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1 OLHARES DOCENTES SOBRE O LIVRO DIDÁTICO DA COLEÇÃO GIRASSOL “SABERES E FAZERES DO CAMPO” Maricélia Ferreira Batista 1 2 Ivânia Paula Freitas de Souza RESUMO O livro didático da coleção Girassol: Saberes e Fazeres do campo sugerido pelo Programa Nacional do Livro Didático - PNLD- adotado nas escolas do campo multisseriadas do Brasil, representam uma conquista importante para a Educação do Campo. Buscou-se nesse estudo, evidenciar o olhar dos professores sobre este material tendo como parâmetro de análise, princípios e recomendações dispostos nas Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo, bem como nas resoluções complementares (Resolução de Nº 2 de 28 de abril de 2008 e Decreto Nº 7.352 de 10 de novembro de 2010). Utilizou-se como base de análise, a pesquisa realizada com 06 professoras da rede de ensino do município constante da monografia apresentada por um grupo de quatro alunas professoras da PARFOR de Pedagogia do Campus VII no ano de 2014. Os resultados da pesquisa apontam que o livro didático Saberes e Fazeres do Campo atende a legislação em voga embora, o estudo aponte outras questões a serem consideradas no processo de elaboração do livro didático para as escolas do campo multisseriadas. Palavras chaves: Educação do Campo. Escolas Multisseriadas. Livro didático. 1 Graduanda do curso de licenciatura em pedagogia da PARFOR Plataforma Freire Universidade do Estado Da Bahia-Uneb, Campus VII [email protected] 2 Prof.ª orientadora, Mestre em Educação, Ivânia Paula Freitas de Souza [email protected] 3- Este artigo foi elaborado tendo como suporte a monografia: Análise do livro didático da coleção Girassol: Saberes e Fazeres do campo - apresentada como trabalho de conclusão de curso de Licenciatura em PedagogiaPARFOR Plataforma Freire, elaborada pelas alunas pesquisadoras Eliana da Silva, Fabiana Bonfim Santos, Manuela Carvalho Reis e Maricélia Ferreira Batista.

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    OLHARES DOCENTES SOBRE O LIVRO DIDTICO DA COLEO

    GIRASSOL SABERES E FAZERES DO CAMPO

    Mariclia Ferreira Batista1

    2Ivnia Paula Freitas de Souza

    RESUMO

    O livro didtico da coleo Girassol: Saberes e Fazeres do campo sugerido pelo

    Programa Nacional do Livro Didtico - PNLD- adotado nas escolas do campo

    multisseriadas do Brasil, representam uma conquista importante para a Educao do

    Campo. Buscou-se nesse estudo, evidenciar o olhar dos professores sobre este material

    tendo como parmetro de anlise, princpios e recomendaes dispostos nas Diretrizes

    Operacionais para a Educao do Campo, bem como nas resolues complementares

    (Resoluo de N 2 de 28 de abril de 2008 e Decreto N 7.352 de 10 de novembro de

    2010). Utilizou-se como base de anlise, a pesquisa realizada com 06 professoras da

    rede de ensino do municpio constante da monografia apresentada por um grupo de

    quatro alunas professoras da PARFOR de Pedagogia do Campus VII no ano de 2014.

    Os resultados da pesquisa apontam que o livro didtico Saberes e Fazeres do Campo

    atende a legislao em voga embora, o estudo aponte outras questes a serem

    consideradas no processo de elaborao do livro didtico para as escolas do campo

    multisseriadas.

    Palavras chaves: Educao do Campo. Escolas Multisseriadas. Livro didtico.

    1 Graduanda do curso de licenciatura em pedagogia da PARFOR Plataforma Freire Universidade do

    Estado Da Bahia-Uneb, Campus VII [email protected] 2 Prof. orientadora, Mestre em Educao, Ivnia Paula Freitas de Souza [email protected]

    3- Este artigo foi elaborado tendo como suporte a monografia: Anlise do livro didtico da coleo

    Girassol: Saberes e Fazeres do campo - apresentada como trabalho de concluso de curso de Licenciatura

    em Pedagogia PARFOR Plataforma Freire, elaborada pelas alunas pesquisadoras Eliana da Silva, Fabiana Bonfim Santos, Manuela Carvalho Reis e Mariclia Ferreira Batista.

