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100 Anos Salgueiro lembranças de família 1 100 ANOS SALGUEIRO Lembranças de família

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Lembrança de Família

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100 Anos Salgueiro

lembranças de família 1

100 ANOS SALGUEIROLembranças de família

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Sumário

Abertura ................................................................................................................................................5

Introdução ............................................................................................................................................7

Depoimentos dos filhos

Anna ........................................................................................................................................................9

Antônio .................................................................................................................................................17

Célia ......................................................................................................................................................37

Sônia ......................................................................................................................................................79

José ......................................................................................................................................................111

Luiz ......................................................................................................................................................121

Depoimentos do genro e nora

José Maria ............................................................................................................................................127

Vera .....................................................................................................................................................133

Epílogo ..............................................................................................................................................137

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Abertura

“(...) Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema. (...) Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir. (...) Mas a vida - (...) - sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite. O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano - quem diria? - solou, endureceu, murchou antes do tempo. Este, o mais gordo e generoso, farto, abundante. Aquele o que surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente.

(...) Já estão aí? Todas? Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados. Logo, logo, você também estará cheirando a alho e cebola. Não se envergonhe de chorar. Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza.

Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco. Mas, se misturadas com delicadeza, estas espe-ciarias - que quase sempre vêm da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar - tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa.

Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada a mais disso ou daquilo e, pronto: é um verdadeiro de-sastre. Família é prato extremamente sensível. Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido. Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide meter a colher. Saber meter a colher é verda-deira arte. Uma grande amiga minha desandou a receita de toda a família, só porque meteu a colher na hora errada.

O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. Não existe “Fa-mília a Oswaldo Aranha”; “Família à Rossini”, “Família à Belle Meunière” ou “Família ao Molho Pardo” - em que o sangue é fundamental para o preparo da iguaria. Família é afinidade, é “à Moda da Casa”. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito.

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Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras, apimentadíssimas. Há também as que não têm gosto de nada - seriam assim um tipo de “Família Diet”, que você suporta só para manter a linha. Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.(...)

Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitin-do o que sabe no dia a dia. A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que ficou no pedaço de papel. Muita coisa se perde na lembrança. Principalmente, na cabeça de um velho já meio caduco como eu. O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro. Aproveite ao máximo. Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete.

AZEVEDO, Francisco. Arroz de Palma. 5.ed. Rio de Janeiro: Record, 2012.

(p.11–14).

Introdução

A ideia da comemoração dos 100 anos do nascimento do Papai surgiu a partir da leitura, feita por Antônio, de um livro emprestado por sua filha Fernanda, ARROZ DE PALMA, de autoria de Francisco Azevedo.

Este livro narra a saga da família portuguesa de José Custódio e Maria Romana. O personagem - relator da historia - é o filho mais velho do casal, chamado Antônio. Coincidência?

O livro se inicia com o relato de Antônio, então, com 88 anos, preparando as refeições para um encontro com a família. Família que ele define como um prato que emociona e, também, como um prato difícil de preparar. É preciso ter muito cuidado para não desandar a receita. Reunir toda a família exige coragem, devoção, paciência...

O Antônio, personagem do livro, como o nosso Antônio, se encontra saudoso porque está há muito tempo sem ver seus irmãos e, por isso, pensou que o centenário seria um bom pretexto para a reunião da família, inclu-sive contando com a presença dos sobrinhos, sobrinhas, netos e netas, que ele ainda não conhecia.

E Vera, sua esposa, foi a primeira a incentivá-lo a organizar a reunião. Assim, Antônio telefonou para a sua filha Fernanda que, por sua vez, conversou com a sua tia Célia e lhe enviou de presente o referido livro. Após a leitura, Célia adorou a ideia e conversou com cada um dos irmãos, sugerindo não só que todos lessem o livro como, também, antecipando a possibilidade de um encontro de todos eles. Foi dado, assim, o primeiro e prin-cipal passo para o futuro encontro.

Assim, todos os irmãos e irmãs ficaram animados, concordaram com a proposta e definiram a data do en-contro: 03 de agosto de 2013, a data de seu nascimento.

Em seguida, era necessário decidir o que cada um dos irmãos deveria escrever. Optamos por um texto que relatasse as lembranças mais marcantes de nosso pai. Nossa intenção era que estes escritos poderiam subsidiar um relato mais amplo sobre a trajetória de vida de nosso pai que, posteriormente, seriam condensadas em um pendrive ou, quem sabe, em um livro?

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A partir daí, iniciamos cada um de nós a escrever as passagens mais importantes que vivemos em nossa fa-mília. E foram muitas as lembranças, tantos os casos, inúmeras as situações (...). E, paralelamente, começamos a recolher documentos sobre a sua trajetória de vida, sua família, seus estudos, seu trabalho, suas músicas preferi-das, (...) ilustrando sempre que possível, com fotografias... Algumas dessas lembranças nos fizeram rir, enquanto outras, algumas vezes, provocaram lágrimas...

E os depoimentos foram chegando, pouco a pouco, de acordo com a disponibilidade de cada um de nós. E, com eles, algumas dúvidas foram surgindo: o que faremos com esse material? Organizaremos um resumo de tudo que foi escrito pelos filhos? Ou destacaremos o depoimento de cada um? Os depoimentos eram tão genuínos que, muitas vezes, alguns fatos se repetiram em diferentes escritos. Daí, pensamos: quem sabe essas repetições nos estão mostrando as características mais marcantes do nosso pai, o senhor Salgueiro?

Outro desafio surgiu ao tentarmos organizar os escritos de cada um de nós: deveríamos seguir a ordem cronológica em que cada um dos depoimentos foi escrito ou a data em que cada um de nós os enviou? Ao final, optamos pelo depoimento de cada um dos filhos, em ordem cronológica: Anna, Antônio, Célia, Sônia, José e Luiz, e, em seguida as noras e os genros.

Depoimento Anna

Como nosso PAI me surpreendia!

Depois que li os lindos textos de meus irmãos – Célia, Antônio, Sônia, José e Luiz – me pus a pensar: o que restou para eu escrever? Eles já escreveram tudo sobre papai! Inclusive alguns acontecimentos que eu desconhecia! Realmente me senti perdida...

Durante a noite, depois de muito matutar, tive uma ideia: vou escrever sobre duas situações em que papai me SURPREENDEU!

O primeiro relato tem início no ano de 1954, quando estudando no colégio de Passa Quatro, na 3ª série gi-nasial, eu e algumas colegas de minha turma, decidimos organizar um time de voleibol. Já jogávamos no próprio colégio durante o recreio, nas aulas de Educação Física e, muitas vezes, algumas partidas entre as internas e as externas.

Assim, a partir dessa primeira experiência, organizamos um time de vôlei feminino que denominamos Alvi Celeste. Dele faziam parte algumas colegas da 3ª série ginasial. Era um grupo muito unido, muito companheiro, muito comprometido...

Nossos treinos aconteciam ao final da tarde, pelo menos três vezes por semana, em uma quadra de terra, em frente à nossa casa, à Avenida Coronel Ribeiro Pereira, nº 2. Mamãe, toda folga que tinha, estava na janela acompanhando as partidas e observando o desempenho da filha. Quando eu conseguia fazer uma defesa mais difícil ou uma cortada indefensável, ela vibrava!

Continuamos a treinar, e a jogar ora com o time do internato e ora com dois outros times da cidade – o Rubro Negro e o Blue Star -, até que surgiu a primeira oportunidade de jogarmos em outra cidade. O convite veio de um time de Itanhandu. Quando contei à mamãe desse convite para jogar em Itanhandu, antes que eu terminasse de falar, ela já me respondeu categoricamente: Nem pensar! Seu pai não vai deixar! Não precisa tentar!

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Para mim foi uma decepção! Mas mesmo assim, resolvi tentar convencer o papai. Na verdade, não foi necessário ne-nhum argumento para convencê-lo. Ele, de cara, concordou, e não só concordou como levou toda a família para assistir a partida. Foi só alegria! Eles torceram muito! E para completar essa felicidade, conseguimos vencer o time adversário.

Daí para frente, participamos de muitas partidas em di-ferentes cidades, tanto do estado de São Paulo, como do Rio e de Minas, sempre apoiadas por papai e mamãe. Jogamos mais de uma vez na cidade de Cruzeiro, em Engenheiro Pas-sos, em Lorena,...

Também jogamos em Itajubá. Desta vez, foi mamãe que nos acompanhou e levamos conosco o José, que devia ter mais ou menos uns três anos. Mamãe fez para ele uma camiseta igual ao uniforme do nosso time e ele foi de mascote. Fez muito sucesso!

Daí em diante, realizamos também outras viagens e enfrentamos os ti-mes de voleibol de Maria da Fé, de Santa Rita do Sapucaí. Nessas últimas partidas, a Célia já integrava nosso time. Vencemos todas as partidas, só perdemos para o time de Santa Rita. Isso ocorreu tanto na partida realizada em Santa Rita como na partida realizada em Passa Quatro. Infelizmente, tivemos que reconhecer que o time de Santa Rita era superior ao nosso!

Também, considero importante dizer que papai e mamãe incentivaram essas atividades e delas participaram com muita alegria. Não perdiam ne-nhuma partida realizada em Passa Quatro. Sempre estavam presentes, tor-cendo pelo time e principalmente pelas filhas.

A última partida que jogamos foi no Rio. Recebemos um convite de um time de Jacarepaguá. Aí enfrentamos um problema: quem nos acompanharia nessa viagem? Fizemos várias tentativas e não conseguimos nenhuma mãe dispo-nível para nos acompanhar. Já estávamos desanimadas, e desistindo da viagem ao Rio, quando o senhor Salgueiro nos salvou! Sem pestanejar ele topou acom-panhar nosso time que, nessa altura, já era dele também. Alugamos um ônibus e lá fomos com o senhor Salgueiro para o Rio de Janeiro. Enfrentamos um time forte, foi uma partida dura, mas conseguimos vencer! Foi só comemoração!

Em seguida, passo ao segundo relato. Trata-se da proibição do senhor Salgueiro de as filhas participarem de festas dançantes em casa de colegas e em bailes na “Sociedade” em Passa Quatro. Ele, definitivamente, não admi-tia! Carnaval, a gente só ia ao baile infantil! Fazíamos várias tentativas, usávamos vários argumentos para ele nos deixar ir aos bailes, mas tudo em vão!

Mais uma vez fui por ele surpreendida! Nessa época papai trabalhava em Elói Mendes. E, em uma de suas vindas à Passa Quatro para visitar a família, ele me convidou para ir a Elói Mendes, para um baile com a orquestra Cassino de Sevilha. Quase desmaiei de susto! E mamãe também! Mais do que depressa, mamãe ajeitou um vestido e lá fui eu com o senhor Salgueiro para o baile. Ele estava todo feliz de me levar para dançar! Foi maravilhoso ir a um baile acompanhada pelo meu pai. Inimaginável!

Assim, a partir dessa data, passamos a participar dos bailes que aconteciam em Passa Quatro - eu, Célia e Sonia. Mas sempre acompanhadas da dona Auxiliadora. Ela, que também gostava muito de dançar, ficava muito feliz em nos levar aos bailes e, principalmente, em saber que papai já não era mais tão rígido como antes! SUR-PREENDENTE ESSE SENHOR SALGUEIRO!

Que saudades, meu pai!

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Lembranças de papai: diário do ano de 1940

Anna Maria Salgueiro Caldeira

Recentemente, buscando lembranças de meu pai, tive uma grande surpresa! Na caixa de sapato, já meio desgastada, encontrei um caderno de capa dura, com uma etiqueta com os dizeres: Diário do ano de 1940, de José Manoel Salgueiro.

