livro 4ª edição - [pdf document]translate this page iv - tr manual de diagnóstico e estatística...

Download Livro 4ª edição - [PDF Document]Translate this page iv - tr manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais 4ª edição (livro digitalizado)

If you can't read please download the document

Upload: ngonhan

Post on 13-Feb-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Livro 4 edio - [PDF Document]

Sign in Register

Hide

Livro 4 edio

Category: Documents

DownloadReport copyright

Share:

Copy

Description

O Dia em que a Polcia parou! 4 Edio - Janeio de 2013 Preo deste exemplar: R$ 5,00 Cliente Realce Capa e Diagramao: Edgard Nogueira Cherubino Jnior O Dia em

Related documents

Dsm iv - tr manual de diagnstico e estatstica das perturbaes mentais 4 edio (livro digitalizado)

Pmbok 4 edio portugus

4 Edio GMBR Magazine

WebShoppers 4 Edio

"O Falco" 4 Edio

Apresentacao 4 Edio

Jornal 4 Edio

4 edio Arquitetura Brasil

Revista Teolgica - 4 Edio

Building Global Innovators: 4 edio

Atualizaes do PMBOK 4 Edio

Revista Viso Ampla 4 edio

Jornal firmino informa - 4 edio

Folha de Ibitinga 4 Edio

Revista Conscincia Ampla - 4 edio

Livro iica edio 14

Adaptao dos acetatos originais do livro: Java- An Introduction to Problem Solving & Programming, 4 Edio Autor: Walter Savitch, ISBN 013149020 2005.

Des.Arqui. Gildo A. Montenegro 4 edio

CATALOGO 4 EDIO CWB 2012 part 1

CATALOGO 4 EDIO CWB 2012 part 2

View more

About us|Terms

out of

Livro 4 edio

Convert error! Download to viewO Dia em que aPolcia parou!

4 Edio - Janeio de 2013

Preo deste exemplar: R$ 5,00

ClienteRealce

Capa e Diagramao: Edgard Nogueira Cherubino Jnior

O Dia em que aPolcia parou!

A Verdadeira histria da greve dapolcia mineira que parou o Brasil

Jlio Cesar GomesCABO JLIO

Os recursos obtidos com a venda desta obra, serodestinados integral e exclusivamente ao Institutode Ao Social Projeto Restaurando Vidas.

Proibida a reproduo total ou parcial desta obra,por qualquer meio eletrnico, inclusive porprocesso xerogrfico, sem permisso expressado autor (Lei n 9.610, de 19/02/1998).

Todos os direitos desta publicao reservado a:

Agncia: 1632-2

Conta Corrente: 12009-x

MG 040 KM 27,5

Bairro Quinta das Jangadas

Sarzedo - Minas Gerais

CEP.: 32400-000

www.blogdocabojulio.blogspot.com

[email protected]

NDICEAGRADECIMENTOS ................................................................................................. 7INTRODUO (CABO JLIO)......... .......................................................................................8O SONHO E A PAIXO PELA FARDA .............................................................................. 9A REALIDADE NOS QUARTIS .................................................................................. 11FALTA DINHEIRO ................................................................................................. 12CABO JLIO ....................................................................................................... 13O COMANDO ALERTADO ...................................................................................... 14AUMENTO S ESCONDIDAS ..................................................................................... 15BOATOS ............................................................................................................ 16SAI O REAJUSTE ................................................................................................... 16CO BANGUELO .................................................................................................. 17EXPLICAR O INEXPLIC`VEL ...................................................................................... 17SUICDIO ........................................................................................................... 18VIVENDO NO BANHEIRO ......................................................................................... 18GOVERNO NO TEM DEFINIO SOBRE SAL`RIOS ........................................................... 19ESTOPIM ........................................................................................................... 20IOGURTE ............................................................................................................ 21GUERRA DE NERVOS ............................................................................................. 21COMEA A GREVE ................................................................................................ 24FOGO ............................................................................................................... 25DESPREZO E VAIAS ............................................................................................... 26A GREVE SE ESPALHA ............................................................................................ 28NASCE UM LDER ................................................................................................ 29AH! EU T DURO! ............................................................................................. 29APOIO DA POPULAO .......................................................................................... 33COMISSO DEFINE REIVINDICAES S PRESSAS ............................................................ 35CANCELADA A ORDEM DE CONFRONTO ....................................................................... 36PRIMEIRA REUNIO DE NEGOCIAO ......................................................................... 37ABRAO DO PIRULITO ........................................................................................... 37COMANDO-GERAL RECEBE OS PRAAS ........................................................................ 39GOVERNO FAZ PRONUNCIAMENTO ............................................................................. 39SARGENTO TENTA SUICDIO ..................................................................................... 43PRIMEIRA ASSEMBLIA .......................................................................................... 44INTERIOR ........................................................................................................... 45T`TICA DO SILNCIO ............................................................................................. 47RECRUTAS DE PRONTIDO ....................................................................................... 47AS NEGOCIAES ................................................................................................ 48

6GUERRA SUJA ..................................................................................................... 49O AMARELINHO .................................................................................................. 50A AMEAA DO SECRET`RIO .................................................................................... 51A FORA LEGISTA (FORLEG) .................................................................................... 52TROCA DE COMANDO NO BPCHOQUE ........................................................................ 53MAIS GUERRA SUJA ............................................................................................. 54AS AMEAAS ..................................................................................................... 55A GRANDE ASSEMBLIA ......................................................................................... 55PRISO POR TELEFONE ........................................................................................... 57POLCIA UNIDA JAMAIS SER` VENCIDA ....................................................................... 58POLCIA CONTRA POLCIA ....................................................................................... 60TIROTEIO ........................................................................................................... 61GOVERNO CHAMA EXRCITO ................................................................................... 65BARRICADAS NO QUARTEL CENTRAL GERAL .................................................................. 68REABERTAS AS NEGOCIAES .................................................................................. 69ORDENS E CONTRA-ORDENS .................................................................................... 69CABO VALRIO EM ESTADO CRTICO .......................................................................... 70O DIA SEGUINTE .................................................................................................. 71GOVERNADOR FAZ PRONUNCIAMENTO ........................................................................ 72FALA O EXRCITO ................................................................................................ 73OS LAUDOS CONTRADITRIOS .................................................................................. 74SAI O ACORDO .................................................................................................... 75NOVA ASSEMBLIA CANCELADA ............................................................................. 77TOLERNCIA ...................................................................................................... 79SUSPEITO SE APRESENTA ......................................................................................... 80VTIMA, HERI, OU M`RTIR, O CABO VALRIO ENTERRADO EM CLIMA DE EMOO .............. 81INQURITOS POLICIAIS MILITARES (IPMS) ................................................................. 82PERCIAS E DEPOIMENTOS SE CONTRADIZEM ................................................................ 83LAUDO DUVIDOSO INOCENTA CORONEL ...................................................................... 84OFICIAIS INSATISFEITOS .......................................................................................... 85MOVIMENTO ESTOURA NO PAS ............................................................................... 86COMANDO AFASTA CABO JLIO PARA LONGE DA TROPA ................................................... 90PARANIA - DE OLHO NA MARACUTAIA ..................................................................... 92CONTINUAM OS IPMS .......................................................................................... 93EXPULSOS .......................................................................................................... 94JULGAMENTO ...................................................................................................... 95DEPOIMENTO DO COMANDANTE GERAL DA POLCIA MILITAR DE MINAS GERAIS ...................... 97CORONEL JOS GUILHERME DO COUTO ...................................................................... 105TRECHOS DE DEPOIMENTOS DE OFICIAIS NO CONSELHO DE DISCIPLINA DO CABO JULIO ............ 112CONCLUSO ..................................................................................................... 114

7Agradecimentos

A Deus, que me inspirou a escrever este livro para contar a verdadeirahistria do movimento que mudou os rumos da Polcia Militar de Minas Gerais.

Aos meus colegas de Corporao que me protegeram quando sofriaameaas de morte, e que me confiaram a difcil tarefa de represent-los.

Ao pastor Raul Lima Neto (pos mortem) meu amigo e companheiro deMinistrio que foi o vaso de Deus para abenoar a minha vida.

Ao meu amigo Doutor Carlos Pimenta, advogado incansvel em defesado praas, que no mediu esforos para me defender.

A amiga Paula Rangel, jornalista brilhante, minha companheira nesta obra,que no mediu esforos em pesquisar e colher depoimentos para que este livropudesse detalher ao povo mineiro e ao povo brasileiro os bastidores daquelesmomentos; para que a verdadeira histria viesse a tona.

8Introduo

Este livro tem a finalidade de esclarecer ao povo brasileiro o que realmenteaconteceu durante o movimento indito dos praas da Polcia Militar do Estadode Minas Gerais, que iniciou em 13 de junho de 1997.

Foram quase cinco anos de pesquisa, busca de depoimentos. Voc agoraconhecer os bastidores do movimento que mudou a histria da conservadoraPolcia de Minas Gerais.

Vrios boatos aconteceram: premeditao, ideologia poltica, infiltraoda esquerda, incitao sindical, etc. Mas no verdade, ele no foi planejadoou idealizado, pois se assim o fosse, o servio de informaes da PM (P2),certamente o abafaria. O que aconteceu foi uma exploso natural e espontneade uma classe esquecida e massacrada.

A sociedade no conhecia sua Polcia Militar. Neste livro, procuramosrepassar para o leitor uma radiografia real de sua Polcia. Quando o cidadoliga 190 (emergncia) e solicita um policial para resolver seu problema, noimagina que o funcionrio solicitado para resolver a situao na qual seencontra tem muito mais problemas que ele. Quem pago para proteger esttotalmente desprotegido. Suicdios, alcoolismo, separaes familiares eendividamento so problemas comuns na vida de um policial.

Procurei contar todos os detalhes do acontecido, detalhes que, muitospraas que participaram do movimento, no sabem. Procuramos detalhar osbastidores das negociaes, as ameaas, o desespero e as presses. O descritoneste livro contm um depoimento fiel realidade dos quartis e situao emque se encontram nossos irmos da Polcia Civil.

A Polcia Militar e a Polcia Civil de Minas Gerais so e sempre sero asmelhores do Brasil. Apesar de tudo, somos o patrimnio do povo mineiro.

Agora voc conhecer aqueles que, mesmo com o sacrifcio da prpriavida, so vocacionados para a difcil misso de protegerem o cidado, e, muitasvezes, estarem totalmente desprotegidos.

9O sonho e a paixo pela farda

Nasci em 19 de maio de 1970, no Hospital Belo Horizonte, bairroCachoeirinha, regio norte de Belo Horizonte. Meu pai, um pernambucano dacidade de Caruaru, e minha me, mineira da cidade de Coluna, Zona da Mata,interior de Minas Gerais.

Desde criana, sonhei em ser um militar. Aos sete anos de idade, sempreque visitava meus dois tios, ambos da Polcia Militar do Estado de MinasGerais, antes mesmo de pedir a beno, minhas palavras eram: Tio, me d aroupa de Polcia.

