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tica, Valores Humanos e Transdisciplinaridade

tica, Valores Humanos e TransdisciplinaridadeDelmo Mattos

2 edio

tica, Valores Humanos e Transdisciplinaridade

DIREO SUPERIORChanceler Reitora Presidente da Mantenedora Pr-Reitor de Planejamento e Finanas Pr-Reitor de Organizao e Desenvolvimento Pr-Reitor Administrativo Pr-Reitora Acadmica Pr-Reitor de Extenso Pr-Reitor de Ps-Graduao e Pesquisa Joaquim de Oliveira Marlene Salgado de Oliveira Jefferson Salgado de Oliveira Wellington Salgado de Oliveira Jefferson Salgado de Oliveira Wallace Salgado de Oliveira Jaina dos Santos Mello Ferreira Manuel de Souza Esteves Marcio Barros Dutra

DEPARTAMENTO DE ENSINO A DISTNCIADiretora Assessora Claudia Antunes Ruas Guimares Andrea Jardim

FICHA TCNICATexto: Delmo Mattos Reviso: Lvia Antunes Faria Maria e Walter P. Valverde Jnior Projeto Grfico e Editorao: Andreza Nacif, Antonia Machado, Eduardo Bordoni e Fabrcio Ramos Superviso de Materiais Instrucionais: Janaina Gonalves de Jesus Ilustrao: Eduardo Bordoni e Fabrcio Ramos Capa: Eduardo Bordoni e Fabrcio Ramos

COORDENAO GERAL:Departamento de Ensino a Distncia Rua Marechal Deodoro 217, Centro, Niteri, RJ, CEP 24020-420 www.universo.edu.br

Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Universo Campus Niteri M444e Mattos, Delmo. tica, valores humanos e transdisciplinaridade / Delmo Mattos ; reviso de Lvia Antunes Faria Maria e Walter P. Valverde Junior. 2. ed. Niteri, RJ: UNIVERSO, 2011. 167 p. ; il. 1. tica. 2. Moral. 3. tica empresarial. 4. Responsabilidade social da empresa. I. Maria, Lvia Antunes Faria. II. Valverde Junior, Walter P. III. Ttulo.

CDD 170 Bibliotecria: ELIZABETH FRANCO MARTINS CRB 7/4990 Departamento de Ensino a Distncia - Universidade Salgado de Oliveira Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicao pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio sem permisso expressa e por escrito da Associao Salgado de Oliveira de Educao e Cultura, mantenedora da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO).

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Informaes sobre a disciplinaCarga horria: 60 Crditos: 04 Ementa: tica e moral. A tica profissional. A responsabilidade social. A questo da alteridade como principio da relao social. Os valores humanos fundamentais construo de uma cultura de paz. Transdisciplinaridade e convergncia de conhecimentos. Objetivo geral: oferecer ao discente as condies de referncia para a compreenso da tica e da moral, do ponto de vista filosfico, bem como, a sua importncia para a sua atividade profissional e acadmica. Alm disso, refletir e discutir sobre a dimenso tica na existncia do ser humano, dentro do contexto da crise dos valores da nossa sociedade, conduzindo a uma compreenso global da influncia da reflexo tica no mbito das decises e responsabilidades inerentes aos atores sociais e econmicos da atualidade. Contedo programtico Unidade 1 Fundamentos da tica e da Moral: contexto histrico e social, conceitos e definies fundamentais. Distinguindo tica da Moral. O carter histrico e social da Moral. O carter histrico e social da tica.

Unidade 2 Problemas ticos e problemas morais: conscincia moral, virtude, amizade, liberdade e felicidade. A conscincia moral e os valores ticos. A busca da felicidade: virtude e o bem viver em Aristteles. Aristteles e a amizade como um problema tico-moral. Pensando a liberdade: La Botie e Sartre.

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Unidade 3 tica aplicada: a tica na empresa e nos negcios. Pressupostos tericos da tica empresarial: histria e

desenvolvimento. Empresa tica e viso tico-empresarial. A tica nos negcios ou negociando com tica: lucro x princpios morais. O cdigo de tica profissional: funes e limites.

Unidade 4 - tica profissional e responsabilidade social. tica profissional: os valores sociais da profisso. O desempenho tico-profissional: ambincia e relaes pessoais. tica e responsabilidade social nos negcios. Decises morais racionais.

Bibliografia Bsica VAZQUEZ, A. S. tica. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001. 304p. CAMARGO, M. Fundamentos de tica geral e profissional. 3. ed. Petrpolis: Vozes, 2002. 118p. Bibliografia Complementar NASH, L. tica nas empresas: boas intenes parte. So Paulo: Makron Books, 2001. 359p. ASHLEY, P. A. (Coord.). tica e Responsabilidade Social nos Negcios. So Paulo: Saraiva, 2002. 340p.

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Palavra da ReitoraAcompanhando as necessidades de um mundo cada vez mais complexo, exigente e necessitado de aprendizagem contnua, a Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) apresenta a UNIVERSO Virtual, que rene os diferentes segmentos do ensino a distncia na universidade. Nosso programa foi desenvolvido segundo as diretrizes do MEC e baseado em experincias do gnero bem-sucedidas mundialmente. So inmeras as vantagens de se estudar a distncia e somente por meio dessa modalidade de ensino so sanadas as dificuldades de tempo e espao presentes nos dias de hoje. O aluno tem a possibilidade de administrar seu prprio tempo e gerenciar seu estudo de acordo com sua disponibilidade, tornando-se responsvel pela prpria aprendizagem. O ensino a distncia complementa os estudos presenciais medida que permite que alunos e professores, fisicamente distanciados, possam estar a todo momento ligados por ferramentas de interao presentes na Internet atravs de nossa plataforma. Alm disso, nosso material didtico foi desenvolvido por professores especializados nessa modalidade de ensino, em que a clareza e objetividade so fundamentais para a perfeita compreenso dos contedos. A UNIVERSO tem uma histria de sucesso no que diz respeito educao a distncia. Nossa experincia nos remete ao final da dcada de 80, com o bemsucedido projeto Novo Saber. Hoje, oferece uma estrutura em constante processo de atualizao, ampliando as possibilidades de acesso a cursos de atualizao, graduao ou ps-graduao. Reafirmando seu compromisso com a excelncia no ensino e compartilhando as novas tendncias em educao, a UNIVERSO convida seu alunado a conhecer o programa e usufruir das vantagens que o estudar a distncia proporciona. Seja bem-vindo UNIVERSO Virtual! Professora Marlene Salgado de Oliveira

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Reitora

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Sumrio

1. 2. 3.

Apresentao da disciplina ............................................................................................................. 09 Plano da disciplina .............................................................................................................................. 11 Unidade 1 Fundamentos da tica e da Moral: contexto histrico e social, conceitos e definies fundamentais. ......................................................................... 13

4.

Unidade 2 Problemas ticos e problemas morais: conscincia moral, virtude, amizade, liberdade e felicidade. ..................................................................................................47

5. 6. 7. 8. 9.

Unidade 3 tica aplicada: a tica na empresa e nos negcios ................................... 85 Unidade 4 tica profissional e responsabilidade social .................................................117 Consideraes finais........................................................................................................................... 153 Conhecendo a autora ........................................................................................................................ 154 Referncias ............................................................................................................................................. 155

10. Anexos ...................................................................................................................................................... 165

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Apresentao da DisciplinaCaro aluno, Seja bem-vindo disciplina tica, Valores Humanos e Transdisciplinaridade. O tema da tica constitui-se em uma das reas de conhecimento da Filosofia que mais desperta interesse em nossa sociedade nos dia de hoje. Sabe-se, por exemplo, a maioria das profisses e empresas possui seus cdigos de tica, o que nos leva a supor que estas se preocupam, especificamente, na fundamentao e sistematizao dos princpios e valores que orientaro respectivamente as aes dos seus profissionais e dos seus funcionrios. Tambm, podemos constatar um profundo interesse em discutir e refletir sobre os problemas relacionados vida humana, principalmente, devido s descobertas mais recentes da medicina, da biologia e da gentica que promovem uma alterao inigualvel nos padres habituais pelo qual pensvamos e reagamos a situaes, como a clonagem humana, o uso de alimentos transgnicos e a utilizao de clulas tronco. Por outro lado, igualmente, constata-se uma preocupao em revisar os parmetros habituais do homem em relao ao meio ambiente, assim como do nosso dever em conscientizarmos, do ponto de vista tico, a responsabilidade com o futuro de nossa espcie e das demais que habitam o nosso planeta. Estas so apenas algumas das questes que suscitam um debate relacionado tica e moral verificadas por ns diariamente nos jornais, revistas e nos noticirios da televiso. Mas porque este interesse to grande sobre a tica? A tica, mais do que qualquer outra disciplina, est diretamente relacionada nossa experincia cotidiana. Ela nos conduz a uma reflexo crtica acerca dos valores adotados por ns, o sentido dos atos praticados e a forma pela qual as nossas decises so tomadas e que tipo de responsabilidade devemos ter sobre elas. A tica um campo de estudo altamente controverso e absolutamente relevante para nossa poca. Desejando ou no, todos ns somos confrontados por questes ticas a cada dia. Cada vez mais somos sobrecarregados de perguntas que, no fundo, so estritamente ticas. Vemo-nos cercados por decises acerca de como devemos viver e de que tipo de pessoas devemos ser. De certa forma, possumos conscincia9

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de que o que fazemos e quem somos so coisas absolutamente relevantes para nossa conduta enquanto ser social. Diante dessa perspectiva, estamos todos, de certa forma, refletindo sobre a tica. Neste sentido, concebvel afirmar que a tica est to prxima de ns quanto estamos prximos dela. Contudo, o estudo da tica no se deve limitar em discutir e apresentar apenas os seus pressupostos fundamentais. Necessitamos ir sempre alm deles, promovendo em nossa prtica cotidiana os elementos que nos conduziro a sermos indivduos mais atentos com os valores bsicos de nossa sociedade, e assim, tornando-nos capazes de possuirmos responsabilidade sobre nossas aes a fim de torn-las eticamente possveis. Por isso, espera-se que o estudo da tica no seja tomado somente como exigncia acadmica. A tica muito mais do que isso! Esta disciplina fora construda tendo em vista a fornecer um quadro geral de uma determinada questo ou problema, o que facilita o seu estudo em profundidade, pois permite facilmente uma viso crtica do mbito em que est colocada cada questo particular da tica. Sendo assim, esta disciplina no se constitui em uma sntese esquemtica e sufocante como muitas vezes acontece com certas apostilas e manuais, mas procura oferecer uma exposio que contempla o que h de mais valioso sobre uma determinada questo ou assunto da tica, deixando outras para que voc tenha iniciativa de investig-la por conta prpria diante das variadas sugestes de bibliografia que sero apresentadas ao longo das unidades. Neste contexto, a disciplina apresenta uma integrao que se manifesta no equilbrio da sua exposio, na proporo e diviso dos assuntos abordados de modo a facilitar a compreenso em seu conjunto. Por outro lado, o desenvolvimento linear das unidades tem por finalidade fazer voc se contagiar pelo gosto da disciplina, do raciocnio e da utilizao da reflexo tica na sua vida pessoal e profissional, pois veremos ento que esta disciplina, em lugar de ser penosa como muitos pensam, condio para o viver em harmonia e liberdade respeitando as diferenas. Estaremos sempre presentes para auxili-lo em suas tarefas. Bons estudos!10