  • 2

    1. O contexto do trabalho e seus objetivos

    Historicamente a educao campesina brasileira sempre foi alvo de descaso por parte

    das polticas pblicas educacionais. Para muitos, o campo foi e visto como um lugar

    de atraso e a educao oferecida aos seus povos partiram de referncias urbanas sem

    qualquer preocupao com a identidade o os saberes prprios de suas memrias e

    vivncias.

    A escolarizao no campo se constituiu precria. O que era oferecido no passava do

    bsico: ler e escrever minimamente. O ensino limitado e desvinculado da realidade

    campesina reforou o estigma criado em torno dos povos do campo, como gente de

    menor valor.

    Um passo a frente foi dado com a Lei de Diretrizes e Bases da Educao- LDB-(LEI

    9394/96) que no Art. 28 estabeleceu que na oferta da educao bsica s populaes

    rurais, os sistemas de ensino deveriam atentar-se s peculiaridades da vida no campo e

    de cada regio do pas quanto organizao de seus currculos, metodologias e tempos

    escolares.

    No entanto, foram as Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas escolas do

    campo (Resoluo CNE/CEB n 01, de 03 de abril de 2002) o grande marco

    educacional para os povos rurais. Primeiro por reafirmar a educao como direito de

    todos, no podendo, portanto, se restringir apenas uma parte da populao, j que no

    campo existem milhes de pessoas, sejam elas pequenos agricultores, quilombolas,

    povos indgenas, pescadores, camponeses, assentados, reassentados, ribeirinhos, povos

    da floresta, caipiras, lavradores, roceiros, sem-terra, agregados, caboclos, meeiros, boia-

    fria, entre outros (DIRETRIZES OPERACIONAIS, 2002, p.11).

    A Resoluo de N 2 de 28 de abril de 2008 e o Decreto Presidencial 7.352 de 2010,

    ampliaram as conquistas e avanaram o debate do direito educao para alm a

    educao bsica.

    O avano na legislao, contudo, no foi suficiente para superar de uma vez, os

    problemas diversos presentes nas escolas do campo, a exemplo da ausncia de estrutura

    adequada dos espaos escolares, assistncia pedaggica que viabilize o processo ensino-

    aprendizagem, o calendrio escolar que at ento, no leva em considerao os modos e

    tempos de produo das comunidades, o currculo marcado pela descontextualizao e

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    dentro deles, os contedos programticos dos livros didticos que historicamente

    retratam uma viso dicotmica do urbano e do rural reforando este ltimo, como

    atrasado em relao cidade.

    No intuito de avanar na adequao das propostas das Redes de Ensino s Diretrizes de

    Educao do Campo, o MEC lanou no ano de 2011, um edital para elaborao de livro

    didtico para o campo. Em 2012, os municpios fizeram a escolha do livro e boa parte

    dos municpios escolheu a Coleo Girassol como instrumento norteador do trabalho

    pedaggico nas turmas multisseriadas. A pesquisa tomada como base para este artigo

    foi de cunho qualitativo e exploratrio. Ela ocorreu no municpio de Campo Formoso-

    Ba, com professoras de 06 escolas multisseriadas do campo, no perodo de outubro de

    2013 a maio de 2014 como trabalho de concluso de curso da PARFOR de Pedagogia.

    O objetivo da pesquisa foi investigar como os professores que trabalham com o livro,

    didtico do MEC, analisam e avaliam a abordagem dos contedos por ele trazidos,

    considerando as especificidades sociais, culturais, ambientais, polticas e econmicas

    dos sujeitos do campo conforme se prev na legislao.

    No presente artigo trabalhamos, portanto, refletindo sobre os dados desta pesquisa na

    qual, estivemos envolvidas.

    2. A Educao do Campo

    A Educao do Campo que ganhou visibilidade na sociedade brasileira nas ltimas

    dcadas, difere-se daquela ofertada historicamente s populaes rurais, a qual se

    configurou como uma educao escolar de qualidade ruim. Assim como o prprio

    conceito de campo visto no apenas como espao geogrfico que est para alm dos

    permetros urbanos, mas sim, como espao de produo da vida com cultura e

    identidade prprias.