Aos onze anos de idade comecei a trabalhar, fazia de tudo, vendia picols,refrigerantes, trabalhava como balconista, mas por necessidade e no porvocao. O sonho de ser militar continuava aceso. A cada ano que passava aansiedade de vestir uma farda aumentava mais. Aps completar dezesseis anose terminar o segundo grau, formando-me como tcnico em contabilidade, surgiuminha primeira oportunidade, a Marinha do Brasil. Disputando uma vaga naproporo de, aproximadamente, 50:1 (cinqenta por um), passei no concursopara o Corpo de Fuzileiros Navais, tropa de elite da Marinha. As etapasseguintes no foram diferentes, passei em todas. Mas, faltando uma semanapara o ingresso, a decepo aconteceu. No ltimo exame de sade, ao passarpela junta mdica, fui reprovado porque apresentava micoses na pele,decorrentes de um banho de piscina. O sonho comeou a desmoronar. Entrelgrimas, j pensava no que fazer para realizar meu grande sonho. Com umasemana, as micoses j estavam curadas e estava pronto para uma nova tentativa.

Foi ento que veio a deciso: Vou ser um soldado da Policial Militar.Ainda sem qualquer informao a respeito de como ingressar na Corporao,procurei o 5 Batalho, no bairro Gameleira, na capital, quartel onde meus tiostrabalhavam, para me informar a respeito de como fazer para me tornar umsoldado. Mas o destino j estava selado. Ao entrar no quartel, vi umaplaca: SEJA UM POLICIAL MILITAR. INSCRIES ABERTAS.Informei-me do que era necessrio para fazer a inscrio e eu preenchiatodos os requisitos. As provas no foram difceis e em pouco tempo jestava realizando o sonho. No primeiro dia do ms de dezembro de 1988,

10

incorporava-me naquela unidade.Formei no ms de julho do ano seguinte, e, aps um ano como soldado,

estava cursando o Curso de Formao de Cabos. Ouvia falar muito em histriasde cabos importantes. Foi uma satisfao muito grande quando, em 1990,coloquei em minha farda as duas divisas de cabo.

Cabo Jlio em frente ao Batalho de Choque

11

A realidade nos quartis

Em outubro de 95, o Coronel aposentado, Dirceu Brs, publica um artigono jornal Estado de Minas intitulado Crise de fome da PM, enfatizando asituao de dificuldade salarial da tropa. Neste artigo, afirma que o Comandoda PM no reivindicava melhores salrios e condies de trabalho para a tropaporque os coronis do alto comando tinham rendimentos equivalentes aos desecretrio de Estado. Segundo o Coronel, esses salrios eram recebidos pelocomandante-geral, chefe do Estado Maior e chefe do gabinete militar. Era osalrio cala-boca. O artigo desperta polmica na opinio pblica e entre ospraas da Corporao.

Em outubro de 96, divulgado por um grupo de militares da PMMG, quese autodenominou Policiais Sofredores, um documento apcrifo, comrevelaes sobre a penria dos policiais militares. A primeira revelao: o ndicede criminalidade em Minas Gerais estaria aumentando, o que contestava asestatsticas divulgadas na imprensa pelo Comando da PM. O documentoquestiona ainda a prpria credibilidade da Corporao, afirmando que oComando da PM estaria manipulando as estatsticas. Nesse documento, quechegou s redaes entregue pessoalmente por praas da PM, os autoresafirmam que o sistema de policiamento comunitrio, implantado recentemente,seria uma forma proposta pelo Comando para reduzir o policiamento ostensivonas ruas por falta de condies operacionais. Ainda de acordo com odocumento, s 40% do oramento da Corporao havia sido repassado peloGoverno no ano de 96.

12

Falta dinheiro

A PM est sem recursos para sua manuteno e para sustentar umcontigente de 45 mil homens da ativa e 12 mil reformados. Fornecedores apelam imprensa para conseguir receber por servios prestados ou produtosvendidos, principalmente fornecedores do setor de alimentao, que alegamestarem com os pagamentos atrasados em at dois anos. Vrios comerciantesafirmam que foram obrigados a fechar as portas de seus estabelecimentosporque no receberam o pagamento pelos servios prestados. O Comandoadmite a crise, atribuda ao difcil momento econmico por que passam oEstado e o Pas.

As viaturas, quebradas nas oficinas dos Batalhes, so mostradas pelaTV Bandeirantes. Ambulncias, Rotams, motos, patrulhas de trnsito seamontoam nas oficinas e no h verba para reposio de peas ou dos carros.O jornal Estado de Minas publica os contracheques dos praas, com salriosbaixssimos, sem identificao dos donos.

Em outubro de 96, o chefe do gabinete militar do Governo, CoronelHamilton Brunelli, convidado a depor na Assemblia Legislativa. questionado sobre o porqu do no pagamento aos PMs do adicional depericulosidade, de acordo com a Constituio Federal, que determina opagamento deste adicional para as atividades penosas, insalubres ou perigosas.Ele afirma que o benefcio no poderia ser estendido a todos porque s ospoliciais de atividades operacionais e no os de funo administrativa teriamdireito ao benefcio, o que ameaaria o princpio da isonomia salarial daCorporao. Este benefcio significaria um acrscimo de 40% nos salrios. Athoje, os policiais militares e civis no recebem este benefcio.

13

Cabo Jlio

Eu trabalhava na Rotam (Rondas Ttico Metropolitanas), atuava no Planode Represso de Assaltos a Bancos (Praban), um grupo ttico especial, formadopor 24 PMs, que receberam treinamento especfico para coibir e agir nasocorrncias de assaltos nas agncias bancrias. Fazem parte do Praban: cincoRotams e quatro Motos-Rotams, que circulam na regio central.

J existia, na poca, uma insatisfao salarial que no era manifestada.Conversvamos sobre a situao difcil dos companheiros, um procurandoajudar o outro, pelo menos emocionalmente. A grande maioria dos PMs, 90% ,tinha at dois empregos, alm do emprego na Corporao. O policial saa demanh para o bico, trabalhando em servios de segurana ou de entrega, dentreoutros, e a noite seguia para o seu planto na Polcia.

O policial passava a metade da outra noite no terceiro emprego, de acordocom a escala da PM e isso criava problemas familiares, pois era cobrado porsua ausncia em casa, discutia com a mulher, batia nos filhos, etc. Ao mesmotempo, este policial precisava do outro emprego para sobreviver e no tinhacomo resolver este problema. Os PMs evitavam recorrer ao servio de apoiopsicolgico porque o psiclogo era oficial e havia o temor de que os problemaschegassem ao conhecimento do Comando.

Muitos policiais procuram refgio no lcool 30% da tropa, segundominhas estimativas pessoais. H casos de policiais que vo trabalhar comsintomas de embriaguez e so punidos com penas de priso variando de um atrinta dias. O quarto problema o mais grave: o suicdio. Para se ter uma idiada dimenso deste problema, a estatstica de suicdio no mundo de umapessoa para cada 100 mil, na PM de um para cada 10 mil. O temor doRegulamento Disciplinar da Polcia Militar impedia qualquer manifestao.

14

O comando alertado

No dia 14 de maro de 97, o comandante de policiamento da Capital,Coronel Jos Guilherme do Couto, envia um memorando oficial (n. 046.1/97,do 8 CRPM) a todos os comandantes de unidades operacionais, recomendandoa criao de listagens com histricos de militares que se encontram em situaode extrema penria financeira, ou algum tipo de desajuste conjugal, social e/ou emocional.

No dia 15 de abril, um ms depois, a lista est pronta. O comandante depoliciamento da Capital encaminha ofcio (n 235.1/97) ao chefe do Estado-Maior, anexando a lista com os histricos dos praas nesta situao, segundoo levantamento feito pelos comandantes das unidades. Um documento pesado,que alerta sobre a situao real nos quartis.

Um ms antes da crise na PM, maio de 97, o comandante-geral, CoronelAntnio Carlos dos Santos participa de uma reunio com os comandantes, emContagem, onde comunicado de que a situao da tropa era de penriasalarial, com militares morando em barracos de lona, endividados e,consequentemente, do aumento dos casos de suicdio. O comandante-geraldesafia os oficiais presentes (comandantes do Batalho de Choque, 1 BPM,5 BPM, 13 BPM, 16 BPM, 18 BPM , 22 BPM, Regimento de CavalariaAlferes Tiradentes, Batalho de Misses Especiais, Batalho de Trnsito,Batalho de Bombeiros Militares e Batalho de Guardas) a provarem que existedefasagem salarial na Corporao. O comandante sugere ainda que se usemindicadores econmicos para isto.

Suicida-se um soldado do13 Batalho, acusado de ter roubado

uma lata de leite em p.

Ele preso, levado sob escolta para casa para pegar o fardamento. Osuicdio acontece dentro do quarto dele, quando ele d um tiro na cabea nafrente da mulher e dos filhos. Segundo a assessoria do CPC (Comando dePoliciamento da Capital), o suicdio foi provocado por motivos pessoais.

15

Aumento s escondidas

Outros motivos aumentam a insatisfao. 0 13 salrio parcelado emtrs vezes. Est proibida a converso das frias-prmio em dinheiro, h cortesde convnios na rea mdica e o Governo decreta um aumento da contribuiopara o Instituto de Previdncia dos Servidores da PM de 10 para 13%, na mesmapoca. Os policiais permanecem calados, mas sofrem com a falta dereconhecimento e de valorizao pessoal e profissional. A moral est baixa natropa.

O Governo cria o PDV (Programa de Desligamento Voluntrio), mas aPolicial no pode entrar. Poderia haver uma correria dos praas que j tinhammais tempo de servio e nenhuma expectativa de melhora de vida.

Em maio de 97, a Associao dos Delegados da Polcia Civil de MGconquista, no Supremo Tribunal Federal, o direito equiparao salarial com osprocuradores de Justia. Durante uma festa, onde estavam presentes delegadose oficiais da PM, o assunto comentado pelos delegados. O comandante depoliciamento da Capital, Coronel Jos Guilherme do Couto, fica ento sabendodo aumento e que os delegados iriam receber a primeira das trs parcelas.

No outro dia pela manh, o Coronel Jos Guilherme do Couto, comandantede policiamento da Capital (CPC) se encontra com o chefe do Estado Maior,Coronel Herberth Magalhes, que se indigna com a notcia. Os dois vo at ocomandante-geral levar a situao. Os coronis querem o mesmo aumento, porum acordo de equiparao salarial entre as duas foras feito com o Governodo Estado.

O Alto Comando da PM comea ento a se mobilizar para pleitear, juntoao Governo do Estado, a extenso deste aumento para os oficiais. Vriasreunies que estavam fora da agenda oficial do governador acontecem nestapoca no Palcio da Liberdade, com representantes do Alto Comando.

O secretrio de administrao, Cludio Mouro, convocado pelogovernador a apresentar um estudo sobre a viabilidade e a forma de se concedero aumento. Segundo pessoas presentes nesta reunio, o secretrio afirma: impossvel aumentar de imediato os salrios das duas corporaes,governador. S dentro de dois meses poderamos dar o aumento para a PM.

16

O Coronel Herberth Magalhes no aceita a resposta do secretrio: Noposso esperar nem mais uma hora, secretrio. inaceitvel que um coronelganhe menos que um delegado.

