livro - a justica e educacao

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Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos:parceria para a cidadania

Fazem parte desta publicao um CD e um DVD afixados capa.Voc pode: copiar, distribuir, exibir e executar a obra. Sob as seguintes condies: Atribuio. Voc deve dar crdito ao autor original, da forma especificada pelo autor ou licenciante. Uso No-Comercial. Voc no pode utilizar esta obra com finalidades comerciais. Vedada a Criao de Obras Derivadas. Voc no pode alterar, transformar ou criar outra obra com base nesta. Para cada novo uso ou distribuio, voc deve deixar claro para outros os termos da licena desta obra. Qualquer uma destas condies pode ser renunciada, desde que voc obtenha permisso do autor. Nada nesta licena prejudica ou restringe os direitos morais dos autores.

Catalogao na Fonte: Centro de Referncia em Educao Mario Covas

J96

Justia e educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania/ Madza Ednir, organizadora. - So Paulo : CECIP, 2007. 128 p. : il. Parte integrante de um conjunto de materiais de registro de implementao do Projeto Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania. Projeto da Fundao para o Desenvolvimento da Educao FDE, executado pelo CECIP Centro de Criao de Imagem Popular, com a participao dos Juzes das Varas da Infncia e da Juventude de Guarulhos e Varas Especiais da Infncia e da Juventude da Capital/SP. Acompanha 1 CD, 1 DVD e 1 conjunto de fichas com procedimentos bsicos dos crculos restaurativos. Patrocnio: Ministrio da Educao/FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao, Governo Federal. 1. Justia restaurativa 2. Crculo restaurativo 3. Justia e Educao 4. Cidadania 5. So Paulo (Cidade) I. Ednir, Madza. II. So Paulo (Estado) Secretaria da Educao. III. Fundao para o Desenvolvimento da Educao. CDU: 37:340.114

CD

Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos:parceria para a cidadania

Governo do Estado de So PauloGovernador Jos Serra Secretria da Educao Maria Lucia Vasconcelos Secretria-Adjunta Carmem Annunziato Chefe de Gabinete Evandro Fabiani Capano Coordenador de Ensino da Regio Metropolitana da Grande So Paulo Luiz Candido Rodrigues MariaAUTORES Ana Paula de Souza Promotora de Justia da Vara da Infncia e da Juventude de Guarulhos/SP Daniel Issler Juiz da Vara da Infncia e da Juventude de Guarulhos Dominic Barter Especialista em Justia Restaurativa. CNVBrasil/ Centro Internacional de Comunicao No-Violenta Egberto de Almeida Penido Juiz Assessor da Presidncia da Seo de Direito Pblico do Tribunal de Justia e coordenador do "Projeto de Justia Restaurativa" junto s Varas Especiais da Infncia e da Juventude da Capital/SP (Regio de Helipolis) Luciana Bergamo Tchorbadjian Promotora das Varas Especiais da Infncia e da Juventude da Capital Setor de Justia Restaurativa, Regio de Helipolis Madza Ednir Coordenadora Pedaggica do CECIP, Especialista em Mudanas Educacionais Monica Mumme Coordenadora de Projetos do CECIP, Especialista em Mudanas Educacionais Vania Curi Yazbek Terapeuta e Mediadora, especializada em capacitao de prticas de resoluo de conflito COLABORADORAS Jurema Reis Corra Panza, FDE Vera Lcia de Jesus Curriel, Dirigente de Ensino da Diretoria Guarulhos-Norte Maria Isabel Faria, Dirigente de Ensino da Diretoria Centro-Sul Ana Maria Paixo de Andrade, Co-facilitadora Clia Pinto da Silveira, Co-facilitadora

Fundao para o Desenvolvimento da Educao FDE Presidente Fbio Bonini Simes de Lima Chefe de Gabinete Richard Vainberg Diretora de Projetos Especiais Iara Glria Areias Prado Assessores da Diretoria de Projetos Especiais Cassiana dos Passos Claro Cludia Aratangy Jos Claudio Marmo Rizzo Gerente de Educao e Cidadania Nivaldo Leal dos Santos Departamento de Educao Preventiva Edison de Almeida (Chefe) Jurema Reis Corra Panza (Coord. do Projeto) Andreelli Cristina de Carvalho Deisi Romano Nadir de Almeida Silvani Arruda Sylvio Antonio de Miranda Uyara Schimittd

Diretoria de Ensino da Regio Guarulhos-Norte Vera Lcia de Jesus Curriel, Dirigente de Ensino Maria da Anunciao DArajo, Assessora Jurdica Silvia Mello Pereira, Supervisora de Ensino Maria Iva A. Ramos, Supervisora de Ensino Miriam T. K. Watanave, Assistente Tcnico-Pedaggica Marivana S. Mascarenhas, ATP de Geografia Teresa de Souza Izidoro, ATP de Cincias Humanas Diretoria de Ensino da Regio Centro-Sul Maria Isabel Faria, Dirigente de Ensino Lourdes Cereja, Supervisora de Ensino Ariovaldo da Silva Stella, ATP de Cincias Sheila Bazarim, ATP da Escola da Famlia Escolas de Guarulhos E.E. Prof a. Hilda Prates Gallo E.E. Dona Brasilia Castao de Oliveira E.E. Prof. Roberto Alves dos Santos E.E. Prof. Allyrio de Figueiredo Brasil E.E. Prof a. Salime Mudeh E.E. Genoefa D'aquino Pacitti E.E. Ponte Alta V E.E. Prof. Maurcio Nazar E.E. Cel. Ary Jorge Zeitune E.E. Prof. Milton Cernach E.E. Cidade Soberana II Escolas de Helipolis E.E. Antonio Alcntara Machado E.E. Seminrio Nossa Senhora da Gloria E.E. Prof a. Eurydice Zerbini E.E. Prof. Astrogildo Silva E.E. Presidente Tancredo Neves E.E. Manuela Lacerda Vergueiro E.E. Prof. Gualter da Silva E.E. Prof. Ataliba de Oliveira ORGANIZAO, PRODUO EDITORIAL E GRFICA CECIP Centro de Criao de Imagem Popular Claudius Ceccon Projeto Grfico e Direo de Arte Madza Ednir Concepo da estrutura do material, sistematizao e edio dos textos originais Deisi Romano e Dinah Frott Reviso Silvia Fittipaldi | Magic Art Editorao Eletrnica

Fundao para o Desenvolvimento da Educao FDE Rua Rodolfo Miranda, 636 Bom Retiro 01121-900 So Paulo, SP Tel: (11) 3327.4248 www.fde.sp.gov.br So Paulo, 2007

Esses materiais foram produzidos no mbito do Projeto Justia Restaurativa, Contrato n 44/4364/06/ 04, com recursos do Ministrio da Educao / FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao, Governo Federal.

SumrioIntroduo Captulo 1Parceria Quando Justia e Educao querem andar de mos dadas Violncia na sociedade e nas escolas brasileiras: o que fazer? Justia Restaurativa A Justia Restaurativa e a Secretaria de Educao no Estado de So Paulo 5 9 9 13 16

Captulo 2Justia e Educao O desenho do projeto em Helipolis e Guarulhos Intenes e objetivos Os eixos do Projeto e sua articulao

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Captulo 3Modo de Fazer I como Guarulhos e Helipolis comearam a criar e trilhar seu prprio caminho Articulaes e parcerias Mobilizao e sensibilizao Formao de facilitadores de Prticas Restaurativas Apoio a mudanas educacionais e institucionais nas escolas, no Frum e na comunidade Fortalecimento de Redes Modo de Fazer II Como preparar facilitadores de Prticas Restaurativas

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33 35 37 37 63 67 101

Captulo 4Resultados Desafios do processo, lies aprendidas e novas perguntas que pedem respostas urgentes Resultados obtidos Desafios do processo Lies aprendidas

103 111 120 123

Captulo 5Perspectivas Futuras

ANEXO Fichas de procedimentosMdias complementares: CD e DVD afixados capa

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Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania

IntroduoEssa publicao oferece aos atores envolvidos em processos de mudana e aperfeioamento das instituies brasileiras uma experincia de parceria entre os Sistemas de Justia e de Educao. Ela faz parte de um conjunto de materiais de registro da implementao do Projeto Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania. Nessas duas localidades, de caractersticas sociais e econmicas muito distintas, o Projeto Justia e Educao foi recriado, adaptando-se s demandas da realidade local. Em oito meses de trabalho, os agentes do Sistema Educacional, do Judicirio e da comunidade conseguiram deflagrar um processo de surpreendente vitalidade, que essa publicao procura resgatar. O conjunto tambm inclui um vdeo em que documentada a implementao do processo e um CD contendo todos os materiais produzidos pelo Projeto. Esta publicao traz, em anexo, um conjunto de fichas com os procedimentos bsicos empregados nos Crculos Restaurativos, para auxiliar aqueles que pretendem coloclos em prtica. O conjunto poder ser utilizado por agentes de mudana nos Sistemas Educacional e de Justia, no desenvolvimento de aes visando a construo de comunidades aprendizes, em que a justia e o dilogo prevaleam. Veja a seguir o mapa da publicao.

Introduo

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Mapa da PublicaoO leitor poder entrar nessa publicao por diferentes portas, dependendo de seus interesses especficos. Para facilitar sua escolha de por onde comear, apresentamos a seguir uma micro-sntese dos cinco captulos.

CAPTULO 2Arquitetura do Projeto em Helipolis e Guarulhos Descrevem-se os critrios de escolha dos espaos de implementao, as caractersticas socioeconmicas e as dinmicas sociais desses espaos e como o Projeto busca fortalecer essas dinmicas. Apresentam-se os parceiros representando o poder executivo, a Secretaria da Educao (Sistema Educacional), a Fundao para o Desenvolvimento da Educao FDE, implementadora de inmeras iniciativas voltadas construo de uma cultura de paz, em especial o Projeto Comunidade Presente; representando o poder judicirio as Varas Especiais da Infncia e da Juventude da Capital (Setor de Justia Restaurativa Regio de Helipolis) e a Vara da Infncia e da Juventude de Guarulhos (juzes especialistas em Justia Restaurativa). Mostram-se como se articulam os trs eixos do projeto, sendo o eixo central a aprendizagem de procedimentos restautativos (como operar o Crculo Restaurativo) por agentes sociais atuando no Sistema Educacional, no Sistema Judicirio e na comunidade. Para que esses agentes possam encontrar acolhida nas instituies onde se realizam os Procedimentos Restaurativos, em especial o Crculo, preciso desenvolver o segundo eixo: Apoiar mudanas: nas escolas (formao de lideranas educacionais), no Frum e nas comunidades.

CAPTULO 1Histrico/contextualizao Desdobra-se em trs itens, que enfatizam a relevncia social do projeto uma resposta original questo da violncia, visando atender direitos e melhorar a educao em sentido amplo, como processo que ocorre nas escolas, na famlia e na sociedade: A violncia hoje a principal preocupao dos brasileiros; ela se manifesta na sociedade e, portanto, em suas instituies como, por exemplo, nas escolas; e as abordagens punitivas usadas para lidar com ela no tm funcionado. Existe uma abordagem de preveno da violncia e reconstruo do que foi quebrado pelo conflito: a Justia Restaurativa. H 30 anos vem sendo usada em diferentes pases. A abordagem de Justia Restaurativa nos Sistemas Judicirio e Educacional surge no Brasil em 2005, com trs projetos pioneiros do Ministrio da Justia. Explicita porque a Secretaria da Educao e o Tribunal de Justia de So Paulo se interessam em fazer parceria e dar continuidade a ela.