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Plano da Disciplina

Esta disciplina fora construda tendo em vista a fornecer um quadro geral de uma determinada questo ou problema, o que facilita o seu estudo em profundidade, pois permite facilmente uma viso crtica do mbito em que est colocada cada questo particular da tica. Desse modo, esta no se constitui em uma sntese esquemtica e sufocante como muitas vezes acontece com certas apostilas e manuais, mas procura oferecer uma exposio que contempla o que h de mais valioso sobre uma determinada questo ou assunto da tica, deixando outras para que voc tenha iniciativa de investig-la por conta prpria diante das variadas sugestes de bibliografia que sero apresentadas ao longo das unidades. Diante desse contexto, a disciplina tica, Valores Humanos e

Transdisciplinaridade apresenta uma integrao que se manifesta no equilbrio da sua exposio, na proporo e diviso dos assuntos abordados de modo a facilitar a compreenso em seu conjunto. Sendo assim, faremos um breve resumo de cada unidade, enfatizando seus objetivos para que voc tenha uma viso geral daquilo que ir estudar: Unidade 1: Fundamentos da tica e da Moral: contexto histrico e social, conceitos e definies fundamentais Apresenta esquematicamente os aspectos histricos e sociais da tica e da moral e situa os seus elementos constitutivos no desenvolvimento da humanidade. Objetivo: expor a problemtica relativa distino entre tica e moral e suas respectivas definies e objetos de estudo.

Unidade 2: Problemas ticos e problemas morais: conscincia moral, virtude, amizade, liberdade e felicidade Esta unidade fornece os problemas norteadores da tica e discute a problemtica da liberdade, da responsabilidade e do determinismo nos filsofos La Botie e Sartre e, em seguida, d noes de felicidade amizade e virtude na reflexo filosfica de Aristteles.11

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Objetivo: refletir sobre a nossa prtica cotidiana e avaliar a direo para a qual nossos valores ticos dirigem-se no mundo em que vivemos hoje.

Unidade 3: tica aplicada: a tica na empresa e nos negcios Trata dos pressupostos tericos da tica empresarial e seus fundamentos, para a partir deste, expor os aspectos ticos presentes nas relaes comerciais ou nos negcios. Objetivo: abordar a prtica da tica no nvel das organizaes e nos negcios.

Unidade 4: tica profissional e responsabilidade social Esta unidade versar sobre problemtica relativa distino aos valores sociais da profisso. Trata-se, portanto, de debater a essncia da tica profissional. Objetivo: expor os conceitos capitais da tica e da responsabilidade social nos negcios e expor os princpios norteadores das decises morais racionais.

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Fundamentos da tica e da Moral: contexto histrico e social, conceitos e definies fundamentaisDistinguindo tica de Moral. O carter histrico e social da Moral. O carter histrico e social da tica.

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Caro aluno, bem-vindo nossa primeira unidade de estudo. Comecemos esta mdulo apresentando a voc o contexto histrico do surgimento da tica e da moral, assim como os principais conceitos e definies que as envolvem. Trata-se, portanto, de uma unidade introdutria cujo teor da abordagem preparar voc ao entendimento seguro das questes tratadas nas unidades seguintes. Espero que, por intermdio desta explicao, voc sinta-se confortvel ao se introduzir no universo especulativo da tica e seus problemas fundamentais.

Objetivos da unidade Apresentar a problemtica relativa distino entre tica e moral, assim como as suas respectivas definies e objetos de estudo. Esboar, de forma esquemtica, os aspectos histricos e sociais da tica e da moral. Situar os seus elementos constitutivos no desenvolvimento da humanidade.

Plano da unidade Distinguindo tica de Moral. O carter histrico e social da Moral. O carter histrico e social da tica.

Como parceiros de sua aprendizagem, desejamos sucesso na sua formao! Bons Estudos!

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Distinguindo tica da Moral No sentido geral, a palavra tica origina-se do grego antigo [ ] "filosofia moral" e do adjetivo (thos) que quer dizer "costume, hbito". Conexo ao conceito de tica est o conceito de moral, tambm originado de uma palavra grega mores ( = mos) possui aparentemente um significado semelhante ao de tica. No entanto, se atentarmos como os gregos realmente usavam a grafia e a pronncia do termo thos, nota-se uma ntida diferena de significado entre ambas. So elas: (pronunciado como tos) = para designar "costume. (pronunciado como tos) = para designar a ndole, no sentido de carter e temperamento natural da pessoa.

Compreendeu como a diferena da pronncia de thos altera substancialmente o seu significado? Certamente, em um ato concreto realizado por uma pessoa a diferena de sentido entre ambas no so claramente percebida. Por exemplo: o ato do cidado grego de partir, com seus iguais, para a guerra, em defesa da cidade-estado (plis), est presente nos dois sentidos indicados pelas duas palavras gregas. costume da cidade grega que o cidado seja soldado e no escravo, pois o ato de defender a cidade um ato honroso. Com efeito, o ato de ir guerra diz tambm algo ntimo acerca do homem, pois est relacionado ao seu carter: ele um homem corajoso e, como tal, valoroso. Vejam, nestas frases comuns entre ns, como os dois sentidos da palavra thos utilizados pelos gregos antigos esto intimamente relacionados:

a) b) c)

"O rapaz foi muito tico: no revidou agresso." Aquele poltico um homem tico." "Todos aqui o respeitam como um homem de moral."

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Diferentemente dos gregos, os romanos utilizavam a palavra latina mos (mores) para designar o costume ou costumes. Foi a partir deste termo romano que surge o modo como entendemos o significado de moral na Lngua Portuguesa. Sendo assim, na nossa Lngua, os dois termos, tica e moral, implicam, simultaneamente, de alguma forma, nos dois significados diferentes antigos e, de fato, tanto a tica quanto a moral, incidem sobre estas duas dimenses, ou seja, uma valorao do homem como tal e do seu agir em conformidade ou no com os costumes e a tradio. Reconhecendo as dificuldades para separar de modo consensual e tcnico o que tico do que moral, em um terreno em que no h acordo fcil entre os filsofos sobre a distino entre ambas, vejamos como o dicionrio de Aurlio Buarque de Holanda as define: 1. TICA: refere-se ao "estudo dos juzos de apreciao referentes conduta humana suscetvel de qualificao do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto" (HOLANDA, 1999, p. 848-849). 2. MORAL: refere-se ao "conjunto de regras de conduta consideradas como vlidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada" (HOLANDA, 1999, p. 978979). IMPORTANTE: A distino do dicionarista est de acordo com a certa tradio filosfica: a de considerar moral como as normas de convivncia social e tica como o estudo e a reflexo terica, sobre a moral, o comportamento moral dos homens e as valoraes morais das diferentes culturas e sociedade, segundo uma metodologia estritamente racional, ou seja, filosfica e cientfica (Cf. VZQUEZ, 2001). Percebe-se claramente que as definies de tica e moral fornecidas pelo dicionarista apresentam uma diferena tcnica entre os dois termos, segundo seu uso correto em nossa lngua, em que est tambm a chave da soluo para

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entender o modo confuso e equivocado com que as duas palavras so usadas: os homens modernos no gostam de dizer que suas aes so morais, pois isto equivaleria a dizer que elas so corretas apenas porque so conformes ao costume e tradio. Preferem dizer que agem segundo uma tica para denotar um suposto carter independente, reflexivo e filosfico de sua posio existencial e poltica. Diante dos clamores da imprensa, dos polticos e dos militantes dos movimentos sociais por "mais tica na poltica", nos ltimos anos, usa-se o termo tica e no o termo moral para uma fuga, at certo ponto fictcia, do carter "tradicionalista" da moral. Por um lado, se avaliarmos bem quais seriam os "princpios ticos" que, em ltima anlise, se espera dos polticos, encontraramos antigos valores da cultura ocidental, consignados em mandamentos da lei de Deus, conforme a tradio mosaica e incorporada pelo cristianismo: No matars; no roubars; no levantars falso testemunho; no cobiars as coisas alheias (Cf. VZQUEZ, 2001). Diante disso, o apelo por mais tica na poltica nada mais do que um apelo por mais fidelidade aos antigos valores morais do mundo ocidental. Desta forma, l onde se alardeia uma novidade, produto de uma reflexo "filosfico-tica" original, nada mais h do que valores antigos sob novos nomes ou "novas fachadas". Por outro lado, h nveis de complexidade dos problemas humanos reais e concretos que j no so to facilmente resolvidos com base nos costumes tradicionais. Veja-se que ningum precisa fazer apelo reflexo tica para dizer que " imoral um vizinho roubar o cachorro do outro e d-lo de presente a um amigo". Em geral, poder-se-ia dizer que a lei moral "no roubars" surgiu neste mesmo contexto elucidativo, ou seja, problemas humanos antigos continuam sendo suficientemente bem resolvidos pela moral tradicional. Logo, um dos grandes dilemas dos estudos da moral na atualidade pode ser resumido nas seguintes questes: existem ou no valores morais vlidos para todos os homens? Como justificar a classificao das aes em moralmente corretas ou incorretas, boas ou ms?Tradio mosaica: tradio proveniente dos ensinamentos de Moiss.

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Retomando a problemtica da distino conceitual entre tica e moral, Vzquez afirma que a tica a teoria ou cincia do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, a cincia de uma forma especfica do comportamento humano (VZQUEZ, 2001, p. 12). Essa definio ressalta o carter cientfico da tica, isto , corresponde necessidade de uma abordagem cientfica dos problemas morais. Por outro lado, Valls afirma que:a tica preocupa-se com as formas humanas de resolver as contradies entre necessidade e

possibilidade, entre tempo e eternidade, entre o individual e o social, entre o econmico e o moral, entre o corporal e o psquico, entre o natural e o cultural e entre a inteligncia e a vontade, evidenciando as contradies enfrentadas pelos indivduos na tomada de decises envolvendo dilemas ticos (VALLS, 1996, p. 48).