A partir de várias leituras desse diário, me sinto capaz de fazer uma síntese das principais ideias nele contidas. Para isso, extraí, do próprio texto, algumas partes que traduzem os momentos mais significativos de sua vida no ano de 1940.

Dentre os fatos mais marcantes e de muita felicidade em sua vida, no ano de 1940, ressalto o seu noivado com minha mãe e, três meses depois, o casamento. Em seguida, ele enfrenta uma realidade muito dura e que lhe causou profunda tristeza: a morte de seu querido pai, meu avô, o senhor Salgueiro, que há seis anos estava paralítico.

No entanto, antes de recontar essas passagens alegres e, também, aquela que lhe causou aflição e sofrimento, gostaria de ressaltar o seu compromisso com seu pai, sua mãe e com seus irmãos. Papai cuidava muito de seu pai, tinha por ele um carinho especial e, inúmeras vezes, lhe dava o banho, fazia a sua barba e até cortava o seu cabelo. Levava-o, algumas vezes, até o quintal para pudesse conhecer a horta, cuidada por ele todas as manhãs bem cedinho.

Papai ajudava também seus irmãos, especialmente, sua irmã Joaquina, viúva e com cinco filhos ainda peque-nos, pagando o aluguel da casa em que morava. Também cuidava de sua horta, ora capinando, ora plantando, colocando terra, podando, replantando legumes e verduras. Além disso, era zeloso com seu irmão caçula Chico, ajudando-o quando necessário, mas sendo severo quando era preciso.

Papai gostava de levantar muito cedo para cuidar da horta, atividade que realizava diariamente. Assim, não me causou surpresa quando, em seu diário, ele escreve que: às cinco horas da manhã, capinei a horta, plantei um pé de limão galego, semeei cebola e cenoura, plantei feijão, fiz canteiro, capinei meu amendoim e mandioca (...). O produto deste trabalho era tanto para uso próprio, como também era vendido, ajudando a despesa da casa.

Na parte da tarde, papai trabalhava na Coletoria Federal, como auxiliar. Além desse trabalho, papai também menciona que faz escrita para várias pessoas conhecidas, rendimento que contribui também para a manutenção de sua família.

Também, pude perceber nos seus relatos que sua casa estava sempre cheia de gente. Quase todos os dias, ele escreve: estiveram em casa tio Cristiano, tio Tonho e tio Euclides, dona Isaura, dona Marieta, dona Dália e Zequinha, Frederico, Hélio e Cecília, dona Antônia e Yolanda, Carlota, Hélio Faria, dona Ângela, dona Maria Catita e primo Mário, entre muitos outros.

Passo, em seguida, a relatar os principais momentos, de sua vida cotidiana, por ele registrados em seu diário e que se referem, especialmente, à sua relação com a Auxiliadora, nossa mãe que, algumas vezes, é também referida por ele como Nina.

Em 1º de janeiro de 1940, papai escreve: Fui á missa junto com Nina. Estive com ela o dia todo. É o meu amorzinho de alma, coração e corpo. Dei um passeio com ela. O dia de hoje passamos admiravelmente, deixando-me saudades. Dia adorável! Cheguei à minha casa às 11 horas e trouxe a aliança de Nina. E, em 16 de janeiro, ele diz: Arranjei minha aliança, pagando dez mil réis.

Foram muitas as cartas e os encontros que papai e mamãe trocaram entre os meses de janeiro e maio, quando se casaram. Ainda em janeiro, dia 17, ele recebe carta de Nina. No dia 18, ele escreve: Fui à Piranguinho encontrar com Nina. E no dia 20 registra: Nina esteve em casa. Almoçou comigo e a tarde fui junto com ela para a cidade, onde fomos assentar no banco do jardim. Fomos à casa do Álvaro de Castro, o filho dele fez um ano. Depois descemos e fomos à casa de dona Antônia e Yolanda.

No dia 21 de janeiro, ele assim se refere à mamãe:

Nina chegou e estivemos juntinhos durante muito tempo. É um anjo que tenho. À tarde fui com ela à fábrica de camas e voltamos de ônibus. Estive em casa de dona Antônia, e demos um passeio. Amei a Nina como ninguém ama. Fui embora às 11:30 horas.

No dia seguinte – dia 22 - papai escreve:

(...) Nina esteve em casa. Abracei e kiss. Fui acompanhá-la até a estação. (...) Adeus minha querida. Ela chorou poucos minutos antes de embarcar, não sei por que motivo. Nina embarcou para Santa Rita às 9 horas.

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A seguir, extrato do diário dos dias 21 e 22 de janeiro de 1940:

Nos dias seguintes, a correspondência entre eles se manteve intensa! No dia 7 de fevereiro, ele es-creve: Telegrafei para Nina pela data de seu aniversário. Ela hoje completou 23 anos.

No dia 11 de fevereiro, papai e mamãe ficaram noivos. Nesse dia ele registra em seu diário: Fui cedo à Santa Rita voltando à noite. Estive com Nina o dia todo. Com Jandira, Adolfina, Doris, Geraldo, Toninho. Falei com Adolfina sobre o nosso noivado. Deixei as alianças com a Nina para mandar apertar. Choveu!

Em 12 de fevereiro, papai relata: Fui cedo à Santa Rita, voltando à noite. Estive com Nina durante

o dia todo. Com Jandira e Geraldo, Adolfina, Doris, Toninho. (...) Deixei as alianças com Nina para ajustá-las.

Em 3 de março, novamente em Santa Rita com a Nina, papai conta: Passei o dia em casa de Auxiliadora. Fui à missa com ela. Esti-vemos arranjando os cartões de participação do noivado, subscritando tanto para Santa Rita, como para Itajubá e outras localidades.

E já no dia 6 de março, ele escreve: o doutor Gaspar veio dar--me os parabéns pelo noivado e eu o convidei para padrinho.

Dois dias depois, papai telefona para a Auxiliadora, vai a Santa Rita e registra em seu diário: É um anjo, a minha queridinha. E, no dia 11 de março, registra: Faz hoje 5 anos e 8 meses que papai está de cama e um mês que fiquei noivo de Auxiliadora.

Em seguida, o relato de papai no dia 24 de março:

...embarquei cedo para Santa Rita, estive o dia com Nina, meu amorzinho. Adolfina ofereceu-nos um jantar. O (Zé) Gouveia e a Doris ficaram noivos! Estive firme! Auxiliadora mandou uns doces para mamãe. Guardei de lembrança do jantar uma rolha e uma folha datada de 24/03/1940. Nina

Nos intervalos entre as idas e vindas de papai à Santa Rita, as cartas entre os dois são praticamente diárias.

No dia 14 de abril, papai escreve: fui cedo a Olegário e Santa Rita e voltei à noite. Passei o dia com a querida Maria Auxiliadora. Fui ao ginásio, estive com dona Espanha e Milton. Auxiliadora deu-me a aliança que mandei arranjar e um lencinho rosado. Lá se foi o meu amorzinho...

Papai recebeu, em 18 de abril, carta expressa de sua noiva com os papéis de casamento. No dia seguinte, assinou os papéis e escreveu para Auxiliadora e, no outro dia, recebeu outra carta de sua noiva com o edital do casamento.

Em 25 de abril, ele registra que Auxiliadora veio de Santa Rita com dona Adolfina. Fui à cidade com Auxilia-dora e ela com a mãe vieram jantar em casa. Fui ao cinema com a Auxiliadora. A sogra Adolfina comprou os móveis para eu e Auxiliadora.

No dia seguinte, ele anota no diário: Nina foi embora cedo. Fui ver os móveis. E, em seguida, coloca:

ATENÇÂO

Meus pais: Antônio Manuel Salgueiro e Anna Victória da Silva Salgueiro, ele de 1863 e mamãe de 1879.

Auxiliadora: Antônio Luiz de Souza e Adolfina Ribeiro Duarte

E, no dia 2 de maio, escreve: Participei o senhor Lopes e Ferreira, o senhor Jarbas, Edson e família que vou me casar.

E, no dia 8: comprei um chapéu por 70$000 e meu sapato por 65$000 na Liberty. Dona Maria Gonçalves deu--me 10$000 para comprar uma gravata de casamento.

E, no dia seguinte: Fui ao Forum buscar o papel de meu casamento para enviar para Nina.

No dia 12, Papai vai novamente a Santa Rita: Passei o dia com ela alegre e feliz!

E as cartas, diárias, continuaram de lá para cá e daqui para lá!

E, no dia 20 de maio, papai relata que o senhor Maurício deu-lhe de presente de casamento 100$000 mil réis e o doutor Gaspar deu-lhe seis copos e uma jarra de cristal; Jaime e Milena lhe deram uma Santa Terezinha.

Finalmente, chegou o dia 21 de maio de 1940!

Dia feliz para mim e para Auxiliadora! Fui de automóvel para Santa Rita. Levei comigo de automóvel papai e mamãe até Olegário Maciel. Cheguei a Santa Rita às 12:20 horas. Estive com Auxiliadora e os seus. Casamos às 17:30 horas. Nós não ficamos nervosos, todos calmos. Meus padrinhos, o Dr. Gaspar Lisboa e dona Nair Rezende Lisboa, foram para ambas as cerimonias. E os da Auxiliadora, no civil, foram Américo Julidore e dona Espanha e, no religioso,

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senhor Otávio Ribeiro e dona Maria José Carvalho Renó. (...) Nina ganhou muitos presentes. Recebemos muitos cartões de felicitação. Passei uma noite feliz com Auxiliadora. Dormimos a noite toda pela primeira vez, felizes e contentes!

Logo abaixo dessa parte do relato, mamãe escreve no diário: Senti-me muito feliz nesse dia. Assinado: Auxilia-dora Salgueiro.

Papai tinha muito carinho e cuidado com seus pais. Seu pai, Antônio Manoel Salgueiro, nasceu em 25 de agosto de 1862, em Pombal do Marques, Portugal. Casou-se em Serra Azul em 1895. Viveu, por seis anos, para-lítico. Faleceu aos 78 anos. Deixou cinco filhos e doze netos. Sua morte causou grande comoção ao meu pai que, assim, se expressou em seu diário, no dia de sua morte:

Dia 8 de junho:

Página negra da minha vida. Papai faleceu às 4 horas da madrugada, sem ninguém ver.Telefonei para Olegário e Piranguinho para Dona e José. Vesti papai com a mamãe. Telefonei para Pedra Branca Alegre e Delfim Moreira. Mandei fazer 3003contos de convite, mandei fazer o caixão de segunda, que papai me pediu. Fui à igreja encomendar a (...). O padre Theodoro que encomendou papai. Papai foi descido à sepultura às 5 horas e 35 cinco minutos da tarde e o meu último olhar para ele foi às cinco horas e quarenta e cinco minutos. A sepultura é de nº 184, quadra 17.

Papai nasceu em Portugal em 1862, em 25 de agosto, no lugar Pombal do Marquês. Seus pais eram: Manuel Antônio Salgueiro e Joaquina Maria Salgueiro, casou-se em Serra Azul, em 6 de julho de 1895, deixou 5 filhos e 12 netos.

A partir desse dia, papai escreve uma lista enorme de nomes de pessoas que estiveram com ele, tanto no enterro, como em sua casa, nos dias seguintes.

Os relatos posteriores a esta data se referem às atividades de papai no dia-a-dia, seja em casa como no trabalho, algumas viagens com mamãe à Santa Rita e visitas da vó Adolfina e outros parentes à sua casa em Itajubá.