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Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania

E para que as causas sociais dos conflitos, identificadas nos Crculos, possam ser trabalhadas, preciso desenvolver o terceiro eixo: Fortalecer a Rede de Atendimento para onde os participantes dos Procedimentos Restaurativos (Crculos) sero encaminhados.

As trs etapas vistas mais de perto. Como fazer o Pr-Crculo. Como fazer o Crculo. Como fazer o Ps-Crculo.

CAPTULO 4 CAPTULO 3Modo de Fazer I Descreve-se o caminho Restaurativo de Helipolis e Guarulhos, detalhando procedimentos para: Articular a parceria entre os Sistemas Educacional e Judicirio. Mobilizar e sensibilizar o universo em questo. Formar operadores de Crculos Restaurativos em escolas, Frum e comunidade. Apoiar mudanas em escolas, Frum e comunidades. Fortalecer a Rede de Apoio. Modo de Fazer II Descrevem-se a metodologia, os contedos e as estratgias da formao de facilitadores de Prticas Restaurativas: Diferena entre Justia Restaurativa e Retributiva. Compreendendo o Sistema Restaurativo. Etapas do Processo Restaurativo. Apresentam-se relatos de trs Crculos bem sucedidos e as falas avaliativas de dirigentes de ensino, juzes e participantes do Projeto Justia e Educao. Resultados alcanados e lies aprendidas

CAPTULO 5Perspectivas futuras Sem parcerias no h soluo para o fortalecimento da cidadania, portanto, melhor que aprendamos a faz-las rumo a uma educao justa e a uma justia educativa para o nosso pas. E s se aprende a fazer, fazendo.

ANEXOUma seleo de fichas de procedimentos para dar apoio s lideranas educacionais e aos facilitadores de Prticas Restaurativas.

Introduo

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Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania

ParceriaQuando Justia e Educao querem andar de mos dadas

1bais, roubos, assaltos, seqestros, homicdios, acidentes de trfego, suicdio e tambm auto-depreciao, agresses verbais e simblicas, manifestaes de preconceito e discriminao, tentativas de inferiorizar, humilhar, excluir ou submeter o outro, negao, pelo Estado, de direitos econmicos, sociais, culturais e ambientais aos cidados e cidads. Alguns estudiosos, reconhecendo a sua multiplicidade, s se referem violncia no plural. Pesquisa realizada pelo Datafolha, entre os dias 19 e 20 de maro de 2007, em todo o pas, ouvindo 5.700 pessoas, revelou que os brasileiros consideram a violncia o principal problema do pas (31%), superando a preocupao com o desemprego (22%) uma forma especialmente perversa de violncia econmica e social.

Violncias na sociedade e nas escolas brasileiras: o que fazer?A questo da violncia o que mais preocupa os brasileiros A violncia pode ser analisada sob diferentes perspectivas. Quando o foco est em suas seqelas danosas, vista como a ao intencional (de um indivduo ou grupo) que acarreta uma modificao prejudicial no estado psicofsico de um outro indivduo ou grupo ou dirigida contra a sua prpria integridade fsica/psicolgica. Quando o foco est na falha das competncias de quem a pratica ou sofre, vista como a expresso trgica de necessidades humanas no atendidas. O conceito de violncia inclui fenmenos to distintos como: agresses fsicas e ver-

A violncia est em toda parte e tambm nas escolas A violncia social e urbana 1 reflete-se na realidade interna das escolas brasileiras. O fato de que, de modo geral, elas no estejam sendo capazes de possibilitar aprendizagens bsicas e de fazer sentido para a maioria de seus alunos, j representa, em si, um desres1 A violncia no campo, tambm estarrecedora, no ests sendo abordada aqui, embora tenha impacto decisivo na diminuio da qualidade de vida e na violncia das cidades.

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2 Participantes do painel "Juventude, Educao, Qualidade e Democracia", da IV Conferncia Nacional de Educao e Cultura, realizada em Braslia, 2007, com a presena de pesquisadores e de representantes dos estudantes, afirmam que, apesar de ser o principal foco da educao, o jovem no ouvido e no consegue participar das decises em sua prpria escola.

peito ao direito de todos e todas a uma educao de qualidade. A situao crtica dessas escolas muito bem retratada no filme Pro Dia Nascer Feliz, do diretor Joo Jardim. Em meio falta geral de condies materiais, remunerao defasada dos servidores e no aceitao, pela cultura escolar, da cultura juvenil2, sobressai a violncia. Esta, de forma clara, , ao mesmo tempo, fator de impedimento ao desenvolvimento da atividade-fim de transmitir, construir e avaliar conhecimentos e habilidades, e conseqncia da forma precria como essa atividade fim vem sendo realizada. Como diz um aluno de Marari, Pernambuco, Aqui a gente no tem chance de sonhar. Tambm em grande nmero de escolas paulistas, em especial na capital e arredores, em que pesem os esforos contnuos da Secretaria da Educao para nelas fomentar uma cultura da paz, constata-se ainda a existncia de um ambiente incompatvel com o clima de cuidado, interesse e dilogo, que caracteriza instituies onde o desempenho dos alunos excelente. So freqentes agresses verbais e fsicas, desrespeito generalizado, medo da dominao por meio da fora exercida por indivduos ou grupos. Um professor da rede estadual, por exemplo, nos relatou recentemente que os alunos da escola em que trabalha permanecem com as mochilas nas costas durante o horrio do intervalo, com medo de que, deixando seus pertences na sala de aula, eles possam ser subtrados.

escolares vm pressionando e cobrando as autoridades dos Sistemas da Justia e da Educao por uma interveno firme. Com certeza, no se pode conviver passivamente com tamanha inverso de valores e desrespeito generalizado. No entanto, a demanda que se faz s autoridades por um maior endurecimento da legislao e das punies aplicadas aos autores de atos de violncia. Da mesma forma, no se tem revelado eficaz combater a violncia nas escolas e nas comunidades, colocando mais grades nos corredores e janelas, instalando cmeras de vigilncia, levantando muros mais altos, tornando mais severas as penalidades dos Sistemas Disciplinar e Penal. Essas respostas reativas violncia no tm efeitos duradouros porque se limitam a lidar com a sua superfcie e no consideram de onde ela surge. Com certeza, preciso agir, tomando providncias imediatas para conter atos violentos, no mesmo momento em que ocorrem, seja no espao da comunidade em geral ou no da escola e responsabilizar os envolvidos. No entanto, solues rpidas e simples para um problema complexo, ligado excluso social, podem eliminar aquela manifestao isolada de violncia, mas no impedem nem previnem que outras ocorram. A constatao de que os problemas que esto ligados violncia na sociedade e nas escolas tm um forte componente social e cultural, vm gerando a mobilizao de segmentos do Poder Pblico e dos agentes sociais, produzindo novas idias e prticas para no apenas eliminar a violncia quando ela ocorre, mas, principalmente, preveni-la. Comea a se difundir a compreenso de que sentir-se seguro tem a ver menos com medidas de controle e represso e mais com o fortalecimento das conexes entre

Respostas punitivas violncia s tm feito agravar a situao Indignadas e amedrontadas com a escalada da violncia no meio urbano e no interior das escolas antes consideradas refgios seguros a populao e as comunidades

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pessoas e grupos, com atendimento s suas necessidades bsicas de respeito e pertencimento e reconhecimento de seus direitos de cidadania.

Outras respostas vm sendo construdas por diferentes atores sociais Gradativamente dissemina-se entre agentes governamentais e no governamentais brasileiros, propostas como a de construo de Cidades Educadoras, nascida em Barcelona, Espanha (1990). A idia pensar a cidade como espao de convivncia intercultural, intergeracional e de construo de mltiplos saberes. A reconceitualizao da cidade pressupe compreend-la como uma grande rede de espaos pedaggicos formais (escolas, universidades...) e informais (casas de famlia, praas, meios de comunicao, empresas, meios de transporte...).

A gesto de uma cidade educadora tem como um de seus propsitos bsicos possibilitar que os cidados e as cidads tomem conscincia do que aprendem e ensinam ao interagir na cidade, percebendo que podem transform-la de forma deliberada, intencional, rumo a uma vida de qualidade para todos. A gesto de uma escola cidad tem como propsito fazer com que educadores, alunos, profissionais da escola, familiares e membros da comunidade sintamse conectados entre si e com outras organizaes da comunidade; sintam-se pertencendo escola e cidade, ensinando e aprendendo e provocando mudanas, ao interagir no espao escolar e comunitrio.

A elaborao coletiva de projetos sociais e educativos uma forma de enfrentar a histrica contradio entre excluso e incluso inerente dinmica das cidades brasiUma cidade educadora assume que a edu- leiras e reproduzida em suas escolas. cao algo que ocorre nas escolas, nas famlias, e as transcende. Afinal, a cidade edu- Paralelamente, dissemina-se no nosso Sisca para a violncia ou para a no-violncia tema de Justia outras formas de resoluo por meio de suas instituies,e tambm de conflitos, que no se baseiam apenas na pela forma como seus espaos so distri- cultura do litgio, do perde ou ganha, que budos, apropriados, utilizados, pelas alimentam sistemas de controle social, que interaes que se estabelecem no seu terri- em essncia retroalimentam a violncia e trio entre indivduos e grupos pertencen- geram ainda mais a excluso e a estigmatites a diferentes classes sociais, garantindo- zao. H muito vem surgindo no mbito se ou no a universalizao dos direitos de do Poder Judicirio, dinmicas de resolucidadania estabelecidos por lei3. o de conflitos que valorizam a mediao, e, mais recentemente, a Justia ComunitE escolas educam para a no-violncia ao ria e a Justia Restaurativa. perceberem que no podem educar sozinhas, mas precisam articular-se com as de- Estas dinmicas surgem, no s em decormais organizaes do bairro ou cidade. Elas rncia da insatisfao com o sistema de educam pelas interaes que possibilitam resoluo de conflitos eminentemente rea construo de conhecimentos, atitudes e tributivo, que tem predominado em nossa valores, pela forma como os seus espaos cultura, mas, tambm, em face da constataso utilizados e ocupados, e pelas estratgi- o de que por detrs de cada norma, residem, antes que direitos ou deveres, valores as utilizadas nos processos decisrios.

3 Vide Cidade Educadora, princpios e experincias, vrios autores, Cortez Editora, Instituto Paulo Freire, Cidades Educadoras Amrica Latina, 2004.