    A Educao Rural, como ficou conhecida at final dos anos 1990, no se preocupou

    com as identidades dos sujeitos nem tampouco com um projeto diferenciado de vida no

    campo. Os movimentos sociais reivindicaram ao longo da histria uma educao com a

    qual os povos do campo se identificassem sendo ela instrumento de luta e legitimao

    de suas identidades e direitos. Caldart (2008, p. 71) lembra que a,

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    Educao do Campo nasceu como mobilizao/presso de

    movimentos sociais por uma poltica educacional para comunidades

    camponesas: nasceu da combinao das lutas dos Sem Terra pela

    implantao de escolas pblicas nas reas de Reforma Agrria com as

    lutas de resistncia de inmeras organizaes e comunidades

    camponesas para no perder suas escolas, suas experincias de

    educao, suas comunidades, seu territrio, sua identidade.

    A Educao reivindicada pelos movimentos do campo, conforme ressalta Caldart,

    articula-se com a luta por polticas pblicas, especialmente as educacionais, de modo

    que estas considerem os modos prprios de viver no campo, as experincias, saberes, e

    suas razes, numa perspectiva de reconhecimento dos povos do campo como sujeitos de

    direito e do campo no mais como lcus do atraso e das ausncias. Para a autora, o

    projeto de educao est intimamente relacionado a um projeto de campo que se prope

    alm do capital - legitimando o campo como espao de vida e no apenas da produo

    voltada ao mercado.

    3. Uma realidade chamada multisseriao

    A escola multisseriada uma realidade presente no campo brasileiro. Segundo dados do

    Censo Escolar de 2011 elas somam 45.716 escolas em todo o territrio nacional.

    As multisseriadas se constituem como uma forma de organizao do ensino ofertado

    majoritariamente na zona rural, onde um nico professor assume vrias funes que vo

    desde o auxiliar de servios gerais, at o atendimento s crianas da Educao Infantil

    ao 5 ano, em um nico espao concomitantemente.

    Ao longo da histria, essas escolas foram relegadas ao descaso, onde no se tem um

    planejamento especifico para as turmas, os professores tm dificuldades tanto em acesso

    a essas escolas quanto na organizao do tempo para ministrar as aulas e padecem da

    ausncia por parte das secretarias que no oferecem o suporte pedaggico necessrio

    para lidar com o perfil diferenciado destas turmas. Isso acontece porque nesses espaos

    os professores tm que trabalhar com crianas de idade, srie e nveis de aprendizagem

    diferentes e o seu nico recurso , muitas vezes, o livro didtico.

    A Bahia o Estado com o maior nmero de turmas multisseriadas do pas. Segundo

    dados da Universidade Federal do Recncavo Baiano, so 15.500 turmas multisseriadas

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    no estado. Essas escolas esto espalhadas por todo o territrio baiano e o municpio de

    Campo Formoso - lcus da pesquisa aqui estudada- apresenta uma realidade muito

    representativa desses espaos. Segundo dados da Secretaria de Educao do municpio

    (2014) 80 turmas so consideradas multisseriadas por serem turmas formadas por

    alunos do 1 ao 5 ano e 45 turmas so consideradas como multietapa por possurem

    alunos da Educao Infantil aos anos inicias do Ensino Fundamental. Ou seja, a

    multisseriao com diferentes configuraes e denominaes. De certo modo, a negao

    e marginalizao destas turmas pelas Redes de Ensino refletem nos preocupantes

    indicadores levantados nesta pesquisa, dos quais selecionamos os que consideramos

    mais relevantes para dialogar neste trabalho.

    a) Infraestrutura

    O grfico abaixo mostra como est mantida a infraestrutura dessas escolas nas

    comunidades pesquisadas.

    Grfico 1: Condies das Escolas

    Fonte: Questionrio fechado aplicado com os sujeitos da pesquisa

    Constatamos que em nenhuma dessas escolas h gua encanada e uma delas no tem

    energia eltrica (conforme aparece no grfico 1.). Considere-se ainda que, em 2013, o

    MEC publicou a Resoluo N 33 de 9 de Agosto, a qual trata da destinao de recursos

    financeiros via Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) para as escolas pblicas

    da educao bsica do campo, a fim de garantir abastecimento de gua em condies

    apropriadas para consumo e esgotamento sanitrio nas unidades escolares beneficiadas.