No entanto, chamou a minha atenção a última página do diário, datada de 13 de dezembro de 1940. Papai escreve: Não trabalhei no dia de Santa Luzia. Fui à missa.

Ao ler esta última frase, me veio à memória que papai tinha uma gran-de devoção por Santa Luzia e que, todos os anos, no seu dia, ele ia à missa em uma igreja em Pinheirinho. Por acaso, encontrei uma foto dele, ainda pequeno, em que está bem visível uma alteração nos seus olhos. Então me lembrei de que ele nos dizia que foi curado por sua fé em Santa Luzia!

Vô Salgueiro

Depoimento Antônio

Do casamento de Antonio Manoel Salgueiro, natural de Portugal (25-08-1863/08-06-1940) e Anna Victoria, brasileira, (25-04-1879 /13-09-1969), realizado em Pedra Azul- SP, em 06/07/1879, nasceram seis filhos: Antônio (11-06-1896/17-09-1897), Joaquina (28-03-1898/22-01-1966), Anna (25-12-1903/ 12-12-1986), José Benedito (28-02-1906/01-03-1966), José Manoel (03-08-1913/ 02 -09 -86) e José Francisco (16-06-1916/ 02 08-1991). Seus avós paternos eram Manoel Antônio Salgueiro e Maria Joaquina Salgueiro e os avós ma-ternos Francisco Rodrigues da Silva e Maria da Glória Guima-rães. Jose Manoel nasceu na Pimenteira em Olegário Maciel.

Passaporte do Vô Antônio Manoel – outubro 1986

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lembranças de família 1918

Anotações do Vô Antônio Manoel do nascimento e morte de seus filhos

Anotações de Papai do nascimento de seus pais e nascimento e morte de seus irmãos

Papai foi o único dos filhos que conseguiu estudar. Para isso trabalhava na escola onde estudava.

Certificado de Conclusão do 2º ano – 1932

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lembranças de família 2120

Certificado de Conclusão do quinto ano - 1935

O primeiro, segun-do e terceiro anos do gi-nasial cursou no Colégio São Vicente de Paulo em Itajubá. A quarta e quin-ta séries, no Instituto Moderno de Educação e Ensino em Santa Rita do Sapucaí, época em que conheceu sua futura es-posa Nina.

Enquanto alguns colegas continuaram os estudos em escolas superiores, papai foi obrigado a interrompê-los para trabalhar porque seu Pai sofreu um derrame cerebral e ficou paralítico por seis anos. Seu colega de turma Olavo Miranda, por exemplo, formou-se em Direito e foi professor de Português e Espanhol no Colégio Itajubá. Condoído, pelo fato dele ter concluído a quinta série, que correspondia ao nosso científico, fato raro na época, o senhor Jarbas Guimarães, coletor federal em Itajubá, convidou papai para ser seu auxiliar na coletoria.

Em agosto e setembro de 1938, papai voltou a Santa Rita para votar, nas primeiras eleições da constituição de 1938, ocasião em que reencon-trou a Nina, que estava noiva. No entanto, ela desmanchou o noivado e voltaram a namorar. E, em 11-02-1940, ficaram noivos e, em 21-05-1940, estavam casados.

Convite do Baile de Formatura em Santa Rita do Sapucaí - dezembro de 1934

Comunicação do contrato de casamento - 11/02/1940

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lembranças de família 2322

A seguir, relaciono uma série de documentos relativos à vida profissional de meu pai. Em 31 de agosto de 1944, foi nomeado interinamente para exercer o cargo de escrivão da Coletoria de Rendas Federais, em Delfim Moreira.

Designação para exercer interinamente o cargo de Escrivão da Coletoria de RendasFederais em Delfim Moreira – 31/08/1944

Em 1945, fez concurso de provas para provimento à classe inicial de carreira de Escrivão de Coletoria Fe-deral, e foi nomeado, em 29 de agosto de 1946, conforme certificado apresentado a seguir, permanecendo em Delfim Moreira.

Certificado de Habilitação como Escrivão Federal – 1946

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lembranças de família 2524

Em 1949, foi transferido para Passa Quatro, onde permaneceu como escrivão federal. Foi coletor federal em Elói Mendes, onde ele ficou pouco tempo e retornou a Passa Quatro como coletor federal.

Acompanhando a trajetória profis-sional de nosso pai, moramos inicial-mente em Itajubá, à Rua José Joaquim 91. Daí, mudamos sucessivamente para Delfim Moreira, novamente para Itajubá, em seguida para Passa Quatro, voltamos a Itajubá e, em 1950, muda-mos definitivamente para Passa Qua-tro, na Avenida Cel. Ribeiro Pereira, número 2.

Passa Quatro com as quatro curvas do rio e as pedras enfeitando o leito de suas ruas – no dizer do Oliveira - en-feitiçou toda a família, viramos passa-quatrenses.

Finalmente, em 1960, mudamos para a Rua Major Alessandro, 68, onde papai morou até o seu falecimento em 1986.

Papai e mamãe tiveram seis filhos: Anna Maria, Antônio, Célia Maria, Sônia Maria, José e Luiz.

Nosso Pai tinha uma grande destreza manual, tanto na horta como nas “escritas”, em compensação, para dançar era um fracasso. A música também não era seu ponto forte, mas gostava de pelo menos três: Kalu, Aqueles olhos verdes e No Rancho Fundo. As duas primeiras podem ser explicadas pelos olhos verdes de D. Auxiliadora e a última porque ele foi colega do Alvarenga, da dupla Alvarenga e Ranchinho, do primeiro Ranchinho - foram três -. Papai no contava até que o apelido do Ranchinho veio de tanto os colegas pedirem para ele cantar “aquela do Rancho”, assim virou Ranchinho.

Na horta, seus canteiros eram muito bem feitos e as verduras milimetricamente plantadas. Até o laço para pegar os sabiás, comedores de morango, era muito bem feito. O caramanchão de plantação de chuchu era um primor de obra e, sua produção, eu vendia semanalmente para o Patronato e para a quitanda da D. Maria Kato.

As cercas que ele fazia no quintal eram perfeitas. Comprava a vara de bambu, serrava os pedaços todos do mesmíssimo tamanho e, com seu facão, os rachava ao meio. Tudo exatamente igual. A cerca era feita com as ta-

Cartão de Natal – 1969/1970

quaras a 45°, com as metades cortadas se contrapondo.

Durante muito tempo papai foi produtor de mudas de café. Plantava as sementes e cuidava das mudas e, depois de passado certo tempo, replantava-as. No início usava as tradicionais jacas de bambu. Posteriormente inovou com o uso do compensado, grampeado nas duas pontas, como suporte para o plantio das mudas. Para combater os insetos daninhos nas plantações, pegávamos sapos nas ruas. Já nessa época, o Senhor Salgueiro era ecologicamente correto.

Também, para obtenção de adubo, ele fazia dois buracos na horta de aproximadamente 1,50X 1,50 X 1,00, onde depositava todo o lixo orgânico da casa além de folhas secas do quintal, que ele molhava regularmente. Enquanto esvaziava um buraco, ia enchendo o outro e, assim, tinha adubo o tempo todo.

Além da horta e dos pés de cafés, ele também cuidava do seu jardim. A “vedete” era a plantação de lírios. Eram plantados para serem colhidos anualmente no dia de finados. Ele colhia e levava as flores para o túmulo de seu Pai em Itajubá.

Lembro-me também de quando comprou ou alugou, não sei ao certo, um terreno onde é hoje o Bairro Copacabana, onde pretendia ampliar sua horta. Para isso, era preciso canalizar um córrego que passava no meio do terreno. O senhor Salgueiro emprestou da Prefeitura fôrmas metálicas, comprou cascalho, cimento e ferro, e fomos construir as manilhas. Deviam ter 60 cm de diâmetro. Colocávamos os ferros na forma e os misturávamos com a massa. A vibração era obtida com pedaços de ferro batendo nas formas.

Depois de desenformadas e curadas, em uma área cimentada na entrada de nossa casa, as manilhas eram transportadas, de carroça, para a futura horta. Em seguida, foi feita a canalização do córrego. Infelizmente, a obra não resistiu à primeira chuva!

Meu pai tinha também uma grande habilidade nas escritas que fazia em casa. Ele traçava, no borrador, linhas paralelas, com sua régua plástica preta, sempre com uma simetria perfeita!

No final da vida, o que muito me marcou, foi quando Papai estava internado no hospital em Itajubá. Em seus delírios, ele recorria sempre à ajuda de seu Pai, falecido há mais de quarenta anos.

Meu Pai se levantava sempre muito cedo, cuidava da horta, fazia o café, chamava os filhos para irem ao co-légio e ia trabalhar na Coletoria, de portas fechadas.

Na nossa infância nunca tivemos empregada doméstica em casa, era tudo por conta da D. Auxiliadora. Ela era a faz-de-tudo de nossa casa. Assim, nas raras ocasiões em que ela se ausentava, Papai assumia a cozinha. Sua característica era fazer arroz vermelho. Usava para isso massa de tomate. Fazia também o viradinho de queijo e, ocasionalmente, a broa pau-a-pique.

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O viradinho era servido no café da manhã.

RECEITA DO VIRADO

Ingredientes para quatro pessoas

1 colher de sopa de óleo

320 grs. de queijo

200 grs. de farinha de milho

3 ovos batidos

3 colheres de sopa de açúcar

Preparo

Corte o queijo em fatias bem finas... Reserve.

Bata os ovos até a mistura ficar uniforme e despeje na panela com a gordura quente.

Mexa bem até começar a cozinhar.

Despeje o queijo na panela e continue a mexer.

Acrescente a farinha de milho, continuando a mexer.

Finalmente, coloque o açúcar e bom apetite!

Senhor Salgueiro em Campo Grande

Papai e Mamãe vieram muitas vezes à Campo Grande. Assim, relatarei os fatos mais marcantes de sua permanência em nossa.

A primeira vez que aqui veio, ele viu um tuca-no e me disse que várias pessoas lhe pediram para levar aquele passarinho. Eu estranhei aquele pedido. Depois que ele me explicou eu entendi que o que aquelas pessoas queriam era um “bicudo”.

Em 1972, quando jantávamos na casa do Ker-man Machado, ele ficou batendo um longo papo com o governador José Fragelli, sem saber quem ele era. E acabou levando um baita susto quando eu o informei de quem se tratava.

Em junho de 1977, no aniversário de 10 anos da PLANEL, fomos, com meu grande amigo Fabiano, pescar no Rio Piquiri na Fazenda Santo Antonio do Paraíso. Em uma manhã pescamos 54 pacus. Foram momentos de rara felicidade! Vô Salgueiro e Antônio - Pescaria em Mato Grosso do Sul

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Papai pescando - Mato Grosso do Sul

Papai e Mamãe também vieram a Campo Grande para o nascimento de meus filhos.

Papai e Nanda - Presidente Prudente

Vô perto das rosas que plantou em Campo Grande com Ronan e Nanda

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Vó Nina ensinando a fazer nhoque com Nanda, Papai e Fabiana

Papai, Ronan, Fernanda, Fabiana e Vera – Cabo Frio

Antônio, Vera, Fernanda, Vinícius e Fabiana - Curitiba

Vinicius, Cristina, Camila, Ronan, Gabriela, Fernanda e Fabiana

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Camila, Cristina, Eduardo, Fernanda, Vera, Ronan, Fabiana, Antônio, Gabriela e Marcelo

Em uma das vindas de papai à Campo Grande, fomos nas manhãs do sábado plantar algumas mudas de abacaxi em um terreno que eu possuía nas proximidades da Universidade Federal. De enxada nas mãos plantamos e carpimos o abacaxisal. Depois que compramos o Fazendão, trocamos a diversão, encontramos brinquedo novo! De Passa Quatro vieram mudas de capim Guatemala e dois casais de ganso, sendo um, o de bico preto, além das mudas de amora branca.