Comparando as definies fornecidas pelos autores, poderemos traar o seguinte esquema: 1. 2. 3. 4. a tica relaciona-se com a cincia (o conhecimento cientfico); a tica relaciona-se com avaliao da conduta humana; a tica uma cincia normativa; a tica, pelo contrrio, uma reflexo filosfica, logo puramente racional; 5. a tica possui um carter universalista opostamente ao carter restrito da moral. Conforme explicitado, os problemas ticos caracterizam-se pela sua generalidade; isto os distingue dos problemas morais relativos vida cotidiana. De acordo com Vzquez, por causa de seu carter prtico (), tentou-se ver na tica uma disciplina normativa, cuja funo fundamental seria a de indicar o comportamento melhor do ponto de vista moral (VZQUEZ, 2001, p. 10). Desse

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modo, o tico tornar-se-ia uma espcie de legislador do comportamento moral dos indivduos ou da comunidade. No entanto, ainda segundo Vzquez:

A funo fundamental da tica a mesma de toda teoria: explicar, esclarecer ou investigar uma

determinada

realidade,

elaborando os conceitos

correspondentes. Por outro lado, a realidade moral varia historicamente e, com ela, variam os seus princpios e as suas normas (VZQUEZ, 2001, p. 10).

Portanto, no cabe tica formular juzos de valor sobre a prtica moral de outras sociedades ou pocas, mas sim explicar a razo de ser destas mudanas de moral, esclarecendo o fato de o homem ter recorrido a prticas morais diferentes e at opostas. importante notar que a tica no deve ser confundida com moral, como podem induzir expresses correntes como tica catlica ou tica do capitalismo. Segundo Robert Srour:Enquanto a moral tem uma base histrica, o estatuto da tica terico, corresponde a uma generalidade abstrata e formal. A tica estuda as morais e as moralidades, analisa as escolhas que os agentes fazem em situaes concretas, verifica se as opes se conformam aos padres sociais. (). Distingue-se das morais histricas que imbuem coletividades amplas (naes, classes ou categorias sociais) e que remetem a conceitos especficos ou de espcie (SROUR, 2000, p. 270).

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Embora sejam temas de natureza terica, as definies construdas pela tica podem interferir substancialmente nas prticas morais. Por isso, Vzquez afirma que teoria tica e a prtica moral, ainda que distintas, devem viver entrelaadas ou, nas suas palavras, em retroalimentao permanente. Neste sentido, a tica estudaria os comportamentos prticomorais, trazendo-lhes depois questionamentos e proposies. Quanto moral, entende-se um conjunto de normas e regras destinadas a regular as relaes entre os indivduos. O seu significado, funo e validade no podem deixar de receber uma variao histrica nas diferentes sociedades. De fato, o comportamento moral varia de acordo com o tempo e o lugar, conforme as exigncias nas quais os indivduos se organizam ao estabelecerem as formas de relacionamento e as prticas de trabalho. medida que estas relaes se alteram, exigese uma modificao progressiva nas normas do comportamento coletivo. Por exemplo, a idade mdia caracterizava-se pelo regime feudal, baseado, sobretudo, na hierarquia de suseranos, vassalos e servos (ARANHA, 2003). Neste regime, o trabalho era garantido pelos servos, possibilitando aos nobres uma vida dedicada ao cio e guerra. A moral cavalheiresca deriva e baseia-se no pressuposto da superioridade da nobreza, exaltando a virtude da lealdade e da fidelidade suporte do sistema de suserania. Em contraposio, o trabalho desvalorizado e restrito aos servos. Esta situao foi alterada substantivamente com o aparecimento da burguesia, a qual, formada pelos antigos servos libertos, tendeu a valorizar o trabalho e criticar a ociosidade (Cf. ARANHA, 2003). IMPORTANTE: Diante disso, possvel perceber que uma mudana radical na estrutura social acarreta uma mudana fundamental de moral. Em cada indivduo, entrelaa-se, de modo particular, uma srie de relaes sociais prprias ou particulares de sua poca ou da sua sociedade, o que demonstra que a sua individualidade possui tambm um carter social. Percebe-se, por outro lado, que existe uma gama de padres que, em cada sociedade, modelam o comportamento individual, o seu modo de trabalhar, o seu modo de se vestir, sentir, amar, etc. Estes padres variam de uma sociedade para outra e, por isso, no h sentido em falar de uma individualidade fora das relaes que os indivduos encontram na sociedade.Retroalimentao significa, neste contexto, uma troca constante e mtua de elementos da moral e da tica que se entrecruzam simultaneamente.

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Contudo, ainda que a moral mude historicamente, e uma mesma norma moral possa apresentar um contedo diferente em diferentes contextos sociais, a funo social da moral em seu conjunto ou de uma norma particular a mesma, isto , regular as aes dos indivduos nas suas relaes mtuas ou as do indivduo com a comunidade, objetivando preservar a sociedade no seu conjunto ou a integridade do grupo social. Para Vzquez (2001, p. 233):Assim a moral cumpre uma funo social bem definida: contribuir para que os atos dos indivduos ou de um grupo social desenvolvam-se de maneira vantajosa para toda a sociedade ou para uma parte.

A moral implica, portanto, uma relao livre e consciente entre os indivduos ou entre estes e a comunidade. Mas esta relao est tambm socialmente condicionada, precisamente porque o indivduo um ser social ou um nexo das relaes sociais. O indivduo se comporta moralmente no quadro de certas relaes e condies sociais determinadas que ele no escolheu e dentro tambm de um sistema de princpios, valores e normas morais que no inventou, mas que recebe socialmente e segundo o qual regula as suas relaes com os demais ou com a comunidade inteira. Com base nestes elementos conceituais, podemos definir a moral da seguinte forma:A moral um sistema de normas, princpios e valores, segundo o qual so regulamentadas as relaes mtuas entre os indivduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que estas normas, dotadas de um carter histrico e social, sejam acatadas livre e conscientemente, por uma convico ntima, e no de uma maneira mecnica, externa e impessoal (VZQUEZ 2001, p. 84).

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A moral, portanto, possui um carter social, porque os indivduos se sujeitam a princpios, normas ou valores socialmente estabelecidos. Tambm, regula somente atos e relaes que acarretam consequncias para outros e exigem necessariamente a sano dos demais. Por outro lado, cumpre a funo social de induzir os indivduos a aceitar livre e conscientemente determinados princpios, valores e interesses. Com base na definio de moral em Vzquez, delinearemos um quadro comparativo entre tica e moral. Vejamos a seguir:TICAParte da filosofia prtica que objetiva elaborar um reflexo sobre os problemas fundamentais da moral fundamentado em um estudo metafsico do conjunto de regras da conduta considerada como universalmente vlida. Diferente da moral, a tica preocupa-se em detectar os princpios de uma vida conforme a sabedoria filosfica, em elaborar uma reflexo sobre as razes de se desejar a justia e a harmonia e sobre os meios de alcan-la. A tica a cincia da moral, ou seja, de uma esfera do comportamento humano. Neste sentido, a tica no moral nem a moral cientfica.

MORALA moral uma forma de comportamento humano que compreende tanto uma aspecto normativo quanto um aspecto factual.

A moral um fato social.

Embora a moral possua um carter social, o individuo tem um papel fundamental, pois a moral exige a interiorizao das normas e deveres.

Diante desse quadro comparativo, possvel constatar a confluncia dos enunciados com as definies de tica e moral formuladas anteriormente. tica e moral relacionam-se, mas com objetos diferenciados, especficos e bem definidos. Com efeito, ambas as palavras mantm uma relao que no possuam propriamente em suas origens etimolgicas. Certamente, a moral diz respeito ao conjunto de normas ou regras adquiridas pelo hbito. Neste caso, a ela refere-se ao comportamento adquirido socialmente ou modo de ser conquistado pelo homem. A tica, por sua vez, baseia-se em um modo de comportamento que no corresponde a uma disposio natural, mas adquirido ou conquistado pelo hbito. precisamente esse carter no-natural da forma de ser do homem que, no perodo antigo da humanidade, conferia a este mesmo homem uma dimenso moral. A seguir, discutiremos com mais detalhe o carter histrico e social da moral, especificando esta dimenso moral do homem. Preparados?

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O carter histrico e social da MoralMesmo considerando a origem divina das ideias morais, por intermdio das quais os indivduos teriam adquirido a conscincia dos meios adequados sua elevao ao plano espiritual dos valores perenes, a investigao do problema da moral no pode desprezar os processos histricos responsveis pelos mecanismos de criao, funcionamento e aplicao dos padres e das regras morais. Todas as sociedades humanas possuem valores padres, normas de conduta e sistemas que garantem a aplicao e o funcionamento das mesmas. O estudo do modo de implementao social desses sistemas de regulao moral revela-nos que o fundamento sobre o qual repousam constitui-se de hbitos e atitudes firmados diante de padres de conduta, que funcionam como cimento da unidade social dos grupos humanos. A questo que nos interessa saber se estes padres de conduta moral so impostos a partir da prpria estrutura de poder vigente ou se refletem a natureza geral humana. IMPORTANTE: No primeiro caso, a existncia desses padres objetiva: est posta nas leis e normas emanadas das instncias de poder. No segundo caso, fazem-se necessrias especulaes e discusses sobre o que a natureza humana e como ela deve ser cuidada para se manter fiel a si mesma. Para auxiliarmos no entendimento destas questes, verificaremos o comentrio de Howard Parsons (1982, p. 158) sobre esta problemtica:A moral, em suas razes latinas, caracteriza-se como algo de pesado, inamovvel e campesino: os mores so os usos e costumes de um povo, embebido de hbitos que esto na base dos seus caracteres e que os une num slido liame. Destruam os mores, destruiro os homens e a sociedade. A moral tradicional, porm, no satisfaz muita gente hoje em dia. A sociedade e a mores esto em uma convulso como nunca se viu antes. Deriva da que a nossa pesquisa no deve voltar-se nem tanto para uma nova moral (os frutos), nem tampouco para velhas morais (troncos vazios), e sim para razes eternas.

