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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE LETRAS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA LIVRO DE IMAGEM: APRENDER A VER PARA APRENDER A LER ALINE CALDAS CUNHA RECIFE 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE LETRAS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA

LIVRO DE IMAGEM: APRENDER A VER PARA APRENDER A LER

ALINE CALDAS CUNHA

RECIFE 2005

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ALINE CALDAS CUNHA

LIVRO DE IMAGEM: APRENDER A VER PARA APRENDER A LER

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ORIENTADORA: Profa. Dra. Marígia Ana de Moura Viana

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Letras da

Universidade Federal de Pernambuco,

como exigência para obtenção do título de

Mestre em Lingüística.

RECIFE 2005

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Cunha, Aline Caldas Livro de imagem : aprender a ver para aprender a

ler / Aline Caldas Cunha. – Recife : O Autor, 2005. 100 folhas : il., fig., quadros

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CAC. Lingüística, 2005.

Inclui bibliografia e anexos.

1. Lingüística – Produção textual. 2. Lingüística – Leitura – Livro de Imagem. 3. Aprendizagem – Livro de Imagem. I. Título.

801.8 CDU (2.ed.) UFPE 41001 CDD (22.ed.) BC2005-135

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Dedico este trabalho aos meus filhos, Lucas e Amanda,

imagens e personagens principais que dão colorido e

sentido à minha vida.

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Agradecimentos

“O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”. (Fernando Pessoa)

Ao longo desta pesquisa acumulei um bom número de dívidas de gratidão:

A Deus, Aquele que me dá a serenidade possível.

A minha mãe querida, pelo apoio e ajuda amorosa ao administrar minha casa e cuidar dos meus filhos, nas minhas constantes ausências durante o trabalho.

Aos meus filhos, Lucas e Amanda, pelo carinho e paciência comigo e por estarem sempre prontos a me ajudar nessa empreitada, fazendo silêncio ou abrindo mão de momentos em que poderíamos estar juntos.

Ao meu querido Cláudio Henrique, por todo amor e companheirismo em todos os instantes de nossas vidas.

Ao meu pai e irmãos amados por acreditarem nas minhas possibilidades.

Às amigas, cujo estímulo ajudou-me a ingressar no mestrado: Ana Cláudia Gonçalves, Carmem Cerqueira, Fabiana Marreiros, Patrícia Barboza e Priscilla Silveira.

À minha orientadora, Profª. Dra Marígia Ana de Moura Viana, pela acolhida incondicional, leitura atenta e efetivas contribuições durante todo o processo de construção deste texto. Tomarei a liberdade aqui de compartilhar algo que se tornou comum ouvir das pessoas, quando sabiam que eu era sua orientanda, pois o adjetivo usado define o que ela realmente é: “Marígia?! Ela é ótima!”.

À direção e coordenação escolar, que me concederam tempo e espaço para estar com as crianças.

Aos meninos e meninas, que materializaram a pesquisa com seus horizontes de leitura.

À minha irmã de alma, Lênia Luz, que, mesmo virtualmente (on line),compartilhou comigo minhas angústias e medos sempre com palavras tão belas, afetuosas e impregnadas de fé e otimismo.

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Ao amigo de longas datas, Horácio Netho, pela vibração positiva e por me lembrar sempre que só existe vida verdadeira em harmonia.( Namastê!)

Ao amigo Mizael Nascimento, pela palavra amiga, o incentivo sempre presente e Resumen dessa dissertação...”muchas gracias”.

À amiga Milu Almeida, pelas idéias, abraço forte, entusiasmo, alegria possível e todos os livros emprestados.

A todos os funcionários, professores e colegas do Departamento de Letras – UFPE. Um carinho especial para Cristiane Takemoto, Denise Menezes, Lorena Rocha, Maria José Leotti, Mozeiner Maciel, Najin Lima e Roberta Caiado, pela convivência amiga e salutar durante o curso e nas nossas tertúlias.

À professora Abuêndia Padilha Pinto, interlocutora valiosa, pela amizade e por ter me auxiliado com importantes sugestões na construção de meu conhecimento.

Ao professor Junot Cornélio pelo olhar criterioso com que leu e comentou esse trabalho, permitindo-me fazer, através de suas perguntas, novas descobertas.

Ao CNPq pela bolsa concedida para realização do Mestrado.

Àqueles cujos nomes não estão expressos aqui, mas que me ajudaram, de alguma forma, a trilhar o meu caminho.

A todos, os meus sinceros agradecimentos, meu carinho e minha amizade.

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“É muito importante que o homem tenha ideais. Sem eles não se vai a parte alguma. No entanto é irrelevante alcançá-los ou não.

É apenas necessário mantê-los vivos e procurar atingí-los” (Dalai Lama)

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RESUMO

O mundo moderno cheio de linguagens diversas exige pessoas preparadas para entender e absorver as novas formas de mensagens que chegam até elas. A leitura de vários tipos de texto é essencial na sociedade em que vivemos. Saber ver/ler uma imagem é tão necessário quanto aprender a ler e escrever nos moldes convencionais, pois os códigos e os processos de produção da comunicação se alteram e, nessas mudanças, buscam receptores aptos para entendê-los. Esta pesquisa qualitativa tem como objetivo caracterizar a leitura e investigar os tipos de textos orais produzidos por crianças de 05 anos de idade, através da leitura de livros de imagem, em uma classe da Educação Infantil de uma escola particular da Cidade de Recife. Parte-se do pressuposto de que há possibilidade de uma criança não-alfabetizada produzir texto oral e construir sentidos para uma história feita só com imagens, e que esta prática auxiliará não só nos aspectos de produção textual como de leitura. Durante a pesquisa de campo, foram utilizados três livros de imagem: O dia-a-dia de Dadá (Marcelo Xavier), Filó e Marieta (Eva Furnari), e O Almoço (Mário Vale). Depois de um primeiro contato informal com os livros, foi proposto às crianças, individualmente, que fizessem a leitura em voz alta de uma das obras, sendo essas atividades filmadas e gravadas para análise. Como resultado, este estudo evidencia três tipos de leitura: uma narrativa, em que se percebe o preenchimento dos “brancos” entre as imagens, com a interpretação das cenas, utilizando-se de conectores, outra, fragmentada em relação aos elementos internos da narrativa, não indo além da leitura descritiva, e por fim uma de natureza mista apresentando traços das duas citadas anteriormente. O uso de operadores da narrativa apresentou-se de forma restrita, e os conectores foram identificados em doze tipos. O contato da criança com os livros de imagem, numa proposta pedagógica em que a intervenção do professor tenha a intenção de promover a autonomia e a autoconfiança da criança, em vez de apenas servir de instrumento de correção, poderá não somente desenvolver a linguagem oral, a criatividade na produção de textos, mas também aperfeiçoar o aluno na leitura de novos códigos, preparando-o para enfrentar as novas realidades geradas pelos meios de comunicação.

Palavras-chave: Livro de imagem.Leitura.Narrativas.Produção textual.

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RESUMEN

El mundo moderno lleno de lenguajes diversos exige personas preparadas para comprender y absorber las nuevas formas de mensajes que llegan hasta ellas. La lectura de varios tipos de texto es esencial en la sociedad en que vivimos. Saber ver/leer una imagen es tan necesario cuanto aprender a leer y a escribir en los moldes convencionales, pues los códigos y los procesos de producción de la comunicación se alteran y, en esos cambios, buscan a receptores aptos para comprenderlos. Esta pesquisa cualitativa tiene por objetivo caracterizar la lectura e investigar los tipos de textos orales producidos por niños de 05 años de edad, por medio de la lectura de libros de imagen, en un grupo de Educación Infantil de una escuela privada de la Ciudad de Recife. Se parte de la suposición de que hay posibilidad de un niño no alfabetizado producir texto oral y construir sentidos para una historia hecha sólo con imágenes, y que esta práctica auxiliará no sólo en los aspectos de producción textual, sino también de lectura. A lo largo de la pesquisa de campo, han sido utilizados tres libros de imagen: O dia-a-dia de Dadá (Marcelo Xavier), Filó e Marieta (Eva Furnari) y O Almoço (Mário Vale). Luego de un primer contacto informal con los libros, les ha sido propuesto a los niños, individualmente, que hicieran la lectura en voz alta de una de las obras, siendo esas actividades filmadas y gravadas para análisis. Como resultado, este estudio evidencia tres tipos de lectura: una narración, en la que se percibe el relleno de los “vacíos” entre las imágenes, con la interpretación de las escenas, utilizándose de conectores; otra, fragmentada en cuanto a los elementos internos de la narración, no yendo además de la lectura descriptiva; y, por fin, una de naturaleza mixta presentando rasgos de las dos citadas anteriormente. El uso de operadores de la narración se ha presentado de modo restricto y los conectores han sido identificados en doce tipos. El contacto del niño con los libros de imagen, en una propuesta pedagógica en la cual la intervención del profesor tenga la intención de fomentar la autonomía y la autoconfianza del niño, en vez de solamente servir de instrumento de corrección, podrá no sólo desarrollar el lenguaje oral, la creatividad en la producción de textos, sino también perfeccionar al alumno en la lectura de nuevos códigos, preparándolo para enfrentar las nuevas realidades generadas por los medios de comunicación.

Palabras-clave: Libros de imagen, Lectura, Narraciones, Producción textual.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

CAPÍTULO I1.1. A Leitura e o Ato de Ler: onde começa esse prazer?..................................... 14 1.2. A Imagem: “ver” para ler.................................................................................. 21 1.3. A Imagem nos Livros....................................................................................... 22 1.4. O Livro de Imagem.......................................................................................... 25 1.5. Algumas características da Leitura do Livro de Imagem................................. 27 1.6. Da Imagem para a Fala: um processo de retextualização.............................. 29

CAPÍTULO II2.1 Sobre o Texto: do Gênero à Tipologia............................................................. 31

CAPÍTULO III3.1. Sobre Narrativas............................................................................................. 39 3.2. A Narrativa na Perspectiva de Perroni ........................................................... 40 3.3. Os Organizadores Textuais nas Narrativas Orais........................................... 44 3.4. A Narrativa e a Literatura no Espaço Escolar ................................................ 45 3.5. Trabalhando com a Narrativa.......................................................................... 47

CAPÍTULO IV - Metodologia4.1. A Escolha da Classe ...................................................................................... 50 4.2. A Biblioteca Infantil.......................................................................................... 50 4.3. Os Participantes.............................................................................................. 52 4.4. Os Livros Selecionados................................................................................... 53 4.5. A Coleta de Dados........................................................................................... 54

CAPÍTULO V - Análise e Discussão 5.1. Primeira Etapa: Análise da Leitura e Produção Textual Oral ......................... 57

5.1.1 Leitura do Livro de Imagem: O dia a dia de Dadá.............................. 58 5.1.2 Leitura do Livro de Imagem: O Almoço.............................................. 66 5.1.3 Leitura do Livro de Imagem: Filó e Marieta........................................ 68

5.2. Segunda Etapa: Análise da Narrativa ............................................................ 71 5.2.1 Operadores e Organizadores Textuais da Narrativa ......................... 71

FECHANDO COM RETICÊNCIAS ....................................................................... 78

REFERÊNCIAS.................................................................................................... 83

ANEXO 1- Entrevista com as Crianças da Escola................................................ 86

ANEXO 2- Os Livros de Imagem.......................................................................... 88

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INTRODUÇÃO

A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original. (Albert Einstein)

A linguagem, capacidade específica do ser humano, além de possibilitar a

comunicação e a inserção social, faz parte da constituição de diferentes operações

intelectuais e da memória, pois é na expressão pela linguagem que o pensamento

se organiza e toma corpo, auxiliando a criança a identificar-se como pessoa.

Desde muito pequenas, as crianças são capazes de utilizar a linguagem oral,

mesmo não falando com fluência, para pedir, solicitar determinadas ações ou

objetos, expressar seus sentimentos, perguntar ou explorar o mundo à sua volta.

Através da interação com o outro vão organizando sua fala e, neste processo de

interlocução, elas se constituem como produtoras de textos orais.

O espaço destinado à educação infantil na escola propicia a promoção de

experiências significativas com a linguagem oral e a escrita, e na iniciação ao mundo

letrado. Acertando e errando, a criança tenta buscar regularidades na língua,

enquanto instrumento de comunicação e expressão de idéias, pensamentos,

sentimentos, bem como de acesso às informações, construção de visões de mundo

e produção de conhecimento.

Ao entrar na escola, a criança deverá ter oportunidade de interagir com uma

diversidade de textos orais e escritos e, acima de tudo, descobrir o prazer e a

satisfação em desvendar o mundo da leitura e da escrita. Pela leitura constante, o

hábito de ler é incentivado e, mais que saudável, é fonte de intelectualidade e

conhecimento. Uma proposta de construção de leitores competentes, sensíveis e

críticos pressupõe experiências de linguagem com os mais variados gêneros

textuais verbais, não-verbais, orais ou escritos: filmes, desenhos animados,

quadrinhos, propagandas, bilhetes, cartas, convites, diários, anúncios, notícias,

documentos, artigos, documentários, formulários, cartazes, jogos, brincadeiras,

lendas, histórias, poemas, parlendas, adivinhas, anedotas, trava-línguas, entre

outros. São essas experiências que vão acrescentando ao conhecimento prévio do

leitor diferentes formas de conhecimento textual.

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A palavra leitura é costumeiramente usada para significar leitura de texto, onde

se decifram os sinais que remetem ao universo da linguagem oral. Mas essa é

apenas uma maneira de ler o mundo, pois, antes de poder escrever, o homem já

registrava nas paredes das cavernas, via desenho, suas idéias e sentimentos.

Assim, desde os primeiros manuscritos, a ilustração vem acompanhando a palavra

escrita. Desde a pré-história, o homem utiliza imagens para se comunicar. Esta

comunicação se dá numa relação em que imagem gera história e história gera

imagem.

Vive-se, hoje, uma verdadeira civilização da imagem, que tem se tornado a

forma suprema de comunicação no cotidiano, onde a cultura da palavra convive

intensamente com a cultura da imagem, e a realidade imaginária e a realidade vital

se fundem sempre mais.

Nestes tempos tão cheios de televisão e computador, do quase tudo pronto, as

imagens circulam, freqüentemente, interpelando-nos em qualquer tempo e espaço. É

necessário, portanto, preparar-se para compreender essa linguagem e o modo como

ela veicula mensagem.

Em idade pré-escolar, as crianças já são consumidoras de imagens e

estabelecem relações com o mundo ao seu redor através da linguagem visual.

Quando chegam à escola, deparam-se com uma rica fonte de livros de literatura

infantil. Entre estes, os livros de imagem, conhecidos como livro sem texto verbal,

onde a cada página virada um impacto visual se impõe ao leitor: agente encarregado

de desvendar enredos e imagens abertos a várias leituras, e de preencher os vazios

que separam as imagens umas das outras, juntando-as num texto com sentido.

Os pontos até agora comentados fundamentam e instigam o interesse em

tentar pensar as imagens com palavras e transformá-las em objeto de pesquisa

acadêmica, fazendo um estudo sobre o livro de imagem e a leitura produzida por

crianças de 05 anos de idade, em uma escola particular da Cidade de Recife.

Para contextualizar o leitor a respeito do que será tratado nesta investigação,

pontuam-se aqui as indagações que orientaram seu desenvolvimento:

1) O que esperar de um livro feito só com imagens?

2) De que forma esses livros desafiam o olhar e a inteligência dos leitores?

3) Como são lidos e compreendidos?

4) Qual a tipologia textual encontrada?

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Esses são alguns questionamentos da análise entre imagem e leitura narrativa.

Como Cavalcanti (2002), “acreditamos que toda imagem sustenta-se num fio de

narrativa para concretizar-se, e que o texto oferece ao leitor um espaço mágico de

transcendência e produção de idéias e sentidos”.

Buscando responder a tais indagações, sentiu-se a necessidade, no primeiro

capítulo, de apresentar os aspectos teóricos sobre a leitura e o livro de imagem,

colocando em foco o diálogo entre a palavra e a imagem, como também fazer

considerações a respeito das sucessivas reformulações dos mesmos textos - da

oralidade para a escrita e vice-versa - no dia-dia ou em situações específicas,

descritas por Marcuschi (2001), como atividades de retextualização. Neste caso,

entende-se que a leitura de imagem é um processo de retextualização do texto

icônico - narrativa iconográfica - para o texto oral - narrativa oral (ALMEIDA E

NOGUEIRA, 2003).

No segundo capítulo, foram abordados pontos referentes à classificação dos

textos, enfocando as distinções de gêneros e tipos textuais, tomando-se como base

principal os estudos de Marcuschi (2002).

O terceiro capítulo discorre sobre os aspectos históricos e estruturais das

narrativas, baseado principalmente na abordagem sócio-interacionista proposta por

Perroni (1992).

O quarto capítulo apresenta os aspectos metodológicos utilizados para esse

estudo, sendo identificada a amostra e procedimentos adotados para a coleta,

registro e análise dos dados.

O quinto capítulo, que constitui a Análise e Discussão, é apresentado em duas

etapas: a primeira refere-se à análise da leitura e produção textual oral , segundo os

modelos propostos por Camargo (1995) e Werlich (1973), respectivamente, e a

segunda, a análise dos operadores da narrativa e organizadores textuais, na

perspectiva de Perroni.

E, por fim, em “Fechando com Reticências...”, serão retomados os objetivos da

pesquisa e os principais aspectos da análise e discussão dos dados, além de

algumas sugestões permitidas por esse estudo.

Em suma, fica aqui o ensejo de que este trabalho possa colaborar para o

reconhecimento do importante papel da imagem na elaboração da linguagem,

ampliando a concepção escolar de leitura, para que se desperte, na criança, um

leitor/ produtor das histórias dos livros de imagem, onde ela vai ser incitada a

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exercitar-se reelaborando suas idéias, visto que para escrever bem, em séries

futuras, é preciso ler bem, e isto pode e deve ser trabalhado desde a Educação

Infantil.

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CAPÍTULO I

Leitura é prazer! E que prazer esse de ler um bom livro! Capaz de levar-nos ao riso e à tristeza, de tornar-nos íntimos e velhos conhecidos de seus personagens, de fazer-nos acompanhar –gulosos e sedentos- seu enredo [...] de transportar-nos a outros mundos, de dar vida a nossos sonhos... (Werner Zotz)

1.1 A Leitura e o Ato de Ler: quando começa esse prazer?

Afinal, o que é leitura? Quando se pensa em leitura, logo vem à mente a

imagem de alguém tendo em mãos um livro, revista, jornal, um texto; ler costuma

significar a decifração de signos, letras e sinais convencionados. Martins (1994,

p.07) levanta a seguinte questão: “Bastará, porém, decifrar palavras para acontecer

a leitura? Como explicaríamos as expressões de uso corrente “fazer a leitura” de um

gesto, de uma situação; “ler a mão”, “ler o olhar de alguém”, “ler o tempo”, “ler o

espaço”, indicando que o ato de ler vai além da escrita?”. O bebê, por exemplo, ao

“ler” os gestos da mãe, assimila sua primeira lição de amor e interdependência,

embora não conheça as letras, nem a gramática. A mãe ao identificar cada nuance

do choro do filho também faz uma leitura. Na primeira infância, lê-se muito mais as

vozes do que as palavras; utiliza-se a visão e a audição para, muito além de olhar

imagens e ouvir sons, captar o sentido da realidade circundante. O fato é que o

homem não deixa necessariamente de ler quando escapa dos limites do texto

escrito. Num sentido mais amplo, a palavra leitura pode ser também usada para

significar a atribuição de sentidos ao código verbal, abrangendo tanto a escrita

quanto a oralidade. O ato de ler pressupõe e, simultaneamente, cria uma liberdade.

Assim, a palavra leitura pode ser vista sob uma outra ótica de ler o mundo,

significando leitura visual, que não decifra letras, mas decifra imagens; se o livro é

ilustrado, o leitor, mesmo não conseguindo ler as legendas pode, em geral, atribuir

um sentido, embora não necessariamente o explicitado no texto.