Presentes marcantes

A primeira lembrança que ganhei de meu pai foi uma espada. Meu Pai a recebeu do seu Pai que, por sua vez, foi presenteado por um amigo que lutou na Guerra do Paraguai. Recentemente mostrei a espada para meu neto Vinicius e ele ficou encantado! De onde ele está, sei que meu pai deu um belo sorriso nesse momento.

E ganhei também um relógio antigo de parede. Não foi o relógio “oficial” da família que, me parece, foi presenteado ao José. Mas o que ganhei, provavelmente, é tão antigo quanto o outro.

E Papai tinha também o costume de dar moedas de prata de libra esterlina. Eu e o Ronan ganhamos este regalo.

Suas músicas preferidas eram:

KALU

Humberto Teixeira

Kalu, Kalu Tira o verde desses óiosdi riba d’eu

Kalu, Kalu Não me tente se você já me esqueceu

Kalu, Kalu Esse oiá despois do que se assucedeu

Cum franqueza só n’um tendo coração Fazê tal judiação

Você tá mangando d’eu Com franqueza só não tendo coração

Fazê tal judiação Você tá mangando d’eu!

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AQUELES OLHOS VERDES

Aqueles olhos verdes Translúcidos serenos Parecem dois amenos

Pedaços do luar Mas têm a miragem Profunda do oceano

E trazem todo o engano Das procelas do mar

Aqueles olhos verdes

Que inspiram tanta calma Entraram em minh’alma

Encheram-na de dor Aqueles olhos tristes Pegaram-me tristeza

Deixando-me a crueza

De tão infeliz amor

Aqueles olhos verdes Que inspiram tanta calma Entraram em minh’alma

Encheram-na de dor Aqueles olhos tristes Pegaram-me tristeza

Deixando-me a crueza De tão infeliz amor

Astral

Apesar de não ser de muito conversar, meu Pai tinha um magnetismo fora do normal e, enquanto ele esteve entre nós, orbitávamos ao seu redor.

Nas festas de fim de ano, sempre estávamos juntos, comendo castanhas portuguesas, leitoa, bacalhoada e nem sei mais o que...

Sua Família

Não é possível falar de meu Pai, sem nos lembrarmos da Sá Donana. Ela morou com meus pais desde que eles se casaram e só, esporadicamente, passava al-gum tempo com o tio Zé Gran-de em Itajubá. Papai sempre foi extremamente paciente com ela. E ela não era fácil! Era só ser contrariada e ela tinha chilique! E toca a correr para dar-lhe as 30 gotas de coramina.

Papai era muito preocupa-do com seus irmãos e sempre que eles precisavam de alguma ajuda, lá estava o “Zé Mané” os socorrendo! Zé Mané, pois era assim que sua família o chamava. Ele cuidava de todos! Não se tratava apenas de um amor fraterno, era um amor quase crístico!

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Santa Luzia

Na infância meu Pai foi acometido de um problema na visão e foi curado devido às orações a Santa Luzia e, desde então, passou a manifestar uma enorme crença pela santa.

Assim, diante de qualquer problema que tínhamos nos olhos, ele prescrevia que disséssemos três vezes: Santa Luzia passou por aqui, com seu cavalinho comendo capim. E, ao mesmo tempo, deslizássemos o polegar abaixo dos olhos. Com todo esse fervor, infalivelmente, - no dia 13 de dezembro - dia de Santa Luzia, papai ia à Missa na Igreja do Pinheirinho. Ia a pé ou de charrete, mas sempre lá estava ele para agradecer a graça recebida.

Depoimento Célia

“O que a memória ama, fica eterno” Adélia Prado

Antes de escrever minhas lembranças de coisas vividas com meu pai, gostaria de contar para vocês sobre um livro que ganhei de minha sobrinha, Gabriela, intitulado “A sabedoria do Salgueiro”, de Jean-Yves Leloup, e que recorda muito nosso pai. É a cara dele!

A seguir, transcrevo pequenos trechos do livro para vocês:

“Alguns passos adiante, ele viu um Salgueiro à margem do rio... Os galhos flexíveis do Salgueiro se inclinavam sob o peso da neve; ao chegarem ao solo, eles se libertavam suavemente de sua carga e, então, voltavam aos seus lugares, intactos.” (2005, p.15).

(...) “brandura na retidão, doçura no vigor” (...) (2005, p.23).

(...) ”a atitude dócil mas firme do Salgueiro, no balanço de suas folhas, dos seus galhos, em sua não-resistência,na sua aceitação do movimento, aparente revés, mas que traz novidade, mudança... e que exige o seu enraizamento para que ele cresça para o alto. Assim, não será arrancado, mas permanecerá; não medirá força, mas será forte; será abrigo para as águias e para os pássaros; será sempre fonte inesgotável de sabedoria.” (2005).

Meu pai se foi... mas deixou boas lembranças, ensinamentos para a vida inteira.

Há imagens de vivências, de lugares, de sabores, de cheiros, que mantenho dentro de mim e isso é muito bom! Às vezes, deixa uma saudade e uma tristeza danadas.

Tiveram ele e D. Auxiliadora seis filhos: Anna Maria, Antônio, Célia Maria, Sônia Maria, José e Luiz.

Papai queria que meu nome fosse Getúlio, se eu tivesse nascido homem. Por causa do Presidente Getúlio Vargas! Já imaginaram?

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O casamento deles foi bem sucedido: papai e mamãe tinham temperamentos diferentes, mas se comple-tavam. Eu nunca ouvi uma discussão entre eles. Como todos sabem, papai era o centro da casa, o muro de arrimo da família e nossa mãe sempre foi o centro deste centro. Ele era tradicional, careta, mas evoluiu com o tempo, empurrado pelas circunstâncias e pela mamãe, o que permitiu entre outras coisas que os filhos estudassem fora.

Das cidades onde moramos- Itajubá, Delfim Moreira, Passa Quatro - tenho mais lembranças da última. De Itajubá tenho lem-branças de nossa casa, de alguns parentes (tios e primos), da fábri-ca de farinha – Fecularia Faria - do Senhor Mozart Faria, que era na frente de nossa casa; ele era padrinho da Sonia. Buscávamos na fábrica aqueles bijus enormes que comíamos com mel. Ali-ás, meu pai gostava de comidas com mel (massa de pastel frita) e com manteiga (mandioca cozida amassada com manteiga e açú-car), além da banana cozida com açúcar e canela. O quintal de nos-sa casa era enorme e tinha várias

árvores frutíferas, de muitas e variadas espécies.

De Passa Quatro papai foi transferido como coletor federal para Elói Mendes. Ele foi seguro, porque tinha a promessa do Dr. Castro de que arrumaria sua transferência novamente para Passa Quatro. Coisa que não aconte-ceu. Nós chegamos a arrumar a mudança para lá, mas logo que o Sr. Chiquinho Galvão ficou sabendo da perda que Passa Quatro teria, trouxe-o de volta. Quem foi conhecer Elói Mendes foi a Anna, que ficou hospedada no hotel onde papai morava.

Para relatar minhas lembranças de Passa Quatro, porque elas estão muito mescladas, vou dividi-las em qua-tro partes:

I - As lembranças da rua de baixo

Quando morávamos na avenida, éramos vizinhos dos Carneiro (papai escolheu minha madrinha de crisma na família, a D. Francisca) e do Sr. Custó-dio, que era de Virgínia e mandava pra gente aqueles caquis enormes, onde pa-pai colocava um pouquinho de vinagre nas folhas e embrulhava cada um deles em jornais para amadurecer.

Papai tinha também muito cui-dado com os cachos de uvas e com os morangos e os embrulhava, um a um, para os pássaros não comerem.

Éramos também vizinhos do Fer-rão que tinha a fábrica de Doces Estrê-la do Sul. Lembro-me das goiabadas, marmeladas e bananadas que comíamos com queijo branco.

São tantas pessoas boas a recordar nesta época de nossa vida, a Luiza e o José Luiz na casa da esquina, a Ma-riazinha que me ensinou a jogar baralho e o seu marido Milton, que era padrinho do Luiz.

Lembro-me do cheiro forte do cipreste - que formava a cerca divisória entre a casa do gerente da Rede Fer-

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roviária Federal e a rua do Patronato - que sempre sentíamos quando subíamos para o centro da cidade.

No Beco do Barroso, tínhamos muitos amigos especiais, entre eles a Zezé costureira e sua família e a Dona Rita e seus filhos. Havia o campo de vôlei na frente de nossa casa onde treinávamos todos os dias. O nosso time era o Alvi Celeste.

Lembro-me, também, de nossa primeira comunhão. Nós cinco fizemos em Passa Quatro na Igreja Matriz de São Sebastião, apenas a Anna fez a primeira comunhão em Itajubá.

Sinto saudades das nossas brincadeiras nos vagões de trem que ficavam parados na estação. Dos canteiros de flores, das frutas, das parreiras de uva na porta da cozinha e das parreiras de maracujá na entrada principal e lateral da casa. Do galinheiro na porta da cozinha, do cachorro Bob do Tão e das inúmeras vezes que, enquanto papai plantava as mudas e tratava as plantas, nós ficávamos, na divisa da parte cimentada com o início do quintal, jogando finca. Eu adorava! Hoje em dia quase ninguém sabe o que é brincar de finca.

E tudo isso junto e misturado vem com a marca registrada da presença do pai.

Graças ao papai, fui Rainha da Caridade em 1951. E o agradeço até hoje: foi o meu único reinado! rs. Ganhei um piano e uma boneca enormes de presente. Tenho a boneca até hoje. Acho que já posso considerá-la “antiguidade”!

Abaixo uma lista elaborada pelo papai, em abril de 1951, com o resultado final do concurso.

Coroação Rainha da Caridade - 1951

II - As lembranças da rua de cima

Casa da Rua Major d’Alessandro nº 68 - Passa Quatro

Vista da Serra da Mantiqueira da parte de trás da casa - Passa Quatro

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Nessa casa, éramos vizinhos dos italianos Olindo e Mary. Papai conversava com eles pela varanda, assim como com a Lecy e o Chico Saulle, que moravam na casa da frente. Ele sempre comprava o “vinho dos italianos” que não podia faltar em nossas me-lhores refeições. Na porta de frente para a rua, era o cartório do Sr. Jo-aquim Tibúrcio. Tínhamos também bastante relacionamento com a famí-lia Scianni - eu fui colega da Vicentina e da Rosária, e fui aluna da Benita no colégio e aluna da Marina nas aulas de piano. O Aldo era colega do Antônio, o Constante era parceiro nos jogos de vôlei no Campo do Rubro Negro.

Nossa casa era pertinho da escola (INSA), do campo do Rubro Negro, do Jardim dos Leões...

Tenho boas lembranças do vi-nho dos italianos, da fábrica de gua-raná Açoreana, do guaraná Rádio, e o Guaranita, da Cibal. Muitas vezes tomávamos o guaraná fazendo um furinho na tampa com um prego. Era uma delícia!

Também os vizinhos da “rua do meio” eram todos amigos. O Zé Leite e a Dona Lourdes - lembro-me muito da Rural Willys de cor verde deles -, e o Dr. Castro, que além de amigo era nosso médico.