O governador Eduardo Azeredo consulta os coronis: Seria possvel darum aumento apenas para os oficiais sem provocar reaes na tropa?

A resposta foi enftica:

Pode dar o aumento, governador,ns seguramos a tropa.

Boatos

Comeam a circular boatos na tropa. Um dos boatos dava conta de queo governador no gostava da PM. Dizia-se que um filho dele teria atirado cervejano rosto de um soldado, que estava na geral do estdio Mineiro num dia dejogo.

Tambm circula a histria da punio de um policial do 22 BPM que,num posto de gasolina da avenida Nossa Senhora do Carmo, aborda o filhodo governador e diz: Fala para o seu pai dar um aumento para a gente. Ocomentrio do militar chega ao conhecimento do Comando, que o pune com atransferncia para o interior. Estas histrias circulam rapidamente na tropa.

Sai o reajuste

Atravs do Decreto Estadual n. 38.818, de 3 de junho, o governadorconcede reajuste para 4 mil oficiais da PM, que variam entre 10,6 e 22%. Ossalrios so equiparados aos dos delegados da Polcia Civil.

As entidades dos Praas haviam tentado uma audincia com ogovernador no final de maio, mas o governador no os recebe.

O gabinete alega que ogovernador s conversa

com coronis e no com praas.

17

As entidades estudam a possibilidade de entrar com ao na Justiacontra o aumento exclusivo para oficiais. Houve inverso de prioridades, dizemos diretores das entidades.

O comandante de policiamento da Capital (CPC), Coronel Jos Guilhermedo Couto, declara aos integrantes das entidades que os praas tambm voreceber aumento por gratificaes de cursos e o Governo estaria estudandouma maneira para que o aumento fosse estendido tambm aos policiais civis,que no tm gratificaes de cursos. Em entrevista, ele afirma:

Entendo a insatisfao dos praas manifestada pelos seus representantesdas Entidades, mas espero que haja compreenso e um voto de confiana nanegociao do comandante-geral com o governador Eduardo Azeredo.

Co BangueloNa segunda semana de junho, quando das comemoraes do aniversrio

da 5a Cia. de Ces do BPChoque, o Coronel do CPC, Jos Guilherme do Couto,fazendo uso da palavra em discurso para a tropa compara o adestramento deum co e o de um policial.

A expresso usada pelo coronel foium co banguelo e desdentado

consegue fazer seu servio, assimcomo um policial adestrado,

apesar das dificuldades.

Este comentrio foi feito para uma tropa formada, de aproximadamente200 policiais, e logo se estendeu para o Batalho de Choque, criando umarevolta entre os choqueanos (policiais do Batalho de Choque).

Explicar o inexplicvelApesar do silncio do Comando, vaza para a imprensa a informao de

que s os oficiais da PM receberiam o aumento exclusivo, mas as informaeseram contraditrias quanto aos valores. O que surpreende a informao deque o dinheiro j estava depositado. O comandante do CPC, Coronel Jos

18

Guilherme do Couto, bastante constrangido, convoca os jornalistas no incioda noite ao Quartel Central Geral (QCG) para explicar o aumento, que seria naverdade uma equiparao ao salrio conquistado na Justia pelos delegados econtesta os ndices que vinham sendo divulgados pela imprensa, de que oaumento era superior a 30%. Segundo o comandante, o aumento era escalonadoe os oficiais subalternos e intermedirios (tenentes e capites) receberiam mais(22%). Os oficiais superiores receberiam menos. O aumento variava entre 10 e22% e seria pago em trs parcelas. A primeira parcela j havia sido paga. Ocoronel afirma ainda que o aumento para os praas dependeria da aprovaodo projeto de lei que o Governo enviaria para a Assemblia nos prximos dias.Com o aumento, o salrio inicial dos oficiais subalternos (2o tenente) passariapara R$ 1.500,00. O soldo inicial de um soldado era de R$ 332,00.

SuicdioO soldado Leonardo Paulo de Souza (20) comete suicdio com um tiro

na boca, no dia 5 de junho, dentro do alojamento do 22 Batalho, no bairroSanta Lcia, zona sul de Belo Horizonte. Ele estava sendo acusado de furtarum carro. A Assessoria de Comunicao do CPC informa que era o sextosuicdio cometido por um PM na Grande BH no decorrer do ano.

Na avaliao da PM, de acordo com a Assessoria:Os suicdios esto dentro de um patamar normal e no significam

desespero com uma situao financeira difcil. A maioria dos suicdios devida situao pessoal e emocional das vtimas.

Vivendo no banheiroUm flagrante registrado pela imprensa devido ao inusitado. Trs policiais

militares esto vivendo num banheiro do Frum Laffayette, num espao depouco mais de 4m2. Esta situao j durava dois anos, sem que ningumtomasse providncias. Apenas funcionrios do Frum tinham conhecimentoda moradia dos trs policiais. Os PMs dormem em pedaos de espuma nocho. Suas mulheres e filhos moram no interior. O salrio mdio destes praas de R$ 250,00. Um deles busca marmita toda semana em Barbacena, onde vivea mulher, e a comida, que d para uma semana, guardada no refrigerador dacopa do 2 Tribunal de Justia.

19

No dia 7 de junho, depois que a notcia sai nos jornais, os PMs sotransferidos para um quarto de despejo no prprio Frum e ganham belichespara dormir, abandonando os colches de espuma. O Comando informa queest estudando a situao deles.

Governo no tem definiosobre salrios

O Governo envia Assemblia Legislativa um projeto de lei, em regimede urgncia urgentssima, solicitando autorizao para conceder reajustesdiferenciados ao funcionalismo por decreto.

O secretrio estadual de Administrao, Cludio Mouro, afirma que aindano h definio sobre o percentual para o reajuste salarial do funcionalismopblico. Mouro diz que por enquanto, o Governo aguarda a aprovao daAssemblia Legislativa para promover, via decreto, reajustes que no atingirotodos os 452.297 servidores. A prioridade so as polcias Civil e Militar.

20

Estopim

No dia 6 de junho de 97, uma sexta-feira, o cabo Glendyson Hrcules deMoura Costa (31), do 16 BPM, baleado com cinco tiros, durante perseguioa assaltantes que tentaram roubar uma casa lotrica no bairro Floresta, na regioleste. O cabo atingido no pescoo, peito e barriga. Um dos tiros perfura opulmo. Ele levado em estado grave para o HPS (Hospital de Pronto-SocorroJoo XXIII), onde os parentes do entrevistas imprensa, revoltados com asituao do militar. A irm, Gleise de Moura (29), declara:

Os praas da PM so colocadoscomo escudo na frente dos bandidos e

quem recebe aumento salarialso os oficiais.

A me do cabo Glendyson, Maria Evangelista Moura Costa (59), dizque o filho vivia em situao de misria.

Com seis anos de PM, ele recebe R$ 340,00. Ns da famlia temosque ajud-lo a manter sua mulher e suas duas filhas. E o pior, quese ele tivesse matado o bandido, estaria hoje preso no quartel, sujeitoa cometer suicdio diante das presses dos seus superiores, como vemacontecendo na PM.

O comandante-geral faz uma declarao sobre o aumento de salrio dosoficiais:

No h distino entre as funes dos oficiais e dos praas. Realmentetemos lutado para melhorar o salrio dos praas, o Governo quer estender oreajuste tambm s categorias mais baixas da Polcia Civil e isto somente serfeito junto com os praas da PM, para haver equiparao salarial entre ascorporaes.

No dia 8 de junho, depois de passar por vrias cirurgias, o cabo Glendyson transferido para o CTI, em estado gravssimo. Ele no resiste aos ferimentose morre no dia 11 de junho, s 23h45. O enterro marcado para o dia seguinteno cemitrio da Paz, em frente ao BPChoque, no bairro Caiara.

21

IogurteOs coronis se renem, comentam a situao de hostilidade e uma

declarao do comandante da APM (Academia de Polcia Militar), CoronelEdgar Eleutrio, chega aos ouvidos da tropa. Ele diz que favorvel concesso do aumento para os oficiais, porque acredita que eles consigamsegurar a tropa. O coronel afirma:

Antes de entrar para a PM, osoldado comia arroz e feijo; depoisde ingressar na PM, j pode comerarroz, feijo e carne. E agora ainda

est querendo comer iogurte.

O comandante-geral ainda defende que os salrios no estodefasados e garante que o Governo vai estender o reajuste aos praas,mas precisa encontrar uma maneira de no quebrar a isonomia com aPolcia Civil.

Guerra de nervos

Os praas iniciam uma greve branca. Muitos fazem corpo mole noatendimento de ocorrncias. Eles distribuem cartas informando imprensa queesto deixando de atender ocorrncias, ou fingindo que no as vem.

A greve fria ou guerra de nervos denunciada pela populao. Apsicloga Marisa Escaldas (28), disse que acionou uma Radiopatrulha parasolicitar providncias no furto do carro de sua irm e os militares se recusarama atend-la. Eles responderam que no tiveram aumento de salrio, s osoficiais, e no iriam fazer a ocorrncia e nem tentar localizar o carro, declaraela.

O Comando da PM nega a greve fria. Uma das cartas que chega sredaes diz:

Estamos vivendo momentos difceis com os mseros salrios recebidosatualmente e que esto desestabilizando a vida do policial militar, ocasionandoproblemas familiares e pessoais, como suicdio nos quartis e participao emcrimes.

22

Segundo o Comando da PM:

A carta expresso de pessoas desajustadas ao se manifestarem.Qualquer manifestao somente ir prejudicar a situao, uma vez que ogovernador pretende estender o reajuste tambm s categorias mais baixas dasPolcias Civil e Militar.

O enterro do cabo Glendyson atrasa por causa da demora da liberaodo corpo e da chegada de oficiais. A viva, me de duas crianas protesta:

No entendo esta demora. Se fosse um oficial, j teria havido o enterro.Nos informaram que o corpo chegaria as 9 horas, depois mudaram para o meio-dia.

Ela conta detalhes da vida do marido:

Ele tinha um soldo de R$ 340,00 epara complementar esta renda

trabalhava como segurana de umacantina. Todo soldado e cabo da PM

tm que fazer bico, seno a famliamorre de fome.

Soldados da PM carregam caixo com o corpo do cabo Glendyson Costa

23

Um PM paisana comenta:

Somos os PMs mais mal pagos do Brasil e no podemos falar porque oregimento interno probe qualquer manifestao.

O comandante-geral no est presente ao enterro. O clima de tenso ehostilidade contra os oficiais.

Durante o enterro, quinze praas presentes anunciam imprensa que iriaacontecer uma revolta porque a morte do companheiro a gota dgua nainsatisfao dos policiais com os baixos salrios.

A revolta iminente. No podemos nos expor muito porque h muitosoficiais aqui, inclusive paisana.

Os praas dizem que o comandante-geral diretamente responsvel pelanegociao dos salrios com o Governo e se consideram trados pelo aumentoexclusivo. Eles falam em greve, mas ainda com receio de punio.