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Destaca Manguel (1997, p. 20) que “Lemos para compreender, ou para

começar a compreender. Não podemos deixar de ler. Ler, quase como respirar é

nossa função essencial” É bastante comum a afirmação de que a leitura é

importante para a aquisição de conhecimento, para o desenvolvimento da escrita e a

capacidade de associar idéias, planos, sintetizar assuntos, além de tornar o leitor

mais crítico e renovar a sua criatividade. Exercita-se, através da leitura, a inteligência

e se promove a integração ao mundo para dominar assuntos em diversificadas

situações. Por sua natureza formativa, a leitura proporciona prazer, cria mecanismos

que permitem decifrar idéias e opiniões diversas através do desvelamento de novas

possibilidades de existência. Transporta o leitor ao mundo da palavra escrita e de

imagens de um código especial que vem sendo construído ao longo da história da

linguagem humana.

Como define Silva (1995, p.06), “a boa leitura é aquela que, depois de

terminada, gera conhecimentos, propõe atitudes e analisa valores, aguçando,

adensando, refinando os modos de perceber e sentir a vida por parte do leitor”. A

leitura é um processo de criação e descoberta. Assim, para entender o conceito de

leitura, não basta somente procurar no dicionário o significado da palavra, pois ler

envolve uma série de práticas e experiências, além de aspectos como a idade do

leitor, seu grau intelectual, seus gostos e sua cultura. O ato de ler, apesar de

individual, acha-se submetido às condições de base textual, de conhecimentos

relevantes partilhados, de coerência e de cooperação que se fundam nas práticas

sociais.

O desenvolvimento de interesses e hábitos de leitura, normalmente, faz-se num

processo constante que se inicia com a família, reforça-se na escola e continua ao

longo da existência do indivíduo, através de influências recebidas da atmosfera

cultural de que ele participa. A criança pode começar a entrar em contato com o livro

em qualquer idade, posto que o estímulo à leitura será tanto melhor quanto mais

cedo ocorrer. A partir dos sete ou oito meses de idade, a criança já tem condições

de manipular livros de imagem feitos de pano, espuma, plástico (que podem ser

levados para o banho) ou borracha. Iniciá-la o quanto antes neste mundo é

importante porque, aos poucos, ela vai se familiarizando com o livro, sua forma e

linguagem.

De acordo com Sandroni (1991, p. 09) “é possível até fazer um paralelo entre

dois hábitos fundamentais: o hábito alimentar e o hábito de leitura. A criança comerá

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o que sua família ou grupo social come [...] A criança com fome chega a rejeitar um

alimento que não faz parte de seu hábito”. Na casa onde os pais lêem, onde as

crianças têm acesso ao livro e são expostas a freqüentes leituras de histórias, é

mais provável que elas gostem de ler. A criança aprende pelo exemplo, e parece

que o ideal é que esse exemplo venha de casa. Terzi (2001, p.80) comenta que “a

criança exposta à leitura de estórias na infância vê, desde cedo, o significado não

restrito aos limites do texto, mas referindo-se a um mundo que se relaciona com seu

próprio mundo, com seu conhecimento, com sua experiência passada”. Significa

dizer que, ouvindo ou lendo histórias, a criança poderá, por exemplo, se identificar

com esta ou aquela personagem numa situação semelhante a alguma já vivida, ou

ainda perceber em cada narrativa formas de comportamento que poderá apreender

e usar no processo de crescimento em que se encontra.

A escola também tem papel fundamental no estímulo à leitura. Deve-se lembrar

ainda que, muitas vezes, devido à falta de tempo e conhecimento dos pais, algumas

crianças só têm o primeiro contato com a leitura e os livros quando chegam na

escola, que acaba por desempenhar um duplo papel, por ela mesma e pelos pais.

Algumas dão especial atenção à leitura, criando situações de aprendizagem em que

o ato de ler se estabelece em sua plenitude, proporcionando a educandos e

educadores descobertas importantes para sua formação. De acordo com Kleiman

(2000, p.07), “a aprendizagem da criança na escola está fundamentada na leitura”,

atividade em que o leitor constrói, procura pistas formais, antecipa essas pistas,

formula e reformula hipóteses, aceita ou rejeita conclusões. A leitura, então, é um

processo ativo onde o leitor faz um trabalho de construção e de significação do

texto, resultado de seus próprios conhecimentos sobre o assunto, sobre o autor,

sobre a língua. Não cabe à escola apenas “ensinar a ler” ou “fornecer informações”,

mas enriquecer o aluno com a aquisição de instrumentos para seu processo de

permanente autoformação. Se a perspectiva buscada é incentivar a leitura, as

práticas de ensino e o uso das bibliotecas devem ser complementares, a escola

deve levar os alunos ao convívio freqüente e concreto com acervos diversificados

(SILVA, 1995). A idéia é valorizar o livro e a leitura através de variados espaços e

tempos na escola, proporcionando a ampliação do repertório de leitura das crianças.

Dos pais à escola, chega-se à figura do professor cuja função, acredita-se, não

seria precisamente ensinar a ler, mas a de criar condições para o educando realizar

a sua própria aprendizagem. O professor, antes de tudo, deve ser um modelo, ser

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leitor, para saber indicar leituras, motivar, orientar e formar crianças leitoras,

ampliando o próprio repertório literário na medida que se envolve com o trabalho, a

pesquisa e a seleção de textos para os alunos num determinado momento ou etapa

da escolaridade. O ato pedagógico deve ter na base o diálogo entre professor e

aluno e, no horizonte, os vários campos da leitura e do conhecimento (SILVA, 1995).

O professor guia o aluno através do mundo do saber elaborado, sistematizado

historicamente e sempre aberto à recriação e novas contribuições, enquanto o aluno

guia o professor através das necessidades e desafios revelados no contexto da sala

de aula.

Simultaneamente à aprendizagem das crianças dá-se a aprendizagem do adulto. A compreensão do desenvolvimento das crianças leva o adulto a continuamente reavaliar e modificar sua prática a fim de adequá-la às novas situações, o que, por sua vez, influencia a aprendizagem das crianças. Assim, o adulto e as crianças aprendem simultaneamente e se influenciam reciprocamente. (TERZI, 2001, p.152).

Até aqui, falou-se de pontos ideais para o perfeito funcionamento da educação

escolar, como o compromisso do professor na busca incessante do conhecimento,

sem deixar de lado a participação do aluno, devendo ambos estar inseridos em um

processo de interação e envolvimento recíproco. Infelizmente, o que comumente se

vê em sala de aula é a ausência desta parceria, “a ausência de preocupação do

professor em buscar um grau maior de intersubjetividade [...] uma vez que se parte

do princípio de que o aluno nada sabe e que cabe à escola definir o nível de ensino,

a partir dos programas e do livro didático” (TERZI, 2001, p.22).

Yasuda (apud MARTINS, 1996) diz que a escola tem “produzido” muitos

alfabetizados nas letras e poucos que sabem efetivamente ler; além disso, o desejo

de ler existente antes da alfabetização, geralmente, desaparece durante a vida

escolar. Essa conclusão é preocupante, e aponta para a necessidade de uma

reflexão pois, como se sabe, a escola ocupa um grande espaço na vida social do

indivíduo e, dependendo da habilidade dos professores, poderá ter uma enorme

influência no gosto pela leitura. Desta maneira, para que o resultado possa ser

positivo, o professor deve trabalhar os conteúdos com a criança, respeitando seu

tempo, sem desprezar suas dificuldades e possíveis erros e, principalmente,

valorizar a bagagem que ela traz e as suas experiências de vida. Todo material

apresentado pela criança deve ser considerado e aproveitado, pois esta postura vai

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fortalecer sua auto-estima, sem a qual nenhum trabalho se concretiza

verdadeiramente.

O que justifica a aula como encontro de recepção ativa e de diálogo entre

professor e aluno é a concepção histórica e social do saber. O conhecimento não se

constrói pela mera cópia de um objeto externo ao aprendiz nem como elaboração

puramente endógena, alheia ao meio social (PCN, 2000), mas depende da

mediação significativa que o professor é capaz de fazer entre o aluno e o mundo (a

sintonia entre aprendizagem e vida). Para Quintás (apud MADUREIRA, 2003), a

fertilidade do encontro pedagógico é responsável pelo co-nascimento dos

interlocutores com a realidade, um processo que, longe de ser o acúmulo de

informações, compulsório ou automático, nasce do interesse e do compromisso,

levando à descoberta e à possibilidade de recriação de sentidos. Nutrido pelo

entusiasmo de quem ensina, os encontros na escola podem ser geradores de

experiências transformadoras do sujeito e do objeto em estudo.

Um grande desafio posto à escola é romper com as práticas de leitura em que

o ato de ler está submetido a mecanismos de decifração. Tal posicionamento aponta

para a necessidade de colocar a instituição numa outra direção (a que valoriza o

processo e não somente o produto) quanto à organização de seu trabalho

pedagógico, adotando como princípio norteador a integração entre ensino,

aprendizagem e desenvolvimento, de forma que as ações do ensino possam

desencadear uma atividade reflexiva que permita à criança avançar em suas

estratégias de leitura. Evidentemente, isso exige que a criança esteja envolvida por

textos os mais variados, que possa encontrá-los, testemunhá-los e associá-los à

utilização que os outros fazem deles, quer se tratem dos textos da escola, de

documentários, de obras de ficção. Tais procedimentos deixam claro que é

impossível tornar-se leitor sem que haja uma contínua interação com um espaço

onde as razões para ler sejam intensamente vividas. Ainda que a escola tome para

si a responsabilidade do ritual de iniciação das crianças no mundo da leitura, tal

responsabilidade não termina por aí, pois isso só será possível se ultrapassar a

concepção do “ler como obrigação puramente escolar para o ler que busca

compreender a realidade e situar-se na vida social” (SILVA, 1993, p. 22).

A praxe cotidiana escolar não deve ser vista como regra, pois, felizmente,

encontra-se educadores preocupados em mudar essa visão na medida que se

propõe o diálogo, a escuta, a liberdade para os alunos se expressarem numa

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atmosfera de interlocução nas salas de aula. Pensando nisto, o discurso sobre a

leitura tem que continuar, Silva (1981) lembra que as crianças nunca chegam à

escola num estado de ignorância, mas podem chegar analfabetas. Elas talvez não

saiam analfabetas, mas podem sair ignorantes. Assim, tão desejável quanto a

capacitação docente (o aporte teórico para a assimilação de concepções, posturas e

diretrizes de ensino), é o enfrentamento do desafio de humanizar a educação,

ajustando a proposta pedagógica à especificidade do aluno que de fato se senta nos

bancos escolares. Portanto, o mais atualizado projeto de ensino não deve

desconsiderar a relação de professores e alunos que, pelo diálogo e compreensão,

tornam-se cúmplices no processo educativo.

Ensinar a ler significa muito mais do que instrumentalizar o sujeito para o

exercício do código lingüístico. Como afirmado anteriormente, a escola é um campo

fértil para se produzir leitura, mas, de maneira geral, há ainda nela, uma tendência

em usar o livro somente como pretexto para o estudo da gramática e interpretação

de textos apresentados de forma fragmentada, cabendo ao leitor pinçar no próprio

texto as respostas, o que impede a criatividade e mutila qualquer gesto espontâneo

e inteligente (CAVALCANTI, 2002). É necessário não esquecer do caráter mágico do

livro e, nessa perspectiva, ele não precisa de pretexto para ser usado, em muitos

momentos pode ser lido somente pelo prazer da leitura. Uma pessoa que adota o

ato de ler como algo prazeroso estará constantemente buscando inovações.

A exposição da criança a freqüentes leituras de livros favorece o seu

desenvolvimento como leitora já no período pré-escolar. Martins (1994) chama a

atenção para um contato sensorial com o objeto livro que, segundo ela, revela "um

prazer singular" na criança. Na leitura, por meio dos sentidos, a criança é atraída

pela curiosidade, pelo formato, pelo manuseio fácil e pelas possibilidades emotivas

que o livro pode conter. A autora comenta que "esse jogo com o universo escondido

no livro" pode estimular no pequeno leitor a descoberta e o aprimoramento da

linguagem, desenvolvendo sua capacidade de comunicação com o mundo. A

possibilidade de que essa experiência sensorial ocorra será tanto maior quanto

maior for o contato da criança com o livro. Talvez derive daí o imenso sucesso, entre

o público infantil, dos volumes ilustrados; dos livros-jogos; dos livros com relevos,

elementos salientes, vazados ou com efeitos holográficos; dos livros com partes

para dobrar, recortar, montar ou pintar.

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Ao experienciar a leitura, a criança exercita um ato de compreender o mundo,

fazendo do ato de ler um caminho em seu projeto de descoberta e atribuição de

significados, ou seja, ao ler produz sentidos, reproduzindo-os ou transformando-os.

Desta forma, o ato de ler não se limita à mera decodificação de um aglomerado de

palavras; a leitura é uma construção ativa, exigindo, assim, a capacidade de

interação do leitor com o mundo que o rodeia, pois, como afirma Martins (1994,

p.15), “Certamente aprendemos a ler a partir do nosso contexto pessoal. E temos

que valorizá-lo para poder ir além”. O leitor que compreende o que lê transforma o

texto, transformando a si próprio. Vale dizer mais, ler é reescrever o que se está

lendo. É descobrir a conexão entre o texto e o contexto do texto e também vincular o

texto/contexto ao contexto do leitor (FREIRE, 1996).

A criança adquire o gosto pela linguagem, falando e ouvindo em situações de

prazer. Ouvir uma história contada ao vivo, pelos pais ou por alguém conhecido, é

uma experiência que marca para sempre. A presença e a dedicação do adulto

naquele instante, sua entonação e semblante, seu estado de espírito e o conteúdo

da narrativa, tudo isso se mistura aos sentimentos e à imaginação da criança. E o

prazer desta hora se liga ao texto. Desta forma, a leitura se inscreve na memória das

coisas boas, o que certamente poderá servir de base para desejar ouvir ou contar

histórias, ver e ler livros.

Histórias lidas, somadas às inventadas, passam a fazer parte de um mundo

onde a realidade e a imaginação complementam-se, e o ato de ler vai além dos

limites do texto. Miguez (2000, p. 30) afirma que “ler é ver com olhos e coração livres

para ver e sentir”. Assim, os livros aumentam muito o prazer de imaginar coisas, na

medida em que abri-los é entrar em contato com idéias e emoções diversas e, por

vezes, se deparar com um personagem como você, conhecendo a si mesmo.

A leitura é um processo que não envolve somente visão e percepção, mas

inferência, julgamento, memória, reconhecimento, conhecimento, experiência e

prática. Em seu artigo Da leitura como produção de sentidos, Jean Marie Goulemot

(1996, p.113) fala da leitura como um “jogo de espelhos”, onde o texto ganha sentido

a partir do que foi lido antes dele. Ler será, portanto, fazer emergir a biblioteca

vivida, quer dizer, a memória de leituras anteriores (intertextualidade) e de dados

culturais.

O trabalho realizado por meio da leitura e da produção de textos, muito mais

que decifração/ transcrição de signos lingüísticos, é de construção de significado e

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atribuição de sentidos. A compreensão de um texto está relacionada diretamente

aos objetivos, interesses, conhecimentos e referenciais temáticos e textuais do leitor.

Por meio da leitura, estabelece-se um evento interativo entre autor e leitor, que é

mediado pelo texto e completa-se em outros eventos, assim “a leitura é uma prática

de atribuição de significados que ultrapassa o momento em que é realizada”

(MATÊNCIO, 2000, p.42).

O ideal seria que a escola fosse o espaço privilegiado da construção de leitores

mais críticos e aberto às várias possibilidades de sentido existentes em um texto.

1.2 A Imagem: “ver” para ler

Das ilustrações simbólicas gravadas nas paredes das cavernas por nossos

primeiros antepassados às imagens virtuais do presente, a imagem ocupa, na

sociedade contemporânea, lugar fundamental sempre presente em grande parte das

relações sociais.

“O homem, antes de ser comunicação falada ou escrita, é comunicação visual,

isto é, concreta” (GUTIERREZ, 1978, p.23). Descrevem-se imagens com palavras; a

leitura visual leva à expressão verbal que pode ser registrada através dos símbolos

alfabéticos (escrita) que, por sua vez, não deixam de ser icônicos, levando-se,

assim, à constatação de que a própria escrita é uma imagem a ser decodificada. No

entanto, a linguagem escrita tem um valor repressivo em relação à liberdade dos

significados da imagem.

De acordo com Casasus (1979, p.37), a linguagem iconográfica, tal como a

linguagem verbal tem uma função comunicativa, ela é portadora de uma mensagem:

A existência de imagens implica a presença de elementos (forma, movimento e percepção humana) que só aparecem quando existe um sujeito receptor, um homem que recebe a mensagem visual através da visão.Portanto, não pode haver imagem sem um processo de comunicação.

Santaella e Nöth (1999) destacaram que, para reconhecer e interpretar as

mensagens visuais, importa o discurso verbal. A separação das duas dimensões,

verbal e visual, não é tão radical quanto se tem afirmado. A imagem necessita da

linguagem verbal para ser esmiuçada, refletida, compreendida. Assim como a

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expressão verbal pode ser incompleta, tornando-se, muitas vezes, mais rica

associada à imagem, esta, por sua vez, encontra-se na busca de uma reflexão

consciente, que somente é possível através da palavra.

A integração entre a linguagem verbal e a não-verbal ocorre na leitura de

imagens, que se inicia com o olhar e resulta, geralmente, em uma narração ou

descrição sobre aquilo que se vê, envolvendo processos cognitivos e afetivos.

Freqüentemente, a mensagem lingüística está ligada à imagem. Com o

surgimento do livro, a vinculação texto/imagem foi intensificado-se. Ao longo dos

anos, os livros infantis ganharam novas formas e estilos. Em alguns, as formas e as

cores assumiram papel tão ou mais importante que o texto.

1.3 A Imagem nos Livros

A imagem vem acompanhando a palavra escrita desde os primeiros

manuscritos. As primeiras formas de escrituras eram todas baseadas em

pictogramas e desenhos, e desde os tempos mais remotos, a imagem e a letra

sempre estiveram irmanadas entre si.

A Igreja, por exemplo, desde o início de sua existência, utilizou fartamente a

imagem, e não podia privar-se dela para conseguir inculcar e seduzir o discurso oral

e escrito que, não era suficiente para demolir as muralhas da cultura antiga. Em

1770, o escritor alemão Gottohol Ephraim Lessing descobriu que uma bíblia de

imagens – muito difundida na Europa durante toda a Idade Média – recebera o nome

de Bíblia pauperum ou Bíblia dos pobres. De acordo com Manguel (1997), isso

aconteceu, possivelmente, porque os responsáveis pelo ofício de classificação dos

acervos devem ter achado que esse tipo de bíblia (de imagens) deveria ser

destinado aos pobres e analfabetos que não poderiam realizar sozinhos a leitura das

escrituras sagradas. No entender deste autor, tal suposição provavelmente era

equivocada, uma vez que esses volumes, ricamente ilustrados e ornamentados,

deveriam ser inacessíveis aos desfavorecidos financeiramente. Essas narrativas

sacras visuais deveriam, portanto, servir a outro fim como, por exemplo, ajudar os

padres e pregadores a recontar de forma mais edificante e unificada as passagens

do Velho e do Novo Testamento.

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Nos dias atuais, muitas pessoas continuam cultivando essas pré-concepções

depreciativas com relação às imagens dos livros, subestimando o valor da leitura

visual, preterindo-a em favor da leitura verbal. Esquecem-se de que as ilustrações

podem permitir aos leitores interpretações que sejam exclusivamente deles, onde

podem dirigir seus pensamentos de acordo com seu ritmo próprio, projetando-se

num mundo de imaginação e devaneio importante para o desenvolvimento de sua

expressão criadora.

A palavra ilustração refere-se ao desenho, gravura ou imagem que acompanha

ou não um texto. Ela é entendida como a representação gráfica de uma idéia. Para

Condini (1989, p. 133), a ilustração assume função ilustrativa e de apoio à

decodificação do texto, na fase inicial da aprendizagem da linguagem verbal e

escrita.

A ilustração pode estar atrelada à narrativa, sendo sua função reconstituir os

fatos narrados, ou então, como uma segunda linguagem, não verbal e paralela ao

texto, estimular a imaginação e suscitar novas narrativas, inserindo o leitor dentro da

história, num diálogo constante com o texto verbal. De acordo com Aumont (1993, p.

80), a ilustração possui 03 funções:

Função simbólica – representa a realidade por meio de símbolos.

Função epistemológica – possibilita o conhecimento sobre o mundo através

de informações visuais.

Função estética – procura o belo, destina-se a agradar o seu espectador.