  • 6

    Tais Resolues ainda so pouco conhecidas e no se pode avaliar seu efeito na Rede de

    Campo Formoso.

    b) Recursos materiais e tecnolgicos

    A falta de recursos materiais e tecnolgicos nessas escolas evidente. Das 06 escolas

    pesquisadas em nenhuma delas h laboratrio de informtica ou de cincias, biblioteca

    ou rea de lazer. Somente em uma tem computador que segundo relata entrevistada,

    no est instalado, servindo apenas de enfeite para a instituio.

    Grfico 2: Dos recursos tcnicos e tecnolgicos

    Fonte: Questionrio fechado aplicado com os sujeitos da pesquisa

    Considerando o que rege a Legislao de responsabilidade da Unio contribuir para a

    incluso digital, computadores e outras tecnologias comunidade escolar e a populao

    prxima s escolas do campo.

    c) A organizao do trabalho pedaggico nas multisseriadas

    Nos relatos durante a construo dessa pesquisa, vimos como ponto comum que as

    dificuldades enfrentadas pelas docentes em sala de aula so similares, sobretudo, no que

    se refere ao tratamento pedaggico diante da distoro idade/srie dos distintos

    nveis/estgios de aprendizagem, sendo que se destaca o fato dos alunos no

    conseguirem acompanhar os contedos programticos do livro didtico destinado

    srie em que se encontram.

    As turmas pesquisadas possuem de 20 a 30 alunos nos anos iniciais do Ensino

    Fundamental com alunos do 1 ao 5 ano.

  • 7

    O grfico abaixo apresenta o ndice da distoro de idade/srie nas turmas pesquisadas e

    nos chama a ateno, principalmente entre o 4 e 5 ano, onde ainda se v aluno com 17

    anos no 4 ano.

    Grfico 3: Distoro idade/ srie das turmas Fonte: Questionrio fechado aplicado com os sujeitos da pesquisa

    Segundo o Inep (2012), o ndice de distoro3 idade-srie na educao pblica rural do

    Brasil de 19%, na Bahia 34% e em Campo Formoso o nosso lcus de pesquisa de

    32%. Esse dado evidencia negao do direito desses educandos tanto das crianas (que

    acabam por no ter garantidos os saberes necessrios para sua etapa formativa) quanto

    para os mais velhos que deveriam estar frequentando a Educao de Jovens e Adultos.

    Lidar com a variao de nveis de aprendizagens certamente, um dos desafios

    enfrentados pelas professoras. Ao serem questionadas como organizam o planejamento,

    as entrevistadas relatam o seguinte:

    Planejo da seguinte forma, seleciono um assunto, explico para toda a turma,

    depois aplico atividade de acordo com o ano do aluno (P1).

    Na maioria das vezes eu opto por fazer um nico planejamento e colocando

    as dificuldades pra cada srie, dificuldades que no so possveis deles

    estarem resolvendo (P5).

    De acordo com os relatos, as entrevistadas expressam que o livro didtico tem sido at

    hoje utilizado como referncia para a seleo dos contedos a serem trabalhados em

    sala de aula. Isso acontece porque nessas escolas no se tem o Projeto Poltico

    Pedaggico (PPP) e o Plano de curso que deveriam subsidiar a organizao do currculo

    e, portanto, a elaborao do planejamento e organizao das aes da prtica

    3 Dados retirado do site http://www.qedu.org.br/cidade/5093-campo-formoso/distorcao-idade-

    serie?dependence=5&localization=0&stageId=initial_years&year=2012.

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    pedaggica. Ao serem questionadas sobre estes elementos 05 delas afirmaram que nas

    suas escola no tem nenhum dos elementos citados e 01 confirmou que na sua escola

    tem o PPP, mas que no tem acesso ao mesmo. Tal situao se agrava, pela ausncia de

    suporte pedaggico por parte da Secretaria. As entrevistadas relataram a ausncia do

    coordenador pedaggico, afirmando que s tm contato com mesmo, nos encontros de

    planejamento que ocorrem a cada quinze dias.