Colegas do cabo Glendyson do entrevistas aos jornalistas depois doenterro, sem dar nomes. Eles reclamam dos salrios baixos, do no pagamentoda gratificao de risco de vida e comparam os salrios dos praas da PM deMinas Gerais aos de outros estados, como o Distrito Federal e o Esprito Santo,onde o salrio inicial de soldado de R$ 1.000,00, segundo os praas.

Outras reclamaes: os salrios j baixos tm muitos descontos dosemprstimos feitos por eles, os equipamentos de trabalho esto ultrapassados.Um deles afirma:

Enquanto os marginais usam pistolas semi-automticas, como oassassino do cabo Glendyson, ns temos que trabalhar com armas calibre 38,com mais de dez anos de uso. Temos sorte quando elas funcionam.

O CPC, Coronel Jos Guilherme do Couto, pressionado pelos jornalistasa comentar a insatisfao e a possibilidade de um movimento de praas na PMe responde:

Apoiamos qualquer luta pelos direitos dos policiais, desde queocorra dentro dos regulamentos e seja mantida a disciplina. Tambmacho que um soldado deveria ganhar R$ 1.000,00, mas o Estado notem como pagar.

O coronel comenta ainda a questo do armamento: praxe que a Polcia de todo o Pas s use arma calibre 38 que

possibilita maior pontaria, mas os bandidos realmente tm armas maispoderosas.

24

Comea a greve

Na hora do almoo, o clima de revolta no Batalho de Choque, o batalhode elite, que tem um efetivo de mil policiais e um salrio mdio de R$ 320,00.Os policiais consideram que o aumento salarial dos oficiais significa que ospraas e suboficiais foram abandonados pelos prprios comandantes. Nachamada de 13hs., os policiais no entram em forma, ficam parados no ptiodo quartel, de braos cruzados, e se recusam a se deslocarem nas viaturaspara o centro da cidade, onde formariam o reforo do policiamento na regio.A imprensa comea a chegar, por causa dos telefonemas dos praas alertandosobre o movimento. Alguns policiais falam em voz baixa para os jornalistasque eles decidiram entrar em greve por causa dos baixos salrios.

O comandante da 3a companhia de Polcia de Choque, capito Carlos,anuncia ao subcomandante do Batalho de Choque, major Renato Vieira, quea tropa se nega a entrar em forma. O subcomandante reclama com o capitoCarlos e designa um outro oficial, o capito Valdeir, para deslocar-se at optio e colocar a tropa em forma. O capito Valdeir segue para o ptio e apsvrias tentativas retorna de cabea baixa e informa ao major que tambm nohavia conseguido.

Achei que estava acontecendo algo estranho, surpreendente, e continueitrabalhando, passando a observar a situao, mas ainda sem participar. Via onervosismo dos oficiais, que nunca tinham enfrentado uma situao semelhante.O medo estava estampado nos rostos deles. Aqueles oficiais mais temidos pelatropa, os chamados carrascos, eram os que tinham mais medo. Escondiam-seem seus gabinetes, evitando sair ao ptio do batalho. Fui conversar comoutros PMs, que diziam Ns no vamos descer para as ruas. Chega de salriode fome, declara Cabo Jlio.

O SubCmt Major Renato Vieira, que era considerado truculento e lixo(termo militar para atribuir algum que desumano) se trancou em seu gabinete.

25

Fogo

Dentro do alojamento dos cabos e soldados, comea sair uma densafumaa, que chama a ateno de todos. O nervosismo entre os oficiais aumenta.Alguns colches so queimados no interior do alojamento. O major e algunscapites correm para todos os lados demonstrando desespero, o fogo aumenta,comea o corre-corre, todos os oficiais se mobilizam com baldes na mo paraapagar o fogo. Os colches so arrastados para fora do alojamento. Os oficiaispercebem que a tropa no est brincando e que pode surgir uma revolta.

Em uma tentativa de pressionar a tropa, em tom de desespero, o majorRenato diz para os oficiais:

No coloquem a mo em nada, vamos acionar a percia para tirar asimpresses digitais e descobrir quem fez isso. (Ele se esqueceu que est noBrasil, e que isso s acontece nos filmes de TV).

Os PMs no se intimidam e afirmam:Essa ameaa no nos assusta. J rompemos o elo principal: acabamos

de rasgar o RDPM.Do cemitrio, os reprteres avistam a fumaa e correm para a porta do

Batalho de Choque. A tropa, numa tentativa de demonstrar a situao derevolta, cruza os braos no ptio, para alegria dos fotgrafos e cinegrafistas,que j chegavam s dezenas ao Batalho.

O comandante do Batalho manda um assessor informar imprensa quetinha acontecido um curto-circuito na fiao eltrica. Ningum acredita. Ospoliciais riem. O comandante resolve fazer uma declarao imprensa e acabapor admitir um clima de insatisfao generalizada.

Os baixos salrios e a inadimplncia com os compromissos financeirosesto realmente deixando os policiais aloprados, mas a situao est sobcontrole.

O comandante admite ento que a queima de colches pode ter sido umato criminoso. Pode ter sido ao de uma pessoa desajustada, em funodos baixos salrios e da morte de um colega.

26

Desprezo e vaiasO comandante do CPC, Coronel Jos Guilherme do Couto, chega

instantes depois com a fisionomia preocupada, e no fala com a imprensa. Elese rene primeiro com os oficiais e depois chama a tropa para uma reunio noauditrio do batalho. Ningum vai para o auditrio. Ele espera 20 minutos,apenas na presena dos oficiais. O coronel deixa o auditrio e segue para aviatura que ir lev-lo de volta ao QCG. No caminho, a viatura passa pelo ptioe cerca de cem praas vaiam. O coronel deixa o prdio e cercado pelosjornalistas, mas se recusa a dar entrevista. Ele apenas diz: No tem mais jeito,eu tentei.

A tarde toda permanece o impasse. Os policiais no saem e comeam atomar coragem para declarar aos jornalistas que esto em greve. Alguns voat esquina do quartel para gravar entrevistas numa rua erma atrs docemitrio. Eles esto com os rostos cobertos por gorros, blusas e cachecis,emprestados pelos prprios jornalistas. Denunciam desmandos, regalias dosoficiais, falam sobre a revolta com os baixos salrios e o aumento exclusivoque foi dado aos oficiais. Uma das denncias mais graves feitas neste primeirodia da greve a de que policiais militares estariam recebendo dinheiro detraficantes para fazerem vista grossa no caso de batidas policiais nos morros.Segundo a denncia, os policiais que moravam em favelas, vizinhos aosprprios marginais, aceitavam propina e recebiam mais de R$ 3.000,00 por msde traficantes. Um dos policiais diz que enquanto ele trabalha o ms inteiropara ganhar pouco mais de R$ 300,00, um menino de 12 anos que vende crackna favela Sumar, ganha at R$ 150,00 por dia. Diz que a proximidade entre umtraficante e um policial bem curta.

Quantas foram as vezes que o policialsai de casa deixando o aluguel atrasado,

a luz cortada, sem nenhum alimento eno momento da priso o traficante

oferece R$ 500,00? O corao comeaa bater forte. Vem logo ao pensamento

que com aquele dinheiro pode colocar a vidaem ordem, mas o senso de responsabilidade

fala mais alto para quem um profissionalhonesto e consciente. Infelizmente,

nem todos so assim.

27

Um policial do BPChoque diz:

A cabea de um policial do Batalho de Choque est valendo R$ 5.000,00na favela da Pedreira Prado Lopes. Como que a gente trabalha assim?.

Quanto mais as horas passam, mais policiais querem falar, denunciar, masainda com medo de possveis represlias. Eles fazem outras denncias.

Sabemos de vrias maracutaias de oficiais. No 1 BBM, os bombeirosforam obrigados a assinar nota fiscal onde um par de meias estava orado emR$ 57,00. Em vez da farda anual a que tm direito, os bombeiros s receberameste ano duas camisetas, um calo e dois pares de meia, com preossuperfaturados.

O fardamento de responsabilidade da empresa Citeral, que funcionadentro do 5o BPM, no bairro da Gameleira, regio oeste. O Comando nega asdenncias.

Essa empresa tem exclusivo monoplio para vender fardas para a PM,por isso pe o preo que quer. Dizem que paga comisso para os coronispara que no permitam que outra empresa tambm entre nesse mercado. Parase ter idia, no Distrito Federal o efetivo cinco vezes menor, mas existem 10empresas que vendem fardamento.

PMs do Batalho de Choque cruzam os braos

28

A greve se espalha

Comeam a chegar informaes de movimentos em outros quartis. No22 BPM (bairro Santa Lcia, regio sul), vrios colches so queimados. No1 BPM (bairro Santa Efignia, regio leste), os policiais fazem um buzinaonas viaturas na hora de sairem do quartel. No 16 BPM, (bairro Santa Tereza,regio leste), o quarto turno atrasa quatro horas o seu lanamento (sada pararua) e os policiais jogam as armas no cho. No 1 BBM (Batalho de BombeirosMilitares), a rede de rdio transmite o protesto, chamando os policiais parauma mobilizao geral. Um dos dilogos ouvidos:

O coronel pediu aumento para ns? No o coronel quem d aumento. aquele precho do governador,

que j falou que no tem aumento para ns. (risos) Ento pe o coronel naescuta a. Vamos pedir o aumento para ele!

Os telefonemas chovem nas redaes, policiais dizendo que a greve iriase alastrar por todo o Estado. No BPChoque, os policiais distribuem bilhetesaos jornalistas assumindo a responsabilidade pelo incndio. Um dos bilhetesdiz:

Estamos passando fome. Moramos em favelas e s vezes chegamos apensar em suicdio. No recebemos nenhum apoio do Alto Comando da PM.Queimamos os colches porque nossa vontade botar fogo em nossos salriosde misria. Como no podemos, colocamos fogo nos colches.

Os policiais tinham receio de que, no caso de alguma unidade parar, oBatalho de Choque ser chamado para reprimir os prprios policiais, j que erauma tropa especializada na represso a movimentos grevistas. Com a explosodo movimento no Batalho de Choque, os policiais das outras unidades seencorajaram e o movimento se espalhou como uma onda. Neste dia, no havialderes. A situao s no ficou pior porque o comandante do BPChoque erauma pessoa querida e respeitada pelos choqueanos.

s 19:30hs., chegam ao BPChoque integrantes da Associao deSubtenentes e Sargentos e do Centro Social de Cabos e Soldados que haviamsido convocados pelo comandante-geral para tentarem conversar econvencerem a tropa a retornar s atividades normais. Os representantes destasentidades alertam a tropa para o que poderia ocorrer: possveis punies e atexcluses. Eles tambm esto um pouco perdidos, at pelo ineditismo domovimento, tentando responder s inmeras perguntas e questionamentos daspraas. Esta reunio dura cerca de uma hora, sem a presena de nenhum oficial.

29

Nasce um lderNesta reunio, comecei a despontar como lder, porque tive tranqilidade

e objetividade para encaminhar as principais dvidas da tropa. Mas no houveescolha de representantes do movimento, at porque no estava definidanenhuma reunio de negociao com o Governo achvamos isto impensvel e no se cogitava ainda em fazer passeatas.