A partir de um paralelo que estabelece entre as funções da linguagem de

Jakobson e a imagem, Camargo (1995) propõe 08 funções para a ilustração,

alertando que nenhuma delas existe independentemente das outras, mas que

podem variar em intensidade, o que define sua dominância perante as demais:

1. Pontuação: a ilustração pontua o texto, isto é, destaca aspectos ou assinala

seu início e seu término.

2. Função descritiva: a ilustração descreve objetos, cenários, personagens,

animais, e assim por diante.

3. Função narrativa: a ilustração mostra uma ação, uma cena, conta uma

história.

4. Função simbólica: a ilustração representa uma idéia.

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5. Função expressiva/ética: a ilustração expressa emoções através da postura,

gestos e expressões faciais das personagens e dos próprios elementos

plásticos, como linha, cor, espaço, luz etc.

6. Função estética: a ilustração chama a atenção para a maneira como foi

realizada, para a linguagem visual.

7. Função lúdica: a ludicidade está presente no que foi representado e na

própria maneira de representar. A própria ilustração pode se transformar em

jogo.Quando isto acontece com o livro todo, configura um gênero híbrido: o

livro-jogo ou livro brinquedo.

8. Função metalinguística: metalinguagem é a linguagem que fala sobre a

própria linguagem.

A utilização das ilustrações é vista por alguns como um fator que provocaria o

desinteresse pela leitura (PERRONI, 1992; FRANÇOIS, 1996), mas, considerando-

se que as linguagens verbal e visual se integram, fica difícil imaginar que uma possa

anular a outra, pois como decodificar os signos visuais sem a utilização dos signos

verbais? Da mesma maneira, pode-se dizer que, na verdade, não há código verbal

sem imagens, ou melhor, iconicidade, pois nosso discurso verbal está repleto de

imagens.

Conforme Escarpit (1983, p.07), “Quase não se admite que se possa pensar a

partir de imagens. No entanto, para a criança que não lê, a imagem tem

incontestavelmente o valor do texto escrito, e o livro de figuras ou o álbum ilustrado

desempenham o papel do livro”. Como o adulto lê o texto escrito, a criança lê a

imagem, recebe dela uma mensagem, se expressa sobre essa mensagem e

comunica-se.

Contar uma história por imagens faz com que os ilustradores travem uma

espécie de luta contra as dificuldades que enfrentam com a ambigüidade do signo

visual. Como as palavras não aparecem nestes livros, as imagens devem ser auto-

explicativas, descrevendo, narrando, simbolizando e expressando coisas, fatos e

idéias, e a disposição dos fatos em seqüência deve ser cuidadosamente planejada

para se chegar ao sentido da narrativa, pois o livro de imagem tem como principal

objetivo deixar a criança falar. Segundo Abramovich (1997:32), “ao prescindir do

verbo, os livros de imagem dão toda a possibilidade para que a criança o use”. A

imagem compartilha de um mistério que desafia, na medida que faz o homem

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pensar e sonhar, sendo o advento do sentido. Na alquimia desse tipo de leitura, o

significado progride da imagem para a palavra, metamorfoseando um texto em outro.

1.4 O Livro de Imagem

Os estudos realizados por Camargo (1995) revelam a data de publicação do

primeiro livro de imagem brasileiro, Ida e volta (1976), de Juarez Machado. De lá

para cá, vários autores vêm explorando as possibilidades artísticas deste gênero,

que convida o leitor a participar, a construir um texto verbal a partir dos intervalos ou

vazios que unem as imagens umas às outras, levando-os a associar o representado

com o visto e vivido anteriormente.

A Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil incluiu, em 1982, na sua

premiação anual, a categoria de Melhor Livro de imagem, contribuindo para a

divulgação do gênero e para o reconhecimento de seus valores artísticos e

narrativos.

A expressão “livro de imagem” não é de uso generalizado, várias outras

expressões tem sido usadas: álbum de figuras, álbum ilustrado, história muda,

história sem palavras, livro de figuras, livro mudo, livro sem texto, texto visual, entre

outros.

Os livros de imagem são livros em que a história em si é contada com o uso

exclusivo de imagens, não apresentando texto escrito, ou seja, o enredo se constrói

a partir da seqüência das ilustrações. Desta maneira, as imagens assumem a função

narrativa, são as imagens que contam a história. O autor, às vezes, insere algumas

palavras na própria ilustração ou introduz/conclui a narrativa com algumas frases.

Neste tipo de livro, a imagem geralmente ocupa páginas inteiras, simples ou duplas,

em que cada imagem representa uma fase da narrativa especialmente escolhida e

condensada num instante, porém separada da seguinte por um longo intervalo de

tempo e espaço. Segundo Coelho (1991, p.112), a invenção/produção desses livros

surgiu em conseqüência das atividades do educador e orientador pedagógico Paul

Faucher (1898-1967), que percorreu a Europa Central “em missão oficial, visando o

intercâmbio das novas idéias e pesquisas pedagógicas, tendo como objetivo a

produção de um novo tipo de livro, com o predomínio absoluto da imagem,

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destinado a facilitar o processo educacional, desde suas primeiras horas”. Este

educador acreditava na eficiência dos meios visuais para promover o

desenvolvimento da criança que, desde muito pequena, poderia exercitar a

imaginação e receber informações através das imagens dos livros e, mais tarde,

realizar aquilo que chamou de leitura total, que supõe uma atitude dinâmica e

interrogativa, diante dos textos, das imagens, visando a uma possibilidade de ir além

deles.

O livro de imagem, geralmente destinado a um público cuja idade gira em torno

de 3 a 6 anos, pode atingir um número de leitores superior ao alcançado por outros

segmentos da literatura, como por exemplo, leitores não alfabetizados ou em fase de

alfabetização, e leitores de outros países, e, neste último caso, o mais interessante é

que os leitores têm acesso às narrativas visuais originais, sem a intermediação do

tradutor.

Para Camargo (1995, p. 79):

O livro de imagem não é um mero livrinho para crianças que não sabem ler. Segundo a experiência de vida de cada um e das perguntas que cada leitor faz às imagens, ele pode se tornar o ponto de partida de muitas leituras, que podem significar um alargamento do campo de consciência: de nós mesmos, de nosso meio, de nossa cultura e do entrelaçamento da nossa com outras culturas, no tempo e no espaço.

O livro de imagem sugere não só desafio à expressividade oral do leitor, como

também desafio à continuidade da leitura do seu mundo para que a compreensão

seja revelada sob forma de palavras.

É inegável que esse tipo de livro possa encontrar uma maior facilidade para

circular entre leitores de diferentes origens e localidades, mas isso não significa que

sejam lidos e compreendidos da mesma forma, por todos. Isto porque as imagens

sempre acabam oferecendo ao leitor um campo de dispersão muito maior que o

provocado pelas letras, que dirigem de uma forma mais direta o processo de leitura

devido a sua maior exatidão e submissão às convenções históricas e ao próprio

contexto de cada um.

Denise Escarpit (1983) constatou, em uma pesquisa, que crianças pequenas

freqüentemente tomavam uma pantera do livro La Grande Panthère Noire como

sendo um gato, certamente porque conheciam melhor os felinos domésticos do que

os selvagens. Portanto, de acordo com Ferraro (2001, p.30), “ao contrário do que

muitos acreditam que aconteça, a imprecisão da linguagem visual e a sua

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dependência em relação a questões de ordem cultural e social inviabiliza e

desautoriza o discurso da recepção automática da imagem”. Por isso na conexão

entre o texto e o seu contexto, a criança lê a imagem através dos conhecimentos

armazenados em sua memória, a partir de suas próprias experiências.

Eco (1994, p.09) alerta para o fato de que os “dados enciclopédicos” dos

leitores os auxiliarão no preenchimento dos espaços vazios do texto, que é “uma

máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça uma parte de seu trabalho”. Sempre

que instigado a interpretar uma narrativa, o leitor aciona a sua “enciclopédia

particular”, que compreende a totalidade dos conhecimentos com os quais está mais

ou menos familiarizado, e aos quais pode recorrer na hora da leitura.

1.5 Algumas características da Leitura do Livro de Imagem

Na leitura do livro de imagem, o trabalho é confiado à mente e à imaginação do

leitor, principalmente no momento em que ele se propõe a elaborar um texto verbal

(interno ou oral), que confere sentidos à seqüência de imagens. Geralmente

narrados em terceira pessoa, possuem uma linguagem econômica, visto que, neste

gênero, os fatos se desenvolvem com extrema rapidez, por conta das limitações de

tempo e espaço do veículo. Tudo deve acontecer, literalmente, num piscar de olhos

através do virar das páginas, sem maiores rodeios e explicações que poderiam

desacelerar o ritmo do texto que, freqüentemente, possui uma narrativa linear e

seqüencial, próxima de uma organização tradicional oral, cujas ações vão sendo

apresentadas cronologicamente. O leitor, por sua vez, recebe o encargo de

preencher o “vazio” que separa as imagens, na tentativa de relacioná-las entre si e

construir um sentido para o texto visual.

A leitura das ilustrações é um processo dinâmico em que a criança estabelece

uma relação com a imagem através da observação, atenção, comparação e

contextualização. Para tanto, pressupõe-se uma inter-relação entre o objeto

(imagem), a memória do receptor (leitor) e suas experiências.

Alguns estudiosos, como Camargo (1995, p. 85), defendem que, conforme a

idade e desenvolvimento, a criança lê a imagem em três níveis de percepção:

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1. Enumerando elementos isolados;

2. Descrevendo situações, cenas (elementos em relação);

3. Narrando uma história (quando relaciona as cenas).

Dessa maneira, ela começa uma leitura de imagem denominando os elementos

que a compõem, depois passa a descrever a cena, e, finalmente, consegue

estabelecer uma relação entre o conjunto das imagens. Para esses estudiosos, se a

criança ultrapassar os três níveis, pode-se dizer que seu comportamento diante do

texto não-verbal é um comportamento de leitor comparável àquele do adulto diante

do texto escrito.

Breves (2003) observa, entretanto, que esses níveis não são estanques e não

há oposição entre eles, visto que constituem um continuum em que a criança vai, de

maneira gradual, de um ao outro.

Furnari (1989, p. 105) entende que o leitor pode ler uma mesma ilustração

através de dois processos diferentes:

a) No primeiro, busca a informação objetiva contida nos aspectos descritivos ou

narrativos da imagem, como as figuras, a paisagem, o local, a situação.

b) No segundo, busca a informação subjetiva, “uma sensação, uma impressão”,

produzida através da técnica, das cores, da luz e textura.

Pela via da oralidade, a criança cria sua narrativa, baseando-se no livro de

imagem, abrindo espaço para o seu desenvolvimento lingüístico, discursivo,

intelectual e estético. Assim, pode-se considerar esse livro como uma verdadeira

experiência do olhar e da imaginação, e só uma aprendizagem de leitura bem feita

pode dar às crianças as primeiras armas do pensamento, pois aprender a falar e a

ler (ver, refletir, compreender) é aprender a pensar. Ler imagens não é só

transformar em palavras, em sons e sentido, mas é construir através do

conhecimento, da memória e da ideologia. Ler e ver se inter- relacionam, aprender a

ler é aprender a ver, é ampliar a sua visão de mundo.

Desta forma, resgatam-se as idéias sobre a necessidade de ver com outros

olhos a prática de leitura de imagens, pois além de ser uma atividade prazerosa,

possibilitar o desenvolvimento da percepção e criatividade, pode também auxiliar na

compreensão de um contexto social onde uma das principais fontes de informação é

a imagem (RUSSO, 1997, p. 23).

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1. 6 Da Imagem para a Fala: um processo de retextualização

Marcuschi (2001) chama o processo de transformação da fala para a escrita de

retextualização, atividade lingüística tão comum na vida diária que passa de forma

despercebida. Atividades de retextualização ocorrem, rotineiramente, através das

sucessivas reformulações de um mesmo texto, variando registros, gêneros textuais,

níveis lingüísticos e estilos, de maneira bastante diversificada na sociedade e nos

seus jogos lingüísticos. O autor apresenta as seguintes formas de retextualização

(2001, p.48):

Possibilidades de Retextualização

1-Fala Escrita (entrevista oral entrevista impressa)

2-Fala Fala (conferência tradução simultânea)

3-Escrita Fala (texto escrito exposição oral)

4-Escrita Escrita (texto escrito resumo escrito)

Na produção do Livro de Imagem, podem-se ter duas situações:

a) o produto (livro de imagem) constitui o resultado de uma criação do

autor/desenhista com base em sua imaginação;

b) o ilustrador recebe um texto escrito e o transforma em imagem.

Ora, como nem todo texto escrito constitui processo de retextualização, mas

um produto da imaginação no momento da criação, o produtor de textos de imagem,

com base em sua imaginação, não estaria, necessariamente, retextualizando. Já o

ilustrador ao produzir o livro de imagem com base em um texto previamente

elaborado, estaria realizando um processo de retextualização. Neste caso, pode-se

fazer um paralelo com a classificação de Marcuschi (2001) em que o texto de

imagem seria um processo de retextualização da escrita para a escrita,

considerando-se aqui a imagem icônica como uma forma de registro (a escrita).

Um dos aspectos a ser observado nesse processo é a relação tipológica entre

o gênero textual original e o gênero do texto produzido. A leitura do livro de imagem,

conforme Almeida (2004) se insere nos muitos processos de retextualização, visto

que apresenta variações nas estruturas textuais-discursivas, nas seleções lexicais,

no estilo, no grau de formalidade de acordo com o contexto.

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Na leitura do livro de imagem, há o processo de reformulação do texto icônico

(narrativa iconográfica) para o texto oral (narrativa oral), e a produção oral da história

contida nas imagens mantém a mesma tipologia textual do livro – a narrativa

(ALMEIDA E NOGUEIRA, 2003).

Partindo do princípio de que a verdadeira aprendizagem só ocorre quando a

criança é incentivada e desafiada para que, praticando a sua individualidade,

observe, explore, pense, faça, levante hipóteses e, dessa forma, produza

conhecimento, a prática de leitura de imagem pode ampliar o prazer estético e

perceptivo das mensagens visuais, pois incentiva o sentido da observação, e o olhar

amplia os conhecimentos. Dessa forma, a retextualização do texto icônico para o

texto oral pode ser vista como uma ferramenta importante para a elaboração da

linguagem, já que propicia à criança a construção do(s) sentido(s) de um texto não

verbal.

A linguagem não verbal constituída pelos signos iconográficos possibilita ao

leitor uma leitura bem mais dinâmica que se faz e refaz a cada instante, dando maior

liberdade à criatividade e imaginação, permitindo infinitos significados, decifrados

através da descoberta de um sentido oculto e metafórico, característico desta

linguagem.

A leitura do texto icônico, retextualizado em texto oral, usa os olhos como se

estivessem tocando a tridimensionalidade da imagem e isto é representado através

da fala, dos seus aspectos prosódicos, envolvendo também a gestualidade, o

movimento do corpo e a mímica daquele que lê.

Para melhor compreensão da atividade de retextualização, faz-se necessária

uma discussão mais detalhada sobre texto, apresentada no próximo capítulo.

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CAPÍTULO II

2.1 Sobre o Texto: do Gênero à Tipologia

Como produtos da atividade humana, os textos são articulados às

necessidades, às motivações e condições de funcionamento das formações sociais

no âmbito das quais são desenvolvidos. Diante da diversidade de contextos sociais,

foram elaborados diferentes tipos de textos, no quadro de cada comunidade verbal.

Desde a antiguidade grega até hoje, existe uma preocupação em delimitar e nomear

essa diversidade das espécies textuais, centradas, na maioria dos casos, na noção

de gênero de texto.

Não existe uma tipologia única, sistemática e explícita, muito pelo contrário, o

que se encontra nos diferentes trabalhos referente ao tema é uma diversidade de

classificações que levam em conta diferentes critérios como funções da linguagem,

intencionalidade do emissor, prosa de base, traços lingüísticos ou estruturais, efeitos

pragmáticos, variedades de linguagem, recursos estilísticos e retóricos, etc.

(BERNARDEZ, 1987).

Mikhail Bakhtin, que, no início do século XX, dedicou-se aos estudos da

linguagem e da literatura, foi o primeiro a empregar a palavra gêneros com um

sentido mais amplo, referindo-se também aos tipos textuais que empregamos nas

situações cotidianas de comunicação. Ele diz que sempre que falamos utilizamos

gêneros do discurso, ou seja, todos os enunciados são construídos a partir de uma

forma padrão de estruturação. O gênero pode ser definido, dessa maneira, como

“tipos relativamente estáveis de enunciados”, elaborados por cada esfera de

utilização da língua. Assim, o autor enquadra os gêneros discursivos em duas

classes: os gêneros primários (simples) - a conversação oral cotidiana e a carta

pessoal - que “são constituídos em circunstâncias de comunicação verbal

espontânea”; e os gêneros secundários (complexos) - o romance, o teatro, o

discurso científico e o discurso ideológico, entre outros - que “aparecem em

circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa e relativamente mais

evoluída, principalmente escrita: artística, científica, sócio-política” (BAKHTIN, 1992,

p. 28).

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Se os gêneros não existissem e se não os dominássemos, tendo que criá-los

pela primeira vez no processo da fala, a comunicação verbal seria quase impossível

(BAKHTIN, 1992). Dadas as diferentes situações de uso, os enunciados vão sendo

organizados, agrupados em tipos - de acordo com a finalidade - e ensinados de

forma a levar o aprendiz a tomar conhecimento dos diferentes tipos e a usá-los de

acordo com os objetivos que têm em mente (PASQUIER E DOLZ, 1996).

Consoante com esta perspectiva bakhtiniana, para Bronckart (1999), a

utilização de uma língua efetua-se sob a forma de enunciados (orais e escritos) que

são provenientes dos representantes de um ou do outro domínio da atividade

humana, que elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, ao que

Bakhtin denomina gênero do discurso. Este autor lembra ainda que todo texto é

necessariamente composto por tipos de discursos, ou seja, “formas de organização

lingüística em numero limitado, com as quais são compostas, em diferentes

modalidades, todos os gêneros textuais” (1999, p.137).

A tipologia tradicional apóia-se numa classificação triádica para os gêneros

textuais: narração, descrição e dissertação. Reconhecer nas unidades textuais

selecionadas para a leitura e a produção em sala de aula apenas essas três formas

de expressão pode parecer excluir da prática escolar o exercício autêntico da

linguagem.

As teorias mais recentes sobre gêneros textuais (BRONCKART, 1999,

MARCUSCHI, 2002) mostram que essa classificação não dá conta das diferentes

práticas sociais da fala e da escrita, uma vez que privilegiam somente as

modalidades ou formas de organizar as informações nos mais variados gêneros, e

tais formas podem ocorrer, não raramente, combinadas, ou seja, elas não são

sempre predominantes e exclusivas num texto, nem facilmente identificadas e

delimitadas. Com freqüência, um único texto é tipologicamente variado ou

heterogêneo. Se uma pessoa, por exemplo, quer contar a um parente ou a um

amigo distante como foi sua viagem de férias para o interior, não diz que vai enviar-

lhe pelo correio uma narração dos fatos mais interessantes, acompanhada da

descrição da cidade interiorana que conheceu, mas diz que vai escrever-lhe uma

carta. A carta é o gênero, é o instrumento de intercomunicação nomeado

socialmente e não a narração ou a descrição. A estrutura dos textos das cartas é

que pode ser de natureza narrativa, descritiva ou argumentativa, e pode ser de

natureza mista, dependendo dos propósitos do emissor.

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Uma nova perspectiva de olhar para a estrutura textual é defendida por alguns

autores, que preferem chamar os gêneros tradicionais de tipos ou de seqüências

textuais.

A classificação tradicional de gênero, restrita à narração, descrição e

dissertação, está sendo substituída pela noção de seqüência, defendida por Adam

(1993), e o termo “seqüência” vem sendo empregado no Brasil ao lado de “tipo de

texto” (MARCUSCHI, 2002) ou “tipo textual” (SILVA, 1995), para nomear as

diferentes formas de organizar as informações no texto.

Para enfrentar as restrições que tais condições impõem a uma tipificação dos

textos, e ainda, considerando o texto como fenômeno heterogêneo que se reflete na

própria tipologia, Adam (1993) adota uma noção modular de sistema da língua para

a montagem da tipologia textual. Assim, os textos são compostos por planos de

organização que lhe garantem a textualidade, e um desses planos de organização é

a seqüência.