    4. O livro didtico nas escolas multisseriadas

    A Resoluo de n 40, de 26 de julho de 2011, garantiu a oferta de livros didticos

    apropriados para Educao do Campo. Os livros foram organizados numa perspectiva

    integrada buscando uma relao entre os contedos e as disciplinas e entre os contedos

    das sries dos anos iniciais. . Buscamos compreender como as professoras avaliam esta

    questo, indagando se avaliavam como positiva esta forma de organizao. As

    entrevistadas indicaram que esta organizao um dos pontos fortes do livro

    considerando que h uma perspectiva de continuidade dos contedos abordados o que

    para elas, facilita a apreenso por parte dos alunos. A fala de uma das entrevistadas

    expressa a avaliao do grupo pesquisado.

    Sim para mim sim, primeiro pela questo da praticidade so dois livros

    apenas pros meninos estarem levando pra escola. Eles no tm como

    esquecer. (...) A forma como os contedos vm todos assim acoplados e um

    dando continuidade ao outro tambm facilita por que voc, os livros por se s

    j fazem a interdisciplinaridade (P5).

    Um dos grandes desafios do livro didtico como ele pode contribuir para o aluno se

    identificar frente realidade em que ele vive considerando a diversidade do campo no

    Brasil. Para Pereira (2012, p.18) importante que o livro traga uma abordagem das

    vivncias do homem do campo diferenciada e positiva. Um fator que sempre ficou

    evidente nos livros didticos foi forma como a relao campo e cidade foi abordada. O

    campo como lugar de pessoas inferiores e a cidade como espao de desenvolvimento e

    de pessoas bonitas e felizes. Considerando ser necessrio superar tal viso,

    questionamos como as entrevistadas avaliavam esse aspecto no livro.

    Os relatos mostram que o livro adotado faz uma abordagem diferenciada desta relao

    evidenciando a interdependncia entre os dois espaos.

  • 9

    A coleo trabalha com o objetivo de mostrar que um depende do

    outro para crescer (P1).

    A coleo representa um novo olhar sobre a educao do campo, e de

    como ela est prxima a nossa realidade. A coleo ela faz uma

    juno entre o campo e a cidade, partindo do individuo para

    coletividade, do local para o global (P3).

    Os relatos das entrevistadas mostram que o livro Saberes e Fazeres do campo cumpre o

    que est posto na Legislao no que concerne superao da dicotomia cidade/campo

    rural/urbano bem como na constituio de uma viso mais positiva do campo, conforme

    revelam os relatos abaixo.

    (...) ele um livro muito rico na questo da Educao do Campo, ele um

    livro que permite ao aluno compreender mais os seus direitos como cidado

    do campo, permite a ele perceber que os mesmos direitos que o cidado da

    cidade tem eles tambm tem, ento so livros assim na minha opinio, so

    livros riqussimo (P6).

    um bom livro, pois ele dialoga com os alunos. Devido trazer aspectos de

    sua realidade facilitando o ensino aprendizagem (P2).

    No olhar das professoras, os livros da coleo Saberes e Fazeres do campo atendem

    determinadas necessidades, mas no conseguem dar conta das particularidades

    concernentes aos nveis de aprendizagem dos alunos. Segundo apontam, o livro

    apresenta contedos contextualizados realidade do campo. No entanto, elas revelam

    que os alunos no conseguem acompanhar o nvel de complexidade dos contedos por

    no terem o domnio da leitura e da escrita. A afirmativa das docentes denuncia uma

    problemtica que merece ser investigada mais profundamente e, embora no tenha sido

    aprofundada pela pesquisa, preciso que ressaltemos que ela se constitui em uma

    barreira sem precedentes nestas escolas.

    Segundo apontam as docentes, os alunos acabam por no utilizar o livro destinado sua

    srie, mas sim, os de sries anteriores, pelo fato de serem considerados mais fceis ou

    adequados ao nvel de aprendizagem em que se encontram. Fato que traz muitas

    preocupaes e indagaes, sobretudo por evidenciar que o direito ao conhecimento nos

    anos iniciais est gravemente prejudicado. A questo da alfabetizao revela-se,

    portanto, fundamental de ser enfrentada nas escolas multisseriadas.