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4 Iniciao em Justia Restaurativa Subsdios de Prticas Restaurativas para a Transformao de Conflitos Ncleo de Estudos em Justia Restaurativas Projeto Justia para o Sculo 21 Instituindo Prticas Restaurativas -Porto Alegre/Rio Grande do Sul 2006 p. 10/11. 5 Madza Ednir, paper produzido para o Instituto Credicard, 2007.

fundamentais que se objetiva preservar: dignidade, integridade, igualdade, isonomia, respeito, pertencimento, reciprocidade, solidariedade, harmonia. Vistos assim, desde essa dimenso tica, direitos e valores se confundem. Mudando o foco de reafirmar normas para o de reafirmar valores, a funo de justia pode ser revigorada para adquirir um sentido tico que parece ter-se perdido no curso da histria. No que as normas, em seu contedo ou em sua contribuio social, meream ser desprezadas. O que se tem em perspectiva a necessidade de priorizar a identificao e a reafirmao dos valores e no aplicar as normas como um fim em si mesmo. E, tanto quanto as normas, os valores sobre os quais se constri a justia cada vez mais deixam de ser compreendidos como pr-determinados, seno que devem ser considerados como emergentes do contexto relacional, ou seja, devem ser referidos aos fatos concretos da vida diante dos quais as prprias normas devem ser reinterpretadas. (...) Essa tendncia evolutiva, que enfatiza os valores e lhes d relevncia cada vez maior que s leis, indica que a atividade valorativa do juiz possa vir a ser progressivamente substituda pela contribuio das prprias pessoas envolvidas no conflito, cuja viso dos fatos e cujos valores certamente sero sempre mais condizentes e adequados prpria realidade. Com isso pode-se sugerir que, na medida em que se desenvolvam mtodos de participao colaborativa como os propostos pela Justia Restaurativa, a atividade de fazer justia, dentro e fora das instituies oficiais, pode tornar a funo justia (e, conseqentemente, o acesso justia) cada vez mais capilarizada, aberta e democrtica. 4 Alm disso, a elaborao de projetos de acesso justia por meio alternativos de resoluo de conflitos uma forma de enfrentar tambm a histrica contradio entre apoio

e disciplina, entre controle e acolhimento inerente em nossa sociedade e reproduzida em Sistema de Justia Retributiva. O Projeto Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania, desenvolvido em parceria pela Secretaria da Educao do Estado de So Paulo, por meio da Fundao para o Desenvolvimento da Educao FDE e pelo Poder Judicirio, mais um exemplo das muitas experincias de pedagogia social e ampliao do acesso justia por meio de resolues no-violentas de conflitos em curso no nosso pas. Essas iniciativas caminham no sentido da superao da violncia pela reconstruo do tecido social. No entanto, aprender a construir redes internas escola, entre escolas, entre escolas e outras instituies e organizaes, entre escolas e famlias e empresas, um grande desafio. O ato de cooperar para o bem comum continua sendo subversivo em relao ideologia historicamente enraizada. Uma ideologia que faz parecer naturais a verticalizao das decises, a dependncia, o fatalismo, o individualismo do cada um por si e Deus contra todos. 5 Do mesmo modo, aprender a resolver conflitos de modo cooperativo e no-violento, baseado numa tica de dilogo, tendo como objetivo a responsabilizao coletiva e participativa de todos envolvidos, tambm um grande desafio. O ato de se fazer justia por meio do dilogo que esclarece e conscientiza e no por meio do julgamento, se apresenta tambm subversivo em relao ideologia historicamente enraizada que se baseia no poder sobre o outro e no no poder com o outro. Uma ideologia em que onde (...) a idia de Justia Criminal como o equivalente de punio parece j assentada no senso comum, o que o mesmo que reconhecer que

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Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania

ela se tornou cultura. Zehr (1990) descreve o problema afirmando que: muito difcil compreender que o paradigma que consideramos to natural, to lgico, tem, de fato, governado nosso entendimento sobre crime e justia apenas alguns poucos sculos. Ns no fizemos sempre da mesma forma e, ao invs desse modelo, as prticas de Justia Comunitrias acompanharam a maior parte de nossa histria.6 Em seguida, apresentaremos o conceito central do Projeto Justia e Educao, em torno do qual a parceria entre os dois sistemas foi estabelecida: Justia Restaurativa, uma abordagem de reconstruo do que foi quebrado pela violncia e de preveno da violncia, pelo empoderamento das comunidades para, coletivamente, enfrentarem as causas sociais da violncia, promovendo incluso e universalizao de direitos.

cimento na responsabilizao pelos danos causados, mas tambm na satisfao das necessidades emergidas a partir da situao de conflito. Esses valores tm demonstrado a possibilidade de se alcanar o restabelecimento do senso de justia, dignidade e segurana da seu nome restaurativa em termos diferentes daqueles que levaram situao de conflito. O modelo, fundado em experincias comunitrias, muitas delas ancestrais, pauta-se, numa de suas dimenses, pelo encontro das pessoas envolvidas e membros da comunidade atingida (incluindo familiares e amigos) para, juntos, identificarem as possibilidades de resoluo de conflitos a partir da identificao das necessidades dele decorrentes. Espera-se chegar, por meio do conhecimento do porqu dos atos cometidos, e das conseqncias desses atos, reparao dos danos causados tanto emocionais como materiais. E mais: pretende-se desenvolver habilidades para evitar nova recada na situao conflitiva e atender, com suporte social, s necessidades desveladas. Assim, na Justia Restaurativa h o encontro entre aquele que praticou o ato que gerou um dano (autor do ato), com aquele que recebeu este ato (receptor do ato), para que o primeiro se defronte com as conseqncias de suas escolhas e aes. Deste encontro, facilitado por pessoas capacitadas em tcnicas de conduo de conflitos, tambm participam pessoas que foram indiretamente atingidas pela ofensa e que possam contribuir para a resoluo do conflito. Neste encontro, baseado numa tica de dilogo, visa-se, no a punio, mas a efetiva responsabilizao. Visa-se que as causas que levaram ao ato danoso sejam investigadas, do mesmo modo que se reparem os danos e se lide, ainda, com as seqelas que brotaram a partir da ofensa.6 Justia Restaurativa um caminho para os direitos humanos? Marcos Rolim e outros; 2004, Instituto de Acesso Justia, p. 10

Justia restaurativaUma abordagem de reconstruo do que foi quebrado por conflitos e de preveno da violncia

Noes de Justia RestaurativaA Justia Restaurativa um modelo alternativo e complementar de resoluo de conflitos que procura fundar-se em uma lgica distinta da punitiva e retributiva. A lgica retributiva baseada no princpio de que todo ato ofensivo ou violento deve ser retribudo com uma punio correspondente intensidade da ofensa /violncia. Os valores que regem a Justia Restaurativa so: empoderamento, participao, autonomia, respeito, busca de sentido e de perten-

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7 Justia Restaurativa Coletnea de Artigos; organizao de Catherine Slakmon, Renato Campos Pinto De Vitto e Renato Scrates Gomes Pinto; publicado pelo Ministrio da Justia do Brasil e o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento PNUD; p. 168. 8 Restoring Justice. 9 Veja As trs etapas do Processo Restaurativo, no Capitulo 3, e tambm o box Coisas que fazemos com palavras mais adiante ressignificao dos conceitos de ofensor e vtima, realizada pelos participantes do Projeto Justia e Educao, adotando-se como designaes alternativas: autor do ato e receptor do ato.

Conforme o ensinamento de Mylne Jaccoud, s o direito restaurador concede s vtimas um lugar central; o direito punitivo e o reabilitador lhes oferecem apenas um lugar secundrio7. Segundo a concepo de Van Ness & Strong8, a Justia Restaurativa composta de trs eixos:

1. Reparao de danos O que implica: aceitao de responsabilidade pela ofensa, troca de experincias entre vtima e ofensor 9, com efetivo envolvimento deles; um Acordo ou plano reparador dos danos causados; construo ou reconstruo de relaes.

2. Envolvimento dos afetados e membros da sua comunidade O que implica: participao ativa de receptor do ato, autor do ato e da comunidade no processo de construo da Justia, tanto maior quanto possvel, o que no apenas visa fortalecer relaes antigas como tambm novas; assegurar suporte aos afetados, encorajando este papel; promover uma sensao de reduo do medo e de aumento de bem-estar; criar um entendimento mais aprofundado do problema, pela diversidade de perspectiva dos envolvidos, permitindo o desenvolvimento de habilidades para soluo futura de conflitos.

maior ateno ao receptor do ato e comunidade, bem como em um maior processo restaurativo em relao ao autor do ato; alterao da estratgia de ao com incorporao de Prticas Restaurativas em suas aes; estabelecimento de canais de comunicao com a comunidade. A criao ou fortalecimento de redes na comunidade, de um lado, quebra a burocracia e, de outro, estimula as organizaes voltadas ao atendimento dos direitos das crianas e adolescentes a clarear os sentidos de sua ao e os valores que marcam suas condutas; estmulo apropriao coletiva da regra (incluindo sua possvel atualizao ou mudana), do dilogo e da resoluo de conflitos, buscando superar a apatia e desenvolver um sentimento de responsabilidade para com os problemas comunitrios, com um maior engajamento cvico; desenvolvimento de habilidades especficas para resoluo de conflitos, para uma comunicao social mais eficaz e realizao de direitos. Os Crculos Restaurativos, espaos de dilogo e de resoluo no-punitiva de conflitos, por meio de Acordos definidos em conjunto pelas partes envolvidas10 buscam o atendimento dos dois primeiros eixos da concepo de Justia Restaurativa: a reparao de danos e participao dos envolvidos, mas tambm so o elemento de conexo entre o Sistema de Justia e da Segurana Pblica com a comunidade, em um papel outro daquele hoje existente. (Vide Captulo 3, em Formao de Facilitadores de Prticas Restaurativas). Se o que estimula a violncia, envolvendo adolescentes em conflito com a lei, tem uma dimenso cultural e estrutural, a resposta no pode, de fato, ser pontual, mas demanda, pelo contrrio, uma atuao sistmica que permita reverter padres de conduta, tanto de indivduos como de grupos e r-

10 Nos Crculos Restaurativos, a resoluo de conflitos no focaliza as pessoas do receptor do ato ou do autor do ato, mas as causas que provocaram os conflitos, envolvendo a comunidade na co-responsabilizao, compreenso e superao das mesmas.