Os planos de organização estabelecidos por esse autor são cinco e podem ser

agrupados em pragmáticos e proposicionais. Os planos de organização pragmática

são três: 1) a função Ilocutória, em que o texto é uma seqüência de atos de discurso

que pode ser considerada ela mesma como um ato de discurso unificado – a força

ilocutoria global define todo o texto como tendo uma intenção (explicita ou não) de

agir sobre as representações e comportamentos do destinatário (individual ou

coletivo); 2) os marcadores enunciativos que situam texto, autor e leitor e 3) o mundo

textual que compreende a organização semântico-referencial, representada por

aquilo que se chama a macroestrutura semântica ou, de forma mais simples, o tema

global de um enunciado. Os planos proposicionais, em número de dois, asseguram a

articulação das proposições: 1) a gramática da frase ou do texto – responsáveis pela

conexão textual (ou organização geral) e 2) a organização seqüencial (ou protótipos

de seqüência) que, segundo Adam, constitui a base mais interessante da tipologia.

Nesse mesmo estudo, Adam propôs uma teorização da organização dos textos

baseada na noção fundamental de seqüência. Para ele, as seqüências são unidades

estruturais relativamente autônomas, que integram e organizam macroposições.

Estas, por sua vez, agregam diversas proposições, podendo a organização linear do

texto ser concebida como o produto da combinação e articulação de diferentes tipos

de seqüência, divididas por esse autor em cinco :

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1. seqüência narrativa, composta de: sucessão de eventos (característica

temporal); unidade temática; predicados transformados; um processo; causalidade

narrativa de uma intriga; uma avaliação final (implícita ou explícita);

2. seqüência descritiva, com procedimentos de: ancoragem, aspectualização,

relações, encadeamento por subtematização;

3. seqüência argumentativa - visa intervir sobre as opiniões, comportamentos

ou atitudes de um interlocutor ou de um auditório, tornando aceitável um enunciado

(conclusão) apoiado, conforme as modalidades diversas, sobre um outro

(argumento/dado/razão);

4. seqüência explicativa - pressupõe e estabelece um contrato nas seguintes

condições pragmáticas: a) o fenômeno a explicar é incontestável; b) o que deve ser

explicado é o que está incompleto; c) aquele que explica está em condições de o

fazer;

5. seqüência dialogal - realização interativa que se apresenta não somente

como uma sucessão de trocas, mas como uma estrutura hierarquizada de trocas,

uma co-construção.

Adam conclui seu estudo sobre tipologias afirmando que os textos

homogêneos, ou seja, aqueles em que ocorre só um tipo de seqüência, são mais

raros que os textos heterogêneos, compostos por seqüências realizadas em

diferentes protótipos.

Silva (1995), no modelo que elabora, concilia contribuições advindas de várias

perspectivas de análise, e propõe critérios para uma classificação dos tipos textuais-

discursivos em níveis, pois, de um ponto de vista lingüístico, acredita que uma das

grandes dificuldades encontradas nas classificações de tipos textuais decorre da

falta de distinção entre os planos ou níveis de análise. Os três níveis propostos por

ela são:

a) Primeiro nível: estruturas discursivas (contempla os critérios formais ou

internos).

São estruturas discursivas disponíveis e pertencem ao plano das

potencialidades da língua, tradicionalmente identificadas como gêneros de discurso:

estrutura narrativa: predicados de ação; juntura temporal;

estrutura descritiva: predicados estativos em torno de entidades;

estruturas de tipo expositivo/argumentativo: proposições, construções

sintáticas complexas (subordinação) e construções hipotéticas;

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estruturas procedurais: organizações seqüenciais nas quais a referência a

pessoa tem menos interesse que o processo em si (daí a ocorrência de sujeitos

genéricos ou da impessoalidade); o verbo se apresenta no modo dos diretivos, o

imperativo, o futuro ou o infinitivo; é comum o uso de orações independentes;

estrutura expressiva: predicados com verbos de opinião, avaliativos, ou

subjetivos, em que predomina a primeira pessoa;

estruturas dialógicas: identificadas pela alternância das pessoas do discurso

envolvidas, podendo, porém, ser reproduzidas em certas formas da escrita.

b) Segundo nível: uso das estruturas discursivas em situações reais de

comunicação (contempla os critérios funcionais, do âmbito do discurso ou externos).

São instâncias de uso de estruturas que aparecem sob organizações típicas

associadas às diversas atividades desenvolvidas pelos indivíduos, como, por

exemplo, a estória, a piada, o editorial. A partir deste nível, surge a diferença fala-

escrita onde se pode observar a existência de alguns exemplares prototípicos ou

casos que apresentam propriedades que permitem uma rápida identificação do tipo

de texto com uma estrutura de referência.

c) Terceiro nível: função ou propósito comunicativo com que dada unidade

discursiva é empregada, sua força ilocucionária, ou a variedade de eventos

comunicativos a que se associa. É o nível das superposições, em que se busca

identificar qual a intenção predominante (KOCH, 1984; SILVA, 1995). Esse terceiro

nível contempla a diferença entre a estrutura de tipo textual, sua ocorrência num tipo

de enunciado e a inserção desse tipo (ou unidade) num aspecto discursivo mais

abrangente; aspecto esse que teria uma função peculiar, ou um propósito

comunicativo específico.

A partir de uma hipótese sócio-interativa da língua, Marcuschi (2002) adota o

pressuposto básico de que só é possível se comunicar por algum gênero e que o

discurso só se realiza por algum texto, assim a comunicação verbal só ocorre por

algum gênero textual. Então, o que acontece na sociedade, em termos de relações

interacionais, se dá por meio de gêneros textuais e não de formas de organizar e de

transmitir as informações que se reconhecem na estrutura textual. Trata-se,

portanto, de escolhas que se definem em função de cada gênero e dos propósitos

comunicativos nos mais diferentes contextos sociointeracionais.

Para uma melhor compreensão da distinção entre gêneros e tipos textuais, o

autor apresenta um quadro sinóptico com posições também defendidas por autores

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como Biber (1988), Swales (1990), Adam (1990), Bronckart (1999), conforme

referido por ele (p.23):

TIPOS TEXTUAIS GÊNEROS TEXTUAIS 1. constructos teóricos definidos por

propriedades lingüísticas intrínsecas;

2. constituem seqüências lingüísticasou seqüências de enunciados e não são textos empíricos

3. sua nomeação abrange um conjuntolimitado de categorias teóricas determinadaspor aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal;

4. designações teóricas dos tipos: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição

1. realizações lingüísticas concretasdefinidas por propriedades sócio-comunicativas;

2. constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações comunicativas;

3. sua nomeação abrange um conjuntoaberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função;

4. exemplos de gêneros: telefonema,sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, aula expositiva, reunião de condomínio, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo virtual, aulas virtuais etc.

Nessa abordagem, enquanto os gêneros textuais são inúmeros em diversidade

de formas e caracterizam-se como textos específicos, ligando-se a variáveis

vinculadas aos falantes ou produtores dos textos, os tipos textuais constituem-se em

estruturas e funções categorizadas conforme a classificação acima. Assim, para se

caracterizar um tipo básico de texto são destacados os traços lingüísticos que mais

predominam, pois de acordo com Marcuschi (2002) um tipo não é um texto e sim um

conjunto de traços que formam uma seqüência.

Partindo de estruturas lingüísticas típicas dos enunciados que formam a base

do texto, Werlich (1973, apud MARCUSCHI 2002) propõe uma matriz de critérios

com cinco bases temáticas textuais típicas que darão origem aos tipos textuais,

como mostrado na figura abaixo:

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Tipos textuais segundo Werlich (1973) Bases temáticas Exemplos Traços lingüísticos:

1. descritiva"Sobre a mesa havia milhares de vidros”.

Este tipo de enunciado textual tem uma estrutura simples com um verbo estático no presente ou imperfeito, um complemento e uma indicação circunstancial de lugar

2. narrativa"Os passageiros aterrissaram em Nova York no meio da noite”.

Este tipo de enunciado textual tem um verbo de mudança no passado, um circunstancial de tempo e lugar. Por sua referência temporal e local, este enunciado é designado como enunciado indicativo de ação.

3. expositiva

(a) "Uma parte do cérebro é o córtex”.(b) "O cérebro tem 10 milhões de neurônios".

Em (a) temos uma base textual denominada de exposição sintética pelo processo da composição. Aparece um sujeito, um predicado (no presente) e um complemento com um grupo nominal. Trata-se de um enunciado de identificação de fenômenos. Em (b) temos uma base textual denominada de exposição analítica pelo processo de decomposição. Também é uma estrutura com um sujeito, um verbo da família do verbo ter (ou verbos como: "contém", "consiste", "compreende") e um complemento que estabelece com o sujeito uma relação parte-todo. Trata-se de um enunciado de ligação de fenômenos.

4. argumentativa

"A obsessão com a durabilidade nas Artes não é permanente”.

Tem-se aqui uma forma verbal com o verbo ser no presente e um complemento (que no caso é um adjetivo). Trata-se de um enunciado de atribuição de qualidade.

5. injuntiva"pare!" , "seja razoável!"

Vem representada por um verbo no imperativo. Estes são os enunciadosincitadores à ação. Estes textos podem sofrer certas modificações significativas na forma e assumir, por exemplo, a configuração mais longa onde o imperativo é substituído por um "deve". Por exemplo: "Todos os brasileiros na idade de 18 anos do sexo masculino devem comparecer ao exército para alistarem-se”.

A partir deste quadro, Marcuschi (2002) apresenta uma breve definição de

cada seqüência textual. Ele diz que o elemento central na organização de textos

narrativos é a seqüência temporal, enquanto no caso de textos descritivos

predominam as seqüências de localização. O predomínio de seqüências analíticas,

ou então explicitamente explicativas, são encontrados nos textos expositivos. O

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predomínio de seqüências contrastivas explícitas se dão nos textos argumentativos,

e o predomínio de seqüências imperativas pode ser vista nos textos injuntivos.

Nessa perspectiva, classifica-se o livro de imagem como uma narrativa no

gênero icônico. No entanto, é importante lembrar que dificilmente a narração ocorre

isolada da descrição, e vice-versa. Os conceitos de descrição e narração são mais

pressupostos metodológicos do que resultado da observação experimental dos

discursos. Enquanto a primeira explana, informa uma situação, a outra explana as

mutações da situação. Assim, pelo fato de estarem, de certa maneira, imbricadas,

optou-se por, no próximo capítulo, tratar da narrativa, comentando-se também a

respeito da descrição, mesmo que de forma não aprofundada.

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CAPÍTULO III

Contar, viver. E, nesta carpintaria, tecelagem que é a criação, importa o narrar. (Gláucia de Souza)

3.1 Sobre Narrativas

A arte de contar histórias é uma das mais antigas. Desde os tempos pré-

históricos, a narrativa tem se revelado como uma necessidade humana. “O impulso

de contar estórias deve ter nascido no homem no momento em que ele sentiu

necessidade de comunicar aos outros uma certa experiência sua, que poderia ter

significação para todos” (COELHO, 1991, p.13). O ato de narrar além de permear as

relações humanas, pois dele decorre a troca de experiências, não só se constitui um

instrumento de comunicação como atende aos aspectos afetivos e intelectuais do

homem.

Nos velhos tempos, as pessoas sentavam-se ao redor do fogo para se

aquecer, alegrar, conversar, contar casos. Dessa forma, as histórias se incorporaram

à nossa cultura e chegaram às nossas casas através da doce voz materna, das

babás e dos livros coloridos.

A literatura, parte importante na vida da criança, desde a mais tenra idade,

constitui alimento precioso para sua alma. As histórias, contadas ou lidas, são fontes

de experiências, alegria e encantamento. São meios preciosos de ampliar o

horizonte da criança e aumentar seu conhecimento em relação ao mundo que a

cerca, tornando-a mais reflexiva e crítica frente à realidade social em que vive e

atua, desenvolvendo seu pensamento organizado.

A literatura infantil tem o poder de suscitar o imaginário, de responder às

dúvidas em relação a tantas perguntas, de encontrar novas idéias para solucionar

questões e instigar a curiosidade do pequeno leitor. Esse processo de ouvir histórias

tem uma importância que vai muito além do prazer proporcionado, pois é um dos

meios mais eficazes para a efetiva iniciação das crianças na construção da

linguagem, idéias, valores e sentimentos os quais ajudarão na formação de sua

personalidade.Para Lajolo (1997, p.106):

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É a literatura, como linguagem e como instituição, que se confiam os diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e comportamentos através dos quais uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias. Por isso a literatura é importante no currículo escolar, o cidadão para exercer plenamente sua cidadania, precisa apossar-se da linguagem literária, alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário competente, mesmo que nunca vá escrever um livro: mas porque precisa ler muitos.

A exposição e o gosto pela leitura de histórias é um processo, como

comentado no capítulo anterior, que tem início no seio familiar. Quando os pais lêem

para seus filhos textos interessantes e com boa qualidade, nota-se que estarão

transmitindo a eles informações variadas sobre a língua escrita e sobre o mundo.

Aprende-se a gostar do livro pelo afeto, quando a mãe canta ao embalar o berço, ou

narra velhas histórias aprendidas pelos avós, por isso “é tão importante o papel de

quem convive com a criança, pois é, sobretudo, através do afeto que a criança se

desenvolve e aprende” (SILVA, 1994, p.12).

3.2 A Narrativa na Perspectiva de Perroni

No Brasil, o estudo de Perroni (1992) propôs a identificação de processos pelos

quais passam as crianças na construção de narrativas, a partir de uma visão sócio-

interacionista. A autora fez um estudo longitudinal que teve como objetivo descrever

e explicar o processo de desenvolvimento do discurso narrativo em duas crianças

falantes do português, na faixa etária de 02 a 05 anos. Ao sustentar que a criança

apresenta diferentes formas de narrar, Perroni abre a perspectiva da construção

interativa da história entre adulto e criança, o que denomina de jogos de contar;

passa pela possibilidade do que chama de colagem, em que fragmentos de histórias

ouvidas são retomados em outras narrativas e menciona, ainda, a possibilidade de

combinação livre, como etapas anteriores à construção da narrativa autônoma.

Valendo-se da definição de narrativa como a ordenação lingüística de eventos/

ações relacionados de alguma forma temporalmente, concebe a narrativa como

estando em oposição à enumeração ou listagem feita pelo locutor de ações ou

processos habituais ou não, sendo indispensável para que haja a narrativa, o

acontecimento “singular” e “inédito”, digno de “ser narrado”. Os critérios lingüísticos,

apontados por Perroni, para a identificação de um texto narrativo são:

a) existência de dependência temporal entre um evento X e outro Y;

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b) orações que expressam dependência temporal, constituídas por verbos de

ação;

c) o emprego do tempo perfeito.

Esses critérios, no entanto, podem ser empregados na identificação de textos

narrativos adultos, mas em se tratando da análise de narrativas infantis não podem

ser seguidos com rigor nas primeiras fases.

Perroni critica a concentração de trabalhos em narrativas de experiência

pessoal, como os do modelo estruturalista de Labov e Waletzky (1967), deixando de

lado as narrativas do tipo “estória”, que partilham muitas características das

primeiras, visto que contar o passado, fato relacionado às experiências pessoais, e

contar uma “estória” não é muito diferente, pois na “estória” há também uma

dependência temporal entre os eventos. Perroni, apesar das críticas, reconhece a

importância da abordagem estrutural para um entendimento maior da natureza

narrativa. Para ela, no entanto, este conhecimento é insuficiente para um estudo do

processo de desenvolvimento, e propõe que se levem em consideração outros

fatores para além da estrutura, relacionados ao contexto de interação dos

interlocutores na produção das narrativas.

Com a revisão de estudos sobre o discurso narrativo de crianças, a autora

salienta a importância de fatores situacionais e contextuais da interação, como por

exemplo, a presença de um adulto interessado e o papel de textos modelos (ouvidos

em casa) na produção de narrativas. Para ela, o esquema narrativo é construído

pela criança através da interação pela linguagem. A interlocução é que permitirá a

construção de esquemas mentais, e não o contrário, a linguagem preencher os

lugares num esquema mental subjacente, como defendido por Kintsch e Van Dijk

(1975).

O estudo de Applebee (1978, apud PERRONI, 1992), que investiga sobre

narrativa de sujeitos ingleses e americanos na faixa etária dos 02 aos 17 anos, traça

uma linha do desenvolvimento do conceito de estória na criança e no adolescente.

Ele observou que a criança, desde pequena, começa a reconhecer na estória um

sentido diferente de outros tipos de discurso, distinguindo as estórias segundo as

três características identificadas por ele: abertura formal (“era uma vez”); fecho

formal (“fim” ou “felizes para sempre”) e o uso do verbo no tempo passado.

Segundo o autor, as crianças de 02 anos já distinguem as “estórias” segundo essas

características (70% usam pelo menos uma delas). Aos 05 anos, 47 % das crianças

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apresentam essas três características. Quanto à veracidade ou ficção das estórias,

Applebee verificou que só perto dos 05 anos a criança começa a questionar sobre

fato e ficção, pois até então tudo é aceito como real.

Perroni, na análise de seus dados, observa fases distintas pelas quais as

crianças passam na construção do discurso narrativo. A primeira fase é das

“protonarrativas”, a segunda é a de técnica narrativa primitiva e a terceira fase é

aquela que mostra a criança já se configurando como narrador, apresentando

elementos inerentes à narrativa bem construídos.

Na fase inicial, desde os dois anos de idade, a produção narrativa da criança

resulta da construção conjunta, envolvendo tanto a criança quanto o adulto, ambos

assumindo papéis específicos um em relação ao outro. A atuação do adulto, com

papel fundamentalmente ativo, consiste em dirigir-se à criança com perguntas que,

quando respondidas, favorecem o surgimento desse tipo de discurso (sua

macroestrutura). Até perto dos 03 anos de idade, o que se encontra não são

narrativas, mas determinados comportamentos que ela considera como precursores

da narrativa, denominados de protonarrativas. As tentativas de narrar dessa fase

surgem, portanto, em resposta a perguntas do adulto, o qual, aos poucos, vai

acrescentando questões que vão requerendo da criança o preenchimento de

elementos dentro de uma estrutura típica do discurso narrativo. A narrativa da

criança é do tipo relato, uma narrativa construída para recuperar lingüisticamente

uma seqüência de experiências vividas pelo narrador, há um compromisso com a

“verdade”. Perroni lembra que unidades da estrutura narrativa descrita por Labov

(1967) poderiam ser introduzidas por questões especificas, como: “quem”, “quando”,

“o que” e “onde” corresponderia à orientação; “o que aconteceu” à complicação,

unidade que consiste na ação propriamente dita. A partir dos 03 anos, foram

identificados elementos constitutivos de uma técnica narrativa primitiva, como a

colagem, a combinação livre e o apoio no presente, através dos quais a criança dá

passos importantes em direção a um papel cada vez mais ativo em suas narrativas.

A colagem trata da adaptação, incorporação ou ajuste de construções sintáticas/

semânticas, sem cerimônia de fragmentos da estória tradicional na narrativa da

criança. A combinação livre se manifesta no nível do discurso e do léxico, e surge

como a contribuição mais criativa da criança na construção de narrativas. É o

recurso de combinar fonema/morfemas do português obtendo formas possíveis, mas

não existentes. O apoio no presente é uma outra maneira da criança preencher os

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espaços gramaticais na construção das suas narrativas. Ela insere nas narrativas

experiências pessoais vividas na situação imediata de interação lingüística, ou atribui

a objetos físicos, presentes na situação de interação, a capacidade de desencadear

lembranças de eventos passados (recurso utilizado pelo adulto na fase das

protonarrativas para desencadear as narrativas).

Nessa fase, Perroni detecta a presença de mais dois tipos de narrativas: os

casos e as estórias. Os “casos” apresentam ações/ eventos inspirados na

experiência organizada, ainda que precariamente na memória da criança, possíveis

de serem chamados à menção a qualquer momento. Trata-se da mais livre atividade

de criação do narrador, visto que não há compromisso nem com um enredo fixo,

nem com a verdade. Para a autora, a “estória” tem um papel significativo na

aquisição do discurso narrativo, que pode ser observado na fase entre os 03 e 04

anos de idade. Na estrutura das “estórias” existem marcas lingüísticas salientes:

a) Era uma vez (ou um verbo no imperfeito introduzindo a abertura da

“estória”)

b) daí, então, um belo dia (introduzindo a ação propriamente dita, seção

essencialmente narrativa).

c) acabou a história, morreu a vitória, foram felizes para sempre (fórmulas

de fechamento da “estória”).

