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no contexto da crise global A ECONOMIA BRASILEIRA

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no contexto da crise globalA ECONOMIA BRASILEIRA

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Governador do estado

Geraldo Alckmin

seCretÁrIo de GestÃo PÚBLICa

Waldemir Caputo

FundaçÃo do desenvoLvImento admInIstratIvo (FundaP)

diretor executivoWanderley Messias da Costa

diretora de Políticas sociaisMárgara Raquel Cunha

GruPo de eConomIa da FundaPLuis Fernando Novais (coordenador)

Luciana Portilho da SilvaRafael Fagundes CagninJosé Roberto Rodrigues

Felipe Thiago dos Santos (estagiário)Matheus Rugno Oliveira (estagiário)Kleber de Sousa Roque (estagiário)

revisão técnicaRafael Fagundes Cagnin

Marcos Antonio Macedo Cintra

Fundação do desenvolvimento administrativo (Fundap)Rua Cristiano Viana, 428

054199-902 – São Paulo – SPTelefone (11) 3066 5640 – Fax (11) 3066 5752

www.fundap.sp.gov.br

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1a. edição

São Paulo, 2014

Luis Fernando Novais Rafael Fagundes Cagnin Geraldo Biasoto Junior

organizadores

Fundap

artigos de

Adriana Nunes FerreiraCarolina Troncoso Baltar

Daniela Magalhães PratesDaniela Salomão Gorayeb

Geraldo Biasoto JuniorJosé Roberto Afonso

Júlio Sergio Gomes de AlmeidaLuciana Portilho

Luis Fernando Novais Marcos Antonio Macedo CintraMaria Cristina Penido de Freitas

Marina SequettoMaryse Farhi

Rafael Fagundes Cagnin

no contexto da crise globalA ECONOMIA BRASILEIRA

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Coodernação editorial Fernando Ortega de Sousa Carneiro

Projeto Gráfico e Capa Newton Sodré

edição de texto e revisão Marcos Henrique Monteiro Martins

Maria Eloísa Pires Tavares Newton Sodré

Vera Carvalho Zangari Tavares

editoração eletrônica Juhmco Hanada Newton Sodré

normalização Bibliográfica Ana Cristina de Souza Leão

Norma Batista Nórcia Ruth Aparecida de Oliveira

Catalogação na Fonte Elena Yukie Harada

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Centro de Documentação da Fundap, SP, Brasil)

A economia brasileira no contexto da crise global / Luis Fernando Novais, RafaelFagundes Cagnin, Geraldo Biasoto Junior (orgs.). São Paulo : FUNDAP, 2014.

283 p. ISBN 978-85-7285-151-0

1. Economia brasileira. 2. Política macroeconômica. 3. Conjuntura econômi-ca. I. Novais, Luis Fernando (org.). II. Cagnin, Rafael Fagundes (org.). III. Biasoto Junior, Geraldo (org.). IV. Fundação do Desenvolvimento Administrativo - FUNDAP

CDD – 330.981

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Sumário

Prefácio, 7Marcos antonio Macedo cintra

APresentAção, 15

cAPítulo 1. Gênese dA crise e evolução recente dAs economiAs AvAnçAdAs, 19Maryse Farhi

cAPítulo 2. BAlAnço do reGime de PolíticA mAcroeconômicA no Primeiro Biênio do Governo dilmA, 51daniela Magalhães Prates

raFael Fagundes cagnin

Maria cristina P. de Freitas

luis Fernando novais

cAPítulo 3. A inserção externA do BrAsil no contexto dA crise GloBAl, 79daniela Magalhães Prates

carolina troncoso Baltar

Marina sequetto

cAPítulo 4. A PolíticA finAnceirA AnticíclicA e A evolução do crédito BAncário entre 2009 e 2012, 123Maria cristina Penido de Freitas

raFael Fagundes cagnin

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cAPítulo 5. A dinâmicA do PiB BrAsileiro no Período Pós-crise: dA ilusão do crescimento sustentAdo à crise dA indústriA nAcionAl, 162luis Fernando novais

cAPítulo 6. indústriA e PolíticA industriAl no contexto Pós-crise, 193Júlio sergio goMes de alMeida

luis Fernando novais

cAPítulo 7. o mercAdo de trABAlho BrAsileiro no Pós-crise: umA recuPerAção com frAGilidAdes, 222adriana nunes Ferreira

luciana Portilho

daniela saloMão gorayeB

cAPítulo 8. PolíticA fiscAl nos Pós-crise de 2008: A crediBilidAde PerdidA, 251geraldo Biasoto Junior

José roBerto aFonso

soBre os Autores, 281

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Prefácio

MarcoS antonio Macedo cintra

Em diferentes instituições, e por meio de diversas correntes teóricas, faz-se um enorme esforço de construção de uma narrativa das transformações políticas, econômicas e sociais ocorridas no Brasil nas últimas décadas1. Este livro do Grupo de Economia da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) filia-se a essas tentativas de compreensão da economia política contemporânea. Perfilha-se também ao debate de proposições para enfrentar os desafios ainda persistentes, sobretudo a articulação de uma macroeconomia para o crescimento, a reorgani-zação da estrutura industrial e o aprofundamento do processo de distribuição da renda e da riqueza – em um cenário internacional mais adverso.

Vai ficando claro que o processo de transformação do país teve como substrato uma tentativa de promover um “desenvolvimentismo inclusivo”. Isso implicou um vasto conjunto de políticas públicas direcionadas aos grupos sociais mais po-bres: aumento real do salário mínimo, transferência de renda (Programa Bolsa Família), e muitos outros, tais como Luz para Todos, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, Programa Universidade para Todos, etc. Estimativas indicam que as “transferências (públicas) de assistência e previdência social” agregadas atingi-ram mais de 15% do Produto Interno Bruto (PIB), com impactos relevantes no consumo das famílias (SANTOS, 2013). Tudo isso possibilitou a formação do que alguns chamaram de “nova classe média” – referente ao intervalo de “renda per capita entre R$ 291 e R$ 1.019” (LIMA, 2013) –, abrangendo cerca de 40

1. Ver, por exemplo, Sader (Org.), 2013; Ipea/SAE (2010); Ipea/SAE, CGEE/MCTI/Rede Desenvolvimen-tista (2013); Fiesp (2013); Iedi (2012); AKB (2013); Bacha e Bolle (Orgs.), 2013; FPA (2013).

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milhões de pessoas, bem como o fenômeno político denominado de “lulismo”, por Singer (2012).

Segundo Bielschowsky (2013, p. 7), um dos formuladores do Plano Plurianu-al (PPA 2004-2007):

“o Brasil tem o privilégio de possuir, ao mesmo tempo, três poderosas frentes de expansão, três ‘motores’ do desenvolvimento, um conjunto que poucos países do mundo possuem: (i) um amplo mercado interno de con-sumo de massa – que será tanto mais amplo quanto melhor vier a ser a distribuição da renda – e também uma estrutura produtiva potencialmen-te capaz de vir a realizar localmente boa parte da produção em larga escala correspondente, nos setores primários, industriais e de serviços, sem pre-juízo de ampliar as exportações; (ii) uma forte demanda nacional e mun-dial por seus abundantes recursos naturais; e (iii) perspectivas favoráveis quanto à demanda estatal e privada por investimentos em infraestrutura (econômica e social)”.

Vai ficando claro também que havia uma “aposta”, explicitada no PPA 2004-2007, de que a expansão do mercado interno impulsionaria as mudanças na es-trutura produtiva, em particular a industrial, uma vez que as exportações de com-modities possibilitariam a geração de recursos em moeda forte. Todavia, a mudan-ça de preços relativos, favorecendo o agronegócio e a mineração, por um lado, e a reação modernizante e defensiva do setor manufatureiro, por outro, resultaram em um vazamento crescente para o exterior, sobretudo para a Ásia, de uma par-te relevante do impulso proveniente da expansão do mercado interno (PINTO, 2010; BIELSCHOWSKY, SQUEFF e VASCONCELOS, 2013). A indústria manufatureira brasileira foi se transformando em uma “maquiladora para dentro” – por meio da importação de peças, componentes e produtos finais, sobretudo do complexo eletroeletrônico (MEDEIROS, 2013a e 2013b; AREND, 2013). Ao contrário do México e, em certo sentido, também da China, que montaram “maquiladoras para fora”. O saldo da balança comercial da indústria manufatu-reira brasileira tornou-se crescentemente negativo – US$ 105 bilhões em 2013 (IEDI, 2013).

Assim, foi a emergência de um novo paradigma de organização da produção e de introdução do progresso técnico, nas economias asiáticas (China, Coreia do Sul, Índia, Vietnã, etc.) – denominado de “frugal” pela revista The Economist2 –

2. The Economist, apud Carta Capital, 2010, p. 40 e 47-48: “a inovação frugal não se restringe ao redesenho de produtos; ela exige repensar todos os processos de produção e modelos de negócios. As empresas têm de reduzir custos para atingir mais consumidores, e precisam aceitar margens de lucros restritas para ganhar em

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que permitiu o aumento do consumo das famílias brasileiras mais pobres, dado o aumento do emprego – predominantemente nos setores de serviços (Mac jobs) –, da renda e do endividamento (crédito consignado e crédito ao consumo). As cadeias produtivas asiáticas fomentaram, portanto, um novo “fordismo” – confi-gurado na miniaturização dos bens – que produz barato para o consumo de traba-lhadores com baixos salários e/ou rendimentos em todo o mundo, beneficiando as “classes médias” emergentes na América Latina, na África e na Ásia.

Além disso, a economia brasileira integrou-se aos fluxos de capitais (de curto, médio e longo prazos) abundantes durante a Grande Moderação – permitindo a valorização dos ativos financeiros domésticos e da taxa de câmbio, a redução das taxas de juros reais e a acumulação de reservas internacionais –, bem como após a crise financeira sistêmica, com as políticas monetárias extremamente expansionistas dos principais bancos centrais (Federal Reserve, Banco Central Europeu, Banco do Japão e Banco da Inglaterra). Porém, não foi possível solucionar o grande atraso na infraestrutura econômica e social – estradas, ferrovias, aeroportos, portos, hospitais, escolas, etc. –, uma vez que não se equacionou nem as estruturas financeiras e pa-trimoniais nem as estruturas gerenciais dos projetos, a despeito de alguns exemplos bem-sucedidos de concessões (e/ou parcerias público-privadas), financiadas pelos bancos e pelos fundos de pensão públicos, com a participação das empresas estatais.

Finalmente, sobressaem as limitações do regime macroeconômico brasileiro – metas de inflação (taxas de juros altas), taxa de câmbio flutuante (alta volatilidade cambial) e superávit fiscal primário (elevado estoque de dívida pública, com pa-gamentos de juros de cerca de 5% do PIB) –, discutidas de forma ampla e pro-funda em vários artigos que compõem o livro. No período mais recente, a alta da inflação, devido, sobretudo, a pressões no setor de serviços e a choques de oferta,

volume. Três formas de reduzir custos vêm sendo consideradas as mais bem-sucedidas. A primeira é tercei-rizar cada vez mais. (...) A segunda maneira de economizar é usar tecnologias já existentes de formas novas e criativas. (...) O terceiro caminho para reduzir custos é utilizar técnicas de produção em massa em áreas novas e surpreendentes, como a medicina. (...). A inovação de negócios no mundo emergente chegou ao ponto em que todos os avanços individuais se transformam em algo maior do que a soma das partes. Assim como os círculos de qualidade e a entrega just-in-time do Japão fizeram parte de um novo sistema chamado de ‘produção en-xuta’, a inovação às avessas e a produção frugal dos emergentes são parte de uma nova linha de administração de negócios. (...) As empresas estão partindo das necessidades de algumas das pessoas mais pobres do mundo e, para atender a essas necessidades, estão redesenhando produtos e até processos inteiros de fabricação. Isso pode incluir uma mudança na definição do que é um cliente, de forma a abarcar todo o tipo de gente que até então vivia excluída da economia de mercado. Significa cortar custos até o osso e eliminar todas as funções de um produto ou serviço, preservando apenas o essencial”. Em outra reportagem, reitera: o BroadGroup – que de-senvolveu novas técnicas de pré-fabricação, possibilitando a construção de arranha-céus rapidamente –, “em janeiro de 2012, construiu um hotel de 30 andares em apenas 15 dias” (VAITHEESWARAN, 2013, p. 49).

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impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit em conta-corrente e a desvalorização da taxa de câmbio, seguindo os humores do mercado financeiro internacional, tiveram impactos nas expectativas sobre os índices de preços, retro-alimentando a política monetária restritiva. A elevação dos gastos públicos (sobre-tudo sociais) com menor arrecadação (menor crescimento do produto e desone-rações) resultou em queda do superávit primário e dificuldades para se promover a aceleração do investimento público. Diante desses constrangimentos renitentes, prevaleceram o baixo dinamismo do produto e do investimento privado e público, o aumento no patamar dos níveis de preços e a deterioração das contas externas, com a melhora relativa das condições de vida das populações mais pobres.

Esse diagnóstico – associado aos impactos da Ásia na balança comercial e, portanto, na estrutura produtiva; a volatilidade do mercado cambial e, por conse-guinte, dos fluxos de capitais – parece cada vez mais difundido por diversos seg-mentos da sociedade brasileira. As proposições de medidas para avançar na sus-tentação e expansão das conquistas sociais alcançadas e, portanto, na construção do futuro, parecem mais obnubiladas. Não há consenso nem força mobilizadora, seja entre os setores empresariais, seja entre os componentes do “lulismo”, para liderar os movimentos. Nem autonomia decisória relativa do Estado nacional. A crise política – a dificuldade de articular uma alternativa –, portanto, cobrará seu preço, em uma década de profundas transformações da “ordem mundial”.

Os Estados Unidos caminham para a normalização das taxas de juros (tapering) e, simultaneamente, para nova rodada de inovações tecnológicas (nanotecnologia, biotecnologia, neurociência, robótica, novos materiais, etc.), para transformações na matriz energética (shalegas) e para a reconfiguração do comércio internacional (Trans-Pacific Economic Partnership e Transatlantic Trade and Investment Partner-ship). A China reage ao propor o Regional Comprehensive Economic Partnership, mas suas vantagens não estão plenamente asseguradas. Suas capacidades adquiri-das para a “inovação secundária” e a absorção de transferência de tecnologia não parecem suficientes para um desenvolvimento econômico sustentável. A propor-ção do valor adicionado que absorve na participação das cadeias globais de pro-dução ainda é bastante restrita e as exportadoras são predominantemente filiais de empresas transnacionais. Por isso, os novos planos de ciência, tecnologia e inovação do país colocam ênfase na “inovação endógena” (JAGUARIBE, 2013).

Portanto, há indicações de que os Estados Unidos (mas também a China, o Japão, a Alemanha, a Rússia, etc.) estão, novamente, reorganizando suas econo-mias e, por extensão, a economia mundial, a partir de seus próprios interesses (ou de seus próprios capitais). Os demais países, evidentemente, deveriam procurar se

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defender e avançar, ou permanecer no eterno “país do futuro” (ZWEIG, 2013), ou correr o risco de sucumbir. No caso brasileiro, a experiência bem-sucedida do agronegócio talvez possa auxiliar na construção de políticas de reestruturação produtiva, seja utilizando essa capacidade empresarial para fomentar outros seto-res, como a indústria de equipamentos agrícolas, com tecnologia eletroeletrônica e softwares embarcados (LUCENA, 2013), seja usando a expansão do crédito – de capital de giro para as pequenas, médias e grandes empresas industriais –, a partir dos depósitos compulsórios e/ou de uma porcentagem dos depósitos à vista (como ocorreu com o crédito agrícola, durante muitas décadas), de maneira a criar uma alternativa aos juros escorchantes praticados pelo sistema financeiro doméstico3. Não se pode esquecer também de internalizar parte expressiva da cadeia do pré-sal, a montante e a jusante, bem como de expandir a infraestrutura urbana (mobilidade social, habitação e saneamento básico), que poderiam alavan-car segmentos importantes da estrutura produtiva doméstica.

Espera-se, portanto, que o governo, os partidos políticos e a sociedade deci-dam enfrentar a discussão – e este livro proporciona uma contribuição importan-te a esse debate – sobre o “modelo de desenvolvimento brasileiro” – seus avanços e seus limites – e os desafios de se reorganizar a economia industrial capitalista. As evidências históricas parecem indicar que isso passaria por uma reinserção nas cadeias produtivas globais – “importar para exportar”, como afirmam Júlio Sérgio Gomes de Almeida e Luis Fernando Novais, em particular, nos novos setores que surgiram na indústria mundial –, bem como no aprofundamento da integração brasileira na América do Sul. Para isso, seria importante desenhar uma estratégia regional de compras governamentais para facilitar e/ou promover a integração das cadeias produtivas na América do Sul e definir o padrão de financiamento dessa integração, seja pela implementação do Banco do Sul, seja pelo fortalecimento da Corporação Andina de Fomento – agora, Banco de Desenvolvimento da América Latina. Seria importante também aperfeiçoar e/ou aprofundar os mecanismos de cooperação financeiros e monetários regionais, tais como as operações de swap de moedas entre os países da região, sistemas de pagamentos em moedas locais, fortalecimento do Fundo Latino-americano de Reserva, compra de títulos da dí-vida soberana entre os países vizinhos, etc. Está-se diante de um acirramento da concorrência em diversos planos; nesse contexto, a ousadia de todos os setores políticos, econômicos e sociais torna-se crucial.

3 Da mesma forma como a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapaii) – com atua-ção nas áreas de inovação industrial – procura reproduzir a experiência exitosa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

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Referências

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AREND, Marcelo. A industrialização do Brasil ante a nova divisão internacional do trabalho. In: CALIXTRE, André B.; BIANCARELI, André M.; CINTRA, Marcos Antonio M. O futuro do Brasil: avanços e limites do desenvolvimen-tismo. Brasília, DF: Ipea/CGEE/Rede Desenvolvimentista, 2013. No prelo.

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BACHA, Edmar; BOLLE, Monica B. de (Orgs.). O futuro da indústria no Brasil: desindustrialização em debate. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

BIELSCHOWSKY, Ricardo. Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de ex-pansão no Brasil: um desenho conceitual. Rio de Janeiro: Ipea, 2013. (Texto para Discussão Ipea, n. 1.828). Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/por-tal/images/stories/PDFs/TDs/td_1828.pdf>. Acesso em: 10 dezembro 2013.

BIELSCHOWSKY, Ricardo; SQUEFF, Gabriel C.; VASCONCELOS, Lucas F. Evolução dos investimentos nas três frentes de expansão da economia brasileira na década de 2000. In: CALIXTRE, André B., BIANCARELI, André M.; CIN-TRA, Marcos A. M. O futuro do Brasil: avanços e limites do desenvolvimentis-mo. Brasília, DF: Ipea/CGEE/Rede Desenvolvimentista, 2013. No prelo.

FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Estraté-gia de potencial socioeconômico pleno para o Brasil. São Paulo, 2013.

FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Projetos para o Brasil. São Paulo, 2013. Dis-ponível em: <http://www.fpabramo.org.br/forum2013/?page_id=11>. Acesso em: 10 dezembro 2013.

INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO IN-DUSTRIAL. Contribuições para uma agenda de desenvolvimento do Brasil. São Paulo, 2012. Disponível em: < http://retaguarda.iedi.org.br/midias/artigos/5088640611078c37.pdf >. Acesso em: 10 dezembro 2013.

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INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Secretaria de As-suntos Estratégicos da Presidência da República. Projeto perspectivas do desen-volvimento brasileiro. Brasília, DF, 2010. Disponível em: < http://www.ipea.gov.br >. Acesso em: 10 dezembro 2013.

INTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Secretaria de Assun-tos Estratégicos da Presidência da República. Centro de Gestão e Estudos Es-tratégicos do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e Rede Desenvol-vimentista (pesquisadores de distintas universidades coordenados pelo Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas). Agenda desenvolvimentista e sua inserção global. Brasília, DF, 2013. Disponível em: < http://www.reded.net.br/ >.

JAGUARIBE, Anna. Capacidades estatais comparadas: China e a reforma do siste-ma nacional de inovações. Brasília, DF: IPEA, 2013. Mimeografado.

LIMA, Flavia. Chegou a hora de olhar a classe média, diz Paes de Barros. Valor Econômico, São Paulo, 13 nov. 2013.

LUCENA, Eleonora de. Governo perde batalha para mercado financeiro, e país está em camisa de 11 varas, diz Belluzzo, Folha de S.Paulo, São Paulo, 29 dez. 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/145639-governo-perdeu-a-batalha-contra-o-mercado-financeiro.shtml>. Acesso em: 10 dezembro 2013.

MEDEIROS, Carlos A. de. Evolução da composição da estrutura de oferta da econo-mia brasileira na última década à luz das matrizes de insumo-produto e dos dados da evolução da demanda das famílias brasileiras entre 2003 e 2009. Brasília, DF: Ipea, 2013. Mimeografado.

______. A sustentabilidade estrutural de um regime de crescimento com distribuição de renda. Brasília, DF: Ipea, 2013. Mimeografado.

PINTO, Eduardo C. Bloco no poder e governo Lula. 2010. Tese (Doutoramen-to) – Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

SADER, Emir (Org.). 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma. São Paulo: Boitempo, 2013.

SANTOS, Cláudio H. M. dos. A dinâmica das transferências públicas de assistên-cia e previdência (1995-2012). Carta de Conjuntura, n. 20, p. 85-96, set. 2013.

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SINGER, André V. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

THE ECONOMIST. O mundo de cabeça para baixo: especial sobre inovação nos mercados emergentes. Republicado na Carta Capital, São Paulo, ano XV, n. 595, p. 40, 47-48, 12 maio 2010.

VAITHEESWARAN, Vijay. Um conto de duas torres. The Economist. O mundo em 2014, Londres, 2013, p. 49.

ZWEIG, Stefan. Brasil: um país do futuro. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2013.

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APreSentAção

Este livro é resultado do acompanhamento da conjuntura econômica do Grupo de Economia da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fun-dap), bem como de contribuições de pesquisadores convidados. Seus capítulos retomam, sob diferentes perspectivas, o período posterior ao agravamento da crise internacional e seus efeitos sobre a economia brasileira. A periodização pro-posta (2009-2012) não significou, contudo, uma “camisa de força” aos autores, cujos argumentos muitas vezes exigiram a análise de tendências em um prazo mais longo.

Maryse Farhi, no capítulo 1, analisa as diferentes etapas da crise internacio-nal, desde sua eclosão, com a ruptura do mercado americano de hipotecas de alto risco, em 2007, até o resgate de Chipre pela troika (Fundo Monetário Inter-nacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), no início de 2013. É dada especial atenção às medidas adotadas pelos países desenvolvidos na gestão da crise, evitando que ela tomasse proporções semelhantes à Grande Depressão dos anos 1930.

No capítulo 2, Daniela M. Prates, Rafael F. Cagnin, Maria Cristina P. de Frei-tas e Luis Fernando Novais mostram como se articularam, no Brasil, as políticas macroeconômicas no esforço de garantir a trajetória de crescimento da economia doméstica, apesar dos desdobramentos adversos provenientes do front externo. Caracterizam os dois primeiros anos do governo Dilma a maior coordenação en-tre o Ministério da Fazenda e o Banco Central do Brasil na formulação das políti-cas fiscal, monetária e cambial, bem como o uso de um conjunto de instrumentos

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mais diversificados do que aquele que vinha sendo empregado até então (medidas macroprudenciais, controles de capitais, desonerações fiscais, etc.). Tratou-se, en-tão, de flexibilizar, e não de abandonar, o regime de política macroeconômica, baseado nas metas de inflação e de superávit primário e no regime de câmbio flutuante – o chamado “tripé” da política macroeconômica.

No capítulo 3, Daniela M. Prates, Carolina T. Baltar e Marina Sequetto ava-liam o desempenho das contas externas da economia brasileira. Do lado comer-cial, o acirramento da concorrência internacional, o diferencial do ritmo de cres-cimento da economia doméstica em relação a seus parceiros e o patamar aprecia-do da moeda nacional (restaurado entre 2009 e 2011) levaram à deterioração do saldo comercial nos anos que sucederam a crise. Do lado financeiro, o expressivo diferencial da taxa de juros associou-se à avaliação positiva da economia brasileira pelos investidores internacionais, em função de sua resiliência à crise, provocando forte entrada de capitais externos e, consequentemente, apreciação do real. Esse movimento só foi amortecido com a adoção progressiva de controles de capitais e medidas de regulamentação prudencial e, em alguns períodos, revertido em função da elevação da aversão ao risco provocada pelo desenrolar da crise da zona do euro.

No capítulo 4, Maria Cristina P. de Freitas e Rafael F. Cagnin chamam aten-ção para a importância do crédito direcionado e dos bancos públicos, como agen-tes da política financeira anticíclica do governo federal, para a manutenção do crescimento do crédito bancário entre 2009 e 2012, de maneira a compensar, ao menos parcialmente, a contração das carteiras de seus congêneres privados. As decisões de política monetária e a adoção das medidas macroprudenciais também influenciaram o ritmo de expansão do crédito no período pós-crise.

No capítulo 5, Luis F. Novais avalia a dinâmica do produto vis-à-vis a con-dução da política econômica. O artigo resgata os principais determinantes do padrão de crescimento que vigorou no país até a crise global do final de 2008, marcando as diferenças em relação à fase posterior. Até meados de 2010, a polí-tica econômica pautada pelo incentivo ao consumo e pelo papel ativo dos bancos públicos na oferta de crédito com prazos e juros em melhores condições conse-guiu ativar o consumo doméstico e o investimento produtivo. A partir de 2011, a crise da dívida soberana dos países da zona do euro explicitou os limites dessa estratégia de política econômica. O contínuo “vazamento” da demanda domés-tica para o exterior, no biênio 2011/2012, combinado com a fase de baixa do investimento produtivo, gerou questionamentos sobre a sustentabilidade desse padrão de crescimento.

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No capítulo 6, Júlio S. G. de Almeida e Luis F. Novais traçam o perfil da indústria brasileira, comparando o seu peso e desempenho para uma amostra de países avançados e emergentes. Outro tema abordado é a relação entre a ex-pansão industrial e o desenvolvimento econômico. Avalia-se que a desindustria-lização relativa do Brasil decorre não das exportações de commodities, mas, sim, de fatores “extracomércio exterior”. As variações do valor da moeda nacional são condicionadas por fatores financeiros (com destaque para a especulação e arbitragem no mercado futuro) e não por fatores “reais” da economia. Em rela-ção à política industrial, segundo os autores, ela teve sua eficácia diminuída por diferentes determinantes “sistêmicos” fora da alçada propriamente setorial ou empresarial. O mais importante deles foi a taxa de câmbio, que permaneceu va-lorizada e volátil até 2011. Fatores conjunturais influenciaram os resultados nos últimos anos e, de alguma forma, ditaram sua lógica, qual seja, a de dar benefí-cios fiscais às empresas para que os custos domésticos pelo menos se igualassem ao padrão internacional.

No capítulo 7, Adriana N. Ferreira, Luciana P. da Silva e Daniela S. Gorayeb analisam informações referentes à mudança na dinâmica setorial da geração de emprego após 2009. Destacam-se o protagonismo do setor de serviços na criação de vagas e a qualidade dos postos de trabalho gerados, com o aumento do grau de formalização e crescimento do rendimento real dos trabalhadores. As autoras mostram que a recuperação do mercado de trabalho, no período, ocorreu de for-ma tímida e não homogênea. Apesar de o dinamismo dessa retomada centrar-se no setor de serviços e na criação de empregos nas menores faixas salariais, man-teve-se o crescimento, porém em ritmo menor, do emprego, da formalização, da capacidade de negociação salarial e dos ganhos reais de rendimento.

O capítulo 8, de autoria de Geraldo Biasoto Jr. e José Roberto Afonso, trata da política fiscal adotada pelo governo Dilma, à luz de tendências mais estruturais identificáveis desde o início dos anos 2000. Busca-se avaliar os efeitos das medi-das anticíclicas sobre as condições de governabilidade das finanças públicas. Ao mesmo tempo, são avaliadas as críticas colocadas à gestão da política fiscal no que se convencionou chamar de “contabilidade criativa” e a erosão de credibilidade dela decorrente.

Em seu conjunto, busca-se, aqui, oferecer ao leitor o registro da evolução da economia brasileira de tal forma que ocupe posição intermediária entre (1) a análise de caráter estrutural do significado das transformações ocorridas recen-temente no país e, em particular, diante da crise internacional – o que deman-daria maior distanciamento no sentido de proporcionar a devida perspectiva

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histórica – e (2) o acompanhamento rotineiro de indicadores econômicos e de medidas de política, que define o debate conjuntural.

luiS Fernando novaiS

raFael FagundeS cagnin

geraldo BiaSoto Junior

organizadores

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Introdução1

A crise financeira, iniciada em meados de 2007 no segmento de crédito imobiliário nos EUA, foi grave o suficiente para ser qualificada como “a mais séria e destrutiva desde 1929” pelo comitê de Larosière (2009), estabeleci-do pela União Europeia para avaliar seus aspectos e implicações. Ela adqui-riu contornos sistêmicos após a falência do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008. Apesar de menor intensidade, a crise atual apresenta diversas particularidades que a aproximam da Grande Depressão da década de 1930; tais como sua duração, sua abrangência internacional e a incontornável necessidade de voltar a regulamentar o setor financeiro. Dessa forma, não parece estranho que ela tenha passado a ser designada como a Grande Recessão.

Este capítulo resgata a evolução dessa crise global, desde sua eclosão em 2007, e analisa os seus desdobramentos recentes nas economias avançadas. Pas-sados quase seis anos desde seu início, continuavam a pairar, em 2013, inú-meras incertezas sobre as trajetórias dessas economias. Na primeira seção estão traçadas as origens da crise e sua evolução. A segunda seção aborda a situação recente das economias avançadas e as incertezas que a cercam; e, por fim, a ter-ceira seção apresenta a discussão sobre suas perspectivas.

1. Este capítulo baseia-se em informações disponíveis no final de abril de 2013.

cAPÍtuLo 1

GêneSe dA criSe e evoLução recente dAS economiAS AvAnçAdAS

MarySe Farhi

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As distintas etapas da crise – 2007 a 2013

Em 2013, a crise financeira internacional continua provocando acentuados desequilíbrios macroeconômicos que têm alimentado temores de que a economia mundial possa vir a enfrentar nova recessão (doubledip) semelhante à ocorrida na crise iniciada em 19292, em que pesem as projeções relativamente tranquilizado-ras dos organismos internacionais.

As relações de causalidade entre a crise financeira e a continuidade desses de-sequilíbrios permitem afirmar que se trata de um mesmo e único episódio. À semelhança da Grande Depressão, a crise atual também pode ser decomposta, analiticamente, em diversas fases. A primeira iniciou-se em meados de 2007, com a elevação da inadimplência e a desvalorização dos imóveis e dos ativos financei-ros associados às hipotecas americanas de alto risco (subprime), culminando na falência do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008, o que lhe conferiu um caráter de ameaça sistêmica. Nessa fase, tudo parecia indicar que as lições da Grande Depressão tinham sido aprendidas, permitindo evitar a repetição dos equívocos de política econômica que tinham contribuído para seu aprofundamento e sua extensão. Apesar de raízes teóricas muito distintas, essas lições tinham um importante elemento em comum: todas preconizavam uma intensa intervenção do Estado em oposição às políticas de laissez-faire e às diretri-zes das políticas macroeconômicas recomendadas pelo mainstream econômico e endossadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

As lições da Grande Depressão que foram aplicadas naquele período organiza-ram-se em torno da necessidade de se evitar uma espiral deflacionária (FISHER, 1933) por meio de intensa atuação do Estado e do banco central (Big Government e Big Bank, na denominação de MINSKY, 1982). Foi em nome dessa necessida-de que os países desenvolvidos atuaram maciçamente e de comum acordo para socorrer os bancos comerciais e outras instituições financeiras importantes3, os mercados financeiros mais sensíveis4, bem como para incentivar a demanda agre-

2. Importa aqui ressaltar que a crise da década de 1930 não foi um episódio de dez anos de declínio econô-mico contínuo, mas sim constituída por dois períodos recessivos distintos – agosto de 1929 até março de 1933 e maio de 1937 até a Segunda Guerra Mundial. Entre essas duas recessões, ocorreu um período de recuperação econômica que, entretanto, foi insuficiente para impedir que a taxa de desemprego permane-cesse acima dos 10% nos EUA (BERNANKE, 2000).

3. Essa atuação assumiu formatos distintos conforme os países: os EUA concederam empréstimos aos bancos, enquanto, na Inglaterra e na Irlanda, o Estado assumiu o controle acionário dos bancos.

4. No caso dos mercados, a atuação dos governos foi relativamente uniforme e consistiu essencialmente em garantir a solvência dos títulos privados.

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gada e reduzir as taxas de desemprego. Sua atuação anticíclica permitiu evitar que a crise financeira se transformasse em depressão.

Mas deve ser assinalado que, embora os membros da zona do euro (ou União Econômica e Monetária Europeia, UME5) tenham concordado em seguir orien-tações gerais comuns, todos os pacotes de assistência foram desenvolvidos, finan-ciados e geridos pelas autoridades nacionais. Cada um desses pacotes nacionais de resgate manteve, assim, um formato próprio, sinalizando a inexistência de solida-riedade financeira entre esses países que compartilham uma mesma moeda. Soros (2012) aponta que “o primeiro passo no processo de desintegração da Europa foi dado pela Alemanha, quando, logo após a falência do Lehman Brothers, Angela Merkel declarou que a garantia estendida às instituições financeiras deveria vir de cada país, agindo isoladamente, e não da Europa em seu conjunto. Os mercados financeiros demoraram mais de um ano para perceber a implicação dessa declara-ção, mostrando que eles não são perfeitos”.

A segunda fase estendeu-se do final de 2008 ao início de 2010. Ela se carac-terizou por uma recuperação dos preços dos ativos e por expectativas de uma retomada do crescimento econômico, em função das políticas fiscais e monetárias adotadas no período anterior. O bom desempenho dos mercados levou os agen-tes financeiros à percepção de business as usual e os bancos passaram a exercer pressões para evitar ou atenuar as mudanças na supervisão e regulação financeira. Foi igualmente no início dessa fase que a crise financeira teve o maior impacto na economia real, com forte queda do nível de atividade e alta do desemprego. Esse descompasso conduziu à cristalização do ressentimento popular em relação aos imensos programas de resgate das instituições financeiras (comparado com os insuficientes recursos destinados a programas sociais) e à falta de mecanismos ou de vontade política para impedir o pagamento de milionários bônus a seus dirigentes. No mesmo período, os países emergentes ou ficaram estáveis (Brasil) ou continuaram crescendo sob liderança chinesa, configurando uma recuperação double-speed da economia mundial.

A expansão maciça dos déficits públicos e dos balanços dos bancos centrais para combater a crise era, então, amplamente considerada como excepcional e temporária. De fato, muitos governos e bancos centrais, desconfortáveis com a

5. Inicialmente, 12 países aderiram à UME, também conhecida como zona do euro. Atualmente, 17 estados membros da União Europeia utilizam o euro como moeda: Bélgica, Alemanha, Estônia, Irlanda, Grécia, Espanha, França, Itália, Chipre, Luxemburgo, Malta, Holanda, Áustria, Portugal, Eslovênia, Eslováquia e Finlândia. Os estados membros da União Europeia que não adotaram a moeda única são Bulgária, Repú-blica Checa, Dinamarca, Letônia, Lituânia, Hungria, Polônia, Romênia, Suécia e Reino Unido.

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situação, começaram, a partir do segundo semestre de 2009, a discutir uma “es-tratégia de saída”. Foi no segundo semestre de 2009 que as convicções conserva-doras voltaram a se afirmar com força. A zona do euro e os demais países europeus mostraram-se mais suscetíveis ao ideário conservador. Já os Estados Unidos, em função de sua própria experiência na década de 1930, decidiram manter e até mesmo reforçar as políticas anticíclicas enquanto pairassem ameaças de deflação, consubstanciadas em elevadas taxas de desemprego. Dessa forma, longe de consti-tuir um consenso, o ressurgimento das ideias conservadoras provocou acentuadas divergências nas políticas econômicas “pós-crise” dos países desenvolvidos.

Já a terceira fase desenvolveu-se do início de 2010 a meados de 2012. Essa fase caracterizou-se por séria ameaça de nova contração econômica, com grande potencial de contagiar o conjunto da economia internacional. A esperada recupe-ração econômica dos países desenvolvidos mostrou-se anêmica, devido, por um lado, às políticas macroeconômicas contracionistas na Europa e, por outro lado, à necessidade de as instituições financeiras e as famílias prosseguirem no processo de redução de suas dívidas.

As reversões da política fiscal expansionista provaram ser muito mais com-plexas do que se previa, com os déficits públicos prosseguindo sua trajetória de ampliação, diante da forte queda de receitas ocasionada pelo ainda baixo nível da atividade econômica. Foi, igualmente, nessa fase que as políticas macroeconômi-cas começaram a divergir entre a Europa, muito mais preocupada com os dese-quilíbrios fiscais do que com um crescimento econômico sustentável, e os EUA, onde ocorria o contrário (FARHI, 2012).

Desde a criação do euro até a ameaça de crise sistêmica com a falência do Lehman Brothers, em 2008, não tinha havido dificuldade em financiar tanto os déficits fiscais como os de balanços de pagamentos dos países da zona do euro considerados não muito confiáveis pelos mercados de capitais. No caso de alguns desses países, o período de boom ou de bolha anterior havia ocultado muitas ma-zelas econômicas e encorajado o aumento do ritmo dos gastos públicos. Mas, em outros casos, as origens dessa deterioração generalizada do controle fiscal estavam diretamente ligadas à crise financeira: custo fiscal das operações de resgate finan-ceiro, perdas de receitas causadas pela recessão e renúncias fiscais discricionárias tomadas para estimular a atividade econômica. No episódio inicial referente à situação grega, a revelação da irrealidade dos dados oficiais sobre a dívida pública e a possibilidade de um default, reconhecida em diversas declarações dos princi-pais países da zona do euro, levaram abruptamente ao fim da complacência dos mercados.

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No período anterior à crise, os juros demandados pelos investidores para ad-quirir títulos da dívida pública dos países menos desenvolvidos da zona do euro tinham convergido para níveis pouco superiores aos dos títulos dos países mais desenvolvidos, como mostra o Gráfico 1. Subitamente, esses juros passaram a apresentar diferenciais cada vez mais elevados em relação aos pagos pela Alema-nha. Esse movimento não ocorreu, contudo, de forma sincronizada para todos os países, consistindo em diversos episódios de elevadas vendas dos detentores desses títulos, além das vendas a descoberto dos especuladores, atingindo países bastante diferenciados, começando pela Grécia, seguida da Irlanda, Portugal, Es-panha e Itália. Em cada um desses episódios, a desconfiança dos investidores foi acompanhada por rebaixamentos da classificação de risco de crédito desses paí-ses, realimentando-a. Surgiu o acrônimo pejorativo de PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) para designar esse conjunto de países, posteriormente substituído por GIIPS, politicamente mais correto.

Gráfico 1. rendimento dos bônus Governamentais de 10 anos (% a.a.) – jan./2007 a dez./2012

3

7

11

15

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França Alemanha Italia Espanha Portugal Reino Unido Grécia (eixo da direita)

Fonte: Bloomberg.

No que concerne o segundo país a ser atingido, a Irlanda, a deterioração da situação fiscal estava diretamente ligada à crise financeira: custo fiscal das opera-ções de resgate dos bancos, perdas de receitas causadas pela recessão e renúncias fiscais discricionárias adotadas para estimular a atividade econômica. A origem desses custos está relacionada às mesmas razões que tinham transformado a Irlan-da num exemplo de sucesso: a opção pela inserção internacional baseada em forte

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redução de impostos, para atrair investimentos, e a acentuada financeirização da economia, que levaram os ativos dos bancos irlandeses à marca de 913% do PIB, em 2009. Na sequência, Portugal, Espanha e Itália entraram na mira dos investi-dores, por motivos diferenciados, existentes antes da crise, mas mascarados pelo alto volume de crédito que recebiam do norte europeu. A crise provocou forte contração desses créditos6.

Já no período inicial da terceira fase da crise, marcado pelas dificuldades de financiamento público da Grécia, as políticas macroeconômicas contracíclicas fo-ram abandonadas pelos países europeus, que definiram como prioritária a volta ao equilíbrio fiscal, com base no diagnóstico de que a Europa padecia de um excesso de gastos públicos. Tal prioridade não ficou confinada aos países da zona do euro na linha de mira dos mercados, que tiveram de aceitar drásticas medidas fiscais para poder ter acesso aos recursos do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (European Financial Stability Facility, EFSF), descrito adiante. Ela se estendeu a outros países não visados pelos mercados, como a Alemanha e a França, bem como a países que, embora pertencentes à Comunidade Europeia, não aderiram à moeda única, como a Inglaterra e a Hungria. Muitos desses já resvalaram para uma segunda recessão, como mostra o Gráfico 2.

Gráfico 2. evolução do Pib dos Países euroPeus: alemanha, frança, inGlaterra, GiiPs.

variação anual (%), em relação ao ano anterior

0,3

-1,0

1,1

-0,1

-1,1

0,9

2,6

1,1

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-3,1

-5,5

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1,7 1,7

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3,1

1,7

0,4 0,4

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-6,4

-0,6

0,3 0,70,0

-2,4

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-8,0

-6,0

-4,0

-2,0

0,0

2,0

4,0

6,0

Zona do Euro Reino Unido Alemanha França Itália Espanha Portugal Grécia

2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: Bloomberg e OCDE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

6. Com a livre movimentação de capitais instituída pelo Tratado de Maastricht, os países menos desenvolvidos da zona do euro tinham consideráveis déficits em transações correntes, financiados com crescente endividamento bancário externo, tanto público como privado, bem como fluxos de investimento estrangeiro de portfólio, originários dos países membros superavitários que alimentaram espirais ascendentes de preços de ativos, dando origem a bolhas imobiliárias, tais como as da Irlanda, Espanha, Holanda e Grécia (FREITAS, 2009).

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Reconhecendo os efeitos perversos da contração fiscal num período de crise, o Fundo Monetário Internacional passou a apontar, em outubro de 2012 – após décadas preconizando ajustes baseados na austeridade fiscal –, que, na situação presente, o multiplicador fiscal (indicador que mede o impacto da política fiscal na atividade econômica) é bem mais elevado do que as projeções anteriores. Dessa forma, as políticas de contração fiscal provocam quedas muito mais acentuadas que as previstas na atividade econômica e acabam deteriorando ainda mais a situ-ação das contas públicas, tradicionalmente medidas como proporção do PIB, ao acarretar recessão econômica e queda das receitas. Essa mudança de abordagem do organismo internacional não foi suficiente, entretanto, para provocar uma mudança nos rumos das políticas macroeconômicas na Europa.

Essa fase da crise na Europa tem sido descrita como um trem desgovernado, filmado em câmara lenta, que, em várias ocasiões, se aproximou do abismo e que tem, logo adiante, uma descida extremamente íngreme, que pode acelerá-lo. A ame-aça de uma nova crise bancária e de forte restrição do crédito constitui esse declive acentuado que pode provocar um descarrilamento, ou seja, ameaçar a própria so-brevivência do euro. Essa perigosa trajetória poderia ter sido precocemente inter-rompida, e com menor custo, se o centro de decisões tivesse adotado medidas fortes ao invés de, simplesmente, procurar ganhar tempo e adiar a solução. Tais medidas fortes implicavam a afirmação da solidariedade dos países da UME7, por meio do lançamento de títulos europeus (eurobonds) e de compras pelo Banco Central Euro-peu dos títulos públicos dos países atingidos pela desconfiança dos mercados.

Pelo contrário, Carvalho (2012) aponta que, nos momentos iniciais, o volume de recursos necessários ao resgate da dívida grega pareceu excessivo para o governo alemão de Angela Merkel, que contava com o forte apoio do então presidente da França, Nicholas Sarkozy – numa aliança que recebeu o nome de “Merkozy”. Quando essa aliança deixou claro que não tinha intenção de socorrer os membros mais necessitados da União Econômica e Monetária Europeia, os investidores passaram a vender enormes quantidades de títulos dos países mais endividados, e seus preços desabaram, elevando o custo de rolagem de suas dívidas para patama-res insustentáveis. Nesse período, a situação grega foi enormemente agravada por reiteradas declarações públicas de Angela Merkel e Nicholas Sarkozy, recusando-se a prestar-lhe socorro e considerando inclusive a possibilidade de um default, caso não fosse adotada uma restrição fiscal draconiana.

7. Jim O’Neill, presidente da Goldman Sachs Asset Management, afirmou em 2012, à Reuters, que se “An-gela Merkel e seus colegas estivessem junto com o resto da área do euro [...] e se comportassem como uma verdadeira união, essa crise seria concluída [naquele] fim de semana” (apud PETTIS, 2012).

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Tais declarações públicas tinham por objetivo não desagradar aos eleitores que se posicionavam claramente contrários a novas despesas fiscais de socorro financeiro, seja para bancos, seja para outros países. Contudo, elas só pioraram as expectativas e suscitaram reações imediatas dos agentes de mercado, levando a um forte aumento da percepção de riscos e a uma acentuada elevação das taxas de juros demandadas pelos investidores para financiar a Grécia, em um episó-dio semelhante aos suddenstops de fluxos de capitais que atingiram as economias emergentes na década de 1990.

A União Econômica e Monetária Europeia (UME) só passou a afirmar seu compromisso com uma resolução da crise quando a situação se agravou a ponto de a sobrevivência da moeda única ser posta em questão pelos mercados e por economistas, como o ex-presidente do Federal Reserve, Paul Volcker (CLARK, 2010). Em maio de 2010, vários meses após o início dessa fase da crise, a UME decidiu criar um fundo temporário de resgate de € 700 bilhões, o EFSF, desti-nado a socorrer tanto a Grécia como outras economias europeias também con-sideradas frágeis. Esses auxílios foram condicionados à adoção de medidas de fortíssima contração fiscal, levando essas economias a uma nova recessão, o que impossibilitava a redução de seus endividamentos, em função da queda do PIB e das receitas fiscais. O EFSF passou a ser o emprestador de última instância da economia europeia, com um volume de recursos previamente delimitado e con-siderado insuficiente caso fosse necessário socorrer a Espanha ou a Itália, numa clara demonstração da fragilidade da arquitetura da moeda única europeia.

As falhas da concepção da moeda única europeia foram denunciadas, de há muito, pelos chamados eurocéticos8. Mas elas foram amplamente ignoradas pelos agentes de mercado, que elevaram o euro à condição de segunda moeda reserva internacional, sobretudo em função do fato de sua introdução resultar num am-plo espaço financeiro integrado, com livre circulação de capitais e elevado PIB.

A UME resulta da decisão de diversos países de utilizar uma mesma moeda, o euro, e de respeitar regras especificadas no Tratado de Maastricht, ratificado em fevereiro de 19929. Ela foi uma experiência histórica extremamente ambi-ciosa, dados não só o número de países envolvidos no processo, mas também os desequilíbrios estruturais e as diferenças de grau de desenvolvimento entre esses países.

8. Ver, por exemplo, Arestis e Sawyer (2001).9. Até 2002, o euro foi utilizado nos mercados financeiros e, gradualmente, como numerário para pagamen-

tos: cheque, cartão de crédito, transferência bancária ou débito direto. A moeda entrou em circulação a partir de 1º de janeiro de 2002, nos 12 países da zona do euro.

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Antes da introdução do euro, as divergências macroeconômicas eram contraba-lançadas pela taxa de câmbio: países mais competitivos tinham moedas mais fortes que os países menos competitivos. A intenção ao se criar o euro era promover a convergência das economias da União Econômica e Monetária Europeia, além de estreitar as relações entre os países membros e intensificar o comércio intracomu-nitário, pela abolição das flutuações cambiais. Na prática, 20 anos após o Tratado, longe de ocorrer a esperada convergência, registrou-se forte agravamento das di-vergências macroeconômicas. Caminhos opostos de produtividade, custos salariais, produção industrial, taxa de inflação, balança comercial, dívida pública, taxa de crescimento econômico, dentre outros aspectos, já existiam no momento da criação do euro e acentuaram-se significativamente ao longo do tempo, em particular após 2008. As disparidades resultaram na acumulação de desequilíbrios que beneficia-ram (e continuam beneficiando) os países mais desenvolvidos do norte da Europa, em particular a Alemanha, em detrimento dos países do sul, menos desenvolvidos.

Numa união monetária e aduaneira, o aumento do superávit da Alemanha sig-nificava déficit para os outros países. Desde a introdução do euro, a indústria alemã mais do que duplicou as suas exportações (que no início dos anos 1990 represen-taram 20% do seu PIB, chegando a 46% em 2010). Entre 1998 e 2006, os custos trabalhistas na Alemanha caíram em termos reais, enquanto os salários aumentaram no resto da região: 15% na França e entre 25% e 35% na Espanha, Portugal, Grécia e Itália. Antes do agravamento da crise na zona do euro, a maior parte dos países de sua periferia, com déficits comerciais, passaram a acumular, além de déficits em transações correntes (Tabela 1), déficits da conta financeira e de capitais.

tabela 1. saldos em conta corrente: seleção de Países em % do Pib – 2007 a 2012

Países 2007 2008 2009 2010 2011 2012

França -1,0 -1,9 -2,1 -2,2 -2,6 -2,6

Alemanha 7,5 6,3 5,6 5,6 5,5 6,0

Grécia -14,4 -14,7 -11,0 -10,4 -8,6 -7,2

Irlanda -5,3 -5,6 -3,0 -0,7 3,7 5,3

Itália -2,4 -2,9 -2,1 -3,5 -4,1 -3,6

Portugal -10,1 -12,6 -10,2 -9,7 -7,8 -5,5

Espanha -10,0 -9,6 -5,2 -4,5 -2,9 -2,3

Estados Unidos -5,1 -4,7 -2,7 -3,2 -3,7 -4,0

Área do Euro 0,2 -0,7 0,0 0,2 0,3 0,8

Total OCDE -1,3 -1,5 -0,5 -0,6 -0,7 -0,7

Fonte: OCDE. Nota: Os valores para 2012 são estimativas.

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Dentre as regras do Tratado de Maastricht e dos acordos que o antecederam (Tratado de Amsterdã, 1997, e Ato Único Europeu, 198610), incluem-se limites às dívidas e aos déficits públicos, bem como a obrigação de respeitar a total liber-dade de circulação de capitais. Enquanto essa última tem sido escrupulosamente seguida, os tetos permitidos para dívidas e déficits públicos passaram a ser desres-peitados desde 2001/2002, quando a Alemanha e a França os ultrapassaram, sem que as sanções previstas fossem aplicadas. Segundo Freitas (2009), “ao invés de a União Monetária ser complementada pela união fiscal e a formulação de uma po-lítica econômica coordenada e comum, com transferências fiscais entre os países membros em caso de necessidade, ocorreu afrouxamento das regras do Tratado”.

Um dos pilares institucionais fundamentais da União Econômica e Monetária Europeia é o Banco Central Europeu (BCE), criado em 1º de junho de 1998. Ele é a única instituição verdadeiramente federativa – numa região monetária fiscal-mente não federada – criada em função da introdução da moeda única europeia, e goza de personalidade jurídica e de total independência em relação às instituições nacionais e europeias. O BCE define a política monetária da União por meio do manejo de uma taxa básica de juros comum a todos os países da área do euro. As-sim, por conta da união monetária, os bancos centrais nacionais dos estados mem-bros que aderiram à moeda única perderam a atribuição de formular e executar a política monetária, função exclusiva do Conselho do BCE11, além de perderem a capacidade de emitir moeda e executar a política cambial. Contudo, esses ban-cos centrais mantiveram a supervisão e regulamentação de sua própria estrutura financeira nacional. “Essencialmente, o euro é uma moeda estrangeira para todos os países da zona do euro. Ele impõe taxas de câmbio rígidas, independentemente da condição desses países e de suas realidades subjacentes, e priva-os de autonomia monetária. Nesse sentido, as funções do euro se assemelham muito ao papel do dólar para a Argentina entre 1991 e 2001, quando a taxa de câmbio foi fixada, pela própria Constituição, em um peso por dólar” (AGLIETTA, 2012).

O quadro institucional definido para o BCE pelo Tratado de Maastricht con-sagrou a estabilidade dos preços como objetivo primordial e único dessa institui-ção, por exigência da Alemanha. Sua missão consiste em manter a estabilidade

10. Esses tratados estão disponíveis em: http://europa.eu/about-eu/basic-information/decision-making/tre-aties/index_pt.htm

11. O Conselho Executivo do BCE é composto de presidente, vice-presidente e quatro outros membros. To-dos são designados, por maioria qualificada, pelo Conselho Europeu, constituído pelos chefes de Estado ou de governo dos países membros, juntamente com o presidente da Comissão Europeia e do presidente do Conselho Europeu.

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dos preços, subordinando todas as suas demais atribuições a esse objetivo. Em consequência, contrariamente ao que ocorre em outros bancos centrais de países desenvolvidos, o BCE não é explicitamente designado como emprestador de úl-tima instância. Até o início da terceira fase da crise, os investidores acreditavam que estava implícito que a autoridade monetária da UME agiria como tal, se fosse necessário, e, por isso, assumiram imensas posições em ativos denominados em euro. O pânico desencadeou-se quando se deram conta de que essa expectativa estava longe de corresponder à atuação do BCE.

Estava em marcha o processo de contágio que se estendeu da Grécia à Irlanda e à Portugal e, no primeiro semestre de 2012, passou a ameaçar a Espanha e a Itália. O canal condutor desse contágio foi o mercado de títulos públicos, com os investidores vendendo imensos volumes desses títulos ou só aceitando comprá-los a preços cada vez mais baixos, implicando juros cada vez mais elevados e insusten-táveis. A desvalorização dos títulos das dívidas desses países causou estragos imen-sos nos balanços dos bancos europeus que tinham acumulado elevadas posições em razão do diferencial de juros em relação à taxa básica, que, nos bons tempos, era considerado atraente. Com efeito, após a introdução da moeda única e a con-sequente eliminação do risco cambial, os governos dos países membros passaram a se endividar, em euros, junto a bancos europeus e, em menor medida, a bancos americanos e japoneses.

O corte dos gastos públicos e o aumento dos impostos, em um período de fraco crescimento, tendem a reduzir a demanda interna, levando a uma menor arrecadação e a um aumento de empréstimos problemáticos. Devido a uma reces-são pior do que a antecipada e ao fato de a Grécia ter encontrado dificuldade para privatizar ativos públicos, houve a necessidade, em 2011 (um ano após o primeiro resgate), de se oferecer ao país mais tempo e dinheiro, na tentativa de restaurar a economia. Em outubro de 2011, os líderes da zona do euro concordaram em conceder um segundo empréstimo de € 130 bilhões à Grécia, condicionado não apenas à implementação de um novo pacote de austeridade (combinado com as exigências constantes de privatização e reformas estruturais delineadas no pri-meiro programa), mas também à concordância de todos os credores privados do governo grego em assinar um acordo pelo qual aceitavam menores taxas de juros e uma perda de 53,5% no valor de face dos títulos que detinham (o que represen-tava uma perda de aproximadamente 60%). Ressalta-se que os credores públicos (essencialmente o BCE e o FMI, além dos bancos centrais nacionais dos países da zona do euro, na posse de pequenos montantes) não foram atingidos por essa reestruturação da dívida grega.

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De acordo com o plano de resgate, o desconto do valor da dívida pública grega detida por credores privados12 reduziria o peso da dívida pública total em cerca de € 110 bilhões no principal, e resultaria no pagamento de juros mais baixos nos anos seguintes. Segundo o programa, essa reestruturação, combinada com a consolidação do orçamento público e com uma significativa entrada de recursos no programa de privatização, seria suficiente para produzir o declínio da dívida para um nível mais sustentável, 120,5% do PIB, em 2020.

A reestruturação maciça de dívidas soberanas tem o imenso potencial de pro-vocar nova crise bancária. Nesse período, existiu o risco concreto de uma crise pública transformar-se em nova crise privada. Os principais fatores foram a pre-sença, em elevados volumes, de títulos soberanos dos países do GIIPS nos ativos dos grandes bancos europeus – inclusive porque esses títulos ainda são conside-rados, pelos reguladores, como ativos sem risco13 –, assim como o fato de que, temerosos de uma saída de seus países do euro, depositantes dos países sob ataque começaram a transferir parte de seus recursos para bancos nos EUA, na Alemanha e na Suíça. Tal risco só se concretizou, todavia, a partir de meados de 2012, na pequena ilha de Chipre. Esse tema será analisado na segunda seção.

O caso grego mostrou que a prescrição europeia de política macroeconômica contracionista, associada a empréstimos a custos relativamente elevados, conse-guiu apenas adiar a solução do problema. Esse adiamento pôde ser instrumental para os grandes bancos europeus, em particular alemães e franceses, que carrega-vam elevados volumes de títulos públicos de países da periferia da zona do euro. Ganhar tempo lhes permitiu capitalizarem-se para melhor lidar com a questão.

Outro risco decorrente do agravamento da crise europeia foram as repercus-sões do descontentamento popular em diversos países, que estariam chegando a um ponto crítico, seja por meio de manifestações populares nem sempre pacífi-cas, seja por meio do voto. Mas o aspecto mais importante foi o fato de ter-se tornado evidente que os governos nacionais da zona do euro estavam fragilizados, em todos os sentidos possíveis, não havendo dúvida de que vários não teriam recursos para voltar, eventualmente, a socorrer seus bancos.

Há anos, políticos e investidores vinham se perguntando o que acontece-ria se um país de grande porte da zona do euro, como Espanha ou Itália, não

12. Segundo os cálculos da UME, essa parcela da dívida, em mãos de credores privados, representava 58% da dívida pública total grega.

13. Os stress tests realizados pelo BCE nos principais bancos dos países membros da União Econômica e Monetária Europeia, para medir sua resiliência em caso de choque adverso, não incluíram, em seus parâ-metros, a desvalorização ou a possibilidade de default nos títulos públicos mantidos em carteira.

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conseguisse tomar empréstimos em grandes quantidades, já que os mecanismos de resgate europeus seriam absolutamente insuficientes para fazer frente a essa situação. No primeiro semestre de 2012, essa temida ocorrência se fez presente, levantando ameaças concretas sobre a capacidade de refinanciamento das dívidas desses países.

A situação foi-se agravando ao longo do semestre. As taxas de juros demanda-das pelos investidores para os títulos da Espanha e, em menor medida, da Itália elevaram-se para níveis superiores a 7% ao ano, considerados insustentáveis nos casos da Grécia, Irlanda e Portugal (Gráfico 1). Na Espanha, a situação foi agra-vada, no plano fiscal, pelas dificuldades financeiras das regiões – relativamente autônomas em relação ao governo central – e por uma crise bancária em função do estouro da bolha imobiliária (PLIHON; REY, 2011). Essa conjunção levou a uma acentuada fuga de capitais do país, piorando ainda mais a situação dos ban-cos. Todavia, o governo espanhol, que adotou medidas impopulares de redução de gastos e aumento dos impostos, vem resistindo a formalizar um pedido de resgate, temeroso da imposição de medidas de ajuste fiscal ainda mais drásticas.

As percepções sobre as perspectivas da zona do euro e sobre a moeda em si tornaram-se cada vez mais negativas, levando tanto o BCE como o Fed a decidi-rem adotar novos e ousados programas de afrouxamento monetário. Em 26 de julho de 2012, o presidente do BCE, Mario Draghi, anunciou que o conselho de diretores do BCE decidira, de forma unânime, “fazer tudo o que fosse necessário para preservar a zona do euro”. A proposta do BCE, centrada na compra de títu-los públicos dos países sob suspeita dos mercados, foi rapidamente alcunhada pela imprensa especializada de “grande bazooka”. Procurando justificar essa nova abor-dagem do ponto de vista da ortodoxia econômica, Mario Draghi declarou que “na medida em que o tamanho do spread soberano dificulta o funcionamento do canal de transmissão da política monetária, ele se enquadra no nosso mandato”. Ao afirmar “acreditem em mim, temos meios suficientes para isso”, o presidente do BCE também advertiu que era “inútil especular contra o euro”, porque é uma moeda “irreversível”.

As reações dos mercados financeiros às declarações de Draghi foram de ex-tremo alívio, desencadeando forte alta nas bolsas de valores e, mais importante, queda nas taxas de juros dos títulos públicos espanhóis e italianos, que vêm per-durando até o primeiro trimestre de 2013. A duração relativamente prolongada de tais reações reforça a interpretação de que a emissão monetária para financiar as dívidas públicas e/ou para assegurar o reembolso dos títulos emitidos pelos devedores soberanos está na base da confiança dos investidores.

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A principal oposição a esse movimento do BCE veio do banco central alemão, cujo presidente, Jens Weidmann, apontou o perigo de o “financiamento do BCE transformar-se num vício, comparável às drogas” (REIERMANN; SAUGA; SEI-TH, 2012). O ministro das finanças alemão, Wolfgang Schaeuble, também ata-cou o BCE, afirmando que a “política monetária não pode resolver os problemas fiscais” e que “falsos incentivos” devem ser evitados na crise do euro. Ademais, Schaeuble sugeriu que a União Europeia poderia se tornar “irrelevante” se não conseguisse se unir (KOUKOULAS, 2012).

Dois meses depois, a adoção, pelo Fed, do programa que tem sido chamado de quantitative easing 3 (QE3) – ou quantitative infinity, visto não ter horizonte temporal definido para acabar – reforçou ainda mais o otimismo dos mercados financeiros. Em nome do mandato dual da autoridade monetária americana de perseguir o crescimento econômico e a estabilidade de preços, as compras mensais de US$ 40 bilhões de títulos lastreados em hipotecas e de US$ 45 bilhões de títu-los públicos de longo prazo se estenderão, caso “o nível de desemprego não ceda significativamente” e a taxa de inflação mantenha-se abaixo de 2,5%.

Declaradamente, o Fed tinha como objetivo inicial provocar a valorização dos ativos, o que foi plenamente alcançado: os preços dos mais variados ativos su-biram, em particular as bolsas de valores14. De acordo com a declaração de Ben Bernanke, ao anunciar o QE3: “uma das principais preocupações das empresas é que não há demanda suficiente. Se as pessoas sentem que a sua situação financeira está melhor porque seus (ativos) se valorizam, elas estão mais dispostas a sair e gastar, o que vai prover a demanda que as empresas precisam, a fim de estarem dispostas a contratar e a investir” (KESARIOS, 2012)15.

Em dezembro de 2012, eleições gerais no Japão deram uma esmagadora vitó-ria ao Partido Liberal Democrático, de oposição, cuja campanha foi centrada na necessidade de acentuar fortemente o caráter anticíclico das políticas monetária e fiscal. Shinzo Abe, novo primeiro-ministro, declarou que o país adotaria meta de inflação de 2%, em forte contraste com a deflação que vem se arrastando por vários anos, por conta de despesas fiscais e emissão monetária muito mais intensas agora do que anteriormente. Somente após duas décadas de deflação, a combina-

14. Os preços dos imóveis estão indo na mesma direção, puxados pelas residências de alto valor, com a queda das taxas de juros de hipotecas jumbo, o refinanciamento das hipotecas e a redução das execuções. A va-lorização nominal em janeiro de 2013, em cidades como Los Angeles, Las Vegas, San Francisco, Miami, Detroit e Phoenix, por exemplo, foi de mais de 10% no acumulado em 12 meses.

15. Essa descrição corresponde ao chamado canal de riqueza da transmissão da política monetária. Mas para que ele possa ter algum efeito, levando os agentes a elevar seu consumo, porque se sentem mais ricos, é necessário que essa melhora nos preços seja percebida como um ganho permanente, o que ainda está longe de ser o caso.

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ção anticíclica das políticas monetária e fiscal foi adotada. Essa combinação tem sido apelidada de “abenomics” (contração de Abe, sobrenome no novo primeiro-ministro, e economics) e tem suscitado expectativas positivas tanto no próprio Japão quanto entre investidores internacionais. A primeira reunião do Banco do Japão sob nova presidência, em abril de 2013, definiu compras de ativos no valor de US$ 75 bilhões por mês, com uma meta total de US$ 1,4 trilhão. Esse é um montante expressivo, considerando que o Japão tem cerca de um terço do PIB americano. A vitória da oposição levou, em poucos meses, a uma desvalorização de 12% da taxa de câmbio do iene e à alta nos preços das ações, em particular das empresas exportadoras.

A reação dos mercados ao desvalorizar o iene japonês foi mais significativa do que as registradas em relação à taxa de câmbio das moedas dos demais países que adotaram o afrouxamento quantitativo, devido ao fato de que os investidores já consideravam a moeda japonesa muito apreciada. Entretanto, mesmo que seu objetivo primordial seja promover a recuperação econômica, forçoso é reconhecer que essa política monetária tem impacto na taxa de câmbio, promovendo desva-lorizações competitivas, descritas seja como “guerra cambial”, seja como “efeito colateral” do excesso de liquidez.

As três primeiras fases da crise estão claramente delineadas. Contudo, é sem-pre mais difícil periodizar, com precisão, eventos mais recentes. É possível que a declaração de Mario Draghi, em julho de 2012, tenha marcado o início da quarta fase da crise. O otimismo nos mercados financeiros foi acompanhado de sinais relativamente consistentes de melhoria econômica nos EUA e na Ásia; mas, em-bora mesmo sem ataques especulativos, a recessão continuou a se aprofundar nas economias europeias, fruto da política macroeconômica contracionista.

Essa fase pode ser a de uma recuperação econômica mais consistente das eco-nomias avançadas. Entretanto, persistem dúvidas e incertezas que poderão levar abruptamente à sua interrupção, fazendo com que o período atual não seja uma nova fase da crise, mas apenas um intervalo na terceira fase de agravamento das condições macroeconômicas. A situação econômica atual das economias avança-das e as ameaças que pairam sobre ela serão analisadas a seguir.

Nuvens no horizonte da retomada econômica

A partir de meados de 2012, em resposta às políticas monetárias de ampla injeção de liquidez nos mercados, os preços dos ativos das economias avançadas tiveram expressiva valorização. Na Europa, os índices de ações subiram para níveis

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iguais aos verificados antes da crise, e caíram as taxas de juros dos títulos públicos dos GIIPS. No Japão, a depreciação do iene tem elevado os preços das ações. Nos EUA, os índices Dow Jones e Standard & Poors alcançaram patamares recordes (Gráfico 3). Ademais, observou-se uma acentuada redução da percepção de riscos, que, medida pelo índice VIX (Volatility Index), alcançou, no início de janeiro de 2013, seu valor mais baixo desde meados de 2007 (Gráfico 4).

Gráfico 3. índices de bolsas de valores: alemanha, inGlaterra, frança, dow jones e s&P –

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Fonte: Bloomberg.

Gráfico 4. viX (volatility indeX) – jun./2007 a mar./2013

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VIX média (1990 -2013 )

Fonte: Bloomberg.

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Além da evolução dos preços dos ativos, outros sinais macroeconômicos têm apontado na direção de uma retomada econômica. Mas esses sinais estão cen-trados nos EUA (redução gradual, mas persistente, do desemprego e melhora acentuada do setor imobiliário em preços, volume de negócios e início de novas obras, aumento do consumo e das vendas de bens duráveis, boom na produção de gás e óleo de xisto) e na continuidade do crescimento da China e das economias emergentes. Por outro lado, na Europa, inexistem indicações de que a economia da região possa voltar a crescer nos próximos anos. Países como Grécia, Irlanda e Portugal, que perderam acesso aos mercados financeiros e tiveram de aceitar um ajuste fiscal draconiano, ou como a Espanha, com um desemprego projetado em 27% para o final de 2013, continuam mergulhados em profunda recessão, pesan-do sobre o desempenho dos outros membros da comunidade europeia.

Esse cenário está em conformidade com o que o Fundo Monetário Internacio-nal (FMI) vem denominando de “crescimento a três velocidades”, com o primeiro grupo, composto essencialmente de países emergentes, continuando a crescer, com o segundo grupo, formado por EUA e alguns países do norte europeu, em processo de recuperação e com o terceiro grupo, zona do euro e Japão, ainda mer-gulhados na crise. A diferença no início de 2013 é que o segundo grupo parece estar ganhando em velocidade de recuperação.

Os investimentos mostram essa repartição muito desigual nos países da OCDE (Tabela 2). Em dezembro de 2012, os dados revelaram uma queda de

tabela 2. formação bruta de caPital fiXo – variação % sobre o mesmo Período do ano anterior –

2007 a 2012

Países 2007 2008 2009 2010 2011 2012

França 6,2 0,1 -8,8 -1,4 2,9 0,6

Alemanha 5,0 1,0 -11,4 5,2 6,6 2,0

Grécia 5,4 -6,7 -15,2 -15,0 -20,7 -13,4

Irlanda 2,1 -10,4 -28,7 -25,0 -10,6 -2,1

Itália 1,3 -3,8 -11,7 1,7 -1,2 -4,7

Portugal 2,6 -0,3 -8,6 -4,1 -11,4 -10,1

Espanha 4,5 -4,7 -16,6 -6,3 -5,1 -9,3

Inglaterra 8,1 -4,8 -13,4 3,1 -1,2 -0,9

Estados Unidos -1,4 -5,1 -15,2 2,0 3,7 4,4

Área do Euro 4,6 -1,3 -12,0 -0,7 1,5 -1,8

Total OCDE 2,8 -2,2 -12,1 2,4 3,2 2,2

Fonte: OCDE. Nota: Os valores para 2012 são estimativas.

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vendas no varejo, na Europa, de 3,4%, enquanto o desemprego na zona do euro bateu, novamente, recorde em janeiro de 2013, aproximando-se dos 12% – ou seja, 20 milhões de pessoas estão desempregadas. Só na Espanha esse número já ultrapassava os 5 milhões (Gráfico 5).

Gráfico 5. taXa de desemPreGo – Países selecionados (em %)

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Zona do Euro Alemanha Irlanda Grécia Espanha França Itália Portugal Reino Unido EUA

Fonte: Eurostat/Bloomberg. Elaboração: Grupo de Economia Fundap.

A heterogeneidade das trajetórias econômicas, decorrente da divergência das políticas macroeconômicas, constitui um fator que, em si, pode sustar a tênue recuperação da economia mundial e agravar seus desequilíbrios. Essas trajetórias estão, sobretudo, relacionadas à importância e à prioridade dadas à redução do déficit das contas públicas.

Na Europa, no segundo semestre de 2009, as convicções conservadoras volta-ram a se afirmar com força diante da decisão de se realizarem drásticos ajustes fiscais tanto nos países que enfrentam uma crise da dívida soberana (dificuldades para obter financiamentos nos mercados), como naqueles que têm uma situação menos conturbada. Em muitos desses países, os ajustes fiscais têm sido tão severos que resultaram em fortes quedas da atividade econômica e do nível de emprego.

Nos EUA, em contraste, a memória da experiência vivenciada nos anos 1930 favoreceu o diagnóstico segundo o qual continua prematuro o abandono de po-líticas anticíclicas. Decidiu-se, então, manter e até mesmo reforçar essas políticas enquanto pairassem ameaças de deflação e de taxas elevadas de desemprego. Con-tudo, diante da dificuldade de aprovar novos pacotes fiscais no Congresso, essa tarefa ficou essencialmente restrita à autoridade monetária, que lançou mão de políticas não tradicionais denominadas de “afrouxamento quantitativo”.

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Longe de constituir um consenso, o ressurgimento das ideias conservadoras nas economias avançadas acentuou as divergências em suas políticas macroeco-nômicas, no “pós-crise”. Essas divergências vêm condicionando a evolução da economia mundial e, eventualmente, podem agravar seus desequilíbrios, con-tribuindo, por meio de diversos fatores, para a elevação do nível de incertezas. Esses fatores são tanto de ordem político-ideológica como de ordem econômica. Divergências políticas são normais em países democráticos, mas sua intensidade é, em grande parte, reflexo da situação econômica presente e constitui um fator condicionante dos rumos futuros da economia. No contexto atual, a intensidade de tais divergências é muito maior uma vez que, nos países submetidos a políticas macroeconômicas recessivas continuadas, o custo político e social é imenso, le-vando à intensificação do descontentamento popular, que tem se expressado nas ruas e nas urnas.

As eleições tornaram-se momentos tensos, em que se confrontam adversários e partidários da austeridade fiscal e, em diversos casos, da permanência na zona do euro, suscitando públicas pressões dos principais países da união monetária em prol de um “voto correto”. As eleições gerais na Itália, em meados de feve-reiro de 2013, foram emblemáticas dessa situação. Três partidos obtiveram, cada um, cerca de 25% dos votos: o de centro-esquerda, com ligeira maioria; o do ex-primeiro-ministro, Silvio Berlusconi; e uma nova aglomeração política chamada “Cinco Estrelas”, liderada pelo comediante Bepe Grillo, que concentrou o voto de protesto. A chapa de Mario Monti, preferida dos líderes alemães, alcançou apenas 10% dos votos. Esses resultados impediram, até o final de março, a cons-tituição de um novo governo. O empate nas eleições da Itália (terceira maior economia do euro, atrás de Alemanha e França, e a terceira maior dívida pública do mundo, atrás apenas dos EUA e do Japão) aumentou a incerteza e provocou fortes reações dos mercados financeiros, com alta dos juros dos títulos da sua dívida pública.

Ainda no plano político, é voz corrente, entre os analistas, que as duras exigên-cias do governo alemão e as ameaças públicas de quebra de países da zona do euro, se não as aceitarem, estão claramente ligadas às eleições gerais de setembro de 2013 na Alemanha. Elas decorrem da percepção de que o eleitorado germânico não é favorável ao aumento dos auxílios alemães a outros países da união mone-tária. Em outros países, como a França, sentimentos de xenofobia se afirmam a ponto de poderem vir a ter maior expressão nas próximas eleições.

Já nos EUA, continua aberto o confronto entre os partidos republicano e de-mocrata, mesmo após a vitória democrata nas eleições presidenciais em 2012. Esse

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confronto tem resultado em ajustes fiscais, que até o momento são menos intensos do que na Europa. Com efeito, no final de 2012, o governo democrata e a maioria republicana na Câmara dos Representantes chegaram a um acordo mínimo para enfrentar o chamado “abismo fiscal” (fiscal cliff), resultante do acordo feito, em 2011, para obter a permissão do Congresso para elevar a dívida pública americana. Esse acordo aumentou as alíquotas de imposto para as famílias com renda anual superior a US$ 450 mil, mas apenas adiou, por dois meses, boa parte dos cortes de gastos, previstos. Entre aumentos de impostos e cortes de gastos, esse acordo deve retirar da economia um valor estimado em US$ 646 bilhões.

A questão voltou à baila em fevereiro de 2013, junto com as negociações para aprovar novo aumento do teto da dívida pública, com o partido republicano exi-gindo cortes, em particular nos benefícios sociais (entitlements). Diante da falta de acordo, cortes de US$ 1,2 trilhão em dez anos (denominados “sequestro”) foram implantados em março. Em decorrência, a política fiscal americana, que já era contracionista desde 2012, deve tornar-se mais rigorosa em 2013, com impactos negativos no crescimento econômico. Apesar disso, a política macroe-conômica dos EUA diferencia-se da europeia, tanto em função de sua contração fiscal ser menos exacerbada que no velho continente, como pela atuação muito mais decidida e ampla do Fed, enquanto o BCE tem, até o momento, se limitado a promessas, como será detalhado adiante. Mas, com isso, mesmo nos EUA, a política monetária ficou ainda mais isolada em sua função anticíclica, o que limita seu impacto.

A questão fiscal continua em evidência, devido à discussão sobre o orçamento de 2014 (referente ao ano fiscal que vai de outubro de 2013 a setembro de 2014). Os legisladores, finalmente, conseguiram aprovar, dias antes do recesso da Páscoa, um projeto de lei que acabou com a ameaça de paralisação dos gastos do governo, que se tornaria parcialmente efetiva a partir de 27 de março de 2013. Essa acentu-ada polarização política tem resultado em uma legislatura disfuncional que pode representar novos empecilhos à recuperação econômica, com os agentes adiando decisões de investimentos e de contratação de pessoal.

Às incertezas políticas somam-se incertezas de ordem jurídica, como demons-tra o recente caso de Portugal. O Supremo Tribunal do país considerou inconsti-tucionais medidas de contração fiscal, no valor de € 1,3 bilhão, previstas no acor-do de resgate firmado com a troika, nome dado ao colegiado que reúne Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e União Econô-mica e Monetária Europeia (UME), que tem se encarregado das negociações dos auxílios aos países em dificuldades da zona do euro. Em função dessa decisão, o

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primeiro-ministro Pedro Passos Coelho foi obrigado a encontrar novos cortes de gastos para apaziguar os credores e obter a extensão dos prazos de vencimento dos empréstimos anteriormente concedidos. Sem essa extensão, o socorro da troika terminaria em julho de 2014.

Outros fatores de ordem econômica também vêm contribuindo para elevar as dúvidas sobre a situação das economias avançadas. Em primeiro lugar, incertezas se concentram na atuação dos bancos centrais. Nos EUA, a “estratégia de saída” do Fed, quando as condições econômicas estiverem reunidas para encerrar a política monetária de afrouxamento quantitativo, ainda não está claramente delineada e vem provocando viva polêmica. Na Europa, destaca-se o fato de que o plano Dra-ghi, que permitiu que as condições monetárias se estabilizassem, ainda não foi posto à prova. Com efeito, após a reunião do comitê diretor do BCE16, em 6 de setembro de 2012, Mario Draghi detalhou as medidas que acabaram sendo oficialmente ado-tadas – com um voto contrário, presumidamente da Alemanha –, que receberam o nome de Outright Monetary Transactions (OMT, ou transações monetárias diretas). O programa, desenhado para ser executado no mercado secundário, compreende a compra de títulos de até três anos dos países que pedirem resgate e aceitarem as condições impostas para lidar com distorções do mercado de títulos e temores “in-fundados” de investidores sobre a sobrevivência do euro. O reembolso dos títulos que forem adquiridos pelo BCE não terá prioridade (senioridade), equiparando-os aos que estão nas carteiras privadas. Lançado em outubro de 2012, após o voto favorável da corte constitucional alemã, o mecanismo permanente de resgate euro-peu (European Stability Mechanism, ESM), essencialmente destinado ao resgate de bancos, também deverá participar dessas compras. Chegou-se a estudar a possibili-dade de conceder a esse fundo uma licença bancária que permitiria alavancar seus recursos, mas tal solução foi, por enquanto, descartada.

Ademais, o presidente do BCE anunciou que as compras de títulos serão teo-ricamente ilimitadas. Uma disposição a esse tipo de atuação – se for crível – pode acabar significando uma menor necessidade de dinheiro novo, devido aos temores do mercado de enfrentá-la, ao contrário de intervenções limitadas que costumam ser testadas ao longo de certo tempo. Essa estratégia pode ser comparada à acu-mulação de um arsenal nuclear com a finalidade de dissuadir, e não com a de desencadear uma ação de extermínio. Entretanto, existe uma contradição entre esse aspecto do programa e o anúncio de que as compras serão “esterilizadas”, re-tirando a mesma quantidade de moeda emitida para essas compras de títulos “de

16. O BCE é a única instituição europeia em que as decisões não precisam ser tomadas por unanimidade.

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outro lugar no sistema financeiro europeu”. Donde a constatação de que existe um limite implícito para essas compras, dado pelo atual balanço do BCE. Na prá-tica, isso significa que o BCE deverá reduzir os empréstimos aos bancos feitos no Long-term Refinancing Operations (LTRO)17, de forma a não emitir mais dinheiro novo. Para alguns analistas, a esterilização é principalmente destinada a aplacar as críticas feitas pelo banco central alemão.