3. Transformao do papel governamental e da comunidade e mudana sistmica O que implica: mudana da misso dos agentes governamentais, como participao de alguns de seus membros em Crculos Restaurativos; mudana de foco, com

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gos governamentais tornando-os cooperativos, respeitosos e inclusivos. A base tica na qual se funda a Justia Restaurativa promove11: a) horizontalidade entre os envolvidos; b) cooperao voluntria no processo; c) reconhecimento da humanidade de todos; d) reconhecimento dos anseios dos envolvidos por valores que todos tm em comum; e) respeito pelas fortes emoes que pessoas vtimas de transgresses podem experimentar; f) empatia para com os valores desconsiderados por uma transgresso; g) responsabilidade de todos pelas futuras conseqncias de transgresses; h) aes que curam e restauram o valor simblico e real do que foi perdido ou quebrado.

quando o primeiro modelo Restaurativo de Reconciliao Vtima Ofensor foi introduzido no Sistema Criminal (Ontrio). A partir da, projetos semelhantes surgem ao final da dcada de 70 nos EUA e na Europa (ustria, Alemanha e Inglaterra). Em 1990, surge um modelo de prtica restaurativa na Nova Zelndia A Conferncia de Grupo Familiar (Family Group Conference). Esse modelo surge da necessidade de diminuir o nmero de jovens maoris (habitantes nativos do pas que convivem lado a lado com os ingleses descendentes dos antigos colonizadores) nas prises e da crtica maori ao Sistema de Justia Criminal Ocidental, em que o ofensor tratado como um indivduo isolado. Os maoris entendem que indivduos so produtos de seu grupo, e que a falha de um indivduo reflete as falhas da famlia e da comunidade. Portanto, esses segmentos devem ser envolvidos. O terceiro modelo, de Conferncia Restaurativa (Crculo Restaurativo), surge na Inglaterra e Gales, inspirado pelo modelo da Nova Zelndia. H ainda o modelo sul africano, aplicado ao processo de reconciliao da sociedade ps-apartheid. Alm desses modelos, inmeros outros vm surgindo em diversos pases, inclusive na Amrica do Sul, como o caso da Colmbia (que incluiu a previso da justia restaurativa em sua Constituio), Argentina e Chile. Depois de 30 anos de aplicao prtica, com resultados positivos documentados em centenas de estudos de casos e pesquisas, a pergunta no mais a abordagem restaurativa funciona? Afinal, j se provou que ela funciona, mesmo em casos extremos como abuso sexual e assassinato14. De fato, experincias internacionais, como as da Nova Zelndia e da frica do

11 Eduardo Rezende Melo, Dominic Barter e Madza Ednir; O Caminho de So Caetano. 12 Justia Restaurativa um caminho para os direitos humanos?, Marcos Rolim, Pedro Scuro Neto, Renato Campos Pinto de Vitto e Renato Scrates Gomes Pinto, IAJ Instituto de Acesso a Justia 2004. 13 Just schools a whole school approach to Restorative Justice, Jessica Kingsley Publishers, London & Philadelphia, 2004. 14 Em 28 de julho de 1999, a ONU Organizao das Naes Unidas, por meio do seu Conselho Econmico e Social, passou a recomendar a adoo da Justia Restaurativa por seus Estados Membros , visando apoiar servios que incorporassem Prticas Restaurativas, tendo conceituado Justia Restaurativa como sendo um processo atravs do qual todas as partes envolvidas em um ato que causou ofensa renen-se para decidir coletivamente como lidar com as circunstncias decorrentes desse ato e suas implicaes para o futuro.

Abordagens restaurativas na prticaAs prticas de Justia Restaurativa so muito antigas e esto baseadas nas tradies de muitos povos no oriente e no ocidente. Princpios restaurativos teriam mesmo caracterizado os procedimentos de justia comunitria na maior parte da histria dos povos do mundo. Essas tradies foram substitudas pelo modelo dominante de Justia Criminal tal como o conhecemos hoje em praticamente todas as naes modernas, o que torna especialmente difcil imaginar a transposio de seu paradigma. De fato, a idia de Justia Criminal como o equivalente de punio parece j assentada no senso comum o que mesmo que reconhecer que ela j se tornou cultura12. Segundo Belinda Hopkins, autora inglesa que vem trabalhando h dez anos no campo do manejo de conflitos, alternativas violncia, mediao e justia restaurativa em escolas 13, o resgate das Prticas Restaurativas tem incio no Canad, em 1975,

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15 Eduardo Rezende Melo Manual de Justia Restaurativa, no prelo.

Sul, foram bem sucedidas a ponto de no mais se cogitar apenas uma Justia Restaurativa, mas tambm de uma Sociedade Restaurativa 15. A pergunta COMO fazer a Justia Restaurativa funcionar no Brasil, aplicando seus princpios aos nossos diferentes contextos histricos e culturais. isso que comeamos a fazer em nosso pas, a partir de 2003.

A Justia Restaurativa e a Secretaria da Educao do Estado de So PauloEm So Caetano do Sul/SP, cidade de mdio porte no cenrio nacional (com aproximadamente 140 mil habitantes), ao contrrio dos outros dois projetos, a implementao da Justia Restaurativa na Vara da Infncia e da Juventude iniciou-se por meio de uma parceria entre o Sistema de Justia e o Sistema de Educao, firmada em 2004, como uma aposta na convergncia dos objetivos de ambos: melhor contribuir na formao da criana e do adolescente, e na resposta a situaes de conflito e violncia. Foi elaborado, assim, o projeto Justia e Educao: parceria para a cidadania, inicialmente envolvendo trs escolas estaduais de Ensino Mdio. Com apoio do Conselho Municipal das Direitos da Criana e do Adolescente dessa cidade, buscou-se fortalecer a capacidade das escolas envolvidas de funcionarem de maneira sistmica, em rede com outras organizaes e instituies da comunidade, em especial o Frum e o Conselho Tutelar, para garantir os direitos bsicos das crianas, adolescentes e familiares. Transcorrido um ano e meio do projeto, diante do xito da experincia, ela foi ampliada para as onze escolas estaduais de Ensino Mdio que se localizam naquele municpio.

Justia Restaurativa no BrasilNo Brasil, a Justia Restaurativa foi introduzida formalmente em 2004, por meio do Ministrio da Justia, atravs de sua Secretaria da Reforma do Judicirio, que elaborou o projeto Promovendo Prticas Restaurativas no Sistema de Justia Brasileiro, e, juntamente com o PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento, apoiou trs projetos-piloto de Justia Restaurativa, sendo um deles no Estado de So Paulo, na Vara da Infncia e da Juventude da Comarca de So Caetano do Sul. Os outros dois projetos, foram implementados no Juizado Especial Criminal do Ncleo Bandeirantes, em Braslia/DF, e na 3. Vara da Infncia e da Juventude de Porto Alegre/RS, com competncia para executar as medidas socioeducativas. Cada um destes projetos-piloto, implementados com base nos princpios da Justia Restaurativa, ganharam contornos distintos, fazendo uso de Prticas Restaurativas nem sempre idnticas, em face das peculiaridades de cada Juzo, bem como da localidade que estava sendo implementado e, ainda, da circunstncia de se tratar de pilotos, que buscam na experimentao, a construo do modelo regional e/ou nacional de Justia Restaurativa mais adequado para as realidades brasileiras.

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Nessa etapa da parceria entre Justia e Educao, a responsabilidade da Secretaria de Educao foi a de autorizar o envolvimento da Diretoria de Ensino de S. Caetano do Sul na proposta apresentada pelo Juiz da Vara da Infncia e da Juventude. O Poder Judicirio viabilizou, por meio do PNUD-Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento, as verbas necessrias para a contratao de parceiros tcnicos que realizaram a formao de facilitadores voluntrios de Prticas Restaurativas (ento chamados conciliadores) e das lideranas educacionais que iriam acolher a inovao representada pelos Crculos Restaurativos. Em 2006, a parceria entre Justia e Educao toma um novo impulso. A Secretaria da Educao do Estado de So Paulo recebeu recursos por meio da Fundao para o Desenvolvimento da Educao FDE e da Coordenadoria de Ensino da Grande So Paulo COGSP, em convnio com o Fundo Nacional de Desenvolvimento e o Ministrio da Educao e Cultura para que, no curso do segundo semestre, em parceria com o Poder Judicirio, ocorresse a implantao de Prticas Restaurativas em 20 (vinte) escolas pblicas de Ensino Mdio. O Projeto englobou duas Diretorias de Ensino, capacitando 10 (dez) educadores por escola, bem como agentes parceiros do Sistema de Justia e da comunidade16. A Secretaria da Educao assim justificou, para obter financiamento dessa ao, a necessidade de continuar e ampliar a parceria com o Poder Judicirio: Acreditando que a violncia um fenmeno que decorre no apenas de fatores estruturais de ordem socioeconmica, mas tambm de determinantes culturais e psicossociais, a SEE-SP vem buscando formas de apoiar as escolas para que elas possam transformar-

se em espaos democrticos de construo de uma cultura da no-violncia e de uma educao para a sustentabilidade. A parceria entre a Justia e a Educao pode contribuir na realizao dessa meta, desfazendo a associao entre jovens e violncia, e capacitando atores sociais na escola e comunidade para lidar de forma produtiva com situaes de conflito envolvendo alunos, educadores e membros da comunidade. Provocada pela Secretaria da Educao, a coordenao do Centro de Estudos de Justia Restaurativa da Escola Paulista da Magistratura, que vinha avaliando a viabilidade de se introduzirem Prticas Restaurativas na Capital e em outras cidades de grande porte, acelerou o processo de implementao da Justia Restaurativa na cidade de So Paulo e em Guarulhos/SP, resultando desta parceria o projeto: Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania. Justia e Educao, estendendo reciprocamente as mos, certamente maximizam suas capacidades para atuar no sentido contrrio triste realidade social que vivemos. As experincias anteriores de Justia Restaurativa, no Brasil e no mundo, mostram a viabilidade desta articulao, da qual dependem a prpria reverso do quadro de deteriorao de valores e do individualismo sem limites na luta por sobrevivncia, com a construo de direitos de cidadania para todos.

16 Consta no Plano de Trabalho do MEC/FNDE que: O projeto pretende rever o conceito de Justia e o processo que desencadeado para lidar com atos de violncia e infrao cometidos pelos jovens alunos, ao serem apreendidos pela polcia ou encaminhados ao Conselho Tutelar, atravs do trinmio Justia, Educao e Cidadania, garantindo a integrao entre justia e a comunidade escolar. Esto contempladas aes preventivas para situaes que ocorrem em escolas com vistas superao da conduta que levou violncia, objetivando alterar a regra tica, as prticas jurdicas, os termos em que pode se assentar a solidariedade social, trazendo, para o momento atual, novo sentido no modo como se organiza a vida social. Busca-se uma luta contra a violncia fsica primria. Poder envolver alunos ou professores como vtimas ou agressores.

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Justia e EducaoO desenho do projeto em Helipolis e GuarulhosA compreenso da lgica do Projeto Justia e Educao pode ser facilitada pela resposta a cinco perguntas: Quais os critrios de definio dos espaos de implementao do Projeto? Qual o contexto socioeconmico desses espaos e quais as principais dinmicas sociais presentes? Quais as intenes e objetivos desse Projeto, tendo em vista o fortalecimento das dinmicas j existentes? Quais as responsabilidades dos parceiros (Secretaria da Educao / FDE e do Poder Judicirio) na realizao dessas intenes e objetivos? Quais os principais eixos do Projeto e como se articulam?