Tenho lembrança da participação de papai, quando a mamãe fazia o famoso doce de abóbora, aquele que era cristalizado por fora e molhadinho por dentro. Era muito trabalhoso, e ela colocava até cal nele! Papai ajudava na logística do transporte das fôrmas com os doces: de dentro da cozinha para a parte externa da casa para tomar sol. Durava muitos dias esse ir e vir com os doces, mas valia a pena!

Por falar na parceria deles, enquanto ela cuidava de todos os serviços domésticos e do acompanhamento dos estudos dos filhos, ele se encarregava de todas as compras e pagamentos.

Na rua de cima, na esquina em frente ao hotel Gonçalves, que era da Dona Fralzina, estava a casa da Dona Renê, para mim, a casa mais linda de Passa Quatro, enorme, antiga, com aquelas parreiras na lateral, ao lado da tipografia do senhor Castorino, que ficava na frente da casa da Kaffa, do Pedro Morssri e da Rita. E logo na esquina, a casa do Chiquinho e da Ana Maria. Que saudade deles!

Papai, assim como nós, também se divertia muito com os casos contados pela Rita. Ela era espontânea, caris-mática, tinha uma “veia artística”. Um dia lá em casa, na sala de jantar, enquanto a Rita nos contava um de seus casos tragicômicos, ela chegou a desmaiar. Todos correram preocupados para socorrê-la, inclusive papai que ficou todo afobado e, no final, era teatro dela, que se levantou e todos demos muitas risadas!

Papai e D. Marcos Barbosa Papai e os padres do Ginásio São Miguel -Padres Lino e Francisco e Dr. Rangel

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Papai prezava muito suas amizades. Seus amigos eram os mais variados. Impossível nominá-los, mas vou citar apenas os que ainda estão gravados em minha memória, seja pela simpatia, presença, inteligência: Senhor Cance-la, que trabalhou com ele durante anos na Coletoria e sempre o ajudou muito; Dom Marcos Barbosa, contempo-râneo de escola, escritor, poeta, membro da Academia de Brasileira de Letras; Dona Aspásia, que era sua prima e morava em Belo Horizonte; Alvarenga e o Ranchinho, cantores e colega de escola; os padres Michel, Domingos, Francisco, Zé Maria, Lino, do Ginásio São Miguel; Napoleão, vizinho da Coletoria, padrinho do Luiz e dono do cinema; Carlos e Mário Anacleto que também trabalhavam com ele na Coletoria, colegas e amigos; as irmãs do Colégio Nossa Senhora Aparecida. Entre elas, as Irmãs Emiliana e Silvéria, que também eram irmãs, filhas do Dr. Ernesto Sanches, que já era amigo do papai desde que morávamos em Itajubá. A vó Donana era madrinha da Irmã Emiliana.

O Sr. Gersino era fiscal de rendas e pai do Gerson, que nós chamávamos de “filho do pai”, pois papai participou ativamente da educação dele. Lembro de uma vez, que papai autorizou o Gerson a comprar roupas na loja Nogueira para sua formatura. No dia da formatura o Gerson apareceu vestido com uma camisa verde abacate... Papai ficou muito bravo! Vocês não imaginam a indignação do pai, que chamou a atenção dele na formatura mesmo.

Por falar em abacate, lembro-me que colhíamos os abacates lá em casa, da janela da sala da copa. Papai bolou um jeito todo especial para colher os abacates. Ele mon-tou uma vara com alguma coisa cortante na ponta, que era acoplada a uma cestinha de taquara, de tal maneira que colhia o abacate inteiro, perfeito!... e que era rapida-mente cortado ao meio e comido na própria casca, com açúcar e limão.

Tenho boas lembranças de quando papai chegava das viagens, sempre com um presentinho para nós, fosse uma caixinha vermelha de passas ou uma maçã argentina. Seu retorno era sempre uma alegria!

Era um festeiro!

Lembro-me das festas de pri-meira comunhão, de quinze anos, de formatura, das comemorações do vestibular (a festa do Antônio foi maior do que as outras...), das festas de noivado e de casamento. Ele e mamãe contavam sempre com a participação carinhosa e imprescindível da tia Jandira.

Ele tinha “feeling” para fes-tas e não economizava dinheiro e trabalho para que elas fossem óti-mas, bonitas e bem servidas: do-ces sofisticados, drinks (perna de moça, ponche), bolos enormes, de vários andares. Anna me contou outro dia do bolo de sua primeira comunhão, feito pela tia Jandira, era um bolo de três andares: no primeiro tinha um missal com um terço de continhas prateadas e no terceiro, um cálice com uma hóstia. Incrível!

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Tenho lembrança também das festas da Santa Casa que aconteciam todos os anos: ele arrematava frango recheado, prendas e garrafas de vinho nas barraquinhas e levava para casa. E dos cartuchos que a gente ganhava na Coroação de Nossa Senhora, quando nos vestíamos de anjos e coroávamos a Virgem.

Por falar em comida e lembranças boas, me recordo bem dos pés de moleque, moídos e de grão, que ele trazia de Piranguinho, comprados nas barracas azuis e vermelhas.

Festa de formatura de Anna - Curso Normal - Passa Quatro - 1958

Abaixo fotos da primeira comunhão de todos os filhos: Anna Maria, Antônio, Célia Maria, Sônia Maria, José e Luiz.

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Antes de papai comprar o telefone 53 (foto do aparelho abaixo), as ligações eram feitas via telefonista, in loco. Acho que o nome dela era Isabel. A “central telefônica” era na rua principal. Precisava de um mensageiro vir avisar em casa quando recebíamos alguma ligação telefônica, do mesmo modo que precisávamos ir até lá quan-do precisávamos fazer alguma ligação. Às vezes, a ligação não completava e nós ficávamos ansiosos pela notícia, aguardando, por horas, uma nova ligação. E nunca pensávamos que pudesse ser uma boa notícia. Era um sufoco! Uma dificuldade! Imaginem a aflição do papai!

No entanto, hoje, usufruímos de tanta facilidade de comunicação - TV com alta definição, computadores, celulares, IPAD, IPOD, entre outras tecnologias – que é difícil para os mais jovens entenderem a realidade que vivemos naquela época.

Sempre achei que ele gostaria que a cerimônia do meu casamento tivesse sido igual ao da Sônia com toda pompa e circunstância: muitos convidados e eu com um belo vestido longo branco entrando pela Igreja Matriz de São Sebastião, pelos braços dele. Entretanto o meu casamento foi simples, poucos convidados, vestido rosa curto, luz de lampiões. Do jeito que eu escolhi, ele fez o melhor que podia. Ele tinha orgulho de “carregar” as filhas.

Abaixo as fotos de Papai com as filhas nos casamentos:

Sônia – 1970 Célia – 1967 Anna – 1968

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Lembram-se do quadro de medalhas de honra ao mérito do Antônio e do orgulho do pai quando as medalhas eram entregues no cinema, que ficava sempre lotado? O Antônio sempre estava entre os três primeiros alunos colocados, revezando com o Tarso e com o Aldo, na maioria das vezes. Papai ficava na plateia todo orgulhoso! E, depois da entrega das medalhas, havia a come-moração lá em casa!

Papai também nos presenteou com um pia-no alemão – Ritter – que pertencia ao Napoleão e ficava no Hotel de Lourdes. Ele ficava muito orgulhoso quando suas filhas tocavam nos con-certos de piano. O primeiro foi organizado pela dona Cidinha e o segundo por Marina Scianni. É, é sempre bom esclarecer que minha participa-ção era modesta, com o “meu carro chefe”: “Tira, tira o seu pezinho”, do Villa-Lobos.

E papai não deixava de nos incentivar: ele comprava as partituras no Rio de Ja-neiro, bancava as aulas de piano com a Marina Scianni e as minhas aulas teóricas em São Lourenço. Além disso, nos pres-tigiava com sua presença e elogios num “sarau” que acontecia na sala de visitas lá de casa, depois do jantar, à luz de lam-pião... Suas músicas preferidas eram Kalu, Tardes Silenciosas de Lindóia e Asa Bran-ca. Mamãe sempre cantava. Sua voz era linda!

Quando a energia elétrica chegou, ele comprou uma “eletrola” que tinha de um lado o rádio e do outro o toca disco. Ela

José com as medalhas recebidas por Antônio no Ginásio São Miguel

não durou muito! Uma pena! O cupim logo estragou todo o móvel e a mamãe ficou muito triste ao se desfazer dela. Papai sempre que viajava comprava discos para nós.

Ouvi muito relatos sobre a ajuda do pai aos passaqua-trenses quando caiu uma tromba d’água em Passa Quatro na época de Natal - 22/12/1956 e a cidade ficou ilhada por alguns dias! Foi o único Natal de minha infância e adolescência que não passei em casa. Estava em Santa Rita do Sapucaí passando uns dias de férias na casa da Vó Adol-fina e sofri muito com a falta de notícias de casa. Quando voltei para casa soube que papai foi muito corajoso no resgate dos corpos das pessoas atingidas!

Tenho lembranças também do cafezinho bem quente, com uma pitadinha de cachaça, que ele nos servia na saída dos banhos, na época do frio. Lembro-me também de sua bicicleta preta que ficava no corredor de entrada. Ah! E ti-nha a bicicleta da Anna, que ela ganhou de Natal do papai, que era linda, prateada, importada, objeto de desejo meu, da Sônia e, certamente, de muitas amigas nossas!

Lembro-me de nossas caminhadas até o Parque das Águas para encher o galão com água mineral na fonte Pa-dre Manoel da Nóbrega e que se transformavam em um passeio à tarde. Algumas vezes papai ia até à fonte de bici-cleta. No parque, bem na frente da fonte principal, tinha um campo de vôlei onde jogávamos de vez em quando. O time era o Blue Star.

Também me recordo que as camisas sociais de papai eram todas brancas, de tricoline, impecáveis. Antes de a luz elétrica chegar a Passa Quatro, elas eram passadas com o ferro a carvão. Seus ternos eram bonitos, a maioria, escuros. As meias, sempre pretas. Era um homem elegante! Sempre manteve o mesmo peso (72 Kg.) e não tinha barriga. Andava muito a pé, fazia exercícios físicos, capinava muito e andava de bicicleta.

Ele tinha uma turma de amigos que iam para as pescarias no Rio Grande, no Rio Verde... Dentre eles, me lembro do Lazinho. Tenho também lembranças da amizade dele com o Sr. Falabello, do Banco Hipote-cário. Parece que foi com ele que o papai comprou um lote na praia de Santos e que, muito tempo depois,

Anna e sua bicicleta

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eles “descobriram” que o lote era em alto mar!

Do Clube, NOSSA! Nosso horário de voltar era 21 horas. Ficávamos revoltadas porque era muito cedo, mas senão voltássemos no horário marcado, ele ia lá buscar-nos, era uma tristeza! Se teimássemos, era castigo! Em alguns bailes, poucos, ele autorizava e mamãe nos acompanhava. Carnaval nem pensar...

Tínhamos na estante vários dicionários, enciclopédias, coleções: lembro-me muito do Tesouro da Juventude e da Enciclopédia Prática Jackson.

Comprava também tecidos no Rio de Janeiro, a maioria na Casa Gebara, para que a mamãe costurasse nos-sos vestidos. E ela caprichava! E eles ficavam lindos!

Também era constante a peleja dele com os lampiões Aladim, com a queima e a troca das camisinhas.