Assim, as compras no mercado secundário de títulos de curto prazo de países da zona do euro estão sujeitas à condicionalidade prévia da realização de um acordo e de tomada de empréstimos do FMI e da comunidade europeia. Ou seja, só haverá liquidez ilimitada se os países se submeterem previamente aos mandos do FMI e da comissão europeia. Em decorrência de seu anúncio, até o final de 2012 os juros dos GIIPS – em particular da Espanha e da Itália – tinham caído de forma consistente. Persistindo tal reação, os mercados continuariam a comprar esses títulos e tornariam, no limite, desnecessários tanto a intervenção do BCE quanto os pedidos de resgate. Mas, no primeiro semestre de 2013, o tumultuoso resgate de Chipre e os resultados das eleições na Itália levantaram dúvidas quanto à real disposição, ou, mesmo, à possibilidade de o BCE fazer “tudo o que fosse necessário” para salvar o euro.

A crise de Chipre: cenas do próximo capítulo

O caso de Chipre é emblemático das estreitas e, por vezes, tortuosas ligações entre política e economia. A república cipriota localiza-se numa pequena ilha mediterrânea dividida em duas partes: uma de população majoritariamente de origem grega e outra turca. A divisão ocorreu em 1974, após uma tentativa de golpe de Estado pelos cipriotas gregos nacionalistas e elementos da junta militar grega, com o objetivo de unir a ilha à Grécia, o que impeliu a Turquia a invadir a

17. Em dezembro de 2011, a autoridade monetária europeia lançou mão das chamadas “operações de refinancia-mento de longo prazo” (Long-term Refinancing Operations, LTRO), por meio das quais emprestou dinheiro aos bancos, com taxas de juros de 1% ao ano por um prazo de até três anos. A primeira rodada foi realizada em 21 de dezembro de 2011, quando 523 bancos tomaram € 489 bilhões; a segunda, em 28 de fevereiro de 2012, com empréstimos de € 529 bilhões a 800 bancos. Com essas operações, os ativos no balanço do BCE registraram significativo aumento – atingindo € 3 trilhões – e ultrapassaram os do balanço do Fed (US$ 2,9 trilhões). Por meio deles, vários países em dificuldades ressuscitaram o mecanismo de financiamento de suas dívidas, vigente antes da ruptura dos acordos de Bretton Woods, mediante empréstimos bancários ou da compra de seus títulos pelos bancos nacionais. Com recursos emprestados pelo Banco Central Europeu (BCE), os bancos, inclusive os que estão com balanços fragilizados, adquiriram esses títulos, aceitos como garantia pela autoridade mone-tária. Os Estados dos GIIPS passaram a depender dos empréstimos bancários, para mantê-los funcionando, num momento em que os investidores privados não tinham certeza sobre a sua solvência.

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parte norte da ilha. A Grécia reagiu, garantindo a soberania do Chipre e reforçan-do sua aliança com a ilha. Mas após o cessar-fogo, forças turcas permaneceram no país, o que resultou na divisão da ilha. A área controlada pelos turcos, intitulada República Turca de Chipre do Norte, cobre 36% da ilha e só é reconhecida pela Turquia.

Chipre aderiu à União Europeia em 2004 e à zona do euro em janeiro de 2008. A economia cipriota é classificada pelo Banco Mundial como de alta renda, mas o país tem um peso muito pequeno na UME: representa apenas 0,2% do PIB dos países que aderiram ao euro. Há mais de três décadas, bem antes de sua adesão ao euro, a estrutura econômica do país era baseada, além do turismo, em suas atividades de paraíso fiscal: baixos impostos, acordos bilaterais contra a bitri-butação e forte segredo bancário. Nos anos que se seguiram à perestroika, Chipre ganhou grande popularidade como uma ponte de negócios e investimentos entre, de um lado, a Europa ocidental e, de outro, a Rússia, a Europa Central e a Orien-tal. Muitas grandes empresas estabeleceram sua sede na ilha para conduzir seus negócios internacionais.

Os ativos do setor bancário de Chipre eram, em 2009, equivalentes a 869% do PIB. Por imensa que seja essa cifra, ela não é a mais elevada da zona do euro. Como mostra o Gráfico 6, os ativos do setor bancário de Luxemburgo equivalem a mais de 20 vezes seu PIB, os da Irlanda, a 913%, enquanto os da ilha de Malta são bastante próximos aos de Chipre. Esses quatro países têm um importante traço em comum: optaram por uma tributação muito baixa para ativos financei-

Gráfico 6. tamanho relativo do setor bancário em 2009: ativos bancários em % do Pib

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Fonte: BCE e OCDE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

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ros, incluindo até, em alguns casos, isenção total para não residentes. Quanto à Inglaterra, quinta colocada no ranking, sua situação como uma das mais impor-tantes praças financeiras do mundo foi reforçada, a partir de 1986, pelo big bang, caracterizado por uma desregulamentação bem mais acentuada do que a aplicada em Nova York, por exemplo.

Diversos bancos cipriotas investiram parte substancial desses recursos em títu-los gregos ou no financiamento de empresas gregas. Causa espanto o fato que, em junho de 2011, um “teste de estresse” aplicado pelo BCE aos bancos da UE tenha aprovado os bancos cipriotas, embora sua exposição à Grécia já fosse amplamente conhecida por todos. É por essa razão que, em entrevista à revista The Economist, Athanasios Orphanides, presidente do Banco Central de Chipre (BCC) de 2007 a 2012, declarou que o pedido de resgate deveria ter sido feito no primeiro semestre de 2011, quando a situação dos bancos ainda não estava amplamente deteriorada (WHAT HAPPENED..., 2013). Segundo ele, os ajustes macroeconômicos então necessários não teriam sido de grande monta. Orphanides afirma que, enquanto presidente do BCC, assinalou ao governo que tal pedido era necessário, mas que, por razões políticas, a decisão foi postergada.

O aprofundamento da crise da Grécia e, em outubro de 2011, a reestruturação de sua dívida desferiram um profundo golpe nos balanços desses bancos. Tendo aderido ao euro em 2008, os fundos para resgatar os bancos deveriam provir dos recursos fiscais. Mas a dívida pública cipriota, em 2011, já representava 71% do PIB, o que, dado o tamanho do setor bancário cipriota, tornava isso claramente impossível. Após obter um empréstimo de € 2,5 bilhões da Rússia, a extensão do impacto do contágio da crise grega levou Chipre a solicitar, em junho de 2012, resgate à União Econômica e Monetária Europeia.

O pressuposto na base dessa solicitação de resgate era de que a situação ci-priota seria resolvida nos mesmos moldes daquela dos bancos espanhóis18 que, no mesmo período, tinham recebido um empréstimo do mecanismo europeu de estabilidade (ESM, na sigla em inglês) num montante total de € 100 bilhões. Em dezembro de 2012, a primeira parcela desse empréstimo (€ 39,5 bilhões) foi desembolsada para quatro bancos espanhóis (Bankia, Nova Galicia, Catalunya Caixa e Banco de Valencia), fragilizados pelo estouro da bolha imobiliária. Em contrapartida, os bancos espanhóis comprometeram-se a embarcar em um rigo-roso programa de austeridade, incluindo reduções no número de funcionários.

18. Ao solicitar o resgate, o ministro das Finanças de Chipre, Vassos Shiarly, rejeitou a possibilidade de que o país fosse forçado a sofrer as medidas de austeridade radicais como as da Grécia, mas admitiu que houvesse “alguma repercussão negativa”.

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No caso de Chipre, as negociações do pedido de resgate foram as mais prolon-gadas de todas. De um lado, porque a troika (FMI, BCE e UME) não estava dis-posta a conceder € 17,5 bilhões, equivalente ao PIB cipriota, temendo que o país não pudesse reembolsar essa soma e que os níveis da dívida pública explodissem. E, além disso, porque estavam previstas eleições gerais no início de 2013. Mas ou-tro obstáculo adveio da Alemanha, onde ocorreram fortes pressões políticas, em meio ao processo eleitoral, para condicionar a ajuda à concordância do governo cipriota em reformular a legislação fiscal, típica de paraíso fiscal.

O acordo só foi concluído em março de 2013, oito meses após o pedido ini-cial. A demora levou a uma acentuada deterioração da situação dos bancos ciprio-tas. O processo, extremamente tumultuado, foi manchete da imprensa mundial, chegando a ser comparado à falência do Lehman Brothers em 2008, como fator de ameaça sistêmica. Uma repercussão dessa magnitude para o resgate de um país tão pequeno pareceria desproporcional, não fossem as implicações dos desastrosos planos orquestrados e impostos pela troika.

Antes da reunião de 16 de março de 2013 para a discussão do plano, Chipre decretou feriado bancário. Com efeito, o risco do plano a ser discutido e aprovado era o de provocar uma corrida bancária. Tanto o plano inicial, apresentado pela troika, como o que o substituiu, em 25 de março, apresentavam traços que os diferenciavam radicalmente dos anteriores, aplicados a Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha. Nenhum resgate anterior tinha envolvido diretamente os depositantes do sistema bancário. No resgate cipriota, para receber ajuda financeira de € 10 bilhões, a condição básica em ambos os planos foi o recolhimento pelo Estado de “contribuições” dos depositantes em bancos cipriotas, num valor total de € 6,8 bilhões (mais de um terço do PIB).

A diferença entre os dois planos está no perfil dos correntistas atingidos. O primeiro plano aprovado pela troika compreendia uma retirada de 9,9% dos de-pósitos bancários com saldo superior a € 100 mil e de 6,75% dos depósitos com saldos inferiores a essa soma. Além de acirrados protestos, a cláusula do plano referente aos depósitos abaixo de € 100 mil foi objeto de dúvidas legais, já que, na UME, esses depósitos contam com proteção do Estado. Esse plano foi rejeitado pelo Congresso cipriota, em 19 de março de 201319.

Dois dias depois, o BCE ameaçava retirar seu apoio aos bancos cipriotas se novo plano não fosse aprovado até o início da semana seguinte. O segundo plano,

19. Essa rejeição sensibilizou a opinião pública, mas também uma parte das figuras de destaque no mundo político e econômico europeu. Em verdade, a rejeição foi tão geral que oficiais da UME passaram, um por um, a negar que tivessem participado em sua elaboração.

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Page 44: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

cuja aplicação por Chipre foi exigida pela troika, isentou de contribuição os de-pósitos inferiores a € 100 mil. Em contrapartida, incluiu a liquidação do segundo banco cipriota e um confisco em todos os depósitos bancários acima dessa soma, no montante necessário para cobrir os € 6,8 bilhões de “contribuição nacional”. Os primeiros cálculos indicavam que o confisco poderia chegar a 60% do mon-tante depositado.

No entanto, em 11 de abril de 2013, o governo cipriota anunciou que a conta das necessidades financeiras havia passado dos € 17,5 bilhões – considerados no resgate decidido no mês anterior – para € 23 bilhões. Os credores internacionais se comprometeram a emprestar € 10 bilhões (€ 9 bilhões da União Europeia e € 1 bilhão do Fundo Monetário Internacional). Assim, a diferença deverá ser coberta pelos cipriotas e depositantes estrangeiros. O rombo de € 5,5 bilhões deverá ser coberto por novos aumentos de impostos (€ 600 milhões), privatizações (€ 1,4 bilhão), venda do ouro em estoque no banco central (€ 400 milhões). O restante ficará a cargo dos depósitos não garantidos dos bancos. Seus titulares correm, as-sim, o risco de ter confiscado o total de seus haveres monetários. Tal rombo pode ser considerado uma medida aproximada da deterioração da situação dos bancos cipriotas no decorrer do processo de negociação, que, como dito acima, foi o mais prolongado de todos os resgates anteriores.

Mesmo após o plano de resgate ser aprovado pelo Congresso cipriota, os ban-cos ainda permaneceram fechados por mais algum tempo. Durante esse período, o Congresso aprovou medidas de controle dos movimentos de capitais. Essas medidas, inéditas na União Europeia, visavam a impedir que os haveres bancá-rios fossem sacados em massa e/ou transferidos para outras jurisdições. Graças a elas, não se verificou uma fuga em massa dos bancos cipriotas. Mas continuam persistindo os riscos de que o precedente aberto com o resgate de Chipre leve o próximo país a ser atingido pela crise do euro a sofrer saques preventivos, compli-cando muito mais a situação de seus bancos. A imprensa especializada tem, ma-joritariamente, apontado a Eslovênia como sendo o próximo país a ser atingido, com outra parcela preferindo votar na Espanha.

A declaração de Jeroen Dijsselbloem, ministro holandês das Finanças e presi-dente do Eurogrupo, no dia seguinte ao da aprovação do plano, de que o resgate de Chipre serviria como um modelo para outros países, foi recebida com explícitos receios. As reações dos mercados financeiros, com as fortes quedas dos preços das ações de bancos, levaram a Comissão Europeia a afirmar que “o caso de Chipre é único por diversas razões” e o próprio Dijsselbloem chegou a emitir um comu-nicado dizendo que “não há modelos para lidar com a crise europeia”. Segundo

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Pisany-Ferry (2013), ele parecia estar lendo um manual sobre risco moral (moral hazard), que, acreditam alguns, leva os agentes financeiros a adotar comporta-mentos imprudentes, na certeza que, se der errado, serão socorridos pelo Estado. O autor acrescenta que “Chipre caminha para uma redução abrupta de seu sis-tema bancário, resultando em perda de uma parte muito grande da sua riqueza financeira. Para o FMI e Alemanha, que pressionaram para se obter tal resultado, a justificativa foi a necessidade de evitar o risco moral”. Esse mesmo argumento foi invocado pelas autoridades americanas para explicar por que tinham deixado o Lehman Brothers falir!

Mas esses desmentidos têm tido pouca credibilidade, por duas principais ra-zões. A primeira está relacionada ao projeto de união bancária na UME, apoiada pelos países membros e apresentada como sendo uma possível tábua de salva-ção do euro. Os contornos desse projeto têm muitos pontos semelhantes aos do resgate da economia cipriota. Segundo o presidente do Banco Central da Ale-manha (Bundesbank), Jens Weidmann, a Comissão Europeia está preparando orientações para resolver problemas bancários que incluem potenciais prejuízos financeiros para diferentes tipos de investidores; os investidores em ações seriam os primeiros a enfrentar perdas, enquanto os depositantes com recursos de até € 100 mil seriam preservados, “se possível”. “O objetivo é que não tenhamos de resgatar bancos com o dinheiro dos contribuintes, mas que os bancos possam ser liquidados de acordo com o princípio causador, sem se tornarem um perigo para o sistema financeiro”, disse Weidmann. 

As declarações do presidente do BCE reforçam ainda mais essa preocupação. Com efeito, Mario Draghi declarou na entrevista coletiva após a reunião do Co-mitê de Política Monetária que “não se deve permitir que os bancos ultrapassem o tamanho da economia em que residem. Ali onde os bancos são grandes demais, os governos devem conduzir o país e o sistema bancário de forma mais conserva-dora”. O ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schaeuble, também contribuiu para o clima de insegurança ao perguntar-se, em voz alta, se um modelo de cresci-mento demasiadamente dependente dos bancos ainda pode ser visto como viável, após o fracasso de Chipre. Declarações dessa ordem são interpretadas como resul-tantes da mesma concepção do plano de ajuda a Chipre que impôs a redução, até 2018, de seu setor bancário a 3,5 vezes o PIB, a média da área do euro.

A segunda razão está ligada ao combate à evasão fiscal na Europa, reavivado por diversos escândalos, que inclui pressões sobre paraísos fiscais para que flexibi-lizem o segredo bancário – em função da percepção de que, no caso cipriota, as exigências da troika tiveram muito a ver com o fato de a ilha ser percebida como

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tal. Países da zona do euro cujos sistemas bancários apresentam traços semelhan-tes aos de Chipre – Luxemburgo, Malta e Aústria – estão em posição defensiva, embora a situação de suas contas públicas seja extremamente tranquila. Assim, no dia 9 de abril de 2013, o primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, anunciou, em seu discurso anual sobre o estado da nação, que o país iria introduzir a troca de informações bancárias até 1º de janeiro de 2015, afirmando que “essa decisão não tem nada a ver com a pressão da União Europeia ou dos Estados Unidos”.

Considerações finais

As incertezas apontadas exprimem-se na evolução dos preços dos ativos, com períodos de otimismo seguidos por outros de pessimismo em função de novas expectativas e do surgimento de novas informações. Mas tanto um como o outro podem ser excessivos. Assim, o otimismo, que predominou ao longo do primeiro trimestre de 2013, só dará origem a uma tendência mais prolongada na hipótese em que as expectativas de recuperação econômica se confirmem.

Só existem dois aspectos em que essas políticas monetárias obtêm consenso: seu impacto em, de um lado, provocar a elevação de preços dos ativos e, de outro lado, reduzir as taxas de juros de longo prazo. Mas mesmo esse último é tratado com certo ceticismo, uma vez que, no atual contexto econômico, juros longos mais baixos não resultam em maiores investimentos, em virtude da aversão aos riscos. Resta o canal de transmissão dessa política monetária por meio da valo-rização dos ativos (canal de riqueza). Como dito acima, esse canal pode vir a ser interrompido em função do impacto de expectativas não condizentes com a rea-lidade, o que levaria a nova queda dos preços dos ativos.

É forçoso reconhecer que os objetivos traçados na teoria econômica para esse tipo de política (ver, por exemplo, FRIEDMAN, 1971 e 2008), que consistiam em irrigar a economia com moeda para expandir o crédito ao investimento e ao consumo, não se concretizaram. Os bancos, principais detentores dos títulos adquiridos pelas autoridades monetárias, contentaram-se em manter os recursos, assim obtidos, em suas contas reserva, por precaução. Em outras palavras, a cria-ção de dinheiro novo pelo banco central, para ser depositado em contas bancárias privadas, está longe de garantir que essa moeda adentre o circuito financeiro e volte a irrigar os canais de crédito. As razões que levam o crédito a se manter baixo estão relacionadas tanto à demanda de crédito (cautela das famílias, preocupadas em reduzir seu endividamento, e das empresas, receosas de assumir dívidas) como

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à postura dos bancos, em busca de desalavancagem, devido aos severos danos causados pela crise em seus balanços (ROXBURGH et al., 2012).

Diante da profundidade da crise atual, a atuação isolada dessa política mo-netária, posta em prática desde 2009 nos EUA e na Inglaterra, evitou uma de-pressão, mas mostrou-se impotente para promover uma recuperação econômica sustentada. Uma atuação conjunta das políticas fiscal e monetária seria necessária. A visão ortodoxa, que tem predominado na Europa e no partido republicano nos EUA, impede sua implementação, diante do tamanho das dívidas públicas, esti-mado como sendo excessivo.

No caso do Japão, foram necessárias quase duas décadas de deflação para que esse tipo de combinação de políticas fosse adotado. Essa combinação, que levou à eleição do novo primeiro-ministro em final de 2012, foi decidida apesar de a dívida pública japonesa ser superior a 240% do PIB, amplamente financiada por recursos internos20.

A nova combinação de políticas macroeconômicas do Japão foi recebida com entusiasmo pelos mercados financeiros (alta de 28% do índice Nikkei e depre-ciação de 15% do iene nos três primeiros meses de 2013) e por economistas não ortodoxos, e com cautelosos elogios, por outros países da OCDE. Stiglitz (2013) escreve que “Abe está fazendo o que muitos economistas (inclusive eu) têm cla-mado para as políticas macroeconômicas na Europa e nos EUA: um programa abrangente que implica políticas monetária, fiscal e estrutural... Se bem execu-tada, a agenda abrangente adotada por ele pode levar o Japão a se tornar um dos poucos raios de luz no sombrio cenário das economias avançadas”.

Os resultados dessa combinação de políticas serão acompanhados de perto nos próximos anos. Se for bem-sucedida, resta ver quanto tempo será ainda necessário para que as economias hoje mergulhadas em tensões, desequilíbrios e riscos ado-tem um modelo semelhante.

Referências

AGLIETTA, Michel. The European vortex. New Left Review, London, n. 75, p. 15-36, May/June, 2012.

20. Uma dívida pública financiada por recursos domésticos é muito mais estável que as financiadas por recursos externos e, sobretudo, as denominadas em divisas. Nesse caso, inexiste a questão da taxa de câmbio, e o reembolso dessa dívida pode, no limite, ser efetuada por emissão monetária do banco central.

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cAPÍtuLo 2

BALAnço do reGime de PoLÍticA mAcroeconômicA no Primeiro Biênio do Governo diLmA

daniela MagalhãeS PrateS raFael FagundeS cagnin

Maria criStina Penido de FreitaS luiS Fernando novaiS

Introdução1

Ao longo dos seus dois primeiros anos de mandato (2011 e 2012), o governo da presidente Dilma Roussef obteve resultados econômicos positivos, dentre os quais se destacam a redução do diferencial entre as taxas de juros doméstica e internacional, em razão da queda sistemática da meta da taxa básica de juros a partir de agosto de 2011 (de 12,5% a.a. em julho de 2011 para 7,25% a.a. em outubro de 2012), a diminuição do déficit fiscal nominal (no acumulado do ano, de 2,55% em dezembro de 2010 para 2,47% em dezembro de 2012) e da dívida líquida do setor público (de 40,1% do PIB em dezembro de 2010 para 35,1% do PIB em dezembro de 2012), a desvalorização do real (R$ 1,87/US$ em dezembro de 2011 e R$ 2,04/US$ em dezembro de 2012) e a queda da taxa de desemprego (de 6,4% em maio de 2011 para 4,6% em dezembro de 2012).

Em compensação, não obstante a nova combinação de preços-chave (juros e câmbio), mais favorável ao crescimento, e os sucessivos estímulos fiscais, monetá-rios e creditícios, introduzidos a partir do segundo semestre de 2011, resultados negativos também foram verificados, tal como a forte desaceleração do cresci-mento (em relação ao patamar alcançado em 2010), condicionada pela evolução adversa da economia internacional, que comprometeu, especialmente, o desem-penho da indústria. Na sequência de uma vigorosa expansão em 2010, quando

1. Os autores agradecem os comentários de Júlio S. Gomes de Almeida (Unicamp), Geraldo Biasoto Jr. (Uni-camp) e Carlos E. G. Cavalcanti (Fundap/SP), isentando-os de eventuais erros e omissões.

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Page 52: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

cresceu 7,5%, o PIB registrou uma taxa de crescimento bastante modesta em 2011 (2,7%) e praticamente nula em 2012 (0,9%).

Assim, o regime de política macroeconômica adotado no primeiro biênio do governo Dilma não obteve somente resultados desejáveis2. Este capítulo avalia esse regime, tomando como ponto de partida a constatação de que, embora tenha sido mantido o tripé de política macroeconômica, herdado dos governos anterio-res (meta de inflação, regime de câmbio flutuante e metas de superávit primário), ocorreu uma alteração qualitativa em sua gestão. Após essa breve introdução, apresenta-se um balanço das políticas monetária e creditícia, cambial e fiscal, com ênfase nas mudanças introduzidas. Na sequência, à guisa de conclusão, discutem-se as perspectivas e os limites do atual regime macroeconômico, procurando ava-liar as implicações, para a gestão desse regime, das mudanças ocorridas no cenário internacional no primeiro semestre de 2013.

Balanço das políticas macroeconômicas

Ao longo do primeiro biênio do governo da presidente Dilma, é possível iden-tificar três períodos distintos na orientação da política macroeconômica. No pri-meiro período, que corresponde ao primeiro semestre de 2011, as políticas mone-tária, creditícia e fiscal foram notadamente restritivas, com o intuito de arrefecer a atividade econômica e, assim, conter a aceleração inflacionária3. Nesse sentido, o viés das políticas do novo governo vinha complementar as iniciativas do final do governo Lula, tais como as medidas macroprudenciais no mercado de crédito, adotadas em dezembro de 2010, cujo objetivo era reduzir os riscos associados à forte expansão dos empréstimos com recursos livres às famílias, o que contribui-ria para a desaceleração da demanda. Nesse período, foram também adotadas medidas macroprudenciais no mercado de câmbio e controles sobre os fluxos de capitais e sobre as operações com derivativos cambiais, com a intenção de conter

2. O conceito de “regime de política macroeconômica” refere-se aos objetivos e metas da política macro-econômica, bem como aos instrumentos utilizados para alcançar esses objetivos, que incluem tanto as políticas monetária e creditícia, cambial e fiscal, como os instrumentos de regulamentação financeira (no caso do período analisado: medidas de regulamentação financeira prudencial, controles de capitais e regulamentação dos derivativos cambiais). Contudo, mesmo utilizando um amplo leque de instru-mentos (além das três políticas macroeconômicas convencionais), esse regime pode eventualmente não atingir os objetivos almejados.

3. Vale lembrar que as políticas anticíclicas adotadas em resposta ao efeito-contágio da crise financeira global foram eficazes, resultando num crescimento de 7,5% do PIB em 2010, mas também em pressões inflacionárias.

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a tendência de apreciação do real, resultante, especialmente, do maior diferencial entre os juros internos e externos.

No segundo período, que se estendeu de agosto de 2011 a junho de 2012, num contexto de aprofundamento da crise na área do euro e em resposta ao arre-fecimento mais forte do que o desejado da economia, o governo adotou medidas anticíclicas, embora menos intensas que aquelas de 2008/2009: redução da taxa básica de juros, estímulos creditícios e desoneração tributária. A piora do cená-rio externo e a desaceleração da inflação abriram espaço para a reorientação dos objetivos da política econômica no sentido de priorizar a redução do diferencial entre a taxa básica de juros brasileira (Selic) e as taxas de juros internacionais his-toricamente baixas. Em contrapartida, para garantir estabilidade monetária com taxas de juros menores e câmbio competitivo para o setor industrial, o governo anunciou contenção adicional de gastos públicos, reforçando seu compromisso com a austeridade fiscal, e ampliou os controles de capitais, diante do receio de uma nova enxurrada de fluxos financeiros externos após a expansão de liquidez pelo Banco Central Europeu (BCE), em dezembro de 2011 e fevereiro de 2012.

Esse conjunto de medidas, no entanto, não produziu estímulos suficientes para reativar o nível de atividade e o investimento produtivo. Essa relativa inefi-cácia tem raízes em fatores de diferentes ordens. Em primeiro lugar, o desenrolar da crise na área do euro continuou ameaçando a evolução da economia mundial, traduzindo-se na deterioração das expectativas e na generalização do pessimismo entre as empresas4. Em segundo lugar, o grau elevado de comprometimento da renda das famílias brasileiras com o pagamento das dívidas, associado, em grande medida, ao boom de consumo de bens duráveis (estimulado pelas políticas anti-cíclicas e pela forte expansão do crédito à pessoa física), reduziu a efetividade de uma nova rodada de medidas creditícias e de desoneração que buscasse encorajar o consumo desses bens. Em terceiro lugar, a indústria brasileira passava (e ainda passa) por um momento de acirrada concorrência no mercado internacional, com perda de competitividade e vazamento da demanda interna para o exterior. Juros reais elevados e moeda doméstica apreciada nos anos precedentes corroeram a capacidade da indústria de competir nos mercados interno e externo5.

Assim, no terceiro período (de julho a dezembro de 2012), além de tentar esti-mular os gastos privados, o governo optou por atuar diretamente sobre a deman-da, com a flexibilização da política fiscal. Marca esse período a adoção de pacotes de compras governamentais e de investimentos públicos, compondo uma política

4. Para maiores detalhes, ver capítulo 1.5 Sobre os problemas enfrentados pela indústria, ver capítulo 6.

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Page 54: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

fiscal de estímulo ao crescimento econômico de caráter mais ativo e direto do que a desoneração tributária privilegiada até então. As últimas medidas também bus-caram estimular o investimento privado, mediante o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que passou a cobrar, até dezembro de 2012, juros negativos na aquisição de máquinas e equipamentos (ver seção sobre a política fiscal).

No que diz respeito à política monetária, o governo se valeu, junto com a re-dução da meta da taxa Selic pelo Banco Central do Brasil (BCB), da importância dos bancos públicos (notadamente do BNDES, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil) para garantir o ritmo de expansão do crédito às empresas e às famílias, como tinha sido feito em 2008/2009, mas também para que as reduções da taxa básica de juros chegassem aos tomadores finais por meio das estratégias concorrenciais agressivas dos bancos públicos, que se traduziram em pressões em favor da queda dos spreads bancários.

Política monetária

Nos dois primeiros anos do governo Dilma, ocorreram mudanças substantivas na condução da política monetária pelo BCB, embora não tenha havido ruptura do regime de metas de inflação, que se manteve como um dos pilares centrais da política macroeconômica. Essas alterações tiveram duas consequências impor-tantes: possibilitaram a ampliação do grau de liberdade de ação da autoridade monetária ante as flutuações da atividade econômica e produziram uma melhor coordenação da política monetária com as demais políticas macroeconômicas (cambial e fiscal).

Desde o primeiro semestre de 2011, com o propósito de assegurar a con-vergência das expectativas para o centro da meta em um contexto de inflação ascendente e em aceleração, associado à elevação dos preços internacionais das commodities (e, em menor medida, à alta dos preços de alguns serviços6), a au-toridade monetária trocou a estratégia de elevação tempestiva da meta dos juros pelo gradualismo. O BCB optou por aguardar os efeitos plenos das medidas de natureza macroprudencial de controle do crédito às pessoas físicas7, adotadas em dezembro de 2010 e em abril de 2011, em vez de sobrecarregar a política de juros. Dessa maneira, o Comitê de Política Monetária (Copom) descartou a convergên-

6. A alta dos preços dos serviços refletiu tanto uma pressão conjuntural, devido ao forte dinamismo de alguns setores em 2010, como uma mudança estrutural de preços relativos, associada à melhor distribuição da renda. Ver nota 14.

7. Sobre as medidas de natureza macroprudencial de controle do crédito às pessoas físicas, ver Fundap (2011).

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Page 55: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

cia rápida para o centro da meta e decidiu elevar gradualmente a meta da taxa Selic em 1,75 ponto percentual (p.p.), em cinco reuniões consecutivas entre os meses de janeiro e julho de 2011 (Gráfico 1).

Gráfico 1. evolução da meta selic e iPca – variação acumulada em 12 meses

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IPCA Selic (meta) Teto da Meta de Inflação Centro da Meta de Inflação

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Ao lado da adoção dessa estratégia gradualista na gestão da taxa básica de juros, a autoridade monetária também promoveu o alongamento do horizonte temporal para cumprir a meta de inflação8. Ao estabelecer o ano de 2012 como o prazo para a convergência da inflação ao centro da meta, o BCB evitou uma elevação mais acentuada da meta dos juros, atenuando os seus efeitos deletérios sobre o nível de atividade econômica, o custo financeiro da dívida pública e a taxa de câmbio do real.

Indicando uma melhor coordenação das políticas macroeconômicas, a estra-tégia gradualista de combate à inflação foi acompanhada da adoção, pelo Minis-tério da Fazenda, de uma série de medidas nas esferas creditícia, cambial e fiscal. Além das medidas de restrição ao crédito ao consumo e de controle dos fluxos de capitais no primeiro semestre de 2011, no segundo semestre foram estabeleci-dos limites às operações especulativas de investidores estrangeiros com derivativos cambiais e lançadas medidas adicionais de austeridade fiscal.

8. O Relatório de Inflação de março de 2011 explicita a estratégia do BCB, segundo a qual, “nas atuais circunstâncias, a boa prática recomenda buscar uma convergência mais suave da inflação para a trajetória de metas, à semelhança de estratégia adotada no passado pelo Banco Central. Nesse contexto, então, o Copom ressalta que a estratégia de política monetária será implementada com vistas a conter os efeitos de segunda ordem do choque de oferta e a garantir a convergência da inflação para a meta em 2012”.

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A elevação, de 1,5% para 3,0%, do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF)9 em operações de crédito para pessoas físicas, em abril de 2011, funcionou como instrumento auxiliar da política monetária ao potencializar o efeito do au-mento gradual da meta da Selic. Os controles de capitais, por sua vez, atenuaram o impacto do aumento do diferencial entre os juros doméstico e externo sobre a taxa de câmbio do real, cuja apreciação vinha afetando seriamente a competitivi-dade da indústria brasileira, tanto no mercado internacional como no doméstico (em razão da concorrência dos produtos importados). O compromisso assumido de controlar as contas públicas, reiterado com o anúncio, em agosto, da amplia-ção do esforço fiscal em R$ 10 bilhões em 2011, teria contribuído, na visão do governo, para aliviar as pressões sobre a política monetária, permitindo que o BCB iniciasse uma nova fase de corte da meta da taxa Selic, tão logo percebeu os sinais de deterioração do cenário externo, com o agravamento da crise das econo-mias da área do euro.

Essa nova fase correspondeu ao segundo momento da gestão da política mo-netária no período analisado, iniciado com o corte pelo Copom, em agosto de 2011, de 0,5 p.p. na meta da Selic, fato que surpreendeu o mercado e impôs per-da aos agentes privados que, no mercado financeiro, apostaram na manutenção da taxa em vigor. Essa decisão representou uma mudança significativa na postura da autoridade monetária, que passou a atuar de forma menos rígida e com maior independência em relação ao consenso estabelecido por esses agentes.

O agravamento da crise do euro, a partir de setembro de 2011, combinado com a trajetória descendente da inflação, que passou a sentir os efeitos da desa-celeração dos preços das commodities no mercado internacional e da demanda interna e se reaproximou do centro da meta, favoreceu a continuidade da política de redução da meta de juros ao longo de todo o segundo semestre de 2011 e em 2012. A meta da taxa Selic foi reduzida em 5 p.p. em relação ao índice verificado em julho de 2011, passando de 12,5% naquele mês para 7,5% em agosto de 2012. Essa queda da meta da taxa básica de juros traduziu-se em significativa redução do diferencial entre as taxas de juros doméstica e internacional (Gráfico 2) e, consequentemente, do serviço da dívida pública mobiliária indexada à Selic (LTN). Entretanto, a economia com o pagamento de juros foi atenuada pelas estratégias de defesa da rentabilidade dos agentes privados, que condicionaram a recomposição de seus portfólios na direção de substituir, parcialmente, títulos da dívida pública pós-fixados por prefixados e indexados a índices de inflação.

9. Sobre as diferentes funções desempenhadas pelo IOF, especialmente como instrumento de política macro-prudencial e de gestão de fluxos de capitais, ver Freitas e Cagnin (2012).

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Gráfico 2. diferencial de juros (em %)

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. Nota: O diferencial de juros equivale à diferença entre a taxa básica de juros de cada país e a soma do risco-país (prêmio do

CDS de cinco anos) e da taxa básica de juros dos EUA.

Além de uma mudança de postura do BCB, esse prolongado processo de afrouxamento monetário foi viabilizado por ações complementares das demais autoridades da área econômica do governo. Esse foi o caso da alteração nas regras da caderneta de poupança, em maio de 2012, considerada essencial para que a queda da Selic (abaixo do patamar de 8,5%) não resultasse em migração de recur-sos dos fundos de investimento para a poupança10.

No quadro de incertezas reinante, a política econômica apostou em outros instrumentos, em paralelo à diminuição da taxa básica de juros, para reativar a demanda privada. Entre os meses de novembro e dezembro de 2011, foi revertida parte das medidas restritivas ao crédito de caráter macroprudencial11, e o Minis-tério da Fazenda reduziu de 3% para 2,5% a alíquota de IOF sobre as operações

10. A partir de 4 de maio de 2012, por força da Medida Provisória n. 567, os novos depósitos na caderneta de poupança passaram a ter remuneração equivalente a 70% da meta da taxa de juros Selic, quando essa for igual ou menor a 8,5% ao ano. No caso de patamares superiores a esse percentual, os saldos de novos e antigos depósitos continuam sujeitos à regra anterior de remuneração (TR + 0,5% a.m.). Para maiores detalhes, ver Fundap (2012b).

11. A Circular n. 3.563 revogou a exigência de capital adicional para as operações de empréstimos ao consu-mo com prazo máximo de 60 meses (ainda que tenha sido acompanhada de elevação do requerimento de capital para as operações de crédito ao consumo com prazo superior a cinco anos). Por meio da Circular n. 3.512, a autoridade monetária também desistiu de elevar, de 15% para 20%, o percentual mínimo de pagamento das faturas de cartão de crédito, determinado em junho de 2011.

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Brasil Coreia do Sul Tailândia Turquia Indonesia África do Sul

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de crédito ao consumo12. Ademais, nesse período, o governo Dilma incentivou os bancos públicos a atuar de forma anticíclica, neutralizando a desaceleração da contratação de crédito pelos bancos privados (Gráfico 3). No primeiro semestre de 2012, o governo Dilma utilizou novamente os bancos públicos com carteira comercial (BB e CEF) para forçar, pelo mecanismo da concorrência, a queda dos juros e spreads praticados pelos bancos privados13. O BNDES continuou desem-penhando papel fundamental na implementação da política creditícia. Além da prorrogação até o final de 2013 do Programa de Sustentação do Investimento (PSI, em vigor desde 2009), a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que estava no patamar de 6% a.a. desde julho de 2009, foi reduzida para 5,5% a.a., em julho de 2012, e para 5% a.a., em janeiro de 2013.

Gráfico 3. crédito total ao setor Privado Por natureza do caPital: variação real em 12 meses (em %)

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SF Público SF Privado SF Estrangeiro

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. Nota: Os valores foram deflacionados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA).

Ao longo do segundo semestre de 2012, notam-se pressões inflacionárias que levaram o IPCA acumulado no ano para o patamar de 5,8%, bastante acima do centro da meta, de 4,5% a.a. A origem da aceleração inflacionária do perí-odo pode ser encontrada na interação de diferentes fatores, dentre os quais se destacam a elevação dos preços dos alimentos, desencadeada pela seca nos EUA (impactando o preço de grãos, especialmente da soja e do milho) e no Brasil (com efeitos sobre produtos in natura), e o pass-through da desvalorização nominal de

12. Decreto do Ministério da Fazenda n. 7.632, de dezembro de 2011.13. Ver capítulo 4.

a economia brasileira no contexto da crise global 58

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mais de 20% da moeda brasileira, entre final de fevereiro e junho de 2012, além da resiliência da inflação de bens não comercializáveis e serviços14. Entretanto, diante do fraco desempenho da economia brasileira, das incertezas advindas do front externo e do peso de fatores climáticos na evolução da inflação, a autoridade monetária, ainda que sob forte pressão do mercado, manteve inalterada ao longo do semestre a meta da taxa Selic, em 7,25% a.a. Na leitura do BCB, o cenário internacional ainda indicava um viés deflacionário para a economia global, apesar da alta das cotações de algumas commodities no último trimestre de 2012 (petró-leo e matérias-primas industriais).

Política cambial

No âmbito da política cambial – ou seja, da gestão do regime de flutuação “suja” vigente desde janeiro de 1999 –, é possível identificar, no primeiro biê-nio do governo Dilma, três importantes mudanças interdependentes. A primeira delas refere-se ao leque de objetivos e metas dessa política, que deixou de estar subordinada à política monetária, como observado ao longo do governo Lula. Com isso, além da mitigação da volatilidade cambial (para atingir os objetivos de controle da inflação e estabilidade financeira, objetivos do regime de metas de inflação) e do acúmulo de reservas (voltado para a redução da vulnerabilidade externa e melhoria do rating de crédito soberano), esse leque passou a incluir como meta o patamar da taxa de câmbio decorrente de um novo objetivo: conter a deterioração da competitividade da indústria brasileira nos mercados externo e interno. A segunda mudança refere-se à ampliação do conjunto de instrumentos utilizados para atingir o novo leque de metas e objetivos (nem sempre compatí-veis entre si), enquanto a terceira concerne à maior coordenação entre o BCB e o Ministério da Fazenda, a exemplo da política monetária.

Ao lado da imposição ou aumento de alíquotas do IOF em várias modalidades de fluxos de capitais e operações de derivativos cambiais, pela Fazenda (instru-mentos denominados, aqui, respectivamente, de controle de capitais e regulação dos derivativos cambiais), o BCB impôs um recolhimento compulsório sobre

14. Ainda que aquecimentos conjunturais de demanda tenham pressionado os preços dos serviços (em 2010, por exemplo), o patamar elevado da inflação desse setor, nos últimos anos, tem como principal deter-minante o processo de mudança de preços relativos, ensejado pelas políticas de redistribuição de renda (especialmente a valorização do salário mínimo) e de combate à pobreza, bem como pela redução do desemprego. Para uma análise detalhada da dinâmica recente da inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ver, dentre outros, Martinez (2012); Martinez e Cerqueira (2013).

a economia brasileira no contexto da crise global 59

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as posições vendidas dos bancos no mercado à vista em janeiro de 2011, como uma medida de regulação financeira prudencial. Ademais, esse arsenal de medidas regulatórias foi ajustado em função de mudanças no ambiente financeiro interna-cional que afetaram o ingresso líquido de divisas (Gráfico 4).

Gráfico 4. taXa de câmbio nominal r$/us$ e PrinciPais medidas adotadas – jan./2011 a dez./2012

1,45

1,50

1,55

1,60

1,65

1,70

1,75

1,80

1,85

1,90

1,95

2,00

2,05

2,10

2,15

03/0

1/20

11

28/0

1/20

11

22/0

2/20

11

19/0

3/20

11

13/0

4/20

11

08/0

5/20

11

02/0

6/20

11

27/0

6/20

11

22/0

7/20

11

16/0

8/20

11

10/0

9/20

11

05/1

0/20

11

30/1

0/20

11

24/1

1/20

11

19/1

2/20

11

13/0

1/20

12

07/0

2/20

12

03/0

3/20

12

28/0

3/20

12

22/0

4/20

12

17/0

5/20

12

11/0

6/20

12

06/0

7/20

12

31/0

7/20

12

25/0

8/20

12

19/0

9/20

12

14/1

0/20

12

08/1

1/20

12

03/1

2/20

12

28/1

2/20

12

27/7 : IOF de 1% sobre posições líquidas vendidas em derivativos cambiais superiores a US$ 10 milhões

12/3 : IOF de 6% estendido para

captações externas de até cinco anos

16/3 : Exportadores isentos de IOF nas

operações de hedgecambial equivalentes a

1,2 vez o valor exportado nos 12 meses anteriores

14/6 : IOF volta a incidir somente sobre

captações externas com prazo de até dois anos

29/3 : IOF de 6% sobre captações externas até um ano

4/4 : IOF estendido às renovações de captações

externas

6/4 : IOF estendido às captações externas até dois

anos

6/1 : anúncio do recolhimento compulsório sobre posições vendidas

no mercado de câmbio à vista

8/7 : Aumento do compulsório sobre posições cambiais

vendidas

1/12 : investimentos estrangeiros de portfólio

em ações e em títulos privados, com prazo acima de quatro anos isentos de

IOF

29/2 : IOF de 6% estendido para captações externas de até três anos

1/3 : Proibiçao de pagamento antecipado de exportações acima de um ano

4/12 : O prazo mínimo das operações para pagamento

antecipado de exportações foi ampliado de um para cinco anos

5/12: IOF de 6% voltou a incidir somente sobre

captações externas com prazo mínimo de um ano.

Restrição Flexibilização

18/12 : aumento de US$ 1 bilhão para US$ 3 bilhões do limite de posição vendida em

câmbio dos bancos isento de compulsório

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

A política cambial valeu-se desse conjunto de instrumentos para interromper ou mitigar a trajetória de apreciação do real (Gráfico 4), associada à retomada, a partir do segundo semestre de 2009, das operações de carry trade nos mercados à vista e futuro de câmbio. No contexto internacional de taxas de juros historica-mente baixas, de expansão da liquidez nos países desenvolvidos e de melhoria do risco relativo dos países emergentes, as aplicações em ativos financeiros vinculados ao real despontaram como uma fonte privilegiada de ganhos especulativos, dado o elevado (além de crescente, no período) diferencial entre os juros internos e exter-nos (Gráfico 3) e o alto grau de abertura financeira da economia brasileira.

Assim, em vez de recorrer, quase que exclusivamente, às intervenções no mer-cado de câmbio à vista e ao acúmulo oneroso de reservas (Gráfico 5), o governo Dilma optou por ampliar o mix de instrumentos regulatórios, ampliando o raio de manobra e a eficácia da política cambial. Contudo, diante dos estímulos provenien-tes do ambiente macroeconômico (elevado patamar da taxa básica de juros), bancos

a economia brasileira no contexto da crise global 60

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Gráfico 5. mercado de câmbio à vista: movimento cambial, Posição dos bancos e intervenções do

bcb (em us$ milhões) – jan./2011 a dez./2012

-18.000

-15.000

-12.000

-9.000

-6.000

-3.000

0

3.000

6.000

9.000

12.000

15.000

18.000

jan/11

fev/11

mar/11

abr/11

mai/11

jun/11

jul/11

ago/11

set/11

out/11

nov/11

dez/11

jan/12

fev/12

mar/12

abr/12

mai/12

jun/12

jul/12

ago/12

set/12

out/12

nov/12

dez/12

Posição dos bancos (1) Intervenções BCB - Pronto

Intervenções BCB - Linhas de recompra Saldo do movimento de câmbio

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. (1) Os valores positivos refletem a posição comprada; os valores negativos, as posições vendidas.

e empresas residentes e investidores não residentes encontraram várias formas de burlar esses instrumentos – estratégia conhecida como arbitragem regulatória –, num contexto institucional de elevado grau de abertura financeira e mercado finan-ceiro doméstico sofisticado. Somente com a adoção simultânea e em maior escala dos três instrumentos regulatórios (controles de capitais, regulação sobre derivativos cambiais e regulação prudencial) é que essas estratégias foram contidas, tornando possível interromper a trajetória de apreciação do real, como detalhado a seguir.

No que se refere à regulação dos derivativos cambiais – que têm influência de-cisiva nessa trajetória15 –, as primeiras medidas de regulação com derivativos cam-biais, adotadas em outubro de 2010 (aumento da alíquota do IOF de 0,38% para 6% sobre as margens de garantia dos contratos futuros de dólar e proibição de cumprimento dessas margens mediante uso de títulos públicos e garantia), não fo-ram suficientes para conter as apostas de apreciação do real mediante, sobretudo, operações de derivatives carry trade16. Essa regulação tornou-se eficaz quando atin-

15. Vários trabalhos, a partir de diferentes abordagens teóricas e empíricas, concluíram que as operações com derivativos cambiais (com destaque para os contratos de dólar futuro da BMF&Bovespa) exercem influ-ência decisiva na dinâmica da taxa de câmbio do real. Ver, principalmente, Dodd e Griffth-Jones (2007); Farhi (2010); Kalternbrunner (2010); Prates (2010); Ventura e Garcia (2009); Rossi (2012).

16. Há dois tipos de currency carry trade. No primeiro, denominado de canônico, o investidor se endivida na moeda de menor taxa de juros e aplica em ativos denominados na moeda de maior taxa de juros (em inglês, moedas funding e target, respectivamente), sem neutralizar o risco cambial. Assim, o canonical carry

a economia brasileira no contexto da crise global 61

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giu o valor nocional dos derivativos cambiais por meio da imposição, em julho de 2011, da alíquota de IOF de 1% sobre as posições líquidas vendidas acima de US$ 10 milhões.

Depois de zerarem, em setembro de 2011, suas posições líquidas vendidas em dólar, esses investidores passaram a alternar posições líquidas vendidas e compradas em volume bem inferior ao vigente antes da regulação (Gráfico 6). Todavia, essa mudança nas apostas dos investidores estrangeiros no mercado futuro de dólar, bem como a inversão da posição dos bancos no mercado à vista (de vendida para comprada) e o déficit no movimento financeiro a partir de agosto (Gráficos 5 e 6), foi condicionada por dois fatores: pelo impacto negativo do aprofundamento da crise na área do euro, a partir de setembro de 2011, sobre os fluxos de capitais para os países emergentes e o apetite por risco em âmbito global; e pela redução da meta da taxa Selic e, assim, do diferencial de juro. Essa interação de fatores externos e internos induziu a desmontagem de posições (à vista e futuras) em ativos financeiros vinculados ao real, o que, por sua vez, resultou na desvalorização da moeda brasileira entre setembro e dezembro de 2011 (Gráfico 4).

Gráfico 6. mercado futuro de dólar: Posições líquidas dos investidores (em us$ milhões) –

jan./2011 a dez./2012

-350.000

-250.000

-150.000

-50.000

50.000

150.000

250.000

07/0

1/20

11

4/2/

2011

04/0

3/20

11

01/0

4/20

11

29/0

4/20

11

27/0

5/20

11

24/0

6/20

11

22/0

7/20

11

19/0

8/20

11

16/0

9/20

11

07/1

0/20

11

04/1

1/20

11

02/1

2/20

11

29/1

2/20

11

27/1

/201

2

24/2

/201

2

23/3

/201

2

20/4

/201

2

18/5

/201

2

15/6

/201

2

13/7

/201

2

10/8

/201

2

7/9/

2012

5/10

/201

2

1/11

/201

2

30/1

1/20

12

Bancos Investidor Institucional NacionalInvestidor

Não Residente Pessoa Jurídica Não Financeira

Fonte: BMF&Bovespa. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

trade (que envolve fluxos efetivos de divisas) diferencia-se de uma operação de arbitragem de juros, uma vez que envolve uma aposta na variação cambial no período da aplicação (que pode ampliar ou anular o ganho proveniente do diferencial de juros). Já no derivatives carry trade, o investidor forma uma posição vendida na moeda funding e uma posição comprada na moeda target no mercado de derivativos cambiais. Para maiores detalhes, ver Burnside et al. (2006); Gagnon e Chaboud (2007).

a economia brasileira no contexto da crise global 62

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Assim, pode-se afirmar que a deterioração do ambiente financeiro internacional contribuiu para a eficácia da política cambial no sentido de atingir sua nova meta, qual seja, conduzir a taxa de câmbio para um patamar mais competitivo. Ao mes-mo tempo, o efeito deflacionário dessa deterioração sobre os preços das commodi-ties atenuou o impacto da desvalorização cambial sobre a inflação interna, reduzin-do o conflito entre os objetivos “controle da inflação” e “competitividade externa”.

A manutenção da estabilidade financeira (terceiro objetivo da política cam-bial) não foi, tal como no último trimestre de 2008, ameaçada por essa desvalo-rização, na medida em que houve forte redução do risco cambial das empresas e do risco de contraparte dos bancos nas operações com derivativos cambiais, desde 200917. Ademais, diante dessa deterioração, para evitar uma alta adicional da taxa de câmbio e não sobrecarregar a política cambial, o governo realizou o primeiro ajuste no mix regulatório, relaxando os controles de capitais ao eliminar o IOF dos investimentos de portfólio em ações e em títulos de renda fixa de longo prazo (debêntures vinculadas a projetos de infraestrutura) (Gráfico 4).

Não se pode subestimar a importância das medidas regulatórias adotadas na fase anterior de boom dos fluxos de capitais e de elevado apetite por risco, ao evitarem um acúmulo excessivo de posições especulativas em ativos financeiros vinculados ao real, cuja desmontagem poderia trazer pressões também excessivas sobre a taxa de câmbio e colocar em risco o objetivo de controle da inflação e/ou de redução da vulnerabilidade externa (se, para evitar a desvalorização, o BCB utilizasse seu colchão de segurança, ou seja, as reservas internacionais).

A dificuldade de compatibilizar os múltiplos objetivos da política cambial veio à tona, pela primeira vez, no primeiro bimestre de 2012. Do início de janeiro ao final de fevereiro, a taxa de câmbio (R$/US$) deslizou de um patamar de R$ 1,86 para R$ 1,71, o que correspondeu a uma apreciação de 8,88% do real (Gráfico 4). Nesse período, o BCB manteve-se praticamente ausente do mercado de câmbio à vista, apesar da retomada do ingresso de divisas após três meses consecutivos de déficit. O excesso de divisas no mercado à vista foi absorvido pelos bancos, cuja posição cambial passou de vendida, em dezembro, para comprada, em janeiro e fevereiro (Gráfico 5).

17. Vale lembrar que um dos principais canais de transmissão da crise financeira global para o mercado financeiro brasileiro, após a falência do banco Lehman Brothers em meados de setembro de 2008, foi a exposição de várias empresas em contratos de derivativos cambiais negociados no mercado de balcão, nos quais os bancos eram as contrapartes. Além da forte redução dessa exposição após a crise, vários avanços na regulação desses contratos foram realizados visando a ampliar sua transparência e o monitoramento das transações, dentre os quais a criação, pela Febraban, da Central de Exposição a Derivativos (CED). Ver Farhi e Borghi (2009); Silva Filho (2013).

a economia brasileira no contexto da crise global 63

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Esse excesso decorreu, principalmente, da melhoria das condições financeiras internacionais após a expansão da liquidez pelo BCE no âmbito da nova linha de crédito de três anos a juros de 1% ao ano, lançada em dezembro de 201118. Essa iniciativa, ao afastar o risco de falência de instituições relevantes (e, assim, a ameaça de crise sistêmica na área do euro), teve como desdobramento a queda da aversão aos riscos pelos investidores globais, que voltaram a assumir posições em ativos de risco, como moedas, títulos e ações de economias emergentes19. O movimento de câmbio comercial também foi beneficiado pelo alívio das tensões no mercado financeiro internacional, que favoreceu as operações de pagamento antecipado de exportações, que dependem da oferta de linhas bancárias externas de mais longo prazo20 (Gráfico 5). De acordo com o BCB, essas operações es-tavam concentradas em um número pequeno de empresas, que utilizavam esse mecanismo para realizar operações de arbitragem de juros.

Assim, ao que tudo indica, a leniência em relação ao patamar da taxa de câm-bio verificado em janeiro e fevereiro de 2012 decorreu da maior importância atribuída, nesses meses, ao objetivo “controle da inflação”. Ou seja, o governo optou por aproveitar a nova fase (de duração incerta) de apetite por riscos para garantir a desaceleração do IPCA acumulado em 12 meses, que recuou de 6,5% em dezembro (teto da meta de inflação) para 5,8% em março (Gráfico 1).

Confirmado o cenário mais benigno para a inflação (para o qual também con-tribuiu a queda dos preços das commodities no mercado internacional), o objetivo “competitividade externa” voltou a ser priorizado. Por um lado, receoso do aumen-to das pressões baixistas sobre a taxa de câmbio do real, decorrentes do ‘tsunami’ monetário do BCE, o governo reforçou os controles de capitais no início de março de 2012 (Gráfico 4). Por outro lado, no âmbito da política cambial, a autoridade monetária retomou as intervenções no mercado à vista, absorvendo, em março e abril, um volume de divisas superior ao saldo do movimento primário (o que ex-plica a redução da posição comprada dos bancos – Gráfico 5). Em maio, após três meses praticamente ausentes do mercado de derivativos cambiais, o BCB ampliou as operações de swap reverso (por meio das quais assume uma posição comprada em dólar para atenuar as pressões em prol da apreciação do real) (Gráfico 7).

18. O primeiro leilão foi realizado em 21/12/2011, quando 523 bancos tomaram €489 bilhões, e o segundo em 28/02/2012, com empréstimos de €529 bilhões a 800 bancos, totalizando cerca de € 1 trilhão.

19. Para maiores detalhes, ver capítulo 1.20. Essas operações avançaram 48% em relação àquelas feitas no mesmo período em 2012 (de US$ 4,4 bi-

lhões para US$ 8,5 bilhões); com isso, sua participação no total do câmbio de exportação passou de 15% para 22% no mesmo período. Ver Fundap (2012a).

a economia brasileira no contexto da crise global 64

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Gráfico 7. colocações e resGates de swaps e swaps reversos (em r$ bilhões) – jan./2011 a dez./2012

-15,0

-10,0

-5,0

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

jan/

2011

fev/

2011

mar

/201

1

abr/2

011

mai

/201

1

jun/

2011

jul/2

011

ago/

2011

set/2

011

out/2

011

nov/

2011

dez/

2011

jan/

2012

fev/

2012

mar

/201

2

abr/2

012

mai

/201

2

jun/

2012

jul/2

012

ago/

2012

set/2

012

out/2

012

nov/

2012

dez/

2012

Colocações Resgates

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. Nota: Os valores negativos referem-se a colocações ou resgates de swaps reversos.

Após as novas medidas de controle de capitais e a retomada das intervenções cambiais nos mercados à vista e de derivativos, a trajetória da taxa de câmbio se inverteu, tornando-se novamente ascendente. Do patamar de R$ 1,70 no final de fevereiro, essa taxa atingiu o patamar de R$ 1,89 no final de abril de 2012, o que significou uma depreciação de 10,7% (Gráfico 4).

Mais uma vez, os desdobramentos da crise na área do euro condicionaram essa trajetória. A partir de março, iniciou-se uma nova fase de aprofundamento da crise, agora com foco na Espanha, que contaminou a aversão aos riscos pelos investidores globais. Nesse contexto, a taxa de câmbio do real seguiu seu movi-mento ascendente até maio, quando atingiu o patamar de R$ 2,05. Até dezem-bro, flutuou entre esse valor e R$ 2,10, o que suscitou a interpretação de que o BCB estaria defendendo uma banda estreita de flutuação, com piso em R$ 2,00 e teto em R$ 2,10 (Gráfico 4). A venda de dólares mediante linhas de recompra, no final de dezembro – quando a taxa de câmbio do real ameaçou ultrapassar esse teto, devido ao aumento sazonal da demanda por dólares –, parece corroborar essa interpretação21 (Gráfico 5).

21. Nas linhas de recompra, utilizadas pela primeira vez no último quadrimestre de 2008, o BCB contrata uma venda de dólares com entrega para dois dias e, ao mesmo tempo, contrata com a mesma instituição a compra de dólares com entrega para 32, 62, 92 dias, ou qualquer prazo acordado (assim, a posição de câmbio do banco não se altera, porque existem duas contratações de natureza oposta, de mesmo valor).De acordo com informação fornecida pelo BCB, em dezembro de 2012, esse instrumento foi utilizado devido

a economia brasileira no contexto da crise global 65

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De maio a novembro, o BCB manteve-se ausente do mercado à vista. Nesse período, a defesa da banda informal ancorou-se, exclusivamente, em operações de swaps e swaps reversos (Gráfico 6). Ou seja, a autoridade optou por atuações no mercado de derivativos cambiais, que não afetam as reservas internacionais, para defender o piso, bem como o teto, já que altas adicionais da taxa de câmbio po-deriam comprometer o objetivo “controle da inflação”. A preocupação com esse objetivo também parece explicar a flexibilização dos controles de capitais sobre captações externas, pelo Ministério de Fazenda, em junho e dezembro (quando predominaram pressões de depreciação cambial). Ao mesmo tempo, as pressões em prol da apreciação do real foram mitigadas tanto pelas tensões no mercado financeiro internacional como pela redução do diferencial entre os juros internos e externos (Gráfico 2).

Política fiscal

No primeiro semestre de 2011, a política fiscal teve um perfil contracionista, responsável pela elevação do superávit primário do setor público, de 2,8% do PIB no acumulado de 12 meses (R$ 101,7 bilhões), em dezembro de 2010, para 3,7% do PIB (R$ 149,5 bilhões), em agosto de 2011 (Gráfico 8)22. Em função dessa po-lítica contracionista, a dívida líquida do setor público caiu de 40,2% do PIB para 38,2% do PIB, no mesmo período. Nessa mesma base de comparação, o governo federal (excluídos o BCB e as empresas estatais) respondeu por um aumento do superávit fiscal de 2,16% para 2,93% do PIB23, com o objetivo de contribuir para o arrefecimento da expansão da demanda agregada, de modo a abrir caminho para a redução da meta da taxa Selic pela autoridade monetária. Houve também, por parte do Ministério da Fazenda, desonerações tributárias para elevar a produ-tividade de certos setores que ajudaram a conter a elevação de preços.

à necessidade de liquidez em moeda estrangeira de caráter transitório, associada ao aumento das remessas de lucros e hedges corporativos no final do ano.

22. Para maiores detalhes sobre a evolução das receitas e despesas fiscais no período, ver capítulo 8.23. Considerando os fluxos acumulados nos últimos 12 meses, o montante do superávit fiscal – de R$

101,7 bilhões, acumulados em dezembro de 2010 pelo setor público – resultou do esforço fiscal conjun-to: do governo federal, no valor de R$ 79,2 bilhões (77,9%); do Banco Central, no valor de R$ 519,9 milhões (0,51%); de estados e municípios, no valor de R$ 20,6 bilhões (20,3%); e das empresas estatais, no valor de R$ 2,34 bilhões (2,3%). Em agosto de 2011, o superávit de R$ 149,5 bilhões (acumulado em 12 meses) foi obtido da seguinte forma: R$ 118,8 bilhões do governo federal (79,5%); R$ 601,9 milhões do BCB (0,4%); R$ 29,1 bilhões de estados e municípios (19,5%); e R$ 2,1 bilhões de empresas estatais (1,44%).

a economia brasileira no contexto da crise global 66

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Gráfico 8. evolução do suPerávit Primário (acumulado 12 meses) e da dívida líquida do setor Público

(em % do Pib) – dez./2010 a dez./2012

1,7

2,2

2,7

3,2

3,7

4,2

34

35

36

37

38

39

40

41

dez/

10

jan/

11

fev/

11

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Dívida Líquida do Setor Público (eixo esq.) Superávit Primário acum. 12 meses (eixo dir.)

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Uma vez garantido o cumprimento da meta de superávit fiscal estabelecida para o ano – devido à expansão das receitas, mais do que à contenção de gastos públicos24 –, o governo federal divulgou, no mês de agosto, a elevação da meta de superávit fiscal do setor público, em 2011, de R$ 125,5 bilhões para R$ 135,5 bi-lhões. Dessa forma, buscou ratificar seu compromisso com o equilíbrio das contas públicas, com o objetivo de reforçar a confiança dos agentes privados e conceder graus de liberdade à atuação do BCB.

Entre o segundo semestre de 2011 e o primeiro semestre de 2012, a política fiscal assumiu, contudo, um perfil anticíclico que pôde ser adotado sem compro-meter a obtenção da meta de superávit fiscal, mas que trouxe à baila um conjunto de complexas operações financeiro-fiscais que se tornaram objeto de debate en-tre alguns especialistas25. A desoneração tributária de diversos setores foi um dos principais instrumentos utilizados no período, aliando os objetivos de reaqueci-mento econômico ao aumento da competitividade da indústria nacional, preju-dicada pela apreciação cambial e pelo acirramento da concorrência nos mercados externo e doméstico.

24. Diante das medidas de desoneração fiscal de diversos setores, a meta de superávit fiscal foi cumprida por meio de maior arrecadação, graças à elevação da carga tributária de 33,5% do PIB, em 2010, para 35,4%, em 2012. Em 2012, a troca de ativos financeiros entre instituições públicas compôs a “contabilidade cria-tiva” que permitiu o resultado fiscal primário do ano.

25 . A esse respeito, ver, por exemplo, o capítulo 8 desse livro; Afonso (2011); Barros e Afonso (2013).

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A maior parte das medidas de desoneração fiscal integrou o Plano Brasil Maior, lançado em agosto de 2011. Dentre elas podem ser citadas: redução do IPI sobre bens de investimento; instituição do Reintegra (Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras), que permite a devolução às empresas de até 3% das receitas de exportação; redução gradual do prazo de devolução de créditos referentes ao PIS-Pasep/Cofins sobre bens de capital; ampliação do Simples Nacional; desoneração da folha de pagamento de setores intensivos em mão de obra (confecções, móveis, calçados, softwares); e estabelecimento de um novo regime tributário para o setor automotivo26.

Ademais, para estimular o investimento público, o governo federal autorizou, no final de 2011, a ampliação, em R$ 40 bilhões, dos limites de endividamento dos estados, junto ao BNDES e a outros agentes financeiros internacionais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Uma nova rodada de desonerações fiscais foi lançada no segundo trimestre de 2012, com a adoção, em abril, de medidas complementares, inscritas no âm-bito do Plano Brasil Maior, tais como: ampliação da desoneração da folha de pagamento; redução do IPI de bens de consumo; postergação do recolhimento do PIS/Cofins; e redução da alíquota de IOF em operações de crédito a pessoas físicas, a partir do mês de maio.

A política fiscal anticíclica anunciada pelo governo previa, portanto, a redu-ção dos tributos (devido às desonerações) e o aumento dos investimentos, sem o comprometimento da meta fiscal. Entre agosto de 2011 e julho de 2012, o superávit primário do setor público reduziu-se de 3,7% para 2,5% do PIB. Ainda em julho, o superávit acumulado chegava a R$ 71,2 bilhões, cerca de 50,9% da meta estabelecida para 2012 (R$ 139,8 bilhões). Apesar da redução do superávit, a dívida líquida do setor público seguiu sua trajetória de queda, passando, entre agosto de 2011 e julho 2012, de 38,2% para 34,9% do PIB, em razão da política de financiamento da dívida pública que estabeleceu para o período meta de con-tínua redução do endividamento federal.

Entretanto, diante do cenário internacional de forte incerteza e das expecta-tivas empresariais pessimistas, os estímulos fiscais por meio de desonerações não tiveram o efeito esperado em termos de dinamismo econômico, exigindo inter-venções mais diretas por parte do governo federal. O que marca, então, o segun-do semestre de 2012, é a implementação de pacotes de ampliação das compras governamentais e dos investimentos públicos.

26. Para uma avaliação do Plano Brasil Maior, veja Boletim de Economia da Fundap n. 14, de abril de 2012. Informações recentes podem ser encontradas diretamente em: http://www.brasilmaior.mdic.gov.br/.

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Em junho de 2012, o governo federal divulgou o PAC Equipamentos, pro-grama de compras governamentais para o qual estão previstos R$ 8,43 bilhões, beneficiando diferentes setores, como o de máquinas e equipamentos (pela compra de 3,6 mil retroescavadeiras e de 1,33 mil motoniveladoras), de veículos (com a aquisição de 8 mil caminhões, de 40 blindados e 30 lançadores de mísseis para as Forças Armadas, de 8,7 mil ônibus para o Programa Caminho da Escola, de 2,1 mil ambulâncias e de 3 mil tratores), de medicamentos (R$ 6 bilhões em vacinas e medicamentos), etc. O pacote incluiu, ainda, compras governamentais adicionais (por não estarem previstas no Orçamento) equivalentes a R$ 6,6 bilhões.

Esses gastos, que implicaram redução da meta de superávit primário, eram vistos como necessários para o andamento do PAC. A expectativa do governo era que contribuiriam para que o investimento público avançasse, estimulando igualmente alguns setores industriais, como o automotivo, que fornecem parte dos equipamentos. A questão que permanentemente se coloca é a dificuldade de executar investimentos ancorados em recursos do Orçamento Geral da União.

No final de agosto de 2012, juntamente com a redução, de 5,5% para 2,5% a.a., da taxa de juros cobrada no PSI, o que a levou para patamares reais nega-tivos, foram anunciadas a prorrogação e a definição de novas renúncias fiscais, num total de R$ 5,5 bilhões, divididos entre os anos de 2012 (R$ 1,6 bilhão) e 2013 (R$ 3,9 bilhões). A redução do IPI do setor automotivo foi prolongada para o final do mês de outubro, enquanto para outros setores, como o de móveis e linha branca, a cobrança de alíquotas reduzidas foi garantida até o final de 2012 e, no caso dos setores de materiais de construção e de bens de capital, até o final de 2013. Para as empresas participantes do PSI, mas com dificuldades de pagar seus compromissos, criou-se a possibilidade de acelerar (de 48 para 12 meses) a depreciação de determinados bens (caminhões e vagões), o que implica redução do lucro contábil e, consequentemente, da arrecadação de Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) (em R$ 586 milhões, segundo o Ministério da Fazenda).

O resultado primário da União da ordem de R$ 86,1 bilhões, obtido em 2012, contou com a ajuda de operações contábeis atípicas, que ficaram conhe-cidas na imprensa especializada como “contabilidade criativa”. Essas operações27

27. Um conjunto de medidas adotadas no final de dezembro de 2012 permitiu que tais operações se con-cretizassem: a Medida Provisória n. 600 permitiu ao Tesouro Nacional aumentar a concessão de crédito extraordinário à Caixa Econômica Federal por meio da emissão de títulos, vender recebíveis da Usina de Itaipu ao BNDES (cujo pagamento foi feito com ações de empresas privadas cotadas em bolsa) e ampliar os subsídios associados ao PSI; o Decreto n. 7.880 autorizou o aumento de capital da Caixa Econômica

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envolveram a troca de ativos financeiros públicos e privados entre a Secretaria do Tesouro Nacional, o BNDES, a Caixa Econômica Federal e o Fundo Soberano do Brasil28, assim como a antecipação do pagamento de dividendos ao governo, de forma a reforçar contabilmente seu resultado primário. Segundo Oreng (2013), excluídas as receitas não recorrentes, resultantes dessas operações atípicas, o re-sultado primário do setor público consolidado29 de 2012, que chegou a 2,4% do PIB, seria apenas de 1,8% do PIB.

Ademais, o esforço fiscal de 2011 e a trajetória de queda da taxa básica de ju-ros, na segunda metade de 2011 e em 2012, também contribuíram para a adoção de uma política fiscal anticíclica, implicando menor comprometimento com o pagamento de juros da dívida30. De fato, a dívida líquida do setor público foi re-duzida de 39%, no início de 2011, para 35%, no final de 2012. A dinâmica da dí-vida líquida não capta, entretanto, o suporte financeiro a um dos aspectos-chave da política anticíclica brasileira: a expansão do crédito. A capitalização dessas ins-tituições foi realizada, desde o aprofundamento da crise internacional em 2008, por meio de créditos do Tesouro. Na prática, o Tesouro emitiu títulos de dívida que foram posteriormente transferidos aos bancos públicos, a título de concessão extraordinária de empréstimo. Dessa forma, a dívida bruta aumentou (de 53,4% do PIB, em 2010, para 58,7%, em 2012), mas também cresceram os créditos do governo (os empréstimos às instituições financeiras oficiais contabilizavam 6,8% do PIB em 2010 e 9,2% em 2012). No longo prazo, contudo, essas operações não são isentas de efeitos negativos sobre as finanças públicas, uma vez que a taxa de juros que remunera os empréstimos aos bancos públicos (geralmente TJLP) é menor do que aquela que o Tesouro deve pagar (Selic).

A análise do poder indutor da política fiscal sobre a economia tem mostrado que o estado de expectativas em que o mundo e o Brasil estão inseridos exige

Federal por meio de ações da Petrobras e de outras empresas de capital aberto (tais ações tinham sido recebidas pelo Tesouro do BNDES em troca dos recebíveis de Itaipu); o Decreto n. 7.881 permitiu que o Fundo Soberano vendesse suas ações da Petrobras para o BNDES (autorizado desde 28 de dezembro a declarar “dividendos intermediários”); e a Resolução n. 4.175, do Conselho Monetário Nacional, autori-zou o BNDES a não abater de seu lucro as perdas obtidas com a queda do valor de mercado das ações de empresas como a Petrobras e a Eletrobras (AFONSO, 2011; BARROS e AFONSO, 2013). .

28. Denominado oficialmente de Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização.29. Setor público consolidado considera o esforço fiscal da União (Tesouro Nacional e Previdência Social),

estados, municípios, além do resultado do Banco Central e das empresas estatais (das três esferas de poder), exceto Petrobras e Eletrobras.

30. A mudança na composição da dívida, com o aumento da participação dos compromissos indexados a índices de preços e a juros prefixados e a queda da participação da Selic como indexador, ajuda a arrefecer esse efeito positivo.

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políticas anticíclicas de corte distinto das habituais. Elevação de investimento orçamentário e desonerações em bens de consumo podem ter impactos exíguos e apenas temporários. O esgotamento das medidas de política fiscal características do período 2008/2009 fica patente na análise da fragilidade do comportamento do nível de atividade recente.

Balanço e perspectivas

Embora o governo Dilma no seu primeiro biênio tenha mantido o mesmo tripé de política macroeconômica vigente desde 1999 (meta de inflação, regime de câmbio flutuante e metas de superávit primário), houve alterações significati-vas na gestão dessa política, que parecem estar relacionadas à evolução do cenário externo e à mudança na correlação de forças31 que apoia o governo, na qual os interesses da indústria ganharam importância ante os interesses estritamente fi-nanceiros. A indústria continua desempenhando um papel bastante relevante na economia brasileira32. A trajetória do PIB relaciona-se, assim, diretamente com os resultados da indústria de transformação: na comparação de 80 trimestres (entre o primeiro trimestre de 1993 e o quarto trimestre de 2012), verifica-se que em apenas 18 deles a expansão do PIB superou o percentual de 5% em bases anuais e, em todos esses períodos, o crescimento da indústria superou, ou ficou próximo, a esse percentual.

Constataram-se, em 2011 e 2012, melhor coordenação e harmonização das políticas monetária, cambial e fiscal e maior flexibilidade nessa gestão, com am-pliação do leque de instrumentos utilizados, dentre os quais os controles de capi-tais, os mecanismos de regulação financeira prudencial e dos derivativos cambiais e a maior utilização da política creditícia e tributária. Esse processo foi ocorrendo de forma gradual, o que sugere certo grau de pragmatismo nas decisões das auto-ridades econômicas. Em resposta às vicissitudes da conjuntura econômica de bai-xo crescimento, sobretudo do setor industrial, observou-se uma menor aderência ao cumprimento estrito das metas do tripé, que se fossem perseguidas resultariam na retração do nível de atividade e em desemprego.

O ambiente de maior regulação dos fluxos de capitais e dos derivativos cam-biais ampliou o grau de autonomia das políticas monetária e cambial. Mesmo não tendo eliminado os conflitos potenciais entre seus múltiplos objetivos (con-trole da inflação, estabilidade financeira e competitividade externa), o arsenal de

31. Ver, por exemplo, Teixeira e Pinto (2012).32. Para uma discussão sobre o papel da indústria na economia brasileira, ver capítulo 6.

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instrumentos regulatórios funciona como um filtro da volatilidade do contexto financeiro internacional, contribuindo para a maior eficácia dessas políticas e da política econômica de forma geral. Contudo, as mudanças nesse contexto ao lon-go do período em tela também auxiliaram as políticas monetária e cambial na perseguição dos seus objetivos. Assim, ironicamente, a nova onda de deterioração da crise na área do euro, a partir de março de 2012, contribuiu para o desliza-mento da taxa de câmbio até o intervalo de R$ 2,00 a R$ 2,10 por dólar, ao lado da queda da taxa Selic e da sinalização do governo brasileiro de que evitaria um novo movimento de apreciação cambial (mediante a intensificação dos controles de capitais e intervenções cambiais).

Ao mesmo tempo, a queda dos preços de várias commodities (com exceção dos grãos, devido a quebras de safras, sobretudo nos Estados Unidos) e o arre-fecimento da demanda externa reduziram o impacto, sobre as exportações, da taxa de câmbio mais competitiva, comprometendo o novo objetivo da política cambial: a manutenção da competitividade externa. De qualquer forma, a manu-tenção dessa taxa de câmbio num patamar mais competitivo é fundamental para conter a invasão de bens importados num ambiente de acirramento da busca por mercados externos, bem como para tornar atrativos os investimentos em setores tradables (precondição para a retomada sustentável das exportações num contexto de recuperação da demanda externa).

No que diz respeito ao desempenho do investimento e do crescimento, a ges-tão contracionista das políticas fiscal e monetária (entre maio de 2011 e julho de 2011) parece ter sido excessiva, embora a instabilidade do contexto internacional torne ainda mais difícil acertar a dosagem de medidas restritivas e/ou expansivas. O governo, contudo, agiu com presteza no início do segundo semestre de 2011, coordenando a condução das políticas macroeconômicas no sentido de estimular a economia.

A partir de agosto 2011, o BCB mudou a direção da política monetária, valen-do-se do contexto internacional de taxas de juros em patamares baixíssimos e da tendência de redução dos preços das commodities. No âmbito da política fiscal, e dados os efeitos insatisfatórios dos estímulos fiscais adotados no segundo semestre de 2011(desonerações em um ambiente de forte incerteza e expectativas empresa-riais pessimistas, em decorrência, sobretudo, do cenário internacional adverso), o governo acionou outros instrumentos, como o estímulo ao investimento público pelos estados e o aumento dos gastos públicos por meio de compras governamen-tais, além da ampliação das desonerações fiscais. A expectativa era que as medidas de estímulo à demanda interna e as condições mais favoráveis para o investimento

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produtivo pudessem dar início a uma nova fase de crescimento econômico. O diagnóstico por traz dessa perspectiva era de que a economia brasileira passava por uma quebra da confiança dos empresários diante do esgotamento dos vetores que a impulsionaram após a eclosão da crise de 2008. No segundo semestre de 2012, foi também promovida mudança na forma como se articulava a presença do Estado nas áreas essenciais de logística e infraestrutura.

O crescimento do PIB, em 2012, de apenas 0,9% ficou bastante abaixo das expectativas do Ministério da Fazenda para aquele ano, que apontavam para algo em torno de 4%. Esse desempenho deveu-se a uma conjunção de diferen-tes fatores – dentre os quais pesaram, inclusive, a demanda externa mais fraca e o acirramento da concorrência internacional –, mas serviu para explicitar os limites da estratégia governamental de estimular a demanda. Era de se esperar que os efeitos de medidas nessa direção fossem menos expressivos, dado o forte crescimento, nos anos anteriores, do consumo, sobretudo de bens duráveis. A aceleração da inflação no segundo semestre de 2012 e o elevado endividamento das famílias, cuja inadimplência manteve-se em patamar considerado elevado pelos bancos33, também contribuíram para a baixa eficácia das medidas de es-tímulo.

A esses fatores, soma-se um ambiente de maior incerteza, no qual as empresas devem tomar suas decisões de produção e investimento. Tal ambiente foi resul-tado não apenas das avaliações sobre a evolução das demandas interna e externa, mas possivelmente também da própria ação do governo. À medida que anúncios de desoneração fiscal para determinados setores passaram a integrar o modus ope-randi da política econômica, alguns empresários podem ter preferido adiar seus projetos e intensificar as pressões sobre o governo com o objetivo de obter algum benefício fiscal. Mudanças nas regras de concessão e de remuneração de alguns setores, tais como o de energia elétrica, também ajudaram a minar a confiança dos empresários.

No que diz respeito à evolução dos preços, as pressões inflacionárias verifica-das no segundo semestre de 2012 estenderam-se até o início de 2013, levando o IPCA, no acumulado em 12 meses, a superar, em março de 2013, o limite superior da meta de inflação. A elevação dos preços de alimentos, condicionado pela seca nos EUA e no Brasil, e o pass-through da desvalorização cambial de 2012 explicam, em boa medida, essa aceleração inflacionária. Também importante foi a decisão do governo, em janeiro de 2013, de elevar os preços dos derivados de

33. Sobre a evolução da inadimplência nesse período, ver capítulo 4.

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petróleo, devido às condições financeiras e operacionais fortemente debilitadas da Petrobras. Esses fatores cíclicos somaram-se a uma inflação de serviços e de bens não comercializáveis resistente à queda. Assim, avolumaram-se as pressões exigin-do a ratificação do compromisso do BCB no combate à inflação.