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Quais os critrios de definio dos espaos de implementao do Projeto?Quando a Secretaria da Educao do Estado de So Paulo anunciou aos representantes do Poder Judicirio sua inteno de disseminar a abordagem da Justia Restaurativa em outras duas Diretorias de Ensino, estes precisaram tomar uma deciso, que iria ser a base das demais: em que regies implementar essa parceria? Era fundamental que a implementao se fizesse na Capital e na regio conhecida como Grande So Paulo. O critrio bsico era a existncia de Juzes de Direito e Promotores de Justia com conhecimento de Justia Restaurativa e dispostos a darem incio ao Projeto. Guarulhos imediatamente surgiu como possibilidade. Afinal, desde 2003 Procedimentos Restaurativos comearam a ser implementados na Vara da Infncia e da Juventu-

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de. Alm disso, medidas de gesto administrativa e, principalmente, a estruturao e o fortalecimento de uma Rede de Atendimento haviam reduzido o nmero de processos em andamento, de mais de 6000, em 2004, para menos de 3100, em 2006. A considerao de que este processo se desenvolveu de forma positiva foi fator preponderante na escolha de Guarulhos como um dos braos do Justia e Educao. Fundamentalmente, deseja-se observar os resultados da implementao de Crculos e Prticas Restaurativas em cenrio de grande cidade, pertencente regio metropolitana, na qual h intensos problemas sociais que tambm afetam profundamente os direitos das crianas e adolescentes, mas onde h, de outro lado, uma Justia da Infncia e da Juventude atuante, e uma Rede de Atendimento bem formada no mbito da comunidade. Por sua vez, o desafio de se implementar um projeto de justia restaurativa na capital de So Paulo apresentou-se, inicialmente, imensurvel, dada a dimenso territorial e populacional da metrpole, bem como o fragmentrio e complexo Sistema de Justia da Infncia e da Juventude, sobre o qual est estruturado o campo de atuao jurisdicional da rea da Infncia. uma situao bem diversa da vivenciada pelos demais Juzos da Infncia e da Juventude existentes no Estado de So Paulo, os quais concentram em uma nica Vara Judicial todas as competncias fragmentrias que compem o sistema da Capital, possibilitando uma nica coordenao administrativa e jurisdicional. Esta fragmentao de competncias, materializada em estruturas administrativas diversas e geograficamente distantes, e em equipes tcnicas distintas, reflete-se na diversidade e complexidade dos fluxos e procedimentos de atendimento e encaminhamento do adolescente em conflito com a lei.

Assim, foi necessrio que ocorresse uma delimitao geogrfica da rea de atuao do projeto para que no se perdesse na imensido de demandas da megalpole. A escolha da regio de Helipolis considerou a proximidade desta localidade com a Comarca de So Caetano do Sul/SP (cujo projeto de Justia Restaurativa encontrase implementado desde 2005), possibilitando no apenas a articulao conjunta das duas Redes de Apoio de referidas localidades, como tambm que ambos projetos viabilizassem fluxos e procedimentais articulados de encaminhamento do adolescente em conflito com a lei. Um exemplo: o encaminhamento, pela Vara da Infncia e da Juventude de So Caetano do Sul, de adolescentes residentes em Helipolis, que estivessem respondendo a procedimento de ato infracional praticados naquela Comarca, para espaos de realizao de Crculos Restaurativos situados na comunidade Helipolis (seja espaos estruturados na comunidade ou, sendo o adolescente aluno de uma das escolas parceiras, em espaos organizados nestas unidades escolares).

Espaos de intervenoQual o seu contexto socioeconmico e quais as dinmicas sociais encontradas?

GuarulhosContexto econmico social Guarulhos foi fundada no ano de 1560, pelo Padre Jesuta Manuel de Paiva, constituindo-se inicialmente num aldeamento de ndios Guaru, da tribo dos Guaianazes, visan-

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do a defesa do povoado de So Paulo. O crescimento inicial foi impulsionado pela minerao aurfera. Durante os sculos XVII e XVIII houve estabelecimento de sesmarias e o surgimento de atividade econmica ligada agricultura e criao de gado. Em 1915, chega a Guarulhos a primeira linha ferroviria. Na dcada de 40, instalam-se no municpio indstrias do setor eltrico, metalrgico, plstico, alimentcio, borracha, calados, peas para automveis, relgios e couros1. A localizao geogrfica de Guarulhos, vinculada com So Paulo, condicionou o seu desenvolvimento ao da Capital, gerando assim sistemas de vida dependentes. A inaugurao da Rodovia Presidente Dutra (BR116) em 1952, que liga So Paulo e Rio de Janeiro ( poca Capital Federal), impulsionou Guarulhos para tomar a atual configurao de cidade grande. Mas o forte aumento na atividade industrial, a partir de ento, levou ao crescimento urbano desordenado 2. Nesta mesma direo, foi inaugurado em 1985, o Aeroporto Internacional, que conta com o maior terminal de cargas da Amrica do Sul3. Por Guarulhos tambm passam as Rodovias Ferno Dias (BR-381) e dos Trabalhadores (atual Ayrton Senna SP-70). Segundo dados do IBGE 4, a populao de Guarulhos estimada em 2005 era de 1.251.179 habitantes, concentrados numa rea de 318km2. A populao de crianas e adolescentes de 377.5665. O rendimento mdio do cidado de R$ 753,82. Em 2004, para o Ensino Mdio, havia 85 escolas estaduais. Constitui-se em municpio provido de grandes contingentes populacionais vivendo em situao de carncia e misria. Dentre as famlias, 7,4% esto abaixo da linha de pobreza, sobrevivendo com renda men-

sal inferior a meio salrio mnimo6. Dados do Censo realizado pelo IBGE no ano de 1996 mostram que a populao vivendo em favelas era da ordem de 16,4% do total. Pesquisa realizada na cidade de Guarulhos, aprovada pela gesto 2000/2002, do Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente, revelou que apenas 64,3% das habitaes eram construdas em alvenaria e possuam acabamento. A mdia de filhos falecidos em cada grupo familiar era de 1,87. A mesma pesquisa revelou que 19,9% das mes no gostam da escola freqentada pelos filhos. O principal motivo apresentado a violncia (67,5%)8. A precariedade social verificada em Guarulhos d-se, sobretudo, em funo do crescimento urbano rpido e desordenado, ocorrido nas ltimas dcadas, que gerou e gera substanciais dificuldades do aparelhamento pblico para o atendimento dos mais pobres. Dados do IBGE sistematizados pela Prefeitura de Guarulhos mostram que a taxa de Crescimento demogrfico entre as dcadas de 40 e 70 sempre esteve acima de 8% (na dcada de 60 chegou ao patamar de 11,05%). A partir da dcada de 80, o crescimento veio diminuindo, e, em 2006, foi calculado em 2,56%. Mas este percentual ainda muito alto para as condies de baixo desenvolvimento existentes, e a situao persiste ante a inoperncia do Poder Pblico em promover o esclarecimento da populao para a importncia do planejamento familiar e do exerccio da paternidade responsvel9. Comentando os percentuais de crianas e adolescente com acesso a bebidas, cigarros e drogas (14,5%), e a idade mdia de contato com substncias nocivas sade (12,78 anos), assim como o envolvimento de crianas e adolescentes na aquisio de armas, munies e explosivos (5,7%), refe-

1 Dados colhidos do Relatrio Diagnstico do Municpio de Guarulhos, elaborado pela Secretaria da Assistncia Social do Municpio e encaminhado ao Comit Gestor da Rede Social So Paulo; dezembro de 2006. 2 Idem 3 http:// www.infraero.gov.br/ aero_prev_home.php?ai=43 4 http://www.ibge.gov.br/ cidadesat/ topwindow.htm?1. 5 Censo IBGE 2000. 6 Seade 2000. 7 Mapa da Criana e do Adolescente de Guarulhos; Centro Social da Parquia Santo Alberto Magno; Prefeitura do Municpio de Guarulhos; ed. Iangraf; 2000/2002; p. 25 e 45. 8 Idem p. 51.

9 http://www.guarulhos.sp. gov.br/05_cidade/ estatisticas/ dinamica_dem_guarulhos.xls

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10 Mapa da Criana e do Adolescente de Guarulhos; Centro Social da Parquia Santo Alberto Magno; Prefeitura do Municpio de Guarulhos; ed. Iangraf; 2000/2002; p. 56 e 57. 11 Seade 2004. 12 Relatrio Final da III Conferncia Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente (cidade de Guarulhos), elaborado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente (CMDCA); agosto de 2001. 13 Atualmente, as FIG foram aladas pelo Ministrio da Educao condio de Centro Universitrio, passando a denominar-se Centro Universitrio Metropolitano de So Paulo UNIMESP. 14 Hoje, aps a capacitao de trs grupos de voluntrios, o nmero de mediadores efetivamente atuantes de aproximadamente 40.

rem Aparecida Marques Munhoz e Janete das Graas Reis, Assistentes Sociais da Vara da Infncia e da Juventude de Guarulhos: Em nossa prtica profissional vemos estarrecidas, em muitos casos, que a opresso social e a misria material levam ao esmorecimento das relaes conjugais e filiais, sendo a famlia relegada a um nucleamento acfalo e sem vida. Acreditamos no potencial transformador que tm nossas crianas e jovens de gerar um tempo de convivncia solidria, e pensamos que os rgos pblicos e as organizaes nogovernamentais tm o papel decisivo de deflagrar uma rede de trabalhos articulados que podero alterar os dados que ora nos so apresentados nesta pesquisa10. A dimenso do comprometimento social pode ser aquilatada pelo ndice de mortalidade na populao de 15 a 34 anos de idade, que 172/100.000 habitantes, contra 19/ 100.000 para o faixa etria de 1 a 5 anos11.

realizao de campanhas de preveno ao uso indevido de drogas nas unidades escolares pela Secretaria Municipal da Educao; capacitao de jovens para que estes fossem multiplicadores de formao e informao nas escolas; criao de projeto de combate violncia nas escolas, oferecendo cursos para as comunidades. A partir de 2003, a Vara da Infncia e da Juventude intensifica sua interao com a comunidade Guarulhense, assumindo um papel proativo em busca de melhorias na qualidade dos servios prestados populao. Exemplos dessa nova postura foram a criao do Projeto de Mediao, descrito a seguir, e o Projeto de Formao de Rede (Veja p. 64)

Mediao em Guarulhos O Projeto de Mediao da Vara da Infncia e da Juventude de Guarulhos Parceria com as Faculdades Integradas de Guarulhos (FIG)13, aprovado pelo Tribunal de Justia, inicialmente, pelo perodo experimental de um ano, consistiu na capacitao de grupos de mediadores voluntrios, para atuar nas causas processuais da Vara da Infncia versando sobre: 1) atos infracionais de natureza leve; e 2) conflitos familiares. O projeto, iniciado em outubro de 2003, formou, na primeira capacitao, um grupo de 20 mediadores (selecionados entre professores da faculdade, ex-alunos, ou pessoas de reconhecida capacidade e formao intelectual), vindos das reas do Direito, Psicologia, Assistncia Social e Pedagogia 14. A instituio de ensino fornece o espao fsico, com os recursos materiais e humanos necessrios ao funcio-

Dinmicas sociais presentes O movimento social em defesa dos direitos da criana e do adolescente tem significativa expresso em Guarulhos. J na III Conferncia Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente, realizada em 2001, foram apresentadas pelos grupos temticos, e aprovadas em plenria, propostas12 visando apoiar as escolas no combate e preveno violncia, como: criao de projetos de incentivo famlia/escola; criao de ncleo de estudos sobre violncia, formado por psiclogos, pedagogos, professores, pais, Conselhos, Associao de Pais e Mestres, Secretaria Municipal da Educao, a fim de orientar a comunidade escolar;

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namento. Ao Judicirio incumbe a capacitao em mediao, compreendida como forma de resoluo alternativa de conflitos, de acordo com tcnicas internacionalmente reconhecidas, padres de carga horria e condutas ticas. Logo se verificou que a estrutura montada era de dimenses significativamente maiores do que o necessrio para dar conta dos casos da Vara da Infncia e da Juventude tosomente, e o projeto ento foi ampliado para atender s dez Varas Cveis locais, que poca eram as competentes para julgar os casos referentes ao Direito de Famlia15. Desde a concepo, o projeto de mediao j tinha o enfoque das Prticas Restaurativas, especialmente no que tange aos atos infracionais de natureza leve, nos quais se realizava a mediao entre vtima e ofensor16. Passado o perodo experimental, e constatada a eficincia do sistema implementado, o projeto foi aprovado pelo Tribunal de Justia para funcionar em carter definitivo, com a celebrao de convnio entre o Judicirio Estadual e a Instituio de Ensino, ocorrida em outubro de 2006, passando o aparelhamento a denominar-se Setor de Mediao de Guarulhos17. Desde a inaugurao, j passaram pelo Setor mais de 1000 processos; o ndice mdio de Acordos nas mediaes realizadas de aproximadamente 85% (nos casos referentes a atos infracionais o ndice superior a 90%); e dentre as pessoas atendidas, mais de 90% se dizem satisfeitas ou muito satisfeitas.