Aos 3, 6 anos, a criança começa a assumir sua condição de narrador. Além

das primeiras tentativas de construção do inédito, surgem os primeiros empregos de

discurso direto, elaborados com as estratégias de colagem e combinação livre como

preenchimento de “lugares” gramaticais, criados em enunciados de verbo “de dizer”,

privilegiando o mecanismo formal de citação. Isso demonstra, para a autora, uma

dependência entre o “conteúdo” de fala das personagens na narrativa e a fala do

narrador. Assim, atribuir vozes às personagens de maneira independente da voz do

narrador parece ser posterior à marcação gramatical da citação e revela uma

evolução da criança na construção da narrativa. Partindo desse ponto de vista, a

seqüência desenvolvimental de manifestação do diálogo na narrativa é, para

Perroni, da narrativa sem diálogo àquela com diálogo, ou seja, a criança

primeiramente apresenta narrativas em que a voz do personagem é incorporada à

do narrador, através do discurso indireto, e depois passa a apresentar a voz da

personagem diretamente. Tentativas de discurso indireto precedem outras de

discurso direto.

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Após os 4,0 anos de idade as crianças tomam, cada vez mais, a iniciativa de

relatar eventos/ações passados e com isso assumem um papel mais ativo e

autônomo na construção de narrativas. Aos 5,0 anos, Perroni conclui que é possível

identificar o conceito subjacente de discurso narrativo na criança, pois esta

demonstra saber que esse tipo de discurso tem uma estrutura peculiar em que a

ordenação temporal/causal de eventos é importante. A idéia central que permeia o

trabalho dessa autora parece ser a de que é através da atividade comunicativa, na

interação entre sujeitos, que a criança constrói o conceito de narrativa e passa a

fazer uso deste de maneira mais eficaz.

3.3 Os Organizadores Textuais nas Narrativas Orais

A narrativa é, por definição, um texto autônomo, um texto não ancorado no aqui

e agora da situação de interlocução. O texto narrativo remete para um tempo e um

espaço diferentes, disjuntos em relação à situação de interlocução. Por não ser

localizado na situação de interlocução, ele deve conter as coordenadas espaço-

temporais que lhe servem de localizador.

Estudos mostram que, cedo, a criança aprende essa marcação na oralidade.O

trabalho de Perroni (1992) fornece um panorama amplo da noção de tempo, na

medida em que descreve o desenvolvimento do discurso narrativo em duas crianças.

Para a autora, aos dois anos, a criança ainda não é capaz de construir sozinha

um discurso narrativo, pois o tipo de discurso que a criança dispõe nessa fase está

ancorado no aqui/agora. Agora é o organizador presente nesse momento, bem

como outras expressões aspectuais: já, pronto, outra vez.

Por volta dos dois anos e sete meses, a autora observa que começam a surgir

expressões de relações temporais: depois, daí, então, ontem, amanhã, de noite. A

partir dos três anos de idade aumenta o número de tentativas de construção de

histórias, e nesse período a autora observa que as construções que a criança utiliza

para relacionar os eventos são do tipo justaposição, em que a ligação se dá

basicamente pelo operador (e) daí.

Entre os três e quatro anos ressalta como marcas lingüísticas mais salientes a

abertura (era uma vez), os operadores que introduzem uma ação propriamente dita

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(daí, então, depois, um belo dia) e as fórmulas de fechamento (acabou a historia,

morreu a vitória, foram felizes para sempre).

Paralelamente ao aumento do número de tentativas de narrar, depois dos 3

anos de idade, Perroni identifica que o quando passa por transformações no

processo de construção de seu significado pela criança. A introdução deste operador

no discurso infantil dá origem à passagem da estrutura X DAÍ Y, por exemplo, “Eu

tava lá fora brincando ca Raquel, daí eu caí na escada” (PERRONI, 1992, p.99) que

representa uma forma primitiva de ordenação temporal, para a estrutura mais

complexa QUANDO X,Y.(Quando eu tava lá fora brincando ca Raquel, eu caí na

escada). Aos quatro anos e dez meses, a criança já é capaz de iniciar uma narrativa

levando em conta a perspectiva do tempo, e, por volta dos cinco anos, ela já

demonstra sua capacidade de construir, sozinha, narrativas com vários pontos de

referência temporal partilhados e não partilhados por seu interlocutor. Ao fazer isso

“a criança demonstra já saber que esse tipo de discurso tem uma estrutura peculiar,

em que a ordenação temporal/causal de eventos é importante para sustentar a

realidade que cria” (PERRONI, 1992, p. 223).

3.4 A Narrativa e a Literatura no Espaço Escolar

Ao ingressar na escola, a criança transpõe o limiar da família e passa a

conviver com pessoas de sua idade, descobrindo novos valores e experiências que

vêm enriquecer a si própria. Essa socialização estimula o desenvolvimento da

confiança, adaptabilidade e rendimento intelectual. Para muitas delas, o convívio

social proporcionado pela escola oferece possibilidades que a família, raras vezes,

tem condições de propiciar. A criança pode beneficiar-se muito quando tem a

possibilidade de viver em um ambiente educacional que lhe ofereça oportunidade de

agir com liberdade, manipulando materiais adequados para o seu desenvolvimento.

A criança precisa aprender com os outros, por meio dos vínculos que estabelece. Se

a aprendizagem acontece na interação com outras pessoas, sejam elas adultas ou

não, ela também depende dos recursos de cada criança.

O período pré-escolar é uma fase fundamental no desenvolvimento emocional

e cognitivo da criança, resultando, de uma forma geral, no desenvolvimento de sua

própria vida. O conhecimento implica uma série de estruturas construídas

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progressivamente por meio de contínua interação entre o sujeito, o meio físico e

social. O trabalho com a linguagem constitui um dos eixos básicos na educação

infantil, dada a sua importância para a formação do sujeito. A ação do professor, por

sua vez, na procura por técnicas e processos adequados ao trabalho com as

crianças, descobre nas histórias uma “mina de ouro”, mas é preciso saber usá-las

para que delas se possa retirar tudo o que podem dar à educação. Um dos

principais elementos a ser alcançado é o poder de imaginação.

O professor deverá proporcionar múltiplas e variadas alternativas de interação

da criança com os textos literários, levando em consideração que cada uma delas

percorre um caminho próprio na sua evolução, conforme seu amadurecimento.

Como facilitador e incentivador da criança pela leitura, o professor não deve se

comportar como um mero leitor, mas como espectador das leituras que são

reproduzidas por ela, daí a importância de se dar a oportunidade para que a própria

criança possa expressar suas idéias. Ao incentivar a leitura e a narrativa de histórias,

o professor não só motiva a criança a ler por prazer, como desenvolve nela a

oralidade, a capacidade de sonhar e viver a magia contida nos livros,

proporcionando, conseqüentemente, o gosto pela leitura. Em contato com os livros

de literatura infantil, ouvindo histórias, a criança apresenta motivação cada vez maior

em aprender algumas delas e reproduzi-las oralmente. A partir de histórias simples,

a criança começa a reconhecer e interpretar sua experiência de vida real. “Vivam as

histórias que não conhecem os limites da realidade palpável, as histórias que não

são um mero pretexto para uma proposta pedagógica” (RIBEIRO, 2002, p.15).

Através do uso do livro de imagens, vislumbra-se abrir um espaço para a

expressão livre, envolvendo as crianças num mundo de fantasias, apresentando a

leitura de uma forma estimulante, despertando o seu interesse e tornando os livros

tão acessíveis quanto os brinquedos. Não se pode pensar numa escola que exclua a

leitura nos primeiros anos, como vem ocorrendo sistematicamente com algumas

delas, pois, como já foi dito, algumas crianças têm, na escola, o único espaço que

lhes possibilita o contato com publicações de toda ordem, incluindo os livros.A leitura

deve ser vista, então, como um recurso intelectual que permite descobrir,

desenvolver, compreender, entrar em contato com sentimentos e emoções.

A rede afetiva que se estabelece entre todos, através dos livros, abre um espaço no qual cada criança pode expressar-se, ouvir e contar histórias ou ainda ficar em silêncio, sem a necessidade de produzir conhecimentos

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específicos. Nessa situação, as crianças, cada uma à sua maneira, estão produzindo conhecimentos, mas não os necessariamente pré-determinados pelo adulto. Ou seja, ela está aumentando seu repertório cultural, seu imaginário, sua linguagem; está tendo possibilidade de escolha de livros e de parceiros para a sua leitura e, além disso, pode conhecer outras visões de mundo e estabelecer relações com sua realidade. (ABRINQ, 1999, p.06).

Narrar, tecer; tecer, viver. Tecer o fio, narrar a vida. A narrativa é o lugar

empírico privilegiado para compreender a natureza do processo a que a criança é

submetida pela própria linguagem. O discurso narrativo instaura um não –presente

que pode ser tanto o passado, como a ficção, e representa, na experiência

lingüística oral da criança, uma passagem obrigatória do diálogo para o monólogo.

As histórias assumem, no estudo da aquisição da linguagem, um papel

significativo na aquisição da estrutura do discurso narrativo que deve responder

algumas perguntas: Quem? O que? Quando? Onde? Como? Por quê? É pertinente,

portanto, dizer que, além do aspecto formativo, a narrativa é um processo

autoformativo, quando o movimento de assumir o protagonismo da própria vida

implica mergulhar em si mesmo e distanciar-se de si, fazer e refazer as próprias

experiências, teorizar sobre elas, aprender a aprender, aprender a estranhar aquilo

em que se acredita. Através da narrativa, o sujeito aprende a produzir sua própria

formação, auto determinando a sua trajetória.

3.5 Trabalhando a Narrativa

Segundo Faraco (1992), a narrativa constitui-se de uma série de fatos que,

organizados em seqüência, mantém entre si uma relação de causa e efeito. A

narração trata da ação, dos fatos que ocorreram em determinado tempo e lugar,

envolvendo certas personagens, e tem alguns elementos essenciais em sua

composição:

- Enredo: também chamado de “ação” ou “trama”. É composto por uma

seqüência de ações da qual fazem parte uma complicação (ou conflito) e um

desfecho para esse conflito;

- Personagens: podem ser pessoas (seres reais) ou seres fictícios;

- Foco narrativo: também chamado de “ponto de vista”. É a maneira como o

autor apresenta ao leitor as ações. A narração tem foco na primeira pessoa quando

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o narrador é um personagem (principal ou não). Por outro lado, quando o narrador

não participa do enredo, tem-se a narração de terceira pessoa;

- Tempo: pode ser cronológico (tempo material em que se desenrola a ação)

ou psicológico (não é materialmente mensurável, existindo apenas na mente do

personagem);

- Espaço: é o lugar onde acontece a ação.

Numa outra perspectiva, Gancho (1997) construiu uma espécie de esqueleto

com os componentes estruturais de uma narrativa. Assim, em seu modelo, o enredo

seria o conjunto dos fatos narrados e como estes se entrelaçariam, as personagens

se dividiriam em protagonistas, antagonistas e secundários, de acordo com seu grau

de importância e sua postura perante o bem e o mal. Já o tempo poderia ser

cronológico (regido pelo relógio) ou psicológico (de acordo com a evolução interior

da personagem), dependendo da proposta do autor. O espaço seria o lugar físico

onde se desenrolam os fatos; o ambiente, o resultado da conjugação de tempo,

espaço e clima. O narrador, por sua vez, é classificado conforme seu

posicionamento em relação ao enredo (se participa dele ou se está de fora). O tema

se refere ao lado abstrato do assunto abordado, que aparece encarnado numa

situação concreta. Tema e assunto caminham juntos para uma conclusão: a

mensagem do texto.

Faraco adverte que, ao se explicitar as características de um ser qualquer, não

se configura uma narrativa, mas uma descrição. Na descrição, não há sucessão de

acontecimentos no tempo, de sorte que não haverá transformações de estado da

pessoa, coisa ou ambiente que está sendo descrito, diferentemente da narração,

mas sim, a apresentação pura e simples do estado do ser descrito em um

determinado momento. Pode-se entender, então, a descrição como um tipo de texto

em que, por meio da enumeração de detalhes e da relação de informações, dados e

características, vai-se construindo a imagem verbal daquilo que se pretende

descrever.

A narrativa é percebida por Vanoye (1986) como um modelo textual que

apresenta a ordem existente, a ordem perturbada e a ordem restabelecida, sofrendo

interferência de três tipos de personagens: a vítima (objeto da perturbação), o vilão

(sujeito da perturbação) e o herói (sujeito do restabelecimento da ordem). A partir

disso, ele conclui que uma história nunca é inocente, pois sempre leva

conscientemente, através do narrador, o leitor para o lugar desejado.

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Labov & Waletzky (1967), por sua vez, identificaram seis categorias presentes

no tipo textual narrativo:

Resumo - breve sumário do que será narrado, tem a função de despertar o

interesse do ouvinte pelo discurso;

Orientação - espécie de identificador de tempo de modo de lugar, das

pessoas e a sua atividade ou situação. Responde às clássicas perguntas: O quê?

Quem? Quando? Onde? Como? e Por quê?.

Complicação - a trama da história, componente imprescindível;

Avaliação - o ponto de vista de quem narra;

Resolução - o que acontece no final;

Coda - espécie de chamada com função de trazer o ouvinte/leitor para o

tempo presente.

Tradicionais ou modernas, as narrativas podem ser definidas, segundo Faria

(2004, p. 24), como “expressão de modificações de um estado inicial”. Daí a

estrutura da narrativa ser essencialmente temporal, e suas fases sintetizadas da

seguinte forma:

- Situação inicial: apresenta um estado de equilíbrio ou possui já um

problema.

- Desenvolvimento: quando o equilíbrio passa a desequilíbrio com o

surgimento de um problema. Trata-se, do que chama a autora, do “miolo” da

narrativa, pois concentra as tentativas de solução.

- Desenlace: representa o final da história, que pode ser feliz (há a solução do

problema e o equilíbrio é recuperado) ou infeliz (o problema não é resolvido e o

equilíbrio inicial não é recuperado).

Faria explica que nem sempre esta forma está presente em histórias para

crianças, pois algumas apresentam uma estrutura não-tradicional. São narrativas

mais frouxas, segundo a autora, pois não possuem a tensão criada pelo problema

do esquema tradicional. Como exemplo deste tipo de narrativa, ela cita os livros que

relatam cenas da vida cotidiana.

Como é possível verificar, as narrativas apresentam determinados elementos

estruturais que são fundamentais para sua classificação como tipo textual narrativo.

Essa perspectiva teórica será retomada na análise dos dados.

No próximo capítulo, serão explicitados os procedimentos metodológicos para

a análise dos protocolos desta pesquisa.

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CAPÍTULO IV - METODOLOGIA

Outra coisa que poderá ser útil para os exercícios da escola materna será um Livrinho de Imagens, a colocar nas mãos das próprias crianças.(João Amós Comênio )

4.1 A Escolha da Classe

A escola foi tomada como espaço físico e social adequado para a coleta dos

dados, devido ao fato de crer-se que o texto literário, nesse ambiente, deve circular

com maior freqüência, tendo em vista ser ela, hoje, a principal responsável pela

mediação de leitura na sociedade brasileira, muito embora outros mediadores

também se façam presentes, como, por exemplo, a família. Além disso, o ambiente

escolar é o lugar em que o processo de formação do leitor apresenta maior

visibilidade em face de sua organização formal.

O campo de atuação da pesquisa foi composto por uma turma da pré-

alfabetização (Jardim III), com crianças entre 05 e 06 anos, de uma escola particular

da cidade de Recife que possui uma proposta pedagógica que contempla

efetivamente a prática da leitura literária no contexto escolar. A escolha desta

população ocorreu tendo em vista que, de acordo com Perroni (1992), nessa idade

as crianças já apresentam um discurso narrativo organizado, sendo capazes de

contar uma história sem a necessidade de participação do adulto.

Esta escola tem duas bibliotecas: a infantil e a central. O trabalho realizado na

infantil é coordenado por uma professora-contadora de histórias, que assume o

papel de bibliotecária e realiza atividades diárias e semanais de leitura com todas as

séries do ensino fundamental.

4.2 A Biblioteca Infantil

Situada numa sala ampla, bem ventilada e iluminada, decorada com ilustrações

de histórias infantis, com mesas e cadeiras, CD player, TV e Vídeo, uma estante

com jogos educativos, 10 estantes na altura das crianças com uma variedade de

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livros (Literatura geral, contos de fadas, livros de poesias, folclore, revistas em

quadrinhos e livros de imagem), encontra-se a biblioteca da educacão infantil/ensino

fundamental, existente há quatro anos na escola. Ela surgiu, inicialmente, com a

proposta de funcionar com dois objetivos: o de sala de leitura, e o de fonte de

pesquisa para os alunos da 1a. à 4a. série. Como o segundo objetivo não foi

alcançado, houve uma reformulação e a partir de fevereiro de 2004, este espaço

funciona para aulas de literatura infantil.

Às quintas-feiras, cada turma da educação infantil, do maternal à alfabetização,

fica 45 minutos na biblioteca; às segundas, terças e quartas, o tempo é dividido

entre os alunos da 1a. à 4a. série. Lá, são recebidos com música e preparados para

a “hora do conto”. A professora responsável por esse espaço diz ser importante o

conhecimento e leitura prévia do livro a ser apresentado por parte do contador. A

escolha das histórias, algumas vezes, é feita por ela, que se preocupa em

contextualizá-la conforme algum tema que esteja sendo trabalhado em sala de aula,

embora também permita que as crianças sugiram o que querem ouvir. Após o conto,

as crianças vivenciam um momento de produção artística em que podem

representar aquilo que acabaram de ouvir, através de desenhos, pinturas e/ ou

dramatizações. Depois disso, a partir do Jardim III têm a livre escolha de pegar um

livro, e levar para ler em casa. No final do ano, são homenageados os leitores mais

assíduos à locação de livros.

Na proposta atual, não só a professora conta histórias, mas as próprias

crianças, visto que é uma oportunidade de se trabalhar a oralidade, além de

desenvolver nelas o gosto pela leitura, e, assim, formar os “contadores de histórias”,

o que já acontece com os alunos de 1ª a 4ª séries, os quais, vez por outra, são

convidados a fazer este trabalho com os alunos da educação infantil.

Quanto aos livros de imagem, com base no número de vezes que são retirados

da biblioteca, verifica-se que não há uma procura significativa. Segundo a

professora, esse tipo de livro é “riquíssimo, mas não muito bem trabalhado”, o que

ela atribui ao fato dos educadores não estarem devidamente familiarizados, fazendo

com que as técnicas que utilizam não chamem atenção para a atividade com um tipo

de livro que possibilita que o contador conte a “sua” história, inscrevendo –se como

autor do seu próprio texto.

Um fato interessante contado pela professora foi que um aluno que levou um

livro de imagem para casa voltou com a seguinte observação feita por sua mãe: “Tia,

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minha mãe disse que esse livro é ‘livro de preguiçoso”. Diante de tal relato, a

educadora sentiu a necessidade de fazer um trabalho específico com o livro de

imagem. Para isso, ela propiciou a manipulação do livro entre as crianças, contou a

sua versão da história, e depois solicitou a leitura de algumas crianças, inclusive da

que trouxe a observação. A cada leitura feita, todos iam percebendo que a leitura se

fazia de modo diferente, cada um do seu jeito desenvolvia um enredo, e, ao final,

todos ficaram felizes ao perceber que, através de um único livro, várias histórias

puderam surgir. Dessa forma, as crianças aprenderam, na prática, o significado da

leitura de um livro de imagem, que, longe de ser uma atitude de “preguiçoso”, mexe

com a imaginação, a criatividade, costurando o passado e o presente através da fala

de quem narra.

E foi durante a “hora do conto”, na biblioteca, que a professora apresentou a

pesquisadora às crianças, informando que ela (pesquisadora) estaria com eles em

dois encontros próximos. A interação e o entrosamento aconteceram naturalmente

enquanto a pesquisadora, a convite da professora, participou, juntamente com as

crianças, das atividades deste dia.