A taxa Selic foi, contudo, mantida em 7,25% a.a. até o final de março de 2013. Essa decisão contribuiu, ao menos naquele momento, para que não fos-se abortada a frágil aceleração do crescimento econômico, iniciada no último trimestre de 2012. A autoridade monetária contou, para tanto, com o auxílio de medidas do Ministério da Fazenda, ainda que nem todas elas tivessem como principal objetivo desacelerar a inflação.

O reajuste dos preços de derivados de petróleo, em janeiro de 2013, ficou abaixo das expectativas do mercado; no mesmo mês, também passou a vigorar a redução das tarifas de energia elétrica (Medida Provisória n. 605).

Em março de 2013, vários itens34 da cesta básica foram isentos de tributos federais, tais como PIS/Cofins (Medida Provisória n. 609) e IPI (Decreto-lei n. 7.947). O governo federal também conseguiu que as prefeituras de São Paulo e do Rio de Janeiro se comprometessem a postergar o reajuste do preço dos trans-portes, que geralmente ocorre no mês de janeiro. Esse adiamento acabou se trans-formando na suspensão do reajuste diante das manifestações populares de meados de 2013.

Se as medidas de desoneração fiscal e a manutenção da taxa básica de juros sugeriam que havia uma coordenação entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central, a evolução da taxa de câmbio do real sinalizava o agravamento dos di-lemas da política macroeconômica. Entre novembro de 2012 e março de 2013, o BCB deixou o real se valorizar (a taxa de câmbio passou de R$ 2,10 para R$ 1,95), voltando, então, a usar a apreciação cambial como instrumento auxiliar de combate à inflação.

Esse movimento contrapunha-se aos objetivos, reconhecidos pelo governo fe-deral, de elevar a competitividade do produto nacional, tanto no mercado domés-tico como no mercado internacional, e de promover a recuperação da indústria. Esse aparente conflito no âmbito da política cambial foi, todavia, contornado graças à inversão da tendência verificada na taxa de câmbio a partir do final de maio, quando o real (e a maioria das moedas emergentes) voltou a se depreciar em relação ao dólar – devido às estratégias de recomposição das carteiras pelos

34. A alíquota de PIS/Cofins de carnes, café, óleo, manteiga, açúcar e papel higiênico foi reduzida de 9,25% para 0%. A de pasta de dentes e sabonete passou de 12,5% para 0%. Também foi zerada a alíquota de IPI sobre açúcar e sabonete (que era de 5% antes da isenção) (DIEESE, 2013).

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investidores internacionais, após o presidente do Fed, Ben Bernanke, sinalizar que a desaceleração da política de afrouxamento quantitativo poderia ter início ainda em 2013.

Em abril de 2013, o Copom deu início a uma nova fase de elevação gradual da taxa básica de juros. Não apenas a aceleração do índice oficial de inflação, o IPCA, mas também a difusão desse aumento de preços pelos itens que o compõem jus-tificaram a decisão da autoridade monetária. Abriu-se, naquele momento, um novo período da gestão macroeconômica, em que o combate à inflação retornou ao topo das prioridades do governo.

Não se trata, aqui, de defender que houve abandono do crescimento eco-nômico a taxas mais elevadas como objetivo da política macroeconômica, mas que, diante da conjuntura e dos dilemas enfrentados por essa política, o governo trouxe para o primeiro plano o equacionamento da questão inflacionária – já que a própria aceleração dos preços de alimentos ceifou parte importante do poder de compra da nova “classe média”, que, nesse contexto, não respondeu aos estímulos oferecidos pelo governo, como em 2009 e 2010. O episódio ilustra as limitações impostas à estratégia de flexibilização do regime de política macroeconômica ain-da vigente no Brasil.

Nessa nova fase, os gargalos na infraestrutura econômica continuam li-mitando a capacidade de crescimento do país e, assim, reduzindo a eficácia da política macroeconômica no sentido de estimular o investimento privado. Embora essa questão ainda não tenha sido enfrentada de forma satisfatória, o governo reviu a estratégia até então utilizada nas licitações e concessões, que procurava compatibilizar objetivos antagônicos, quais sejam: (i) a excelência nos serviços; (ii) menores preços cobrados pelos serviços prestados; e (iii) menor valor no custo dos investimentos. Diante do seu evidente malogro, o governo federal aceitou elevar a rentabilidade desses serviços, tornando-os mais atrativos ao setor privado.

Ainda que a gestão do atual regime de política macroeconômica consiga su-perar seus próprios desafios, isso não garante que a economia brasileira ingresse numa trajetória desejável de desenvolvimento econômico, entendida como cres-cimento sustentável com distribuição de renda e inclusão social, ancorado no mercado interno e sob liderança dos investimentos – não somente em setores tradicionais da indústria e de infraestrutura, mas também em setores de ponta em termos tecnológicos, como os que fazem parte da chamada “economia ver-de”. O governo mostrou-se, recentemente, sensível a essa última dimensão, com a elaboração de vários programas, como, por exemplo, o Inova Empresa e os

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acordos setoriais para a implantação da Logística Reversa. Mas para viabilizar essa trajetória, as iniciativas precisam ser articuladas com políticas setoriais (industrial, tributária, creditícia e tecnológica), no âmbito de um plano de desenvolvimento que priorize o aumento da competitividade da indústria brasileira.

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Page 79: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

cAPÍtuLo 3

A inSerção externA do BrASiL no contexto dA criSe GLoBAL

daniela MagalhãeS PrateS

carolina troncoSo Baltar

Marina Sequetto

Introdução

O contexto da crise financeira e econômica global, analisado no capítulo 1, teve implicações significativas na dinâmica do setor externo brasileiro. A resposta inédita da política anticíclica (sobretudo monetária) adotada pelos países avan-çados, a recuperação double-speed sob liderança da China em 2009 e 2010, o acirramento da concorrência nos mercados internacional e doméstico de bens manufaturados e os recorrentes episódios de aprofundamento e alívio da crise na área do euro, em 2011 e 2012, afetaram a dinâmica dos fluxos de capitais e comerciais entre o Brasil e o exterior. Além desses fatores externos (em inglês, os push factors), alguns fatores internos (os pull factors) também condicionaram essa dinâmica, dentre os quais se destacam a política macroeconômica e os instrumen-tos de gestão dos fluxos de capitais.

O objetivo desse capítulo é analisar a inserção externa do país, nas suas dimen-sões comercial e financeira, no quadriênio 2009-20121. A próxima seção dedica-se à inserção comercial, enquanto a inserção financeira (do ponto de vista dos flu-xos líquidos de capitais) é examinada na seção seguinte. Nas considerações finais, são analisados os indicadores de vulnerabilidade externa da economia brasileira no período em tela.

1. Para uma análise da evolução dos demais componentes da conta corrente (serviços, rendas e transferências unilaterais), ver Biancareli (2012).

a economia brasileira no contexto da crise global 79

Page 80: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

A inserção comercial

Em 2007, ano imediatamente anterior à crise, o comércio exterior brasileiro foi superavitário em US$ 40 bilhões, como resultado de exportações e impor-tações de, respectivamente, US$ 161 bilhões e US$ 121 bilhões. Enquanto os valores das vendas e das compras externas atingiram recordes históricos, o sal-do, apesar de ainda elevado, mostrou retração de 13% em relação aos valores de 2006. Esse constituiu o primeiro recuo verificado desde 2002, quando a balança comercial brasileira tornou-se novamente superavitária, após um longo período (de 1995 a 2001) de déficits sucessivos (decorrentes da combinação de apreciação real da moeda doméstica e do aprofundamento da abertura comercial, dois pilares do Plano Real). Os superávits acumulados a partir de então resultaram, sobretu-do, de dois fatores: (i) dos estímulos resultantes das desvalorizações cambiais (de 1999, 2001 e 2002); e (ii) do crescimento do comércio mundial, após 2003, em termos de volume e de preços (principalmente, das commodities)2.

Com a eclosão da crise financeira internacional, esse quadro se reverteu. O saldo comercial brasileiro sofreu forte deterioração em 2008 e 2009, em relação ao desempenho registrado no biênio anterior, mas ainda se manteve positivo (su-perávits de US$ 24,8 bilhões e US$ 25,3 bilhões, respectivamente, próximos ao patamar alcançado em 2003, de US$ 24,9 bilhões). Todavia, embora os resulta-dos de 2008 e 2009 sejam próximos em termos de valores, seus determinantes foram distintos. Em 2008, o recuo de 37,7% do superávit comercial decorreu do maior ritmo de crescimento das importações, relativamente às exportações (43,4% e 23,2%, respectivamente). Em 2009, o pequeno avanço do superávit (de 1,6%) foi determinado pela maior retração das importações vis-à-vis às exporta-ções (-26,2% e -22,7%, respectivamente) (Gráficos 1 e 2).

Esse movimento indica que os impactos da crise global sobre o comércio ex-terior brasileiro alteraram-se na passagem de 2008 para 2009. A tendência obser-vada nos primeiros quatro meses após o aprofundamento da crise (de outubro de 2008 a janeiro de 2009) – de deterioração do saldo comercial, pela maior retração das exportações do que das importações – não se sustentou. Isso porque, ao longo de 2009, vários mecanismos de transmissão da crise converteram-se em fatores de estímulo às exportações (principalmente a inversão da trajetória dos preços das commodities), ao mesmo tempo em que a recuperação da atividade econômica doméstica e a apreciação do real impulsionaram as importações, sobretudo no

2. Sobre o desempenho do comércio exterior brasileiro de 2003 a 2007, ver Prates (2006); Prates (2009); Hiratuka, Baltar e Almeida (2007).

a economia brasileira no contexto da crise global 80

Page 81: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

segundo semestre. Contudo, o efeito líquido da crise sobre a balança comercial, em 2009, foi positivo (embora em menor intensidade do que a observada no primeiro semestre), pois, no segundo semestre, a queda das compras foi maior do que a das vendas externas. Assim como em 2008, o perfil da pauta exportadora (concentrada em commodities) contribuiu para atenuar o impacto negativo da crise sobre a balança comercial.

Gráfico 1. eXPortações, imPortações e saldo em u$ bilhões

138161

198

153

202

256243

91

121

173

128

182

226 223

46 4025 25 20

3019

0

50

100

150

200

250

300

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Exportação Importação Saldo

Fonte: MDIC. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Gráfico 2. eXPortações, imPortações e saldo – variação em relação ao ano anterior (em %)

1723

-23

3227

-5

32

43

-26

42

24

-1

-14

-38

1

-20

48

-35

-60

-40

-20

0

20

40

60

2007 2008 2009 2010 2011 2012

Exportação Importação Saldo

Fonte: MDIC. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 81

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O primeiro mecanismo de transmissão refere-se à abrupta contração da de-manda externa quando a crise tornou-se sistêmica, após a falência do banco Leh-man Brothers (Gráfico 3).

Gráfico 3. índice de demanda eXterna efetiva: variação % em relação ao índice no mesmo mês do

ano anterior

-28,0

-22 ,0

-16 ,0

-10 ,0

-4 ,0

2,0

8,0

14 ,0

20,0

26 ,0

32 ,0

jan.

/06

jun.

/06

dez./

06

jun.

/07

dez./

07

jun.

/08

dez./

08

jun.

/09

dez./

09

jun.

/10

dez./

10

jun.

/11

dez./

11

jun.

/12

dez./

12

Fonte: Funcex. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

De acordo com os cálculos de Gregory et al. (2012), o volume do comércio glo-bal recuou 17,5%, entre setembro de 2008 e janeiro de 2009. A queda foi sincro-nizada e muito mais intensa do que a registrada em outros momentos de recessão mundial, o que levou alguns analistas a denominarem esse período de great trade collapse devido à maior importância, no período recente, das redes de suprimento global (comércio intrafirmas) e do crédito comercial, que amplificaram os efeitos da queda da produção industrial e da contração da liquidez internacional sobre o comércio mundial (Gráfico 4). Seu impacto sobre as exportações brasileiras trans-parece na taxa de variação do índice de demanda externa efetiva (Gráfico 3), que atingiu o fundo do poço em maio de 2009 e iniciou um lento movimento de alta somente em junho, associado à recuperação das economias emergentes3.

O segundo mecanismo de transmissão da crise sobre a balança comercial foi a depreciação real da moeda brasileira no final de 2008 (Gráfico 5), que desestimu-lou as compras no exterior e contribuiu para a maior queda das importações relati-vamente às exportações em 2009 (já que os contratos de importação e exportação antecedem os embarques num prazo médio de seis meses). Contudo, a abrupta redução da atividade econômica doméstica4 foi o principal determinante da forte

3. Para uma análise detalhada do efeito-contágio da crise sobre o comércio exterior brasileiro, ver Prates, Cunha e Lélis (2011).

4. Ver capítulo 6.

a economia brasileira no contexto da crise global 82

Page 83: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

contração do valor das importações, em decorrência, principalmente, da queda das quantidades importadas. Esse comportamento reflete o fato de a pauta impor-tadora brasileira ter-se concentrado em bens industrializados de maior conteúdo tecnológico, com elevada elasticidade-renda – ou seja, cujas importações guardam alta correlação com a evolução da demanda doméstica, sobretudo do investimento e do consumo de bens duráveis (conforme analisado na próxima seção).

Em 2010, embora tanto as exportações como as importações tenham alcan-çado cifras recordes (US$ 202 e US$ 182 bilhões, respectivamente), o superávit

Gráfico 4. volume do comércio mundial de bens e serviços: variação % em relação ao volume

verificado no ano anterior

9,28,0

3,1

-10,6

12,5

6,0

2,5

-15,0

-10,0

-5,0

0,0

5,0

10,0

15,0

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: FMI. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Gráfico 5. índice de taXa de câmbio efetiva e bilateral (base: dez./2003 = 100)

40

60

80

jan/

06

jul/0

6

jan/

07

jul/0

7

jan/

08

jul/0

8

jan/

09

jul/0

9

jan/

10

jul/1

0

jan/

11

jul/1

1

jan/

12

jul/1

2

dez/

12

Cesta de 13 moedas* (R$/Cesta de 13) Estados Unidos (R$/Dólar)

Fonte: Funcex. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 83

Page 84: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

comercial foi 20% inferior ao de 2009 (US$ 20,2 bilhões) em decorrência do crescimento mais expressivo das compras em relação às vendas externas, num contexto de forte crescimento da economia brasileira, de desaceleração da de-manda externa e de continuidade da trajetória de apreciação cambial (Gráficos 1, 2, 3 e 5). A diferença desse ritmo de expansão não foi maior em função da evolução favorável dos preços das commodities5, que deu impulso adicional aos preços das exportações e aos termos de troca da economia brasileira (Gráficos 6, 7 e 8), dada a elevada participação desses produtos na pauta exportadora brasileira.

Gráfico 6. indicador de termos de troca: variação % em relação à variação no ano anterior

5,3

2,13,6

-2,4

15,9

7,9

-5,8

-10

-5

0

5

10

15

20

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: Funcex. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

No caso das importações, a principal causa do seu expressivo aumento foi a variação do quantum (+33,2%) (Gráfico 9). Esse movimento decorreu do di-namismo do mercado interno, do patamar apreciado da moeda brasileira e do acirramento da concorrência no mercado internacional de produtos industriais num contexto de baixo dinamismo nos países avançados. Ou seja, grande parte do impacto favorável da política tributária e da expansão do crédito sobre a de-

5. No primeiro trimestre de 2009, os preços das commodities iniciaram um novo movimento altista, condicio-nado tanto por fatores estruturais (subjacentes do boom de preços anterior à crise global) – financeirização do mercado de commodities e desequilíbrios entre a oferta e a demanda (associados ao efeito-China e à crescente utilização de cereais na produção de biocombustíveis, dentre outros fatores) –, como por fatores conjunturais, quais sejam: a política monetária anticíclica nos países avançados e a rápida superação do efeito-contágio pelas economias emergentes. Para maiores detalhes, ver Prates (2011).

a economia brasileira no contexto da crise global 84

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Gráfico 7. índice de Preços das commodities

0

50

100

150

200

250

300

350

400

5/1/2004 5/1/2005 5/1/2006 5/1/2007 5/1/2008 5/1/2009 5/1/2010 5/1/2011 5/1/2012 5/1/2013

Todas Commodities Matérias-primas Industriais Alimentos Óleos & Gorduras Têxteis Metais Petróleo (WTI)

Fonte: Bloomberg. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Gráfico 8. índices de Preço, quantum e valor das eXPortações (variação % acumulada no ano)

Valor

16,3 16,623,2

-22,7

32,026,8

-5,3

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Quantum

3,35,5

-2,5

-10,7

9,5

2,9

-0,3

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Preço

16,3 16,619,2

2,20,5

10,4

1,6

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: Funcex. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

manda doméstica vazou para o exterior por meio das importações. As consequên-cias adversas desse processo de forte penetração das importações já transparecem, atualmente, na indústria brasileira6.

6. Ver capítulos 5 e 6.

a economia brasileira no contexto da crise global 85

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Gráfico 9. índices de Preço, quantum e valor das imPortações (variação % acumulada no ano)

Valor

24,132,1

43,4

-26,2

42,3

24,5

-1,4

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Quantum

16,122,0

17,7

-16,9

37,0

8,9

-2,3

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Preço

6,9 8,2

21,8

-11,1

3,9

14,3

0,9

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: Funcex. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Em 2011, o comércio exterior brasileiro registrou números ainda mais im-pressionantes do que em 2010: as exportações atingiram US$ 252 bilhões e as importações US$ 226 bilhões, cifras 27% e 24% superiores às registradas em 2010. Dessa forma, o saldo comercial atingiu a marca de US$ 29,8 milhões, um avanço de 48% em relação ao verificado no ano anterior e o maior superávit desde 2007 (US$ 34,4 bilhões) (Gráficos 1 e 2). Esse superávit foi impulsionado pelo maior ritmo de crescimento das exportações relativamente às importações (24,7% e 21,1%, respectivamente), sinalizando uma mudança de padrão em relação a 2010, quando as importações cresceram mais do que as exportações (Gráfico 2).

Essa inversão no ritmo de crescimento das vendas e compras externas de-correu de uma conjunção particular de fatores externos e internos. No caso das exportações, a desaceleração dos países desenvolvidos destaca-se como fator redu-tor do mercado global no período, tendência que foi parcialmente compensada pela sustentação de maiores taxas de crescimento nas economias emergentes, que contribuiu para sustentar a demanda externa por exportações brasileiras, sobre-tudo de commodities (Gráfico 3). Ademais, esse contexto, assim como choques de oferta agrícola (IMF, 2012) e posições especulativas nos mercados de derivativos de commodities, impediu uma forte queda nas cotações desses bens, que rever-teram sua trajetória ascendente em meados do segundo trimestre de 2011, mas se mantiveram em patamares acima dos valores observados no período pré-crise (Gráfico 7). Com isso, os preços das exportações brasileiras aumentaram 23,2%

a economia brasileira no contexto da crise global 86

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(a maior variação após a crise de 2008), resultando em alta de 7,4% dos termos de troca e contribuindo, decisivamente, para o avanço no valor das vendas externas (Gráficos 6 e 9).

A melhora dos termos de troca contribuiu para atenuar o impacto adverso da apreciação do real sobre o saldo comercial (Gráfico 5), decorrente, sobretudo, do estímulo às compras externas. No entanto, o aumento das importações foi muito mais tímido do que no ano anterior, devido ao desaquecimento da economia, especialmente pela desaceleração da demanda interna por bens de capital7.

O impacto positivo da depreciação do real no segundo semestre de 20118 (de 6,7% em termos reais efetivos, após dois anos consecutivos de apreciação) sobre a balança comercial ao longo de 20129 foi atenuado pela intensificação da desacele-ração double speed nos países avançados (com recessão em algumas economias da área do euro) e nos países emergentes.

Além do seu efeito adverso sobre a demanda externa, o menor nível de ati-vidade global, somado à volatilidade financeira internacional10, contribuiu para a queda das cotações dos metais e do petróleo (também associada ao aumento da produção de petróleo nos Estados Unidos). No mercado de commodities, so-mente os preços de alguns grãos e alimentos sustentaram a trajetória altista, em função das quebras de safra provocadas por choques climáticos (IMF, 2012a e 2012b).

No caso das exportações brasileiras, o resultado líquido desses fatores em 2012 foi negativo: os preços caíram 4,9%, o primeiro recuo desde 2009, e o quantum permaneceu estagnado (0,3%), o que explica a retração de 5% nas vendas exter-nas em 2012 (em relação aos dados do ano anterior) (Gráficos 1 e 2). No caso da importação, o efeito inibidor da depreciação cambial resultou numa queda de 2,3% do quantum importado (Gráfico 9), não tendo sido mais intensa devido à forte concorrência entre os países exportadores de produtos manufaturados, que lutam para ampliar suas fatias de mercados nas economias emergentes com demanda interna dinâmica, como o Brasil. Já o recuo do valor importado foi um pouco menor devido ao avanço de 0,9% dos preços. Diante da maior retração das exportações relativamente às importações, o superávit comercial atingiu o menor

7. Ver capítulos 5 e 6.8. Sobre os determinantes da depreciação do real a partir de agosto de 2011, ver capítulo 2.9. Vale lembrar que há sempre uma defasagem temporal entre as variações cambiais e a resposta das quanti-

dades exportadas (devido aos prazos dos contratos de exportação e importação, que variam de seis meses a mais de um ano, e ao tempo necessário para alterar fornecedores, assim como a outros fatores).

10. Ver o capítulo 1.

a economia brasileira no contexto da crise global 87

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patamar do período 2009-2012 (US$ 19 bilhões), com queda de 35% com rela-ção ao percentual verificado no ano anterior.

Para avançar na compreensão da dinâmica do comércio exterior brasileiro no contexto da crise, analisa-se, a seguir, o perfil da balança comercial brasileira por intensidade tecnológica.

Balança comercial por intensidade tecnológica

Um estudo mais detalhado da balança comercial brasileira revela que seu su-perávit tem sido preservado, fundamentalmente, devido ao saldo positivo do co-mércio exterior de commodities primárias, que retomou, em 2010, a trajetória ascendente observada no período anterior à eclosão da crise financeira e econô-mica global. Todavia, apesar do crescimento considerável do superávit comercial com commodities primárias, o déficit do conjunto dos demais produtos da pauta comercial brasileira (registrado a partir de 2007) também aumentou a partir de 2010, mas num ritmo ainda maior, reduzindo o saldo comercial total do país. Assim, a pequena retração, tanto do superávit em commodities primárias, como do déficit com bens não commodities, foi um fenômeno conjuntural decorrente do efeito-contágio da fase mais aguda da crise11 sobre os preços (sobretudo, das commodities) e sobre a demanda externa por produtos brasileiros12 (Tabela 1).

tabela 1. saldo comercial, eXPortação e imPortação de commodities Primárias e não commodities.

(em us$ milhões)

Período

Saldo Comercial Commodities Primárias Não Commodities

Commodi-ties Primárias

Não Commodities

Total Exportação Importação Exportação Importação

2006 44.962,46 1.500,94 46.463,41 53.973,08 9.010,62 83.833,11 82.332,17

2007 53.686,22 - 13.658,22 40.028,00 65.475,55 11.789,33 95.173,32 108.831,54

2008 69.294,90 - 44.549,09 24.745,81 84.838,95 15.544,05 113.103,49 157.652,58

2009 64.948,21 - 39.600,80 25.347,41 75.268,36 10.320,14 77.726,39 117.327,19

2010 88.243,93 - 71.346,28 16.897,65 103.217,35 14.973,42 94.139,09 165.485,37

2011 116.949,63 - 87.154,33 29.795,29 135.635,97 18.686,34 120.402,73 207.557,07

2012 106.769,73 - 87.339,08 19.430,65 123.811,32 17.041,59 118.768,46 206.107,53

Fonte: United Nations Commodity Trade Statistics Database (UN Comtrade). Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

11. Essa fase se estendeu da falência do banco Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008, ao primeiro tri-mestre de 2009 (fundo do poço da recessão nos países avançados). Sobre as fases dessa crise, ver capítulo 1.

12. Sobre o efeito-contágio da crise sobre o setor externo brasileiro, ver Prates, Cunha e Lélis (2009).

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O aumento do déficit com bens não commodities decorreu do maior cresci-mento das importações em relação às exportações (Tabela 1). A exportação de não commodities primárias em 2012, por exemplo, foi apenas 5,7% maior do que a de 2008, percentual bem menor do que o registrado na importação de não com-modities primárias (alta de 30,7% na mesma base de comparação). O mesmo se verifica entre 2006 e 2008, quando as exportações de não commodities primárias avançaram 34,9% em relação ao crescimento de 91,5% das importações desses bens. Consequentemente, o déficit do comércio exterior com produtos que não são commodities primárias, que já foi muito expressivo em 2008, quase que do-brou entre este ano e 2012 (aumento de 96,1%). Apesar desse crescimento, o saldo comercial brasileiro total ainda se mantém positivo devido ao expressivo superávit com commodities primárias, como já foi observado.

Esse superávit, por sua vez, está diretamente associado à manutenção da trajetó-ria de crescimento dos países emergentes nos últimos anos, em especial da China, que tem sustentado a demanda mundial por energia, alimentos e outros insumos primários (FUNDAP, 2011) e contribuído para a alta dos preços desses bens. Além disso, como salientado por Cunha, Lélis e Bichara (2012), a China intensificou, no contexto da crise financeira global, sua presença na periferia capitalista, como uma estratégia para compensar a perda de dinamismo nas regiões centrais.

A Tabela 2 mostra o destino das exportações brasileiras de commodities pri-márias, separando as regiões em grandes blocos econômicos, como: Aladi, Nafta, Mercosul, União Europeia, Ásia menos China, China e Resto do Mundo. Os dados do período 2010-2012 são comparados com os dos anos 2006-2008, para avaliar se houve mudança no destino das exportações de commodities primárias entre os dois períodos (antes e após a eclosão da crise global).

tabela 2. eXPortação de commodities Primárias Por reGião de destino

RegiãoParticipação Crescimento Médio

2006-2008 2010-1012 2006-2008 2010-2012

Aladi 2,63 2,76 66,40 10,32

Ásia 25,95 39,62 37,33 14,83

Ásia-China 12,67 13,78 30,79 13,42

China 13,29 25,83 44,05 15,62

Mercosul 2,45 2,23 24,96 2,17

Nafta 8,48 5,70 4,11 5,94

Resto do Mundo 26,97 26,21 19,56 7,40

União Europeia 33,51 23,48 24,67 4,94

Fonte: UN Comtrade. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 89

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Em 2012, os principais compradores de commodities primárias brasileiras fo-ram, em ordem decrescente, Ásia, Resto do Mundo e União Europeia. A despei-to de os principais destinos das exportações brasileiras serem os mesmos desde 2006, nota-se uma importante mudança nas participações relativas. A Ásia, por exemplo, recebeu quase 40% das exportações brasileiras desses produtos no perí-odo 2010-2012, em relação ao percentual de 26% em 2006-2008. Esse aumento considerável da participação da Ásia ocorreu, principalmente, devido ao elevado aumento de participação relativa da China como destino das exportações brasilei-ras de commodities primárias, em detrimento dos países desenvolvidos, sobretudo os da União Europeia. Nesse último caso, houve redução de participação relativa, dos 33,5% do período 2006-2008 para quase 24% das exportações nos anos 2010-2012. Assim, pode-se afirmar que o superávit comercial brasileiro foi man-tido após 2008 devido, quase que exclusivamente, à expansão das exportações de commodities primárias para a Ásia, especialmente para a China.

Ademais, embora o superávit comercial total médio de 2011 e de 2012 seja muito semelhante ao de 2008, o déficit comercial com produtos não commodities primárias praticamente duplicou. Para analisar as exportações e importações dos produtos não commodities primárias em mais detalhe, adota-se a metodologia elaborada pela Unc-tad (1996), que classifica os produtos de acordo com sua intensidade tecnológica, e aperfeiçoada pelo Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (Neit), do Instituto de Economia da Unicamp, que acrescenta à metodologia da Unctad mais uma cate-goria, que é a de ‘Petróleo e Outros Insumos Energéticos’. Os produtos pertencentes a essa última categoria encontravam-se, na classificação original, seja em produtos ‘Não Classificados’, seja na categoria ‘Alta Intensidade Tecnológica’, como, por exemplo, óleos de petróleo e propano e butano liquefeito. Os produtos manufaturados (não commodities primárias) por intensidade tecnológica são, então, classificados nesse ar-tigo em: Intensivos em Trabalho e Recursos Naturais; Baixa Intensidade Tecnológica; Média Intensidade Tecnológica; Alta Intensidade Tecnológica; Petróleo e Outros In-sumos Energéticos; e Não Classificados.

A classificação dos produtos por intensidade tecnológica permite aprofundar a análise do dinamismo do comércio do país. Lall (2003) salienta a importância dos produtos manufaturados para o crescimento das exportações mundiais, entre 1985 e 2000, e as menores taxas de crescimento dos produtos baseados em recur-sos naturais relativamente aos de alta tecnologia. Assim, no período analisado pelo autor, os produtos de alta intensidade tecnológica foram os mais dinâmicos, os de baixa e média intensidades cresceram a uma taxa constante e os produtos com vantagens naturais foram os que apresentaram menor dinamismo. Marçal e Novais

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(2009) atualizaram o estudo de Lall, comparando os dados dos anos 1990 e 2007, e concluíram que as commodities primárias e os produtos intensivos em trabalho e recursos naturais perderam participação relativa no total do comércio mundial, em contraposição ao aumento de peso dos bens intensivos em tecnologia.

A Tabela 3 mostra o saldo comercial do Brasil com bens não commodities primárias nas diferentes categorias de intensidade tecnológica. Nota-se que o au-mento do déficit com esses bens decorre da deterioração do resultado comercial em todas as categorias. Porém, as que mais contribuíram para esse aumento foram as de média intensidade tecnológica, alta intensidade tecnológica e petróleo e outros insumos energéticos.

tabela 3. saldo comercial brasileiro de manufaturados Por intensidade tecnolóGica (em us$ milhões)

Período

Intensivas em Trabalho e Recursos

Naturais

Baixa Intensidade

Média Intensidade

Alta Intensidade

Não Classificados

Petróleo e Outros Insumos

Energéticos

Total Manufaturados

2006 6.701,12 7.613,70 2.775,51 - 11.502,40 2.457,19 - 6.544,17 1.500,94

2007 6.245,09 7.372,02 - 4.808,99 - 12.386,88 -1.056,72 - 9.022,74 - 13.658,22

2008 3.749,27 8.761,44 - 21.139,29 - 17.855,66 - 2.466,61 - 15.598,24 - 44.549,0 9

2009 1.451,73 4.089,99 - 21.067,23 - 15.923,55 - 2.945,10 - 5.206,64 - 39.600,80

2010 54,62 1.962,93 - 31.667,49 - 22.877,46 - 8.703,82 - 10.115,07 - 71.346,28

2011 - 2.179,58 5.939,01 - 44.881,15 - 24.747,52 - 6.108,46 - 15.176,63 - 87.154,33

2012 - 3.547,80 4.895,74 - 43.135,67 - 26.922,07 - 4.911,93 - 13.717,36 - 87.339,08

Fonte: UN Comtrade. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

A categoria de média intensidade tecnológica, que era ligeiramente superavitá-ria em 2006, tornou-se, crescentemente, deficitária a partir de 2007 (com exceção de 2009, devido ao efeito-contágio da crise). O déficit em 2012 atingiu quase me-tade do déficit total com bens manufaturados. No caso dos produtos de alta inten-sidade tecnológica, que já apresentavam déficit elevado em 2006, esse aumentou, consideravelmente, até 2012. O mesmo ocorreu com petróleo e outros insumos energéticos, cujo déficit, em 2012, foi quase o dobro daquele registrado em 2006. Nos produtos de baixa intensidade tecnológica, o superávit comercial foi mantido, mas apresentou trajetória descendente ao longo dos anos. Nos produtos intensivos em trabalho e recursos naturais, os pequenos superávits verificados no início do período foram substituídos por déficits, a partir de 2011.

No que se refere às importações, embora o crescimento econômico brasileiro após 2009 tenha sido inferior ao verificado nos anos anteriores à crise, as compras externas de bens não commodities primárias mantiveram taxas expressivas de cres-

a economia brasileira no contexto da crise global 91

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cimento devido à apreciação cambial e ao crescimento do consumo doméstico13, afetando negativamente o saldo comercial brasileiro com bens manufaturados. A deterioração desse saldo, todavia, apresentou diferenças em termos de destino e origem das exportações e importações nas diferentes categorias de intensidade tec-nológica, como detalhado a seguir.

Produtos de média intensidade tecnológica

A Tabela 4 mostra os resultados do comércio brasileiro com produtos de mé-dia intensidade tecnológica no período compreendido entre 2006 e 2012. Nota-se que o surgimento e o aprofundamento do déficit comercial nessa categoria ocorreram devido à maior taxa de crescimento, no período, das importações re-lativamente às exportações. As vendas externas de produtos de média intensidade tecnológica tiveram a seguinte trajetória: apresentaram alta entre 2006 e 2008, revertida para queda em 2010 e nova elevação em 2012, quando atingiu então um valor semelhante ao verificado em 2008. Em contrapartida, as importações desses produtos avançaram de forma ininterrupta em todos os anos analisados, alcançando em 2012 um valor 184% superior ao registrado em 2006.

tabela 4. comércio brasileiro de Produtos de média intensidade tecnolóGica – 2006 a 2012

2006 2008 2010 2012

Exportação (em US$ milhões) 32.902,40 42.225,97 35.467,82 42.517,43

Participação por regiões (%)

Aladi 14,71 13,15 14,37 15,60

Ásia (menos China) 2,27 3,63 3,24 4,56

China 1,65 1,10 1,38 1,84

Mercosul 21,78 27,46 34,63 29,96

Nafta 30,82 24,02 20,43 23,28

Resto do Mundo 13,32 14,07 10,86 10,26

União Europeia 15,46 16,57 15,09 14,49

Importação (em US$ milhões) 30.126,89 63.365,25 67.135,31 85.653,10

Participação por regiões (%)

Aladi 29,96 24,48 24,50 21,35

Ásia (menos China) 3,69 4,49 3,72 2,75

China 3,75 5,72 4,20 3,31

Mercosul 3,69 3,35 3,23 3,08

Nafta 42,86 46,59 42,71 47,15

Resto do Mundo 8,04 6,32 6,46 6,03

União Europeia 8,01 9,07 15,18 16,33

Fonte: UN Comtrade. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

13. Ver capítulo 5.

a economia brasileira no contexto da crise global 92

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O aumento do déficit com bens de média intensidade tecnológica ocor-reu com pouca variação relativa entre as regiões de origem e destino. O Nafta e a Aladi continuaram sendo, em 2012, as principais regiões de origem das importações brasileiras de produtos de média intensidade tecnológica. Houve, porém, um ganho de participação da União Europeia após 2010, que dos 9% de participação relativa, em 2008, passou para 16,3%, em 2012. Esse processo, ao que tudo indica, está associado à crise global que, desde 2008, tem atingido os países desenvolvidos. Por um lado, diante da demanda reprimida nos seus mercados de origem, os produtos europeus têm procurado consolidar suas ven-das para países emergentes, como o Brasil. Por outro lado, a política econômica doméstica entre 2008 e 2012 baseou-se em forte estímulo ao consumo, que vazou para o exterior (num contexto de apreciação do real em termos reais até meados de 2011 e de acirramento da concorrência no mercado internacional), resultando no aumento das importações de bens de média intensidade tecnoló-gica, nos últimos anos.

Já no caso das exportações, houve uma mudança de composição das regiões de destino, com aumento da participação relativa principalmente do Mercosul, mas também da Aladi e da Ásia (exclusive da China), em detrimento do Nafta, do Resto do Mundo e da União Europeia. Esse aumento da participação dos países emergentes, em relação aos desenvolvidos, na pauta de exportação brasileira de bens de média intensidade tecnológica reflete o melhor desempenho econômico desses países no contexto de recuperação e desaceleração double-speedy da econo-mia mundial, que sucedeu a eclosão da crise global14.

Produtos de alta intensidade tecnológica

O aprofundamento do déficit comercial brasileiro com produtos de alta inten-sidade tecnológica também ocorreu devido ao maior crescimento das importações relativamente às exportações. As importações brasileiras em 2006 tinham, como principais regiões de origem, a China e a União Europeia, mas nota-se o aumento significativo da participação relativa do Nafta após a eclosão da crise financeira global, e também da União Europeia em 2012, em detrimento da China. Essa última perde participação relativa nas importações brasileiras de produtos de alta intensidade tecnológica ao longo do tempo, passando de uma participação de 54,4% do total, em 2006, para 37,2% em 2012 (Tabela 5).

14. Sobre esse contexto, ver capítulo 1.

a economia brasileira no contexto da crise global 93

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tabela 5. comércio brasileiro de Produtos de alta intensidade tecnolóGica – 2006 a 2012

2006 2008 2010 2012

Exportação (em US$ milhões) 8.365,66 11.924,83 10.822,92 12.706,88

Participação por regiões (%)

Aladi 12,75 11,59 13,58 12,91

Ásia (menos China) 2,75 3,42 4,30 3,77

China 1,78 3,35 5,24 9,32

Mercosul 14,61 11,46 16,28 12,09

Nafta 31,23 30,76 15,23 20,06

Resto do Mundo 17,14 20,04 15,81 13,88

União Europeia 19,74 19,38 29,56 27,97

Importação (em US$ milhões) 19.868,06 29.780,49 33.700,37 39.628,94

Participação por regiões (%)

Aladi 1,55 1,47 1,85 1,74

Ásia (menos China) 1,37 2,22 2,69 2,51

China 54,43 47,92 44,72 37,16

Mercosul 2,74 2,06 3,30 3,30

Nafta 6,76 8,44 10,98 11,97

Resto do Mundo 0,75 0,80 0,97 1,38

União Europeia 32,42 37,09 35,50 41,95

Fonte: UN Comtrade. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

No caso das exportações de produtos de alta intensidade tecnológica, as re-giões de destino são mais diversificadas, com baixa participação relativa apenas dos países da Ásia. O crescimento das exportações, entre 2006 e 2012, ocorreu, entretanto, com o aumento da participação da União Europeia e com a redução da participação relativa do Nafta. Apesar do crescimento das exportações brasilei-ras desses produtos, no período, as importações continuaram bastante elevadas, gerando um constante déficit comercial na categoria.

Petróleo e outros insumos energéticos

O aprofundamento do déficit comercial brasileiro da categoria petróleo e ou-tros insumos energéticos também decorreu do crescimento mais expressivo das importações relativamente às exportações (crescimento médio, no período 2010-2012, de 15,8% nas importações contra 15,5% nas exportações). O crescimento das importações ocorreu sem muita alteração nas regiões de origem desses fluxos, com a preservação da alta participação do Nafta e da Aladi nas importações bra-sileiras desses produtos, como aponta a Tabela 6.

a economia brasileira no contexto da crise global 94

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tabela 6. comércio brasileiro de Petróleo e outros insumos enerGéticos – 2006 a 2012

2006 2008 2010 2012

Exportação (em US$ milhões) 10.590,24 18.689,26 19.842,84 26.469,21

Participação por Regiões (%)

Aladi 14,71 10,44 6,98 5,40

Ásia (menos China) 6,67 3,62 3,03 4,89

China 7,89 9,11 20,43 18,27

Mercosul 6,59 6,87 5,85 5,48

Nafta 22,55 26,62 22,53 24,43

Resto do Mundo 28,80 29,16 27,13 23,82

União Europeia 12,79 14,17 14,05 17,71

Importação (em US$ milhões) 17.134,41 34.287,50 29.957,91 40.186,57

Participação por Regiões (%)

Aladi 26,25 24,65 26,86 26,11

Ásia (menos China) 6,44 6,79 6,69 5,88

China 5,21 4,71 4,29 4,28

Mercosul 5,85 5,18 5,16 5,17

Nafta 47,79 48,80 46,59 45,71

Resto do Mundo 6,40 6,48 5,95 5,93

União Europeia 2,06 3,39 4,46 6,93

Fonte: UN Comtrade. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Nessa categoria de produto, os mercados de destino são mais diversificados, porém notam-se algumas alterações de participação relativa após a crise global. A Aladi, Ásia (exclusive a China) e Resto do Mundo perderam participação rela-tiva nas exportações brasileiras, simultaneamente ao aumento de participação da China e da União Europeia – o que também reflete os estímulos positivos da de-manda chinesa por recursos naturais e alimentos. Cunha, Lélis e Bichara (2012) mostram que houve deterioração na qualidade do comércio bilateral entre Brasil e China, principalmente após a crise financeira global, decorrente das exportações brasileiras de produtos com menor grau de sofisticação e de suas importações de manufaturados cada vez mais sofisticados.

Produtos de baixa intensidade tecnológica

O superávit comercial dos produtos de baixa intensidade tecnológica, en-tre 2006 e 2012, apresentou redução ao longo desse período devido, princi-palmente, ao aumento das importações (Tabela 7). A crise global fez diminuir as exportações brasileiras desses produtos, apesar da recuperação registrada

a economia brasileira no contexto da crise global 95

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em 2012. Entretanto, o valor atingido naquele ano foi inferior ao verificado em 2008. No caso das importações, o crescimento ocorreu em todos os anos analisados, atingindo valores muito superiores aos registrados antes da crise global.

Apesar desse aumento das importações, as exportações brasileiras desses pro-dutos ultrapassaram as importações, preservando o superávit de comércio no contexto da crise. O mercado de destino dessas exportações brasileiras é bastante diversificado, tendo, em 2006, como principais mercados o Nafta, a União Euro-peia, Resto do Mundo e Aladi. Após 2008, houve uma mudança na participação relativa, com a Ásia e o Mercosul ganhando participação relativa em detrimento do Nafta e do Resto do Mundo.

No caso das importações desses bens, as principais regiões de origem das compras brasileiras em 2006 foram Aladi, Nafta e Resto do Mundo. Essas regi-ões permaneceram as mais importantes em 2012, mas houve um crescimento expressivo da participação relativa do Nafta em detrimento das duas outras regiões.

tabela 7. comércio brasileiro de Produtos de baiXa intensidade tecnolóGica – 2006 a 2012

2006 2008 2010 2012

Exportação (em US$ milhões) 11.077,80 16.390,15 11.556,97 14.677,14

Participação por regiões (%)

Aladi 13,14 11,07 12,18 11,73

Ásia (menos China) 8,13 16,01 16,28 11,24

China 1,85 3,30 5,16 4,96

Mercosul 8,52 11,53 13,21 11,99

Nafta 38,10 25,99 20,94 31,77

Resto do Mundo 13,26 16,19 12,49 8,15

União Europeia 17,00 15,90 19,73 20,17

Importação (em US$ milhões) 3.464,10 7.628,71 9.594,04 9.781,39

Participação por regiões (%)

Aladi 33,22 19,22 19,27 18,77

Ásia (menos China) 3,08 4,05 5,82 4,99

China 4,98 5,46 5,72 5,00

Mercosul 5,28 4,57 5,26 5,58

Nafta 33,08 40,71 43,92 46,80

Resto do Mundo 17,56 19,85 14,90 14,48

União Europeia 2,79 6,15 5,12 4,37

Fonte: UN Comtrade. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 96

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Produtos intensivos em trabalho e recursos naturais

O déficit comercial com produtos intensivos em trabalho e recursos naturais ocorreu devido ao aumento nas importações e à redução nas exportações, en-tre 2006 e 2012 (Tabela 8). O crescimento médio das importações, no período 2010-2012, foi de 16%, em detrimento de uma queda das exportações de 0,53% no mesmo período. A redução das exportações ocorreu com queda de partici-pação relativa do Nafta e da União Europeia, refletindo os efeitos da crise atual nesses países.

tabela 8. comércio brasileiro de Produtos intensivos em trabalho e recursos naturais – 2006 a 2012

2006 2008 2010 2012

Exportação (em US$ milhões) 11.100,33 11.760,12 10.201,67 10.094,47

Participação por regiões (%)

Aladi 9,75 13,43 12,84 15,97

Ásia (menos China) 5,40 4,99 5,78 6,53

China 3,88 3,87 4,80 6,23

Mercosul 12,85 15,90 18,37 19,05

Nafta 35,77 24,85 22,41 21,55

Resto do Mundo 10,73 13,34 12,57 13,41

União Europeia 21,63 23,61 23,23 17,26

Importação (em US$ milhões) 4.399,21 8.010,85 10.147,04 13.642,27

Participação por regiões (%)

Aladi 6,29 5,49 4,91 4,56

Ásia (menos China) 1,75 2,05 1,58 1,90

China 28,68 27,75 26,06 29,09

Mercosul 4,46 3,87 3,71 3,33

Nafta 39,74 43,55 52,37 51,35

Resto do Mundo 4,61 4,47 3,66 2,73

União Europeia 14,47 12,83 7,72 7,05

Fonte: UN Comtrade. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Já o aumento das importações desses produtos refletiu o aumento das compras externas do Nafta e, em menor medida, da China, que ampliaram suas participa-ções relativas no total, reflexo das estratégias agressivas de aumento das fatias de mercado nos países com mercados consumidores mais dinâmicos (dentre os quais o Brasil) no contexto da crise global. Em contrapartida, a União Europeia, Aladi e Resto do Mundo perderam participação relativa nas importações brasileiras des-ses bens no mesmo período.

a economia brasileira no contexto da crise global 97

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A inserção financeira

A inserção financeira da economia brasileira também sofreu mudanças rele-vantes no período 2009-201215. O retrato dessa inserção é a conta financeira do balanço de pagamentos, que registra os fluxos líquidos de capitais entre o país e o exterior, e que corresponde ao saldo entre o ingresso líquido de capitais estrangei-ros e a saída líquida de capitais brasileiros.

É possível identificar três fases distintas da inserção financeira. A primeira abrange o biênio 2009-2010, caracterizado por um movimento ascendente na conta financeira e no ingresso líquido de capitais estrangeiros (mesmo padrão ob-servado no período 2006-2007). A segunda ocorre em 2011, quando esse movi-mento sincrônico deixou de ocorrer, já que, apesar do recuo de 16% desse ingres-so, o superávit da conta financeira avançou 12%, em função da menor saída de capitais brasileiros para o exterior (que diminuiu 64% em relação ao percentual obtido em 2010). Em 2012, esse movimento foi novamente observado, mas com sinal invertido, ou seja, os superávits da conta financeira e do ingresso líquido de capitais estrangeiros diminuíram na comparação com os dados do ano anterior – todavia, a deterioração dessa conta foi mais intensa (33% contra 21%) devido à maior saída de capitais brasileiros para o exterior (+41% em relação aos índices de 2011) (Gráfico 10).

Gráfico 10. conta financeira (em us$ bilhões) – 2005 a 2012

-10

15

88

28

70

99111

75

-1

52

114

52

86

158

132

104

-9

-37-25 -24

-16

-59

-21-30

-100

-50

0

50

100

150

200

Conta Financeira Ingresso líquido de capitais estrangeiros Saída líquida de capitais brasileiros

2006 2007 2008 2009 2010 2011 20122005

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

15. Não será analisado, aqui, o efeito-contágio da fase mais aguda da crise sobre a conta financeira, que se con-centrou no último trimestre de 2008. Sobre esse efeito, ver Prates, Bichara e Cunha (2009); Prates (2012).

a economia brasileira no contexto da crise global 98

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A composição da conta financeira, no que diz respeito ao perfil dos fluxos líquidos de capitais, também não se manteve estável entre 2009 e 2012. Nesse critério, chamam a atenção as mudanças ocorridas entre 2010 e 2012 (Tabela 9). Se, em 2010, o investimento direto respondeu por somente 37,4% do superávit dessa conta, contra 62,7% dos fluxos financeiros (que abrangem os investimentos de portfólio e os outros investimentos), em 2011 e, sobretudo, em 2012, esses fluxos perderam participação, simultaneamente ao avanço do investimento dire-to, que atingiu 91,2% do total em 2012. Vale ressaltar que, nos dois anos, essa modalidade de capital foi mais do que suficiente para financiar o déficit em conta corrente (US$ 52,5 bilhões, em 2011, e US$ 54,2 bilhões, em 2012 – Tabela 1A, do Anexo Estatístico, ao final deste capítulo)16.

tabela 9. comPosição da conta financeira (em us$ milhões) – 2005 a 2012

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Conta Financeira - 10.127 15.430 88.330 28.297 70.172 98.793 110.807 74.639

Investimento Direto 12.550 - 9.380 27.518 24.601 36.033 36.919 67.689 68.093

% Total n.d. n.d. 31,2 86,9 51,3 37,4 61,1 91,2

Fluxos Financeiros - 22.636 24.769 61.522 4.008 33.983 61.986 43.115 6.520

% Total n.d. n.d. 69,7 14,2 48,4 62,7 38,9 8,7

Investimentos de Portfólio 4.885 9.081 48.390 1.133 50.283 63.011 35.311 8.273

% Total n.d. n.d. 54,8 4,0 71,7 63,8 31,9 11,1

Outros Investimentos - 27.521 15.688 13.131 2.875 - 16.300 - 1.024 7.804 - 1.753

% Total n.d. n.d. 14,9 10,2 - 23,2 - 1,0 7,0 - 2,3

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

As mudanças sintetizadas na tabela resultaram da interação de um conjunto de fatores externos e internos que condicionaram tanto o ingresso líquido de capitais es-trangeiros como a saída líquida de capitais brasileiros para o exterior. Devido ao elevado grau de abertura financeira da economia brasileira17, cada vez mais os dois tipos de flu-xos são influenciados (em menor ou maior grau) pelos mesmos fatores. Ademais, com o avanço da internacionalização dos capitais brasileiros (sobretudo do investimento direto), nos últimos anos, sua evolução passou a exercer maior influência no resultado da conta financeira, embora ainda menor do que a dinâmica dos capitais estrangeiros.

16. Dado o aumento da internacionalização das empresas brasileiras, nos últimos anos, parece mais apropria-da a comparação do resultado obtido nas transações correntes com fluxo líquido de investimento direto (em vez do investimento direto externo).

17. Em 2005, com a unificação do mercado de câmbio, foram eliminadas as restrições ainda existentes à saída desses capitais (PRATES, 2006).

a economia brasileira no contexto da crise global 99

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No que se refere aos condicionantes externos, a abrupta retração dos fluxos de capitais para as economias emergentes no último trimestre de 2008 – desencade-ada pela fase mais aguda da crise financeira global – foi efêmera (Gráfico 11). No final do primeiro trimestre de 2009, esses fluxos começaram a fluir novamente para essas economias em busca de ganhos especulativos num contexto de taxas de juros historicamente baixas, expansão da liquidez nos países centrais e redução da aversão aos riscos em âmbito global18 (IIF, 2011; IMF, 2011a). Assim, a respos-ta (anticíclica) de política à crise deu origem, num curto período de tempo, ao quarto boom de fluxos de capitais desde o colapso do regime de Bretton Woods, em 197319 (AKYÜZ, 2011). Ou seja, como nos ciclos precedentes, os principais determinantes do retorno dos capitais estrangeiros para as economias emergentes, a partir do final do primeiro trimestre de 2009, foram os chamados push factors (fatores externos), sobretudo as condições monetárias frouxas nos países centrais e, em especial, no país emissor da divisa-chave, os Estados Unidos. Ademais, a dimensão inédita das ações anticíclicas (monetária e fiscal) conseguiu evitar a depressão, contribuindo para a rápida redução da aversão global ao risco, outro condicionante fundamental da dinâmica desses capitais. Todavia, da mesma for-ma que nos episódios anteriores de money chasing yield, os pull factors (os fatores internos) fomentaram os fluxos de capitais para as economias emergentes.

A diferença entre os juros interno e externo tornou-se maior após a crise devido ao patamar das taxas de juros nos países centrais, bem como à redução do risco relativo dos ativos emitidos por empresas, bancos e governos dos países emergentes (dentre os quais o Brasil), por conta da saída bem-sucedida da crise. Nesse contexto, as operações de currency carry trade e arbitragem de juros20 ressurgiram com toda

18. Sobre as diversas fases da crise financeira global, ver capítulo 1.19. Relembrando, esses ciclos foram: (i) o ciclo que emerge em meados dos anos 1970, com a reversão da fase

altista por conta do choque de juros de 1979 e da crise da dívida externa de 1982; (ii) o ciclo verificado nos anos 1990, cuja fase baixista estendeu-se de meados de 1997, com a crise asiática, até o ano de 2002; (iii) o ciclo de 2003-2008, que teve seu pico em 2007 e sua fase de baixa no último trimestre de 2008 (AKYÜZ, 2011). Para maiores detalhes sobre os dois últimos ciclos, ver Biancareli (2012).

20. Ambas as operações buscam usufruir o diferencial de juros entre aplicações denominadas em duas moe-das distintas e têm impacto sobre os fluxos de capitais e o balanço de pagamento. Contudo, nas operações de arbitragem de juros realiza-se, simultaneamente, uma operação de hedge cambial, enquanto no currency carry trade o investidor se endivida na moeda de menor taxa de juros e aplica em ativos denominados na moeda de maior taxa de juros (em inglês, moedas funding e target, respectivamente), sem neutralizar o risco cambial. Assim, essa última operação, além de alavancada, tem um perfil especulativo, pois envolve uma aposta na variação cambial no período da aplicação (que pode ampliar ou anular o ganho proveniente do diferencial de juros). Além dessa tipo de currency carry trade, que envolve fluxos efetivos de divisas (denominado de canônico), há também o derivatives carry trade, no qual o investidor forma uma posição vendida na moeda funding e uma posição comprada na moeda target.

a economia brasileira no contexto da crise global 100

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força (IMF, 2011b), impulsionando os fluxos de dívida, atraídos pelo diferencial de juros. A rápida retomada do crescimento econômico (a taxas bem mais elevadas do que nos países centrais) também fomentou expectativas de valorização dos ativos e de apreciação cambial nas economias emergentes, estimulando os investimentos de portfólio em ações e os fluxos de investimento direto externo (Gráfico 11).

Gráfico 11. fluXos de caPitais de não residentes Para os Países emerGentes (em us$ bilhões) –

2005 a 2012

647

775

1.237

679 649

1.108 1.084 1.0801.118

-200

0

200

400

600

800

1.000

1.200

1.400

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011* 2012** 2013**

Total Portfólio em ações IDE Dívida com não residentes (1)

Fonte: IIF. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. (1) Dívida no exterior (bancária e securitizada), crédito de fornecedores e investimentos de portfólio em renda fixa nos

mercados domésticos.

Vale ressaltar que, embora os fluxos de capitais de não residentes para as eco-nomias emergentes não tenham atingido o pico do ciclo pré-crise, observado em 2007 (e não o atingirão até 2013, segundo as projeções do Institute of Interna-tional Finance, IIF), o vale alcançado em 2010 (recorde, até o momento, do ciclo pós-crise) foi somente 10,4% inferior àquele pico. Em contrapartida, no caso dos fluxos globais de capitais, o valor recorde (até o momento) registrado em 2010 (US$ 6,1 trilhões) foi cerca de 50% menor do que o pico alcançado em 2007 (US$ 11,8 bilhões), segundo dados do McKinsey Global Institute (2013). Assim, esses dados revelam que as economias emergentes ampliaram sua participação nesses fluxos em função da interação dos fatores externos e internos mencionados acima21.

21. O relatório do McKinsey Global Institute (2013) destaca também que, apesar de o estoque de ativos financeiros globais ter mantido uma trajetória de crescimento após a eclosão da crise financeira global, em-bora a taxas bem menores (atingindo US$ 225 trilhões contra US$ 206 trilhões em 2007, pico pré-crise), houve, em porcentagem do PIB, um recuo de 43 pontos percentuais, de 355% para 312%.

a economia brasileira no contexto da crise global 101

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No início da fase de alta, o retorno dos fluxos foi seletivo, beneficiando, so-bretudo, economias (em sua maioria, asiáticas e latino-americanas) com situação externa e fiscal mais robusta, as quais superaram rapidamente o efeito-contágio da fase mais aguda da crise (graças à menor dependência das exportações como fonte de demanda e/ou às políticas anticíclicas adotadas) ou mantiveram suas taxas de juros domésticas em patamares relativamente elevados (caso do Bra-sil, como destacado a seguir). A partir do segundo semestre de 2009, com a queda adicional da aversão ao risco, propiciada pelas condições mais favoráveis nos mercados financeiros globais, o movimento ganhou impulso e, ao longo de 2010, se generalizou, passando a envolver, de forma praticamente indiscrimi-nada, o conjunto de divisas e ativos emergentes (inclusive de países com maior fragilidade externa e fiscal).

A partir de então, a seletividade foi substituída pela não diferenciação dos riscos (mais uma semelhança com as condições observadas nas fases altistas dos ciclos anteriores) devido, mais uma vez, aos impulsos adicionais vindos do centro: (i) a crise soberana do euro, que beneficiou os ativos emergentes ao elevar o risco de um grupo relevante de países avançados (os chamados GIIPS, Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha); e, principalmente, (ii) a segunda rodada da política de afrouxamento quantitativo (quantitative easing) adotada pelo Federal Reserve, a partir de novembro de 2010. Ademais, a nova conjuntura macroeconômica das economias emergentes também deu impulso ao boom. Desde o início de 2010, os bancos centrais de vários países começaram a elevar suas taxas de juros básicas em resposta às pressões inflacionárias decorrentes do sobreaquecimento econômico e, sobretudo, da alta de preços das commodities, a partir do primeiro trimestre de 200922.

Essa alta foi, por sua vez, fomentada pela mesma conjuntura macroeconômica subjacente ao novo ciclo de fluxos de capitais, qual seja: juros baixos e liquidez abundante, que estimularam a especulação financeira nos mercados de derivativos de commodities e a recuperação double-speed, sob liderança da China (que reforçou os desequilíbrios estruturais entre oferta e demanda, em vários mercados). No caso do Brasil, além de beneficiar as exportações de commodities, esse novo boom de preços atraiu fluxos de investimento direto estrangeiro (IDE) para os setores agrícola e extrativista, bem como desestimulou os investimentos no exterior (e/ou estimulou a repatriação de recursos) por parte de grupos econômicos brasileiros que atuam nesses setores. Adicionalmente, essa mesma recuperação assimétrica

22. Contexto esse que teria resultado na currency war, termo lançado pelo ministro da Fazenda Guido Man-tega, em setembro de 2010.

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fomentou os fluxos de IDE para setores não comercializáveis da economia bra-sileira, diante do potencial de expansão do mercado doméstico (Tabela 2A, do Anexo Estatístico).

Ao longo do segundo semestre de 2011, com o aprofundamento da crise na área do euro, os dois booms (de fluxos de capitais e de preço das commodities) perderam fôlego. Ao resultar numa forte deterioração das expectativas dos agen-tes, esse aprofundamento teve como desdobramentos o aumento da volatilidade nos mercados financeiros internacionais e a intensificação da desaceleração nas economias avançadas.

No final de dezembro, contudo, o risco de falência de instituições financeiras relevantes com alta exposição aos GIIPS (e, assim, a ameaça de uma nova crise sistêmica) foi afastado, pela oferta de liquidez às instituições bancárias, feita pelo Banco Central Europeu (BCE) no âmbito de uma nova linha de crédito com condições de prazo e custo extremamente favoráveis. Nesse contexto, a aversão aos riscos diminuiu, estimulando, novamente, a realocação dos portfólios globais em direção a ativos de maior retorno e risco. Na realidade, em vez de serem di-recionados para a compra de títulos soberanos dos países europeus em crise, os recursos dessa linha foram direcionados, em grande parte, para moedas, bolsas de valores e títulos de renda fixa de economias emergentes.

A partir de então, como uma solução definitiva para essa crise ainda não foi ar-quitetada, os mercados financeiros internacionais (e, consequentemente, os fluxos de capitais para as economias emergentes) alternaram períodos de melhoria (após ações ou pronunciamentos de autoridades europeias) e de retrocesso, quando a insuficiência dessas iniciativas veio à tona23.

O biênio 2011-2012 também foi marcado pela desaceleração double-speed da economia mundial, como destacamos anteriormente. Essa desaceleração e o dinamismo do mercado consumidor brasileiro, em comparação com os países de origem das empresas transnacionais (ETs)24 contribuíram para sustentar o fluxo líquido de investimento direto em 2011 e 2012, em função do seu im-pacto positivo sobre os fluxos de IDE e impacto negativo sobre os investimen-tos diretos brasileiros no exterior, que registraram valores positivos (refletindo a repatriação de recursos), em 2011 e 2012, após uma saída líquida de US$ 11,5

23. No segundo semestre de 2012, também contribuiu para essa volatilidade as incertezas em relação ao desempenho da economia americana devido à ameaça do chamado “abismo fiscal” (fiscal cliff, em inglês).

24. Apesar da desaceleração do crescimento da economia brasileira em 2011 e 2012, o mercado de consumo sustentou um ritmo de expansão significativo. Para maiores detalhes, ver capítulos 5 e 7.

a economia brasileira no contexto da crise global 103

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bilhões em 2010 – quando várias empresas aproveitaram a situação pós-recessão para comprar ativos a preços deprimidos nos países avançados (ver Tabela 1A, no final deste capítulo). Todavia, a dinâmica dos fluxos de investimento direto (estrangeiros e brasileiros) – sobretudo dos empréstimos intercompanhias – so-freu também influência de fatores internos, que afetaram, de forma ainda mais intensa, os fluxos financeiros.

Dois fatores internos exerceram influência na dinâmica dos fluxos líquidos de capitais e, sobretudo, do ingresso líquido de capitais estrangeiros. O pri-meiro foi a gestão macroeconômica nas áreas monetária e cambial25. No que se refere à política monetária, a elevação da meta da taxa Selic, entre abril de 2009 e julho de 2011, num contexto de estabilidade ou ligeira queda do risco-país, resultou na ampliação do diferencial entre os juros interno e externo. Isso distanciou, ainda, o Brasil dos demais países emergentes, tornando-o um destino privilegiado para as operações de currency carry trade26. Esse diferencial foi o principal determinante da trajetória de apreciação do real até julho de 2011, o qual ampliou ainda mais a rentabilidade das aplicações financeiras no Brasil por não residentes (Gráficos 12 e 13).

Gráfico 12. diferencial de juros (Países selecionados) – jan./2011 a dez./2012

0%

2%

4%

6%

8%

10%

12%

jan/

11

fev/

11

mar

/11

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1

mai

/11

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11

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1

ago/

11

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1

out/1

1

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11

dez/

11

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12

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12

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/12

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2

mai

/12

jun/

12

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2

ago/

12

set/1

2

out/1

2

nov/

12

dez/

12

Brasil Coreia do Sul Tailândia Turquia Indonésia África do Sul

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. Nota: Diferencial de juros equivale à diferença entre a taxa básica de juros de cada país e a soma do risco-país (prêmio do

CDS de cinco anos) e da taxa básica de juros dos EUA.

25. Para uma análise detalhada dessa gestão, ver capítulo 2.26. De acordo com o IMF (2011b), o Brasil e os países emergentes considerados no Gráfico 2 absorveram a

maior parte dos fluxos de capitais direcionados para as economias emergentes, em 2009 e 2010.

a economia brasileira no contexto da crise global 104

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Gráfico 13. brasil: diferencial de juros (comPosição) – jan./2009 a dez./2012

0%

1%

2%

3%

4%

5%

6%

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11%

12%

13%

jan/

09fe

v/09

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/09

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9m

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n/09

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/10

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o/10

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0ou

t/10

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10de

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jan/

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11de

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jan/

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/12

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ai/1

2ju

n/12

jul/1

2ag

o/12

set/1

2ou

t/12

nov/

12de

z/12

Diferencial de juros CDS Selic - Meta Selic neutra de arbitragem Prêmio CDS Federal Fund rate

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Essa rentabilidade, contudo, também foi afetada pelo segundo fator interno que condicionou o ingresso líquido de capitais estrangeiros, qual seja: a estratégia de gestão dos fluxos de capitais. É possível distinguir três fases dessa gestão ao lon-go do ciclo de fluxos de capitais que emergiu em 2009 (Gráfico 14). Na primeira fase, de janeiro a setembro de 2009, essa gestão ancorou-se, exclusivamente, na política cambial, que optou pelo acúmulo de reservas (+5,1%) e, principalmente, pela reversão da forte depreciação do real no último trimestre de 2008. Nesse período, a apreciação cambial foi de 23,9%, a maior no âmbito dos países emer-gentes, que reconduziu a taxa de câmbio R$/US$ para o patamar de R$ 1,77, vigente antes da falência do Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008. Ou seja, a equipe econômica do governo Lula optou por perseguir a mesma estratégia adotada no período pré-crise27.

A segunda fase teve início em outubro de 2009, com a adoção de um controle de capital – o IOF de 2% sobre investimentos de portfólio em ações e renda fixa (Quadro 1) –, estendendo-se até setembro de 2010. Contudo, esse controle foi muito tímido diante do fator de atração da economia brasileira (diferencial de juros, não somente elevado, mas em alta – Gráficos 12 e 13). Nesse período, os

27. A aquisição de moeda estrangeira pelo BCB, no âmbito de um regime de flutuação suja, não é incompatí-vel com a tendência de apreciação da moeda doméstica. A trajetória da taxa de câmbio nesse contexto de-penderá da política cambial adotada, que diz respeito aos objetivos, às metas e à estratégia de intervenção da autoridade monetária no mercado de câmbio. Para maiores detalhes, ver Prates (2010).

a economia brasileira no contexto da crise global 105

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fluxos financeiros (acumulados em 12 meses) traçaram uma trajetória ascendente, voltando a superar os fluxos de IDE a partir de novembro de 2009 (Gráfico 15), e a estratégia de acúmulo de reservas foi mais agressiva (aumento de 24%). Já a apreciação cambial foi bem menor (4,7%), em função da expressiva valorização ocorrida na fase anterior (que levou o BCB a intensificar suas intervenções a fim de conter a queda da taxa de câmbio) e das turbulências no mercado financeiro internacional decorrentes da crise dos GIIPS.

Ademais, entre abril e agosto de 2010, os fluxos financeiros atingiram valores superiores aos observados no pico do boom pré-crise no acumulado de 12 meses (Gráfico 15), o que explica a participação recorde do Brasil nos fluxos de capitais de não residentes para as economias emergentes em 2010 (15,2% contra 9,2%, em 200728) e atesta a afirmação feita acima, de que a economia brasileira foi o destino privilegiado do capital estrangeiro searching for yield no contexto de metamorfose da crise global. Enquanto esse contexto criou as condições para um boom de fluxos de capitais para as economias emergentes – relativamente mais intenso do que o observado antes da crise, a gestão monetária e cambial doméstica tornou o mercado financeiro brasileiro um dos principais lócus de valorização desses capitais.

28. Cálculos próprios a partir dos dados de fluxos de capitais de não residentes do IIF e de ingresso líquido de capital estrangeiro para o Brasil, disponibilizado pelo BCB.

Gráfico 14. taXa de câmbio (final de Período) e reservas cambiais (em us$ bilhões) –

jan./2009 a dez./2012

100

150

200

250

300

350

400

1,20

1,40

1,60

1,80

2,00

2,20

2,40

2,60

jan/

09fe

v/09

mar

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9m

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9ju

n/09

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nov/

09de

z/09

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v/10

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/10

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0ju

n/10

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0ag

o/10

set/1

0ou

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10de

z/10

jan/

11fe

v/11

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/11

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1ju

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z/11

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12fe

v/12

mar

/12

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2m

ai/1

2ju

n/12

jul/1

2ag

o/12

set/1

2ou

t/12

nov/

12de

z/12

US$

bilh

ão

R$/

US$

Reservas cambiais Taxa de câmbio nominal - final de período

Fase 3 Fase 2 Fase 1

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria.

a economia brasileira no contexto da crise global 106

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Gráfico 15. inGresso líquido de caPitais eXternos (em us$ bilhões).

-40

10

60

110

160ja

n-06

mar

-06

mai

-06

jul-0

6se

t-06

nov-

06ja

n-07

mar

-07

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-07

jul-0

7se

t-07

nov-

07ja

n-08

mar

-08

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Ingresso líquido IDE Investimentos de portfolio Outros investimentos Fluxos financeiros

MÉDIA MÓVEL DE 12 MESES (JAN./2006 A DEZ./2012)

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Ingresso líquido IDE

Investimentos de portfolio Outros investimentos

Fluxos financeiros Empréstimos intercompanhias

MÉDIA MÓVEL DE TRÊS MESES (JAN./2009 A DEZ./2012)

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

A terceira fase, que se inicia em outubro de 2010, teve como principal caracte-rística a adoção de uma regulação mais ampla dos fluxos de capitais, envolvendo controles de capitais e instrumentos de regulamentação prudencial (Quadro 1 no final deste capítulo) que, conjuntamente, integram os instrumentos de gestão dos fluxos de capitais, nos termos de Epstein, Grabel e Jomo (2003)29. Após a eleva-

29. Esses instrumentos referem-se somente às medidas que têm impacto no fluxo de divisas. Assim, não incluem as iniciativas direcionadas ao mercado de derivativos cambiais, que constituem, da perspectiva aqui adotada, instrumentos de regulação dos derivativos cambiais. Devido ao papel fundamental desse mercado na formação da taxa de câmbio brasileira, somente após a imposição do IOF sobre o excesso de

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ção, em outubro de 2010, do IOF sobre investimentos de portfólio em renda fixa (medida tomada pelo Ministério da Fazenda), o BCB decidiu impor, no início de janeiro de 2011, o recolhimento compulsório sobre as posições vendidas dos bancos (elevado em julho). No final de março, foi imposto um IOF sobre cap-tações externas com prazo de até um ano, logo em seguida (no início de abril de 2011) estendido para operações com maturidade de até dois anos, abrangendo, inclusive, empréstimos intercompanhias. Assim, foram utilizados somente dois instrumentos (IOF e recolhimento compulsório) quantitativos (ou price-based), que afetam o custo e, consequentemente, a lucratividade das operações. Isso quer dizer que a estratégia mais ampla de gestão dos fluxos de capitais não afetou, estruturalmente, o grau de abertura financeira da economia brasileira – que teria sido reduzido se medidas qualitativas (como proibição de algumas transações por parte de não residentes e residentes) tivessem sido adotadas.

Essa nova estratégia de gestão dos fluxos de capitais – que chegou com atraso, depois de a taxa de câmbio do real já ter atingido o patamar de R$ 1,69 – integrou uma mudança mais ampla na política econômica no governo Dilma (iniciada timidamente no final do governo Lula), que incluiu o patamar da taxa de câmbio (devido ao seu impacto sobre a competitividade externa) como uma das metas da política cambial. Assim, tinha como principal objetivo conter a apreciação cambial mediante o desestímulo ao ingresso de fluxos financeiros atraídos pelo diferencial de juros30. Todavia, até julho de 2011, seu impacto foi mais expressivo sobre a composição desse ingresso do que sobre o seu volume, devido ao movi-mento de arbitragem regulatória – ou seja, aos mecanismos utilizados por agentes residentes e não residentes para burlar as regulações31.

A cada medida adotada, bancos, empresas (brasileiras e estrangeiras) e investi-dores não residentes encontravam formas alternativas para lucrar com o diferen-cial entre os juros internos e externos32, mitigando o impacto das regulações sobre o ingresso líquido de capitais estrangeiros. Assim, após o aumento do IOF sobre os investimentos de portfólio em renda fixa, no mês de outubro, a ampliação das posições vendidas no mercado de câmbio à vista tornou-se um dos principais

posições vendidas em derivativos cambiais, em julho de 2011, o processo de apreciação cambial foi conti-do. Para maiores detalhes, ver capítulo 2.

30. Para uma análise detalhada dessas mudanças, ver capítulo 2.31. Ademais, o impacto das técnicas de gestão dos fluxos de capitais sobre a trajetória de apreciação cambial

foi atenuado pelas operações com derivativos cambiais, que somente foram efetivamente atingidas em julho de 2011, quando foi adotado o IOF sobre posições vendidas excessivas.

32. O FMI (IMF, 2011) descreve alguns mecanismos de arbitragem regulatória utilizados após as medidas de outubro de 2010.

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canais utilizados pelos bancos para realizar operações de currency carry trade ou de arbitragem de juros. Com a imposição do recolhimento compulsório sobre essas posições em janeiro, as captações externas de curto prazo tornaram-se a válvula de escape. Quando essas captações foram taxadas em março e abril, bancos e empresas residentes substituíram-nas por títulos e empréstimos de maior prazo de duração, estratégia que foi bem-sucedida devido ao ambiente internacional de liquidez abundante e demanda aquecida por papéis de economias emergentes (Tabela 1A, no final deste capítulo).

A arbitragem regulatória também parece ter envolvido os fluxos de IDE. Há indicações de que os investidores estrangeiros passaram a montar estruturas com-plexas utilizando a Lei n. 4.131 (que regula os capitais estrangeiros no Brasil) para realizar aplicações financeiras em ações ou em renda fixa e, com isso, contornar o IOF sobre essas aplicações33. O investidor externo pode abrir uma sociedade anônima a fim de aplicar os recursos em fundos de investimento em cotas (FIC), realizando teoricamente um IDE34. Nessa estrutura, em vez de pagar o IOF de 6% sobre o total do capital para aplicações de renda fixa ou 2% para ações, o in-vestidor paga somente um IOF de 0,38% na entrada do “investimento direto”35. Ademais, o elevado diferencial entre os juros internos e externos foi um fator adicional de atração tanto dos aportes de IDE em participação de capital como dos empréstimos intercompanhias, já que nos dois casos a empresa pode interna-lizar o total dos recursos, aplicá-lo num fundo de renda fixa e efetuar a liberação ao longo da execução do projeto, obtendo, assim, uma rentabilidade financeira que eleva o retorno final do investimento. Ao que tudo indica, foi exatamente o forte crescimento desses empréstimos a partir de setembro de 2010 (Gráfico 15) que condicionou a decisão de incluí-los, no início de abril de 2011, entre as modalidades de captação externa com prazo máximo de dois anos sujeitas ao IOF (Quadro 1A, no final deste capítulo)36.

33. Vale lembrar que a linha divisória entre investimentos de portfólio e IDE é muito tênue: são classificadas como “investimento direto” as aquisições por não residentes que resultem na propriedade de 10% ou mais das ações com direito a voto de empresas residentes, enquanto as participações abaixo desse percentual são consideradas “investimento em portfólio” (ações).

34. De forma geral, o movimento de arbitragem regulatória contamina as seguintes atividades de destino do IDE: Serviços financeiros e atividades auxiliares; Seguros, resseguros, previdência complementar e planos de saúde; e Atividades imobiliárias.

35. Para argumentos contrários a essa hipótese, ver Dib (2011).36. Corrêa et al. (2012) mostram o aumento da volatilidade dos fluxos de IDE após a adoção dos controles

de capitais, o que pode ser reflexo, exatamente, da contaminação desses fluxos por operações de natureza financeira.

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Os instrumentos de gestão dos fluxos de capitais tornaram-se eficazes em re-duzir, efetivamente, o ingresso líquido de fluxos financeiros (e não somente alon-gar o prazo da dívida externa) apenas a partir de agosto de 2011 (quando o IDE superou os fluxos financeiros pelo critério da média móvel trimestral), em função da sua interação com outros condicionantes desse ingresso, quais sejam, o contex-to financeiro internacional e a gestão macroeconômica doméstica37.

No segundo semestre de 2011, o aumento da aversão aos riscos no mercado financeiro internacional, decorrente do aprofundamento da crise do euro, e a mudança na gestão macroeconômica doméstica (queda da meta da taxa Selic, interrupção da trajetória da apreciação cambial e menor volatilidade da taxa de câmbio)38 desestimularam os fluxos de capitais voláteis, atraídos pelo diferencial de juros e por essa apreciação, resultando numa mudança na composição do in-gresso líquido de recursos externos.

Os fluxos financeiros foram, a partir de janeiro de 2012, superados pelo IDE, considerando os fluxos acumulados em 12 meses. Ademais, mantiveram-se em patamares bem inferiores aos vigentes nos anos anteriores pelo critério da média móvel semestral, mesmo nos momentos de alívio da crise do euro e aumento da demanda por títulos, ações e moedas de economias emergentes – como no primeiro bimestre desse ano, após a expansão de liquidez pelo BCE. Pelo critério anual, a participação do IDE no ingresso líquido de fluxos de capitais estrangei-ros superou ligeiramente aquela dos fluxos financeiros em 2011 – 50,5% contra 49,5% – e atingiu 62,6% em 2012 (Tabela 1A, no final deste capítulo). A redu-ção desses fluxos, por sua vez, não foi totalmente compensada pela entrada de IDE, o que resultou numa queda de 21% desse ingresso em 2012, em relação aos dados de 2011.

Essa mudança (positiva) na composição dos fluxos de capitais estrangeiros foi o principal determinante do novo perfil da conta financeira em 2011 e, sobretu-do, em 2012, quando a participação do investimento direto atingiu mais de 91%.

37. Baumann e Gallagher (2012), em um estudo econométrico sobre o impacto dos controles de capitais adotados pelo governo brasileiro entre outubro de 2009 e dezembro de 2011, concluíram que esses ins-trumentos regulatórios contribuíram para mudar, do curto para o longo prazo, a composição da entrada de capitais externos, sem no entanto afetar o volume dos fluxos de capitais externos. Já Chamon e Garcia (2013) concluem, a partir de testes econométricos, que esses controles tiveram efeito em termos de seg-mentação dos mercados – o que transparece nos diferenciais entre os preços de ativos similares negociados nos mercados onshore e offshore –, mas com um impacto limitado na trajetória da taxa de câmbio do real. Contudo, as diversas medidas adotadas possivelmente ampliaram o impacto da queda da taxa de juros básica, a partir de agosto de 2011, sobre essa trajetória.

38. Para maiores detalhes sobre essa mudança, ver capítulo 2.

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Já o superávit da conta financeira sofreu retração ainda mais intensa (33%) que o ingresso líquido de capitais estrangeiros, devido à maior saída de capitais brasi-leiros para o exterior. Isso porque as menores oportunidades de ganhos de curto prazo devido à nova combinação de preços-chave (juros e câmbio) desencoraja-ram, igualmente, a repatriação de investimentos brasileiros de portfólio (Tabela 1A, no final deste capítulo).

Assim, a partir de agosto de 2011 e, sobretudo, em 2012, os fatores exter-nos (volatilidade financeira internacional e desaceleração double-speed), ao lado do dinamismo do mercado consumidor brasileiro, contribuíram para trazer uma mudança na composição dos fluxos de capitais estrangeiros, a favor do IDE vis-à-vis os fluxos financeiros. Os instrumentos de gestão dos capitais e a política macroeconômica doméstica moldaram a composição desses fluxos, induzindo o alongamento do prazo da dívida externa (securitizada e bancária), e afetaram a dimensão dos capitais externos de natureza financeira, ao desestimular as opera-ções especulativas de curto prazo. Ademais, a eficácia desses controles aumentou devido à nova combinação de preços-chave (taxas de juros próximas das vigentes nas demais economias emergentes e taxa de câmbio menos volátil), a qual deixou de ser indutora de operações de arbitragem regulatória. Nesse contexto, alguns instrumentos de gestão dos fluxos de capitais foram flexibilizados: no início de dezembro, o IOF de 6% voltou a incidir somente sobre captações externas com prazo mínimo de um ano (como vigente até março de 2011), e o prazo mínimo das operações de pagamento antecipado de exportações foi ampliado de um para cinco anos (Quadro 1A, no final deste capítulo).