No houve mais chamadas neste dia. Fica decidido que todas ascompanhias se fariam presentes no outro dia, acumulando no dia 13 todo oefetivo do BPChoque, at quem no estava de servio, como os policiais emfolga ou em frias.

Deixamos o batalho, que ficou apenas com o 4 turno Rotam, que estavade planto. Todos foram para casa. Nesta noite, em casa, pensava sobre o quetinha acontecido, mas no tinha a menor idia da dimenso que o movimentoiria tomar. Estava tranqilo, mas ansioso para saber o que aconteceria diantede uma situao to nova, sem saber como seria o dia seguinte. A repercussoainda era pequena, no se sabia que haveria um grande movimento.

O Comando da PM se rene noite e o secretrio da Casa Civil AgostinhoPatrus participa da reunio. O Comando redige nota oficial, que publicadanos jornais no dia seguinte:

Foi apurado que 60 praas se mantiveram em posio de manifestaono BPChoque. Isso, dentro de um efetivo de 42 mil homens da Corporao noEstado, sendo 10 mil na Grande BH. Foi solicitado um reforo de policiamentopara suprir a ausncia desses praas, o que foi de pronto atendido, mantendodessa forma o policiamento na Capital mineira.

AH! Eu t duro!No outro dia, cheguei cedo ao BPChoque, por volta de 7hs. Soube que o

turno da noite fora normal. Dezenas de policiais de todas as companhiasestavam l. Os policiais de folga ficaram sabendo do movimento e se dirigiramespontaneamente ao quartel, inclusive os licenciados e os que estavam defrias, que tambm foram para o quartel.

No h ainda liderana e os policiais continuam reunidos no ptio, semsaberem o que fazer. No h chamada. Os oficiais no andam no ptio, s ficamreunidos com o comandante, tenente-coronel Canado. Eu fui trabalhar no

30

computador na companhia ROTAM, numa sala que ficava de frente para o ptio.Os PMs ligam para a imprensa e pedem apoio. De repente comea uma

gritaria, que vira um coro: Vamos para a rua!. Os praas de outras unidadesligam para o BPChoque para confirmar as informaes da paralisao que estosendo veiculadas pela imprensa e anunciam que vo aderir. Para espanto detodos, o BPChoque vai para a rua. So 150 homens no incio.

Acompanhei o movimento. A passeata no tinha direcionamento, era umsentimento de cidadania, como se estivssemos nos libertando de uma priso,de um regulamento arcaico. O grito de liberdade que estava preso h 222 anosna garganta finalmente ecoara. No tnhamos ainda nenhuma reivindicao,mas estvamos nos sentindo livres.

A passeata segue pela avenida Amrico Vespcio, em direo a avenidaAntnio Carlos, acesso da regio norte para o centro. A passeata engrossa, jso 500 policiais participando.

No sabamos bem qual era o nosso objetivo, se iramos at PraaSete, no centro de Belo Horizonte, ou se chegaramos at o QCG na Praada Liberdade, onde tambm fica o Palcio da Liberdade, sede do Governoestadual. Eu tentava organizar a passeata, pedindo que os policiais sficassem numa pista para liberar o trnsito, e foi nesta hora que muitos meviram como lder, inclusive colegas de patente superior a minha, como

Populao aplaude a passeata dos policiais

31

sargentos, que me perguntavam o que fazer, se deviam ou no tirar asplaquetas de identificao e os bons. Passamos pelo Departamento deInvestigaes, da Polcia Civil, e chamamos os policiais civis paraparticipar. Alguns desceram. Incitei o pessoal a prosseguir para evitarprovocaes em frente ao DI. Seguimos pela avenida.

Na altura do viaduto da Lagoinha, quase no centro, o tenente-coronelCanado se posta de braos abertos na frente da tropa. Ele afirma que ocomandante-geral ordenou que fosse dada voz de priso a todos que estavamna manifestao. Se prender um, isso vai virar uma guerra, respondem osmanifestantes. A passeata desvia-se dele e os PMs continuam a caminhar.

Outros comandantes de batalho, o tenente-coronel Rbio Paulino,do 22 BPM e o tenente-coronel Severo, do Batalho de Misses Especiaisacompanham o comandante do BPChoque, que segue o tempo todo aolado da passeata.

Eles acompanhavam a passeata, pela lateral, em solidariedade ao tenente-coronel Canado. Gritvamos: Polcia unida jamais ser vencida!, ou entoo famoso Ah, eu t duro!

A passeata continua at a Praa Sete, sem incidentes. No caminho, umatropa da 6 Companhia do 1 BPM, com cerca de 50 policiais, se junta aomovimento, alm de outros policiais que estavam de servio nas ruas por ondea passeata passava. Vinte policiais do BPTran e cinco batedores acompanhama passeata, coordenando o trnsito. Os bombeiros tambm aderem passeata.Chegando Praa Sete, os oficiais continuam a fazer apelos para que o pessoalvolte para os quartis e no fizesse greve nas ruas. Eles diziam que isto iriaacabar com a Polcia Militar.

32

Um integrante da CUT/MG, com uma bandeira vermelha, tenta participarda passeata e retirado pelos policiais. Ele insiste em ficar na avenida e ospoliciais rasgam a bandeira. O sindicalista desiste, vendo que os policiais orecebem com animosidade.

Policiais de outras unidades, como os de trnsito, so levados a participardo movimento, com o chamado dos manifestantes, muitos at contra a vontade.

No tnhamos rumo, nem reivindicaes, nem programao, nada. A idiaagora era seguir para a Praa da Liberdade, demonstrar para o governador quea Polcia estava passando fome. Demonstrar como? Atravs de umaconcentrao em frente ao Palcio da Liberdade. Iramos ficar em silncio, notnhamos idia do que fazer.

Policiais fazem passeata pela Av. Amazonas

33

Apoio da populao

Por onde a passeata passa, a populao aplaude, inclusive em prdiospblicos, como a Prefeitura de Belo Horizonte, secretarias, bancos, lojas,prdios residenciais. Alguns jogam papel picado. Alguns manifestamabertamente o seu apoio, como o taxista Silvano dos Reis, que diz: Eles estomais do que certos!

Em frente ao Detran (Departamento Estadual de Trnsito), na avenidaJoo Pinheiro, os PMs chamam os policiais civis a aderirem. Eles gritam: Decamarote no, a luta aqui no cho... Nas janelas do prdio vrios aplaudem,alguns descem para acompanhar o movimento.

Andamos 12 km e estvamos cansados, mas com total disposio paracontinuar o movimento. No final da subida da avenida Joo Pinheiro, oscoronis verificaram que eu liderava o pessoal na organizao da passeata eme pediram que no deixasse a manifestao passar pela alameda da praa daLiberdade. Eles diziam que a PM nunca deixou nenhuma classe de trabalhadoresem manifestao passar por l, e no seriam os prprios PMs a passarem nolocal em manifestao. Naquele momento no era mais uma ordem, era umpedido, que no foi atendido. Passamos pela alameda e chegamos ao Palcioda Liberdade.

Chega a hora de negociar, para espanto dos prprios manifestantes.No pensvamos que isto aconteceria. Tnhamos que reivindicar algo e

tentar negociar, mas no sabamos o que queramos e o que iramos fazer. Estafalta de rumo foi devida prpria espontaneidade e ineditismo do protesto.No tnhamos nenhum elemento nem condio objetiva para negociar, casonos chamssemos para uma reunio.

Em frente ao Palcio da Liberdade, os manifestantes, que j eram 1.500,engrossados pelas novas adeses durante o caminho, inclusive com grandenmero de reformados (aposentados da PM), cantam o Hino Nacional, viradosde costas para a sede do Governo. Eles fazem tambm uma orao, emhomenagem ao PM que morreu baleado por assaltantes, o cabo Glendyson.Depois, os manifestantes queimam contracheques.

34

Policiais sentam-se no cho em frente ao Palcio da Liberdade,sede do governo mineiro

Policiais queimam o contra-cheque

35

Comisso define reivindicaess pressas

Dois oficiais, a mando do comandante de policiamento da Capital,comunicam que aguardam a formao de uma Comisso dos praas paranegociar. Esta Comisso passa a ser formada pelos integrantes das entidadesrepresentativas (Centro Social de Cabos e Soldados e Associao deSubtenentes e Sargentos), alm de trs policiais do BPChoque, escolhidospelos companheiros porque tinham maior capacidade de liderana. Eu fui umdos escolhidos, numa pequena assemblia.

S neste momento definimos a pauta de reivindicaes: o piso salarialde R$ 800,00, promoo por tempo de servio dez anos e no apenas porconcursos internos, reviso imediata do RDPM (Regulamento Disciplinar daPolcia Militar) e do EPPM (Estatuto de Pessoal da Polcia Militar), que sobaseados nos regulamentos de Exrcito. Queramos tambm a no punio aosmanifestantes e uma poltica habitacional que atendesse especialmente oscabos e soldados.

Nove representantes dos praas integram a Comisso, que seguiu parao Palcio para negociar.

Foi um sentimento de poderinusitado. Como que um cabo ou

um sargento poderiam negociarrepresentando mais de 55 mil policiais?

Nunca imaginei passar por ummomento assim.

Logo que a Comisso entra, recebida pelo chefe do Gabinete Militar doGoverno, cel. Hamilton Brunelli. Quando a Comisso entra no Palcio, a tropadesloca-se para a frente do Quartel Central Geral, onde funciona o Copom Centro de Operaes da Polcia Militar, o Comando-Geral, e outras unidadesadministrativas da PM. A tropa fica concentrada em frente ao prdio do QCG,prxima s escadarias.

36

Cancelada a ordem de confronto

O chefe da Cedec Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, CoronelCustdio Diniz, ordena que se postasse em frente ao prdio uma tropa decadetes, que estava de prontido dentro do Palcio dos Despachos, anexoao Palcio da Liberdade. Um tenente-coronel discute com o chefe da Cedec,com medo de um confronto entre os manifestantes e os cadetes. Ele diz:Comandante, no faa esta loucura. Se esta tropa for colocada aqui, istovai virar uma guerra. O comandante de policiamento da Capital pedeautorizao para uma contra-ordem para recolher a tropa. O chefe da Cedecdesiste e a ordem cancelada. A tropa que estava de prontido tinha cercade 50 cadetes enquanto que os manifestantes j eram mais de 2.000.

O fato indito em 222 anos de Polcia Militar pegou todos de surpresa. OCoronel Diniz havia passado toda a madrugada distribuindo cobertores, umasdas funes exercidas pelos agentes da Cedec. Ao amanhecer diante dasinformaes de que poderia haver problemas, foi forado a ficar no Palciodos Despachos. No sabia o que fazer, o aprendizado na Academia no o haviaensinado a lidar com uma situao como essa. Era uma situao inovadora.Nunca se esperava que fosse acontecer.

Ao mesmo tempo que h mobilizao de cadetes da PM, as ForasArmadas tambm j esto de prontido. Na 4 Diviso de Exrcito (DE), a Polciado Exrcito est mobilizada dentro do quartel e se fosse necessrio, sairia sruas.