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Baseados no comentrio citado pelo autor, podemos dividir as concepes quanto origem da moral em dois tipos bsicos: aquelas que explicam esta origem por princpios metafsicos e, como tal, supra-histricos ou a-histricos. Alinham-se neste primeiro tipo as teorias que veem um poder sobre-humano como fonte das normas morais. Tambm as que veem o homem como origem e fonte da moral, mas referindo-se a uma essncia eterna e imutvel a todos os indivduos. De outro lado, esto as teorias historicistas, ou seja, as que procuram a origem da moral no horizonte da histria, vendo-a como produto histrico e social do homem. Entre as teorias a-historicistas ou metafsicas, poder-se-ia citar a posio Neotomista. Esta corrente de pensamento europeia e catlica (representada por Garrigou-Lagrange e Jacques Maritain) surgiu entre as duas grandes guerras mundiais e que teve penetrao no Brasil a partir dos anos cinquenta atravs do Pe. Leonel Franca e de Alceu de Amoroso Lima (Tristo de Atade). Estes seguem o pensamento de So Toms de Aquino e afirmam que o homem dotado de um senso moral natural, "no sentido de que possui uma infalibilidade resultante da prpria natureza da inteligncia" (Cf. ARANHA, 2003, p. 67). O senso moral, segundo Toms de Aquino, o "sentimento imediato e absoluto da lei reguladora do conhecimento e da ao prticos", define-se "adequada e essencialmente pelo princpio de que preciso fazer o bem e evitar o mal". Desta forma, a vontade humana tende necessariamente para o bem. Por esta razo, os sentimentos morais, considerados componentes da conscincia moral, manifestem uma tendncia ao bem e uma repulsa ao mal, o respeito do dever e a antipatia pela m conduta.Toms de Aquino que foi chamado o mais sbio dos santos e o mais santo dos sbios. Seu maior mrito foi a

sntese do cristianismo com aviso aristotlica do mundo, introduzindo o aristotelismo, sendo redescoberto na Idade

Mdia, na escolstica anterior,compaginou um e outro, de forma a obter uma slida base filosfica para a teologia e retificando o materialismo de

Aristteles. Em suas duas"Summae", sistematizou o conhecimento teolgico e filosfico de sua poca : so elas a "Summa Theologiae", a "Summa Contra Gentiles" (Disponvel em: . Acesso em 16 maio 2008.)

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As teorias historicistas, por outro lado, defendem que a moral de uma comunidade encontra-se essencialmente em seus costumes. Em outras palavras, para estes os costumes dizem como cada homem deve agir em situaes concretas em funo daquilo que a comunidade considera como sendo o bem e o mal. Por isso, consideram o modo de agir e de pensar baseado na "moral" como aquele que est em conformidade com a moralidade. Por sua vez, para estes a moralidade consiste na obedincia ao costume de tal forma que onde no h nenhum costume classificado como certo, no h moralidade, pois se pode agir de diferentes modos sem que nenhum deles seja visto pela comunidade como um ato imoral ou amoral. Mas o que imoral e amoral? No sentido geral, o termo imoral significa algo que contrrio moral. Especificamente, diz respeito a uma conduta ou regra que contraria a moral prescrita pela sociedade. Em outras palavras, entende-se por imoral tudo aquilo que uma sociedade (em um determinado espao e tempo) consensualmente no admite ou julga ser correto ou justo em relao conduta ou ao comportamento social de um indivduo e um grupo de indivduos que pertencem a ela. De outra forma, o termo amoral significa propriamente ausncia de moral, ou seja, o instante que no se pode avaliar ou emitir um juzo de valor de natureza moral ou imoral sobre o agir de um indivduo ou mesmo um grupo de indivduos pertencentes a uma determinada sociedade. Percebeu como estes dois termos esto intimamente relacionados ao comportamento dos indivduos no seio da sociedade? exatamente este o ponto de vista de Vzquez (2001, p. 244):A necessidade de ajustar o comportamento de cada membro aos interesses da coletividade leva a que se considere como bom ou proveitoso tudo aquilo que contribui para reforar a unio ou a atividade comum e, ao contrrio, que se veja como mau ou perigoso o oposto; ou seja, o que contribui para debilitar o minar a unio; o isolamento, a disperso dos esforos, etc. Estabelece-se, assim, uma linha divisria entre o que bom e o que mau, uma espcie de tbua de deveres

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tica, Valores Humanos e Transdisciplinaridadeou obrigaes baseada naquilo que se considera bom ou til para a comunidade. Destacam-se, assim, uma srie de deveres: todos so obrigados a trabalhar, a lutar contra os inimigos da tribo, etc. Estas obrigaes comuns comportam o desenvolvimento das qualidades morais relativas aos interesses da coletividade: solidariedade, ajuda mtua, disciplina, amor aos filhos da mesma tribo, etc. O que mais tarde se qualificar como virtudes ou como vcios acha-se determinado pelo carter coletivo da vida social. Numa comunidade que est sujeita a uma luta incessante contra a natureza, e contra os homens de outras comunidades, o valor uma virtude principal porque o valente presta um grande servio comunidade. Por razes anlogas, so aprovadas e exaltadas a solidariedade, a ajuda mtua, a disciplina, etc. Ao contrrio, a covardia um vcio horrvel na sociedade primitiva porque atenta, sobretudo contra os interesses vitais da comunidade. E se deve dizer a mesma coisa de outros vcios como o egosmo, a preguia, etc.

Cabe notar que a partir desta considerao, Vzquez entra em uma calorosa discusso entre as teses metafsicas e historicistas sobre a origem da moral, o que nos conduz a uma reflexo sobre os seus fundamentos, ou seja, uma discusso a respeito da legitimidade com que a moral se impe aos indivduos. Se a moral possui uma origem metafsica, no est ao alcance do homem modificar seus postulados fundamentais, tais Barbrie: estado ou como, o princpio "faa o bem e evite o mal". Um princpio condio de brbaro. metafsico como este garante por si mesmo uma forte fundamentao terica para o ordenamento moral da sociedade. Se concepes historicistas da origem da moral estiverem certas, a moral a que estamos submetidos relativiza-se os nossos prprios atos, o que torna um desafio repensar os seus fundamentos. Com efeito, torna-se possvel no apenas reform-la, mas faz-la com a conscincia de que ela apenas um produto humano. Isto retira boa parte de sua fora de imposio e legitimidade proveniente da ideia de sua origem metafsica, transcendente e sagrada. O que acontece com o indivduo e com a sociedade que dessacraliza sua moral? Surge o risco da desordem e da desestruturao da sociedade? Desestruturar a sociedade correr risco de voltarmos para a animalidade, para a barbrie.

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Por conta disso, o mbito da moral passar a existir como um trao de formao que todo homem recebe do processo de interao. Essa formao inteiramente no-religiosa na sua prpria justificao: por isso se diz que a moral do homem moderno laicizada. Os valores morais no so reconhecidos como revelados por uma um origem divina, ou seja, trata de valores que no so sagrados. Ao contrrio, estes valores so resultantes do processo histrico de sua dessacralizao. A eles recusa-se qualquer transcendncia, qualquer carter sagrado. Mas existem objetivamente e sua existncia pode at ser estatisticamente verificada, ou seja, justificada atravs de critrios cientficos. No somente o critrio cientfico que a moral justifica-se. Ela pode ainda ser justificada pelos seguintes critrios: critrio de justificao social: na medida em que a moral desempenha a funo social de garantir o comportamento dos indivduos de uma comunidade numa determinada direo, toda norma corresponder aos interesses e necessidades sociais. Em suma, em uma comunidade em que se verifica a necessidade de um indivduo ou o interesse de um indivduo particular, justifica-se uma norma que exige o seu comportamento adequado; critrio de justificao prtica: uma norma moral somente pode ser justificada se forem verificadas as condies reais para que a sua aplicao no se ponha s necessidades sociais da comunidade. Sendo assim, em uma determinada comunidade na qual se verificam as condies necessrias, justifica-se a norma que corresponde a tais condies; critrio de justificao lgica: a justificao lgica das normas satisfaz plenamente a funo social de toda moral, pois impede que uma comunidade determinada elabore normas arbitrrias ou caprichosas que, precisamente, por no se integrarem no respectivo sistema normativo, entrariam em contradio com os interesses e necessidades da comunidade. Neste contexto, uma norma se justifica logicamente se demonstrada a sua coerncia e nocontraditoriedade com respeito s demais normas do cdigo moral do qual faz parte.

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Veremos a seguir alguns aspectos desta discusso, apresentando a voc o contexto histrico e social da tica. Vamos l?

O carter histrico e social da ticaComo j discutimos, toda coletividade humana possui sua prpria moral ou suas morais (diferentes morais para diferentes grupos da mesma sociedade). Isto, porm, no significa que todo povo tenha uma tica, entendida como um estudo racional da moral. O nascimento (origem ou gnese) da moral data do prprio nascimento da coletividade humana e do seu processo de interao. Pode-se afirmar que as doutrinas ticas nascem e se desenvolvem em diferentes pocas e sociedades como respostas aos problemas bsicos apresentados pelas relaes entre os homens e, em particular, pelo seu comportamento moral efetivo. Por essa razo, existe uma estreita vinculao entre os conceitos morais e as realidades humana e social, sujeitas historicamente mudana. Com efeito, as doutrinas ticas no podem ser consideradas isoladamente, mas dentro de um processo de mudana e de sucesso que constitui propriamente a histria. tica e histria, portanto, relacionam-se duplamente: com a vida social e com a sua prpria histria, uma vez que cada doutrina tica est em conexo com as anteriores. Toda moral efetiva se elaboram certos princpios, valores ou normas. Assim, mudando radicalmente a vida social, muda tambm a vida moral. Os princpios, valores e normas encarnados nela entram em crise e exigem a sua justificao ou a sua substituio por outros. Assim explica-se o surgimento e sucesso de doutrinas ticas fundamentais em conexo direta com a mudana e sucesso de estruturas sociais e, dentro delas, da vida social. A gnese da moral tambm um problema em relao moral estabelecida na atualidade. O fato de ela estar estabelecida, de sustentar-se e perpetuar-se historicamente exige uma explicao. Por isso, do ponto de vista filosfico, h uma necessidade intrnseca para explicar a gnese e os pressupostos fundamentais da moral. A tica, enquanto estudo da moral, por outro lado, tem data de nascimento certa e, graas histria da filosofia, podemos conhecer o seu surgimento e a sua evoluo.