Considerações finais

A inserção comercial e financeira brasileira sofreu importantes alterações no período 2009-2012, sucedendo a eclosão da crise financeira global. No que diz respeito à inserção comercial, apesar da preservação de um resultado superavitá-rio, o comércio exterior mostrou uma redução expressiva relativamente ao perí-odo pré-crise, o que contribuiu para a inversão de sinal das transações correntes, que se tornaram novamente deficitárias em 2008. Vale lembrar que no quinquê-nio 2003-2007, beneficiadas pelo aumento do preço e da demanda externa por commodities, as exportações brasileiras (de commodities e de bens manufaturados exportados para países produtores de commodities) registraram taxas expressivas de crescimento (PRATES, 2006), superiores àquelas das importações, o que re-sultou em superávits comerciais sucessivos e crescentes, ao menos até 2006.

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Essa deterioração do saldo comercial brasileiro refletiu tanto as mudanças no cenário mundial provocadas pela crise global (sobretudo o acirramento da compe-tição internacional no mercado de bens manufaturados), como fatores internos, tais como o patamar apreciado da moeda doméstica vigente antes da crise (que ero-diu a competitividade da indústria brasileira), a retomada da apreciação cambial entre 2009 e meados de 2011 e a própria resposta anticíclica ao efeito-contágio da crise, ancorada em políticas de estímulo da demanda, especialmente do consumo.

Duas principais características despontam na análise da pauta comercial bra-sileira no período em tela. A primeira é a continuidade da trajetória de aumento considerável das exportações, sob liderança das commmodities primárias. Foi jus-tamente o bom desempenho da venda externa desses bens que permitiu ao Brasil manter o superávit comercial entre 2009 e 2012. A segunda é o aumento expressi-vo do déficit com produtos não commodities primárias, que foi o responsável pela redução no saldo comercial brasileiro após a crise. Esse déficit foi consequência das taxas muito superiores de crescimento das importações brasileiras relativa-mente às exportações num contexto de busca de mercados pelos produtores glo-bais desses produtos, de dinamismo do consumo doméstico, de patamar ainda apreciado (em termos reais) da moeda brasileira e de deficiências na infraestrutura e no sistema tributário, que contribuem, igualmente, para reduzir a competitivi-dade da indústria brasileira.

No que diz respeito à inserção financeira, a experiência brasileira no período analisado revela que a eficácia de uma estratégia de gestão dos fluxos de capitais, ancorada em instrumentos quantitativos, depende dos contextos internacional e macroeconômico doméstico. Isso porque o impacto desses instrumentos sobre os fluxos líquidos de capitais estrangeiros dependerá do seu efeito sobre a rentabi-lidade esperada das operações financeiras, que envolve a contraposição entre, de um lado, o diferencial de juros e, de outro lado, o custo das medidas governamen-tais e dos mecanismos de arbitragem regulatória (quando utilizados).

Num contexto de apetite dos investidores globais por ativos dos países emer-gentes, inclusive de maior prazo de duração, o excepcional patamar da taxa de juros básica brasileira (somado à trajetória de apreciação cambial) mais do que compensou esse custo até meados de 2011. Em contrapartida, a redução progres-siva desse patamar (e, com isso, do diferencial entre os juros interno e externo), a partir de agosto desse ano, teve efeito negativo, direto e indireto, sobre os fluxos financeiros de natureza especulativa, ao desestimular (ou tornar inviáveis) os meca-nismos de arbitragem regulatória. A maior estabilidade da taxa de câmbio a partir do segundo semestre de 2011 contribuiu, igualmente, para essa maior eficácia.

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A implementação gradual dos instrumentos de gestão dos fluxos de capitais também pode ter contribuído para reduzir seu efeito sobre o ingresso total de recursos externos, ao deixar abertos canais alternativos para a realização de opera-ções de arbitragem de juros ou carry trade. Em outras palavras, se as diversas me-didas tivessem sido adotadas simultaneamente, esses canais teriam sido fechados e as diversas modalidades de fluxos teriam sido atingidas pela estratégia. Contudo, acertar no timing e na “dose” ideal de medidas é praticamente impossível, pois os efeitos dos diversos instrumentos utilizados são incertos, ainda mais num con-texto internacional turbulento. Assim, uma estratégia gradual, como a adotada pelo governo brasileiro, não deveria ser descartada, mas poderia ter sido mais dinâmica, respondendo prontamente às inovações financeiras introduzidas pelos agentes privados.

Em suma, a análise realizada nas seções anteriores revela que a inserção externa da economia brasileira no contexto da crise financeira global sofreu uma deterio-ração em sua dimensão comercial, ao mesmo tempo em que a inserção financeira tornou-se mais favorável, em função, especialmente, da mudança na gestão dos fluxos de capitais. A adoção de uma estratégia mais ampla de gestão desses fluxos, envolvendo controles de capitais e regulação prudencial, bem como dos deriva-tivos cambiais, só foi possível, todavia, porque os sucessivos governos brasileiros não firmaram compromissos seja no Gats (General Agreement on Trade in Ser-vices), seja no âmbito de acordos de livre comércio e tratados de investimento bilaterais, que restringiriam os graus de liberdade dessa estratégia39. Embora o grau de liberdade na adoção de políticas comerciais seja menor em função dos compromissos no âmbito da OMC, o governo brasileiro ainda tem espaço para ampliar o uso da política comercial no sentido, principalmente, de mitigar o efei-to deletério da concorrência das importações sobre a indústria doméstica.

Essa mudança positiva na inserção financeira e negativa na inserção comercial brasileira no período após a crise também pode ser evidenciada pela evolução dos indicadores de vulnerabilidade externa – seja no curto prazo (liquidez externa), seja no médio e longo prazos (solvência externa) (Gráficos 16 e 17).

No que se refere à liquidez externa, o indicador mais amplo – a razão entre o passivo externo de curto prazo40 e as reservas – recuou de 3,5, em dezembro de 2007, para 1,7, em dezembro de 2012. Isso quer dizer que, embora esse passivo

39. Sobre a relação entre o sistema de comércio internacional e os controles de capitais, ver Gallagher e Stan-ley (2013). O caso brasileiro é analisado em Paula e Prates (2013).

40. O passivo externo de curto prazo é a soma da dívida externa de curto prazo com o estoque de investimen-to de portfólio (em ações e renda fixa) no mercado financeiro doméstico.

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ainda seja 1,7 vez superior às reservas (ou seja, ao colchão de segurança que pode ser mobilizado no curto prazo para fazer frente a esse passivo), seu grau de cober-tura cambial é, hoje, muito maior do que antes da crise. Ademais, é preciso con-siderar a composição desse passivo, que se tornou mais favorável. Por um lado, a dívida de curto prazo, que gera compromissos em divisas (juros e amortizações) e envolve descasamento de moedas, foi zerada em dezembro de 2011 (como reflexo do alongamento do prazo da dívida externa em resposta ao controle de capitais). Por outro lado, como ressalta Biancareli (2012), no caso dos investimentos de portfólio no mercado doméstico (em ações e títulos de renda fixa), nos momen-tos de liquidação de posições dos investidores estrangeiros em moeda doméstica num regime de câmbio flutuante, o valor em moeda estrangeira dessa modalidade de passivo externo diminui em função tanto da queda dos preços dos ativos em moeda doméstica como da depreciação cambial provocada pela saída de capitais. Essa desvalorização do estoque de ativos financeiros de não residentes no país explica a queda dos indicadores de liquidez e solvência externa (em 2009 e 2008, respectivamente). Todavia, essa mudança (viabilizada pelo aprofundamento da abertura financeira após o ano de 2000) teve efeito colateral negativo, ao reforçar as correias de transmissão da instabilidade gerada nos mercados financeiros inter-nacionais (que condicionam as decisões de alocação de portfólio dos investidores não residentes) para o mercado financeiro doméstico.

Do ponto de vista da solvência externa, o indicador fundamental é a relação entre o passivo externo líquido (PEL)41 e as exportações anuais, como destacam Medeiros e Serrano (2001)42. Isso porque, nos países periféricos, como o Brasil, as exportações são a fonte de geração autônoma de divisas, necessárias para amorti-zar esse passivo e fazer frente às remessas de juros, lucros e dividendos43. Também foi construído um indicador alternativo, que considera somente as exportações de não commodities, bens menos sujeitos às oscilações de preços nos mercados internacionais e, de forma geral, com maior elasticidade-renda da demanda. Ou

41. O passivo externo líquido (PEL) equivale à soma da dívida externa líquida com os estoques líquidos de investimento externo direto e de portfólio (ou seja, subtraídos dos estoques de investimento direto e de portfólio de brasileiros no exterior), menos as reservas internacionais. Em outras palavras, o PEL é a dife-rença entre o passivo externo bruto e o ativo externo bruto, que equivalem, respectivamente, às posições internacionais (passiva e ativa) de investimento, divulgadas na Nota para Imprensa do Setor Externo pelo BCB.

42. Esses autores, contudo, utilizam o termo ‘sustentabilidade externa’ em vez de ‘solvência’. 43. No caso de alguns países centrais, que possuem superávits permanentes e expressivos nas demais sub-

contas das transações correntes (como serviços e rendas de investimento), substitui-se no denominador as exportações pelas receitas em conta corrente. Esse é o critério utilizado pela agência Standard & Poors de classificação de risco de crédito.

a economia brasileira no contexto da crise global 114

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seja, tal indicador procura captar a mudança de composição na pauta de expor-tação brasileira, analisada na seção anterior, cujos reflexos incidem sobre aquela capacidade.

No contexto da crise, a trajetória dos dois indicadores foi divergente: enquan-to o indicador tradicional manteve-se praticamente estável (próximo a 3), o indi-cador alternativo sofreu deterioração, passando de 4,40 e 5,78, em 2006 e 2007, para 6,72, em 2012. Embora essas exportações tenham crescido no período anali-sado, a taxa de crescimento foi inferior àquela do PEL. Ou seja, o PEL é três vezes superior às exportações totais e quase sete vezes maior que as exportações de não commodities. Esse resultado é preocupante não somente em função das diferenças em termos de volatilidade de preços e elasticidade-renda da demanda entre essas duas categorias de produto, mas também pelos efeitos dinamizadores das exporta-ções de bens manufaturados sobre a produtividade da indústria doméstica.

Em contrapartida, a composição do PEL (o numerador) tornou-se mais fa-vorável, com o aumento da participação dos passivos denominados em moeda doméstica (IDE e portfólio) vis-à-vis a dívida externa (contabilizada em ‘Outros investimentos’) dolarizada. Todavia, não se pode esquecer que esse passivo tam-bém resulta em remessas de rendas de investimento (lucros e dividendos), não necessariamente inferiores às associadas ao endividamento externo (que traz consi-go, adicionalmente, o problema do descasamento de moedas). Aqui é importante lembrar a ressalva feita por Kregel (1996): independentemente de adicionarem ou não capacidade produtiva ao país, os investimentos externos diretos embutem uma lucratividade bastante elevada, pois têm uma liquidez menor e envolvem maior ris-co do que as demais modalidades de capital externo, devido às dificuldades de ope-ração num país estrangeiro. Ou seja, o prêmio de risco associado ao investimento direto pode ser maior do que o relacionado às outras modalidades, resultando em remessas significativas de lucros e dividendos. Ademais, no caso do Brasil, o fato de grande parte do IDE ter-se direcionado para setores não comercializável (serviços) ou para indústrias com foco, sobretudo, no mercado doméstico (por exemplo, automobilística e alimentos) cria um descompasso estrutural entre essas remessas e a geração de divisas pelas empresas transnacionais presentes no país.

A desvalorização do investimento de portfólio, em momentos de aversão aos riscos pelos investidores globais, alivia a situação de liquidez externa, mas tem um efeito menos relevante no caso da solvência externa, dado que a queda de seu valor em moeda estrangeira é, em geral, um fenômeno efêmero, que se reverte com a emergência de uma nova fase de abundância de fluxos de capitais para os países emergentes – como confirma a experiência brasileira após 2008 (Gráfico 16). Ou

a economia brasileira no contexto da crise global 115

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seja, se considerarmos um período de maior amplitude temporal, esse estoque também resulta numa demanda significativa por divisas, associadas seja às remessas de dividendos e juros (no caso dos títulos de renda fixa), seja à realização de lucros nos mercados acionário e de renda fixa.

Gráfico 16. indicadores de solvência eXterna e Passivo eXterno líquido do brasil – 2006 a 2012

2,68

3,43

1,43

3,93

3,132,82

3,29

4,40

5,78

2,51

7,73

6,56

6,006,72

0

100

200

300

400

500

600

700

800

0,00

1,00

2,00

3,00

4,00

5,00

6,00

7,00

8,00

9,00

jan-06 jan-07 jan-08 jan-09 jan-10 jan-11 jan-12

Esto

ques

Indi

cado

res

de s

olvê

ncia

Estoque IDE Estoque portfólio Estoque Outros Investimentos PEL/Export.totais PEL/Export.manuf.

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Finalmente, vale destacar que o novo perfil do passivo externo bruto de curto prazo, composto exclusivamente pelo investimento de portfólio no país, é rele-vante mais do ponto de vista da liquidez do que da solvência externa, que reflete a vulnerabilidade externa no médio e longo prazos (ver Gráfico 17). Como essa vulnerabilidade depende da evolução do passivo externo líquido e da capacidade da economia em questão de gerar divisas, o indicador fundamental na análise da situação de solvência externa de um país (ou de sustentabilidade, como preferem alguns autores44) é a relação passivo externo líquido/exportações. Isso porque, nos países periféricos, como o Brasil, as exportações são a fonte de geração autônoma de divisas, necessárias para amortizar esse passivo. Assim, deve ser motivo de pre-ocupação a perda adicional de dinamismo das exportações no primeiro trimestre de 2013, que contribuiu para o déficit comercial de US$ 5,1 bilhões (contra um superávit de US$ 2,4 bilhões no mesmo período de 2012) e para o déficit de US$ 24,8 bilhões nas transações correntes, recorde da série histórica do BCB, que se inicia em 1947.

44. Ver, por exemplo, Medeiros e Serrano (2001).

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Referências

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CORRêA, Vanessa P.; MESSENBERG, Roberto P.; SILVA, Renata C.; BRA-GA, Julia de M. Instability of capital inflows and financial assets returns in

Gráfico 17. indicadores de liquidez eXterna do brasil – 2006 a 2012

0,42 0,44 0,21 0,17 0,24 0,03 0,00

4,3

3,5

2,8

1,5

2,42,3

1,7

0,00

50

1,00

1,50

2,00

2,50

3,00

50

4,00

4,50

5,00

jan/06 jan/ 07 jan/08 jan/09 jan/10 jan/11 jan/12

dívida CP/Reservas IEP/reservas

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

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Anexo Estatístico

quadro 1. instrumentos de Gestão dos fluXos de caPitais

Data Tipo de medida Medida

4/10/2010 Controle de capitalAumento da alíquota de IOF de 2% para 4% sobre a aplicação de estrangeiros em fundos de renda fixa e títulos do Tesouro. A alíquota de IOF sobre aplicações em ações, em vigor desde outubro de 2008, foi mantida em 2%.

7/10/2010 Controle de capital

A migração, por investidores não residentes, de aplicações em renda variável e ações para aplicações em renda fixa está sujeita ao fechamento de novo contrato de câmbio (câmbio simultâneo), impedindo que os investidores deixem de pagar a nova alíquota de IOF para renda fixa.

18/10/2010 Controle de capitalNova elevação da alíquota de IOF, agora de 4% para 6%, para aplicações em renda fixa, por investidores não residentes.

6/1/2011Regulamentação prudencial

Recolhimento de depósito compulsório (em reais) de 60% do valor das posições vendidas em câmbio, assumidas pelos bancos, que exceder o menor dos seguintes valores: US$ 3 bilhões ou o patrimônio de referência (Nível I). A medida entrou em vigor em 4/4/2011. Objetivo: trazer a posição vendida dos bancos no mercado à vista para US$ 10 bilhões.

29/3/2011 Controle de capitalImposição de IOF de 6% sobre as captações externas de até 360 dias (as captações externas com prazo inferior a 90 dias já eram tributadas com alíquota de IOF de 5,38%).

4/4/2011 Controle de capital

Renovações de empréstimos externos devem realizar câmbio simultâneo (devem contabilizar os fluxos cambiais “fictícios” referentes ao pagamento da dívida, sujeito a IOF de 0,38%, e à nova captação, sujeita a IOF de 6%). Bloqueia-se, assim, um instrumento de evasão da medida precedente.

6/4/2011 Controle de capitalIOF de 6% passa a incidir também sobre empréstimos externos com prazo de até dois anos, sobre repactuação e assunção de dívidas, e sobre empréstimos intercompanhias sob o mesmo prazo.

8/7/2011Regulamentação prudencial

Mudança nas regras de recolhimento compulsório (em reais) sobre posições vendidas em câm-bio. Percentual de 60% passa a incidir sobre o montante que exceder o menor dos seguintes valores: US$ 1 bilhão ou o patrimônio de referência (Nível I).

2/8/2011 Controle de capitalEm Ato Declaratório publicado no Diário Oficial, a Receita esclareceu que a alíquota de 6% do IOF incidente sobre os empréstimos com prazo médio de até 720 dias incide sobre as operações de empréstimos intercompanhias.

1/12/2011 Controle de capital

Alíquota de IOF sobre investimentos estrangeiros de portfólio de ações (2% desde outubro de 2009) volta ao patamar de 0%. Também foi zerada a alíquota de IOF (até então de 6%) sobre aplicações por não residentes em títulos privados de longo prazo com duração acima de quatro anos.

Jun./2012 Controle de capital IOF voltou a incidir somente sobre operações com prazo de até dois anos a partir de junho

Dez./2012 Controle de capitalIOF de 6% voltou a incidir somente sobre captações externas com prazo mínimo de um ano (como vigente até março de 2011) .

Dez./2012 Controle de capitalPrazo mínimo das operações de pagamento antecipado de exportações foi ampliado de um para cinco anos.

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

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tabela 1. balanço de PaGamentos (em us$ bilhões)

Contas 2009/dez.09 2010/dez.10 2011/dez.11 2012/dez.12

Transações Correntes - 24.302 - 47.273 - 52.473 - 54.246

Balança comercial 25.290 20.147 29.794 19.431

Exportação de bens 152.995 201.915 256.040 242.580

Importação de bens - 127.705 - 181.768 - 226.246 - 223.149

Serviços e Rendas - 52.930 - 70.322 - 85.251 - 76.523

Transferências unilaterais correntes 3.338 2.902 2.984 2.846

Conta Capital e Financeira 71.301 99.912 112.380 72.762

Conta Capital (líquido) 1.129 1.119 1.573 - 1.877

Conta Financeira 70.172 98.793 110.807 74.639

Investimento Direto (líquido) 36.033 36.919 67.689 68.093

Investimento brasileiro direto 10.084 - 11.588 1.029 2.821

Participação no capital - 4.545 - 26.782 - 19.533 - 7.555

Empréstimo intercompanhia 14.629 15.195 20.562 10.377

Investimento estrangeiro direto (IDE) 25.949 48.506 66.660 65.272

Participação no capital 19.906 40.117 54.782 52.838

Empréstimo intercompanhia 6.042 8.390 11.878 12.434

Investimento em Carteira (líquido) 50.283 63.011 35.311 8.273

Investimento brasileiro em carteira 4.125 - 4.784 16.858 - 8.260

Investimento estrangeiro em carteira 46.159 67.795 18.453 16.534

Ações e títulos negociados no país 47.148 52.272 7.114 10.651

Ações de companhias brasileiras 37.071 37.671 7.174 5.600

Negociados no país 32.097 24.442 6.245 5.920

Negociados no exterior (Depositary Receipts) 4.974 13.229 930 - 320

Títulos de renda fixa LP e CP 9.087 30.124 11.278 10.934

Negociados no país LP e CP (líquido) 10.077 14.601 - 61 5.051

Negociados no exterior LP e CP (líquido) - 989 15.523 11.339 5.883

Outros investimentos (líquido) - 16.300 - 1.024 7.804 - 1.753

Outros investimentos brasileiros (líquido) - 30.376 - 42.567 - 39.005 - 24.278

Outros investimentos estrangeiros (líquido) 14.076 41.543 46.809 22.525

Crédito comercial - fornecedores LP e CP (líquido) 4.100 - 713 21.399 14.719

Crédito comercial - fornecedores LP - 1.045 - 535 - 1.166 - 458

Crédito comercial - fornecedores CP (líquido) 5.145 - 178 22.564 15.177

Empréstimos e fincanciamentos LP e CP (líquido) 4.926 41.288 31.741 10.855

Demais setores LP e CP (líquido) 4.926 41.291 31.741 10.855

Empréstimos e financiamentos - demais setores CP (líquido) - 2.249 22.112 2.282 - 1.734

Moeda e depósito (líquido) 1.092 966 - 6.315 - 3.060

Outros passivos LP e CP (líquido) 3.958 2 - 16 10

Resultado do Balanço 46.651 49.101 58.637 18.900

Fonte: BCB. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

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Introdução1

Entre janeiro de 2009 e dezembro de 2012, não obstante os efeitos adversos na economia brasileira do agravamento (em setembro de 2008) da crise financeira global, houve crescimento do volume de crédito concedido pelo sistema finan-ceiro nacional, o que contribuiu de maneira fundamental para a reativação mais rápida da atividade econômica.

A evolução do crédito bancário nesse período pós-impacto da crise global foi condicionada pelos efeitos combinados da existência do sistema de crédito dire-cionado, cujos pilares são as instituições públicas federais – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal (CEF) –, das estratégias operacionais das instituições bancá-rias criadoras de moeda, ou seja, aquelas que captam depósitos, em disputa por clientes e fatias de mercado, e da ação das políticas governamentais, notadamente políticas financeira, monetária e macroprudencial. De um lado, o sistema de cré-dito direcionado garantiu a oferta de crédito a setores de maior risco ou de baixa rentabilidade e elevado retorno social, os quais raramente são atendidos pelas instituições financeiras privadas. De outro lado, as autoridades governamentais buscaram influenciar de maneira bastante ativa o comportamento dos bancos na concessão de crédito para alcançar objetivos de política econômica. Finalmente,

1. Esse capítulo está baseado em notas técnicas elaboradas pelos autores no âmbito do Grupo de Economia da Fundap e contempla informações até o final de fevereiro de 2013.

cAPÍtuLo 4

A PoLÍticA finAnceirA AnticÍcLicA e A evoLução do crédito BAncário entre 2009 e 2012

Maria criStina Penido de FreitaS

raFael FagundeS cagnin

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as instituições financeiras, em particular as privadas, por seu turno, reagiram às decisões de política com base não só em suas próprias expectativas sobre o ci-clo dos negócios, marcado, no cenário internacional, por forte incerteza, como também nas reações dos seus concorrentes (públicos e privados), ampliando a oferta de crédito em algumas modalidades e/ou segmentos e desacelerando (ou contraindo) em outras.

Nos momentos de forte desaceleração do crédito, associada à maior aversão ao risco das instituições privadas, a utilização dos bancos públicos federais criadores de moeda, notadamente BB e CEF, como instrumento de política anticíclica ex-pansionista potencializou a influência das decisões governamentais sobre as ins-tituições bancárias privadas, que se viram obrigadas a reagir ao avanço dos rivais públicos. Todavia, o papel dos bancos públicos como instrumento de política financeira foi além da ação anticíclica de contrabalançar a retração do crédito pri-vado. Em estratégia adotada no primeiro semestre de 2009 e repetida em 2012, tanto o BB como a CEF seguiram orientação governamental para forçar a queda dos juros e spreads e promover o alongamento dos prazos nas operações de crédito com recursos livres.

Ao longo do período analisado, o saldo total de crédito bancário do Sistema Financeiro Nacional, em porcentagem do PIB, manteve sua trajetória de expan-são iniciada em dezembro de 2003, alcançando 53,5% em dezembro de 2012 (ante 39,1%, em setembro de 2008, e 40,5%, em dezembro do mesmo ano). Em termos de volume, o estoque de crédito total, deflacionado pelo IPCA, saltou de R$ 1,53 trilhão para R$ 2,36 trilhões, um aumento real de 54,4% (taxa média real anual equivalente a 13,2%). O ritmo de crescimento do crédito foi, porém, fortemente influenciado pelas estratégias dos bancos na gestão de suas carteiras e pelas mudanças de direção da política financeira anticíclica, que ora foi ex-pansionista, como no final de 2008 e em 2009, ora foi contracionista, como no primeiro semestre de 2011; e novamente expansionista a partir do mês de agosto daquele ano. Igualmente, importantes alterações ocorreram tanto no perfil como na composição do crédito ao setor privado, com destaque para o aumento da participação do sistema financeiro público e para a forte ampliação do crédito à habitação, cujo estoque em proporção do PIB saltou de 2,1%, em dezembro de 2008, para 6,3%, em dezembro de 2012.

Nesse período, considerando-se a trajetória do crescimento real do crédito em 12 meses, quatro fases podem ser identificadas: a forte desaceleração que persis-tiu até novembro de 2009, em razão da aversão a riscos dos bancos privados e a despeito da ativa postura anticíclica dos bancos públicos; a recuperação parcial do

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final de 2009 ao final de 2010, quando houve reativação do crescimento econô-mico e forte ampliação do crédito ao consumo das famílias nas carteiras de bancos privados e públicos; a nova desaceleração em 2011, devido às medidas restritivas tomadas pelo Banco Central do Brasil (BCB) e pelo Ministério da Fazenda; e, por fim, a fase que se inicia no final de 2011 e abrange o ano de 2012, em que medi-das de incentivo à expansão do crédito foram combinadas com ações voltadas à redução dos juros e spreads bancários, em um contexto de elevada inadimplência, de expressiva queda da taxa básica de juros e de baixo dinamismo da economia.

Com o propósito de examinar a dinâmica do crédito e seus condicionantes, este capítulo foi organizado em quatro seções, além dessa breve introdução e das considerações finais. A primeira seção tem como foco a ação anticíclica dos bancos públicos em resposta à reação dos bancos privados aos impactos da crise global. A seção seguinte centra-se na segunda fase do período pós-crise, quando ocorreu a reativação do crédito ao setor privado, a partir de dezembro de 2009, guiada pelo acirramento da concorrência bancária que, em um contexto de recuperação do crescimento econômico, acarretou a emergência de posições financeiras instáveis no segmento do crédito ao consumo. A terceira seção analisa as respostas das autoridades governamentais à expansão excessiva do crédito e os impactos dessas medidas restritivas na evolução e composição do crédito, bem como no grau de inadimplência. A quarta seção examina os efeitos da reorientação, a partir do segundo semestre de 2011, das políticas monetária, financeira e macroprudencial no volume, custo e prazo do crédito ao setor privado em 2012.

Reações ao aprofundamento da crise global e o papel dos bancos públicos

A forte desaceleração do crédito até novembro de 2009 foi capitaneada pe-los bancos privados, em reação ao aprofundamento da crise financeira interna-cional devido à falência do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008. A desvalorização da taxa de câmbio do real, que sucedeu esse evento, impôs perdas importantes a operações entre empresas e bancos nacionais2 nos mercados de derivativos cambiais, colaborando para a disseminação da aversão ao risco e o “empoçamento” de liquidez no sistema financeiro doméstico. Por desconhecer o grau de exposição dos demais participantes ao risco de perdas nessas operações, os bancos retraíram o crédito tanto para as empresas e pessoas físicas como para outros bancos.

2. Ver, por exemplo, Farhi e Borghi (2009); Freitas (2009).

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Os bancos pequenos e médios foram os mais afetados pelo “empoçamento” da liquidez, uma vez que não contam com base ampla de depositantes e dependem da captação de recursos no interbancário e da cessão de crédito para dar conti-nuidade às suas operações ativas3. Como os grandes bancos pararam de adquirir carteiras de financiamento de veículos e de crédito consignado originadas pelos bancos menores, as concessões de crédito a pessoas físicas nesses segmentos do mercado foram fortemente afetadas.

Em um comportamento pró-cíclico típico, o setor bancário privado reagiu com excesso de prudência à reversão das expectativas associada ao agravamento da crise e suas repercussões na economia. Além de privilegiar os títulos públicos, os bancos privados aumentaram a seletividade na concessão e na renovação de crédito às pes-soas físicas e às empresas, contribuindo, assim, para a rápida desaceleração da ativi-dade econômica4. O efeito defasado da elevação continuada da meta da taxa Selic, entre abril e setembro de 2008, e das medidas de baixa efetividade na gestão da crise de liquidez tomadas pelo BCB contribuíram para que a postura conservadora dos bancos privados perdurasse ao longo de praticamente todo o ano de 20095.

O cenário só não foi mais grave porque os bancos públicos, seguindo orien-tações do governo federal, mantiveram a expansão de suas carteiras de crédito a taxas positivas e bastante superiores àquelas de seus congêneres privados. Ao su-prir a necessidade de capital de giro das empresas nos diversos setores de atividade econômica e garantir o financiamento do consumo das famílias, a ação dos ban-cos públicos contribuiu para uma mais rápida reativação da demanda doméstica e consequente retomada da atividade econômica.

Para normalizar a concessão de crédito às famílias, foi fundamental, além da ação anticíclica dos bancos públicos, a regulamentação, pelo Conselho Monetário Nacional (Resolução n. 2.692), em 26 de março de 2009, do depósito bancário com garantia especial do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) em até R$ 20 milhões por

3. Os bancos pequenos e médios também foram afetados pela fuga para segurança dos investidores institu-cionais e dos grandes investidores individuais que, aproveitando a liquidez diária dos CDBs, transferiram suas aplicações para instituições consideradas mais seguras, como os bancos públicos e os grandes bancos privados. Esses últimos, entretanto, também não passaram ilesos pelo período de turbulência. Bancos como Itaú, Unibanco e Votorantim, que realizaram operações de derivativos de câmbio com as empresas, sofreram elevada pressão de caixa devido às chamadas de margens de garantia na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F). Enquanto Itaú e Unibanco se fundiram no final de 2008, o banco Votorantim vendeu participação no capital para o Banco do Brasil, em janeiro de 2009.

4. Os bancos exerceram preferência pela liquidez adquirindo títulos públicos federais que, além de baixíssimo risco, lhes asseguraram alta rentabilidade. O prazo relativamente curto do crédito bancário no Brasil favoreceu esse movimento de realocação de portfólio, característico da administração ativa dos balanços pelos bancos.

5. Para uma análise crítica da gestão da crise de liquidez pelo BCB, ver Freitas (2009).

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investidor (Quadro A1, em anexo ao final do capítulo). Essa medida de política fi-nanceira viabilizou o “desempoçamento” da liquidez e permitiu reativar a concessão de crédito consignado e para aquisição de veículos pelos bancos de menor porte.

As modalidades de crédito às empresas (sobretudo às pequenas e médias em-presas industriais) foram, todavia, as que mais sentiram o impacto da crise. Ao longo de 2009, a elevação da inadimplência e a prolongada reestruturação das dí-vidas das empresas, em particular daquelas envolvidas com derivativos de câmbio, justificaram a contração do crédito corporativo por parte dos bancos privados, de capital nacional e estrangeiro, uma vez que nesses casos a regulamentação vigente exige maiores provisões e base de capital. Embora tenha diminuído a demanda das empresas por crédito – em linha com o arrefecimento do nível da atividade e com o adiamento dos planos de investimento, devido à deterioração das expectativas –, a ação anticíclica dos bancos públicos, ante a maior aversão ao risco do sistema bancá-rio privado, foi essencial para suprir a necessidade de capital de giro das empresas6.

Dois programas do BNDES, por exemplo, ajudaram a garantir as necessidades de capital de giro das empresas, em 2009: o Programa Especial de Crédito (PEC) e o Programa de Crédito Especial Rural (Procer). Com recursos da ordem de R$ 6 bilhões, o PEC forneceu empréstimos de até R$ 50 milhões por CNPJ para micro, pequenas e médias empresas dos setores da indústria, serviço e comércio7. Já o Procer, lançado em abril de 2009, com recursos de R$ 10 bilhões, destinava-se ao financiamento do capital de giro das empresas do setor agroindustrial, de máquinas e equipamentos agrícolas e de cooperativas agropecuárias, até o limite de R$ 200 milhões por CNPJ ou 20% da receita operacional bruta. Ademais, a CEF, que havia criado, no final de 2008, duas linhas de crédito para capital de giro ao setor de construção, no valor de R$ 3 bilhões, com recursos oriundos da caderneta de poupança, ampliou significativamente as linhas de financiamento às empresas ao longo de 2009.

Segundos as estatísticas do BCB8, o crescimento do saldo de crédito contrata-do pelos bancos públicos, que vinha se acelerando desde o início de 2008, atin-

6. Sobre a evolução do crédito corporativo após o aprofundamento da crise internacional, ver Fundap (2008), Prates e Freitas (2010) e Freitas (2011).

7. O PEC foi lançado em dezembro de 2008, com vigência prevista de seis meses. Em maio de 2009, o pro-grama teve sua vigência prorrogada até dezembro de 2009 e suas condições de prazo e juros, melhoradas. Para maiores detalhes, ver Fundap (2009).

8. Este artigo utiliza a antiga metodologia do BCB para divulgação dos dados de crédito, uma vez que as infor-mações segundo a nova metodologia, apresentada em fevereiro de 2013, cobrem apenas o período posterior ao ano de 2007. Continuam válidos, então, alguns esclarecimentos sobre a metodologia empregada pelo BCB até dezembro de 2012. O volume total de crédito do Sistema Financeiro Nacional inclui operações de

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giu, a partir de outubro desse mesmo ano, taxas reais superiores às dos bancos privados nacionais. Os bancos privados estrangeiros já tinham sido ultrapassados no mês de maio. No último trimestre de 2008 e no primeiro bimestre do ano seguinte, enquanto os bancos privados desaceleraram bruscamente a contrata-ção de crédito, o saldo de crédito dos bancos públicos apresentou taxas reais de crescimento, em 12 meses, sempre superiores a 30% ao mês. No final de 2009, a contração do crédito pelos bancos privados de controle estrangeiro e a quase estagnação dos saldos de crédito dos bancos privados nacionais (com contrações no segmento corporativo) continuavam sendo contrabalançadas pelo crescimento das carteiras dos bancos públicos, apesar de sua desaceleração. Assim, a taxa de crescimento real em 12 meses do crédito total do sistema financeiro foi reduzida de 26,6%, em setembro de 2008, para 10,2%, em novembro de 2009, quando atingiu o montante de R$ 1,66 trilhão (deflacionado pelo IPCA) (Gráfico 1).

Aliando as diretrizes governamentais com suas próprias estratégias operacio-nais, a CEF e, posteriormente, o BB avançaram em diferentes segmentos do cré-dito bancário com recursos livres, alguns até então dominados por instituições privadas, como é o caso das modalidades de crédito consignado e de financia-mento à aquisição de veículos no segmento de pessoas físicas, conquistando e/ou ampliando fatias de mercado9.

Em 2009, a ação anticíclica do BB e da CEF foi mais evidente no segmento de crédito para o setor corporativo. Na CEF, a participação das empresas na car-teira de crédito ao setor privado elevou-se a 25%, em 2009 (ante 19%, em 2008), com a indústria e o comércio absorvendo mais da metade dos créditos concedidos ao setor corporativo (10%, em 2008). Cabe ressaltar que, para essa instituição, a

crédito ao setor privado e ao setor público, compreendendo aquelas operações denominadas de “crédito com recursos livres” – em que as condições do contrato são livremente pactuadas pelas partes – e de “crédito com recursos direcionados” – cujas condições estão sujeitas a regras definidas pelo Estado. O crédito total do Sistema Financeiro Nacional ao setor privado (incluindo crédito livre e direcionado) é classificado pelo BCB segundo a ótica setorial do tomador: indústria, comércio, outros serviços, habitação, rural e pessoa física. O crédito com recursos direcionados, por sua vez, pode ser classificado segundo o tipo do tomador (pessoa física ou pessoa jurídica), ou da seguinte forma: BNDES-direto, BNDES-repasse, rural, habitação e outros. O crédito direcionado à pessoa física refere-se, sobretudo, ao crédito direcionado à habitação. O crédito com recursos livres também é classificado segundo o tipo de tomador (pessoa física e pessoa jurídica), mas as classificações mais detalhadas, de acordo com o tipo de crédito (crédito pessoal, financiamento da aquisição de bens, cheque especial, cartão de crédito, etc.), remetem a uma amostra identificada como “crédito com recursos livres em operações referenciais de taxas de juros”. A partir dessa amostra (que representa mais de 90% do crédito livre total) são colhidas informações a respeito das taxas de juros cobradas e dos spreads praticados, assim como do prazo e do nível de inadimplência das operações.

9. Cabe mencionar que, em dezembro de 2009, a CEF adquiriu 49% do capital votante do Banco PanAme-ricano, com forte atuação no financiamento ao consumo das classes C, D e E.

a economia brasileira no contexto da crise global 128

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aversão ao risco dos bancos privados representou uma janela de oportunidade para a ampliação e diversificação da base de cliente. Já o BB expandiu fortemente suas operações de crédito aos setores de comércio e serviço (FUNDAP, 2009 e 2010).

Apesar da atuação dessas duas instituições, a taxa de crescimento do crédito corporativo com recursos livres despencou de 45,5%, em outubro de 2008, para 1,6% em dezembro de 2009. A taxa de crescimento da principal modalidade de crédito livre à pessoa jurídica, o crédito de capital de giro, viu-se reduzida seguidamente, passando de 73%, em novembro de 2008, para 18,7%, em abril de 2010. Com isso, o crescimento real do crédito livre total do sistema finan-ceiro desacelerou-se, passando de 29,5%, em setembro de 2008, para 5%, em dezembro de 2009, na comparação em 12 meses (Gráfico 2). Esse desempenho foi, contudo, favorecido pela desaceleração mais suave do crédito à pessoa física, passando de 22,3% para 14,2% no mesmo período, reflexo do impacto menos intenso e transitório da crise no mercado de trabalho10.

Diante dessa evolução do crédito livre, fica evidente a importância do crédito direcionado para evitar uma desaceleração mais expressiva do crédito total do sis-tema financeiro11. Dentre os bancos com operações de varejo, destacou-se a atua-ção do BB mediante repasses de recursos do BNDES à indústria, tanto às grandes

10. A respeito da evolução do mercado de trabalho, ver capítulo 7.11. Sobre a importância dos bancos públicos e do crédito direcionado, ver, dentre outros, Cintra (2007),

Cintra e Prates (2010), Freitas (2010) e Hermann (2010).

Gráfico 1. evolução do crédito bancário total e seGundo a ProPriedade de caPital dos bancos –

dez./2003 a dez./2012 (variação real em 12 meses, em %)

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SF Público SF Privado SF Estrangeiro Crédito Total do SFN

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

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como às pequenas empresas. Ainda assim, a evolução da modalidade BNDES-repasse12 foi condicionada pela aversão a riscos dos bancos privados, que aprofun-daram a trajetória de desaceleração iniciada já em maio de 2008, sob influência da elevação das incertezas no front externo. A menor taxa real de crescimento em 12 meses foi obtida em julho de 2009, 9,7%, contra 20,6%, em maio de 2008.

Uma vez que o BB sozinho seria incapaz de compensar a retração dos bancos privados no repasse de recursos do BNDES, a ação direta do BNDES, que opera-cionalizou o Programa de Sustentação ao Investimento (PSI)13, lançado em junho de 2009, expandiu-se fortemente desde então, mantendo um ritmo de crescimen-to elevado até meados de 2010. A taxa de crescimento real dessa modalidade de crédito, na comparação em 12 meses, saltou de 16,2%, em agosto de 2008, para 61,5%, em julho de 2009 (Gráfico 3).

Nas operações à pessoa física, o crédito direcionado também apresentou de-sempenho bastante superior ao do crédito livre, sob influência da expansão do fi-

12. Na modalidade BNDES-repasse, são os bancos públicos e privados que, atuando como agentes financei-ros, avaliam e carregam os riscos subjacentes às operações de repasse dos recursos aos tomadores finais. Por esse motivo, o saldo BNDES-repasse esteve sujeito, assim como o crédito livre, à postura mais conserva-dora dos bancos privados.

13. Financiado com recursos do Tesouro Nacional, o PSI reduziu o custo final para o tomador dos financia-mentos de investimentos em inovação, tecnologia e na compra bens de bens de capital, com vistas a elevar a competitividade da indústria brasileira. Criado em 2009, o PSI foi prorrogado até dezembro de 2013.

Gráfico 2. evolução do crédito total, livre e direcionado – dez./2003 a dez./2012

(variação real1 em 12 meses, em %)

-2,5

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2,5

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[Em

%]

Recursos livres Recursos Direcionados Total

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. (1) Os valores foram deflacionados pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA).

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nanciamento habitacional, com ganho de participação dos bancos públicos. Vale lembrar que a CEF – principal credor do segmento habitacional – constitui-se no agente central da operacionalização do programa Minha Casa Minha Vida, lançado em abril de 2009, com o duplo objetivo de reduzir o déficit habitacio-nal do país e, sobretudo, dinamizar a geração de emprego e renda por meio da construção civil. De fato, o financiamento habitacional foi a única modalidade de crédito que manteve sua trajetória de aceleração ao longo de 2009, passando de uma taxa de crescimento real em 12 meses de 37,5%, em outubro de 2008, para 45,2% em dezembro de 200914.

Influenciado pelo desempenho do financiamento habitacional e da modalidade BNDES-direto, as taxas de crescimento do crédito direcionado total apresentaram aumento, passando de 16,8%, em agosto de 2008, para 23,8%, em dezembro de 2009, depois de ter atingido o pico de 28,2% no mês de agosto de 2009 (Gráfico 2).

A combinação de ação anticíclica com estratégias de conquista de parcelas do mercado pelos bancos públicos, em 2009, foi bem-sucedida e se traduziu no au-mento expressivo da participação relativa dessas instituições no Sistema Financeiro Nacional. Mesmo considerando que, nesse mesmo ano, ocorreu a incorporação integral da Nossa Caixa, a fatia do BB no mercado de crédito atingiu 21,7%, com elevação de 3,3 pontos percentuais, enquanto a participação da CEF ampliou-se

14. Sobre a evolução do financiamento habitacional entre 2005 e 2011, ver Cagnin (2012).

Gráfico 3. evolução do crédito com recursos direcionados – jan./2008 a dez./2012

(variação real1 em 12 meses, em %)

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BNDES Direto BNDES Repasse Rural Habitação Outros

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. (1) Os valores foram deflacionados pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA).

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2,3 pontos percentuais, alcançando 9,5%. O conjunto dos bancos públicos (espe-cialmente BB, CEF e BNDES) elevou sua participação no estoque total de crédito de 35%, em outubro de 2008, para 41,5%, em dezembro de 2009.

A utilização dos bancos públicos como instrumento da política financeira an-ticíclica esbarrava, contudo, nos limites impostos pela regulamentação bancária. Dada a exigência do cumprimento da regra de Basileia – que na versão brasileira im-põe capital mínimo equivalente a 11% dos ativos ponderados pelos riscos –, aportes de capital nos bancos públicos fizeram-se necessários. Em março de 2009, a União concedeu empréstimo da ordem de R$ 100 milhões para o BNDES, sob a forma de títulos públicos. A CEF também recebeu do governo federal um empréstimo de R$ 6 bilhões, em outubro de 2009, sob a forma de instrumento híbrido de capital e dívida15. Por sua vez, o BB recorreu, em outubro de 2009, a captações no exterior, com a colocação de bônus perpétuos no valor de US$ 1,5 bilhão e, em março de 2010, com a emissão de letras financeiras no valor de US$ 1 bilhão.

Além de sustentar a oferta de crédito para auxiliar a recuperação da economia, os bancos públicos desempenharam um papel essencial como instrumento da po-lítica financeira voltada para forçar a queda dos spreads e assegurar que a redução da meta Selic, a partir de janeiro de 2009, fosse repassada aos tomadores finais de crédito16. Seguindo orientação do governo federal, insatisfeito com a manutenção dos spreads bancários em níveis elevados, os bancos públicos federais cortaram os juros das suas operações ativas, forçando assim a reação dos bancos privados.

Seguindo a diretriz da política financeira governamental, a CEF promoveu, várias vezes ao longo de 2009, a redução das taxas de juros em algumas das suas linhas comerciais, bem como nos financiamentos habitacionais. Na média, os spre-ads praticados pela instituição caíram de 34,2% para 29,8%. Também o BB, que havia elevado os seus juros no último trimestre de 2008, reorientou suas estratégias no primeiro semestre de 200917. Em maio, além de promover a elevação do limite

15. O empréstimo foi realizado em condições compatíveis com o enquadramento da operação como instru-mento híbrido de capital e dívida, o que permitiu manter o Índice de Basileia próximo de 20%. De um lado, pelas regras do BCB, a CEF pôde considerar a operação como parte de seu capital e, portanto, incluir esses recursos no patrimônio de referência que serve de base de cálculo dos limites de empréstimo. Por outro lado, essa solução evitou impacto fiscal para o caixa do governo federal, já que o empréstimo é uma transa-ção dentro do próprio setor público. O mesmo tipo de procedimento foi adotado em 2012, como será visto adiante. Para mais detalhes sobre os instrumentos de capitalização dos bancos públicos e suas relações com as finanças públicas, ver capítulo 8, além de Afonso (2011) e Barros e Afonso (2013).

16. Entre janeiro e julho de 2009, a meta da Selic foi reduzida em cinco pontos percentuais pelo BCB.17. Em abril, o governo federal promoveu a troca de comando no BB, com a demissão de Antônio Francisco

de Lima Neto da presidência do banco, em razão da sua resistência em cumprir a diretriz de redução dos juros e spreads definida pelo controlador. Para essa decisão contribuiu, também, o fato de que, sob o co-

a economia brasileira no contexto da crise global 132

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de crédito de 10 milhões de clientes pessoas físicas, em um total de R$ 13 bilhões, o BB reduziu em 9,4 pontos percentuais, em média, as taxas de juros para os em-préstimos nesse segmento. Em junho, novo corte das taxas de juros foi praticado, dessa vez em diversas linhas do segmento das pequenas e médias empresas18.

Em contexto de redução da taxa básica de juros, com consequente perda de receita nas aplicações de títulos públicos, os bancos privados precisavam elevar o volume das operações de crédito e alongar o prazo para manter suas participações de mercado e sua lucratividade. Desse modo, a ampliação do crédito a um custo mais baixo pelos bancos públicos representava uma real ameaça à posição dos bancos privados, que reagiram abaixando os juros e os spreads. Em consequência, os spreads bancários recuaram em 2009, em particular no segmento de pessoas físicas (Gráfico 4). Nesse segmento, os juros médios e os spreads foram reduzidos continuamente ao longo do ano. Em contraste, no segmento de crédito à pessoa jurídica, em razão do baixo crescimento e da inadimplência elevada, os spreads só começaram a diminuir no segundo semestre, mas a queda foi mais lenta e relati-vamente menor.

Gráfico 4. evolução dos spreads Para o crédito à Pessoa física e à Pessoa jurídica – jan./2008 a

dez./2012 (em %)

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Spread PF Spread PJ Spread Geral

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

mando de Lima Neto, o BB optou por não assumir o controle do Votorantim no início de janeiro de 2009, adquirindo 49,99 % do capital da instituição.

18. A utilização dos bancos públicos como instrumento de política financeira anticíclica não se traduziu, diferentemente do que vaticinavam os seus críticos, em deterioração da qualidade da carteira dessas insti-tuições. A participação dos créditos com qualidade de risco normal vem crescendo desde junho de 2009 (ver Gráfico A2, no anexo ao final deste capítulo).

a economia brasileira no contexto da crise global 133

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A reativação do crédito privado e o crescimento explosivo do crédito ao consumo

No período que se estende de dezembro de 2009 até o final de 2010, houve uma recuperação moderada da trajetória de expansão do crédito, impulsionada pela eficácia das medidas anticíclicas, na manutenção do emprego e da geração de renda, e pela pressão da concorrência exercida pelo comportamento agressivo dos bancos públicos sobre seus congêneres privados. As medidas fiscais de sustentação da demanda associaram-se a sucessivos cortes da meta da taxa Selic – que trouxe-ram os juros básicos de 13,75% para 8,75% a.a., entre janeiro de 2009 e abril de 2010 – cujos efeitos defasados puderam ser sentidos em 2010.

A recuperação da atividade econômica e a manutenção do emprego e da renda tiveram, então, impacto positivo sobre a evolução dos níveis de inadimplência, que assumiram uma trajetória de queda mais sistemática a partir de novembro de 2009, sob a influência determinante da menor inadimplência das operações de crédito a pessoas físicas (de 8%, em novembro 2009, para 5,7%, em dezem-bro de 2010)19. Nessa conjuntura mais favorável, a expansão do saldo total de crédito do Sistema Financeiro Nacional acelerou-se, passando de uma taxa real de crescimento em 12 meses de 10,9%, em novembro de 2009, para 14,5%, em novembro de 2010. Nesse mesmo período, a taxa de crescimento das operações de crédito com recursos livres saiu de 5,2% para 10,3% e a do crédito direciona-do, de 22,9% para 21,1% (Gráfico 2). Embora a ampliação do crédito ao setor privado tenha voltado a ganhar ímpeto, não houve retorno ao padrão de elevado crescimento observado entre agosto de 2007 e setembro de 2008, quando chegou a registrar taxa média real da ordem de 24%.

Com a retomada do crescimento e dos planos empresariais de investimentos, os bancos privados começaram a reagir ao avanço dos seus concorrentes públicos e volta-ram a atuar como agentes financeiros nos repasses do BNDES. Em evidente compor-tamento procíclico, as instituições privadas nacionais aceleraram a concessão de cré-dito ao setor privado, em um esforço para recuperar fatias de mercado perdidas para os bancos públicos, registrando taxas reais de crescimento acima da média do SFN.

No segmento de crédito corporativo, as instituições privadas nacionais foram bem-sucedidas em sua reação à concorrência das instituições públicas, bem como

19. Nota-se que, diferentemente da inadimplência do crédito às pessoas físicas, a inadimplência das operações de crédito às pessoas jurídicas pouco se reduziu, mas mudou de patamar ao longo do primeiro semestre de 2009, passando de 1,7%, em novembro de 2008, para em torno de 4%, após outubro de 2009. O crescimento da par-ticipação de pequenas empresas nessa modalidade de crédito explica, em boa parte, essa mudança de patamar.

a economia brasileira no contexto da crise global 134

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das estrangeiras. Embora não tenham conseguido recuperar a liderança, perdida em dezembro de 2008 para o subsistema público, o grupo privado nacional elevou sua participação de 37,1% para 39,5% do total do crédito do SFN a pessoas jurídicas.

A evolução do crédito corporativo do período foi resultado da expansão tanto do crédito direcionado como do crédito livre. Entre as modalidades do crédi-to direcionado, verificou-se a manutenção de taxas elevadas de crescimento do BNDES-direto no primeiro semestre de 2010, ao mesmo tempo em que a mo-dalidade BNDES-repasse ratificava sua trajetória de aceleração. A partir de julho, o crescimento do BNDES-direto seria ultrapassado pelo BNDES-repasse. Em novembro de 2010, a modalidade BNDES-repasse atingiu expansão real em 12 meses de 39,2%, contra 13,1% do BNDES-direto (Gráfico 3).

Já a evolução do crédito livre à pessoa jurídica acelerou-se de um patamar (em termos reais, em 12 meses) de 1,6%, no mês de dezembro de 2009, para 14,9%, em novembro de 2010, alavancada por modalidades tais como: conta garantida e aquisição de bens (que mostraram taxas positivas de crescimento a partir do segundo semestre de 2010), adiantamento de contrato de câmbio (ACC) e repasses externos (cuja contração se arrefeceu a partir do segundo trimestre do ano). Em relação ao crédito de capital de giro, ainda que tenha apresentado desaceleração ao longo de 2010, foi mais suave que no ano anterior, passando de 22,9%, em dezembro de 2009, para 16%, em dezembro de 2010 (em termos reais, em 12 meses) (Gráfico 5).

A retomada do crédito corporativo não se deu, contudo, na mesma intensidade em termos dos setores de atividades. A indústria, setor que foi atingindo pela crise de forma intensa20, absorveu menos créditos do SFN na retomada do crescimento, enquanto os saldos das operações de crédito destinados aos setores de comércio e serviços cresceram em ritmo mais forte. Desde fevereiro de 2010, os saldos de crédito destinados aos setores terciários registravam taxas reais de crescimento em 12 meses da ordem de dois dígitos. Já os estoques destinados ao setor industrial se retraíram em termos reais entre dezembro de 2009 e abril de 2010 (Gráfico 6).

Na evolução do crédito total ao setor privado por atividade, observa-se, igual-mente, a forte aceleração do financiamento habitacional, que registrou taxas reais de crescimento superiores a 40%, em 2010 (45,7%, em novembro de 2010), enquanto o crédito às pessoas físicas chegou até mesmo a se desacelerar entre dezembro de 2009 e maio de 2010 (Gráfico 6). Todavia, ao se examinar o desem-penho do crédito com recursos livres, destaca-se o comportamento de algumas modalidades de crédito ao consumo.

20. Os efeitos da crise sobre a indústria são discutidos no capítulo 6.

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Ainda que as operações com recursos livres tenham apresentado uma tendên-cia relativa de arrefecimento do ritmo de expansão ao longo do primeiro semestre de 2010, voltando a acelerar apenas no último trimestre do ano, as taxas de cresci-mento desse tipo de crédito mantiveram-se em patamar elevado ao longo de todo o período, em torno de 18% ao mês na comparação em 12 meses, em termos

Gráfico 5. evolução do crédito com recursos livres referenciais Para Pessoas jurídicas –

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Desconto de duplicatas Capital de giro Conta garantida Financ. imobiliárioAquisição de bens ACC Repasses externos

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. (1) Os valores foram deflacionados pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA).

Gráfico 6. crédito total ao setor Privado Por setor de atividade – jan./2008 a dez./2012

(variação real1 em 12 meses, em %)

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Indústria Habitação Rural Comércio Pessoas físicas Outros serviços

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. (1) Os valores foram deflacionados pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA).

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reais. Com a concorrência acirrada e os esforços dos bancos privados em recuperar fatias de mercado perdidas para os bancos públicos, a ampliação dos volumes de crédito, em algumas modalidades no segmento de pessoas físicas, deu-se em rit-mo acelerado ao longo de 2010. Esses foram os casos do crédito consignado e do financiamento da compra de veículos (Gráficos 7 e 8). No crédito consignado, as taxas reais de crescimento em 12 meses estiveram, em média, próximas de 28%.

Gráfico 7. evolução do crédito livre às Pessoas físicas – jan./2008 a dez./2012

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Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. (1) Os valores foram deflacionados pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA).

Gráfico 8. evolução do crédito consiGnado – jan./2008 a dez./2012

(variação real1 em 12 meses e ParticiPação no crédito Pessoal, em %)

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Cheque especial Crédito pessoal Cartão de crédito Financ. imobiliárioAquisição de veículos Aquis. bens - Outros Outros

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. (1) Os valores foram deflacionados pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA).

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No que diz respeito ao financiamento de veículos, essa taxa chegou a atingir o extraordinário patamar de 40,8%, em dezembro de 2010.

Essas elevadas taxas de crescimento do crédito acenderam, porém, o alarme das autoridades econômicas. No final de 2010, o BCB identificou risco potencial de instabilidade financeira associado ao endividamento das famílias, ao desequi-líbrio entre o volume de crédito e o valor das garantias no caso do financiamento para a aquisição de veículos e ao descasamento de prazo das operações ativas e passivas do sistema bancário – condicionado pela ampliação dos prazos do crédito à pessoa física que vinha ocorrendo desde 200321, sem a devida contrapartida do alongamento do funding dos bancos. Ademais, movidos pela pressão concorren-cial, além de ampliar excessivamente os prazos das operações, os bancos passaram a conceder crédito sem entrada para a aquisição de veículos.

Assim, em 3 de dezembro de 2010, o BCB anunciou a elevação do adicional do compulsório sobre depósitos à vista e a prazo, em vigor desde 2002, de 8% para 12%, e do capital mínimo para as operações de crédito às pessoas físicas com prazo superior a 24 meses, dos 11%, então vigentes, para 16,5% do valor da operação. Foram excluídas da exigência de maior requerimento de capital as operações de crédito rural, de financiamento habitacional e de financiamento para a aquisição de veículos de carga e os empréstimos consignados com prazos superiores a 36 meses22.

Na mesma ocasião, deu-se continuidade ao processo de retirada gradual dos incentivos introduzidos, entre o último trimestre de 2008 e o primeiro trimestre de 2009, para minimizar os efeitos da crise financeira internacional na liquidez do sistema bancário brasileiro. De um lado, o BCB definiu o cronograma de extin-ção dos depósitos a prazo com garantia especial do FGC; de outro lado, determi-nou a recomposição dos níveis de recolhimento compulsório sobre os depósitos a prazo, com a elevação dos percentuais (de 15% para 20%) e a redução do limite máximo de dedução (de 45% para 36%) das compras de carteiras de crédito e dos depósitos interfinanceiros da exigibilidade do compulsório sobre os depósitos.

Ainda que o objetivo principal das medidas macroprudenciais seja a estabili-dade do sistema financeiro, é verdade que elas também auxiliam a política mone-tária (MORENO, 2011). De fato, a adoção de tais medidas pelo BCB permitiu

21. Replicando uma prática do comércio varejista, os bancos vinham, desde 2003, ampliando os prazos das operações de crédito ao consumo, de modo a reduzir o valor das prestações e a viabilizar o aumento do endividamento das famílias, a despeito das elevadas taxas de juros (FREITAS, 2007; FREITAS e PRA-TES, 2009).

22. Sobre as medidas macroprudenciais, ver Fundap (2011).

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manter a meta da taxa Selic em 10,75% a.a. ao longo do segundo semestre de 2010, apesar do contexto de pressões inflacionárias crescentes. Todavia, tal con-tribuição não evitou a gradual elevação da meta da taxa básica de juros em 1,75 ponto percentual, entre os meses de janeiro e julho de 2011, levando a meta da taxa Selic para 12,5% a.a. no mês de julho.

A política monetária contracionista do BCB foi acompanhada, ainda, por me-didas do Ministério da Fazenda nessa mesma direção. Em abril de 2011, elevou-se a alíquota do IOF sobre as operações de empréstimo e de arrendamento mercan-til, de 1,5% para 3% (Quadro A1, no anexo ao final deste capítulo). Como o alvo era o crédito ao consumo – financiamento para a aquisição de bens, rotativo do cartão de crédito, cheque especial e crédito pessoal, inclusive consignado –, as operações de financiamento habitacional permaneceram isentas de IOF.

Esse conjunto de medidas, associado a uma postura menos agressiva dos ban-cos públicos, condicionou uma nova desaceleração do crédito bancário em 2011, como será visto a seguir.

Os impactos das medidas restritivas

O efeito combinado das medidas contracionistas das políticas financeira e monetária resultou no arrefecimento do ritmo de expansão do crédito total do sistema financeiro ao setor privado, já a partir do mês de maio de 2011, puxado pela desaceleração do crédito ao setor corporativo. Em razão da defasagem tem-poral, a perda de ímpeto da expansão do segmento de crédito com recursos livres às pessoas físicas, alvo das medidas de contenção, somente se intensificou a partir do mês de agosto.

Para o saldo total do crédito, a taxa de crescimento real em 12 meses caiu de 13,9%, em dezembro de 2010, para 11,4%, em agosto de 2011, e, então, para 10,9% em novembro. O crédito direcionado, cuja taxa real de crescimento em 12 meses caiu de 21,1% para 13,6% entre dezembro de 2010 e outubro de 2011, seguiu sua trajetória de desaceleração, influenciada pelo comportamento dos re-passes e das operações diretas do BNDES que, passado o período de maior risco ao crescimento econômico, retrocedeu em seu papel anticíclico. Nesse período, também teve início a tendência de desaceleração do financiamento habitacional, em função da acomodação do mercado imobiliário residencial das principais ca-pitais do país23. Já o crédito livre desacelerou-se a partir do mês de março de 2011,

23. A desaceleração do financiamento habitacional tem origem em processos tanto do lado da demanda como do lado da oferta que sinalizam uma relativa acomodação do mercado imobiliário residencial. Do lado da

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reduzindo sua taxa de crescimento real em 12 meses de 11,1% para 9,1%, em outubro desse ano.

As medidas contracionistas sobre o crédito ao consumo foram eficazes, redu-zindo a taxa de crescimento do financiamento à aquisição de veículos, de 41,3% (em termos reais e em 12 meses), em fevereiro de 2011, para 16%, em dezembro de 2011, e levando à contração do crédito para a aquisição de outros bens, cuja taxa de crescimento caiu de 6,5% para -15%, na mesma comparação. Ainda que tenha sido compensada por outras formas de crédito pessoal, a desaceleração do crédito consignado também foi expressiva, saindo de 28,8%, em dezembro de 2010, para chegar a 9,4%, em dezembro de 2011. No agregado, o volume de crédito à pessoa física com recursos livres teve sua taxa de crescimento real em 12 meses reduzida de 12,5%, em dezembro de 2010, para 8,7%, em dezembro de 2011. Chama a atenção o fato de que parte da desaceleração (ou contração) dessas modalidades de crédito à pessoa física foi compensada pelo crescimento de formas de crédito rotativo, modalidades que se caracterizam pela cobrança de taxas de juros extorsivas. Os saldos de crédito de cheque especial e cartões de crédito encerraram o ano de 2011 com uma taxa real de expansão de 9,3% e 14,7%, respectivamente, ante as taxas de -2,7% e 7,3% verificadas em dezembro de 2010 (Gráfico 7).

Constata-se, assim, que a deterioração do perfil de endividamento das famí-lias, ocorrida em 2011, tem raízes nas próprias medidas adotadas pelo BCB e pelo governo federal, o que redundou na elevação da inadimplência em todas as moda-lidades da carteira de crédito bancário às pessoas físicas. A inflação ascendente ao longo de 2011, puxada pela alta dos alimentos e dos serviços, também contribuiu para esse aumento, uma vez que a diminuição no poder de compra das famílias resultou na diminuição da renda disponível para pagamento das dívidas bancárias contraídas. Como resultado, a taxa de inadimplência das pessoas físicas saiu de 5,7%, em janeiro de 2011, para chegar a 7,9%, em maio de 2012 (Gráfico 9).

Instalou-se, então, uma dinâmica cumulativa entre a elevação dos juros de empréstimos, influenciada pelo aumento sucessivo das metas da taxa Selic, da

demanda, o crescimento dos preços imobiliários bastante acima da expansão da renda contribuiu para re-duzir a capacidade de compra das famílias, inclusive porque parte dos imóveis dos grandes centros urbanos ultrapassou o limite de preço imposto às operações regulamentadas do Sistema Financeiro da Habitação ou pelo programa Minha Casa Minha Vida. Do lado da oferta, o ano de 2011 explicitou inconsistências das estratégias de expansão das maiores incorporadoras do país, gerando aumento do estoque de unidades residenciais e, consequentemente, redução do nível de lançamentos de projetos. Além disso, é importante notar o efeito estatístico ocasionado pelo forte crescimento do financiamento habitacional entre 2008 e 2010. Ver, a respeito, Fundap (2013); Cagnin e Novais (2013).

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inadimplência e dos spreads bancários. Há, sem dúvida, um círculo vicioso na elevação das taxas de juros, dos spreads e da inadimplência, pois os juros cobrados pelos bancos embutem a previsão de inadimplência, a qual termina por acontecer, pois os juros exorbitantes tornam-se impagáveis diante de qualquer redução na renda disponível das famílias ou no fluxo de caixa das empresas. Além disso, a alta da inadimplência acaba servindo como justificativa para a rigidez dos juros cobra-dos das pessoas físicas nos momentos de redução da taxa básica de juros, o que resulta na elevação dos spreads e no consequente aumento dos lucros dos bancos. Para romper com essa dinâmica perversa, o governo voltou a fazer uso da política financeira em prol da redução dos juros, utilizando os bancos públicos como instrumento de concorrência para forçar a reação dos bancos privados, como será visto na próxima seção.

Já nos segmentos de crédito às pessoas jurídicas, houve, ainda no primeiro semestre de 2011, um forte arrefecimento no ritmo de expansão do crédito, so-bretudo nas operações com recursos direcionados. O saldo do crédito nessas ope-rações, que vinha crescendo a uma taxa real média de 27,7% em 2010, registrou taxas reais decrescentes a partir de março de 2011, atingindo o seu patamar mais baixo no mês de outubro (7,2%).

A diminuição da concessão de crédito com recursos do BNDES foi, sem dú-vida, o principal motor da forte desaceleração observada no segmento do crédito

Gráfico 9. evolução da taXa de inadimPlência1 nas oPerações de crédito com recursos livres2 –

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Pessoa jurídica Pessoa física Total

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. (1) Consiste na participação das operações de crédito com atraso superior a 90 dias.

(2) Refere-se às operações de crédito com recursos livres referenciais a taxas de juros.

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direcionado às pessoas jurídicas ao longo de 2011. Houve arrefecimento tanto na modalidade BNDES-direto como na modalidade BNDES-repasse. A redução do crescimento foi mais intensa na modalidade BNDES-repasse que, de uma taxa real de expansão em 12 meses da ordem de 33,3%, em janeiro, declinou para ape-nas 8,3%, em dezembro de 2011 (Gráfico 3). Essa desaceleração foi mais acen-tuada no segundo semestre, em razão da deterioração das expectativas e maior aversão a riscos dos bancos, em um cenário de baixo dinamismo da economia doméstica e de aprofundamento da crise na área do euro.

O saldo da modalidade BNDES-direto, que já vinha mantendo ritmo de cres-cimento moderado desde o último trimestre de 2010, teve uma expansão real em 12 meses de 0,8%, em junho de 2011 (ante 5,1% em janeiro de 2011), voltando a se acelerar no segundo semestre e encerrando o ano com crescimento de 13,5%. Essa evolução é indicativa da ação anticíclica desse banco.

Ante as condições financeiras extremamente favoráveis dos mercados interna-cionais, associadas à liquidez abundante, o banco alterou suas políticas operacio-nais no início de 2011. Essas mudanças foram introduzidas com a clara e explícita intenção de reduzir sua participação no financiamento de longo prazo, sobretudo das empresas de grande porte, em condições de se financiarem nos mercados pri-vados de crédito no Brasil e no exterior24. Igualmente, o BNDES tornou público o seu propósito de manter o volume de desembolso, em 2011, em torno de R$ 145 bilhões, próximo, portanto, do patamar observado em 2010.

No segmento de crédito com recursos livres ao setor corporativo, a desacelera-ção teve início no mês de maio, aprofundando-se no bimestre outubro-novembro (Gráfico 5). A alta da meta da Selic e as medidas de contenção do crédito ao consumo afetaram igualmente o comportamento das operações de crédito ban-cário ao setor corporativo, que registrou moderação no ritmo de crescimento em 2011. Em primeiro lugar, a política monetária restritiva elevou o custo de todas as principais modalidades de crédito. Em segundo lugar, as iniciativas para a con-tenção do crédito ao consumo e a desaceleração da atividade econômica frustra-ram as expectativas empresais e se traduziram em revisão de planos de produção, com consequente redução na demanda por crédito. Finalmente, não obstante as medidas de controle adotadas pelo Ministério da Fazenda ao longo do primeiro semestre de 2011, o forte influxo de capitais externos, atraídos pela ampliação do diferencial entre juros domésticos em elevação e juros internacionais em patama-

24. Com o propósito de abrir espaço para o setor privado, o BNDES reduziu em 10 pontos percentuais sua participação máxima nos financiamentos, e elevou de R$ 10 milhões para R$ 20 milhões o teto do valor dos projetos que poderão ser repassados, em um ano, pelos agentes financeiros a uma empresa.

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res próximos de zero, resultou na apreciação do real e no aumento da penetração de produtos importados no mercado doméstico, o que contribuiu tanto para a diminuição na demanda por crédito por parte das empresas, como para a queda de suas receitas operacionais – sobretudo nos setores das cadeias intermediárias de produção –, resultando em aumento da inadimplência. Em contrapartida, a apreciação cambial reduziu o custo do endividamento externo, ampliando as operações de crédito com repasses externos e ACC.

Em termos de propriedade de capital das instituições financeiras, nota-se que a redução no ritmo de crescimento do crédito ao longo de 2011 também não se deu de maneira homogênea e sincronizada (Gráfico 1). Nas instituições privadas de capital nacional, o ritmo manteve-se praticamente inalterado até o mês de julho, sustentando taxas reais de crescimento do estoque de crédito, em 12 meses, da ordem de 15%. Para escapar do adicional de compulsório sobre os depósitos à vista e a prazo – e, assim, sustentar a ampliação do crédito para recuperar as fatias de mercado perdida para os bancos públicos em 2009 –, as instituições privadas nacionais intensificaram a captação de recursos no exterior mediante a emissão de bônus e notas25, e no mercado doméstico mediante emissão de letras financeiras. As instituições estrangeiras, que só a partir de maio de 2010 voltaram a registrar taxas positivas no crédito, sobretudo ao setor privado, também aceleraram a con-cessão de crédito ao longo de todo o primeiro semestre de 2011.

Em contraste, o grupo das instituições financeiras públicas foi o único que diminuiu o ritmo da expansão do crédito ainda no primeiro semestre de 2011, notadamente a partir de maio, dando continuidade a um movimento iniciado em setembro de 2010. Esse arrefecimento foi liderado pelo BNDES, principal fonte de crédito doméstico de longo prazo para o setor empresarial, que retraiu a oferta de crédito na modalidade direta.

A partir de agosto de 2011, diante da desaceleração do nível da atividade eco-nômica muito mais forte do que a esperada e da deterioração das expectativas em um cenário internacional de grande incerteza – devido ao agravamento da crise das economias da área do euro e perspectivas de baixo crescimento da economia mundial –, o grupo de instituições privadas nacionais diminuiu significativamen-te o ritmo de concessão de crédito, inclusive os repasses de recursos do BNDES. Temendo a elevação da inadimplência, os bancos privados endureceram as exi-gências e desaceleraram a expansão do crédito; com isso, a taxa de crescimento

25. Essa arbitragem regulatória com a captação de recursos no exterior foi, contudo, neutralizada pelo gover-no por meio do Decreto n. 7.457, de abril de 2011, que estabeleceu alíquota de 6% para as captações exter-nas (novas e repactuações) com prazo de até 720 dias, de modo a encarecer o funding externo dos bancos.

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real em 12 meses do saldo de crédito desse grupo declinou de 14,7%, em julho, para 7,4%, em dezembro. Essa perda de ritmo, contudo, foi mais intensa nas operações de crédito destinadas aos setores da indústria e do comércio do que nos empréstimos ao consumo das famílias (Gráfico 6), indicando que a redução da demanda de crédito foi motivada pela deterioração das expectativas desses setores empresariais.

Ficou claro então que, embora as medidas de contenção do crédito e a eleva-ção gradual da meta da taxa Selic, entre janeiro e julho, tenham sido eficazes em seu intento de moderar o crescimento do crédito ao consumo das famílias e con-ter as pressões inflacionárias, os seus efeitos sobre o nível de atividade econômica foram excessivos.

Assim, a política monetária começou a ser afrouxada a partir do mês de agosto; e, no último trimestre do ano, efetuou-se a reversão parcial das medidas restritivas impostas ao crédito ao consumo (Quadro A1, no anexo ao final deste capítulo). Porém, a concessão de crédito ao setor privado só voltou a ganhar ímpeto com a ação anticíclica das instituições financeiras públicas, como será visto a seguir.

A retomada da política financeira expansionista

A flexibilização da política monetária no final de agosto de 2011 já sugeria a preocupação com a intensidade da desaceleração da atividade econômica. Iniciou-se, assim, uma nova fase de cortes da meta Selic, levando-a de 12,5% para 7,25% a.a. entre agosto de 2011 e outubro de 2012. Além disso, em novembro de 2011, o BCB eliminou a exigência de capital adicional para operações de crédito ao con-sumo com prazos inferiores a 60 meses26 e desistiu de elevar o percentual mínimo de pagamento das faturas de cartão de crédito de 15% para 20%, que havia sido determinado em julho de 2011 (Circular n. 3.563). No mês de dezembro, dentre outras ações de estímulo27, o Ministério da Fazenda reduziu de 3% para 2,5% a alíquota do IOF sobre as operações de crédito ao consumo (Decreto n. 7.632).

26. A eliminação da exigência de capital adicional para as operações de empréstimos ao consumo com prazo de até cinco anos (60 meses) foi acompanhada da elevação do requerimento de capital para as operações de crédito ao consumo com prazo superior a cinco anos.

27. Para estimular o consumo, o governo federal concedeu, em dezembro de 2011, desoneração fiscal por qua-tro meses (até 31 de março de 2012) para os produtos da chamada “linha branca” (geladeira, fogão e lava-dora) e para massas (até 30 de junho de 2012) e prorrogou a desoneração de PIS/Cofins sobre trigo, farinha de trigo e pão comum. Em janeiro de 2012, foi permitida a utilização de recursos do FGTS para a aquisição de material de construção. Essa nova linha de crédito, cujo limite individual é de R$ 20 mil, terá custo efetivo total de no máximo 12% ao ano (incluindo juros e encargos) e prazo de pagamento de até 120 meses.

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Assim, impulsionadas por essas iniciativas e pela queda da taxa Selic, iniciada em agosto de 2011, as condições de crédito ficaram menos restritivas nos meses finais de 2011, e o estoque de crédito voltou a crescer com maior intensidade, sob a liderança das instituições financeiras públicas, notadamente do BNDES e da CEF. Essa dinâmica foi interrompida no primeiro bimestre de 2012, em função dos efeitos do aprofundamento da crise europeia nas expectativas empresariais e no nível de atividade, com reflexos no nível de inadimplência. Houve recru-descimento da inadimplência tanto no segmento de crédito com recursos livres para pessoas jurídicas como no segmento com recursos livres para pessoas físicas (Gráfico 9), esse último influenciado pelos atrasos nos pagamentos dos financia-mentos à aquisição de veículos, aquisição de outros bens e de cheque especial.

Entre os meses de março e junho de 2012, o crédito se expandiu em ritmo moderado. Ao longo desse período, a taxa de crescimento real, na comparação em 12 meses, manteve-se apenas levemente superior a 12%, contra o percentual de 10,9% verificado no mês de fevereiro (Gráfico 2). Essa pequena aceleração foi impulsionada tanto pelas medidas de estímulo à economia, introduzidas em resposta ao fraco crescimento do PIB no primeiro trimestre de 201228, como pela continuidade do processo de redução da meta Selic, que foi facilitado pela alteração na regra da remuneração dos depósitos de poupança no mês de maio29. Testemunhou-se, igualmente, nesse período, a adoção de iniciativas do governo federal no sentido de facilitar a gestão dos créditos com pagamentos em atraso e de potencializar o impacto da queda da taxa básica de juros sobre as taxas de juros dos empréstimos, mediante a queda dos spreads praticados pela CEF e pelo BB, bem como a redução em 0,5 p.p. da taxa de juros de longo prazo (TJLP), que baixou de 6% para 5,5% a.a., em junho de 2012.

A Medida Provisória n. 563, de abril de 2012, convertida na Lei n. 12.715, em setembro, reduziu o custo tributário da renegociação de dívidas em atraso. Até então, a renegociação desses empréstimos, contabilizados como prejuízo, acima de R$ 30 mil (exceto crédito rural) implicava o recolhimento de imposto de renda

28. O governo voltou a promover a redução seletiva de imposto mediante a concessão de desoneração fiscal a vários setores da indústria, que sofriam os efeitos negativos da apreciação cambial.

29. A regra de remuneração da poupança foi alterada pela Medida Provisória n. 567, de 4 de maio de 2012, convertida na Lei n. 12.703/2012. Essa modificação foi realizada porque se temia que a remuneração da poupança, superior ao patamar da meta da Selic, promovesse uma migração generalizada dos recursos dos fundos mútuos de investimento para os depósitos de poupança, dificultando a rolagem da dívida mobiliária federal. Assim, estabeleceu-se um gatilho, pelo qual sempre que a meta anual para a taxa Selic for menor ou igual a 8,5%, a remuneração adicional da poupança será de 70% da taxa Selic; caso contrário, esse adicional permanece em 0,5% ao mês a ser acrescido à remuneração básica, dada pela TR (FUNDAP, 2012a).

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no ato da operação. Esse aspecto impunha, segundo os bancos, um custo fiscal importante à renegociação das dívidas, que se somava ao elevado recolhimento de capital sobre o novo empréstimo, cuja probabilidade de reembolso continuava in-certa. A medida provisória, ao definir o recolhimento do imposto na quitação do empréstimo, passou a estimular a prática de renegociação das dívidas em atraso.

Os cortes expressivos nas taxas de juros finais de diversas modalidades de cré-dito a empresas e, especialmente, a pessoas físicas pelo BB e CEF foram acom-panhados, mesmo que em menor intensidade, pelos bancos privados de controle estrangeiro (sobretudo Santander e HSBC), e posteriormente pelos grandes pri-vados nacionais (Bradesco e Itaú-Unibanco)30. Em consequência, as taxas médias de aplicação e os spreads médios reduziram-se continuamente entre fevereiro e dezembro de 2012 (Gráfico 10)31.

Gráfico 10. evolução do spread, da taXa de caPtação e da taXa de aPlicação Para o crédito livre

referencial – jan./2008 a dez./2012 (em %)

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Taxa de captação Taxa de aplicação Spread

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Em algumas modalidades de crédito, as taxas ativas caíram significativamente, como foram os casos dos juros médios cobrados no cheque especial de pessoas físicas (-40,8 p.p.), no cheque especial de pessoas jurídicas (-15,3 p.p.), no crédito

30. É verdade que os cortes iniciais nos spreads bancários foram parcialmente compensados pela elevação de determinadas tarifas bancárias, tanto pelos bancos públicos como pelos privados. Ao identificar essa compensação, o governo federal também passou a coibir essa prática usando os bancos públicos como instrumento de pressão.

31. O governo federal orientou igualmente o BB e a CEF a realizarem campanhas de educação financeira, explicando o custo e as opções de crédito disponíveis no mercado.

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pessoal não consignado (-11,7 p.p.), no desconto de duplicatas (-11,2 p.p.) e no capital de giro com prazo superior a um ano (-5,7 p.p.). Nas operações com taxas de juros prefixadas ao setor corporativo, o spread médio caiu 7,7 p.p. em 2012, enquanto nas operações de crédito destinadas a pessoas físicas, a diminuição do spread foi, em média, de 5,2 p.p.

Na atuação em prol da redução dos juros e spreads, esses bancos públicos mais uma vez aliaram as diretrizes governamentais às suas próprias estratégias operacio-nais, ampliando agressivamente seu market share no mercado de crédito. Enquanto a carteira de crédito das instituições financeiras públicas registrou crescimento real médio em 12 meses de 18,2% no primeiro semestre, a carteira de crédito dos ban-cos privados nacionais e estrangeiros cresceu, em média, 6,1% e 11,3%, respecti-vamente, no mesmo período e na mesma comparação (Gráfico 1). Essa diferença no ritmo de concessão de crédito, que aumentou no segundo semestre, traduziu-se na ampliação da participação das instituições públicas no SFN, tendência iniciada em 2008 (Gráfico 11). Em dezembro de 2012, a parcela das instituições públicas atingiu 47,6% do estoque total do crédito (45,1% em junho de 2012).