    IVNIARealce

  • 10

    Outro aspecto abordado na pesquisa e considerado relevante para evidenciarmos nesse

    trabalho, diz respeito ao dilogo do livro didtico com as distintas realidades do campo.

    As professoras responderam que no livro aparecem vrias imagens relacionadas ao

    mundo rural e que algumas so muito prximas ao municpio em que vivem.

    As imagens dialogam com os alunos de tal forma que os mesmo se

    identificam com a imagem exposta no livro (P2).

    Sim. Reforando a identidade cultural das diversas comunidades campesinas.

    E para que eles percebam situaes que esto relacionadas ao seu prprio

    meio, ou seja, ao meio que vivem (P3).

    De acordo com as entrevistadas, a Coleo tem riqueza de contedos, especialmente, no

    que se refere variedade de textos.

    A uma diversidade de textos adequados a situao de ensino-aprendizagem.

    As variaes de gneros textuais so bastante representativas e garantem

    tambm experimentar as varias formas de circulao social e as diferentes

    formas de linguagem trazidas na coleo e que prope toda est possibilidade

    de aprendizagem (P5).

    As falas das professoras vm ressaltar que consideram uma potencialidade da coleo

    Girassol os textos e as imagens que o compe, tendo em vista que nos livros didticos

    anteriores, as imagens difundidas sobre o campo traziam uma viso geralmente negativa

    e recheada de esteretipos. Corroboramos com as professoras ao defender que a

    identificao do aluno com o livro, comea a partir das imagens que despertam a sua

    ateno e que retratam as suas vivncias fazendo-o sentir-se parte integrante do contexto

    abordado pelo livro, numa perspectiva muito mais positiva de reconhecimento de sua

    identidade.

    Dentre os elementos a enfatizados no sentido de afirmao da identidade dos povos do

    campo, aparece tambm como relevante, a relao escola-comunidade. De acordo com

    os relatos coletados na pesquisa, o livro discute bem essa relao, oportunizando

    atravs de situaes didticas propostas - envolver a comunidade para a participao em

    atividades dentro e fora do ambiente escolar. Esse item ressaltado por acreditarmos

    que essa relao um elemento importante na Educao do Campo, tanto pela

    oportunidade que se lana para ampliao dos espaos de aprendizagem, como pela

    construo de uma aproximao efetiva dos sabres escolares com as experincias

    comunitrias e vivncias do campo.

  • 11

    Nesse sentido uma entrevistada relata:

    As atividades trazem tona a realidade das comunidades, resgatam valores, a

    cultura como todas as formas de trabalho apresentada no livro, o que faz com

    que o aluno perceba que o livro mostra exatamente a sua realidade de vida

    (P3).

    No contexto da anlise sobre a contribuio da Coleo no reconhecimento/valorizao

    da identidade do campo, outro ponto evidenciado pela pesquisa foi quanto existncia e

    forma da abordagem sobre os movimentos e lutas sociais dos povos do campo. Segundo

    as professoras, aparece no livro da seguinte forma:

    Na produo familiar, onde a famlia trabalha junta desde o plantio,

    colheita at a venda dos alimentos (frutas, verdura, gros...).

    Economia solidria e cooperativismo. Reforma agrria, a luta pela

    terra. Entre outros temas (P4).

    Aborda temas que retratam a unio dos sujeitos do campo por meio da

    organizao sindical (P2).

    Para elas a abordagem tem, de fato, importncia considerando que as conquistas do

    campo foram alcanadas atravs da organizao do povo. Dessa forma, a nova gerao

    tem que estar preparada para continuar lutando por igualdade de direitos, inclusive os

    direitos educacionais.

    Outra categoria de anlise na pesquisa foi quanto presena da abordagem sobre

    sustentabilidade e desenvolvimento local.

    A coleo Girassol tem procurado valorizar o homem do campo

    falando da agricultura familiar permitindo ao homem do campo a

    percepo que possvel valorizar a terra e tirar dela o sustento. H

    tambm uma preocupao com a preservao das espcies animais e

    isto muito bom (P6).