37

Primeira reunio de negociao

Comisso conversa com Coronel Hamilton Brunelli. Ele demonstra,durante a conversa, eterno amor pelo militarismo. O coronel usa expressescomo: Depois desta, o que ser da Polcia Militar?; a PM vai acabaramanh!; ou isto no poderia acontecer nunca!. Ningum se intimida. L embaixo, comeam sonoras vaias. Corremos janela e vimos o comandante do CPCsendo vaiado pelos manifestantes. O Coronel Brunelli se desespera e diz: O que isto? Agora que acabou mesmo a Polcia Militar!

Eu respondi: No fomos ns que procuramos isso, coronel. Nossasituao crtica. Por que concederam aumento s aos oficiais e deixaram ospraas em situao de misria ?

O secretrio da Casa Civil, Agostinho Patrus, que capito mdicoreformado da Polcia Militar, chega para coordenar a reunio em nome do Governo.Ele demonstra superioridade no trato com os praas. O secretrio recebe asreivindicaes e diz que no negocia com a Polcia na rua. A Comisso prometetentar tirar a tropa das ruas, mas com a garantia de haver negociao.

Abrao do Pirulito

Depois da reunio, que dura cerca de uma hora, os lderes se renemcom os manifestantes e marcam uma assemblia para o dia seguinte, sbado.Eles resolvem deixar a Praa da Liberdade em passeata. Os PMs gritam osjarges e a expresso de cidadania total. Nos prdios das secretarias, aspessoas ainda aplaudem a passagem dos policiais. Na avenida Afonso Pena,alguns P-2 (policiamento secreto), infiltram-se na passeata. Um deles tem umacmera e filma os integrantes do movimento. Aos gritos de traidor, os praastomam a filmadora, que quebrada no cho. Ele expulso a pontaps e saicorrendo para no apanhar.

A passeata segue em direo Praa Sete, mas os lderes so chamados

38

para uma reunio no Comando-Geral. Os manifestantes j so 2.500 e continuamo protesto, abraando o monumento do Pirulito. Quatro seguranasparticulares do governador, policiais militares da ativa, de terno e gravata, aderemao protesto. Um deles diz: Fazemos parte da tropa, apenas temos fardasdiferentes.

Todos sentam-se no cho. O protesto encerrado rapidamente porqueexiste uma preocupao de desimpedir o trnsito e no provocar transtornospara continuar com o apoio da populao. Os reprteres entrevistam as pessoasna Praa Sete.

A maioria da populao apoiava o nosso movimento. Existia uma grandeconscincia de que a greve era por melhores salrios. Muitas pessoas aplaudiamcom entusiasmo, como uma dona-de-casa que manifestou apoio e carinho pelospoliciais. Eles merecem ganhar mais e serem valorizados, disse ela.

Abraos no pirulito na Praa Sete, Centro de Belo horizonte

39

Comando-geral recebe os praas

Logo aps o retorno dos policiais aos quartis, a Comisso retorna parauma nova reunio, desta vez no QCG com o Comando da Corporao. Almdo comandante-geral, Coronel Antnio Carlos dos Santos, participam o chefedo Estado-Maior, Coronel Herberth Magalhes, o comandante de policiamentoda Capital, Coronel Jos Guilherme do Couto e o chefe da DPS Diretoria dePromoo Social, cel. Pedro Seixas. A reunio comea tensa. O comandante-geral demonstra nervosismo.

O tempo todo ele tentava explicar o inexplicvel. Culpava os oficiais deunidades de no terem conseguido explicar para a tropa o aumento dos oficiais,usando a expresso: a explicao no chegou ponta da linha.

O comandante promete avaliar todas as reivindicaes e garante que oGoverno j havia enviado Assemblia Legislativa o pedido paraautorizao de reajuste setorizado. Ele promete ainda conceder todas asreivindicaes que fossem da competncia do Comando da Corporao.O comandante diz ainda que reconhecia que o RDPM estava ultrapassadoe que j estava sendo feito um estudo, por um grupo de oficiais, para a revisodo regulamento.

Governo faz pronunciamento

O governador Eduardo Azeredo est de viagem marcada para a Europa,mas a viagem adiada por causa da crise. Na noite de 13 de junho, o governadorfaz um pronunciamento oficial.

Como governador, venho prestar informaes sobre os acontecimentosna PM: os delegados da Polcia Civil ganharam na Justia equiparao comos procuradores do Estado, com reajuste de cerca de 11%, que foi repassadoaos oficiais da PM, em virtude de legislao especfica. Reconhecendo serjusta a extenso do aumento dos praas, enviei na ltima segunda-feiraprojeto de lei solicitando, com urgncia, autorizao da AssembliaLegislativa para ter meios de corrigir distores nos menores salrios do

40

funcionalismo.

O governador fala tambm sobre as dificuldades com a folha depagamento: a arrecadao mensal de R$ 450 milhes e R$ 350 milhes vopara a folha de pagamento, representando 77% das despesas.

A populao aprendeu a admirar e a confiar nos bons servios prestadospela PM, reconhecida como a melhor do Brasil. O Governo espera quepermanea a normalidade. fundamental que prevaleam o direito, a lei, aordem e a tranqilidade da populao.

Apesar da declarao do governador, no h legislao, especfica ouno, sobre a isonomia automtica entre os salrios dos coronis da PM e dosdelegados da Polcia Civil. A isonomia fruto de um acordo de cavalheiros,reivindicado pelos coronis ao Governo e que foi implantado desde o GovernoNewton Cardoso, em 1989, depois da promulgao da Constituio Estadual.O objetivo evitar rixas e criar clima de igual respeito e reconhecimento entreos comandos das duas Corporaes.

Na avaliao do governador, a manifestao dos PMs restrita a umapequena parte da Corporao. A situao est bem administrada pelosecretrio da Casa Civil e pelo comandante-geral da PM, afirma ogovernador. J o secretrio Agostinho Patrus fica irritado quando perguntadopelos jornalistas se o Governo havia perdido o controle da PM:

Solicito imprensa que possa transmitir a realidade dos fatos. Umapergunta como esta vai trazer intranqilidade.

41

Cabo Jlio discursa aos manifestantes na Praa Sete pouco antes do confronto na Pa da Liberdade

42

Cabo Jlio fala aos manifestantes na Praa Sete

43

Sargento tenta suicdio

Um sargento de 38 anos, dezoito anos de servio, com seis filhos e salriode R$ 360,00 internado no HPS depois de ingerir um vidro de formicida ecinqenta cpsulas de Lexotan. Com a vida salva pelos mdicos, o PM dentrevista, mas pede que seu nome no seja divulgado.

Estava desesperado. Meu aluguel, deR$ 120,00, est atrasado h dois meses.

Minha famlia vive de favores.No tive apoio psicolgico.

Quando soube do aumento dos oficiais,me senti revoltado:

eles s olham o bolso deles.

O chefe da sala de imprensa, major Jefferson Oliveira, comenta:Se todo PM que se julgasse desesperado pelos baixos salrios fosse

tentar suicdio, teramos um extermnio na Corporao.O comandante de policiamento da Capital afirma:Reconheo que o salrio baixo, mas isto no motivo para se matar.

Se este fosse o motivo, a maioria da populao brasileira j teria se matado.O comandante do 1o BPM, tenente-coronel Antnio Luiz, admite que os

policiais so mal remunerados:O salrio reivindicado justo. inconcebvel que um policial receba

apenas R$ 330,00.

44

Primeira assemblia

No dia seguinte passeata, realizamos assemblia no Clube de Cabos eSoldados. Cerca de 2.000 PMs participam, muitos acompanhados da mulher efilhos. Para chegar ao clube, no bairro da Gameleira, regio oeste de BeloHorizonte, caminhavam dos batalhes em minipasseatas, fardados, e aindagritando os jarges da primeira passeata. A imprensa registra a presena depoliciais de vrias unidades, Corpo de Bombeiros, Cavalaria, Hospital Militar,Polcia Feminina, e at do Quartel Central Geral.

Os PMs apresentam um balano da greve nos batalhes. Os policiais daCompanhia de Bombeiros do Aeroporto da Pampulha garantem que asoperaes de abastecimento de avies estavam sendo realizadas sem seguranapor causa da greve. Um policial do 22 BPM disse que o Comando tinhaordenado que ningum deveria participar da assemblia, sob risco de punies.Os praas do 22 BPM dizem que no estavam dispostos a trabalhar a trocode nada. No vamos arriscar a vida por essa misria que a gente ganha. Um

45

casal de policiais, com o filho pequeno, exibe o contracheque com o salrioconjunto: pouco mais de R$ 800,00. Todos mostram os contracheques paradarem exemplos da situao salarial. Neste dia, os policiais j no tinham medode mostrarem a cara e dizerem o nome ao dar entrevistas.

O Coronel Pedro Seixas, morrendo de medo, diretor de Promoo Social,em trajes civis e escondido em uma das salas do clube, acompanha a assemblia.A Comisso sabe da presena dele no local, mas no tinha como impedir porqueo clube pertence DPS.

Orientei a Comisso, e nos reunimos para discutir como seria oencaminhamento da assemblia. A nossa misso foi a de apresentar as propostasoferecidas pelo Governo e decidir um prazo para o atendimento dasreivindicaes. Meia hora depois nos dirigimos ao palanque e pedimos apresena de todos.

Comea a assemblia, tumultuada. Eu tive dificuldades de fazer osencaminhamentos, pelo clima dos grevistas e pela inexperincia. Depois de duashoras de debates, decidimos manter o piso de R$ 800,00 para os soldados, areviso do Estatuto e do Regulamento Disciplinar, a no-punio aos grevistas,alm da promoo por tempo de servio e a criao de uma poltica habitacionalvoltada para os praas. Mais difcil definir o prazo para que o Governo duma resposta. A Comisso prope trinta dias, mas os participantes no aceitam.Inicialmente, no queriam dar nenhum prazo, permanecendo em greve at oatendimento das reivindicaes. Depois, querem um prazo mximo de cincodias. Ao final, chegam a um consenso de dez dias. Outra assemblia marcadapara o dia 24 de junho, no mesmo local. Os lderes pedem que todos voltemaos quartis, sem tumulto ou passeatas.

InteriorEm Montes Claros, no norte do Estado, PMs tambm fazem declaraes

de protesto. Um policial sem se identificar diz:

Se o reajuste concedido aosoficiais e delegados no for estendido

aos praas, a adeso ao movimento sergeneralizada no Estado. Estamos s

esperando a orientao doCabo Jlio em Belo Horizonte.

46

Recebia telefonemas de vrias partes do Estado, querendo participar domovimento e acompanhar as negociaes. J se manifestam praas dosbatalhes de Ipatinga, Manhua, Juiz de Fora, Barbacena, GovernadorValadares, Uberlndia, entre outros.

A orientao para os praas do interior aguardar at vspera do dia24, quando devero ser organizadas as caravanas para Belo Horizonte paraparticipar da assemblia no Clube de Cabos e Soldados.