Gráfico 11. crédito seGundo o controle de caPital (em % do total do sfn)

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Instituições privadas estrangeiras Instituições privadas nacionais Instituições públicas

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Para viabilizar a atuação anticíclica dos bancos públicos, o governo federal vol-tou a reforçar o capital dessas instituições em 2012. A CEF recebeu dois aportes de capital sob a forma de transferência de ações de empresas, sobretudo da Petro-bras e da Vale. O primeiro, no valor de R$ 500 milhões, ocorreu no final de 2011 e o segundo, da ordem de US$ 1,5 bilhão, no final de agosto de 2012. Em 20 de

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setembro de 2012, a Medida Provisória n. 58132 autorizou a União a conceder crédito de até R$ 13 milhões para a CEF e de até R$ 8,1 bilhões para o Banco do Brasil, sob a forma de instrumento de capital e dívida. Esses recursos serão utili-zados para o financiamento de projetos de infraestrutura e para o consumo das famílias, no caso da CEF, e para o financiamento rural, no caso do BB. No dia 7 de novembro de 2012, a CEF realizou sua primeira emissão de bônus no exterior, captando US$ 1,5 bilhão33. No caso do BNDES, a capitalização do banco sob a forma de empréstimos de títulos do Tesouro, iniciada em 2009, chegou a R$ 280 bilhões, em dezembro de 2012.

O avanço dos bancos públicos foi facilitado pela portabilidade das operações de crédito, que possibilita ao cliente de uma instituição transferir suas dívidas para outra instituição que ofereça condições de prazo e custo mais favoráveis. Com a redução significativa dos juros e spreads, os bancos públicos federais atra-íram clientes de outras instituições, o que se traduziu no aumento substancial do volume e da quantidade das operações de crédito transferidas ao longo de 2012 (Gráfico 12).

Gráfico 12. Portabilidade das oPerações de crédito (média móvel trimestral) –

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Valor Financeiro (eixo esquerdo) Número de contrato

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Fonte: Banco Central do Brasil. Base de dados do Relatório de Estabilidade Financeira, março de 2013.Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

32. Alterada, em 28 de dezembro, pela Medida Provisória n. 600 e finalmente convertida na Lei n. 1.293, em 2 de abril de 2013.

33. Desse total, US$ 1 bilhão foi captado com prazo de cinco anos, e o restante com prazo de dez anos.

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Em maio de 2012, o governo deu um impulso adicional à portabilidade, dessa vez com foco nos financiamentos habitacionais. A Medida Provisória n. 567, convertida na Lei n. 12.703, determinou a simplificação de procedimentos e a redução do custo cartorial da portabilidade dos financiamentos habitacionais. Dentre as medidas tomadas, destacaram-se a transferência da alienação fiduci-ária, que garante o financiamento, por meio de simples averbação e a supressão do termo de quitação do empréstimo junto ao credor que se deseja substituir. Estima-se que sob os novos procedimentos haja uma economia de 60% dos cus-tos de transferência dos financiamentos habitacionais de um credor para outro. É importante levar em conta, contudo, que o ambiente de forte concorrência já pode ter impulsionado os bancos a cobrir parte dos custos de transferência dos fi-nanciamentos como forma de conquistar o mercado de seus concorrentes, ou, em contrapartida, a reduzir as taxas de juros dos financiamentos contratados diante do risco de perda de clientes34 (FUNDAP, 2012b).

A partir do segundo semestre de 2012, entretanto, o crédito voltou a se de-sacelerar, exigindo novas medidas por parte do governo federal, cujos efeitos não podem ser captados pelas estatísticas do BCB para 2012. Em setembro, por exemplo, a Circular n. 3.609 zerou, com aplicação imediata, a alíquota de 6% do compulsório adicional sobre os depósitos à vista e reduziu de 12% para 11% a alíquota do compulsório adicional sobre os depósitos a prazo, que entrou em vigor em 29 de outubro de 2012. A parte principal do compulsório (44% para depósitos à vista e 20% para depósitos a prazo) manteve-se inalterada, mas houve maior flexibilização. Desde então, 50% desses recursos (e não mais 36%) do com-pulsório principal sobre depósitos a prazo podem ser usados no financiamento de motocicletas35 e na compra de carteiras de crédito e letras financeiras dos bancos que respeitavam, em junho de 2012, todos os seguintes critérios: patrimônio de referência inferior a R$ 2,2 bilhões, relação entre ativos de crédito36 e ativo total de, no mínimo, 20% e participação de depósitos a prazo de, no mínimo, 20% do passivo total. Em 8 de novembro, a Circular n. 3.613 ampliou o conjunto de bancos favorecidos pelas novas regras do compulsório ao elevar o patrimônio de referência mínimo para R$ 3,5 bilhões. Adicionalmente, as letras financeiras

34. A ausência de regulamentação adicional pelo CMN acabou limitando a transferência de contratos de financiamento habitacionais.

35. A Circular n. 3.609 manteve a possibilidade de parte dos recursos do compulsório principal sobre depó-sitos a prazo ser utilizado no financiamento de motocicletas, mas retirou a possibilidade de usá-los para o financiamento de automóveis, em vigor desde maio de 2012 (Circular n. 3.594).

36. Os ativos de crédito em questão incluem operações de crédito, de arrendamento mercantil e coobrigações em cessões de crédito.

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também passaram a ser somadas aos depósitos a prazo para a obtenção da relação mínima de 20% do passivo total.

As mudanças nas regras do compulsório foram importantes não apenas para liberar recursos adicionais para as operações de crédito e para a redução dos spreads, mas também para melhorar as condições de captação dos bancos médios e peque-nos, vários deles especializados no financiamento ou arrendamento mercantil de veículos e em crédito consignado. O acesso desses bancos a fontes de captação vinha sendo restringido pelos episódios de falência associados a práticas contábeis fraudulentas37. Para assegurar o alongamento dos prazos de captação dos bancos de menor porte e a melhor distribuição da liquidez no sistema, o CMN já havia também realizado, em julho de 2012, alterações no depósito a prazo com garantia especial (DPGE), reduzindo custos e tornando-o um instrumento permanente de captação à disposição dos bancos de menor porte, que não contam com a capilari-dade de rede de agências para a captação de depósitos.

Em relação ao crédito direcionado, a desaceleração no primeiro bimestre do ano deu lugar a um ritmo de crescimento mais ou menos constante entre os meses de março e junho, em torno de 16,5% (na comparação de 12 meses, em termos reais), para em seguida se desacelerar. As operações diretas do BNDES e aquelas decorrentes de repasses apresentaram tendências divergentes ao lon-go do ano. O saldo da modalidade BNDES-repasse manteve sua trajetória de desaceleração, ainda que em ritmo menor do que aquele verificado em 2011. Em termos reais, os repasses cresceram 7,3%, em dezembro de 2011, na com-paração de 12 meses, caindo para apenas 0,9%, no mês de dezembro de 2012 (Gráfico 3).

Essa evolução pode ser explicada pelo comportamento mais conservador dos bancos ante a elevada inadimplência das empresas, que permaneceu estabiliza-da em torno de 4% ao longo de 201238. Como na modalidade BNDES-repasse

37. A elevação, no final de 2010, do requerimento de capital mínimo de 11% para 16,5% nas operações de crédito a consumo contribuiu para explicitar práticas fraudulentas em diversas instituições, como a suba-valiação das provisões para a cobertura de inadimplência e a manipulação contábil em relação às cessões de carteiras de crédito. Depois do caso do Banco PanAmericano, em outubro de 2011, o BCB decretou a intervenção no Banco Cruzeiro do Sul, no início de junho de 2012, e sua liquidação no mês de setembro. No mês de outubro de 2012, foi a vez de o Banco BVA sofrer intervenção. Todos esses casos têm dificulta-do a captação de recursos no mercado pelos bancos de pequeno e médio portes.

38. Na nova série de inadimplência divulgada pelo BCB em fevereiro de 2013, a inadimplência média veri-ficada nas operações de crédito ao setor corporativo com recursos livres subiu de 3,4 % em dezembro de 2011 para 3,7% em maio de 2012 e oscilou em torno desse patamar até o mês de dezembro. Já nas ope-rações com recursos direcionados, em 2012, o patamar máximo de inadimplência de 0,7% ocorreu nos meses de abril, outubro de novembro, retornado a 0,5% no final do ano.

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são os bancos que assumem o risco de crédito das operações de financiamento, a alta da inadimplência teve efeitos negativos sobre a evolução dos saldos des-sa modalidade39. Contribuiu igualmente para a reticência dos bancos em atuar como agentes financeiros do BNDES a falta de clareza sobre os procedimentos da complementação de suas comissões pelo governo. No final de agosto de 2012, o governo patrocinou a redução de 5,5% para 2,5% das taxas de juros das linhas de crédito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), sem, contudo, alterar a comissão dos agentes financeiros, a qual foi mantida em 3%. Essa diferença de 0,5 p.p. seria assumida pelo governo. Porém, a operacionalização da cobertura desse diferencial não havia sido definida até o final de 2012.

Em contrapartida, o saldo da modalidade BNDES-direto, além de crescer a taxas superiores ao saldo dos repasses desde dezembro de 2011, mostrou acelera-ção entre março e agosto de 2012 e, desde então, desaceleração, respondendo à demanda de crédito mais fraca das empresas. Dentre os fatores que incentivaram a expansão dessa modalidade está o perfil das empresas que tomam emprésti-mos diretamente junto ao BNDES: geralmente de grande porte e com menor risco de crédito, implicando uma exposição menor ao crescimento dos níveis de inadimplência que afetou as operações de repasse em 2011 e 2012. Além disso, alterações no PSI40 também influenciaram positivamente a expansão da modali-dade BNDES-direto, suavizando, em alguma medida, a queda da demanda das empresas dos setores da indústria e do comércio por financiamentos em razão do baixo dinamismo da atividade econômica em 2012. Já no caso do setor de infraestrutura, os grandes projetos de investimento em curso no país sustentaram a ampliação do crédito em ritmo de crescimento a dois dígitos, em média, ao longo do ano, como mostra o desempenho de Outros Serviços (Gráfico 6), cuja demanda é atendida basicamente pelo BNDES.

39. Ver Valor Econômico de 7/11/2012 “Com medo de calote, bancos desaceleram repasses do BNDES”.40. No início de abril, o governo federal anunciou um reforço do orçamento do PSI de R$ 10 bilhões, prorro-

gando-o até dezembro de 2013, e o aporte de R$ 45 bilhões ao capital do BNDES. Na mesma ocasião, dentre outras medidas tomadas, foram reduzidas as taxas de juros dos financiamentos do setor automotivo (ônibus e caminhões), de 10% para 7,7% a.a., e foram elevados os prazos (de 96 para 120 meses) e a participação do valor do bem financiado (para 100%, para pequenas e médias empresas, e para 90%, no caso de grandes empresas). Para o setor de bens de capital, as taxas de juros dos financiamentos caíram de 8,7% para 7,3% para empresas de grande porte, e de 6,5% para 5,5%, para pequenas e médias empresas, e também foi elevada a participação máxima do financiamento. No segundo semestre, novas medidas foram tomadas para reduzir os custos do financiamento de longo prazo e, assim, incentivar os investimentos: em julho, a TJLP, referência para os empréstimos do BNDES, foi reduzida de 6% para 5,5% a.a.; no final de agosto, a taxa de juros inci-dente sobre as linhas do PSI caiu de 5,5% para 2,5% a.a., levando-a, em termos reais, a um patamar negativo.

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O crédito com recursos livres, por sua vez, manteve uma taxa real de cresci-mento, em 12 meses, em torno de 10,5% entre os meses de março e junho de 2012, mas teve desaceleração no segundo semestre, chegando a dezembro com uma taxa de 7,9%. Todavia, observa-se, a partir de março, uma importante mu-dança no padrão de evolução desse segmento, qual seja, o maior dinamismo do crédito ao setor corporativo, que voltou a registrar taxas de crescimento superiores à do crédito a pessoas físicas. Na média, as operações de crédito com recursos livres às empresas registraram expansão real da ordem de 10,7% entre março e de-zembro de 2012, enquanto as operações com recursos livres destinadas a pessoas físicas cresceram, em média, 8% no mesmo período. Esse movimento parece re-fletir o avanço dos bancos públicos no segmento de pequenas e médias empresas, com oferta de linhas de crédito com prazos maiores e juros menores (Gráfico 13).

Gráfico 13. crédito com recursos livres Por tomador – jan./2008 a dez./2012

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Pessoa Física Pessoa Jurídica Total

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. (1) Os valores foram deflacionados pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA).

A redução dos spreads bancários para as operações com pessoa jurídica, ainda que tenha sido um pouco mais tímida, teve impactos positivos sobre a expansão dos saldos de crédito livre. Uma das modalidades beneficiadas foi o crédito para capital de giro. Na comparação em 12 meses, sua taxa real de crescimento saiu de 9,9%, em fevereiro, para 14,3%, em junho, justamente no período de maio-res cortes nas taxas de juros dos empréstimos, para, em seguida, se desacelerar (12,2%, em dezembro de 2012) (Gráfico 5). A desvalorização cambial, verificada a partir do final de fevereiro, contribuiu, entretanto, para expandir os saldos re-

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ferentes a repasses externos (de -5,4%, em fevereiro, para 34,3%, em junho, e, então, para 21%, em dezembro, na comparação de 12 meses), cujas operações são firmadas em moeda estrangeira, e das operações de ACC (de 13,7% para 29% e, então, para 11,5%, na mesma comparação).

Em relação às operações com pessoas físicas, praticamente todas as modali-dades sofreram desaceleração em 2012, considerada a evolução em 12 meses em termos reais (Gráfico 10). Essa desaceleração foi, contudo, atenuada pela estraté-gia de conquista de mercado do BB e da CEF, mediante a oferta de linhas de cré-dito com prazos maiores e juros menores. O corte dos juros e spreads contribuiu igualmente para frear o aumento da inadimplência das famílias, a qual, contudo, permaneceu em níveis elevados (em torno de 7,9%)41. A alta inadimplência e o elevado grau de endividamento das famílias afetaram negativamente a evolução do crédito à pessoa física em geral, em 2012.

O crédito pessoal, que representa a modalidade de maior peso no crédito livre à pessoa física, teve expansão de 8,5%, em dezembro de 2012, contra 11,9%, em dezembro de 2011. Já as operações de financiamento para a aquisição de veículos, responsáveis, em boa medida, pela escalada da inadimplência, encerraram 2012 com uma taxa de expansão real em 12 meses de 2,2%, ante 16%, em dezembro de 2011. A desaceleração desse tipo de crédito vinha ocorrendo desde o ano anterior e manteve-se em 2012, resultado de um posicionamento mais conservador por parte dos credores que tentaram melhorar a qualidade de suas carteiras de crédito (Gráfico 7).

O movimento de redução dos spreads e dos juros finais contribuiu, contudo, para uma pequena aceleração de algumas modalidades de crédito à pessoa físi-ca, como o crédito consignado e cheque especial, cujos cortes das taxas de juros foram alvo das estratégias concorrenciais dos bancos públicos. No segmento do crédito consignado, as taxas ativas caíram de 27,5% para 23,3% a.a., entre janeiro e dezembro de 2012. Já na modalidade de cheque especial, cujas taxas ativas são extraordinariamente altas e se situam acima de 140% a.a., o corte de juros foi expressivo, atingindo 43,1 p.p., entre janeiro e dezembro de 2012, enquanto o spread diminuiu 40,3 p.p., na mesma base de comparação.

Considerações finais

A evolução do crédito no Brasil, entre 2009 e 2012, exemplifica a dinâmica da concorrência bancária e evidencia a importância da existência de circuitos de

41. Na nova série de inadimplência divulgada pelo BCB, a inadimplência no segmento de crédito com recur-sos livres às pessoas físicas, em 2012, oscilou em torno de 8,1%.

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crédito direcionado e de bancos públicos bem posicionados para servirem como instrumentos de uma política financeira ativa em prol do crescimento e da me-lhoria das condições de financiamento das empresas e das famílias. Como a evolu-ção do crédito é condicionada pelas estratégias adotadas pelos bancos privados na administração diligente de seus ativos e passivos, sempre com o objetivo de obter continuamente os maiores lucros possíveis – dado o ambiente institucional e ju-rídico –, conciliando rentabilidade com a liquidez dos investimentos financeiros, é fundamental contar com instituições financeiras públicas que atuem de forma complementar ao sistema bancário privado (FREITAS, 1997 e 2010).

Como peças-chave do sistema de crédito direcionado, os bancos públicos su-prem as necessidades de financiamento de setores e atividades prioritárias como nos casos do BNDES, na sustentação do investimento de longo prazo dos setores produtivo e de infraestrutura, da CEF, no financiamento habitacional, e do BB, no financiamento do setor rural, garantindo estabilidade na concessão de crédito, independente da fase em que se encontra o ciclo econômico. Como instrumentos de política financeira anticíclica – quando a economia entra em fase de desacele-ração, como ilustra a experiência brasileira recente –, os bancos públicos atuam de modo a compensar a retração dos bancos privados ante a deterioração das expectativas, garantindo a oferta de crédito para o giro dos negócios das empresas e financiando o consumo das famílias.

Finalmente, como instrumento da política financeira para estimular a concor-rência no mercado de crédito bancário, os bancos públicos criadores de moeda são uma importante arma para forçar as instituições privadas a repassarem, aos tomadores finais, o corte do custo de captação. Sem a ameaça de perda de fatias de mercado para os bancos públicos – que promoveram, em 2009 e em 2012, expressiva redução dos juros em suas operações ativas com recursos livres –, difi-cilmente as instituições financeiras privadas teriam revisto suas estratégias opera-cionais e diminuído os spreads praticados.

Como constatado, houve recuo expressivo nas taxas ativas e nos spreads pra-ticados no SFN. Em contexto de taxa básica de juros no seu mais baixo patamar histórico, o que se traduziu em menor receita nas aplicações com os títulos pú-blicos federais, como o verificado em 2012, os bancos privados (em particular, os grandes varejistas) foram forçados a defender suas fatias de mercado, cortando igualmente os spreads, com efeito positivo para os níveis de inadimplência, em particular nas modalidades de crédito com taxas ativas mais elevadas.

Além do êxito em influenciar a dinâmica concorrencial bancária em prol da queda dos juros e dos spreads, a política financeira foi bem-sucedida ao mitigar

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o comportamento procíclico do sistema financeiro privado. Na fase de retoma-da do crescimento da economia, a expansão do crédito ao consumo em ritmo extremamente elevado, além das pressões inflacionárias, favorecia a emergência de estruturas patrimoniais instáveis, tanto no âmbito das instituições financeiras como no das famílias. Esse risco foi afastado pela ação combinada de medidas restritivas de política financeira, monetária e macroprudencial, ainda que a dose da elevação das taxas de juros em um cenário de deterioração das expectativas e de incerteza crescente, associado ao agravamento da crise global, tenha resultado em uma desaceleração da economia muito mais forte do que a esperada e desejada pelas autoridades econômicas.

As sucessivas medidas introduzidas pelas políticas de reativação do crescimen-to, a partir do segundo semestre de 2011 e ao longo de 2012, surtiram efeito, com a ampliação do crédito com recursos livres ao setor corporativo, com intensidade maior do que a do crédito livre às pessoas físicas.

Seria importante, contudo, dar prosseguimento às ações coordenadas das po-líticas macroeconômicas no sentido de promover tanto a desindexação financeira como a desindexação dos preços e, assim, tornar possível a redução da taxa básica de juros para patamares ainda mais baixos do que o alcançado em outubro de 2012 (7,25% a.a.). Em tal contexto, novas rodadas de corte das taxas ativas e dos spreads por parte do BB e da CEF contribuiriam para diminuir o custo do crédito tanto das famílias como das empresas, dado que acarretaria a reação defensiva dos seus concorrentes privados.

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Anexos

Gráfico a1. evolução da taXa de juros (em % a.a.) e do Prazo médios (em dias corridos) do crédito

livre – Pessoa física e Pessoa jurídica – jan./2008 a dez./2012

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Prazo médio PF (eixo da direita) Prazo Médio - PJ (eixo da direita)

Taxa de juros PF (eixo da esquerda) Taxa de Juros - PJ (eixo da esquerda)

Gráfico a2. evolução do Perfil de risco da carteira de crédito

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o -%

Risc

o N

orm

al -%

Público - risco elevado Priv. Nacional - risco elevado Priv. Estrang. - risco elevadoPúblico - risco normal Priv. Nacional - risco normal Priv. Estrang. - risco normal

Fonte: Banco Central do Brasil.

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quadro a1. PrinciPais medidas de Política monetária e creditícia. 2009-2012

21/1/2009 140ª Reunião do Copom Reduziu da meta Selic de 13,75% para 12,75% ao ano.

11/3/2009 141ª Reunião do Copom Reduziu a meta Selic de 12,75% para 11,25% ao ano.

26/3/2009 Resolução n. 3.692 Instituiu o Depósito a Prazo com Garantia Especial (DPGE), por meio do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), para os recibos de depósito bancário de até R$ 20 milhões por aplicador, sem liquidez diária, emitidos com prazo de, no mínimo, seis meses e no máximo cinco anos, com teto para as captações por instituição financeira no valor máximo de R$ 5 bilhões.

23/4/2009 Resolução n. 3.717 Além dos RDB, o Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou a inclusão das letras de câmbio no cálculo do limite de captação, definido como o maior valor entre o dobro do patrimônio de referência de nível 1 (em 31/12/2008) e o montante de R$ 5 bilhões para cada instituição financeira.

29/4/2009 142ª Reunião do Copom Reduziu a meta Selic de 11,25% para 10,25% ao ano.

10/6/2009 143ª Reunião do Copom Reduziu a meta Selic de 10,25% para 9,25% ao ano.

29/6/2009 Resolução n. 3.743 Reduziu a taxa de juros de longo prazo (TJLP) de 6,25% para 6% ao ano.

30/6/2009 Medida Provisória n. 465, convertida na Lei n. 12.096, de 24/11/2009

Lançou o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que estabeleceu medidas de incentivo ao investimento em bens de capital. A Medida Provisória n. 465 autorizou a União a conceder subvenção econômica ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em operações de financiamento no âmbito do PSI.

22/7/2009 144ª Reunião do Copom Reduziu a meta Selic de 9,25% para 8,75% ao ano.

28/4/2010 150ª Reunião do Copom Aumentou a meta Selic de 8,75% para 9,5% ao ano.

9/6/2010 151ª Reunião do Copom Aumentou a meta Selic de 9,5% para 10,25% ao ano.

21/7/2010 152ª Reunião do Copom Aumentou a meta Selic de 10,25% para 10,75% ao ano.

3/12/2010 Circular n. 3.514 Elevou o adicional do compulsório sobre depósitos à vista e a prazo, em vigor desde 2002, de 8% para 12%.

3/12/2010 Circular n. 3515 Elevou o capital mínimo para operações de crédito a pessoas físicas, com prazo superior a 24 meses, dos 11% então vigentes para 16,5% do valor da operação.

3/12/2010 Resolução n. 3.931 Definiu o cronograma de extinção dos depósitos a prazo com garantia especial do Fundo Garantidor de Crédito (criados pela Resolução n. 3.692/2009), estabelecendo redução gradual de volume em 20% ao ano entre jan./2012 e jan./2016.

Circular n. 3.513 do CMN Determinou a recomposição dos níveis de recolhimento compulsório sobre depósitos a prazo, com a elevação dos percentuais de 15% para 20% e redução do limite máximo de dedução de 45% para 36% das compras de carteiras de crédito e depósitos interfinanceiros de exigibili-dade do compulsório sobre depósitos a prazo.

19/1/2011 156ª Reunião do Copom Aumentou a meta Selic de 10,75% para 11,25% ao ano.

7/4/2011 Decreto n. 7.458 Elevou a alíquota de IOF sobre operações de empréstimo e de arrendamento mercantil de 1,5% para 3%.

2/3/2011 157ª Reunião do Copom Aumentou a meta Selic de 11,25% para 11,75% ao ano.

20/4/2011 158ª Reunião do Copom Aumentou a meta Selic de 11,75% para 12% ao ano.

8/6/2011 159ª Reunião do Copom Aumentou a meta Selic de 12% para 12,25% ao ano.

20/7/2011 160ª Reunião do Copom Aumentou a meta Selic de 12,25% para 12,5% ao ano.

31/8/2011 161ª Reunião do Copom Reduziu a meta Selic de 12,5% para 12% ao ano.

19/10/2011 162ª Reunião do Copom Reduziu a meta Selic de 12% para 11,5% ao ano.

11/11/2011 Circular n. 3.563 Eliminou a exigência de capital adicional para as operações de crédito ao consumo (Circular n. 3.515) com prazos inferiores a 60 meses e suspendeu a elevação do percentual mínimo de pagamento das faturas de cartão de crédito de 15% para 20%, que havia sido decidida em 25/11/2010 pela Circular n. 3.512.

30/11/2011 163ª Reunião do Copom Reduziu a meta Selic de 11,5% para 11% ao ano.

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1/12/2011 Decreto n. 7.632 Reduziu de 3% para 2,5% a alíquota de IOF sobre as operações de crédito ao consumo.

18/1/2012 164ª Reunião do Copom Reduziu a meta Selic de 11% para 10,5% ao ano.

7/3/2012 165ª Reunião do Copom Reduziu a meta Selic de 10,5% para 9,75% ao ano.

18/4/2012 166ª Reunião do Copom Reduziu a meta Selic de 9,75% para 9% ao ano.

21/5/2012 Reduziu o IOF para o crédito ao consumo para pessoa física, de 2,5% ao ano para 1,5% ao ano.

21/5/2012 Reduziu as taxas de juros cobradas pelo BNDES nas linhas de crédito do PSI para aquisição de caminhões e ônibus, bens de capital, exportação de bens de capital. Ampliou o prazo de até 96 meses para até 120 meses para aquisição de caminhões.

30/5/2012 167ª Reunião do Copom Reduziu a meta Selic de 9% para 8,5% ao ano.

28/6/2012 Resolução n. 4.094 do CMN Reduziu a TJLP de 6% para 5,5% ao ano.

11/7/2012 168ª Reunião do Copom Reduziu a meta Selic de 8,5% para 8% ao ano.

26/7/2012 Resolução CMN n. 4.115 Alterou as regras de funcionamento do DPGE, aperfeiçoando e ampliando esse instrumento de captação.

7/8/2012 Lei n. 12.703 Converteu em lei a Medida Provisória n. 567, de 3/5/2012, que determinou a simplificação de procedimentos e a redução do custo cartorial da portabilidade dos financiamentos habitacionais.

23/8/2012 Resolução n. 4.123 Alterou as condições de emissão das letras financeiras, mantendo o prazo mínimo de 24 meses, conferindo maior flexibilidade ao instrumento.

29/8/2012 169ª Reunião do Copom Reduziu a meta Selic de 8% para 7,5% ao ano.

29/8/2012 Reduziu de 5,5% para 2,5% as taxas de juros das linhas de crédito do PSI.

17/9/2012 Lei n. 12.715 Converteu em lei a Medida Provisória n. 563, de 3/4/2012, que permitiu às instituições financei-ras, nos casos de renegociação de dívida, o reconhecimento da receita para fins de incidência de imposto sobre a renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido no momento do efetivo recebimento do crédito.

14/9/2012 Circular n. 3.609 Zerou a alíquota de 6% do compulsório adicional sobre os depósitos à vista e reduziu de 12% para 11% a alíquota do compulsório adicional sobre os depósitos a prazo, que entrou em vigor em 29/10/2012. Flexibilizou, ainda, a parte principal do compulsório sobre depósitos a prazo: até 50% (e não mais 36%) desses recursos podem ser usados para o financiamento de motocicletas e a compra de carteiras de crédito e letras financeiras dos bancos que, em julho de 2012, tinham patrimônio de referência menor que R$ 2,2 bilhões e relações crédito/ativo total e depósito a prazo/passivo total de, no mínimo, 20%.

10/10/2012 170ª Reunião do Copom Reduziu a meta Selic de 7,5% para 7,25% ao ano.

6/12/2012 Medida Provisória n. 594 Ampliou os limites de financiamento do PSI.

20/12/2012 Resolução n. 4.173 Reduziu a TJLP de 5,5% para 5% ao ano.

Fonte: Banco Central do Brasil e Ministério da Fazenda. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 161

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Introdução

O Brasil passa por apreensões e dúvidas próprias de um período de construção das condições micro e macroeconômicas para o desenvolvimento em novas bases produtivas e sociais, com modernização e ampliação da infraestrutura econômica, resgate da indústria, melhor distribuição de renda, expansão da classe média e mudanças demográficas.

As autoridades econômicas, ante as alterações da conjuntura, não responde-ram, desde meados de 2011, com os mesmos remédios de outrora. Nessa fase, nota-se mudança na gestão da política econômica, com a flexibilização do tripé (metas de superávit primário, regime de câmbio flutuante e metas de inflação) até então vigente. A taxa básica de juros (Selic) caiu 5,25 p.p., atingindo 7,25%, em setembro de 2012 (menor patamar dos últimos 15 anos). Em agosto de 2011, a política econômica desconsiderou que a expectativa de inflação estava ascendente e bem acima do centro da meta e, ainda assim, rebaixou a Selic. A política cambial passou a ser ativada no sentido de manter certo grau de des-valorização do real, com o objetivo explícito de recuperar a competitividade da indústria. Combinadas com essas alterações ocorreram inúmeras inovações nas políticas de incentivo fiscal, nas condições de prazo e de taxas de juros na oferta pública de crédito e nos modelos de concessão dos serviços públicos e de inves-timento em infraestrutura, as quais, no seu conjunto, configuraram um novo arranjo de política econômica.

cAPÍtuLo 5

A dinâmicA do PiB BrASiLeiro no PerÍodo PóS-criSe: dA iLuSão do creScimento SuStentAdo à criSe dA indúStriA nAcionAL

luiS Fernando novaiS

a economia brasileira no contexto da crise global 162

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O desempenho claudicante da atividade econômica no biênio 2011-2012, es-pecialmente a queda da produção industrial, o colapso do investimento e a desa-celeração do setor de serviços, foi um sintoma de que a nova estratégia de política econômica ainda não havia conseguido, até o início de 2013, reverter a atual fase de baixa do ciclo de investimento produtivo, assim como não havia conseguido afetar positivamente os parâmetros estruturais – altos custos de produção, câmbio desfavorável e cunha fiscal elevada – que corroem a competitividade da economia brasileira, num contexto internacional de acirramento da concorrência, incerte-zas ante a crise na zona do euro e dúvidas sobre a capacidade de recuperação da economia americana.

Este capítulo busca detalhar o desempenho do principal indicador da ati-vidade econômica, o Produto Interno Bruto (PIB), vis-à-vis a condução da política econômica. Procura-se, na primeira seção, resgatar os principais deter-minantes do padrão de crescimento que vigorou no país até a crise global do final de 2008, para marcar as diferenças entre aquele período e a fase posterior. A segunda seção traz uma análise da aceleração do crescimento econômico em 2010, verificando a hipótese de que aquele momento não tenha passado de uma “ilusão” de expansão mais robusta antes da eclosão da crise da zona do euro. A posterior transformação desse quadro para um cenário de baixo cres-cimento e crise da indústria nacional é tratada na terceira seção. Por fim, a última seção traça algumas perspectivas e ressalvas para a economia brasileira, tomando 2013 como o ano em que a política econômica – especialmente o patamar mais baixo de taxa básica de juros e o câmbio desvalorizado em relação ao padrão observado no biênio 2009-2010 – poderá ou não se consolidar, num cenário internacional de lenta recuperação, mas com menor risco de ruptura na zona do euro.

Do período de auge até a crise global de 2008

O Brasil vivenciou, no início da década de 2000, os efeitos deletérios do apa-gão elétrico de 2001/2002 e da crise de confiança no governo Lula, que começava o seu mandato. Passada a fase inicial de baixo dinamismo, a economia brasileira voltou a crescer em ritmo acelerado: o PIB se expandiu 4,8% ao ano no primeiro mandato do governo Lula até o terceiro trimestre de 2008. Cabe ressaltar que esse resultado contou com um cenário internacional extremamente favorável, fator crucial na estabilização das expectativas, e que permitiu uma gestão da política econômica sem sobressaltos, como veremos a seguir.

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Entre 2003 e 2007, a conta de transações correntes do balanço de pagamen-tos do Brasil acumulou superávit da ordem de US$ 45 bilhões, irrigada por um ciclo de alta dos preços das commodities, que gerou um superávit comercial acu-mulado de US$ 190 bilhões – valor mais do que suficiente para cobrir os gastos do país em Rendas e Serviços (US$ 162 bilhões). Além disso, a conjuntura de elevada liquidez no mercado financeiro global favoreceu, no mesmo período, a internalização de recursos externos. O Investimento Direto Externo (IDE), que representa um fluxo mais estável e relacionado aos negócios no país, somou in-gressos de US$ 141,8 bilhões. As reservas internacionais brasileiras tornaram-se quase quatro vezes maiores e passaram de US$ 49,3 bilhões, em dezembro de 2003, para 180,3 bilhões em dezembro de 2007, afetando positivamente o risco-país – que caiu de um patamar de 837 pontos (média de 2003) para a faixa de 180 pontos (média de 2007).

Nesse contexto, o setor público zerou a sua dívida externa e o setor privado passou a ter acesso a recursos financeiros a custos inferiores, fatores que permi-tiram a redução do endividamento externo e a ampliação do investimento pro-dutivo: a relação entre a dívida externa líquida e o PIB – que, em 2002, era de 34,3% – passou a ser de apenas 0,3%, em 2008. Assim, o peso da vulnerabilidade externa, que influenciou a dinâmica econômica no período anterior, deixou de constranger a política econômica no governo Lula, facilitando a gestão do sistema de metas de inflação e a acumulação de reservas internacionais1.

Esse pano de fundo e as expectativas favoráveis de crescimento da economia mundial até a crise global no final de 2008 foram fundamentais para que a ex-pansão do consumo doméstico e do investimento produtivo fosse sustentada com taxas de juros cadentes, câmbio valorizado e inflação sob controle, embora o dife-rencial da taxa básica real de juros brasileira, em relação à dos países avançados e emergentes, tenha se mantido elevado ao longo do período.

Livre dos constrangimentos da vulnerabilidade externa, avançou no país a visão de que era necessário impor um novo padrão de distribuição de renda, estimulando o consumo de massas. A recuperação dos rendimentos dos assala-riados – devido, em parte, à política de reajuste real do salário mínimo2 e ao contínuo processo de formalização do emprego – combinada com medidas na área do crédito (por exemplo, o alargamento dos prazos e os menores juros nos empréstimos consignados em folha) e com o programa de transferência de renda

1. Ver capítulo 3 para mais detalhes sobre a vulnerabilidade externa no pós-crise. 2. Entre 2002 e 2012, o salário mínimo aumentou 172,5%, percentual bem superior ao da inflação daquele

período, medido pelo IPCA (98,7%).

a economia brasileira no contexto da crise global 164

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para a população mais carente alavancaram o consumo doméstico e o mercado interno de bens e serviços.

Concomitantemente à melhoria das condições macroeconômicas, dados a re-dução do risco cambial e o retorno dos fluxos de capitais voluntários, a partir de 2004, o quadro benigno do mercado de trabalho estimulou o aumento da oferta de crédito. As operações de crédito no Brasil como proporção do PIB passaram de 24,8%, em 2003, para 37,8%, em 2008. Além disso, dois fatores determinaram esse movimento: (i) a redução paulatina dos juros cobrados nos empréstimos, os quais, embora ainda extremamente elevados para o padrão mundial, caíram da faixa de 71% a.a. para 51,5% a.a. no período; e (ii) o alongamento dos prazos de pagamento dos financiamentos.

Os dados do PIB evidenciam claramente que o Brasil estava em uma trajetória de expansão consistente e equilibrada nos momentos que antecederam a crise de 2008. Combinavam-se crescente expansão da demanda agregada e alta do consu-mo de bens e serviços, com expectativas favoráveis em relação à rentabilidade das empresas e dos negócios, em um ambiente propício para a ampliação do investi-mento produtivo. O PIB cresceu 6,6% no acumulado do ano até o terceiro trimes-tre de 2008, sendo que a formação bruta de capital fixo, o consumo das famílias e o volume de produção da indústria de transformação apresentaram variação de, respectivamente, 16,9%, 6,7%, e 6,2%, repetindo o bom resultado de 2007. O setor de serviços, com peso de aproximadamente 60% no PIB, também evoluiu positivamente e cresceu 6%, na mesma base de comparação (Tabela 1).

No limiar da eclosão da crise global, os empresários conviviam com uma po-lítica econômica que mantinha elevada a taxa básica de juros: a taxa Selic (final de período) em termos reais, descontado o IPCA acumulado em 12 meses, foi de 6,5%, em 2007, e de 7,1%, em 2008. Ficou evidente que esse patamar de taxa básica real de juros não inibiu as decisões das empresas de imobilizar capital para aumentar a capacidade produtiva. Em situações como essa, há a percepção de que o estoque de capital disponível para aumentar a produção não está compatível com a tendência de alta da demanda efetiva, contexto que impulsiona a taxa de investimento da economia.

Outros fatores se destacaram como indutores da ampliação da capacidade pro-dutiva. Um movimento de elevação da lucratividade das empresas foi registrado entre 2002 e 2008. As companhias recompuseram as margens de lucro por meio da elevação das receitas operacionais3. Havia um ciclo de alta dos preços das commodi-

3. É interessante destacar que, em 2008, esse movimento de recomposição das margens da indústria deu-se em parte via preços. A Tabela 1 mostra que o índice de preços do atacado da indústria de transformação

a economia brasileira no contexto da crise global 165

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ties e a economia doméstica estava aquecida, o que abriu espaço para as indústrias utilizarem ainda mais sua capacidade instalada e aumentarem a escala de produção, mesmo com o acirramento da concorrência dos bens importados. As importações cumpriam, naquele momento, a função de complementar a oferta doméstica, re-duzir custos e impulsionar a modernização do parque produtivo por meio da aqui-sição, no exterior, de máquinas e equipamentos; porém, já começavam também a competir no mercado doméstico, substituindo a produção local4.

Esse quadro foi fortemente afetado após a falência do Lehman Brothers, em setembro de 2008. De imediato, o aprofundamento da crise financeira in-ternacional acarretou uma forte diminuição da liquidez no mercado financeiro internacional, a paralisia nas linhas de crédito e a queda drástica no fluxo de

(IPA - indústria de transformação) subiu 10,8% até o terceiro trimestre de 2008 sem que isso impactasse o IPCA, que se manteve próximo ao centro da meta (4,8%). A taxa de câmbio média situou-se na faixa de 1,69 naquele período (valorização de 12,4% em relação ao [índice de 2007), fator que ajudou a conter a inflação.

4. Para outros detalhes sobre os resultados financeiros das empresas, no período, veja o artigo de Almeida, Jacob e Novais (2009).

tabela 1. indicadores econômicos: Pib, Produção industrial, inflação, juros reais e taXa de

câmbio – 2007 a 2012

PERÍODO PIB ¹

CONSUMO

DAS

FAMÍLIAS¹

FORMAÇÃO

BRUTA DE

CAPITAL

FIXO ¹

PIB I T ¹PIB

SERVIÇOS¹

PRODU-

ÇÃO FÍSICA

DA I T¹

IPCA

TOTAL ¹

IPCA

SERVIÇOS¹

IPA

I T¹

SELIC REAL FINAL

DE PERÍODO (DE-

FLACIONADA PELO

IPCA 12 MESES) ²

TAXA DE CÂMBIO

FINAL DE

PERÍODO

MÉDIA DO

PERÍODO

2007 6,1 6,1 13,9 5,6 6,1 6,0 4,5 5,2 4,6 6,50 1,77 1,93

3º trim.

20086,6 6,7 16,9 6,2 6,0 6,4 4,8 5,0 10,8 7,10 1,91 1,69

2008 5,2 5,7 13,6 3,0 4,9 3,1 5,9 6,4 10,9 7,41 2,34 1,83

2009 -0,3 4,4 -6,7 -8,7 2,1 -9,5 4,3 6,4 -3,5 4,25 1,74 1,99

2010 7,5 6,9 21,3 10,1 5,5 10,3 5,9 7,6 7,4 4,57 1,66 1,75

2011 2,7 4,1 4,7 1,2 3,2 0,2 6,5 9,0 3,1 4,22 1,88 1,67

1º trim.

20121,9 3,2 -2,1 -1,1 2,2 -3,4 1,2 2,8 0,4 4,29 1,82 1,77

2º trim.

20121,2 2,5 -2,9 -2,9 1,6 -4,1 2,3 4,4 3,3 2,94 2,02 1,96

3º trim.

20120,9 2,6 -3,9 -3,2 1,5 -3,6 3,8 6,3 6,4 1,87 2,03 2,03

4º trim.

20120,9 3,1 -4,0 -2,5 1,7 -2,8 5,8 8.7 7.1 1,33 2,04 2,06

Fonte: IBGE, Ipeadata, Banco Central do Brasil. (1) Variação acumulada no ano.

(2) Selic real do último mês de cada período. Nota: IT = Indústria de Transformação.

a economia brasileira no contexto da crise global 166

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comércio global. Na visão do governo, os impactos econômicos e financeiros poderiam ser pequenos no Brasil, a chamada “marolinha”, uma vez que: (i) a situação do balanço de pagamentos era favorável em relação às crises anterio-res; (ii) o nível elevado das reservas cambiais dotava o país de um “colchão” de segurança; (iii) as contas fiscais, relativamente equilibradas, estavam em ordem; (iv) o governo tornou-se credor em dólar, em função do acúmulo de reservas e da expressiva redução da dívida pública externa e da dívida mobiliária inter-na indexada ao dólar. Nesse contexto, os vetores que vinham garantindo, até então, o crescimento econômico não deveriam sofrer reveses graves pela crise, caracterizada como um fenômeno externo ao país.

A convicção sobre essa visão traduziu-se no diagnóstico de que as pressões in-flacionárias vigentes advinham do descompasso entre o ritmo de crescimento da demanda e da oferta internas. Da perspectiva do Banco Central do Brasil (BCB), o fenômeno empurrava para cima as expectativas do mercado para o IPCA acu-mulado em 12 meses, principal parâmetro do BCB, naquele momento, para mo-nitorar a conjuntura econômica. Com base nessa avaliação, o BCB elevou para 13,75% a.a., entre junho e setembro de 2008, a taxa de juros básica (Selic), e a manteve nesse nível até dezembro daquele ano, exatamente quando os impactos da crise global – restrição ao crédito externo e contração da demanda mundial – atingiram a economia brasileira.

A recessão que se instalou no Brasil entre o final de 2008 e o início de 2009 e as dificuldades financeiras dos bancos de pequeno e médio portes mostraram que a tese governamental não foi respaldada pelos fatos. Apesar de todos os aspectos que diferenciaram a situação de 2008 das crises anteriores, o ciclo de crescimento não se sustentou: de uma alta do PIB de 6,6% no acumulado em quatro trimes-tres até setembro de 2008, a economia brasileira encerrou 2009 com queda de 0,3%. Do lado da oferta, a maior retração ocorreu na indústria de transformação (-8,7%). Já da perspectiva da demanda, a formação bruta de capital fixo assina-lou uma retração de 6,7%; e, no setor externo, a diminuição das exportações e importações de bens e serviços também foram expressivas, de, respectivamente, -9,1% e -7,6% (Gráfico 1).

Os efeitos da crise global e a política monetária restritiva vigente no último tri-mestre de 2008 fizeram com que a magnitude da queda do PIB, na margem, fosse grande no período (-4,2% em relação ao do período imediatamente anterior, descontados os efeitos sazonais). No primeiro trimestre de 2009, a retração foi menor (-1,7%) na mesma base de comparação, caracterizando o período como recessivo (Tabela 1 do Anexo Estatístico).

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De fato, o impacto foi o de um “tsunami” na indústria – particularmente nos setores mais dependentes das exportações e do crédito – e nos investimentos produtivos. As empresas, que tinham acumulado estoques ao longo de 2008, com a perspectiva de ter continuidade a expansão da economia, foram surpreendidas pela eclosão da crise. O ajuste foi instantâneo: de um lado, as empresas reduzi-ram os inventários ao longo de 2009 (-2,6 pontos percentuais de contribuição negativa dos estoques ao crescimento do PIB na média dos trimestres – Gráfico 3) e, de outro, a indústria de transformação acumulou, entre o terceiro trimestre de 2008 e o primeiro trimestre de 2009, uma retração de 17,8%, descontados os efeitos sazonais.

O colapso das expectativas dos empresários resultou numa quase paralisia da produção em alguns setores econômicos e na eliminação de postos de trabalho. O setor automotivo deu férias coletivas no último trimestre de 2008. No imediato pós-crise, o emprego formal apresentou forte retração: entre outubro de 2008 e janeiro de 2010, foram fechados, em termos líquidos (admitidos – desligados), 765 mil postos formais de trabalho.

Cabe ressaltar que, entre o terceiro trimestre de 2008 e o primeiro trimestre de 2009, todos os setores levantados nas Contas Nacionais do lado da oferta e da demanda apresentaram, descontados os efeitos sazonais, queda brusca ou rele-vante desaceleração, com destaque para: importações (-20,4%), formação bruta

Gráfico 1. Pib: variação trimestral acumulada em quatro trimestres (em relação ao Percentual

reGistrado no mesmo Período anterior) – 2008/2009 (em %)

- 0,3

6,6 7,25,9

3,95,7

8,36,1

6,7

3,3

16,6

16,619,2

3,6

-3,1

- 5,6

- 3,2

- 8,7

- 0,7

2,14,4

3,1

- 6,7- 9,1

- 7,6

-15,0

-10,0

-5,0

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

PIB

Pre

ços

de M

erca

do

Agro

pecu

ária

Indú

stria

Extr

ativ

a M

iner

al

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Gov

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Impo

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ões

I/2008 II/2008 III/2008 IV/2008 I/2009 II/2009 III/2009 IV/2009

Fonte: Contas Nacionais, IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 168

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de capital fixo (-20,0%); exportações (-16,6%); comércio (-10,5%); construção civil (-9,9%); e transporte, armazenagem e correios (-8,7%). Já o setor de serviços como um todo e o consumo das famílias praticamente permaneceram no mesmo patamar, com retração muito inferior de, respectivamente, -1,9% e -1,0% (Tabela 1 do Anexo Estatístico).

O fortalecimento da despesa pública e o baixo impacto da crise no mercado de trabalho deram sustentação ao setor de serviços, que praticamente não sentiu a recessão e fechou o ano de 2009 como o único, do lado da oferta, a apresentar resultado positivo, de 2,1% (Gráfico 1).

O pilar de sustentação do setor de serviços, que praticamente não sentiu a crise, foi a preservação do mercado interno, resultante de vários fatores. Cabe destacar, em primeiro lugar, a dinâmica do mercado de trabalho: no auge da crise (final de 2008), o desemprego cresceu, especialmente devido às demissões na indústria, e a confiança dos consumidores caiu. A partir de abril de 2009, no entanto, o saldo líquido do emprego formal passou a se expandir de forma mais consistente, e o desemprego recuou, fazendo melhorar as expectativas5. O ren-dimento recebido pelos trabalhadores, porém, foi pouco afetado pela crise, uma vez que a combinação de reajustes reais do salário mínimo e a desaceleração da inflação fez com que a massa de rendimento mantivesse em um nível razoável sua taxa real de expansão no primeiro semestre de 2009. Adicionalmente, a política de transferências de renda para a população de baixo poder aquisitivo também ajudou a preservar o mercado interno.

Do lado produtivo, os incentivos fiscais adotados pelo governo federal bene-ficiaram importantes cadeias produtivas e estimularam, via preços, o consumo doméstico de bens industriais, especialmente de automóveis e de bens duráveis da linha branca, mitigando a forte retração das exportações de bens manufaturados. A sinalização do governo federal de que os programas de investimento público (PAC) não iriam ser descontinuados em função da crise, embora os desembolsos não tivessem crescido de forma expressiva, impediu que a taxa de investimento da economia caísse ainda mais.

O terceiro e fundamental fator de preservação do mercado interno foi a reto-mada do crédito às famílias, que havia perdido dinamismo desde o aprofunda-mento da crise. Nota-se que, a partir de março de 2009, o crédito com recursos livres às pessoas físicas ganhou maior fôlego com o aumento dos prazos e com

5. Segundo o Caged, entre abril e dezembro de 2009, foram criados, em termos líquidos (admissões – desli-gamentos), cerca de um milhão de postos de trabalho no mercado formal, superando as perdas ocorridas no auge da crise.

a economia brasileira no contexto da crise global 169

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menores taxas de juros, mantendo-se numa trajetória ascendente como proporção do PIB a partir desse período.

O principal efeito-contágio dessa crise global foi a interrupção do círculo vir-tuoso – renda-consumo-produção-investimento – que até então ditava o ritmo de crescimento. A paralisia quase que completa do sistema de crédito internacional e a gravidade da crise global afetaram a confiança dos agentes econômicos a partir do último trimestre de 2008 e em 2009. Os empresários, principalmente os in-dustriais, tiveram uma reação negativa muito forte, demitindo em massa e para-lisando os projetos de investimento. O país enfrentou a crise com medidas fiscais de incentivo ao consumo doméstico, queda da taxa de juros básica (embora essa medida tenha sido tomada tardiamente, a partir de janeiro de 2009) e avanço do crédito como proporção do PIB.

A “exuberante” saída da crise em 2010

No plano mais geral, percebe-se que pelo menos três condicionantes agiram, em 2009, como atenuadores dos impactos da crise global e alicerçaram, em 2010, as condições de expansão. Diferentemente dos períodos nos quais a turbulência do cenário internacional ocasionava a deterioração do balanço de pagamentos e exercia forte pressão sobre a taxa de câmbio, o acúmulo de reservas no período pré-crise serviu como um seguro, diminuindo a vulnerabilidade externa do país. Mesmo assim, no último trimestre de 2008, o real se desvalorizou quando houve saída maciça de capitais de investidores estrangeiros para cobrir prejuízos sofridos com o aprofundamento da crise nos países centrais. A taxa de câmbio atingiu o patamar de R$ 2,39 (média mensal), em dezembro de 2008 (desvalorização de 48,4% em relação à verificada em agosto daquele mesmo ano). Mês a mês, esse movimento foi-se revertendo e, em dezembro de 2009, a taxa de câmbio tinha voltado para a faixa de R$ 1,75, o que contribuiu para que, já no primeiro se-mestre de 2009, as expectativas do mercado sobre a inflação se situassem abaixo do centro da meta, dando credibilidade aos fundamentos da política econômica.

Dois outros fatores ajudaram a blindar a economia brasileira. A relativa solidez das contas públicas no imediato pré-crise, com superávits primários em torno de 4% do PIB, e a trajetória de queda das dívidas públicas bruta e líquida em relação ao PIB, fatores que permitiram a sustentação do gasto público e criaram “espaço fiscal” para a implementação de medidas anticíclicas. O terceiro elemento que diferenciou o Brasil dos países centrais foi a relativa proteção das institui-ções financeiras locais contra os ativos “tóxicos” que caracterizaram o ciclo de

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exuberância financeira no mercado financeiro global. Esse fato, aliado ao papel ativo dos bancos públicos para fornecer financiamento ao consumo e às empresas, amorteceu os impactos da desaceleração da oferta de crédito dos bancos privados e permitiu manter a expansão do crédito que já estava em curso na economia brasileira antes da crise.

A rapidez e a intensidade com que a economia brasileira saiu da crise cau-saram euforia no mercado financeiro internacional, devido à perspectiva de o país estar, naquele momento, em uma trajetória sustentada de expansão com retorno da rentabilidade. Um traço marcante do movimento de recuperação da crise foi a busca de oportunidades de negócios no mercado financeiro brasileiro. O mercado escolheu o Brasil como a “bola da vez” dentre os países que tendem a oferecer elevada rentabilidade aos investidores, o que resultou no crescimento exponencial do volume de recursos financeiros aplicados no país por estrangei-ros, atraídos pela elevada rentabilidade dos títulos públicos e pela valorização da bolsa de valores.

Sem risco de ruptura no sistema financeiro global, a demanda mundial por ati-vos brasileiros tornou-se maior. Os fluxos de capitais estrangeiros voltaram com for-ça em 2010; o volume de IDE e de investimentos em portfólio atingiu o montante de, respectivamente, US$ 48,5 bilhões e 67,8 bilhões, com expansão de 86,9% (IDE) e 46,9% (portfólio), em relação aos montantes de 2009. Os empréstimos e financiamentos em moeda estrangeira, que haviam minguado em 2009, também se intensificaram, com alta de 195,1% e volume de US$ 41,5 bilhões. Ao final de 2010, as reservas internacionais do país haviam chegado a US$ 288,6 bilhões.

Esse quadro externo mais positivo e o sucesso das medidas anticíclicas, toma-das pelo governo nos meses posteriores à eclosão da crise, tornaram o ambiente econômico mais propício à expansão, em 2010. Ao longo de 2009, a política de elevação real do salário mínimo e a atualização dos valores das transferências de renda para famílias pobres (com o programa Bolsa Família) deram suporte ao mercado interno. Do ponto de vista do crédito, a crise financeira internacional não foi capaz de reverter a fase de expansão iniciada em 2003, ainda que o ritmo de crescimento dos estoques de crédito tenha se desacelerado, os prazos dos em-préstimos tenham caído e as taxas de juros tenham se elevado. Essa evolução do crédito contou com o suporte dos bancos públicos que, numa atuação anticíclica, ampliaram a oferta e, assim, amorteceram o impacto da desaceleração da oferta pelos bancos privados. Também foi importante a manutenção do ritmo de ex-pansão do financiamento habitacional, que, lastreado pelos recursos direcionados dos depósitos de poupança, assegurou o crescimento do setor de construção civil.

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É de se notar, aliás, a importância que o governo deu ao mercado de crédito, logrando evitar uma iminente crise de liquidez, associada (1) aos prejuízos que as empresas tiverem com operações vinculadas a derivativos cambiais e (2) ao descasamento entre ativos e passivos, pelo qual passaram os pequenos e médios bancos, magnificado pelo aprofundamento da crise no final de 2008. A expansão do Fundo Garantidor de Crédito aos depósitos a prazo emitidos para os bancos de menor porte serviu, nesse sentido, para alavancar a capacidade de concessão de novos empréstimos6.

Duas ações do governo, dentre outras, tornaram mais relevante a participação do setor público na saída da crise: (i) o Ministério do Trabalho ampliou, no ime-diato pós-crise, o sistema de seguro-desemprego, dando mais amparo aos traba-lhadores demitidos, especialmente, pela indústria; e (ii) o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) manteve-se prioritário, fazendo com que o investimento público não caísse ao longo de 2009 e de 2010.

Essas medidas de proteção social e de ampliação do gasto público foram com-plementadas por políticas anticíclicas de renúncia de impostos federais na compra de bens duráveis, como automóveis, materiais de construção, linha branca e móveis. Além disso, a política ativa do BNDES auxiliou as empresas que sofreram elevadas perdas financeiras em apostas arriscadas no mercado de derivativos cambiais7.

Dois segmentos cruciais foram incentivados por programas então criados. O programa “Minha Casa Minha Vida” estimulou o setor de construção civil – im-portante gerador de emprego e renda para segmentos do mercado de trabalho menos qualificados –, ao ampliar a oferta de novas moradias. Adotado na área de investimento e concebido como um item a mais na política de crédito, o Pro-grama de Sustentação ao Investimento (PSI) garantiu melhores condições para as empresas realizarem inversões mais “leves” com taxas de juros mais baixas. O PSI reduziu para 4,5% ao ano a taxa de juros dos financiamentos do BNDES para a compra de bens de capital.

O excepcional crescimento do PIB em 2010 (+7,5%) refletiu o sucesso das medidas adotadas. Crescente bancarização, maior oferta de crédito ao consumo,

6. A esse respeito, ver o capítulo 4. 7. Com a eclosão da crise, desnudaram-se as dificuldades financeiras de várias grandes empresas brasileiras,

como resultado de operações de arbitragem das suas receitas em dólar em derivativos de operações de hed-ge, na aposta de que a taxa de câmbio fosse permanecer apreciada. A desvalorização do real gerou vultosos prejuízos para muitas dessas companhias. Ocorreram quebras de empresas nacionais de porte nos setores de celulose, alimentos processados e açúcar e álcool. O papel do BNDES, num contexto externo que afugentava investidores estrangeiros, foi importante também no sentido de dar apoio financeiro a grandes grupos nacionais que adquiriram parte dessas empresas em dificuldades.

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elevação dos prazos de financiamento e aceleração do processo de formalização da força de trabalho (em 2010, foram criados 2,14 bilhões de empregos formais) fizeram com que o consumo das famílias crescesse a taxas expressivas8. O de-sempenho da economia brasileira mostrou que foi possível, naquele momento, redinamizar a formação bruta de capital fixo e a produção da indústria de trans-formação, que cresceram, respectivamente, 21,3% e 10,3%, na comparação do acumulado em quatro trimestres, em parte devido à baixa base de comparação, já que o PIB de 2009 havia se retraído (Gráfico 2).

Gráfico 2. Pib: variação trimestral acumulada em quatro trimestres (em relação aos índices do

mesmo Período do ano anterior) – 2010 (em %)

7,5 6,3

10,4

13,610,1

11,6

5,56,9

4,2

21,3

11,5

35,8

-5,0

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

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Pre

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Agro

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Gov

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FBC

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Expo

rtaç

ões

Impo

rtaç

ões

I/2010 II/2010 III/2010 IV/2010

Fontes: Contas Nacionais, IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

As empresas, ao perceberem que havia espaço para voltar a crescer e premidas pela maior concorrência das importações, procuraram rapidamente recompor os seus esto-ques de matérias-primas e de bens finais. Em 2010, a variação dos estoques acrescen-tou 1,4 p.p. de contribuição ao crescimento a cada trimestre (ver, adiante, o Gráfico 3). Nesse contexto, as firmas voltaram a criar capacidade produtiva adicional, vislum-brando, no curto e médio prazos, uma trajetória auspiciosa para o mercado interno.

A força e a composição dessa recuperação demonstraram como é possível sair de uma situação de quase paralisia nas decisões de imobilização de capital em

8. A variação anualizada da taxa trimestral na margem com ajuste sazonal do consumo das famílias, segun-do as Contas Nacionais, ultrapassou 10% nos segundo e terceiro trimestres de 2009 (11,6% na média) e atingiu 10,1% no terceiro trimestre de 2010. Entre 2009 e 2010, o consumo das famílias avançou 6,9%.

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direção ao outro extremo, de elevação dos investimentos à frente da demanda. O PIB do setor de serviços também se dinamizou com alta de 5,5%, entre 2009 e 2010, embora o patamar atingido tenha sido inferior ao observado antes da crise (6%, na média dos três primeiros trimestres de 2008).

Um fator estrutural que ganhou força nessa retomada foi o alastramento dos bens importados na economia brasileira e a perda de competitividade dos pro-dutos nacionais no mercado externo. Parte desse processo respondeu à expressiva valorização do real, ocorrida ao longo do período: excluída a desvalorização do final de 2008, a taxa de câmbio (final de período) recuou da faixa de R$ 1,91 para o patamar de R$ 1,66, entre o terceiro trimestre de 2008 e o final de 2010 (valorização de 13,1%). As importações de bens e serviços cresceram, segundo as contas nacionais, em média, 36,4% a cada trimestre em 2010, na comparação com os dados do mesmo período de 2009, enquanto as exportações de bens e serviços, mesmo ancoradas na recuperação dos preços das commodities, no quadro de recuperação da economia mundial, especialmente da China, avançaram consi-deravelmente menos (11,7%).

O Gráfico 3 mostra a evolução da contribuição das demandas interna, externa e dos estoques, para o crescimento do PIB. Percebe-se que não é de hoje que a de-manda externa não ajuda a economia brasileira a crescer. No arranque de 2010, a demanda externa chegou a subtrair 3,6 p.p. do PIB nos segundo e terceiro trimes-tres. Excluindo-se o ano de 2009 – quando as importações caíram de forma mais intensa, devido à forte retração da atividade econômica, e a contribuição tendeu a ficar neutra – a demanda externa contribuiu para reduzir o crescimento econômi-co desde o ano de 2006 . Dessa perspectiva, a aceleração do consumo doméstico, em 2010, passou a contar com mais bens importados para compor a oferta inter-na, com ampliação do grau de substituição da produção local por importações9.

Esse quadro refletiu um cenário internacional mais competitivo por mercados de consumo dinâmicos e revelou o processo de valorização do real, reflexo, em grande medida, da “avalanche” de recursos financeiros externos internalizados. A apreciação cambial teve efeitos diferenciados na economia: garantiu alguns graus de liberdade à política econômica centrada no sistema de metas de inflação, uma vez que ajudou a conter os reajustes de preços, e assegurou, no curto e médio prazos, re-lativa tranquilidade para o financiamento do balanço de pagamentos, ao estimular a entrada de dólares no país.

9. Segundo informações da Funcex, o coeficiente de penetração das importações na indústria de transformação passou de 13,9%, no primeiro trimestre de 2007, para 19,1%, no último trimestre de 2010 (na comparação do acumulado em quatro trimestres). Para as exportações, o movimento foi inverso, de 18,4% para 14,6%.

a economia brasileira no contexto da crise global 174

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A débil retomada das economias avançadas manteve contidos os preços dos bens manufaturados, permitindo que o processo de investimento da economia brasileira contasse com equipamentos importados mais baratos. A valorização cambial também estimulou a compra, no exterior, de bens de capital tecnologi-camente sofisticados, geradores de importantes ganhos de produtividade. A ma-nufatura de bens de consumo também se beneficiou desse barateamento de peças e matérias-primas compradas no exterior e utilizadas na cadeia produtiva, con-seguindo, assim, manter em parte sua competitividade no mercado doméstico.

Esse é o lado benigno da valorização cambial. Porém, a manutenção, por um período prolongado, de um ambiente de baixa rentabilidade das exportações e de aumento do peso das importações na estrutura de produção das empresas acabou por influenciar as decisões microeconômicas, num movimento de difícil reversão e com custos elevados para o país.

Com a perda de mercados externos conquistados nos anos anteriores – espe-cialmente nos segmentos acometidos pela concorrência predatória da China e nos setores cuja parcela importante da produção é voltada para o exterior (por exemplo, veículos e máquinas e equipamentos) –, as empresas diminuíram seus investimentos, reduziram o emprego e deslocaram o foco para o mercado interno. As empresas a readequaram suas escalas produtivas, abrindo-se à maior importa-ção de produtos e à menor produção para exportação, fatores que reduziram os elos intraindustriais das cadeias produtivas no país.

Gráfico 3. contribuição da demanda interna, eXterna e estoques ao crescimento do Pib –2002 a 2010 (em %)

1,3

-1,0

4,53,7

5,3

7,1 7,2 7,28,0

6,6

-0,2

0,00,4

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11,610,8

10,09,2

2,51,8

0,8 0,4

-1,4 -1,5 -1,9 -1,9 -2,0 -2,0

0,1 0,2 0,2

- 0,2

-3,2 -3,5 -3,6-3,0

-1,2

0,4 0,3

-1,0

0,10,5 1,0 1,1 0,7 0,6

-2,6 -2,7 -2,8 -2,3

0,91,7 1,9

1,4

-5,00

-3,00

-1,00

1,00

3,00

5,00

7,00

9,00

11,00

13,00

2002

2003

2004

2005

2006

2007

I/200

8

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08

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I/200

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09

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009

I/201

0

II/20

10

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010

IV/2

010

Ano trimestre (acumulado no ano)

Demanda Interna Demanda externa Estoques

Fonte: Contas Nacionais, IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

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O peso negativo da demanda externa na expansão do PIB, em 2010, e a im-portância assumida pelas importações no tecido industrial revelam a perda de competitividade da economia brasileira diante da valorização da moeda domés-tica em um contexto de maior concorrência no mercado mundial, manifestado com força no biênio 2011/2012.

Desaceleração da atividade econômica no governo Dilma: qual é o padrão de crescimento da economia brasileira?

A deterioração do ambiente econômico doméstico, após o atípico ano de 2010, foi condicionada pela política econômica, que ainda se pautava, em mea-dos de 2010 e início de 2011, por critérios rígidos na gestão do sistema de metas de inflação. Naquele momento, ante o recrudescimento do processo inflacionário – que, na leitura do BCB, tinha um componente de inflação de demanda e um choque externo, fruto da elevação dos preços das commodities –, as políticas mo-netária, creditícia e fiscal mantiveram-se restritivas com um mix diferenciado. A novidade foi a tomada, no final de 2010, de medidas macroprudenciais na área do mercado de crédito, com a justificativa de conter o ritmo de alta das concessões de crédito, especialmente no segmento de veículos10.

Os dados da atividade econômica mostram claramente que o objetivo de es-tancar o crescimento da demanda doméstica foi plenamente alcançado. O PIB iniciou 2011 com expansão, na margem, de 0,8% no primeiro trimestre, excluída a sazonalidade, em comparação com o índice verificado no trimestre imediata-mente anterior. Esse ritmo desacelerou para um patamar de quase estagnação no segundo semestre (na faixa de 0,1% de variação trimestral; Tabela 1 do Anexo Es-tatístico). Porém, a inflação, medida pelo IPCA (acumulada no ano), manteve-se pressionada no teto da meta (6,5%) até o final de 2011, demonstrando que foram outros fatores (o choque de oferta, a elevação dos custos de produção e a resistên-cia à queda dos preços dos serviços) que definiram o movimento ascendente dos preços, e não um excesso da demanda agregada.

Nesse contexto, percebe-se, ao longo de 2011, a deterioração do ambiente dos negócios na indústria. A variação trimestral na margem do volume da in-dústria de transformação inverteu o sinal entre o primeiro e quarto trimestres de 2011, de 1,1% para -2,7%, descontados os efeitos sazonais. Dentre os vetores de expansão que haviam atuado, em 2010, do lado da demanda, o consumo

10. Ver capítulo 2.

a economia brasileira no contexto da crise global 176

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das famílias até conseguiu terminar 2011 com uma variação positiva no quarto trimestre (+1,0%), mas com ritmo inferior ao observado no ano anterior (1,8%, média dos trimestres). Já a formação bruta de capital fixo desacelerou de forma mais intensa, de 2,4% para -0,1% na mesma base de comparação (ver Tabela 1 do Anexo Estatístico).

Na comparação do acumulado em quatro trimestres, o PIB desacelerou de 6,3% para 2,7%, entre o primeiro e o último trimestres de 2011 (Gráfico 4). Do lado da oferta, as maiores quedas ocorreram na indústria de transformação (de 6,8% para 0,1%), na extrativa mineral (de 10,8% para 3,2%) e na construção civil (de 9,3% para 3,6%). No setor de serviços, a perda de ritmo foi menor (de 4,9% para 2,7%).

Da perspectiva da demanda, sobressaiu-se, em 2011, a forte queda da for-mação bruta de capital fixo e das importações de bens e serviços: no caso da formação bruta de capital fixo, nota-se desaceleração relevante de 16,3% (pri-meiro trimestre) para 4,7% (quarto trimestre); no caso das importações de bens e serviços, a queda na variação foi ainda mais expressiva, de 28,8% para 9,7%. As exportações de bens e serviços seguiram o mesmo padrão, e a taxa acumulada em quatro trimestres caiu pela metade (de 9% para 4,5%). O consumo das famílias perdeu o ritmo de expansão (de 6,4% para 4,1%), mas conseguiu encerrar o ano com uma expansão razoável (Gráfico 4) .

Esse cenário de fraco crescimento econômico do PIB, com queda mais pro-nunciada da indústria em 2011, também decorreu da deterioração do cená-rio externo. Segundo o FMI, entre 2010 e 2011 o crescimento das economias avançadas caiu pela metade (de 3,2% para 1,6%,), enquanto o das economias emergentes diminuiu da faixa de 7,3% para 6,2%. Consequentemente, o volu-me do comércio mundial desacelerou-se de 12,7% para 6,9%. Nesse contexto, o ritmo altista do quantum das exportações brasileiras sofreu redução de 9,5% para 2,9%, entre os dois anos. Na mesma direção, o ímpeto das importações foi barrado com a retração da atividade econômica, sendo que o quantum dos bens importados caiu de 37% para 10%, na mesma base de comparação. O volume de importações ao final de 2011 manteve-se, porém, elevado e bem acima do volume das exportações.

Na passagem de 2011 para 2012, havia a expectativa de que a economia bra-sileira obteria um crescimento superior – no final de 2011, a pesquisa Focus do BCB projetava uma expansão do PIB na faixa de 3,5% para o ano seguinte. Um fator que jogava a favor dessa previsão era o novo arranjo da política econômica do governo Dilma. A flexibilização da gestão da política monetária explicitou-se

a economia brasileira no contexto da crise global 177

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em agosto de 2011, quando o BCB surpreendeu o mercado reduzindo a taxa básica de juros em 0,5 p.p., mesmo com inflação ascendente e acima do centro da meta. Os gestores da política econômica, de maneira correta, anteviram um viés deflacionário na economia mundial e um aprofundamento da crise na zona do euro. A partir de então, o Copom reduziu a taxa básica de juros (Selic) em 5,25 p.p., saindo do patamar de 12,5%, em julho de 2011, para 7,25%, em setembro de 2012, o que significou uma taxa básica real de juros (descontado o IPCA acu-mulado em 12 meses) na faixa de 1,9%.

Apesar da queda da taxa básica de juros, a economia brasileira não reagiu em 2012. O cenário internacional não avançou no sentido da ruptura na zona do euro, mas manteve elevada a incerteza sobre a recessão em vários países da Euro-pa. Internamente, fatores estruturais da perda de competitividade da economia brasileira se sobressaíram e se amplificaram por conta dos efeitos conjunturais negativos do ajuste nos estoques no período de dois anos (2011-2012), especial-mente observado no setor industrial.

A atividade econômica no primeiro biênio do governo Dilma registrou um desempenho bem diferente daquele observado nos anos anteriores. O PIB apre-sentou forte redução de seu ritmo de crescimento, de 2,7% em 2011 para ape-nas 0,9% em 2012. Nesse período, a crise da indústria nacional se explicitou, o ritmo de crescimento do setor de serviços registrou queda e o saldo da balança

Gráfico 4. Pib: variação trimestral acumulada em quatro trimestres (em relação aos dados

verificados no mesmo Período do ano anterior) – 2011/2012 (em %)

6,3 5,47,8

10,8

6,8

9,3

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16,3

9,0

28,8

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I/2011 II/2011 III/2011 IV/2011 I/2012 II/2012 III/2012 IV/2012

-5,0

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

Fonte: Contas Nacionais, IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 178

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comercial acusou redução expressiva. A média de crescimento do governo Dilma nesse biênio situou-se na faixa de 1,8%, resultado inferior ao observado no perí-odo 2002-2003 (2%), quando as exportações sustentavam a baixa expansão do PIB e a economia passava pela crise do apagão de energia elétrica. Esse resultado também ficou abaixo das médias anuais obtidas no governo FHC (2,3%) e no governo Lula (4%).

Diante desse quadro de anemia da atividade econômica, o governo lançou várias medidas para reanimar o consumo e o investimento, assim como para res-taurar a competitividade das exportações e conter o excesso de importações. As medidas foram espaçadas no tempo. Em primeiro lugar, logo no início de 2012, os incentivos de redução do IPI para bens duráveis da linha branca, móveis e veí-culos foram mantidos e prorrogados até o final do ano (dezembro).

Os efeitos positivos dessas medidas no consumo não apareceram de modo consistente e na velocidade esperada. Nota-se, no quarto trimestre de 2012, o começo de uma recuperação do consumo das famílias: nesse período, a variação acumulada em quatro trimestres subiu para 3,1%, patamar inferior às médias verificadas em 2009 (4,4%) e em 2011 (4,7%). Na comparação na margem com ajuste sazonal, as famílias consumiram, nos últimos três meses de 2012, 1,2% acima do nível observado no terceiro trimestre, o que significou uma suave ace-leração em relação à expansão trimestral média do primeiro semestre de 2012 (0,8% – Tabela 1 do Anexo Estatístico).

Alguns aspectos devem ser considerados, em 2012, para que se compreenda a menor efetividade das medidas de incentivo ao consumo, na comparação com os resultados obtidos na saída da crise global de 2008. Naquele período, a concor-rência no sistema bancário se ampliou para capturar os consumidores que tinham voltado às compras, após um ano de menor confiança; isso, porém, não signifi-cou a redução das taxas de juros e o alongamento dos prazos de financiamento. O grau de endividamento das famílias cresceu, de 20,2% em 2005 para 43,2% em 2012, mas o principal fator que, no período recente, atua como limitador da maior demanda por crédito é a expansão do comprometimento médio da ren-da das famílias com amortizações e juros das dívidas, que atingiu o patamar de 21,9% em dezembro de 2012.

Assim, é natural que o primeiro efeito da queda da taxa de juros ao consu-midor – após um ciclo de alta de consumo de bens duráveis, que resultou no aumento da inadimplência e na maior seletividade dos bancos na concessão de crédito – seja a quitação de dívidas passadas por parte dos consumidores endivi-dados. Nesse sentido, a política dos bancos públicos de forçar a queda dos spreads

a economia brasileira no contexto da crise global 179

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do sistema bancário é profícua, alavancando um novo ciclo de crédito; o que, entretanto, não foi verificado em 2012.

Um vetor que se contrapõe a essa tendência é a saturação do consumo de bens duráveis após a retirada dos incentivos fiscais, que hoje estão vigentes na economia brasileira. As autoridades econômicas anunciaram que as isenções de IPI sobre bens duráveis, especialmente automóveis, foram prorrogadas até o final de 2013. Além disso, o setor privado bancário passou a ser mais exigente na concessão dos financiamentos, fator que limita a capacidade de expansão da oferta de crédito.

Dada a lentidão da retomada do crescimento econômico e a explicitação dos problemas de competitividade da indústria brasileira, o governo avançou novas medidas na tentativa de reanimar o animal spirit dos empresários, como, por exemplo, a proposta do novo regime para o setor automotivo, que premiará com redução do IPI, a partir de 2013, as empresas que atingirem determinado percen-tual de conteúdo de produção nacional e o melhor desempenho do consumo de combustível nos modelos fabricados no país. A desoneração da folha de salários de 40 setores, com a substituição dos encargos trabalhistas por uma alíquota sobre o faturamento, e a desoneração do investimento também são medidas que tentam dotar o país de maior competitividade.

Do lado macroeconômico, é clara a mudança na gestão da política econômica, no sentido de preservar uma taxa de câmbio mais favorável às exportações e inibir a alta das importações e de trazer a taxa básica de juros para patamares próximos dos vigentes nos demais países emergentes.

Do mesmo modo que no período pré-crise de 2008, quando a elevada taxa de juros real vigente na economia não impediu que o investimento privado avan-çasse, a queda da Selic, na conjuntura atual, por si só não alterou, até o final de 2012, o cálculo empresarial para alavancar um ciclo sustentado de ampliação da capacidade produtiva.

Fica evidente que alguns fatores minaram a confiança das empresas em 2012, retardando a reversão do ciclo, quais sejam: (i) a reaceleração do consumo das famílias não estava garantida após o vencimento dos incentivos fiscais concedidos pelo governo federal, dado o elevado comprometimento da renda disponível em pagamento de juros e amortizações; (ii) o cenário internacional inspirava cuida-dos redobrados e havia perspectivas de um período prolongado de baixo cresci-mento econômico; (iii) o maior grau de penetração das importações no período recente afetava a produção local, ao reduzir sua capacidade de se beneficiar do acréscimo do consumo doméstico; (iv) as exportações, especialmente de bens ma-nufaturados, continuavam restringidas pelas medidas protecionistas (Argentina)

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e pelo baixo crescimento mundial, além de sofrerem com a perda de competitivi-dade da indústria nacional.

O resultado do PIB em 2012 é o retrato do quadro acima traçado. A con-tribuição da demanda interna ao crescimento recuou de um patamar de 5,6%, no primeiro trimestre de 2011, para a faixa de 1,8% em 2012. A composição da expansão mostrou uma situação delicada, qual seja: o consumo das famílias e o consumo do governo foram os únicos vetores de dinamismo, e no caso das famílias houve razoável desaceleração no período. Isso significa dizer que para o retorno do crescimento econômico se dar sem pressões inflacionárias seria neces-sária a aceleração das imobilizações de capital produtivo, já que o investimento se retraiu sobremaneira desde o final de 2011 (Gráfico 5).

Gráfico 5. contribuição da demanda interna, eXterna e estoques ao crescimento do Pib (trimestre

acumulado no ano) – 2011 e 2012 (em %)

5,85,5

4,43,8

1,9 1,7 1,7 1,9

-1,1 -1,1-0,8 -0,7

-0,1 -0,3 0,0

0,0

-0,4 -0,6 -0,4 -0,3

-1,1-0,7 -0,9 -1,0

I/201

1

II/20

11

III/2

011

IV/2

011

I/201

2

II/20

12

III/2

012

IV/2

012

Demanda Interna Demanda Externa Estoques

Fonte: Contas Nacionais, IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Na passagem de 2011 para 2012, a demanda externa em relação à participação no resultado do PIB tendeu à neutralidade. Percebem-se dois movimentos: as im-portações de bens e serviços perderam força, em função da retração da atividade industrial e da desaceleração do consumo doméstico, e permaneceram estagna-das, ao final de 2012, no mesmo patamar elevado observado em 2011. As expor-tações mantiveram-se contidas, especialmente o quantum de bens manufaturados e semimanufaturados, em virtude da baixa expansão da economia mundial11.

Do ponto de vista da oferta, notam-se as seguintes tendências na comparação interanual do PIB (Gráfico 4): (i) a indústria de transformação manteve-se retraí-

11. Ver capítulo 3.

a economia brasileira no contexto da crise global 181

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da em todos os trimestres de 2012, finalizando o ano com queda de 2,5%, o que significou uma pequena melhora em relação ao resultado do terceiro trimestre (-3,5%). Um dos fatores que impactou negativamente o setor industrial foi o longo processo de ajuste nos estoques, que, em 2012, subtraiu 0,9% da expansão do PIB (Gráfico 5); (ii) a construção civil também não se sustentou e, depois de ter crescido 3,0%, na média do primeiro semestre, recuou para uma variação de 1,4%, no último trimestre de 2012. Nos últimos anos, as construtoras avançaram em lançamentos de imóveis novos, dadas a alta da oferta de crédito imobiliário e a demanda ascendente. Agora, o mercado dá sinais de ajuste, uma vez que os preços dos imóveis subiram exponencialmente e as empresas estão vendendo os estoques com descontos; (iii) o setor de serviços perdeu dinamismo e encerrou 2012 com expansão de apenas 1,7%, patamar bem inferior à variação média observada no primeiro semestre de 2011 (4,7%); e (iv) a agropecuária apresentou retração de 2,3% em 2012 devido as adversidades climáticas, especialmente nas safras de arroz, soja, cana-de-açúcar e laranja.