4.3 Os Participantes

A turma do Jardim III é composta por 20 crianças. A coleta de dados foi feita

em dia normal de aula, em dois momentos distintos, previamente agendados com a

Coordenação da Escola, que disponibilizou uma sala para isso. No primeiro

encontro, fez-se uma entrevista individual para saber se a criança gosta de ler/ouvir

histórias e quais suas preferências: se possui livros de histórias infantis em casa; se

alguém conta histórias para ela (quem?); se ela gosta de contar; e, por fim, se

conhece livros de imagem, e se seriam capazes de contar uma história a partir

deles.

Como algumas das 20 crianças não compareceram à aula no dia da coleta dos

dados para a pesquisa, 13 crianças foram efetivamente entrevistadas, e dentre

essas:

01 afirmou gostar mais ou menos de ler;

12 responderam que gostam de ler;

05 afirmaram: “gosto, mas ainda não sei ler”.

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Um dado marcante é a presença de livros de Contos de Fadas tanto no

repertório das histórias que elas gostam de ouvir e contar, quanto no acervo que

possuem em casa.

Dentre as pessoas que contam histórias para as crianças, destacam-se as

figuras da mãe, seguida pelas do pai, da babá, da avó e da tia.

Quatro crianças disseram não conhecer o tipo de livro feito só com imagens.

Ao serem apresentadas ao mesmo, todas afirmaram gostar das bonitas gravuras e,

com exceção de uma criança, as demais comentaram serem capazes de contar

histórias a partir desse livro.

Das nove crianças que já conheciam o livro feito de imagens, três deram

respostas interessantes quando indagadas se seria possível contar histórias a partir

deles. Uma delas disse que não daria para contar uma história “porque o livro não

tem letrinhas”; a outra disse que gosta desse tipo de livro “porque posso usar a

minha imaginação”, e a terceira criança disse que, ao ler esse livro, “a gente inventa

letrinhas”. Assim sendo, partindo do que as próprias crianças disseram, pode-se

inferir que usar a imaginação e “inventar letrinhas” parece uma boa fórmula para

ensinar as crianças a ler um livro de imagem.

O segundo encontro foi realizado, também individualmente, para a produção da

leitura narrativa, como será visto com maiores detalhes no item sobre a coleta de

dados. Nesse dia, houve a participação de 15 crianças, as demais faltaram. No

entanto, só 11 histórias serão analisadas, devido a um problema técnico (de áudio)

na fita de vídeo que não permitiu a transcrição das 15.

Com a intenção de facilitar a compreensão do leitor, as produções das crianças

foram transcritas página a página, conforme a leitura ia sendo realizada, tendo sido

estabelecida a numeração seqüenciada das mesmas (p.1, p.2, p.3...). A identificação

de cada criança foi feita com a letra C maiúscula, seguida do número

correspondente à atividade de leitura. A primeira criança foi identificada pela

seqüência C1, a segunda, C2 e, assim, sucessivamente. Essas categorizações

serão adotadas ao longo de todo o trabalho.

4.4 Os Livros Selecionados

Três títulos foram selecionados não só por possibilitar à criança escolher um de

sua preferência, mas também por serem desconhecidos delas (o que tornaria a

atividade mais desafiante). Com o objetivo de instigar o olhar dos pequenos leitores,

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convidando-os para a produção de narrativas orais, por apresentarem textos e

imagens que exploram o fantástico, o insólito, o maravilhoso, mas que não

dispensam referências familiares ao universo cotidiano próprio da infância, os livros

escolhidos foram:

• FURNARI, Eva. Filó e Marieta. São Paulo: Edições Paulinas, 1992. 24p. 22 x

21 cm.(Ponto de Encontro);

• VALE, Mário. O Almoço. Belo Horizonte: Formato, 1987. 8p. 30 x 30 cm.

(Conte Outra Vez...);

• XAVIER, Marcelo. O dia-a-dia de Dadá. Belo Horizonte: Formato, 1987. 8p.

30 x 30 cm (Conte Outra Vez...).

Enquanto O dia-a-dia de Dadá discute o tema da rotina cotidiana, O Almoço e

Filó e Marieta falam do valor da amizade. Com exceção de O Almoço – que consta

da lista dos Altamente Recomendáveis para leitura – os outros dois títulos foram

condecorados com o prêmio de Melhor Livro de imagem concedido pela Fundação

Nacional do Livro Infantil e Juvenil.

4.5 A Coleta de Dados

A seguir, explicita-se o procedimento utilizado para que as crianças

reproduzissem a narrativa: os textos foram obtidos através do contato direto entre a

pesquisadora e cada uma das crianças individualmente.

Durante as atividades de leitura, a pesquisadora manteve uma postura de

ouvinte/ espectadora, observando as reações das crianças perante as ilustrações e

interferindo o mínimo possível, apenas quando solicitada.

A preparação das crianças nos momentos que precediam a gravação,

realizada a partir de filmagem em câmera de vídeo, foi idêntica em todas as

situações e consistia, especificamente, de instruções sobre a tarefa que elas iam

realizar. A filmagem foi feita com o intuito de não registrar apenas as falas das

crianças, mas seus gestos, suas expressões faciais, suas pausas e reticências,

objetivando realizar anotações a respeito do comportamento delas durante a leitura

dos livros, para posteriormente serem usadas na análise.

Os três livros foram dispostos sobre uma mesa, e entregues às crianças que

poderiam folheá-los livremente, até que se decidissem por um deles para contar a

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história. Alguns leitores, mais tímidos e desconfiados, permaneciam algum tempo

parados com um dos volumes nas mãos. Outros, nitidamente curiosos e excitados,

saltavam de um livro para outro, retornando depois ao que mais lhe havia

interessado.

Algumas crianças, estranhando a proposta para que lessem, sozinhas, não

deixaram de comentar surpreendidas pela ausência de escrita nos livros:

C11 :“Mas não tem letra?!”.

Essa indagação, feita por uma criança que se encontra na pré-

alfabetização (como as crianças em questão), demonstra o quanto o conceito

de leitura, nessa fase, está relacionada com a decifração de letras, como visto

no capítulo I;

C6 : “Aqui não tem letra! Pra contar, só se desenhar a letra...”.

É interessante destacar que crianças menores, muitas vezes, contam

histórias com começo, meio e fim, apoiando-se nas imagens sem a descrença

de que não sabem ler. Parece que quanto mais distante da alfabetização

(leia-se escolarização), mais amplo é o conceito de leitura para a criança.

Diferentemente das mais velhas, elas não hesitam em tentar ler, e a presença

ou ausência das letras parece não afetar a elaboração/oralização da história;

C4: “Não tem nada escrito? Só desenho?”.

Possivelmente, isso foi dito por uma criança que ainda não aprendeu

que o desenho é uma forma de escrita, e que permite leitura.

Esses questionamentos não foram difíceis de serem contornados, já que foram

levantados por poucas crianças, e elas mesmas trataram de resolvê-los por si só. Ao

mesmo tempo em que estiveram interessadas pelos enredos e imagens, não

deixaram de explorar, em ritmo de brincadeira, a materialidade física do livro, como:

abrir e fechar os volumes para ver como funcionava o seu desdobramento espaço-

escultural; passar a mão pelo papel para sentir a textura das páginas, da capa e das

ilustrações; contar o número de folhas; tentar equilibrar o livro aberto e em pé sobre

a mesa; bater com o livro na mesa para ver o barulho que produzia.

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Uma maior ou menor familiaridade com a prática de leitura pôde ser conferida

no modo como abriam, manipulavam e folheavam os livros, já que não foi dada

nenhuma instrução de como proceder na leitura, tampouco foi feito qualquer tipo de

interferência ou correção na forma como agiam com os livros.

Enquanto algumas crianças, através do registro de suas falas e ações,

procuraram relacionar as imagens entre si e produziram histórias com começo, meio

e fim (ao menos esboçados), uma outra parcela delas apenas se propôs a enumerar

e descrever os objetos e cenas, representados no papel, como veremos na análise a

seguir.

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CAPÍTULO V - ANÁLISE E DISCUSSÃO

A análise e discussão dos dados desta pesquisa ocorreram em duas etapas:

na primeira, buscou-se a relação entre a leitura do livro de imagem e o texto oral

produzido pela criança, observando-se a tipologia textual; na segunda, foi realizada

uma análise da narrativa como desenvolvida pela criança e sua relação com o

modelo de estrutura proposto por Perroni (1992) para narrativas orais.

5.1 Primeira etapa: análise da leitura e da produção textual oral

A análise sobre a leitura e o texto oral produzido pela criança ocorreu

tomando-se por base os três níveis de percepção (enumeração, descrição, narração)

para a leitura da imagem explicitada por Camargo (1995) e pelos tipos textuais

propostos por Werlich (1973, apud MARCUSCHI, 2002).

As imagens contam a história assumindo a função narrativa cujo enredo é

construído a partir da seqüência das ilustrações. Assim, como afirma Camargo

(1995), a criança é capaz de ler a imagem em três níveis de percepção:

1º ao ver os elementos isolados, a criança faz uma enumeração;

2º ao perceber os elementos em relação (as situações, as cenas), ela faz uma

descrição;

3º quando relaciona as cenas, ela faz uma narração.

Neste sentido, o gênero iconográfico (livro de imagem), apesar de ter sua

base temática narrativa caracterizada por uma estruturação com seqüência

temporal, não descarta a possibilidade da combinação de seqüências outras,

também descritas por Werlich (1973, apud MARCUSCHI, 2002) como: a descritiva

(predominam as seqüências de localização), a expositiva (explicitamente

explicativas), a argumentativa (predomínio de seqüências contrastivas explícitas) e a

injuntiva (predomínio de enunciados incitadores à ação).

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Na maioria das vezes, o texto é tipologicamente variado ou heterogêneo (cf.

BRONCKART, 1999; MARCUSCHI, 2002; WERLICH, 1973) e é isso o que se

espera encontrar na leitura das crianças em estudo.

Como foram adotados 03 livros com títulos diferentes para que elas, através

da livre escolha, pudessem se constituir como sujeitos de suas leituras, a transcrição

e análise foram subdivididas em três partes, conforme o livro lido. Cada leitura foi

descrita, individualmente, com base nos dados colhidos em vídeo.

5.1.1 Leitura do livro de imagem: O dia -a -dia de Dadá

Este livro foi escolhido por 09 crianças, provavelmente devido à simplicidade

da temática e da estrutura narrativa que apresenta: numa seqüência

espaço/temporal, fatos vivenciados cotidianamente por uma personagem cuja idade

se encontra bem próxima dos leitores desta pesquisa. De enredo simples, se

comparado com Filó e Marieta e O Almoço, exigia um menor dispêndio de energia

durante o ato da leitura.

Em O dia-a-dia de Dadá, o pequeno leitor é convidado a reconhecer uma

série de ações rotineiras que pratica diariamente, como acordar, escovar os dentes,

ir para a escola, brincar... Espera-se, ainda, que a partir da leitura da última página

(que repete a primeira do livro), conclua-se que depois da noite sempre amanhece o

dia e começa tudo de novo. Só que essa leitura planejada pelo autor nem sempre

correspondeu às interpretações produzidas pelas crianças.

1.Leitura feita por C1:

p.1 Dadá tava dormindo

p.2/3 Aí ela acordou, foi no banheiro escovar os dentes

p.4 Aí tomou café

p.5 Foi pra escola

p.6/7 Depois da escola tocou piano, brincou

p.8 e dormiu

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C1 folheou o livro com atenção e, na reprodução simplificada de sua leitura, é

possível verificar que ela captou a organização dos eventos contidos na história,

pois foi capaz de relacioná-las, estabelecendo uma seqüência entre elas. Ao ser

sucinta e objetiva, C1 fez alusão somente à personagem central (Dadá), sem dedicar

nenhuma atenção às outras personagens. Através de uma leitura narrativa, elaborou

uma história com a integração das cenas e ações interpretadas por ela.

2. Leitura feita por C3:

p.1 Dadá dormiu, foi dormir na sua cama

p.3 Foi escovar seus dentes

p.2 E depois, depois foi dormir na sua cama

p.4 E foi tomar café

p.5 E foi pra escola

p.6 E foi tocar piano

p.7 E foi brincar com brinquedos

p.8 E foi felizes pra sempre

Após uma breve observação da capa do livro e páginas, C3 realizou uma

leitura descritiva das cenas, relacionando-as não através da narrativa, mas

interligando-as com o uso exaustivo do conectivo “e”, que se repete praticamente

em toda leitura. Apesar de C3 ter se referido, em sua história, somente a Dadá, na

p.8, quando diz “E foi felizes pra sempre”, parece perceber a existência das outras

personagens que compõem a história.

3. Leitura feita por C5:

p.1 Ela tava dormindo. (gesticulando)

p.2/3 Ela acordou, se espreguiçou e foi escovar os dentes (gesticulando)

p.4 Ela tava comendo

p.5 E tava explicando a aula

p.6 Tava tocando piano (gesticulando)

p.7 Tava brincando

p.8 Depois dormiu (gesticulando)

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Cuidadosamente, C5 foi virando as páginas e realizando a leitura meramente

descritiva das ilustrações, com cada frase descrevendo uma cena representada. A

leitura produzida por C5 está impregnada das características do português oral.

Observe-se, por exemplo, o uso de “tava” em vez de “estava”. Por outro lado, a

construção de sentenças com o pronome “ela” estabelece uma referência direta à

figura, tornando o texto dependente de um contexto extraverbal. Não há como saber

quem é “ela” sem a presença de informações contextuais necessárias à

compreensão, que, neste caso, eram dadas através das imagens compartilhadas

entre a criança e a pesquisadora.

C5 interpreta a imagem da p. 5 da seguinte maneira: “E tava explicando a

aula”. Não percebe que quem estava dando aula era a professora, e não a

personagem a quem ela vinha se referindo. Um fato interessante em sua leitura é

que seu corpo, através dos gestos e expressões, parecia estar em sintonia com a

história que ela estava contando.

4. Leitura feita por C9:

p.1 A menininha foi dormir

p.3 Aí depois ela foi escovar os dentes

p.2 Aí depois ela se espreguiçou

p.4 Depois ela foi tomar café

p.5 Depois ela foi pra aula

p.7 Depois quando ela chegou da aula aí ela foi brincar

p.6 depois foi tocar piano

p.8 depois dormiu

C9 foi virando página por página, lentamente, e, ao realizar sua leitura, fez uma

descrição das cenas, embora fora daquilo proposto pela história, provocando a

inversão de dois eventos: “Aí depois ela se espreguiçou”, que acontece antes de “Aí

depois ela foi escovar os dentes”. Isso, contudo, não comprometeu o curso de sua

história, pois há o entendimento e uma leitura que se complexifica. Observa-se, na

história de C9, o predomínio da conjunção de valor seqüencial depois, no entanto,

essa seqüência de idéias parece não corresponder a uma seqüência de cenas

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contendo os três segmentos da composição de uma narrativa: situação inicial,

desenvolvimento e desenlace (FARIA, 1992).

As crianças acima mencionadas (C1, C3, C5, C9) fizeram uma leitura

extremamente rápida e sintética do livro. Percebe-se que houve, por parte delas,

uma preocupação em relacionar as imagens em seqüência e construir uma história

com começo, meio e fim, como que num só fôlego, procurando dar sentido às

imagens que o autor lhes oferecia. No entanto, não atentaram para o fato de existir

uma personagem pequenininha que repete tudo o que a outra grandona faz, nem

tão pouco para a presença de um gato que a acompanha em sua rotina diária.

5. Leitura feita por C2:

p.1 Era uma vez uma menina chamada (incompreensível no áudio) e estava dormindo

p.2/3 No dia seguinte ela acordou, escovou os dentes e tinha um gato fazendo cocô

p.4 Aí depois disso ela foi almoçar

p.5 Depois do café foi brincar. Depois estudar

p.7 Depois de estudar foi brincar

p.6 Foi tocar piano

p.8 Ela dormiu de novo. Fim

C2 foi passando página por página, rapidamente. A leitura, cena por cena,

menos atenta ao conjunto, pode implicar problemas de entendimento, chegando-se

a interpretações diferentes daquela proposta pela história linear. A leitura de C2

aponta para isso quando, na p. 4, diz “Aí depois disso ela foi almoçar” e, logo na p.

5: “Depois do café foi brincar”. Provavelmente, essa autocorreção aconteceu por ela

ter percebido, na imagem do livro, detalhes que compõem uma mesa de café (e não

de almoço), como: xícaras, bules e bolo.

Essa criança, assim como C3 e C9, não comprometeu o curso de sua história,

apesar de ter trocado a ordem de duas páginas, leu a p.7 antes da p.6. Iniciou sua

leitura na p.1, utilizando-se do operador “Era uma vez” , o que certamente ativou

nela e na pesquisadora o esquema de narrativa, embora o que se verifica a partir da

p.4 é a característica de texto descritivo.

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6. Leitura feita por C6:

C6 inicia a leitura do livro virando as páginas lentamente, quando uma dúvida

a faz dirigir-se à pesquisadora: “ela é de verdade?” (referindo-se à personagem

pequenininha que faz tudo que a personagem principal faz).

– “O quê que você acha?”, a pesquisadora indaga. Olhando as páginas

seguintes, a criança responde ao ver um duende: “aaaah, o duende...então é de

verdade”.

Aparentemente satisfeita com a constatação de quem ainda não separa o

mundo real do imaginário, C6 observa as ilustrações e inicia sua leitura.

p.1 Era uma vez duas meninas e um gato chamado Henrique, e os duendes que era amigo da menina e do gato. Aí apareceu um monte de duendizinho e uma fada e fizeram todo mundo dormir

p.2 Aí acordaram com o passarinho na janela, e o gato se penteando para ir pra escola

p.3 (comenta baixinho e sorrindo: “essa aqui é a parte que o gato faz côco”). Aí aqui escovando os dentes (aponta para a Dadá) , aqui escovando os dentes ( aponta para a personagem pequenininha), depois aqui...aí escovando os dentes (aponta para o gato). Aí o tapete... (apontando)

p.4 Aqui ela estava jantando. Aí a menininha tava jantando numa mesa mais pequena

p.5 (ignorou)

p.6 Aí tava tocando piano, piano e violino (apontando para cada um dos personagens)

p.7 Um urso, ela tava vendo um urso (referindo-se a Dadá). E ele história (referindo-se ao gato)

p.8 Aí voltaram a dormir. A fada apareceu de novo, e todos os duendinhos

Pelo que foi visto até aqui, esta criança foi a primeira que, em sua leitura, citou

outras personagens que também participam da história: a fada, os duendes e o

passarinho, além das personagens principais (Dadá, a bonequinha e o gato).

No momento que lê a p.1, o texto parece se tornar mais saliente que a gravura

e a criança parece ter a preocupação de aprender a dizer os textos das histórias,

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cujas leituras escuta regularmente, quando utiliza o operador de narrativa “Era uma

vez” para introduzir a história. A partir da p.3, no entanto, o encadeamento

discursivo é calcado na apresentação/descrição dos eventos das cenas. Houve uma

tendência para a descrição das imagens através do ato de apontar para as mesmas

além do uso da palavra aqui (isso pela possibilidade que a criança tem, pela

presença do interlocutor, de mostrar o que está dizendo).

7. Leitura feita por C11:

p.1 Era uma vez uma menininha muito inteligente que tava dormindo

p.2/3 Se acordou, calçou o chinelo e foi pro banheiro escovar os dentes

p.4 Depois foi jantar, quer dizer, almoçar

p.5 Aí, daí foi estudar

p.6 Depois foi tocar piano (“isso aqui era uma bonequinha, nera?”, pergunta apontando para personagem pequenininha)

p.7 Depois foi brincar, já tava noite, foi brincar

p.8 e dormiu

Observando atentamente as ilustrações, C11 recriou o texto, em sua leitura,

mantendo os encadeamentos de sentidos do texto-fonte. Ela emitiu uma impressão

avaliativa sobre o caráter da personagem de sua história: “uma menininha muito

inteligente”. Poderia ter sido uma menininha com qualquer outra qualidade (bonita,

alegre...), mas, como já anteriormente comentado por Furnari (1989), o leitor pode

ler uma mesma ilustração através de dois diferentes processos: no primeiro, busca a

informação contida na figura, no segundo, busca a informação subjetiva através

da imagem. Assim, a impressão ou sensação que C11 teve de sua personagem é de

que se tratava de alguém muito inteligente. É interessante, também, observar em

sua leitura o domínio sobre certa operação menos simples da língua, como é o caso

da locução denotativa de retificação para neutralizar determinado dizer, como na p.

4: “Depois foi jantar, quer dizer, almoçar”.

