, como comprovaram as investigações realizadas durante vários anos por Wilson e Wilson (1976 apud BARBOSA, 1997, p. 59), entre outros.

Page 235: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 235

Pode-se argumentar ainda que a tradição também tem papel importante no processo de criação. Essa concepção de criatividade como capacidade de criar algo absolutamente original é uma herança do pensamento que vê a arte como “inspiração divina” e o artista como “gênio inspirado”. Não se cria a partir do nada, como bem observou Ernst Gombrich (1982 apud BARBOSA, 1997, p. 37):

A criatividade se baseia na tradição, constrói-se sobre ela [...] a primeira criança que soprou assobiando pode ter sido muito inteligente e criativa, mas jamais poderia ter chegado a construir um órgão de igreja, pois isto levou muitos séculos de criatividade para ser atingido. Michelangelo não poderia ter pintado nas cavernas. Foi necessário um longo tempo de aprendizado.

Uma nova concepção de ensino de arte que passou a ser adotada no Brasil por volta de 1980, trouxe para as salas de aula as imagens de arte, resgatando o verdadeiro conteúdo desta disciplina. A organização de encontros sobre o ensino da Arte, a formação de associações de arte-educadores e a criação dos primeiros cursos de pós-graduação em Arte-educação impulsionaram mudanças significativas neste campo, principalmente no que diz respeito à valorização do uso da imagem. Produziram e divulgaram os novos estudos e experiências em Arte e Educação, abrangendo diferentes abordagens e modos de produção de sentido, como, no caso das artes visuais, o formal, o iconológico, a estética e a semiótica. (BARBOSA, 2003, p.47-51).

Uma proposta implementada na USP em 1989, sob a coordenação de Ana Mae Barbosa, e depois de Regina Machado, quando Paulo Freire era Secretário de Educação. Utilizando-se de vídeos de arte para a leitura de imagens, foi iniciada uma experimentação com crianças de quinta série. O resultado obtido ao fim do semestre, nas próprias palavras de Ana Mae foi que as crianças “haviam se desenvolvido mais, tanto na criação artística quanto na capacidade de falar sobre arte.” (1998, p. 36).

A proposta, que ficou conhecida como Proposta Triangular, tem como eixos principais a criação, a leitura da obra de arte e a contextualização, com a sugestão de que todos os eixos sejam vistos como igualmente importantes, sem que haja prioridade de um sobre o outro, sem hierarquização. O professor também é livre para começar do ponto da triangulação que preferir ou achar conveniente. “Não se tratam de fases da aprendizagem, mas de processos mentais que se interligam para operar a rede cognitiva da aprendizagem” (BARBOSA, 1998, p. 40).

Em 1998 Ana Mae faz uma revisão de sua Proposta Triangular, sugerindo que o termo História da Arte, inicialmente proposto por ela mesma para ser um dos tripés de sua proposta, seja substituído pelo termo contextualização. Segundo a autora, a informação reduzida a uma única disciplina não pode ser chamada de contextualização, pois a contextualização exige o entrelaçamento entre conteúdos, sendo necessário que haja a interdisciplinaridade. A contextualização inclui, mas não se restringe à História da Arte; procura estabelecer relações com outros saberes e conhecimentos culturais, sociais, filosóficos, entre outros. A autora explica essa mudança:

Page 236: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores236

Na época do Museu de Arte Contemporânea, esta contextualização era prioritariamente histórica, dada a natureza da instituição museu. Mas com o passar do tempo nos tornamos mais radicais em relação à desdisciplinarização e, em vez de designar como história da arte um dos componentes da aprendizagem da arte, ampliamos o espectro da experiência nomeando-a contextualização, a qual pode ser histórica, social, psicológica, antropológica, geográfica, ecológica, biológica etc., associando-se o pensamento não apenas a uma disciplina, mas a um vasto conjunto de saberes disciplinares ou não (BARBOSA, 1998, p. 37).

Despertar a capacidade crítica está entre as principais preocupações de Ana Mae. Ela propõe que o conhecimento seja construído pelo próprio aluno e que as indagações levantadas em aula possam por eles ser analisadas e refletidas. Quando a informação é dada de forma passiva, não ocorre a aprendizagem efetiva, e o aluno torna-se mero receptor de informação. A esse respeito a autora diz:

Quase da mesma maneira, me assusta a idéia do professor que, a pretexto de trabalhar com a leitura da obra de arte e com a contextualização, dê longas preleções discursivas, isto é, historicize acerca de um artista ou leia uma obra para alunos reduzidos à passividade (BARBOSA, 1998, p. 40)

O trabalho com a leitura de imagens em sala de aula deve estar aberto à crítica e à descoberta, de modo que os alunos possam questionar e refletir sobre o que veem e construir seus próprios conhecimentos mediados pelo professor. O exercício de ver, olhar, ler, compreender e pensar criticamente uma obra de arte pode ser desenvolvido na escola e complementado com o contato pessoal com as obras, em exposições, por exemplo. Afinal, a capacidade de compreender a arte, não é natural, mas adquirida e construída por meio do contato e das experiências que se tem com ela, e pelo interesse e esforço em compreendê-la.

Os autores responsáveis por essas mudanças no campo do ensino da arte defendem a ideia de que a arte tem um conteúdo específico, inerente às artes, e insistem em algo que hoje nos parece óbvio: a necessidade de ensinar arte por meio da arte. Seus estudos inauguraram uma nova tendência, “cujo objetivo era precisar o fenômeno artístico como conteúdo curricular, [para o qual] articulou-se em um duplo movimento: por um lado, a reorientação da livre expressão; por outro, a investigação da arte como forma de conhecimento”. (PCN’s, 1998, p. 22).

Assim, a disciplina de Arte, que por muito tempo ocupou lugar marginal, pode desempenhar seu papel, promovendo a reflexão e o questionamento, ajudando a construir olhares alternativos, a atribuir sentido aos fenômenos que nos rodeiam, a compreender seus significados. Longe de ser apenas uma habilidade informal de pouca importância, a Arte passa a ser vista como uma área de conhecimento específico, que pode ajudar a compreender a cultura de nosso tempo, e a de outras épocas e lugares. Além do mais, acrescenta Hernández (2000, p. 42):

Partindo de uma perspectiva psicológica, ou psicopedagógica, a aprendizagem no campo do conhecimento artístico exige um pensamento de ordem superior (Vygotsky, 1979) e a utilização de estratégias intelectuais como a análise, a inferência, o planejamento e a resolução de problemas são formas de compreensão e interpretação, etc. Além disso, quando um estudante realiza uma atividade vinculada ao conhecimento artístico, a pesquisa

Page 237: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 237

evidenciou algo que, por óbvio, muitos esquecem: que não só potencia uma habilidade manual, desenvolve um dos sentidos (a audição, a visão, o tato) ou expande sua mente, mas também, e sobretudo, delineia e fortalece sua identidade em relação às capacidades de discernir, valorizar, interpretar, compreender, representar, imaginar, etc. o que lhe cerca e também a si mesmo.

em busca de uma experiência significativa com a Arte

A arte contemporânea traz novos desafios ao trabalho do professor. Até o Modernismo, algumas instituições e determinadas definições costumavam ditar o que era ou não considerado arte. Grande parte das obras foi feita a partir de certos modelos e, apesar de suas particularidades, obedecia a um conjunto de regras que ofereciam ao público um contexto de segurança. Correntes artísticas, grupos ou ateliês orientavam o trabalho do artista.

Diante da arte contemporânea, muitos se utilizam de tais regras – como a simetria, similaridade com o real, a dificuldade na sua elaboração técnica ou conceitual, e, principalmente, o belo – a fim de orientar seus olhares ou suas interpretações. Guiar-se por leis específicas parece ser um lugar seguro para dar um sentido à obra, principalmente quando se julga não entender nada sobre arte.

Mas a arte contemporânea há muito que declarou sua autonomia em relação a regras, conceitos e parâmetros anteriormente ou exteriormente estabelecidos. A apropriação de temas e objetos retirados do cotidiano e da cultura visual de massa, a utilização de materiais, técnicas e métodos de trabalho não convencionais, a incorporação das novas tecnologias (tais como o vídeo, a fotografia e o computador) e a desmaterialização do objeto da arte, características da arte contemporânea, suscitou uma série de questões em torno de sua definição: O que diferencia arte de não arte? O que faz com que um determinado objeto possa ser considerado como arte? Esse elemento definidor deveria ser encontrado na própria obra de arte ou nas atividades do artista ao redor do objeto? A arte deveria ser algo substancial ou poderia ser um conjunto de ideias?

Segue-se dessas considerações, que se torna quase fora de questão que uma pessoa identifique o conteúdo das obras de arte baseada nas suas qualidades visuais, e isso não se aplica meramente à arte contemporânea, ou próxima à contemporânea, mas também à arte de um passado distante – porquanto é sempre possível imaginar objetos indiscerníveis de determinadas obras de arte, originados, no entanto, por fatores devido aos quais não podem significar o que as obras que se lhes assemelham desejam significar (DANTO, 2005, p. 582).

Essa nova consciência artística e cultural, promoveu uma revisão no status da arte e valorizou a atividade interpretativa do espectador/fruidor, promovendo a consciência de que não existe uma única interpretação para uma obra, como não existem verdades absolutas.

Assim como a arte contemporânea convida o espectador/fruidor a interagir com a obra, construindo novas e particulares significações, o ensino de arte na contemporaneidade precisa privilegiar a participação dos alunos nos processos de interpretação. Esse espaço que se abre aos alunos permite a sua autonomia quanto ao pensar, ao criticar, ao questionar. Tal atitude não é importante apenas para os alunos, mas também para o professor, que deve ser

Page 238: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores238

também um pesquisador e exercitar a sua autonomia frente aos trabalhos e artistas que encontra. Para o professor isso significa maior liberdade também em suas próprias interpretações. O seu conhecimento não precisa ser absoluto, já que existem várias interpretações possíveis.

Milene Chiovatto faz algumas proposições que são abrangentes e servem para qualquer tipo de conteúdo, mas que são essenciais para a arte contemporânea. Um professor que olha com um olhar ativo e questionador faz com que o objeto em questão se torne mais significativo; ele o inclui na sua vida.

Para que a educação aconteça, é necessário que as informações e conhecimentos façam sentido tanto para quem os transmite quanto para quem os recebe. É preciso que o professor e o aluno, ou visitante de exposição, se apropriem dos conteúdos; tomem posse deles. Para tanto é preciso que o transmissor, tanto quanto o receptor dos conteúdos, ultrapasse posições passivas e seja participante da ação educativa. A educação é, portanto, um processo dinâmico que requer um educador agente e um educando participativo. (CHIOVATTO, 2000, p. 1)

Cada professor é em si um interpretador; e a arte permite que cada um faça suas leituras de acordo com suas vivências pessoais. Desse modo, é impossível ao professor “ensinar” ou esgotar todas as interpretações que possam existir, mesmo porque não se sabe tudo sobre a arte, sempre há novas descobertas. Isso causa certa insegurança ou desconforto em muitos professores, preocupados em “dominar todo o conteúdo”. Chiovatto atribui essa insegurança à precária formação recebida, que os concebia como depositários e transmissores de informações, quando na verdade se sabe que o conhecimento se constrói coletiva e permanentemente.

Cada conteúdo a ser ministrado tem sua própria gama de informações e conhecimentos potenciais. Somam-se a esses os conhecimentos do professor sobre o assunto, assim como aqueles conquistados em seu lidar cotidiano com a própria vida. Os conhecimentos estão, também, nas respostas dos alunos frente ao conteúdo apresentado, na maneira pela qual aquele ensinamento se constitui em fonte de interesse e utilidade para o aluno, ou seja, como o conhecimento toma lugar na soma de experiências formadoras do processo de aprendizagem. (CHIOVATTO, 2000, p.2)

Ao pesquisar se cria e não se constata, porque se inventa um olhar novo sobre o que se estuda. É o olhar que vai trazer interrogações e problematizar construindo um objeto de investigação. Não existem fórmulas para alcançar o conhecimento, porque não existem verdades absolutas quando se trata do saber. “Somos humanos de várias maneiras, diferentes daquela definida, durante séculos, como a verdadeira humanidade. Há muitas maneiras de sermos humanos e não apenas uma, universal, racional...” (COSTA, 2002, p.150).

A função do professor é dar possibilidades de questionamentos, de confrontos que possibilitem aos aprendizes interagir, intrigar-se, apreciar criticamente, e estabelecer relações menos formais, com maior envolvimento consciente. Ao professor é dada a função de instigar a curiosidade dos alunos para a arte do mundo em que vivem, e para tal é necessário atentar para sua cultura, costumes e referências.

Page 239: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 239

Não cabe mais ao/à educador/a se perguntar o que as/os educandas/os não sabem e propor-se a ensinar-lhes, e sim o que já sabem e como é possível ampliar as conexões, para que, que juntos, possam organizar outros discursos com saberes - mosaico que todos possuem. (SARDELICH, 2006, p. 466).

A construção do saber passa pela aproximação dos alunos com as imagens e também de um tipo de interpretação que interaja com elas, somando a vivência pessoal de cada um, sua cultura visual. As relações que acontecem em torno do assunto abordado é que fazem a aula ser rica e única. É importante que o professor saiba acolher as experiências trazidas pelos alunos, as interpretações pessoais de cada um deles, a soma, os debates da classe sobre a atitude de um e outro, uma vez que tudo isso pode ser útil para a compreensão mais aprofundada do objeto.

A paisagem da Arte deve ser percorrida pelo aluno como uma história pessoal de descobertas, riscos, obstáculos, conquistas, através de formas que produzem encanto, pergunta, divertimento, inquietação, horror, num caminho em que o olho percebe que atrás do olhar, pode ver; que a mão, atrás de tocar, pode encontrar a pulsação da matéria; que o ouvido pode distinguir sonoridades e timbres; que o olfato pode respirar o âmago das coisas, que a memória pode despertar imagens esquecidas; que o pensamento, enfim, atrás de organizar palavras, pode inventar a prosa pessoal de significar o mundo. (MACHADO, 1998, p. 2).

Os alunos são uma fonte de informações e a cultura e a vida deles pode passar a fazer parte da estória contada e vivida na aula de artes. A arte contemporânea, principalmente, permite que haja essa integração de arte e vida; muitas vezes, ela quer que haja esse envolvimento para que possa acontecer. Arte e vida estão ligadas por laços de envolvimento e esse envolvimento pode surgir na aula com a mediação do professor. O que o aluno tem a oferecer amplia questões e traz informações que serão trocadas e compartilhadas com o professor. A aula então não é mais uma exposição sobre algo, ela é um diálogo e uma aprendizagem mútua. No trecho a seguir Katia Canton evidencia o envolvimento da arte com a vida:

E para que serve a arte? Para começar, podemos dizer que ela provoca, instiga e estimula nossos sentidos, descondicionando-os, isto é, retirando-os de uma ordem preestabelecida e sugerindo amplas possibilidades de viver e de organizar no mundo. (CANTON, 2011, p.12).

A elaboração de propostas que propiciem a liberdade ao aluno é importante para o seu desenvolvimento, mas ao mesmo tempo é fundamental que traga desafios para que ele possa fazer relações significativas. O professor tem a função de mediador, instigando o aluno e o convidando para tais indagações, mas também cuidando para que suas ideias e pensamentos não se dispersem para um espontaneísmo sem sentido. “Estar entre - como propomos aqui - não é permanecer inerte, impermeável, ou seja, ser apenas “ponte” que interliga extremos, mas é interagir com as demandas dos extremos e outras tantas, construindo um todo significativo.” (CHIOVATTO, 2000, p.4)

A abordagem das obras de arte em sala de aula deve incentivar a participação dos alunos e levá-los a um processo reconstrutivo e criativo. Fazendo-os explorar seus sentidos, intelecto,

Page 240: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores240

imaginação, percepção e memória, ligando-os aos conhecimentos artísticos, históricos e culturais e relacionando-os a obra. Conduzindo-os a desenvolver suas habilidades de leitura de forma que cresçam e evoluam de forma continua durante toda a vida.

Referências

BARBOSA, A. M. (Org.). Arte-educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 1997._________. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.

_________. Arte/educação: a experiência de ontem e o presente. In: CONGRESSO NACIONAL DA FEDERAÇÃO DE ARTE EDUCADORES DO BRASIL, 14, 2003, Goiânia. Anais... Goiânia: FAV/UFG, 2003. p. 37-59.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria do Ensino Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (3º e 4º ciclos) – Arte. Brasília, 1998.CHIOVATO, Milene. O professor mediador. BOLETIM Arte na Escola Número 24 de Outubro/Novembro 2000.

COSTA, Marisa Vorraber. Caminhos investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação, DP&A, Rio de Janeiro, 2002.

DANTO, A.C. Arte e significado. In: GUINSBURG, J.; BARBOSA, A. M. (Org.). O pós-modernismo. São Paulo: Perspectiva, 2005. p.579-589.

HERNANDEZ, F. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

MACHADO, Regina. Para pintar o retrato de um pássaro. In: Ciclo de Palestras: A Compreensão e o Prazer da Arte, 1998, São Paulo. Anais eletrônicos... São Paulo: SESC, 1998. Disponível em:http://www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/arte/text_4a.htm#regina. Acesso em: 11 ago. 2011.

MENEZES, P. Maria. A arte contemporânea como fundamento para a prática do ensino de artes. In: ANPAP, 16º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa de Artes Plásticas Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais, 2007, Florianópolis. Anais... Florianópolis: UDESC, 2007, p. 1002-1011.

SARDELICH, Maria E. Leitura de imagens, cultura visual e prática educativa. Cadernos de Pesquisa. v. 36, n. 128, p. 451-472, mai/ago, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/v36n128/v36n128a09.pdf> Acesso em: 26 jul. 2011.

WILSON, B.; WILSON, M. Uma visão iconoclasta das fontes de imagem nos desenhos de criança. In: BARBOSA, A. M. (Org.). Arte-educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 1997. p. 57-75.

Page 241: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 241

CONCEPÇÃO E INSERÇÃO DO “CONTEÚDO” CARTOGRAFIA NO ENSINO DE GEOGRAFIA

Márcio Miguel de Aguiar1

Introdução

As reflexões que dão origem a esse texto surgem ao longo de 2007 e 2008, a partir de uma proposta de formação continuada empreendida pelo Departamento de Educação Básica (DEB) da Secretaria Estadual de Educação do Paraná (SEED). A proposta consistia na formação de uma equipe de técnicos pedagógicos do DEB para cada uma das disciplinas da matriz curricular dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, responsáveis por levar aos professores da Rede Estadual de Ensino, nos 32 Núcleos Regionais de educação do Paraná, a apresentação dos resultados das discussões coletivas ocorridas desde 2004, que deram origem às Diretrizes Curriculares da Educação Básica publicadas em 2008.

Juntamente com as discussões sobre a proposta curricular da disciplina de Geografia foram desenvolvidas atividades específicas para o levantamento do rol de conteúdos disciplinares integrante de todas as séries dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio como forma de atender uma demanda dos professores sobre a distribuição dos conteúdos. Tais atividades buscavam o diagnóstico dos conteúdos prioritários, aqueles considerados fundamentais, básicos para a disciplina em cada uma das séries.

Realizado o processo de sistematização dessa atividade, teve origem a relação de conteúdos Básicos para a Disciplina, constantes na parte final do texto das Diretrizes de Geografia publicada em 2008 (PARANÁ, 2008). Não temos aqui a pretensão de discutir o resultado desse trabalho em sua totalidade, e sim de um aspecto desse processo que nos chamou a atenção. Trata-se da forma de concepção da temática Cartografia, mais especificamente da forma como essa temática se insere na grande parte do trabalho dos professores de Geografia atuantes na rede estadual de ensino.

A cartografia no currículo na Disciplina de Geografia

A Cartografia faz parte do rol de conteúdos responsáveis por caracterizar a Geografia no cotidiano das pessoas. Soam quase como sinônimos. E isso não é sem motivos. Considerando que a Geografia é uma disciplina que se propõe à análise da organização espacial, nada mais útil aos seus fins que um instrumento que permita a representação de aspectos do espaço geográfico a partir de uma visão de conjunto, possível somente por meio da Cartografia. Apenas esse fato é suficiente para justificar a afinidade entre Geografia e Cartografia, tanto na ciência Geográfica quanto na disciplina escolar, mas sua relevância para a Geografia pode ser bem mais ampla.

Segundo Almeida e Passini (1989), se considerarmos que a transmissão de informações se efetiva por meio de linguagens, a opção pela linguagem cartográfica se dá, na Geografia, por seu potencial de expressão de informações geográficas/geografizadas. Isso porque “As maquetes,

1 Professor da Rede Estadual de Ensino do Paraná e do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina, colaborador do Prodocência/UEL. Contato: [email protected]

Page 242: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores242

mapas, cartas e plantas são representações sociais de um determinado espaço real e representam uma organização dos elementos que compõe o espaço.” (CASTROGIOVANI, 2000, p. 37).

Dessa forma, podemos dizer que a utilização da linguagem cartográfica na educação escolar é mais que uma opção, torna-se uma necessidade a partir do momento em que outras formas de linguagem não possibilitariam a espacialização de informações de forma tão rápida e eficaz, fornecendo elementos fundamentais para análises e a produção do conhecimento geográfico.

A proximidade dessas duas ciências, no entanto, não as exime de problemas frente o trabalho docente em sala de aula, principalmente relacionados às formas de utilização do conhecimento cartográfico, decorrente de sua inserção na organização curricular da disciplina, ou melhor, na forma como o professor concebe a cartografia em seu trabalho.

Com base nos levantamentos realizados ao longo dos cursos de formação continuada denominada desenvolvidos em 2007/2008, foi possível perceber que a distribuição dos conteúdos segue uma tradição no ensino de Geografia, conforme Kimura (2010). No Paraná, assim como em grande parte do território nacional, o conteúdo “cartografia” era alocado no 6º ano do ensino fundamental e voltando a ser repetido no 1º ano do ensino médio. Apesar da unanimidade nessa distribuição não há um pronunciamento declarado de critérios para essa organização, o que demonstra, em parte, a desconsideração da Cartografia enquanto uma linguagem, visto que, enquanto tal, permearia todas as séries de ensino e mesmo dos objetivos que conduzem a opção pelos conteúdos listados.

O currículo da disciplina de Geografia, conforme foi possível observar ao longo do processo de sistematização da Listagem de Conteúdos Básicos contida nas Diretrizes Curriculares do Paraná (PARANÁ, 2008), é o resultado de um processo histórico em que os conteúdos disciplinares foram sendo organizados em séries com base em critérios geralmente desconhecidos pelos professores. Mencionam-se os conteúdos para as diferentes séries com base na forma como ela “sempre” foi feita.

Desde o início da implementação da disciplina de Geografia no Brasil alguns “manuais” didáticos vieram apresentando o rol de conteúdos para cada série de ensino. A Cartografia, dada sua relevância para a Geografia, sempre fez parte dessas listas, inserida particularmente nas primeiras séries dos cursos regulares (hoje anos finais do ensino fundamental e ensino médio) enquanto conteúdo fundamental para que o aluno tivesse as condições de entender o espaço geográfico. Ou seja, os alunos deveriam aprender Cartografia no 6º ano do ensino Fundamental, por exemplo, para ter condições de utilizar tais conhecimentos ao longo do curso. Posteriormente esse “conteúdo” seria retomado no 1º ano do Ensino médio, onde seria “revisto” e aprofundado conforme possível.

Mas por que isso é um problema? Não é necessário instrumentalizar os alunos para utilizar a linguagem cartográfica? Seu uso posterior não seria decorrente do desenvolvimento e da apropriação da linguagem?

Apesar do foco na linguagem cartográfica, trata-se de um contexto mais amplo que nos leva a análise da relação professor/conhecimento. Pereira (1996, p.48), afirma que os professores, [...] “há muito tempo, deixaram de pensar os objetivos a serem atingidos por determinados conteúdos. O meio (conteúdo) transformou-se em fim.” E acrescenta:

Page 243: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 243

A prova mais cabal desse processo de reificação dos conteúdos é que, nesses planos, o conteúdo transformou-se em objetivo: por exemplo, ao se definir que o objetivo do estudo do conteúdo “indústria brasileira” é fazer com que o aluno saiba o que é a “indústria brasileira”. E aí, sem saber, o professor começou a adotar a lógica do cachorro que corre atrás do seu próprio rabo e consegue apenas ficar cansado. (PEREIRA, 1996, p.48-49).

Nossos questionamentos sobre a Cartografia partem da forma de inserção dos conteúdos no currículo escolar com base na relação entre objetivos e conteúdos didáticos, conforme aponta Pereira (1996). Ela limita-se a considerar a Cartografia como mais um “conteúdo”, produto pronto e acabado, a ser transmitido em sala de aula (LEITE, 1993), dissociado de objetivos que o justificam na grade curricular.

A consequência dessa prática é a quase completa desconsideração da Cartografia enquanto linguagem e de sua relevância na análise do espaço geográfico. Ou seja, desconsidera-se justamente aquilo que confere a ela seu status frente à Geografia: A leitura do espaço a partir de todos os outros temas que fazem parte do rol de conteúdos da disciplina.

As duas dimensões da cartografia no trabalho docente

Frente ao problema diagnosticado partimos da necessidade de uma dupla concepção da cartografia nas aulas de Geografia, ou de qualquer disciplina que a utilize: ela é tanto um “conteúdo” disciplinar, quanto uma linguagem.

Conforme lembram Almeida e Passini (1989), Duarte (1991), Castrogiovanni (2000), Katuta (2002) e Nogueira (2008), o aluno deve ser preparado para “ler” as representações cartográficas. Isso porque cada uma das formas de comunicar (escrita, oral, matemática, gráfica, entre outras) exige dos indivíduos – emissores e receptores – capacidades específicas para que a comunicação ocorra: na linguagem escrita deve-se ter a aptidão para leitura e escrita; na fala a capacidade de articular as palavras; na matemática reconhecer as simbolizações, os números; e assim também é com a cartografia. (NOGUEIRA, 2008).

E quais as capacidades específicas para dominar a linguagem cartográfica? Para Duarte (1991) os elementos da linguagem cartográfica são:

REMETENTE: aquele que envia a mensagem.DESTINATÁRIO: aquele ao qual a mensagem se destina.MENSAGEM: é o pensamento/ideia a ser transmitida pelo remetente.CÓDIGO/CODIFICAÇÃO: é o processo pelo qual é transformada a ideia em mensagem.REPERTÓRIO: trata-se do conjunto de conhecimentos e experiências utilizados para a leitura e interpretação da mensagem codificada.VEÍCULO: é um elemento de natureza física usado para transportar a mensagem até o destinatário.

Enquanto conteúdo, o ensino de Cartografia se restringe à transmissão do conjunto de códigos presentes na representação gráfica. Ou seja, ensina-se o que é a Escala, o que é a Legenda, tipos de projeção e suas distorções, simbologias específicas, tipos de dados representados, e formas de representação dos dados. Conhecimentos especificamente cartográficos, responsáveis

Page 244: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores244

por representar graficamente uma idéia, portanto, fundamentais no processo de utilização da linguagem cartográfica.

Assim, o educando para ser alfabetizado cartograficamente deve dominar esse conjunto de códigos presentes nas representações cartográficas, pois o mapa é uma forma de comunicar conhecimentos que se efetiva, somente, se o receptor das informações dominar o conjunto de símbolos e elementos que servem para representar certas informações e fenômenos: conhecimentos especificamente cartográficos (NOGUEIRA, 2008).

Mas o objetivo do trabalho docente não se restringe à instrumentalização do aluno para ter acesso ao conjunto de códigos presentes na representação gráfica. Na maioria das vezes o professor faz uso da cartografia enquanto linguagem no acesso às informações e na produção do conhecimento. Nesse processo a cartografia é utilizada na compreensão dos significados e sentidos dos diferentes fenômenos e sua espacialização.

Em função de suas características o uso dos recursos cartográficos, sua consequente problematização e sistematização, tornam-se uma ferramenta de grande valia no processo de aprendizagem significativa dos conhecimentos geográficos.

Ao considerar os elementos da linguagem apontados por Duarte (1991), torna-se evidente a idéia de que os mapas/Cartografia representam um determinado discurso, ideologia, posicionamento político. Há que se reconhecer quem produziu o mapa, o que se pretendeu informar, quem é o destinatário. Portanto, a leitura e interpretação dos mapas não devem estar dissociadas de uma visão crítica por parte do receptor. Nesse caso retoma-se a discussão acerca da importância da abordagem teórico-metodológica das mais diferentes temáticas a partir das representações gráficas (LACOSTE, 1988).

pressupostos básicos para trabalhar com a cartografia

Tendo em vista as dificuldades em torno da temática cartografia no ensino da Geografia e, particularmente, considerando as especificidades da cartografia no currículo dessa disciplina, Katuta (2002) considera que o uso da cartografia deve se dar sob dois pressupostos básicos.

Inicialmente, “A apropriação e o uso da linguagem cartográfica devem ser entendidos no contexto da construção dos conhecimentos geográficos, o que significa dizer que não se pose usá-la per se [...]” (KATUTA, 2002, p. 133) Isso mostra que a alocação da Cartografia em uma única série, ou no início do ensino fundamental e médio, pode ser um equívoco, visto que nesses casos se ensina apenas conhecimentos sobre cartografia, de forma descontextualizada do conhecimento geográfico.

Em segundo lugar, “A apropriação e a utilização da linguagem cartográfica depende não só, mas em grande parte, das concepções de Geografia e do ensino dessa disciplina que os professores e seus alunos possuem” (KATUTA, 2002, p. 134). Isso quer dizer que o professor e alunos fazem uso da cartografia a partir de concepções teórico metodológicas, ou seja, as possibilidades do uso da cartografia não se separam da forma de concepção da realidade.

Esses dois pressupostos estão na base do processo de atribuição de significados aos conteúdos disciplinares. Compreender o sentido do trabalho desenvolvido pelo professor em sala de aula exige um esforço acerca da compreensão dos significados dos conhecimentos disciplinares integrantes do currículo escolar, bem como do papel que tais conhecimentos assumem no processo didático responsável pela significação dos conteúdos escolares para o

Page 245: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 245

aluno. Isso porque tais “conteúdos” é a representação dos aspectos da cultura que se pretende perpetuar no meio social.

Segundo a autora, está claro que o domínio da linguagem cartográfica (escala, legenda...) facilita a apreensão das representações geocartográficas, mas para que haja efetivamente uma leitura destas é preciso:

Domínio conceitual sobre a temática cartografada;Acesso a informações e/ou dados relevantes no entendimento do significado de determinadas territorialidades representadas;Uso de categorias de análise dos fenômenos representados e estruturas de pensamento que permitam raciocínios analíticos;Utilizar as representações sociais que fazem parte do nosso imaginário.(KATUTA, 2002).

Segundo Katuta, “é preciso compreender o processo de alfabetização de forma mais

ampla, pois não deve ser entendido apenas como mera decodificação das convenções e do alfabeto cartográfico” (2002, p. 138). Para isso a autora utiliza-se do termo “leiturização” apresentado por Foucambert para referir-se ao ato de atribuição voluntária de um significado à escrita, ou seja, o ato de ler e construir entendimentos acerca das mensagens que estão explicitas e implícitas no texto. “O autor criou esse termo como contraposição ao processo de alfabetização mecânica, pois, no seu entendimento, esta última tem pouca importância na formação de sujeitos intelectualmente autônomos” (KATUTA, 2002, p. 138). Da mesma forma que em outras linguagens a utilização da cartografia em sala de aula sofre.

considerações Finais

Tendo em mente o desenvolvimento do ensino de Geografia de forma mais coerente com os objetivos de formação de sujeitos críticos, capazes de conduzir a leitura espacial de forma autônoma, cabe indagar nossas práticas no processo de seleção e organização dos conteúdos disciplinares indispensáveis à formação escolar de nossos alunos.

É necessário que o professor tenha clareza acerca dos objetivos educacionais que pretende alcançar e a relevância de cada conteúdo nesse processo. Especialmente para a temática cartografia, frente o condicionamento histórico com que vem sendo concebida na organização disciplinar, é necessário questionar a todo o momento os motivos que a fizeram permanecer entre o rol de conteúdos dessa disciplina e se sua relevância está sendo considerada.

Identificar os aspectos que caracterizam o conteúdo “cartografia” no ensino da Geografia é indispensável para não levar a um esvaziamento das contribuições que pode dar para a compreensão da organização espacial. Seu uso, assim como de muitas outras linguagens, não pode ser restrito a momentos específicos no ensino, muito menos ficar restrito ao ensino dos “códigos” cartográficos.

A cartografia assume uma dupla característica no currículo de Geografia: ela é um conteúdo, quando ensinados os conhecimentos especificamente cartográficos, assim como uma linguagem, quando seu uso possibilita a compreensão de significados presentes nos processos de organização espacial.

Page 246: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores246

Referências

ALMEIDA, Rosangela D. de; PASSINI, Elza Y. O Espaço Geográfico: ensino e representação. São Paulo: Contexto, 1989.

CASTROGIOVANI, Antônio C. (Org.) Ensino de Geografia: práticas e textualizações no cotidiano. Porto Alegre: Mediação, 2000.

DUARTE, Paulo A. Cartografia Temática. Florianópolis: Editora da UFSC, 1991.

FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. Porto alegre: Artes Médicas Sul, 1994.

KATUTA, Ângela M. A Linguagem cartográfica no ensino superior e básico. In: PONTUSCHKA, Nidia N.; OLIVEIRA, Ariovaldo U. Geografia em Perspectiva.São Paulo: Contexto, 2002. p. 133-140.KIMURA, Shoko. Linguagem e produção de sentidos no ensino de Geografia. Terra Livre. São Paulo: AGB. Ano 26, V. 1, Nº 34. p. 177-188, Jan/Jun, 2010.

LACOSTE, Yves. A Geografia: Isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Campinas, SP: Papirus, 1988.LEITE, S. Refletindo sobre o significado do conhecimento científico. Em Aberto. Brasília, ano 12, nº 58, abr/jun. 1993. p. 23-29.

NOGUEIRA, Ruth E. Cartografia: representações, comunicação e visualização dos dados espaciais. 2.ed. Florianópolis: editora da UFSC, 2008.

PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação Básica - Geografia. Curitiba: Jam3 Comunicação. Secretaria Estadual de Educação, 2008.

PEREIRA, Diamantino. Geografia Escolar: uma questão de identidade. Caderno CEDES, n° 39 – Ensino de Geografia. Dez, 1996. p.47-56.

Page 247: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 247

POR UM ENSINO DE GEOGRAFIA LIBERTÁRIO: AS ESPACIALIDADES PRODUZIDAS PELOS MOVIMENTOS SOCIAIS E AS POSSIBILIDADES DE REPRODUÇÃO SOCIAL

Margarida de Cassia Campos1

Introdução

O sistema educacional apresenta-se com um dos problemas mais graves a ser enfrentado pela nação brasileira. O quadro crônico está longe de ser solucionado, mesmo com todas as políticas públicas dos últimos anos. As suas estruturas já estão arcaicas e não conseguem responder ao desafio que a complexidade do mundo hodierno nos impõe. Dessa forma, muitas vezes continua-se reproduzindo um conhecimento reducionista e dissociado da realidade, os modelos de escolas elitistas sobrevivem ao tempo e criam espaços de incerteza para desenvolvimento social brasileiro.

Outro problema é a especialização dos profissionais e o conhecimento fragmentado que reproduzimos desde o século XVI, que atualmente encontra-se em crise tanto nas universidades, quanto nas escolas. Essa realidade traz para os professores a difícil missão de religar os saberes como nos aponta Morin (2003).

No ensino de geografia alguns conteúdos não são trabalhados em sala de aula ou são pouco discutidos, isso se deve uma série de fatores históricos, econômicos, políticos e, sobretudo, ideológicos. Observa-se que sempre existiu uma preocupação exacerbada de levar conteúdos em voga nas universidades para o ensino, essa postura muitas vezes negligencia temas de grande relevância para o cotidiano escolar que não são debatidos nas instituições de ensino superior. Existem temas na Geografia que são “chaves” e não há como distanciá-los das salas de aula, os movimentos sociais apesar de não serem clássicos, se manifesta como sendo imprescindível para as discussões no ensino desta ciência. Ele é o reflexo das lutas de classes e de sua territorialização, de regionalismo, busca por identidades, e efeito da ausência de políticas públicas do Estado para o desenvolvimento socioespacial.

Há que ressaltar que o movimento social urbano faz parte do tripé que reproduz o espaço urbano, assim como a ação do Estado e da sociedade civil no geral (SOUZA, 2008).

A compreensão dos movimentos sociais numa perspectiva geográfica se compromete em trazer para o aluno a possibilidade da produção espacial a partir da luta reivindicatória. Especialmente quando se trata do pensar sobre seu lugar, pois ali se encontra o exercício da civilidade, cidadania e coletividade, e claro, dos problemas sociais enfrentados.

Porém há que se considerar que os pesquisadores das universidades em especial das ciências humanas têm se dedicado ao estudo e análise de movimentos sociais, poucos são os pesquisadores na Geografia que têm contribuído para o estudo do referido tema, e essa ausência de produções teóricas se reflete nos livros didáticos. Por esse motivo o presente artigo tem como objetivo responder a seguinte questão: como os movimentos sociais urbanos e rurais podem ser abordados no ensino de Geografia no sentido de dar acesso aos alunos na construção de novas

1Professora Doutora do Departamento de Geografia da UEL.

Page 248: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores248

possibilidades de reprodução social? Para tanto utilizamos de levantamento bibliográfico sobre o tema e por último elencamos uma proposta de abordagem dos movimentos sociais no ensino de geografia, neste sentido esperamos com esse trabalho contribuir para ampliar e projetar a discussão da temática.

O que define um movimento social?

A definição do conceito de movimento social não é consensual entre os pesquisadores, mas existem características que estão presentes em todos os autores, elementos essenciais que permitem caracterizar manifestações coletivas e revindicações como sendo movimento social.

O estudo de movimentos sociais na sociologia não é recente, estudos de Borja (1975), Touraine (1969,1994), Castells (1999) deram um impulso para o início das discussões numa perspectiva geográfica. Outro fator foi o aparecimento de muitos movimentos sociais na América Latina no início dos anos de 1990 (DOIMO, 1995).

Para entendermos o significado deste tema é necessário compreender a sua gênese e finalidade. O surgimento dos movimentos sociais está associado à luta por direitos sociais contra uma determinada situação de vida e, que a partir de ações concretas procuram mudar o status quo (SANTOS, 2008). Para Touraine (1994, p. 254) o movimento social surge quando “um ator coletivo cuja orientação maior é a defesa do sujeito, a luta pelos direitos e a dignidade dos trabalhadores”. Para este autor, quando o movimento social se enfraquece significa que o mesmo consegue alcançar suas revindicações, portanto eles podem ser efêmeros, já que quando conseguem os direitos revindicados a tendência é desarmar, seja ele urbano ou rural. Todos os autores (BORJA 1975, TOURAINE 1994; CASTELLS 1999, DOIMO 1995 e SANTOS, 2008) compreendem que a gênese de um movimento se remete ao fato da necessidade de revindicar algo que afeta o coletivo negativamente.

A abordagem da temática: movimento social urbano e rural no ensino de Geografia

Os movimentos sociais que atuam nas cidades brasileiras são recentes, pois sua gênese está atrelada ao processo de industrialização e urbanização difundido em meados do século XX no Brasil. O agravamento dos problemas urbanos e o êxodo rural irão consolidar o aparecimento de lutas reivindicatórias por meio de movimentos sociais (SOUZA JUNIOR, 2008). Ao contrário das ONGs, os movimentos sociais urbanos sustentam sua atuação por meio de articulações internas e criam e interferem na produção do espaço presente na cidade (SOUZA JUNIOR, 2008).

O professor de geografia precisa atentar-se ao fato de que atualmente os movimentos sociais urbanos se fortificaram e alguns acabaram ganhando representatividade internacional, os de cunho ambientalistas, religiosos, vegetarianos, feministas, entre outros, também é importante pontuar que no início deste século tanto os movimentos urbanos como os rurais diversificaram e potencializaram, atualmente não estão ligados apenas as questões de falta de habitação, acesso a terra, ou a movimentos musicais, hoje ganharam novas identidades e reforçaram regionalismos e culturas que antes estavam adormecidas.

No que se refere aos movimentos sociais do campo temos como marcos históricos a Guerra de Canudos (novembro de 1896 a outubro de 1897) e do Contestado (outubro de 1912

Page 249: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 249

e agosto de 1916) essas duas guerras foram marcadas pela luta e resistência das populações marginalizadas em relação a expropriação de suas terras, entre outros motivos que envolvia também os interesses internacionais no território nacional e a exploração dos coronéis no inicio da república. As ligas camponesas surgiram ainda em meados da década de 1940, mas tiveram um papel importante a partir da década de 1950 congregava também trabalhadores urbanos embora sua gênese fosse rural, entre os objetivos das Ligas estavam a reforma agraria, ou seja, a luta por acesso a terra, porém com o Golpe Militar de 1964, o movimento foi desarticulado, proscrito, no entanto ele ainda funcionou de forma clandestina durante as décadas posteriores (BASTOS, 1984)

A partir de meados da década de 1980 surgem no campo vários movimentos sociais que lutam pela renovação de padrões socioculturais e sociopsíquicos e penetram nas microestruturas da sociedade do campo, entre eles o MST (Movimento dos Sem Terra) que atualmente é conhecido internacionalmente não sendo somente associado a luta pela terra, mas a um projeto político de transformação social, além de levantar a bandeira da reforma agraria, propõe redistribuição de terras e de riquezas, exige trabalho e escola para seus filhos, ou seja, reivindicam com veemência os direitos de uma população historicamente alijada dos mesmos, não querem somente terra mas também a reformulação das relações sociais e ampliação dos direitos sociais (VEDRAMINI, 2007).

Neste aspecto é importante pensar sobre a escola refletir sobre o espaço geográfico no qual ela esta inserida, suas necessidades, fragilidades e potencialidades. A escola precisa estar em sintonia com as mudanças, ela deve ser o agente que leva seus alunos a pensar sobre o mundo e sobre si mesmo e formas de transformá-lo, por isso o debate dos movimentos sociais é extremamente pertinente em sala de aula, pois ele demonstra insatisfação por parte de um setor da sociedade, sua organização para reivindicar seus direitos e transformar uma realidade social a partir da práxis dialógica. Esse trabalho mostra aos nossos alunos possibilidades para que eles façam o mesmo.

Vale lembrar que a práxis dos movimentos sociais é em sua natureza educadora, porque discute conceitos como: luta, território, terra, moradia, cultura, educação, socialização, sociabilidade, identidade, espaço, lugar e comunidade. Conceitos estes essencialmente geográficos que devem estar nos currículos do ensino de geografia seja ele direcionado para os alunos que vivem na cidade seja para os que vivem no campo no sentido de conhecerem as espacialidades produzidas por tais movimentos. Porque como apontou Lacoste (1988) o conhecimento do espaço é essencial para que possamos nos organizar nele e no mesmo combater, ou seja, realizar as lutas cotidianas para melhoria do lugar onde vivemos.

Igualmente os movimentos sociais são a expressão máxima da luta em favor dos mais marginalizados e excluídos da sociedade, dessa forma é imprescindível aproximar este tema das salas de aula, se os livros didáticos pouco ou quase nada falam desta temática, cabe ao professor enfrentar o desafio de compreender o tema numa perspectiva holística, que enfatize a essência geográfica do conteúdo.

Movimentos sociais: práticas pedagógicas no ensino de Geografia

Diante desse debate é importante levantar a seguinte questão: Como realizar a abordagem dos movimentos sociais no ensino de Geografia?

Page 250: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores250

Há varias maneiras de trabalhar esse tema, o que devemos ter a priori é criatividade para pensar em metodologias que priorizem a participação dos alunos de maneira ativa de modo que a aprendizagem seja significativa. Uma possibilidade para discutir os movimentos sociais na cidade e no campo é organizar um debate, a partir de um tema polêmico: reforma agrária no Brasil, invasão de imóveis no centro de grandes cidades, desalojamento de atingidos por barragens, direito a cidade entre outros, organizar a sala em duas partes onde uma ira defender e a outra acusar o tema escolhido vale lembrar que o professor deve antes indicar os caminhos de pesquisa ou levar para sala documentos que discutem os temas. Juri simulado é outra possibilidade, muito similar ao debate onde elegemos como temática um tema polêmico que engloba as discussões dos movimentos sociais, nesta metodologia o professor deve escolher um réu, os advogados de defesa e acusação, as testemunhas e o restante da sala será o júri que deverá dar seu veredicto individual ao final do julgamento com apontamentos por escrito do por que tomou aquela decisão. Estas duas metodologias possibilitam uma participação efetiva de todos os alunos.

Outra possibilidade é discutir com os alunos os vários movimentos sociais urbanos e rurais em todas as escalas de analise em especial no município onde localiza a escola depois pedir para que os mesmos se organizem em grupo e criem um movimento para reivindicar soluções para um problema que acomete o lugar onde eles vivem para isso os alunos devem criar um slogan, uma bandeira, definir os principais objetivos e o cronograma de atuação do movimento, o professor com sua criatividade pode incorporar a essa atividade outros elementos. A metodologia em questão força os alunos a pensarem sobre os problemas do seu cotidiano e como organizar a luta para reivindicar melhoria em sua comunidade.

A compreensão dos movimentos sociais, desde sua gênese, ações, finalidades e possibilidades para se alcançar o desenvolvimento socioespacial nos remete ao problema de todo cidadão no novo milênio; “como ter acesso às informações sobre o mundo e como ter a possibilidade de articulá-las e organizá-las?” (MORIN, 2003, p. 35). O ensino de Geografia permite essa articulação e organização, e apenas dessa forma é que se terá a possibilidade de que os alunos acessem novas possibilidades de reprodução social. Portanto, o ensino de Geografia se torna essencial para conduzir e encaminhar a temática dos movimentos sociais numa perspectiva crítica e holística.

por uma leitura critica das espacialidades produzidas pelos movimentos sociais

Os movimentos sociais têm sido decisivos nas últimas décadas no sentido de defender politicas e projetos direcionados as populações que historicamente foram alijadas dos seus direitos de acesso a terra, de moradia, de uma vida digna, por isso ele é um grande pedagogo do campo e da cidade, porque cumpre um papel histórico de revelar as tensões e as contradições existentes na sociedade brasileira.

Os movimentos sociais acreditam na capacidade de mobilização estratégica da sociedade brasileira e nas suas forças de transformação e o ensino de Geografia pode contribuir para a garantia de um modelo de democracia representativa para aquém daquele centrado no exercício da cidadania que possa verdadeiramente dar acesso aos nossos alunos na construção de novas possibilidades de reprodução social.

Page 251: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 251

Referências

BASTOS, E. R. As Ligas Camponesas. Petrópolis: Vozes, 1984.

BORJA, J. Movimientos sociales urbanos. Ediciones Siap: Planteos, 1975.

DOIMO, A. M. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: ANPOCS, 1995.

CASTELLS, M. O poder da identidade. Tradução Klauss Brandini Gerhardt. 2ª.Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

LACOSTE, Y. A geografia: isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra, 1988. Campinas: Papirus, 1989.

MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma. Reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

TOURAINE, A. Crítica da modernidade. Tradução Elia Ferreira Edel. 7ª. Ed. Petrópolis-RJ: Vozes,1994.

________, A. Sociologia de la accion. Traducción al castellano M. Castells et. al. Barcelona: Ariel,1969.SOUZA JÚNIOR, X. S. de S. de. A participação dos movimentos sociais urbanos na produção do espaço de João Pessoa-PB. 2008. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2008.

SOUZA, M. L. de . Fobópole: O medo generalizado e a militarização da questão urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.

SANTOS, R. C. B.  Movimentos sociais urbanos no Brasil. São Paulo: Editora da Unesp, 2008.

VENDRAMINI, C. Regina. Educação e trabalho: reflexões em torno dos movimentos sociais do campo. Caderno Cedes, Campinas, vol 27, n. 72, p. 121-135, maio/agosto de 2007.

Page 252: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores252

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM DEBATE

Jeani Delgado Paschoal Moura1

Introdução

Este artigo apresenta reflexões sobre a Educação Ambiental, procurando fazer um balanço de seu percurso, bem como, de alguns aspectos presentes na Resolução n. 2, de 15 de junho de 2012, do Ministério da Educação, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (EA) em todos os níveis e modalidades de ensino. Faz-se necessário, apresentar um breve histórico da Educação Ambiental, para evidenciar a evolução e importância deste debate no âmbito da sociedade, marcada pelo sistema capitalista de produção que enseja a população ao consumo exacerbado e a formas de vida não compatíveis com uma sociedade sustentável.

notas sobre a educação ambiental

Historicamente, a percepção de que os problemas ambientais locais têm reflexos em escalas mais amplas, regionais e/ou globais, acarretou a criação de acordos internacionais que apesar de poucos avanços, representaram tentativas de amenizar a crise ambiental que se despontava em cada época. Assim, em Ribeiro (2001) constatamos que os primeiros acordos, criados a partir do início do século XX, visavam regular a ação das metrópoles imperialistas no continente africano, que tinham nos safáris de caça, uma forma de diversão ou obtenção de lucros. Com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), no pós-guerra, surgem propostas mais eficazes de ações relacionadas ao meio ambiente. Com a criação da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), juntamente com organismos mistos (Estados, Grupos privados e Organizações não-governamentais), liberam-se financiamentos para implementar projetos conservacionistas em vários países do mundo.

Em relação aos eventos2, em nível nacional e internacional, fundamentais para a consolidação de políticas de EA, destacamos os principais ocorridos nas décadas de: - 1960: - o lançamento do livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, em 1962, que denunciava os efeitos nocivos do uso indiscriminado de pesticidas para a saúde e o meio ambiente, deu novo impulso ao movimento ambientalista e instigou mudanças nas legislações ambientais; - 1970: - o Clube de Roma (1972), por meio do relatório “Os Limites do Crescimento Econômico”, apresentou estudos de ações para a redução do consumo, tendo em vista prioridades sociais;- a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, conhecida como Conferência de Estocolmo (Suécia), ocorrida em 1972, é considerada o marco inicial da EA no âmbito internacional. Os 19 princípios adotados nesta conferência apontaram para a

1 Doutora em Ensino de Geografia pela UNESP/Presidente Prudente, professora adjunta do Departamento de Geociências, coordenadora do PIBID/Geografia e colaboradora do Prodocência/UEL Contato: [email protected] O histórico dos eventos elencados foi adaptado de Ribeiro (1991) e do Portal do MEC. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaoambiental/ealegal.pdf Acesso em: 02 fev. 2013.