Dados o grau de incerteza reinante no cenário internacional e as dúvidas so-bre o quadro doméstico, a taxa de investimento da economia recuou, ao final de 2012, para o menor patamar registrado desde o primeiro trimestre de 2010: a preços correntes, atingiu 17,4%; a preços de 2006, situou-se em 17,6% (Gráfico 6). A formação bruta de capital fixo, no acumulado nos quatro trimestres de 2012, saiu de uma variação positiva de 2,1%, no primeiro trimestre, para uma queda de

Gráfico 6. evolução trimestral da taXa de investimento (em % do Pib) – 2010 a 2012

I/2010 II/2010 III/2010 IV/2010 I/2011 II/2011 III/2011 IV/ 2011 I/2012 II/2012 III/ 2012 IV/2012

a preços do ano anterior 19,6 19,8 21,4 20,7 19,5 19,4 20,5 19,9 18,5 18,1 18,6 18,2

a preços de 2006 17,5 17,7 19,1 18,6 18,3 18,2 19,2 18,7 17,8 17,4 18,0 17,6

a preços correntes 19,2 19,2 20,5 18,9 19,5 18,8 20,0 18,8 18,7 17,9 18,7 17,4

14

15

16

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18

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22

Fonte. Contas Nacionais, IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

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4,1% no quarto trimestre12. Na comparação trimestral na margem, descontados os efeitos sazonais, notam-se quatro trimestres consecutivos de redução da formação bruta de capital fixo desde o último trimestre de 2011. A interrupção dessa trajetó-ria no final de 2012, com expansão de 0,5% entre o terceiro e o quarto trimestres, sinaliza que a letargia pode ter sido rompida, mas não significa que o ciclo de baixa do investimento já tenha sido revertido (Tabela 1 do Anexo Estatístico).

De fato, o fraco investimento na economia brasileira no biênio 2011-2012 respondeu a um conjunto de fatores, desde a perda de ânimo dos empresários ante as incertezas da crise global e a desaceleração da demanda doméstica, até o con-fuso cenário das concessões de serviços públicos, especialmente com as mudanças ocorridas no setor de energia elétrica, e das propostas de PPP (Parceiras Público-Privadas), lançadas pelo governo federal na área de infraestrutura econômica.

Além disso, nesse mesmo período, alguns fatores extemporâneos causaram “ruídos” na série de formação bruta de capital fixo, do IBGE. A entrada em vigor, em janeiro de 2012, do padrão Euro 5, com normas técnicas mais eficientes (me-nor emissão de poluentes) para os motores a diesel, fez crescer entre 15% e 20% os preços dos ônibus e caminhões, antecipando, assim, para o segundo semestre de 2011 a produção e a aquisição desses ativos de capital. Com resultado disso, a formação bruta de capital fixo foi “inflada” em 2011 e artificialmente diminuída ao longo de 2012, em função da retração das vendas de ônibus e caminhões, trajetória que já se reverteu em 2013, sobretudo em virtude dos incentivos do BNDES, por meio de programas para aquisição desses bens de capital.

Na tentativa de alterar essa tendência do investimento, os gestores da política econômica adotaram uma política fiscal anticíclica, ampliando as condições de depreciação acelerada da compra de bens de capital e restringindo o benefício ao ano de 2012. Nessa linha, o BNDES cortou os juros de seu Programa de Sustentação do Investimento (PSI) – em alguns casos, as empresas passaram a pagar taxas negativas de juros – e o governo lançou o programa de compras go-vernamentais, para privilegiar a produção nacional com garantia de margens de lucro. Segundo o IBGE, o consumo do governo mostrou trajetória ascendente, fechando o ano de 2012 com expansão de 3,2% (Gráfico 4). Por fim, o pacote de concessões no setor de transportes e de aumento da capacidade de endividamento de 21 estados deve potencialmente elevar os investimentos em infraestrutura.

12. Segundo o IBGE, o resultado da formação bruta de capital fixo deveu-se a: (i) retração de 9,1% das imo-bilizações em máquinas e equipamentos (peso de 50%); (ii) aumento de 1,9% na construção civil (peso de 43%); e (iii) diminuição de 0,7% em outros investimentos (plantações permanentes, gado, dentre outros, peso de 7%).

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Concomitantemente a essas medidas, as autoridades na área econômica avan-çaram uma política cambial proativa com o objetivo de reverter as expectativas diante da perda de competitividade da economia brasileira. A novidade foi a am-pliação do leque de instrumentos utilizados para frear o processo de valorização do real e manter uma taxa de câmbio que, pelo menos, recompusesse parte da rentabilidade das exportações. Medidas de regulação financeira prudencial passa-ram a atuar no sentido de reduzir o apetite dos investidores em relação ao Brasil, por meio do aumento do recolhimento de compulsório sobre as posições vendi-das dos bancos no mercado à vista e da elevação do IOF sobre as operações com derivativos cambiais.

Nesse contexto, o real se desvalorizou e a taxa de câmbio (R$/US$) deslizou para R$ 2,06 (média do período) no quarto trimestre de 2012 (desvalorização de 16,4% em relação à média de 2011). Todavia, a influência desse preço-chave na estrutura de custos e nas decisões de investimento na economia depende do grau de confiança dos agentes econômicos em manterem essa tendência daqui para a frente. Em sentido oposto, a taxa de câmbio do real voltou, no início de março de 2013, a se valorizar (+3,6%), em relação aos dados de dezembro de 2012.

Apesar da menor volatilidade da taxa de câmbio atual, o retorno da valoriza-ção pode atrapalhar as decisões de investimento, caso o movimento se aprofunde e se transforme em uma tendência de política econômica, pois a reversão, nos úl-timos anos, de estratégias empresariais para estruturar fornecedores no exterior e/ou apenas montar bens finais no território nacional com peças importadas – tanto para substituir a produção local dos bens comercializáveis e, assim, melhorar a rentabilidade das exportações, como para competir no mercado doméstico – não acontece de uma hora para a outra e demanda uma taxa de câmbio mais compe-titiva e políticas setoriais bem definidas e abrangentes.

A síntese do padrão atual de crescimento da economia brasileira pode ser vi-sualizada no Gráfico 7. A comparação dos componentes da oferta e da demanda entre o trimestre imediatamente anterior à crise global de 2008 (terceiro trimestre daquele ano) e os trimestres de 2012 indicam que o PIB está, hoje, 9,3 p.p. aci-ma do nível verificado antes da eclosão da crise. Fica claro que as medidas para recompor a competitividade da indústria brasileira ainda não surtiram efeito, e que a indústria regrediu na mesma base de comparação. Nota-se, além disso, que a situação na indústria de transformação piorou entre o primeiro e o quarto tri-mestres de 2012, com ampliação da queda, de -4,4 p.p para -5,9 p.p, em relação ao terceiro trimestre de 2008.

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Gráfico 7. diferença entre o Patamar dos índices (com ajuste sazonal) do terceiro trimestre de

2008 e os trimestres de 2012 (em Pontos Percentuais)

- 2,3

3,1

10,5

- 4,4

9,9 10,58,0

16,3

9,1 8,6

4,7

35,3

- 0,1

2,0

9,6

- 5,9

11,6 10,89,3

19,7

11,2

6,1 5,9

34,8

-10,0

- 5,0

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

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ões

I/2012 II/2012 III/ 2012 IV/2012

Fonte: Contas Nacionais, IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

A fonte de dinamismo da economia brasileira é o consumo das famílias, cujo patamar, hoje, está 19,7 p.p. acima do observado no terceiro trimestre de 2008. Essa expansão impulsionou o setor de serviços e o comércio, que também se situ-aram em nível superior ao verificado em 2008 (respectivamente, 11,6 p.p e 10,8 p.p). Já a formação de capital fixo perdeu dinamismo ao longo do ano e terminou o quarto trimestre de 2012 com um patamar de apenas 6,1 p.p. acima do inves-timento observado no período imediatamente antes da crise global. O consumo do governo destacou-se pela trajetória de expansão ao longo de 2012, situando-se em um nível 11,2 p.p. acima na mesma base de comparação.

A posição do setor externo mostra que parcela considerável do acréscimo da demanda doméstica continuou “vazando” para o exterior em 2012 e que houve expressiva redução da competitividade da produção nacional. Essas perdas podem ser observadas pela discrepância entre o patamar das importações e das expor-tações de bens e serviços entre o terceiro trimestre de 2008 e o ano de 2012. Com relação às importações de bens e serviços, como já foi pontuado, nota-se expressivo aumento do seu grau de penetração na estrutura produtiva do país, e o seu patamar está, no quarto trimestre de 2012, 34,8 p.p. acima do observado no período pré-crise de 2008 (terceiro trimestre). Do lado das exportações, a situação é outra: o seu nível se situou apenas 1,9 p.p. acima do verificado no terceiro tri-mestre de 2008, elevando-se para 5,9 p.p. no final de 2012, período no qual o real se depreciou. Apesar de a desvalorização ter melhorado o faturamento e a lucrati-

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vidade das empresas exportadoras, o baixo crescimento das economias avançadas e a desaceleração das economias emergentes ainda estão inibindo a retomada do quantum das exportações brasileiras.

Outro modo de ver como esse perfil – centrado no consumo doméstico e com maior participação das importações, baixo investimento e desaceleração nas exportações – está afetando a economia brasileira é comparar o seu desempenho recente no cenário mundial. O Gráfico 8 mostra a variação anual do PIB de um importante conjunto de países avançados e emergentes. Percebe-se um movimen-to geral de desaceleração entre 2011 e 2012, com algumas exceções (México, EUA, Japão e Austrália). Todavia, a posição da economia brasileira é preocupante, uma vez que o seu desempenho só foi superior ao de países da zona do euro que, na sua maioria, estão em recessão.

Gráfico 8. variação Percentual interanual do Pib de um conjunto de Países avançados e

emerGentes – 2011 e 2012

-8,0 -6,0 -4,0 -2,0 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 12,0

GréciaPortugal

ItáliaEspanha

Zona do EuroFrança

InglaterraAlemanha

BrasilCanada

JapãoCoreia do Sul

EUAÁfrica do Sul

TurquiaAustrália

RússiaMéxico

ÍndiaChile

IndonesiaChina

2012 2011

Fonte: Bloomberg. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Considerações finais

O olhar pelo retrovisor evidencia que a economia brasileira conseguiu pas-sar relativamente bem pela primeira fase da crise econômica global do final de 2008; as medidas tomadas pela política econômica para incentivar o consumo, a redução, embora tardia, da taxa básica de juros (Selic) e o papel ativo dos bancos públicos na oferta de crédito com prazos e juros em melhores condições con-

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Page 187: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

seguiram ativar, até meados de 2010, o consumo doméstico e o investimento produtivo. A eclosão da segunda fase da crise mundial, na passagem do primeiro para o segundo semestre de 2011, com o surgimento dos problemas das dívidas soberanas de um conjunto de país da zona do euro, atingiu a economia brasileira em um período difícil em que fatores internos agiam minando a competitividade, especialmente a da indústria aqui instalada.

O contínuo “vazamento” da demanda doméstica para o exterior, no biênio 2011/2012, combinado com o ciclo de baixa do investimento produtivo, gerou questionamentos sobre a sustentabilidade desse padrão de crescimento centrado exclusivamente no consumo doméstico. O principal argumento levantado é que nos últimos anos o potencial de expansão do Brasil diminuiu, dado o baixo pa-tamar de imobilização em ativos produtivos e a falta de investimento em infraes-trutura econômica.

De certo modo, há um grau de verdade nessa análise: notam-se deficiências na composição do gasto público, que privilegia a despesa corrente e não conse-gue destravar a modernização da infraestrutura. Todavia, isso não quer dizer que o país esteja passando por um esgotamento estrutural do modelo centrado no consumo. O Brasil dependerá da contribuição do consumo das famílias, cada vez mais em linha com o respeito ao meio ambiente, para alcançar padrões de expansão e crescimento mais sustentáveis. Além disso, o fraco crescimento dos últimos anos caracteriza-se por ser uma fase de baixa do ciclo econômico, espe-cificamente uma desaceleração mais acentuada do investimento produtivo em relação ao consumo das famílias; porém, esses dois componentes da demanda agregada cresceram após a crise global de 2008 e estão em patamares superiores quando comparados aos do início dos anos 2000.

A questão importante a ser discutida é: qual inserção na economia global o Brasil pretende ter nos próximos anos? Para responder essa indagação é preciso ter claro o que está acontecendo hoje na economia mundial. De fato, há uma alteração estrutural em andamento com a ascensão da China e de países do leste asiático. Até então, os países desenvolvidos compravam matérias-primas a preços baratos e colocavam no mercado produtos manufaturados a preços que geravam elevada margem de lucro, especialmente às grandes multinacionais americanas e europeias. Agora, a situação se inverteu, e economias em desenvolvimento e aquelas mais atrasadas adquirem e produzem bens manufaturados a preços rela-tivamente reduzidos, e vendem commodities e matérias-primas a preços elevados. Parcela considerável dessas empresas, que atuam hoje em dia nas economias em desenvolvimento, tem sede nas economias centrais, reflexo do processo de in-

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ternacionalização das grandes corporações, que se deslocaram para essas regiões devido às melhores condições locais de competitividade.

Diante desse novo padrão, o Brasil – país heterogêneo com um grande merca-do interno consumidor de bens e serviços e que mistura, na sua estrutura produti-va, indústria, produção mineral e agronegócio de alta produtividade – sofre efeitos contraditórios. Obtém vantagens na balança comercial de produtos básicos, o que reduz a vulnerabilidade externa via fluxo de exportações de commodities, mas sofre as consequências do processo de valorização do real, que solapa a competitividade da indústria brasileira e estimula o consumo doméstico de bens importados. Mais grave, no entanto, o país permanece à margem dos centros mais avançados de produção tecnológica voltada aos setores industrial e de serviços (devido a fatores como o elevado custo Brasil, o menor grau de capacitação dos recursos humanos e a descontinuidade e pouco foco das políticas industriais).

Diante desse quadro de grande complexidade, é importante ver se a política econômica, nos seus aspectos micro e macro, está atuando no sentido de trilhar um caminho de recuperação da confiança dos empresários, tanto na capacidade do mercado interno de manter o seu dinamismo, como na recuperação dos mer-cados externos de bens de maior valor agregado. O resultado obtido até agora, medido pelo enorme esforço que o governo vem fazendo para estimular a econo-mia e para aumentar a sua competitividade, indica que o processo está no começo e dependerá, em última instância, do desenlace da crise da zona do euro e das suas consequências.

Nesse sentido, após a saída exitosa da crise global de 2008, o biênio 2011-2012 pode ser caracterizado como uma etapa de “transição inacabada”. A forte desaceleração do ritmo de crescimento é um dos reflexos desse processo. Transição por quê? De um lado, o Banco Central oscilou e mudou a forma de conduzir a política econômica, embora ainda no âmbito do sistema de metas de inflação; de outro, o governo federal abriu várias frentes de ação, que já implicaram mudanças em áreas sensíveis para o desenvolvimento do país, tais como: (i) impôs um novo modelo do setor elétrico, que procura baixar o preço da energia e, consequente-mente, do custo das empresas; (ii) mudou o discurso e aprofundou a proposta de um sistema de concessões no setor de transporte (rodovias, ferrovias e aeropor-tos); (iii) promoveu a competição no sistema financeiro via bancos públicos, para forçar o rebaixamento dos spreads bancários; (iv) implementou um novo sistema de incentivos no setor automobilístico, que premia componentes fabricados no Brasil (Inovar-Auto); e (v) lançou em 2013 (março) um novo sistema de incentivo à inovação (Inova-Empresa), com recursos da ordem de R$ 32 bilhões e duração

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de dois anos, por meio de editais por setores (petróleo e gás; etanol; energias reno-váveis; defesa e aeroespacial; saúde; e tecnologia da informação e comunicações), integrando os mecanismos já existentes para simplificar o acesso à inovação e descentralizar a demanda das pequenas empresas, dentre outras medidas.

Mas por que transição inacabada? Essas alterações representam uma guinada de 180º sem que o governo federal tivesse definido como esses novos elementos institucionais/operacionais se articulam em um projeto maior de desenvolvimen-to no médio e longo prazos, levando-se em conta que o contexto mundial conti-nuará muito difícil e muito competitivo nos próximos anos.

A despeito da menor vulnerabilidade externa do país, hoje, ancorada no eleva-do nível de reservas internacionais e na menor dívida externa, uma deterioração mais expressiva do cenário internacional pode reverter a perspectiva de crescimen-to econômico sustentado na gestão mais flexível do sistema de metas de inflação, em razão da quebra de confiança dos agentes nos parâmetros que guiam suas decisões. O canal que pode se manifestar com mais intensidade com o agrava-mento da crise será a retração da demanda externa. Porém, não é possível descar-tar pressões adicionais sobre a taxa de câmbio, fato que implicaria rebatimentos na inflação doméstica (cuja intensidade dependerá da evolução dos preços das commodities).

A força da política econômica para contra-arrestar esse cenário mais adverso, caso ele se confirme, está na coordenação das políticas monetária, cambial e fis-cal, apesar do fato de a diretriz fiscal ter sido, nos últimos anos, manter metas de superávit primário elevados, mesmo em períodos de forte retração da atividade econômica13. A sua fraqueza está na falta de articulação entre as atuais medidas do governo federal para enfrentar os problemas estruturais do país e a construção de um projeto de desenvolvimento nacional, que realmente dê segurança para as empresas, especialmente as industriais, iniciarem um novo e mais longo ciclo de investimento.

13. Essa postura do governo federal de manter as metas fiscais apertadas mesmo no cenário de baixo dina-mismo é discutida no artigo de Serrano e Summa (2012). Há uma análise crítica sobre o papel da política fiscal. Argumenta-se que diante da desaceleração da economia, em 2011, o governo flexibilizou a política monetária, mas manteve a política fiscal apertada com a hipótese de que a queda da taxa básica de juros depende da manutenção de um superávit primário elevado. Os autores avaliam que o ajuste fiscal em nada ajudou a reduzir o processo inflacionário em 2011 e, posteriormente ao longo de 2012, o mix de política econômica (manutenção do afrouxamento monetário, desvalorização cambial e política fiscal anticíclica sem comprometimento da meta fiscal) não impactou positivamente o investimento privado e proporcio-nou queda do investimento público. O artigo também faz uma avaliação crítica dos argumentos a favor do ajuste fiscal permanente nas suas versões de fluxos e de estoques.

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Cabe salientar que está em curso uma mudança de concepção sobre a ges-tão da política econômica, um modelo diferente de atuação do governo, com mecanismos mais abrangentes de ajuste nos preços-chave (juros e câmbio). Há clara vontade política de cortar custos no sistema econômico com o objetivo de dotar o país de maior competitividade por meio de: menores juros e spreads bancários; queda nos preços de energia elétrica; pacote de investimentos em infraestrutura; novas concessões em áreas estratégicas (aeroportos), dentre ou-tras iniciativas. Percebe-se também que nas fases de baixa do ciclo econômico há uma tendência a utilizar a política fiscal para estimular a demanda agregada (consumo e investimento) e a manter os programas sociais de transferência de renda, estratégia explicitada com mais ênfase pelas autoridades econômicas no final de 2012.

A consolidação desse modelo e a efetivação dos investimentos necessários à infraestrutura serão cruciais na construção de novas bases para o desenvolvimento do país. Um fator de risco é a reação da indústria nacional e os efeitos concretos das medidas governamentais de combate à perda de competitividade, os quais, embora na direção correta, são até agora pontuais, sem um arranjo mais estrutu-rante de longo prazo.

Do ponto de vista da política econômica, o regime de taxa de juros mais baixa e moeda doméstica desvalorizada em relação ao padrão anterior ainda não está totalmente consolidado e os seus impactos na atividade econômica ainda não apareceram de forma consistente. Somente a partir do último trimestre de 2012 e início de 2013, notam-se indicadores que sinalizaram a retomada do nível de atividade. Sem dizer que tal mudança gera ganhos e perdas entre os agentes econômicos e afeta, assim, a distribuição da renda na economia. De um lado, trabalhadores tentam elevar os salários nominais para compensar a perda de poder aquisitivo com a desvalorização do real e, de outro, as empresas necessitam redu-zir os custos de produção e elevar as margens de lucro, a fim de reativarem planos mais ousados de investimento e, assim, assumirem riscos no campo da inovação, por exemplo, sem o que o Brasil dificilmente entrará no rol dos países difusores de conhecimento e protagonistas da dinâmica econômica global.

Referências

ALMEIDA, Júlio Sergio G.; JACOB, Cláudio; NOVAIS, Luis Fernando. O de-sempenho econômico-financeiro das companhias abertas entre 2002-2007 e no ano de 2008. In: BIASOTO JR., G.; NOVAIS, L. F.; FREITAS, M. C. P.

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(Org.), Panorama das economias internacional e brasileira: dinâmica e impactos da crise global. São Paulo: Fundap, 2009. p. 172-197

SERRANO, Franklin; SUMMA, Ricardo. A desaceleração rudimentar da eco-nomia brasileira desde 2011. versão preliminar. (Texto para Discussão do IE/UFRJ). 2012. Disponível em: < http://franklinserrano.files.wordpress.com/2012/08/desacelerac3a7c3a3o_rudimentar__brasil_summa_serra-no_2012_28_0-8_2012.pdf >. Acesso em: 14 agosto 2013.

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Anexo estatístico

a economia brasileira no contexto da crise global 192

Page 193: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

cAPÍtuLo 6

indúStriA e PoLÍticA induStriAL no contexto PóS-criSe

Júlio Sergio goMeS de alMeida

luiS Fernando novaiS

O papel da indústria no desenvolvimento: o peso do setor industrial brasileiro na economia global

Vários estudos sobre o papel da indústria no desenvolvimento econômico já demonstraram com clareza que o setor tem a capacidade de multiplicar empregos de qualidade e apresenta rendimento médio maior do que o de outros setores. Os encadeamentos gerados a partir das decisões de criar novos produtos industriais e métodos produtivos estimulam serviços modernos, disseminam progresso técnico e proporcionam novos padrões de consumo. Países populosos que alcançaram níveis superiores de renda per capita passaram inequivocamente pela industriali-zação e ainda mantêm importante participação da indústria em suas economias.

Uma ideia em voga hoje é que há “natural” evolução da estrutura produtiva em países com renda em ascensão, na qual o setor de serviços possa vir a assu-mir a dianteira do crescimento econômico, no contexto em que os avanços da produtividade da indústria se espalhem pelos demais segmentos. Assim, o papel da indústria tenderia naturalmente a diminuir, ao serem suplantados estágios no processo de desenvolvimento econômico.

Esse raciocínio pode ser válido para algumas economias avançadas, como, por exemplo, os Estados Unidos e o Reino Unido, mas não é válido para o Brasil nem para muitos países emergentes, que ainda não atingiram o patamar de renda per capita dos países avançados1.

1. O relatório da Unctad (UNITED NATIONS..., 2002) discute a inserção dos países em desenvolvimento no comércio mundial e traça comparações com o processo de industrialização entre os países, diferencian-

a economia brasileira no contexto da crise global 193

Page 194: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

O National Accounts Main Aggregates Database da ONU homogeneizou os dados do PIB e do valor adicionado setorial de um abrangente número de países. Na última atualização, as informações da série histórica chegam até 2011 e estão em dólares (US$) constantes de 2005. O Gráfico 1 combina o crescimento médio anual do valor adicionado (VA) da indústria de transformação, entre 1970 e 2011 (eixo do x), e a variação (em pontos percentuais) do peso do VA da indústria de transformação no total do valor adicionado nesse período (eixo do y) para uma amostra de 31 importantes países avançados e emergentes com boa representati-vidade, da América Latina e da Ásia2.

Gráfico 1. crescimento industrial e Peso da indústria de transformação no valor adicionado total –1970 a 2011

CHINA

MALÁSIA

COREIA DO SUL

TAILÂNDIA

BRASIL

INDONÉSIA

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CRESCIMENTO MÉDIO ANUAL DO VA DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO ENTRE 1970 E 2011

SINGAPURA

Fonte: National Accounts Main Aggregates Database, da ONU. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.Nota: Dados em US$ a preços constantes de 2005.

De fato, a indústria se constituiu como a principal alavanca para o desenvolvi-mento em diversos países nas últimas quatro décadas. Fica evidente que, nesse lon-go período de avanço da globalização, o setor industrial se transformou na principal força motriz do crescimento econômico para a superação do subdesenvolvimento.

do mercados mais nobres (manufaturas de maior valor agregado) em relação à produção e às exportações de produtos básicos. Disponível em: < http://archive.unctad.org/Templates/webflyer.asp?docid=1966&intItemID=2510&lang=1&mode=highlights >

2. Este capítulo utilizou como base de referência um conjunto de estudos do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) voltados a uma agenda para o desenvolvimento brasileiro. Esses estudos foram reunidos na publicação Contribuições para uma agenda de desenvolvimento do Brasil (INSTITUTO DE ESTUDOS..., 2012). Ver: < http://retaguarda.iedi.org.br/midias/artigos/5088640611078c37.pdf >

a economia brasileira no contexto da crise global 194

Page 195: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

A análise dos dados permite observar que não houve diminuição da participa-ção da indústria de transformação na geração global de valor adicionado. Na média mundial, o valor adicionado da indústria de transformação no total da economia permaneceu praticamente constante, passando de 16,9%, em 1970, para 17,6%, em 2011 (a preços constantes em US$ de 2005) (Tabela 1A do Anexo ao final do arti-go). O crescimento de 3,1% ao ano do valor adicionado da indústria mundial nesse período e a manutenção de sua participação na agregação global de valor desabilitam a visão de que o setor já não tem capacidade de alavancar o crescimento mundial.

O fato de alguns países terem diminuído o peso da indústria em sua estru-tura produtiva relaciona-se mais às condições macroeconômicas específicas, à concorrência intercapitalista no contexto da globalização e às políticas nacionais de desenvolvimento. Mesmo nesses casos, essa diminuição não significa necessa-riamente perda do caráter indutor da indústria. Ao contrário, a relação entre a indústria de ponta, especialmente a do segmento de eletroeletrônica, e o setor de serviços mais sofisticado se acentuou nos últimos anos. Por exemplo, os produtos da Apple, como iPhones e iPads, são produtos industriais na medida em que são construídos em linhas de produção com insumos tipicamente da indústria, mas só ganham valor agregado quando associados a modernos softwares de gerencia-mento de informação e conexões de internet.

China, Indonésia, Coreia do Sul e Malásia obtiveram taxas de crescimento anual do VA industrial superiores a 8%, entre 1970 e 2011, e expressivas altas do peso da indústria de transformação na economia nacional. A participação do VA da indústria no total do valor adicionado desses países superou, em 2011, o patamar de 1970 em mais de 20 p.p. (Gráfico 1). Na Malásia, esse ganho foi um pouco menor: 14 p.p.

Há um subconjunto de países que também apresentou expansão anual média elevada (superior a 5%), mas com menor ganho em termos de participação da in-dústria de transformação no VA total: na faixa de 4 a 5 p.p. na Índia e Cingapura, de 8 p.p. na Turquia, e de 15 p.p. na Polônia. A Irlanda obteve crescimento médio anual de 6,3%, entre 1970 e 2011, e o VA da indústria aumentou 20,9 p.p. na estrutura produtiva do país.

Esse movimento global refletiu uma profunda reestruturação da indústria mun-dial. Observou-se uma tendência de deslocamento da atividade industrial para os países em desenvolvimento (PED), resultante das estratégias de internacionalização das cadeias produtivas e de valores das grandes multinacionais. A partir dos anos 1970, o cenário foi de acirramento da concorrência intra e intercapitalista, de maior instabilidade macroeconômica (com liberação crescente dos fluxos de comércio e de capital) e de menores taxas de crescimento nas economias maduras.

a economia brasileira no contexto da crise global 195

Page 196: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

Outro aspecto a ser considerado é a busca constante por ativos intangíveis e novos paradigmas tecnológicos que permitam ganhos monopolísticos às grandes corporações. A maior participação do complexo eletrônico na indústria global espelhou esse movimento ao longo do período. Nesse contexto, despontaram as economias asiáticas, particularmente a China, como líder regional da produção fabril (SARTI e HIRATUKA, 2010)3.

Da amostra de países aqui levantados, há um subconjunto que se situou no quadrante inferior esquerdo do Gráfico 1: trata-se dos países com crescimento médio anual do VA industrial abaixo de 5%, entre 1970 e 2011, e com manuten-ção ou perda de participação da indústria na agregação de valor na economia. O Brasil se inseriu nesse grupo com crescimento anual (3,3%) um pouco superior à média mundial e com redução do peso da indústria de transformação no cômpu-to da distribuição do VA total apurado, apesar de o país ainda ter baixa renda per capita. Na média, no período 1970-1980, a indústria de transformação brasileira respondia por 22,5% do total do valor adicionado no país; em 2011, esse percen-tual baixou para 16%, ou seja, 6,5 p.p. a menos4.

O desempenho do Brasil foi superior ao de todos os países desenvolvidos da amostra (EUA, França, Itália, Alemanha, Reino Unido, Japão e Espanha) no que-sito ritmo de crescimento, o que era de se esperar, dado o grau de maturidade dessas economias. Porém, em relação ao peso do VA da indústria, o país apresen-tou situação de maior perda, especialmente em relação aos EUA, Itália e Japão, que mantiveram, entre 1970 e 2011, praticamente a mesma participação do setor industrial no VA total.

Na comparação com os países da América Latina (Equador, Colômbia e o México), nota-se que os indicadores se situaram em nível superior ao do Brasil nas duas dimensões (crescimento médio anual e variação da participação do VA industrial no total). Os demais países da amostra (Argentina, Venezuela, Peru, Chile, África do Sul, Austrália, Portugal e Grécia) apresentaram ritmo de expan-são inferior ao do Brasil entre 1970 e 2011, mas somente os VAs das indústrias

3. Para uma discussão mais detalhada sobre o processo – causas e consequências – de internacionalização das grandes corporações mundiais, ver: Sarti e Hiratuka (2010). A publicação traz os resultados do projeto PIB (Perspectivas do Investimento no Brasil), coordenado pelos Institutos de Economia da UFRJ e da Unicamp.

4. A Tabela 1 do Apêndice traz o ranking de maiores participações do VA da indústria de transformação sobre o VA total. Em 1970, o Brasil ocupava a quinta colocação dentre os 31 países da amostra; em 2011, a colocação do Brasil caiu para a 17º posição. Cabe destacar, também, a evolução da Alemanha, que ocupava a primeira posição em 1970 (com 29,13%) caindo para o 11º lugar em 2010 (20,78%), na mesma base de comparação. A China saiu da 22º colocação em 1970, para o 1º lugar em 2011.

a economia brasileira no contexto da crise global 196

Page 197: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

chilena e australiana perderam mais peso na estrutura produtiva (-7,8 p.p. e -11,9 p.p. respectivamente), na comparação com o resultado obtido pela indústria de transformação brasileira.

No âmbito mundial – ou seja, considerada a participação do VA industrial no agregado global dos países acompanhados pela estatística da ONU –, a indústria brasileira vem perdendo peso relativo. Sua representatividade no valor adicionado da indústria de transformação mundial, que chegou a atingir 2,43%, em meados da década de 1980, caiu para 1,70%, em 2011 (Tabela 1).

tabela 1. ParticiPação do brasil no valor adicionado mundial (total e Por setor de atividade, Por

Períodos) – 1970 a 2011

Valor Adicionado

Total

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Pesca

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Média 1980-89 1,90 2,34 2,18 2,43 1,57 2,43 2,49 1,52

Média 1990-99 1,80 2,47 1,92 2,17 1,53 2,26 2,31 1,50

Média 2000-10 1,77 2,93 1,82 1,90 1,59 2,14 2,16 1,48

2008 1,81 3,07 1,82 1,80 1,66 2,28 2,16 1,50

2009 1,85 2,90 1,81 1,78 1,73 2,38 2,20 1,56

2010 1,89 3,03 1,83 1,76 1,90 2,40 2,35 1,57

2011 1,87 3,04 1,78 1,70 1,89 2,37 2,26 1,59

Fonte: National Accounts Main Aggregates Database, da ONU, Divisão de Estatística das Nações Unidas. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Nota: Dados em US$ a preços constantes de 2005.

A indústria brasileira não acompanhou o desenvolvimento observado em vá-rios países, como, por exemplo, China, Coreia do Sul e Cingapura e os NICs (países recentemente industrializados) da segunda geração (Indonésia, Malásia e Tailândia). Esses países trilharam um caminho de transformação da estrutu-ra produtiva. Inicialmente regiões exportadoras centradas em recursos naturais, passaram então a ter na manufatura diversificada a base das suas economias, cuja dinâmica incorporou a elevação da produtividade e a construção de setores inten-sivos em capital e tecnologia (INSTITUTO DE ESTUDOS..., 2013).

O único setor no Brasil que ampliou consistentemente sua participação no VA setorial global foi a agropecuária – de 1,98% na média da década de 1970 para 3,04% em 2011. O aumento da área plantada e a espetacular elevação da produ-tividade da agricultura, resultantes dos investimentos em pesquisa e desenvolvi-

a economia brasileira no contexto da crise global 197

Page 198: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

mento ao longo do período, que disponibilizaram novas tecnologias de produção, especialmente no caso da soja e do complexo sucroalcooleiro, determinaram o ganho de peso no agronegócio brasileiro no valor adicionado mundial.

No Brasil, o agronegócio exportador prosperou, dotando o país de importan-te capacidade de gerar recursos em moeda estrangeira, e consequentemente, de acumular reservas internacionais e, assim, reduzir a vulnerabilidade externa. A indústria brasileira alternou períodos de expansão significativa, claramente nos períodos de impulso do mercado doméstico no Plano Real (em 1994) e no ciclo expansivo pós 2003, que também contou com crescimento das exportações de manufaturados, com fases de baixa confiança, queda do investimento, retração das exportações e perda de competitividade como a observada na crise global em 2009 e no biênio 2011-2012.

Percebe-se, hoje, no Brasil, uma reprimarização da pauta exportadora, na me-dida em que o peso e a diversidade das exportações de bens manufaturados de maior valor agregado diminuíram de importância e as vendas externas de produtos primários cresceram sobremaneira. Ao lado desse movimento, observou-se também a alta contínua das importações substitutas da produção nacional, o que impôs à indústria brasileira um processo de desadensamento das cadeias produtivas.

Embora a queda da indústria de transformação brasileira no VA mundial e a redução de sua participação no PIB do país constituam sintomas de enfraqueci-mento e empobrecimento da industrialização brasileira (ou de desindustrialização relativa), a indústria nacional ainda mantém expressão em nível mundial. Ou seja, mesmo fragilizada e perdendo oportunidades, ela conserva uma estrutura di-versificada, que supre o dinâmico mercado doméstico, e se faz presente no “mapa industrial mundial”, sendo destino de investimento direto estrangeiro (IDE) e plataforma de produção de produtos globais, como é o caso do setor automobi-lístico e da indústria de alimentos (neste setor, os exemplos são a Ambev e a JBS, players mundiais).

Existem também situações que indicam problemas setoriais graves na indús-tria brasileira. Podem-se destacar três casos: (i) importantes setores do complexo eletroeletrônico e as suas cadeias intrassetoriais nunca tiveram papel relevante na industrialização e no posterior desenvolvimento do país, o que debilita a inserção do país nas cadeias produtivas de maior valor agregado na fase atual de globaliza-ção produtiva; (ii) o setor siderúrgico passa atualmente por dois constrangimen-tos: de um lado, há excesso de capacidade produtiva mundial e forte aumento dos estoques, o que afeta as exportações brasileiras, e, de outro, as empresas convivem com a chamada importação implícita de aço, isto é, o aço que está presente em

a economia brasileira no contexto da crise global 198

Page 199: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

máquinas e equipamentos, construções metálicas e automóveis importados, que cresceu significativamente nos últimos anos, afetando o produtor nacional. O terceiro exemplo setorial de desequilíbrios na estrutura industrial é (iii) o setor de química e petroquímica, cujos grandes projetos de investimento não conseguiram avançar dentro da programação inicial, como é o caso do Complexo Petroquími-co do Rio de Janeiro (Comperj), causando, em associação com o câmbio valori-zado, forte aumento das importações e, consequentemente, explosão do déficit comercial do setor, que atingiu o patamar de US$ 28 bilhões em 2012.

O Gráfico 2 traz as mesmas variáveis do gráfico anterior, com base nas infor-mações do National Accounts Main Aggregates Database da ONU, mas o corte temporal é mais recente, comparando-se os dados de 2005 com os de 2011. De modo geral, a crise financeira global, transfigurada em crise das dívidas soberanas de países da Europa, em 2011 e 2012, afetou sobremaneira o resultado da indús-tria, especialmente no caso de cinco países da zona do euro (Espanha, Grécia, Itá-lia, Portugal e França), que obtiveram queda do valor adicionado. Essa tendência foi seguida por mais três países (Canadá, Austrália e Reino Unido).

Gráfico 2. crescimento industrial e Peso da indústria de transformação no valor adicionado total

– 2005 a 2011

CHINA

SINGAPURA

MALÁSIA

COREIA DO SUL

TAILÂNDIA

BRASIL INDONÉSIA

ÍNDIA

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MUNDO

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-6,0

-5,0

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-4,0 -3,0 -2,0 -1,0 0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0 9,0 10,0 11,0 12,0 13,0

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CRESCIMENTO MÉDIO ANUAL DO VA DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO ENTRE 2005 E 2011

Fonte: = da ONU. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.Nota: Dados em US$ a preços constantes de 2005.

A despeito dos efeitos negativos do cenário global para a agregação de valor adicionado industrial, como visto acima, um conjunto de países asiáticos (Co-reia do Sul, China e Cingapura) e a Polônia (que não faz parte da zona do euro) conseguiram expandir, entre 2005 e 2011, o VA acima de 6% ao ano, em média,

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e ampliar a participação da indústria na composição de suas economias. Cabe destacar que houve redução do número de países com essa trajetória (de oito para quatro países, na comparação entre o quadrante superior à direita dos Gráficos 1 e 2), indicador de que encolheu o espaço da indústria de transformação no cenário internacional de desaceleração do comércio mundial5.

Corroborando essa perspectiva, a indústria brasileira, nesse período, se enqua-drou no grupo de países que apresentou baixo crescimento do VA e redução do peso da indústria na estrutura produtiva. Ademais, a posição do país se situou no limite inferior, com expansão anual do VA de apenas 1,7% e perda de participa-ção no total da ordem de 2,1 p.p. Esse resultado, abaixo da média mundial, só é superior ao da Venezuela, cuja indústria permaneceu praticamente estagnada en-tre 2005 e 2011. O preocupante, no caso brasileiro, é que esse desempenho se deu em um contexto de ampliação do mercado interno e da classe média, de melhoria dos indicadores do mercado de trabalho e de redução da desigualdade social.

A relação entre expansão industrial e crescimento econômico

Após a crise global de 2008, o desempenho recente da indústria de transforma-ção foi decepcionante. Os anos de 2011 e 2012 marcaram o aprofundamento da crise de competitividade da indústria brasileira. O patamar de produção industrial, no quarto trimestre de 2012, foi 5,9% inferior ao nível do terceiro trimestre de 2008 (período imediatamente anterior à eclosão da crise global) e seu déficit co-mercial explodiu, fatores que acenderam a luz vermelha no sentido de configurar uma situação de maior gravidade e risco de aprofundamento de perdas irreversíveis para a indústria nacional, em termos de mercados e de competitividade.

Outra forma de avaliar a importância da indústria de transformação na econo-mia brasileira é pela análise da evolução do PIB a cada trimestre. Tomando como referência a série de 80 trimestres (entre o primeiro trimestre de 1993 e o quarto trimestre de 2012) de crescimento do PIB do Brasil e da indústria de transforma-ção acumulados em quatro trimestres, torna-se inequívoca a associação entre o crescimento da indústria de transformação e a expansão do PIB. Constata-se que em apenas 18 trimestres o PIB teve um aumento superior a 5% em bases anuais.

5. A pior posição da indústria de transformação da Malásia e da Indonésia entre 2005 e 2011, na comparação com o resultado do período longo (1970-2011), pode estar refletindo o inicio da reversão do processo de deslocamento da atividade industrial para os países em desenvolvimento (PED) dentro das estratégias das grandes multinacionais, que agora estariam alterando a gestão de suas cadeias produtivas e de valores, dada a redução das vantagens comparativas em relação aos países de origem.

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Em todos esses trimestres, a indústria de transformação, excluindo-se o quarto trimestre de 2008, cresceu em percentuais próximos ou superiores a esse percen-tual. Em nove desses trimestres, a evolução da indústria situou-se entre 6% e 13% (Gráfico 3). Isso quer dizer que a obtenção de um crescimento mais elevado para a economia brasileira, entendido como a evolução de longo prazo da economia em bases superiores a 5% ao ano, requer um dinamismo ainda maior da indústria de transformação.

Gráfico 3. crescimento acumulado em quatro trimestres do Pib e da indústria de transformação –

1993 a 2012 (80 trimestres)

- 4,0

- 3,0

- 2,0

- 1,0

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

8,0

9,0

- 12,0 - 11,0 - 10,0 - 9,0 - 8,0 - 7,0 - 6,0 - 5,0 - 4,0 - 3,0 - 2,0 - 1,0 0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0 9,0 10,0 11,0 12,0 13,0

PRO

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BR

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(PIB

)

INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO

Fonte: Contas Nacionais, IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Não é por acaso, então, que os resultados do PIB em 2011 e 2012 foram tão ruins (respectivamente, 2,7% e 0,9%). A indústria de transformação permaneceu, na comparação do acumulado em quatro trimestres, estagnada em 2011 (+0,1%) e retraiu-se (-2,5%) em 2012, em relação aos anos anteriores. Ao menos três fatores atuaram para isso: (i) a prolongada diluição dos estoques formados na passagem de 2010 para 2011; (ii) o acirramento da concorrência externa no mercado doméstico, devido ao enfraquecimento das economias avançadas e, consequentemente, da redu-ção da demanda mundial por produtos made in Brasil; e (iii) a redução do ritmo de alta dos vetores que até então estavam impulsionando a demanda doméstica, quais sejam: a expansão do crédito, da ocupação e do rendimento do trabalho assalariado6.

O debate sobre as vicissitudes do padrão de crescimento econômico do Bra-sil deve considerar um ponto com grande atenção: para quem concebe que o

6. Para maiores detalhes da evolução do PIB, ver capítulo 5.

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dinamismo industrial se manteve limitado no passado e se mantém ainda mais restringido agora por uma valorização do câmbio, causado pelas exportações de produtos primários, o reerguimento do crescimento industrial do país esbarraria em enorme dificuldade, pois requereria alguma forma de bloquear a influência das commodities sobre a taxa de câmbio, como precondição para o desenvolvi-mento da indústria.

Situações como essa são conhecidas como “doença holandesa” e, do nosso ponto de vista, podem de fato ocorrer no caso de grande preponderância de uma riqueza mineral. Os recursos em dólares gerados, por exemplo, pela exploração do pré-sal brasileiro podem representar um desequilíbrio no mercado de divisas, caso sua utilização não for acompanhada de extremo cuidado. Mas não nos parece que a valorização do real, ocorrida até o final de 2012, que de fato limita o crescimen-to da indústria, tenha aí, pelo menos por enquanto, sua origem.

Uma interpretação mais correta seria que a desindustrialização relativa do Bra-sil é decorrente não das exportações de commodities, mas, sim, de fatores extraco-mércio exterior. Em outras palavras, não é o saldo comercial do agronegócio e da mineração que determinou a valorização da moeda, apesar do forte dinamismo do mercado internacional de produtos básicos até 2008.

As variações do valor da moeda nacional são condicionadas sobretudo por fatores financeiros e/ou por especulação com arbitragens no mercado futuro e não por fatores “reais” da economia. O diferencial de juros, que há muito tempo é excessivamente elevado, enseja as ondas de movimentos de capitais e de especu-lações com moedas em um contexto em que há ampla liquidez internacional – em grande parte decorrente da política de expansão monetária adotada pelos países centrais, especialmente nos EUA (quantitative easing) e na Europa.

Nesse sentido, não há oposição entre agricultura e indústria ou entre a eco-nomia industrial e a economia de commodities e muito menos a necessidade de o país optar por uma especialização pendente para um ou para o outro lado. O êxito simultâneo da indústria e dos demais setores é perfeitamente possível, claro, mantendo-se uma taxa de câmbio competitiva. A mudança na gestão da política econômica na direção de uma atitude mais pró-ativa na área cambial7, ou seja, a estratégia de não permitir um processo de apreciação como o ocorrido no passa-do recente e de manter esse preço-chave (taxa de câmbio) em um patamar mais favorável à indústria, é um dos elementos fundamentais para resgatar o papel da indústria no desenvolvimento do país.

7. Para uma análise detalhada sobre a política macroeconômica do governo Dilma em 2011 e 2012, ver capítulo 2.

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Hoje, a capacidade exportadora da indústria de transformação é declinante e isso afeta negativamente as cadeias produtivas, que perdem mercado e reduzem o investimento em ampliação da oferta. É sabido que as exportações de bens manu-faturados são importantes elos de difusão das inovações tecnológicas e de ganhos de produtividade.

Como destacou Kaldor (1994), as exportações industriais têm papel funda-mental na indução do crescimento da indústria nos estágios mais avançados de desenvolvimento8. Esse setor, por sua vez, é caracterizado pela capacidade de ino-var e pelos rendimentos crescentes de escala e, assim, pela capacidade de gerar valor agregado e ganhos de produtividade na própria indústria e na economia como um todo (as chamadas três leis de Kaldor9).

Como evidenciado pela experiência dos países asiáticos, cria-se um círculo virtuoso entre exportações industriais, crescimento da indústria, ganhos de va-lor agregado e de produtividade, crescimento da produção e do emprego, cresci-mento das exportações, e assim sucessivamente (Unctad, 2002). As exportações estimulam, simultaneamente, a introdução de inovações (para enfrentar a concor-rência, em geral mais acirrada, nos mercados externos) e, no caso de uma econo-mia como a brasileira, com um amplo mercado interno, reduzem a dependência das empresas em relação ao comportamento desse mercado e ajudam a financiar aquelas importações necessárias à complementaridade da matriz industrial e à inovação tecnológica do país.

A trajetória da indústria brasileira: do plano real à crise global

Descartando-se o ano de 2009, caracterizado pela aguda recessão devido aos efeitos da crise internacional, o desempenho médio da indústria brasileira tem sido muito baixo. O crescimento da produção industrial, nos quinze anos que vão de 1994 até 2008, foi, em média, de apenas 3,1% (Tabela 2). A indústria de transformação (+2,7%) puxou para baixo a evolução da indústria como um todo, enquanto a produção do setor extrativo, liderada por petróleo e minério de ferro, crescia 7,3%. Acompanhou o baixo crescimento médio uma ampli-

8. Segundo esse autor, nos estágios iniciais de crescimento, a agricultura seria a fonte autônoma de demanda da indústria e, nos estágios posteriores, as exportações.

9. Mais especificamente, as três leis de Kaldor são: (i) o crescimento da produção manufatureira gera cresci-mento do produto; (ii) o crescimento dessa produção gera crescimento da produtividade no setor indus-trial (também conhecida como Lei de Verdoorn); (iii) a taxa de crescimento do setor manufatureiro gera aumento de produtividade nos demais setores (THIRWALL, 2005).

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Page 204: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

tude muito curta dos ciclos industriais. O setor registrou taxas elevadas apenas em períodos breves, associadas a eventos notórios e “externos” à dinâmica in-dustrial.

Assim, em 1994, o crescimento industrial, que chegou a 7,6%, decorreu do estímulo à demanda doméstica proporcionada pelo Plano Real. Em 2000 e no-vamente em 2004, os aumentos pronunciados de 6,6% e 8,3%, respectivamente, corresponderam à saída de crises cambiais, como a ocorrida em 1999, e em 2002, diante das incertezas acerca das diretrizes econômicas do país com a eleição de Lula. O motor para a recuperação industrial, em ambos os casos, foi a desvalori-zação da moeda, o que elevou a capacidade de exportação do produto manufa-turado no Brasil. Em nenhum dos casos vistos acima o crescimento se sustentou, seja devido à frequente ocorrência de crises externas no período – sobretudo entre 1995/2001 –, seja devido ao aumento da inflação ou ao agravamento da situação das contas externas, ensejados pelo próprio crescimento econômico e combatidos com elevação das taxas de juros.

tabela 2. Produção industrial. variações anuais e médias Por Períodos (em %)

Período Geral Extrativa Indústria de

TransformaçãoBens de Capital

Bens Intermediários

Bens de Consumo

Bens Duráveis

Bens não Duráveis

1994 7,6 4,7 7,8 18,7 6,5 4,4 15,1 1,9

1995 1,8 3,3 1,7 0,3 0,2 6,2 14,5 4,2

1996 1,7 9,8 1,1 -14,1 2,9 5,3 11,2 3,7

1997 3,9 7,2 3,6 4,8 4,6 1,2 3,5 0,5

1998 -2,0 12,4 -3,3 -1,6 -0,7 -5,4 -19,6 -1,1

1999 -0,7 9,1 -1,6 -9,1 1,9 -2,8 -9,3 -1,2

2000 6,6 11,9 6,1 13,1 6,8 3,5 20,8 -0,4

2001 1,6 3,5 1,4 13,5 -0,1 1,2 -0,6 1,6

2002 2,4 10,7 1,5 -1,0 3,1 0,9 2,7 0,4

2003 0,1 4,7 -0,2 2,2 2,0 -2,7 3,0 -3,9

2004 8,3 4,3 8,5 19,7 7,4 7,3 21,8 4,0

2005 3,1 10,2 2,8 3,6 1,0 6,1 11,4 4,6

2006 2,8 7,4 2,6 5,7 2,1 3,3 5,8 2,7

2007 6,0 5,9 6,0 19,5 5,0 4,7 9,1 3,5

2008 3,1 3,8 3,1 14,3 1,5 1,9 3,8 1,4

Var. % média 1994-2008

3,1 7,3 2,7 6,0 2,9 2,3 6,2 1,5

2009 -7,4 -8,8 -7,3 -17,4 -8,8 -2,7 -6,4 -1,5

2010 10,5 13,4 10,3 20,9 11,4 6,4 10,3 5,3

2011 0,4 2,1 0,3 3,2 0,3 -0,4 -2,0 0,1

2012 -2,6 -0,4 -2,7 -11,8 -1,6 -0,8 -3,4 0,0

Fonte: Pesquisa Mensal da Indústria (PIM-PF) / IBGE.

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Talvez tão somente no período 2007/2008 (até o agravamento da crise interna-cional), a indústria brasileira tenha conhecido um crescimento forte e sustentado. As diferenças com relação aos padrões que vigoraram até então são notórias, a começar pelo fato de que em 2007, ano em que a produção industrial aumentou 6%, a retomada da expansão industrial não se apoiou na demanda de exportações, mas, sim, na demanda interna, movida pelo maior poder de compra da população, resultante do aumento da massa de rendimentos e do crédito para as famílias.

No ano seguinte, o crescimento médio baixou para 3,1%, fruto, exclusiva-mente, da crise internacional. Mas, nos três primeiros trimestres de 2008, antes, portanto, do impacto mais forte da crise sobre o setor, a indústria crescia 6,4%, a uma taxa acumulada em 12 meses, mostrando que fecharia o ano com uma pequena aceleração com relação a 2007 se não fosse o agravamento da crise inter-nacional com a falência do Lehman Brothers.

Convém ressaltar que uma dinâmica toda peculiar começava a se formar no biênio 2007/2008, capaz de dotar de maior autonomia o crescimento da indús-tria e da própria economia brasileira. Trata-se do grande impulso do setor de bens de capital, refletindo o que se apresentava como sendo um boom de investimentos que a economia não assistia há muito tempo. A indústria de bens de capital au-mentou sua produção em 19,5% e 14,3%, nos anos de 2007 e 2008 (Tabela 2).

A eclosão da crise financeira no terceiro trimestre de 2008, que se converteu em uma crise econômica global ao longo de 2009, modificou completamente esse cenário. A blindagem do país, dado o elevado nível de reservas internacionais, permitiu que a forte desvalorização do real observada após a falência do Lehman Brothers fosse rapidamente revertida: a taxa de câmbio (R$/US$) que chegou a R$ 2,42 no final de novembro de 2008 voltou para o patamar de R$ 1,78 no final do primeiro semestre de 2009. Isso significou que o canal de contágio da crise não foi via mercado de divisas, com pressões sobre o financiamento do balanço de pagamentos. Porém, essa valorização atingiu a competitividade da indústria de transformação em um cenário de acirramento da concorrência mundial.

De fato, a crise afetou fortemente as expectativas dos agentes econômicos: os empresários, especialmente os industriais, paralisaram os investimentos e demi-tiram grande número de empregados; os consumidores diminuíram o ritmo de compras e o sistema financeiro passou a não contar mais com fontes externas de funding e, assim, diminuiu a oferta de crédito. Nesse contexto, a produção física da indústria de transformação retraiu-se fortemente entre 2008 e 2009 (-7,3%). Todas as categorias de uso apresentaram queda, com destaques para os bens de capital (-17,4%) e os bens intermediários (-8,8%).

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A política econômica, no período, utilizou um leque de medidas para con-trarrestar a crise global. Destacaram-se a atuação ativa dos bancos públicos com carteira comercial (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil) e do BNDES, que restabeleceu a expansão do crédito10, as medidas anticíclicas11 de estímulo ao consumo e a manutenção da rede de proteção social representada pelos programas de transferência de renda.

A combinação dessas medidas com a baixa vulnerabilidade externa do país, com a formalização da força de trabalho e com a política de aumento real do salário mínimo proporcionou intenso crescimento econômico em 2010. O PIB cresceu 7,5% (recorde desde o ano de 1986) e a produção física da in-dústria de transformação avançou 10,3% entre 2009 e 2010. As categorias de uso de bens de capital e de bens intermediários, por sua vez, cresceram, respectivamente, 20,9% e 11,4%.

Cabe destacar a excepcionalidade da expansão do PIB e da produção indus-trial em 2010. Tal resultado deve ser interpretado dentro do contexto da crise e não garantiu um novo padrão de crescimento para a economia brasileira. A retomada do crescimento, em 2010, trouxe consigo um fator estrutural, qual seja, o aumento da penetração dos bens importados na economia brasileira e a perda de competitividade dos produtos nacionais no mercado externo e in-terno. Parte desse processo respondeu à expressiva valorização do real ocorrida entre o final de 2008 e 2010.

Concomitantemente à ocorrência desse fator, o cenário econômico doméstico e internacional se deteriorou em 2011 e em 2012 fazendo a economia reduzir bruscamente seu ritmo de crescimento12. A indústria de transformação brasileira protagonizou forte desaceleração: em 2011, a produção física permaneceu prati-camente estagnada (+0,3%); já em 2012, nota-se queda de 2,7 e expressiva redu-ção da produção de bens de capital (-11,8%).

Como parte do pano de fundo desse baixo desempenho da indústria brasi-leira, deve ser destacado o comportamento da produtividade industrial nos anos 2000. No período de seis anos compreendidos entre 2004 e 2009, o crescimento médio anual da produtividade do trabalho na indústria (relação entre produção física e horas pagas) foi de 2,3%. Salvo em ocasiões muito específicas e notabili-

10. A respeito da evolução do crédito entre 2008 e 2012, ver capítulo 4.11. Ver capítulos 2 e 6.12. Para detalhes sobre os efeitos da política econômica mais restritiva em 2011 e da deterioração do cená-

rio internacional, no segundo semestre de 2011 e em 2012 sobre a atividade econômica no Brasil, ver o capítulo 5 deste livro.

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Page 207: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

zadas por processos muito intensos de crescimento ou de declínio da produção – como no ano de 2004, no sentido ascendente, e 2009, no sentido oposto –, a produtividade evoluiu entre 2% e 4%. Esses percentuais, assim como a média de todo o período, podem ser considerados baixos e são impeditivos para proporcio-nar uma expansão mais sustentada da indústria.

Competitividade e o comércio exterior de produtos industriais

Um ponto importante a ser destacado no cenário da indústria é a evolução da competitividade do produto fabricado no Brasil. Antes mesmo da crise inter-nacional de 2008, as vendas externas desses bens industriais já vinham perdendo força, fato que demonstra a perda gradativa de competitividade mesmo em um quadro de intensa evolução do volume do comércio mundial. Avaliado em ter-mos de quantum de exportação, o quadro de variação da média em 12 meses das vendas externas do país, segundo os fatores agregados no mês que antecedeu o agravamento da crise internacional (agosto de 2008), pode ser resumido da se-guinte forma: o crescimento chegava a 3,8% para produtos básicos, 0,6% para bens semimanufaturados e de -1,5% para manufaturados (Gráfico 4). Após a crise e com a gradativa retomada do comércio mundial, cresceram as exportações brasileiras, mas foi notório o atraso no caso dos manufaturados. O ápice da ex-pansão do quantum das exportações de manufaturados foi o mês de dezembro de 2010 (+8,9%), no qual os produtos básicos cresceram 11,4%.

Gráfico 4. brasil. eXPortações – variação % do quantum acumulado em 12 meses,

Por fator aGreGado

-25,0

-20,0

-15,0

-10,0

-5,0

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

fev/

07

abr/0

7

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07

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09

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10

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0

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2

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12

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2

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12

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13

abr/1

3

jun/

13

ago/

13

Básicos Semimanufaturados ManufaturadosTotal das exportações

Fonte: Funcex. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

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No biênio 2011/2012, as condições do comércio mundial se deterioraram, em função do aprofundamento da crise da zona do euro e a lenta recuperação das economias avançadas. Nesse contexto, o quantum das exportações brasileiras desacelerou-se, atingindo crescimento zero no segundo semestre de 2012, e o pior desempenho (contração), ao longo desse período, ocorreu nos segmentos de bens semimanufaturados (-2,6%) e manufaturados (-0,3%).

A falta de competitividade da indústria de transformação pode ser ilustrada pelos resultados do comércio exterior em valores (US$ milhões FOB). Conjuga-da a um crescimento da economia mais forte nos anos de 2007 e 2008, antes do agravamento da crise externa, a perda de competitividade industrial se traduziu em rápida mudança de uma condição de saldo comercial confortável, na faixa de US$ 30 bilhões em 2006, para déficits de US$ 7,1 bilhões em 2008 e de US$ 8,3 bilhões em 2009. Em 2010, o déficit chegou a US$ 55,1 bilhões, o que revela um processo intenso e rápido de deterioração da competitividade do setor. Esse movimento se acentuou no biênio 2011 e 2012, quando o déficit da indústria de transformações atingiu o montante de US$ 78,5 bilhões e de US$ 70,1 bilhões, respectivamente (Gráfico 5).

Gráfico 5. brasil. balança comercial (em us$ milhões fob)

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Demais produtos 1.902 454 3.282 3.862 3.357 2.717 4.797 6.232 8.170 9.784 13.860 16.601 21.230 31.886 33.693 55.028 78.537 70.079

Bens ind. transf. -5.368 -6.053 -10.034 -10.485 -4.638 -3.437 -2.083 6.970 16.729 24.059 31.118 29.811 18.798 -7.141 -8.346 -34.761 -48.740 -50.648

Total -3.466 -5.599 -6.753 -6.624 -1.282 -720 2.714 13.202 24.899 33.843 44.978 46.412 40.028 24.746 25.347 20.267 29.796 19.431

-54.000-48.000-42.000-36.000-30.000-24.000-18.000-12.000

-6.0000

6.00012.00018.00024.00030.00036.00042.00048.00054.00060.00066.00072.00078.00084.000

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Essa transição da balança comercial da indústria de transformação foi liderada por bens de alta intensidade tecnológica13 – cujo déficit passou de cerca de US$ 12 bilhões, em 2006, para a faixa de US$ 29,3 bilhões, em 2012 – e os de média-

13. Para mais informações, ver capítulo 3.

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alta tecnologia, com o déficit passando de um valor muito baixo de US$ 0,9 bi-lhão para US$ 54,5 bilhões, em 2012.

Cabe destacar que o segmento de média-baixa tecnologia que, em 2006, apresentava superávit comercial da ordem de US$ 10,6 bilhões, também sofreu perda razoável de mercado e de competitividade, invertendo a tendência para um déficit de US$ 7,8 bilhões, em 2012. O único segmento da indústria que manteve alguma vantagem comparativa no comércio mundial foi o de baixa intensidade tecnológica. Nesse caso, o superávit comercial aumentou de US$ 31,9 bilhões, em 2006, para US$ 40, em 201214 (Gráfico 6).

Gráfico 6. brasil. Produtos da indústria de transformação Por intensidade tecnolóGica –

balança comercial (em us$ milhões fob)

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Baixa 8.810 9.692 9.742 9.266 11.003 11.281 14.220 15.371 19.859 25.200 28.723 31.924 34.762 39.599 32.935 38.867 42.917 40.905

Média -baixa 3.107 2.361 1.178 847 1.219 488 678 3.066 5.494 8.880 10.275 10.559 9.234 5.161 3.602 -8.203 -9.318 -7.774

Média -alta -10.240 -9.848 -12.060 -12.450 -10.015 -8.781 -10.752 -6.959 -3.370 -2.520 449 -899 -10.370 -30.242 -26.719 -39.263 -52.364 -54.491

Alta -7.045 -8.258 -8.894 -8.149 -6.846 -6.424 -6.229 -4.508 -5.254 -7.500 -8.328 -11.773 -14.828 -21.659 -18.164 -26.163 -29.976 -29.288

Prods. ind. transformação -5.368 -6.053 -10.034 -10.485 -4.638 -3.437 -2.083 6.970 16.729 24.059 31.118 29.811 18.798 -7.141 -8.346 -34.761 -48.740 -50.648

-96.000-90.000-84.000-78.000-72.000-66.000-60.000-54.000-48.000-42.000-36.000-30.000-24.000-18.000-12.000

-6.0000

6.00012.00018.00024.00030.00036.00042.00048.000

Baixa Média-baixa Média-alta Alta Prods. ind. transformação

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Esse quadro de deterioração da balança comercial da indústria brasileira, por si só, é grave, na medida em que daí decorre um crescente desequilíbrio das contas externas do país. Em parte, esse desequilíbrio foi mitigado até 2010 pela evolução

14. A agregação da balança comercial por intensidade tecnológica tem a seguinte composição: Indústria de alta tecnologia: Aeronáutica e aeroespacial; Farmacêutica; Material de escritório e informática; Equi-pamentos de rádio, TV e comunicação; Instrumentos médicos de ótica e precisão. Indústria de média-alta tecnologia: Máquinas e equipamentos elétricos; Veículos automotores, reboques e semirreboques; Produtos químicos, excl. farmacêuticos; Equipamentos para ferrovia e material de transporte; Máquinas e equipamentos mecânicos. Indústria de média-baixa tecnologia: Construção e reparação naval; Borra-cha e produtos plásticos; Carvão, produtos de petróleo refinado e combustível nuclear; Outros produtos minerais não metálicos; Produtos metálicos. Indústria de baixa tecnologia: Produtos manufaturados n.e. e bens reciclados; Madeira e seus produtos, papel e celulose; Alimentos, bebidas e tabaco; Têxteis, couro e calçados.

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positiva dos preços e do quantum das exportações de commodities, em um contex-to de demanda ainda favorável por parte da China.

A partir de 2011, a lenta e incerta recuperação das economias avançadas, o menor ritmo de expansão da China e a perspectiva de a economia brasileira se expandir quase que exclusivamente pelo dinamismo do mercado interno compu-seram um cenário que introduziu um vetor redutor do crescimento da indústria local – fato que expôs, de modo evidente, o momento de dificuldade do modelo de crescimento do país.

De um lado, a alta do mercado consumidor doméstico estimulou a impor-tação de bens de consumo e de matérias-primas, dadas as condições macroeco-nômicas favoráveis (real valorizado). De outro, a indústria brasileira retardou os investimentos em ampliação da capacidade produtiva diante da conjuntura de menor demanda externa, maior concorrência global, e perda de competitividade no mercado interno. E, por fim, o setor de serviços, que, no auge da crise de 2008, sustentou a expansão do PIB, não conseguiu recuperar taxas de cresci-mento na faixa entre 5% e 6% do período pré-crise, devido, em parte, ao menor dinamismo do mercado de trabalho15. Ao contrário, a média de expansão do setor de serviços no biênio 2011-2012 foi de apenas 1,8%.

Breve retrospecto das políticas industriais dos anos 2000

O tema da política industrial (PI) no debate econômico é vasto e polêmico. As visões de cunho mais liberal aceitam a adoção de uma política industrial com o objetivo de corrigir falhas de mercado e imperfeições nas informações dos agentes econômicos. Dessa perspectiva, a PI compreende medidas horizontais e reativas, que procuram levar a economia de volta a um novo ponto de equilíbrio ótimo. A ressalva, para a adoção ou não das políticas industriais, no âmbito desse arcabou-ço teórico, diz respeito às falhas de governo e ao rent-seeking, ou seja, quando os custos dessas falhas forem superiores aos benefícios da PI, não é recomendado que se adotem medidas de política industrial.

Outras correntes de pensamento econômico de caráter mais heterodoxo ado-tam a perspectiva de uma PI abrangente e focada em setores ou atividades indus-triais indutoras de avanços tecnológicos, além de medidas que alterem o ambiente econômico/institucional no qual atuam as empresas e as cadeias industriais. Nessa concepção, são utilizados conceitos schumpeterianos e evolucionistas, em que se

15. Sobre a evolução do mercado de trabalho brasileiro no período pós-crise, ver capítulo 7.

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descartam as hipóteses de equilíbrio geral, com a adoção de pressupostos mais realistas em relação ao comportamento dos agentes econômicos (racionalidade li-mitada e condicionada pelo grau de conhecimento tácito das empresas), se aponta o papel estratégico da inovação no desenvolvimento econômico, bem como se trabalha com a ideia de formação de um sistema nacional de inovação (SUZI-GAN e FURTADO, 2006).

A política industrial brasileira dos últimos anos foi na direção dessa última concepção e oscilou entre dois tipos de estratégias: a de priorizar setores de alta tecnologia e a de escolha de campeões nacionais em setores com vantagens com-parativas, como agroindústria, siderurgia e mineração, além dos setores que, em virtude da forte concorrência estrangeira, vinham sendo fortemente prejudica-dos, tais como, têxtil, calçados e mobiliário. Em fevereiro de 2005, o governo, por meio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, lançou oficialmente a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce), a partir de diretrizes divulgadas em 2003. Cabe ressaltar o mérito da decisão de recolocar a questão da necessidade de se ter uma política industrial no país.

A Pitce, que se insere na primeira das estratégias mencionadas, deu ênfase à promoção das exportações, acoplada a políticas comerciais promovidas por uma diplomacia mais atuante. Três eixos foram definidos: (i) incentivos a setores estra-tégicos (bens de capital, software, semicondutores, fármacos e medicamentos), por meio de programas específicos; (ii) ações horizontais para estimular a inovação e o desenvolvimento tecnológico, a inserção externa via exportações e a modernização industrial e do ambiente institucional – por meio de programas de incentivo à pe-quena empresa combinados em Arranjos Produtivos Locais (APLs), do estímulo à internacionalização de empresas e da desoneração do investimento produtivo –; e, (iii) priorização de três áreas “portadoras de futuro” (biotecnologia, nanotecnologia e energias renováveis) para o desenvolvimento tecnológico nacional.

Com vistas a articular os instrumentos e as medidas necessárias para a efetivação da política industrial, foram criados, no início de 2005, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI)16 e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), para atuar como seu braço executivo. Todavia, a capacidade de coordenação da política industrial ficou comprometida pelo formato institucional da ABDI, cuja criação seguiu a lógica de serviço social autônomo e integrante do

16. O CNDI é presidido pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e composto de 12 ministros, pelo presidente do BNDES e representantes das empresas e dos trabalhadores.

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“Sistema S”17. Por estar fora da estrutura governamental, a ABDI não teve poder convocatório sobre as instituições governamentais, o que inviabilizou a articulação dos mecanismos e instrumentos, bem como dos agentes beneficiários do processo, como corretamente assinalaram Suzigan e Furtado (2010) e Almeida (2009)18.

Outra crítica endereçada à Pitce diz respeito às políticas horizontais, em ra-zão da ausência de clareza e de objetivos mais articulados aos demais setores, especialmente aqueles segmentos mais intensivos em mão de obra. Essas críticas, segundo Almeida (2009), podem ter influenciado a decisão do governo de lançar, em 2008, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP). Na linha de maior pragmatismo, o governo optou por estabelecer metas para 201019 com o objetivo de mostrar o sentido e o alcance da PDP, criar novos elementos de coordenação das expectativas na economia brasileira e permitir o acompanhamento dos resul-tados da política.

As metas do PDP eram, contudo, de curto prazo e não exprimiam de modo adequado o sucesso ou o fracasso da política industrial. A alta da participação das exportações brasileiras no comércio mundial, por exemplo, pode refletir a expan-são de setores que já têm vantagens comparativas, como é o caso das commodities e produtos de menor sofisticação – fato que vem acontecendo nos últimos anos na pauta da balança comercial brasileira. Isso significa que os efeitos desejados da PDP não foram alcançados no sentido de alterar a composição da produção industrial e aumentar as exportações de maior valor agregado.

Uma crítica de cunho mais geral ao PDP refere-se à ausência de mecanismos de reciprocidade, ou seja, de contrapartes dos grupos/empresas que receberam os benefícios, nos moldes dos adotados na Coreia do Sul. No Brasil, as metas foram definidas para os setores (por exemplo: valor de gasto em P&D, valor das expor-tações e patamar de investimentos), mas são os grupos privados individuais que

17. Nome pelo qual é conhecido o conjunto de instituições de interesse de categorias profissionais. Compre-ende 11 instituições, como Sesc, Senac, Senai, Sesi e Sebrae, dentre outras.

18. De acordo com esses autores, nesse arranjo de política industrial, o planejamento e a coordenação ex-ante das ações tornou-se difusa e se perdeu na teia de relações entre os ministérios. Assim, a colaboração entre as empresas privadas e os organismos públicos fica a desejar e compromete o alcance das metas programadas.

19. As principais metas do PDP eram as seguintes: (i) aumento da taxa de investimento da economia bra-sileira de 17,6% do produto interno bruto – PIB (R$ 450 bilhões) em 2007 para 21% do PIB (R$ 620 bilhões) em 2010; (ii) elevação do gasto privado em P&D de 0,51% do PIB (R$ 11,5 bilhões) em 2005 para 0,65% do PIB (R$ 18,2 bilhões) em 2010; (iii) ampliação da participação das exportações brasileiras nas exportações mundiais de 1,18% (US$ 160 bilhões) em 2007 para 1,25% (US$ 208,8 bilhões) em 2010; (iv) crescimento do número de micro e pequenas empresas (MPE) exportadoras em 10% em relação ao número de MPEs exportadoras de 2006 (11.792 empresas). Para uma avaliação crítica de cada uma dessas metas, ver Almeida (2009).

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recebem os incentivos oferecidos. Independentemente da falta de exigências de reciprocidades, a formulação de metas setoriais baliza as empresas/grupos líderes, que, ao receberem benefícios, se desenvolvem de forma mais competitiva gerando efeitos benéficos intra e intersetorialmente.

Dentro das diretrizes da PDP, a segunda estratégia de política industrial acima mencionada está consubstanciada no objetivo de internacionalizar as grandes em-presas nacionais com competitividade comprovada no mercado internacional. O BNDES e os fundos de pensão são os principais agentes públicos nesse processo, como fornecedores de empréstimos e/ou aumento da participação acionária, que viabilizam a expansão desses grupos econômicos mediante aquisições e fusões. Alguns grupos se destacaram nesse movimento: Bertin, JBS/Friboi, Brasil Foods, EBX, WEG, Totvs, Stefaninni.

De um lado, percebe-se certo grau de incompatibilidade dessa estratégia com o desejo de incentivar setores mais intensivos em tecnologia, na medida em que se fortalece o padrão de inserção internacional do Brasil em produtos de menor valor agregado, como é o caso especialmente das empresas voltadas ao setor de alimentos. De outro lado, cabe mencionar que dentro da lógica da globalização produtiva, justifica-se o fortalecimento de grandes grupos líderes nacionais em setores nos quais a competitividade é elevada. A ideia que está por trás dessa afirmação é a de que quanto maior for a participação das empresas na cadeia produtiva, também maior será o ganho obtido por essas empresas na participação do comércio mundial.

Esse modelo de política industrial que incentiva a criação de “grandes multi-nacionais brasileiras” pode, igualmente, ter o efeito adverso de ampliar a concen-tração das cadeias de produção domésticas. Isso porque, ao trazer para dentro do país a lógica de competição global das empresas estrangeiras, esses grandes grupos reduzem o poder de barganha de seus fornecedores nacionais.

A mudança do cenário mundial em 2011 e 2012, com o aprofundamento da crise da dívida soberana dos países da zona do euro e seus impactos negativos na economia brasileira, especialmente na indústria de transformação, influenciou o governo federal no sentido de aprofundar a política industrial. Por meio de um documento inicial de referência, o governo lançou o Programa Brasil Maior (PBM), em agosto de 2011. Os incentivos programados foram organizados em medidas legais divulgadas em abril de 201220.

20. Ver documento inicial no site: < http://www.brasilmaior.mdic.gov.br/wp-content/uploads/cartilha_bra-silmaior.pdf; ver documento da fase 1 do PMB no site: http://www.brasilmaior.mdic.gov.br/publicacao/recursos/arquivos/biblioteca/pbm2_medidas_03_abril_2012_revisado_13abril.pdf >

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O pacote anunciado em abril de 2012 procurou articular objetivos conjun-turais e estruturais. Medidas conjunturais visaram a dar aos setores mais afetados pela crise da indústria capacidade de defesa ou de reação diante da concorrência do produto importado. Como se sabe, o impasse vivido pela indústria reflete fatores tanto internos – baixo crescimento da produtividade, custos sistêmicos elevados e moeda sobrevalorizada – como externos, fatores que levaram a uma redobrada disputa por mercados escassos ao redor do mundo por parte das po-tências industriais.

Diante da velocidade do processo de penetração do produto importado no mercado brasileiro, tornou-se indispensável a adoção de medidas compensatórias para minimizar o impacto na produção doméstica, enquanto ações de maior al-cance não surtiam efeito. Os países em condição semelhante à do Brasil normal-mente adotaram medidas dessa natureza para amortecer o impacto da crise, ainda que temporariamente, e, assim, permitir que os setores mais atingidos adotassem novas estratégias empresariais e promovessem ajustes na produção, na produtivi-dade e no emprego.

O “pacote” adotado no âmbito do Programa Brasil Maior atuou nessa dire-ção ao tomar medidas de aperfeiçoamento da defesa comercial (maior controle e vigilância das importações irregulares), ampliação do crédito a juros favorecidos do BNDES e postergação de pagamento de impostos dos setores mais atingidos (os setores de autopeças, têxtil, confecções, calçados e móveis tiveram prazo até novembro e dezembro de 2012 para recolher o PIS/Cofins de abril e maio).

A desoneração da folha21 de salários se inseriu nesse contexto, mas o alcance previsto seria maior. Não é particularmente expressivo o benefício de redução do recolhimento empresarial ao INSS na passagem da base “folha de salários” para a base “faturamento”, mas a mudança permitiu que o recolhimento fosse excluído das exportações e incluído nos impostos cobrados na importação. Colabora, por-tanto, para a isonomia tributária entre a produção realizada no país e no estran-geiro, o que tende a dar maior igualdade de condições com o produto importado, embora a avaliação é que seja de pequena magnitude diante do enorme diferencial de custos que se acumulou contra o produto nacional.

Outras ações contribuíram mais com a mudança estrutural. Isenções de im-postos para a produção nacional de bens de tecnologia de informação e comu-nicações devem outorgar impulso a esse segmento inovador e disseminador de

21. A chamada “desoneração da folha” consistiu em eliminar a contribuição previdenciária de 20% sobre a folha para empresas de 15 setores industriais e instituir o recolhimento de um valor correspondente entre 1% a 2% sobre o faturamento líquido (dependendo do setor) para o INSS.

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ganhos de produtividade. As medidas que beneficiam a produção de equipamen-tos de telecomunicações, bens e serviços utilizados na infraestrutura de internet em banda larga, computadores portáteis e semicondutores têm maiores chances de obter êxito, porque vêm acopladas a programas governamentais de grande envergadura, tais como o Programa Nacional de Banda Larga e o programa “Um Computador por Aluno” (reeditado para vigorar até 2015).

Para alguns segmentos, o governo definiu margens de preferência de preços em concorrências públicas, beneficiando a produção local e definindo prazos para o benefício. Por exemplo, para medicamentos, a margem estabelecida foi de 8%; para fármacos, 20%; e para biofármacos, 25%, valendo por até cinco anos. Para retroescavadeiras e motoniveladoras, as margens vigorarão até 2015 e foram es-tabelecidas em 18% e 20%, respectivamente. Em fevereiro de 2013, foi editado o Decreto n. 7.903, que estabeleceu margem de preferência de 15% para bens e equipamentos destinados ao PNBL22.

Finalmente, o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores (Inovar-Auto) compôs o novo re-gime automotivo proposto pelo governo federal no Decreto n. 7.819, de outubro de 2012. O programa, com duração até dezembro de 2017, pretende estimular a pesquisa para produção de veículos mais modernos, seguros e benéficos ao meio ambiente. Dentre outros estímulos está o crédito sobre o recolhimento do Im-posto sobre Produtos Industrializados (IPI). Esse desconto é concedido com base nos gastos das empresas com pesquisa, desenvolvimento, tecnologia, insumos, ferramentas e capacitação de fornecedores. Uma das principais metas previstas no decreto para habilitação ao Inovar-Auto é a de eficiência energética para auto-móveis e veículos comerciais leves movidos a gasolina e/ou etanol. Pelo decreto, a média dos veículos dos beneficiários do regime comercializados a partir de 2017 terá de consumir 12,08% menos combustível do que atualmente.

22. A portaria dos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Desenvolvimento, Indús-tria e Comércio Exterior (MDIC) regulamenta a margem de preferência adicional para equipamentos de tecnologias da informação e comunicação que tenham sido desenvolvidos, a ser utilizada em licitações realizadas pela administração pública federal, de acordo com os requisitos e critérios estabelecidos na Portaria MCT n. 950/2006. Quando aplicada, a alíquota adicional de 10% eleva para 25% a margem de preferência. Para produtos com PPB (Processo Produtivo Básico), essa margem é de 15%. De acordo com o Decreto n. 7.903/2013, que regulamentou o benefício à produção nacional, a margem de preferência adicional precisaria atender a requisitos e critérios definidos em ato conjunto dos dois ministérios. No do-cumento, fica estabelecido que a fabricante deverá requerer à Secretaria de Política de Informática (Sepin), do MCTI, e à Secretaria do Desenvolvimento da Produção (SDP), do MDIC, o reconhecimento da con-dição de produto manufaturado nacional desenvolvido no país, que será comprovado mediante portaria.

a economia brasileira no contexto da crise global 215

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O desenrolar da crise da indústria brasileira atropelou a implementação das medidas do Programa Brasil Maior – como havia ocorrido no caso da PDP, devido à crise financeira internacional. A rápida deterioração das condições de competitividade levou, em novembro de 2012, o governo federal a ampliar o PBM, demarcando uma nova fase23. As principais medidas foram na direção de: (i) adicionar 25 novos setores na desoneração da folha de pagamentos, inclusive o setor de varejo; (ii) criar o programa de fomento à Inovação na Cadeia de Pe-tróleo e Gás Natural (Inova Petro – Plano Conjunto BNDES-Finep-Petrobras); (iii) prorrogar o prazo do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) até 31/12/2013, com novo aporte de recursos de R$45 bilhões do Tesouro para o BNDES; (iv) instituir o Reintegra, que possibilita a restituição/compensação de créditos tributários residuais nas cadeias produtivas para exportações; (v) reduzir para 50% o percentual que caracteriza empresa preponderantemente exportadora e, assim, ampliar o universo de empresas com benefício de suspensão de IPI, PIS e Cofins sobre aquisição de insumos.