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A tica surgiu na Grcia, no sculo V a.C., com o surgimento dos sofistas e com a atitude de reao aos sofistas por parte de Scrates. A sofstica aparece num momento cultural e poltico muito especfico da histria e cultura grega. No perodo clssico grcia, os sofistas rejeitam a tradio mtica ao considerar que os princpios morais resultam de convenes humanas. Embora na mesma linha de oposio aos fundamentos religiosos, Scrates se contrape aos sofistas ao buscar explicar os princpios morais no nas convenes, mas na natureza humana. Segundo Hamlyn (1990 p. 25):A tica propriamente dita comeou com Scrates, embora os sofistas lhe tenham dado um estmulo importante. Isto a despeito do fato de que Scrates, a julgar pelas indicaes que nos d Plato, se opunha a eles. Para seus contemporneos, de qualquer maneira, eles provavelmente pareciam mais prximos a ele do que nos parece hoje. Os sofistas eram mestres ambulantes que davam cursos ou aulas individuais sobre vrios assuntos e cobravam por esse privilgio. Alguns deles, pelo menos, parecem ter ganho bom dinheiro com essas atividades. tentador atribuir a esse fato o desfavor em que so hoje tidos, embora seja duvidoso que cobrar honorrios por servios prestados tenha sido motivo de desaprovao para o ambiente ateniense tpico de meados do sculo V a.C. Scrates censurava-os porque achava que eles alegavam fornecer mais do que realmente davam. Em especial, alegava que eles diziam que podiam ensinar virtude ao homem e achava que no faziam nada disso.

Um sofista era um professor e, por este motivo, a palavra sophists era utilizada para se referir aos poetas, que foram os primeiros educadores na Grcia. Em princpio, a palavra sofista no possui um sentido pejorativo que veio adquirir mais tarde, em Atenas, quando os seus inimigos os acusavam de charlates e mentirosos. O que ensinavam os sofistas? Os sofistas ensinavam a arte de argumentar e persuadir, arte decisiva para quem exerce a cidadania em uma democracia direta.

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Mais uma vez, contudo, se acreditarmos nos dilogos de Plato, os prprios argumentos de Scrates, considerados puramente como tais, so amide pouco melhores do que os de seus adversrios sofistas. Pouca dvida pode haver de que os contemporneos de Scrates o teriam julgado to inigualvel a esse respeito como os sofistas. Por outro lado, muitos tributavam a todos eles uma anloga admirao prudente. Scrates, no entanto, exercia um fascnio prprio, como d notcia Alcibades em O Banquete, de Plato, e era o carter do homem e a profundidade de sua conscincia moral que o tornava especial. Inmeros so os dilogos de Plato em que so descritas as discusses socrticas a respeito das virtudes e da natureza do bem. Resulta da a convico de que a virtude se identifica com a sabedoria e o vcio com a ignorncia. Neste termos, para Plato, a virtude pode ser aprendida. Na clebre passagem de Repblica em que Plato descreve o mito da caverna reaparece essa ideia: o sbio o nico capaz de se soltar das amarras que o obrigam a ver apenas sombras e, dirigindo-se para fora, contempla o sol, que representa a ideia do Bem. Portanto, "alcanar o bem" se relaciona com a capacidade de "compreender bem". Todavia, apenas o filsofo atinge o nvel mais alto de sabedoria, s a ele cabe a virtude maior da justia e, portanto, lhe reservada a funo de governar a cidade. Outras virtudes menores, mas tambm importantes para a cidade, cabero aos soldados defensores da plis e aos trabalhadores comuns, artesos e comerciantes. IMPORTANTE: Herdeiro do pensamento de Plato, Aristteles aprofunda a discusso a respeito das questes ticas. Mas, para este, o homem busca a felicidade, que consiste no nos prazeres nem na riqueza, mas na vida terica e contemplativa cuja plena realizao coincide com o desenvolvimento da racionalidade. O que h de comum no pensamento dos dois filsofos gregos em questo a concepo de que a virtude resulta do trabalho reflexivo, da sabedoria, do controle racional dos desejos e paixes. Alm disso, o sujeito moral no pode ser compreendido ainda, como nos tempos atuais, na sua completa individualidade. Os homens gregos so, antes de tudo, cidados, membros integrantes de uma comunidade, de modo que a tica se acha intrinsecamente ligada poltica e a plis.

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No perodo helenista, os filsofos se ocupam predominantemente com questes morais, e destacam-se duas tendncias opostas: hedonismo e o estoicismo. Para os hedonistas (do grego hedon, "prazer"), o bem se encontra no prazer. O principal representante do hedonismo grego, Epicuro (341-270 a.C.), considera que os prazeres do corpo so causas de ansiedade e sofrimento. Para permanecer imperturbvel, a alma precisa desprezar os prazeres materiais, o que leva Epicuro a privilegiar os prazeres espirituais, dentre os quais aqueles referentes amizade. Na mesma poca, o estoico Zenon de Ctio (336264 a.C.) despreza os prazeres em geral, ao considerlos fonte de muitos males. As paixes devem ser eliminadas, porque s produzem sofrimento e, por isso, a vida virtuosa do homem sbio, que vive de acordo com a natureza e a razo, consiste em aceitar com impassibilidade o destino e o sofrimento (Cf. ARANHA, 2003).

Epicuro (341-270 a.C.), filsofo grego (nascido em Samos) atomista, fundador do epicurismo. A base de seu sistema uma fsica fundada nos *tomos como em Demcrito. Pontos ltimos se deslocando no vazio. Os tomos constituem a explicao ltima do mundo: nada existe a no ser os tomos e o vazio no qual se move: a alma, como tudo o que existe, formada de tomos materiais: tudo o que acontece no mundo deve-se s aes e interaes mecnicas dos tomos. Viso teocntrica aquela que

atribui Deus como centro de As teorias estoicas foram bem aceitas pelo tudo. cristianismo ainda na poca do Imprio Romano, tendo tambm fecundado as ideias ascticas do perodo medieval. Durante a Idade Mdia, a viso teocntrica do mundo fez com que os valores religiosos impregnassem as concepes ticas, de modo que os critrios do bem e do mal se achavam vinculados f e dependiam da esperana de vida aps a morte. Na perspectiva religiosa, os valores so considerados transcendentes, porque resultam de doao divina, o que determina a identificao do homem moral com o homem temente a Deus.

No entanto, a partir da Idade Moderna, culminando Laico e secular significam no movimento da Ilustraao no sculo XVIII, a moral se respectivamente o oposto ao torna laica, secularizada. Ou seja, ser moral e ser religioso eclesistico. no so polos inseparveis, sendo perfeitamente possvel que um homem ateu seja moral e, mais ainda, que o fundamento dos valores no se encontre em Deus, mas no prprio homem.

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O movimento intelectual do sculo XVIII conhecido como Iluminismo, Ilustrao ou Aujklrung e que caracteriza o chamado Sculo das Luzes exalta a capacidade humana de conhecer e agir pela "luz da razo". Esta critica a religio que submete o homem heteronomia, que o subjuga a preconceitos e o conduz ao fanatismo. Rejeita toda tutela que resulta do princpio de autoridade. Em contraposio, defende o ideal de tolerncia e autonomia. No lugar das explicaes religiosas, a Ilustrao fornece trs tipos de justificao para a norma moral: aquela se funda na lei natural (teses jusnaturalistas), no interesse (teses empiristas, que explicam a ao humana como busca do prazer e evitao da dor) e na prpria razo (tese kantiana). A mxima expresso do pensamento iluminista encontra-se em Kant (17241804) que, alm da Crtica da razo pura escreveu a Crtica da razo prtica e Fundamentao da metafsica dos costumes, nas quais desenvolve a sua teoria moral e tica. A razo prtica diz respeito ao instrumento para compreender o mundo dos costumes e orientar o homem na sua ao. Analisando os princpios da conscincia moral, Kant conclui que a vontade humana verdadeiramente moral quando regida por imperativos categricos. O imperativo categrico assim chamado por ser incondicionado, absoluto, voltado para a realizao da ao tendo em vista o dever. A tradio da moral ocidental encontrou no pensamento do filsofo alemo do sculo XVIII um momento de aparente resoluo do antagonismo histrico entre as fontes judaicas e helnicas da moralidade. Para este, uma ao moralmente justificvel deve ser pblica e, como tal, no pode estar a servio de qualquer inteno ou interesse particular ou egosta. Deve-se, portanto, agir somente na medida em que a nossa ao possa ser imitada por todos sem prejuzo a ningum. Ou seja, a norma a que obedeo a norma que eu prprio me dou, mas que deve poder ser defendida publicamente, para que possa ser seguida por toda a humanidade como um lei universal ou , no mnimo, no ser rejeitada por esta.Imperativo categrico: Kant criou o termo imperativo no seu livro Fundamentao da Metafsica dos Costumes, escrito em 1785. Esta palavra pode ser entendida, segundo alguns autores, como uma analogia ao termo bblico Mandamento.

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Para Kant, esse ato de autonomia e de poder agir publicamente, sem ser acusado por ningum, a fonte da satisfao moral. Essa atitude moralmente vlida decorre unicamente do uso de nossa capacidade racional, da liberdade da nossa vontade e, sobretudo, da orientao que, por educao, imprimimos nossa vontade para que se torne boa ou para que seja absolutamente boa. Nesse sentido, fica patente que Kant rejeita as concepes morais predominantes at ento, quer seja da filosofia grega, quer seja da crist, e que norteiam a ao moral a partir de condicionantes como a felicidade ou o interesse privado. Por exemplo, para Kant no faz sentido agir bem com o objetivo de ser feliz ou evitar a dor, ou ainda para alcanar o cu ou no merecer a punio divina. O agir moralmente funda-se exclusivamente na razo. A lei moral que a razo descobre universal, pois no se trata de descoberta subjetiva (mas do homem enquanto ser racional) e necessria, pois ela que preserva a dignidade dos homens. Isso pode ser sintetizado nas seguintes afirmaes do prprio Kant (1988, p. 34):"Age de tal modo que a mxima de tua ao possa sempre valer como princpio universal de conduta"; "Age sempre de tal modo que trates a Humanidade, tanto na tua pessoa como na do outro, como fim e no apenas como meio". Lei moral a expresso de um princpio moral, sob forma que explicite o que o bem e o mal, a partir do qual se pode justificar a validade das normas ou valores morais por ele aceitos como fonte de sentido para a sua existncia.

A autonomia da razo para legislar supe a liberdade e o dever. Pois todo imperativo se impe como dever, mas a exigncia no heternoma exterior e cega e sim livreniente assumida pelo sujeito que se autodetermina. Vamos exemplificar: suponhamos a norma moral "no roubar. Para a concepo crist, o fundamento da norma se encontra no stimo mandamento de Deus. No entanto, para os tericos jusnaturalistas (como Rousseau e Hobbes), ela se funda no direito natural, comum a todos os homens; por outro lado, para os empiristas (como Locke, Condillac) a norma deriva do interesse prprio, pois o sujeito que a desobedece ser submetido ao desprazer, censura pblica ou priso.