Page 253: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 253

necessidade de proteger os ambientes para as gerações presentes e futuras e motivaram a criação, pela ONU, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), sediado em Nairobi (Quenia/África);- o Encontro Internacional em Educação Ambiental (Belgrado/Iugoslávia), em 1975, com a criação do Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA), tinha como princípios a EA continuada, multidisciplinar, integrada às diferenças regionais e voltada para os interesses nacionais. A Carta de Belgrado, redigida neste ano, propunha temas relacionados à erradicação da pobreza, da fome, do analfabetismo, da poluição, da exploração e dominação de uma nação sobre a outra. Fomentou o debate sobre a importância dos processos educativos para a vida em sociedade, finalizando com uma proposta de Programa Mundial de Educação Ambiental.- Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental em Tbilisi (Geórgia/ex- URSS), em 1977, organizada pela UNESCO/PNUMA, onde foram delineados os objetivos, os princípios básicos, as recomendações e as estratégias pertinentes à EA, no âmbito regional, nacional e internacional; - Seminário de Educação Ambiental para América Latina, organizado pela UNESCO/PNUMA, em San José (Costa Rica), com base na conferência de Tbilisi, estabeleceu-se as estratégias para a EA na América Latina; - 1980: - Congresso Internacional em Educação e Formação Ambiental, organizado pela UNESCO/PNUMA, em 1987, em Moscou (Rússia), onde se fez um balanço da EA desde a conferência de Tbilisi e criaram-se estratégias para a formação ambiental para a década de 1990; o documentou final ressaltou a importância da formação de recursos humanos na educação formal e não-formal e da inclusão da dimensão ambiental nos currículos, em todos os níveis. - 1º Congresso Brasileiro de Educação Ambiental, no Rio Grande do Sul e o 1º Primeiro Fórum de Educação Ambiental, na USP/São Paulo, ambos em 1988, ano da promulgação da constituição brasileira. - 1990: - Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada na cidade do Rio de Janeiro, ficou conhecida como RIO-92, ou a “Cúpula da Terra”; adotou a Agenda 21, um documento estratégico com indicações de ações para a proteção do nosso planeta e de seu desenvolvimento sustentável. Este trabalho significou a culminância de duas décadas de trabalho que se iniciou em Estocolmo em 1972.- Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade: Educação e Consciência Pública para a Sustentabilidade – Thessaloniki (Grécia), em 1997, organizada pela UNESCO, teve como objetivos: - reconhecer o papel crítico da educação e da consciência pública para o alcance da sustentabilidade; - considerar a contribuição da educação ambiental; -fornecer elementos para o futuro desenvolvimento do programa de trabalho da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU e; -mobilizar ações nos níveis internacional, nacional e local. O Documento Brasileiro “Declaração de Brasília para a Educação Ambiental”, foi apresentado neste importante evento;- 2000:- Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Joanesburgo (África do Sul) em 2002, conhecida como Rio+10, em que se realizou um balanço dos avanços e das novas demandas surgidas após a Rio-92; discutiram-se as metas alcançadas pela Agenda 21 e outros

Page 254: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores254

acordos da Rio-92, resultando em dois documentos: a Declaração de Joanesburgo e o Plano de Implementação;- Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, realizada na cidade do Rio de Janeiro, em 2012, conhecida como Rio+20, cujo objetivo foi renovar o compromisso político com o desenvolvimento sustentável, tendo como temas centrais de discussão as questões ambientais e sociais. As principais críticas recebidas se relacionaram à quase ausência de encaminhamentos práticos com medidas e ações que pudessem estimular o desenvolvimento sustentável.

Esses eventos, ora apresentando avanços, ora recuos, demonstram as tentativas de se criar estratégias em diferentes escalas geográficas – da local à global - com vistas à construção de uma sociedade mais equilibrada e harmoniosa. No entanto, tais tentativas ainda se esbarram na perpetuação de sociedades classistas e neoliberais, em que imperam os interesses de uma minoria.

Marcos legais para a consolidação da educação ambiental no Brasil

Graças ao trabalho de inúmeros movimentos que inspiraram ações para a construção de ambientes saudáveis e equilibrados, desde a década de 19803, vem se consolidando uma legislação cujos pressupostos colocam a educação formal como “carro-chefe” da EA, traçando rumos que poderão conduzir, ou não, para o desenvolvimento da cidadania. A Resolução de 25 de julho de 2012 é resultado de uma série progressiva de exigências legais que foram implementadas no Brasil para promover a EA em diferentes níveis e modalidades de ensino, na educação formal e não-formal.

É válido lembrar que a Lei 6.938 de 1.981 que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente (Art. 2º, X), já orientava a inserção da EA em todos os níveis de ensino (inciso X do artigo 2º). O Parecer 819/85, do Ministério de Educação e Cultura (MEC), reforçou a inclusão de conteúdos ecológicos no antigo ensino de 1º e 2º graus (hoje ensino fundamental e médio), indicando a necessidade de integração com todas as áreas do conhecimento e do desenvolvimento da consciência ecológica para a formação cidadã. No que se refere à Constituição de 1988, em seu Capítulo VI, Art. 225, § 1º, Inciso VI, constata-se a determinação de que o Poder Público deverá “promover a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. A Portaria 678/91 do MEC, estabeleceu que a EA deveria ser contemplada na educação escolar em todo o currículo dos diferentes níveis e modalidades de ensino. Em 1994, foi elaborada, pelo MEC/MMA/MINC/MCT, a Proposta do Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA), com o objetivo de fornecer subsídios para a atuação na educação formal e não-formal, supletivo e profissionalizante, em seus diversos níveis e modalidades.

Em 1996, a Lei nº 9.276/96, que estabelece o Plano Plurianual do Governo 1996/1999, define a promoção da EA como prioridade da área ambiental mediante disseminação e uso de tecnologias de gestão sustentável dos recursos naturais, garantindo a implementação do PRONEA. Já a Lei Federal nº 9.394/96, das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), 3 Vale frisar que o Código Florestal instituído pela Lei 4.771 de 1.965, estabelecia a semana florestal a ser comemorada obrigatoriamente nas escolas e outros estabelecimentos públicos (art. 43). Informação disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaoambiental/ealegal.pdf Acesso em: 02 fev. 2013.

Page 255: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 255

não faz referência direta à EA, apenas orienta que na formação básica do cidadão deve assegurar-se a compreensão do ambiente natural e social, nos currículos devem ser contemplados saberes do mundo físico e natural e na Educação Superior deve-se valorizar o conhecimento do ser humano e do meio vivido. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a EA aparece como tema a ser trabalhado na transversalidade e na interlocução entre as diferentes áreas do currículo escolar.

Na Lei nº 9.795/99, Lei de Educação Ambiental e instituição da Política Nacional de Educação Ambiental, regulamentada pelo Decreto n. 4.281, de 25 de junho de 2002, a EA é considerada componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo. As práticas de EA estão fundamentadas na construção de sociedades justas e sustentáveis, nos valores da liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade, sustentabilidade e educação como direito de todos e todas.

Em conformidade com esta lei e com os dispositivos constantes na Constituição Federal, a Resolução n. 2, de 15 de junho de 2012, do Ministério da Educação, estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental, com o objetivo de estimular a reflexão crítica e orientar os cursos superiores e sistemas educativos na formulação, execução e avaliação de seus projetos institucionais e pedagógicos. Os projetos deverão ser construídos respeitando-se os seguintes princípios da EA:

I - totalidade como categoria de análise fundamental em formação, análises, estudos e produção de conhecimento sobre o meio ambiente;II - interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque humanista, democrático e participativo;III - pluralismo de ideias e concepções pedagógicas;IV - vinculação entre ética, educação, trabalho e práticas sociais na garantia de continuidade dos estudos e da qualidade social da educação;V - articulação na abordagem de uma perspectiva crítica e transformadora dos desafios ambientais a serem enfrentados pelas atuais e futuras gerações, nas dimensões locais, regionais, nacionais e globais;VI - respeito à pluralidade e à diversidade, seja individual, seja coletiva, étnica, racial, social e cultural, disseminando os direitos de existência e permanência e o valor da multiculturalidade e plurietnicidade do país e do desenvolvimento da cidadania planetária. (Cap. I, Resolução n. 2, de 15 de junho de 2012)

Nestes princípios norteadores, a Educação Ambiental - um processo pelo qual se constrói valores, hábitos e atitudes necessárias ao convívio social em equilíbrio com os ambientes - não deve ser desenvolvida fora dos espaços de vivência imediato, porém permeada por uma visão que perpassa a inter-relação com espaços mais amplos. Numa perspectiva holística, propõe-se uma análise integradora do meio ambiente, na íntima relação entre seus elementos, considerando o homem como parte deste. Nesse sentido, trata-se de desenvolver uma educação politizada e voltada para a práxis, ou seja, para a intervenção social, em algum grau. Destaca-se também o reconhecimento da interdependência entre os diversos elementos que compõem o meio ambiente, sendo que a apreensão deste se dá por diversos caminhos que são imbricados

Page 256: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores256

numa troca de saberes plurais advindos da cultura, da ciência e das vivências em seus diferentes contextos. Somados a isso, na EA o desenvolvimento da noção de pertencimento é condição para a criação da cidadania planetária enfatizada no VI princípio, preconizada por Morin (2003) e reafirmada por Gadotti, ao lembrar que:

A sensação de se pertencer ao universo não se inicia na idade adulta nem por um ato de razão. Desde a infância, sentimo-nos ligados com algo que é muito maior do que nós. Desde criança nos sentimos profundamente ligados ao universo e nos colocamos diante dele num misto de espanto e respeito. E, durante toda a vida, buscamos respostas ao que somos, de onde viemos, para onde vamos, enfim, qual o sentido da nossa existência. É uma busca incessante e que jamais termina. A educação pode ter um papel nesse processo se colocar questões filosóficas fundamentais, mas também se souber trabalhar ao lado do conhecimento essa nossa capacidade de nos encantar com o universo. (GADOTTI, 2009, p. 77)

Por vias de uma educação ambiental sensitiva e crítica é possível provocar o encantamento com o universo e com tudo o que nele há, conforme inspira Gadotti, ensejando uma formação cidadã alicerçada na busca permanente de sentido para a vida. Assim, o conceito de Educação Ambiental está atrelado ao de ambiente e de homem como parte deste. Por educação entende-se um sistema de valores éticos, religiosos, políticos, econômicos e culturais de determinada sociedade que são transmitidos de geração em geração por processos educativos formais, não-formais e informais4. Ambiente pode ser considerado o meio com seus atributos, sejam de origem natural ou cultural, apresentando-se em diferentes escalas geográficas – local, regional, global. Ambiente refere-se tanto aos locais próximos quando aos distantes geograficamente, dotados de uma rede de inter-relações e de influências recíprocas. Portanto, o planeta Terra é o nosso maior ambiente, formado por inúmeros outros ambientes, próximos ou distantes de nós, mas inter-relacionados, em que uma parte, como por exemplo, o nosso meio circundante, contém a totalidade. O homem, como parte da natureza, é um ser biológico, mas também é social, dotado de razão e emoção, em permanente interlocução entre si e com os demais elementos da natureza.

Em concordância com estes preceitos e com base na Lei nº 9.795/99 temos os seguintes objetivos da EA:

I - desenvolver a compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações para fomentar novas práticas sociais e de produção e consumo; II - garantir a democratização e o acesso às informações referentes à área socioambiental; III - estimular a mobilização social e política e o fortalecimento da consciência crítica sobre a dimensão socioambiental; IV - incentivar a participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania; V - estimular a

4 Considera-se Educação Formal a institucionalizada nos diferentes níveis e modalidades de ensino, tanto em instituições públicas quanto privadas. Na Educação Não-Formal existe uma intencionalidade dos sujeitos, em criar ou buscar determinadas qualidades e/ou objetivos, ou seja, ocorre no âmbito das ações e práticas coletivas organizadas em movimentos, organizações e associações sociais, a saber: no bairro-associação, nas igrejas, nos sindicatos, nas Organizações Não Governamentais (ONG’s) etc. A Informal decorre de processos espontâneos ou naturais, ainda que seja carregada de valores e representações, como é o caso da educação transmitida pelos pais na família, no convívio com amigos, clubes, teatros, leitura de jornais, livros, revistas etc. (GOHN, 1997, p.6-7).

Page 257: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 257

cooperação entre as diversas regiões do País, em diferentes formas de arranjos territoriais, visando à construção de uma sociedade ambientalmente justa e sustentável; VI - fomentar e fortalecer a integração entre ciência e tecnologia, visando à sustentabilidade socioambiental; VII - fortalecer a cidadania, a autodeterminação dos povos e a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e da interação entre as culturas, como fundamentos para o futuro da humanidade; VIII - promover o cuidado com a comunidade de vida, a integridade dos ecossistemas, a justiça econômica, a equidade social, étnica, racial e de gênero, e o diálogo para a convivência e a paz; IX - promover os conhecimentos dos diversos grupos sociais formativos do País que utilizam e preservam a biodiversidade. (Cap. II, Resolução n. 2, de 15 de junho de 2012).

No primeiro objetivo, observa-se a preocupação em “desenvolver a compreensão integrada do meio ambiente”, ou seja, uma visão holística em que tudo se conecta em tudo, a exemplo dos problemas socioambientais que refletem um determinado modelo de sociedade e suas relações com o meio, não se configurando como fatos isolados, mas inter-relacionados. Nos demais objetivos são enfatizados os conceitos de participação, cooperação e integração, indicando que conhecer a sociedade em sua complexidade significa saber que cada indivíduo influencia a sociedade, ao passo que esta com seus padrões econômicos e socioculturais influenciam os indivíduos e seus espaços. Assim, a Educação na perspectiva holística, atua para mudanças significativas, tanto no plano micro (indivíduo), “promover o cuidado com a comunidade de vida” (VIII objetivo), quanto no macro (sociedade/todo), “promover o conhecimento dos diversos grupos sociais” (IX objetivo), numa relação de reciprocidade e retroalimentação.

É importante lembrar-se da Política Estadual de Educação Ambiental e do Sistema de Educação Ambiental do Paraná, Lei n. 17505/13, criada em conformidade com os princípios e objetivos da PNEA e do ProNEA, articulada com o sistema de meio ambiente e educação em âmbito federal, estadual e municipal, publicada no Diário Oficial nº. 8875 de 11 de Janeiro de 2013. Na referida lei destaca-se a promoção da EA em todos os níveis de ensino de maneira integrada, interdisciplinar e transversal. No art. 16, subseção I, lê-se: “A Educação Ambiental deve contribuir para a formação de escolas sustentáveis na gestão, no currículo e nas instalações físicas e estruturais, tendo a Agenda 21 na Escola como um dos seus instrumentos de implementação a ser inserida no projeto político-pedagógico dos estabelecimentos de ensino”. Em linhas gerais, constata-se que a EA permanece na legislação como eixo integrador entre as áreas do conhecimento curricular, tendo a escola como ponto de partida para a transformação da cultura ambiental, não descuidando da formação docente para a atuação nos diferentes níveis de ensino com destaque para a formação humana de sujeitos concretos, cuja diversidade de realidades vividas precisa ser considerada nos processos formativos.

considerações

Com a exigência legal pela obrigatoriedade da Educação Ambiental nos processos educativos e a criação das Diretrizes Curriculares para a Educação Ambiental, abrem-se novas perspectivas para a consolidação de práticas voltadas para o cuidado com o meio ambiente e com as suas diferentes formas de vida. Somente por meio de uma práxis pedagógica inovadora será possível formar uma geração mais sensível e crítica no trato com as questões socioambientais.

Page 258: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores258

Nesta construção, a educação tem papel relevante vez que se configura como um campo de saberes e práticas capazes de consolidar a consciência crítica para a atuação do cidadão em seu espaço de vivência. A nós, profissionais da educação, cabe estudar as novas legislações e diretrizes para ajudar a assegurar alternativas para fazer da EA um processo político de participação coletiva, um projeto, ao mesmo tempo, de vida e de nação, ou uma forma de intervenção no mundo como desejava o mestre Paulo Freire (2004).

Referências

BRASIL. Resolução n. 2, de 15 de junho de 2012. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental. Diário Oficial da União, Brasília, n. 116, seção 1, p. 70, 18 jun. 2012.

______. Ministério de Educação e Cultura (MEC). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaoambiental/ealegal.pdf Acesso em: 02 fev. 2013.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004. (Coleção Leitura)

GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. 6 ed. São Paulo: Peirópolis, 2000. (Série Brasil cidadão)

GOHN, Maria da Glória. Educação Não-Formal no Brasil: Anos 90. Cidadania/Textos, n. 10, p. 1-138, nov. 1997.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Trad. de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. 8 ed. São Paulo: Cortez, Brasília/UNESCO, 2003.

PARANÁ. Lei 17505, de 11 de janeiro de 2013. Institui a Política Estadual de Educação Ambiental e o Sistema de Educação Ambiental e adota outras providências. Diário Oficial nº. 8875, Curitiba, 11 jan. 2013.

RIBEIRO, Wagner Costa. A ordem ambiental internacional. São Paulo: Contexto, 2001.

VADE MECUM. Constituição Federal. 15 ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

Page 259: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 259

SER PROFESSOR DE GEOGRAFIA

Luzia Mitiko Saito Tomita1

Jeani Delgado Paschoal Moura2

Introdução

Esse estudo partiu da inquietação observada na convivência com alunos e professores sobre a insatisfação pelas aulas de Geografia assistidas e ministradas desde o ensino básico ao superior. O objetivo maior deste artigo é discutir as singularidades da profissão docente, mais especificamente, da docência em Geografia. Movidas pela necessidade de contribuir com a renovação e efetivação da qualidade no ensino de Geografia, pesquisamos junto aos licenciandos do final do curso de Geografia, por meio da aplicação de quarenta questionários, informações que nos fornecessem pistas para a reflexão sobre os caminhos metodológicos do saber-fazer docente do ensino superior. Os dados obtidos demonstram contradições no processo de formação docente, em que o aluno-mestre é desafiado a inovar na escola básica, sem, contudo, ter vivenciado tais inovações no âmbito de sua formação inicial, razão do nosso empenho em renovar o ensino superior visando a formação de um bom profissional, projeto no qual estamos trabalhando.

Aporte teórico e discussão dos dados

A discussão sobre a qualidade de ensino parte do princípio de que o professor é o principal agente da educação escolar e da formação dos educandos, cabendo a este a função de mediar, motivar e facilitar a aprendizagem. No sentido amplo, Educação é o processo pelo qual “a sociedade atua constantemente sobre o desenvolvimento do ser humano no intento de integrá-lo no modo de ser social vigente e de conduzi-lo a aceitar e buscar os fins coletivos” (VIEIRA PINTO, 1994, p. 30). Estaríamos nós, professores formadores, preparados para alavancar um ensino criativo e criador, para impulsionar um trabalho instrumentalizador e cumprir o nosso papel social no desenvolvimento do ser humano, como pessoa e para o exercício de sua profissão no campo da educação?

No ensino de Geografia, assim como nas demais disciplinas, leva-se em conta a trajetória histórica de crises do ensino deste campo, com consequências na formação de professores em caráter inicial ou continuada. Nessa abordagem, é importante considerar os resquícios provindos da Lei n. 5692/71 que implantou o curso de Estudos Sociais em substituição às licenciaturas de Geografia e História. Nesse percurso, formavam professores com defasagem da base teórica específica destas disciplinas e com pouca habilidade no tratamento de aplicação na prática escolar. Acreditamos que a falta de clareza quanto ao objeto e método da disciplina específica de Geografia tenha contribuído para a desvalorização deste saber.

1 Doutora em Ensino de Geografia pela USP, professora adjunta do Departamento de Geociências e membro da FOPE/Prodocência/ UEL. Contato: [email protected] Doutora em Ensino de Geografia pela UNESP/Presidente Prudente, professora adjunta do Departamento de Geociências e colaboradora do Prodocência/UEL. Contato: [email protected]

Page 260: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores260

Após os anos de 1970, ao se contrapor aos paradigmas da Geografia Tradicional e da Quantitativa para assumir a abordagem da Geografia Crítica reforça-se um novo pensar e agir pelas relações sociais por meio da leitura dialética da sociedade e da natureza. A necessidade de incorporar essa postura chega ao universo escolar, apesar de ainda encontrar resistências materializadas nos traçados dos currículos escolares, nos planejamentos e nas demais práticas escolares. A partir da Lei n. 9394/96 instala-se a condição para a melhoria do ensino da Geografia, cujo objetivo principal é propiciar ao aluno da educação básica, a leitura, a análise, a reflexão e a crítica do espaço geográfico visando a formação para a cidadania e para os alunos do ensino superior uma formação sólida, capaz de prepará-lo para o exercício da docência. Sobre a reforma universitária dos anos de 1990, Cunha esclarece

Definidas na Constituição de 1988 como instituições onde ensino, pesquisa e extensão desenvolvem-se de modo indissociado, as universidades foram detalhadamente caracterizadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. As universidades tornaram-se caracterizadas por sua produção e por seu corpo docente, podendo especializar-se por campo do saber. Pelo menos um terço de seu corpo docente deverá ter estudos pós-graduados. A mesma proporção dos docentes deverá ser contratada em regime de tempo integral. (CUNHA, 2007, p. 189).

Não obstante, a realidade que nos envolve ainda é repleta de contradições quanto à formação de alunos e professores, não sendo raro jogar a culpabilidade das mazelas da educação nos cursos de Licenciaturas, nos problemas das escolas públicas e em suas posturas políticas, pedagógicas e administrativas.

Ao questionarmos os licenciandos do referido curso sobre como a Geografia era ensinada nos anos em que os mesmos passaram pelos bancos escolares, as respostas foram múltiplas, mas converteram-se para um sentido muito próximo: a geografia era descritiva, de memorização, havia poucas conexões entre o estudo da natureza e da sociedade, ensino por cópias e necessidade de decorar as capitais dos países e estados. Outro grupo de respostas relacionou a Geografia ao estudo da cultura dos povos, dos países e lugares. Pelas respostas dadas percebemos que, apesar dos licenciandos fazerem parte da nova geração da Geografia e terem concluído a escola básica há quatro ou cinco anos, os mesmos se recordam de uma ciência a-crítica em que permanecem os ranços de uma geografia empobrecida e incapaz de instigar a leitura crítica da realidade.

Com referência ao ensino superior, Godoy (1997) afirma que são escassos os trabalhos que discutem problemas de natureza didático-metodológica, ainda que os professores universitários sintam dificuldades em sua prática cotidiana, pouco tem sido feito no sentido de compreender o funcionamento das salas de aula neste nível de ensino. Nesse sentido, investigamos os aspectos negativos percebidos na formação inicial, em resposta os alunos indicaram: a atitude de alguns professores universitários, no que se refere ao descompromisso com a formação inicial como o grande entrave do ensino superior e a falta de interesse de alguns colegas da turma que prejudicam o andamento do trabalho pedagógico. Outro grupo de respostas considerou como aspecto negativo de sua formação a falta de práticas, de discussões teórico-epistemológicas relevantes e a limitação do número de viagens para a realização de trabalhos de campo, este que é o carro-chefe da disciplina.

Page 261: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 261

Os alunos-mestres, sujeitos da pesquisa, apontaram também contradições em sua formação inicial, questionando: - Como ser um professor inovador, se no processo de formação inicial pouco se vivenciou tais inovações? Outro apontamento importante foi que os professores da universidade não levam em conta, no cotidiano de suas práticas pedagógicas, as histórias de vida dos alunos trabalhadores que cursam a licenciatura em Geografia ao passo que nas disciplinas pedagógicas é cobrada esta postura dos mesmos, no trato com a escola básica.

Em pesquisa sobre os ambientes de ensino preferidos por alunos do terceiro grau, Godoy apresenta os seguintes resultados:

Com referência às técnicas de ensino, os alunos manifestaram preferência acentuada por professores que combinam as aulas expositivas com trabalhos em grupo e/ou tarefas individuais. Preferem, portanto, professores que variam a forma de desenvolver suas aulas. Nos trabalhos em grupo, há preferência por situações onde há estruturação,por parte do professor, que estabelece as questões a serem discutidas e indica e/ou fornece textos de apoio. Quanto aos “seminários”, as respostas dos sujeitos aparecem dispersas entre as várias opções, o que sugere vivências tanto positivas quanto negativas, com esta estratégia de ensino tão comum em nossas salas de aula. (GODOY, 1997, p.118-119).

Essa versão é reforçada por Pimenta (2001) acrescentando que o saber docente não é formado apenas de práticas, mas é também nutrido pelas teorias de educação. Por essa razão, as práticas pedagógicas adotadas nas instituições e sistemas educacionais são reflexos das mudanças ocorridas no período histórico em que as mesmas estão inseridas. Nessa trajetória, a história da educação revela o emprego de várias estratégias e modelos de ensino-aprendizagem constituindo paradigmas distintos. Em Geografia, o professor busca a identificação com este saber dentro de suas especificidades no que diz respeito ao papel do professor, do aluno e da escola no contexto da particularidade desse campo científico.

Ser professor de Geografia implica a construção de uma identificação com este saber e um conhecimento íntimo das particularidades desse campo científico. Com base nessa perspectiva, para averiguar sobre a concepção de Geografia dos licenciandos, questionamos:

- O que é Geografia? Prevaleceram as respostas relacionando esta ciência com o estudo da Terra, tendo como linguagem essencial a cartografia. Para a maioria, esta disciplina baseada em estudos críticos, no uso de mapas e de imagens é um saber dinâmico por sua natureza empírica e relacionada ao cotidiano. Em outras respostas encontramos referência ao trabalho de campo como o alicerce da Geografia ensinada, além da relação teoria e prática que esta proporciona em seus estudos. Outra questão versou sobre a mudança da concepção da Geografia ao chegar no curso Superior, assim constatamos que houve uma mudança significativa da visão de Geografia advinda da escola se comparada à adquirida no ensino superior, em que, para a maioria, a Geografia acadêmica se mostrou um campo do conhecimento complexo e abrangente, com definições e saberes que divergem de acordo com as concepções epistemológicas do pesquisador.

Com referência às propostas dos licenciandos para a melhoria de sua formação, destacamos: - maior aprofundamento nas pesquisas, nos projetos e nas práticas relativas à profissão; - necessidade de enfatizar estudos epistemológicos para não ser formado com o

Page 262: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores262

pensamento geográfico único e dominante nas academias. Cabe aqui lembrar que Pérez Gómez (1997) aponta a racionalidade técnico-instrumental como um dos graves problemas dos cursos de formação inicial. Segundo ele, os professores são treinados a aplicar as teorias e as técnicas científicas em sala de aula. É comum observar professores aplicando na prática, a sua teoria “preferida”. Fica evidente a dependência do aluno universitário em relação ao professor e suas dificuldades em lidar com um conhecimento dogmático que não confronta teorias, tratando as suas escolhas e preferências como verdades absolutas.

Ainda sobre as propostas para a melhoria do ensino superior, os alunos sugeriram mais dinamismo nas aulas, indicação de leituras de textos mais significativos para a formação, além do resgate de algumas disciplinas fundamentais, como topografia e pedologia, ausentes no currículo atual de muitos cursos de Geografia. Outro grupo lembrou que o processo de formação deve contar com o aprimoramento dos professores universitários no que se refere às metodologias empregadas nas disciplinas específicas que lecionam, bem como ao relacionamento professor-aluno em busca de superar os conflitos existentes. Em relação aos conflitos entre professor-aluno, a pesquisa de Godoy contribui ao mostrar o ambiente socioemocional preferido pelos estudantes por ele entrevistados:

Há preferência por docentes que mantêm, com os alunos, um clima de diálogo que abranja conversas informais e de caráter pessoal. O entusiasmo do professor pelo trabalho docente, a utilização de palavras de elogio e encorajamento e o uso do humor durante as aulas também foram aspectos altamente valorizados pelos estudantes. Evidencia-se também a preferência por professores que procuram esclarecer dúvidas e que se adaptam às necessidades dos estudantes. O desejo de atenção manifesta-se na medida em que as respostas apontam para a expectativa dos estudantes de que suas dúvidas, limitações e necessidades sejam levadas em consideração. (GODOY, 1997, p.119).

Diante destas percepções, fica clara a necessidade de repensar a prática pedagógica no ensino superior, capaz de ajudar o outro a enxergar um novo mundo por meio do conhecimento. Assim, a renovação do ensino deverá contar com o diálogo, a interação, a mediação e a contextualização com vistas a uma formação inicial emancipadora que favoreça a apropriação de saberes, de forma crítica e criativa, para o desenvolvimento pessoal, social e profissional.

Quanto às perspectivas profissionais, há uma variedade de pensamentos e projetos, como o desejo que ingressar no magistério do ensino superior, ser professor da rede estadual, trabalhar na área ambiental em processos educativos formais e não-formais, prestar concurso público, continuar os estudos por meio da realização de mestrado e doutorado, fundar a própria escola para colocar em prática seus ideais de educação, além do desejo de se tornar um bom professor com vistas a dar a sua contribuição social.

considerações Finais

A pesquisa realizada em caráter de investigação revela como ocorre a leitura, a compreensão e os anseios dos alunos em relação ao exercício da docência em Geografia. Os argumentos colocam em evidência a preocupação pela formação inicial e a prática de ensino como ponto-chave para articular-se mais eficazmente ao conhecimento e às teorias adquiridas.

Page 263: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 263

Apesar da imposição das mudanças, o campo de ensino revela que a Geografia ainda vive um grande conflito no que se refere à prática escolar, principalmente da compreensão da importância da disciplina da grade curricular brasileira.

A discussão apontou a importância pelo aprimoramento da formação inicial e continuada aliada a atualização permanente dos profissionais, considerando que a educação não termina com a obtenção do diploma, mas ao contrário, deve durar a vida inteira. Nessa caminhada é preciso saber contornar os obstáculos. É preciso empenho em desenvolver em sala de aula um trabalho que possa transformar a forma como se processa a prática pedagógica, a fim de garantir uma boa qualidade de ensino.

Referências

CUNHA, Antonio Luiz. Ensino Superior e Universidade no Brasil. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cyntia Greive (org.). 500 anos de Educação no Brasil. 3ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.p.151-203.

GODOY, Arilda Schmidt. Ambiente de ensino preferido por alunos do terceiro grau. In: MOREIRA, Daniel A. (org.). Didática do ensino superior. São Paulo: Pioneira, 1997.p.115-125.

PÉREZ GÓMEZ, A. I. A. O pensamento prático do professor: a formação do professor como profissional reflexivo. In: Nóvoa, António (org). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote/IIE, 1997.

PIMENTA, S. Garrido. Estágio na formação do professor: unidade teoria e prática. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2001

VIEIRA PINTO, Álvaro. Conceito de Educação; Forma e conteúdo da educação e as concepções ingênua e crítica da educação. In:______. Sete lições sobre educação de adultos. São Paulo: Cortez, 1994. p. 29-57.

Page 264: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores264

O GOOGLE EARTH E SUAS POTENCIALIDADES NAS AULAS DE GEOGRAFIA

Patrícia Fernandes Shinobu1

Introdução

O presente artigo tem como objetivo, apresentar a potencialidade existente no programa Google Earth, utilizando-as nas aulas de geografia pelo professor. Para isso o professor pode se ater desde observação sobre os aspectos da paisagem, como sobre a Área de Preservação Permanente (APP). Salientando seu papel ao entorno de rios e córregos, o fato de sofrerem influência destes rios sobre a vegetação, principalmente no que se trata da distribuição das espécies.

O levantamento deve partir primeiramente, de uma visita in loco, após o reconhecimento da área e verificar o que irá ser trabalhado, dessa forma o professor pode definir juntamente com seus alunos o que será investigado, considerando: textura, cor, concentração de objetos a serem observados. A ferramenta do Google Earth, como instrumento alternativo, para apresentar espacialmente a distribuição e a diversidade de espécies ao entorno de um córrego, lago, praça ou rio.

As imagens de alta resolução espacial do ©2012 Google Earth - Google Earth Community (GEC) possibilitou a distribuição das formações vegetais, porém considerando a qualidade da imagem para o trabalho, já que em alguns lugares, o uso do Google Earth tornaria o trabalho inviável, devido à dificuldade em qualificar a vegetação.

As Áreas de Preservação Permanentes, estas definidas como: “áreas protegidas com a função de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fl uxo gênico de fauna e ora, proteger o solo e garantir o bem-estar da sociedade” Lei Nº 4.771, de 15 de Setembro de 1965. Possibilitando verificar o grau de recobrimento dessa vegetação, assim como o grau de abundância dominância de determinadas espécies.

É possível que uma área de pesquisa possa ser muito extensa e dessa forma o professor pode estabelecer a formação de grupos, para que os mesmo dividam as imagens em uma, duas, três ou quatro partes, podendo ficar como áreas do baixo, médio e alto curso do córrego X, estabelecendo a distribuição, predominância e dominância das espécies nativas ou invasoras. Um dos problemas enfrentados pelos cursos hídricos são os pontos de erosão e predomínio capim ou desmatamento, o que aumenta em dias de chuva o fluxo das enxurradas e assoreamento do mesmo. A lei, de número 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, existe ainda a Lei nº 7.803 de 18.7.1989, onde esta consta em seu Artigo 2 do Código Florestal Brasileiro (1989), que:

consideram-se área de preservação permanente, pelo efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situada: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: 1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura.

1 Professora Doutora do departamento de Geografia da UEL.

Page 265: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 265

Considerando a área em estudo, deveriam constar 30 metros de vegetação na margem direita e mais 30 metros na margem esquerda, porém isso nem sempre acontece. A fiscalização das Áreas de Preservação Permanente é essencial para manutenção e conservação da biodiversidade da fauna e da flora. Com tudo o professor pode se valer destas ferramentas para potencializar suas aulas, apresentando as fragilidades encontradas em seu bairro ou cidade, tornando o ensino mais agradável e prático.

Materiais e métodos

Para trabalhos com bacia hidrográficas, ou até mesmo rios, lagos urbanos e praças o ideal é localiza-los através das coordenadas geográficas, considerando o clima, relevo, solo, presentes naquela área, o que leva a uma pesquisa além das imagens de satélites, possibilitando ao alunos recorrer a outros livros e enciclopédias.

Considerando a importância de um levantamento, estabelece-se uma visita em toda a área para o reconhecimento da diversidade de espécies, assim como seus estrados arbóreos, herbáceo, rasteiro nas APP dos córregos, a visita in loco possibilita reconhecer as vegetações invasoras, exóticas, assim como as nativas, porém com sérios problemas de alteração. Com o uso do ©2012 Google Earth -Google Earth Community (GEC) (2012), como ferramenta, consegue-se, através da alta qualidade da imagem/resolução (2012 Cnes/Spot Image – data da compilação 17/10/2011) diferenciar através de cores as diferentes formações vegetais encontradas na APP, reconhecer problemas ambientais, e sugerir o uso por órgãos públicos, como o IAP, para promover a fiscalização das área de APPs.

Com uso da ferramenta polígono é possível definir as áreas de formações vegetais diferentes, utilizando cores e uma opacidade de 60% para visualizar as espécies delimitadas, possibilitando classificá-las em diferentes formações, como por exemplo: Floresta Estacional Alterada; Formação de leucena; Bambuzais; Eucaliptos; Formações ruderais de gramíneas; e/ou aglomerado de Solanum mauritianum Scop - fumo bravo, já que este último, apresenta uma coloração diferente das demais (verde claro) sendo de fácil identificação, podendo apresentar textura e coloração que as diferenciam das demais formações predominantes

Ainda nesta perspectiva, temos a ferramenta régua, que pode ser utilizada para medir a largura da vegetação existente em APP, possibilitanto ao aluno dizer quando ainda é necessário para reflorestamento ou dizer se esta respeita a Lei. A vegetação exerce importante papel, na influência direta sobre os efeitos a ela proporcionados. Quanto maior a diversificação maior será a contribuição ao meio ambiente. Independente de origem ou denominação, a vegetação que margeia as nascentes e cursos de água é fundamental para a preservação ambiental e em especial para a manutenção das fontes de água e da biodiversidade.

Resultados e discussões

Os córregos, rios, lagos em muitos casos apresentam uma grande concentração de vegetação invasora como a leucena (Leucaena leucocephala), esta na sua maior parte é encontrada cercando a vegetação nativa, caminhando pelo corredor da biodiversidade e em alguns momentos em meio a ela, ou em áreas com processo de degradação, onde a presença de luminosidade é

Page 266: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores266

maior, ela também é encontrada, além da santa bárbara (Melia azedarach - Família: Meliaceae), o eucalipto onde muitos acabam sendo plantados com o intuito da silvicultura ou mesmo vão se reproduzindo sendo encontradas em diversos pontos, desde a nascente até a foz, assim como as formações ruderais, prejudicial já que não garantem a qualidade e diversidade ambiental, tomando em muitos casos, o lugar das espécies nativas.

As espécies da Floresta Estacional, encontradas em Áreas de Preservação Permanente que circunda o Córrego Mandacaru em Maringá-Pr, e que circunda o Lago Igapó em Londrina-Pr apresentam algumas das espécies abaixo, apresentadas na tabela (01), considerando que há predominância e abundância destas espécies, assim como a existência de outras, aqui não apresentadas, para tal identificação foram usados às referências de Lorenzi (1998, 2002) e Ramos, Durigan; Franco; Siqueira, Rodrigues (2008).

tabela 1: Espécies encontradas no Córrego Mandacaru – Maringá-Pr e Lago Igapó – Londrina-PR.

FAMÍLIA eSpÉcIeS nOMe pOpULAR

Apocynaceae Aspidosperma polyneuron peroba-rosa

Boraginaceae Cordia ecalyculata Vell café-de-bugre

Euphorbiaceae Alchornea glandulosa Poepp tapiá

Fabaceae (leguminosae) Subfamília Mimosoideae Acacia polyphylla DC monjoleiro

Fabaceae- Leguminosae Subfamília Mimosoideae Piptadenia gonoacantha (Mart.) J. F. Macbr pau jacaré

Fabaceae (Leguminosae) Subfamília Caesalpiniodeae Schizolobium parahyba (Vell) S. F. Blake guapuruvu

Leguminosae Albizia polycephala angico

Leguminosae Mimosodeae Acácia Sp alecrim

Mimosaceae Leucaena leucocephala leucena

Melastomataceae Tibouchina granulosa quaresmeira

Meliaceae Cedrela fissilis cedro

Meliáceas Melia azedarach santa bárbara

Moraceae Ficus guaranítica figueira branca

Myrtaceae Psidium guajava L. goiabeira

Solanaceae Cestrum nocturnum dama da noite

Solanaceae Solanum mauritianum Scop fumo-bravo

Solanaceae Cestrum strigilatum Ruiz & Pav coerana–de-flor-verde

Piperaceae Piper arboreum Aubl. falso jaborandi

Phytolaccaceae Gallesia integrifolia pau d’alho

Rutaceae Balfourodendron riedelianum pau-marfim

Page 267: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 267

É possível pedir aos alunos cadastrarem através do uso do GPS, ou mesmo que observando a paisagem à existência de espécies frutíferas (ameixa, abacateiro, figo, mexerica, limoeiro, mangueira, dentre outras) devido às casas sempre próximas as margens, ou mesmo por estarem inseridos em área urbana. Como é o caso da espécie de pau-jacaré, sendo este, uma espécie nativa da Floresta Estacional Semidecidual, também presente na vegetação do Parque do Lago em Campo Mourão PR, no Parque Arthur Thomas em Londrina-PR.

É possível ainda com a régua medir a extensão dos rios, córregos, lagos podendo proporcionar atividades junto com outros professores, como o de matemática, história, biologia dentre outros que queiram participar, promovendo a interdisciplinaridade, e além disso um trabalho que envolva todos os professores ligados aquela turma, mostrando a importância deste trabalho em cada uma das disciplina.

Com o marcador, há a possibilidade de localizar algo específico como uma mancha de determinada espécie ou até mesmo um ponto como início e término da área de pesquisa, assim como a ferramenta caminho, estabelecendo um roteiro a ser percorrido antes do campo, ou mesmo como meio de delimitar a área.

O (s) professor (es), podem determinar o que será feito e a maneira como o trabalho se desenvolverá, o importante é que as ferramentas podem auxiliar de diversas formas as aulas de Geografia, e de outras disciplinas que precisam localizar suas informações no espaço geográfico. O Google Earth é uma ferramenta gratuita e disponível de muita utilidade, onde pode se utilizar da cartografia como um dos recursos a serem explorados.

considerações Finais

Sob o ponto de vista da estrutura da formação vegetal, pode definir se estes se apresentam como estrato rasteiro arbustivo, arbóreo inferior, arbóreo superior e emergente. Verificando se a mata vem se regenerando e se há pontos com presença de parasitas, epífitas e liquens, cipós e trepadeiras. Por isso conhecer a área de pesquisa ou se utilizar de imagens para construir o trabalho é necessários, já a ferramenta do Google Earth, só pode ser utilizada caso seja boa a definição da imagem, estabelecendo assim o que seria Floresta Estacional alterada, as formações de leucena, os bambuzais, os eucaliptos, as formações ruderais de gramíneas e os aglomerados de Solanum muritianum Scop (fumo bravo), dentre outras categorias que podem ser estabelecidas pelo professor.

Para Callai (2005) o aluno aprende a ler o mundo ao conseguir identificar as paisagens e os fenômenos, com capacidade de atribuir sentido ao que está escrito. Isso significa que alfabetizar em Geografia é ir além do domínio das técnicas de ler e escrever, possibilitando este reconhecer o no seu dia a dia aquilo que se aprende na sala de aula – relação teoria-prática.

Considerar se há a presença de processo erosivo presente no interior da área de pesquisa, associado às galerias de esgoto pluvial e pontos de declividade acentuada, se tem assoreado o córrego, rio e/ou lago e se vem descaracterizando o canal.

Contudo, deve se constatar se o córrego possui uma vegetação biodiversa no que se trata da (abundância, dominância) de algumas espécies, o que potencializa sua preservação, principalmente na manutenção/recuperação das “APP”, dado ao potencial biológico, em que esta se apresenta, representando mesmo que alterada, remanescentes da vegetação da Mata Atlântica

Page 268: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores268

(Floresta Estacional Semidecidual). Está é uma aula de geografia a céu aberto ou até mesmo via imagem de satélite para um professor que conhece bem aquilo que irá aplicar, podendo se valer de fotos, gráficos e tabelas para justificar cada um dos temas discutidos no decorrer do artigo.

Com as informações acima, é possível proporcionar ao professor dicas de como trabalhar com ferramentas que possam inovar suas aulas, tornado-as mais atrativas e com o uso de tecnologias das quais os alunos utilizam o tempo todo, potencializando este programa para outros fins, como viagens de fim de semana, de férias considerando os aspectos geográficos como distância, clima, relevo, solo, vegetação, tamanho/porte das cidades, cabendo ao professor como explorá-lo em suas aulas.

Referências

BRASIL.Código Florestal Brasileiro: Lei Federal nº. 4.771/65. Diário Oficial da União Brasília, 1965.

BRASIL. Código Florestal Brasileiro: Lei Federal 7.803/89. Diário Oficial da União, Brasília, 1989.

BRASIL. Código Florestal Brasileiro: Lei Federal 9.605/98. Diário Oficial da União. Brasília, 1998.CALLAI, Helena C. Aprendendo a ler o mundo: a Geografia nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Caderno Cedes. Campinas, vol.25, n.66, p.227-247, maio/ago.2005.

GOOGLE, Programa Google Earth, 2012. Acesso em 10 de maio de 2012.

LORENZI, H. Árvores brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Nova Odessa: Plantarum. Vol.1.352p, 1998.

LORENZI, Harri. Árvores Brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas do Brasil. Nova Odessa, SP: Instituto Plantarum, vol. 02, 2 ed. 2002.

PAULA, P. F.; FERREIRA, M. E. M. C. Levantamento fitogeográfico preliminar no parque do Cinquentenário em Maringá- PR. GEOGRAFIA Revista do Departamento de Geociências v. 14, n. 1, jan./jun. 2005. Disponível em: <http://www.geo.uel.br/revista>. ISSN 0102-3888.

RAMOS, V.S.; DURIGAN, G.; FRANCO, G. A. D. C.; SIQUEIRA, M. F. de; RODRIGUES, R. R. Árvores da Floresta Estacional Semidecidual – guia de identificação de espécies. São Paulo: Edusp/Biota-Fapesp, 2008. 320p.

TROPPMAIR, H. Biogeografia e meio ambiente. Rio Claro, São Paulo. 5 ed. 2002.

Área de Preservação Permanente (APP). Disponível em: http://www.ibram.df.gov.br/sites/400/406/00002065.pdf. Acesso em: 05 ago.2012.

Page 269: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 269

ALFABETIZAÇÃO EM GEOGRAFIA: LEITURA DO MUNDO NOS ANOS INICIAIS

DO ENSINO FUNDAMENTAL

Luzia Mitiko Saito Tomita1

Jeani Delgado Paschoal Moura2

Márcio Miguel de Aguiar 3

Patrícia Paula Fernandes Shinobu4

Introdução

Este artigo surgiu da inquietação e reflexão diante das dificuldades encontradas em todos os níveis de ensino de Geografia, principalmente nos anos iniciais do ensino fundamental. A Geografia, no seu percurso, sempre foi desvalorizada e encarada como uma disciplina com pouca atratividade, predominando em sua atividade a descrição, a enumeração e a memorização de fatos e dados, dando a conotação, para alguns, de algo sem utilidade. Por essa razão, objetiva-se refletir sobre as bases epistemológicas da produção da Geografia e dos encaminhamentos teórico-metodológicos que norteiam o procedimento das práticas e atividades de seu ensino, valorizando o papel de alfabetização, também em Geografia, nos anos iniciais.

O ensino de Geografia nos Anos Iniciais

No mundo escolar, no processo da aprendizagem do ensino de Geografia nos anos iniciais, ainda predomina a atividade realizada pela exposição de saberes fragmentados que dificultam a integração dos conteúdos curriculares e a sua contextualização. Há de considerar que, culturalmente, sempre houve uma preocupação maior com a alfabetização das disciplinas de Português e de Matemática em detrimento das disciplinas oriundas das Ciências Sociais e da Natureza. Vlach (2004) ressalta que o ensino de Geografia não integrava diretamente os conteúdos das escolas de primeiras letras. Straforini (2002) comenta que a Geografia, via de regra, é considerada irrelevante no contexto da sala de aula. Acrescenta que essa problemática decorre da falta de discussões teóricas, metodológicas e epistemológicas, bem como do grande problema na formação dos professores dos anos inicias, que assumem as suas dificuldades perante a discussão teórica das referidas disciplinas.

Essa versão corrobora o comentário que aflora acerca das dificuldades do ensino de Geografia. Entretanto, em estudo de vários autores e de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais/PCNs (BRASIL, 1997), evidencia-se a importância dos conhecimentos básicos de Geografia para a vida em sociedade, em vista de que esta proporciona o desenvolvimento para a

1 Doutora em Ensino de Geografia pela USP, professora adjunta do Departamento de Geociências e membro da FOPE/Prodocência/ UEL Contato: [email protected] Doutora em Ensino de Geografia pela UNESP/Presidente Prudente, professora adjunta do Departamento de Geociências e colaboradora do Prodocência/UEL ([email protected])3 Mestrando em Geografia pela UEL, professor do Departamento de Geociências e colaborador do Prodocência/UEL ([email protected])4 Doutoranda em Geografia pela UEM, professora assistente do Departamento de Geociências e colaboradora do Prodocência/UEL ([email protected])

Page 270: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores270

cidadania. Cabe, então, ao professor efetivar o estudo que possa dar significado à vida, fazendo uso do conhecimento acumulado para produzir e transformar o seu meio. Nesse empenho, não há respostas prontas para aplicar no ensino condizente ao mundo atual. Por isso, o professor deve colocar em seu caminho a flexibilidade e vinculá-la à capacitação e atualização em caráter permanente.

Nos anos iniciais de ensino, recomenda-se o estudo do espaço imediato, concreto e visível como ponto de partida, para as crianças compreenderem que o lugar onde moram ultrapassa suas explicações egocêntricas, estabelecendo relações com outras escalas e tempos. Por isso, ao trabalhar com os referenciais do tempo e espaço, cabe ao professor o cuidado para não separar o homem da natureza. Os temas que abordam a problemática advinda da vivência da realidade dos alunos são importantes fontes para dar um sentido e significado para a vida.

Straforini (2004), entre outros, expõe a necessidade de abordar a realidade como o ponto de conexão de conceitos locais, globais, próximos e longínquos, considerando o tempo nas suas abordagens contínuas e simultâneas, de forma contextualizada. Considera-se que a escola é o espaço para valer-se da vontade de aprender dos alunos e estimular a formação das crianças para atuarem em várias áreas com enfoques diferenciados e constantes.

Nesse sentido, é fundamental somar os resultados da caminhada de saberes construídos na família e de experiências vividas pelos alunos neste mundo de contradições. No entanto, é importante reconhecer que esses conhecimentos prévios dos alunos são carregados de senso comum (BACHELARD, 1972). O papel da escola é o de ultrapassar esse senso comum e alcançar o científico, por meio de procedimento para que ocorra a aprendizagem em qualquer nível de ensino com resultado significativo.

Vale ressaltar que o avanço dos meios de comunicação e informação provocou mudanças nos alunos. Assim, cabe ao professor realizar o trabalho de múltiplas relações do seu espaço imediato concreto com o mundo distante, respeitando não só a faixa etária ou a fase escolar, mas a realidade particular do aluno.

Nesse contexto, a Geografia é a disciplina que permite decodificar a realidade sob o olhar espacial. O papel fundamental da Geografia é trabalhar referências, utilizando-se das informações da própria realidade, considerando o espaço vivenciado e visível para produzir, então, o seu próprio conhecimento.

Reflexão acerca da alfabetização em Geografia

O ensino de Geografia nos anos iniciais do Ensino Fundamental cumpre o seu papel na perspectiva da leitura do mundo e da formação da cidadania. Partindo deste objetivo, alguns estudiosos consideram a iniciação da leitura do espaço como alfabetização em Geografia. Considera-se que, na alfabetização e no letramento das crianças, construir um raciocínio geográfico é tão importante quanto saber ler e calcular, por isso este deve fazer parte da alfabetização no ambiente escolar.