Com o objetivo de elevar a competitividade das empresas brasileiras, foi lançado, em março de 2013, um novo programa de incentivo à inovação (Inova-empresa), com recursos da ordem de R$ 32,9 bilhões e duração de dois anos (2013 e 2014). Por meio de editais setoriais (petróleo e gás, etanol, energias renováveis, defesa e aeroespacial, saúde e tecnologia da informação e comunicações), integrou os meca-nismos já existentes para simplificar o acesso à inovação e descentralizar a demanda das pequenas empresas. O programa apresenta quatro linhas de financiamento a atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I): subvenção econômica a empresas (R$ 1,2 bilhão); fomento de projetos em parceria entre instituições de pesquisa e empresas (R$ 4,2 bilhões); participação acionária em empresas de base tecnológica (R$ 2,2 bilhões) e crédito para empresas. Esta última, com disponibi-lidade de R$ 20,9 bilhões, oferecerá empréstimos com taxas de juros subsidiadas (2,5% a 5% ao ano), quatro anos de carência e 12 anos para pagamento.

Conclusões

Ao longo do capítulo, defendeu-se a tese da importância da indústria para o desenvolvimento do Brasil. Não só de uma indústria fornecedora de bens de consumo para o mercado doméstico, mas de uma estrutura produtiva capaz de concorrer no mercado internacional. Visualiza-se um setor industrial estimulado

23. Para detalhamento das medidas ver: http://www.brasilmaior.mdic.gov.br/images/data/201211/2f197bbf4dfd7e05c57703fd75673ec2.pdf

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a inovar e exportar dentro das principais cadeias de valor hoje presentes na eco-nomia mundial. Ideal quase unânime dos diagnósticos sobre o futuro do setor no Brasil, porém de difícil realização, como ficou demonstrado neste trabalho, pelo fraco e oscilante desempenho recente da indústria de transformação e pela baixa eficácia das políticas industriais.

Diferentemente do padrão das últimas três décadas do século passado, quan-do se observou uma trajetória de reconfiguração da indústria mundial, com a transferência da atividade industrial para os países em desenvolvimento (PED), hoje o perfil de desempenho das principais economias na saída da crise global indica um processo com outros determinantes. De um lado, é alta a probabi-lidade de os EUA entrarem em um processo de reindustrialização centrado em uma renovada matriz energética, com destaque para a participação do xisto na geração de energia. Nesse contexto, algumas cadeias produtivas poderão voltar a se localizar nos EUA. De outro lado, a China apresenta um movimento de mudança na composição do seu crescimento no sentido de o mercado interno ganhar maior relevância.

Esses dois fatores afetam a economia brasileira. A retomada da expansão da maior economia global – os EUA – recoloca o mercado americano como poten-cial de exportações brasileiras desde que a indústria nacional consiga recuperar sua competitividade. Já o crescimento chinês, que alavancou as exportações de commodities brasileiras, pode se tornar mais irregular no curto prazo na medida em que seu rebalanceamento alterar os atuais vetores de dinamismo, que deverão passar do investimento para o consumo, do gasto público para o gasto privado. Nesse caso, a demanda por matérias-primas oriundas do Brasil deve ter seu ritmo de expansão diminuído, mesmo que o processo de urbanização em curso na Chi-na ainda se mantenha por um período mais longo.

Assim, fica claro que nos próximos anos a economia brasileira enfrentará um mundo diferente e mais competitivo. Nos últimos anos, o governo federal, com maior ou menor intensidade, tem apresentado um conjunto de medidas de po-lítica industrial, com destaque para o lançamento da Picte (em 2005) pelo Mi-nistério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) de 2008 e o Programa Brasil Maior fase 1 (2011) e fase 2 (2012).

Essas políticas industriais tiveram sua eficácia diminuída por diferentes de-terminantes “sistêmicos” fora da alçada propriamente setorial ou empresarial. O mais importante deles foi a taxa de câmbio, que permaneceu extremamente va-lorizada até 2011. Controles dos fluxos de capitais são relevantes, mas podem ter

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dimensão provisória e de curto prazo. Uma taxa de câmbio mais favorável, crian-do condições de a política industrial avançar, pode ser obtida com uma maior articulação das políticas macroeconômicas, permitindo um patamar menor da taxa de juros básica.

Fatores conjunturais influenciaram os resultados da política industrial bra-sileira nos últimos anos e de alguma forma ditaram sua lógica, qual seja, a de dar benefícios fiscais às empresas para que os custos domésticos pelo menos se igualassem ao padrão internacional, contrarrestando os efeitos negativos da cri-se do biênio 2011-2012. De fato, a política industrial não se configurou, até o momento, como um projeto de longo prazo, que explicitasse quais mudanças estruturais são necessárias para dotar o país, nos seus diferentes setores, de maior competitividade dentro do contexto das cadeias globais de valor.

Além do câmbio e da política industrial, outra questão é decisiva para a indús-tria brasileira: elevação da produtividade. Alguns analistas apostam que somente uma nova rodada de abertura comercial conseguiria gerar um choque de concor-rência nos empresários. O argumento se baseia na alegação de que a economia brasileira apresenta baixo grau de abertura medida pela relação de comércio ex-terior (exportação + importação)/PIB. As estatísticas do setor externo não com-provam essa afirmação. Nota-se que, entre 2008 e 2012, o índice de quantum das exportações permaneceu praticamente estagnado (+0,3%) e o mesmo indicador das importações cresceu 21,1%. Ou seja, não foi por falta de importações que a indústria brasileira deixou de ser competitiva.

Fica claro que, nesse contexto, falta ao Brasil articular a equação externa do setor industrial. Na nossa visão, não basta abrir-se unilateralmente às im-portações; importar para exportar, esse sim é o vínculo que torna a abertura às importações um instrumento da industrialização e do desenvolvimento. Os pa-íses emergentes que mais se beneficiaram do crescimento do comércio mundial combinaram essa perspectiva com acordos internacionais que não se esgotam em reduções de tarifas, cujo objetivo foi potencializar exportações, onde era possível desenvolver vantagens competitivas.

Assim, torna-se imprescindível construir uma estratégia de comércio exte-rior mais ampla e abrangente, que aborde uma política clara de inserção nas cadeias globais de valor. Não resta dúvida de que essa abordagem passa pela questão tarifária e por acordos internacionais, mas é muito mais ampla e requer a construção de toda uma estrutura de produção industrial e de serviços asso-ciados, sem a qual não atrairemos as grandes empresas internacionais, atores principais dessas cadeias.

a economia brasileira no contexto da crise global 218

Page 219: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

A oportunidade para que a economia brasileira conviva com uma taxa de câmbio competitiva – que não pode ser desperdiçada, ao contrário do que ocor-reu em muitas outras ocasiões – e a maturidade que a política industrial alcançou nos últimos anos, formam um contexto favorável à retomada do crescimento industrial. Contudo, as diretrizes de política econômica e de política industrial precisam responder algumas questões para avançar na construção de um plano de desenvolvimento de caráter mais estrutural e sustentado. Quais serão o conteúdo e as articulações da política externa de acordos internacionais no contexto da atu-al fase da globalização? Como será o perfil da economia brasileira daqui a 20 anos? A capacitação dos recursos humanos está compatível com as alterações estruturais esperadas pela política industrial? Como se articularão os investimentos em infra-estrutura no planejamento desse desenvolvimento econômico pretendido?

Referências

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a economia brasileira no contexto da crise global 219

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a economia brasileira no contexto da crise global 220

Page 221: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

Anexo

tabela 1a. ParticiPação do valor adicionado (va) da industria de transformação no total do valor

adicionado (dados em us$ a Preços constantes de 2005)

Países

Peso do Valor Adicionado da Indústria de Transformação

no Total do VA – 1970

Peso do Valor Adionado da Indústria de Transformação

no Total do VA – 2011

Ranking 1970

(%)Ranking

2011(%)

Mundo 16,9 17,6

China 22º 14,02 1º 35,85

Irlanda 27º 10,86 2º 31,74

Coreia do Sul 30º 6,92 3º 31,61

Tailândia 18º 15,82 4º 29,74

Cingapura 4º 22,67 5º 28,21

Malásia 26º 11,12 6º 25,45

Indonésia 31º 6,65 7º 25,14

Polônia 28º 8,51 8º 23,79

Argentina 3º 27,88 9º 23,12

Filipinas 2º 28,04 10º 22,70

Alemanha 1º 29,13 11º 22,33

Japão 9º 19,67 12º 20,78

Turquia 23º 12,01 13º 19,84

México 14º 17,11 14º 18,04

África do Sul 12º 17,84 15º 17,07

Itália 17º 15,90 16º 16,62

Brasil 5º 22,10 17º 15,97

Peru 8º 19,84 18º 15,72

Índia 24º 11,55 19º 15,30

Venezuela 21º 14,12 20º 14,16

Chile 6º 21,95 21º 14,03

Colômbia 13º 17,23 22º 13,97

Portugal 11º 18,99 23º 13,52

EUA 20º 14,21 24º 13,33

Espanha 15º 17,10 25º 13,13

Equador 29º 7,65 26º 11,68

Canadá 16º 15,98 27º 11,67

França 19º 14,75 28º 11,52

Reino Unido 10º 19,57 29º 10,59

Austrália 7º 21,17 30º 9,30

Grécia 25º 11,49 31º 8,54

Fonte: National Accounts Main Aggregates Database, da ONU. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 221

Page 222: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

A retomada do crescimento da economia brasileira na primeira década do século XXI foi um elemento fundamental para explicar o bom desempenho de alguns indicadores gerais do mercado de trabalho, podendo-se utilizar como exemplos a queda da taxa de desemprego, o aumento do grau de formalização dos empregos e a elevação do rendimento médio real dos ocupados. As carac-terísticas positivas alcançaram tal expressão que ensejaram um debate acerca de uma eventual situação de pleno emprego verificada na economia brasileira em fins dos anos 2000. Afinal, em algumas regiões e para algumas atividades produ-tivas, era patente a escassez de mão de obra (especializada e não especializada). As discussões concernentes ao mercado de trabalho voltavam-se mais à qualidade dos empregos gerados do que à capacidade da economia brasileira de criar novas ocupações.

A crise internacional, se não foi capaz de inverter a tendência de melhora das variáveis mais gerais do mercado de trabalho brasileiro, retirou a segurança dos estudiosos de que os números positivos alcançados seriam uma conquista que persistiria no curto prazo. A principal fonte de indagação passou a residir na capacidade do setor industrial brasileiro e dos serviços produtivos diretamente vinculados a ele de manterem os bons resultados, especialmente na geração de empregos formais.

O objetivo deste texto é retratar a evolução do mercado de trabalho brasi-leiro após o impacto da crise financeira internacional no país, em 2009. Para tanto, recuperam-se os principais indicadores desse mercado desde 2006, para

cAPÍtuLo 7

o mercAdo de trABALho BrASiLeiro no PóS-criSe: umA recuPerAção com frAGiLidAdeS

adriana nuneS Ferreira

luciana Portilho daniela SaloMão gorayeB

a economia brasileira no contexto da crise global 222

Page 223: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

que seja possível a comparação com o cenário pré-crise. O artigo está dividido em três seções. Na primeira delas, analisam-se informações referentes ao di-namismo mais geral do mercado de trabalho: a massa de rendimentos e seus componentes – a ocupação e a renda real média, a taxa de desemprego e seus determinantes. Na segunda seção, será tratada a distribuição setorial das ocu-pações, o que nos propiciará compreender as mudanças na dinâmica setorial da geração de emprego. A terceira seção, por sua vez, apresentará indicadores sobre a qualidade dos postos de trabalho gerados: a posição na ocupação – com vistas a avaliar o movimento de formalização dos ocupados, a geração de vagas formais por faixa salarial e a taxa de rotatividade do mercado de trabalho brasi-leiro nos últimos anos.

O mercado de trabalho brasileiro: dinamismo apesar da crise

Nesta seção, apresentam-se as informações sobre o mercado de trabalho brasi-leiro que permitem definir a sua dinâmica geral no período recente (2006-2012). Sempre que possível, será realizada uma comparação entre dois períodos, antes e depois de 2009, ano em que os efeitos da crise internacional se refletem mais intensamente na atividade econômica brasileira.

O Gráfico 1 mostra a evolução do rendimento médio real, ocupação e massa de rendimento no período entre 2006 e 2012, a partir dos dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro de Geografia e

Gráfico 1. brasil. evolução do rendimento médio real, ocuPação e massa de rendimento real das

6 rms – variação acumulada em 12 meses

0,00,51,01,52,02,53,03,54,04,55,05,56,06,57,07,58,08,59,09,5

jan/

06

mar

/06

mai

/06

jul/0

6

set/0

6

nov/

06

jan/

07

mar

/07

mai

/07

jul/0

7

set/0

7

nov/

07

jan/

08

mar

/08

mai

/08

jul/0

8

set/0

8

nov/

08

jan/

09

mar

/09

mai

/09

jul/0

9

set/0

9

nov/

09

jan/

10

mar

/10

mai

/10

jul/1

0

set/1

0

nov/

10

jan/

11

mar

/11

mai

/11

jul/1

1

set/1

1

nov/

11

jan/

12

mar

/12

mai

/12

jul/1

2

set/1

2

nov/

12

(Em

%)

Rendimento médio real Ocupação Massa rendimento real

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 223

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Estatística (IBGE), que capta as informações de seis regiões metropolitanas do Brasil1. Nele, pode-se observar a manutenção da taxa de crescimento da massa de rendimentos reais em elevado patamar (em torno de 6% em 12 meses), com uma breve queda no final de 2009 e início de 2010. Nesse momento de declí-nio, visivelmente se detecta a queda do ritmo de crescimento das ocupações ocorrendo antes do que a diminuição da taxa de crescimento do rendimento médio real. Após esse período de queda, a taxa de crescimento das ocupações se recupera, apesar de se estabelecer em um nível inferior ao período 2007-2008 (2% versus 3%). No entanto, no período mais recente (2011-2012), o ritmo de crescimento do rendimento médio real é maior do que o observado no pré-crise de 2009 (5% versus 4%). Por conta da contribuição do aumento significativo do rendimento médio, a taxa de crescimento da massa real de ren-dimentos alcança, no final do período analisado, um patamar bastante elevado (7% em 12 meses).

O crescimento persistente do número de ocupados se reflete na queda da taxa de desocupação (Gráfico 2). No final do período analisado (2012), a taxa de desemprego é quase a metade (5,5%) do que era no início (10% na média do ano de 2006). Em 2009, ocorre um leve aumento na taxa média anual, porém, em 2010, a queda é muito significativa (a taxa atinge 6,7% da População Eco-nomicamente Ativa (PEA). Em 2011 e 2012, mesmo com a desaceleração do crescimento econômico, o movimento de diminuição da taxa de desocupação permanece.

Gráfico 2. brasil. taXa de desocuPação das 6 reGiões metroPolitanas – 2006 a 2012

10,09,3

7,9 8,1

6,76,0

5,5

0,0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

12,0

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

(Em

%)

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

1. As regiões metropolitanas (RMs) são: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

a economia brasileira no contexto da crise global 224

Page 225: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

Defende-se, neste trabalho, que o elevado ritmo, tanto das ocupações como do rendimento médio, seja a causa responsável pela queda da taxa de desocupa-ção. De um lado, o crescimento do emprego oferece vagas às pessoas à procura de ocupação e, de outro, a elevação do rendimento médio permite a sustentação da renda familiar em um nível suficiente para postergar a entrada dos jovens no mercado de trabalho ou possibilitar a aposentadoria dos mais velhos.

Mesmo que as taxas de desocupação mensais permaneçam diminuindo, quando comparadas ao mesmo mês do ano anterior, nota-se uma visível de-saceleração da sua queda no final de 2011 e em todo o ano de 2012, período no qual as taxas mensais se aproximam muito das referentes ao ano anterior (Gráfico 3).

Gráfico 3. brasil. taXa de desocuPação das 6 reGiões metroPolitanas – 2006 a 2012

3

4

5

6

7

8

9

10

11

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

(Em

%)

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Vale atentar-se para as duas causas da diminuição da taxa de desemprego, se-paradamente: (1) o aumento da taxa de ocupação; e (2) o aumento da população não economicamente ativa.

A taxa de ocupação (participação da população ocupada no total da po-pulação economicamente ativa) cresceu gradualmente ao longo do período (2006-2012), apresentando apenas um pequeno decréscimo em 2009. Em 2006, a taxa foi de 90% da PEA e, em 2012, chegou a 94,5% (Gráfico 4). O crescimento da taxa de ocupação deve-se ao aumento gradativo do número de ocupados em todo o período analisado (desde 2006 e, até mesmo, em 2009). A variação média anual de crescimento foi de 2,4% nesse período, conforme Tabela 1.

Outro fator que afeta a queda da taxa de desemprego diz respeito ao incre-mento da População Não Economicamente Ativa (Pnea). A Tabela 2 mostra o

a economia brasileira no contexto da crise global 225

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Gráfico 4. brasil. taXa de ocuPação (Po/Pea) das 6 reGiões metroPolitanas – 2006 a 2012

90,090,7

92,1 91,9

93,394,0

94,5

87

88

89

90

91

92

93

94

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

(Em

%)

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

tabela 1. brasil. número de Pessoas ocuPadas em 6 reGiões metroPolitanas (em milhares de Pessoas)

AnoPopulação Ocupada

Var. (%)

2006 19.926

2007 20.435 2,6

2008 21.122 3,4

2009 21.276 0,7

2010 22.019 3,5

2011 22.473 2,1

2012 22.957 2,2

Var. média anual 2,4

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

tabela 2. brasil. PoPulação não economicamente ativa – 2006 a 2012 (em mil Pessoas)

Ano Mulheres Homens TotalPart.

Mulher (%)

Var. (%)

2006 10.766 6.040 16.806 64,1

2007 10.901 6.183 17.085 63,8 1,7

2008 11.074 6.243 17.318 63,9 1,4

2009 11.258 6.441 17.699 63,6 2,2

2010 11.344 6.409 17.753 63,9 0,3

2011 11.491 6.494 17.985 63,9 1,3

2012 11.549 6.536 18.085 63,9 0,6

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia/Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 226

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aumento contínuo dessa variável ao longo do período analisado (em média, 1,4% ao ano). Ademais, verifica-se que o ritmo de crescimento das mulheres na Pnea é um pouco menor do que o dos homens. A explicação para esse fenômeno reside no incremento mais expressivo das ocupações das mulheres. Esse dado causa, à primeira vista, surpresa, já que uma das atividades cujas vagas mais cresceram nesse período foi a da construção civil, majoritariamente ocupada por homens. Ademais, as atividades de serviços domésticos, ao contrário da construção civil, tipicamente ocupada por mulheres, apresentaram redução no número de ocupa-ções. Assim, uma das hipóteses levantadas é a de que as vagas em alguns setores de comércio e de serviços atraíram as mulheres, sobretudo as mais jovens.

Mesmo assim, segundo (BALTAR et al., 2010), em 2008, as mulheres ainda apresentavam taxa de desemprego mais alta do que a dos homens (em qualquer faixa etária, mas, principalmente, entre as mais jovens) e participavam de formas de ocupação mais precárias do que as dos homens, como empregos não formais, autoconsumo, empregos domésticos e trabalho não remunerado.

Pode-se afirmar que o aumento da Pnea não está relacionado ao crescimento da desocupação por desalento ou pelo trabalho precário, visto que, conforme mostra o Gráfico 5, houve elevação da parcela da Pnea que não gostaria de traba-lhar (em torno de 83% em 2006 e de 88% em 2012). Essa informação é coerente com o aumento da participação da faixa etária de maior idade na Pnea. Ou seja, os mais idosos deixam o mercado de trabalho ao encontrarem essa oportunidade para, de fato, se aposentarem.

Gráfico 5. brasil. ParticiPação da Pnea que não Gostaria de trabalhar no total da Pnea das 6

reGiões metroPolitanas – 2006 a 2012

0

76 ,0

78 ,0

80 ,0

82 ,0

84 ,0

86 ,0

88 ,0

90 ,0

92

jan/

06

mai

/06

set/

06

jan/

07

mai

/07

set/

07

jan/

08

mai

/08

set/

08

jan/

09

mai

/09

set/

09

jan/

10

mai

/10

set/

10

jan/

11

mai

/11

set/

11

jan/

12

mai

/12

set/

12

Em %

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

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Assim, com menos pessoas procurando por ocupação, reduz-se o número de pessoas consideradas desempregadas. Se analisada a taxa de desocupação por gru-pos de idade, nota-se que a queda da taxa é generalizada nesse período, com especial ênfase para as pessoas com mais de 50 anos de idade (Tabela 3). Confron-tando esse dado com as informações da Pnea (Gráfico 6), pode-se afirmar que a diminuição do desemprego nesta última faixa etária deve-se mais ao fato de que essas pessoas optaram por sair do mercado de trabalho e menos porque aumentou o seu grau de ocupação. Mais uma vez, é possível atribuir esse movimento ao crescimento da renda familiar, que permite a aposentadoria dos mais velhos.

tabela 3. brasil. taXa de desocuPação Por GruPos de idade – 2006 a 2012

Ano 15 a 17 anos 18 a 24 anos 25 a 49 anos50 anos ou

mais

2006 32,62 21,06 7,57 3,72

2007 31,99 19,84 7,21 3,23

2008 28,80 16,69 6,28 2,79

2009 28,65 17,33 6,61 3,00

2010 25,79 14,94 5,50 2,43

2011 23,03 13,42 4,85 2,26

2012 22,01 12,43 4,58 2,00

Var. (%) -32,5 -41,0 -39,4 -46,2

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Gráfico 6. brasil. Pessoas não economicamente ativas, Por GruPos de idade nas 6 reGiões

metroPolitanas – 2006 a 2012 – ParticiPação (%)

0%5%

10 %15 %20 %25 %30 %35 %40 %45 %50 %

jan/

06

mai

/06

set/

06

jan/

07

mai

/07

set/

07

jan/

08

mai

/08

set/

08

jan/

09

mai

/09

set/

09

jan/

10

mai

/10

set/

10

jan/

11

mai

/11

set/

11

jan/

12

mai

/12

set/

12

%

10 a 14 anos de idade15 a 17 anos de idade18 a 24 anos de idade25 a 49 anos de idade

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 228

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Em termos do grau de instrução, observa-se que a queda da taxa de desocupa-ção também ocorreu de forma generalizada (Tabela 4). A diminuição um pouco mais pronunciada do desemprego entre as pessoas na menor faixa de instrução provavelmente está relacionada ao grande dinamismo que tiveram os setores de construção civil e de comércio na geração de empregos nesse período, como será visto a seguir, na próxima seção deste capítulo.

tabela 4. brasil. taXa de desocuPação das Pessoas de 10 anos ou mais de idade Por anos de estudo

– 2006 a 2012

AnosSem instrução e menos de 8 anos

8 a 10 anos

11 anos ou mais

2006 8,94 13,66 9,27

2007 8,08 12,60 8,82

2008 6,76 10,68 7,55

2009 6,64 10,53 7,96

2010 5,54 9,07 6,52

2011 4,95 8,05 5,75

2012 4,53 7,48 5,30

Var. (%) -49,4 -45,2 -42,8

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

A Tabela 5 mostra que há uma queda muito intensa da taxa de desocupação entre aquelas pessoas que trabalharam na construção civil, comércio e nos servi-ços domésticos. Nos dois primeiros setores, a diminuição da taxa de desocupação está relacionada ao aumento das vagas e, no terceiro, a diminuição deve-se à saída das mulheres dessa forma de ocupação para outras menos precárias (como o co-mércio e outros serviços).

Conforme Baltar e Leone (2012), a melhora do mercado de trabalho assala-riado tem proporcionado uma oportunidade alternativa ao emprego doméstico remunerado, em empregos formais de estabelecimento, o que tem causado a di-minuição, principalmente, das mulheres mais jovens no emprego doméstico.

Pela baixa taxa de desocupação nas atividades de construção e de serviços domésticos é que se podem contextualizar alguns argumentos a respeito de uma possível situação de pleno emprego no Brasil. De fato, sobretudo em algumas regiões do país, houve uma clara dificuldade para obter mão de obra e mantê-la nessas atividades, mesmo com rendimentos elevados, perante o histórico recente de ganhos nessas atividades (que são, deve-se salientar, ex-tremamente baixos).

a economia brasileira no contexto da crise global 229

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tabela 5. brasil. taXa de desocuPação das Pessoas de 10 anos ou mias de idade Por setor –2006-2012

AnoIndústria, produção e distribuição de eletri-

cidade, gás e águaConstrução

Comércio, rep. de veíc. e de

objetos pessoais e domésticos

Serv. à empresa, aluguéis, ativ. imob.

e interm. financ.

Adm. Púb., de-fesa, seguridade

social, educ., saúde e serviços

sociais

Serviços domésticos

Outros serviços

2006 4,67 5,54 4,82 4,27 1,75 4,97 4,46

2007 4,40 4,96 4,76 3,97 1,50 4,76 4,09

2008 3,63 3,93 4,08 3,71 1,52 3,97 3,57

2009 4,75 4,09 4,48 4,33 1,73 3,56 4,02

2010 3,19 2,85 3,61 3,39 1,43 2,95 3,17

2011 3,23 2,98 3,33 3,18 1,30 2,40 3,02

2012 3,28 2,88 3,18 2,96 1,26 2,16 3,01

Var (%) -29,8 -48,1 -34,1 -30,7 -28,1 -56,5 -32,5

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

A análise mais geral do mercado de trabalho brasileiro revela um grande di-namismo antes da crise, seja no quantum de ocupações, seja na renda real do trabalho. Esse dinamismo foi o responsável, em grande parte, pela sustentação do ciclo de crescimento fortemente centrado no consumo doméstico. No pós-crise, ocorre um arrefecimento do ritmo de crescimento das ocupações, ainda que não se verifiquem um aumento das taxas de desemprego ou queda do rendimento médio real. Nas próximas seções, são analisados os dados em nível setorial, bem como informações que nos dão indicação acerca da qualidade dos postos de tra-balho gerados no período entre 2006 e 2012.

Distribuição setorial das ocupações: dinamismo centrado nos serviços

Uma das formas de aprofundar a análise do mercado de trabalho consiste na abertura dos dados em nível setorial. Compreender a dinâmica setorial da geração de emprego permite encontrar explicações para a superação de alguns desafios, bem como constatar a permanência de algumas fragilidades do mercado de tra-balho brasileiro.

Os Gráficos 7 e 8 exibem, respectivamente, a contribuição dos subsetores IBGE para o crescimento da população ocupada (PO) e as taxas médias de cres-cimento da PO de cada subsetor no período 2006-2012. A contribuição é obtida ponderando, para cada subsetor, o crescimento da PO em cada período pela par-ticipação do subsetor no total da ocupação.

a economia brasileira no contexto da crise global 230

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Gráfico 7. brasil. taXa de crescimento médio anual da PoPulação ocuPada das 6 reGiões

metroPolitanas – 2006 a 2012 (em %)

-1,3

-1,0

1,0

1,6

2,4

3,0

3,2

3,9

4,5

-2,0 -1,0 0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0

Serviços domésticos

Outras atividades

Ind extr, transf e prod e distrib de el, gás e água

Comércio, rep de veíc autom e de objetos …

Total

Adm pública, defesa, seg social, educ, saúde e …

Outros serviços

Construção

Interm finan e ativ imob, al e serv pres à empresa

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Gráfico 8. brasil. contribuição dos subsetores Para o crescimento da PoPulação ocuPada nas 6

reGiões metroPolitanas – 2006, 2009 e 2012

3,5

- 46,2

- 1, 77,24,2 19,4 16,8

12,212,4 13,2

20,2 12,9

34,6

40,0

20,9 29,1

16,2

52,5

30,820,4

10,5

11,4

- 6, 3- 4 ,0

20,0

14,9

21,0 22,9

- 40 %

- 20 %

0 %

20 %

40 %

60 %

80 %

%100

2006 2009 2012 2006 - 2012

Outras atividades

Outros serviços

Serviços domésticos

Adm pública, defesa, seg

social, educ, saúde e serv sociais

Interm finan e ativ imob, al e serv

pres à empresa

Comércio, rep de veíc autom e de

objetos pessoais e domésticos

Construção

Ind extr, transf e prod e distrib de

el, gás e água

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

As atividades que compõem o setor de serviços, de uma forma geral, tiveram uma contribuição inquestionável para o crescimento da população ocupada nas seis regiões metropolitanas do Brasil no período 2006-2012, excetuando-se a ca-tegoria dos serviços domésticos. Nesse subsetor, houve até diminuição no número absoluto de pessoas ocupadas, como atestam os dados referentes ao ano de 2012 e a média do período 2006-2012 (Gráfico 7).

As atividades de serviços e as de comércio corresponderam a 80% das ocupa-ções geradas nesse período. Enquanto a taxa de crescimento médio total da po-

a economia brasileira no contexto da crise global 231

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pulação ocupada foi de 2,4% ao ano entre 2006-2012, a da indústria (extrativa e transformação) foi de 1,0% ao ano (Gráfico 7), contribuindo com 7,2% das ocu-pações criadas nesse período (Gráfico 8). A atividade de construção civil, embora tenha na população ocupada um peso bem menor que o da indústria, apresentou uma contribuição significativamente superior à desse setor (12,2%, em média, no período) para o total do crescimento da ocupação. A taxa de crescimento médio das ocupações nesse setor foi a segunda maior do período analisado (3,9% ao ano), situando-se atrás apenas de “intermediação financeira e atividades imobili-árias e serviços prestados às empresas”, que apresentou uma taxa de 4,5% ao ano.

Os Gráficos 9 e 10 trazem, respectivamente, a contribuição dos subsetores para a massa de rendimentos (rendimento médio multiplicado pela população ocupada) e o rendimento médio real de cada subsetor, no ano de 2012, a preços de janeiro de 2013.

Gráfico 9. brasil– contribuição dos subsetores Para o crescimento da massa salarial real nas

6 reGiões metroPolitanas (em %)

18,9

2 ,58 ,8 12,1

4 ,7

11,0

9 ,910,5

8 ,6

13,0

15,5 11,9

25 ,2

24,5

20,7 22,4

23 ,6 45,1 27,1 24,9

4 ,8

4 ,7

2 ,3 2 ,1

13 ,54 ,0

16,0 16 ,6

- 20 %

0%

20 %

40 %

60 %

80 %

%100

2006 2009 2012 2006 - 2012

Outras atividades

Outros serviços

Serviços domésticos

Adm pública, defesa, seg social, educ, saúde

e serv sociais

Interm finan e ativ imob, al e serv pres à

empresa

Comércio, rep de veíc autom e de objetos

pessoais e domésticos

Construção

Ind extr, transf e prod e distrib de el, gás e

água

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

As atividades de serviços domésticos, construção civil e comércio, em função de apresentarem rendimento médio baixo – visto que a grande maioria da população ocupada nessas categorias recebe remuneração de 1 salário mínimo (Gráfico 10) –, não apresentam uma contribuição para o crescimento da massa de rendimentos tão significativa quanto para o crescimento da população ocupada (Gráfico 9). As maiores contribuições aparecem naqueles setores de serviços para os quais o núme-ro de pessoas ocupadas é importante e o rendimento médio se estabelece próximo ou superior ao da média total das atividades produtivas: no período 2006-2012, as maiores contribuições para o crescimento da massa de rendimento vieram de

a economia brasileira no contexto da crise global 232

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administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde e serviços sociais (24,9%) e intermediação financeira e atividades imobiliárias e serviços prestados às empresas (22,4% do total), observando que esses são os dois subsetores que exibem os maiores rendimentos por pessoa ocupada, superiores aos da indústria (Gráfico 10). A indústria, por apresentar rendimentos superiores à média, tem uma contribuição maior para a massa de rendimentos (12,1% no período 2006-2012) do que apresenta para o crescimento da população ocupada (7,2%).

A Tabela 6, com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) (que englobam os municípios dos estados brasileiros, além dos das regiões metropolitanas), traz as variações médias anuais da ocupação, por grupamento de atividade, no período em análise. Os dados reforçam o argumento de que o ciclo recente de crescimento da economia brasileira beneficiou mais, em termos de geração de novos postos de trabalho, os setores de serviços, sobretudo aqueles que utilizam mão de obra menos qualificada, como alojamento e alimentação (com uma taxa de variação média anual de 5,9% entre 2003 e 2011), outras atividades de serviços (4,9% ao ano) e transporte, armazenagem e comunicação (com 4% a.a.). Esse crescimento pode estar relacionado a considerável elevação do consu-mo de bens e serviços pelas famílias.

O setor de construção civil também apresentou um crescimento dos ocupados bastante acima da média geral (5,2% a.a.). Um fator que pode ter contribuído para isso foi o forte crescimento do financiamento habitacional desde o início de 2005, que nem mesmo o impacto da crise econômica no Brasil conseguiu

Gráfico 10. brasil – rendimento médio real nas 6 reGiões metroPolitanas, em 2012 (em r$ Preços

de jan./2013)

2.504 ,85

2.306 ,06

1.876 ,93

1.810 ,67

1.593 ,17

1.586 ,89

1.529 ,71

1.437 ,62

733 ,66

0,00 1.000 ,00 2.000 ,00 3.000 ,00

Adm pública, defesa, seg social, educ, saúde e serv sociais

Interm finan e ativ imob, al e serv pres à empresa

Ind extr, transf e prod e distrib de el, gás e água

Total

Outros serviços

Outras atividades

Construção

Comércio, rep de veíc autom e de objetos pessoais e domésticos

Serviços domésticos

R$ a preços de 2013

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 233

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reverter. Entre 2005 e 2011, a evolução da relação crédito/PIB do segmento habi-tacional quase quadruplicou, passando de 1,3%, em janeiro de 2005, para 4,7%, em novembro de 20112.

A indústria de transformação, por sua vez, mostrou um resultado ruim em termos de geração de vagas, principalmente considerando o período após 2008. Pelos dados da Pnad, apesar de esse setor ter apresentado um crescimento médio de 1% ao ano, entre os anos 2003 e 2011, o seu desempenho após a crise foi negativo, em termos do aumento das ocupações (-3,9% ao ano). Ressalte-se que esse setor é responsável por 12% das ocupações, ofertante de empregos de altos salários, com relativo alto nível de formalização, e usualmente demandante de mão de obra mais qualificada.

Interessante sublinhar, pelos dados da Pnad, a movimentação que ocorreu na categoria de atividades de serviços domésticos. Representando 7,1% das ocu-pações totais brasileiras, o crescimento médio durante o período analisado foi menor do que a média do país (1% a.a.) e foi quase nulo (0,1%) no período entre

2. Sobre a evolução do crédito habitacional, ver Fundação do Desenvolvimento Administrativo (2012b).

tabela 6. brasil. GruPamentos de atividade PrinciPal do emPreendimento do trabalho PrinciPal da

semana de referência Para Pessoas de 10 anos ou mais de idade – classificados Por ordem decres-

cente de variação – 2003 a 2011

Grupamento de AtividadePessoas ocupadas % ao ano Part. (%)

2003 2008 2011 2011/2003 2011/2008 2011

Alojamento e alimentação 2.892.878 3.592.100 4.569.606 5,9 8,4 4,9

Construção 5.219.775 6.904.740 7.814.371 5,2 4,2 8,4

Outras atividades 5.523.274 7.134.164 8.119.843 4,9 4,4 8,7

Transporte, armazenagem e comunicação 3.724.632 4.595.989 5.109.131 4,0 3,6 5,5

Administração pública 3.989.940 4.530.540 5.081.144 3,1 3,9 5,4

Educação, saúde e serviços sociais 7.171.343 8.538.882 8.627.018 2,3 0,3 9,2

Outros serviços coletivos, sociais e pessoais 2.982.014 4.083.424 3.537.846 2,2 -4,7 3,8

Comércio e reparação 14.215.622 16.092.628 16.660.048 2,0 1,2 17,8

Outras atividades industriais 645.404 729.712 722.277 1,4 -0,3 0,8

Indústria de transformação 10.877.402 13.265.570 11.786.896 1,0 -3,9 12,6

Serviços domésticos 6.154.621 6.626.001 6.652.938 1,0 0,1 7,1

Agrícola 16.568.156 16.100.232 14.682.091 -1,5 -3,0 15,7

Atividades maldefinidas 198.420 200.603 129.858 -5,2 -13,5 0,1

Total geral 80.163.481 92.394.585 93.493.067 1,9 0,4 100,0

Fonte: Pnad-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 234

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2008 e 2011. Considerando que a demanda por esse tipo de trabalho cresceu, compreende-se a relativa escassez de oferta para esse tipo de atividade, principal-mente em algumas regiões do país, muito provavelmente por conta da migração dessas trabalhadoras para outras atividades de serviços pessoais que demandassem certo grau de qualificação. Talvez, por esse motivo, a sociedade brasileira esteve pronta para ampliar os direitos trabalhistas dessa categoria de ocupação, até então alijada de direitos básicos do trabalhador brasileiro, como o FGTS e pagamento de horas extras.

Defende-se, neste trabalho, que a situação de relativo maior poder de bar-ganha em que se encontram os empregados domésticos ante seus empregadores (obtendo registro da carteira de trabalho, maiores rendimentos e condições de trabalho mais decentes) constitui uma evidência importante a respeito da dinâmi-ca positiva do mercado de trabalho brasileiro no período analisado.

A análise da distribuição setorial dos empregos formais pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e pela Relação Anual de Informações Sociais (Rais), com informações advindas do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), reforça as conclusões alcançadas a partir dos dados da Pnad.

Pelos dados do Caged (Tabela 7), observa-se que os anos de 2006, 2007 e 2008 foram pródigos na criação de empregos formais (quase 1,5 milhão por ano de empregos celetistas). Alguns números saltam aos olhos nesse período, como a geração de 400.000 vagas na indústria de transformação, em 2007, e 650 mil empregos formais no setor de serviços, em 2008. Em 2009, ano em que os efeitos da crise internacional atingem com mais vigor a estrutura produtiva brasileira, a diminuição de criação de vagas é patente, ainda que deva ser registrado saldo

tabela 7. brasil. criação líquida de vaGas – 2006 a 2012

IBGE Setor 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Extrativa mineral 12.052 9.762 8.671 2.036 16.343 17.836 9.682

Indústria de transformação 250.239 394.584 178.675 10.865 485.028 174.674 33.222

Serviços industriais de utilidade pública 7.369 7.752 7.965 4.984 17.854 7.670 8.317

Construção civil 85.796 176.755 197.868 177.185 254.178 148.960 70.896

Comércio 336.794 405.091 382.218 297.157 519.613 368.570 270.393

Serviços 521.609 587.103 648.258 500.177 864.250 786.347 501.533

Administração pública 8.253 15.252 10.316 18.075 5.627 11.498 -1.238

Agropecuária, extr. vegetal, caça e pesca 6.574 21.093 18.232 -15.368 -25.946 50.488 -24.564

Total 1.228.686 1.617.392 1.452.203 995.111 2.136.947 1.566.043 868.241

Fonte: Caged-MTE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 235

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líquido positivo em todos os setores, com a exceção do setor primário. Nos anos seguintes, a recuperação na geração de postos formais de trabalho foi vigorosa, sobretudo no ano de 2010, com um saldo positivo de mais de 2 milhões de vagas. A indústria de transformação, bastante impactada em 2009, apresenta nesse ano de 2010 um desempenho extraordinário (quase 500.000 empregos formais cele-tistas). Os sinais de desaceleração na criação de vagas só aparecem em 2012, so-bretudo na indústria de transformação e construção civil, apesar de setores como comércio e serviços também terem apresentado desempenho inferior aos anos anteriores3.

Conforme indicado no capítulo 6 deste livro, por Almeida e Novais, o setor industrial apresentou altos e baixos no período pós-crise. Nos anos 2007 e 2008, nota-se uma evolução grande e sustentada, com aumento da produção industrial de 6%, movida, principalmente, pelo crescimento da demanda interna, impul-sionada pelo aumento tanto da massa de rendimentos como do crédito para as famílias4. No ano seguinte, o ritmo de crescimento da produção industrial se reduziu, atingindo 3,1%, sendo retomado em 2010 (10,3%). No entanto, em 2011 e 2012 o setor industrial observou uma forte desaceleração, implicando, neste último ano, a também desaceleração da criação de vagas.

Se forem analisados os dois períodos – pré-crise (2006-2008) e pós-crise (2009-2011) – pela Rais (que traz os estoques de emprego formal em 31 de de-zembro, por ano e por setor, e inclui os trabalhadores sob regime estatutário), é possível extrair duas considerações importantes (Tabela 8). A primeira diz respei-to à recuperação das ocupações formais após a crise internacional, irrompida em finais de 2008. Observa-se, com efeito, que a taxa de crescimento dos empregos no primeiro período, de 5,9% ao ano no total do estoque da Rais, se mantém no período pós-crise (6% ao ano). A segunda constatação está relacionada ao ritmo destoante de aumento das vagas formais entre os diversos setores. Isso porque, durante todo o período (2006-2011), os setores de comércio, construção civil e serviços apresentaram taxas de crescimento significativamente maiores do que a média total, enquanto os demais mostraram taxas inferiores (notadamente, indús-tria de transformação e administração pública). Sendo assim, mesmo nesse curto espaço de tempo, há uma pequena mudança na composição setorial do emprego

3. O capítulo 5 deste livro aponta que havia uma expectativa de retomada da economia brasileira, por conta de um novo arranjo da política econômica do governo Dilma, o que poderia ter postergado os efeitos da segunda fase da crise econômica mundial no mercado de trabalho brasileiro.

4. Sobre a importância do crescimento do consumo das famílias para o crescimento do PIB, ver: Fundação do Desenvolvimento Administrativo (2011 e 2012).

a economia brasileira no contexto da crise global 236

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formal no Brasil. A indústria de transformação, que compreendia 18,8% do total das vagas em 2006, reduz sua participação para 17,5% e se situa com uma im-portância menor do que o comércio (19,1%), que, em 2006, aparecia atrás desse setor, com 18,0% do emprego total. As atividades de serviços, que atualmente já englobam a maior parte das vagas formais brasileiras, ainda apresentam ganho de participação nesse período (de 31,9% para 33,2% do total).

Analisando os subsetores mais detidamente (Tabela 9), é possível encontrar algumas mudanças importantes na composição do emprego no interior dos gran-des setores. Nesse período (2006-2011), os subsetores da indústria de transfor-mação apresentaram desempenho heterogêneo no que tange à criação de vagas formais. Os dois setores mais empregadores (o de alimentos e bebidas e o têxtil e vestuário) tiveram crescimento médio anual abaixo da média total e da média da indústria de transformação (3,1 e 3,2% versus 5,7 e 4,2%), contribuindo, por-tanto, para o baixo crescimento do emprego formal da indústria nesse período. Os subsetores com melhor dinamismo em termos de geração de emprego formal foram: indústria mecânica (7,9%), indústria do material de transporte (6,7%), indústria química, farmacêutica, veterinários e perfumaria (6,4%) e indústria de produtos minerais não metálicos (6,3%).

Poder-se-ia afirmar que os subsetores com pior dinamismo foram aqueles fa-bricantes de produtos tradables e, que, portanto, pelo lado da importação ou das exportações, foram afetados pela valorização cambial brasileira desse período e pela devastadora concorrência chinesa. São estes subsetores: indústria da madeira e do mobiliário (1,6% ao ano); indústria da borracha, fumo, couros, peles, similares,

tabela 8. brasil. taXa média de variação anual e ParticiPação do emPreGo formal (em %)

IBGE SetorVariação Anual Média (%) Participação (%)

2008/2006 2011/2009 2006 2011

Extrativa mineral 5,8 5,3 0,5 0,5

Indústria de transformação 5,3 5,0 18,8 17,5

Serviços industriais de utilidade pública 4,4 3,5 1,0 0,9

Construção civil 17,2 13,6 4,0 5,9

Comércio 7,6 7,2 18,0 19,1

Serviços 5,8 7,8 31,9 33,2

Administração pública 3,7 1,9 22,0 19,7

Agropec., extração vegetal, caça e pesca 2,3 1,9 3,9 3,2

Total 5,9 6,0 100,0 100,0

Fonte: Rais-MTE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 237

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tabela 9. brasil. estoque de emPreGos formais em 31 de dezembro – subsetores ibGe –

2006 a 2011

Subsetor IBGE 2006 2008 2009 20112006/2011 Var. (%) ao

ano

Extrativa mineral 183.188 204.936 208.836 231.389 4,8

Indústria de produtos minerais não metálicos 321.177 358.869 369.736 436.482 6,3

Indústria metalúrgica 647.335 746.994 720.968 824.240 5,0

Indústria mecânica 415.775 515.379 502.063 609.245 7,9

Indústria de materiais elétricos e de comunicações 243.071 269.401 261.793 304.053 4,6

Indústria do material de transporte 437.293 524.544 513.326 606.102 6,7

Indústria da madeira e do mobiliário 443.034 439.846 432.645 479.514 1,6

Indústria do papel, papelão, editorial e gráfica 360.367 385.555 386.324 408.132 2,5

Indústria da borracha, fumo, couros, peles, similares, indústrias diversas

298.529 306.841 300.763 327.246 1,9

Indústria química de produtos farmacêuticos, veterinários, perfumaria...

673.587 715.515 730.106 920.209 6,4

Indústria têxtil do vestuário e artefatos de tecidos 874.488 955.408 966.764 1.024.960 3,2

Indústria de calçados 306.791 306.584 319.174 342.218 2,2

Indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico 1.573.336 1.785.904 1.857.422 1.831.404 3,1

Indústria de transformação 6.594.783 7.310.840 7.361.084 8.113.805 4,2

Serviços industriais de utilidade pública 344.565 375.370 385.379 412.741 3,7

Construção civil 1.393.446 1.914.596 2.132.288 2.750.173 14,6

Comércio varejista 5.321.362 6.108.396 6.420.016 7.388.440 6,8

Comércio atacadista 1.008.979 1.215.712 1.272.935 1.454.237 7,6

Comércio 6.330.341 7.324.108 7.692.951 8.842.677 6,9

Instituições de crédito, seguros e capitalização 663.147 735.148 741.263 811.247 4,1

Comércio e administração de imóveis, valores mobiliários, serviços técnicos...

3.364.451 3.873.244 4.120.045 4.930.192 7,9

Transportes e comunicações 1.759.518 2.016.215 2.111.460 2.507.444 7,3

Serviços de alojamento, alimentação, reparação, manutenção... 2.973.378 3.312.259 3.461.261 3.913.042 5,6

Serviços médicos, odontológicos e veterinários 1.188.575 1.291.324 1.395.185 1.594.448 6,1

Ensino 1.280.812 1.353.227 1.406.175 1.616.082 4,8

Administração pública direta e autárquica 7.721.815 8.310.136 8.763.970 9.103.601 3,3

Serviços – Total 18.951.696 20.891.553 21.999.359 24.476.056 5,2

Agricultura, silvicultura, criação de animais, extrativismo vegetal... 1.357.230 1.420.100 1.427.649 1.483.790 1,8

TOTAL 35.155.249 39.441.503 41.207.546 46.310.631 5,7

Fonte: Rais-MTE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

a economia brasileira no contexto da crise global 238

Page 239: Livro A ECONOMIA BRASILEIRA · crise financeira sistêmica, ... a economia brasileira no contexto da crise global 9. impôs o aumento da taxa de juros básica. O elevado déficit

indústrias diversas (1,9%); indústria do papel, papelão, editorial e gráfica (2,5%); indústria de calçados (2,2%); indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico (3,1%); e indústria têxtil do vestuário e artefatos de tecidos (3,2%).

O Gráfico 11 mostra a queda substantiva da relação câmbio/salário de 2006 a 2012, uma das explicações-chave da perda de competitividade das empresas brasileiras no comércio mundial5.

Gráfico 11. relação de câmbio efetivo/salários – 2006 a 2012

20

30

40

50

60

70

80

90

100

2006

.01

2006

.04

2006

.07

2006

.10

2007

.01

2007

.04

2007

.07

2007

.10

2008

.01

2008

.04

2008

.07

2008

.10

2009

.01

2009

.04

2009

.07

2009

.10

2010

.01

2010

.04

2010

.07

2010

.10

2011

.01

2011

.04

2011

.07

2011

.10

2012

.01

2012

.04

2012

.07

2012

.10

Méd

ia 2

005

= 10

0

Fonte: Ipea. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

No entanto, o que nos interessa aqui são os efeitos de uma queda na relação câmbio-salários sobre o mercado de trabalho. Pelo menos quatro se destacam e causam preocupação:

• a partir de certo ponto da relação câmbio-salário, começa a ficar mais interessante para a indústria local substituir homens por máquinas no “chão de fábrica”, especialmente naqueles setores com mais facilidades de importação de máquinas e equipamentos;

• em segundo lugar, para as empresas que possuem plataformas fora do país, passa a se tornar crescentemente interessante deslocar plantas para países com menores salários relativos – especialmente na Ásia;

5. A relação câmbio-salário é tomada como um indicador da competitividade das exportações dos países: uma relação baixa, em geral, indica uma economia em que as exportações carecem de competitividade: uma unidade de divisas compra poucas unidades de salários. As importações, em compensação, tornam-se mais atraentes: é relativamente mais barato importar do que pagar salários internamente. Embora esse seja apenas um dos muitos determinantes da competitividade de um país e de suas formas de inserção no comércio internacional, não se pode negar que seja uma relação importante, especialmente para os setores intensivos em mão de obra.

a economia brasileira no contexto da crise global 239

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• em terceiro lugar, aumenta a concorrência com produtos importados a menores preços (notadamente, concorrência com os produtos chineses);

• finalmente, o próprio efeito do câmbio valorizado sobre as cadeias pro-dutivas, que tendem a perder densidade, – e o consequente aumento do componente importado dos produtos fabricados no país – tem um reba-timento sobre o emprego, atingindo, aqui, os segmentos de pequenos e médios estabelecimentos nacionais fornecedores de peças e componentes nas grandes cadeias.

Assim, são mais afetados os setores com maior dependência do mercado ex-terno para o escoamento da produção (como o de calçados) e aqueles fortemente ameaçados com a vinda de produtos importados de baixo valor, especialmente chineses (como o setor têxtil, o de confecções e o de gráfica, por exemplo).

No entanto, alguns setores foram beneficiados pela queda da taxa de juros brasileira e pelo crescimento do mercado interno por serem mais dependentes das vendas a crédito (como o setor automobilístico) e com demanda mais elástica à renda (como o de cosméticos). Não se pode deixar de mencionar, também, a atividade de construção civil, grande líder em termos de crescimento de vagas formais no período (14,6% ao ano entre 2006 e 2011 – Tabela 9)

Além disso, a manutenção do preço das commodities em patamar elevado pre-servou parte dos setores produtivos, especialmente ligados à produção agrícola e mineral, mesmo em um ambiente marcado por forte valorização cambial.

Por serem não comercializáveis e também por terem alta elasticidade-renda, as atividades de serviços (incluindo o comércio) não foram tão afetadas pela va-lorização cambial e apresentaram um elevado ritmo de contratações formais no período analisado (Tabela 9), algumas delas com taxas quase 2 pontos percentu-ais acima da média total, como comércio (6,9% ao ano, em média), comércio e administração de imóveis, valores mobiliários, serviços técnicos, etc. (7,9%) e transportes e comunicações (7,3%).

Na próxima seção, analisam-se variáveis indicativas da qualidade dos postos de trabalho gerados no período em foco.

Um mercado de trabalho mais formalizado, mas com preservação de fragilidades estruturais

Uma relevante informação a se analisar, no que diz respeito à qualidade dos empregos gerados em um período, refere-se ao grau de formalização do mercado de trabalho, ou seja, o número de pessoas empregadas com registro na carteira de

a economia brasileira no contexto da crise global 240

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trabalho. Esse registro assegura ao trabalhador uma série de direitos como férias, 13º salário, descanso semanal, jornada de trabalho definida e seguridade social. Além disso, esses trabalhadores formais podem ser mais bem protegidos pelos sin-dicatos, que pressionam por pisos salariais maiores e por ganhos reais de salário, conforme será visto adiante.

Um maior rigor na regulação da atividade econômica e do trabalho assala-riado, associado a um crescimento robusto, teve como consequência tanto a re-dução da taxa de desemprego como a elevação do grau de formalização dos con-tratos no mercado de trabalho brasileiro. Essa maior formalização do emprego resultou de um esforço do Estado brasileiro em obter superávit de impostos e contribuições sociais em relação às despesas públicas não financeiras, passando a ter maior fiscalização na formalização das empresas e do cumprimento das leis do trabalho e da previdência social (BALTAR, KREIN e LEONE, 2009; BALTAR e LEONE, 2012).

No Gráfico 12, nota-se uma gradual e contínua formalização do mercado de trabalho brasileiro desde 2004. Nesse ano, a participação das pessoas com carteira de trabalho assinada era de 43,8% e, no final de 2012, essa participação alcança 53,7%. Vale ressaltar que a formalização prossegue mesmo em 2009, ano no qual há um leve aumento da taxa de desocupação.

Gráfico 12. brasil. ParticiPação das Pessoas ocuPadas, Por Posição na ocuPação, nas 6 reGiões

metroPolitanas – 2003 a 2012 (em %)

45 ,0 44 ,1 44 ,2 45 ,6 46 ,348 ,2 49 ,4 50 ,3

52 ,153 ,7

0,0

10 ,0

20 ,0

30 ,0

40 ,0

50 ,0

60 ,0

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

%

Empregadas - com carteira de trabalho assinada

Empregadas - sem carteira de trabalho assinada

Conta própria (rótulo de dados abaixo)

Fonte: PME-IBGE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

De acordo com Baltar et al. (2010), entre 2004 e 2008, o crescimento do grau de formalização ocorreu de forma generalizada, por diferentes critérios (por

a economia brasileira no contexto da crise global 241

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grupos de idade, por setores de atividade, por tipo da ocupação e por porte da empresa).

A formalização das ocupações não foi realizada à custa dos salários. O Gráfico 13 mostra que o rendimento real dos empregos com carteira assinada cresceu quase 20% entre 2006 e 2012. No entanto, salta aos olhos o crescimento extraor-dinário do rendimento real dos empregos sem registro formal e o das pessoas na categoria de “conta própria” (30% de aumento em 2006). Uma explicação razoá-vel para esse movimento está no elevado dinamismo das atividades de construção civil, ofertantes de ocupações sem registro formal como as citadas anteriormente. No entanto, é bom que se registre que, embora as taxas de crescimento do rendi-mento dessas duas categorias tenham sido superiores à das demais, são justamente elas as que possuem os menores patamares de remuneração.

Gráfico 13. brasil. rendimento médio real, habitualmente recebido na atividade PrinciPal, Por

Posição na ocuPação, nas 6 reGiões metroPolitanas – 2006 a 2012

80 ,0

90 ,0

100 ,0

110 ,0

120 ,0

130 ,0

140 ,0

150 ,0

jan/

06

ago/

06

mar

/07

out/

07

mai

/08

dez/

08

jul/

09

fev/

10

set/

10

abr/

11

nov/

11

jun/

12

Jane

iro d

e 20

06=1

00

Com carteira - setor privado

Sem Carteira - setor privado

Conta própria

Fonte: PME-IBGE. Elaboração Grupo de Economia / Fundap.

Outro indicador importante da estruturação do mercado de trabalho diz res-peito à capacidade dos trabalhadores de defenderem ganhos reais de salários. As negociações salariais apresentadas pelo Sistema de Acompanhamento de Salários (SAS-Dieese) apresentaram resultados positivos para os trabalhadores entre os anos 2008 e 2012 (Tabela 10). Das 704 unidades de negociação analisadas em 2012, cerca de 95% obtiveram aumento salarial acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC-IBGE), superando a mera reposição da inflação. Cabe ressaltar que, em 2008, essa parcela representava apenas 78,3% das nego-ciações. Os maiores saltos quantitativos de reajuste salarial ocorreram em 2010 e

a economia brasileira no contexto da crise global 242

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2012, o primeiro registrando aumentos acima do índice inflacionário de 7 p.p. em relação a 2009 e o ano de 2012 com crescimento de 7,5 p.p., em relação a 2011 (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL..., 2013).

A Tabela 11 traz outro indicador importante: as faixas salariais nas quais se encontram as vagas criadas no setor formal. No período de 2003 a 2012, houve criação líquida de vagas apenas naquelas de até dois salários mínimos (SM). Nas demais, o que ocorreu foi uma perda líquida de vagas – ou seja, um número de demissões superior ao de admissões.

Embora esse dado seja bastante eloquente sobre o padrão de criação de vagas no mercado de trabalho formal brasileiro, cabem duas qualificações importantes. Em primeiro e privilegiado lugar, desde 2003, houve uma variação significativa do salário mínimo: um aumento de 159,2%, até 2012. Assim, ainda que se tenha verificado um padrão de criação de vagas concentrado nas faixas até 2 SM, deu-se um importante aumento do rendimento do trabalho (Tabela 12).

tabela 10. brasil. distribuição dos reajustes salariais, em comParação com o inPc-ibGe –2008 a 2012 (em %)

Variação 2008 2009 2010 2011 2012

Acima do INPC - IBGE 78,3 80,5 87,8 87,1 94,6

Mais de 5% acima 0,6 1,7 4,3 1,4 4,4

De 4,01% a 5% acima 0,9 1,4 3,4 1,4 4

De 3,01% a 4% acima 3,3 2,8 8,8 5,7 3,7

De 2,01% a 3% acima 9,7 11,4 16,3 15,2 28,4

De 1,01% a 2% acima 29,7 25,7 27,7 36,1 34,2

De 0,01% a 1% acima 34,2 37,5 27,3 27,3 19,9

Igual ao INPC-IBGE 10,7 11,6 7,7 7,1 4,1

De 0,01% a 1% abaixo 9,5 5,4 4 4,8 1,1

De 1,01% a 2% abaixo 0,9 0,6 0,1 0,4 0,1

De 2,01% a 3% abaixo 0,3 0,6 0,1 0,3 0

De 3,01% a 4% abaixo 0 0,1 0,1 0 0

De 4,01% a 5% abaixo 0 0,1 0,1 0 0

Mais de 5% abaixo 0,4 1 0 0,3 0

Abaixo do INPC-IBGE 11,1 7,8 4,5 5,8 1,3

Total 100 100 100 100 100

Fonte: Dieese. Sistema de Acompanhamento de Salários (SAS-Dieese). Nota: Para efeitos de comparação, foram considerados, em todos os anos, os reajustes salariais das mesmas 704 unidades

de negociação.

a economia brasileira no contexto da crise global 243

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tabela 11. brasil. criação de vaGas, Por faiXa salarial mensal em salários-mínimos –

2006 a 2012

Faixa salarial mensal 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

ATE 0,5 23.527 24.894 26.676 29.205 41.324 45.333 4.512

0,51 A 1,0 480.794 493.055 515.807 461.593 687.368 524.066 17.365

1,01 A 1,5 834.349 1.018.323 1.040.019 1.060.577 1.410.067 1.224.785 78.171

1,51 A 2,0 211.086 286.321 174.882 8.771 301.536 117.812 23.910

Subtotal 1: Até 2 SM 1.549.756 1.822.593 1.757.384 1.560.146 2.440.295 1.911.996 123.958

2,01 A 3,0 -81.799 -39.397 -118.471 -245.945 -127.796 -139.636 -2.366

3,01 A 4,0 -73.994 -46.289 -71.902 -111.101 -74.254 -97.684 -2.112

4,01 A 5,0 -49.013 -47.147 -40.858 -63.548 -38.566 -37.273 1.160

5,01 A 7,0 -54.702 -37.869 -47.808 -63.105 -37.630 -38.599 -589

7,01 A 10,0 -24.899 -16.570 -12.256 -38.871 -12.534 -17.266 308

Subtotal 2: De 2 a 10 SM -284.407 -187.272 -291.295 -522.570 -290.780 -330.458 -3.599

10,01 A 15,0 -21.435 -14.021 -12.584 -26.438 -13.354 -8.214 -408

15,01 A 20,0 -8.316 -5.596 -6.516 -11.133 -5.019 -7.282 -174

MAIS DE 20,0 -15.935 -11.497 -11.806 -20.267 -8.858 -7.517 -388

Subtotal 3: Mais de 10 SM -45.686 -31.114 -30.906 -57.838 -27.231 -23.013 -970

IGNORADO 9.023 13.185 17.021 15.372 14.663 7.518 -494

TOTAL 1.228.686 1.617.392 1.452.204 995.110 2.136.947 1.566.043 118.895

Fonte: Caged/MTE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Em segundo lugar, mesmo que tenha ocorrido uma criação líquida de vagas negativa (na qual o número de demissões é superior ao de admissões) nas faixas salariais superiores a 2 SM no período analisado, isso não significa que o estoque de emprego formal tenha sofrido redução nessas faixas. Nas faixas compreendidas entre 2 SM e 15 SM, o que se observa é um crescimento do estoque abaixo da média (Tabela 13). De forma consistente com o que ocorre no fluxo anual, as faixas que crescem acima da média (31,7%) são as de remuneração de até 2 SM – especialmente as de 1 a 1,5 SM (41,7%) e de até 0,5 SM (46,6%).

O último dos indicadores da qualidade dos postos de trabalho gerados aqui considerado é a taxa de rotatividade da mão de obra. No Brasil, essa taxa é pre-ocupantemente elevada, o que significa um mercado de trabalho caracterizado por uma extensa gama de postos de trabalho com grande instabilidade, em que o baixo tempo de permanência no emprego reduz sensivelmente as possibilidades de aprendizado no local de trabalho e de ascensão profissional. A flexibilidade

a economia brasileira no contexto da crise global 244

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tabela 12. brasil. salário mínimo a Preços correntes

Vigência R$

3/4/2000 151,00

1/4/2001 180,00

1/4/2002 200,00

1/4/2003 240,00

1/5/2004 260,00

1/5/2005 300,00

1/4/2006 350,00

1/4/2007 380,00

1/3/2008 415,00

1/2/2009 465,00

1/1/2010 510,00

1/3/2011 545,00

1/1/2012 622,00

Variação (%) 3/12 159,17

Fonte: MTE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

tabela 13. brasil. estoque de emPreGo formal em 31/12, Por faiXa salarial mensal em salários

mínimos – 2006 a 2011

Faixa de Remuneração Média (SM)

2006 2007 2008 2009 2010 2011Variação

2011/2006 (%)

Até 0,50 131.993 148.320 141.687 167.185 185.112 193.475 46,6

0,51 a 1,00 1.685.712 1.753.944 1.794.063 1.926.033 2.114.719 2.005.783 19,0

1,01 a 1,50 9.633.094 10.859.324 11.505.083 12.844.368 13.838.780 13.654.575 41,7

1,51 a 2,00 6.564.456 7.050.473 7.423.057 7.711.917 8.403.823 9.080.747 38,3

Até 2 SM 18.015.255 19.812.061 20.863.890 22.649.503 24.542.434 24.934.580 38,4

2,01 a 3,00 6.372.280 6.647.069 6.979.831 7.070.393 7.534.089 8.334.334 30,8

3,01 a 4,00 3.109.456 3.231.922 3.385.075 3.416.909 3.587.251 3.904.538 25,6

4,01 a 5,00 1.903.354 1.932.566 1.982.020 1.949.415 2.049.658 2.224.017 16,8

5,01 a 7,00 2.052.450 2.112.827 2.204.786 2.173.764 2.230.607 2.439.029 18,8

7,01 a 10,00 1.408.900 1.436.008 1.490.017 1.427.161 1.482.708 1.606.178 14,0

De 2 a 10 SM 14.846.440 15.360.392 16.041.729 16.037.642 16.884.313 18.508.096 24,7

10,01 a 15,00 934.763 941.529 973.135 976.190 1.026.453 1.122.247 20,1

15,01 a 20,00 427.148 427.648 446.628 421.071 435.259 472.435 10,6

Mais de 20,00 579.410 564.794 594.017 566.312 574.083 618.117 6,7

Mais de 10 SM 1.941.321 1.933.971 2.013.780 1.963.573 2.035.795 2.212.799 14,0

Não classificados 352.233 501.006 522.167 556.828 605.813 655.156 86,0

Total 35.155.249 37.607.430 39.441.566 41.207.546 44.068.355 46.310.631 31,7

Fonte: Rais/MTE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

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quantitativa do trabalho, traço estrutural do mercado de trabalho brasileiro, ten-de a acentuar a gritante desigualdade que lhe é característica6.

Observa-se que a taxa de rotatividade do trabalho apresenta um comporta-mento pró-cíclico, elevando-se no início do aquecimento do mercado de traba-lho, a partir de 2005, e exibindo comportamento ascendente nos anos anteriores à crise e no ano imediatamente posterior (Gráfico 14). Em 2009, a taxa apresenta ligeira queda. Se, por um lado, isso mostra que os próprios trabalhadores encon-tram mais oportunidades de realocação quando o mercado está mais aquecido, por outro, evidencia a permanência de uma fragilidade estrutural.

Gráfico 14. brasil. rotatividade anual da mão de obra ocuPada – 2001 a 2010

39 ,6

38 ,1

37 ,1 37 ,0

39 ,339 ,9

40 ,6

44 ,7

43 ,9

46 ,4

34

36

38

40

42

44

46

48

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

ROTA

TIVI

DADE

ANOS

Fonte: FAT/MTE/RAIS e Caged-MTE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

Um dos dados interessantes do diagnóstico encomendado pelo Ministério do Trabalho ao Dieese (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL..., 2011) acerca da evolução da rotatividade do trabalho, no período de 2000 a 2009, diz respeito às causas dos desligamentos e mostra que eles ocorrem principalmente em contratos por tempo indeterminado e são, em sua maioria, de iniciativa do empregador.

6. Cabe acrescentar algumas explanações acerca das opções metodológicas, já presentes em Fracalanza e Nu-nes Ferreira (2012). Para o cálculo dos vários indicadores de rotatividade anual, utilizou-se a média aritmé-tica dos valores da rotatividade em cada mês de cada ano. Por sua vez, para as estimativas da rotatividade mensal, computou-se a razão entre o mínimo valor entre o total das admissões e demissões de cada mês do ano e o estoque de ocupados no primeiro dia do mês correspondente. Os fluxos de admitidos e demitidos em cada mês foram obtidos a partir de dados do Caged. Para o cálculo dos estoques mensais, utilizaram-se os dados da Rais. Contudo, uma vez que os dados da Rais fornecem os valores do estoque de ocupados em 31 de dezembro de cada ano, as estimativas dos estoques mensais nos primeiros dias de cada mês foram obtidas procedendo-se regressivamente – desde dezembro até janeiro de cada ano – ao desconto do fluxo de admitidos e à adição do fluxo de demitidos em cada mês, com base nos dados do Caged.

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Sobre esse ponto, vale notar que vários autores atribuem a alta rotatividade do trabalho fundamentalmente aos “incentivos” ao trabalhador para forçarem a demissão sem justa causa no intuito de terem acesso aos valores do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), especialmente no caso de trabalhado-res não qualificados, em empregos sem clara oportunidade de promoção7. Esse dado – em que pese a existência de um certo percentual de pessoas que, embora apareçam como demitidas “por iniciativa do empregador”, na verdade fizeram um acordo para serem demitidas – contraria esse argumento: 52,1% dos desliga-mentos ocorre sem justa causa por iniciativa do empregador e 19,2% ocorre pelo término do contrato de trabalho (DIEESE/SEADE, 2010).

Gráfico 15. brasil. relação entre salário médio dos admitidos e desliGados –

2006 a 2012

86 %

87 %

88 %

89 %

90 %

91 %

92 %

93 %

94 %

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: Caged-MTE. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

A análise da relação entre o salário médio dos trabalhadores admitidos e des-ligados sugere fortemente que a rotatividade da mão de obra reflete amiúde um expediente dos empregadores para redução de custos do trabalho. Assim, essa relação também apresenta uma evolução marcadamente pró-cíclica: a partir de 2004, com a melhora das condições da economia, aumenta continuamente e cai em 2009, no momento em que a crise atinge o mercado de trabalho.

De toda forma, importa notar que, mesmo no auge do recente ciclo de expansão – 2008 –, o diferencial de salários atingia 8 p.p., proporção não desprezível.

7. Nessa chave interpretativa, encontram-se, dentre outros, Amadeo e Camargo (1996) e Gonzaga (2003).

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Enfrentar a questão da rotatividade é de fundamental importância para avançar na estruturação do mercado de trabalho brasileiro. Ressalte-se que o debate a esse respeito foi reacendido desde o encaminhamento, em fevereiro de 2008, da proposta de ratificação pelo Congresso Nacional da Convenção n. 158, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que cria entraves à dispensa imotivada.

Considerações finais

O mercado de trabalho brasileiro apresentou grande dinamismo entre 2006 e 2012, com notável resiliência durante a crise. A recuperação no pós-crise ocorreu, porém, de maneira tímida e não homogênea. As ocupações do setor industrial adentram a segunda década dos anos 2000 em estado de alerta.

Nesse período, observaram-se avanços importantes em termos da estruturação do mercado de trabalho – notadamente a queda do desemprego, a elevação da formalização e o aumento da capacidade de negociação salarial –, inclusive das categorias mais frágeis como serviços domésticos, com consequentes ganhos reais de rendimento. Verificou-se, assim, um aumento do poder de compra da renda do trabalho, que, associado ao maior endividamento das famílias, contribuiu para a aceleração do consumo e a recuperação da economia.

No entanto, quando se analisam a composição setorial e outros indicadores da qualidade dos empregos gerados, encontram-se alguns motivos para preocupa-ção. Com efeito, notou-se que o dinamismo do mercado de trabalho se centrou fortemente no setor de serviços, ocorrendo, por parte da indústria, uma perda de participação na ocupação – especialmente nos setores tradicionais, sensíveis à valorização cambial e à concorrência chinesa.

Além disso, a maior parte dos empregos criados pertence às faixas de menor remu-neração e em atividades que demandam menor grau de instrução; e a taxa de rotati-vidade apresentou comportamento fortemente ascendente, o que é uma expressão da grande flexibilidade quantitativa que caracteriza o nosso mercado de trabalho.

Referências

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Introdução1

A política fiscal brasileira entre 2003 e 2013 pode ser dividida em dois perí-odos bastante específicos. O primeiro é uma composição entre a herança do go-verno Fernando Henrique Cardoso (FHC) e a influência do presidente do Banco Central do Brasil (BCB), Henrique Meirelles, e do Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, no comando da política econômica do primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (Lula). O segundo período teve seus contornos iniciais nos últimos meses do primeiro governo Lula, depois reforçados com o advento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); mas só se apresenta de forma plena a partir do aprofundamento da crise mundial em 2008. Esse segundo período prevalece ao longo do governo Dilma Rousseff (Dilma). A grande diferença entre os dois períodos refere-se ao modo como é entendido o papel da política fiscal no regime de política macroeconômica. Em verdade, essa diferença reflete uma mudança do próprio entendimento das funções do Estado na dinâmica da economia.

A entrevista do secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, ao jornal Va-lor Econômico, em abril de 2013, tornou clara a mudança de lógica na política fiscal. A meta implícita da política fiscal, na primeira década deste século, foi a evolução da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Agora,

1. Este artigo reproduz, em parte, argumentos e trechos do ensaio técnico “Sobre Fazer o Cumprimento da Meta de Superávit Primário”, escrito em parceria com Gabriel Leal de Barros, para o Ibre/FGV, em feve-reiro de 2013. Como de praxe, as opiniões são próprias e não das instituições citadas.

cAPÍtuLo 8

PoLÍticA fiScAL noS PóS-criSe de 2008: A crediBiLidAde PerdidA

geraldo BiaSoto Jr.JoSé roBerto aFonSo

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aflora, já de maneira mais nítida, a afirmação de que a política fiscal deve ter como meta o crescimento econômico, deixando a noção de fundamentos fiscais em segundo plano2.

O governo Dilma aprofundou a concepção da política fiscal herdada do se-gundo governo Lula. O investimento público em infraestrutura ganhou maior destaque – inclusive na forma de concessões –, reforçando a tendência iniciada com o advento da segunda fase do PAC e, posteriormente, com a tentativa de fa-zer o programa “Minha Casa Minha Vida” deslanchar nas regiões metropolitanas. Mas essa foi a menor mudança. Na esteira da crise de 2008, quando a utilização dos instrumentos estatais para composição da demanda e para a indução e me-lhoria no nível de atividade econômica chegou à saciedade, a política macroeco-nômica passou a ter na política fiscal uma alavanca permanente.

Ampliação do gasto corrente, de um lado, e redução de tributos, de outro, passaram a ser a norma da política fiscal do governo Dilma. Entretanto, vale notar que, muitas vezes, a estratégia de política acaba aprisionando o estrategista. De-senvolveram, assim, no seio das organizações beneficiadas, a estratégia de mostrar o frágil comportamento da economia para justificar o pleito de continuidade das benesses setoriais. No campo do gasto, outra observação deve ser feita: a própria estrutura da sustentação política do governo parece condicionar um perfil de des-pesas com estreita margem de controle e limitação.

Essa hipótese é bastante discutível, tendo em vista que a ampliação dos gastos concentra-se naqueles de natureza social, em especial, nas transferências. Por-tanto, não apenas a estrutura de sustentação política limitaria a possibilidade de reduzir esses gastos, mas também parcela expressiva da sociedade brasileira, com-posta das classes C, D e E, exerceria pressão em sentido contrário.

Mudar a política econômica e buscar outra configuração da política fiscal e, inclusive, da própria intervenção do Estado na economia não poderia ser um movimento realizado sem grandes questionamentos dos agentes econômicos, cuja aderência ao tripé fixado ainda no governo FHC parece completa. Mas o pior é que o governo Dilma operou a mudança sem explicitar seu movimento, o que só foi feito em 2013. Não se preocupou em discutir com o mercado e a sociedade sua nova abordagem. Não se preocupou em sustentar seus pontos de vista de que o constrangimento fiscal representava uma restrição ao crescimento do país. Ao contrário, deixou intacta a abordagem vigente desde 1999 e tentou operar toda

2. Em 29 de abril de 2013, Arno Augustin afirmou o seguinte, ao jornal Valor Econômico: “Estamos deixando claro desde o início do ano que para 2013 e 2014, e provavelmente será essa a política do governo para 2015 e 2016, que o [superávit] primário vai ser sempre uma variável da economia e não mais da dívida pública em si”.

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sorte de manipulações contábeis para demonstrar estar cumprindo as metas fiscais que o próprio governo propusera.

O cumprimento da meta de superávit primário do governo central e também do setor público, em 2012, só foi possível graças a uma complexa, criativa e heterodoxa engenharia fiscal. Para tanto, nos últimos dias do ano de 2012, foram editados a Medida Provisória n. 6003, os decretos presidenciais n. 7.880, n. 7.881 e sem nú-mero4, e a Resolução do Conselho Monetário Nacional n. 4.1755.

Em 2012, e a exemplo de anos anteriores, o mesmo banco estatal recebeu empréstimos do Tesouro com rendimentos extraordinários, mas não se sabe se os subsídios correspondentes foram devidamente calculados e pagos. Em parte pela venda das ações antes citadas, esse banco estatal gerou lucro tão somente graças a medidas excepcionais aplicadas apenas a ele e, assim, pôde recolher dividendos ao Tesouro. Este, por sua vez, usou as ações de empresas privadas para capitalizar outro banco estatal, ao qual também concedeu empréstimos extraordinários. O Tesouro não tem repassado ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) o montante anual apurado pela equalização de taxa devida ao BNDES (ou seja, a diferença entre a Taxa de Juros de Longo Prazo, TJLP, e a taxa cobrada dos projetos prioritários), mas não deixou de repetir e ampliar a concessão de empréstimos extraordinários, que, por sua vez, sustenta o orçamen-to financeiro do banco e, ainda, permite gerar lucros (em grande parte, advindos dos ganhos com esses próprios repasses, pela diferença entre o seu custo e o que rendem os títulos) – e, o principal, pagar mais dividendos ao Tesouro.

Medidas “heterodoxas” à parte, foi ainda levantada a hipótese de que o gover-no federal havia reclassificado projetos para que se tornassem investimentos passí-veis de abatimento da meta de superávit fiscal. Ademais, além de tratar subsídios habitacionais como se fossem investimentos, postergou empenhos e pagamentos para o exercício seguinte, deixou de pagar subsídios e repassar recursos vincula-dos e aumentou os restos a pagar no final do exercício, em ritmo superior ao do incremento do gasto.

Esse emaranhado de operações foi descoberto aos poucos pela imprensa es-pecializada6. Não foi emitida pelo governo federal sequer uma nota para a im-prensa, quanto mais apresentado algum documento formal e oficial explicando o conjunto de operações. Quando muito, depois de duras críticas da mídia, o

3. O texto da Medida Provisória n. 600 consta em: http://bit.ly/SLK6cf.4. A página do Diário Oficial com a íntegra dos três decretos é: http://bit.ly/SLJEea.5. A resolução publicada pelo Banco Central consta em: http://bit.ly/SLLpId.6. Para uma coletânea de notícias e artigos publicados pela mídia, ver: http://bit.ly/SLGuXR.

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ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o secretário do Tesouro, Arno Augustin, concederam entrevistas justificando e defendendo a legalidade e a regularidade das medidas7.

É forçoso reconhecer que não houve grande novidade em se lançar mão dessa engenharia fiscal, pois ela já tinha sido utilizada nos anos anteriores. O que, dessa vez, chamou a atenção foi a intensidade, a dimensão e o número de atos e de entes estatais envolvidos. Se, por um lado, muito foi criticada a falta de transparência, por outro lado, foi possível identificar e mensurar as operações ditas heterodoxas, a ponto de analistas8 passarem a apurar e a divulgar indicadores fiscais alternati-vos – isto é, sobre qual seria o verdadeiro resultado fiscal depois de expurgadas as medidas ditas heterodoxas, inclusive com alguma convergência sobre volume e evolução.

A engenharia fiscal só foi possível graças a uma prévia e importante engenharia financeira que compreendeu crescente endividamento público, volumoso crédito governamental para instituições financeiras e cada vez mais estreitas relações intras-setor público, além da maior dependência de financiamento do setor privado em relação a fontes públicas9, inclusive no mercado de capitais (AFONSO, 2011)10.