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Para Kant, a norma se enraza na prpria natureza da razo; ao aceitar o roubo e consequentemente o enriquecimento ilcito, elevando a mxima (pessoal) ao nvel universal, haver uma contradio: se todos podem roubar, no h como manter a posse do que foi furtado. A reflexo tica de Kant foi importante para fornecer as categorias da moral iluminista racional, laica, acentuando o carter pessoal da liberdade. Mas, a partir do final do sculo XIX e ao longo do sculo XX, os filsofos comeam a se posicionar contra a moral formalista kantiana fundada na razo universal, abstrata, e tentam encontrar o homem concreto da ao moral. nesse sentido que podemos compreender o esforo de pensadores to diferentes como Marx, Nietzsche, Freud, Kierkegaard e os existencialistas. Vejamos a posio de Nietzsche. O pensamento de Nietzsche (18441900) se orienta no sentido de recuperar as foras inconscientes, vitais, instintivas subjugadas pela razo durante sculos. Para tanto, critica Scrates por ter encaminhado pela primeira vez a reflexo moral em direo ao controle racional das paixes. Segundo Nietzsche, nasce a o homem desconfiado de seus instintos, tendo essa tendncia culminado com o cristianismo, que acelerou a "domesticao" do homem (ARANHA, 2003). Segundo Machado (1999), em diversas obras, como A genealogia da moral, Para alm do bem e do mal e Crepsculo dos dolos Nietzsche faz a anlise histrica da moral e denuncia a incompatibilidade entre esta e a vida. Em outras palavras, o homem, sob o domnio da moral, se enfraquece, tornando-se doentio e culpado. Nietzsche relembra a Grcia homrica, do tempo das epopeias e das tragdias, considerando-a como o momento em que predominam os verdadeiros valores aristocrticos, quando a virtude reside na fora e na potncia, sendo atributo do guerreiro belo e bom, amado dos deuses. Nessa perspectiva, o inimigo no mau: "Em Homero, tanto o grego quanto o troiano so bons. No passa por mau aquele que nos inflige algum dano, mas aquele que desprezvel". Ao fazer a crtica da moral tradicional, Nietzsche preconiza a "transvalorao de todos os valores" e denuncia a falsa moral, "decadente", "de rebanho", "de escravos", cujos valores seriam a bondade, a humildade, a piedade e o amor ao prximo. Tambm, contrape a ela a moral "de senhores", uma moral positiva que visa conservao da vida e dos seus instintos fundamentais. A moral de senhores positiva, porque baseada no sim vida e se

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configura sob o signo da plenitude, do acrscimo. Por isso, ela funda-se na capacidade de criao, de inveno, cujo resultado a alegria, consequncia da afirmao da potncia. O homem que consegue superar-se o super-homem, diz Nietzsche apud MACHADO (1999, p. 67). moral aristocrtica, moral de senhores, que sadia e voltada para os instintos da vida, Nietzsche contrape o pensamento socrtico-platnico (que provoca a ruptura entre o trgico e o racional) e a tradio da religio judaicocrist. A moral que deriva da a moral de escravos, moral decadente, porque baseada na tentativa de subjugao dos instintos pela razo, o homemfera, animal de rapina, transformado em animal domstico ou cordeiro. De acordo com Nietzsche, a moral plebeia estabelece um sistema de juzos que considera o bem e o mal valores metafsicos transcendentes, isto , independentes da situao concreta vivida pelo homem. O que proveitoso constitui o valor. O homem o criador de valores, mas se esquece de sua criao. A moralidade o instinto gregrio do indivduo, pois quem punido quem pratica os atos. Para Nietzsche, na sociedade, existem os instintos de rebanho. Atribui-se s palavras um sentido fixo e acha que ela espelha a realidade, que tem carter transitrio. O homem chega, pelos costumes, convico de que preciso obedecer. No inverso disso, existe o prazer, a autodeterminao e a liberdade de vontade. De acordo com Nietzsche (1987, p. 45):Qual a genealogia da moral, isto , a origem do conceito bom?] (...) O juizo bom nao provm daqueles aos quais se fez o bem! Foram os bons mesmos, isto , os nobres, poderosos, superiores em posio e em pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposio a tudo o que era baixo, de pensamento baixo, vulgar e plebeu (...).

De uma forma geral, o que Nietzsche denomina de valor e, ao contrrio do que poderamos pensar, no uma entidade utilizada para ajuizamento moral, mas o nome com que se designa todo tipo de manifestao engendrada por esse conflito. Quanto a sua apreenso, os valores podem apresentar-se sob duas disposies fundamentais para o filsofo em questo:

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1.

disposio afirmativa, como aquela que se faz em sintonia com o lance e cadncia do citado binmio, afirmando-o como modo estrutural da realidade em sua gnese;

2.

disposio reativa, que no se conforma com este modo constitutivo, fazendo que irrompa uma perspectiva derivada, que se arroga no direito de requerer um modo de realizao da existncia diverso do que se d nessa instaurao.

Estes modos dos valores so possibilidades de realizao dessa vida para Nietzsche. Estes, por estarem articulados com o prprio modo de dar-se da vida, isto , com o movimento da vontade, so sempre passveis de apreenso atravs de duas disposies fundamentais: as disposies afirmativas e reativas. Respectivamente, aquelas que indicam sintonia e dissintonia com a compreenso de vida como valor. No primeiro caso, a disposio afirmativa surge na sintonia com uma perspectiva que se constri a partir do aquecimento do modo de ser sempre eterno da gnese de realidade, celebrando a vida enquanto experincia de criao (Cf. MACHADO, 1999, p. 78). De acordo com Machado (1999), a esse processo Nietzsche chama vontade criadora. No segundo caso, a disposio negativa irrompe em uma perspectiva que, ao se instaurar, nega a si mesma enquanto perspectiva e se arroga o direito de determinar para alm de toda e qualquer instncia de realizao o modo de ser da totalidade dos entes. Esta a compreenso da verdade, como uma instncia que surge em funo da separao radical frente ao mundo fenomnico, e recebe o nome de vontade de verdade. O que Nietzsche revela com isso que os escravos negam os valores vitais e resulta na passividade, na procura da paz e do repouso. Nesta perspectiva, o homem se torna enfraquecido e diminudo em sua potncia. A alegria transformada em dio vida, isto , o dio dos impotentes. A conduta humana, orientada pelo ideal asctico, torna-se marcada pelo ressentimento e pela m conscincia. O ressentimento nasce da fraqueza e nocivo ao fraco. Por sua vez, para Nietzsche, o homem ressentido, incapaz de

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esquecer, como o dispptico: fica "envenenado" pela sua inveja e impotncia de vingana. Ao contrrio, o homem nobre sabe "digerir" suas experincias e esquecer uma das condies de manter-se saudvel. A m conscincia ou sentimento de culpa o ressentimento voltado contra si mesmo, da fazendo nascer a noo de pecado, que inibe qualquer ao. Neste sentido, o ideal asctico nega a alegria da vida e coloca a mortificao como meio para alcanar a outra vida num mundo superior, do alm. Assim, as prticas de altrusmo destroem o amor de si, domesticando os instintos e produzindo geraes de fracos. por isso que, contra o enfraquecimento do homem, contra a transformao de fortes em fracos (tema constante da reflexo nietzschiana), necessrio assumir uma perspectiva alm de bem e mal, isto , "alm da moral". Mas, por outro lado, para alm de bem e mal no significa para alm de bom e mau. A dimenso das foras, dos instintos, da vontade de potncia, permanece fundamental. "O que bom? Tudo que intensifica no homem o sentimento de potncia, a vontade de potncia, a prpria potncia. O que mau? Tudo que provm da fraqueza (MACHADO, 1999, p. 77). IMPORTANTE: Os pontos de vistas ticos apresentados no so os nicos existentes e nem representam a totalidade dos problemas relativos a tica. Existem vrias doutrinas que se debruaram sobre o tema da tica apresentado e refletindo sobre seus fundamentos e aplicacaes. Cabe neste momento, apresentar as principais teorias ou doutrinas de tica e suas respectivas especifidades tericas: egosmo tico: pressupe que devemos agir apenas em funo do nosso interesse pessoal. A nica obrigao moral promovermos o nosso prprio bemestar. Critrio moral: so as consequncias que as aes tm para ns prprios que as tornam certas ou erradas. O egosmo tico , portanto, uma teoria consequencialista: o que conta so as consequncias que as aes tm para ns prprios. Regra moral bsica: age sempre e apenas em funo do teu prprio bem-estar;

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utilitarismo tico: pressupe que devemos agir com a finalidade de promover o mximo de bem-estar a um maior nmero possvel de pessoas, numa perspectiva imparcial. O utilitarismo tambm uma teoria consequencialista: o que conta so as consequncias que as aes tm para a generalidade das pessoas (e no j apenas para ns prprios). Critrio moral: so as consequncias que as aes tm para o maior nmero de pessoas que as tornam certas ou erradas. Sendo assim, uma ao est moralmente certa apenas quando maximiza o bem-estar, ou seja, quando promove tanto quanto possvel o bemestar e est errada quando no o promove. Regra moral bsica: age de tal modo que as tuas aes possam proporcionar o maior bem possvel ao maior nmero de pessoas, imparcialmente consideradas; tica deontolgica: pressupe que devemos agir de acordo com o Dever e no pensar nas consequncias das nossas aes. A pergunta a fazer : toda as pessoas deveriam fazer o mesmo em idnticas circunstncias? A tica deontolgica , portanto, uma teoria anticonsequencialista. O critrio moral desta a relao das aes com os deveres universais (so os esmos para todos os seres humanos) que as tornam certas ou erradas. H, portanto, aes intrinsecamente ms (ou seja, so ms em si mesmas), ainda que tenham consequncias boas. Desse modo, uma ao est moralmente certa quando no infringe os nossos deveres e est errada quando infringe intencionalmente algum desses deveres. Regra moral bsica: age de tal modo que as tuas aes possam valer para todo o ser racional, sem nunca infringir os deveres universais.

SUGESTO DE FILME Pegue seu caderno de anotaes, sente-se e assista ao filme A Letra Escarlate de Douglas Day Stewart, baseado em livro de Nathaniel Hawthorne. Ele contextualizar melhor ainda o contedo que voc acabou de estudar.