Kramer e Abramovay (1985) partem do princípio de que a alfabetização vai além de ensinar leitura e escrita ou mesmo de decifrar códigos linguísticos. Entende-se a alfabetização como um processo contínuo de construção/decodificação e significação de símbolos e não se “restringe à aplicação de rituais repetitivos de escritas, leituras e cálculos, mas começa no

Page 271: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 271

momento da própria expressão, quando as crianças falam da sua realidade e identificam os objetos que estão ao seu redor [...]” (KRAMER; ABRAMOVAY, 1985, p. 104).

Essa concepção permite pensar no ensino da Geografia como uma disciplina que, em sua ação educativa, apropria-se de uma linguagem específica, sendo, por isso, passível de ser encarada como um processo de alfabetização. Assim, vários autores, entre eles, Almeida e Passini (1991), Pereira (2003), Callai (2001, 2005), Cavalcanti (2007) Simielli (1993), Castellar (2000, 2005), Straforini (2002, 2004), chamam a atenção para a importância e a necessidade de alfabetizar em Geografia.

Essa visão é reforçada por Almeida e Passini (1991), Simielli (1993) e Lesann (2009), que colocam em prática a alfabetização cartográfica como parte integrante do processo de ensino-aprendizagem em Geografia para os anos iniciais, que, ao participar da leitura e elaboração de mapas, contribui para melhor interpretar o espaço. As suas propostas de encaminhamentos metodológicos têm sido amplamente utilizadas nas escolas, nos anos iniciais, visando à compreensão dos processos de produção e interpretação das representações gráficas e de mapas para a leitura do mundo. Em suas propostas, contemplam a leitura e compreensão do espaço imediato da realidade das crianças para, gradativamente, inserir os conceitos necessários para a construção da imagem e da escrita. Assim, utilizam-se conceitos específicos, como: lateralidade, orientação, estruturação, legenda, noção de proporção e escala. Os elementos utilizados são: ponto, linha, área e visão oblíqua e bidimensional.

Essa proposta evidencia que não se trata apenas de ensinar os conteúdos de Geografia, passando informações, mas de colocar os alunos em condição de desenvolver conceitos que deverão ser frutos de conhecimentos e experiências acumulados na vida. Assim, pode-se dizer que o aluno deve ser alfabetizado, seja em Geografia ou qualquer outra área de conhecimento, para ler o mundo e não apenas palavras.

Ressalte-se que, para a criança aprender a ler em Geografia, o professor precisa criar condições para que ela leia o espaço utilizando-se de meios práticos, concretos e visíveis que auxiliem nas tarefas de letramento geográfico. Callai (2005) argumenta que o aluno aprende a ler o mundo ao conseguir identificar as paisagens e os fenômenos, com capacidade de atribuir sentido ao que está escrito. Isso significa que alfabetizar em Geografia é ir além do domínio das técnicas de ler e escrever.

Tendo em vista que trabalhar com os conceitos geográficos nos anos iniciais não é uma tarefa fácil, existem inúmeras publicações que apontam sugestões de práticas e atividades que auxiliam no procedimento de trabalho. Porém, é necessário adequar à peculiaridade específica de cada realidade da escola, da classe, dos recursos disponíveis e, principalmente, dos alunos.

É importante inserir o aluno no processo e colocá-lo como ponto de referência: quem sou? Onde estou? Por onde ando? O que vejo? tomando por base o que está mais próximo e comum à maioria dos alunos. A partir desse rol de indagações provocativas, torna-se possível desenvolver os conteúdos programáticos de Geografia, a exemplo da localização, da observação da paisagem e dos elementos físicos e humanos, colocando o aluno como principal referência. É importante incorporar atividades lúdicas, caminhadas, dramatizações, teatros, músicas, desenhos, histórias infantis, entre outras formas para desenvolver noções espaciais que possibilitem o acesso da criança ao processo de alfabetização para aprender a ler e a escrever o mundo da vida. Essa visão é reforçada por Freire e Macedo (1980), ao afirmarem que ser alfabetizado é tornar-se capaz de usar a leitura e a escrita como um meio de tomar consciência da realidade para transformá-la.

Page 272: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores272

O maior desafio é buscar soluções para os problemas enfrentados na educação, na sala de aula. Portanto, a proposta é refletir conjuntamente os conflitos e desafios, que são a essência do fazer pedagógico, como a atitude de ler, escrever, discutir e debater nas aulas com os alunos; tais atitudes extrapolam as fronteiras de qualquer disciplina. Assim, o professor de Geografia, enquanto mediador do conhecimento, precisa se ater às seguintes questões: o que ensinar em Geografia e como fazê-lo? Por que, para que e para quem ensinar o que se ensina?

Na sala de aula, desde os primeiros anos, as crianças participam de atividades que mobilizam um referencial de localização e orientação centrado nelas mesmas (na frente-atrás; esquerda-direita; em cima-embaixo), mas que podem ser transferidos para outras pessoas, animais ou objetos. Esses referenciais são fundamentais, mesmo com a apropriação de sistemas de orientação mais complexos, pois ocorrem, na verdade, um associado ao outro e combinado com ele.

As atividades mais simples são aquelas de observação do Sol pela manhã, ao meio-dia e no fim da tarde, por vários dias consecutivos, desenhando as paisagens ao nascer e ao pôr do sol. É oportunidade para tratar a noção sobre a lateralidade, expondo e comentando a direção do movimento aparente do sol, estendendo o braço direito para a nascente (leste) e o braço esquerdo para o poente (oeste) para ter à sua frente o norte e atrás o sul. A atividade pode ser enriquecida ao solicitar a representação de sala de aula, da sala de sua casa, quarto ou cozinha, o trajeto da casa-escola, o pátio, inserindo os primeiros quesitos da representação gráfica. A simples atividade, quando conduzida para a leitura e compreensão do espaço, leva à alfabetização em Geografia.

Dessa forma, pode-se destacar a importância da Geografia, conforme afirma Pereira (2003, p. 20), “o papel fundamental da Geografia no ensino básico é o de proporcionar aos alunos os códigos que os permitem decifrar a realidade por meio da espacialidade dos fenômenos, ou seja, alfabetizar geograficamente”. Para Vlach (2004), a alfabetização em Geografia é importante para a compreensão do mundo e, por conseguinte, para uma leitura que propicie aos alunos desenvolver mecanismos para compreender a sua realidade. Kaecher (2003) acredita que é necessário alfabetizar o aluno para que ele não se aproprie somente do vocabulário específico desta área de conhecimento, mas, sobretudo, se capacite para a leitura-entendimento do espaço geográfico próximo ou distante. Callai (2005) comenta que para alfabetizar-se em Geografia deve romper com o isolamento disciplinar e com os círculos concêntricos5. Acrescenta ainda, a oportunidade da prática da cidadania e ressalta a importância do ensino de Geografia nas séries iniciais para o processo da aprendizagem da leitura e da escrita.

De acordo com Vygotsky (1993), a sala de aula deve ser o espaço de interação, no qual aluno e professor aprendem em contato com suas experiências e vivências. Na educação básica, os conteúdos são estruturados a partir da casa e, progressivamente, a rua, a escola, o bairro, o município, o Estado e o País, colocando o aluno em outras esferas, como os seus passeios com a família, contato com as pessoas distantes, as viagens realizadas e, sobretudo, o acesso às informações por meio impresso e eletrônico, que descortinam uma série de contatos de outros lugares e culturas.

5 A proposta dos círculos concêntricos (estudo da casa, escola, bairro, município, estado, país, mundo, os quais estão presentes até hoje em muitas escolas) foi criada na Reforma Capanema, na década de 1940, representando um avanço já que se abandonava a perspectiva de estudar todas as coisas do mundo. Porém, não alterou substancialmente o ensino da Geografia, pois o que mudou no estudo foram os lugares de referência e não os temas; passou-se a estudar o relevo de perto, o clima, a população, partindo-se do estudo de círculos que se fecham sucessivamente em si, não se fazia as devidas relações entre eles (BRAGA, 1996 apud MOURA, 2010).

Page 273: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 273

Nessa trajetória, é imprescindível diversificar as formas de trabalhar buscando reforço em cartografia, saída ao campo, uso de laboratórios e demais atividades bem planejadas, para que possam contribuir como prática pedagógica para a alfabetização em Geografia e ampliação dos conhecimentos geradores de cidadania.

considerações

A reflexão discorrida acerca do ensino de Geografia nos anos iniciais evidencia a importância de o professor trabalhar com conhecimento prévio acumulado significativamente, servindo de intermediador desse saber do aluno com o saber científico. Logo, significa que o professor, além de contar com base teórica, precisa aprender a ensinar, principalmente saber selecionar o conteúdo dos anos iniciais. Para tanto, deve-se atentar e recorrer às mais variadas técnicas e recursos didáticos disponíveis para realizar o ensino de Geografia, colocando em evidência o procedimento de alfabetização para a leitura do mundo.

Com essas reflexões em relação à alfabetização em Geografia espera-se que haja abertura para a busca de uma nova concepção que permita não apenas alfabetizar as crianças nas séries iniciais, mas, também, repensar as práticas pedagógicas do ensino de Geografia em todas as séries do ensino fundamental e médio.

Referências

ALMEIDA, Rosangela Doin de; PASSINI, Elza Y. O espaço geográfico: ensino e representação. 3ed. São Paulo: Contexto, 1991.

BACHELARD, Gaston. Conhecimento comum e conhecimento científico. Tempo brasileiro, Rio de Janeiro, n. 28, p.27- 46, jan./mar. 1972.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Primeiro Ciclo: Geografia. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CALLAI, Helena C. Aprendendo a ler o mundo: a Geografia nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Caderno Cedes. Campinas, vol.25, n.66, p.227-247, maio/ago.2005.

_____. A geografia e a escola: muda a escola? Muda o ensino? Terra Livre. n.16. São Paulo. Jan/jul. 2001.

CASTELLAR, Sonia M.V. A alfabetização em Geografia. Espaço da Escola. Ijuí. V.10, n.37, p.29046, jul/set, 2000

_____. Educação geográfica: teorias e práticas. São Paulo: Contexto, 2005.

CAVALCANTI, Lana de S. Geografia e Práticas de Ensino. Goiânia: Alternativa, 2007.

Page 274: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores274

FREIRE, P.; MACEDO D. Alfabetização leitura do mundo, leitura da palavra. São Paulo: Paz e Terra, 1980.

KAERCHER, N.A. Desafios e utopias no ensino de Geografia. In: CASTROGIOVANNI, A. Carlos (org). Geografia em sala de aula – práticas e reflexões. Porto Alegre: UFRGS / AGB, 2003, p.173-188.

KRAMER, Sonia; AMBROMOVAY, Mirian. Alfabetização na pré-escola: exigência ou necessidade. Caderno de Pesquisa, São Paulo, n.52, p.103-107, fev.1985.

LESANN, Janine. Geografia no Ensino Fundamental I. Belo Horizonte, MG:Argvmentvm, 2009.

MOURA, Jeani Delgado Paschoal. O Professor de Geografia na Contemporaneidade: Complexidade, Pluralismo e Desafios para a sua Formação. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Estadual Paulista. Campus de Presidente Prudente. Presidente Prudente, São Paulo, 2010.

PEREIRA, D. Paisagens, lugares e espaços: a Geografia no ensino básico. Boletim Paulista de Geografia, São Paulo, n.79, p.9-21, jul. 2003.

SIMIELLI, Maria E. Ramos. Coleção primeiro mapas: como entender e construir. 4 vol. São Paulo: Ática, 1993.

STRAFORINI, Rafael. A totalidade nas 1as. Séries do Ensino Fundamental: um desafio a ser enfrentado. Terra Livre, São Paulo, v.1 n.18, p.95-114, jan./jul. 2002.

_____. Ensinar Geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries iniciais. São Paulo: Annablume, 2004.

VLACH, Vânia R.F. O ensino de Geografia no Brasil: uma perspectiva. In: VESENTINI, J.Willian (org). O ensino de Geografia no século XXI. Campinas: Papirus, 2004.

VYGOTSKY, Levi S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

Page 275: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 275

REFLEXÕES SOBRE QUALIDADE DE VIDA E CIDADANIA MEDIADAS PELA OBSERVAÇÃO DA PAISAGEM1

Diego Pianovski2

Daniel Chamlet3

Jeani Delgado Paschoal Moura4

Introdução

Em meio às discussões sobre o ideologicamente manipulável, conceito de desenvolvimento sustentável surgem diferentes discursos e propostas para a efetivação de uma sociedade equilibrada e menos predadora dos recursos do planeta. Destacamos, por hora, um discurso com duas faces. Argumenta-se que certos grupos humanos considerados fora dos padrões de consumo “digno” devem absorver mais recursos com vistas à obtenção da qualidade de vida; em contrapartida, advoga-se para a necessidade do chamado consumo consciente no qual as pessoas, com maior poder aquisitivo, utilizem-se apenas daquilo que é necessário. Tal visão, embora tenha seu valor, peca por associar diretamente qualidade de vida com padrões materiais de consumo, ou seja, adequa-se, perfeitamente, aos ditames do capital. Enfim, será que consumo e qualidade de vida são estritamente correlatos? Há um padrão de consumo que deve ser considerado como sinônimo de qualidade de vida? Qualidade de vida é um conceito fechado, independente do tempo e do espaço? As populações que consomem poucos recursos não contribuem para os problemas ambientais? Como podemos preservar os recursos do planeta? Como fazer com que os agentes sociais tomem consciência da importância de seu papel para os rumos do presente e do futuro?

Em busca de respostas a essas perguntas, é fundamental considerar a trama de relações que envolvem a realidade e os possíveis desdobramentos das respostas e conceitos construídos. Em suma, devem-se inserir as discussões na perspectiva do pensamento complexo (MORIN, 2011). De posse desses resultados é possível passar à ação, de modo a contribuir na construção dos rumos da humanidade com o objetivo de extrapolar a simples democracia (representativa - como se costuma praticar hoje) e a crença da gestão tecnocrática e científica, implantando uma visão mais humana, inclusive nas grandes decisões do mundo atual (PENTEADO, 2010). A Geografia, ciência que tem a possibilidade de contribuir na discussão das relações entre sociedade e natureza, pode fomentar esse debate e auxiliar na busca de soluções viáveis e construções intelectuais que auxiliem na tomada de consciência. Nesta ótica, o presente artigo reflete sobre o conceito de qualidade de vida associado ao de cidadania por meio do estudo da paisagem em diferentes escalas geográficas – global, regional e local – estabelecendo relações entre o espaço vivido e os processos gerais, para subsidiar a ação cidadã dos indivíduos e do grupo social enquanto unidade política.1 Este artigo é fruto da oficina pedagógica ministrada na V Jornada de Sociologia e de Filosofia, promovida pelo Departamento de Ciências Sociais/Projeto Prodocência/UEL em parceria com o Colégio Estadual Prof. Francisco Villanueva, em Rolândia/PR.2 Graduado em Geografia pela UEL, professor do Curso Especial Pré-vestibular da UEL. Contato: [email protected] Graduado em Geografia pela UEL, técnico agrícola no IAPAR. Contato: [email protected] Doutora em Ensino de Geografia pela UNESP/Presidente Prudente, professora adjunta do Departamento de Geociências, coordenadora do PIBID/Geografia e colaboradora do Prodocência/UEL. Contato: [email protected]

Page 276: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores276

Fundamentação teórica

Com a emergência do capitalismo ascende uma nova classe dominante, a burguesia, que não deixou de lado as mordomias, o consumo e a ostentação da nobreza medieval (LUIZ, 2005). O novo sistema socioeconômico se reproduz por meio da extração de mais-valia, a qual se efetiva no momento em que o comprador final adquire o produto e o consome. Em outras palavras, o consumo é fundamental para que o capital se perpetue e que o ciclo do capital se complete, ou seja, quanto maior o consumo maior remuneração terá o capital.

Conforme Luiz (2005), a associação entre consumismo e capitalismo é muito frequente, pois com a ascensão do sistema capitalista de produção, a cultura (ou ideologia) do consumo começa a controlar a sociedade e a inverter os valores sociais vigentes, focando a importância dos homens segundo suas posses e seu capital, relegando ao segundo plano o papel do ser.

Ao suplantar em importância o valor de uso, a mercadoria, como valor de troca, torna-se um fetiche. Posteriormente, emerge uma produção cultural voltada para incentivar o indivíduo ao consumo. Finalmente, a cultura de massa aparece em meados do século XX e reorganiza a vida, mostrando que não é mais necessário que os produtos criados sejam compatíveis com os gostos das pessoas, pois o desejo pelos produtos passa a ser criado através de estratégias de marketing e propaganda.

Ortigoza (1997), afirma que no Brasil acontecem diversas pesquisas para apontar como o comércio urbano brasileiro vem se apresentando no tempo e no espaço, bem como suas tendências e possibilidades. Além disso, as empresas contratam profissionais de marketing e propaganda que, por meio de ações pensadas, são capazes de introduzir novos hábitos de consumo no indivíduo, fazendo o mesmo sonhar, imaginar e agir concretamente, sem perceber a conquista programada com sutileza, entendendo-a como se fosse um processo natural, uma escolha livre e pessoal.

Esse incremento exponencial do consumo gera, simultaneamente, crescimento proporcional de resíduos. Mucelin e Bellini (2008) lembram que o lixo pode provocar impactos ambientais negativos se os resíduos sólidos tiverem uma destinação inadequada, como, por exemplo, dejetos despejados em fundos de vale, às margens de ruas ou cursos d’água. Essa maneira inadequada de descartar o lixo pode provocar contaminação de corpos d’água, assoreamento, enchentes, proliferação de vetores transmissores de doenças, tais como cães, gatos, ratos, baratas, moscas, vermes, entre outros, além da poluição visual, mau cheiro e contaminação do ambiente. Entretanto, a maior parte dos resíduos produzidos pela sociedade contemporânea não são oriundos do consumo final dos produtos, mas derivam da produção e logística.

Em muitos casos, o citadino não consegue perceber os efeitos dessa realidade em seu cotidiano. Segundo Mucelin e Bellini (2008, p. 114) [...] “as atividades cotidianas condicionam o morador urbano a observar determinados fragmentos do ambiente e não perceber situações com graves impactos ambientais condenáveis”, talvez pela constância com que a visualizam e vivenciam o lugar durante o processo de degeneração (que pode ser longo). De qualquer forma, em nossos dias, não podemos deixar de considerar que a grande atividade produtiva e o consumismo, combinados com o recente processo de globalização apresentam novas variáveis complexas para a temática ambiental, sendo necessário refletir e repensar as bases sobre as quais o pensamento se assenta.

Page 277: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 277

Nesse contexto de globalização e de expansão dos problemas ambientais, novas soluções podem emergir por meio de relações respeitosas entre diferentes culturas, visões de mundo, posicionamentos teóricos, bem dos problemas de respostas às mazelas que atingem a humanidade (MORIN, 2011). Em outras palavras, nossa época é fermento para uma tomada de consciência ambiental e de uma cidadania efetiva, integradas.

Ribeiro (2005) afirma que é possível associar o ambientalismo em suas diversas matrizes com a luta pela cidadania, porque ao proporem a manutenção das condições naturais, seja preservando-as, seja conservando-as, os ambientalistas colaboram, junto com outros segmentos sociais, para construir um mundo mais equilibrado na apropriação dos recursos naturais. Um mundo com mais qualidade de vida e que possa ser experimentado também pelas gerações futuras – algo que alguns autores preferem denominar de cidadania ambiental.

A conceituação de qualidade de vida, ainda é objeto de discussões, sendo um termo polissêmico que abarca desde formulações objetivas e matemáticas até formulações subjetivas e antropológicas, o que dificulta uma operacionalização prática que não se curve às ideologias hegemônicas. Alguns organismos oficiais procuram quantificar a qualidade de vida por meio de Renda Per Capita, Produto Interno Bruto (PIB) per Capita, Índice de Desenvolvimento Humano entre outros. Tais objetivações numéricas não levam em consideração os diferentes grupos humanos e as diferentes culturas inseridas dentro das diferentes unidades territoriais (RIBEIRO, 2005).

Como aponta Morin (2011) é preciso repensar as bases da sociedade contemporânea, ou seja, transformar as estruturas de entendimento do mundo. Neste sentido, o entendimento da qualidade de vida deve considerar a diversidade cultural dos grupos humanos e valores interiorizados. Assim, em primeiro lugar, é necessário investigar os grupos humanos, reconhecer os indicadores de qualidade aceitos pela maioria. Em seguida, reconhecer as razões que levaram à elaboração de tal conceito e, por último, analisar a população para conhecer quais conseguem manter-se e reproduzirem-se de acordo com os moldes de qualidade de vida imperante para, só depois, tirar conclusões (RIBEIRO, 2005). Esvaziar-se da perspectiva capitalista de qualidade de vida e construí-la a partir da escala do lugar é uma ferramenta indispensável para o verdadeiro desenvolvimento, ou seja, aquele não pautado apenas em índices econômicos, mas que considera os grupos humanos em suas particularidades e as pessoas em suas individualidades (MORIN, 2011), extrapolando a relação direta entre consumo e qualidade de vida.

Para raciocinar, cada ciência faz uso de determinadas categorias, conceitos e raciocínios. Para a Geografia, paisagem é uma categoria fundamental de análise: “tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança, é a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons etc.” (SANTOS, 1991, p. 61). Além dos fatores socioculturais, como afirma Tuan (1983), na percepção ambiental da paisagem pelo sujeito estão intrínsecos os laços entre o meio ambiente e a visão de mundo do homem. A percepção ambiental é individual, e no processo de interação há uma variedade de elementos envolvidos. Como qualidade de vida, a paisagem tem aspectos objetivos e subjetivos, podendo servir de base para debates que construam um entendimento da realidade em diferentes escalas e que colabore na implantação de uma cidadania completa, bem como de um conceito próprio de qualidade de vida que considere o local e o global.

Page 278: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores278

em busca da articulação entre teoria e prática: uma experiência no ensino regular

As reflexões teóricas aqui apresentadas foram inseridas em uma oficina ministrada aos alunos do Curso Técnico em Segurança do Trabalho, nível médio, no município de Rolândia/PR. O objetivo pedagógico desta oficina foi discutir os conceitos de qualidade de vida e cidadania, inserindo-os em uma abordagem geográfica com base nas categorias paisagem e lugar, contextualizando a análise com a realidade vivida pelos participantes. Como metodologia, realizamos uma exposição oral dos conceitos-chave que fundamentaram a proposta de trabalho, intercalando com discussões e um trabalho de campo no entorno da escola, com a finalidade de levantar as impressões e percepções dos alunos sobre o seu espaço de vivência.

Buscamos inserir a questão ambiental no contexto estrutural do sistema capitalista sem desconsiderar a escala do lugar que é aquela que sofre diretamente os impactos de ações sociais emanadas do grupo ali residente (as horizontalidades de Milton Santos). Em seguida, inserimos uma visão crítica do conceito de qualidade de vida que extrapola a visão consumista e abre caminho para discutir a finalidade da existência individual e de nosso papel enquanto sociedade, considerando a perpetuação da vida no planeta. Somado ao conceito de cidadania, conclui-se (os alunos concluíram) que a qualidade de vida deva ser alicerçada no consumo consciente e apoiada nas necessidades verdadeiras e não criadas pelas grandes corporações e agências de marketing e propaganda.

Em seguida, aprofundamos a cidadania enquanto conjunto de deveres e direitos que devem ser praticados pelo indivíduo para se tornar efetivamente cidadão, deixando claro que esses direitos e deveres são políticos e históricos, ou seja, necessitam ser aperfeiçoados e modificados de acordo com o momento histórico (PENTEADO, 2010). Ainda na primeira parte, abordamos os conceitos de paisagem e lugar, apresentando noções gerais para que os alunos percebessem a importância destes na construção de uma interpretação da realidade.

Na sequência, por meio de um trabalho de campo no entorno da escola, os alunos foram desafiados a observarem a paisagem conhecida de forma mais atenta, fotografando e fazendo anotações relativas aos problemas ambientais e de infraestrutura urbana.

Por fim, retornamos à sala para uma discussão sobre as informações coletadas, os problemas, suas causas, consequências e as soluções, focando a relação entre o que foi percebido e o exercício da cidadania.

De forma geral, a atividade foi proveitosa, pois o seu desenrolar se deu por meio do diálogo e da troca de conhecimentos e informações conectadas com a realidade dos alunos. Acreditamos que essa alternativa de ensino fugiu do padrão reprodutivista/conteudista imperante no ensino brasileiro e abriu espaço para que os alunos pudessem construir seu conhecimento de forma crítica e consciente.

considerações finais

Qualidade de vida e cidadania são temáticas importantíssimas em todos os níveis educacionais e são termos que necessitam constantemente de redefinição. A emergência da crise ambiental e dos impactos da globalização complexificam ainda mais a questão e reforçam a necessidade da busca de novos rumos para a humanidade. Neste sentido, a oficina cumpriu

Page 279: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 279

com o seu papel social na medida em que contribuiu para a reconstrução da unidade do saber e da prática social. O trabalho privilegiou a contextualização ajudando os alunos a pensarem o mundo em sua totalidade, perpassando pela perspectiva micro, da vida cotidiana, e atingindo níveis mais complexos de análise ao confrontarem o plano micro com o macro, do local ao global e do individual ao social.

Na dialogia e no trabalho coletivo, observamos que os alunos mostraram interesse e preocupação em colocar em prática o aprendido, porém, acomodam-se ao sedimentarem um pensamento negativo de que a mudança é quase uma utopia. Este trabalho pedagógico foi significativo por abrir espaço para o confronto de ideias e mostrar as possibilidades que a educação oferece para a formação do cidadão para (inter) agir e participar na/da construção do espaço e, por fazer compreender que os desdobramentos e efeitos de uma educação crítica se dão em longo prazo.

Referências

LUIZ, Lindomar Teixeira. A ideologia do consumo. Colloquium Humanarum, v. 3, n.2, p. 39-44, dez. 2005.

MORIN, Edgard. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya..2. ed. São Paulo: Cortez/ Brasília, 2011.

MUCELIN, Carlos Alberto. BELLINI, Marta. Lixo e Impactos Ambientais Perceptíveis no Ecossistema Urbano. Sociedade & Natureza, Uberlândia, 20 (1): p. 111-124, jun. 2008.

ORTIGOZA, Silvia Aparecida Guarnieri. O fast food e a mundialização do gosto. Revista Cadernos de Debate, uma publicação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da UNICAMP, v. 5, p. 21-45, 1997.

PENTEADO, Heloísa Dupas. Meio ambiente e formação de professores. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2010.

RIBEIRO, Wagner Costa. Em busca de qualidade de vida. In: História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2005. p. 545-561.

SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: HUCITEC, 1991.

TUAN, Yi-fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983.

Page 280: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores280

LITERATURA E ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA: PONTO DE PARTIDA, MEIO E FIM

Arelis Felipe Ortigoza1

Marília Israel Rocha2

Introdução

O presente trabalho trata de relatar uma abordagem diferenciada do texto literário em sala de aula no ano de 2009 com alunos da terceira série do ensino médio na cidade de Londrina. Os alunos tiveram a oportunidade de estudar a Literatura na aula de língua espanhola (E/LE) por meio de um conto de Julio Cortázar. A oportunidade de desenvolver esse trabalho se deu devido à metodologia do colégio em questão, pois o projeto pedagógico não apenas favorece, mas demanda o trabalho interdisciplinar.Desse modo, foi possível trabalhar de maneira diferenciada com o texto literário relacionando outras disciplinas, estudando a Literatura como manifestação artística e usando o texto literário como ponto de partida para diferentes atividades, o que teve uma resposta positiva dos alunos e motivou esta pesquisa.

Destacam-se, ao longo deste trabalho, alguns aspectos relevantes sobre uso do texto literário em sala de aula de língua espanhola por meio de uma metodologia diferenciada que prevê a interdisciplinaridade, a autonomia dos aprendizes para construir seu conhecimento e tem o aluno como centro do processo de ensino e aprendizagem. A relação da literatura com o meio em que os alunos estão inseridos fez que eles começassem a entender que Literatura não é apenas uma disciplina da grade curricular do colégio e despertou o interesse da maioria deles por esta forma de expressão artística.

As descobertas dos alunos (e também da pesquisadora) a cada atividade e discussão ao longo do bimestre, levaram à elaboração desta pesquisa, que foi realizada por meio de um estudo de caso, com a aplicação de um questionário com respostas abertas e fechadas que veio a confirmar as impressões dos alunos acerca do texto literário.

Literatura e sala de aula

Os livros didáticos normalmente apresentam textos literários e propõem atividades a partir deles, estas podem não avaliar sua qualidade artística, atribuindo-lhes uma função prática vinculada ao ensino de gramática e a estruturas linguísticas. Diante disso, o texto literário passa a integrar o livro didático como quaisquer outros textos sem que sejam consideradas suas particularidades e finalidades: “Quando passamos o estilo de um gênero para outro, não nos limitamos a modificara ressonância deste estilo graças à sua inserção num gênero que não lhe é próprio,destruímos e renovamos o próprio gênero” (BAKHTIN, 2000, p. 286 apud FRITZEN; SILVA, 2011).

Muitas vezes, sob a justificativa de introduzir a Literatura na aula por meio do livro didático, o que acaba ocorrendo na verdade é a busca de uma “utilidade” para o texto literário.

1 Professora Mestre da Universidade estadual de Londrina. Contato: [email protected] Professora Especialista do Colégios SESI - Londrina. Contato: [email protected]

Page 281: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 281

Com isso, dissemina-se uma visão paradidática, ou seja, a didatização do texto literário e cria-se o que Ramos e Aguiar (2007) chamam de “criatura-leitor didatizada”:

A criatura-leitor didatizada é totalmente diferente. Não tem direito de escolha, é cobrado pela leitura, e sua leitura não é pessoal, mas tem de se orientar para responder a provas etc... – é uma leitura padronizada, ou gabaritada (submetida a gabarito). Uma leitura que a priori deve entender o que se acha que há para ser entendido, nem diferente, nem menos, nem mais, naquela obra em particular e na Literatura como um todo. Não há desafios nem recriações. Não há apropriação da obra pelo leitor.

A não apropriação da obra pelo leitor faz parte de um sistema no qual a leitura não é pessoal e sim direcionada. Trata-se de uma leitura orientada para resolução de exercícios (normalmente de livros didáticos) ou provas. Essa leitura tem já preestabelecidas as respostas a esses exercícios, torna a leitura um ato mecânico, isentando o estudante de explorar o texto, recriar, imaginar ou ter uma opinião formada a partir de uma reflexão mais profunda.Infelizmente isso não ocorre com a frequência que deveria pelas mais diversas razões, como por exemplo, o cronograma a se cumprir, obras de leitura obrigatória para vestibulares ou a dispersão dos alunos durante a aula, já que, normalmente, o hábito da leitura na sala de aula é escasso.

Se pensarmos que a Literatura é fundamental para continuidade do registro da língua de uma determinada comunidade de falantes e não deve dissociar-se desta. Então, como ensinar a língua sem que se passe pelos aspectos culturais tão presentes dentro do texto literário? Ou ainda, como ensina uma língua estrangeira diante desse cenário nas escolas brasileiras em que a literatura é uma disciplina que estuda aspectos históricos muitas vezes de maneira descontextualiza?

Trabalhar o texto literário em sala de aula é ao mesmo tempo um desafio e uma oportunidade de mostrar aos estudantes que a aula de língua estrangeira não se limita ao ensino das quatro habilidades linguísticas - compreensão oral e escrita e produção oral e escrita -, tampouco a aula de literatura se parece a uma aula de história da literatura na qual se estudam as escolas literárias por períodos e determinados autores e obras.

O fenômeno de didatizar a literatura é predominante em grande partedos estabelecimentos de ensino. O uso de um poema, ou fragmento de obra para ilustrar determinada regra gramatical é comum em livros didáticos não apenas de língua estrangeira, mas também nos de gramática de língua portuguesa e nas chamadas apostilas de colégios e cursos direcionados para o vestibular. Segundo Lajolo (1985, p. 54):

Tudo o que chega à escola via livro didático – da data do descobrimento à dimensão paródica das obras de Oswald de Andrade – parece tornar-se inquestionável. Transforma-se em uma verdade absoluta e duvidar dela ou discuti-la costuma em muitos casos, refletir negativamente na avaliação do aluno. Ao endossar tais verdades, assumir-se como guardião delas, o professor corre o risco de contribuir para a alienação do processo educativo. E ao fazer do texto pretexto de qualquer forma do seu dogmatismo, está desfigurando o texto.

A presença de textos literários nas salas de aula de língua estrangeira não pode estar limitada a uma utilização prática, a um fim específico, como, por exemplo, responder uma lista

Page 282: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores282

de perguntas que busque conhecer a linearidade de uma história. Usando o texto como pretexto, a face artística é deixada em segundo plano. Parece que o fato de o texto literário não ter sido escrito para fins didáticos é ignorado, em função dele também possuir riqueza linguística.

Deve-se partir do conceito de Literatura como manifestação artística e levar os alunos a desenvolver este conceito, torná-los leitores, entendendo a relação texto-leitor não como um processo passivo que, de acordo com Silva (1986, p. 25): “Longe disso, por exigir descoberta e recriação, a leitura coloca-se como produção e sempre supõe trabalho do sujeito-leitor”. Desta forma, ler também é um ato de criação e não se deve privar os estudantes desse ato.

A metodologia do colégio prevê encontros coletivos semanais entre o corpo docente e a coordenação para que cada uma das salas, chamada de Oficina de Aprendizagem, tenha um tema norteador. Com o intuito de trabalhar diálogos culturais, uma das oficinas teve o nome de “A volta ao mundo em oitenta dias”. A partir da escolha do tema norteador, os professores selecionam os conteúdos que se adequem a ele, ao mesmo tempo, são traçados os planos de trabalhos interdisciplinares que serão desenvolvidos ao longo do bimestre.

Em contraste com o nome da Oficina de Aprendizagem, na disciplina de língua espanhola optou-se pelo o livro de contos de Julio Cortázar “La vueltaaldíaenochenta mundos” e a disciplina de literatura trabalharia com a obra “A volta ao mundo em 80 dias” de Julio Verne. Ficou acordado que a atividade interdisciplinar entre literatura e língua espanhola consistiria em relacionar as personagens de ambas as obras.

O livro de Julio Cortázar, ao contrário do livro de Júlio Verne, que é um romance, é um livro de contos. O primeiro ímpeto de trabalhar com a obra de Cortázar, foi dividir os contos entre as equipes de alunos para que eles os lessem e apresentassem em forma de seminário. No entanto, depois de uma reflexão sobre o que poderia vir a acontecer se fosse empregada essa dinâmica, a decisão foi trabalhar apenas um conto explorando as facetas do texto literário na aula de E/LE.

Para que este trabalho fosse desenvolvido, foram planejadas atividades de pré-leitura, leitura e pós-leitura, pois o trabalho com textos literários supõe um roteiro, um caminho preestabelecido pelo professor para que os alunos possam se sentir confiantes para ler e realizar atividades na língua alvo e para que esta não seja um obstáculo na realização dessas atividades e a leitura realmente possa lhes aportar a autonomia como leitores. De acordo com Castaño (1998, p. 64, tradução nossa):

A leitura de textos literários na aula de LE supõe um roteiro, um incentivo para que o aprendiz novo já que lhe da confiança no processo de conhecimento da língua, ao mesmo tempo que se leva em consideração a diversidade de aprendizes e o desenvolvimento da autonomia.

Dentre os sete contos que compõem o livro “La vueltaaldíaenochenta mundos” de Julio Cortázar, o conto escolhido foi “Viaje a un país de cronopios/elavión de loscronópios”, pois além da questão literária, também deveriam ser estudados conteúdos gramaticais e este conto ia ao encontro dos conteúdos de língua espanhola escolhidos para este bimestre. Assim, a leitura desse conto poderia colaborar com os objetivos linguísticos preestabelecidos para o bimestre.

A seleção do conto foi feita devido ao léxico relacionado ao tema “viagens”, que já vinha sendo estudada pelos alunos. Além disso, a escolha foi feita por ser um conto que trata da

Page 283: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 283

questão dos tipos “cronopios” e “famas” para abordar a descrição psicológica e hábitos, podendo ser contrastados com os personagens de Verne, PhilleasFogg e Passepartout. O trabalho realizado com o conto “Viaje a un país de cronopios (El avión de loscronopios)” se deu na metade do bimestre, ou seja, na quinta semana de aula. Neste encontro, fez-se uma retomada sobre Julio Verne e sua influência, o que remeteu ao surrealismo de Julio Cortázar. Este foi o ponto de partida para iniciar o trabalho com o conto do livro “La vueltaaldía em 80 mundos”, livro de contos de Cortázar inspirado na obra de Julio Verne.

Constituiu-se uma estratégia de ensino deixar que os alunos tivessem contato primeiramente com a obra “A volta ao mundo em oitenta dias”, conhecessem os personagens desse livro para que quando fizessem a leitura do conto de Cortázar, pudessem, a partir dos seus conhecimentos prévios fazer relações entre os personagens.

Depois de fazer uma observação da relação dos alunos com o conto, a aplicação do questionário foi para a verificação das impressões durante essa observação, o que tornou a metodologia dessa pesquisa, um estudo de caso: a relação dos alunos com o texto literário não se limitou à leitura, rendeu interpretações, discussões e foi até mesmo ponto de partida para atividades que exigiam a comparação e recriação por parte dos alunos.

Analisaram-se questionários aplicados aos vinte e cinco alunos da terceira série do ensino médio com a finalidade de conhecer as reações destes ao realizar um trabalho interdisciplinar envolvendo literatura na aula de língua estrangeira, tratando o texto literário como manifestação artística, ou seja, valorizando sua face estética, cultural e histórica. Graças à metodologia do colégio X, foi possível promover a interdisciplinaridade com a disciplina de literatura por meio da intertextualidade entre as obras de Júlio Verne e Julio Cortázar. Essa intertextualidade guiou em grande parte o trabalho ao longo do bimestre na disciplina de língua espanhola.

Além disso, os professores, atuando em equipe, foram peças-chave para estimularem os alunos e para que esse trabalho tivesse validade e relevância: a leitura do conto “Viaje a un país de cronópios/ El avión de loscronopios” estava condicionada à leitura da obra de Julio Verne, “A volta ao mundo em 80 dias”, feita durante as aulas de português e que fez relação com a disciplina de história e geografia. Por todas estas atividades interdisciplinares, quando o conto começou a ser trabalhado na aula de espanhol, os alunos conseguiram ver a relação não apenas com a obra de Júlio Verne, mas também com questões históricas e geográficas que puderam ser ilustradas no trabalho de finalização do bimestre realizado pelos alunos. Para Japiassu (1976, p. 92) é preciso a colaboração mútua para a realização de um trabalho interdisciplinar:

O trabalho verdadeiramente interdisciplinar é muito árduo e sua realização extremamente difícil. Para darmos conta dessa situação, basta dizer que a colaboração entre as disciplinas passar por uma primeira fase de informação mútua em que cada uma considera a outra como exterior a si mesma; em seguida, por uma fase em que cada especialista entrevê as questões que os outros lhe colocam; enfim, pela fase de uma tomada de consciência coletiva das questões em jogo.

A questão de trabalhar um conto em sala foi outro ponto crucial para o sucesso dessa atividade: a ideia de texto literário dos alunos estava ligado a obras longas, romances, histórias que se passavam em épocas muito distantes, raramente tinham um caráter humorístico, ou como no conto de Julio Cortázar, percebe-se muitas vezes um caráter “nonsense”, que quebra paradigmas, transforma, modifica o entorno, característica do Surrealismo, escola da qual Cortázar faz parte.

Page 284: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores284

Os resultados obtidos a partir dos exercícios feitos em sala de aula e das tarefas de casa realizadas pelos alunos revelam que o texto literário não deve ser um pretexto para ensinar língua (estrangeira ou materna), mas pode ser meio e fim trabalhando a língua sem que a literatura seja negligenciada como arte. Quando mencionamos o “sucesso” do trabalho, não é apenas em relação à realização das atividades em conjunto com os outros professores, às atividades que envolveram leitura e interpretação ou às atividades relacionadas às habilidades linguísticas: o sucesso dessa atividade está relacionada também (e principalmente) à quebra de paradigma dos alunos, sua visão acerca do texto literário e como será a visão sobre este tipo de texto a partir do trabalho realizado e descrito nessa pesquisa.

Abaixo seguem os resultados a respeito das impressões dos alunos sobre o trabalho com o texto literário em sala de aula e também sobre o conto “Viaje a un país de cronopios(El avión de loscronopios)” trabalhado ao longo do bimestre e numeradas seguindo a ordem das perguntas contidas no questionário aplicado:• Em 100% dos casos os alunos acharam interessante ou muito interessante o uso de textos

literários durante as aulas de língua.• Em 85% dos casos as contribuições em termos de língua e cultura geral foram apontadas

como interessante ou muito interessante.• Em 100% dos casos os alunos julgaram como interessante ou muito interessante as

contribuições do texto para cultura geral.• O autor estudado, Julio Cortázar era desconhecido por 100% dos alunos embora eles tenham

gostado de ter contato com suas obras.• Houve também uma mudança de maneira positiva em relação ao conceito de literatura e/ou

texto literário em 85% dos casos.• Em 80% dos casos os alunos julgaram interessante o uso de textos literários na aula de língua

espanhola.• Em 75% dos casos os alunos afirmaram que gostariam de saber mais sobre literatura em

geral.• 80% dos alunos entrevistados consideraram muitointeressante o fato de trabalhar com contos e

não com obras.• Em 85% dos casos, os alunos conseguiram estabelecer uma relação entre os personagens da

obra de JulioCortazar(cronópios e famas) e de Julio Verne (Fogg e Passepartout).

considerações finais

A expressão desses resultados não apenas ilustra a postura dos alunos em relação ao uso do texto literário na sala de aula de E/LE, como também faz chegar a conclusões (mais positivas do que o esperado) e formar ideias sobre o objeto de estudo em si, além de poder vir a ser um norte para futuros trabalhos com o texto literário no ensino médio.

Os dados mencionados acima podem vir a ser um norte para futuros trabalhos em sala de aula com o texto literário. Embora o interesse dos alunos seja por literatura em geral, segundo as respostas, é uma oportunidade para o professor de língua estrangeira inserir em suas aulas a literatura espanhola e hispano-americana e assim, levar os alunos a conhecê-la e apreciá-la, formando assim leitores em potencial e entendendo a Literatura como algo mais que

Page 285: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 285

a “disciplina de literatura”. O primeiro passo foi dado, ao menos com esse pequeno grupo de alunos, e isso representa uma vitória não apenas para do ponto de vista didático, mas também do ponto de vista da formação de leitores e da Literatura.

Referências

CASTAÑO, Irene Revilla. El texto literario en el desarrollo de comprensión lectora en niveles iniciales de la enseñanza/aprendizaje de lenguas próximas.In: VI SEMINARIO DE DIFICULTADES ESPECÍFICAS DE LA ENSEÑANZA DEL ESPAÑOL A LUSOHABLANTES, 6., 1998, São Paulo. Actas…São Paulo, 1998.p. 63-64.

FRITZEN, Celdon; SILVA, Danielle R. da.Livro didático e ensino de literatura: o que dizem as pesquisas dos programas de pós–graduação? Disponivel em: <http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/sem17/COLE_1383.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2011.

JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

LAJOLO, Marisa. O texto não é pretexto. In: ZILBERMAN, Regina. Leitura em crise na escola: alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado aberto, 1985. p. 53-62.

RAMOS, Anna Claudia; AGUIAR, Luiz Antonio. Por um espaço especial para a literatura na escola. 2007. Palestra apresentada ao COLE 2007. Disponível em: <http://www.aeilij.org.br/img/Arquivos/Por%20um%20Espaço%20Especial%20para%20a%20Literatura%20na%20Escola%20-%20AEILIJ.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2011.

SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura na escola e na biblioteca. Campinas: Papirus, 1986.

Page 286: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores286

GRUPO HETEROGÊNEO PEDE METODOLOGIA HETEROGÊNEA: EXPERIÊNCIA COM O PRODOCÊNCIA E O CURSO DE LETRAS-

ESPANHOL DA UEL

Arelis Felipe Ortigoza1

Valdirene Filomena Zorzo-Veloso2

Enrique V.Nuesch3

Introdução

Com o intuito de aprimorar a qualidade da formação dos acadêmicos ingressantes do curso de Letras, Licenciatura em Língua Espanhola e Literatura Hispânica da Universidade Estadual de Londrina (UEL), participamos do Programa de Consolidação das Licenciaturas – PRODOCÊNCIA. Tal projeto é institucional e visa contribuir para elevar a qualidade dos cursos de licenciatura. Nesta edição, a temática é a inclusão, deste modo, optamos por trabalhar com a questão do desnível encontrado na primeira série da licenciatura em termos de conhecimento do/no idioma.

Como não temos um teste de nivelamento além do vestibular em suas duas etapas de seleção, não temos como minimizar os efeitos que esta heterogeneidade de conhecimento. Entretanto, sabemos que esta é uma realidade muito comum do professor de língua espanhola em nossa região, uma vez que seu contexto docente de maior abrangência no setor público é o Centro de Línguas Estrangeiras Modernas ou CELEM.

Assim, foi selecionado um dos acadêmicos da primeira série da Licenciatura e foram convidados os demais alunos para formação de um grupo de estudo que pudesse trabalhar essa heterogeneidade fora da sala de aula regular da graduação em benefício da melhoria e aprimoramento dos conhecimentos dos participantes.

O arrazoado que fazemos a seguir irá apresentar as impressões, tentativas, erros e acertos ocorridos numa situação como a descrita, que teve lugar em um curso de espanhol, de 60 horas/aula, no segundo semestre de 2012, sob orientação e acompanhamento constante das professoras Arelis Felipe Ortigoza e Valdirene Zorzo-Veloso. Não serão apresentadas contribuições conclusivas teórico-práticas sobre como proceder em situações como a acima descrita; nosso escrito caracterizar-se-á como um relato de experiência, ainda que algumas hipóteses sejam apresentadas ao longo do mesmo.

Grupos heterogêneos de alunos, em termos de etapa de aprendizagem de uma língua estrangeira (LE), apresentam um desafio para o professor, exigindo estratégias para contribuir com o avanço dos que estão num nível inferior, ao mesmo tempo em que se procura contribuir com o avanço daqueles que estão numa etapa posterior de aprendizagem, tudo isto mantendo o ambiente de aula, os conteúdos e os temas, dentro de uma atmosfera de compreensão que seja interessante a todos, sem deixar de lado nenhum dos extremos que compõem a classe.

1 Doutoranda em Estudos da Tradução pela UFSC; Mestre em Estudos da Linguagem pela UEL; Professora Assistente da UEL.2 Doutora em Letras pela USP; Professora Adjunta da UEL.3 Graduando no curso de Licenciatura em Letras Língua Espanhola e Respectivas Literaturas pela UEL.

Page 287: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 287

público aprendiz e diagnóstico

O grupo compôs-se de seis alunos, dos quais dois cessaram a frequência e não acompanharam o curso até o fim. Assim, foram quatro os que fizeram o curso completo e é à aprendizagem destes que nos referiremos ao longo deste escrito:S1: sexo feminino, 21 anos, cursando o primeiro ano do curso de graduação em Letras Vernáculas da UEL, com os níveis Básico 1 e 2 de espanhol do Laboratório de Línguas da mesma universidadejá cursados, além de estar frequentando cursos de alemão e francês também oferecidos pelo Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas da UEL; S2: Sexo Feminino, 35 anos, graduada em Direito, cursando o primeiro ano do curso de graduação em Letras Vernáculas da UEL, com os níveis Básico 1 e 2 em espanhol já cursados; S3: Sexo Masculino, 22 anos, cursando o último ano do curso de graduação em Direito da UEL, com os níveis Básico 1 e 2 em espanhol já cursados; S4: Sexo Masculino, 22 anos, cursando o último ano do curso de graduação em Direito da UEL, com os níveis Básico 1 e 2 em espanhol já cursados.

Para diagnosticar o domínio das habilidades linguísticas de cada aluno foram aplicados dois exercícios no primeiro encontro: a) ler um texto e discorrer oralmente sobre o mesmo; ouvir um texto e discorrer por escrito, em língua espanhola, acerca do mesmo. A avaliação dos resultados baseou-se nos níveis estipulados pelo Marco Común Europeo de Referencia para las Lenguas (COUNCIL OF EUROPE, 2001).

S1 apresentou expressão oral e escrita e compreensão auditiva satisfatórias para o nível B1, enquanto que a compreensão leitora foi satisfatória para o nível B2.S2 apresentou expressão oral e escrita satisfatórias para o nível A2, enquanto que a compreensão auditiva e leitora foram satisfatórias para o nível B1.S3 apresentou expressão oral e escrita satisfatórias para o nível A2, enquanto que a compreensão auditiva e leitora foram satisfatórias para o nível B1.S4 apresentou expressão oral e escrita satisfatórias para o nível A1, enquanto que a compreensão auditiva foi satisfatória para o nível B1 e a compreensão leitora foi satisfatória para o nível B1.

Como se pode constatar, houve uma disparidade bastante acentuada entre S1 e S4, sendo que S2 e S3 estavam em situação semelhante. Cabe destacar que a maior discrepância apareceuentre os níveis concernentes às habilidades de produção, tanto oral quanto escrita .

Materiais, metodologia e procedimentos empregados

Dentre os recursos disponíveis, utilizamos, maiormente, materiais on-line, como o Diccionario da Real Academia Española (2012), lições e exercícios do sítio do Instituto Cervantes (2012a), áudios e textos do mesmo instituto, direcionados à preparação de candidatos aoDELE- Diploma de Español como Lengua Extranjera(2012b), e esquemas audiovisuais do aparelho fonador e as articulações deste utilizadas na produção oral em língua espanhola. Levando em conta o perfil dos alunos, também selecionamos pequenos textos e áudios para debate que dissessem respeito às suas áreas de interesse, como literatura, artes e leis.

Os encontros se deram duas vezes na semana, com duração de cem minutos (02horas/aula). Geralmente, a aula começava com uma atividade direcionada ao conteúdo a ser ministrado, excetuando-se os encontros iniciadoscom esclarecimento de dúvidas. Em seguida, com exposição sempre em língua espanhola, passamos a apresentar o conteúdo de forma explícita, ou seja, qual de habilidade estava sendo visada e qual aspecto da língua estava sendo introduzido. Seguida da

Page 288: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores288

exposição, uma nova atividade sobre o material era efetuada, mediada pelo professor em maior ou menor medida, de acordo com as necessidades do grupo. Optamos por explicitar os tópicos gramaticais e habilidades trabalhadas, uma vez que os quatro alunos manifestaram que além de estarem fazendo o curso para continuar com a sua aprendizagem da língua alvo, intencionavam também prestar a prova de obtenção do DELE. Todos os materiais e links para os sítios foram enviados aos e-mails dos alunos, que podiam examiná-los e apresentar as suas dúvidas nas aulas subsequentes.