Essa complexa mescla de causas e consequências tem sido pouco observada, quanto menos estudada e avaliada. As medidas ou as excepcionalidades de natu-reza financeira e bancária antecederam e viabilizaram a engenharia fiscal. Por sua vez, essa engenharia resultou em uma conformação institucional em que bancos e empresas estatais dependem cada vez mais uns dos outros, e o setor privado também depende cada vez mais do financiamento público. Isso não significa, em si, uma distorção ou um defeito da economia brasileira ou de sua política econô-mica; mas cabe, ao menos, criticar que esse arranjo não tenha sido anunciado e assumido, de forma clara e objetiva, pelo governo federal e, sobretudo, que não tenha havido uma avaliação adequada sobre seus objetivos e resultados.

Para discutir a natureza da política fiscal e suas mediações com a estrutura financeira do Estado, o percurso seguido aqui implicará avaliar as trajetórias de receitas e despesas, com foco prioritário no período posterior ao aprofundamento da crise internacional, em 2008, e refletir sobre os movimentos do superávit pri-mário e das dívidas bruta e líquida do setor público. Em seguida, serão avaliados

7. Ver entrevistas em: http://bit.ly/SLFNO9 e http://migre.me/cYEz2.8 . Como Felipe Salto (2013) e Mauricio Oreng (2013).9. Sobre a evolução do crédito ao setor privado concedido pelos bancos públicos, entre 2009 e 2012, veja o

capítulo 4. 10. Análise detalhada das vinculações entre políticas fiscal e creditícia encontra-se em Afonso (2011).

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os diversos aspectos das operações contábeis, que envolveram a utilização dos bancos oficiais para o cumprimento das metas fiscais.

Os números do novo enfoque

A mudança nas contas públicas tem números especialmente elucidativos. En-tre 2002 e 2005, quando a carga tributária bruta média era inferior a 33% do PIB, a relação entre o superávit primário e o PIB situava-se entre 10% e 11%. A queda para um patamar de menos de 10% ocorreu em 2006, sendo que, em 2012, fixou-se em 6,7%. Mas é crucial notar que a queda na relação entre o superávit primário e a carga tributária bruta ocorreu com essa última chegando a mais que 35% do PIB. Ou seja, hoje o Estado cresceu em gastos e, ao mesmo tempo, ocupa mais espaço na extração de recursos da economia. A Tabela 1 mos-tra o comportamento do superávit primário, da carga tributária bruta e da relação superávit primário/carga tributária.

tabela 1. suPerávit Primário e carGa tributária bruta (2002 a 2012)

Ano Primário

(% do PIB)

Carga Tributária Bruta (% do

PIB)

Primário/Carga Tributária

2002 3,22 32,47 9,9%

2003 3,27 31,80 10,3%

2004 3,72 32,69 11,4%

2005 3,79 34,03 11,1%

2006 3,20 34,00 9,4%

2007 3,31 34,52 9,6%

2008 3,42 34,54 9,9%

2009 2,00 33,29 6,0%

2010 2,70 33,53 8,1%

2011 3,11 35,31 8,8%

2012 2,38 35,40 6,7%

Fonte: Banco Central do Brasil e Secretaria da Receita Federal. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

A percepção dos agentes econômicos de que a política macroeconômica já não tem o superávit primário como um de seus objetivos pode ser confirmada pela evolução recente das Necessidades de Financiamento do Setor Público não finan-ceiro (NFSP). A Tabela 2 mostra o superávit primário no período entre 2007, ano em que persiste o padrão firmado desde 1999, e junho de 2013. Para o conjunto

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do setor público, o patamar médio de 3,5% do PIB, que vinha sendo mantido inclusive em 2007 e 2008, foi abandonado, não só no período mais intenso da crise, em 2009, mas também nos 18 meses seguintes. Não há dúvida de que a meta governamental tornou-se inferior a 2,5% do PIB.

tabela 2. necessidades de financiamento do setor Público (suPerávit Primário) –

acumulado no ano (em % do Pib)

2007 2008 2009 2010 2011 20122013 (junho)

Superávit Primário -3,31 -3,42 -2,00 -2,70 -3,11 -2,38 -2,25

Nível federal -2,17 -2,34 -1,26 -2,07 -2,26 -1,93 -1,45

Governo federal -3,94 -3,56 -2,65 -3,24 -3,12 -2,90 -2,64

Bacen 0,02 0,02 0,02 0,01 0,01 0,02 0,01

INSS 1,69 1,19 1,32 1,14 0,86 0,93 1,17

Empresas estatais federais 0,06 0,01 0,05 0,02 -0,01 0,02 0,01

Nível regional -1,14 -1,08 -0,74 -0,63 -0,85 -0,45 -0,81

Governos estaduais -0,98 -0,86 -0,55 -0,45 -0,72 -0,43 -0,68

Governos municipais -0,15 -0,15 -0,09 -0,10 -0,08 -0,06 -0,11

Empresas estatais estaduais -0,01 -0,07 -0,08 -0,07 -0,04 0,04 -0,00

Empresas estatais municipais -0,00 -0,00 -0,01 -0,01 -0,01 -0,01 -0,01

Fonte: Banco Central do Brasil.

Dois aspectos indicam que a política econômica trocou a política fiscal austera pelo estímulo à demanda. Em primeiro lugar, é visível que o segmento ‘governo federal’ (exceto Banco Central e INSS) foi responsável por grande parte da queda no superávit primário, de 3,9% do PIB para 2,9% do PIB, entre 2007 e 2012, passando a 2,6% do PIB no primeiro semestre de 2013. Em segundo lugar, o governo federal voltou a permitir aos governos estaduais a obtenção de financia-mentos junto às instituições oficiais de crédito. Premido pela forte contestação ao Acordo da Dívida de 1997, o governo federal resolveu contornar a questão abrin-do linhas de crédito aos estados, o que se espelha na queda do superávit primário em 2012 (BIASOTO JR., 2011).

A evolução da receita em meio à política de desonerações

As receitas do Tesouro Nacional tiveram comportamento favorável durante o primeiro biênio do governo Dilma; notadamente, levando-se em conta a forte utilização das receitas tributárias nas estratégias de desoneração tributária para

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suporte da demanda corrente da economia. Em 2012, a receita total do Tesouro atingiu 24,1% do PIB, patamar 0,8 ponto percentual do PIB acima do registrado em 2007 (Tabela 3). Vale notar que, em 2010, essa mesma receita havia alcança-do 24,4% do PIB. No entanto, tal comportamento deveu-se a um movimento singular: a capitalização da Petrobras, que implicou 2% do PIB de arrecadação para o Tesouro Nacional. Na medida em que essa é uma receita que se baseia em patrimônio virtual (concessão de barris ainda no fundo do mar), é mais correto trabalhar com uma receita do Tesouro, em 2010, de 22,4% do PIB.

A análise das receitas, de forma desagregada, mostra alguns movimentos dignos de destaque: (a) a perda de receitas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em torno de 0,3% do PIB, o imposto mais atingido pela desoneração; (b) o forte ganho de receita do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que quase dobra no período, especialmente por sua incidência sobre os movimentos de capi-tal; (c) a perda nas contribuições sociais, decorrente basicamente do fim da Contri-buição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e, mais recentemente, dos problemas com a arrecadação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – Combustíveis (Cide-Combustíveis); e (d) as receitas com dividen-dos, que chegaram, em 2012, a 0,6% do PIB, o dobro do registrado em 2007.

Um aspecto bastante relevante na análise das receitas é a comparação da evolução do imposto de renda para pessoa física e os rendimentos do trabalho, em compara-ção com as receitas do INSS. Enquanto a tributação da renda ficou absolutamente estável, a receita de Previdência Social, na sua parte urbana, cresceu de 5,1% do PIB para 6,1% do PIB, uma expansão de 20%, em proporção do PIB. Um comporta-mento tão díspar para uma base de incidência relativamente semelhante encontra explicação no perfil de formalização e na criação de vagas do mercado de trabalho recente. Como o grande movimento de expansão do trabalho formal foi focalizado nas remunerações inferiores a dois salários mínimos, a grande maioria ficou fora das faixas submetidas à tributação da renda, por conta dos limites de isenção.

A despesa primária em crescimento

A execução financeira do Tesouro Nacional em 2012 indicou, de maneira inequívoca, que o governo federal passou a correr atrás dos números fiscais e tem grande dificuldade para controlar suas contas. A Tabela 4 mostra que a expansão do gasto foi contínua. A despesa total do Tesouro saiu de 10,08% do PIB, em 2007, para 11,01% do PIB, em 2012. A incorporação da despesa com a capita-lização da Petrobras elevou sobremaneira os gastos em 2010, gerando um efeito

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tabela 3. receita Primária do Governo federal1 – 2007 a 2012 (em % do Pib)

DISCRIMINAÇÃO 2007 2008 2009 2010 2011 2012

1. RECEITA TOTAL 23,3% 23,6% 22,8% 22,4% 23,9% 24,1%Receitas do Tesouro Nacional 17,9% 18,2% 17,1% 16,7% 17,9% 17,8%

Receita Bruta 18,4% 18,6% 17,6% 17,1% 18,3% 18,2%

Impostos 8,1% 8,9% 8,0% 7,9% 8,6% 8,5%

IR 6,0% 6,3% 5,9% 5,5% 6,0% 6,0%

IR - Pessoa Física 0,5% 0,5% 0,5% 0,5% 0,5% 0,6%

IR - Pessoa Jurídica 2,6% 2,8% 2,6% 2,4% 2,5% 2,5%

IR - Retido na Fonte 2,9% 3,0% 2,8% 2,7% 3,0% 3,0%

IRRF - Rendimentos do Trabalho 1,6% 1,7% 1,6% 1,6% 1,7% 1,7%

IRRF - Rendimentos do Capital 0,8% 0,8% 0,7% 0,6% 0,8% 0,7%

IRRF - Remessas ao Exterior 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3%

IRRF - Outros Rendimentos 0,2% 0,2% 0,2% 0,2% 0,2% 0,2%

IPI 1,3% 1,3% 0,9% 1,1% 1,1% 1,0%

IPI - Fumo 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1%

IPI - Bebidas 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1%

IPI - Automóveis 0,2% 0,2% 0,1% 0,2% 0,2% 0,1%

IPI - Vinculado à importação 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,4%

IPI - Outros 0,6% 0,6% 0,5% 0,4% 0,5% 0,4%

IOF 0,3% 0,7% 0,6% 0,7% 0,8% 0,7%

Imposto de Importação 0,5% 0,6% 0,5% 0,6% 0,6% 0,7%

Contribuições 8,2% 7,1% 6,6% 6,6% 6,9% 6,9%

Cofins 3,9% 4,0% 3,6% 3,7% 3,8% 4,0%

CPMF 1,4% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%

CSLL 1,3% 1,5% 1,4% 1,2% 1,4% 1,3%

Cide-Combustíveis 0,3% 0,2% 0,1% 0,2% 0,2% 0,1%

Pis/Pasep 1,0% 1,0% 1,0% 1,1% 1,0% 1,0%

Salário Educação 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3%

Outras2 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,2%

Demais 2,2% 2,6% 3,1% 2,6% 2,8% 2,9%

CPSS3 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3%

Cota-parte de compensações financeiras 0,6% 0,8% 0,6% 0,6% 0,7% 0,8%

Diretamente arrecadadas 0,7% 0,7% 0,7% 0,7% 0,8% 0,9%

Concessões 0,1% 0,2% 0,1% 0,0% 0,1% 0,1%

Dividendos 0,3% 0,4% 0,8% 0,6% 0,5% 0,6%

Outras 0,3% 0,2% 0,5% 0,3% 0,4% 0,2%(-) Restituições -0,5% -0,4% -0,5% -0,4% -0,4% -0,4%(-) Incentivos Fiscais 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%

Receitas da Previdência Social 5,3% 5,4% 5,6% 5,6% 5,9% 6,3%Urbana 5,1% 5,2% 5,5% 5,5% 5,8% 6,1%Rural 0,2% 0,2% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1%

Receitas do Banco Central 0,0% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1%2. TRANSFERÊNCIAS TOTAL4 4,0% 4,4% 3,9% 3,7% 4,2% 4,1%

Transferências Constitucionais 3,1% 3,4% 3,0% 2,8% 3,1% 3,0%Lei Complementar n. 87/1996 e Lei Complementar n. 115/20025 0,1% 0,2% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1%Transferências da Cide-Combustíveis 0,1% 0,1% 0,0% 0,0% 0,1% 0,0%Demais Transferências 0,7% 0,8% 0,8% 0,8% 0,9% 1,0%

3. RECEITA LÍQUIDA TOTAL (1-2) 19,3% 19,2% 18,9% 20,7% 19,7% 20,0%

Fonte: Banco Central. (1) Apurado pelo conceito de caixa, que corresponde ao ingresso efetivo na Conta Única.

(2) A partir de 1/3/2012, inclui recursos de complementação do FGTS, conforme previsto na Portaria STN n. 278, de 19/4/2012. (3) Exclui da receita da Contribuição para o Plano da Seguridade Social (CPSS) a parcela patronal da CPSS do servidor

público federal, sem efeitos no resultado primário consolidado. (4) Apurado pelo conceito de “pagamento efetivo”, que corresponde ao valor do saque efetuado na Conta Única.

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tabela 4. desPesas Primárias do Governo central1 – 2007 a 2012 (em % do Pib)

DISCRIMINAÇÃO 2007 2008 2010 2011 2012

DESPESA TOTAL 17,12% 16,42% 17,44% 17,48% 18,28%

Despesas do Tesouro 10,08% 9,76% 10,60% 10,60% 11,01%

Pessoal e Encargos Sociais2 4,37% 4,31% 4,42% 4,33% 4,23%

Custeio e Capital 5,69% 5,41% 6,15% 6,22% 6,73%

Despesa do FAT 0,70% 0,69% 0,80% 0,84% 0,89%

Abono e Seguro-desemprego 0,68% 0,67% 0,79% 0,82% 0,88%

Demais Despesas do FAT 0,02% 0,02% 0,01% 0,01% 0,01%

Subsídios e Subvenções Econômicas 0,38% 0,20% 0,21% 0,25% 0,26%

Operações Oficiais de Crédito e Reordenamento de Passivos 0,29% 0,11% 0,13% 0,16% 0,16%

Equalização de Custeio Agropecuário 0,04% 0,01% 0,01% 0,02% 0,03%

Equalização de Investimento Rural e Agroindustrial 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%

Política de Preços Agrícolas 0,04% 0,03% 0,07% 0,01% 0,01%

Equalização de Empréstimo do Governo Federal 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%

Equalização de Aquisições do Governo Federal 0,00% -0,01% 0,03% -0,01% -0,00%

Garantia à Sustentação de Preços 0,04% 0,03% 0,04% 0,02% 0,01%

Pronaf 0,03% 0,03% 0,00% 0,06% 0,04%

Proex 0,01% 0,00% 0,00% 0,01% 0,01%

Programa Especial de Saneamento de Ativos (Pesa) 0,02% 0,02% 0,01% 0,02% 0,01%

Álcool 0,00% 0,00%

Cacau 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%

Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH) 0,00% 0,01% 0,00% 0,00% 0,00%

Securitização da dívida agrícola (LEI 9.138/1995) 0,05% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%

Fundo da terra/ INCRA 0,06% 0,03% 0,02% 0,02% 0,01%

Funcafé 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%

Revitaliza 0,00% 0,00% 0,00%

Programa de Sustentação ao Investimento (PSI) 0,01% 0,02%

Microcrédito Produtivo Orientado (MPO) 0,01%

Capitalização à Empresa Gestora de Ativos (Emgea) 0,02% 0,02% 0,01% 0,01% 0,02%

Subvenção Parcial à Remuneração para Cessão de Itaipu 0,00% 0,01%

Despesas com Subvenções aos Fundos Regionais 0,08% 0,09% 0,09% 0,09% 0,10%

Benefícios Assistenciais (Loas e RMV) 0,53% 0,53% 0,59% 0,60% 0,66%

Outras Despesas de Custeio e Capital 4,08% 3,99% 4,54% 4,53% 4,92%

Sentenças Judiciais e Precatórios 0,05% 0,05% 0,06% 0,06% 0,07%

Legislativo 0,04% 0,03% 0,03% 0,03%

Judiciário 0,15% 0,15% 0,14% 0,16%

Crédito Extraordinário (exclui PAC) 0,30% 0,15% 0,23% 0,12% 0,06%

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 0,28% 0,37% 0,59% 0,68% 0,89%

Outras Despesas Obrigatórias 0,04% 0,06% 0,08% 0,06% 0,10%

Discricionárias 3,24% 3,17% 3,41% 3,44% 3,56%

Compensação RGPS 0,04%

Transferência do Tesouro ao Banco Central 0,02% 0,03% 0,03% 0,05% 0,05%

Benefícios Previdenciários 6,96% 6,58% 6,76% 6,79% 7,19%

Benefícios Previdenciários – Urbano 5,59% 5,27% 5,27% 5,31% 5,58%

Sentenças Judiciais e Precatórios 0,15% 0,14% 0,12%

Benefícios Previdenciários – Rural 1,37% 1,32% 1,49% 1,48% 1,62%

Sentenças Judiciais e Precatórios 0,04% 0,04% 0,04%

Despesas do Banco Central 0,07% 0,08% 0,08% 0,09% 0,09%

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. (1) Apurado pelo conceito de “pagamento efetivo”, que corresponde ao valor do saque efetuado na Conta Única.

(2) Exclui a parcela patronal da CPSS do servidor público federal.

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ilusório de retração do gasto em 2011 e 2012. A Tabela 4 não considera, contudo, os gastos com a referida operação, porque se trata apenas de um fato isolado, afe-tando tanto a receita como a despesa.

A avaliação dos componentes do gasto federal no período de 2007 a 2012 mostra que a elevação foi generalizada. A exceção foi o gasto com pessoal. Em 2007, as despesas com pessoal e encargos sociais atingiram 4,37% do PIB. A polí-tica de ampliação generalizada das remunerações das carreiras do funcionalismo, combinada com a realização de inúmeros concursos de acesso, ampliou o gasto para 4,68% do PIB, em 2009. Depois de 2010, a reversão se deu com a política de contenção salarial. Em 2012, o gasto com pessoal limitou-se a 4,23% do PIB. Vale notar que a trajetória salarial fez com que os gastos com pessoal reduzissem sua participação na despesa total do Tesouro Nacional de 43,4% para 38,4%, no período em foco. O outro macrocomponente do gasto do Tesouro que teve retra-ção, em termos de porcentagem do PIB, foi o relativo a subsídios e subvenções econômicas, que inclui as operações de crédito oficiais e os subsídios ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI) e empréstimos agrícolas.

A expansão da despesa foi capitaneada pelo item “Outros Custeios de Capi-tal”, que aumentaram, entre 2007 e 2010, de 4,08% do PIB para 4,92% do PIB. Dentre essas despesas, mereceu destaque o gasto com o PAC, que saiu de 0,28% para 0,89% do PIB, embora o grande salto tenha se dado apenas em 2010. Vale notar que não há mais como identificar estritamente os gastos do PAC com inves-timento público, dado que também passaram a ser considerados diversos gastos correntes. Por outra via, embora tenha persistido a queixa das autoridades econô-micas contra os gastos obrigatórios, foram as despesas discricionárias o segundo grande condicionante da expansão do gasto: passaram de 3,24% para 3,56% do PIB, entre 2007 e 2010.

Dois outros aspectos do gasto no período de 2007 a 2012 merecem destaque. O primeiro foi o persistente crescimento das despesas do Fundo de Amparo ao Tra-balhador (FAT), de 0,70% do PIB para 0,89% do PIB, e a expansão contínua dos gastos com as políticas de proteção ao idoso e ao deficiente, previstas na Lei Orgâ-nica da Assistência Social (Loas), de 0,53% do PIB para 0,66% do PIB. O segundo aspecto foi a ampliação do gasto com a desoneração da contribuição patronal sobre a folha salarial, que deve custar até 0,46% do PIB em 2014, segundo estimativas oficiais, repondo recursos subtraídos das tradicionais receitas do INSS.

Os dados de 2013 não permitem afirmar que o quadro de expansão do gasto será revertido. A Tabela 5 mostra que, entre janeiro e junho de 2013, as receitas líquidas do Tesouro (inclusive Previdência Social) chegaram a R$ 417,6 bilhões,

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com queda nominal de 2,3%, em relação aos dados do mesmo período de 2012. As despesas totais do Tesouro avançaram, entretanto, 12,9% na mesma base de comparação, resultando em um superávit primário de R$ 32,3 bilhões, isto é, um recuo de 32,8% em relação aos R$ 48,1 bilhões do mesmo período de 2012.

tabela 5. desPesa do tesouro nacional – acumulado de janeiro a junho de 2012 e 2013 (em r$ mil)

2012 2013Variação Nominal

RECEITA LÍQUIDA TOTAL 427.589,6 417.654,7 -2,3%

DESPESA TOTAL1 379.621,4 428.413,3 12,9%

Despesas do Tesouro Nacional 231.593,8 259.780,5 12,2%

Pessoal e Encargos Sociais2 89.525,5 96.317,7 7,6%

Custeio e Capital 140.983,1 162.245,0 15,1%

Despesa do FAT 14.189,2 17.333,8 22,2%

Abono e Seguro-desemprego 14.007,2 17.095,5 22,0%

Demais Despesas do FAT 182,0 238,3 31,0%

Subsídios e Subvenções Econômicas 7.838,2 6.230,4 -20,5%

Operações Oficiais de Crédito e Reordenamento de Passivos 5.737,5 3.938,8 -31,4%

Despesas com Subvenções aos Fundos Regionais 2.100,7 2.291,6 9,1%

Benefícios Assistenciais (Loas e RMV) 14.537,7 16.832,6 15,8%

Outras Despesas de Custeio e Capital 104.418,0 121.848,3 16,7%

Outras Despesas de Custeio 71.584,9 88.681,5 23,9%

Outras Despesas de Capital 32.833,1 33.166,8 1,0%

Transferência do Tesouro ao Banco Central 1.085,1 1.217,8 12,2%

Benefícios Previdenciários 146.399,2 166.740,8 13,9%

Benefícios Previdenciários – Urbano3 113.389,5 128.940,0 13,7%

Benefícios Previdenciários – Rural3 33.009,6 37.800,8 14,5%

Despesas do Banco Central 1.628,5 1.892,0 16,2%

RESULTADO PRIMÁRIO DO GOVERNO CENTRAL 48.061,8 32.304,1 -32,8%

JUROS NOMINAIS -82.250,0 -78.756,0 -4,2%

RESULTADO NOMINAL DO GOVERNO CENTRAL -34.188,3 -46.451,9 35,9%

Fontes: Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e Ministério da Previdência Social. (1) Apurado pelo conceito de “pagamento efetivo”, que corresponde ao valor do saque efetuado na Conta Única. A partir de 1/3/2012, inclui recursos de complementação do FGTS e despesas realizadas com recursos dessa contribuição, conforme

previsto na Portaria STN n. 278, de 19/4/2012. (2) Exclui, da receita da Contribuição para o Plano da Seguridade Social (CPSS) e da despesa de pessoal, a parcela patronal

da CPSS do servidor público federal, sem efeitos no resultado primário consolidado. (3) A apuração do resultado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) por clientela urbana e rural é realizada pelo

Ministério da Previdência Social, segundo metodologia própria.

Mas a trajetória acima delineada ganha contornos mais graves quando a execução financeira do Tesouro Nacional é analisada de forma mais detalhada. O grande responsável pela ampliação da despesa, em 2013, muito acima da inflação foi o item Outras Despesas de Custeio, cujo crescimento foi de 23,9% – cerca de R$ 17 bilhões a mais do que o verificado no mesmo período de 2012. No campo da despesa corrente, vale notar a manutenção da trajetória de

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crescimento do FAT: 22,2% maior do que o verificado no primeiro semestre de 2012. Os gastos com benefícios da previdência (INSS) e de assistência (Loas) cresceram 13,9% e 15,8%, respectivamente. Apenas dois itens expressivos ti-veram comportamento próximo ao da inflação no período: a variação nominal das despesas com pessoal e encargos foi de 7,6%, enquanto os gastos, efetiva-mente pagos, com despesas de capital avançaram apenas 1%, o que, em termos reais, representou uma retração.

No campo do gasto público, é importante, contudo, manter a análise dos da-dos recentes sob o crivo da tendência de longo prazo. Os dados de 1999 até 2012 mostram uma tendência de elevação quase generalizada dos componentes do gas-to. No conjunto, o gasto real (exclusive juros) aumentou de 14,5% para 18,2% do PIB entre 1999 e 2012. Ao contrário do senso comum, que sustenta que o governo Lula promoveu grandes ajustes salariais, verificou-se que a despesa com pessoal não passou do patamar de 4,8% do PIB, atingido em 2001 e 2002. Desde então, o único ano em que tais gastos superaram 4,5% do PIB foi 2009, sendo que, em 2012, atingiram o percentual mais baixo em 14 anos (4,2% do PIB). Da mesma forma, as despesas administrativas têm apresentado um comportamento oscilante, mas sem mudanças claras de patamar.

O grande responsável pela elevação da relação entre o gasto federal e o PIB foi o INSS, cujo pagamento de benefícios experimentou expansão de cerca de 2,7% do PIB, como demonstram a Tabela 6 e o Gráfico 1. Logicamente, esse compor-tamento foi determinado pela expansão do salário mínimo em patamares reais muito expressivos, o que beneficiou a base dos aposentados e pensionistas, dado que os benefícios superiores ao piso foram corrigidos apenas pela inflação. A nova regra de correção do salário mínimo, que estabeleceu ganhos reais proporcionais

tabela 6. desPesas do Governo central – 1999 a 2012 (em % do Pib)

Ano Pessoal INSSCusto

Administrativo Custeio Saúde

e Educação Custeio Gastos

Sociais Investimento Outros Total

1999 4,47% 5,50% 1,59% 1,75% 0,59% 0,50% 0,08% 14,48%

2000 4,57% 5,58% 1,50% 1,76% 0,59% 0,66% 0,08% 14,74%

2001 4,80% 5,78% 1,00% 1,82% 0,90% 1,17% 0,08% 15,55%

2002 4,81% 5,96% 1,13% 1,83% 0,96% 0,95% 0,08% 15,72%

2003 4,46% 6,30% 1,16% 1,71% 1,00% 0,40% 0,10% 15,13%

2004 4,31% 6,48% 1,15% 1,71% 1,21% 0,62% 0,11% 15,59%

2005 4,30% 6,80% 1,47% 1,78% 1,29% 0,64% 0,11% 16,39%

2006 4,45% 6,99% 1,43% 1,70% 1,56% 0,74% 0,10% 16,97%

2007 4,37% 6,96% 1,45% 1,78% 1,63% 0,83% 0,09% 17,11%

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Elaboração: Mansueto Almeida (disponível em: <http://mansueto.wordpress.com>). Nota: O item “Outros” corresponde às transferências do Tesouro Nacional ao Banco Central e despesas do Banco Central.

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ao crescimento do PIB, beneficiou também os trabalhadores de baixa renda, com rendimentos entre um e três salários mínimos.

No campo das despesas da máquina pública, merece destaque o custeio de gastos sociais, que não considera saúde e educação. Esses gastos aumentaram de 0,6% para mais de 2% do PIB, entre 1999 e 2012. Neles estão compreendidos, principalmente, os programas de transferência de renda (como o Bolsa Família), mas também são expressivos os aumentos de despesa com programas de diversas áreas sociais. O segundo destaque cabe aos investimentos, que saíram do patamar de 0,6% do PIB para mais de 1% do PIB, no período de 2000 e 2012, impulsio-nado pelo PAC. Por fim, no campo da educação e saúde, as despesas passaram de algo entre 1,75% e 1,8% do PIB, no início da série, para 2,2% do PIB, dez anos depois. Vale notar que, tendo em vista a crise do financiamento da saúde, na qual o gasto caiu em percentagem do PIB, foi a educação que explicou o aumento. Em verdade, com a extinção da DRU (Desvinculação de Receitas da União), a vin-culação constitucional de 18% das receitas de impostos voltou a ser aplicada sem deduções, o que ampliou fortemente o orçamento do Ministério da Educação.

O governo federal até colocou questões relevantes ao discutir as variáveis fis-cais. Manter dentro do conceito de déficit público as estatais produtivas e com retorno razoavelmente assegurado para seus investimentos, como a Petrobras, não é correto para situações de crise. Excluir os recursos do PAC é, contudo, algo ain-da mais discutível; afinal, as dificuldades que se têm apresentado, em termos de

Gráfico 1. desPesas federais Por PrinciPais GruPos (em % do Pib)

0

1

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2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Pessoal Previdência InvestimentoCusteio

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

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retorno econômico, não autorizam afirmar que o endividamento será pago com o retorno dos recursos aplicados. Fazer poupança com fundo soberano para utilizar em outro ano, por sua vez, não tem o menor significado macroeconômico, dado que o relevante é apurar o resultado na dinâmica corrente11.

E o entusiasmo governamental foi além. Uma obscura concessão onerosa de barris de petróleo, enterrados a quilômetros no fundo do oceano, foi o ponto ini-cial de uma complexa operação que fez retornar ao Tesouro, como receita primá-ria, R$ 75 bilhões. Na sequência, empresas e bancos estatais passaram a produzir dividendos acima dos níveis históricos. Novamente, a receita primária entrava nos cofres do Tesouro para ampliar o superávit primário.

Mas como as coisas sempre podem piorar, estratégia adicional da Secretaria do Tesouro consistiu em fazer uma emissão de títulos equivalente ao fluxo de receitas que virá de Itaipu até 2023 para a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). Esses títulos não serão considerados como endividamento, para efeito do déficit público, porque a Medida Provisória n. 615, de maio de 2013, autorizou a CDE a contabilizar antecipadamente os créditos que receberá nos próximos 10 anos.

A evolução da dívida pública

Embora seja quase senso comum que a evolução da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) é função do superávit primário, é importante frisar que há outros determinantes de sua dinâmica. A Tabela 7 mostra que, nos anos de 2011 e 2012, a DLSP caiu 2,7% do PIB e 1,2% do PIB, respectivamente. No primeiro ano, os juros nominais de 5,7% do PIB foram mais que compensados pelo superávit primário de 3,1% do PIB, somado à expansão do PIB de 3,5% e ao ajuste cambial de 1,6%. Esse último refletiu a desvalorização do real sobre o estoque liquida-mente credor em moeda estrangeira.

Em 2012, as variáveis “extrafiscais” não foram tão favoráveis. A queda da dí-vida líquida foi menor: 1,2% do PIB. A forte desaceleração do crescimento do produto colaborou com 2,5% do PIB. Os juros nominais caíram do patamar de 5,7% do PIB para 4,9% do PIB, mas essa queda foi compensada pela retração do superávit primário de 3,1% do PIB para 2,4% do PIB. Enquanto isso, o ajuste cambial continuou sendo utilizado como redutor da dívida, em função da desva-

11. A utilização do Fundo Soberano no conceito de déficit até poderia ser realizada se fosse feito um esforço teórico no sentido de contabilizar patrimônios do Estado ao cálculo das variáveis da política fiscal. Esse movimento traria um padrão muito mais relevante ao cálculo do déficit, mas o governo federal não fez esse movimento de releitura dos conceitos das contas públicas.

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lorização do real em 2012. Portanto, a derrocada do superávit primário foi com-pensada pela queda do juro nominal, mas o comportamento do PIB trabalhou para impedir uma queda maior da DLSP.

No primeiro semestre de 2013, a dívida líquida continuou sua trajetória de queda, mas de forma bem menos intensa (apenas 0,7% do PIB). Embora os juros nominais tenham pesado bem menos, o superávit primário foi expressivamente inferior e não coloca perspectivas de melhoria do desempenho para o ano como um todo. O mesmo pode-se afirmar da evolução decepcionante do PIB. Vale atentar para a singularidade de que o ajuste cambial pode atuar fortemente como fator de redução da DLSP, dado que a desvalorização do real aumenta o valor em reais das reservas internacionais e, consequentemente, eleva o montante desse ativo, que entra como haver no cômputo da dívida líquida.

As condições globais do endividamento público no Brasil mostraram-se, en-tão, muito mais administráveis do que em diversos países com maior grau de de-senvolvimento econômico. O conceito de DLSP sem a contabilização das dívidas

tabela 7. fatores condicionantes da evolução da dlsP – 2011 a 2013

Dezembro/2011 Dezembro/2012 Junho/2013

Saldos % do PIB Saldos % do PIB Saldos % do PIB

Dívida líquida total – saldo 1.508.547 36,4 1.550.083 35,2 1.580.271 34,5

Dívida líquida – variação acumulada no ano 32.727 -2,7 41.536 -1,2 30.188 -0,7

Fatores condicionantes1: 32.727 0,8 41.536 0,9 30.188 0,7

NFSP 107.963 2,6 108.912 2,5 65.935 1,4

Primário -128.710 -3,1 -104.951 -2,4 -52.158 -1,1

Juros nominais 236.673 5,7 213.863 4,9 118.093 2,6

Ajuste cambial2 -66.626 -1,6 -56.560 -1,3 -55.321 -1,2

Dívida interna indexada ao câmbio -3.405 -0,1 -3.171 -0,1 -2.966 -0,1

Dívida externa – metodológico -63.221 -1,5 -53.389 -1,2 -52.355 -1,1

Dívida externa – outros ajustes3 -9.097 -0,2 -5.011 -0,1 19.485 0,4

Reconhecimento de dívidas 487 0,0 -5.805 -0,1 88 0,0

Privatizações 0 0 0 0 0 0

Efeito crescimento PIB – dívida4 -3,5 -2,1 -1,4

PIB últimos 12 mesess em valores correntes* 4.143.013 4.402.537 4.579.954

Fonte: Banco Central do Brasil.(1) Os fatores condicionantes da dívida líquida como percentual do PIB consideram o total dos fatores, dividido pelo PIB

acumulado nos últimos 12 meses em valores correntes (fórmula: (∑Fatores Condicionantes/PIB12 Meses Correntes)*100). Não reflete a variação da dívida em percentagem do PIB. Exclui as empresas do Grupo Petrobras e Eletrobras.

(2) Considera a soma dos efeitos mensais até o mês de referência. (3) Inclui ajuste de paridade da cesta de moedas que integram as reservas internacionais e a dívida externa.

(4) Variação da relação dívida/PIB devida ao crescimento verificado no PIB, calculada pela fórmula: Dt – 1/(PIBMês Atual/PIBMês Base) – Dt –1.

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da Eletrobras e da Petrobras12 apresenta evolução bastante favorável entre 2006 e meados de 2013, notadamente no período pós-crise de 2008. A dívida líquida do conjunto do setor público caiu de 45,5% do PIB para 34,5% do PIB, entre dezembro de 2006 e junho de 2013. Foram 10 pontos percentuais de queda que levaram o estoque da dívida para R$ 1,58 trilhão, em junho de 2013.

A dinâmica da dívida líquida não vem sendo seguida, entretanto, pela da dí-vida bruta, como mostra a Tabela 8. A dívida bruta, tomado o segmento governo geral, subiu em 1,3% do PIB, entre o final de 2007 e junho de 2013, chegando a 59,3% do PIB. Esse comportamento é explicado pela forte elevação da dívida interna, que aumentou em 2,7% do PIB. Dentre os condicionantes desse cresci-mento da dívida interna, o aspecto que mais chama atenção e, também, preocupa é relativo às operações compromissadas do Banco Central, que aumentaram de 7% do PIB para 14,5% do PIB. Ou seja, operações de curto prazo, que são, em realidade, posições de preferência pela liquidez, mantidas com a troca de títulos pela promessa de recompra, definiram o padrão de evolução do endividamento público no passado recente. Note-se que a dívida externa realizou movimento inverso, sendo fator de retração do endividamento global.

Observação importante na análise da dívida líquida é a dinâmica dos movi-mentos financeiros e cambiais em seu permanente relacionamento com a dívida pública. A dívida líquida do Banco Central variou, no período, cerca de 2% do PIB: o saldo devedor de 0,4% do PIB, ao final de 2006, virou um saldo credor de 1,5% do PIB, em meados de 2013. O que explica isso é justamente o processo de crescimento das reservas internacionais brasileiras, realizado para confrontar o fluxo de capitais que o setor externo tem despejado no mercado cambial. Vale notar que a equalização cambial13, que no auge da crise chegou a 5,7% do PIB, reverteu-se, tendo pouco significado no passado recente.

O aspecto de política fiscal que mais tem colocado interrogações aos analistas econômicos é a divergência de comportamento entre a dívida líquida e a dívida bruta do setor público. Em dezembro de 2007, a dívida líquida era 12,5% do PIB

12. A discussão sobre a retirada de empresas estatais produtivas não foi bem realizada no âmbito do governo nem dos analistas econômicos. É importante frisar que os conceitos de déficit, geralmente usados em momentos de crise, acabaram assumindo um escopo maior que o desejável e conceitualmente correto, justamente pela situação de crise e descrédito. Numa estratégia de longo prazo, não há por que contabilizar empresas que têm retornos positivos de seus investimentos e não dependem de recursos do Tesouro para a sua sobrevivência.

13. A equalização cambial cumpre o papel de ressarcir o Banco Central das perdas envolvidas em operações de swap e no carregamento das reservas, tal como instituído pela Medida Provisória n. 435, de 26 de junho de 2008.

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tabela 8. dívida líquida do setor Público – 2006 a 2013 (em % do Pib) – metodoloGia de 2008

Discriminação2006 Dez.

2007 Jun.

2007 Dez.

2008 Jun.

2008 Dez.

2009 Jun.

2009 Dez.

2010 Jun.

2010 Dez.

2011 Jun.

2011 Dez.

2012 Jun.

2012 Dez.

2013 Jun.

Dívida líquida do setor público (A= B+K+L) 47,3 45,7 45,5 43,9 38,5 41,2 42,1 40,0 39,1 38,6 36,4 35,2 35,2 34,5

Dívida líquida do governo geral 1 (B=C+F+I+J) 46,1 43,9 44,4 43,9 38,8 41,1 42,5 40,6 39,7 39,3 37,1 35,9 35,9 35,3

Dívida bruta do governo geral 2 (C=D+E) 56,4 59,4 58,0 56,9 57,4 60,1 60,9 57,4 53,4 54,5 54,2 57,3 58,7 59,3

Dívida interna (D) 50,1 54,1 53,6 53,2 52,6 56,0 57,5 54,1 50,5 52,2 51,5 54,5 55,8 56,3

Dívida mobiliária em mercado 3 45,3 46,6 45,3 43,0 40,8 41,7 42,3 42,2 41,6 42,3 42,2 43,0 42,5 40,3

Dívida mobiliária do Tesouro Nacional 4 45,2 46,4 45,1 43,1 41,1 42,1 42,7 42,8 42,2 43,0 42,7 43,7 43,3 41,1

Títulos sob custódia do FGE 5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 -0,1 -0,1 -0,1 -0,1 -0,1 -0,1 -0,1

Dívidas securitizadas e TDA 1,0 1,0 1,0 0,9 0,7 0,6 0,5 0,4 0,4 0,3 0,3 0,3 0,3 0,2

Aplic. de entidades da administração federal 6 -0,5 -0,6 -0,5 -0,7 -0,7 -0,8 -0,8 -0,9 -0,7 -0,9 -0,8 -0,9 -0,9 -0,9

Aplicações dos governos subnacionais -0,3 -0,3 -0,3 -0,2 -0,2 -0,2 -0,1 -0,1 -0,1 -0,1 0,0 0,0 0,0 0,0

Operações compromissadas do Bacen 7 3,3 6,2 7,0 9,0 10,7 13,3 14,0 10,8 7,7 8,8 8,3 10,4 11,9 14,5

Dívida bancária do Governo federal 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,2 0,2 0,2 0,2

Dívida assumida pela União Lei n. 8.727 1,0 0,9 0,8 0,7 0,7 0,6 0,5 0,5 0,4 0,3 0,2 0,2 0,1 0,1

Dívida mobiliária dos governos estaduais 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Dívida bancária dos governos estaduais 0,3 0,2 0,2 0,2 0,2 0,3 0,4 0,4 0,5 0,5 0,5 0,5 0,8 0,9

Outras dívidas estaduais 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Dívida mobiliária dos governos municipais 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Dívida bancária governos municipais 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2

Dívida externa (E) 6,4 5,2 4,4 3,6 4,8 4,0 3,4 3,2 2,9 2,3 2,6 2,8 2,9 3,0

Governo federal 5,7 4,7 3,9 3,2 4,2 3,5 2,9 2,7 2,3 1,8 1,9 2,0 2,0 1,9

Governos estaduais 0,5 0,4 0,4 0,3 0,5 0,5 0,4 0,5 0,5 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9

Governos municipais 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1

Créditos do governo geral (F=G+H) -19,6 -21,7 -20,0 -20,4 -18,6 -24,9 -25,6 -25,4 -26,0 -26,7 -27,2 -30,4 -31,7 -29,4

Créditos internos (G) -19,6 -21,7 -20,0 -20,4 -18,6 -24,9 -25,6 -25,3 -26,0 -26,7 -27,2 -30,4 -31,7 -29,4

Disponibilidades do governo geral -10,4 -12,6 -11,5 -11,9 -9,6 -14,4 -13,7 -11,7 -12,0 -12,6 -12,8 -15,5 -15,5 -13,2

Aplic.da Previdência Social 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Arrecadação a recolher -0,1 -0,4 0,0 -0,5 -0,1 -0,4 -0,1 -0,3 -0,1 -0,5 0,0 -0,4 -0,1 -0,3

Depósitos à vista (inclui ag.descentral.) -0,2 -0,2 -0,3 -0,3 -0,3 -0,2 -0,2 -0,2 -0,2 -0,2 -0,2 -0,2 -0,2 -0,2

Disponib do governo federal no Bacen -9,5 -11,1 -10,4 -10,2 -8,4 -12,8 -12,5 -10,2 -10,7 -10,8 -11,5 -13,8 -14,1 -11,3

Aplicações na rede bancária (estadual) -0,6 -0,8 -0,8 -0,9 -0,9 -1,0 -0,9 -1,0 -0,9 -1,1 -1,0 -1,1 -1,1 -1,3

Créditos concedidos a Inst. Financ. Oficiais -0,5 -0,6 -0,5 -0,9 -1,4 -2,7 -4,5 -6,6 -6,8 -7,3 -7,7 -8,1 -9,2 -9,6

Instrumentos híbridos de capital e dívida -0,1 -0,3 -0,3 -0,3 -0,3 -0,3 -0,5 -0,6 -0,5 -0,5 -0,4 -0,3 -0,8 -1,3

Créditos junto ao BNDES -0,4 -0,3 -0,2 -0,7 -1,2 -2,5 -4,0 -6,1 -6,3 -6,8 -7,3 -7,8 -8,4 -8,3

Aplicações em fundos e programas -2,1 -2,3 -2,1 -2,0 -2,0 -2,4 -2,3 -2,2 -2,5 -2,4 -2,4 -2,4 -2,6 -2,4

Créditos junto às estatais -0,8 -0,8 -0,7 -0,6 -0,6 -0,6 -0,5 -0,5 -0,4 -0,4 -0,3 -0,3 -0,2 -0,2

Demais créditos do governo federal -0,5 -0,5 -0,4 -0,4 -0,4 -0,3 -0,3 -0,3 -0,4 -0,3 -0,2 -0,2 -0,2 -0,2

Recursos do FAT na rede bancária -5,2 -4,9 -4,8 -4,6 -4,5 -4,4 -4,3 -4,1 -3,9 -3,8 -3,8 -3,9 -3,9 -3,9

Créditos externos (H) 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Títulos livres na carteira do Bacen 8 (I) 9,3 6,2 6,4 5,9 5,6 2,9 5,7 8,6 11,0 9,1 9,9 9,7 8,7 5,6

Equalização Cambial 9 (J) 0,0 0,0 0,0 1,6 -5,7 3,0 1,6 0,1 1,3 2,4 0,3 -0,8 0,2 -0,1

Dívida líquida do Banco Central (K) 0,4 1,0 0,3 -0,8 -1,1 -0,7 -1,2 -1,3 -1,2 -1,3 -1,3 -1,3 -1,4 -1,5

Dívida líquida das empresas estatais 10 (L) 0,9 0,8 0,8 0,8 0,8 0,8 0,7 0,7 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,7

Fonte: Banco Central do Brasil. (1) Governo geral abrange governo federal, governos estaduais e governos municipais. Exclui Banco Central e empresas estatais.

(2) Exclui dívida mobiliária na carteira do Bacen e inclui operações compromissadas do Bacen. (3) Inclui a dívida mobiliária do Tesouro Nacional e os créditos securitizados, descontadas as aplicações intra e intergoverna-

mentais em títulos públicos federais e os títulos sob custódia do FGE. (4) Posição de carteira. A soma deste item com o valor registrado em “Dívida securitizadas e TDA” corresponde ao total da

DPMFi no critério utilizado pelo Demab. (5) Fundo de Garantia à Exportação.

(6) Inclui aplicações da Previdência Social, do Fundo de Amparo ao Trabalhador e de outros fundos. (7) Inclui as operações compromissadas efetuadas no extramercado.

(8) Diferença entre a dívida mobiliária na carteira do Bacen e o estoque das operações compromissadas do Bacen. (9) Equalização do resultado financeiro das operações com reservas cambiais e das operações com derivativos cambiais,

realizadas pelo Banco Central (MP n. 435). (10) Exclui a Petrobras e a Eletrobras.

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inferior à dívida bruta (58% do PIB). Já ao final do primeiro semestre de 2013, a discrepância cresceu para 24,8% do PIB. A explicação está nos créditos internos, haveres do setor público não financeiro contra outros entes econômicos. Nesse caso, os créditos concedidos aos bancos públicos, que aumentaram nada menos que 9,1% do PIB. Esses créditos são compostos pelos obscuros instrumentos hí-bridos de crédito e capital (majoritariamente, aportes de recursos ao BNDES) e, por vezes, diretamente por títulos da dívida pública.

Um olhar mais detalhado sobre a desagregação dos instrumentos de endi-vidamento deixa evidente que o problema é muito mais sério do que a simples divergência entre as dívidas bruta e líquida. Tomando a dívida mobiliária em mercado e as operações compromissadas do Banco Central – que nada mais são que títulos públicos rolados em períodos curtos –, o endividamento mobiliário subiu de 52,3% do PIB, em final de 2007, para 54,8% do PIB, em junho de 2013. Isto é, o endividamento concentrou-se na forma mais volátil e de maior dificuldade de administração junto à estrutura ativa dos bancos e aos fundos de investimento.

Excepcionalidades monetárias e orçamentárias

A engenharia financeira que sustenta a engenharia fiscal começou no ápice da crise global de 2008, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) dispen-sou o limite de exposição do BNDES à Petrobras (Resoluções n. 3.615/2008, 3.963/2011 e 4.089/2012); o que foi, mais tarde, estendido para a exposição à Eletrobras e à Vale14. Se, nos casos da Petrobras e da Eletrobras, as exceções foram justificadas inicialmente por compreender relações entre entes controlados pela União, o mesmo já não pode ser dito no caso da Vale.

Recorde-se que a liberalização da exposição do BNDES à Petrobras, em 2008, ocorreu na mesma ocasião da adoção do controle de crédito feito por empre-sa (CNPJ) e não por grupo empresarial, como aplicado normalmente no setor bancário. Ademais, as medidas excepcionais para a supervisão bancária foram acompanhadas de medidas atípicas também no âmbito fiscal, com a exclusão da Petrobras e da Eletrobras do setor público submetido às metas para o superávit primário e para a dívida líquida.

Tal excepcionalidade bancária foi crucial para a engenharia fiscal. Por certo, se o BNDES não pudesse adquirir mais ações da Petrobras, elevando o seu principal

14. As resoluções mencionadas estão disponíveis no portal do BCB, em: http://www.bcb.gov.br/normati-vo_4.089/12, 3.963/11 e 3.615/08.

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cliente a um percentual maior em relação ao seu patrimônio, o banco não poderia ter participado das operações com o Fundo Soberano15.

A artimanha mais recente de engenharia fiscal envolveu a compra, pelo BN-DES, de ações da Petrobras que estavam na carteira do Fundo Soberano, por meio de títulos públicos e não de cash, propriamente dito. Em seguida, tais tí-tulos, que passariam a fazer parte da carteira de investimentos do fundo, foram comprados pelo Tesouro Nacional, numa operação já conhecida de recompra ou compra antecipada de títulos públicos. Não por acaso, o mesmo BNDES rece-beu nos últimos anos sucessivas transferências de títulos, diretamente do Tesouro Nacional, por conta dos financiamentos especiais que este lhe concedia – excep-cionalmente, foram liberados em papéis públicos, e não na forma tradicional, em dinheiro (mesmo que por meio de transferência bancária).

Nesse ponto, é bom recuperar brevemente a história. A resposta da política econômica brasileira à crise global de 2008 apresentou uma peculiaridade sem paralelo nas demais economias emergentes e avançadas: a intensa concessão de crédito diretamente pelo Tesouro Nacional, toda ela custeada pela emissão de títulos. A justificativa seria promover uma pretensa capitalização de bancos pú-blicos, mas de forma disfarçada e nada convencional (dado que não passava por aumento de capital), a pretexto de injetar liquidez na economia.

Tal sistemática, mantida mesmo depois de retomado o crescimento da eco-nomia, produziu um aumento vertiginoso no volume de concessões de crédito às instituições financeiras oficiais: segundo o BCB, da ordem de 8,7% do PIB, se forem comparados os saldos de 0,5% do PIB ao final de 2006 e de 9,2% do PIB ao final de 2012. O crescimento nominal de R$ 406,9 bilhões em créditos concedidos pelo Tesouro aos bancos públicos foi basicamente direcionado para a recomposição do funding do BNDES, que recebeu 91,3% (R$ 371,7 bilhões) do volume de recursos. A outra parcela do estoque atual, equivalente a R$ 35,3 bi-lhões, foi destinada às demais instituições financeiras, com destaque para a Caixa Econômica Federal.

Enquanto isso, desde a quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, a dívida bruta do governo geral (também medida pelo BCB) cresceu o equivalente a 7,7% do PIB, saltando de 59,6% do PIB para 67,2% do PIB ao final de 2012. Nesse mesmo período, foi constatada a elevação em 6,8 pontos do produto da dívida mobiliária em carteira do Banco Central, enquanto a tradi-cional dívida em mercado aumentou apenas 1,8% do PIB (Tabela 9). Portanto,

15. Oficialmente denominado de Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização.

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o componente da dívida bruta que mais cresceu recentemente, na apuração do BCB, foi o constituído pelas operações compromissadas, roladas em grande me-dida no curtíssimo prazo.

tabela 9. evolução de aGreGados fiscais e creditícios no brasil Pós-crise Global

Variáveis Em R$ bilhões correntes Em % do PIB

ago./2008 dez./2012 Variação ago./2008 dez./2012 Variação

PIB (12 meses) 2.910 4.412 1.502 100,00% 100,00% 0,00%

AGREGADOS FISCAIS

DÍVIDAS

Divida Líquida DLSP 1.236 1.550 314 42,47% 35,13% -7,34%

Divida Bruta DBGG

Método Brasil 1.635 2.584 949 56,17% 58,56% 2,40%

Método Internacional 1.735 2.967 1.231 59,63% 67,23% 7,61%

Poder Público

Dívida Pública DPMFi 1.502 2.414 912 51,60% 54,71% 3,11%

Dívida Mobiliária Mercado 1.202 1.899 697 41,30% 43,05% 1,75%

Banco Central

Carteira de Títulos 402 907 504 13,83% 20,55% 6,72%

Operações Compromissadas 302 524 222 10,37% 11,88% 1,51%

Depósitos Compulsórios Remunerados 186 272 86 6,40% 6,16% -0,24%

DEDUÇÕES

Total de Créditos ao Governo -522 -1.395 -873 -17,95% -31,62% -13,67%

Créditos ao Resto da Economia -248 -711 -463 -8,51% -16,11% -7,60%

Créditos a Instituições Financeira Oficiais -27 -407 -380 -0,94% -9,22% -8,29%

Disponibilidade Financeira -275 -683 -409 -9,44% -15,49% -6,05%

Dívida Externa Líquida ao BC -335 -753 -418 -11,51% -17,07% -5,56%

CRÉDITOS

Crédito Sistema Financeiro 1.117 2.360 1.243 38,37% 53,48% 15,10%

Crédito Recursos Discricionários 314 874 560 10,78% 19,80% 9,02%

BNDES Desembolsos 78 156 78 2,68% 3,54% 0,86%

Fontes: Banco Central e BNDES.

O governo se endividou cada vez mais a fim de continuar emprestando – e não necessariamente com o objetivo de investir, como na receita clássica keyne-siana. Esse processo de crédito governamental ainda pecou por passar à revelia do orçamento público, contrariando a experiência histórica de revalorizar esse instrumento.

Desde que foi extinto o orçamento monetário e foi criada a Secretaria do Tesouro, em meados dos anos 1980, o Brasil passou a incluir no orçamento as despesas que realiza com a concessão de créditos, independente do órgão de go-verno que os empresta, de quem são os tomadores e por mais nobres que sejam os objetivos. Um bom exemplo é a vinculação obrigatória de 40% da arrecadação do

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Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) para o BNDES, ou de 3% do Imposto de Renda (IR) e do IPI para os fundos de desenvolvimento regional (o Fundo Constitucional do Nordeste, o Fundo Constitucional da Amazônia e o Fundo Constitucional do Centro-Oeste), pois, mesmo sendo determinados pela Constituição, tais repasses não deixam de ser incluídos no orçamento e no respectivo balanço da União. Ou-tras linhas de financiamentos concedidos pela União, como o crédito rural e aos exportadores, também passam pelo orçamento público, inclusive quando é o caso de seu refinanciamento (aliás, a mesma prática também foi aplicada à rolagem da dívida dos governos estaduais e municipais no final do século passado).

O argumento central para o tratamento extraorçamentário dos volumosos cré-ditos especiais concedidos pelo Tesouro aos bancos federais é que não envolvem dinheiro, emissão de cheque ou transferência bancária, mas, sim, a entrega de meros títulos do Tesouro16. É preciso, entretanto, forçar muito a interpretação de que se trata de mera aplicação financeira – sob a hipótese de que o banco recep-tor devolverá o valor dos títulos acrescido de rendimentos no futuro. O perigo é que nada impede que a mesma lógica contábil seja aplicada a outros créditos, eventualmente concedidos a empresas e, até mesmo, a famílias – ainda mais que as taxas cobradas pelo Tesouro por vezes mal chegam a um quinto das aplicadas no mercado –; e, assim, que uma parcela importante do gasto viraria empréstimo especial, ficando fora do orçamento e dos limites.

Portanto, o “pecado original” que levou à tramitação extraorçamentária de transações envolvendo centenas de bilhões de reais é que os “pagamentos” seriam feitos com títulos, e não com dinheiro – ou seja, uma simples troca de ativos. Se for esse o caso, por princípio, também não deveriam constar no orçamento nem gerar receitas primárias aquelas transações em que dividendos ou recebíveis foram “pagos” ao Tesouro por meio de participações acionárias.

Essas dúvidas de natureza conceitual tornam-se até menores diante das ques-tões jurídicas ou institucionais, que podem ir desde um possível pedido de iso-nomia por outros credores do Tesouro, para que também possam entregar ações de sua carteira como “moeda de pagamento”, até o Tesouro vir a se tornar sócio, ainda que minoritário, de uma empresa privada sem prévia autorização legisla-tiva e sem a transparência sobre a precificação dos ativos envolvidos. Não muito diferente é a situação da venda de ações da Petrobras para um banco público, na

16. Para aceitar esse argumento, é preciso ignorar que tais títulos seriam parte dos meios de pagamento, mesmo no seu conceito menos abrangente.

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medida em que o valor de mercado dessas ações estava muito aquém do valor de aquisição na última capitalização da estatal de petróleo.

Do outro lado do balanço, é necessário comentar a capacidade ilimitada do Te-souro em emitir títulos, ao contrário do que se passa no resto do mundo e a despeito de o país se orgulhar de adotar rigorosa Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Ora, a falta de restrição orçamentária para a União resulta na menor restrição ao seu fi-nanciamento. A Constituição exige (e a LRF regulamentou) limites e demais restri-ções para a emissão de títulos pelo Tesouro e para o montante da dívida consolidada da União. Porém, os projetos que os fixariam tramitam no Congresso desde 2000 e nunca chegaram perto de ser aprovados – apesar de os limites propostos (6,5 e 3,5 vezes a receita corrente líquida para, respectivamente, a dívida mobiliária e a dívi-da consolidada líquida) serem muito superiores aos saldos efetivamente verificados (4,5 e 1,7 vezes a receita, em outubro de 201217), de modo que, mesmo aprovados os tetos, ainda restaria enorme espaço para endividamento.

Importa comentar os dividendos. As receitas dessa categoria no Tesouro salta-ram de irrisórios 0,09% do PIB, em 1997, para 0,64%, em 2012, um crescimen-to de 0,55 p.p. do PIB (tendo o recorde sido quebrado justamente no auge da crise, em 2009, quando chegou a 0,82% do PIB), tomando como fonte primária os dados mensalmente divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Curiosamente, os dividendos pagos a título de antecipação, que eram nulos em 2000, passaram a responder por 81,2% da receita atual. Essa evolução também levou o BNDES a responder por mais da metade do total de dividendos recebidos pelo Tesouro (se forem computados todos os bancos federais).

Não há nada de errado em um governo receber receitas oriundas de dividen-dos ou mesmo da venda de bens e ativos de um banco ou de uma empresa que controla. Mas há muito que explicar quando o banco ou a estatal que gerou tal re-ceita recebeu um financiamento extraordinário do Tesouro Nacional, com taxas, prazos e condições muito melhores que os praticados normalmente no mercado. Essa operação casada ficou explicitada nas contas públicas, como na operação de capitalização da Petrobras em barris do futuro pré-sal.

O questionamento, portanto, é inevitável quando o dividendo decorre de lu-cros gerados por um ente estatal que: (1) recebeu, do controlador, financiamentos em condições especiais; (2) vendeu ao mesmo controlador suas participações em empresas privadas – o que deve ter-lhe permitido realizar um grande ganho, in-corporado ao seu balanço –, produzindo, assim, mais lucro e dividendo para ser

17. Ver Relatório de Gestão Fiscal da LRF, para o segundo quadrimestre, em: http://bit.ly/XOXSa9.

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distribuído; e (3) que também foi dispensado18 de incorporar as perdas com ações de empresas estatais em seu balanço, porque uma regra de mercado foi mudada e uma excepcionalidade foi concedida apenas a um ente estatal.

Não é diferente o caso em que a receita do ente público decorre da venda de ativos em que são nebulosos o valor, a rentabilidade ou o prazo de realização (como no caso dos direitos de elétricas comprados pelo banco que recebeu finan-ciamento estatal).

Alegar que emprestar ao setor privado por meio de um banco de desenvolvi-mento estatal seria supostamente mais sadio do que por meio do Banco Central não resiste ao fato de que, na prática, é a mesma situação que impera nos dois casos – o poder público que financia o privado. Em si, isso não constitui nenhum pecado, mas, para se saber se haverá o retorno adequado aos cofres públicos, tanto do principal quanto da remuneração, certamente é muito melhor que a transação seja explicitada nos orçamentos e nas prestações de contas públicas. Não parece que o Brasil leve vantagem nessa matéria, inclusive porque o Tribunal de Contas da União (TCU) já deliberou, mais de uma vez, cobrando do Tesouro mais transparência nessas operações e, especificamente, determinou que o mesmo mensurasse e publicasse a magnitude do subsídio creditício19.

Algumas questões conceituais

É importante fazer uma observação específica sobre o superávit primário. Não foi o Brasil que inventou a metodologia de apuração do resultado fiscal primário. Esse é um conceito econômico (para medir a capacidade do governo em honrar

18. Serviços online até chegaram a noticiar isso em 27/12/2012, mas poucos notaram ou repercutiram o as-sunto. O Globo OnLine comentou: “[...] De acordo com a Resolução n. 4.175 do Banco Central, 25% das ações que o BNDES possui e que são classificadas como ‘disponíveis’ (papéis de longo prazo que não são negociados no dia a dia do banco, mas que formam sua reserva e servem de esteio para o patrimônio líqui-do do banco e seus empréstimos) não precisarão mais ser reclassificadas toda vez que houver uma variação muito grande na cotação destas ações. Assim, o lucro do banco não será afetado com a recente queda nas cotações das ações que predominam na carteira do BNDES: Petrobras e Eletrobras. Indiretamente, dizem fontes, essas medidas podem até ajudar o resultado fiscal do governo, uma vez que o BNDES tem sido nos últimos anos um dos maiores pagadores de dividendos ao governo, que entra em seu caixa, melhorando suas contas. [...] Mas fontes do mercado confirmam que o impacto poderá ser significativo no resultado do banco. No terceiro trimestre de 2012, o lucro do BNDES foi de R$ 2,043 bilhões, valor 21% inferior ao registrado no mesmo período do ano passado (R$ 2,587 bilhões). No acumulado do ano, a queda no lucro é ainda maior: nos nove primeiros meses o resultado foi de R$ 4,785 bilhões, 39,2% a menos que no acumulado em 2011 até setembro (R$ 7,866 bilhões)”.

19 Ver Acordão TCU n. 3071/2012. Disponível em: http://bit.ly/UhjC0i

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os encargos de sua dívida), e não contábil. A metodologia aqui aplicada é, na essência, a mesma utilizada no resto do mundo e foi “importada” na esteira da crise no início dos anos 1980, e uma meta fiscal específica desde então passou a ser acordada com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Essa metodologia foi apropriada para o contexto econômico e institucional da época, com superinflação e sem uma contabilidade moderna. As instituições bra-sileiras mudaram, inclusive com a edição de uma LRF tida como das mais com-pletas e austeras. No resto do mundo também ocorreram mudanças, com desta-que para a valorização conceitual do resultado estrutural das contas fiscais. Nesse contexto, é plausível afirmar que o Brasil ficou para trás das tendências globais na avaliação das contas públicas, ao manter as atenções, tanto as governamentais quanto as do mercado, monopolizadas pelo resultado primário e pela dívida líqui-da. A LRF exige, para todos os governos, a fixação de metas fiscais em relação não apenas ao resultado primário, como também ao nominal – os governos estaduais e municipais sempre atenderam e fixaram tais metas em suas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs), ao contrário da União. E, igualmente, exigem-se metas em relação à dívida líquida e à dívida bruta, bem como que sejam formuladas e perseguidas, ano a ano, por todos os governos estaduais e municipais. Essas regras não se aplicam ao governo federal, que se restringe àqueles conceitos de dívida líquida e superávit primário. Aliás, pode ser considerado estranho (ou até contraditório) alegar que o resultado fiscal que realmente importa é o nominal, quando não se inclui no projeto da LDO da União uma meta específica para tal resultado. Embora a LRF exija metas para as duas medidas, primária e nominal, apenas a segunda tem sido objeto de fixação na LDO da União. Ao contrário, os governos estaduais e municipais seguem a LRF e fixam as duas metas de resultado em suas respectivas LDOs, inclusive porque assim orienta o manual editado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN).

De qualquer forma, despesa é um compromisso honrado pelo governo e, como tal, toda despesa de um governo deve constar do orçamento, segundo pre-ceito constitucional e da democracia moderna. Uma despesa pode ser classificada por diferentes tipologias, a começar pela contábil, como correntes ou de capital, e não se resume a ser identificada como primária ou não. O fato de um gasto não ser tido como primário não o dispensa de ser incluído no orçamento, ou mesmo de ser chamado de despesa – de outra forma, por essa leitura equivocada, todo o serviço da dívida pública poderia ser excluído do orçamento.

Outra questão que chama a atenção diz respeito às relações cruzadas entre os maiores bancos públicos e empresas estatais federais, que também estão entre

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os maiores bancos e empresas do país. Da concessão de crédito até participações acionárias, as operações heterodoxas realizadas ao final de 2012 vieram a apro-fundar ainda mais as intensas e mútuas exposições dos bancos federais (BNDES e Caixa) às maiores estatais (Petrobras e Eletrobras).

Esse intrincado relacionamento pode ser dimensionado pelos relatórios contábeis. Segundo o balanço da Petrobras, ao final de setembro de 2012, a estatal devia R$ 44,6 bilhões ao BNDES, que, por sua vez, registrava em seu balanço deter da Petrobras uma participação acionária de R$ 44,4 bilhões20. Isto é, somados os dois montantes, a exposição monta a R$ 89 bilhões contra a seguinte posição patrimonial do BNDES-capital (nível 1) de R$ 47,4 bilhões e um patrimônio de referência (nível 2) de R$ 92,2 bilhões (ou seja, os ativos contra um único e maior cliente equivalem a 96,7% do patrimônio do banco). Essa posição era anterior à nova aquisição, pelo BNDES, de ações da Petrobras junto ao Tesouro, para fechar as contas de 2012, o que provavelmente elevará a citada exposição a superar o capital também no nível 2, o mais amplo. A Petrobras ainda informava dever R$ 8,2 bilhões para a Caixa Econômica Fede-ral, provavelmente mantendo a posição de ser o maior cliente isolado a tomar crédito nesse banco, que, em outubro, detinha R$ 25,1 bilhões de patrimônio de referência, nível 121.

Não se trata apenas de serem os maiores clientes na captação de empréstimos nem de responderem pela maior parcela da carteira de ações; mas, também, o volume das transações assume proporções expressivas em relação ao patrimônio. Basta citar que, antes da recente venda de ações da Petrobras, do fundo soberano para o BNDES, o banco dispunha de créditos e ações contra aquela estatal que já equivalia a 96% de seu capital de referência (e deve ter superado essa marca depois da última transição). Essas exposições evidentemente estão bem acima das previsões regulares de supervisão e prudência, tanto no sistema bancário como no mercado acionário. Não por outro motivo, foi preciso que o CMN, como já comentado, mantivesse e concedesse novas flexibilizações.

A tese de que não há maior risco porque se trata de relações cruzadas e inter-nas ao setor público deve ser tomada com alguma ressalva. Sem dúvida, numa situação extrema, créditos poderiam ser convertidos em ações. Porém, é preciso atentar para o fato de que alguns dos entes estatais envolvidos possuem acionistas

20. Ver balanços da Petrobras e do BNDES, respectivamente, ao final de setembro de 2012, em: http://bit.ly/WM3piA e http://bit.ly/Vl2K6z

21. Segundo o BCB (http://bit.ly/mPJVtx), em outubro de 2012, a Caixa tinha R$ 25,1 bilhões de patrimô-nio de referência – nível 1.

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privados, são companhias abertas, estão sujeitos a governança corporativa e estão entre as maiores empresas do país. Não por outro motivo, as próprias “estatais alertam acionistas para prejuízos que podem ser causados pela intervenção do Executivo nas empresas”, segundo recente levantamento dos avisos registrados em documentos oficiais da Petrobras, Eletrobras e do Banco do Brasil22.

A polêmica fiscal fez com que se perdesse uma ótima oportunidade para apro-veitar os questionamentos em torno da política fiscal e provocar um debate sobre a verdadeira repercussão das variações nos agregados fiscais em seu impacto sobre de elaboração e execução da política monetária. É simplista considerar que basta atender uma meta cheia de superávit primário, sem importar a sua qualidade. A formação desse resultado precisa também ser ponderada pelos formuladores e executores da política monetária. Não se deveria acreditar que, embora possam ser iguais matematicamente, para o resto da economia tanto faz um corte de gasto como um aumento de receita, ambos no mesmo valor. Mais que isso, seria muita ingenuidade supor que, para a política monetária, tanto faz uma receita oriunda de impostos recolhidos por toda a sociedade, como outra receita decorrente de dividendos ou da alienação de haveres financeiros, ambos para entes estatais que, coincidentemente, são cada vez mais financiados pelo mesmo Tesouro. Nem é preciso maior reflexão teórica ou algum modelo econométrico para verificar que transações fiscais podem impactar a economia de forma muito diferenciada, des-de a geração da demanda até a própria expansão monetária.

Na mesma linha de crítica, não é possível ignorar que, há alguns anos, a evolução da dívida líquida do setor público brasileiro se explica menos pelo superávit primário e muito mais pelas enormes variações patrimoniais, antes muito mais pelo tama-nho das reservas internacionais, agora também pelos créditos governamentais, ambas tendo como contrapartida a expansão das operações compromissadas, uma forma especial, mais curta e, às vezes, até mais cara de endividamento público mobiliário.

Além de refletir mais e melhor sobre as repercussões na política monetária da forma como os resultados fiscais são gerados, é preciso mais atenção às relações entre o Tesouro Nacional e os bancos por ele controlados, pois foi a partir deles que se estreitou o laço entre política fiscal e creditícia. O professor Delfim Netto chamou de “incestuosas” tais relações; porém, mais atenção foi dada à qualifica-ção das medidas fiscais como “alquimia”23.

22. Ver matéria “O Risco de ter como sócio o governo”, publicada no jornal Correio Braziliense de 6/1/2013, disponibi-lizado em: http://bit.ly/UAjc3Z.

23. Ver artigo publicado no jornal Valor Econômico, edição de 15/1/2013 – copiado, dentre outros, em: http://bit.ly/1h5wymg

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Aparentemente, as novas medidas financeiras podem não ter se limitado a bus-car efeitos nos indicadores fiscais e podem ter promovido mudanças na estrutura-ção e na forma de atuação dos bancos públicos federais. As instituições, antes es-pecializadas em atuar como bancos comerciais ou agentes financeiros do governo, passaram a deter cada vez mais participações acionárias e outras funções que eram exclusivas ou preferenciais apenas do, até então, único banco de desenvolvimento. A reorientação de participações acionárias não se limita apenas a relações intrasse-tor público, pois há efeito colateral importante para as poucas grandes empresas privadas que têm o governo como acionista, direta ou indiretamente via seus ban-cos, empresas e até fundos de pensão dos respectivos funcionários. A redistribuição das ações entre diferentes bancos estatais, depois de uma escala ou conexão no Tesouro, permitirá maior presença estatal direta nas empresas, diluindo o grau de exposição de cada banco, abrindo espaço para ofertar mais crédito para as citadas empresas, e tudo isso com menor risco de que uma instituição se torne a contro-ladora – embora, somadas as participações dos diferentes entes estatais, direta ou indiretamente a empresa privada até pode se tornar uma espécie de “paraestatal”.

Observações finais

Seria possível ter uma política fiscal de suporte à demanda agregada e, ao mesmo tempo, manter a credibilidade dos agentes econômicos na capacidade go-vernamental de assegurar um resultado primário compatível com a boa evolução da relação dívida/PIB. Mas não parece ter sido esse o caminho seguido.

Os movimentos prévios ao anúncio da política fiscal brasileira narraram uma nova estratégia de política econômica. Ela, no entanto, não pode ser avaliada puramente no campo econômico. Ao contrário, só pode ser compreendida no conjunto dos seus elementos político-eleitorais. Discutir os efeitos da política fis-cal sobre a dinâmica da economia é, logicamente, pertinente. Assim como avaliar com mais critério o tripé dos fundamentos que emergiu no pós-crise cambial de 1999. Até porque foi uma política emergencial que, por dar certo, virou política de longo prazo. O uso dos instrumentos da política fiscal para reduzir os danos causados pela crise mundial e estancar o processo depressivo também não poderia ser atacado.

O problema começa quando a credibilidade vai sendo posta em risco apenas para sustentar números e concepções que não são realmente seguidas pelas au-toridades econômicas. Por trás das operações heterodoxas nas contas públicas, constata-se como, no Brasil, a engenharia fiscal foi mesclada com a financeira.

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Na prática, formou-se uma espécie de Banco do Tesouro Nacional, custeado pelo aumento do seu endividamento bruto e que resultou na concessão de créditos especiais a bancos federais, quitados pela entrega de papéis, e não pelo pagamento em dinheiro. Os bancos federais foram reduzidos a uma espécie de agentes finan-ceiros informais do Tesouro, até porque os recursos captados por meio de tais cré-ditos extraordinários, e que acabaram sendo emprestados, estavam vinculados a programas e setores selecionados pelo governo federal, inclusive com a finalidade de eleger os beneficiários desses créditos.

De fato, como já foi destacado por autoridades federais, tal processo, em outros países, passou pelo banco central, o que exigiu um novo contexto de relações com o respectivo Tesouro Nacional. O fato de o Brasil não ter percorrido o caminho trilhado por muitas economias avançadas – possivelmente até mais transparente e passível de melhor controle fiscal e social – não significa que deixou de adotar a mesma política de suportes e aportes estatais ao sistema financeiro e, mesmo, ao produtivo. Na prática, a função que lá fora foi exercida pelos bancos centrais, aqui passou pelos bancos estatais federais, que financiaram tanto o próprio Tesouro, que os alimentou, por meio das operações heterodoxas aqui comentadas, como o resto da economia, em projetos e áreas selecionadas pelas autoridades federais, com subsídios implícitos e explícitos, e por vezes só fazendo isso contra garantias da própria União.

Em termos institucionais e cronológicos, é possível considerar que o "pecado original" não foi cometido no âmbito fiscal, mas, sim, no âmbito financeiro. Sem as exceções concedidas pelas autoridades monetárias, não teria sido possível a um banco de controle estatal puro gerar lucro, ou tanto lucro, depois do tanto que perdeu no mercado acionário em ações das maiores estatais do país, e sem contar que também precisou, de alguma forma, vender para o Tesouro (que depois as repassou à Caixa) suas participações em empresas privadas, de modo a levar para o seu resultado os ganhos obtidos e assim poder gerar mais lucros e mais dividen-dos para distribuir. Por outro lado, se o mesmo banco de desenvolvimento logrou diminuir sua exposição a tais empresas privadas de que participava no capital, como precisou comprar do Tesouro mais ações de sua empresa de petróleo, teve de aumentar mais uma vez a sua exposição a esse cliente, o que só foi possível porque as autoridades monetárias criaram uma regra única, aplicada apenas a esse banco e apenas em relação a essa empresa, de modo a computar a exposição por estabelecimento e não para o conjunto das empresas.

Na essência, por trás de tantas e complexas transações, há uma forma disfarçada de financiamento das contas públicas à custa de seu endividamento. Os bancos pú-

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blicos exerceram ao pé da letra a função de intermediários, mas, no caso de parcela dos financiamentos especiais que tomam junto ao Tesouro, atuaram menos como instituições financeiras e mais como agentes do Tesouro, para fins de operações fiscais de caráter extraordinário. Nesse papel, servem para transformar recursos que seriam captados à custa da emissão de títulos em receitas primárias.

Conquanto os problemas fiscais e financeiros já sejam de grande magnitude, talvez a maior perda tenha sido a da credibilidade. Em vez de colocar a discussão da política fiscal em outros termos, as autoridades econômicas optaram pela opa-ca criatividade contábil.

Referências

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SoBre oS AutoreS

adriana nunes Ferreira. Economista e doutora em Economia pela Universi-dade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp). Realiza estudos em macroeconomia e mercado de trabalho.

Carolina troncoso Baltar. Economista pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001). Mestre em Ciência Econômica pela Univer-sidade Estadual de Campinas (2007) e doutora em Economia pelo Land Eco-nomy da Universidade de Cambridge (2012). Atualmente, é pós-doutoranda no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Uni-camp). Desenvolve suas atividades de pesquisa nas áreas de macroecono-mia, economia internacional, comércio exterior e economia industrial.

daniela magalhães Prates. Doutora em Economia pelo Instituto de Econo-mia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp) em 2002, foi pes-quisadora da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) entre dezembro de 1994 e dezembro 2004. Desde 2003, é professora dos cursos de graduação e mestrado do IE-Unicamp. Realiza estudos nas áreas de eco-nomia internacional, economia monetário-financeira e economia brasileira. Atualmente, é pesquisadora do CNPq e do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon) do IE-Unicamp.

daniela salomão Gorayeb. Economista, mestre em Teoria Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Pesquisadora em Economia Industrial do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (Neit) do Insti-tuto de Economia da Unicamp (IE-Unicamp) e professora de economia das Faculdades de Campinas (Facamp).

Geraldo Biasoto Junior. Economista, mestre e doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp). Professor do IE-Unicamp desde 1989. Foi diretor executivo da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), entre 2007 e 2013, e secretário

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de Gestão de Investimentos do Ministério da Saúde, entre 2000 e 2002. Rea-liza estudos em finanças públicas e políticas sociais.

José roberto afonso. Economista e técnico em Contabilidade. Mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp). Consultor técnico do Senado Federal, desde 2007, e pesquisador do Institu-to Brasileiro de Economia da FGV, desde 2012. Ex-superintendente da área fiscal do BNDES. Tem diversos artigos e livros publicados sobre finanças pú-blicas e federalismo fiscal.

Júlio sergio Gomes de almeida. Doutor em Economia pelo Instituto de Eco-nomia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp), em 1997. Pro-fessor do IE-Unicamp, ex-secretário de Política do Ministério da Fazenda (de maio de 2006 a abril de 2007); ex-diretor executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Realiza estudos em macroecono-mia, economia de empresas e economia brasileira.

Luciana Portilho. Economista da Fundap e doutoranda em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp). Realiza estudos na área de mercado de trabalho.

Luis Fernando novais. Bacharel em Economia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (Departamento de Economia e Planejamento Econômico) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutorando do Instituto de Economia da Unicamp (IE-Unicamp). Pesquisador da Fundação do Desen-volvimento Administrativo (Fundap), especializado em análise de conjuntura econômica e em economia regional. Atualmente, é coordenador do projeto ‘Conjuntura Econômica, PIB Tributável e Arrecadação Tributária’ e do Grupo de Economia da Fundap.

marcos antonio macedo Cintra. Doutor em Economia pelo Instituto de Eco-nomia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp), em 1997. Pes-quisador da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) entre dezembro de 1994 e maio de 2004. Professor do IE-Unicamp entre junho de 2004 e junho de 2009. Desde então, técnico em planejamento e pesquisa do

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Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Realiza estudos em econo-mia internacional, sistema monetário e financeiro internacional, e sistema financeiro brasileiro.

maria Cristina Penido de Freitas. Economista pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Face-UFMG). Mestre em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Cam-pinas (IE-Unicamp) e doutora em Economia pela Universidade de Paris XIII (França). Foi pesquisadora da Fundap entre agosto de 1987 e fevereiro de 2002. Foi professora da Unip, entre abril de 1999 a julho de 2006, e da PUC-SP, entre maio de 2004 a julho de 2008. Realiza estudos em economia internacional e economia monetária e financeira.

marina sequetto. Economista pela Universidade Federal de Viçosa (UFV); mestre em Economia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutoranda em Econômica pela Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp). Professora de economia nas Faculdades Metro-politanas Unidas (FMU). Realiza estudos nas áreas de economia monetária, macroeconomia e finanças internacionais.

maryse Farhi. Doutora em Economia pelo Instituto de Economia da Univer-sidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp), em 1998. Professora do IE-Uni-camp desde março de 2003 e pesquisadora da Fundação de Apoio à Pesqui-sa do Estado de São Paulo (Fapesp). Realiza estudos em sistema financeiro internacional com ênfase em inovações financeiras, economia monetária e financeira no Brasil.

rafael Fagundes Cagnin. Economista. Mestre em Teoria Econômica pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp). Foi pesquisador bolsista no projeto Arquitetura Financeira Internacional do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 2010 e 2012. É pesquisador da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), desde 2010, e professor de macroeconomia das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), desde 2013. Realiza estudos em economia internacional, economia monetá-ria e financeira, e habitação.

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