C2, C6 e C11 iniciaram suas leituras com a expressão “Era uma vez”,

reconhecendo a conotação de narração que deveriam dar à atividade, no entanto,

passaram a descrever as cenas, buscando estabelecer uma seqüência lógica entre

elas, respectivamente, a partir das páginas 4, 3 e 4. Tem-se, portanto, uma leitura de

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natureza mista: narrativa/descritiva. Em relação a C1, C3, C5 e C9, essas crianças

conseguiram perceber outras personagens na história, além da personagem

principal.

8. Leitura feita por C4:

p.1 Dadá tava dormindo.Aí a estrelinha também tava.Aí a bonequinha dela também tava. E o gato dela também tava. (apontando)

p.2 Depois ela se espreguiçou. A boneca também (com admiração).E a sandália ela botou. A boneca .E tava um passarinho, e o gato penteando o cabelo (gesticulando)

p.3 E ela foi ao banheiro escovar os dentes, e a boneca também, e o gato fez xixi. (apontando)

p.4 Depois foi comer o bolo, e a boneca também e o gato. (apontando)

p.5 Depois foi para a escola, a professora tava ensinando as coleguinhas dela e a bonequinha, que é a companheira dela. (apontando)

p.6 Depois ela foi tocar piano (gesticulando), a boneca também. E o gato foi tocar violino (gesticulando)

p.7 Depois foi brincar com os brinquedos. Ela brincou com o urso, com o urso e o livro (apontando)

p.8 Depois foi dormir. E as estrelinhas tavam aqui (apontando)

C4, antes de iniciar a leitura, folheou o livro vagarosamente, e, a partir de

então, descreveu as cenas, virando as páginas, atenta aos detalhes de cada uma

delas. Sua descrição, portanto, não se prendeu à figura central de cada ilustração,

pois ela percebeu, também, as ações secundárias que ocorriam em cada cena,

como, por exemplo, quando descreveu as que estão contidas na p.2.

A leitura descritiva dessa criança estabeleceu uma seqüência repetitiva de

frases que se iniciam sempre (com exceção da p.1 e p.3 ) com a mesma palavra

(depois).

É válido ressaltar que C4 serviu-se de recursos expressivos da linguagem oral

como diminutivos e exclamações; as imagens em vídeo asseguram também a

apreensão de uma variedade de gestos e expressões faciais igualmente detectados

na leitura de C5.

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9. Leitura feita por C7:

p.1 A menininha tava dormindo com a bonequinha dela e o gatinho também tava dormindo. A estrelinha desceu daqui (apontando). Os brinquedos tavam aqui. E os brinquedos tavam subindo a escada pra pegar o livro (apontando)

p.2 A menininha acordou com a bonequinha e o gatinho (apontando)

p.3 Aqui eles estavam escovando os dentes, o gato tava fazendo xixi e a bonequinha também tava escovando os dentes. (apontando)

p.4 Aqui ela tava tomando café (apontando)

p.5 Aqui ela tava na escola...aprendendo (apontando)

p.6 Aqui ela tava tocando piano, e ela tava tocando também, ele tocando violino (apontando)

p.7 Aí ela foi brincar e a bonequinha também.

p.8 E aqui ela foi dormir, a bonequinha, o gatinho. E as estrelinhas desceram daqui (apontando)

C7 foi virando as páginas e, com o auxílio do dedo, realizando a leitura das

ilustrações. Ela parece que não conseguiu reter o conteúdo da história e transferiu

para o ato da leitura o estilo de contar, fragmentando o texto em sentenças simples e

interligadas pela palavra “aqui”, que se repetiu, praticamente, em toda a leitura,

direcionando a descrição, mas sem estabelecer uma ligação entre uma cena e outra.

C7 usou pronomes cujo referente só pode se recuperar a partir da figura e de

expressões que remetem diretamente às gravuras contidas no livro como “aqui ela

tava tomando café...”. Isso se dá, possivelmente, como já comentado, pela

possibilidade que a criança tem, pela presença do interlocutor, de mostrar o que está

dizendo.

C4 e C7, da mesma forma que C2, C6 e C11, percebem no livro a presença

das personagens que fazem parte da história. Essas duas crianças reforçaram suas

leituras apontando as ilustrações com o dedo.

Traçando um horizonte até aqui, observa-se que, através de um mesmo livro,

diversas e diferentes leituras foram possíveis. Este posicionamento, extremamente

variável, talvez tenha se dado porque, diante de um texto narrativo (verbal/visual),

cada leitor, a partir de como lida com a subjetividade, com a ambigüidade e a

plurissignificação do texto, vai destacar elementos e idéias diferenciadas, com um

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sentimento e uma explicação particular para o que vê. Através de sua bagagem

cultural e de sua visão pessoal do mundo, produzirá um texto, regido por palavras

internas ou exteriorizadas, para as imagens dispostas em seqüência, imaginando-as

vivas, movimentadas e reais. Isso vem corroborar Martins (1994) ao afirmar que o

aprendizado da leitura parte, certamente, do contexto de cada um. Na diversidade

dos textos orais produzidos pelas 09 crianças, através da leitura de um mesmo livro,

é possível verificar que cada uma fez uma leitura diferente dos personagens e

cenários, a partir de seus traços pessoais e de sua singularidade. A leitura, como um

ato de criação, acaba determinando usos diferenciados para um mesmo texto,

segundo as aptidões e expectativas dos leitores.

No livro O dia a dia de Dadá, ligado ao tema do dia-a-dia de uma menina, a

narrativa é frouxa, de estrutura não-tradicional, como considerada por Faria (2004),

pois o que ocorre na história é a seqüência dos momentos-chave desse dia. Não há

tensão, não há o problema presente na estrutura tradicional. Depois da situação

inicial – Dadá dormindo - o dia transcorre em atividades agradáveis. Talvez, por isso,

a leitura de 08, das 09 crianças, não passou dos níveis de enumeração (em que ela

enumera elementos isolados) e descrição (quando descreve situações, elementos

em relação), citados por Camargo (1995). Apenas C1 conseguiu estabelecer uma

relação entre o conjunto de imagens, fazendo uma leitura narrativa, embora de

maneira bastante objetiva.

5.1.2 Leitura do Livro de Imagem: O Almoço

Este livro de imagem, também com oito ilustrações, possui uma trama visual

com começo, meio, clímax e fim. O autor elaborou a história de um homem que ao

caminhar pela mata, vê um buraco no chão, e quando se abaixa para espiá-lo, retira

dele um coelho, que arrasta até a sua casa. O que acontecerá? Na ilustração final,

está a resposta.

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Leitura feita por C8:

p.1 O homem tava passeando e viu um buraco

p.2/3 E aí ele botou a cabeça pra ver e botou a mão

p.4/5 E aí ele viu o coelho, e aí ele levou para casa

p.6 Botou o coelho dentro (apontando para a panela) e aí acendeu o fogo.

p.7 E botou a panela na mesa

p.8 Quando ele abriu estava três cenouras e o coelho fora.

C8 olhou as ilustrações com atenção. O enredo do livro foi lido com

tranqüilidade por ela que seguiu a pista dada pelo autor: o homem certamente

cozinhará o que capturou na floresta.

A criança conseguiu estruturar uma leitura narrativa com os três momentos

básicos da estrutura tradicional (cf. FARIA, 2004) em que: a situação inicial visa

situar o leitor apresentando a(s) personagem (ns) e as circunstâncias na qual se

encontra, geralmente de equilíbrio; o desenvolvimento é quando o equilíbrio passa a

desequilíbrio com o surgimento de um problema; e o desenlace ocorre quando há a

solução do problema e o equilíbrio é recuperado, ou então o problema não é

resolvido e o equilíbrio inicial não é recuperado.

Situação Inicial p.1 O homem tava passeando e viu um buracoDesenvolvimento p.2 a p.6 E aí ele botou a cabeça pra ver e botou a mão

E aí ele viu o coelho, e aí ele levou para casa. Botou o coelho dentro (apontando para a panela) e aí acendeu o fogo.

Desenlace p.7 p.8

E botou a panela na mesa. Quando ele abriu estava três cenouras e o coelho fora.

É interessante destacar que quando C8 alcança a última cena, nem se

preocupou em rever o seu discurso narrativo, a fim de explicar o sucedido. Depois

de afirmar categoricamente na p.6 que o homem colocou o coelho na panela e

acendeu o fogo, instantaneamente mudou o rumo da história na p.8, com apenas

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uma frase: “Quando ele abriu estava três cenouras e o coelho fora”. Esse desenlace

demonstra que o coelho “conseguiu escapar” da panela, mas não houve, por parte

da criança, um empenho maior no sentido de imaginar como se deu esta ação

libertadora misteriosa. Ao contrário, pareceu preocupada em arranjar logo um final

para a história, mesmo que às custas de sacrificar a coerência da trama que vinha

construindo. Assim, para ela, talvez tenha sido por um passe de mágica que o

coelho conseguiu escapar da panela para tornar-se, de uma hora para outra, amigo

do homem que o capturou na floresta.

No texto, observa-se o uso repetitivo do conectivo “e aí”, sendo a história

sustentada, basicamente, pela adição contínua de uma ação seguida da outra.

5.1.3 Leitura do Livro de Imagem: Filó e Marieta

Este livro de imagens narra o tumultuado encontro entre duas amigas, Filó e

Marieta. Filó presenteia a amiga com uma varinha mágica, que depois de pensar

como poderia utilizá-la, decide servir-se do artefato para fazer aparecer um rato, um

cachorro e, por último, um gato – o que gera uma tremenda confusão, dada as

tradicionais inimizades que estes animais cultivam entre si. Em meio ao corre-corre,

tropeços e atropelamentos, Filó consegue reaver a varinha e faz os bichos

desaparecerem. Por fim, faz surgir um lindo bolo de aniversário para Marieta.

Ainda que a história seja narrada com o uso predominante de imagens, o livro

é aberto com um pequeno texto – “Marieta estava só/Sem saber o que fazer/Vem

Filó com um presente.../Ih, meu Deus!/O que vai acontecer?” –, e é encerrado com

um “Fim” – como uma espécie de legenda que abre e fecha o que será dito

visualmente.

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Leitura feita por C10:

p.1 Criança apenas olhou o texto escrito

p.2/3 Ela deu um presente pra ela (apontando)

p.4 Deu um abraço nela

p.5 Deu uma varinha

p.6 Pegou a varinha

p.7/8/9 Fez um rato aparecer

p.10/11 Depois um cachorro

p.12/13 Depois um gato

p.14/15 E depois começou a brincar

p.16 Depois pegou a varinha e fez o rato desaparecer

p.17 (ignorou)

p.18 Depois o gato

p.19 (ignorou)

p.20/21 Depois fez o bolo

p.22 Fim

Após uma rápida folheada pelo livro, C10 realizou uma leitura descritiva. Sua

história ficou presa às ilustrações, pois nenhum dado que não estivesse visível foi

acrescentado. A criança parece ter se deixado contaminar pelo ritmo acelerado da

narrativa, pois passou a produzir uma versão bem resumida e simplificada da

história, demonstrando-se, sobretudo, satisfeita com os sentidos produzidos para as

seqüências de imagens. Ressalta-se que, embora não tenha lido a p.17 e p.19, o

entendimento e desfecho da sua história não foram comprometidos, desde que

acompanhados das gravuras.

C10 não deixou transparecer algum tipo de associação entre a primeira e a

última ilustração do livro. O fato de, na primeira ilustração, Marieta ganhar um

presente de Filó e, na última, ser agraciada com um lindo bolo com velinhas, sugere

que toda a ação se passou no dia do seu aniversário.

Diante desta primeira parte da análise, foi possível observar alguns fatos,

durante a atividade de leitura que podem ser relevantes para o entendimento de

como as crianças lêem as imagens:

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- as crianças observavam com atenção as ilustrações antes de contar a história;

- algumas reforçavam o que diziam apontando a ilustração com o dedo ou utilizando-

se de expressão corporal, gestual, variação de tom de voz (interrogativo,

exclamativo, pausado, acelerado), conferindo dramaticidade ao que ia sendo

narrado/ descrito;

- a linguagem verbal utilizada abusou, em alguns casos, de termos como “e”

(conector que dá continuidade à atividade de linguagem) e “depois” (expressão de

relação temporal);

- poucas crianças conseguiram interligar as cenas, compondo uma narrativa; a

maioria apenas descreveu as ilustrações (figuras e cenas).

Enquanto faziam a leitura da história, a partir das imagens dos livros, as

crianças serviam-se de recursos lingüísticos vários, num exercício de fundamental

importância para o desenvolvimento da oralidade, para aprendizagem da

leitura/escrita e, mais precisamente, dos elementos e convenções constitutivas do

universo da narrativa literária, tais como citados por Perroni (1992):

• o uso da clássica introdução "Era uma vez..." (em 03 produções) e do tradicional

desfecho “foram felizes para sempre...” (em 01 produção);

• o uso de conectivos como “daí”, “depois”, “aí”, “e foi”, “e depois”, marcas

específicas que ajudam a modular a fala do narrador.

Através dos títulos selecionados, as crianças tiveram a oportunidade de

explorar uma série de propriedades básicas do texto narrativo de ordenação

cronológica, tais como: coerência, início, meio, fim – princípios que são respeitados

e valorizados nas obras selecionadas para a pesquisa. Evidenciaram-se três tipos de

leitura:

1. uma narrativa em que foi possível perceber o preenchimento dos “brancos”

entre uma imagem e outra com a interpretação das cenas utilizando-se de

conectores. A seqüência de ações se encaminhou para um desfecho;

2. uma leitura fragmentada em relação aos elementos internos da estrutura

narrativa, não indo além da leitura descritiva. O olhar do ouvinte é guiado pela

percepção do leitor cujas referências baseiam-se nas ilustrações e tendem a

voltar-se a elas e menos à história como um todo.

3. uma leitura de natureza mista, apresentando traços das duas anteriormente

citadas.

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71

Tomando as bases temáticas do texto representadas por Werlich (1973, apud

MARCUSCHI, 2002), conclui-se que os tipos textuais encontram-se em consonância

com o tipo de leitura, devido aos seus traços lingüísticos predominantes:

- a leitura narrativa caracterizou o tipo narrativo que se apresentou com traços

lingüísticos em que a organização do texto seguiu uma seqüência temporal;

- a leitura descritiva caracterizou o tipo descritivo que se apresentou com traços

lingüísticos onde predominam as seqüências de localização;

- a leitura de natureza mista, por sua vez, apresenta traços lingüísticos narrativos e

descritivos.

5.2. Segunda etapa: análise da narrativa

As histórias serão analisadas quanto ao uso dos operadores da narrativa e

das expressões temporais (PERRONI, 1992).

5.2.1 Análise dos Operadores e Organizadores Textuais de Narrativa

O trabalho de Perroni demonstrou que desde muito cedo, a criança começa a

contar histórias, inicialmente com o suporte do adulto, tornando-se paulatinamente

autônoma, conseguindo, de um modo progressivo, encadear enunciados que

representam eventos de acordo com a ordem temporal dos acontecimentos. As

marcas lingüísticas que aparecem com mais freqüência na estrutura das histórias,

conforme já comentado anteriormente com base nesta autora, são: era uma vez

(abertura); daí, então, depois, um belo dia (introduzindo a narrativa propriamente

dita); acabou a história, morreu a vitória, foram felizes para sempre (fórmula de

fechamento).

Neste estudo, três crianças fazem uso do operador “era uma vez”, comum às

histórias do gênero infantil. Isso revela uma percepção de que há elementos que

delimitam e, ao mesmo tempo, tornam a história diferente de qualquer tipo de texto.

Applebee (1978) confirma que a criança logo reconhece que uma história é, em

certo sentido, diferente dos outros usos da língua, pois “era uma vez” é dito por ela

como uma abertura formal.

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(C2): Era uma vez uma menina...

(C6): Era uma vez duas meninas e um gato...

(C11): Era uma vez uma menininha...

Estas crianças utilizam a forma introdutória corretamente, provavelmente

devido à experiência em ouvir histórias e internalizar suas propriedades, como a de

que este delimitador clássico tem de vir seguido de um substantivo que deve ser

antecedido por um artigo indefinido (Era uma vez um(a) ). Na leitura de C3, observa-se a única ocorrência, nesta pesquisa, do operador

de narrativa utilizado como fórmula de fechamento “e foi felizes para sempre”,

bastante comum entre as histórias dos contos de fadas.

As palavras ou expressões que denotam a noção de tempo foram bastante

empregadas pelas crianças, certamente porque ajudam a estruturar a narrativa em

seus três segmentos (situação inicial, desenvolvimento e desenlace). Nos dados de

Perroni (1992), as expressões de relações temporais como depois, ontem, amanhã e

de noite, que são utilizadas pela criança para remeter a momentos não

contemporâneos ao da enunciação, começam a surgir em torno dos dois anos e sete

meses. E por volta dos quatro anos e seis meses o depois é bastante utilizado, no

sentido de expressar a possibilidade de ocorrência do futuro servindo para ligar

eventos na ordem temporal em que os fatos realmente ocorreram, como se poderá

observar nos fragmentos a seguir, onde esta expressão foi muito utilizada:

Fragmento da leitura de C4____________________________________________

p.4 Depois foi comer o bolo, e a boneca também e o gato (apontando)

p.5 Depois foi para a escola, a professora tava ensinando as coleguinhas dela e a

bonequinha, que é a companheira dela (apontando)

p.6 Depois ela foi tocar piano (gesticulando), a boneca também.E o gato foi tocar

violino (gesticulando)

Fragmento da leitura de C9____________________________________________

p.4 Depois ela foi tomar café

p.5 Depois ela foi pra aula

p.7 Depois quando ela chegou da aula aí ela foi brincar

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Fragmento da leitura de C10___________________________________________

p.9/10 Depois um cachorro

p.11 Depois um gato

p.12/13 E depois começou a brincar

Embora apareçam relações temporais, muitas narrativas das crianças podem

ser vistas como uma enumeração de eventos justapostos pelo uso de conectores

seqüenciais “aí”, “daí”, “e”, “e aí”. Observa-se que algumas crianças parecem ter a

noção da necessidade desses elementos de ligação, mas, por não disporem de

suficiente domínio lingüístico na modalidade escrita, fazem uso excessivo do

conector aí, que apresenta a função de dar continuidade ao texto, provavelmente por

influência da modalidade oral, ainda muito forte na fase em que se encontram (pré-

alfa). O uso repetitivo desse conector deixa o texto fragmentado e monótono, como

foi observado, com maior incidência, na leitura de C6:

p.1 Era uma vez duas meninas e um gato chamado Henrique, e os duendes que

era amigo da menina e do gato. Aí apareceu um monte de duendizinho e uma fada efizeram todo mundo dormir.

p.2 Aí acordaram com o passarinho na janela, e o gato se penteando para ir pra

escola

p.3 (Comenta baixinho e sorrindo: “essa aqui é a parte que o gato faz côco”).Aíaqui escovando os dentes (aponta para a Dadá) , aqui escovando os dentes (

aponta para a personagem pequenininha), depois aqui...aí escovando os dentes

(aponta para o gato).Aí o tapete... (apontando)

p.4 Aqui ela estava jantando.Aí a menininha tava jantando numa mesa mais

pequena

p.5 (ignorou)

p.6 Aí tava tocando piano, piano e violino (apontando para cada um dos

personagens)

p.7 Um urso, ela tava vendo um urso (referindo-se a Dadá). E ele história

(referindo-se ao gato)

p.8 Aí voltaram a dormir.A fada apareceu de novo, e todos os duendinhos

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Na medida em que as crianças são capazes de delimitar e desenvolver seus

textos, a tendência é uma menor utilização de conectores como aí e depois que, via

de regra, assinalam mudanças de episódio, como se vê na leitura de C1:

p.1 Dadá tava dormindo

p.2/3 Aí ela acordou, foi no banheiro escovar os dentes

p.4 Aí tomou café

p.5 Foi pra escola

p.6/7 Depois da escola tocou piano, brincou

p.8 e dormiu

Na leitura de C3 há um uso exaustivo do conectivo “e”; a história parece ser

sustentada pela adição contínua deste operador: Há aqui uma quase enumeração

das ações.

p.1 Dadá dormiu, foi dormir na sua cama

p.3 Foi escovar seus dentes

p.2 E depois, depois foi dormir na sua cama

p.4 E foi tomar café

p.5 E foi pra escola

p.6 E foi tocar piano

p.7 E foi brincar com brinquedos

p.8 E foi felizes pra sempre

Na frase “e dormiu” que finaliza a leitura de C1 e C11, o e parece ter outro

tipo de função, pois introduz um tom de final de história e não de ligação e

continuidade.