Do ponto de vista metodológico, usamos diferentes abordagens de acordo com as habilidades visadas. Foram combinadas a abordagem comunicativa e a abordagem cognitiva, principalmente quando visadas a compreensão leitora e auditiva. Uma visão mais estrutural foi adotada quando as habilidades visadas eram as de produção. No entanto, predominou o preceito de aproveitar ao máximo os conhecimentos prévios dos alunos, inclusive das semelhanças/dessemelhanças entre português e espanhol, provendo-lhes os itens lexicais e estruturas gramaticais que sentiam não possuir para expressar-se, assim como exemplos detalhados de pronúncia e ortografia quando estas foram visadas. Assim mesmo, apesar de que a maioria dos autores no campo do ensino de L2 não recomende o uso explícito de terminologia gramatical, quando os alunos apresentaram as suas dúvidas em termos gramaticais, estas foram respondidas nos mesmos termos.

exemplos de atividades

A seguir exporemos exemplos de atividades de aula, focados nas habilidades de compreensão textual e produção oral, um para cada uma.

O exemplo de atividade de compreensão textual que descrevemos visava à compreensão da estrutura e estilo de comunicação formal, tratando de introduzir o uso de pronomes de tratamento e léxico de comunicação formal. Primeiro um exemplo de carta formal foi distribuído aos alunos, para que o lessem e debatessem quem eram o emissor e o destinatário, qual era o objetivoda mensagem e outras informações da carta. Esta era um convite formal, para o dono de uma empresa, de parte dos empregados, que o convidavam para ir à inauguração de novas instalações.

Os quatro alunos tiveram um bom entendimento geral e souberam identificar que se tratava de um convite dos empregados ao seu chefe. S3 manifestou dúvida acerca do vocábuloconcurrir, presente no texto, apesar de que o contexto da palavra lhe permitisse deduzir o seu significado naquele uso específico. Os demais alunos concordaram que se trava da ideia de “comparecimento à inauguração”, “ir à inauguração”. No entanto, a dúvida era em torno do uso da palavra no contexto de um convite, justamente pelo seu significado de sentido “competitivo” no uso da palavra em português. Foi uma boa oportunidade para despertar no grupo a consciência de que nas línguas, os significados das expressões também possuem variações pelo uso. Uma exposição dos significados dicionarizados nas duas línguas foi esclarecedora.

Nas duas línguas, o sentido de “competição” é o quinto dicionarizado, no entanto, o uso coloquial de sentido predominantemente comercial (“a concorrência”) atualmente tornou-o mais presente, causando estranhamento em S3 o usoda palavra no contexto de um convite, como ocorreu no texto em língua espanhola. No entanto, a exibição dos significados dicionarizados

Page 289: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 289

chamou a atenção para o fato de concorrer ser, antes de competir, “correr com”, que é, no fim, a ideia de se fazer algo junto. S1 observou que no texto, mais abaixo, estava a palavra “recorrida” e questionou o fato de não ser “recurrida”, preservando o “u” latino. Explicamos que em português e em espanhol, “correr” provém de currĕre, mas em ambas as línguas ocorreu uma transformação fonética pelo uso, mas não em todas as palavras de procedência comum. S2 manifestou que no contexto jurídico, “recorrer” é o fato de interpor um “recurso”. S4 então também se manifestou, dizendo que quando um recurso é interposto, basicamente está se pedindo para revisar o processo e a sentença, ou seja, fazer o caminho processual novamente. Os alunos convieram, assim, que era útil analisar os prefixos, como o faziam em aulas de português nos anos escolares.

Ainda que toda a discussão, por assim dizer, “linguística” ocorrida fugisse um tanto do objetivo de apresentar a estrutura da comunicação escrita formal, pode-se ver que pela presença forte do latim no âmbito de formação acadêmica de S2, S3 e S4, e o interesse por variadas línguas por parte de S1, criou-se um ambiente participativo de estratégia de aprendizagem da língua alvo. S4, que foi o aluno com diagnóstico de menos domínio de produção oral e maior filtro afetivo quanto ao uso da oralidade, tomou participação ativa no debate. Penamos, assim, que a formação de grupos com níveis díspares de domínio das habilidades pode levar em conta, no momento de sua formação, as afinidades existentes fora da sala de aula, contribuindo para o estabelecimento de um ambiente em que os de menos domínio se sintam mais aptos a debater os temas sem focar-se na disparidade de domínio da língua alvo.

Como acabamos de afirmar, o transfundo comum de interesses do grupo, a pesar das disparidades, contribuiu em grande medida para que ela não inibisse a participação nos debates por parte dos alunos. Uma atividade que foi interessante para aprimorar a habilidade de produção oral de todos foi despertar a consciência deles para os fatos fisiológicos da fala. Levando em consideração a preocupação manifestada pelos mesmos quanto à parte de expressão oral da prova DELE que pretendiam realizar, lançamos mão de um conteúdo que geralmente fica restrito a disciplinas de linguística: a fonética articulatória. Sabemos que o português brasileiro possui quase todos os fones que o espanhol possui, no entanto, há certos fones que no espanhol são produzidos em contextos fonéticos que em português tendem a ser produzidos de forma diferente, como [na’ranxα] ou [nar’aŋxα] (esp: naranja), no qual a fricativa [x] seguida danasalse apresenta num contexto em que será vozeada no português, por exemplo [‘hõɦα] (port: honra).

Utilizamos as ilustrações audiovisuais da Universidade de Iowa (UIOWA, 2012), que apresenta o quadro fonético do espanhol, de acordo com a classificação de cada fone, paralelamente a um esquema animado do aparelho fonador e vídeos de pessoas realizando os fones.

A apresentação dos sons do espanhol desta forma pareceu de grande interesse para os alunos. Solicitaram a exploração de muitos exemplos, principalmente concernentes aos sons da letra jota. Da mesma forma, permitiu-lhes emular os movimentos vistos nas ilustrações do aparelho fonador para terem consciência dos movimentos que eles mesmos faziam e sons resultantes, o que lhes serviu para praticar a pronuncia de forma que lhes parecesse satisfatória. Exemplos de todos os fones da tábua foram utilizados. Foi um momento propício igualmente para mostrarmos a eles as variações da pronúncia do espanhol em algumas regiões onde a língua é falada, e para eles mesmos provarem combinações entre estas variações que lhes fossem mais cômodas para incorporar nas suas próprias pronúncias.

Page 290: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores290

Novamente, a participação de todos aconteceu de forma igual. S1, quem mais dominava a habilidade da produção oral, apresentou tantas dúvidas quanto S4. Este, por sua vez, reparou na nasalização e abertura da sua pronúncia de [a]. Acreditamos que explicitar os mecanismos da fala –um tópico de linguística–, dirigindo-os para as necessidades específicas de cada um foi algo produtivo. Por se tratar de uma turma de apenas quatro alunos, evidentemente era um ambiente próximo do ideal; mas grupos maiores poderiam ser administrados num laboratório, onde os alunos poderiam explorar as tábuas de fones individualmente em computadores pessoais.

considerações finais

Como dissemos anteriormente, o curso se desenvolveu num ambiente considerado ideal, com grupo pequeno e farta disponibilidade de materiais. Os quatro alunos receberam aprovação, havendo, isso sim, inevitavelmente transparecido as suas diferenças nas qualificações, que por exigência do sistema de avaliação foram quantitativas. Os únicos alunos em que notamos um avanço no domínio de alguma das habilidades foram S3 e S4, sendo que S1 e S2 obtiveram, ao final do curso, resultados similares aos da primeira sondagem. Isto pode ser devido tanto à insuficiência dos procedimentos de ensino quanto a questões não concernentes ao mesmo (por exemplo, S2 teve um número de faltas superior aos demais e realizou menos tarefas de casa).Como todos eles afirmaram que iriam fazer a prova DELE em nível B2, o resultado desta poderá, ainda, servir como feedback externo.

Referências

COUNCIL OF EUROPE.Common European Framework of Reference for Languages: Learning, Teaching, Assessment.Strasbourg: CouncilofEurope, 2001.

INSTITUTO CERVANTES. Enseñaza. Madrid: Instituto Cervantes, 2012a. Disponível em: <http://cvc.cervantes.es/ensenanza/default.htm>. Acessado em: 10 de fevereiro de 2013.

_______. Documentación y recursos DELE. Madrid: Instituto Cervantes, 2012b. Disponível em: <http://diplomas.cervantes.es>. Acessado em: 10 de fevereiro de 2013.

REAL ACADEMIA ESPAÑOLA: Diccionario de la lengua española.Madrid: RAE, 2012. Disponível em: <http://lema.rae.es/drae/>. Acessadoem: 10 de fevereiro de 2013.

UNIVERSITY OF IOWA. Fonética: los sonidos del español.Iowa: Uiowa, 2012. Disponível em: <http://www.uiowa.edu/~acadtech/phonetics/spanish/frameset.html>. Acessado em 10 de fevereiro de 2013.

Page 291: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 291

AUTONOMÍA EN LA ENSEÑANZA-APRENDIZAJE DE ELE: UN CAMINO HACIA LA FORMACIÓN DE PROFESORES

Arelis Felipe Ortigoza1

Valdirene Filomena Zorzo-Veloso2

Diego Aureliano da Silva3

Introducción

Considerando la necesidad de la participación en la toma de decisiones que cada vez más exige la sociedad, se torna necesaria la autonomía y la conciencia del objetivo de la enseñanza-aprendizaje y cómo llegar a ser agente del propio conocimiento. Las metodologías acerca del aprendizaje de lenguas extranjeras han evolucionado y desde el abordaje tradicional hasta el comunicativo hubo muchos cambios. Basado en estos cambios, en la exigencia del desarrollo de las cuatro destrezas y en las propuestas oficiales, vimos la necesidad de investigar acerca de la viabilidad de las estrategias de aprendizaje y adquisición de autonomía y cómo trabajarlas en el salón de clase de español como lengua extranjera (ELE).

El interés por esta investigación se inició en el contacto con las estrategias de aprendizaje vía un proyecto de la Universidade Estadual de Londrina, llamado “Centro de Auto-Acesso4”, proyecto que trabaja con la optimización del aprendizaje de lenguas por medio de las estrategias de aprendizaje (además de otras metodologías) y a partir de la observación de la gran dificultad de los alumnos ingresantes manipular los conocimientos académicos de manera que les proporcionen un mejor desarrollo del aprendizaje. El objetivo de esta investigación fue trabajar con los alumnos del primer año de la carrera de Letras, Licenciatura em Língua Espanhola e Literatura Hispânica (Letras-español), del año 2011 con el intento de propiciarles, por medio de algunas estrategias de aprendizaje, la concientización y manipulación de los procesos que envuelven el aprendizaje de una lengua extranjera.

Tal investigación ocurrió por medio del X Minicurso de Español, nivel básico en cumplimiento de las prácticas de enseñanza del cuarto curso de la carrera de Letras-español y bajo la oportunidad de participación en el “Programa de Consolidação das Licenciaturas – PRODOCÊNCIA”, proyecto de la Universidade Estadual de Londrina, auspiciado por la Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), en el cual tiene entre otros objetivos desarrollar experiencias metodológicas y prácticas docentes de carácter innovador para elevar a calidad de las carreras que forman profesores. En la oportunidad actuamos juntamente a las profesoras Arelis Felipe Ortigoza y Valdirene Zorzo-Veloso del Departamento de Letras Estrangeiras Modernas.

1 Mestre, professora Assistente da Universidade Estadual de Londrina. Contato: [email protected] Doutora, professora Adjunta da Universidade Estadual de Londrina. Contato: [email protected] Graduado em Letras Estrangeiras Modernas com habilitação em Espanhol pela Universidade Estadual de Londrina. Atua como professor de espanhol no Colégio Objetivo de Junqueirópolis-SP nos níveis Fund.II e EM. Contato: [email protected] Agradezco la contribución de las profesoras de área de español que me han guiado en el CAA: Silvana Salino Ramos, Sônia Nogueira y a la profa. Rejane J. de Queiroz Taillefer por la oportunidad. http://www.uel.br/cch/caa/index.htm

Page 292: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores292

Las estrategias de aprendizaje, definiciones y características

Las investigaciones en EA (estrategias de aprendizaje) de lenguas extranjeras tuvieron inicio en los años 1960, pero su gran impulso se dio en el año 1975, con la publicación de la obra What the “good language learner” can teach us, de la lingüista americana Joan Rubin. Rubin investigaba a los alumnos que presentaban los mejores resultados en el aprendizaje de lenguas extranjeras, el objetivo era identificar las estrategias que ellos utilizaban.

Después de la década de 1970, la de 1990 fue la que más se produjo en las investigaciones respecto a las EA. En Brasil las investigaciones se multiplicaron al inicio de los años 2000. Enseguida presentaremos algunas de las definiciones de los autores más representativos en el escenario de las EA.

Para Brow (1994 apud VILAÇA, 2005, p. 4), “As estratégias são métodos específicos de se abordar um problema ou uma tarefa, modos de operação para a obtenção de um fim particular, designs planejados para o controle e manipulação de certa informação”. Ellis (2001 apud VILAÇA, 2005, p. 5), define las estrategias como “atividades mentais e comportamentais relacionadas a algum estágio específico no processo geral da aquisição de uma língua ou uso de uma língua”. Rubin (1975 apud VILAÇA, 2005, p. 5) sostiene que son “técnicas ou dispositivos que o aluno emprega para adquirir conhecimento”. Cohen (1998 apud VILAÇA, 2005, p. 7) dijo que las estrategias son como “processos de aprendizagem que são conscientemente selecionados pelo aluno. En el mismo sentido según Vilaça (2005, p. 6), “Para Oxford [...] as estratégias são ações ou comportamentos específicos empregados pelos alunos para a apreensão, internalização e uso da segunda língua.” Y, por último, O`Malley e Chamot (1990 apud VILAÇA, 2005, p. 6),

[...] definem as estratégias como pensamentos ou comportamentos especiais que os alunos empregam para a compreensão, aprendizagem, ou retenção de uma nova informação [...] modos especiais de processamento de informações que ajudam os alunos durante o processo de aprendizagem de uma segunda língua.

Además de esas definiciones, hay muchas otras clasificaciones y características para las EA; vamos a destacar algunas, que segundo Vilaça (2005, p.12), más puntos tienen en común:

As estratégias buscam influenciar a aprendizagem positivamente, facilitando e/ou acelerando a aprendizagem.As estratégias são empregadas de acordo com o contexto e com a situação pedagógica, para a realização de uma tarefa ou para o uso de uma língua.Diversos fatores de naturezas variadas influenciam o uso das estratégias.As estratégias de aprendizagem lidam com dimensões metacognitivas, afetivas e sociais da aprendizagem, e não apenas com a cognitiva.

Las investigaciones en estrategias de aprendizaje

Inicialmente, segundo Vilaça (2010a, p.212), las investigaciones en EA se relacionan a cuatro aspectos básicos: (1) Estudo e descrição do bom aluno de línguas; (2) Aprendizagem Autônoma; (3) Pesquisa centrada no aluno; (4) Ensino ou treinamento estratégico.

Page 293: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 293

En el contexto de aula, la investigación en EA, generalmente presenta dos objetivos principales, que son, la identificación de estrategias utilizadas y la enseñanza de estrategias (VILAÇA, 2010a).

El primer objetivo se relaciona a las investigaciones iniciales de Rubin y en palabras de Vilaça se adquiere el “perfil estratégico” del alumno. Este modo de investigación fue responsable por el establecimiento de las primeras clasificaciones de las estrategias, que eran y aún son obtenidas por medio de cuestionarios, formularios, entrevistas etc., antes, durante, o después de las actividades de clase.

En el segundo objetivo, la enseñanza de las estrategias tiene, en palabras de Vilaça (2010a), el propósito “instrumental-formador”, o sea, el propósito de ofrecer instrumentos que auxilien al alumno en su aprendizaje y uso de la lengua extranjera. Respecto a este objetivo, Vilaça (2010a, p.214) esclarece que “O ensino de línguas não deve ser entendido como um treinamento mecanicista sem reflexão sobre a aprendizagem [...]” y que un “[...] cuidado importante é não restringir o ensino de estratégias a metodologias específicas.

En los últimos 50 años, la enseñanza de lenguas extranjeras hizo que las investigaciones en el aprendizaje se desarrollasen sistemáticamente. Las EA se encuentran dentro de este contexto y además de las múltiples definiciones y clasificaciones en esta rama de conocimientos, hay aún, limitaciones respecto a la real efectividad en la enseñanza-aprendizaje de lenguas extranjeras. Creyendo en la viabilidad de las EA, este trabajo se propone a investigar en el X Minicurso de español (2011), nivel básico 1, algún resultado advenido de la aplicación de las EA en las actividades de clase.

La aplicación de las estrategias en el salón de clases

Primero, se hizo necesaria la búsqueda de referenciales teóricos, lectura y documentación personal. Fueron seleccionados algunos modelos de estrategias de aprendizaje que parecieron los más prácticos en su manipulación y aplicación. Los modelos adoptados fueron los propuestos por Paul Cyr (1998), que se utilizan, principalmente, de los teóricos (O´Malley e Chamot, Oxford e Rubin) y modelos precursores en los estudios de las estrategias de aprendizaje. Las categorías elegidas son tres: As Estratégias Metacognitivas; As Estratégias Cognitivas y As Estratégias Sócio-afetivas (CYR, 1998). Estas son consideradas grandes categorías, una vez que se ramifican en pequeños modos de aplicación.

Las estrategias metacognitivas implican en la reflexión respecto al proceso de aprendizaje y a las condiciones que lo favorecen; las cognitivas en una interacción con el objeto de estudio, su manipulación mental y física de modo que caminen para la optimización del aprendizaje y las estrategias socioafectivas implican en una interacción con otros locutores con el objetivo de favorecer una proximidad capaz de desinhibir el aprendiz en sus intentos de comunicación en la lengua objeto (CYR, 1998).

Elegidas tales categorías de estrategias de aprendizaje, algunas de ellas, previamente planificadas, fueron agregadas y aplicadas junto a algunos de los planes de clase en el transcurrir del minicurso. Las estrategias fueron las siguientes: planificación de objetivos; atención dirigida; autogestión, automonitoración y autoevaluación en la categoría de las metacognitivas; prácticas de la lengua; memorización; toma de apuntes y revisión en las cognitivas y cooperación e interacción en las socioafectivas.

Page 294: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores294

La aplicación de la estrategia metacognitva, con la rama “Anticipación o planteamiento”, ocurrió en el inicio de algunas clases, el profesor expuso el tema y el objetivo de aprendizaje que se buscaba lograr en este día, pues, según Cyr (1998), se puede favorecer el aprendizaje cuando explicamos a los alumnos los objetivos y las secuencias de las actividades de una clase y que “[…] é provável que se ajude o aprendiz a tomar consciência por si prórpio, da razão de ser das atividades de aprendizagem que lhe são propostas” (CYR, 1998, p. 11).

Al final de las misma clases, el profesor pidió a los alumnos como tarea de casa, escribir un pequeño texto expresando sus opiniones respecto de la clase, de lo que fue estudiado y aprendido y las posibles causas de no haber logrado el aprendizaje. Esta es la estrategia cognitiva, en la cual el alumno interactúa y manipula mental y físicamente la materia de estudio. La idea es que el alumno, al interactuar y manipular la materia, haga una revisión de lo visto en clase, en esta actividad hay un refuerzo de las informaciones, lo que posibilita mayores oportunidades para que ellas se fijen en su memoria, además de eso, se puede reflexionar sobre cómo se procesa su aprendizaje.

En la estrategia socioafectiva el profesor hizo, no solamente en clases seleccionadas, pero en el desarrollo de todo el minicurso, que los alumnos interactuasen lo máximo posible, incluso en sus dudas, donde inicialmente ellos mismos fueron encargados de contestar unos a los otros, siempre mediados por el profesor. Esta estrategia es la de cooperación, una rama de la estrategia socioafectiva, en que según O´Malley y Chamot (1990 apud CYR, 1998, p.18):

“[…] as atividades de cooperação, além de propiciarem excelentes ocasiões de prática funcional e significativa em sala de aula, encorajam o aprendiz a adotar atitudes apropriadas diante de si mesmo e dos outros e contribuem de maneira apreciável para seu rendimento.”

Las conclusiones

Esta investigación, como presentado anteriormente, se desarrolló en el transcurrir del X Minicurso de Español, nivel básico, que ocurrió en los meses de agosto a noviembre, dos veces por semana, con 28 encuentros de 1 hora y 30 minutos por día, sumando así, 45 horas de curso y con el número de nueve alumnos.

Este minicurso fue durante todo su período orientado por la profesora Valdirene Zorzo-Veloso, responsable por evaluar y corregir todos los planes de clases antes que se los impartiera, además de eso, era necesario seguir un cronograma de contenidos elaborado anteriormente, junto a una separata desarrollada por los alumnos del cuarto curso de la Carrera de Letras-Español de la UEL. Además, eran realizadas reuniones con la profa. Arelis Felipe Ortigoza y Valdirene para discutir las líneas del PRODOCÊNCIA. Así, este era el norte del minicurso, razón por la cual la práctica de investigación de las estrategias metacognitivas y las cognitivas ocurrió solamente en algunos momentos.

Los resultados, que no pudieron ser cuantificados, una vez que las estrategias de aprendizaje, en general, no posibilitan una medición puntual, fueron obtenidos por medio de la observación e interpretación del desarrollo de las actividades en clase y de las tareas de casa, además de las dos evaluaciones propuestas, una en el medio del minicurso y la otra en el final.

Dejado en claro tales procedimientos metodológicos, partimos ahora en el intento de ofrecer algún posible resultado.

Page 295: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 295

En un primer momento, se puede decir que sí, hubo desarrollo del aprendizaje de los alumnos, una vez que frecuentaron las clases y por lo menos en el momento de estas, trabajaron, fueron estimulados a reflexionar respecto de su condición de aprendizaje y de que como seres humanos, somos seres inconclusos y que el camino hasta esta conclusión se hace por toda la vida (FREIRE, 1996), o sea, que el aprendizaje ocurre todos los días y en todo el momento y que la concientización de este proceso, nos posibilita la autonomía de aprendizaje, una vez que somos los agentes primeros y responsables de su construcción.

En un segundo momento, lo que se puede decir, es que resultó indudable la idea de que el papel del alumno en su aprendizaje es de extrema importancia para la efectividad de su aprendizaje, y que el profesor deja de ser el poseedor y transmisor del conocimiento para ser el propulsor de la reflexión que conduce al conocimiento del objeto de aprendizaje.

Planteados tales momentos, un tercero se hace presente y extremamente importante y se presenta como uno de los mayores problemas a ser superados por los profesores. El problema es que debido a algunas situaciones culturales, que aquí no se va a discurrir, los alumnos tienen la gran dificultad de reflexionar respecto de su condición frente al objeto de aprendizaje, de articular sus ideas entre lo que ya conocen y lo que se plantea, lo que hace que se mantengan condicionados a los designios del profesor, o sea, si no saben, esperan por la respuesta sin un mayor esfuerzo, sin al menos un intento de trazar un posible camino para la resolución del problema.

Este hábito resulta en un extrañamiento por parte de los alumnos cuando el profesor les plantea alguna actividad en que se exige una reflexión de sí mismos, el ejemplo de esto obtuvimos en una actividad propuesta en el final de las clases, en la cual los alumnos tuvieron que reflexionar respecto a los posibles motivos de no haber logrado comprender un determinado contenido o hasta mismo recordar lo significado de una nueva palabra que fue presentada en clase. Esta actividad, propuesta como tarea de casa, tiene como objetivo llevar a los alumnos a buscar los motivos y sus propias estrategias de aprendizaje, pues, además de una mala explicación del profesor, puede ocurrir un desvío de atención, una conversa en el momento de la explicación etc.

En los 28 encuentros se notó, como dicho anteriormente, un progreso de los alumnos en su aprendizaje, los que más se destacaron fueron aquellos que se mantuvieron asiduos y se propusieron a participar y hacer las actividades, muchas veces con entusiasmo e interés, lo que pareció fundamental para su evolución, y que además de presentar, en diversos niveles la problemática descrita anteriormente, no dejaron de superar alguna dificultad que tenían, aunque esta se dio de manera inconsciente, lo que prueba que su cerebro recurrió un camino con autonomía y desarrolló su propia estrategia de aprendizaje.

Así, parece que un paso hasta el objetivo fue dado y que el proceso siguiente, que sería la concientización de este proceso, para que entonces el alumno se efectivase como agente y promotor de su aprendizaje, se lograría con una mayor número de clases y estímulos.

Referências

BRASIL, Ministério da Educação. Orientações curriculares para o Ensino Médio: linguagens códigos e suas tecnologias. Brasília: Secretaria da Educação Básica, 2006.

Page 296: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores296

CYR, Paul. Ch. 3 et 4: Les classifications des stratégies d’apprentissage. Les définitions des stratégies d’apprentissage. Les stratégies d’apprendissage. Paris, Clé International, 1998. Tradução de Rejane J. de Q. F. Taillefer, Capítulos 3 e 4: As classificações das estratégias de Aprendizagem. As definições de aprendizagem.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

MAGNO E SILVA, W. Estratégias de Aprendizagem de línguas estrangeiras – Um caminho em direção à autonomia. Revista Intercâmbio, v.15. São Paulo: LAEL/PUC-SP, ISSN 1806-275X, 2006.

______. Autonomia no Aprendizado de LE: é preciso um no tipo de professor?/In: Gil, Gloria; Vieira Abrahão, Maria Helena./Educação de Professores de Línguas- os desafios do formador./Campinas, SP: Pontes Editores, 2008.

VILAÇA, Márcio Luiz Corrêa. Estratégias de Aprendizagem de Línguas: Histórico, Definições e Classificações. In: Congresso de Letras da UERJ de São Gonçalo, 2006, São Gonçalo. Anais do II Congresso de Letras da Uerj-SG. Rio de Janeiro : Botelho Editora, 2005.

______. A importância de pesquisas em estratégias de aprendizagem no ensino de línguas estrangeiras. Cadernos do CNLF (CiFEFil), v. 15, p. 208-220, 2010a.

______. Pesquisas em estratégias de aprendizagem: um panorama. Revista e-scrita, v. 1, p. 11-20, 2010b.

Page 297: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 297

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA POR MEIO DO GÊNERO PROPAGANDA

Dayane Caroline Pereira (PG-UEL)Rosemeri Passos Baltazar Machado (UEL)1

Introdução Para que tenhamos um ensino de Língua Portuguesa eficaz, não basta que o aluno

saiba apenas falar e escrever, é necessário que ele consiga dominar a linguagem em vários âmbitos, para poder participar ativamente da sociedade. Nesse sentido, é relevante que o ensino contemple aspectos relacionados aos usos da linguagem em situações reais de comunicação, para que assim, o aluno consiga refletir sobre a língua, adquirindo, dessa forma, independência intelectual e dinamicidade na forma de apreender aquilo que lhe é apresentado, atribuindo valores e significados de acordo com a sua própria visão de mundo. Essa pesquisa tem por objetivo apresentar a proposta de se ensinar a Língua Portuguesa por meio do gênero propaganda, verificando as funcionalidades desse gênero e, principalmente, seguindo as propostas dos PCNs, cujo objetivo primordial no que se refere ao ensino de Língua Portuguesa é o domínio da linguagem por parte do aluno e a sua devida utilização atentando, sempre, para a adequação às mais variadas situações.

Uma das principais funções da escola é formar cidadãos que sejam autônomos intelectualmente e reflexivos, pois só assim poderão tornar-se ativos e críticos dentro da sociedade. Um dos meios que facilitam essa maturidade do aluno é o conhecimento de sua língua materna, visto que é por meio dela que o indivíduo representa o mundo no qual vive e se constitui como sujeito, revelando suas práticas discursivas e sociais.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam propostas que corroboram com essas novas perspectivas no processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa. Nesse sentido, o documento salienta que o aluno deve ser visto como um sujeito, essencialmente, atuante no processo de ensino/aprendizagem:

O aluno deve ser considerado como produtor de textos, aquele que pode ser entendido pelos textos que produz e que o constituem como ser humano. O texto só existe na sociedade e é produto de uma história social e cultural, único em cada contexto, porque marca o diálogo entre os interlocutores que o produzem e entre os outros textos que o compõem. O homem visto como um texto que constrói textos. O processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa deve basear-se em propostas interativas entre língua/linguagem, consideradas em um processo discursivo de construção do pensamento simbólico, constitutivo de cada aluno em particular e da sociedade em geral. Essa concepção destaca a natureza social e interativa da linguagem, em contraposição às concepções tradicionais, deslocadas do uso social. O trabalho do professor centra-se no objetivo de desenvolvimento e sistematização da linguagem interiorizada pelo aluno, incentivando a verbalização da mesma e o domínio de outras utilizadas em diferentes esferas sociais. Os conteúdos tradicionais de ensino de língua, ou seja, nomenclatura gramatical e história literária são deslocadas para um segundo plano. (PCNs, 2000).

1 Professora doutora do departamento de Letras Vernáculas da UEL.

Page 298: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores298

No ambiente escolar, é possível encontrar várias atividades pedagógicas que contribuem para o desenvolvimento linguístico do aluno, principalmente nas aulas de Língua Portuguesa, nas quais o aluno tem um contato maior com sua língua materna e produz diversas atividades com a finalidade de aumentar a sua competência linguística. Dentre essas atividades, destaca-se o trabalho com os gêneros, pois eles são essenciais para que o aluno construa conhecimentos e desenvolva um posicionamento crítico diante de textos e de situações cotidianas. De acordo com Marcuschi (2003, p.19), os gêneros textuais são fruto do trabalho coletivo e contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia a dia. Eles também são materialidades sócio-discursivas e formas de ação social, estando presentes em qualquer situação comunicativa.

Assim, partindo da concepção de linguagem como uma constante no processo de interação, entendemos que a língua só existe em função dos interlocutores em situações reais de uso e, assim sendo, tanto o ato de ensinar quanto o de aprender a língua passam, necessariamente, pelos sujeitos.

Dessa forma, para que o ensino/aprendizagem seja eficiente, de fato, é necessário que o professor mostre ao aluno que os textos devem ser compreendidos, interpretados e não apenas decodificados. Ler não é apenas verbalizar o código escrito, pois se assim fosse, não poderíamos fazer leituras de imagens, gestos, sinais, entre outros. Assim, para que o aluno compreenda o complexo processo que envolve o ato de ler, é importante que o professor o conscientize da existência das estratégias de leitura que propiciam a interação entre as informações encontradas no texto (informação visual) e as informações adquiridas pelo leitor em suas experiências de vida (informação não-visual).

Nesses aspectos, ao se trabalhar com o discurso publicitário, é perfeitamente possível abordar em sala de aula, os variados mecanismos utilizados na construção dos anúncios para que, dessa forma, os alunos percebam, compreendam e interpretem os diferentes artifícios utilizados por este gênero, tanto para persuadir, quanto para afetar o seu interlocutor.

Leitura: o processo de ensino aprendizagem de Língua portuguesa

Um dos pontos fundamentais para que se tenha um bom aproveitamento no ensino aprendizagem do aluno é a valorização do trabalho de leitura, pois é por meio dela que se inicia a compreensão e a produção de textos, auxiliando na construção do saber e no entendimento da funcionalidade dos discursos, aspectos estes fundamentais para a formação de leitores críticos e preparados. No que tange ao conteúdo presente nos PCNs, é de suma importância que, de acordo com os objetivos do ensino de Língua Portuguesa, o aluno saiba reconhecer as diversas variedades de gêneros presentes, inclusive, no dia a dia, por isso não se deve esquecer, nunca, do papel social da linguagem. Por isso é importante ter em mente o que se quer dizer, para quem se diz, qual o gênero mais adequado para descrição de uma ou outra situação. Enfim, há uma série de fatores fundamentais para a formação de um aprendiz proficiente.

Por muito tempo, a leitura foi considerada uma mera decodificação do sinal gráfico, porém a partir dos anos 80, com os estudos da Linguística Textual, essa visão se ampliou, visto que o ato de ler passou a ser definido como um processo complexo de interpretação e compreensão de texto.

Page 299: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 299

Assim, a concepção estruturalista e mecanicista sobre leitura que afirmava estar o sentido apenas no texto foi substituída por um olhar sociointeracionista, no qual o sentido é produzido pelo autor e leitor do texto, ou seja, pela interação de ambos com o texto.

Dessa forma, para que haja uma interação com o texto é necessário que o leitor saiba aliar as informações visuais e as não-visuais. Para Fulgêncio e Liberato (2007, p. 14):

A informação não-visual que utilizamos na leitura compreende tanto o conhecimento da língua e do assunto do texto como também todo e qualquer outro conhecimento que possuímos e que compõe a nossa teoria do mundo. Todo esse conhecimento está, de alguma forma, armazenado em nossa memória, juntamente com o conhecimento da linguagem e é utilizado no processo da leitura, permitindo dar sentido àquilo que a visão capta.

Nesse aspecto, podemos afirmar que o ato de ler é o resultado da soma entre o que o

leitor já sabe e o que ele extrai do texto. Por esse motivo é de grande importância que o leitor consiga ler as entrelinhas do texto, ou seja, saiba captar as informações implícitas, e seja capaz de gerar informações novas a partir de informações já apresentadas ativando o seu conhecimento enciclopédico.

O conhecimento lingüístico, textual e de mundo devem ser ativados durante a leitura para poder chegar ao momento da compreensão... O mero passar de olhos pela linha não é leitura, pois leitura implica uma atividade de procura por parte do leitor, no seu passado, de lembranças e conhecimentos, daqueles que são relevantes para a compreensão de um texto que fornece pistas e sugere caminhos, mas que certamente não explicita tudo o que seria possível explicitar. (KLEIMAN, 2008, p. 27).

Todo esse processo apresentado sobre a leitura leva a refletir sobre a importância de o indivíduo ser conscientizado, na escola, a respeito da existência dessas estratégias, pois elas são fundamentais para a formação de leitores proficientes, ou seja, leitores que saibam aliar informação visual e não-visual.

O gênero propaganda

A partir dos estudos da linguagem da propaganda, podemos perceber que, pelo fato deste gênero estar intimamente ligado ao processo sócio-econômico e ideológico da sociedade, sua função básica é, segundo Ceccato (2001, p.15), não apenas informar: “[...] Além de informar o receptor da existência de um produto, ela apela para fatores psicológicos com a intenção de levá-lo gradativamente ao ato da compra”.

Para atingir os objetivos junto ao consumidor, a propaganda se utiliza de vários recursos, a fim de tornar cada anúncio único e passível de diferentes interpretações, persuadindo e inferindo, através de seu discurso, não apenas a divulgação do produto, mas também aflorando a necessidade no consumidor de adquiri-lo. Como bem aponta Pêcheux (1988, p.160), “o sentido de uma palavra, de uma expressão, ou de uma proposição, não existe em si mesmo, mas são determinados pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas”. Partindo do fato de que o enunciador e o

Page 300: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores300

enunciatário são peças integrantes do gênero propaganda, enquanto prática social e comunicativa é de suma importância observar o processo de construção argumentativa e de relação entre os sujeitos.

Enunciador e enunciatário são desdobramentos do sujeito da enunciação que cumprem os papéis de destinador e destinatário do discurso. O enunciador define-se como destinador-manipulador responsável pelos valores do discurso e capaz de levar o enunciatário a crer e a fazer. A manipulação do enunciador exerce-se como um fazer persuasivo, enquanto ao enunciatário cabe o fazer interpretativo e a ação subsequente. Tanto a persuasão do enunciador quanto a interpretação do enunciatário se realizam no e pelo discurso. (BARROS, 2003, p.62).

E na perspectiva da propaganda como uma materialidade sócio-discursiva, pode-se dizer que ela é capaz de influenciar diretamente o indivíduo, tanto ideologicamente, quanto socialmente, pois coloca-se como o meio mais eficaz de atender necessidades, desejo, sonhos. Para isso, segundo Carvalho (1998, p.18) “[...] ao elaborar um texto, o publicitário leva em conta o receptor ideal da mensagem, ou seja, o público para o qual a mensagem está sendo criada. O vocabulário é escolhido no registro referente a seus usos [...]”.

Dessa forma, é possível verificar que em diversas propagandas são empregados o uso de uma linguagem mais simplificada, presente no cotidiano do indivíduo, denotando certa informalidade e deixando transparecer uma ideia de aproximação junto ao público-alvo. Por isso, de acordo com Sandmann (1993, p.48), a propaganda é, sem dúvida, um poderoso instrumento de manipulação e constitui “em valioso recurso para atrair o leitor, para chamar sua simpatia, para prender sua atenção, para chocá-lo até, como pode ser o uso de certas gírias. Resumindo, pode-se dizer que são todas as formas de prender a atenção do receptor”.

trabalhando com propaganda

A proposta principal dessa atividade é incentivar a leitura e apresentar aos alunos do Ensino Médio algumas estratégias essenciais para a construção de sentidos de um texto. Para tanto, optou-se pela utilização do gênero propaganda, por ser um gênero sempre muito presente no cotidiano dos alunos e com variados aspectos a serem trabalhados em sala de aula, como por exemplo, a utilização dos conhecimentos prévios no processo de produção/captação dos efeitos de sentidos; o uso de uma linguagem própria e, ainda, os aspectos ideológicos que revelam posicionamentos discursivos e, consequentemente, culturas diversas. Objetivo Geral: Por meio de explicações e análises de propagandas, objetiva-se incentivar a leitura de textos propagandísticos, visto que estão presentes no cotidiano dos alunos, e também porque propiciam a compreensão e a assimilação de estratégias de leitura.Objetivos específicos: Aproximar os alunos de um gênero que é presente em seu cotidiano: a propaganda; Explicar as características do gênero propaganda; Identificar e analisar as estratégias de leitura presentes em propagandas; Analisar os aspectos linguísticos presentes na linguagem da propaganda; Estimular a criatividade do aluno através da leitura e da produção do gênero estudado; Apontar os valores sociais e ideológicos identificados nas propagandas; Estimular o interesse dos alunos por outras leituras.

Page 301: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 301

O ensino de Língua portuguesa por meio do gênero propaganda, propriamente dito

propaganda:

Disponível em: (entrecruzandodiscursos.blogspot.com)

Anunciante: Spriteproduto: RefrigeranteMeio de circulação: Impresso e eletrônicoconhecimento prévio: Para que essa propaganda seja compreendida é necessário que o aluno ative alguns mecanismos que facilitarão a construção do sentido do texto. Dentre eles, podemos destacar:

a) O conhecimento linguístico:O aluno, ao realizar a leitura, poderá inferir que a linguagem escolhida para esta

propaganda é utilizada no meio Eletrônico: Orkut, MSN, Facebook, entre outros. Se o aluno não tiver o conhecimento deste código utilizado pela maioria dos internautas a compreensão do sentido do texto será prejudicada. Assim, podemos observar que para um aluno que tenha acesso a Internet será mais fácil compreender o que está escrito, o mesmo não acontecerá com aquele nunca teve contato com esse tipo de escrita.

b) O conhecimento de mundo:Como vimos acima, para haver o entendimento da propaganda o leitor deve ter

conhecimento sobre a linguagem utilizada, e esse conhecimento, muitas vezes, é conseguido através das experiências vividas pelo próprio leitor. No caso dessa propaganda, pode dizer que, sem dúvida, o entendimento e apreensão dos efeitos de sentido são mais rapidamente e de forma mais eficaz, se o leitor/consumidor dessa peça tiver conhecimento ou, ao menos, experiência com um tipo de linguagem mais específica (internet).

Entretanto, como o objetivo principal desse artigo é abordar o processo de ensino aprendizagem de Língua Portuguesa, mais especificamente a leitura por meio do gênero

Page 302: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores302

propaganda, é importante salientar que esse tipo de domínio (identificar a linguagem internet) faz-se necessário não somente ao aluno como também ao professor, afinal cabe a eles a elaboração/aplicação de estratégias para uma aprendizagem plena.

A partir da identificação dos recursos linguísticos, fica mais fácil identificar e explicar, por exemplo, o intuito de aproximação da peça propagandística com o leitor/consumidor. O professor tem a oportunidade de chamar a atenção, não apenas para o “o que” a propaganda quer dizer, mas também para “o como” a propaganda diz o que diz. Ideologicamente pode-se ressaltar, durante o processo de ensino aprendizagem, como a cumplicidade com o leitor, possível consumidor, é estabelecida nessa peça e como tal aspecto é instaurado ou mesmo, abordado nesse gênero em geral. Assim, chama-se a atenção não apenas para o estudo relacionado à estrutura (o que poderia se resumir num ensino inócuo), mas principalmente para a funcionalidade desse gênero (propaganda).

considerações finais

É óbvio que o ensino vem passando por transformações valiosas, principalmente no que se refere ao ensino de Língua Portuguesa. A abordagem dos gêneros é um dos grandes aspectos que retratam essa evolução. Contudo, é sempre bom ter em mente que não basta apenas apresentar uma série de tipos de gêneros, é essencial trabalhar com os efeitos de sentidos que cada um pode proferir nas mais variadas situações. Saber o que o texto diz é, sem dúvida, importante, mas saber como cada texto constrói o sentido também deve ser uma prerrogativa no que se refere ao processo de ensino aprendizagem.

Atualmente os interlocutores de qualquer processo comunicativo, são encarados como seres, igualmente, atuantes. A língua, além de instrumento de comunicação, deve ser vista como o meio pelo qual os interlocutores expressam sua criatividade. Tomar a linguagem como instrumento de interação é ponto-chave para qualquer estudo que se pretenda referente à língua. MAINGUENEAU (2001) aponta que a interação (interatividade) “é uma troca, explícita ou implícita, com outros enunciadores, virtuais ou reais, e supõe sempre a presença de uma outra instância de enunciação à qual se dirige o enunciado e com relação à qual constrói seu discurso” (p.54). Portanto, o sujeito leitor/produtor/aprendiz não deve ser mais visto apenas como um pacífico receptor de conteúdos, mas sim como um sujeito que participa do processo de produção/apreensão dos efeitos de sentido.

A utilização do gênero propaganda no que se refere ao ensino de Língua Portuguesa é bastante fortuito, pois além de trabalhar com os recursos linguísticos, também possibilita abordar os processos ideológicos que permeiam, não só o indivíduo, mas toda a sociedade.

Referências

BARROS, Diana L. P. de. Teoria da semiótica do texto. São Paulo: Ática, 2003.

BRASIL. Secretaria e Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

Page 303: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 303

BRASIL. Secretaria e Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 2000.

CARVALHO, Nelly de. Publicidade: A linguagem da sedução. 2.ed. São Paulo: Ática, 1998.

CECCATO, Ivone. A construção da linguagem publicitária dirigida ao público infanto-juvenil. Ivaiporã: Midiograf, 2001.

FULGENCIO, Lúcia; LIBERATO, Yara;. É possível facilitar a leitura: um guia para escrever claro. São Paulo: Contexto, 2007.

KOCH, Ingedore G. Villaça; BENTES, Anna Christina; CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007.

KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 11. ed. Campinas: Pontes, 2008.

MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. Trad. de M. Cecília de Souza e Silva e Décio Rocha. São Paulo, Cortez, 2001.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela P.; MACHADO, Anna R.; BEZERRA, Maria A. (Org.). Gêneros Textuais e Ensino. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. [tradução: Eni P. Orlandi]. Campinas: Editora da Unicamp, 1988.

SANDMANN, Antônio José. A linguagem da propaganda. 3. Ed. São Paulo: Contexto, 1999.

Page 304: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores304

A LEITURA E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Keiti da Cunha Kamita Rosemeri Passos Baltazar Machado 1

Introdução O ensino já vem sofrendo algumas transformações há algum tempo, principalmente no

que tange ao ensino de Língua Portuguesa. Os incansáveis e mecânicos exercícios de gramática já diminuíram e agora dão lugar aos trabalhos voltados à leitura e à interpretação dos mais diversos gêneros textuais, com a finalidade de que não mais seja a leitura pela leitura, mas sim que os alunos compreendam, sintetizem, analisem e, consequentemente, tenham condições de defender seus pontos de vista. O ensino de língua portuguesa por meio dos gêneros textuais apresentado e exigido pelos Parâmetros Curriculares revelam essa preocupação não só com os conteúdos gramaticais, mas, prioritariamente, com a formação de leitores. Partindo dessa proposição de gêneros, o presente trabalho pretende apresentar uma breve reflexão a respeito da leitura e de como ela deve ser encarada pela escola.

Com a leitura temos a possibilidade de atingir novos horizontes por meio do desenvolvimento de aptidões para construção do leitor enquanto ser crítico socialmente construído; no entanto, o que temos presenciado é uma quantidade e qualidade de leitura muito inferior do que deveria. Nosso país passa por uma situação bastante crítica, na qual pesquisas evidenciam que o ensino de leitura está ficando cada vez mais ultrapassado, focando, ainda, para os estudos gramaticais mecânicos.

Mediante esse fato, permanece a imperativa necessidade de se examinar e aperfeiçoar as concepções referentes à leitura, fundamentalmente em sala de aula. O professor deve lançar mão de novas práticas para ganhar seus alunos, a fim de conduzi-los na compreensão e interpretação das obras que leem, assim, poderão alcançar e partilhar em sociedade, de maneira consciente e participativa, todos os conteúdos apreendidos. Esse trabalho pretende apresentar uma reflexão, ainda que de forma breve, a respeito da leitura, de como ela é encarada na/pela escola. Para tanto, partimos do pressuposto de que formar um leitor competente é dar oportunidade para que se torne capaz de entender o que lê, de reconhecer que a um mesmo texto podem ser atribuídos múltiplos sentidos, de perceber o que não está escrito e, aliás, de constituir relações com outras leituras passadas.

Ao buscar formar leitores ativos e capazes, percebemos que esse conceito encontra-se associado à compreensão de leitor não como um sujeito passivo, e sim como uma pessoa que constrói a sua interpretação numa relação de diálogo íntimo com aquilo que lê, aceita ou diverge da voz do autor. Tal relação atrela-se a um determinado nível de autonomia, em que o aluno entende que o texto não é uma verdade absoluta. Dessa maneira, torna-se primordial, sobretudo no espaço escolar, entender que a escola deve ser responsável por oferecer bons modelos de leitura para o aluno e, como um instrumento de prática social, expor o aluno a diversos gêneros textuais. A partir desse contato com a diversidade, é possível estipular contrapontos, explicando para o aluno que cada texto tem uma especificidade e possibilita uma determinada interpretação do real.

1Professora doutora do Departamento de Letras Vernáculas da UEL.

Page 305: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 305

Leitura: breve histórico

A escrita surgiu da necessidade do homem de criar registros, suas ações do cotidiano, suas conquistas, seus rituais, armazenar dados, enfim, de preservar sua história o que, até então, era realizado oralmente e, por consequência, podendo ser facilmente alterado. Os sinais mais antigos da escrita são originários da região baixa da antiga Mesopotâmia, datando mais de 5500 anos. Essa escrita era formada por ideogramas que representavam uma palavra, a chamada pictografia.

Numa segunda etapa, a escrita adquiriu valores fonéticos e menos signos foram necessários para traduzir as ideias de um idioma. A leitura como é feita nos dias de hoje não existia até a Antiguidade Clássica, pois faltavam textos e público leitor.

Passados três mil anos, a leitura contou com diversos materiais, das anotações que eram feitas em tabuletas de argila e, posteriormente, em papiros, aos pergaminhos (por volta de 165 anos A.C.), papéis de preço baixo, perecíveis, nos quais o escriba documentava a informação oral recebida. O pergaminho podia ser dobrado, costurado e cortado, surgindo assim o livro em folhas.

Observamos, no entanto, que a leitura no período medieval tinha cunho mais coletivo do que particular. A leitura mais individualizada aconteceu na alta Idade Média, período em que o livro escrito passa a ter um linguajar menos culto daquele que circulava na corte. Ainda neste período, a leitura sofre outra curiosa transformação, a prática de ler que antes era feita em praças públicas, passou a ser realizada dentro das igrejas e de escolas religiosas, ou seja, falava-se a respeito de textos espirituais e, principalmente, sobre a Sagrada Escritura.

Com o surgimento das escolas, a partir do século XI até o século XIV, a alfabetização, a escrita e a leitura progrediram consideravelmente. Ainda no século XIII, surge uma biblioteca mais acessível à população. Era tida não como local para conservação, mas se destinava agora à leitura e também às pesquisas daquele que desejasse. Tais práticas de leitura causaram impacto intelectual às próximas gerações, influenciando na formação de uma consciência crítica diante do texto, bem como no próprio pensamento (opiniões, ideias, pontos de vista).

Na Idade Moderna, entre os séculos XVI e XIX, tem-se maior acesso aos livros e a prática da leitura ocorre por causa das grandes evoluções históricas, como a religião, a alfabetização e, principalmente, o processo de industrialização. Como assinala Cavallo e Chartier (1998), a primeira transformação que afetou as práticas de leitura, nesta época, é de ordem técnica, figurada pelo advento da impressão, que vem modificar a produção de textos e de livros, feitos, até então, de forma manuscrita. Até 1440, o livro era fabricado de maneira artesanal e escrito manualmente. Nesta época, Johann Gutenberg, depois de muito insistir, aperfeiçoou uma prensa de impressão, trazendo agilidade e padrão aos textos com um valor mais enxuto. Logo, houve aumento em sua produção e centenas de leitores puderam ter acesso ao mesmo livro. Ainda que de forma lenta, o livro impresso conduziu beneficamente a história da leitura. As mesmas obras lidas em livros artesanais agora eram lidos em revista: - uma leitura que fragmenta os textos em unidades separadas, e que reencontra, na articulação visual da página, as conexões intelectuais ou discursivas do raciocínio (CHARTIER, 1994).

A leitura acrescenta, mas não sem antes apropriar-se do conhecimento prévio de seu leitor, dando novos e diferentes caminhos à interpretação de cada um, sendo assim imprescindível

Page 306: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores306

na construção do saber do ser humano, este é um momento fundamental da história da educação, pois o homem começa a ter maior acesso ao conhecimento.

Com o direito de todo cidadão a frequentar escolas públicas e receber delas educação, defendido por Martinho Lutero, através da Reforma Protestante, na Alemanha, incita a necessidade de difundir a educação, objetivando que todos pudessem ler, essencialmente textos bíblicos, que era algo inacessível aos indivíduos.