E Papai sempre recebeu, em nossa casa, os amigos de Passa Quatro e de Belo Horizonte com gosto e cordia-lidade. Lembro-me de minhas amigas e colegas de faculdade: Ana Maria, que era de Perdões e Virginia, de Belo Horizonte, além de nossas primas, Vera Lúcia de Mirassol e, principalmente, a Cidinha, filha da tia Jandira, que morava em Santa Rita do Sapucaí.

Papai era um homem bem informado. Lia jornais (o “Sul de Minas”, de Itajubá, o “O Correio da Manhã”, do Rio de Janeiro, além do Diário Oficial da União). Gostava também de ouvir rádio e tinha um grande círculo de amizades. Eu sempre gostei muito de ler “O Correio da Manhã” e, durante algum tempo, eu e minha amiga Vicentina Scianni nos correspondíamos com Carlos Heitor Cony. Era a glória!

Tenho lembranças do quarto da vó Donana, do carinho e da paciência que ele tinha com ela. Ele mesmo comprava seus vestidos, suas meias e sapatos pretos. Sempre iguais! Comprava também as roscas secas que ela gos-tava para tomar com café com leite bem quente, as linhas mercier crochet para “crochetar” suas colchas e toalhas de

mesa. Algumas delas, ela nos presenteava para “o enxoval” e outras, era o papai mesmo que compra-va (RS). Ela fazia um relatório para o papai de nossas bagunças quando ele chegava da Coletoria, no final da tarde.Fotos Vó Donana

Papai tinha um xodó com o fogão de lenha e cuidava muito dele. Acho que o capricho dele com o forno e com a lenha era principalmente por causa das leitoas pururucas e dos biscoitões de polvilho. E nosso banho quentinho dependia também do fogão, com suas serpentinas...

Lembro-me também do primeiro fogão a querosene da marca DAKO e da geladeira que ele comprou. Foi a primeira que tivemos e que durou por muitos anos!

Ah! O “quarto escuro”! Lá ele armazenava bebidas e comidas. Engradados de cerveja, vinhos, azeites, baca-lhau, e muitas latarias, além das compras de mercearia rotineiras da casa. Ele escolhia as azeitonas, a marca do arroz, o tipo do café, e tenho lembrança de que as latas de ervilhas “coração de manteiga” tinham de ser número zero, para colocar no arroz de forno.

Nossa! Em relação à escola, apesar de sermos boas alunas, sempre tinha a tensão minha e da Sônia com a chegada dos boletins, com medo das broncas e dos castigos do papai. Como eu fazia Curso Normal na parte da manhã e Curso de Contabilidade à noite, um mês eu estudava mais as matérias para um curso e no mês seguinte para o outro, de tal maneira que, todos os meses, ocorria um desgaste com a chegada dos boletins. Já a Anna e o Antônio ficavam tensos porque quando tiravam 9,9 “choravam”... Sacanagem, né?

A nitidez da lembrança boa que tenho dele, nos buscando – Sonia e eu – na saída da escola, quando chovia, levando, nos braços, as nossas capinhas, a minha, com forro azul e, a da Sônia, com forro vermelho. E ambas confeccionadas por mamãe. Sentia-me superprotegida!

Papai também era inspetor do Ministério da Educação – do Instituto Nossa Senhora Aparecida1 e do Ginásio São Miguel - onde estudamos. Acho que ele gostava do que fazia, apesar de ser trabalhoso.

Antônio, José e Luiz estudaram no Ginásio São Miguel. Os padres eram betharramitas, provenien-tes de diversas partes do mundo, a maioria da Eu-ropa. Quase todos eram amigos do papai.

1 A Escola Nossa Senhora Aparecida foi fundada em 1913 na cidade de Caxambu, com a denominação de Escola Normal Nossa Senhora Aparecida. Foi transferida para Passa Quatro em 1915. De 1913 a 1927 esteve sob a direção de um grupo de leigos. Em 1927 passou para a Direção da Sociedade Religiosa Moral e Científica. De 1932 a 1942 foi ministrado paralelamente ao Curso Normal, um Curso Doméstico. Em 1943, fundou-se o Ginásio Nossa Senhora Aparecida. Em 1953, fundou-se a Escola Técnica de Comércio. Em 1955, o estabelecimento passou a ter a denominação de Instituto Nossa Senhora Aparecida (INSA).

Formatura Curso Ginasial - INSA – Passa Quatro

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100 Anos Salgueiro 100 Anos Salgueiro

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Instituto Nossa Senhora Aparecida

Ginásio São Miguel - Passa Quatro

Tenho lembranças também de quando éramos menores e nos sentávamos na sala de jantar para estudar. Papai colocava um lampião Aladim de cada lado da mesa e ele e mamãe ficavam sentados nas poltro-nas da sala nos vigiando... Apesar disso, o Antônio puxava as tranças da Anna e chutava as pernas minhas e da Sônia pelo buraco do meio da mesa, sem que nin-guém visse. Um artista!

E, ainda que possa parecer paradoxal, papai era bom demais e, também, rígido e autoritário. Lembro-me que o Luizinho, quando o papai o chamava, ele respondia rapidamente: ”Sim! Senhor, meu Pai!”.

Papai trazia, para nós todos, o café na cama às cinco horas da manhã, para que

depois estudássemos até a hora de ir para a escola. Nessa época ainda não havia luz na cidade. Ele também fazia e levava, todos os dias, o café na cama para mamãe.

Era também muito preocupado com nossa saúde: tomávamos Calcigenol no verão, Emulsão de Scott no inverno, além de um mingau para “dentes fortes”, que ele mesmo preparava. Íamos todos os semestres no dentis-ta: em Passa Quatro, no “Pedrinho dentista” e, em Itanhandu, no Dr. Gil Carneiro. Tomávamos também umas injeções na farmácia do Serafim. Não me recordo mais prá que.

Papai tinha prazer em ver as filhas jogar vôlei. Depois de algum tempo passou a autorizar pequenas viagens para que fôssemos jogar em cidades próximas. Foi um período muito bom para mim!

Também encaminhou os filhos para fazer aulas de datilografia com a D. Maria Cavalcante. Ganhei de pre-sente dele uma máquina portátil de datilografia Remington que levei para Belo Horizonte e me ajudou muito na Universidade. Era como se fosse um laptop hoje em dia.

E, em nossa primeira viagem a Guarapari, ele e D. Auxiliadora entraram no mar juntos! Eita viagem boa!

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Abaixo fotos de Guarapari e a carta que o papai enviou para o Antônio, em 21/11/1974, descrevendo os preparativos para a viagem.

Carta de Papai para o Antônio

Família Salgueiro em Guarapari - Dezembro de 1974

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Ganhei dele uma coleção de lápis, na foto, que até hoje enfeitam minha casa, além de uma pequena coleção de moedas que dei de presente para o meu neto Pedro.

Família Salgueiro em Guarapari - Dezembro de 1974

III - Quando viemos para Belo Horizonte estudar

Só voltávamos para casa nos feriados e nas férias.

Papai nos visitava em diferentes endereços em que morávamos em Belo Horizonte: na casa da Dona Clotilde e do Sr. Armando lá na Serra, no Hotel São Domingos no centro da cidade, na casa da Vera Cançado no Prado e na república na Av. Paraná, onde morava com Anna, Hebe, Ana Tereza e Lourdinha. Ele nunca vinha de “mãos abanando”, sempre trazia um mimo: ovos, docinhos de leite cortados, cajuzinhos, sequilhos e pé-de-moleque que a mamãe fazia e arrumava em caixas de sapato forradas com papel de seda.

Anna e eu íamos de Belo Horizonte a Passa Quatro de ônibus (ENSA, eu acho!). Era uma viagem longa. Fazíamos baldeação em Três Corações e de lá íamos até São Lourenço e depois para Passa Quatro. Quando pa-pai podia, ele ia ou mandava nos buscar de carro em São Lourenço para irmos até Passa Quatro. Ele sempre era muito atencioso! Um gentleman!

Conheço poucos pais que participaram tão intensa e afetivamente da vida e da educação dos filhos!

Papai sempre olhou por nós, esteve ao nosso lado, nos fez feliz.

Como já contei, ele era, ao mesmo, tem-po bravo, autoritário, meigo, afetuoso. Tenho um cartão que ele enviou para seus pais em abril de 1934, que traduz essas características!

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IV - A última fase

Foi quando, já casados, voltávamos todos, principalmente no Natal, com a família toda, com os netos pe-quenos. Ele e mamãe preparavam as comidas, com capricho especial, principalmente, o leitão pururuca, o arroz de forno, as bacalhoadas, os pudins de queijo. Eles faziam as comidas prediletas de cada um. A minha predileta era o pudim de queijo.

Ceia de Natal - Passa Quatro

Abaixo algumas receitas originais.

RECEITA DE PUDIM DE QUEIJO

12 colheres de queijo

16 colheres de açúcar

8 ovos

1 colher de sopa de margarina

Untar a forma com margarina e polvilhar com açúcar

Assar em banho Maria.

RECEITA DE PÃO CHEIO – de linguiça e queijo

100 grs de fermento

1xícara de leite “quebrando a frieza” (sic)

3 ovos

1xícara de óleo

1 kg de farinha de trigo

Sal a gosto.

Sugestão: 1 colher de sopa de sal e 1 colher de sopa de açúcar.

Amassar bem e fazer o pão e deixar crescer.

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RECEITA DE PÃO DE LÓ AMERICANO

7 claras batidas em neve

7 gemas

14 colheres de açúcar

Bater bem. Quando estiver em bolha, coloque:

14 colheres de farinha de trigo

1 colher de sopa de pó Royal

1xícara de leite

Forre o tabuleiro com papel impermeável.

Os netos e bisnetos do Senhor Salgueiro

Papai e mamãe estiveram presentes no nascimento de meus filhos Alexandre e Flávia. O nascimento do Alexandre foi com muita adrenalina porque, além dele ser o primeiro neto, ele nasceu no Rio de Janeiro, numa quarta-feira de cinzas... Papai foi padrinho de batismo dele. Ele sempre foi muito atencioso com os meninos. Quando não podia comparecer aos aniversários, telefonava ou enviava telegramas. Abaixo, entre as fotos dos netos (Alexandre e Flávia) e dos bisnetos (Pedro, Bia e Rebeca), um telegrama que papai e mamãe enviaram para a Flavinha quando ela completou dois anos!

Vó Nina, Célia, Alexandre e Pedro Alex, Flavinha e Papai

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Telegrama Papai e Mamãe para Flávia - aniversário de 2 anos

Alexandre e Flávia

Alexandre e Pedro

Alexandre

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Bia, Rebeca e Michal

Flavinha, Bia e Rebeca

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Senti muito papai não estar vivo quando seus bisnetos nasceram. Fico imaginando a felicidade dele nos acompanhando no nascimento do Pedro, meu primeiro neto, em Franca – São Paulo, no nascimento da Bia e Rebeca em Dublin, quando ele e mamãe fariam sua primeira viagem internacional para a Irlanda, aflitos com o nascimento das gêmeas2.

Depois, imagino também suas visitas nos aniversários do Pedro em Franca, e em Gibraltar, em Steinhausen, na Suíça, comemorando e experimentando as comidas típicas, tomando vinhos saborosos, ressabiados com as bebidas fortes da República Tcheca, terra do Michal, e dando o maior colo e carinho prá todos nós! Haja colo!

Foi marcante a atitude do papai e da mamãe nos natais em Passa Quatro quando eles sempre presenteavam os netos com um dinheiro, dentro de envelopes, que eram colocados no saco vermelho de Papai Noel que a vó Nina deixava dependurado no portal da sala de jantar. Era uma alegria!