HelipolisContexto econmico social A regio de Helipolis engloba os bairros de Helipolis, Vila Nova Helipolis, Cidade Nova Helipolis e Ilha Helipolis, localizada na regio sudeste de So Paulo, na Subprefeitura do Ipiranga tida por muitos como a maior favela da cidade de So Paulo (com cerca de 1 milho de metros quadrados e por volta de 120 mil habitantes, 51% deles crianas e adolescentes). Helipolis teve origem em 1971, quando a Prefeitura resolveu desalojar 102 famlias da favela de Vila Prudente para a construo de um viaduto sobre o rio Tamanduate. As famlias foram alojadas num terreno do antigo IAPAS, agora de propriedade da Cohab. O que deveria ser um assentamento provisrio cresceu rapidamente, e de forma incontrolvel, alimentado pela ao de grileiros, que se instalaram na rea e passaram a vender os lotes. A maioria das habitaes, embora ainda no legalizadas, no so barracos, mas construes de tijolo e concreto, dispostas em ruelas estreitas e tortuosas. As casas e ruas de Helipolis, de modo geral, dispem de gua, luz e esgoto, e as ruas tm calamento. O emprego escasseia e 80% dos moradores sobrevivem com renda de um a trs salrios mnimos; os demais, com menos que isso. A regio conta com todo tipo de comrcio. So 2,6 mil estabelecimentos comerciais, funcionando, salvo uma ou outra exceo, irregularmente, sem CNPJ ou inscrio: aougues, livrarias, sales de beleza; petshops, lan-houses e cerca de mil bares. Um pequeno shopping center, com 12 lojas est instalado no local, bem como revendas de motos da Honda e Yamaha.15 Em dezembro de 2005, os casos de Direito de Famlia passaram a ser processados e julgados pelas seis Varas de Famlia que naquele momento foram instaladas. 16 Deve ser salientado que tanto mediao quanto Crculos Restaurativos so formas de soluo alternativa de conflitos, e h muitas semelhanas entre elas, mas tambm distines. Entre as mais significantes a participao ativa da comunidade ao longo do processo. Outra a realizao da seqncia integrada Pr-Crculo, Crculo e Ps-Crculo sem parmetros paralelos necessrios na mediao. 17 O convnio respeita as disposies do Provimento n. 953/05, do E. Conselho Superior da Magistratura.

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Quanto a equipamentos sociais, h escolas pblicas estaduais e municipais, um hospital, um posto de sade e um distrito policial. A Prefeitura vem legalizando diversas moradias na regio. Dinmicas sociais presentes A organizao dos moradores de Helipolis o motivo das melhorias presentes no local. Como exemplo, citamos a UNAS (Unio de Ncleos, Associaes e Sociedades dos Moradores de Helipolis e So Joo Clmaco). Nascida na dcada de 70, hoje o rgo mais atuante da regio. Comeou reivindicando a posse das reas ocupadas, e depois ampliou sua ao, por meio de parcerias com a iniciativa privada. Isso permitiu s lideranas comunitrias desenvolver no local projetos nas reas de educao, tecnologia, cultura, esporte, sade, habitao, gerao de renda e assistncia social. A UNAS constituda por uma diretoria eleita pelos prprios moradores. Dentre as realizaes das parcerias promovidas pela UNAS, contam-se a instalao, em Helipolis, de: Ncleos Socioeducativos; Centros de Educao Infantil; creches; e lavanderia comunitria. Alm disso, foram criados Programas visando: atendimento jurdico; alfabetizao de adultos; preveno do uso indevido de drogas; preveno da gravidez no planejada; mediao de conflitos; incluso digital; apoio aos sem-teto; e apoio a jovens infratores.

Exemplos de outras conquistas, fruto de parcerias e articulaes, empreendidas pelos representantes da sociedade organizada em Helipolis: Arquitetura Ruy Ohtake, um dos mais importantes arquitetos brasileiros deixou uma das ruas principais de Helipolis mais alegre e colorida, com pinturas em todas as casas. Rdio Helipolis Nascida da idia de dialogar com a comunidade e tirar os moradores da favela da passividade e os tornarem atores na transformao de sua realidade, foi criada a rdio Helipolis, patrocinada pelo Ita Cultural, contando com a parceria da empresa de comunicao Obor. A Rdio Oficina capacitou os locutores gratuitamente e promove cursos pagos na rea. Em uma das atividades da sua programao est um horrio destinado Faculdade de Sade Pblica, o qual, com o intuito de conscientizar a populao, aborda diversos tipos de doenas, como evit-las e como trat-las. Programa de TV. Foram capacitados 10 adolescentes entre 14 e 19 anos para criar o primeiro programa de tev voltado populao de Helipolis, com apoio da Universidade Metodista de So Paulo (Metodista) representada por oito alunos de Jornalismo e da UNAS. Biblioteca Graas iniciativa do pastor Carlos Altheman, uma priso desativada foi convertida em biblioteca. O espao hoje freqentado por 600 alunos, que recebem gratuitamente aulas de ingls e computao, alm de reforo escolar. Posto de policiamento comunitrio O pastor Carlos Altheman tambm coordenou as demandas por mais segurana, e,

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juntamente com os Lderes locais ajudaram Helipolis um local totalmente carente a formar policiais capazes de atuar na fave- apesar de organizado, e que tambm est la respeitando seus moradores. submetido s questes ligadas violncia, ao trfico de drogas, ao crime organizado e, Instituto Baccarelli o mais grave, desestrutura familiar e ao Iniciativa do renomado msico internacio- desemprego em maior proporo. Portannal, Maestro Bacarelli, esse Instituto oferece to, muito carente e precisa de muito ininstruo musical a 500 crianas e jovens de vestimento pblico, privado e institucional Helipolis e cercanias. Funcionando nas an- para que possamos gradativamente mudar tigas instalaes de uma fbrica de sucos, o a realidade desta comunidade. Instituto gerencia a Sinfnica Helipolis (prtica orquestral), a Orquestra do Ama- Outros projetos sociais e aes so desennh (iniciao e aprimoramento em estu- volvidos na regio, por inmeras organizados de instrumentos), o Coral da Gente (ini- es no-governamentais, como a Fundaciao e aperfeioamento em canto coral e o Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga tcnicas de expresso cnica) e o projeto FUNSAI e o Projeto Refazendo Vnculos, Encantar na Escola (iniciao em canto co- Valores e Atitudes, cujos responsveis foral aplicado em escolas da rede pblica). ram tambm capacitados para atuarem como facilitadores restaurativos. Tambm Alm de conquistar parceiros na iniciativa existe, na regio do Ipiranga, um Conselho privada, Helipolis tambm conta com alia- Tutelar efetivamente atuante. dos na rea governamental. Dois exemplos: De acordo com matria publicada pelo jorEscola Municipal Presidente nalista Gilberto Dimenstein em seu site, em Campos Salles janeiro de 2005, devido a essa efervescncia Dirigida por Braz Rodrigues Nogueira, tem cultural e social em Helipolis, a taxa de como objetivo transformar o entorno da assassinatos havia cado, em quatro anos, escola em um espao educativo e atuar com pela metade. Uma comparao entre os base em parcerias para ampliar as oportu- meses de janeiro a maio de 2001 e o mesmo nidades oferecidas a seus alunos. perodo deste ano revela uma reduo de precisamente 49% nos ndices de violncia. Programa Agente Jovem Financiado pelo Governo Federal, com o Contudo, apesar da expressiva diminuio acompanhamento da Secretaria Municipal do ndice violncia, o mesmo ainda perde Assistncia Social, por meio de seu es- manece elevado. A regio ainda convive critrio no IPIRANGA, o Programa Agente com diversos contextos violentos e situaJovem atende a 100 adolescentes da comu- es de pobreza e misria, sendo nidade entre 16 e 18 anos, com uma bolsa preocupante o quadro de vulnerabilidade mensal de 65 reais, formando-os para atua- em que est inserido. rem como agentes sociais e trabalharem em prol da melhoria dos problemas locais. Assim, para superar a situao de risco em que vivem os adolescente de Helipolis18, Todos os projetos e programas menciona- no basta a existncia dessas diversas inidos, segundo a UNAS, atendem apenas a uma ciativas sociais promovidas no local, por parcela insignificante das crianas e jovens inmeras organizaes no governamenque l habitam. O site da entidade alerta: tais: preciso articul-las, possibilitando

18 Segundo dados do Censo 2000 do IBGE, h cerca de 100 mil famlias na regio de Helipolis. Esta populao , em sua maioria, uma populao jovem. Cerca de 50% dos habitantes se encontram na faixa etria entre 0 e 21 anos.

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uma interveno a mdio prazo que possa contribuir para a universalizao dos direitos de cidadania dessa populao.

O objetivo geral do Projeto, no perodo de agosto de 2006 a dezembro de 2006, era o seguinte: Capacitar, em aproximadamente 100 horas, em parceria com agentes da Justia Juzes e Conselheiros de Direitos e Tutelares e Diretorias de Ensino 200 educadores, alunos e outros membros de comunidades escolares de duas Diretorias de Ensino da COGSP / SEE-SP, responsveis, respectivamente, pelo bairro de Helipolis, na cidade de So Paulo, e pela cidade de Guarulhos, Grande So Paulo, para que implementassem Crculos Restaurativos nas escolas e em outros espaos. Esta capacitao deveria contribuir para que as unidades escolares envolvidas se transformassem em espaos seguros e democrticos de dilogo, aprendizagem e resoluo de conflitos, atuando em parceria com jovens/alunos protagonistas, famlias, instituies e organizaes governamentais e no governamentais da sua Rede de Apoio e outros atores sociais presentes na comunidade. Para alcan-lo, os coordenadores do Projeto se propuseram a: Preparar, em cada uma das escolas de Ensino Mdio dos municpios de So Paulo (Helipolis) e Guarulhos que voluntariamente se inscrevessem no projeto, cinco lideranas educacionais (diretor ou vice-diretor, coordenador pedaggico, representante de professores, representante de alunos (de preferncia ligado ao Grmio) e representante de familiares dos alunos), e pelo menos dois supervisores e/ou assistentes tcnico-pedaggicos em cada uma das Diretorias de Ensino, para que pudessem apoiar a implementao de Crculos Restaurativos nas unidades escolares, garantindo espao e tempo para o seu funcionamento, bem como as con-

Intenes e objetivosQuais as intenes e os objetivos desse Projeto, tendo em vista o fortalecimento das dinmicas j existentes?