Houve uma grande mudança no século XVIII, de acordo com Chartier, no que tange ao estilo de leitura. A leitura intensiva, caracterizada pela memorização, por exemplo, transforma-se para leitura extensiva, em que os textos são mais numerosos e diversificados. Assim define Chartier (1994, p.189):

O leitor intensivo é confrontado com um corpus limitado e fechado de textos lidos e relidos, memorizados e recitados, ouvidos e sabidos de cor transmitidos de geração a geração [...] O leitor extensivo, o da Lesewut, da ânsia da leitura que toma conta da Alemanha no tempo de Goethe, é um leitor totalmente outro: ele consome muitos e variados impressos; lê-los com rapidez e avidez, exerce em relação a eles uma atividade crítica que, agora, submete todas as esferas, sem exceção, à dúvida metódica.

Nesse século, observamos que a leitura, ainda que de maneira insuficiente, limitada, remete à ideia de leitura como origem de lazer, prazer, enobrecimento cultural, elevando o indivíduo a um novo patamar social, melhorando, inclusive, o trato com seu semelhante. As bibliotecas, nessa época, não servem simplesmente para os leitores lerem, mas também para debaterem a respeito do material “digerido”, fazendo deles grandes formadores de opinião, tornando-os um perigo à segurança nacional, pois à medida que se instruíssem, mais desenvolveriam sua consciência crítica.

Em decorrência do avanço da alfabetização, no século XIX, vimos um novo modelo de leitura, novas classes de leitores, como as mulheres que passam a consumir livros de culinária, revistas, romances, a literatura infantil, que na primeira metade deste século era, em sua maior parte, feita por fábulas e também por contos de fada. Dessa forma, o leitor operário acaba sendo seduzido pela leitura como fonte de lazer.

No Brasil, existiu um aumento de escolas, desenvolvimento das classes médias, em conseguinte uma progressão do mercado editorial. O governo tinha tanta preocupação a respeito do que a imprensa iria publicar, que tudo era muito bem supervisionado, inspecionado, podendo até, de acordo com o material veiculado, levar à prisão. O mesmo acontecia com o material que viria ao Brasil.

Existia, no país, uma dificuldade enorme para ser um leitor. Os governantes da época dificultavam muito o acesso do povo aos livros. A censura é abolida após o ano de 1821, aumentando a possibilidade de leitura. O livro didático era uma atividade muito rentável e que começou a ser produzido com muita urgência, pois D. João implantara instituições de Ensino Superior forçando a imprensa Régia – primeira imprensa do Brasil – a trabalhar com muito afinco na impressão deste material.

Mesmo após a Proclamação da República, o ensino continua debilitado, trabalhava-se a favor das elites, e mesmo nas mãos agora de D Pedro, as classes mais baixas sofriam com o preconceito cultural estabelecido. Apesar de se depositar as melhores chances à elite, não existe um bom preparo por parte dos educadores, as escolas são precárias.

Page 307: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 307

O governo assinou um Decreto2, em 30 de junho de 1821, permitindo

“[...] a qualquer cidadão o ensino, e a abertura de escolas de primeiras letras, independente de exame ou licença”. A colaboração da iniciativa privada, solicitada de maneira hábil, tivera como justificativa, além da falta de recursos públicos, a necessidade de “[...] facilitar por todos os meios a instrução da mocidade no indispensável estudo das primeiras letras”. Tivera ainda a intenção de “assegurar a liberdade que todo o Cidadão tem de fazer o devido uso de seus talentos”, sem prejuízos públicos.

O Brasil só viu transformação com a criação do Ministério da Educação, em 1930, logo após a chegada de Getúlio Vargas ao poder. Com o nome de Ministério da Educação e Saúde Pública, a instituição desenvolvia atividades pertinentes a vários ministérios como saúde, esporte, educação e meio ambiente, de acordo com o MEC. Assim, surgiram novas ideias, como o aprimoramento do livro didático, focando a leitura e o ensino da literatura.

Em 1937, foi criado o Instituto Nacional do Livro (INL), durante o governo de Getúlio Vargas, impulsionando a leitura no país. Este foi um período de extrema importância para a história cultural, educacional do país. Devemos atribuir também a melhora considerável ao então ministro da educação, Gustavo Capanema, que atuou durante todo o governo de Getúlio Vargas, assessorado por um grupo de intelectuais ligados à vanguarda do Modernismo, do qual faziam parte Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Rodrigo Franco de Andrade, entre tantos outros.

No ano de 1990, o INL deixa de existir, sendo substituído pelo PROLER (Programa Nacional de Incentivo à Leitura), em 1992, o qual objetiva atuar como uma política de leitura, qualificando as relações sociais através do incentivo a práticas leitoras críticas e conscientes, mantido até os dias atuais.

Em 2006, é introduzido o PNLL (Plano Nacional do Livro e Leitura) pelo governo Lula, que é, de acordo com o site do PNLL3, um conjunto de projetos, programas, atividades e eventos na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas em desenvolvimento no país, empreendidos pelo Estado (em âmbito federal, estadual e municipal) e pela sociedade, sendo que, ainda de acordo com o site, é sua prioridade transformar a qualidade da capacidade leitora do Brasil e trazer a leitura para o cotidiano do brasileiro. Essa política pública é orientada por quatro eixos principais: a democratização do acesso, fomento à leitura e formação de mediadores, valorização da leitura e da comunicação e desenvolvimento da economia do livro.

A escola e a concepção de leitura

A necessidade que temos de ler explica-se por várias razões, a maioria conhecida: porque necessitamos de conhecimento, não apenas de terceiros e de nós mesmos, mas das coisas da vida, lemos para nos comunicar; para resolver uma questão proposta por nós ou por alguém; para nos aperfeiçoar; para nos informar; para adquirir mais conhecimento; para saciar nossa sede do saber; para recreação e lazer. Cada um sabe para que lê. Muitos são os motivos para a leitura. Cada leitor tem seu modo de perceber e de atribuir sentido àquilo que lê.

2 Disponível em: http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/105/3/01d06t03.pdf3 Disponível em: http://189.14.105.211/Default.aspx

Page 308: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores308

É possível que façamos uma leitura simplesmente para descobrir qual o sentido oculto da leitura. E é possível que esta descoberta aconteça numa passagem, num pensamento, numa personagem, numa metáfora.

Mais importante do que buscar a resposta do por que se lê, ou até mesmo para quê, é necessário que entendamos a necessidade da leitura em nossas vidas. A leitura é uma condição vital à formação do estudante, entretanto trata-se de um grande desafio para os professores, não só de Língua Portuguesa, mas de todas as áreas, haja vista que ler e escrever são meios essenciais para o desenvolvimento da capacidade do aprendizado, gerando os alicerces necessários para a formação do estudante. Lembrando Monteiro Lobato (apud DEBUS, 2001, p. 50) que:

Há homens que passaram a vida sem ler um livro, fora dos escolares, e justamente por não terem, quando criança, o ensejo de ler um só livro que lhe falasse à imaginação. No entanto, os que têm a felicidade de na idade própria entrarem em contato com livros que ‘interessam’, esses se tornam grandes ledores e por meio da leitura prolongam até o fim da vida o progresso auto-educativo. Quem começa pela menina da capinha vermelha pode acabar nos Diálogos de Platão, mas quem sofre na infância a ravage dos livros instrutivos e cívicos, não chega até lá nunca. Não adquire o amor da leitura.

A leitura, quando frequente, leva os alunos a detectarem irregularidades e redundâncias na escrita, passando assim a aprenderem mais e mais por meio e a respeito da leitura.

Ensinar a ler e a escrever no Brasil fica, praticamente, a cargo das escolas. Cabendo, assim, ao professor, estimular o aluno e também proporcionar caminhos para que se aproprie de conhecimentos, atrevendo-se a persistir nesta aprendizagem, a estabelecer suas próprias hipóteses a respeito do sentido do que lê. A escola tem como função formar leitores, capacitando-os para a produção da leitura, e esta nova concepção de leitura dá espaço a uma pedagogia do ato de ler e, dessa forma, para formação de um leitor eficiente, de fato, aquele que sabe ler, inclusive, as entrelinhas. Fregonezi (2003, p.3) afirma:

Como a prática tradicional de leitura é centrada na função utilitária que se efetiva ao levar o aluno a adquirir conhecimento através da leitura, muitas vezes, apaga-se sua heterogeneidade textual. Tal prática impede os alunos vejam a complexidade de relações entre a linguagem verbal e a não-verbal, bem como as relações com outros textos já produzidos.

A escola é o primeiro local legitimado, onde, conscientemente, tem-se a produção da leitura e da escrita. E fica sob sua responsabilidade promover estratégias e condições para que ocorra o crescimento individual do leitor suscitando-lhe interesse, aptidão e competência. Portanto, é indispensável que a escola cumpra com eficiência seu objetivo. De acordo com Soares (1995, p. 73):

A função primordial da escola seria, para grande parte dos educadores, propiciar aos alunos caminhos para que eles aprendam, de forma consciente e consistente, os mecanismos de apropriação de conhecimentos. Assim como a de possibilitar que os alunos atuem, criticamente em seu espaço social.

Page 309: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 309

O professor apresenta um mundo novo ao aluno, uma amplitude literária de gestos, corpos em movimento e imagens, contribuindo no desenvolvimento da capacidade de interpretar e estabelecer significados diferentes sobre os vários textos pertencentes aos mais diversos gêneros, promovendo inúmeras experiências, situações novas que traduzam numa utilização diversificada do ler.

O grande desafio dos mestres consiste em criar estratégias que instiguem os alunos a ler e pode ser que tais estratégias sejam mais simples e tangíveis que se imagina. A motivação é gerar, no aluno, prazer, é fazer com que ele se divirta, é apresentar-lhe uma vastidão de gêneros, entendendo-se como gêneros: contos, poemas, notícias, receitas, mapas, crônicas, etc.; ampliando seus horizontes, conduzindo-o a questionar, contestar, buscar as respostas aos seus porquês.

Considerando o exposto, Kleiman (2008, p. 26-27) reafirma a importância do conhecimento prévio para a compreensão dos sentidos do texto, pois:

A leitura implica uma atividade de procura por parte do leitor, no seu passado, de lembranças e conhecimentos, daqueles que são relevantes para a compreensão de um texto que fornece pistas e sugere caminhos, mas que certamente não explicita tudo o que seria possível explicitar.

São muitos os jovens que saem das escolas iletrados, ou seja, não interpretam um texto, não conseguem ir além do que veem escrito. Foucambert (1998) defende a ideia de que o problema da sociedade contemporânea está mais no iletramento do que no analfabetismo, pois, se está havendo um avanço da escolaridade universalizada nos países industrializados, como pode, ainda, existir um aumento alarmante de pessoas analfabetas funcionais? Nesse sentido, o referido autor explica que é devido ao fato de que em pouco tempo não é possível tornar as pessoas hábeis para tais competências (leitura e escrita) em níveis satisfatórios, ou até mesmo, torná-las capaz de fazer uma simples correspondência entre o oral e o escrito, ou seja, são trabalhos que exigem condições adequadas e específicas para o seu desenvolvimento, dentre elas, podemos destacar a questão do preparo dos professores, do tempo disponibilizado para a realização de tais atividades e também a questão da qualidade do ensino.

Um exemplo que podemos verificar e que vai ao encontro das ideias de Foucambert (1998) é a proliferação dos Cursos de Ensino a Distância, sobremaneira, nos últimos anos, refletindo, assim, a preocupação dos governantes apenas com dados quantitativos e, por outro lado, não se preocupam com a qualidade do ensino.

Sabemos que não é com a quantidade que o Brasil deve se preocupar, e sim, com a qualidade da educação que está sendo ministrada dentro de nossas escolas. As condições de alfabetização devem iniciar no ingresso da criança aos bancos escolares, evidentemente só haverá bons leitores se houver muita leitura, de fato, eficaz. É importante aguçar o interesse pelo desconhecido, a busca pelo prazer e, fundamentalmente, incentivar a aquisição de conhecimentos adquiridos passo a passo pelo aluno leitor.

considerações finais

A necessidade da leitura é uma realidade, principalmente no que se refere ao contexto brasileiro, cabendo ressaltar que não basta a leitura pela leitura, mas compreender, diagnosticar o

Page 310: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores310

que aqueles símbolos nos têm a dizer. A compreensão é uma prática que requer treino, trata-se de um exercício no qual mente e sentimentos são acionados de forma rápida e dinâmica. Há um longo percurso que se deve trilhar, é por meio da leitura e da escrita que se obtêm o conteúdo base para o acesso aos demais conteúdos do conhecimento.

Percebe-se, então, que é crucial que a escola ensine aos alunos, não somente o aspecto formal da escrita, mas também como fazer bom uso dela e o porquê da sua importância, ficando a cargo dos professores (ministrem eles quaisquer disciplinas, uma vez que a escrita e a leitura são o canal principal da aquisição do conhecimento) despertar nos alunos o entendimento de textos e a criação de hipóteses. Nunca é demais encorajá-los a usarem a criatividade e a desenvolverem suas próprias obras.

Entretanto, os alunos demonstram, a cada dia, maior desinteresse pela leitura. Investir na formação de leitores é uma tarefa urgente. O orientador educacional, neste caso, é um grande impulsionador, um mediador dos trabalhos realizados pela escola. Por meio de um trabalho que busca parceria com a família, direcionando para soluções alternativas que tornem a educação uma conquista de todos e a leitura uma herança, a qual o aluno/leitor leva para toda vida, torna-se possível enxergar um sujeito atuante no processo de ensino aprendizagem, um verdadeiro cidadão, participativo e crítico sempre em busca de uma sociedade mais igualitária.

Referências

ACERVO DIGITAL DA UNESP. Disponível em: http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/105/3/01d06t03.pdf. Acessado em: junho de 2012.

BRASIL. Secretaria e Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRASIL. Secretaria e Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 2000.

CAVALLHO, Guglielmo e CHARTIER Roger. História da Leitura no Mundo Ocidental. São Paulo: Ática, 1998.

CHARTIER, Roger. Do códige ao monitor: a trajetória do escrito. In: Estudos Avançados, v.8, n.2,1994.

DEBUS, Eliane Santana Dias. O leitor, esse conhecido: Monteiro Lobato e a formação de leitores. Disponível em: www.unicamp.br/iel/memoria. Acessado em 10 de maio de 2011.FOUCAMBERT, J. A criança, o professor e a leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.

FREGONEZI, José Antonio. Mídia: exercícios de leitura. Londrina, Humanidades, 2003.

KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: Aspectos cognitivos da leitura. 11 ed. Campinas: SP, Pontes, 2008.

Page 311: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 311

PLANO NACIONAL DO LIVRO E DA LEITURA. Disponível em:http://189.14.105.211/Default.aspx. Acessado em: junho de 2012.

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 13. ed. São Paulo: Ática, 1995.

Page 312: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores312

O INSÓLITO POSSÍVEL DE JUAN CARLOS ONETTI

Enrique V. Nuesch1

A ficção narrativa de Juan Carlos Onetti não é conhecida pela sua proximidade com as manifestações do fantástico, do realismo mágico ou do real maravilhoso, como ficaram conhecidas por seus traços mais gerais. Quem puder seguir a sequência de sua produção ficcional dos anos 30 até os seus últimos contos, no começo nos anos 90, verá que pouco espaço se encontra para transgressões às convenções do realismo, exceto por dois detalhes: no romance La vida Breve, de 1950, o personagem Brausen termina por “ingressar” no mundo ficcional que ele mesmo estava criando enquanto personagem que escreve um roteiro cinematográfico dentro do enredo do romance; no romance Dejemos hablar el viento, de 1979, o personagem Carreño é um morto-vivo, portador de revelações com consequências importantíssimas para o entendimento da parte da obra ficcional de Onetti que ficou conhecida como “el ciclo de Santa María”, conforme denominada pela crítica. De fato, os pareceres da crítica jamais situaram Onetti nem perto das correntes acima mencionadas, referindo-se nada mais que a uma certa atmosfera onírica em algumas de suas narrativas.

De nossa parte, vamos propor em nosso arrazoado que a ficção narrativa de Onetti possui uma face que dialoga com o insólito, podendo-se, assim, por um raciocínio dedutivo, concluir que está implícita nela uma linha de desenvolvimento do insólito, que não se encontra efetivamente expandida textualmente.

Em outro lugar (NUESCH, 2012), demonstramos que ler a ficção de Onetti segundo a ideia de “Mundos Possíveis”, desenvolvidas em filosofia por Leibniz e encontrada igualmente na literatura de Borges (MATES, 2003), resolveria certas contradições insuperáveis por uma lógica unidirecional de leitura. Sugerimos, assim, que a ficção de Onetti tem uma concepção própria de mundos possíveis, que se dá a ler na medida em que se confrontam as contradições ao longo da sua obra. Diremos, pois, que nela, encontram-se diversos mundos possíveis, sendo que um deles é um mundo regido pela lógica (ou pela aparente falta de lógica) do insólito.

Para situar o leitor, primeiramente ilustraremos o que seriam as ditas contradições. Por economia de espaço, lamentavelmente, precisaremos ser bastante sintéticos, ficando o leitor convidado a adentrar nos diversos mundos onettianos encontrados ao longo dos seus onze romances e 47 contos, produzidos ao longo de mais de seis décadas de trabalho. Deve-se entender, de partida, que Onetti construiu em sua ficção uma cidade imaginária chamada Santa María, da qual vamos conhecendo os moradores e fatos ao longo da obra do autor. Nos diversos trânsitos de vozes narrativas entre personagens e narradores oniscientes, os fatos em que os moradores-personagens se envolvem são narrados ao leitor mais de uma vez. Ocorre também que a “história” da cidade não se constrói numa linha temporal contínua ao longo das datas de publicação dos contos e romances. Por exemplo, Uma tumba sin nombre, de 1959 refere-se a um tempo posterior a Juntacadáveres, de 1964. Colocada esta situação, exporemos as mencionadas contradições de forma sumária:

No capítulo 16 da segunda parte de La vida breve (1950), ocorre uma reunião entre alguns dos principais personagens da ficção de Onetti, como Díaz Grey, Jorge Malabia, o

1 Doutorando em Letras pela UNESPAR/FECEA – UEL.

Page 313: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 313

comissário Medina, o velho Lanza, Larsen, entre outros. Esta reunião dá-se num bar ou restaurante chamado “Berna” e é narrada do ponto de vista do personagem Brausen, que, como dissemos brevemente, até um determinado ponto do romance é apresentado ao leitor como o próprio criador de Santa María e dos personagens dos quais ele agora relata a reunião. Brausen, após testemunhar a reunião, sai do estabelecimento, e em sua refere-se à meteorologia da noite assim: “este viento tormentoso que venía del rio”, “comenzó el golpeteo de la lluvia; la claridad de los relâmpagos” (ONETTI, 1999, p. 291 e 297), ou seja, uma noite de tormenta e chuva. Por outro lado, no romance Juntacadáveres, a mesma reunião é apresentada ao leitor, agora do ponto de vista de um dos participantes. No capítulo seguinte, a condição meteorológica da mesma noite é descrita assim: ““un viento de fin de noche” (ONETTI, 1995, p. 186)”. O leitor, ao considerar os dois romances, tem, ao mesmo tempo, uma noite de clima calmo e de tormenta.

No romance Una tumba sin nombre, (1959), os personagens Dìaz Grey e Jorge Malabia estão conversando, quando em dado momento, o segundo menciona “la tarde en que usted y otros hombres vinieron a mirar lo que quedaba de Julita” (ONETTI, 1977, p. 67). Malabia, aqui, está-se referindo ao suicídio de Julita, do qual sabemos os detalhes em Juntacadáveres. Após a reunião mencionada acima, os personagens dirigem-se à estação de trens, quando são notificados do suicídio de Julita. Entre eles está Díaz Grey, que é o médico da cidade, e é convocado ao local para inspecionar a cena do suicídio. Ora, ocorre que a reunião no “Berna” e a ida à estação de trem na qual Díaz Grey é convocado, dão-se, como vimos, à noite. Porém, em Una tumba sin nombre o momento da inspeção da cena do suicídio é referida por Malabia como dada em uma tarde. O leitor, ao considerar os dois romances, tem a cena do encontro do corpo de Julita ocorrendo, ao mesmo tempo, à tarde e à noite. Considerando os três romances, tem a mesma cena podendo ter ocorrido à tarde, numa noite de tormenta ou numa noite calma.

O romance El astillero (1961) apresenta dois finais: no primeiro, do principal personagem da trama, Larsen, diz-se, no último capítulo, que vai embora de Santa María, mas também, entre parêntese, como uma versão alternativa, que se vai e morre de pneumonia (citamos partes dos dois parágrafos): “Los lancheros lo encontraron antes del amanecer debajo del cartel Puerto Astillero / (O mejor, los lancheros lo encontraron, pisándolo casi, encogido, negro [...]. Murió de pulmonía en El Rosario antes de que terminara la semana” (ONETTI, 1971, p. 166). O leitor tem, diante de si, pois, as duas possiblidades.

No último capítulo do romance Dejemos hablar el viento (1979), conta-se que a cidade inteira foi devastada por um incêndio enorme, iniciado pelo personagem “Colorado”, a mando de Díaz Grey e do comissário Medina, o qual, inclusive, morre no fogo. No romance Cuando ya no importe (1993), Dìaz Grey, em conversação com o protagonista do romance, Carr, relata que aquele incêndio causou estragos menores: “aparte de arder dos o tres ranchos y que por suerte nadie murió” (ONETTI, 1993, p. 88). Considerando os dois romances, o leitor há de decidir se abona a versão do incêndio de Dejemos hablar el viento ou a de Cuando ya no importe.

Considerando as três primeiras contradições, poder-se-ia especular se não haveria ocorrido um lapso de memória no autor. Porém, as duas últimas deixam claro que isto não é verdade, e sugerem, a nosso ver, que tais contradições são, antes de tudo, uma estratégia de construção do mundo ficcional de Onetti. Numa síntese da ideia de Mundos Possíveis, afirmava Leibniz:

Page 314: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores314

Quando vos digo que há uma infinidade de mundos possíveis, pressuponho que não impliquem contradições, assim como se podem escrever romances que nunca se realizarão, mas que são possíveis. Para que uma coisa seja possível, basta que seja inteligível (LEIBNIZ, 1712).

Pensando esta noção conjuntamente com a obra de Onetti, vê-se que as contradições podem ser resolvidas se as considerarmos não mais como contradições, mas sim como possibilidades de mundos distintos. Por exemplo, três mundos diferentes, um para o suicídio acontecido na noite de tormenta, um para o ocorrido na noite calma e um para o ocorrido à tarde. Cada nó de contradição deve ser considerado, pois, o germe de três histórias diferentes, das quais só algumas foram desenvolvidas explicitamente na obra ficcional de Onetti, enquanto que as outras são dedutíveis, ou seja, meramente inteligíveis, mas não impossíveis. O mesmo pode-se dizer do incêndio e da morte ou vida de Larsen. Assim, do ponto de vista de uma lógica realista, há diversas linhas de desenvolvimento, que, ao encontrar-se na superfície textual geram contradições aparentes, mas que de fato não existem, desde que se aceite a ideia de Mundos Possíveis em Onetti.

No entanto, isso soluciona as contradições acima elencadas, mas deixa sem resolver uma contradição em outro nível, manifesta pela existência do personagem Carreño em Dejemos hablar el viento, que mencionamos acima. Este é nada menos que um morto-vivo: é Larsen, que ressurge nesse romance como a síntese entre o Larsen vivo e o Larsen morto dos dois finais de El astillero. É uma contradição em outro nível, na medida em que vai de encontro à lógica realista que rege as possibilidades dedutíveis das contradições antes apresentadas. Devemos considerar, assim, que há entre os mundos possíveis de Onetti ainda um com características não realistas, regido por características do insólito, ou do fantástico.

Roas (2011) afirma, junto com Jordan, que “la narrativa fantástica contemporánea no intenta abolir la referencia extratextual sino que lo que hace es crear nuevos sistemas referenciales o “mundos alternativos” que, al ser homologados a “la realidad”, cuestionan la vigência de esta noción” (ROAS, 2011, p. 155). É exatamente o que faz Onetti ao longo de sua obra. Roas (2011, p.157) elenca quatro dos que ele considera traços essenciais do insólito contemporâneo, quais sejam, a justaposição conflitiva das ordens da realidade; alterações da identidade; o recurso de dar voz ao Outro, de fazer narrador o ser que está do outro lado do real; a combinação do fantástico com o humor. Destes quatro itens, podemos afirmar com certeza que pelo menos os três primeiros são nitidamente visíveis no conjunto da obra de Onetti. O primeiro deles aparece com força naquilo que a crítica considera uma das mais importantes passagens da obra do autor, a suposta fundação da cidade de Santa María, acontecida em La vida breve (1950). Como já descrevemos, essa suposta criação é envolvida em complexidade porque o mesmo criador da cidade enquanto ficção (o protagonista Brausen) termina por entrar em sua criação, e o leitor, ao ler o romance Juntacadáveres, se encontra com o fato de que essa “criação” já tinha todo um histórico muito antes de Brausen nela haver entrado (veja-se acima o que dissemos sobre a cena da conversa na cervejaria Berna). Algo que não mencionamos antes é a consciência dos personagens, em diversos contos e romances, de que são produtos da linguagem. O mais emblemático dos momentos em que essa consciência é anunciada, dá-se no momento do aparecimento do Larsen morto-vivo, quando este apresenta ao seu interlocutor em Dejemos hablar el viento, Medina, uma página do romance La vida breve, e afirma que Santa María, tudo

Page 315: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 315

o que a rodeia e todos os que vivem nela, não passam de produtos de Brausen, na suposta criação de Santa María em La vida breve:

– Brausen. Se estiró para dormir la siesta y estuvo inventando Santa María y todas las historias. Está claro.– Pero [responde Medina] yo estuve allí. También usted.– Está escrito, nada más. Pruebas no hay [...]. (ONETTI, 1979, p.142)

Temos, por um lado, um Brausen que “entrou” e vivenciou Santa María, passando da dimensão real para a ficcional; por outro lado, temos a afirmação de que Santa María é de apenas ficcional. Impossível decidir-se, baseando-se no que “está escrito, nada más”, por uma alternativa; é uma justaposição extrema, na qual as duas dimensões se confundem.

A segunda característica apontada por Roas, a mudança de identidade, encontra-se facilmente representada pela entrada de Brausen naquilo que seria o mundo ficcional por ele mesmo criado. Se, nas palavras de Roas, “en casos extremos, se llega a plantear incluso la disolución total del yo mediante la transformación em outro ser, como mediante la pérdida de su entidad física, la desparición” (p.162), então temos em Onetti um caso extremo, com Brausen desaparecendo em Santa María. Mas este tema da fuga de si para a ficção é, de fato, já um lugar comum na crítica onettiana, interessa muito mais indicar que há, igualmente, uma consciência dessa precariedade do indivíduo, que se anuncia principalmente pela voz de um do personagem Díaz Grey. Em Juntacadáveres, este julga acerca de um habitante da cidade:

No es una persona; es, como todos los habitantes de esta franja del río, una determinada intensidad de existencia que ocupa, se envasa en la forma de su particular manía, su particular idiotez. Porque sólo nos diferenciamos por el tipo de autonegación que hemos elegido o nos fue impuesto (ONETTI, 1980, p.28).

Não uma pessoa, mas apenas uma determinada “intensidade”, algo fluido que apenas ocupa uma forma. Pode-se comparar com as palavras do narrador de El astillero, quando afirma que os atos de uma pessoa a precedem, e que estas são, na verdade, pacientes e não agentes:

Larsen supo en seguida qué debía hacer [...]. Como si fuera certo que todo acto humano nace antes de ser cometido, preexistente a su encuentro con un ejecutor variable. Sabía qué era necesario e inevitable hacer. Pero no le importaba descubrir el porqué. Y sabíaigualmente que era peligroso hacerlo o negarse. Porque si se negaba, después de haber vislumbrado el acto, éste, privado del espacio y de la vida que exigía, iba a crecer en su interior, enconado y monstruoso, hasta destruirlo. Y si aceptaba cumplirlo – y no sólo lo estaba aceptando sino que ya había empezado a cumplirlo – el acto se alimentaría vorazmente de sus últimas fuerzas. (ONETTI, 1971, p.139-40)

São exemplos, de tantos, em que a dissolução da individualidade se apresenta na ficção de Onetti, sugerindo configurações um tanto bizarras para o que poderia ser a subjetividade.

Marcando o terceiro e último traço apontado por Roas, dar a voz narrativa ao Outro, devemos novamente nos remeter à questão da consciência do mundo como uma escrita ficcional, ou o apagamento do da barreira realidade/ficção pela justaposição entre mundos.

Page 316: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores316

Como dissemos, esta consciência está presente em diversos lugares da obra de Onetti, entre os quais a famosa cena da entrega da página pelas mãos de Larsen morto-vivo. No mesmo romance Dejemos hablar el viento, o personagem Díaz Grey, ao referir-se a fatos passados de sua vida, afirma:

Varios libros atrás podría haberle dicho cosas interesantes sobre los alcalóides” e, na mesma página, referindo-se aos episódios por ele vividos em “La casa en la arena” (1949), ele ainda afirma: “Oh, historia vieja. Estuvimos un tiempo en una casa en la arena. Tipo raro. Hace de esto muchas páginas. Cientos (ONETTI, 1979, p. 200).

Este tipo de afirmação denota que há uma remissão ao que poderíamos chamar de Outro da escrita, aquele que escreve o que se sucede aqui a partir de outro lugar, um lugar de poder discursivo, por exemplo, ou múltiplos lugares, haja vista ser conhecido o fato de haverem romances de Onetti (El pozo, 1939, e Una tumbra sin nombre, 1959), que apresentam marcas de enunciação indicando que são escritos na medida em que os lemos.

Recapitulemos. Além das recém apontadas características do insólito na obra de Onetti, encontramos nesta um conjunto de textos que, se lidos de acordo com uma lógica realista, apresentam contradições irresolúveis, como um mesmo fato acontecendo em tempos diferentes. Igualmente, é clara a sobreposição de fluxos espaço-temporais, como na cena da cervejaria Berna. Em suma, vista como um todo, a obra de Onetti não pode ser lida em uma clave realista, necessita de uma leitura que considere a possibilidade de transgredir a lógica tradicional. Essa possibilidade nos é dada quando a leitura se faz pensando na ideia de mundos possíveis, a qual nos permite especular sobre a constituição e desenvolvimento de diversos mundos implicados no conjunto que é, aparentemente, contraditório. Ora, esta transgressão da lógica permite que se especule acerca da possibilidade de haver um mundo-onetti em que as coisas se dão de acordo com uma ideia geral do insólito, principalmente se se considera o insólito do ponto de vista de uma construção linguística singular.

Referências

MATES, Benson. Leibniz on possible worlds. In: RESCHER, Nicolas (ed.). On Leibniz. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2003. p. 1-44.

NUESCH, Enrique. Os mundos possíveis de Juan Carlos Onetti. Moara, Belém, n.37, 2012. No prelo.

ONETTI, Juan Carlos. Cuando ya no importe. Barcelona: Alfaguara, 1993.

_____ Dejemos hablar al viento. Barcelona: Bruguera, 1979.

_____ El astillero. Barcelona: Salvat, 1971.

_____ Juntacadáveres. Barcelona: RBA/Planeta, 1995.

Page 317: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 317

_____ La vida breve. Buenos Aires: Sudamericana, 1999.

_____ Para una tumba sin nombre. Buenos Aires: Calicanto/Arca, 1977.

ROAS, David. Tras los límites de lo real. Una definición de lo fantástico. Madrid: Páginas de espuma, 2011.

Page 318: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores318

APRENDENDO A SER PROFESSOR: DESAFIOS DO PIBID

Virginia Iara de Andrade Maistro1

Este trabalho analisa as impressões de 3 acadêmicos do curso de Ciências Biológicas participantes do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), após 1 ano de atuação como bolsistas do programa em escolas públicas com baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Acreditando que possa colaborar para a análise das contribuições e influências do PIBID nos acadêmicos do curso de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Londrina e, assim, possibilitar uma visão integral sobre a influência do projeto na escolha da profissão docente. Para tanto, entrevistamos os bolsistas acadêmicos, perguntando-lhes: Qual foi o aprendizado que o PIBID lhe proporcionou e se influenciou quanto à escolha da carreira docente.

Utilizamos os estudos de Moraes (2003) sobre “análise textual discursiva” para analisarmos as respostas obtidas, o que nos permitiu determinar novas compreensões das leituras feitas, indicando-nos de que não existe uma leitura única e objetiva de um texto, pois mesmo que sejam semelhantes, podem consentir a construção de uma grande variedade de significados.

O pIBID

O PIBID é um programa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), do Governo Federal do Brasil, que se iniciou em diversas universidades do País, no ano de 2007, cujo principal objetivo é o de induzir e fomentar a formação inicial e continuada de professores por meio da concessão de bolsas para estudantes das licenciaturas e, deste modo, possibilitando um maior diálogo entre a universidade e a escola pública numa interação com educadores da rede pública de ensino que agem como coformadores dos bolsistas.

Para maior clareza em nossas pesquisas trataremos do projeto PIBID/UEL II/2011, que atua em 3 escolas de ensino fundamental, séries finais (do 6º ao 9º ano), com 24 bolsistas do curso de Ciências Biológicas, e com 3 educadores (coformadores/supervisores). Isto se faz necessário, uma vez que existe nesta universidade um outro projeto desta mesma natureza, iniciado em 2009, atuante no ensino médio.

Este projeto, em particular, além de atuar em três escolas de ensino fundamental nas séries finais (6º a 9º ano), também promove atividades no Museu de Ciência e Tecnologia (MCT) desta universidade com o ‘Show da Biologia’ e participa do PIBID Itinerante, levando até às escolas com baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), objetivando não somente as experiências que os acadêmicos possam ter, mas elevar o IDEB das escolas participantes.

Portanto, o subprojeto PIBID/Biologia/UEL/2011 atua em várias frentes e de diversas maneiras, originando discussões sobre como os temas de Ciências e Biologia devam ser contextualizados para que os estudantes aprendam como transpor as inúmeras complexidades e desafios impostos no cotidiano escolar e quais os impactos das experiências que o PIBID

1 Doutora, docente da UEL na disciplina de Metodologia e Prática de Ensino de Ciências e Biologia, do departamento de Biologia Geral. Contato: [email protected]

Page 319: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 319

proporciona aos acadêmicos em formação inicial e a sua influência nestes em seguir a carreira docente.

O pIBID Itinerante

O projeto visa oferecer aos alunos das escolas de Londrina e região, dinâmicas e aulas práticas de Ciências, e muitas vezes assume um caráter interdisciplinar, quando docentes de outras áreas do conhecimento se sentem motivados a participarem deste momento. Desta maneira, durante o período das aulas, de maneira lúdica e informal através de brincadeiras didáticas, os alunos aprendem de forma agradável, e se sentem à vontade para perguntar e refletir sobre o assunto que está sendo posto naquele momento.

Para que o PIBID Itinerante vá até a escola é necessário agendar uma data com a coordenadora deste subprojeto.

O Show da Biologia

Os bolsistas do projeto, em sistema rotativo, atuam também no Museu de Ciências e Tecnologia da UEL, que tem por objetivo básico divulgar, aos alunos de ensino fundamental e médio, assuntos relacionados a Química, Física, Biologia, Astronomia e Matemática, possibilitando aos alunos visitantes observarem na prática, através das experiências e das dinâmicas, conteúdos aprendidos em sala de aula. O show da Biologia apresenta várias dinâmicas e práticas tanto de assuntos relacionados à sexualidade quanto de outros conhecimentos de Biologia, com agendamento feito pelo site do museu ou por telefone, com o responsável deste local. Neste espaço, além de alunos do ensino fundamental (1º ao 9º ano), estas práticas também são demonstradas e discutidas com estudantes do ensino médio; com linguagem adequada para cada ciclo.

A dimensão da complexidade da prática docente

São inúmeros os elementos que interferem na construção de um ensino de qualidade que nos leva a compreender que o ponto de partida poderia ser priorizar a formação inicial dos professores. O trabalho a ser feito para melhorar a qualidade do nosso sistema educacional demanda inúmeras e conjuntas ações que passam, necessariamente, pela formação inicial e continuada daqueles que estão atuando diretamente na educação, os professores. E destes espera-se que não só sejam habilitados na área de conhecimento em que atuam, mas que sejam conhecedores da matéria a ser ensinada, compreendam a importância de pesquisar novas informações, comparando-as e analisando-as e assim construindo seus próprios pensamentos.

Estas necessidades nos indicam a dimensão da complexidade que permeia a prática da docência uma vez que os desafios inerentes a ela são imensos e o professor nem sempre se sente preparado para enfrentá-los. Nem sempre tem a consciência de que a construção de uma sociedade pode se iniciar a partir das ações que acontecem dentro e fora da sala de aula; nos conhecimentos que tem sobre seus alunos e que podem levá-los a refletir sobre a importância da formação do cidadão, sobre os saberes necessários para atuarem como docentes e sobre como

Page 320: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores320

fazerem a transposição didática de Chevallard (2005). São ações que legitimam a necessidade de elaborar um planejamento diferenciado, a partir das informações que os alunos trazem e das leituras que fazem sobre eles no cotidiano escolar.

Compreendemos que formar não é unicamente prover o indivíduo de uma produção de conhecimentos e habilidades, mas é induzi-lo à capacidade de unir, de compreender os acontecimentos que ocorrem durante as suas práticas, de refletir sobre o cotidiano do contexto escolar, de olhar o outro e a si mesmo, de procurar leituras que possam subsidiar sua prática, de realizar múltiplas tarefas, de se configurar como um longo exercício de aprendizado, de exigir maturidade do professor para lidar com as tantas complexidades encontradas no contexto escolar, em um caminhar paciencioso e, muitas vezes, silencioso e, ao longo dele, exercitar a profissão de ser professor.

São desafios que exigem preparação para serem superados e que se constituem como duros choques que a realidade escolar impõe aos futuros professores, descritos por Lippe e Bastos (2008) e Krasilchik (2004), e que vão sendo superados à medida que vivenciam as experiências possibilitadas pela prática. Colocando em prática os saberes que trazem consigo, assim como vão adquirindo outros saberes ao longo da vivência docente que são apontados por Tardif (2002) e Gauthier et al. (2006) em suas pesquisas.

Vivenciando o contexto escolar

A pesquisa foi estabelecida para justificar que a formação inicial para a docência não pode ser limitada apenas ao estudo e domínio de conteúdos e técnicas e os licenciandos serem meros executores das tarefas impostas pelo planejamento escolar, mas, sim, para demonstrar a importância do PIBID quanto à formação inicial e suas influências quanto ao ‘olhar com outros olhos’ a carreira docente. Ao fazermos as análises das respostas obtidas procuramos compreender quais eram as impressões que cada um dos entrevistados tinha a respeito do questionamento que lhes foi feito utilizando os estudos sobre análise textual discursiva de Moraes (2003).

O PIBID, por permitir que o acadêmico passe mais tempo e vivencie melhor o contexto escolar, possibilita maior aprendizado que o estágio obrigatório imposto pelos cursos de Licenciatura, e que é demonstrado pelo bolsista D, confirmando as pesquisas de Tardif (2002) e Gauthier et al. (2006).

O PIBID foi, sem dúvida, o maior aprendizado que eu tive durante minha formação acadêmica. Esse convívio direto com os alunos é o mais importante para a formação de um professor. Perceber que se pode ensinar, passar algum conhecimento, é muito gratificante, mas não se compara com o aprendizado do próprio bolsista preparando as aulas junto com o coordenador, com o supervisor e atuando em sala de aula, se dedicando totalmente, e ao final das aulas perceber que os alunos aprenderam, e que no seu dia a dia tem muito que ensinar e aprender. (Bolsista A)

O PIBID possibilita aos licenciandos colocar em prática os conhecimentos que foram conquistados ao longo do curso, e, na medida em que atuam como docentes, em um tempo maior (32 horas semanais) que o estágio obrigatório (40 horas anuais), vão adquirindo outros tantos saberes.

Page 321: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 321

Hoje posso dizer com uma grande alegria e satisfação que serei professora. O projeto desmistificou uma profissão extremamente desvalorizada e, ainda assim, a mais bonita de todas. Onde o contato, o carinho, a paixão é diária. Posso dizer que foi uma experiência única e maravilhosa. (Bolsista B)A oportunidade de lecionar, que o PIBID oferece aos bolsistas, consolida nosso desejo em ser professor. O respeito, a atenção e a amizade desenvolvida com o passar do tempo, tornam as atividades prazerosas para ambas as partes. (Bolsista C)

De acordo com Gauthier et al. (2006) e Tardif (2002), a tarefa de ensinar demanda a mobilização de certas habilidades, de muitos saberes docentes; e nos espaços onde estes saberes se constituem é que poderão ser tecidos os fundamentos e as bases identitárias da profissão docente que as pesquisas de Pimenta e Lima (2004) sugerem. E as respostas obtidas nos remetem aos estudos de Charlot (2005) sobre as responsabilidades quanto à formação dos futuros professores e de capacitá-los a gerir tensões comuns ao contexto escolar.

Outros olhares

As múltiplas experiências proporcionadas pelo projeto PIBID foram essenciais para a construção da identidade profissional, de conhecer o cotidiano de uma escola pública, de compreender melhor a importância da prática inicial para a docência, do exercício dos conhecimentos adquiridos, do contato com a realidade escolar, da possibilidade de aprender com profissionais mais experientes e tantas outras mais.

A oportunidade de lecionar, as atividades realizadas, a transposição de conhecimentos e a interação entre docentes em formação continuada, acadêmicos em formação inicial e alunos da rede pública de ensino, permitiram ‘outros olhares’ sobre a profissão docente e a entender como funciona todo o processo que envolve o ato de ministrar uma aula, melhorando as relações interpessoais e outras habilidades.

E confirmando Tardif (2002), a prática docente não se resume a um espaço de aplicação de saberes, mas compreende-se que essa prática é, também, um palco de produção de saberes relativos ao ofício profissional, espaço este onde se produzem, se mobilizam e se praticam os saberes provenientes de teorias, de conhecimento e dos saberes que são específicos do próprio professor, saberes estes que são relativos ao seu fazer pedagógico.

Ensinar vai além do ‘transmitir’ conteúdos, do que está posto nos livros didáticos. É muito mais que isto. É planejar cada aula a cada dia em cada classe de alunos, pois uma é diferente da outra; é saber organizar suas aulas, é conhecer seus alunos e seus ritmos, é saber como avaliar cada um deles com suas limitações, complexidades e histórias de vida, é interagir com todos que fazem parte da comunidade escolar, é saber transpor os desafios intrínsecos ao contexto escolar. É também colocar ‘vários óculos’ para ter ‘outros olhares’ sobre a profissão docente.

Podemos avaliar como sendo de imenso valor as possibilidades que o PIBID oferece e que contribuem em muito para a formação inicial docente e para a construção dos saberes inerentes a ela, e que legitimam a necessidade de se investir cada vez mais em projetos desta natureza.

Page 322: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores322

Referências

CHARLOT, B. Relação com o saber, formação dos professores e globalização: questões para a educação hoje. Porto Alegre: Artmed, 2005.

CHEVALLARD, Y. La transposición didáctica: del saber sabio al saber enseñado. Buenos Aires: Aique, 2005.

GAUTHIER, C.; MARTINEAU, S.; DESBIENS J.; MALO, A.; SIMARD, D. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. 2. ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006. (Coleção Fronteiras da Educação)

KRASILCHIK, M. Prática de ensino de biologia. 4. ed. São Paulo: Edusp, 2004.

LIPPE, E. M. O.; BASTOS, F. Formação inicial de professores de biologia. In: BASTOS, F.; NARDI, R. Formação de professores e práticas pedagógicas no ensino de ciências. São Paulo: Escrituras, 2008. (Educação para a Ciência; 8)

MORAES, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva. Ciência & Educação, v. 9, n. 2, p. 191-211, 2003.

PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. de L. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

Page 323: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 323

A FORMAçãO ReFLexIVA De pROFeSSOReS De cIêncIAS e BIOLOGIA

Vera Lúcia Bahl de Oliveira1

Introdução

A contribuição para este caderno sobre “Experiências e Reflexões na Formação de Professores” pauta-se, não apenas na minha experiência como pesquisadora na área de ensino em Ciências e Biologia, mas também como professora egressa do Ensino Fundamental e Médio no Colégio de Aplicação de Londrina, e também como docente no Curso de Ciências Biológicas na Universidade Estadual de Londrina.

Assim, ao considerar os objetivos deste material proporcionando reflexões, atualização para professores de diferentes áreas do conhecimento; assim como oportunidade de intercambio entre pesquisadores, professores licenciados e demais profissionais envolvidos com a promoção uma educação emancipatória; senti-me motivada a desenvolver um texto que retrata um recorte de pesquisas relacionadas aos desafios enfrentados pelos professores na sua prática de ensino, bem como algumas possibilidades na prática.

Não há na literatura da área de ensino uma orientação pronta ou modelo que possa servir às diferentes realidades e à diversidade cultural dos nossos estudantes. No entanto, é possível apontar a partir das experiências de pesquisas desenvolvidas e da prática pedagógica reflexões, estratégias de ensino, recursos que podem auxiliar os professores no ensino de Ciências e Biologia que os leve a minimizar desafios no ensino de Ciências e Biologia.

A educação sabe-se, é tão antiga quanto à humanidade. Os pais sempre ensinaram aos filhos menores. Mas, em certa idade desta criança, e também em decorrência das solicitações sócio-econômicas e culturais do meio, o “ensinar” passou a ser atribuição de uma instituição social, chamada escola, dada principalmente à situação acarretada pela divisão do trabalho nas sociedades. Como instituição, a escola desde seu início, passou a assumir a função de desenvolver o processo de socialização das novas gerações; aparece puramente conservadora no processo de assegurar a reprodução social e cultural como requisito para a sobrevivência de uma sociedade.

Ensinar e formar crianças, adolescentes e jovens, parece, hoje, ser um dos maiores desafios de toda a ação humana e a finalidade da escola e que tem tomado várias direções. O papel da escola é dotar as pessoas de condições teóricas e práticas para que elas utilizem, transformem e compreendam o mundo da forma mais responsável possível. Os conteúdos são as grandes alavancas desse processo, pois além dos conteúdos conceituais (saber sobre), o currículo contém os conteúdos procedimentais (saber fazer) e os conteúdos atitudinais (o “ser”) e, a partir, dessas três dimensões é que o professor deve nortear a sua prática (Carvalho, 2000).

1 Doutorado em Educação Científica e Tecnológica na Universidade Federal de Santa Catarina UFSC; docente no Departamento de Biologia Geral da Universidade Estadual de Londrina. Contato: Paraná[email protected]

Page 324: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores324

Os Modelos de formação de professores, teoria e práticas Inicialmente os cursos superiores no Brasil se organizaram segundo o modelo das

universidade europeias, os seus currículos mantinham uma supervalorização das ciências exatas e tecnológicas, com sistema seriado e programa fechado, com abordagem dos conteúdos em disciplinas diretamente relacionadas as profissões, com vistas a formação de um profissional competente em determinada área ou especialidade.

Os primeiros professores formados pelas universidades europeias trabalhavam nos cursos com os propósitos de que – conhecimento e experiência profissional podem ser transmitidos ‘de um profissional que sabe e conhece para um aluno que não sabe e não conhece’, seguida de uma avaliação. Em geral, os mestres (professores) não se distinguiam de outras profissões; o ferreiro, o sapateiro, o tecelão ou o marceneiro aprendiam começando como aprendiz, depois como oficial e, finalmente, como mestres, mediante a aprovação num exame. Neste modelo de ensino não existia o divórcio como no sistema atual entre conhecimentos teóricos e práticos; a teoria era inexistente ou reduzia-se ao mínimo, e a prática docente, ou seja, o ensino (leitura, escrita) era o total da bagagem cultural do mestre. Outro aspecto (crença) comum nesse período, que servia para a orientação e escolha de docentes na instituição de ensino, estava relacionado a outro pensamento ‘ o profissional com uma boa quantidade de conteúdo, automaticamente sabe ensinar’. Recentemente, estas e outras crenças vêm sendo eliminadas, a valorização de um profissional está relacionado a competências específicas, essenciais ao professor, não basta assim, ter um diploma com uma elevada carga horária de formação ou maior titulação é necessário saber utilizar os conhecimentos, e ter competências para transpor os conhecimentos.

O desenvolvimento de planos para a formação de professores aparece nos meados de 1920, com os cursos das instituições denominadas de Escola Normal Pedagógica, na época considerado inovador, uma vez que a formação estava voltada ao magistério. Os currículos eram elaborados atendendo aspectos religiosos e ideológicos com disciplinas atendendo conteúdos profissionalizantes (pedagogia, didática, psicologia, filosofia). Estes currículos serviram por muito tempo para a organização dos currículos de ensino das escolas primárias, e posteriormente ao ensino secundário.

Nos currículos atuais de Formação de Professores entre as competências consideradas essenciais ao professor, pode-se ressaltar: a opção do professor por princípios de ética democrática e pressupostos epistemológicos coerentes em suas escolhas e decisões metodológicas e didáticas, criar, planejar, realizar, gerir e avaliar situações didáticas favorecendo a aprendizagem dos alunos,promover uma prática de ensino que leve em conta a diversidade dos seus alunos.

A formação inicial de professores progressivamente ao longo da história foi sendo realizada por instituições específicas, por pessoal especializado e com currículo que estabelece a sequencia e conteúdo instrucional do programa de formação.

Aspectos mais relacionados diretamente à formação de professores e que manifestam, ainda, o pensamento desses docentes, suas dificuldades e os dilemas nos quais vêm se mantendo, dizem respeito aos currículos que os professores desejam mais ajustados aos estudantes e à realidade de trabalho dos futuros professores. Além disso, parecem almejar como declararam em recentes pesquisas, poder adequar com liberdade os programas às turmas que lecionam, ensejando, também, oportunidades de cursos de formação continuada para continuidade e/ou atualização de seus conhecimentos.

Page 325: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 325

A prática do professor aparece, nessa perspectiva, como uma atividade complexa que inclui funções diferentes e diversas. Por isso, ele não pode ser apenas um controlador do processo que desenvolve, sem exercer funções outras, muito mais relevantes, como por exemplo a de mediar ou propiciar a ajuda pedagógica necessária aos estudantes para que possam aprender ou adquirir conhecimento.