Como nós todos nos reuníamos com nossas famílias no Natal, até hoje não entendo o milagre do banheiro lá de casa. Nunca deu problema, apesar das filas e das batidas na porta, às vezes desesperadas, pedindo pressa!

2 O 14º bisneto(a) do vô Salgueiro está para chegar. Flávia e Michal vão me dar a alegria de outro(a) neto(a).

Luiz, Célia, Sônia, Anna, José, Mamãe e Antônio

José, Célia, Sônia, Vó Nina, Luiz, Anna e Antônio

Meus irmãos

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Célia, Anna, José, Sônia, Luiz e Antônio

Célia, Luiz, Anna, Sônia, José e Antônio - Outubro de 2005 - BH

José, Vó Nina, Sônia, Célia e Antônio

Célia, Antônio, Sônia - 50 anos José – Volta Redonda.

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Célia e Antônio Célia e José Célia e Luiz

Anna e Célia – Santa Rita de Sapucaí - Barcelona

Célia e Sônia - Passa Quatro

Anna, Sônia, Célia e Mamãe

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Sua doença

No início da doença de papai, lembro-me bem que, uma de suas reclamações, era de uma dor forte na batata das pernas. No princípio ficou muito preocupado: tinha sofrido muito com o vô paralítico e ficou apreensivo com a possibilidade de ficar “entrevado”. Foi aventada até a possibilidade de sua dor ser psicológica. Foi pensada também a possibilidade de ser proveniente de algum problema na coluna. As consultas continuaram em Belo Horizonte. Foi examinado por vários especialistas, desde o clínico geral, o reumatologista, o neurologista, o proc-tologista. Acabou até fazendo a cirurgia de próstata no Hospital São Lucas, em Belo Horizonte, quando mamãe e todos os filhos vieram e ficaram com ele, em regime de plantão. E ele deu trabalho! Depois de muitas consultas e exames, finalmente, o Dr. José Araújo conseguiu fazer o diagnóstico de Doença de Parkinson. Começou o tra-tamento, que era medicamentoso. Ele tinha consciência de que sua doença era progressiva e da importância dos remédios. Apesar disso – talvez pela dificuldade de deglutição -, os comprimidos que ele deveria tomar começa-ram a ser escondidos nos bolsos do pijama, nos miolos de pão, no vaso sanitário e até debaixo dos colchões...

A morte, o enterro, as homenagens

Papai morreu às 19,30 horas do dia 02/09/1986, em Passa Quatro. Cheguei cinco minutos depois.

Até hoje não sei porquê mas, depois do enterro, resolvi escrever prá ele. Considero que foi nossa última conversa. Nunca mostrei prá ninguém.

“Papai, foi muito triste chegar em nossa casa e encontrar você morto”. Foi uma sensação horrorosa. Pai, cheguei com a Anna, o José e o Antônio já estavam lá.

Você sempre foi a pessoa mais importante que eu tive.

Peguei o travesseiro que você estava deitado e fiquei com ele, para tentar conseguir guardar o seu calor pai, quando abraçar nele. Te beijei muito, fiz cafuné (aquele no nariz que você gosta tanto). Passei a mão na sua carequinha. De-pois você foi esfriando e eu fiquei abraçando você, tentando passar o meu calor prá você. Mas não adiantou pai, e você esfriou de vez.

A Sonia e o Zé (o Antonio um pouco também) que trocaram sua roupa, arrumaram você para a última viagem a Itajubá. Eu separei aquele terno azul marinho. O bonito, que você fez para ir ao casamento do Luiz. Esqueci de pegar o colete. Os meninos acharam melhor não colocar gravata. Você ficou bonito, com a fisionomia tranquila. Aquele crucifixo da vó Donana nós colocamos em suas mãos. Que mãos mais bonitas que você tem, né pai? Estava todo mundo muito triste e todo mundo tomando as providências para você ficar bem e para fazer as coisas que você queria.

Mamãe ficou muito desorientada. Também pudera, né pai, perdeu o maridão que ela tinha. E nós? O melhor pai do mundo. Puxa pai, tudo o que o senhor podia e não podia fez pela gente, né?

No velório, sabe quem passou a noite inteira lá? O Pita. Lembra que quando o pai dele morreu o senhor deu a maior força? A Lecy, o Chico, o italiano (ele fechou o restaurante logo que soube que você tinha morrido), a tia Doris,

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o Chico, a Silvana, a Lurdes, o Zé Leite, a Sonia, o Antonio, a Anna, o Zé, a Elisa e o sogro do Pedrinho.

Estava um frio danado! Daqueles piores. Precisa ver pai, quando o Zé Gonçalves chegou. Ele chorava igual um me-nino. Como todo mundo gostava de você. Fica até difícil contar todo mundo que veio despedir de você, mas vou tentar contar. Acho que todo mundo veio, os amigos das pescarias, os amigos fazendeiros, os amigos das fofocas, os amigos mais pobres que você ajudava, as meninas do Sr. Alcides, a D. Zezé costureira, o açougueiro que foi nosso vizinho (esqueci o nome dele), o Zé Luiz da Luiza.

O Zé André deu a maior mão pai. O Zé Maria chegou de madrugada. O Arthur chegou depois das 10 horas.

Também estava lá o Nicolau, o Serafim, a mulher dele (tá tão ruinzinha pai), o Milton Costa, o Napoleão, o filho do Zé de Almeida, os Tibúrcio. A Vanderlea também veio pai. O Carlos, o seu enfermeiro, veio várias vezes. O Napo, a Nely (ela chorava tanto!), a Águeda Cancela, a Marina Pelegrini, a Ana vizinha, o Chiquinho, o Alcides Carneiro.

Pai, no dia seguinte, quando você foi conosco para a Igreja (meio dia!) as pessoas foram se encontrando e todo mundo queria te carregar. Impressionante! Precisa ver os meninos (os Salgueiros) chorando, sofrendo, mas te levando com orgulho pela rua principal. As lojas, os bancos, todos abaixaram suas portas.

Quando o Luiz chegou pai, você já estava morto. Ele ficou muito abatido. Logo o nosso caçulinha.

A Michelinha, o Gu e a Nicole estavam lá firmes e tristes. Os outros meninos/netos não deu tempo prá ir buscar. Mas todos estavam rezando pro senhor. O Alexandre era seu afilhado, mas não teve jeito.

Os irmãos da mãe vieram todos. O tio Chico foi lá em Itajubá pai. Estava arrasado!

Queria contar da tristeza do Carlos Diamantino, da Maria Alice (ela ficou o tempo todo com você), a mulher do Carlos, a Águeda. Na Igreja, depois da missa, a Águeda falou umas palavras prá você tão bonitas, que nós todos ficamos mais emocionados ainda! Você era muito querido, muito admirado, muito amado. Ela falou das coisas boas que você fez. O Zé Castilho também falou umas palavras, simples, espontânea e te deu a maior prestigiada. Contou que você chegou a Passa Quatro, há 39 anos e construiu muita coisa: da família bonita, íntegra e honesta que você fez, das aju-das que você dava aos pobres, do tanto que você gostava da vó Donana. Foi uma despedida bonita, mas muito triste. A comadre falou na Igreja prá você também pai.

Eu não queria que te enterrassem de jeito nenhum. Mas não teve jeito pai.

As meninas da tia Joaquina estavam lá, desesperadas! Você foi um pai prá elas, né? As irmãs da mãe também, os outros sobrinhos seus, o Dr. Gaspar, o Meloni. Todo amigo seu que ficou sabendo estava lá. Na hora que te colocaram no túmulo junto com a vó Donana, com o Vô e o tio Zé Grande me deu uma sensação muito ruim. Credo!

Ah! Sabe a Aparecida Mota? Fez um discurso prá você em Itajubá. Foi muito bonito. Ela fala mais bonito do que

os outros, mas achei os outros mais espontâneos, não sei...

Já estou com muita saudade pai. Como é aí? Está com muito frio? Do que você está precisando? Eu queria ajudar tanto!

Icha! Hoje é meu aniversário. Que aniversário o meu. Foi uma ...! Não vou completar porque sei que você não gosta de palavrão.

Será que nunca mais vou conversar com você pai? Vai ser duro!

Vamos ajudar a olhar a mãe, o tio Chico. A tia Dona não foi ao enterro porque não estava passando bem. A Elza estava lá. Amanhã te conto outras coisas. Vou fazer de tudo que puder para você sentir orgulho de mim pai. Prometo! Vou ser gente igual você sempre quis.

Bença pai! Lembra? Bença mãe, bença pai, a vó bateu em mim... Um beijo.

Amanhã a gente conversa mais.”

Itajubá, 04 de setembro de 1986.

Obrigada por tudo Pai!

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José Manoel Salgueiro

Depoimento Sônia

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José Manoel Salgueiro- Belo Horizonte - 1938

O Pai era conhecido por todos como Salgueiro e passou assim o nome para seus filhos e netos. Quando alguém ia a nossa casa ou telefonava à procura de algum de nós a pergunta era sempre  a mesma: com qual Sal-gueiro que vocês querem falar? Seu nome era tão forte quanto sua pessoa. Até hoje eu sou conhecida como Sônia Salgueiro.

Sua atividade principal era a de Coletor Federal, mas gostava muito de trabalhar com a terra. Assim, tinha o costume de deitar-se muito cedo e levantar-se antes do sol nascer.

Falar do Pai é muito fácil, pois vem logo a lembrança de seu amor e do seu carinho, de sua responsabilidade, habilidade e disciplina. Não esquecendo, claro, que era um homem muito alegre e brincalhão!

No entanto, em algumas situações, fui responsável pela sua calvície, porque não dizer sua careca! Era muito arteira, tirava notas vermelhas, reprovação na escola, expulsão de cinema, reclamação de professores, artes e travessuras que só eu era capaz! Ele, que gostava tanto de ver seus filhos em primeiro lugar, receben-do medalhas, elogios, e eu, tão diferente! Mas, em contra partida, lhe dei coisas maravilhosas, como três lindos netos - Nicole, Gustavo e Michele -, que muito amaram o avô. Ah! Eu também lhe dei muito amor, carinho, amizade e compreensão.

O Pai sempre gostou muito de criança. Quan-do pequena, tenho lembrança dele brincando com a gente. Com os filhos, o que ele tinha de enérgico, tinha também de carinhoso. Já com os netos, ele só teve o lado carinhoso, brincava muito com  Nicole e Gustavo, com Michele foi bem menos, pois ele já estava doente. Recordo sempre do pai brincando conosco e, também, com os netos: Serra, serra, serrador, serra o papo do vovô!

Sempre que o Pai saía com minhas crianças, ele sempre lhes dava as mãos, muito preocupa-do que era com a segurança delas. Ele sempre me perguntava se eu não havia me esquecido do Calcigenol e da Emulsão de Scott.  Chegou

a preparar uma mistura de farinha milagrosa, para eu fazer mingau para as crianças!

O Pai e a mãe eram padrinhos de batismo do Gustavo. Deram-lhe, como presente de batismo, uma cader-

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neta de poupança na Caixa Estadual que só foi encerrada com o fechamento da Caixa.

Como o Pai era agitado e ansioso para tudo, não podia ser diferente com a espera do nascimento de seus netos. Quando um dos filhos anunciava a chegada de mais um netinho, ele e mamãe iam felizes ao encontro do mais novo membro da família que acabara de nascer.