    A pesquisa problematizou as questes acima indagando tambm sobre a presena da

    discusso sobre o Semirido, tendo em vista os seguintes argumentos: a) o contexto

    no qual as escolas pesquisadas se inserem; b) H reconhecimento de que as

    caractersticas ambientais e climticas do Semirido diferenciam do perfil de campo das

    demais regies do Brasil; c) H um amplo debate sobre a necessidade da

    contextualizao da educao devido s especificidades climticas, ambientais,

  • 12

    econmicas e culturais que demarcam essa regio, sendo este um debate pblico levado

    a cabo pelos movimentos sociais dessa regio do pas h mais de duas dcadas.

    Nesse sentido, uma das professoras entrevistadas revelou que embora aparea no livro

    discusso sobre sustentabilidade e desenvolvimento local, a coleo no aborda nada

    que venha retratar ou referir-se ao semirido. Ha apenas um texto que fala do semirido,

    mais de maneira bem vaga (P3).

    Os elementos acima revelam que um grande desafio da Educao do Campo como

    proposta e como poltica pblica, garantir dentro de um material didtico, a presena

    dos diversos campos que existem no pas, tendo em vista suas especificidades e

    diferenas. Diante deste elemento h que se questionar se um livro produzido para todo

    territrio nacional, conforme poltica de produo e distribuio que at ento vigora no

    pas, pode de fato, dar conta de atender s demandas dos povos do campo no seu

    coletivo, conforme indicam os artigos 4 e 5 das Diretrizes Operacionais para a

    Educao do Campo.

    Os artigos acima, que tratam da organizao curricular das escolas, ressaltam que alm

    dos contedos gerais, preciso se garantir no currculo, contedos especficos referentes

    realidade da qual est situada escola sendo que estes devem ressaltar, sobretudo, as

    questes referentes ao mundo do trabalho.

    Os artigos ressaltam ainda que na metodologia, assim como o mtodo de ensino do

    professor, devem dar a devida importncia aos saberes populares, trazendo-os para a

    sala de aula e resignificando os processos de ensino aprendizagens, sem abrir mo dos

    contedos universais que se constituem parte do processo escolar. Segundo as Diretrizes

    (2002, p.13):

    Essa metodologia resgata a riqueza das experincias que vem se

    desenvolvendo no campo, que utilizando diferentes procedimentos

    (aulas na roa, excurses, entrevistas, reunies, dramatizaes,

    observaes, etc); recursos (enciclopdias, livros, jornais, revistas,

    vdeos; a prpria natureza: rios, campos, serras, etc;) e espaos (a

    comunidade, florestas, cerrado, roas, engenhos, casas de farinha,

    postos de sade, monumentos histricos, praas, rgos pblicos,

    etc...), vo construindo uma prtica pedaggica inovadora e adequada

    realidade do campo.

  • 13

    Partindo desse pressuposto, entende-se que, para que haja de fato um currculo

    contextualizado, ou seja, condizente com a realidade do campo, fundamental o

    reconhecimento do campo como espaos de mltiplas identidades e realidades.

    Refletimos a partir destes elementos, que, ainda que seja uma conquista relevante

    produo de um livro didtico especifico para as escolas campo e, sobretudo, para as

    multisseriadas, fundamental que se coloque em discusso, a poltica de produo e

    distribuio dos livros didticos para todo o territrio nacional no intuito de uma

    avaliao ampliada com os coletivos da sociedade - movimentos sociais se o atual

    formato dessa poltica tem contribudo para avanar na efetivao dos preceitos legais

    conquistados pelos povos do campo.

    Entendemos ainda, que esse debate no pode ser feito isolado do conjunto de outras

    condies que precisam avanar, a exemplo da estrutura das escolas,

    composio/estruturao das turmas multisseriadas, garantia do acompanhamento

    pedaggico; condies/etapas de aprendizagem dos alunos, etc.

    Pensar um livro didtico para um pas com uma composio tnica, cultural, econmica,

    ambiental e social to distinta algo complexo e que merece ser melhor estudado.

    Acreditamos ser necessrio um olhar cuidadoso sobre esse tema para que no sejam

    reforados esteretipos como a viso homognea do campo (e de seus sujeitos e lutas)

    ou de reduo dos contedos do livro ao universo rural.