O professor, em qualquer nível de atuação, precisa ter clareza do seu papel político - pedagógico como cidadão e como educador, bem como mediador pedagógico deste processo, refletindo em novos currículos nos cursos de formação de professores, assim como a introdução de atividades para uma prática educativa mais adequada ao atual momento.

Assim, a compreensão da complexidade da prática pedagógica não seria ‘complicada’, como muitos professores dizem; as variáveis seriam elementos de ressignificação advindos dos diferentes segmentos da prática de trabalho que, ao serem agrupados, podendo servir como novos indicadores (feedback) para o ensino que acontece, na maior parte do tempo, no local que se consignou chamar sala de aula.

Considero, como proposto por Schön (2000), o desenvolvimento de uma nova epistemologia da prática profissional uma necessidade prioritária, relacionada tanto aos modelos de formação inicial como à Formação Continuada. As peculiaridades exploradas por ele ao se referir ao “pensamento prático” do profissional enfatizam um processo de reflexão na ação ou um diálogo reflexivo com a situação problemática concreta. Ele argumenta que não se pode compreender a atividade eficaz do professor, quando este enfrenta os problemas singulares, complexos, incertos e conflitantes da aula, se não se entendem esses processos de reflexão na ação.

Quando o professor reflete na e sobre a ação, ele se converte em um investigador da aula (Schön, 2000). Sua atividade, além de determinar os meios e os procedimentos a utilizar, envolve também a consideração dos fins de sua intervenção, a interpretação do contexto concreto e a elaboração da sua ação de forma progressiva, reformulando sua teoria e seu planejamento através da interação com a situação concreta.

O professor, ao refletir sobre a sua prática, está de certa forma realizando uma análise de resultados, adotando uma postura de investigador de sua prática, ele está redimensionando suas possibilidades, agrupando os problemas, redirecionando o trabalho. Na verdade, o professor está em um contínuo reorientar-se, diante do desafio de transpor o conteúdo aprendido na sua formação para os estudantes, num contexto totalmente diferente daquele da sua aprendizagem: o contexto da escola. Esta é mais uma das razões que justificam, de certa maneira, a necessidade de apostar em cursos de EC para garantir um processo formativo diretamente vinculado à realidade escolar, favorecendo a mudança gradual nas ideias e nas atuações.

A reflexão de qualquer professor depende do conhecimento tácito que ele ativa e elabora durante a sua própria intervenção. É neste sentido que Garcia (2005) argumenta sobre o potencial formativo que o professor pode desenvolver na prática de trabalho. O contato com a realidade de trabalho dos estudantes no dia-a-dia desafia o professor a investigar continuamente sua prática, estimulando a vinculação progressiva dessa prática com as propostas curriculares que, orientadas de acordo com o que se faz em sala de aula e com os problemas que delas derivam, facilitam o desenvolvimento profissional de uma elaboração adequada do conhecimento prático profissional.

Pode-se dizer que a educação não necessita se submeter às políticas educacionais. A consciência de que a dimensão política da educação é relevante para o progresso educativo é tão

Page 326: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores326

importante quanto à consciência da necessidade de nos prepararmos para não sermos apenas figurantes num processo de validação de propostas distantes da nossa realidade.

Importa que os discursos que determinam as políticas educacionais, sejam eles bons ou não, aproxime os atores que atuam no ensino de uma reflexão crítica e responsável. Uma participação que evite a produção de parâmetros burocráticos disfarçados de autonomia educativa é de interesse não só dos que refutam mas também dos que apontam e fazem reverter situações que impedem que o cidadão possa falar, argumentar e intervir nas decisões políticas.

É necessário interpretar e reinterpretar as propostas para identificar os aspectos positivos da proposta, bem como os aspectos negativos.

Embora as orientações existentes nos documentos oficiais ressaltem a necessidade de reorientar o ensino para alcançar determinados fins, percebe-se que, na maioria das escolas onde trabalham os professores entrevistados neste trabalho, o ensino continua sendo referenciado pelo livro, sem uma preocupação em relação ao contexto ou às necessidades dos cidadãos; os temas contemporâneos ainda se constituem em temas-fronteira para os professores, que o mantêm distante do ensino de Biologia nas escolas.

Para a abordagem de temas no processo ensino-aprendizagem, é necessário que se estabeleçam parcerias do professor com os estudantes e dos estudantes entre si. Os temas dão contexto aos conteúdos e permitem que as disciplinas científicas sejam abordadas de modo inter - relacionado, buscando a interdisciplinaridade possível dentro da área das Ciências da Natureza, para posterior interdisciplinaridade com outras áreas do conhecimento. A abordagem de temas se propõe a evitar, portanto, o ensino fragmentado desenvolvido na área das Ciências da Natureza.

As visões descontextualizadas ou deformadas da ciência são frequentes no contexto escolar, pois a maior parte dos professores raramente teve contato com a atividade científica, ou mesmo oportunidade de refletir e de aprender sobre o funcionamento da ciência. Os professores do Ensino Básico necessitam estar preparados para entender as transformações que acontecem em diferentes campos do conhecimento para serem receptivos às mudanças externas ao sistema escolar. Os cursos de formação inicial de professores não valorizam nem proporcionam os conhecimentos necessários ao ensino das Ciências da Natureza; centram-se na produção intelectual da ciência e ignoram o processo de produção do conhecimento (MARANDINO, 2003).

A partir do modelo que os professores utilizam em suas aulas de Biologia, considero, a partir dessa investigação, que mudaram não só as necessidades dos estudantes, mas também as necessidades dos professores das escolas. Os estudantes têm acesso às informações veiculadas pelas mais diversas mídias, que anunciam todos os dias novos resultados de pesquisas científicas, todos relevantes nesse momento de mudanças aceleradas.

A educação constitui um campo de atividade onde não faltam controvérsias; as questões da educação não se restringem ao campo estritamente escolar, mas envolvem, antes de tudo, aspectos ligados à política e à cidadania.

Embora o professor seja detentor de diferentes conhecimentos, percebe-se que as atividades de ensino continuam a ser desenvolvidas a partir do pressuposto de que todos os estudantes aprendem da mesma forma. O ensino, na maioria das escolas em que atuam os professores que compõem a amostra de trabalhos investigativos desenvolvidos apontam que

Page 327: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 327

uma grande maioria aborda os conteúdos a partir dos livros didáticos e ‘ensinados’ na sala, nem sempre de forma motivadora. Os estudantes têm pouca oportunidade de participar das aulas, buscando informações ou tirando dúvidas; eles não se interessam, no dizer de alguns professores, pelas informações novas, lidas ou citadas em aula. A ciência é ensinada como um corpo de conhecimento formado por fatos e teorias consideradas como verdades definitivas a serem transmitidas aos estudantes.

O professor necessita aprender a mobilizar os recursos tecnológicos nos espaços escolares e as possíveis maneiras de integrá-los de forma equilibrada e inovadora à sua prática educativa. Antes, o professor tinha a sala de aula como o único espaço físico para a realização do ensino. Agora, precisa aprender a gerenciar também as aulas de campo (visitas, excursões), a orientação de projetos, a inserção de fitas de vídeo, as aulas experimentais, as aulas com demonstração de material ilustrativo (artigos, fotos), as atividades em computadores, enfim, uma variedade de recursos e espaços potencialmente capazes de ampliar as possibilidades de aprendizagem.

Por meio dos diferentes temas, a escola poderá apresentar novas informações científicas, buscando crescente entendimento pelo estudante das relações entre os componentes do ambiente (com destaque para o ser humano), essenciais para a interpretação dos problemas.

Não podemos ficar eternamente atados a conceitos e práticas que nos sejam familiares, mas que podem ser errôneos e danosos. Precisamos estar sempre dispostos a mudar práticas e atitudes, sempre com base na ciência e cada vez menos presos a preconceitos e crenças. Precisamos reconhecer a necessidade de uma educação de qualidade, da mesma maneira que reconhecemos a falta de recursos disponíveis na escola.

Dessa maneira, acredito que o auxílio aos professores, num primeiro momento, poderia ser de iniciativa dos órgãos governamentais e de fomento, idealizadores da nova proposta. Num segundo momento, não temos como deixar de apontar a responsabilidade das IES nesses processos. Vejo, então, que as IES necessitam oferecer maior número de cursos e com maior regularidade, em função de já estarem envolvidas com o contexto de mudanças na área científica.

É preciso que a escola, no contexto contemporâneo, deixe de ser a escola do saber disciplinar, passando a ser a escola do cidadão (interdisciplinar), uma escola que deixe o estudante pensar, raciocinar e falar, para que possa construir o seu conhecimento. Nessa direção, considero que o professor, ao conhecer a realidade de seus estudantes, pode ter autonomia para redimensionar a sua prática educativa, numa perspectiva ético-construtivista, cada vez mais distante da abordagem dogmática ou de doutrinação e da imposição de valores.

Freire, ao descrever a ‘especificidade humana’ do ensino, declara que a competência profissional e a generosidade pessoal podem acontecer desde que sejam produzidos critérios sem autoritarismo nem arrogância. Só assim, diz ele, nascerá um clima de respeito mútuo e disciplina saudável entre “a autoridade docente e as liberdades dos estudantes, [...] reinventando o ser humano na aprendizagem de sua autonomia” (p.105). Consequentemente, não se poderá separar “prática de teoria, autoridade de liberdade, ignorância de saber, respeito ao professor de respeito aos estudantes, ensinar de aprender” (FREIRE, 1997).

Como a nossa prática é capaz de incorporar, em atos concretos, o pensar e o fazer, teoria e prática? Freire (1989) propôs: pensar a prática de hoje não é apenas um caminho para melhorar a prática de amanhã, mas também a forma mais eficaz de aprender a pensar certo.

O modelo na perspectiva prática, ao admitir a complexidade do ensinar, sugere que o professor deve ser como um artesão, artista ou profissional clínico que, pela sua sensibilidade,

Page 328: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores328

saiba detectar necessidades e usar de criatividade para enfrentar as situações únicas, ambíguas, incertas e conflitantes que configuram a vida cognitiva na escola, seja na aula, seja em espaço não formal.

Neste contexto, a formação do professor necessita se basear prioritariamente na aprendizagem da prática, para a prática e a partir da prática. A orientação prática confia na aprendizagem por meio da experiência com docentes já em exercício, supostamente experimentados, como uma maneira eficaz e fundamental na aquisição da sabedoria que requer a intervenção criativa e adaptada às circunstâncias singulares e mutantes da aula.

Assim, ao considerar que o professor é o agente de primeira importância no ensino e se o desvelamento dos conhecimentos que ele utiliza é uma condição para a sua profissionalização, a questão para continuidade de ações voltadas a melhoria do trabalho dos professores está afeta as práticas, aos conhecimentos, as competências que aumentam a eficácia do ensino? Responder essa pergunta, significa de um certo modo, identificar um repertório de conhecimentos próprios a profissionalização do professor.

Percebe-se que na formação de professores tanto inicial como na continuada que estes necessitam prever no planejamento de suas ações momentos periódicos de reflexão quanto à prática educativa e o papel do ensino de Ciências na escola. Relacionar o ensino de Ciências à vida diária e às experiências dos estudantes é essencial e isso demanda a compreensão de sua conexão íntima com problemas complexos de ordem étnica, religiosa, ideológica, cultural e ética, e às relações de uma sociedade interligada por sistemas de comunicação e tecnológica cada vez mais eficientes com benefícios e riscos no globalizado mundo atual (Krasilchick, 2004).

No processo de formação estão envolvidos, diferentes aspectos relacionados a um conjunto de condutas e de interações entre formadores e formandos que podem ter múltiplas finalidades implícitas e explícitas; em relação a estas, poderá haver uma intencionalidade de mudança. Vários pesquisadores (GOMEZ, 2003; ZABALA, 2008) já apontaram que a mudança é o problema fundamental da formação: “como poderemos estabelecer e descobrir a possibilidade daquele que já está formado ultrapassar a si mesmo?” Uma situação peculiar, neste sentido, pode ser verificada ao se trabalhar com os cursos de atualização.

considerações Finais

É esse conhecimento sobre o ensino, construído pelo próprio professor, parte integrante e não acessória da docência, que, pela própria natureza, está sempre em construção, deve ser reconhecido como objeto contínuo de ser estudado urgentemente. O diálogo e a reflexão sobre este conhecimento poderão mostrar caminhos para uma ação “pensada” que possa clarificar e modificar a realidade escolar.

Verifica-se a necessidade de tratar a formação de professores de maneira complexa, já que esta acontece em vários espaços e tempos; como o espaço acadêmico, a prática cotidiana, a ação governamental e a prática política coletiva. Considerando tal complexidade em que se dá a formação dos profissionais da área da educação, é preciso visualizar uma intervenção também complexa, num âmbito que possa apresentar soluções das questões que permeiam o dia-a-dia do professor.

A prática do professor se expressa na ação, reflexão e transformação do sujeito, constituindo a natureza não material da educação escolar, isto é, a produção de ideias, símbolos,

Page 329: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 329

hábitos, atitudes e habilidades, num processo humano-social que tem como meta final a transformação do estudante. Para Giroux, a ação do professor, nesta perspectiva, deve ser vista como política e cultural, em que o professor é o intelectual que se transforma e transforma seus estudantes.

Na formação de professores, precisam ser consideradas as concepções e as experiências de cada um; é preciso também considerar que estas nem sempre são modificadas em função da formação. Neste sentido, é preciso lembrar que a melhoria na qualidade de atuação do professor depende da articulação entre os saberes recebidos na formação e os saberes advindos do seu desenvolvimento pessoal, ou seja, do respeito ao processo de desenvolvimento que o ser humano percorre até atingir um estado de plenitude pessoal, de acordo com seus princípios e sua realidade sociocultural. Isto mostra a existência, na formação, de um componente pessoal evidente, que ultrapassa o meramente técnico ou instrumental e se liga a um discurso com finalidades, metas e valores.

O contato com a realidade de trabalho dos estudantes no dia-a-dia desafia o professor a investigar continuamente sua prática, estimulando a vinculação progressiva dessa prática com as propostas curriculares que, orientadas de acordo com o que se faz em sala de aula e com os problemas que delas derivam, facilitam o desenvolvimento profissional de uma elaboração adequada do conhecimento prático profissional.

Assim, a Formação Continuada, adquire cada vez maior importância, uma vez que a educação para o ‘futuro’, a especificidade dos contextos nos quais se educa, estão atrelados aos educadores em exercício da docência. Há uma necessidade de readequação de metodologias, uma visão que vai além do ensino meramente técnico, com transmissão de conhecimentos formais imutáveis e vislumbrando um conhecimento em permanente construção. Neste caso, a metodologia deveria fomentar os processos reflexivos sobre a educação e a realidade social por meio de diferentes experiências, destacando os compromissos políticos, os valores éticos e morais que se encontram atrelados à nova proposta em vigor no sistema educacional no qual o professor esta inserido.

Referências

CARVALHO, W. (org.) Biologia: o Professor e a Arquitetura do Currículo. São Paulo: Articulação Universidade, 2000.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

GARCIA, C..M. Formação de Professores: para uma mudança educativa. Lisboa: Ed. Porto, 1999.

GIROUX, H. Os professores como intelectuais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

GOMEZ, A. I. P. Os processos de ensino-aprendizagem: Análise Didática das principais teorias da Aprendizagem In: SACRISTÁN, J. G.; GÓMEZ, A.I. P. Comprender e transformar o ensino. Trad. Ernani F. Da Fonseca Rosa. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.

Page 330: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores330

KRASILCHIK, M. Prática de Ensino de Biologia. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 2004.

MARANDINO, M. Da Ciência Biologia ao Ensino e Biologia nos Espaços Formal e Não-Formal. In: Selles et al. Anais o II Encontro Regional de Ensino de Biologia – Regional 02. Niterói, 2003.

SCHÖN, D. A. The reflective practioner: how professionals think in action. ANDERSHOT HANTS: AVEBURY, 2000.

ZABALA, A. A prática do professor. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008.

ZEICHNER, K. Para além da divisão entre professor pesquisador e pesquisador acadêmico. In C. M. G. Geraldi, D. Fiorentini, & E. M. Pereira (Orgs.), Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado das Letras. 1998. p. 207-236.

Page 331: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 331

EDUCAÇÃO SEXUAL: UM DESAFIO NA FORMAÇÃO INICIAL PARA A DOCÊNCIA

Virgínia Iara de Andrade Maistro1

Formação inicial

Na busca por literaturas atuais que tratem sobre como os cursos de licenciatura nas instituições de ensino superior estão preparando os futuros docentes, observam-se que existem muitas lacunas e entre estas se encontra o preparo insuficiente quanto ao enfrentar as múltiplas diversidades encontradas no contexto das escolas de educação básica. E isto é confirmado por Ghedin; Almeida; Leite (2008); Mello (2000) e Echeverría et al. (2006), quando afirmam que as disciplinas que fazem parte dos currículos dos cursos de licenciatura estão, de um modo geral, sendo trabalhadas de maneira que se ignora a prática e a realidade das escolas.

Uma das diversidades postas no cotidiano escolar é quanto à sexualidade, e neste sentido, conduzimos nossas pesquisas para este campo indagando sobre ‘se’ ou ‘como’ está sendo tratada esta temática no curso de graduação em Ciências Biológicas – modalidade licenciatura, ou em outros cursos que ofertam esta modalidade, uma vez que o objetivo principal desta é a formação para a docência.

É incomum encontrarmos discussões ou reflexões sobre tal assunto, e mais raro ainda é nos depararmos com uma disciplina que venha a abordar as questões que remetem à sexualidade e muito menos os assuntos tidos “polêmicos”, tais como abuso sexual, violência contra a mulher, homossexualidade na escola, e tantos outros. Mas esta temática é sugerida nos documentos oficiais tanto a nível federal, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), quanto a nível estadual, nos Cadernos Temáticos, da Secretaria Estadual de Educação (SEED), do estado do Paraná.

Mesmo a temática da sexualidade sendo de relevância nestes documentos, ainda permanece a discussão sobre quem deverá cumprir esta função, uma vez que tanto a formação inicial quanto a continuada não proporcionam conteúdos direcionados à sexualidade e nem momentos para refletir e debater as questões do cotidiano escolar a ela relacionadas (LEÃO, 2009; MAIA, 2004; NUNES e SILVA, 2000; REIS e RIBEIRO, 2002 apud LEÃO, 2010).

E desta maneira, os educadores têm dificuldade em colocar em discussão no cotidiano da escola, assuntos que remetem à sexualidade. Alegam que durante a graduação nos cursos superiores, não tiveram a formação necessária para enfrentar tais desafios, não tiveram momentos que pudessem discutir e problematizar contextos referentes à sexualidade.

Mas os cursos de licenciatura não visam preparar os futuros professores para a docência? E durante a atuação docente eles não se depararão com assuntos que envolvem sexualidade?

Falar e refletir sobre ela é desafiador; comumente não é tratada pelas instituições escolares, permanecendo um campo onde costuma perdurar a incompreensão, a improvisação do senso comum, a repetição de preconceitos, a influência da religião e quase sempre o descaso. Apesar de fazer parte da própria constituição intrínseca do ser humano, é uma manifestação

1 professora Doutora do Departamento de Biologia da UEL. Colaboradora do Prodocência. Contato: [email protected]

Page 332: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores332

ontológica da condição humana, não deixa de ser uma temática complexa. Mas por ser um tema dinâmico, sempre atual, vivencial e inesgotável, requer formação necessária para discuti-la, contínua pesquisa e o alicerce de uma concepção científica e humanista que supera o senso comum. (MAISTRO, 2006).

É fundamental que as instituições de ensino superior, responsáveis pela formação inicial desses professores, compreendam a complexidade da formação e da atuação desse profissional. É importante pensar que, além do conhecimento da disciplina que irá ensinar, o docente precisa ter condições para compreender e assegurar-se da importância e do desafio inerente ao processo de ensino-aprendizagem e dos princípios em relação ao caráter ético da sua atividade docente. São saberes docentes necessários ao professor que ainda se constituem como conhecimentos novos para as instituições e para os pesquisadores que atuam na formação desse profissional (GHEDIN; ALMEIDA; LEITE, 2008, p. 24).

Compreendemos que são inúmeros os elementos que interferem na construção de um ensino de qualidade e, como ponto de partida, poderia, na formação inicial dos professores, além dos conteúdos específicos das inúmeras disciplinas contidas nos currículos dos cursos priorizar, de maneira oficial, e não oficiosa, a educação sexual; uma vez que encontramos, ainda e apesar de, nos inúmeros cursos de formação continuada, muitos educadores vindo em busca de uma ‘receita’, de como ‘passar’ (é exatamente com estas palavras) determinados conteúdos, como proceder em determinadas situações, ou até nos convidando para nos dirigirmos até as escolas com a finalidade de discutirmos sexualidade com os alunos.

Sabemos que não existem receitas prontas para tantos desafios. Eles são únicos. As situações são peculiares a cada contexto escolar e são intransferíveis. Porém, temos que também priorizar a educação sexual, pois se não enfrentarmos estes desafios, negamos a nós mesmos.

Diante disto, entendemos que o trabalho a ser feito para melhorar a qualidade do nosso sistema educacional demanda inúmeras e conjuntas ações que passam, necessariamente, pela formação inicial e continuada daqueles que estão atuando diretamente na educação, os professores. E destes espera-se que não só sejam habilitados na área de conhecimento em que atuam, mas que sejam conhecedores da matéria a ser ensinada, isto é, saber o conteúdo, compreender a importância de pesquisar novas informações, usar da criticidade diante delas, saber compará-las e analisá-las, para que possam construir seus próprios pensamentos.

Mas que também tenham em seus currículos a oportunidade de cursar uma disciplina que permita refletir e discutir as inúmeras questões relacionadas à sexualidade, cujo futuro educador vai se deparar na prática docente, mas com conhecimento, com formação necessária para tal, com possibilidades de discussões amplas, isto é, dando voz e vez para os acadêmicos manifestarem suas dúvidas e anseios para que não se reportem a ‘achismos’ e ideias relacionadas ao senso comum.

Compreendemos a dimensão da complexidade da docência, uma vez que os desafios inerentes a ela são imensos e o professor nem sempre se sente preparado para enfrentá-los. Figueiró (2006) informa que a formação do professor, quando direcionada para a Educação Sexual, contribui para o desenvolvimento pessoal e profissional docente, e para a melhoria na qualidade de ensino. E, diante disto, é essencial analisar a formação docente inicial sob vários aspectos, pois o que temos visto são mudanças das mais diversas ordens, tanto na sociedade em que vivemos quanto na educação e, também, no próprio contexto da escola.

Page 333: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 333

Compreendemos que formar não é unicamente prover o indivíduo de uma produção de conhecimentos e habilidades, mas é induzi-lo à capacidade de unir, de compreender os acontecimentos que ocorrem durante as suas práticas, de refletir sobre o cotidiano do contexto escolar, de olhar o outro e a si mesmo, de procurar leituras que possam subsidiar sua prática, de realizar múltiplas tarefas, de se configurar como um longo exercício de aprendizado, de exigir maturidade do professor para lidar com as tantas complexidades encontradas no contexto escolar, em um caminhar paciencioso e, muitas vezes, silencioso e, ao longo dele, exercitar a profissão de ser professor.

educação sexual e o contexto escolar

Apesar de percebermos avanços nas pesquisas educacionais, ainda encontramos nas instituições de educação básica discussões a respeito da sexualidade na escola sob dois aspectos: aspecto higienista e aspecto biológico, que reduz o corpo aos conceitos de assepsia, controle e prevenção, funções dos órgãos que compõem o sistema reprodutor.

Não negamos a importância de se levar aos alunos os conhecimentos da anatomia e fisiologia do corpo humano; mas ainda encontramos muitos educadores apontando o professor de Ciências ou de Biologia como os únicos responsáveis pela tarefa de discutir a importância de falar sobre gravidez precoce, sobre infecções sexualmente transmissíveis (IST) ou sobre qualquer outro assunto que remete à sexualidade ou acreditando que está fazendo o papel de educador sexual quando pede aos seus alunos que desenhem os órgãos sexuais em um caderno e coloque os nomes em suas estruturas.

De acordo com Figueiró (2009, p. 141), a maioria dos educadores reconhece a educação sexual como essencial e indispensável no processo formativo dos educandos. Muitos destes educadores se preocupam e sentem-se inseguros e até temerosos diante das discussões que devem ter com seus alunos sobre os mais diversos temas que nela se inserem. Alegam que durante a sua formação profissional não foi formado suficientemente para encarar tal desafio, sendo, portanto, compreensíveis suas inseguranças e preocupações.

Fala-se sobre sexo, os professores exprimem, inclusive, valores, “acha-se” isso ou aquilo sobre práticas e relacionamentos sexualizados, mas há professores que não se dão conta de que, em tais diálogos e emissões de opiniões, estão indicando ou repetindo ideologias. (CASTRO; ABRAMOVAY; SILVA, 2004, p. 38-39)

Argumentam Castro; Abramovay e Silva (2004, p. 33) que, para alguns autores, a interferência do contexto escolar no campo da sexualidade, além de ter que ser observada sob diferentes aspectos tem riscos, ponderando-se que a escola é intrinsecamente orientada para disciplinamentos, que dá relevância à razão e a certos domínios, que se preocupa em fornecer conhecimentos especializados e a instruir para a vida em coletividade.

Investigando

Esta investigação é de natureza qualitativa e foi desenvolvida com cinco acadêmicos estagiários matriculados regularmente na disciplina Metodologia e Prática de Ensino de Ciências e Biologia do curso de Ciências Biológicas – habilitação Licenciatura, do início do ano de 2009 até o final do ano de 2010.

Page 334: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores334

Durante os dois anos desta investigação, aconteceu a tomada dos dados em quatro momentos. Estes quatros momentos aconteceram da seguinte maneira: primeiro momento, antes de iniciar o estágio; segundo momento, quando estava atuando como docente na escola do ensino fundamental; terceiro momento, quando iniciaria o estágio no ensino médio; e o quarto momento quando já teria completado toda a carga horária obrigatória do estágio, que compreende as 400 horas. Todos os momentos foram filmados, gravados, posteriormente transcritos e analisados sob a ótica da análise textual discursiva de Moraes (2003). Em todos os momentos foi perguntado aos acadêmicos: Você quer ser professor?

A prática da docência

Os dados nos mostram que a prática da docência inicial possibilita aos acadêmicos múltiplas experiências, ameniza seus anseios, medos, angústias, preocupações, mas nem por isso modificam os seus propósitos de atuação, ou não atuação, na escola básica. A maioria dos acadêmicos pode até ver a docência sob outra perspectiva daquela que tinham no início da prática docente, mas não ao ponto de desejar ser professor, principalmente da educação básica.

A formação inicial por si só não dá conta de preparar o acadêmico para desempenhar o ofício de professor e que a formação continuada é imprescindível, uma vez que ambas contribuem em muito para a construção de saberes indispensáveis à construção da docência. Estes saberes são aqueles desenvolvidos ao longo da prática docente, os saberes que trazem consigo e que foram vivenciados ao longo de suas vidas, saberes do cotidiano, saberes estes que não se restringem às atividades desenvolvidas em sala de aula. E que uma vez presentes, confeririam uma visão para a docência mais interessante.

Quanto ao querer ser professor, apenas um dos acadêmicos demonstrou interesse pela profissão docente; os outros foram taxativos em suas respostas: não queremos ser professor! Na medida em que o estágio e a pesquisa vão acontecendo, aparecem termos para a docência: desgastante, trabalhosa, ter que lidar com muitas pessoas ao mesmo tempo, uma coisa a se pensar, uma segunda opção, uma maneira fácil de ganhar dinheiro, frustrante, não tão puxada e rígida quanto imaginava, uma carta na manga, parece que ganha bem e querer ser professor no ensino superior, indicando-nos caminhos para a possibilidade de vir a ser professor, mas não da educação básica.

Mesmo mencionando em algum momento o querer ser professor, vinculando a profissão docente com possibilidades apresentadas pelo mercado de trabalho e resultados financeiros, os acadêmicos acabam priorizando o Bacharelado como opção de carreira profissional, pois a maioria menciona querer ser pesquisador das outras áreas de conhecimento que o curso de Ciências Biológicas possibilita, mas em nenhuma ocasião visualizamos o desejo de ser pesquisador na área da educação.

Quanto à identificação das dificuldades encontradas em sala de aula, de maneira geral, as que foram apontadas são quase as mesmas para os futuros professores: a) quanto aos alunos: comportamentos difíceis, desinteressados, conversam muito, faltam com respeito, número excessivo de alunos em sala de aula; b) quanto aos professores da escola: alguns demonstram desinteresse pela profissão, um não dá aula decente, que pode até ter relação com o excesso de alunos em sala de aula, não impõem respeito; c) quanto às suas próprias dificuldades: ter que controlar a sala de aula, manter o respeito, dificuldade em falar em público e ter que suprir algumas responsabilidades que considera serem da família.

Page 335: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 335

Os estagiários relatam: quando entrei no curso de Ciências Biológicas eu sabia da Licenciatura, mas o meu interesse foi pelo Bacharelado; eu pretendo ser pesquisador. Portanto, este ‘pesquisador’ a que ele se refere não está correlacionado à pesquisa direcionada à educação, e muito menos à pesquisa direcionada à educação sexual, mas às diversas áreas do conhecimento que são bem específicas (Microbiologia, Zoologia, Embriologia, Patologia, Parasitologia, Fisiologia, Botânica, e outras) que o curso de Ciências Biológicas proporciona.

Esta constatação nos leva à compreensão de que, desde o início do curso de graduação, os acadêmicos vão sendo inseridos nos estágios das diversas áreas específicas, e que cada um dos docentes destas áreas, em seus laboratórios, vai construindo um aluno à sua imagem e semelhança, não atentando para o plano geral do curso. Este discurso de formar pesquisadores distanciados da educação está intrínseco no discurso do docente da disciplina específica.

E como os currículos das Licenciaturas não contemplam a disciplina específica de Educação Sexual e se as disciplinas específicas dos cursos de graduação trabalham em sentido paralelo, sendo ministradas isoladamente e independentes daquelas disciplinas pedagógicas e vice-versa, como formaremos profissionais para atuarem na docência e que sejam educadores sexuais?

E ao nos defrontarmos com esta lacuna e com as múltiplas dificuldades em tratar de sexualidade quando ela se interpõe nos caminhos dos acadêmicos ao praticarem a docência durante o estágio obrigatório na Licenciatura, seria ideal que fosse inserida no currículo do curso de Ciências Biológicas a disciplina de Educação Sexual por entendermos que a proposta dela é de ampliar, diversificar e aprofundar a visão sobre as questões referentes ao sexo, abordar os diferentes pontos de vista existentes na sociedade e incluindo as práticas sexuais ligadas ao afeto, ao prazer, ao respeito e à própria sexualidade. Ao mesmo tempo em que se propõe, tanto a preencher lacunas de informação, mexer com os tabus e preconceitos e erradicá-los, como a contemplar discussões sobre as emoções e valores, sem deixar influenciar e ajudar na formação de opiniões e mudar valores.

A Educação Sexual não se restringe a uma mera informação reprodutiva ou preventiva, pois a sexualidade tem uma dimensão histórica, cultural, ética e política que abrange todo o ser e se expressa das mais distintas formas. Não se limita a ser um instrumento de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (IST), HPV, AIDS, e outras, da gravidez precoce, ou de tratar sobre homossexualidade, aborto, e outros.

Ela envolve a promoção da saúde, a saúde reprodutiva, relações de gênero, relações interpessoais, afetivas, imagem corporal e autoestima, propiciando um olhar mais abrangente, intenso e diversificado da sexualidade, sem invadir a privacidade do outro ou de ditar regras de comportamento ou moral, ou de ser um momento de análise ou psicoterapia.

A sua finalidade consiste em fornecer informações e possibilitar espaços para que discussões e reflexões aconteçam acerca das diferentes temáticas a ela relacionadas e sobre suas dimensões biológicas, psíquicas e socioculturais.

Compreendemos que o essencial para a formação do professor em Educação Sexual é estar preparado para discutir com os jovens temas que remetem à sexualidade, estejam sensibilizados e aptos a responderem aos inúmeros questionamentos que os jovens certamente farão, e que estejam, sobretudo, atentos para desconstruir violências e discriminações que geralmente ocorrem dentro do ambiente escolar e que fatalmente irão se deparar ao praticarem a docência.

Page 336: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores336

Referências

CASTRO, M. G.; ABRAMOVAY, M.; SILVA, L. B. Juventudes e sexualidade. Brasília: UNESCO, 2004.

ECHEVERRÍA, A. R.; OLIVEIRA, A. S. de; TAVARES, D. B.; SANTOS, J. D. A.; SILVA, K. R; MORAER, R. S. de. A pesquisa na formação inicial de professores de química: abordando o tema drogas no ensino médio. Química Nova na Escola, n. 24, p. 25-28. 2006.

FELIPE, J.; GUIZZO, B. S. Entre batons, esmaltes e fantasias. In: MEYER, D.; SOARES, R. (Org.). Corpo, gênero e sexualidade. Porto Alegre: Mediação, p. 31-40. 2004.

FIGUEIRÓ, M. N. D. Educação sexual: como ensinar no espaço da escola. Linhas, 7(1). 2006.

FIGUEIRÓ, M. N. D. Educação sexual: múltiplos temas, compromisso comum. Londrina: UEL, 2009.

GHEDIN, E.; LEITE, Y. U. F.; ALMEIDA, M. I. Formação de professores: caminhos e descaminhos da prática. Brasília: Líber Livro, 2008.

LEÃO, A. M. C.; RIBEIRO, P. R. M.; BEDIN, R. C. Sexualidade e orientação sexual na escola em foco: Algumas reflexões sobre a formação de professores. Linhas, 11(1). 2010.

MAIA, A. C. B. Sexualidade e deficiências no contexto escolar. (Tese de doutorado). Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília. 2004.

MAISTRO, V. I. A. Projetos de orientação sexual na escola: seus limites e suas possibilidades. Londrina, UEL, 2006.

MELLO, G. N. Formação inicial de professores para a educação básica: uma (re)visão radical. São Paulo em Perspectiva, v. 14, n. 1, p. 98-110. 2000.

MORAES, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva. Ciência e Educação, v. 9, n. 2, p. 191-211. 2003.

NUNES, C.; SILVA, E. A educação sexual da criança: subsídios e propostas práticas para uma abordagem da sexualidade para além da transversalidade. Campinas: Autores Associados. Polêmicas do Nosso Tempo, v. 72. 2000.

SCHNETZLER, R. P. Necessidades formativas de professores. (Relatório de Pesquisa). 2000.

Page 337: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 337

ALGUMAS ReFLexõeS SOBRe O cOnceItO De tRAnStORnO De ApRenDIzAGeM eM MAteMÁtIcA

Ana Márcia Fernandes Tucci de Carvalho1

Introdução

Nossa experiência na sala de aula permite-nos afirmar que, muitas vezes, o planejamento exaustivo das aulas, realizado pelo professor, não é suficiente para lidar com os movimentos e caminhos de condução das mesmas, situações inesperadas surgem. Ocorre a observância de que nada sai muito de acordo com o planejado pelo professor. Ainda bem. O que permeia a sala de aula é um convite contínuo à criatividade do professor e à participação dos alunos, que têm a oportunidade de sentirem-se mais envolvidos com o aprender, com a aquisição de conhecimentos.

Todavia, neste contexto pluralizado que é a sala de aula, ocorrem também situações que parecem não se modificar ao longo dos dias, das semanas, dos meses. Há alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem que parecem ser duradouras, independentemente da utilização de recursos variados para o ensino de diversos conteúdos, particularmente nas aulas de matemática.

O professor observa que, de alguma maneira, algo lhe escapa. Neste ponto, aparece um impasse: o que fazer? Certamente, vários fatores estão envolvidos. Depende muito do professor, de seus próprios compromissos com o magistério; muito da escola, do apoio pedagógico encontrado, das atitudes da direção escolar; depende também do compromisso dos pais com o acompanhamento da vida escolar dos filhos. Há os que nada fazem, há os que tentam por algum tempo e param, e há os que continuam tentando, procurando outras formas, quando as primeiras tentativas fracassam. Porém, esse ponto de vista marca a centralidade do ensino na figura de diversos atores, exceto na figura do aluno, como se destes atores dependesse todo o aprendizado, todas as circunstâncias pelas quais perpassam as aulas. Nem sempre é assim.

Existem circunstâncias que fogem ao alcance do professor, da direção e até mesmo dos pais, não se encaixam aos moldes das aulas convencionais. Existem alunos com necessidades reais de aprendizado, os quais não dependem apenas de ‘condições ideais’ de ensino para aprender, como, por exemplo, a ‘boa vontade’ do professor em ensinar e materiais didáticos adequados em ambiente controlado. Existem alunos com transtornos de aprendizagem que merecem atenção especial, merecem tratamento adequado, de acordo com as necessidades próprias, merecem acompanhamento contínuo extra classe.

Como um primeiro passo, é preciso admitir que, quando se trata de alunos com transtornos de aprendizagem, existem limitações para o aprender e para o ensinar, desta forma poderemos avançar no sentido de construir meios para ensinar o que possa ser ensinado e aprender o que possa ser aprendido, para lidar com as dificuldades inerentes aos alunos com déficits de aprendizagem, ao invés de apenas lamentarmos as dificuldades apresentadas pelos mesmos e a falta de capacitação dos professores, da direção escolar e dos pais para lidar com a situação que se coloca. O aluno com dificuldades de aprendizagem deve ser conduzido a vencer barreiras, de forma apropriada, com profissionais qualificados.

1 Professora Adjunta do Departamento de Matemática – UEL. Contato: [email protected]

Page 338: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores338

O propósito deste texto é proporcionar algumas reflexões sobre o conceito de Transtorno de Aprendizagem em Matemática (TAM), apresentando uma revisão da literatura atual sobre o assunto.

transtornos de Aprendizagem em Matemática No senso comum o verbete ‘transtorno’ significa:

ato ou efeito de transtornar. 1. situação que causa incômodo a outrem; contratempo 2. situação imprevista e desfavorável, contrariedade, decepção 3. leve perturbação orgânica (HOUAISS e VILLAR, 2001, p. 2754).

O senso comum explica-nos as primeiras reações dos professores que, incomodados com as condutas dos alunos em sala, acabam por classificá-los como ‘alunos com dificuldades’ ou como os representantes do ‘fracasso escolar’. Assim, o transtorno apenas é transtorno quando se percebe a implicação do outro no efeito de ser transtornado, quando as aulas não transcorrem como o planejamento pré estabelecia e quando urge a necessidade de medidas escolares que minimizem os efeitos deste mal estar estabelecido na sala de aula.

Considerando-se os dois principais manuais internacionais de diagnóstico, a Classificação Internacional de Doenças (CID – 10), organizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua 4ª. Edição (DSM-IV), elaborado pela Associação de Psiquiatria Americana, os transtornos de aprendizagem são assim definidos:

Transtornos nos quais as modalidades habituais de aprendizado estão alteradas desde as primeiras etapas do desenvolvimento. O comprometimento não é somente a conseqüência da falta de oportunidade de aprendizagem ou de um retardo mental, e ele não é devido a um traumatismo ou doença cerebrais (OMS, CID-10, F81, 1993)

Os transtornos de aprendizagem são diagnosticados quando os resultados do indivíduo em testes padronizados e individualmente administrados de leitura, matemática ou expressão escrita estão substancialmente abaixo do esperado para sua idade, escolarização ou nível de inteligência. Os problemas de aprendizagem interferem significativamente no rendimento escolar ou nas atividades da vida diária que exigem habilidades de leitura, matemática ou escrita. Variados enfoques estatísticos podem ser usados para estabelecer que uma discrepância é significativa. Substancialmente abaixo da média em geral define uma discrepância de mais de 2 desvios-padrão entre rendimento e QI.[...] Os transtornos de aprendizagem podem persistir até a idade adulta” (DSM-IV, 2004, p. 46).

Ambos os manuais consideram os seguintes tipos de transtornos: da leitura (dislexia), da expressão escrita (disgrafia e disortografia) e das habilidades matemáticas (discalculia), além de transtorno de aprendizagem sem outra especificação.

First et.al. (2004) apresentam a caracterização do que é Transtorno de Aprendizagem (transtorno de leitura, transtorno de matemática e transtorno da expressão escrita) apontando para as diferenças que marcam o diagnóstico diferencial. Os autores afirmam que os transtornos

Page 339: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 339

de aprendizagem diferem das variações normais na realização acadêmica, pois em comparação, esta situação “não é clinicamente significativa ou não está substancialmente abaixo do esperado, considerado o QI e as oportunidades acadêmicas” (FIRST et. al., 2004, p. 144); os TA´s não podem ser confundidos com a falta de oportunidade, ensino insatisfatório e fatores culturais, pois estes “resultam de fatores externos ao indivíduo” (op. citi.); os TA´s não podem ser confundidos com o baixo rendimento escolar causado por prejuízo visual ou auditivo, pois estes “ não excede o que seria esperado, considerando o déficit sensorial. Um transtorno de aprendizagem pode ser diagnosticado se as dificuldades acadêmicas forem excessivas” (op. citi.); os TA´s não devem ser confundidos com retardo mental pois este “consiste de prejuízo global no funcionamento intelectual que não é restrito a uma habilidade acadêmica em particular” (op. citi.), os TA´s não devem ser confundidos com Transtornos Gerais no Desenvolvimento, pois esta condição “inclui prejuízos qualitativos nas habilidades sociais e repertório restrito de interesses ou atividades; não está limitado a uma habilidade acadêmica particular” (op. citi.)e, finalmente, o diagnóstico de TA´s deve considerar que este transtorno difere do Transtorno de Comunicação, pois este último “restringe-se a prejuízo nas habilidades de fala ou linguagem (e não nas habilidades acadêmicas)” (op. citi., 2004, p. 144).

Assim, um Transtorno de Aprendizagem (TA) pressupõe que: • as realizações acadêmicas estão significativamente abaixo do esperado, levando-se em conta

fatores como o QI e as oportunidades acadêmicas apresentadas;• é resultante de fatores internos ao indivíduo;• é diferente de apenas déficits sensoriais;• está restrito a habilidades acadêmicas específicas como leitura, escrita ou matemática.

Deuschle et. al. (2006) faz uma revisão do significado do termo, da etiologia e do tratamento dos distúrbios de aprendizagem, procurando valorizar o papel do fonoaudiólogo para intervir nestes distúrbios. Segundo estas autoras

Os termos dificuldades e distúrbios de aprendizagem têm gerado muitas controvérsias entre os profissionais, tanto da área da educação quanto da saúde. Isto porque, há uma sintomatologia muito ampla, com diversidade de fatores etiológicos, quando se considera o aprendizado da leitura, escrita e matemática (DEUSCHLE et. al., 2006, s/p.)

Silva e Santos (2011) em estudo que investigou aspectos da representação numérica e memória operacional de crianças com transtornos de aprendizagem com e sem dificuldades em aritmética apontaram que as crianças “com prejuízos específicos em matemática exibiram um perfil de dificuldades na representação numérica diferente das crianças com transtornos em leitura e escrita. (SILVA e SANTOS, 2011, p. 175)

Logo, é importante caracterizar os Transtornos de Matemática ou Transtornos de Aprendizagem em Matemática (TAM) de forma específica com um diagnóstico próprio.

O DSM-IV (2004) afirma

A característica essencial do Transtorno da Matemática consiste em uma capacidade para a realização de operações aritméticas (medida por testes padronizados, individualmente administrados, de cálculo e raciocínio matemático) acentuadamente abaixo da esperada para a idade cronológica, a inteligência medida e a escolaridade do indivíduo (Critério A).

Page 340: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores340

A perturbação na matemática interfere significativamente no rendimento escolar ou em atividades da vida diária que exigem habilidades matemáticas (Critério B). Em presença de um déficit sensorial, as dificuldades na capacidade matemática excedem aquelas geralmente a este associadas (Critério C). Caso esteja presente uma condição neurológica, outra condição médica geral ou déficit sensorial, isto deve ser codificado no Eixo III. Diferentes habilidades podem estar prejudicadas no Transtorno da Matemática, incluindo habilidades “lingüísticas” (por ex., compreender ou nomear termos, operações ou conceitos matemáticos e transpor problemas escritos em símbolos matemáticos), habilidades “perceptuais” (por ex., reconhecer ou ler símbolos numéricos ou aritméticos e agrupar objetos em conjuntos), habilidades de “atenção” (por ex., copiar corretamente números ou cifras, lembrar de somar os números “levados” e observar sinais de operações) e habilidades “matemáticas” (por ex., seguir seqüências de etapas matemáticas, contar objetos e aprender tabuadas de multiplicação). (DSM-IV, F81.2, 315.1, 2004)

Apontando como critérios diagnósticos para o TAM: A. A capacidade matemática, medida por testes padronizados, individualmente administrados,

está acentuadamente abaixo do nível esperado, considerando a idade cronológica, a inteligência medida e a escolaridade apropriada à idade do indivíduo.

B. A perturbação no Critério A interfere significativamente no rendimento escolar ou atividades da vida diária que exigem habilidades em matemática.

C. Em presença de um déficit sensorial, as dificuldades na capacidade matemática excedem aquelas geralmente a este associadas. (DSM -IV,F81.2, 315.1, 2004

Fletcher et.al. (2007) apontam as dificuldades para uma definição mais precisa para os Transtornos de Aprendizagem em Matemática. Para estes autores, o DSM-IV usa a expressão “transtorno da matemática” e a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), por sua vez, aponta “transtorno específico da habilidade em aritmética”. Segundo os autores, é importante notar que essas definições supõem “[...] um QI médio ou acima da média, funcionamento sensorial normal, oportunidades educacionais adequadas e ausência de outros transtornos do desenvolvimento e distúrbios emocionais” (FLETCHER et.al., 2007, p. 220).

Assim, estamos nos referindo de transtorno em habilidades específicas em matemática, mesmo que essas vagas definições não o caracterizem plenamente. Haja vista que, segundo estes mesmos autores, expressões como “transtornos do desenvolvimento da aritmética”, “transtornos matemáticos”, “transtornos específicos em matemática” são usados de maneira similar para dificuldades em matemática que variam desde a efetuação de cálculos até a resolução de problemas em matemática – o que necessita passar pela compreensão escrita e de linguagem, além dos procedimentos aritméticos e de cálculos. Desta maneira, torna-se necessário identificar e restringir os componentes básicos para a proficiência em matemática.

Geary (2004) classifica as habilidades básicas e as competências em matemática em dois grandes grupos, (1º.) o conhecimento algorítmicos procedimental – que envolvem a aplicação de algoritmos, regras e estratégias (como o ‘tomar emprestado’ e ‘transportar’) e (2º.) competências que envolvem o conhecimento conceitual (como o necessário para a compreensão do sistema decimal posicional) (GEARY, 2004, p.8). É mister concordar com os autores quando afirmam que estas diferentes formas de encarar as habilidades e competências matemáticas também indicam duas posições teóricas distintas quanto ao encaminhamento da questão de como lidar

Page 341: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 341

com os transtornos de aprendizagem. A primeira, alicerçada em conhecimentos algorítmicos procedimentais, permite a sustentação de que o conhecimento matemático e “[...] as habilidades numéricas precoces não são influenciadas pela linguagem nem por outros aspectos do meio ambiente, e que transtornos nessas habilidades matemáticas precoces se transformam em TAs envolvendo a matemática”. (FLETCHER et.al., 2007, p. 222). A implicação imediata relaciona-se com a definição do é Transtorno em Matemática, pois significaria “[...] identificar as competências que formam essa capacidade básica do cérebro humano ou não-humano, que são produtos da evolução, e relacioná-las com circuitos cerebrais específicos” ((FLETCHER et al, 2007, p. 222). Já a segunda categoria, por sua vez, por priorizar o conhecimento conceitual, permite encarar que

[...] as habilidades matemáticas representam diferentes domínios do conhecimento que estão incluídos em outros sistemas cognitivos ou neuropsicológicos gerais, como o sistema da linguagem, o sistema visuoespacial e o sistema executivo central que sustenta a atenção e inibe as informações irrelevantes (GEARY, 2004, p.10)

Problemas nas interações entre estes diferentes sistemas cognitivos ou nos próprios sistemas poderiam causar diferentes níveis de problemas no desenvolvimento das habilidades e competências matemáticas, que por sua vez, afetariam os testes matemáticos.

De qualquer maneira, a questão central permanece: identificar as habilidades e competências necessárias para a aprendizagem matemática ou, por outro lado, caracterizar quais são os déficits em habilidades matemáticas (escolares) que identificam os transtornos de aprendizagem.

considerações finais

A aprendizagem em matemática não pode ser considerada como apenas um conjunto de habilidades básicas procedimentais que podem ser adquiridas ao longo da vida escolar.

O olhar do professor de matemática pode ser atento, no sentido de procurar observar a frequencia dos erros dos alunos durante a aprendizagem, como também o tipo de erro que estão cometendo. Possivelmente, o professor será o primeiro com possibilidade de perceber que é necessária intervenção especializada, com o apoio pedagógico da escola e da família, para interceder neste processo de aprendizagem e romper com a sequencia de insucesso escolar, beneficiando diretamente os alunos.

A importância pela busca da definição do que é Transtorno de Aprendizagem em Matemática relaciona-se aos procedimentos práticos que podem ser adotados após o diagnóstico correto dos problemas correlatos à aprendizagem em matemática, como também como apontamos, com a possibilidade de, diante de um diagnóstico preciso, identificar as habilidades e competências necessárias para a aprendizagem matemática ou, por outro lado, caracterizar quais são os déficits em habilidades matemáticas (escolares) que identificam os transtornos de aprendizagem. Ainda é necessária a ampliação da pesquisa neste campo.

Page 342: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores342

Referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-IV. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: ARTMED, 2004, 4a. ed. http://virtualpsy.locaweb.com.br/dsm_janela.php?cod=16. Acesso em 19/02/2013.

DEUSCHLE, V.P.; DONICHT, G.; PAULA,G. R. Distúrbios de aprendizagem: conceituação, etiologia e tratamento. Psicopedagogia on line. http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=841. Acesso em 19/02/2013.

FIRST, M. B.; FRANCES, A. ; PINCUS, H. A. Manual Diagnóstico do DSM-IV-TR. Porto Alegre. ARTMED, 2004.

FLETCHER, J. M.; LYONS, G. R.; FUCHS, L. S.; BARNES, M. Transtorno de Aprendizagem: da identificação à intervenção. Porto Alegre: ARTMED, 2007, p. 220-250.

GEARY, D. C. Mathematics and learning disabilities. Journal of Learning Disabilities. vol.37, n.1, 2004, p. 4-15.