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LEITURA COMPLEMENTAR Visando enriquecer seu processo de aprendizagem, procure efetuar a leitura complementar dos seguintes textos: ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. FILOSOFANDO - Introduo Filosofia. 3 edio. So Paulo: Editora Moderna, 2001. 439p. MACHADO, R. Nietzsche e a verdade. So Paulo: Brochura, 1999. 116p. HAMLYN, D. W. Uma histria da filosofia ocidental. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1990. 416p. GRENZ, S. J. & SMITH, J. T. Dicionrio de tica. 1 Edio. So Paulo: Brochura, 2005. 184p. VALLS, . L.M. O que tica. 9a edio. So Paulo: Ed. Brasiliense, 1996. 84p. PARSONS, H. As razes humanas da moral: Moral e sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. 300p. VAZQUEZ, A. S. tica. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001. 304p. PEREIRA, O. O que moral? So Paulo: Brasiliense, 1996. 90p.

HORA DE SE AVALIAR! Lembre-se de realizar as atividades propostas no caderno de exerccios! Elas so fundamentais para ajud-lo a fixar o contedo terico trabalhado, a sistematizar as ideias e os conceitos apresentados, alm de proporcionar a sua autonomia no processo ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija suas respostas no caderno de exerccios e depois as envie atravs do nosso ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Procure interagir permanentemente conosco e utilize todos os recursos didticos e pedaggicos disponibilizados com o objetivo de aprimorar a sua formao acadmica.

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Nesta unidade, voc estudou o contexto histrico do surgimento da tica e da moral, assim como os principais conceitos e definies que as envolvem. Apresentamos a problemtica da distino entre tica e moral, assim como as suas respectivas definies e objetos de estudo. Alm disso, esboamos, de forma esquemtica, os aspectos histricos e sociais da tica e da moral, objetivando situar voc nos elementos do contexto do desenvolvimento da humanidade. Na prxima unidade, discutiremos alguns dos problemas fundamentais no qual a tica se ocupa. Trata-se, portanto, de apresentar a voc os temas recorrentes da tica, tais como, a conscincia moral e os valores ticos e a dicotomia liberdade versus determinismo, a felicidade, a virtude e a amizade.

Bons estudos e at a prxima unidade!

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Exerccios - unidade 1

1 QUESTO: Assinale a letra correspondente alternativa que preenche CORRETAMENTE as lacunas do texto a seguir: Vzquez (2001, p. 12) afirma que a tica a ________ do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, a cincia de uma forma especfica do ___________. a) b) c) d) e) Senso comum ou cincia - comportamento antissocial Hermenutica ou cincia - comportamento surreal Teoria ou cincia - comportamento humano Psicologia jurdica - comportamento social Teoria ou anticincia - comportamento antirreal

2 QUESTO: Qual das alternativas abaixo NO se relaciona aos pressupostos da tica? a) b) c) d) A tica relaciona-se com a cincia. A tica relaciona-se com avaliao da conduta humana. A tica uma cincia normativa. Os problemas ticos caracterizam-se pela sua particularidade e a ausncia de critrios normativos e cientficos. e) A funo fundamental da tica a mesma de toda teoria: explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elaborando os conceitos correspondentes. 3 QUESTO: Segundo Robert Srour: Enquanto a moral tem uma base histrica, o estatuto da tica terico, corresponde a uma generalidade abstrata e formal (SROUR, 2000, p. 270). Seguindo a afirmativa de Srour, indique qual das alternativas abaixo corresponde ao correto sentido da moral.

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a)

A moral implica uma relao livre e consciente entre os indivduos ou entre estes e a comunidade.

b) c) d)

A moral no se relaciona em nada com a tica. A moral no cumpre uma funo social bem definida. A moral no possui um carter social, porque os indivduos se sujeitam a princpios, normas ou valores socialmente estabelecidos.

e)

A moral possui um carter social, porque os indivduos se sujeitam a princpios, normas ou valores socialmente construdos com base em normas artificiais.

4 QUESTO: Mesmo considerando a origem divina das ideias morais, por intermdio das quais os indivduos adquirem conscincia dos meios adequados sua elevao ao plano espiritual dos valores perenes, a investigao do problema da moral no pode desprezar os processos histricos responsveis de fato pelos mecanismos de criao, funcionamento e aplicao dos padres e das regras morais. Como base nesta explicao, podemos afirmar que: a) o mbito da moral passa a existir como um trao de desinformao que se recebe no processo de interao e de identificao a priori. b) c) as regras morais em nada correspondem aos pressupostos morais. os costumes nunca dizem como cada homem deve agir em situaes concretas em funo daquilo que a comunidade considera como sendo o bem e o mal. d) e) o termo imoral significa algo que o mesmo que o de moral. todas as sociedades humanas possuem valores padres, normas de conduta e sistemas que garantem a aplicao e o funcionamento das mesmas.

5 QUESTO: No somente o critrio cientfico que a moral justifica-se. Ela pode ainda ser justicada por alguns critrios. Entre estes critrios podemos apontar:

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a) b) c) d) e)

o critrio de justificao social e o critrio de justificao prtica. o critrio de justificao metafsica e o critrio de justificao anrquica. o critrio de justificao eloquente e o critrio de justificao factual. o critrio de justificao ilusrio e o critrio de justificao fatdico. o critrio de justificao anormal e o critrio de justificao multissocial.

6 QUESTO: As doutrinas ticas nascem e se desenvolvem em diferentes pocas e sociedades como respostas aos problemas bsicos apresentados pelas relaes entre os homens e, em particular, pelo seu comportamento moral efetivo. Uma dessas doutrinas o egosmo tico. Sobre esta doutrina afirma-se: a) que devemos agir com a finalidade de promover o mnimo de bem-estar a um menor nmero possvel de pessoas, numa perspectiva imparcial. b) que devemos agir de acordo com o corao e a mente e no pensar nas consequncias das nossas aes. c) que devemos agir de acordo com o Dever e no pensar nas consequncias das nossas aes. d) que devemos agir com a finalidade de promover o mximo de bem-estar a um maior nmero possvel de pessoas, numa perspectiva imparcial. e) que devemos agir apenas em funo do nosso interesse pessoal. Para esta a nica obrigao moral promovermos o nosso prprio bem-estar.

7 QUESTO: No sentido geral, a palavra tica origina-se do grego antigo [ ] "filosofia moral" e do adjetivo (thos) que quer dizer

"costume, hbito". Diferentemente dos gregos, os romanos utilizavam a palavra latina mos (mores) para designar o costume ou costumes. Foi a partir deste termo romano que surge o modo como entendemos o significado de moral na lngua portuguesa. Diante do exposto, podemos afirmar que:

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a)

na nossa Lngua, os dois termos, tica e moral, implicam, simultaneamente, de alguma forma, nos dois diferentes significados antigos e, de fato, tanto a tica quanto a moral, incidem sobre estas duas dimenses, ou seja, uma valorao do homem como tal e do seu agir de conformidade ou no aos costumes e tradio.

b)

na nossa Lngua, os dois termos, tica e moral, implicam, simultaneamente, de alguma forma, os dois diferentes significados antigos e, de fato, tanto a tica quanto a moral, no incidem sobre estas duas dimenses, ou seja, uma valorao do homem como tal e do seu agir de conformidade ou no aos costumes e tradio.

c)

na nossa Lngua, os dois termos, tica e moral, no implicam, simultaneamente, de alguma forma, nos dois diferentes significados antigos e, de fato, tanto a tica quanto a moral, incidem sobre estas duas dimenses, ou seja, uma valorao do homem como tal e do seu agir de conformidade ou no aos costumes e tradio.

d)

na nossa Lngua, os dois termos, tica e moral, implicam, simultaneamente, de alguma forma, nos dois diferentes significados antigos e, de fato, tanto a tica quanto a moral no relaciona-se as duas dimenses, ou seja, uma valorao do homem como tal e do seu agir de conformidade ou no aos costumes e tradio.

e)

na nossa Lngua, os dois termos, tica e moral, diferem, simultaneamente, de alguma forma, dos dois diferentes significados antigos e, de fato, tanto a tica quanto a moral, afasta-se das dimenses contempornea e medieval, ou seja, uma valorao do homem como tal e do seu agir de conformidade ou no aos costumes e tradio.

8 QUESTO: Apesar de serem conceitos aparentemente idnticos, tica e moral possuem diferenas fundamentais. O ato de perceber os valores, de avaliar as nossas aes de acordo com o que bom e o que mau, ou quais so justas e injustas, corretas ou no o que, de certa forma, diferencia o comportamento humano do comportamento animal. Neste contexto, podemos dizer que:

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a)

para o animal, o campo da moralidade inacessvel, pois seu comportamento jamais pode ser guiado pelos seus instintos imediatos. Os seres humanos, por sua vez, possuem a conscincia moral, ou seja, a faculdade de observar a prpria conduta e formular juzos sobre os atos passados, presentes e as intenes futuras.

b)

para o animal, o campo da moralidade completamente acessvel, pois seu comportamento guiado pelos seus instintos imediatos. Os seres humanos, por sua vez, possuem a conscincia moral, ou seja, a faculdade de observar a prpria conduta e formular juzos sobre os atos passados, presentes e as intenes futuras.

c)

para o animal, o campo da moralidade inacessvel, pois seu comportamento guiado pelos seus instintos imediatos. Os seres humanos, por sua vez, possuem a conscincia moral, ou seja, a faculdade de observar a prpria conduta e formular juzos sobre os atos passados, presentes e as intenes futuras.

d)

para o animal, o campo da moralidade inacessvel, pois seu comportamento guiado pelos seus instintos imediatos. Os seres humanos, por sua vez, possuem a conscincia amoral, ou seja, a faculdade de observar a prpria conduta e formular juzos sobre os atos passados, presentes e as intenes futuras.

e)

para o animal, o campo da moralidade inacessvel, pois seu comportamento guiado pelos seus razes imateriais. Os seres humanos, por sua vez, possuem a conscincia moral, ou seja, a faculdade de observar a prpria conduta e formular juzos sobre os atos passados, presentes e as intenes futuras.

9 QUESTO: A experincia moral comum a todos os homens, em todas as sociedades. Entretanto, nem todos so capazes de desenvolver uma crtica do contedo da moral. Essa , portanto, tarefa da tica. Como voc sabe h uma tendncia de empregar indiscriminadamente os termos moral e tica. Em que consiste a moral?