Diante da realidade das duas regies, o que pretende o Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania? Qual a interveno proposta nas dinmicas sociais presentes e que valor se pretende agregar a elas? O Projeto Justia e Educao tem como viso contribuir para a transformao de escolas e comunidades, que vivenciam situaes de violncia, em espaos de dilogo e resoluo pacfica de conflitos, por meio da colaborao entre os Sistemas Judicirio e Educacional, do trabalho com a Rede de Apoio e da parceria com a comunidade. Por tanto, um dos maiores ganhos desta proposta a parceria entre Sistemas Judicirio e Educacional. O que se busca tornar a Justia mais educativa e a educao mais justa. Para tanto, estimula-se o entendimento de que as aes educativas extrapolam o mbito da escola, so sugeridos procedimentos que facilitam a atuao de forma sistmica e as manifestaes de violncia so investigadas a partir de suas causas, o que aumenta a possibilidade de se reverterem tais manifestaes. Essa investigao funo tanto da educao como da justia, respeitando suas especificidades tcnicas, e tendo em vista a realizao do que est previsto no ECA (vide box).

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Colocando o ECA em prticaO Estatuto da Criana e do Adolescente, apesar de todos os avanos que a nova legislao proporcionou no campo da Infncia e da Juventude, consubstanciados num conjunto de esforos de articulao poltica-instucional, gesto operacional e fundamentao terica, verifica-se que ainda se encontram distantes das promessas de justia e dignidade na rea da Infncia e da Juventude preconizadas em mencionado diploma legal, havendo muito para se caminhar. Inmeras so as circunstncias polticas e institucionais que contribuem para este quadro, que vo desde polticas pblicas, que reforam a estigmatizao do adolescente em conflito com a lei, at a fragmentao e burocratizao dos servios que integram o Sistema da Infncia e da Juventude. Alm deste contexto, percebe-se que, a no absoro integral do novo paradigma promovido pelo Estatuto da Criana e do Adolescente ECA no sistema tradicional de Justia e nas suas respectivas prticas.O impacto cultural gerado pela nova legislao, acaba por retroalimentar percepes equivocadas do novo sistema legislativo, sobremaneira na mdia e na opinio pblica, que se prestam apenas para reforar a insegurana social, na medida em que descontextualizam e supervalorizarem a delinqncia juvenil, passando a impresso de inexistncia de um sistema de responsabilizao aos autores de atos infracionais. So freqentes, ainda, os movimentos de reduo da idade penal, como revela pesquisa realizada recentemente pelo peridico Estado de So Paulo e o Ibope, que constatou que 85% da populao paulista apia a reduo da maioridade.19 Para o enfrentamento destas questes, na busca da efetivao dos princpios do ECA, as prticas institucionais, sociais e profissionais devem se nortear pelo princpio das responsabilidades partilhadas. Sua realizao de forma descentralizada e em uma perspectiva de rede, possibilita que as intervenes neste campo sejam construdas de modo interistitucional e articulado. Mostra-se prioritrio tambm que, na construo do processo de responsabilizao, a jurisdio ao ser prestada considere os significados que emergem da experincia social dos sujeitos.20 Com a Justia Restaurativa, o processo sai da superficialidade, o conflito passa a ser examinado minuciosamente por meio de um processo cooperativo, envolvendo todas as partes interessadas numa vivncia restauradora. O novo modelo tem como elemento essencial suprir as necessidades emocionais e materiais daqueles que receberam o ato ofensivo, bem como levar o adolescente autor do ato ofensivo a assumir a plena responsabilidade por ele, mediante compromisso concreto. Alm disso, busca engajar o maior nmero de pessoas relacionadas ao conflito no enfrentamento das causas que o geraram. Constri-se assim, no desenrolar do prprio processo, o caminho da humanizao e pacificao das relaes sociais existentes num conflito, com vistas reduo do impacto da violncia sobre os cidados, por meio de uma experincia enriquecedora para todos. Nos deparamos assim com uma dinmica que humaniza as relaes sociais, a servio da vida. Constata-se que os princpios e as prticas da Justia Restaurativa so teis e necessrios ao envolvimento e empoderamento de crianas, adolescentes, bem como suas famlias e comunidades, na resoluo de situaes de conflito, constituindo em uma poderosa via de efetivao do Estatuto da Criana e do Adolescente. na busca de construo de aes eficazes para a afirmao de valores que possibilitem a efetiva implementao do ECA, atendendo as necessidades de pertencimento e cidadania dos adolescentes em conflito com a lei, que se construiu o projeto: Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania.

19 O Estado de So Paulo, p. C1; 02.08.2006.

20 Leoberto Brancher e Beatriz Aguinsky Juventude, Crime & Justia: uma promessa impagvel (www.justica21.org.br).

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dies organizacionais necessrias para que essa inovao possa incorporar-se ao Projeto Poltico-Pedaggico da escola e fortalec-lo. Formar, em cada uma de aproximadamente 20 escolas, um grupo de cerca de cinco facilitadores de Prticas Restaurativas escolhidos dentre voluntrios da comunidade (jovens, pais e mes de alunos, porteiros, merendeiras, inspetores de alunos, estudantes universitrios, aposentados, professores, especialistas em educao, assistentes sociais, advogados, psiclogos, por exemplo) para conduzir Crculos Restaurativos no espao escolar. Formar dez facilitadores da Justia ligados s Varas da Infncia e da Juventude de So Paulo e Guarulhos, escolhidos entre conselheiros tutelares, conselheiros de direitos, assistentes sociais, profissionais do direito, e ONGs para realizar Crculos Restaurativos no espao do Frum ou de outras entidades, com base nas mesmas dinmicas descritas nas capacitaes, quando esses adolescentes no forem oriundos da cidade ou no estiverem matriculados nas escolas participantes. Incentivar juzes, promotores, conselheiros de direito e tutelares e tcnicos das Varas da Infncia e da Juventude da Capital e Guarulhos a refletir sobre o seu papel, visando ampliar a postura inclusiva e participativa na resoluo de conflitos de adolescentes em conflito com a lei, encaminhando-os a Crculos Restaurativos com envolvimento comunitrio e acolhendo os Planos de Ao construdos. Oferecer instrumentos a diferentes organizaes e segmentos das comunidades de Helipolis e Guarulhos, para que pudessem cooperar na criao de ambientes seguros para alunos, educadores e famlias, por meio de encontros com representantes do judicirio,

da Rede de Atendimento criana e adolescente e da comunidade em geral para, no mximo 100 pessoas de cada municpio, mobilizando a comunidade para a resoluo de seus conflitos e para assuno de um papel proativo na transformao de suas causas em oportunidades para uma mudana social.

ResponsabilidadesQuais as responsabilidades dos parceiros (Secretaria da Educao do Estado de So Paulo / FDE e Poder Judicirio) na realizao dessas intenes e objetivos?

Na parceria Justia e Educao, os dois parceiros uniram suas foras na realizao das intenes e objetivos do Projeto. Vejamos como ficou a diviso de responsabilidades:

Poder JudicirioVaras da Infncia e da Juventude

Selecionar as regies e Varas Judicirias para implementao do Projeto. Autorizar os Juzes a utilizar seu tempo, ou parte dele, nos procedimentos necessrios ao apoio s escolas e articulao da Rede de Atendimento. Disponibilizar a tecnologia social referente Justia Restaurativa. Interagir e cooperar com os demais formadores, responsveis pela capacitao dos facilitadores de Prticas Restaurativas que iriam operar os Crculos Restaurativos e das lideranas educacionais que iriam acolher os Crculos em suas escolas (veja box).

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Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania

Os responsveis pela formao de facilitadores de Prticas Restaurativas e de Lideranas EducacionaisCentro Internacional de Comunicao No-Violenta / CNVBrasil O CNVBrasil Centro Internacional de Comunicao No-Violenta uma organizao internacional, no lucrativa, dedicada construo da paz. Sua viso um mundo onde todas as pessoas possam ter suas necessidades atendidas e resolver conflitos de modo pacfico. Por meio de materiais, treinamentos e consultoria organizacional, cria redes e apia comunidades que possam contribuir para avanos em economia, educao, justia, sade e construo da paz. O CNVC foi fundado em 1984, por Marshall Rosenberg, que originalmente desenvolveu a Comunicao No-Violenta no contexto da violncia sistmica nas escolas, e suas seqelas intra-pessoais, inter-pessoais e sociais. atualmente ativa em 65 pases. Em 2002, Dominic Barter, diretor do Projeto de Justia Restaurativa para o CNVC, fundou o CNVBrasil. Desde 2003, organiza conferncias, treinamentos, projetos e prticas que promovem a Justia Restaurativa, usando o modelo aplicado nos projetos-piloto de Porto Alegre, So Caetano do Sul, Helipolis e Guarulhos.

Vania Curi Yazbek Psicloga Clnica e Mediadora, scia-fundadora e responsvel pela implementao do setor de mediao do Instituto FAMILIAE21, especialista em coordenar Projetos de Capacitao em Prticas de Resoluo de Conflitos numa abordagem construcionista social, com foco na viso transformativa das relaes; coordenou a capacitao de facilitadores comunitrios do Projeto de Justia Restaurativa, de So Caetano do Sul, So Paulo.

Centro de Criao de Imagem Popular O CECIP, fundado em 1986, uma organizao da sociedade civil sem fins lucrativos, que visa democratizar o acesso a informaes qualificadas, contribuindo para a construo de um pas justo e de uma cidadania consciente, ativa e participativa. Para tanto, produz materiais educativos e capacita agentes sociais, valorizando a cultura brasileira e contribuindo para a definio de polticas pblicas que atendam a demandas da sociedade. As aes de capacitao do CECIP, inspiradas em Paulo Freire, contam com a parceria do APS International Centro pelo Aperfeioamento das Escolas, uma instituio com sede na Holanda, que atua em sistemas escolares na Europa, sia, frica e Amricas. Por meio delas, estimula-se a construo da autonomia de comunidades educativas, a formao de grupos colaborativos, a priorizao de problemas e o planejamento para a ao. Na realizao do Projeto Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania , o papel do CECIP foi, alm de coordenar o eixo Apoio a Mudanas nas Escolas, gerenciar, por delegao da FDE, os recursos e aes.

21 Instituto FAMILIAE uma associao sem fins lucrativos, com a misso de atuar na comunidade construindo contextos sociais, que possibilitem ao indivduo reconstruir suas relaes e a si mesmo, visando uma participao social transformadora. Desde 1991, dedica-se formao de profissionais em prticas da clnica sistmica, sob o enfoque construcionista social, nas reas de Terapia Familiar e Mediao Transformativa-reflexiva.