Em Juiz de Fora, na zona da Mata, um PM faz um protesto isolado. Osargento William da Silva Peanha (30), do Servio de Patrulha de Trnsito,desce da moto em um dos pontos mais movimentados da avenida Rio Branco,no centro, coloca o revlver e o cinturo no cho e grita palavras de ordemcontra os baixos salrios. A manifestao do sargento dura sete minutos at achegada de uma viatura do 2 BPM, que o retira do local. Ele levado para aClnica So Domingos, onde submetido a uma avaliao de suas condiespsicolgicas. O comandante regional de Juiz de Fora, Coronel Elvino deOliveira, diz que vai aguardar a avaliao mdica do sargento, antes de estudara abertura de um Inqurito Policial Militar (IPM).

Em Governador Valadares, policiais fazem duas passeatas. So 150 do 6BPM e do 1 CRPM, alm de policiais civis, que caminham pelas ruas do centro.Os policiais no usam fardas durante o protesto, tambm queimamcontracheques, assim como os manifestantes de Belo Horizonte.

47

Ttica do silncio

Durante todo o sbado, o Alto Comando fica reunido com todos oscoronis da Capital. A reunio comea ao mesmo tempo que a assemblia dospraas, s 10h e s termina s 17h30. Os coronis discutem a crise deflagradapela greve indita na Corporao.

Poucas informaes chegam imprensa. O Comando adota a ttica dosilncio. A ausncia de informaes aumenta as especulaes. Enquanto oscoronis e oficiais no se pronunciam, os praas tm todo acesso imprensae conseguem veicular informaes do seu interesse.

Recrutas de prontido

No dia da assemblia, todos os recrutas so convocados pelo Comandoe ficam de prontido em suas unidades e na Academia. A orientao queeles podem ter que assumir o policiamento na Capital, se persistir o movimentodos grevistas.

No 16 BPM, no bairro Santa Tereza, regio leste, os recrutas comentamentusiasmados a possibilidade de ir para as ruas, mesmo antes de completarsua formao. Os jornalistas questionam nos quartis qual a viabilidade de umsistema de segurana feito por recrutas. A resposta de alguns comandantes que os recrutas esto plenamente capacitados porque se formaro em breve.

Os recrutas da PM tm uma formao de nove meses, onde recebemtreinamento e aprendizado sobre matrias como relaes pblicas e humanas,noes bsicas de direito, legislao interna, regulamento disciplinar, instruomilitar bsica e noes de primeiros socorros. No oitavo ms, os recrutaspassam por um perodo de estgio, onde so acompanhados por policiais jformados, que repassam, no dia-a-dia das ruas, informaes para o seuaprimoramento.

48

As negociaes

Enquanto corre o prazo dado pelas praas ao Governo, continuam asreunies de negociao. O governador envia Assemblia Legislativa oanteprojeto que permite a concesso de aumentos diferenciados a setores dofuncionalismo pblico e viaja para a Europa, com atraso de dois dias. Os lderesso chamados para vrias reunies com o comandante-geral e com o chefe doEstado-Maior para discutirem as mudanas no Estatuto e no Regulamento.

No dia 17 de junho, o comandante-geral da PM, Coronel Antnio Carlosdos Santos, divulga uma nota sobre A Questo Salarial da PM e o MomentoAtual, criticando o comportamento que ele considera emocional e sensitivodos manifestantes e justificando o reajuste salarial diferenciado. De acordo como comandante, o Governo manteria a equivalncia entre os delegados e oficiais,estendendo depois os mesmos ndices para os praas, depois da aprovaoda Assemblia Legislativa. O comandante diz ainda que os policiais devem tertranqilidade e confiana na instituio.

No dia 18 de junho, acontece mais uma rodada de negociaes, no Palciodos Despachos, com a participao dos secretrios da Casa Civil eComunicao Social, Agostinho Patrus, da Fazenda, Joo Heraldo Lima, deRecursos Humanos e Administrao, Cludio Mouro, da Habitao, SlvioMitre, o comandante-geral da PM, Coronel Antnio Carlos dos Santos, o chefedo Gabinete Militar, Coronel Hamilton Brunelli, o presidente da Cohab Companhia de Habitao do Estado de Minas Gerais, Reginaldo Arcouri, opresidente da Unio dos Reformados, Coronel Dcio Pereira da Silva, opresidente do Clube dos Oficiais, Coronel Edvaldo Piccinini e osrepresentantes dos praas. A principal discusso sobre o piso de R$ 800,00que no aceito pelo Governo. Segundo o secretrio da Casa Civil:

Este piso significaria um aumento de 90% para os praas, o que oGoverno no tem como bancar. O reajuste impossvel porque alguns praaspoderiam ficar com salrios superiores aos dos oficiais.

O secretrio no fala em ndices para o aumento.

49

Estamos estudando este percentual de reajuste com base nasrepercusses que ocorrero dentro da prpria PM. Se dermos o aumento paraos soldados, isto vai influenciar os soldos de cabos, sargentos, subtenentes2o tenentes, etc. Por causa disto no podemos divulgar um ndice levianamente.

Pela primeira vez, o comandante-geral admite que os participantes domovimento podem ser punidos. O Coronel Antnio Carlos dos Santos disseque:

Todos os fatos sero apurados e o meio de investigao ser atravsde IPM (Inqurito Policial Militar). Os fatos so graves e tomaremos decisesa respeito aps as investigaes.

Guerra suja

O Comando da Polcia comea a trabalhar nos bastidores para destruir omovimento.

Depois desta reunio, fui procurado, em minha casa, por um oficial queme perguntou o que eu queria para sair do movimento. Ele dava a entenderque queria me subornar. Segundo ele, o Comando considerava que a minhasada poderia enfraquecer ou at acabar com o movimento, como se eu fosseo causador da revolta. Este oficial me perguntava: O que voc aspira, o quevoc quer, cabo Jlio? Minha resposta era fatdica: dignidade para o policial.De repente eu disse: o senhor tem dois minutos para sair de minha casa.Ameacei chamar a imprensa. Ele saiu imediatamente.

Os diretores da Associao de Subtenentes e Sargentos se renem no finalda tarde para avaliar a situao nos quartis de Belo Horizonte e interior. Os 45diretores consideram a situao explosiva e acreditam que se o Governo noder o aumento esperado a paralisao ser geral. Caravanas esto se preparandono interior para comparecer assemblia em Belo Horizonte.

No dia 20 de junho, os deputados aprovam o projeto do Governo.

50

O amarelinho

Neste mesmo dia, o assessor de imprensa do Comando-Geral entrega aoslderes dos praas o anteprojeto de reviso do Estatuto e do Regulamento, eprope um prazo de 30 dias para que eles apresentem sugestes. A proposta aceita. A Comisso adianta a principal mudana desejada: o fim da penaprivativa de liberdade. O amarelinho s mudou cinco anos depois.

Qualquer praa, por deciso do seu comandante, pode ser punido com apriso no quartel de at treze dias, a critrio do comandante, e ainda que nohaja motivao clara. Isto motivo de revolta de muitos policiais.

O Regulamento Disciplinar, chamado Amarelinho analisado pelaimprensa. Alguns artigos do regulamento chamam a ateno pelo que tm dearcaico. Exemplos: os praas tm que pedir permisso para casar enquanto queao oficial basta apenas comunicar. proibido recorrer Justia sobre qualquerdireito individual. At o tipo de guarda-chuva usado pelo policial definidopelo regulamento. A falta de um boto na farda ou um bigode maior que opermitido pode levar priso do policial. Enquanto um cidado comum s podeser preso mediante flagrncia ou ordem judicial, o policial militar pode ser presopela simples vontade do comandante. proibido ao policial contrair dvidassuperiores sua capacidade de pagamento, ao mesmo tempo em que ele obrigado a sustentar condignamente sua famlia.

comum a presena de credores dentro dos batalhes. O interessante que o Estado um dos maiores devedores das praas. A PM no paga seusfornecedores mas pune um policial quando ele atrasa os pagamentos de suasdvidas.

51

A ameaa do secretrio

O Comando informa ainda que estuda convnios com a Secretaria Estadualde Habitao para financiamento de moradias especficas aos policiais.Outro convnio em estudos, com a Fundao Roberto Marinho, permitiriaa abertura de salas de aula nos quartis, para os policiais que quisessemestudar.

No dia 21, o governador volta da Europa e anuncia um abono de R$ 102,00para policiais civis e militares. O secretrio da Casa Civil, Agostinho Patrus,afirma que o valor mximo que o Governo chegar. Numa das reunies, queacontece no Palcio dos Despachos, com a presena do comandante-geral, osecretrio aponta o dedo em tom de ameaa para o meu rosto e diz:

O Governo no vai agir sobpresso, nem que cinco mil, dez milou quarenta mil policiais armados

estejam nas ruas.

A ameaa gravada pelo reprter cinematogrfico Mrio, da TV Minas,que estava na sala fazendo imagens. A informao circula entre a imprensa.Depois, em entrevista coletiva, o secretrio desmente o clima de hostilidadena reunio e acusa a imprensa de ter feito gravaes indevidas.

52

A Fora Legalista (Forleg)

O Comando cria a Fora Legalista (Forleg), formada por tropas do interior,alunos da Academia e alguns policiais da Capital, que eram procurados poroficiais para participarem da Fora. Eles recebem a promessa de condecoraese promoes a graduao imediata caso aceitem.

Os lderes rejeitam o abono e mantm a reivindicao inicial de R$ 800,00de piso.

Neste mesmo dia so destitudos os comandantes de Policiamento daCapital, Coronel Jos Guilherme do Couto, e do Estado Maior, CoronelHerberth Magalhes.

No dia 22 de junho, novos chefes assumem os postos no Comando dePoliciamento da Capital e no Estado Maior. O comandante-geral convocaimediatamente a Comisso e apresenta os novos comandantes, o Coronel EdgarEleutrio Cardoso que assume o CPC e o Coronel Osvaldo Miranda da Silva,a chefia do Estado Maior. Nesta reunio com a Comisso representativa, o novochefe do Estado-Maior assume uma postura de linha-dura, dizendo que novai tolerar indisciplina e cumprimenta um a um os integrantes da Comisso,com um forte aperto de mo e olhar ameaador.

O comandante-geral informa que o abono de R$ 102,00, que elevaria osalrio para R$ 517,00, seria o valor mximo que o Governo chegaria. A partirdeste momento, segundo ele, esto encerradas as negociaes em torno dossalrios. Ele ordena Comisso que levasse o valor tropa como um pontofinal para o impasse.

Eu disse ao comandante que cumpriria a ordem, levando este valoraos praas, mas j adiantei que era quase impossvel a aceitao destesalrio pela tropa.

O chefe do Estado-Maior diz ento que confiava na Comisso e que oproblema era meu.

53

Troca de comando no BPChoque

Troca de comando tambm no Batalho de Choque. Cai o tenente-coronelCarlos Roberto Canado e assume o tenente-coronel Maurcio dos Santos.A misso dos novos comandantes, considerados linha-duras: conter omovimento dos praas que a esta altura j se alastrou por todo o Estado e poroutras capitais brasileiras. Toda a cpula da PM passa o final de semanareunida, traando estratgias com os comandantes de batalhes para esvaziara prxima assemblia marcada para a tera-feira.