    A pesquisa revelou que o Livro didtico da Coleo Girassol: Saberes e Fazeres do

    campo atende a legislao vigente no que se refere aos aspectos do campo: identidade,

    natureza, relaes sociais, viso mais positiva dos sujeitos, enfim, aos elementos da

    cultura do campo de forma geral.

    Mesmo sendo avaliado positivamente pelas professoras, elas tambm apontam que ele

    no atende as particularidades de cada campo do Brasil e isso fica claro quando estas

    relatam a diversidade da problemtica presente tanto dentro das escolas, quanto no

    contexto socioambiental onde estas se inserem.

    Ao concluir que o livro apesar de bom, no atende aos elementos especficos de cada

    contexto, algumas indagaes se lanam como desafiadoras para este debate:

  • 14

    a) Um livro didtico universal adequado para a proposta de Educao do Campo?

    Qual o espao/forma/ possibilidades de abordagem do universal e do local

    dentro do livro?

    b) Se a produo do livro didtico for regionalizada seria possvel garantir o local e

    universal dentro dele? Ele seria capaz de dar conta de todas as particularidades

    locais mesmo em se tratando de uma mesma regio do pas?

    Acreditamos que atender a estas questes uma tarefa muito difcil para qualquer

    perspectiva de produo, seja no modelo universalizado de produo adotado pelo MEC

    at ento, seja pela possibilidade de construo/viabilizao de uma poltica

    descentralizada que favorea a produo regional como tem reivindicado alguns grupos

    dos movimentos sociais do campo.

    Concluses temporrias

    A pesquisa que analisamos nesse artigo teve como foco o livro didtico a partir de um

    breve e instigante levantamento sobre sua conexo com a legislao de Educao do

    Campo vigente. A conquista de um livro didtico pensado para as escolas do campo,

    ainda que se considerem todas as indagaes aqui levantadas , sem dvida, o

    reconhecimento de que h elementos especficos que precisam ganhar espao no

    currculo escolar o qual se concretiza, nestas escolas, sobretudo, a partir do livro

    didtico.

    O livro didtico sem dvida um elemento relevante na escola do campo, o qual na

    maioria das comunidades, o nico equipamento pblico disponvel. Nas escolas

    multisseriada situadas em grande parte, nas comunidades com baixa densidade

    populacional, no se pode perder de vista que o livro um recurso que apresenta aos

    alunos o acesso a outros conhecimentos e novas realidades. Podendo ele ser um forte

    elemento potencializador da aprendizagem. Para isso, cabe ao professor tom-lo como

    instrumento de experimentao e ampliao do universo cultural dos sujeitos e como

    ponto de partida para adentrar nas questes mais especficas do lugar e da cultura onde

    cada escola e seus sujeitos, se situam.

  • 15

    Contudo, a pesquisa tambm apontou que outros elementos precisam ganhar

    visibilidade e serem objetos de nossas investigaes acadmicas, evidenciando um

    cenrio de questes a serem debatidas para melhor garantir a qualidade do ensino nas

    escolas do campo multisseriadas, o que coloca para ns - universidades, movimentos e

    redes de ensino - uma tarefa rdua que de modo algum, poder ser adiada.

    Referncias

    BRASIL, Ministrio da Educao. Decreto de N 7.352 de 04 de novembro de 2010.

    Braslia DF, 2010.

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    DF, 2002.

    _______,Ministrio da Educao. Lei n. 9.394 de Diretrizes e Bases da Educao

    Nacional LDBN, de 20.12.1996. Braslia DF. 1996.

    ________,Ministrio da Educao. Resoluo/CD/FNDE n 33, de 9 de agosto de

    2013. Braslia DF. 2011.

    ________,Ministrio da Educao. Resoluo/CD/FNDE n 40, de 26 de julho de

    2011. Braslia DF. 2011.

    ________,Ministrio da Educao. Resoluo CNE/CEB n 2, de 28 de abril de 2008.

    Braslia DF. 2008.

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    Incra: MDA,2008. Coleo Por Uma Educao do Campo, n 7.

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    de professoras: usos que se revelam no semirido brasileiro. Dissertao (Mestrado

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    Teresina- Piau 2012.