HOUAISS, ANTONIO; VILLAR, MAURO S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro (RJ): Objetiva, 2001.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. CID-10 : Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. 8 ed , São Paulo: EDUSP, 2008. www.datasus.gov.br/cid10/V2008/cid10.htm. Accesso em 19/02/2013.

SILVA, P.A ; SANTOS, F.H. Discalculia do desenvolvimento: avaliação da representação numérica pela ZAREKI-R. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Brasília, v.27, n.2, abr-jun, 2011, p. 169-177.

Page 343: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 343

PROJETO NOVOS TALENTOS – CIÊNCIAS HUMANAS: UMA CONTRIBUIÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Américo Grisotto1

“É verdade que, no caminho que leva ao que cabe pensar, tudo parte da sensibilidade”. [Gilles Deleuze, Diferença e Repetição]

primeiro movimento: a potência do problema em Filosofia

Se o público em geral não entende o que os filósofos fazem e crê que cada um simplesmente diz o que quer, isso se deve, em grande medida, ao fato de que não entende o problema ou, mais ainda, não toma consciência da existência de um problema. Esse é o dado da equação que tende a faltar e o motivo essencial dá impressão de arbitrariedade. O que o filósofo diz é tomado como “mero dizer”, como “irresponsável afirmar”, passando-se por alto seu originário caráter de “solução”. No entanto, a filosofia possui problemas, sendo a unidade dinâmica interna desses problemas o que está na base da multiplicidade e da mudança de temas e opiniões. Quanto não há problemas tampouco há filosofia. Mario Ariel González Porta, A filosofia a partir dos seus problemas

Para iniciarmos estes apontamentos é imprescindível sustentar uma tese pouco comum no cânone filosófico. Qual seja? A de que estabelecer relações com o pensamento em filosofia não depende, em primeira instância, dos esforços da razão e nem mesmo dos esforços da nossa vontade, o que significa, por outro lado, que tais relações dependem, muito mais, dos acontecimentos que nos acometem e nos tomam paradoxalmente na atualidade2 nos forçando a pensá-los filosoficamente.

Segundo este tipo de ocorrência acontecimental, própria da contingência, é que podemos distinguir em filosofia o que coincide enormemente com o que já pensamos e o que traz o novo. Aliás, nestes termos, é bem provável que – a partir de um diagnóstico do que nos toma na atualidade – algum empenho tenha sentido, seja ele da nossa razão, ou da nossa vontade.

Deste modo, ao pensarmos filosoficamente circunstanciados nos acontecimentos que nos desafiam no momento presente, teremos condições de solicitar da tradição filosófica a ótica de suas problemáticas, abandonando a posição de simples espectadores do pensamento, para nos aventurarmos na construção e ensaio da nossa própria maneira de pensar e fazer filosofia. Talvez, aí, consigamos: inventar regras próprias no pensamento, segundo uma nova maneira de confecção e um novo estilo de fazer filosofia; tomar autores da história do pensamento como matéria de interesse, pela sugestão de novas composições que o cânon filosófico já não oferece; selecionar problemas que, por endossarem o que pensamos, podem ser uma vez mais revisitados segundo os enfoques próprios da atualidade etc. Neste tipo de agenciamento, novas relações com o pensamento tendem a se configurar em que a prática da filosofia, não mais fadada a recognições, ganha um papel efetivo.

1 Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Contato: [email protected] Cf. FOUCAULT, Michel. O que são as luzes? In: FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos II. Tradução Elisa Monteiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

Page 344: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores344

No entanto, para além destas colocações preliminares, como podemos, de fato, começar em Filosofia? Segundo o que reza a base dos nossos regramentos lógicos, podemos começar estabelecendo uma orientação que nos seja segura e que nos sirva de modelo. O mundo em que vivemos é construído a partir desta ótica, que assegura que há – de uma vez por todas – um sentido único e apreensível da realidade, basta que saibamos resgatá-lo através do pensamento. Mas, esta é uma verdadeira imagem de nosso mundo? O mundo que pode ser ordenado de uma vez por todas pelo pensamento, é nossa realidade? É difícil de acreditar. O que nos resta são partes obscuras e problemáticas no nosso mundo. E estas partes obscuras e problemáticas são aquelas que nos dão a força de pensar. Assim, nós não podemos partir senão do meio atual, entre a ignorância e certo conhecimento. É a maneira de pensar ainda vaga, obscura e desafiadora que constitui este meio, e que nos é dado empiricamente. Assim, o ato filosófico consiste num movimento contínuo de aprender, em que a ignorância não é de forma nenhuma um estado negativo. Ao contrário, é o estado problemático de ignorância que nos força a pensar. Por este caminho, aprender é movimento entre o indeterminado e a determinação, em que a indeterminação paradoxalmente possui mais profundidade que a determinação3. Não desejamos antigas respostas para novos problemas. O indeterminado ou a parte obscura, problemática, é o que há de positivo tanto nas paixões quanto naquilo que desejamos nos empenhar, e nos traz as velocidades infinitas do caos, enquanto forças involuntárias e contingentes. O papel do pensamento é tornar consistentes estas velocidades infinitas, transformando-as em sensação criativa.

Assim, nós não podemos separar o ato de pensar do que nos é obscuro, problemático e desafiador. O ato de pensar, enquanto elemento vindo do contingente obscuro e problemático é uma vontade de transformação, sustentado sem cessar por forças imperceptíveis, que subsistem mesmo durante este ato. Por este motivo, o movimento de aprendizagem em filosofia é o processo intensivo de imbricação entre o ato de pensar e as forças contingentes e inconscientes que o forçam a pensar. O fato de que qualquer coisa seja verdadeira e possa nos servir de modelo e padrão, é secundário. O que é mais profundo, é que nós somos forçados a crer que alguma coisa é verdadeira. Trata-se do devir e do perspectivismo4, de par com a avaliação ou a criação de valores singulares em meio a uma verdade universal, em que o mundo “verdade” sofre uma inflexão, submetendo-se à mudança.

O processo de aprendizagem do pensamento em filosofia, implicando o elemento contingente, torna-se, assim, plástico e variável. Ele se confunde com o próprio movimento do pensamento filosófico, que avança com a formação de singularidades enquanto pontos de vista intensivos. Constrói-se progressivamente com cada ato de pensar, que contém sua própria forma. O ato de filosofar torna-se, deste modo, a repetição deste círculo descentrado, porque problemático. Não se trata de vencer de uma vez por todas os problemas que nos afligem, mas de criar modos de pensar individuados por cada acontecimento que nos toma na atualidade, por cada caso contingente. Trata-se de um ato afirmativo, que é inseparável em cada criação, que no final das contas é um ato de transformação. Na esteira do pensamento nietzschiano, a criação é afirmação do acaso em oposição o pensamento como negação5. Neste aspecto a razão

3 Cf. SHIRANI, Takashi. Deleuze et une philosophie de l ’imanence. Paris: L’Harmattan, 2006, p. 13-17. 4 Cf. NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2001, fragmento 374, p. 278. 5 Cf. DELEUZE, Gilles. Nietzsche. Trad. de Alberto Campos. Lisboa: edições 70, 1994.

Page 345: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 345

transforma-se em potência, é inseparável do sentimento de alegria como afeto livre e ativo, aumentando nossa potência de vida e nosso poder de afetar e de ser afetado desembocando em alegria. Esta é obtida pelo mergulho no caos retirar-lhe modos de existência no pensamento, o que não é fácil como aparece a primeira vista6.

Neste entremeio fica, ainda, a questão: se não podemos ter de antemão uma certeza, como proceder em relação ao pensamento? Arriscando uma resposta, é possível dizer que a diferença no pensamento não é afirmada senão por uma série de atos de pensar como condição e ligações do diverso, num tempo de construção. Esta diferença está estreitamente ligada a uma problemática, porque esta não é outra coisa senão a diferença em sua singularidade, criada por um jogo de crítica e criação. No sentido que Deleuze7 coloca este problema, criticar é somente constatar que um conceito em filosofia se esvanece, perde seus componentes, ou adquirem o que o transforma, quando ele é colocado num novo meio. Aqueles que criticam sem criar, que se contentam em defender o esvanecimento sem lhe dar as forças de torná-lo novo, são como que o vazio da filosofia. Assim, a criação é um processo onde nós criamos uma nova problemática no jogo entre do problema e sua condição. Aliás, colocar um problema já é produzir uma problemática e o importante é tomar este jogo num movimento progressivo, de forma que tal problemática seja determinada à medida que nós colocamos suas condições8.

A dificuldade de se enxergar esta perspectiva se justifica porque a história da filosofia está estreitamente ligada à tradição ocidental da representação ou da filosofia do conhecimento, segundo a qual as relações são interiores a seus termos9, o que implica não apenas moralismo, mas controle. Em sentido contrário, a vida não se justifica pelo conhecimento. Ela nos força a pensar e neste aspecto adentramos a ética, a política, ou filosofia como prática.

Em oposição à representação, o acontecimento problemático, pelo grau de intensidade e envolvimento que suscita, implica a afirmação do acaso. Assim, em filosofia, a questão deixa de ser a substância, a matéria, a identidade como entidades estáticas, e passa a ser o processo ou o movimento que se produz entre certo número de componentes e o problema que nós nos propomos a equacionar. Somente por este processo, a essência vaga das abstrações, uma vez determinada construtivamente, passa a ter existência na história.

Este conceito de acontecimento10, segundo aquilo que nos toma problematicamente na atualidade, encontra-se ligado ao conceito de imanência, ou crença neste mundo e na sua transformação, de coisas que este nos oferece para pensar e sobre as quais nos voltamos, nos aproximando dele e retornando a ele, o que significa dizer que este mundo não se encontra feito uma vez por todas.

Deste modo, a filosofia consiste em por um problema. Ao contrário de ser aquela que funda o pensamento, a filosofia é antes problematização. Se, enquanto fundamento, a filosofia é a posição segundo a qual a determinação é primeira e última, enquanto problematização ela invoca a potência do indeterminado, do que é ainda obscuro, do problemático. Com o ato de

6 Cf. DELEUZE, Gilles. Espinosa: filosofia prática. Trad. de Daniel Lins e Fabien Pascal Lins. São Paulo: Escuta, 2002.7 Cf. DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. 2ª ed. Trad. de Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2006; DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. Trad. de Luiz Orlandi. São Paulo, 34, 1999. 8 Cf. SHIRANI, Takashi. Deleuze et une philosophie de l ’imanence. Paris: L’Harmattan, 2006, 18-24. 9 Cf. DELEUZE, Gilles. Empirismo e subjetividade: ensaio sobre a natureza humana segundo Hume. Trad. de L. B. L. Orlandi. São Paulo: 34, 2001. 10 Cf. SASSO, Robert; VILLANI, Arnaud. Le vocabulaire de Gilles Deleuze. Paris: Centre de Recherches d’Histoire des Idees (Cahier no. 3): 2003.

Page 346: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores346

determinação, o indeterminado, o problemático, o que nos desafia, fonte deste ato, é também engendrado como auto-produção afirmativa11 e é esta a contribuição que a filosofia tem a nos oferecer.

Segundo movimento: entre a Filosofia, enquanto problematização e a proposta metodológica do projeto novos talentos – ciências Humanas

A ideia a nos orientar neste nosso trabalho junto ao subprojeto “Novos Talentos - Ciências Humanas” é a de oferecer às escolas, aos profissionais da educação e aos alunos envolvidos uma contribuição a ser tomada de forma interessada, de modo que, para além da integração própria das atividades interdisciplinares, todos estejam engajados na superação do saber constituído tanto na Universidade quanto no âmbito escolar. O que significa que os conhecimentos a serem ministrados pela Universidade no contexto das temáticas a serem oferecidas nas diferentes áreas mediante este subprojeto, devem permitir, por um lado, que tais conhecimentos sejam balizados por diferentes problemas e interesses e, por outro, que possibilitem uma visão mais consistente e abrangente dos possíveis vetores de atuação junto ao âmbito escolar.

Esta abordagem – no movimento inovador que pretende estabelecer entre os diferentes conhecimentos produzidos pela pesquisa universitária e aqueles do âmbito escolar – oposta num impulso, cuja operacionalização junta elementos do pensamento científico, artístico e filosófico e os articula conforme o princípio da unidade de um plano, de modo que sejam possíveis variações inventivas em torno de temas conhecidos, inclusive a superação dos tipos dados próprios dos nosos universos teóricos.

Se para um determinado procedimento o saber produzido pela Universidade, bem como pela Escola, é justamente aquele a ser socializado através de conteúdos explicativos, sob a ótica deste subprojeto Novos Talentos – Ciências Humanas, as condições e possibilidades de aprendizagem transformam-se em iniciativas a serem criadas num diálogo que atravesse tanto a Universidade quanto os sujeitos das Unidades Escolares envolvidas. Por este motivo, a escolha das temáticas indicadas pela Universidade ganham, no diálogo com a comunidade escolar (professores, profissionais, alunos) o caráter de problemáticas, nas quais todos os envolvidos decidem investir.

Esta maneira de conceber o saber possui uma característica diferenciada daquela do campo clássico – apresentação exaustiva de informações – pois objetiva oferecer elementos para que os envolvidos revejam seu contato com o conhecimento e trabalhem de forma a problematizá-lo respondendo a novas demandas e criando novas possibilidades para sua implementação. Possui uma fórmula na qual o legado do pensamento científico social, geográfico, histórico e filosófico em si é vazio, e só ganha vida mediante temas e problemas que os colocam em operação.

Se as teorias, sejam elas filosóficas, científicas, artísticas, aplicam-se a casos que dizem respeito às suas respectivas jurisdições, os problemas, por outro lado, nos colocam diante de situações inusitadas, em que não dispomos de uma fórmula, ou definição clara para tratá-los. Desmembrados num conjunto de singularidades e sem compartilhar de um de um fil condutor, necessitam de uma heterogeneidade de iniciativas que possam encaminhá-los dentre as quais o estudo, a pesquisa, o debate, ocupam lugar privilegiado.

11 Cf. SHIRANI, Takashi. Deleuze et une philosophie de l ’imanence. Paris: L’Harmattan, 2006.

Page 347: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 347

No entanto, o que se retira do saber produzido na Universidade e se socializa comumente nas Escolas são as teorias, isto é, posições do saber acumulado mediante aquilo que foram as soluções efetuadas, e neste aspecto é que se opõem as problemáticas que, pelo contrário, demandam um trabalho a ser colocado em movimento.

Assim, uma inversão faz-se necessária para que o conhecimento, abandonando sua característica de saber passivo, ganhe dinamicidade e no qual a interdisciplinaridade assuma um papel operativo muito particular de diálogo transversal entre os envolvidos, de modo que tanto a Universidade, quanto as Escolas Parceiras possam avançar.

Isto tende a ocorrer porque, nesta perspectiva, o uso dos instrumentos de trabalho se diferencia daquele próprio do que estamos acostumados a executar, uma vez que seu movimento consiste em inventar novas formas do pensamento científico social, geográfico, histórico, filosófico operar, e não propriamente na recorrência aos fatos já postos por estes mesmos saberes.

Ainda que se saiba que as escolas recebam o conhecimento como produto, quanto à metodologia própria deste trabalho, a exigência, portanto, é mais radical. Tomar o legado do pensamento de forma interessada implica desafios e certo atrevimento dos envolvidos, ou daqueles que se propõe a aprender. Consiste em uma nova relação, que não se resume em anunciar que é preciso que novos talentos despontem nas Escolas Parceiras, mas em favorecer que este tipo de realidade ocorra.

Por isto, o conhecimento que a Universidade produz na área de Ciências Humanas deve tornar-se matéria da qual partiremos e com a qual nos propomos a dialogar segundo temas e problemas a serem reinventados segundo o que significa, no âmbito deste subprojeto, da Universidade e das Unidades Escolares implicadas, o seu próprio movimento e a sua operacionalização. O que significa que, ao visar o novo, não o fazemos a partir do nada. As escolas envolvidas (profissionais, professores, alunos) necessitam, sim, dialogar com o conhecimento das áreas e com o que a Universidade tem a oferecer, mas tal iniciativa não teria sua razão de ser se não fosse para contraefetuar neste mesmo conhecimento o que corresponde à composição e recomposição de suas questões segundo um duplo vetor que atinja tanto os conhecimentos produzidos pela Universidade na área de Ciências Humanas, quanto o que se pretende com estes conhecimentos no âmbito das Unidades Escolares.

Neste sentido, quando uma proposta parte de problemas almeja, ao menos por alto, que aqueles que se aproximam das temáticas a serem oferecidas se sintam de alguma maneira confrontados e que prossigam aprimorando seus questionamentos, suas atividades, bem como o que seriam os seus novos modos de operacionalização. Isto tende a resultar que a relação com o pensamento se desloque do que seria uma atitude passiva de aprendizagem, em direção ao que possa surpreender nesta aprendizagem.

Caso a prática ocorra nestes termos, que é o que objetivamos neste subprojeto, é bem provável que o inusitado atravesse as Escolas Parceiras e, em igual proporção, a Universidade. Ademais, é justamente porque a proposta a partir de problemas não encerra uma lógica continuada de um conteúdo a ser apreendido necessariamente é que permite aos profissionais da Universidade e das Escolas Parceiras um trato maleável, estratégico, fazendo subir à superfície uma série de elementos da vida e do cotidiano.

Segundo esta ótica, o constante acréscimo externo de questões, não só se torna realidade como, também, traz elementos concretos, de forma que os problemas a serem tratados não sejam

Page 348: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores348

necessariamente aqueles que a Universidade, ou que os professores da escola têm a oferecer, mas aqueles problemas que os envolvidos no processo podem vir a enxergar, cuja justificativa, sempre a posteriori, pode resultar em novos equacionamentos.

Assim, partilhando posições, que não deixam de ser os seus posicionamentos frente às temáticas/problemáticas que lhe dão suporte, a Universidade, nas áreas de Ciências Humanas, e as Escolas Parceiras, com a ajuda dos professores, profissionais da educação e alunos, têm em mãos a possibilidade de tornar efetiva a prática na qual desejam aprender, de modo que, envolvendo-se, se empenhem em inaugurar novidades no processo de operacionalização das atividades a serem realizadas.

Como já mencionamos, trata-se de uma proposta bem diferenciada daquela às voltas com a apreensão e conhecimentos em si mesmos. O que se têm são elementos da vida, problemas, em confronto com temáticas do pensamento científico social, histórico, geográfico, filosófico. Neste sentido, a possibilidade das Escolas Parceiras fazerem as suas próprias experiências e arranjá-las em um sistema vivo e coerente não será sufocada pela ilusão de que padrões a serem implantados são mais significativos e melhores. E isto porque este enfoque valoriza menos os conhecimentos e saberes já produzidos e mais o acesso às oficinas, aos cursos, palestras, estudos, pesquisas etc. aonde cabe construí-los.

A partir desta proposição, de que o que atravessa o saber produzido na Universidade quando o saber socializado nas Escolas Parceiras são os problemas, não teríamos outra expectativa senão aquela que faz deste subprojeto o desencadeamento de iniciativas próprias e, por este motivo, inovadoras. Ou seja, que se mantenha a busca, a persistência daqueles que estão à frente das Escolas Parceiras, diferentemente de fazê-los pensar e fazer, pura e simplesmente, o que a Universidade deseja. Não é função da Universidade, nem mesmo das Escolas Parceiras, controlar e garantir a reprodução do mesmo, mas, em sentido afirmativo, produzir vida nova e novos talentos necessários a sua sustentação.

Por este motivo, cientes de que os acontecimentos transcendem o que se planeja, trabalhar com temas e com sua problematização traz consigo a indiscernibilidade necessária de se confrontar com intervenções contínuas. Aliás, o pensar próprio da novidade é tão aleatório quanto à propositura das temáticas e dos problemas, bem como o amplo campo a que eles podem se abrir. Nestes casos, as produções, às quais a Universidade e as Escolas Parceiras podem recorrer, ensejando suas próprias versões, sugerem que o próprio subprojeto abandone, se necessário, o seu esboço para se transformar no seu contínuo e necessário ensaio e povoamento. Daí que podemos pensá-lo em termos heterotópicos12. Não mais um subprojeto que nasça do sonho de uma nova sociedade aqui e agora, o que é próprio da ideia de utopia (não somos mais suficientemente ingênuos a ponto de apostar no sonho totalitário de uma transformação repentina a todo custo), mas ensejando a ideia de heterotopia, ou da realização de uma pluralidade de sonhos a serem construídos, cujas iniciativas podem ser forjadas através da inauguração de novos espaços nas Escolas Parceiras: eis a possibilidade de que novos talentos de fato surjam. Assim, se este subprojeto entre a Universidade, na esfera das Ciências Humanas, e as Escolas Parceiras, consiste na realização de atividades extra-curriculares, numa espécie de acréscimo às atividades regulares, sugere-se, em igual medida, que outros espaços sejam inaugurados e que

12 Cf. FOUCAULT, Michel. Outros Espaços. In: FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos III. Trad. de Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

Page 349: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 349

não sejam os mesmos da sala de aula, ou aqueles sob a tutela e controle do Estado, em que – para além das atividades organizadas comumente – Universidade, professores, alunos, profissionais da educação, comunidade, sirvam-se da Escola como lugar público e não estatal, onde seja possível pesquisar, estudar, ler, escrever, criar, sonhar, segundo demandas que não são propriamente aquelas que as autoridades propõe através do controle curricular e outros mecanismos, mas aquelas que julgam fundamentais para um melhor aproveitamento e enriquecimento de suas próprias vidas.

Referências

DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. 2ª ed. Trad. de Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2006.

DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. Trad. de L.uiz Orlandi. São Paulo, 34, 1999.

DELEUZE, Gilles. Empirismo e subjetividade: ensaio sobre a natureza humana segundo Hume. Trad. de L. B. L. Orlandi. São Paulo: 34, 2001.

DELEUZE, Gilles. Espinosa: filosofia prática. Trad. de Daniel Lins e Fabien Pascal Lins. São Paulo: Escuta, 2002.

DELEUZE, Gilles. Nietzsche. Trad. de Alberto Campos. Lisboa: edições 70, 1994.

FOUCAULT, Michel. O que são as luzes? In: FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos II. Tradução Elisa Monteiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

FOUCAULT, Michel. Outros Espaços. In: FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos III. Trad. de Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2001, fragmento 374, p. 278.

PORTA, Mario Ariel Gonzalez. A filosofia a partir de seus problemas. São Paulo: edições Loyola, 2002.

SASSO, Robert; VILLANI, Arnaud. Le vocabulaire de Gilles Deleuze. Paris: Centre de Recherches d’Histoire des Idees (Cahier no. 3): 2003.

SHIRANI, Takashi. Deleuze et une philosophie de l ’imanence. Paris: L’Harmattan, 2006.

Page 350: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores350

RELATO DE EXPERIÊNCIA: A IncLUSãO DAS AtIVIDADeS GInÁStIcAS e AQUÁtIcAS NA ESCOLA

Marilene Cesário1

Ernani Xavier FilhoAna Maria Pereira

Antonio Geraldo M. G. PiresAlison Francisco Sales da Silva

Édipo Henrique Silva Introdução

A Ginástica e as Atividades Aquáticas como conteúdos construídos historicamente pela sociedade foram utilizadas como conhecimentos que possibilitem a formação humana de crianças e adolescentes que frequentam a escola pública. Relatamos no presente texto as ações desenvolvidas no projeto de extensão “A escola como campo de formação e aprendizagem docente: construindo possibilidade de intervenções para o ensino da Educação Física”, realizado numa escola no entorno da UEL no período de 2010/2011, tendo integrando as ações do Programa Universidade Sem Fronteiras com apoio financeiro da SETI. O objetivo foi a elaboração e materialização de um processo metodológico de intervenção pedagógica dos saberes das Ginásticas e Atividades Aquáticas para ser ensinado na escola. As experiências de ensino aqui propostas contribuíram de maneira significativa para o processo de formação e desenvolvimento profissional dos professores além de possibilitar o conhecimento e experiências corporais relacionadas às manifestações gímnicas e aquáticas.

A preocupação com a formação de professores, levando em consideração as constantes transformações ocorridas no campo do saber científico, deve caminhar em uma direção tal que faça com que professores, no exercício de sua profissão, sejam capazes de formar cidadãos em condições de interferirem na sociedade e na economia, num sentido emancipatório e coletivo.

Nessa direção, a pesquisa científica é apontada, tanto na literatura especializada nacional, quanto internacional, como fator importante no processo de construção e produção de conhecimentos necessários na atualidade; a formação do professor como profissional crítico e reflexivo tem influenciado vários estudos e proposições pedagógicas. Porém, para que o(a) professor(a) possua a capacidade de pesquisar sua prática pedagógica, na perspectiva de desenvolver (não só em seus alunos(as), mas nele próprio) a capacidade de aprender a aprender, de saber pensar e intervir sobre os problemas da realidade e, assim, construir novos conhecimentos, requer, num primeiro momento, a condição de que ele – o(a) professor(a) – tenha vivenciado esse modelo de formação.

Essa discussão tem sido ponto de reflexão em nossa prática docente, na qual percebemos que, no cotidiano acadêmico, a maior dificuldade em estabelecer novas formas com o aprender, exigidas na atualidade, encontra-se, na maioria das vezes, com os(as) próprios(as) professores(as), uma vez que tal prática não está incutida em nossa cultura. Não tendo tido esse tipo de formação e assustados com o risco que o novo pode trazer, as atividades docentes acabam sendo influenciadas pela formação obtida em seus diferentes anos de escolarização e nos saberes que vão construindo durante sua prática docente.

1Professora doutora do Curso de Educação Física da UEL.

Page 351: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 351

Um dos grandes desafios colocados para a formação de professores está em diminuir a distância entre a formação e a atuação profissional, possibilitando dentro do próprio currículo, uma aproximação entre os conhecimentos tratados no campo da formação de professores e a realidade das escolas. Nesta direção, o ponto crucial do projeto de extensão em questão foi o de saber como articular e comunicar os conhecimentos da Educação Física, em específico da Ginástica e das Atividades Aquáticas, com os processos educativos e formativos da vida humana. Estabelecer aproximações, conexões e relações entre a experiência do mundo-científico e a experiência do mundo-vivido leva-nos a uma melhor compreensão e entendimento das práticas pedagógicas no ensino da Educação Física, com vistas a superação de problemas relacionados às práticas de ensino tradicionais e atuais. Decidimos buscar uma aproximação entre o referencial teórico-científico produzido historicamente no campo da Ginástica e Atividades Aquáticas e o processo da intervenção do professor de Educação Física mediante as problemáticas encontradas no cotidiano escolar.

Acreditamos que o diálogo visando esta aproximação poderá fornecer elementos da realidade concreta, para dar respostas às necessidades operativas da motricidade humana, tendo em vista os autênticos e competentes processos formativos e educativos, neste caso em específico, de crianças e adolescentes que se encontram excluídos do processo de cidadania. A Ginástica e as Atividades Aquáticas como conteúdos construídos historicamente pela sociedade foram utilizadas como conhecimentos que possibilitem a formação humana de crianças e adolescentes que frequentam a escola pública, além de contribuir para o processo de formação e desenvolvimento profissional dos professores. Frente a esses pressupostos, elaboramos e implementamos uma proposta metodológica para o ensino da Ginástica e das Atividades Aquáticas a partir da coordenação de um discurso\teórico com um curso\fazer prático, faces de uma mesma realidade, que contribuiu para a formação humana e emancipação dos estudantes das escolas públicas, ao mesmo tempo em que possibilitou aos professores envolvidos (da universidade e das escolas) e futuros professores (acadêmicos do curso de formação inicial em Educação Física) oportunidade de formação e desenvolvimento profissional.

Este Projeto de Extensão sobre o Ensino da Ginástica e das atividades Aquáticas foi desenvolvido em uma escola do entorno da Universidade Estadual de Londrina no ano de 2010/2011 e objetivou estudos rigorosos, radicais e de conjunto, no intuito de aproximar e relacionar o conhecimento produzido na academia com o cotidiano escolar, tendo como objeto de intervenção essas práticas corporais que integram o universo da manifestação cultural de movimento e são conteúdos da Educação Física.

Tratou-se, portanto, da elaboração e materialização de um processo metodológico de intervenção pedagógica dos saberes da Ginástica e das Atividades Aquáticas – Natação, para serem ensinados no processo de formação dos estudantes das escolas públicas. Essa elaboração e construção foram introduzidas e debatidas, na formação de professores de Educação Física, nas disciplinas que tratam do ensino da Ginástica e das atividades Aquáticas do Curso de Licenciatura da Universidade Estadual de Londrina. Debates e discussões que não ficaram somente no plano da constatação teórica dos problemas, mas que possibilitaram a busca de alternativas surgidas durante o processo de desenvolvimento das ações do projeto a partir da realidade da escola pública1 envolvida nesse projeto.

A proposta consistiu em tratar a Ginástica e as Atividades Aquáticas para além de simples modalidades técnicas ou de ordem performáticas, tais conteúdos enfocaram a inclusão,

Page 352: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores352

a democracia, a educação e a cidadania desses estudantes da escola pública. Nessa direção, o projeto de caráter de propositivo, desde a organização, elaboração até o desenvolvimento desses conteúdos no âmbito escolar, propôs formas de intervenções elaboradas a partir dos problemas da realidade social da escola envolvida nesse projeto.

Assim, consideramos a escola in loco, como unidade de formação, responsável pelo desenvolvimento e aprendizagem profissional dos professores, contribuindo para superar o tradicional individualismo e isolamento que têm caracterizado o ensinar, cristalizado nas práticas pedagógicas dos professores das universidades e das escolas.

Nesta perspectiva, entendemos que a superação dessa situação de isolamento entre a escola e a universidade, ou ainda, a distância existente entre o mundo-da-ciência e o mundo-da-vida necessita de ações que possibilitem aproximações e interações entre as práticas pedagógicas realizadas no campo da formação de professores e o contexto da escola. Esses aspectos estão em conformidade com as indicações das diretrizes curriculares dos cursos de licenciaturas. Com o intuito de elaborar e materializar um processo metodológico de intervenção pedagógica dos saberes da Ginástica e das Atividades Aquáticas para serem ensinados em escolas públicas da rede estadual, lançamos os seguintes objetivos específicos: Elaborar e implementar, de forma coletiva, uma proposta metodológica para o ensino das Ginásticas; aproximar e articular os saberes tratados no curso de formação de professores de Educação Física com a realidade de atuação profissional; contribuir para o processo de formação profissional e aprendizagem docente (professores da universidade, da escola pública e recém-formado) e estudantes do curso de Licenciatura em Educação Física; potencializar as aulas de Educação Física como campo de inclusão social.

Como objetivo foi a elaboração e materialização de um processo metodológico de intervenção pedagógica dos saberes das Ginásticas e Atividades Aquáticas sentiu-se a necessidade de utilizar uma metodologia que rompesse com os padrões da testagem de estratégias e técnicas específicas com vistas à sua “aplicação” no campo da intervenção profissional.

procedimentos Metodológicos

Inicialmente a ação desse projeto contou com a participação de estagiários, composto por estudantes do curso de Licenciatura em Educação Física que ministravam atividades de ensino uma vez por semana na escola.

Os estagiários, junto com os professores do curso de Licenciatura, num primeiro momento, observaram as aulas ministradas pelo professor que atuava na escola em que o projeto foi desenvolvido. Num segundo momento, paralelo a essas observações, foram realizados estudos de caráter teórico-metodológicos sobre o ensino das Ginásticas e da Natação, tendo em vista subsidiar as discussões acerca das problemáticas encontradas no campo de desenvolvimento do projeto e visando a possível construção da intervenção metodológica.

Reuniões com os professores da escola, com os professores do Centro de Educação Física e com os estagiários, foram promovidas com a finalidade de elucidar os propósitos do projeto, seu desenvolvimento na escola e as possibilidades de intervenção, a partir das problemáticas evidenciadas durante as observações realizadas nas aulas de Educação Física. As reuniões de estudos foram realizadas tanto no Centro de Educação Física e Esporte como na escola envolvida.

Page 353: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 353

Após a definição da estrutura teórica, paralela às observações realizadas das aulas desenvolvidas nas escolas produziu-se, de modo associativo/participativo, juntamente com os professores e estudantes do curso de Licenciatura em Educação Física, diretrizes e orientações para materialização da proposta metodológica para o ensino das Ginásticas e das Atividades Aquáticas.

Seminários com os professores (universidade e escola) e estudantes do curso de Licenciatura: essa fase permitiu aos professores (do curso e das escolas) e futuros professores debaterem a partir dos problemas encontrados na realidade social e à luz dos estudos teóricos. Nesse confronto eram feitas avaliações sobre os trabalhos realizados, ao mesmo tempo em que se discutiam alternativas metodológicas no que se refere ao ensino das atividades propostas no projeto em pauta. Nesses momentos, considerava-se o discurso dos alunos da escola envolvidos apontando os aspectos negativos e positivos acerca daquilo que experimentaram nas atividades do projeto.

O momento de intervenção: possibilitou a partir de cada contato com o cotidiano da escola, o suporte teórico dos estudos das Ginásticas e das atividades Aquáticas, bem como efetivou relações transdisciplinares com os demais campos do conhecimento (desenvolvimento motor, psicologia, fisiologia, ética, entre outras). Esse aspecto permitiu elaborar e propor formas de intervenção desses conhecimentos para as faixas-etárias envolvidas no projeto (5ª. séries).

Na proposição metodológica construída no âmbito do desenvolvimento do projeto, numa perspectiva global e complexa, sob a égide sistêmica, não há cisão entre teoria e prática, no qual num primeiro momento aconteceriam os estudos teóricos seguido de futura aplicação prática. A finalidade da intervenção das vivências/experiências aqui propostas foi no sentido de construir/reconstruir/avaliar. Denotam-se assim, ações que possibilitaram processos cíclicos espiralados com análises, reflexões, abstrações, compressões, para posteriormente, auto-organizar a operacionalização. É importante ressaltar que a prática não se restringiu à aplicação da teoria, mas, sim, uma prática contextualizada pela teoria. Tais aspectos favoreceram e auxiliaram na organização e na sistematização dos conteúdos programáticos para as diferentes séries de da escola.

considerações Finais

Entendemos que ousar elaborar e materializar uma proposta de intervenção a partir do contexto de ensino e aprendizagem da escola é mergulhar num mundo de incertezas, é um desafio à racionalidade, é contrário às aparências, é colocar os conteúdos tratados até então nas disciplinas de Ginástica e Atividades Aquáticas dos cursos de formação e nas aulas de Educação Física escolar, num emaranhado de ordem e desordem. É a tentativa de romper com o objetivo, o absoluto, o incontestável. É o ensaio de colocar numa relação dinâmica e complexa a teoria dos discursos acadêmicos e a prática real da sala de aula.

Acreditamos que esse projeto se consolidou num processo de construção, reconstrução e ressignificação das atividades Ginásticas e das Atividades Aquáticas, levando em consideração as situações vividas na escola e os conhecimentos produzidos no âmbito da universidade. Durante o seu desenvolvimento buscamos uma forte relação entre os professores do curso, professores das escolas e futuros professores de Educação Física do curso de Licenciatura da UEL. Podemos dizer que durante o seu desenvolvimento nos anos de 2010/2011, algumas contribuições foram

Page 354: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores354

evidenciadas: a) melhoria na formação profissional dos acadêmicos envolvidos no projeto; b) consolidação das competências profissionais no que diz respeito a intervenção do professor recém formado; c) aproximação do centro de Educação Física da realidade da escola pública estadual paranaense; d) oportunizou aos estudantes da escola a prática das atividades Aquáticas (Natação); e) possibilitou o ensino da Ginástica como um dos saberes curriculares da EDF; f ) a participação dos estudantes no projeto contribuiu de forma direta na transformação de seus comportamentos e atitudes crianças na escola; g) o projeto se tornou campo de formação continuada, tanto para os professores de Educação Física quanto das outras disciplinas da escola através da realização de palestras didático-pedagógicas; h) o projeto se tornou potencialmente ferramenta de transformação das práticas cotidianas da escola.

Enfim, este Projeto de Extensão colocou a produção acadêmica, do mundo-da-ciência a serviço do humano, em busca da transcendência e evolução do mundo-da-vida. Por meio das ações do projeto foi possível buscar aproximações no que se refere ao ensino da Educação Física, em relação aos conteúdos da Ginástica e das Atividades Aquáticas, em específico a Natação, como saberes pertinentes a escola, a cultura da comunidade envolvida, possibilitando inserir no cotidiano escolar conteúdos que fujam dos saberes tradicionais ensinados no currículo escolar. Há de se priorizar experiências de ensino que envolva as universidades, subsidiadas pelo estado, com propósito de aproximar estudantes, recém-formados e professores universitários de populações residentes em regiões de baixo IDH ou de bairros periféricos. É importante garantir o desenvolvimento de politicas e ações de superação da qualidade do ensino nas escolas públicas, em seus diferentes níveis e modalidades de ensino.

Referências

BORGES, C. “A formação dos docentes de Educação Física e seus saberes profissionais”. In: BORGES, C. e DESBIENS, J. (orgs.). Saber, formar e intervir para uma Educação Física em mudança. Campinas, SP: Autores Associados, 2005, p.157-190.

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores da Educação Básica, em Nível Superior, Conselho Nacional de Educação, maio, 2001.

BRACHT, V. et al. Pesquisa em ação: educação física na escola. Ijuí, Ed. Unijuí, 2003.

CESÁRIO, M. A organização do conhecimento da ginástica no currículo de formação inicial do profissional de Educação Física: realidade e possibilidades. Recife, Pernambuco, 2001. Dissertação (Mestrado em Educação) Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

____________. Formação de professores de Educação Física da Universidade Estadual de Londrina: tradução do projeto curricular pelos professores. São Carlos: UFSCar, 2008. Tese (Doutorado em Educação) Curso de Doutorado em Educação da Universidade Federal de São Carlos.

Page 355: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 355

COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo, Cortez, 1992.

NÓVOA, A. (org.). Os professores e sua formação. 2a ed. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1995.PACHECO, J. A. & FLORES, M. A. Formação e Avaliação de Professores. Porto, Portugal, Ed. Porto, 1999.

PEREIRA, A. Motricidade humana: a complexidade e a práxis educativa. Universidade Beira do Interior, 2006. Tese (Doutorado em Ciências do Desporto) Curso de Doutorado em Ciências do Desporto. Covilhã, Portugal.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ, Vozes, 2002.

TARDIF, M. & LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis, RJ, Vozes, 2005.

THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo, Cortez, Autores Associados, 1985.

Page 356: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores356

O MODELO DIDÁTICO PESSOAL DO PROFESSOR: CARACTERIZAÇÃO DOS PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO PELOS ALUNOS DO CURSO DE LICENCIATURA EM QUÍMICA

Simone Alves de Assis Martorano1

Introdução

A ideia de modelo didático tem sido utilizada em diversas pesquisas, na área de ensino de química, como uma tentativa de representar os fazeres pedagógicos dos professores. Segundo Gil-Pérez e Carvalho (2006), as tomadas de decisões, nem sempre conscientes, que permeiam o fazer pedagógico de um professor estão impregnadas por suas crenças e saberes tácitos; esse fazer pedagógico é o que denomina modelo didático do professor.

Assim, podemos afirmar que o modelo didático de um professor não é construído somente por sua passagem pela graduação, a sua construção se inicia muito antes disso. A forma de organizar o seu ensino sofre influência de vários outros fatores, que podem estar presentes no seu próprio convívio familiar, antes mesmo de frequentar o ensino formal.

Segundo Santos (2009), podemos caracterizar o modelo didático como um esquema mediador entre a realidade e o pensamento do professor, estrutura onde se organiza o conhecimento e terá sempre um caráter provisório e de aproximação com realidade. Por outro lado, é também um recurso de desenvolvimento e de fundamentação para a prática do professor:

A ideia de modelo didático permite abordar (de maneira simplificada, como qualquer modelo) a complexidade da realidade escolar, ao mesmo tempo em que ajuda a propor procedimentos de intervenção na mesma e a fundamentar, portanto, linhas de investigação educativa e de formação dos professores (GARCIA PÉREZ, 2000, p.25).

Muitas vezes, os modelos didáticos que nossos alunos conhecem, quando iniciam o curso de licenciatura, são de seus professores do ensino médio, aliás, muitos destes alunos escolheram o curso de licenciatura por influência desses mesmos professores. Portanto, é importante que se discuta, durante a formação desses futuros professores, o que são esses modelos didáticos e como eles são construídos.

A interação entre os alunos da licenciatura em química e os professores do ensino médio é de grande importância para a formação inicial desses futuros professores. Para isso, durante o curso de Licenciatura os alunos realizam períodos de estágio nas escolas do ensino médio.

Um desses estágios é o estágio de observação, que é realizado pelos alunos quando estes cursam a disciplina Prática do Ensino de Química e Estágio Supervisionado II, durante o terceiro ano do curso de Licenciatura. O trabalho aqui apresentado foi elaborado a partir das atividades realizadas por 12 alunos, durante o estágio de observação, no segundo semestre de 2011.

1 Doutora em ensino de ciências, modalidade Química. Área de atuação: história e filosofia da ciência e formação inicial e continuada de professores. Foi docente do Departamento de Química da UEL. Grupo de pesquisa: LEPEQ( laboratório de ensino e pesquisa em educação Química). Contato: [email protected]

Page 357: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 357

Durante o período de estágio, os alunos registraram, em um diário de campo, as principais características do professor regente que estava sendo observado, por exemplo, qual formação acadêmica desse professor, quanto tempo ele leciona, como é a interação desse professor com seus alunos, quais estratégias de ensino ele costuma usar em suas aulas, como ele avalia seus alunos, entre ouras características, com o objetivo, de após um período de tempo, construir modelo didático pessoal do professor regente. Essas características são baseadas na ideia de modelo didático de Garcia Pérez (2000).

Segundo Garcia Pérez (2000), um modelo didático é um produto constituído pelas crenças, pela cultura, pelas relações sociais que permeiam o processo de ensino e aprendizagem e pela intencionalidade do professor em ensinar seus alunos, o autor propõe a construção de quatro modelos baseada em cinco dimensões didáticas: qual o objetivo do ensino? O que deve ser ensinado ao aluno? Qual a relevância das ideias e interesses do aluno? Como ensinar? E como avaliar?

Os modelos didáticos segundo Garcia Pérez (2000) são:

• O modelo tradicional, baseado em concepções advindas de uma perspectiva da transmissão cultural; nesse modelo há uma supervalorização dos conteúdos; os alunos são avaliados em relação à assimilação desses conteúdos de maneira individualizada; o papel do aluno no processo é passivo; ou seja, cabe a ele acatar e fazer o que o professor determina, não tendo maior contribuição no planejamento das atividades; ao docente cabe além do planejamento, controlar a disciplina da sala. • O modelo tecnológico seria uma espécie de modernização do modelo tradicional, sendo caracterizado pela incorporação de conteúdos ditos mais modernos, vinculados a temáticas sociais e ambientais; pela valorização de objetivos e metas traçados no planejamento feito pelo professor; as concepções dos alunos, quando consideradas no processo, são vistas como erros conceituais; o papel do aluno é o de executar todas as atividades programadas pelo professor, que nesse modelo tem a função de direcionar o andamento das atividades programadas. • O modelo espontaneísta, pode ser visto como um contraponto ao modelo tradicional, pois, o aluno é tido como foco do processo, sendo valorizado o desenvolvimento de habilidades e competências; os interesses do aluno são um componente fundamental nesse modelo didático, pois, é a partir deles, juntamente com a realidade na qual estão inseridos, que o professor elabora seu planejamento; os alunos têm um papel ativo espera-se que eles sejam capazes pelo descobrimento; de aprender sobre determinados conteúdos e compreender o contexto social em que vivem. O professor é visto como uma liderança que coordena o trabalho dos alunos. • O modelo alternativo, que representa um ensino no qual o aluno irá aos poucos aumentando seus conhecimentos e consequentemente podendo atuar no mundo que o rodeia; tanto o professor quanto o aluno, possuem um papel ativo, os primeiros, como investigadores de suas práticas pedagógicas e os segundos como construtores e reconstrutores de suas aprendizagens, que são alcançadas pela implantação de situações-problema que exigem do aluno posturas investigativas para sua resolução; as ideias e interesses dos alunos são considerados nesse modelo didático.

Page 358: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores358

Pode-se observar que a participação do aluno no processo de ensino e aprendizagem é diferente em cada modelo, por exemplo, ela é maior no modelo alternativo e praticamente nula no modelo tradicional.

Metodologia A partir de suas observações e comparado-as com os modelos de Garcia Pérez (2000), os

alunos da licenciatura foram construindo o modelo pessoal do seu respectivo professor regente. Para esse trabalho, foram selecionados os diários de campo de doze alunos da licenciatura em Química de 2011.

Caracterização dos professores regentes:

Os professores são identificados neste trabalho por P (professor) seguidos por um número a eles atribuídos (P1, P2, Pn). Todos os professores regentes trabalham na rede pública de ensino da cidade de Londrina, estado do Paraná, com os respectivos tempos de serviço: 1 ano (4 professores), 5 a 10 anos (6 professores e mais de 20 anos (2 professores). Quanto à formação acadêmica 7 possuem licenciatura em química, um é bacharel, 3 são bacharéis em química com licenciatura e um professor é agrônomo.

Resultados e Discussões No quadro 1 podemos observar a caracterização realizada por cada aluno e a partir

destas, pode ser analisado o entendimento, dos alunos da licenciatura, sobre os modelos didáticos propostos por Garcia Perez (2000).

Quadro 1: Caracterização do modelo didático pessoal do professor regente.

Professor Modelo didático pessoal Características descritas pelos alunos da licenciatura

P1 Tradicional -As aulas eram pautadas na transmissão do conhecimento, sendo que esses eram retirados basicamente do livro didático. -Inicia o conteúdo a forma de texto na lousa e exemplifica com um ou dois exercícios.-Recursos: livro didático, quadro negro e giz.

- Os erros dos alunos eram recebidos pela professora como erros conceituais.

- A forma de avaliação eram provas escritas e individuais.

P2 Tradicional

- Avaliações bimestrais, provas escritas e listas de exercícios.

P3 Tradicional

- O professor sempre utilizava exemplificação, tentando fazer com que a matéria que estava ensinando tivesse uma aplicação pratica no cotidiano dos alunos.

-Supervalorização dos conteúdos sendo que os alunos são avaliados em relação à assimilação desses conteúdos de maneira individualizada.- Não aplica aula experimental.

- Não havia interesse, da parte dos alunos e esses raramente procuravam o professor nas aulas.

P4 Tradicional

Page 359: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 359

- O papel do aluno, no processo é pacífico, ou seja, cabe a ele acatar e fazer o que o professor determina, não tendo maior contribuição no planejamento das atividades, onde cabe ao professor, além do planejamento, controlar a disciplina da sala.

-Conteúdo no quadro negro, explicação e resolução de exercícios.-Aulas expositivas nas quais os alunos apenas se encaixavam como receptores de conhecimento.- Não realiza aulas experimentais.

P5 Tradicional

- Avaliações bimestrais: provas, trabalhos, listas de exercícios.

P6 Tradicional

- A professora em sala de aula se limitava em apenas “passar no quadro” o conteúdo, resolver exercícios, breves e superficiais explanação do conteúdo, com pouca ou quase nenhuma interação com os alunos.

- Nas provas eram utilizados exercícios nos quais o aluno apenas resolvia o que a professora falou ou passou em sala sem exigir qualquer tipo de reflexão do aluno.

- A professora a muito custo prende a atenção dos alunos com fatos do cotidiano, mas com frequência segue a sequência tradicional: conteúdo no quadro, explicação, reforço a base de exercícios e avaliação.P7 Tradicional

- Recursos usados: quadro negro, giz, em nenhum momento usou experimentos nem mesmo demonstrativos.

- O professor expõe o conteúdo teórico e depois parte para os exercícios.-Foca na transmissão de conteúdos já consagrados aos alunos e a sua avaliação é de forma individual realizada por meio de provas formais.

- Avaliações centradas nos conteúdos transmitidos, realizadas por meio de provas formais.

P8 Tradicional

- Os recursos utilizados são: quadro negro, práticas de laboratório, trabalho de pesquisa na biblioteca/laboratório de informática, visitas a indústrias.

- Aula expositiva com clareza e de forma interdisciplinar, procurando exemplificar com elementos do cotidiano dos alunos.

- Pouca participação dos alunos nas aulas.

- Avaliações tradicionais escritas, pesquisas, trabalhos em grupo, resolução de exercícios.

P9 Tradicional

- Utiliza cotidianamente quadro-negro e giz, às vezes usa a tabela periódica e normalmente utiliza fatos do dia-a-dia e situações lúdicas para tentar facilitar a compreensão do conteúdo pelos seus alunos.

- A participação dos alunos raramente é espontânea, o professor sempre tem que perguntar diretamente a uma pessoa, pois quando pergunta à turma, ninguém responde, ou responde em tom baixo, demonstrando o medo que eles têm de errar.

Page 360: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores360

P10 Tradicional - As aulas são expositivas e constantemente exemplos do cotidiano são abordados no contexto do conteúdo.- Transmissão de conteúdos no quadro negro, explicação do que escreveu e resolução de exercícios.- “Transmissão” de conteúdos usando como principais recursos quadro negro e giz. Não usa laboratório de química.

- O professor usa apenas quadro e giz, o laboratório não é usado com muita frequência e utiliza sistema apostilado como auxílio para os exercícios que aplica aos alunos.

- A única ferramenta de avaliação utilizada é a prova, sempre seguindo a maneira tradicional de lecionar.

P11 Tradicional/ tecnológico

- O professor sempre mostrou autoridade como se ele fosse o detentor do conhecimento e os alunos só aprendessem se ele estivesse ali para dar aula, fato que novamente o enquadra o modelo tradicional.

- Avaliação: listas de exercícios e provas.

P12 Tradicional

- Os alunos não participam das aulas, mostrando muitas vezes desânimo.

- As avaliações foram desenvolvidas de forma tradicional, centradas nos conteúdos transmitidos, realizadas por meio de provas formais.

Observa-se no quadro 1 que o modelo didático, desse grupo de professores, é o modelo tradicional (GARCIA PÉREZ, 2000).

O primeiro ponto em comum, que aparece na caracterização dos alunos, é a valorização do conteúdo pelos professores. Outro ponto em comum é o papel que o aluno possui no processo de ensino e aprendizagem. Os alunos, desses professores, participam muito pouco das aulas, cabendo a eles somente copiar o conteúdo do quadro negro e resolver listas de exercícios.