Conforme já comentado no capítulo sobre narrativas, Perroni identifica que o

quando passa por transformações no processo de construção de seu significado

pela criança, depois dos três anos de idade. Nas histórias de C8 e C9 já se percebe

um progresso na criação de pontos de referência para a localização temporal dos

eventos, que parecem não estar mais na fase de interpretar o “quando” como um

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elemento espacial (=onde), para Perroni, uma das primeiras tentativas da criança na

construção do significado desse termo.

(C8) Quando ele abriu estava três cenouras e o coelho fora.

( C9) Depois quando ela chegou da aula aí ela foi brincar.

A palavra “aqui” em sua função dêitica foi utilizada mais de uma vez por C7,

descrevendo as cenas quadro a quadro, talvez com o propósito de atrair o ouvinte

para a sua leitura :

p.1 A menininha tava dormindo com a bonequinha dela e o gatinho também tava

dormindo. A estrelinha desceu daqui (apontando). Os brinquedos tavam aqui. E os

brinquedos tavam subindo a escada pra pegar o livro (apontando)

p.2 A menininha acordou com a bonequinha e o gatinho (apontando)

p.3 Aqui eles estavam escovando os dentes, o gato tava fazendo xixi e a

bonequinha também tava escovando os dentes. (apontando)

p.4 Aqui ela tava tomando café (apontando)

p.5 Aqui ela tava na escola...aprendendo (apontando)

p.6 Aqui ela tava tocando piano, e ela tava tocando também, ele tocando violino

(apontando)

p.7 Aí ela foi brincar e a bonequinha também

p.8 E aqui ela foi dormir, a bonequinha, o gatinho. E as estrelinhas desceram

daqui (apontando)

Todas as crianças desse estudo utilizam mais de uma variedade de

conectivos, muitas vezes de forma repetitiva. Para facilitar a visualização os

comentários serão feitos a partir da seguinte tabela:

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Organizadores Textuais de Narrativa por número de ocorrência

Temporais Seqüenciais Temp/Seq Seq/dêiticos Temp/Dêiticos

CRIANÇASde

pois

quan

do

aí daí

e E a

í

depo

is

E depo

is

Aqu

i

aqui

E a

qui

Dep

ois

aqui

C1 1 2 1 C2 3 2 1 C3 1 5 1 C4 6 2 13 1 C5 1 2 C6 7 9 2 1 1 C7 1 8 5 1 C8 1 4 4 C9 5 1 1 2 C10 5 1 1 C11 3 1 1 2

TOTAL 25 02 14 01 47 04 03 02 08 01 01 01

Diante dos dados encontrados, constatou-se que para 12 tipos diferenciados

de conectivos, um total de 108 são utilizados pelas crianças.

Houve um predomínio do uso da conjunção com valor seqüencial “e” (47

vezes), conector que dá continuidade à atividade de linguagem, seguido pela

utilização da expressão de relação temporal “depois” (25 vezes) e da expressão

seqüencial “aí” (14 vezes).

De acordo com Perroni (1992), a expressão mais utilizada é “depois”, que além

da função prospectiva e de operador de narrativa, pode ocorrer no sentido

explicativo (porque) ou de manutenção de diálogo. Nessa pesquisa, a expressão

“depois” aparece com função prospectiva relacionada a algum evento que irá

ocorrer. Vale lembrar que o tempo cronológico, nas narrativas do tipo histórias,

geralmente, remete ao sentido de prospecção, favorecendo o aparecimento desse

tipo de expressão.

O uso dos operadores de narrativa pelas crianças apresentou-se de forma

restrita: 07 crianças contam histórias sem utilizá-los, enquanto outras 03 utilizam o

operador que introduz a história (era uma vez) e 01 finaliza a história (e foi felizes

para sempre), levantando a seguinte questão: Por não se tratarem de histórias de

contos de fadas, será que foi isso que fez a maioria das crianças não utilizar esses

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tipos de operadores? Fica aqui uma questão que poderá ser retomada num futuro

trabalho.

Na leitura do livro de imagem, o uso do tempo passado foi predominante, o que

evidencia a capacidade da criança de, através da elaboração lingüística, recriar

situações passadas, pois, mesmo que o conhecimento seja compartilhado (presença

das figuras), constrói uma realidade como se não fosse conhecida pelo interlocutor.

O percurso da leitura tem um terreno fértil em que o professor pode e deve

atuar. Na transposição do gênero icônico (livro de imagem) para a narrativa verbal,

aspectos da relação fala-escrita e das simbioses envolvidas podem ser trabalhados.

Para contar as histórias do livro de imagem, na forma puramente verbal, por

exemplo, há que se selecionar, no que estava descrito pelas ilustrações, o que

deverá ser explícito por meio de palavras. O que, muitas vezes, o professor detecta

como “pobreza” nas narrativas infantis se deve à inabilidade da criança em lidar com

o que precisa ser explicitado numa narrativa, para que ela adquira força expressiva.

A habilidade de dosar implicitude e explicitude de informações em um texto, além de

seus elementos estruturais, com base em um determinado tipo, pode ser

desenvolvido com o livro de imagem. Desta maneira, as ilustrações, associadas à

seqüência narrativa, podem funcionar com eficácia para propósitos didáticos

diversos. Caberá à escola incorporar o livro de imagem ao conjunto dos vários

objetos de leitura com que já trabalha, considerando-o como gênero sério e

consistente para o fazer pedagógico assim como os outros presentes no cotidiano

das salas de aula.

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Fechando com reticências...

De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que estamos sempre começando... a certeza de que precisamos continuar... a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar... Portanto devemos: fazer da interrupção, um caminho novo... da queda um passo de dança... do medo, uma escada... do sonho, uma ponte... da procura, um encontro... (Fernando Sabino)

Neste estudo, a ênfase dada à leitura do texto visual ocorre para defender a

idéia (contrária ao senso comum que diz que, nos livros, palavras servem para ler e

ilustrações, para ver) de que, ainda que uma criança não possa ler o que está escrito

num livro ou texto, pode “ler” as ilustrações e imaginar o seu conteúdo.

Os livros de imagem oferecem a seus leitores, não necessariamente

alfabetizados, narrativas e imagens em estilos diversificados, podendo vir a servir

como uma espécie de passaporte de entrada para o mundo da leitura e produção de

textos. Não parece inadmissível postular que o consumo desses livros sem palavras

se configure como uma experiência preliminar importante, desde a pré-escola, vindo

a se configurar “como uma atividade de contraposição àquela sofrível e soletrada do

texto verbal, quando as tentativas de decodificação das letras quase sempre

acabam comprometendo o processo de construção de sentidos para o texto e,

conseqüentemente, o prazer do ato da leitura em si” (FERRARO, 2001, p.194).

As indagações, inicialmente levantadas, são agora retomadas:

1. O que esperar de um livro feito só com imagens? Para os adultos, pode até

parecer muito fácil a leitura dos livros de imagem. Já no caso das crianças deste

trabalho, é importante destacar algumas operações observadas nas produções

textuais do pequeno leitor durante o processo de atribuição de sentidos às narrativas

visuais: a) o reconhecimento das figuras representadas; b) a execução de

associações e previsões; c) o preenchimento dos intervalos entre uma imagem e

outra; d) a construção de um texto verbal (mesmo que interno) para a seqüência de

imagens que se projetam no livro e desenham uma história; e, finalmente, e) a

tomada de decisões frente ao discurso ambíguo que promove várias brechas e

vislumbra várias trilhas a serem percorridas pelos “bosques da ficção” (ECO, 1994);

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2. De que forma esses livros desafiam o olhar e a inteligência dos leitores?

Para que a leitura dos livros de imagem se efetive, é necessário muito mais que um

ato mecânico de decodificação dos elementos figurativos, pois é exigido do leitor um

processo ativo de atribuição de sentidos (semânticos e estéticos) ao texto visual,

propiciando também a abertura de um amplo espaço para a criatividade, para o

paradoxal, para a ambigüidade. Vale lembrar que, apesar das crianças dessa

pesquisa afirmarem nunca terem lido nenhum livro concebido apenas por imagens,

receberam sem maiores estranhamentos os textos visuais, divertindo-se com suas

histórias. Mesmo diante de tal complexidade da atividade leitora, o que se verificou

foi que, em geral, as crianças sentiram-se bastante atraídas pelos livros de imagem

e demonstraram uma espécie de satisfação por fazerem, sozinhas, as leituras dos

mesmos;

3. Como são lidos e compreendidos? Enquanto ato de criação, este tipo de

leitura instiga a intuição, a memória, as emoções e sentimentos, implica em escolhas

e posicionamentos muito particulares conferindo a subjetividade do leitor. Ao pôr em

ação seu olhar pensante e interpretativo, o leitor mergulha no seu ritmo de leitura,

estabelecendo relações entre as imagens, através do preenchimento dos vazios

entre elas, garantindo-lhes uma continuidade espaço-temporal, baseada no passado

e projetada no futuro. Cada criança vai apresentar características de leitura

diferentes que dependem também de sua relação com os livros, tanto no sentido de

ouvir como de contar histórias. Ler é reencontrar todo o saber anterior, pois, tanto no

processo de produção quanto de recepção de um texto, o leitor recorre ao

conhecimento prévio de outros;

4. Qual a tipologia textual encontrada? Na caracterização da leitura e análise

dos tipos de textos orais desse estudo, verifica-se que as leituras feitas pelas

crianças abrangem duas das funções da ilustração descritas por Camargo (1995): a

função narrativa, em que a ilustração conta uma história, e a função descritiva, em

que a ilustração descreve personagens, objetos, cenários, e assim por diante. Três

são os tipos de leitura identificados: uma em que se percebe o preenchimento dos

“brancos” entre uma imagem e outra, com a interpretação das cenas utilizando-se de

conectores; uma leitura fragmentada em relação aos elementos internos da

narrativa, não indo além da leitura descritiva e, por fim, uma leitura de natureza mista

apresentando traços das duas anteriormente citadas. Desta forma, os tipos de textos

produzidos foram narrativos e descritivos, sendo importante lembrar que, como

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afirma Marcuschi (2002), não existem textos de um único tipo, portanto é raro a

descrição ocorrer isolada da narração e vice-versa.

Os operadores do discurso narrativo ocorrem em uso restrito, nesta pesquisa,

principalmente para finalizar a história, como por exemplo “e foi feliz para sempre”,

usado por uma única criança. O operador que introduz a história “era uma vez” foi

utilizado de forma restrita, apenas por três crianças. Seriam as crianças de hoje

menos fantasiosas ou mais criativas por conta do universo de informações a que

têm acesso? Em um tempo não muito distante, “era uma vez” e “felizes para

sempre” eram presenças marcantes nas histórias, fossem produzidas oralmente ou

não.

Em relação às expressões de relações temporais, a mais encontrada foi

“depois” (25 vezes), à semelhança dos dados colhidos por Perroni (1992), onde esta

expressão foi também a mais utilizada. Verificou-se, também, um predomínio do uso

da conjunção com valor seqüencial “e” (47 vezes), e da expressão seqüencial “aí”

(14 vezes). A proeminência de determinadas classes de conectivos no texto

ajudaram a distinguir a trama predominante em texto narrativo (em que são

freqüentes os conectivos de valor temporal) e em texto descritivo (onde são

apresentados com freqüência os conectivos espaciais).

As produções textuais das crianças, neste estudo, sinalizam o que elas serão

capazes de desenvolver, se uma proposta pedagógica for elaborada com atividades

que não só promovam o desenvolvimento das formas de representação do

pensamento pela criança, mas também estimulem uma melhor elaboração da

linguagem oral e o gosto pela leitura através da utilização do livro de imagem.

Trata-se de estimular o leitor a entender os códigos de imagem e a

compreender elementos do encadeamento narrativo. É um exercício que se dá no

plano da percepção cognitiva, o que significa auxiliar o aluno a perceber os

elementos mais aparentes da narrativa, para que ele venha a ler com autonomia não

um determinado livro, mas diversos livros. Um bom desempenho lingüístico

influenciará decisivamente no uso da linguagem e na compreensão dos textos, daí

ser importante ouvir as crianças, e, nessa perspectiva, as narrativas constituem um

passo para isso.

É recomendável, portanto, tentar garantir o acesso aos livros de imagem para a

formação verbal das crianças desde a mais tenra idade, visando ao ensino da leitura

antes mesmo que tal processo se caracterize pela leitura da palavra.

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A leitura da imagem precede a leitura da escrita, pois a criança entra em

contato com a linguagem das imagens antes da linguagem das letras. Assim, se o

objetivo principal do ensino de língua é a formação de um usuário competente, que

saiba utilizar a língua como instrumento de ação e de reflexão, será fácil perceber o

importante papel que o livro de imagem pode desempenhar num processo que vai

do desejo ao prazer de ler, principalmente se associado à exploração e valorização

das experiências e conhecimentos que as crianças trazem de casa. Para isso, deve

ser desenvolvida uma ação educativa que permita o envolvimento da criança na

busca de sentido(s) para compreender o texto não verbal, utilizando o seu próprio

ritmo de leitura, além de regressões ou releituras que se fizerem necessárias.

O professor, que adotar essa postura, agirá como um facilitador e incentivador

do interesse da criança pela leitura à medida que não se comportar apenas como

leitor, mas também como espectador das “leituras” produzidas por ela. É importante

que a criança seja estimulada a criar/produzir seus próprios textos, mesmo que

ainda não esteja alfabetizada. Em consonância com Bittar (2002), da mesma forma

que a leitura de livros (com texto e imagem) e o conto são oferecidos à criança pré-

escolar, a leitura da imagem também deve ser oferecida e trabalhada, visto que ela

mesma amplia os espaços da leitura e possibilita recriação de sentidos.

Falar e escutar, além de ler e escrever, são ações que permitem produzir e

compreender textos. A sensibilização dos professores para o universo do livro de

imagem é importante para a efetivação do processo de leiturização, no qual se

desenvolve a oralidade, a capacidade de interpretação e o raciocínio lógico.

Pensando nisto, seguem algumas sugestões aos professores, que permearam as

reflexões durante a escrita dessa pesquisa:

- incentivar a criança no processo de uma leitura ativa, crítica e criadora,

enquanto fonte de conhecimento e de lazer;

- estimular a criança a compreender a relação entre texto e leitor - a leitura

interativa;

- promover, progressivamente, a autonomia intelectual da criança, propiciando

o contato com o livro de imagem como um (pre)texto para ler/contar histórias, como

defende Breves (2003), pois, como foi visto, ele pode ser uma alavanca na aquisição

da leitura para além da simples decodificação.

Este não é um trabalho que termina, mas uma caminhada que pode ser

recomeçada com outro jeito de olhar, talvez com outros protagonistas e com a

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certeza de que “ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o

caminho caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho por causa do qual

a gente se pôs a caminhar” (FREIRE, 1992, p.55).

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Anexo 1 – Entrevista com as Crianças

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Roteiro de entrevista com as crianças

Nome:Idade : Data da pesquisa:

1. Você gosta de ler? (ouvir histórias?) sim ( ) não ( ). O quê?

2. Você tem livros de histórias infantis em casa?

3. Quais as histórias que você prefere? Por quê?

4. Em casa, alguém conta histórias para você? Quem?

5. Você gosta de contar histórias? sim ( ) não ( ).Qual?

6. Você conhece livros feitos só com imagens? Gosta de ilustrações ? Por quê?

7. Você acha que dá para contar uma história através desse tipo de livro?

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Anexo 2 – Os Livros de Imagem

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LIVRO DE IMAGEM: O DIA –A- DIA DE DADÁ

O livro O dia-a-dia de Dadá, de autoria do escritor Marcelo Xavier, editado

pela Formato Editora, é uma narrativa desenvolvida unicamente através da imagem.

Este livro, composto por oito páginas numeradas, explora com humor e fantasia o

cotidiano de uma pequena menina que se encontra sempre na companhia de um

gato, seu companheiro em todas as ações cotidianas, e de uma menininha (ou será

sua boneca?), que reproduz todos os seus atos.Ao mesmo tempo em que descreve

ações e situações totalmente corriqueiras e comuns – como a ida à escola, o dormir

e o acordar, a visita ao banheiro – compartilha com o pequeno leitor uma percepção

de mundo dominada pelo brincar, pela fantasia e pelo faz-de-conta.

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Através das imagens do livro, o texto narrativo desenvolve-se por completo

sem que seja necessária a utilização da linguagem escrita. Como se sabe, narrativa

oral ou escrita, tem como principal propriedade sua seqüencialidade inerente; ela é

composta por uma cadeia singular de eventos, estados mentais, ocorrências

envolvendo seres humanos como personagens, compondo seus constituintes

principais. Mesmo não utilizando a linguagem oral ou escrita, observa-se que a

narrativa iconográfica mantém e respeita essa seqüencialidade que torna a narrativa

reconhecível em qualquer cultura.

O grande diferencial proposto pelo livro de imagem é a liberdade dada ao

leitor para que ele se torne um co-autor do texto, ou seja, mesmo direcionada pelo

autor/ilustrador, as imagens do livro permitem que o leitor leia a obra criando novas

histórias a cada nova leitura dada às imagens.

Assim, essa modalidade literária, além de oferecer à criança um encontro

estético, tanto com a literatura quanto com artes plásticas, ainda oferece espaço

para o trabalho pedagógico em sala de aula. O dia-a-dia de Dadá discute a rotina

própria do dia-a-dia, os hábitos cotidianos, mas sem deixar a poesia e a brincadeira

de lado, elementos que fazem parte das necessidades próprias da infância.

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LIVRO DE IMAGEM: O ALMOÇO

O livro de imagem O Almoço (1991), do escritor e ilustrador Mário Vale,

editado pela Formato Editora, também desenvolve toda uma narrativa através de

uma seqüência de quadros. Mas nesse livro, outros elementos entram na

composição do texto; e o mais significativo é o elemento surpresa.

Para ilustrar O Almoço, o autor Mário Vale serviu-se de uma técnica de ilustração

bastante difundida no meio educacional (recorte e colagem).Utilizando apenas oito

ilustrações, ele elaborou uma trama visual com começo, meio, clímax e fim. A

ilustração final, no último virar de páginas, desafoga a tensão do leitor, ao revelar

enfim, que cenouras (e não coelho) é que foram preparadas para o almoço. A cena

de desfecho, portanto, obriga o leitor a dar um novo sentido para as imagens que

havia lido anteriormente, pois somente depois da leitura da última página do livro, é

que o leitor pode vislumbrar o entendimento de que o protagonista solitário da

história buscava companhia, figuradas na imagem do coelho.

Ainda que seja raro encontrar nos livros infantis personagens negras, em O

Almoço, o papel de destaque é ocupado por um negro de boca carnuda e cabelo

verde pixaim; além dele e do coelho, um pequeno passarinho acompanha todo o

eixo principal da narrativa, auxiliando na elaboração do suspense da história.

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LIVRO DE IMAGEM: FILÓ E MARIETA

Este livro de imagens cujo formato é de 22 x 21 cm, possui 24 páginas, não

numeradas, e 20 ilustrações. O leitor mirim, desta vez, não irá saborear uma história

em que a criança é protagonista. Isto porque tem em mãos um livro cujas

personagens são possivelmente senhoras de meia-idade, alegres, trajadas

graciosamente. Uma rápida olhadela em suas feições e apetrechos é suficiente para

fazer com que o leitor as associe às tradicionais entidades dotadas de poderes

mágicos dos contos de fada. Do enredo e personagens, emana um clima de graça,

fantasia e humor.

Desde as primeiras páginas o leitor é convidado a desvendar as questões que

o texto propõe: O que Filó traz de presente? O que fará Marieta com a varinha?

Como as amigas resolverão a confusão provocada por Marieta?

Sua autora, Eva Furnari descreve os fatos numa cadência rítmica, cuja

disposição linear das ilustrações atua em favor da definição da velocidade do

enredo. Com o intuito de fazer emergir todo o potencial narrativo do código visual,

explora os efeitos de causalidade e a expressividade das figuras. Faz com que cada

ação seja resultado de uma série de acontecimentos precedentes, de maneira que

as imagens sejam postas numa seqüência lógica, cujos intervalos serão

completados pelos leitores durante a construção dos sentidos, segundo a história de

vida de cada um.

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