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Poder ExecutivoSecretaria da Educao / Fundao para o Desenvolvimento da Educao

Captar as verbas necessrias ao projeto. Supervisionar, monitorar e avaliar a gesto financeira e pedaggica do Projeto. Consultar as Diretorias de Ensino correspondentes s Comarcas definidas pelo Judicirio, verificando seu interesse na implementao do Projeto. Assegurar tempo, espao, equipamentos, convocao de pessoal, para a realizao de encontros, seminrios e oficinas. Promover a articulao entre esse Projeto e o Programa Comunidade Presente. Estimular a integrao do Projeto ao Projeto Poltico-Pedaggico das escolas Estimular a cooperao de seus tcnicos e especialistas com os responsveis pela formao de facilitadores de Prticas Restaurativas e de lideranas educacionais, no planejamento e implementao de atividades e materiais.

Os eixos do projeto e sua articulaoPara realizar seus objetivos, o Projeto que se desenvolveu em Helipolis e Guarulhos fixou, como eixo central, a aprendizagem dos Procedimentos Restaurativos por parte de facilitadores voluntrios que iriam operar os Crculos Restaurativos nas escolas, no Frum e na comunidade. Em torno desse eixo, giravam os outros dois: implementao de mudanas institucionais e educacionais nas escolas e nas Varas da Infncia e da Juventude, possibilitando as condies fsicas e organizacionais de implementao dos Crculos, e a disseminao da proposta junto a comunidades, agentes do Sistema Educacional e Judicirio; fortalecimento da Rede de Apoio, ou seja,da articulao entre as entidades de atendimento aos direitos das crianas e adolescentes, para as quais sero encaminhados os casos dos Crculos Restaurativos, sempre que o conflito tiver sido causado por falta de atendimento a direitos e necessidades bsicas do cidado e da cidad.

No Captulo 3, Modo de Fazer I e II, as aprendizagens dos Procedimentos Restaurativos; o apoio mudanas nas escolas e nas instituies do judicirio e na comunidade; e o fortalecimento da Rede de Atendimento sero amplamente detalhados, apresentando as aes implementadas no Projeto.

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Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania

1. Equipe da Diretoria Guarulhos Norte com o Juiz Daniel Issler; 2. Juiz Egberto A. Penido; 3. Juiz Daniel Issler;

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4. Uyara Schimittd e o Juiz Egberto A. Penido; 5. Promotora Luciana Bergamo Tchorbadjian; 6. Monica Mumme; 7. Vania Curi Yazbek;

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8. Maria Isabel Faria; 9. Jurema Reis Corra Panza; 10. Dominic Barter; 11. Sheila Bazarim; 12. Oficina de Facilitadores de Prticas Restaurativas em Guarulhos; 13. Ariovaldo da Silva Stella; 14. Madza Ednir; 15. Oficina de Facilitadores de Prticas Restaurativas em Helipolis.

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Modo de Fazer IComo Guarulhos e Helipolis comearam a criar e trilhar seu prprio caminho RestaurativoNa comunidade de Helipolis (SP/Capital) e no municpio de Guarulhos, Grande So Paulo, educadores e juzes decidiram unir-se para iniciar uma parceria pela cidadania, que pudesse aperfeioar as escolas pblicas e as Varas da Infncia e da Juventude, visando combater a violncia que impede o desenvolvimento do potencial de crianas e jovens.

1 A costura da parceria Justia e Educao e a elaborao do projeto ocorreu em agosto de 2006. As aes nas escolas, Frum e comunidades se desenrolaram de setembro a dezembro, sendo interrompidas nas escolas em meados de dezembro a fevereiro, devido s frias. Em 2007, foram realizados a sistematizao do processo e o Frum Justia e Educao, em 27 de abril, para a discusso dos resultados do projeto. (ver p.122)

A parceria fundamentou-se em princpios comuns e em uma concepo de Justia Restaurativa que, alm de reparar danos sofridos pelas partes afetadas por conflitos, promove a participao de todos na construo da Justia e, por conseguinte, contribui para a mudana de papis governamentais e para o fortalecimento de redes comunitrias. Entre agosto de 2006 e maro de 2007, ela se materializou no Projeto Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania, cujo modo de fazer descreveremos nas pginas seguintes1: contatos iniciais entre os parceiros foram realizados; agentes sociais nas escolas, Fruns e comunidades foram mobilizados; facilitadores de Prticas Restaurativas foram preparados para operar os Crculos Restaurativos;

lideranas escolares foram preparadas para acolher os Crculos Restaurativos em suas unidades e para comunicar a professores, alunos e familiares a existncia de uma estratgia alternativa de se lidar com o conflito; equipes das Varas da Infncia e da Juventude foram preparadas para acolher a abordagem restaurativa; as comunidades foram envolvidas na aprendizagem de uma nova forma de lidar com o conflito; redes de rgos e instituies de atendimento aos direitos da criana e do adolescente foram formadas e consolidadas; fluxos de procedimentos, tendo no seu centro o Crculo Restaurativo, foram testados e implementados pelas lideranas escolares, equipes das Varas, membros das comunidades e redes de atendimento.

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Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania

Todas essas aes construram as bases de um processo que, para firmar-se e frutificar, deveria ter continuidade. Com o prosseguimento do trabalho iniciado em 2006, os agentes sociais na escola e no Sistema Judicirio puderam, gradativamente, passar a interagir como aliados na construo de uma cultura de paz em comunidades justas.

do Mello, inspira a Secretaria da Educao a propor, a partir da liberao de recursos do MEC, uma parceria para realizar um projeto envolvendo 200 educadores e 20 escolas de Ensino Mdio da Rede Estadual. O Poder Judicirio e a Secretaria de Educao decidem os critrios tcnicos de escolha das Comarcas/regies Diretorias de Ensino onde o projeto seria implementado e definem seus representantes para coordenar o projeto: dois juzes da Vara da Infncia e da Juventude, por parte do Poder Judicirio, e duas dirigentes de Ensino da Coordenadoria de Ensino da Grande So Paulo, juntamente com os tcnicos da Diretoria de Projetos Especiais da FDE. Os juzes das Varas da Infncia e da Juventude que coordenam o projeto um atuando em So Paulo (Helipolis) e outro, em Guarulhos elaboram uma primeira verso do Projeto, a partir da demanda contida no edital do MEC, em colaborao com os parceiros tcnicos que j estavam engajados no Projeto Justia Restaurativa de So Caetano do Sul (CECIP, CNVBrasil e Instituto FAMILIAE). A verso inicial do projeto apresentada pelos juzes e seus parceiros tcnicos equipe da FDE escolhida para liderar o projeto como representante da Secretaria da Educao. Princpios, metodologias e estratgias da parceria so debatidos e acordados. O projeto discutido por Juzes/parceiros tcnicos e membros da FDE, com as Dirigentes das duas Diretorias de Ensino da Secretaria da Educao correspondentes s Comarcas de Helipolis e Guarulhos. Papis e responsabilidades de cada parte na implementao do Projeto so acordados. Encontros avaliativos intermedirios foram realizados entre Juzes/parceiros tcnicos e FDE para ajustar fluxos de comunicao.

Articulaes e parceriaisO projeto Justia e Educao traz, no prprio nome, a promessa de uma parceria entre o Sistema de Justia e o Sistema de Educao, com o objetivo de fortalecer a cidadania de todos, em escolas e comunidades mais inclusivas e seguras. Antonio Carlos Gomes da Costa define parceria como: relao de interdependncia e complementaridade operacional, tcnica ou financeira, onde, muitas vezes, cada parceiro cuida de uma parte do processo em curso. A justificativa e a estrutura da parceria Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos podem ser observadas no quadro na pgina seguinte. O Sistema Judicirio, representado por juzes das Varas da Infncia e da Juventude, e o Sistema Educacional, representado pelas dirigentes de Ensino e tcnicos da Fundao para o Desenvolvimento da Educao da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo buscaram tecer a sua parceria por meio de uma srie de encontros e reunies.

Biografia de uma parceria em construoO Projeto de Justia Restaurativa implementado em So Caetano do Sul com apoio do PNUD, sob a coordenao do Juiz Eduar-

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Problema compartilhado: Diminuir a violncia, envolvendo crianas e jovens na escola e na comunidadeA sada da escola o primeiro passo para o jovem tornar-se infrator, e a volta para a escola o primeiro passo no caminho da recuperao de um ex-infrator; quanto menos violentas forem as escolas e comunidades, menos jovens sero autores e receptores de atos violentos. A violncia na escola conduz diminuio da aprendizagem e ao abandono dos estudos, principalmente por parte dos jovens.

O que cada parceiro pode oferecer para resolver o problema: Do ponto de vista tcnicoConhecimentos e experincias sobre abordagens restaurativas de resoluo de conflitos (Crculo Restaurativo) e sua aplicao bem sucedida em sistemas educacionais. Condies para fortalecer a Rede de Atendimento aos direitos das crianas, jovens e suas famlias, direitos esses que, quando violados, diminuem sua possibilidade de permanecer e aprender na escola. Conhecimentos e experincias em programas de abertura da escola comunidade, na construo de uma cultura de paz, com reflexos na diminuio dos ndices de violncia.

Do ponto de vista operacionalDisponibilizao de tempo de profissionais das Varas da Infncia e da Juventude para oferecerem atividades formativas em Justia Restaurativa e para fortalecerem a Rede de Atendimento s crianas e adolescentes, em apoio s escolas. Disponibilizao de tempo para profissionais participarem de atividades formativas; de espao para a realizao de aes comunitrias.

Do ponto de vista financeiroDesignao de Juzes, promotores e outros membros da equipe das Varas de Infncia e da Juventude para implementarem o Projeto junto s escolas, comunidade e a Rede de Apoio. Disponibilizao de verba para operacionalizao das capacitaes em abordagens restaurativas, por tcnicos em Comunicao No-Violenta, Mediao e Facilitao de Mudanas Educacionais indicados pelos Juzes.

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Justia e Educao em Helipolis e Guarulhos: parceria para a cidadania

No decorrer do processo, novas parcerias se desenvolveram: entre os juzes e as Diretorias de Ensino; entre os juzes e as escolas; entre os Juzes, escolas e outras instituies da Rede de Apoio criana e ao adolescente em Helipolis e Guarulhos. Essa caminhada foi bastante difcil, levando a reflexes e aprendizagens mtuas. Avanos educacionais e sociais devem superar a atual fragmentao de aes, substituindo-a por trabalho articulado e em rede entre diferentes instituies, que, juntas, assumem a responsabilidade de construrem respostas.

Um encontro inicial, no auditrio do Frum de Helipolis, com a presena da Secretria da Educao e das autoridades do Poder Judicirio Paulista e com ampla presena das equipes das Varas da Infncia e da Juventude da Capital e de Guarulhos divulgou a parceria no meio jurdico, informando e sensibilizando os profissionais do direito para a importncia da cooperao com educadores. Para disparar, informar e motivar a participao das equipes escolares e comunidades foram planejados e realizados, com a cooperao entre a equipe do Projeto e as equipes da FDE e das Diretorias de Ensino, dois Seminrios de Mobilizao, em Guarulhos e em Helipolis, respectivamente. Nessa ocasio, o Projeto foi aprese