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10 QUESTO: De acordo com Vzquez (2001, p. 10): A funo fundamental da tica a mesma de toda teoria: explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elaborando os conceitos correspondentes. Por outro lado, a realidade moral varia historicamente e, com ela, variam os seus princpios e as suas normas. Comente esta considerao de Vzquez. __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________

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Problemas ticos e problemas morais: conscincia moral, virtude, amizade, liberdade e felicidade.A conscincia moral e os valores ticos. A busca da felicidade: virtude e o bem viver em Aristteles. Aristteles e a amizade como um problema tico-moral. Pensando a liberdade: La Botie e Sartre.

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Na unidade anterior, voc teve a oportunidade de estudar o processo histrico da moral e da tica, assim como seus conceitos e definies mais relevantes. Nesta unidade, discutiremos alguns dos problemas fundamentais no qual a tica se ocupa. Trata-se, portanto, de apresentar a voc os temas recorrentes da tica, tais como, a conscincia moral e os valores ticos e a dicotomia liberdade versus determinismo e a liberdade versus responsabilidade. Para tanto, apresentaremos o ponto de vista filosfico sobre esta problemtica em La Botie e Sartre. Alm disso, buscaremos debater o que ser virtuoso e o que necessrio para ser feliz, segundo a perspectiva de Aristteles. Esperamos que voc desfrute dessa discusso e compreenda estes conceitos to fundamentais na nossa prtica cotidiana. Vamos l!

Objetivos da unidade Fornecer alguns dos problemas norteadores da tica. Discutir sobre a problemtica da liberdade, da responsabilidade e do determinismo nos filsofos La Botie e Sartre. Compreender as noes de felicidade, amizade e virtude na reflexo filosfica de Aristteles. Avaliar a direo para a qual nossos valores ticos dirigem-se no mundo em que vivemos hoje.

Plano da unidade A conscincia moral e os valores ticos. A busca da felicidade: virtude e o bem viver em Aristteles. Aristteles e a amizade como um problema tico-moral. Pensando a liberdade: La Botie e Sartre.

Bons estudos!

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A conscincia moral e os valores ticos

A ideia de valor tem sido objeto de muitas reflexes ao longo da histria da filosofia. No cabe expor os pormenores deste debate nem o seu desdobramento na contemporaneidade. No entanto, propomos a voc as seguintes noes gerais sobre os conceitos de valor e valorar: os valores no so coisas. No podem ser percebidos como se percebe as coisas, pois os valores so qualidades que as coisas tm, mas que no esto nas coisas de modo real e sensvel, como esto a figura, o peso, a cor, etc; o valor no se caracteriza pelo prazer que produz, se o produz. errneo dizer que as coisas so valiosas porque nos produzem prazer. Na realidade, os valores valem independentemente do prazer que produzem. os valores podem se classificados tambm em valores-meio e valoresfim. Os valores-meio so aqueles cuja valia consiste em servir para a obteno de outros valores. Por sua vez, os valores-fim so os que valem por si e sem necessidade de servirem obteno de outros valores. Diante desses apontamentos gerais, podemos adiant-lo que valorar implica uma avaliao e uma apreciao pelo qual emitimos juzos. Diante disso, toda moral e toda tica se relacionam diretamente aos juzos, que so avaliaes e apreciaes seja da melhor forma de vida, seja da boa ou m ao. Sendo assim, os valores so nada mais do que regras que orientam a conduta humana, servindo de padro s deliberaes dos indivduos e dando coerncia sua vida social. Neste momento, voc deve estar indagando sobre o que um juzo. Pois bem, juzos so avaliaes e apreciaes da melhor ou pior forma de vida e da boa ou m ao. No entanto, podemos identificar dois tipos principais de juzos. Por exemplo: se dissermos est amanhecendo, estaremos enunciando um acontecimento constatado por ns e o juzo proferido um juzo de fato. Se, porm, falarmos o amanhecer bom para os animais ou o amanhecer esplndido, estaremos interpretando e avaliando um acontecimento. Nesse caso, proferimos um juzo de valor.

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Os juzos de fato so aqueles que dizem o que as coisas so, como so e por que so. Em nossa vida cotidiana, mas tambm na metafsica e nas cincias, os juzos de fato esto presentes. Diferentemente deles, os juzos de valor avaliaes sobre coisas, pessoas e situaes so proferidos na moral, nas artes, na poltica e na religio. Estes juzos avaliam coisas, pessoas, aes, experincias, acontecimentos, sentimentos, estados de esprito, intenes e decises como bons ou maus, desejveis ou indesejveis. Todos os juzos ticos de valor so normativos, isto , enunciam normas que determinam o dever ser de nossos sentimentos, nossos atos e nossos comportamentos. Estes juzos determinam obrigaes e avaliam intenes e aes segundo o critrio do correto e do incorreto. Por outro lado, os juzos ticos normativos nos dizem quais sentimentos, intenes, atos e comportamentos devemos ter ou fazer para alcanarmos o bem e a felicidade. Alm disso, enunciam que atos, sentimentos, intenes e comportamentos so condenveis ou incorretos do ponto de vista moral vigente.

IMPORTANTE: Cabe indagar: qual a origem da diferena entre os dois tipos de juzos, isto , os de fato e os de valor? A diferena est na distino entre a natureza e a cultura. A primeira constituda por estruturas e processos necessrios, que existem em si e por si mesmos, independentemente de ns: o amanhecer um fenmeno cujas causas e cujos efeitos necessrios podemos constatar e explicar. Por sua vez, a cultura nasce da maneira como os seres humanos interpretam a si mesmos e suas relaes com a natureza, acrescentandolhe sentidos novos, intervindo nela, alterando-a atravs do trabalho e da tcnica, dando-lhe valores. Dizer que o amanhecer bom para as plantas pressupe a relao cultural dos humanos com a natureza, atravs da agricultura. Considerar o amanhecer belo pressupe uma relao valorativa dos humanos com a natureza, percebida como objeto de contemplao.

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Com efeito, para que haja conduta tica, preciso que exista o agente consciente (a conscincia moral), isto , aquele que conhece a diferena entre bem e mal, certo e errado, permitido e proibido, virtude e vcio. A conscincia moral no s conhece tais diferenas, mas tambm se reconhece como capaz de julgar o valor dos atos e das condutas e de agir em conformidade com os valores morais, sendo por isso responsvel por suas aes e seus sentimentos e pelas consequncias do que faz e sente. Conscincia e responsabilidade so condies indispensveis da vida tica (Cf. VZQUEZ, 2001). A conscincia moral manifesta-se, antes de tudo, na capacidade para deliberar diante de alternativas possveis, decidindo e escolhendo uma delas antes de lanar-se na ao. Esta possui a capacidade para avaliar e refletir as motivaes pessoais, as exigncias feitas pela situao, as consequncias para si e para os outros, a conformidade entre meios e fins empregar meios imorais para alcanar fins morais impossvel , a obrigao de respeitar o estabelecido ou de transgredi-lo se o estabelecido for imoral ou injusto. Em outras palavras, a conscincia moral diz respeito a uma escuta individual que todos temos como seres racionais e que s vezes faz com que sintamos remorso por ter agido de uma forma em vez de outra. Ou seja, pela conscincia moral, operam-se julgamentos de adequao entre comportamentos escolhidos voluntariamente e ideais de conduta adotados pela mxima a que se deve obedecer. Por essa razo, o conceito de conscincia moral est estritamente vinculado com o conceito de obrigatoriedade. Cabe observar que as normas obrigatrias mantm-se sempre em um plano geral e, por conseguinte, no fazem referncia ao modo de agir em cada situao concreta ou especifica. a conscincia moral que, neste caso, atua informando-se da situao concreta e com a ajuda das normas estabelecidas interioriza-as, tomando as decises que consideramos adequadas e internamente julga os seus prprios atos como morais ou no (Cf. VZQUEZ, 2001). O ato amoralmente vlido subdivide-se em duas formas fundamentais: o normativo e o fatual.

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Normativo: constitudo pelas normas ou regras de ao e pelos imperativos que enunciam algo que deve ser;

Fatual: constitudo por certos atos humanos que se realizam efetivamente, ou seja, que so independentemente de como pensamos que deveriam ser.

No mbito normativo, estas regras postulam determinados comportamentos, tais como: cumpra o seu dever como cidado; ama a teu prximo como a ti mesmo, etc. importante frisar que o normativo e o fatual no coincidem, mas encontram-se em mtua relao. O normativo exige ser realizado e, dessa forma, orienta-se no sentido do fatual. Assim, o realizado ou o fatual somente possui algum significado moral na medida em que pode ser referido a uma norma. No existem normas que sejam indiferentes sua realizao, nem existem fatos que na esfera moral no sejam vinculados com as normas vigentes. Desse modo, o normativo e o factual no mbito da moral so dois planos que podem ser distinguidos, mas no podem ser completamente apartados. A seguir, vamos discutir a problemtica da virtude e da felicidade em Aristteles. Note ao longo da discusso como o filsofo apresenta de forma clara e distinta a relao da felicidade e a virtude em relao ao bem viver.

A busca da felicidade: virtude e o bem viver em AristtelesSegundo Savater (2002), se considerarmos que o preceito fundamental da tica aquele que diz respeito ao saber-viver ou a arte de viver, ento podemos afirmar que os homens agem em direo ao viver e, acima de tudo, ao viver bem. Ora, para viver bem, preciso alguns requisitos fundamentais que satisfaam as exigncias mnimas para alcanar este fim ou objetivo proposto. Entre estes requisitos est a felicidade. Para Aristteles, a felicidade o resultado do saber viver. Entendendo a tica como a arte de viver; o resultado desse viver seria, portanto, a felicidade. O que necessrio fazer para atingir a virtude e, portanto, ser feliz? A virtude, que segundo Aristteles, o que vai garantir ao homem a felicidade, o hbito que torna o homem bom e lhe permite cumprir bem a sua tarefa, a virtude racional, conforme e constante. (Cf. ARISTTELES, 2001).

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Na obra tica a Nicmacos, Aristteles discute a finalidade de toda arte, indagao, ao e propsito da vida humana e conclui que sempre o bem a que todas visam. Ao debater qual seria este bem que a finalidade da vida humana, o filsofo nos apresenta a felicidade. S que, simultaneamente, afirma que a felicidade o bem supremo e indaga pela funo prpria do homem. De acordo com este:(...) o bem para o homem vem a ser o exerccio ativo das faculdades da alma de conformidade com a excelncia, e se h mais de uma excelncia, de conformidade com a melhor e mais completa entre elas. Mas devemos acrescentar que tal exerccio ativo deve estender-se por toda a vida, pois uma andorinha no faz vero (...); da mesma forma um dia s, ou um