A perspectiva de ensino predominante nesse grupo de professores é a perspectiva da transmissão cultural. Contudo, essa perspectiva de ensino já foi muito debatida por vários pesquisadores no ensino de química, sendo que encontramos nos documentos oficiais referência a sua ineficiência no ensino de ciências:

Enfatiza-se, mais uma vez, que a simples transmissão de informações não é suficiente para que os alunos elaborem suas ideias de forma significativa. É imprescindível que o processo de ensino-aprendizagem decorra de atividades que contribuam para que o aluno possa construir e utilizar o conhecimento (BRASIL, 2002, p.93).

São necessárias, portanto, outras formas de abordar o conteúdo para que ocorra a aprendizagem significativa.

O principal problema das aulas de química serem baseadas somente na perspectiva da transmissão cultural, também aparece nos comentários dos alunos:

O que ocorrem nas aulas observadas é justamente o que as diretrizes condenam: apenas a citação de exemplos como ilustração e não contextualização em si, que se faz necessária, tanto quanto a experimentação, no processo de ensino-aprendizagem. (aluno comentando aula do professor P3)

Um dos professores desse grupo, P11, foi caracterizado com mais de um modelo didático. Além do modelo tradicional o aluno indicou também o modelo tecnológico.

Em relação a esse professor (P11), talvez a escolha do modelo tecnológico esteja relacionada à escola desse professor ser técnica e não propriamente ao modelo didático pessoal do professor, descrito por Garcia Perez (2000), pois, na sua descrição o aluno não fez referências às características do modelo didático tecnológico.

Page 361: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 361

conclusão Essa caracterização permitiu aos alunos tomar consciência de que ensinar não é algo

simples, muitos alunos iniciam a licenciatura com a ideia de que para ensinar é necessário somente conhecer bem o conteúdo específico e algumas técnicas de ensino. Contudo, a partir da realização desse exercício de pesquisa e reflexão os alunos puderam perceber que o processo de ensino é algo bem mais complexo.

Devemos romper com a ideia de que ensinar é uma tarefa simples e reconhecer a importância decisiva que possui uma séria preparação das aulas dadas, associadas a tarefas de inovação e pesquisa. Somente assim o ensino pode chegar a ser efetivo, ao mesmo tempo em que adquire todo o interesse de uma tarefa criativa. (GIL-PEREZ E CARVALHO, 2006, p.87).

Referências

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC, 2002.

GARCIA PÉREZ, F.F. Los modelos didácticos como instrumento de análisis y de intervención en la realidad educativa. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona, 207, p. 2000. Disponível em: http://www.ub.edu/geocrit/b3w-207.htm. Acesso em 03/08/2012.

GIL-PEREZ, D.;CARVALHO, A.M.P. Formação de Professores de Ciências. 8ª. Edição. Editora Cortez. 2006.

SANTOS Jr., J. B. Colaboração mediada como ferramenta na reestruturação do sistema de crenças pedagógicas sobre o ensino e aprendizagem do professor de Química. Dissertação de mestrado. USP, 2009. Disponível em: http://www.if.usp.br/cpgi/DissertacoesPDF/Joao_Batista_dos_Santos_Jr.pdf. Acesso em: 03/08/2012.

Page 362: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores362

SAnGUe – UM teMA MOtIVADOR pARA O enSInO De ALGUnS cOnteÚDOS De QUÍMIcA pARA O enSInO MÉDIO

Heloisa Cristina NonisSônia Maria Gimenez

Simone A. A. Martorano1

Introdução O contínuo desenvolvimento tecnológico intensifica a necessidade do cidadão buscar o

conhecimento em todas as áreas e o professor deve ser um articulador dos conteúdos buscando através de situações vivenciadas do cotidiano exemplos para serem transmitidos. Alguns professores, de química ou de outras disciplinas, não se pautam ou raramente se utilizam do vínculo que existe entre o conteúdo e as atividades diárias do aluno. O presente trabalho teve como objetivo usar o sangue como um exemplo a ser desenvolvido em muitos conteúdos. O tema proposto é importante para a compreensão do funcionamento do corpo humano, sendo possível fazer uma correlação entre ele e vários conteúdos de biologia e química do Ensino Médio. Foi preparada e apresentada uma aula para professores de Ensino Médio utilizando o tema proposto. Em seguida foi aplicado um questionário e o resultado apontou 100 % de aceitação tanto na proposta quanto na pertinência do tema com conteúdos do Ensino Médio. Também verificou-se que 80% dos professores atribuíram nota máxima quando avaliaram a seqüência dos slides apresentados e a associação dos conteúdos.

A aprendizagem de química pelos alunos do Ensino Médio é um componente curricular que abrange e integra um papel muito importante e proporciona informações relacionadas às transformações químicas que promovem compreensão dos fenômenos que ocorrem no mundo físico. A química está vinculada intimamente ao organismo humano e animal, e inserida no cotidiano. Os seres vivos sobrevivem em função de constantes transformações químicas. É possível considerar o corpo humano como um laboratório químico complexo e fantástico.

Segundo Chassot (1995), o ensino de Química é um facilitador para a leitura do mundo, o qual deve priorizar o desenvolvimento do aluno fazendo uma ponte entre os conhecimentos científicos e a capacidade do aluno em perceber a química que ocorre em diversas circunstâncias reais, apresentando constantes modificações.

A utilização de temas motivadores se ajusta à idéia de interdisciplinariedade, além de promover o conhecimento prévio dos alunos, incentivando a curiosidade, e se torna uma forma mediadora que atrai a atenção e promove diálogo entre professor e aluno contribuindo para uma visão do conhecimento mais ampla e uma aprendizagem mais significativa. Na química é possível encontrar direcionamento para a construção da cidadania, conscientização, e desenvolvimento da capacidade do aluno em ver a química como uma ferramenta facilitadora para a compreensão do mundo que o cerca.

A sociedade atual exige de todas as pessoas, não apenas dos cientistas, conhecimento sobre a tecnologia e ciência. Considerando essa idéia se pressupõe a importância de temas motivadores. No presente trabalho o tema proposto é o ‘’sangue’’ com o qual buscar-se-á contextualização significativa e interessante aos alunos.

1 Colaboradora do Prodocência. Contato: [email protected]

Page 363: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 363

O estudo a ser abordado, com o tema motivador sangue, destaca funções, componentes, elementos, propriedades e transformações químicas, essências para a sobrevivência humana.

O tema Sangue

O sangue um extraordinário fluido que se movimenta através do sistema circulatório. É constituído por um quarto de fluido extracelular, o meio interno que banha as células e atua como um tampão entre as células e o meio externo. É uma porção circulante do fluido extracelular, responsável por transportar material de uma parte do corpo para outra. (SILVERTHORN, 2003).

As substâncias orgânicas do plasma são importantes e estão representadas fundamentalmente pelas proteínas plasmáticas, pelo nitrogênio não protéico (como uréia, ácido úrico), pela glicose, pelos lípideos, geralmente ligados a uma proteína, formando uma molécula muito complexa, a lipoproteína, em concentração muito baixa, porém muito importante sob o ponto de vista funcional, encontram-se os hormônios e outras substâncias fisiologicamente ativas (DOUGLAS, 2006). Além desses compostos orgânicos, encontrados no sangue, o ser humano necessita de alguns elementos químicos, em sua forma inorgânica, não associados ao carbono, classificados em minerais nutrientes e participam de uma série de processos bioquímicos e fisiológicos necessários à manutenção e perfeito equilíbrio da saúde (HENDLER, 1994).

Os principais conceitos químicos e biológicos que podem ser desenvolvidos através do estudo do tema sangue são: equilíbrio químico, estudo dos principais constituintes orgânicos e inorgânicos do sangue, processos de separação de misturas (centrifugação), coloide, tabela periódica, pH, Descrever o sistema de defesa contra as variações importantes do pH dos líquidos do organismo, sistemas de grupos sanguíneos, entre outros.

Metodologia Para elaboração dessa proposta de ensino, primeiramente buscou-se estabelecer uma

relação do tema sangue com disciplinas ministradas na grade curricular do Ensino Médio. Houve então uma explanação do tema, utilizando os conceitos já vistos em sala de aula, por ser um exemplo contextualizado. Foi preparado um material didático, fundamentado na pesquisa bibliográfica já apresentada, contendo slides preparados com o programa Power Point / Word (Office 2003).

A apresentação do material na forma de aula foi avaliada por 40 professores. Como critério de seleção foi escolhido professores que atualmente estavam ministrando aulas no Ensino Médio.

O material didático foi apresentado em forma de slides, no qual, foram abordados os assuntos em destaque: Reações Químicas, Equilíbrio Químico, Circulação e Transporte de Substâncias. Os seis primeiros slides apresentados foram utilizados como recurso didático para discutir a relação da química no nosso cotidiano principalmente quando associado ao sangue. Foram feitos comentários sobre o funcionamento dos rins que atuam como filtros limpando o sangue em um processo de separação, além de outras funções e sobre o fígado como o responsável pela síntese de açúcar, uréia e outras substâncias, o que exemplifica a síntese orgânica. O papel

Page 364: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores364

da saliva que além de manter a boca úmida ajuda na digestão, quebra as moléculas de amido e neutraliza os ácidos bucais. Quando uma ligação entre átomos é quebrada ocorre liberação da chamada Energia Química essa energia também pode ser absorvida durante a reação. O crescimento de unhas e cabelos, desenvolvimento ósseo cicatrização de ferimentos, reconstrução celular, enfim tudo que diz respeito ao desenvolvimento do corpo depende das reações químicas que absorvem energia. No momento de suprir o corpo com alimentos, acontecem reações com liberação de energia que permite manter o corpo aquecido.

Na seqüência os slides sete ao doze (07 ao 12) destacam-se tópicos associados aos principais constituintes do sangue, composição do plasma sanguíneo, produção e regulação de hemácias, pressão e efeitos de altitudes sendo possível destacar conteúdos do ensino de Química como: colóides, suspensões, misturas, homogênia e heterogênia e comentários sobre processos de separação de misturas.

Já os slides treze ao dezesseis (13 ao 16) são apresentados, através da tabela periódica, os elementos presentes no sangue, mostrando com destaque a posição podendo usar esse tema motivador para estudo da classificação periódica e os conteúdos pertinentes. Também são apresentadas as porcentagens dos elementos constituintes do sangue e suas principais funções no organismo.

Dando seguimento os slides dezessete ao vinte e um (17 ao 21) destacam-se tópicos como : ligação química, função e estrutura química de alguns aminoácidos, principais doenças que afetam a produção ou função dos glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas.

Nos slides vinte e dois ao vinte e oito (22 ao 28) é possível enfatizar conteúdos como: principais grupos sanguíneos (classificação, presença/ausência de determinados antígenos nas hemácias), sistema tampão (mecanismos reguladores, distúrbios do equilíbrio ácido-base, composição dos principais tampões, balanço ácido-base do organismo), potencial hidrogeniônico – pH e reação de neutralização.

Em seguida os slides vinte e nove ao trinta e quatro (29 ao 34) ilustra-se uma atividade experimental, apenas demonstrativa, considerando os perigos de contaminação passíveis de ocorrerem quando se trabalha amostras como o sangue e urina, em laboratório didático. Constam desses slides exemplos de manipulação e procedimentos de rotina em laboratório clínico e ilustrações pertinentes à estrutura de alguns compostos e reação química.

Finalizando o trabalho, após a aplicação do questionário foi possível à análise dos resultados os quais são apresentados a seguir.

Resultados

a) Escolha do tema como motivador para o ensino de QuímicaComo se pode observar nas respostas dos professores, todos aprovaram o “sangue”

como um bom tema motivador. Ressalta-se que esta proposta engloba diversas matérias, pois, a contextualização do ensino é uma ferramenta importante para instigar o interesse pela ciência promovendo uma aprendizagem facilitadora.

b) Sequencia dos slides apresentados:A seqüência apresentada teve 80% de aprovação, considerada como satisfatória podendo

ser alterada dependo do enfoque e exploração da aula.

Page 365: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 365

c) Relação dos conceitos químicos ao tema proposto:A associação dos conceitos ou conteúdos de Química ao tema obteve 80% de aprovação

dos docentes que participaram da exposição na qual foi feita análise considerando o mecanismo de ação de alguns órgãos do nosso corpo com destaque para alguns processos químicos e biológicos. De acordo com alguns docentes, os conteúdos foram selecionados e aplicados de maneira interessante com ilustrações atrativas.

d) Interesse dos professores na aplicação do tema em suas aulas:

Todos os professores que avaliaram a aula apresentaram interesse em utilizar o material em sala de aula ficando claro que o objetivo inicial dessa proposta foi alcançado de forma satisfatória.

A maioria dos professores 90% também considerou que o tema pode ser discutido sob diversos aspectos e por várias outras disciplinas, de forma contextualizada, no qual o aluno incorpora e amplia seus conhecimentos.

O ensino contextualizado resgata importantes conceitos químicos e biológicos, proporcionando uma reflexão crítica e coletiva durante a aula. Temos que reconhecer o valor da ciência na busca do conhecimento com vivências concretas e diversificadas, e também incorporar o aprendizado em novas vivências em nosso cotidiano.

considerações finais

O sangue como tema motivador é certamente muito amplo para o desenvolvimento de vários conteúdos que poderão ser abordados de maneira interdisciplinar com professores de Química, Biologia, Geografia, História e de outras disciplinas, uma vez que o mesmo proporciona essa integração. Portanto, esse tema pode ser discutido sob diversos aspectos, sendo considerado um tema que permite o uso de diversas estratégias e de informações, proporcionando ao professor diferenciar e selecionar conteúdos que possibilitem ao aluno uma visão interdisciplinar tornando a aprendizagem mais significativa e prazerosa.

A proposta de trabalho com o tema foi bem aceita pelo grupo de professores que participaram da exposição, indicando que muitos utilizarão o material como complemento de suas atividades didáticas. Neste contexto, também é interessante ressaltar que alguns professores atentaram para a importância da aplicação de outros temas motivadores para complemento de suas aulas.

Referências

CHASSOT, A.I. Catalisando Transformações na Educação. 3 a.ed.Ijuí: Unijuí, 1995.

DOUGLAS, C. R. Tratado de fisiologia – Aplicada às ciências medicas. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.

HENDLER, S. S. A Enciclopédia de Vitaminas e Minerais. Editora Campus, Rio de Janeiro, 1994.

SILVERTHORN, Dee Unglaub. Fisiologia Humana - Uma Abordagem Integrada. Austin - EUA University of Texas. 2ª ed. Ed. Manole. p.819, 2003.

Page 366: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores366

AS NOTAS E OUTRAS FORMAS DE APRECIAÇÃO QUANTITATIVA OU QUALITATIVA NA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR

Fabiele Cristiane Dias Broietti1

Introdução

É possível avaliar sem atribuir uma nota ou outra apreciação seja ela qualitativa ou quantitativa? De acordo com Gatti (2003), a avaliação tem por finalidade acompanhar os processos de aprendizagem escolar, compreender como eles estão se concretizando, oferecer informações relevantes para o desenvolvimento do ensino na sala de aula e para o planejamento e replanejamento contínuo da atividade dos professores.

Dessa forma, se entendermos a avaliação como descrita acima parece ser difícil realizá-la sem fazermos o uso de uma representação, seja ela na forma de números ou de palavras.

É comum nos deparamos com depoimentos de estudantes e até mesmo de professores que resumem a avaliação apenas ao valor numérico por ela expresso. Albuquerque (2008) apresenta dados de pesquisas realizadas ao longo de mais de 30 anos com professores(as) e alunos(as) de diferentes níveis de ensino a respeito da avaliação e das notas. Os investigados demonstram quase sempre sentimentos de medo, ansiedade, entre outros sofrimentos com relação aos procedimentos usuais de avaliação e quase que unanimemente, expressam uma insatisfação com a proposta de avaliação da escola e com suas próprias práticas, com o desejo de transformá-las, só não sabem como (ALBUQUERQUE, 2008).

Uma situação recorrente na sala de aula se assemelha ao discurso citado por Salinas (2004): Em um capítulo da série de TV Os Simpsons, na escola de Springfield, no primeiro dia de aula, o professor diz: “Estou muito contente em começar este ano com vocês. Espero que possamos nos conhecer e desfrutar da disciplina”. Logo na sequência surge o comentário de um aluno: “Isso que o senhor disse cai na prova?”

No discurso acima, observa-se a grande preocupação do aluno com relação à nota e em saber se o que está sendo ensinado cairá ou não na prova. É sempre uma tarefa árdua para os professores tornar claro aos alunos que toda esta preocupação despendida com relação às notas deveria ter como foco principal a aprendizagem.

Uma inquietação advertida neste trabalho incide em discutir a respeito de como poderíamos tornar esta representação numérica ou descritiva das notas, significativa para quem as recebe.

Não é de se estranhar a recorrência de perguntas sobre a avaliação da aprendizagem que sejam relativas à atribuição de notas. Pois ainda hoje, avaliar é confundido com medir, talvez pela própria origem histórica da avaliação (DEPRESBÍTERIS, 1998).

Com o passar do tempo, os estudiosos em avaliação estabeleceram diferenças entre avaliar e medir. Popham (1983), por exemplo, diz que o processo avaliativo inclui a medida, mas não se esgota nela. Enquanto a medida diz o quanto o aluno possui de determinada habilidade,

1 Professora do Departamento de Química da Universidade Estadual de Londrina - UEL. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação para Ciência e a Matemática da Universidade Estadual de Maringá – UEM. Grupo de pesquisa: LEPEQ (Laboratório de Ensino e Pesquisa em Educação Química). Contato: [email protected]

Page 367: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 367

a avaliação informa sobre o valor dessa habilidade. A medida descreve os fenômenos com dados quantitativos, já a avaliação descreve os fenômenos e os interpreta, utilizando-se também de dados qualitativos.

A associação que limita o ato de avaliar ao de atribuir uma nota leva a um desvio bastante comum que consiste em reduzir a avaliação à mera atividade de elaborar e aplicar instrumentos de medida. Nessa perspectiva, há o grande perigo de se direcionar a aprendizagem apenas para o domínio de conteúdos de uma prova final, de uma unidade de ensino ou de um curso (DEPRESBÍTERIS, 1998). Desconsiderando seu importante papel de informação e orientação para a melhoria do ensino.

A proposta deste trabalho consiste em discutir sobre a nota e outras formas de apreciação utilizadas no processo de avaliação da aprendizagem escolar na visão dos autores Hadji (1994) e Barlow (2006), buscando traçar paralelos entre suas ideias.

Aportes teóricos

Buscando nesses autores exemplos e argumentos que nos auxiliem na compreensão do tema em questão, encontra-se em Hadji (1994, p.28) que “o número – a nota – não é mais do que a expressão de um juízo que, logicamente, lhe preexiste”. Ou seja, cabe ao avaliador, verificar a presença da competência que se espera, situar o indivíduo em relação a um nível desejado e julgar o valor de tal. Mas como atribuir um valor a um trabalho? Quais os critérios necessários para medir esta eficácia?

Para que possamos nos pronunciar sobre uma dada realidade, faz-se necessário dispormos de uma “grelha”, que segundo Hadji (1994, p. 29), constitui-se em um “conjunto de ideias ditas como referente, em nome do qual se torna possível apreciar a realidade”. Toda avaliação, embasada em uma grelha de referência, reside sempre numa relação. Relação entre o que existe e o que se espera, entre uma realidade e um modelo ideal (HADJI, 1994). Neste caso, a nota emitida tem como função exprimir o grau de adequação entre o modelo ideal, as expectativas, as intenções, normalmente pensadas pelo professor e o que foi demonstrado pelo estudante.

Para este autor, avaliar e medir em alguns momentos parecem se tornar algo muito próximo, ele esclarece que “medir significa atribuir um número a um objeto ou acontecimento segundo uma regra logicamente aceitável” (HADJI, 1994, p.73). Para medir faz-se a correspondência entre objetos e sistemas de unidades que devem ser definíveis.

Resta-nos uma pergunta, seria possível então realizar algo parecido em avaliação? Adiantando uma resposta, não parece muito coerente, uma vez que em se tratando de avaliação, um processo altamente complexo, nada está definido antecipadamente. Para se efetuar uma medida em avaliação, seria necessário diferenciar a “medida” clássica da tradição quantitativa, de uma medida com características mais qualitativas.

O autor ilustra mais adiante que, o “verdadeiro problema do avaliador não é o de inventar um sistema pertinente de notação, mas o de decidir o que significa e o que “vale” tal ou tal nota” (HADJI, 1994, p. 74).

Hoje, muitos estudiosos, que tiveram destaque em décadas anteriores, aliam-se aos autores críticos da área de avaliação e reconhecem que o conhecimento não pode ser medido e

Page 368: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores368

sim inferido, interpretado, a partir de referentes (HADJI, 2001). E é por esta razão que o eixo central da avaliação deve ser o sentido da aprendizagem e não a sua medida (ALBUQUERQUE, 2008).

Neste sentido, em se tratando de avaliação, medir seria como captar os dados, embora só haja avaliação quando estes são interpretados segundo alguns critérios. E com toda a dificuldade que temos para definir critérios, uma coisa é certa, é imprescindível que eles sejam claros e precisos. Os critérios tornam as “regras do jogo” mais explícitas e podem ser mais adequados, quanto maior for a integração entre professores e alunos (DEPRESBITERIS, 1998).

O que se espera, é que os professores forneçam informações fiáveis sobre o trabalho dos alunos, sendo estas informações fornecidas sob a forma de notas ou outro tipo de apreciação.

Os equívocos de qualquer mal-entendido, oriundos da simples representação numérica ou descritiva sem nenhum diálogo, podem ser minimizados criando condições de uma linguagem comum entre o locutor e o receptor (HADJI, 1994). Por exemplo, em uma prova cujo valor é de 100 pontos, composta de 10 exercícios, cada qual valendo 10 pontos, o aluno acerta 7 exercícios por completo, 2 exercícios pela metade e 1 exercício apenas ¼, este tira como nota nesta avaliação 83. O que significa para este aluno a nota 83? Que ele acertou 83 % da prova? Que o mesmo detém 83% do conhecimento que lhe foi exigido neste instrumento de avaliação? Ou que o aluno ainda possui um déficit de aprendizagem de 17 %?

Percebe-se que a nota por si só pode possuir vários sentidos, ou até mesmo nenhum, para quem as recebe. Faz-se necessário que sejam definidos os domínios de referência em que ganharão significação às observações que ela (a nota) condensa. Para isto, os critérios que definem a nota devem estar muito bem delineados pelo professor e esclarecidos aos alunos.

Outra preocupação recorrente dos professores, no cotidiano da avaliação escolar, é tornar a nota cada vez mais distante de algo subjetivo. Em discussão com relação à objetividade das notas, Hadji (1994) distingue algumas fontes principais de distorção desta objetividade que podem corresponder a fatores individuais relacionadas ao humor, à disponibilidade ou o estado de fadiga daquele que as atribui. Fontes sociais nas quais as notas são atribuídas de acordo com o meio social em que vive o estudante, ou sua maneira de agir, vestir e se comunicar. Ou resultantes do próprio processo de avaliação, podendo as notas flutuar dependendo do lugar em que a produção avaliada ocupa no lote, ou de acordo com as informações que o avaliador possui sobre o produtor, “o estudante com uma auréola de bom aluno é mais bem classificado, e inversamente, os progressos do aluno considerado fraco terão dificuldades em serem notados” (HADJI, 1994, p. 100).

Tomando conhecimento destes fatores, será que isto nos impediria de buscar e atingir uma avaliação mais justa e fiável? A constatação destes aspectos deveriam nos levar ao desespero com relação ao ato de avaliar?

Ao contrário, segundo Hadji (1994), o conhecimento destes fatores, deve possibilitar que sejam utilizados meios de remediação que minimizem estes aspectos.

O fato é que a busca pela objetividade por meio da investigação da nota verdadeira é ilusório e mistificador. Ao avaliarmos não devemos buscar uma medida, um valor numérico cuja atribuição é verificável e sim buscar “produzir um juízo seguro sobre o valor deste objeto, encarado de um ponto de vista objetificável, quer dizer, explicitável e comunicável” (HADJI, 1994, p. 105). Uma vez que qualquer avaliação é sempre uma ocasião para recolher e fornecer informações e um número só se torna uma informação quando lhe é captado o sentido.

Page 369: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 369

Na mesma linha de pensamento, Barlow (2006) tece argumentos a respeito do seu entendimento sobre as notas e outras apreciações qualitativas ou quantitativas. Para este autor atribuir uma nota é como emitir uma mensagem, “um professor que dá uma nota por um trabalho, que redige uma apreciação em um boletim trimestral ou que faz uma advertência a um aluno sobre a sua conduta é o emissor de uma mensagem” (p. 14). Segundo Barlow (2006), cabe ao receptor dessa mensagem – o aluno, decodificá-la. É claro que esta operação não está livre de erro ou distorção. Por exemplo, para um aluno que tira 60 numa atividade que vale 100, muitas interpretações podem ser feitas: “um contentamento por parte do aluno por ter tirado nota suficiente para ficar na média, descontentamento por “terem” lhe “arrancado” 40 pontos não se sabe de quais exercícios e nem a causa.

Neste sentido, esta comunicação deve preceder o próprio resultado da avaliação, tendo como objetivo melhorar o desenrolar da ação, tornando a mensagem cada vez mais fiel às suas intenções. Ao criticar um trabalho escrito, ou ao atribuir uma nota baixa a um exercício, um professor pretende, ou pelo menos deveria pretender, ajudar o aluno a melhorar o seu aprendizado. Dessa forma, este deve estabelecer antecipadamente os critérios que serão utilizados para se efetuar a correção e consequentemente a atribuição da nota ou outra forma de apreciação.

Para Barlow (2006) falar de avaliação em termos de comparação ajuda a compor uma imagem muito mais complexa e diversificada dela, considerando-a mais do que simplesmente verificar se um trabalho é satisfatório ou não, se o aluno foi ou não aprovado na disciplina ou que o desempenho de tal aluno foi 60% satisfatório. Para este autor “avaliar é efetuar uma comparação entre o que se constata e o que se esperava, entre um real e um ideal” (p. 17).

No entanto, efetuar uma comparação não consiste em limitar-se a uma simples constatação, requer “que se opere a percepção do dado, seu confronto com os critérios e a comunicação do julgamento de comparação ao interessado” (p. 18). Devem-se interpretar os dados e buscar sentido no que está sendo interpretado, buscando preencher lacunas então observadas.

Barlow também tece discussões em seu livro sobre as categorias que caracterizam a avaliação escolar: cifrada, verbal e não-verbal. Na primeira das categorias, o autor trata do número. Embora com sua aparência neutra e desprovida de qualquer vínculo material, o número tem conotações afetivas no mínimo tão fortes quanto à palavra. À primeira vista, uma nota cifrada, tem aparência de algo unívoco, por exemplo: um 20 não é um 25, nem 24. Entretanto, quando se olha mais atentamente, observa-se que a nota está longe de apresentar esta objetividade. “Como toda forma de avaliação, a nota é fruto de um julgamento de comparação. Portanto, sua significação está subordinada à qualidade desta operação mental” (p. 30).

Para que esta mensagem seja compreendida a grade de codificação do emissor (professor) deve ser análoga à grade de decodificação do receptor (aluno) e que ambos visem o mesmo referente. Barlow (2006) também destaca desvios dessa comunicação cifrada, mencionando que uma mesma prova pode obter notas diferentes entre um professor e outros e que os critérios adotados em uma correção podem variar. Todos podem constatar que uma nota está sempre sujeita aos imprevistos da relação humana. No entanto, “o problema não está em renunciar à avaliação cifrada, mas em tentar melhorar sua eficácia – e, como sempre, não se poderia chegar a isso sem conjugar a lógica da ação e o seu ilogismo” (p. 34).

Com relação às apreciações qualitativas verbais e não verbais, Barlow (2006) faz referência a essas apreciações tratando da palavra humana e de todo ambiente carnal, sejam eles - mímicas,

Page 370: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores370

gestos, olhares: “Um sinal de negação ou uma careta de dúvida dispensa um comentário verbal, mas ocorre também que um aceno de cabeça ou um sorriso irônico contradiga a literalidade do que é pronunciado” (BARLOW, 2006, p. 47).

É comum observamos em avaliações apreciações como: “Bom”; “Médio”; “Ruim”; “Insuficiente”; etc. Deveria nos causar surpresa, que estas palavras se apresentem quase sempre na forma de constatações, ao invés de indicar ao aluno o que ele deveria ou poderia fazer para melhorar sua aprendizagem. Estando a avaliação a serviço da educação, estas frases deveriam exprimir-se no futuro e atender ao mesmo raciocínio hipotético-dedutivo da prescrição médica: se as dificuldades de tal estudante são oriundas de tal causa, dever-se-ia prescrever tal solução (BARLOW, 2006).

Com relação às apreciações não-verbais, o autor relata que o corpo fala, antes mesmo de se verbalizar o julgamento. Expressões gestuais, os olhares, as mímicas, realizados pelo professor se constituem numa forma de avaliação. Da mesma forma, as atitudes e mímicas dos alunos podem fornecer ao professor informações úteis para adaptar a aprendizagem e o ritmo das explicações. Nota-se que a avaliação escolar tece relações tanto com a linguagem das palavras como com a linguagem corporal.

considerações Finais

É notável nas argumentações dos dois autores a preocupação com a comunicação ao se emitir uma nota ou outra forma de apreciação, bem como a importância de se ter claro tanto para o professor quanto para o aluno os critérios que definem este julgamento. Ambos também ressaltam os problemas ocasionados por esta falta de comunicação e os fatores que muitas vezes distanciam a nota da objetividade e neutralidade tão referenciadas pelos professores. De forma geral, os dois autores, se assemelham nos argumentos, evidenciando que ao efetuarmos uma avaliação, seja exprimindo uma nota ou outro tipo de apreciação, esta não deve se limitar a simples constatação, mas operar na percepção dos dados, no confronto com o referente e na comunicação do julgamento ao interessado, fornecendo uma informação compreensível e útil para quem a recebe.

Referências

ALBUQUERQUE, T. de S. Problematizando as notas escolares e os pareceres avaliativos: é preciso mudar o rumo da história. In: ALBUQUERQUE, T. de S.; OLIVEIRA, E. da S. G. Avaliação da Educação e da Aprendizagem. 2 ed., Curitiba: IESDE Brasil S.A, 2008.

BARLOW, M. Avaliação Escolar: mitos e realidades. Porto Alegre: Artmed, 2006.

DEPRESBÍTERIS, L. Avaliação da Aprendizagem do Ponto de Vista Técnico-Científico e Filosófico-Político. Série ideias, n.8. São Paulo: FDE, p. 161-172, 1998.

GATTI, B. A. O professor e a Avaliação em Sala de Aula. Estudos em Avaliação Educacional, n. 27, jan-jun, 2003.

Page 371: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 371

HADJI, C. Avaliação Desmistificada. Porto Alegre: Artmed, 2001.

HADJI, C. A avaliação, regras do jogo: das intenções aos instrumentos. Portugal: Porto, 1994POPHAM, W.J. Avaliação educacional. Porto Alegre, Globo, 1983.

SALINAS, D. Prova amanhã! A avaliação entre a teoria e a realidade. Porto Alegre: Artmed, 2004.

Page 372: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores372

INVESTIGANDO A COMPREENSÃO DE ALUNOS DO ENSINO SUPERIOR SOBRE O CONCEITO DE SOLUÇÃO

Roberson K. Costa Fabiele C. Dias Broietti

Flaveli A. de Souza Almeida Fernanda de A. Fin de Lima

Rosana Franzen Leite Simone A. de Assis Martorano1

Introdução O ensino e a aprendizagem de conceitos químicos são tarefas complexas, pois envolvem

uma série de fatores difíceis de serem controlados. Com isso o foco da sala de aula, não deve estar centrado somente no professor, nem nos alunos, ou nos conteúdos, mas sim no movimento das interações que ocorrem ao longo do processo (Vygotsky 2001).

Com a intenção de pesquisar este movimento, considerando a relevância da linguagem química e a articulação entre os três níveis de aprendizagem de química, a saber, fenomenológico, representacional e teórico-conceitual (MACHADO et al, 2000), o objetivo desse trabalho consistiu em investigar e identificar como os alunos compreendem alguns conceitos relacionados à química de solução, pois estes conceitos serão trabalhados pelos alunos, futuros professores, na sua prática docente.

Segundo Carmo e Marcondes (2008), no currículo de Química no Ensino Médio, o entendimento do nível microscópico do tema solução é importante, pois permite ao aluno o entendimento de tópicos como transformações químicas, eletroquímica e equilíbrio químico. Portanto, é tema potencialmente significativo para promover a sistematização de inúmeros conceitos químicos como: misturas, substâncias, ligações químicas, interações químicas, entre outros.

Contudo, as autoras apontam que durante o ensino do tema soluções o professor dificilmente solicita a seus alunos que elaborem modelos e reflitam o comportamento submicroscópico do que ocorre durante o processo de dissolução e o que se percebe é a valorização dos aspectos quantitativos em detrimento dos aspectos qualitativos.

Metodologia Para identificar as ideias dos estudantes relativas a este conceito, como também as

possíveis dificuldades dos alunos, foi aplicado um instrumento de coleta de dados que consistiu de um questionário composto por três questões objetivas e uma dissertativa. Em todas as questões os alunos tinham que justificar as suas respostas.

O questionário foi aplicado aquatro turmas (total de 96 alunos), sendo que, cada turma correspondia a um ano específico do curso de graduação em Química – Licenciatura. A 1 Doutora em ensino de ciências, modalidade Química. Área de atuação: história e filosofia da ciência e formação inicial e continuada de professores. Foi docente do Departamento de Química da UEL. Grupo de pesquisa: LEPEQ( laboratório de ensino e pesquisa em educação Química). Contato: [email protected]

Page 373: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 373

análise das respostas dos alunos e elaboração de categorias foi realizada a partir da análise de conteúdo (BARDIN, 1977).

Resultados e discussões

O objetivo da primeira questão era verificar se o aluno diferenciava os conceitos de solução insaturada, supersaturada e saturada e na quinta questão eram abordadas as unidades relacionadas à concentração de uma solução.

Na primeira questão, por meio de uma ilustração, com a representação de três béqueres, no qual o aumento das concentrações era ilustrado pela densidade de pontos nos diagramas, o aluno deveria correlacionar os diferentes tipos de soluções aos esquemas.

Figura 1: Esquemas representando diferentes tipos de soluções.

Nas quatro turmas investigadaspode-se perceber dificuldades em relação à distinção entre o conceito de soluções supersaturadas e saturadas com corpo de fundo, a relação de alunos que apresentaram estas dificuldades pode ser observada na figura 2, onde estão representadas as porcentagens de acerto de cada turma.

Essas dificuldades estão explicitadas nas justificativas dadas pelos alunos, na resposta à questão:

Figura 2: Porcentagem de acertos dos alunos em relação à primeira questão.

Page 374: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores374

“Béquer A, esta com uma grande quantidade de açúcar, então esta saturada; béquer B esta com uma grande quantidade de açúcar e formou precipitado no fundo, supersaturada...” 3º ano da graduação)“A solução A esta saturada, esta completa com açúcar, a solução B está supersaturada, pois existe açúcar sem dissolver ao fundo.”(4º ano da graduação)

Nota-se que os conceitos, principalmente com relação à compreensão da solução supersaturada, não são claros para os alunos, independente do ano da graduação. De posse das justificativas expressas, podemos inferir que estes alunos, confundem os vários tipos de soluções e que para resolver problemas como estes acabam associando o termo, ou seja, as palavras que caracterizam estas soluções (saturada, insaturada, supersaturada) aos esquemas ilustrativos da questão, mesmo que estes não façam sentido cientificamente.

A 2ªquestão consistia em verificar a influência da adição de um gás X na pressão de um gás Y contidos em um mesmo recipiente. A maioria dos alunos (fig.3) acredita que a pressão do gás Y é aumentada com a adição de um gás X, ignorando a ideia das pressões parciais dos gases.

Figura 3: Porcentagem de acertos dos alunos em relação a segunda questão.

A Terceira questão apresentava uma situação problema na qual eram apresentados dois frascos com indicação de duas soluções de concentrações conhecidas: 1 g/L e 1mol/L de KMnO4 ( Permanganato de potássio).

Os alunos deveriam identificar qual dos frascos continha a maior massa de soluto e qual frasco apresentava a solução mais concentrada. Dentre os alunos do primeiro ano 67% dos alunos acertaram dizendo qual solução continha maior massa e 70% a de maior concentração. O segundo ano apresentou uma taxa de acerto superior, com 84% de acertos para maior massa e 78% para a mais concentrada. Na análise das respostas do terceiro ano observou-se um decréscimo na taxa de acertos, apenas 62% dos alunos acertaram a solução que continha maior massa e 54% a mais concentrada. O quarto ano foi a turma que apresentou o maior número de acertos, 85% acertaram a solução com maior massa de soluto e 100% a mais concentrada.

Page 375: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 375

A maioria dos alunos que errou esta questão afirmou que as duas soluções continham a mesma massa e a mesma concentração, a partir disso é possível dizer que estes alunos não relacionam a unidade com o seu significado e tiram conclusões apenas a partir do valor numérico da medida.

Na quarta questão foi proposta uma situação problema na qual eram apresentados dois frascos com indicação de duas soluções de concentrações conhecidas: 1 g/L e 1mol/L. Os alunos deveriam identificar qual dos frascos continha a maior massa de soluto e qual frasco apresentava a solução mais concentrada.

tabela 1: Porcentagem dos alunos que acertaram a questão.

Ano da graduação Massa(%) concentração(%)1º 67 702º 84 783º 62 544º 85 100

Na tabela 1 observa-se que os alunos relacionam a definição de massa e de concentração com as suas respectivas unidades, evidenciando um entendimento maior na turma do quarto ano.

considerações finais

Pela análise desse instrumento, percebe-se algumas dificuldades relacionadas ao conceito de solução que muitas vezes só é abordado no ensino médio. Portanto, percebemos a importância de retomar e discutir estes conceitos durante graduação.

Referências

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Edições 70.Lisboa. 1977.

CARMO, M. P., MARCONDES, M. E. R., MARTORANO, S. A. A.;REEC. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, v.9, p.35 – 52. 2010.

MACHADO,Claudio R; DIAS, Karla Ferreira; PEREIRA, Lidiane de L. Sand CANAVARRO Anna M. Atividade discursiva na formação de professores de química: a construção do diálogo coletivo. Quím. Nova [online]. 2011, vol.34, n.7, p. 1281-1287.

VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem.Tradução de Paulo Bezerra, São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Page 376: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores376

EXPERIMENTAÇÃO NAS AULAS DE QUÍMICA: IDEIAS DE UM GRUPO DE PROFESSORES DO PROGRAMA PARFOR/QUÍMICA/UEL

Rosana Franzen Leite1

Simone Alves de Assis Martorano2

Introdução

A química é uma ciência fundamentalmente experimental, portanto, fica difícil aprendê-la sem a realização de atividades práticas (MALDANER, 1999). A própria essência da Química revela a importância de introduzir este tipo de atividade ao aluno. Trata-se de uma ciência que se relaciona com a natureza, sendo assim os experimentos propiciam ao estudante uma compreensão mais científica3 das transformações que nela ocorrem (AMARAL, 1996).

Segundo Rossito (2008), a experimentação é essencial para um bom ensino de Ciências, porque permite uma maior interação entre o professor e o aluno, proporcionando oportunidade de um planejamento conjunto e o uso de estratégias de ensino que podem levar a melhor compreensão dos processos das ciências. Contudo, as atividades experimentais não devem ser desvinculadas das aulas teóricas, das discussões em grupo e de outras formas de aprender.

Para Rossito (2008), muitos conceitos científicos importantes não podem ser construídos experimentalmente nas escolas por exigirem técnicas e aparelhos específicos, porém, podem ser trabalhados ativamente pelos alunos por meio de construção de tabelas, gráficos, o que não deixa de ser uma experimentação.

Contudo, como aponta Krasilchik (2000), as modalidades didáticas usadas no ensino das disciplinas científicas dependem da concepção de aprendizagem de ciência adotada. Apesar de mudanças no ensino, a tendência de currículos tradicionais ou racionalistas ainda prevalece no Brasil, onde o objetivo dos cursos é basicamente transmitir informação, cabendo ao professor apresentar o assunto de forma atualizada e organizada, facilitando a aquisição de conhecimentos.

Assim, nessa perspectiva mais tradicional de ciências, a experimentação precede a teorização, caracterizando uma lógica empirista e indutivista, geralmente orientada por meio de roteiros onde as atividades são sequenciadas linearmente. Porém, a experimentação na escola pode ter diversas funções como a de ilustrar um princípio, desenvolver atividades práticas, testar hipóteses ou como investigação. No ensino de química, a experimentação pode ser uma estratégia eficiente para a criação de problemas reais que permitam a contextualização e o estímulo de questionamentos de investigação (GUIMARÃES, 2009 p.198)

Atualmente, o ensino e a aprendizagem de ciências por meio de atividades práticas investigativas vêm ganhando espaço e importância, em função da retomada de projetos nacionais de revitalização da educação em ciências. Alguns autores como Zanon e Freitas (2007) apontam que devido às dificuldades encontradas pelos alunos para aprenderem os conceitos científicos no

1 Doutoranda em Educação para a Ciência e a Matemática,. Foi docente do curso de Química-Licenciatura – Departamento de Química/UEL. Contato: [email protected] 2 Doutora em ensino de Ciências (modalidade química),. Foi docente do curso de Química-Licenciatura – Departamento de Química/UEL. Contato: [email protected] Sabemos das implicações deste tipo de entendimento quanto à natureza da ciência, mas mantemos o termo apenas ser fiel ao autor. Não é objetivo deste texto discutir a fundo sobre tais implicações.

Page 377: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 377

ensino de Ciências, vários pesquisadores têm discutido e apontado em seus estudos, alternativas metodológicas para a melhoria da qualidade deste ensino, e uma dessas alternativas é atividade experimental a partir de questões investigativas. Segundo os mesmos autores, trata-se de atividades “...que tenham consonância com aspectos da vida dos alunos e que se constituam em problemas reais e desafiadores” (ZANON e FREITAS, 2007, p.94).

Essas atividades investigativas envolvem os estudantes a buscarem respostas para questões, com respostas definidas, mas complexas, assim eles podem tirar suas conclusões e definir soluções razoáveis (BORGES, 2008).

A atividade prática investigativa, segundo Zanon e Freitas (2007), deve ser desenvolvida sob orientação do professor e realizada pelos alunos, com objetivo de ir além das observações direta das evidências e da manipulação dos materiais de laboratórios, e devem oferecer condições para que os alunos possam levantar e testar suas ideias e/ou suposições sobre os fenômenos científicos a que são expostos. A atuação do professor é como orientador, mediador e assessor das atividades e é seu papel:

[...] lançar ou fazer emergir do grupo uma questão-problema; motivar e observar continuamente as reações quando necessário; salientar aspectos que não tenham sido observados pelo grupo e que sejam importantes para o encaminhamento do problema; produzir, juntamente com os alunos, um texto coletivo que seja fruto de negociação da comunidade de sala de aula sobre os conceitos estudados (ZANON e FREITAS, 2007 p.94).

Assim, o objetivo da atividade experimental é desenvolver ma teoria durante a resolução de um determinado problema dando assim significado à aprendizagem da ciência, constituindo-se como uma verdadeira atividade teórico-experimental (GONZÁLEZ-EDUARDO, 1992).

Portanto, acreditamos nesse trabalho que a experimentação, no ensino das ciências apresenta caráter relevante, no sentido de proporcionar aos alunos:

• A compreensão dos conceitos científicos facilitando aos alunos a confrontação de suas concepções atuais com novas informações vindas da experimentação; • O desenvolvimento de habilidades de organização e de raciocínio; • Oportuniza o crescimento intelectual individual e coletivo (BARATIERI et al., 2008).

Assim, procuramos investigar, realizando um diagnóstico inicial, como um grupo de alunos da segunda licenciatura – PARFOR/Química, da Universidade Estadual de Londrina (turma 02, na disciplina de Instrumentação para o Ensino de Química), o que pensam esses alunos sobre o papel da experimentação nas aulas de Química.

Participaram da pesquisa 10 alunos – professores atuantes que já possuem outra licenciatura, tal como matemática ou biologia – respondendo a um questionário contendo apenas questões abertas sobre o tema experimentação nas aulas de química. As respostas foram analisadas de acordo com a Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977).

Page 378: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores378

Análise e tratamento dos Dados

Os dados obtidos da coleta foram analisados de acordo com os pressupostos da Análise de Conteúdo, definida por Bardin (1977) da seguinte maneira:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 1977, p. 42).

No processo de análise dos dados, a autora esclarece que o trabalho do analista é muito importante:

[...] a tentativa do analista é dupla: compreender o sentido da comunicação (como se fosse o receptor normal), mas também e principalmente desviar o olhar para uma outra significação, uma outra mensagem entrevista através ou ao lado da mensagem primeira. A leitura efetuada pelo analista, do conteúdo das comunicações não é, ou não é unicamente, uma leitura <<à letra>>, mas antes o realçar de um sentido que se encontra em segundo plano. Não se trata de atravessar significantes para atingir significados, à semelhança da decifração normal, mas atingir através de significantes ou de significados (manipulados), outros <<significados>> de natureza psicológica, sociológica, política, histórica, etc. (BARDIN, 1977, p. 41).

Resultados e Discussão

Da análise das respostas desse grupo de alunos foi possível estabelecer 4 (quatro) categorias, cada uma reunindo algumas das ideias identificadas. Destacamos aqui apenas as categorias sem identificar detalhadamente as unidades de análise, mas apenas o número delas. Discutimos de forma geral as ideias que os alunos/professores possuem, que são resultado tanto da primeira formação docente como da prática docente. As categorias e os números de unidades de análise estão resumidos na tabela 1.

tabela 1. Categorias relacionadas às ideais dos professores sobre experimentação.

cAteGORIAS nº De Un. De AnÁLISe

1 ESTRATÉGIA PARA DESPERTAR E MANTER INTERSSE DOS ALUNOS 3

2 CONSTRUÇÃO E REELABORAÇÃO DE CONCEITOS 4

3 COMPROVAÇÃO OU ILUSTRAÇÃO DA TEORIA 8

4 IMPORTÂNCIA DO CONTEÚDO “TEÓRICO” 8

É possível perceber que os professores possuem visão simplista sobre a experimentação no ensino de química, na qual se realiza uma atividade experimental principalmente para comprovar uma teoria apresentada em sala (GALLIAZZI, 2007).

Page 379: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores 379

Quanto à construção dos conceitos, poucos professores indicaram perceber a relação da utilização das atividades experimentais com este objetivo. Como já discutimos, para Baratieri et al. (2008) este é um dos primeiros objetivos de se utilizar tais atividades, mas novamente destacamos, talvez tais ideias dos professores tenham sido construídas na sua primeira formação ou ainda ao longo de sua prática.

Destaca-se também a função de tornar atraente o ensino, sendo este um dos objetivos destacados. E ainda, a ausência de objetivos relacionados ao trabalho intelectual coletivo, favorecido em atividades experimentais. Quanto ao primeiro, várias seriam as justificativas para esta “crença”, desde a concepção de ciência e de ensino que o professor, até a influência da mídia... mas, o mais importante é o segundo destaque, proporcionar ao aluno a possibilidade de crescer intelectual e cognitivamente (BARATIERI et al., 2008), utilizando-se de atividades variadas e principalmente, utilizando-se da experimentação, não foram citadas, o que nos indica que os professores não percebem tal importância.

conclusões

Assim, relacionamos as principais ideias dos professores, alunos de uma turma de PARFOR, do curso de Química. Destacamos que nossa análise não teve profundidade para afirmamos o modelo do professor, as características de sua prática pedagógica, suas concepções de ensino... Apenas levantamos suas ideias relacionadas a uma área relevante das pesquisas em ensino de Química, e ainda por se tratar de professores que não estão numa formação inicial e que até já lecionaram química.

O maior destaque vai para as visões de atividades experimentais nas quais se desvinculam teoria e prática, e ainda, nas quais os alunos não são envolvidos num problema que mereça investigação, são caracterizados por um modelo empirista de reprodução do conhecimento (GALIAZZI, 2007).

Ao longo da disciplina de Instrumentação para o Ensino de Química, nosso objetivo foi levar os professores a questionar esta forma de pensar quanto as atividades experimentais. Sabemos que não é possível mudar um pensamento tão facilmente, mas a reflexão sobre a prática torna-se muito relevante nesse sentido.

Referências

BARATIERI et al. Opinião dos estudantes sobre a experimentação em química no ensino médio. Experiências em Ensino de Ciências. Vol. 3, n.3, Cuiabá, p. 19-31, 2008. Disponívem em: http://if.ufmt.br/eenci/artigos/Artigo_ID64/v3_n3_a2008.pdf.Acesso em 16/02/2013.

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Trad. Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. São Paulo: Martins Fontes, 1977.

BORGES, A. Tarciso; GOMES, Alessandro D. T.; JUSTI, Rosária. Processos e conhecimentos envolvidos na realização de atividades práticas. Revisão da literatura e implicações para a pesquisa Investigações em Ensino de Ciências. Vol.13, n.2, Porto Alegre, p.187-207, 2008.

Page 380: livro final grafica - UEL · 2019. 12. 12. · contexto da modernidade; A Sociologia e os ciber jovens em tempos de transição – da clássica desigualdade social às inéditas

Prodocência/uel: ensino e pesquisa na formação de professores380

GALIAZZI, M. do C. et al. A Experimentação na aula de química: uma aposta na abordagem histórico-cultural para a aprendizagem do discurso químico. In: GALIAZZI, Maria do Carmo et al. (Orgs.). Construção Curricular em Rede na Educação em Ciências: uma aposta de pesquisa em sala de aula. Ijuí: Unijuí, 2007. p. 281-298.

GUIMARÃES, Cleidson Carneiro. Experimentação no Ensino de Química: Caminhos e Deacaminhos Rumo à Aprendizagem Significativa. Química Nova na Escola. Vol. 31, n. 3. São Paulo. Ago.2009.

ROSSITO, Berenice. O Ensino de Ciências e a Experimentação. In. MORAES, Roque. Construtivismo e Ensino de Ciências – Reflexões Epistemológicas e Metodológicas. 3 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. p. 195-205.

ZANON, Dulcimeire A. Volante; FREITAS, Denise de. A aula de Ciências nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental: Ações que favorecem a sua aprendizagem. Ciencias & Cognição. Vol. 10. Rio de Janeiro. Mar. 2007. Disponível em: http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/article/view/622/404 Acesso em 16/02/2013.