Para os praas, indiferente a nomeao de qualquer um dos coronis.Queremos uma nova postura por parte do Comando e salrio no bolso. Nomesno interessam.

Os telefonemas do interior para o meu telefone celular no param. Vriosnibus j se deslocam para a Capital. As unidades do interior enviamrepresentantes e prometem acatar as decises da assemblia.

Os comandantes deixam para informar na vspera da assemblia que estproibida a participao de policiais que estiverem em servio. Tambm probemo uso de armas e de fardas. Os policiais que quiserem participar tero que ir paisana, por ordem dos comandantes.

Nos quartis, os PMs continuam a denunciar represlias. Segundo asdenncias, esto recebendo ameaas dos comandantes de que sero presosse comparecerem assemblia. Ao mesmo tempo, PMs do interior formamcaravanas para chegar Belo Horizonte no dia 24. Os lderes acreditam quemais de 3 mil policiais vo comparecer assemblia.

No dia 23 de junho, vspera da assemblia, o Boletim-Geral da PolciaMilitar informa que a Comisso de negociao dos praas ter carterpermanente. A Comisso ter o papel de intermediar as discusses entre ocomando e os praas. A nomeao oficial da comisso e sua aceitao peloComando tem o objetivo de evitar a quebra de hierarquia na Corporao. Deacordo com a designao oficial da Comisso pelo comandante-geral:

Eles esto autorizados a manter contatos com a Chefia do Estado-Maior,para representar os interesses dos praas da Corporao sobre polticas derecursos humanos e de promoo social.

54

Mais guerra suja

O CFAP Centro de Formao e Aperfeioamento de Praas transformado em um grande cartrio onde os alunos dos cursos de formaoe aperfeioamento de sargentos so dispensados. Caso houvesse prises emflagrante, dos manifestantes, eles seriam levados para l para prestaremdepoimento.

Os praas do 13 BPM enviam uma carta s Comisses de DireitosHumanos da Cmara Municipal e da Assemblia Legislativa pedindo quevisitem os quartis e verifiquem as condies das cadeias onde eles ficamtrancados por qualquer motivo.

Na vspera da assemblia, cartas apcrifas circulam entre os PMs, comsupostas crticas aos integrantes da Comisso e desmobilizando a assemblia.Uma carta de um suposto soldado arrependido, de codinome Pedro, pedeaos policiais que no faam mais movimentos de rua e voltem a trabalhar sembaderna. Ele se diz arrependido dos crimes que cometeu ao participar da grevee da passeata.

As cartas tinham o objetivo de desmobilizar a assemblia. Elas forampreparadas, por ordem do Comando, como se os autores fossem praasarrependidos de terem participado do movimento. Mas houve um grave erro.

A linguagem usada no era depraas e sim de oficiais. Colocaram

erros de portugus grosseiros.

Dois dias antes delas comearem a aparecer, eu j tinha conhecimentode que seriam usadas no interior dos quartis porque tinha informantes dentrodas reunies do Alto Comando, assim como eles tinham informantes entre ospraas. Garanto que as informaes so fidedignas porque me foram passadaspor pessoas insatisfeitos com os rumos definidos e decises tomadas peloprprio comandante-geral. fato de conhecimento geral entre praas e oficiaisque existe uma rixa muito forte entre os coronis pela disputa de poder. Alerteios integrantes da Comisso sobre essas cartas apcrifas para que jestivssemos preparados.

55

As ameaas

Alm das cartas estvamos recebendo ameaas de morte ou de seqestro.No meu caso, foi feita uma ligao para um vizinho, quando uma pessoa, seidentificando como amiga, pediu o endereo da escola de minha filha, afirmandoque a buscaria, a meu pedido. O vizinho, desconfiado, disse que chamaria minhamulher para dar o endereo. A pessoa desligou imediatamente. Minha filhatinha um ano e trs meses, na poca, e no estava na escola. Recebi aindavrios telefonemas de madrugada, com ameaas de morte. Em um destestelefonemas, a pessoa disse que na vspera da assemblia, no dia 23, haveriauma invaso em minha casa. Tive que tirar minha filha de casa e envi-la paraum lugar escondido no interior. Em qualquer lugar por onde andava, era seguidopor oficiais do servio secreto da Polcia Militar, a famosa P/2. Essa vigilnciaacontecia 24 horas por dia. Seguiam meus passos a todo momento.

O Governo afirma que esto encerradas as negociaes com os policiais.O abono de R$ 102,00 a ltima proposta.

A grande assemblia

Chega o dia 24 de junho. Todas as atenes esto voltadas para o Clubede Cabos e Soldados onde os policiais j comeam a se concentrar para aassemblia. Comeam a chegar policiais dos quartis do interior e da Capital.A ordem do Comando de que no poderiam participar policiais fardados ouem servio desobedecida. Boatos de uma possvel invaso do Exrcito noclube comeam a correr. Os nimos se exaltam. Os bombeiros do 2 BBM e ospoliciais do 18 BPM de Contagem chegam em passeata e so saudados peloscolegas.

O Coronel Seixas comparece novamente, permanecendo em trajes civis eescondido. Vrios P-2 esto infiltrados na assemblia por ordem do Comando.Muitos, apesar de terem recebido ordens do Comando, participam como agentes

56

duplos. O que eles fazem, na verdade, levar informaes do Comando paraos praas. At alguns oficiais da P-2 repassam informaes ultra-secretas aoslderes dos praas, como a confeco das cartas apcrifas e a ordem paragrampear telefones, que partiu do Exrcito. Os lderes do movimento continuamsendo seguidos 24 horas por dia. As fichas funcionais dos lderes esto sendoanalisadas na sede da PM-2, a chamada Fazendinha, por causa de sualocalizao, escondida em um local ermo dentro do 5 BPM. Ao contrrio daP-2, que o servio secreto dos batalhes, a PM-2 o servio secreto de todaa Polcia Militar e tem a funo de fiscalizar e observar todos os policiais,inclusive oficiais. Os agentes foram treinados no extinto SNI (Servio Nacionalde Informaes).

A assemblia comea tensa. Mais de trs mil policiais esto na sede doclube. No h tropa de represso visvel nas proximidades, mas os praas estoatentos a todas as informaes e mantm vigilncia na regio e nas portarias.

O Coronel reformado William daCosta Baa, ex-comandante do

BPChoque, tenta entrar no clube etoma uma vaia logo na escadaria.

Sai fora! Gritam os policiais.

Subi no palanque e passei as informaes dos resultados das negociaescom o Governo, as vitrias conquistadas e a deciso do Governo de bater omartelo e fechar as negociaes em torno do abono de R$ 102,00 o que davaum piso de R$ 517,00. Por unanimidade, os policiais rejeitam a proposta ecomeam a gritar: Pr fora, pr rua!. A muito custo, consegui segurar ospoliciais por 10 minutos, para tentar reabrir as negociaes

57

Priso por telefoneTelefonei para o chefe do Estado-Maior, Coronel Miranda e comuniquei

a deciso da assemblia. Coronel, pelo amor de Deus, tente reabrir as negociaes com o

Governo. Os praas no aceitam o abono e vo para as ruas.Em desespero, o Coronel responde: Segure este pessoal a, no brinque com a lei. Vocs no podem ir para

a rua de jeito nenhum.Ns j estamos indo, no h como segurar-nos.Ento voc est preso em flagrante!Tudo bem, mas isto no vai adiantar. Eles esto indo, e eu vou

junto.Procurei no comunicar assemblia que estava preso em flagrante por

telefone, temendo uma revolta generalizada. Eu me desloquei ao palanque econsegui fazer os policiais retornarem ao clube.

Pedi calma e os informei dos perigos que poderiam acontecer a partir destasegunda passeata, como perseguies, retaliaes e prises. Pedi ainda queeles guardassem as armas dentro da farda e no as expusessem em momentoalgum. Mas a deciso de sair para as ruas j estava tomada e os policiaiscomearam a deixar o clube em passeata.

Em frente ao 5 Batalho e ao Batalho de Trnsito a passeata pra e ospoliciais chamam os colegas para que aderissem ao movimento. Cerca de 3.500policiais seguiam pela avenida Amazonas. Alguns policiais que sabem dasameaas de morte insistem comigo para que coloque o colete prova de balas,esquecido dentro do meu carro, estacionado em frente ao clube. Um sargentovolta de moto ao clube para buscar o colete.

Toca o meu celular.Era o Coronel me desprendendo. Desta vez, ele no ordenou, e sim, me

pediu, que a gente tentasse no deixar que a tropa seguisse at o Palcioda Liberdade. A praa j estava cercada pela Forleg nessa hora, mas euainda no sabia.

58

Polcia unida jamais servencida

No cruzamento com a avenida Barbacena chegam os policiais civis, quetambm tinham realizado assemblia no mesmo dia e decidido aderir greve. Oencontro entre os policiais das duas Corporaes acontece em tom de emoo,com gritos de saudao, abraos, e at choro de alguns policiais. O grito dePolcia unida jamais ser vencida! ecoa pela avenida. Seis mil pessoas, entrepoliciais, parentes, aposentados e simpatizantes se dirigem para a Praa Sete,corao de Belo Horizonte.

Os policiais apitam e carregam faixas com os dizeres:

Queremos salrio e no esmola.

Queremos respeito pelos nossos direitos constitucionais; a Associaodos Delegados apoia irrestritamente o movimento dos policiais; chega dediviso, queremos a unificao das polcias j e Somos por uma Polcia nica.Os policiais gritam:

Greve! Greve!

59

Na Praa Sete, acontece uma nova assemblia, tumultuadssima. A maioriados policiais quer seguir para a Praa da Liberdade. Os lderes tentam encerraro protesto, mas no conseguem. Representantes dos policiais civis sochamados para subirem e falarem, ajudando a conter os nimos. Os lderes dospraas tambm falam, mas os manifestantes querem seguir em frente. Os lderesno tm outra opo seno acompanhar a passeata. s pressas, o Sindicatodos Trabalhadores da Construo Civil cede um carro de som para que aslideranas possam coordenar o protesto. Este mesmo carro de som j foiapreendido vrias vezes por policiais militares durante as greves dosoperrios.

Por volta de 14hs., os reprteres so informados pelas redaes que aPraa da Liberdade estava cercada por uma tropa tambm de PMs.

Alguns sindicalistas da CUT chegam com as bandeiras vermelhas, j nasubida da avenida Joo Pinheiro. Os policiais rasgam as bandeiras e s noagridem os sindicalistas por minha interferncia. Os policiais se recusam a darconotao ideolgica ou poltica no movimento.

Na subida da avenida Joo Pinheiro, tomei conhecimento de que haviauma tropa repressora cercando a Praa da Liberdade. Pedi a dois policiais damanifestao que fossem rapidamente ao QCG e implorassem ao comandantedaquela tropa para retir-la. Os policiais foram orientados a lembrar aocomandante que na primeira passeata, no dia 13, no havia tropa repressora etudo correu tranqilamente. Eu temia um confronto. Os policiais foram correndona frente e retornaram com a resposta: o Comando afirmara que todas asmedidas necessrias