Também gostaria de mencionar que ele foi premiado com um neto que nasceu, como ele, no dia 03 de agos-to: nosso querido Diego! E, quando o Pai já estava  acamado, a visita - de Luana e Diego - o deixou muito feliz! Agora que já sou avó, consigo entender a magia de ter um neto. Sempre que o Pai mencionava o nome dos filhos, ele se referia a nós como “os meninos e as meninas”, somos a herança do Pai e da Mãe.

Família Salgueiro

Família SalgueiroJosé, Vó Nina, Luiz, Vô Salgueiro e Sônia

Luiz, Sônia, Célia, José, Anna e Antônio

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Ele também recebeu com alegria seus 15 netos: Tatiana, Gabriela e Frederico, da Anna; Fabiana, Fernanda e Ronan, do Antônio; Alexandre e Flávia, da Célia; Nicole, Gustavo e Michele, meus filhos; Luana, Diego e Na-thália, do José e Thamyris, do Luiz.

E, desses netos,  vieram 13 bisnetos: Débora e Lucas, da Nicole; Pedro, do Alexandre; Vinícius, da Fernanda; Gabriela, da Fabiana; Camila, do Ronan; Bia e Rebeca, da Flávia; Isabella e Leonardo, do Gustavo; Maria Fer-nanda, da Michele; Lucca, da Luana e Lucas, do Frederico. Todos eles representam o maior regalo deixado por nossos queridos pais.

Nicole, Gustavo e os avós

Vó Nina, Nicole e Vó Salgueiro

Netos e netas

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Tatiana, Jordani, Nicole, Vô Salgueiro, Gabriela, Gustavo e Frederico

Frederico, Gustavo, Flávia, Gabriela, Alexandre, Thamyris, Fernanda, Fabiana, Ronan e Michele

Nicole, Michele e Gabriela

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Vô Salgueiro, netos e netas

Luana, Michele e FredMichele e Luana

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Vó Nina, Luana, Vô Salgueiro e Vó Adolfina Vô Salgueiro e netos Michele, Gustavo, Gabriela, Luiz, Frederico, André, Anna, Priscila, Elisa, José, Sônia, Vó Nina, Célia, Arthur, José André, Alexandre, Tatiana e Nicole.

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Nicole, Gustavo e Michele

Débora, Nicole, Sérgio e Lucas

Isabella, Gustavo, Leonardo e Luciana

Rodrigo, Michele e Maria Fernanda

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Vou contar agora um pouco sobre a época em que morávamos na avenida.

O Pai tinha uma plantação de mudas de café. Como era linda a sua plantação! Até hoje tenho o banquinho que ele se sentava para plantar as mudas.

E a peleja para recolher a terra preta, o es-terco e a lenha. A terra preta e o esterco eram para a sua tão querida horta. Como era boni-ta! Os canteiros eram retos e altos, feitos com uma linha esticada, para ter certeza de que ficariam retos. Isso eu aprendi! Fiz também muitos canteiros como ele.

E aqueles buracos no quintal, que ele enchia com restos de comida e da horta? Deixava curtir e virava um ótimo esterco para suas plantas. Como as couves, as chicórias, as alfaces, os espinafres e os tomates eram gostosos! E o creme de espinafre no pão? E os morangos e tomates que nós ajudávamos a colocar em saquinhos de papel, um a um, para tristeza do sabiá.

Falando em sabiá, recordo das fitas vermelhas amarradas em suas perni-nhas, para que nenhum outro sabiá se aproximasse. Isso incluía a construção do alçapão de taquara. Eram tão bonitos e perfeitos! Aliás, perfeição era uma de suas qualidades. E aquela cerca de bambu, quanto capricho, quanta perfeição, eram mais seguras que os muros!

E o galinheiro, que era dentro do forno que havia no quintal. Com isso tinhamos ovos e galinhas. E o ovo quente com sal...

Irmãos, vocês se lembram do passarinho do Pai que ficava na cozinha, com a janela e porta abertas? Ele contava isso com muito orgulho. Não me lembro do nome do passarinho, mas quando ele morreu foi uma tristeza geral. Foi enterrado em baixo do pé de limão rosa, lá no fundo do quintal.

Tivemos poucos animais, só o passarinho do Pai e o cachorro Bob do Antônio. Quanta peleja do Pai

Sônia na Avenida

na tentativa de impedir a fuga do Bob! Ele vivia mordendo a canela do senhor Tito, até que o mataram.

Por outro lado, lembro-me, também, como o Pai ficou feliz quando conseguiu comprar um terreno, ali no bairro Copacabana, para plantação. Lógico isso exigiu muita mão de obra, entre outras, a construção de manilhas. Quanto trabalho! Depois de tudo feito e a plantação formada, veio uma tromba d água e levou tudo. No dia seguinte, ele ven-deu esse tão sonhado terreno!

Não posso também me esquecer das flores que eram plantadas com tanto carinho - a boca de leão de variadas cores, os lírios para o dia de finados, as rosas e as espadinhas tão coloridas! E a poda das parreiras, que tinham que ser feitas na primeira lua nova de julho! As podas envolviam as roseiras e parreiras da vizinhança!

E quando ainda morávamos na avenida, no meu ani-versário, o Pai costumava fazer uma linda fogueira na noite de São João. Como a gente gostava de montar a fogueira na rua: lenhas, bambus, gravetos! Quanta agitação! A fo-gueira ficava linda! Eu gostava muito de pular fogueira! Não me recordo de minha idade nessa façanha, mas, nesse aniversário, o meu presente foi um saco de foguetes. Lembro muito bem, que as bombinhas estavam colocadas em um saco azul de açúcar pérola e, eu, correndo de um lado para o outro. Resolvi pular a fogueira e, quando pulei, o saco de fogos caiu em cima dela. Minha desilusão foi enorme, fiquei muito triste junto com meu Pai.

Mas, à medida que fomos crescendo, vieram os horários a cumprir e ainda mais disciplina. Aliás, eu sempre tinha apenas o primeiro dia de férias, os demais dias eram dias de castigo. E o silêncio obrigatório no horário do cochilo do pai, depois do almoço e na Hora do Brasil? E, já ia me esquecendo dos jogos de futebol, transmitidos pelo rádio! Aí, sim, ficávamos quietos, mudos e calados! E, apesar do silêncio que nos era exigido, havia ainda o assoalho de nossa casa que não contribuía conosco. Como ele rangia! Eram aquelas tábuas largas e cheias de cupim que, com o tempo, foram sendo substituídas por tábuas finas e, ainda assim, o rangido não acabou. Até hoje Luciana e Gustavo tentam driblar as tábuas. Que bom que ainda posso ouvir esse rangido!

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Mudamos para a casa de cima e lá também festajamos muitos natais, aniversários, formaturas, noivados e casamentos...

As flores sempre foram um grande amor do Pai: as trepadeiras de rosinhas, as várias roseiras que ele plantava e as rosas que co-lhia com tanto amor! Além delas, os pés de abacate e o pé da pimenta do reino! Ah! Essa foi uma grande desilu-são para o Pai! Cuidou tanto do pé de pimenta, para de-pois descobrir que não era a tão famosa pimenta do reino. Lógico, em seguida, a mesma foi cortada!

Não podemos esquecer o orgulho do Pai de ser inspe-tor do colégio e do ginásio. Que absurdo quando penso

que ele assinava todas as folhas das provas parciais e finais de cada aluno!

Outro fato que deixou o pai muito feliz foi quando ele comprou o carrinho para carregar os falecidos. Como ele não podia carregá-los sozinho, com o carrinho ele resolveu o problema. O carrinho é usado até hoje. E os caixões de defuntos que ele doava para as famílias mais carentes?

E, recordo-me das matulas que mamãe preparava para as viagens! E, nas eleições em que ele era o presidente da sessão, ela também preparava diversas guloseimas para ele compartilhar com seus colegas de trabalho.

Terno, camisa branca e gravata, assim era o seu traje de trabalho, até que veio a tão sonhada aposentadoria. E com ela, a pescaria! Como eram gostosos os mandis que ele pescava! Como a mãe fazia aquele afogadinho de mandi delicioso! A Nicole até hoje sente saudade! Foi uma época muito feliz da vida dele.

Algum tempo depois, veio o imposto de renda que lhe dava muito trabalho, mas lhe dava também prazer!

Essa é a outra façanha dele que aprendi! A seguir, a foto dele, sentado na cama de solteiro, rodeado de for-mulários de Imposto de renda.

Com as idas e vindas, o tempo foi passando e vieram as doenças. Como fiquei brava quando descobri que os medicamentos, prescritos para ele, eram colocados no miolo do pão e, em seguida, jogados no vaso. Isso levou tempo para ser descoberto! Mas ele, muito esperto, só mudava o lugar do descarte: a beira da cama ou o bolso do roupão.

Ainda não mencionei o que mais fazia o Pai sofrer! Eram as diferen-ças entre nossa Mãe e a Vó Donana! Como lidar com essa situação era difícil! Êta ciúme bravo!

Não podemos nos esquecer do carinho de nosso Pai pelos seus ir-mãos: Tio Zé Grande, Tio Chico, Tia Joaquina e Tia Dona e também pelos seus sobrinhos que o amaram tanto. Quando ele adoeceu todos vieram dar-lhe um abraço, um carinho.

E a doença de papai foi se agravando, até que ele não resistiu mais...

Papai e seu “arquivo” de Imposto de Renda

Sonia e Vó Donana

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Foi um momento muito sofrido para mamãe, para mim, para meus irmãos, para toda a família, os parentes e os amigos...

No seu enterro havia muita gente e muitos discursos. Para to-dos, foi fácil falar dele, pois não lhe faltavam qualidades, tais como, a bondade, a honestidade e a hombridade. Sua vida foi exemplar! Todos sentiram, naquele momento, como era grande a nossa per-da. Aquele Homem maravilhoso estava partindo, deixando esse mundo que tanto amou e lutou para que seguíssemos sua jornada. E, é assim que faço até hoje. Tenho sempre, em meus pensamen-tos, a sua luta, que foi grande e dura, mas repleta de vitórias!

Uma das preocupações de nosso pai era, no início de cada ano, comprar a folhinha do Sagrado Coração de Jesus. Isso ele fez desde o nascimento de seus filhos. Tenho, em meu caderno, a folhinha do dia do meu nascimento, a recordação que ele me deixou. Com o seu falecimento, a mãe continuou com esse costume.

O Pai destacava e guardava as folhi-nhas de datas especiais e dizia que as men-sagens que elas traziam revelavam uma realidade. Então, no dia de seu falecimen-to, fui até a copa, no lugar que ficava a fo-lhinha. Destaquei-a e a li. Foi então que entendi o porquê daquela fidelidade do Pai para com a folhinha. O pensamento daquele dia era: Não é triste amar e per-der. O triste é nunca ter amado.

Hoje, me sinto feliz, pois sei que ele realizou seus sonhos e metas: proporcionou estudo a todos os filhos, acompanhou-os por uma grande parte de nossas vidas, vendo-os todos casados e com netos.

Sua emoção foi tamanha que, no dia do casamento do Luiz, ele foi hospitalizado. E, assim, ele não pode par-ticipar da tão esperada cerimônia de casamento de seu filho caçula, que representaria a conquista de seu último objetivo.

Também, as suas afilhadas - Maristela, Carminha e Picida -, até hoje, quando falamos dele, só mencionam recordações boas que elas têm. O Pai marcou muito suas vidas!

Quão grande era a felicidade do Pai quando comprou o seu primeiro carro! Branco, fusca... Ele encontrou um pouco de dificuldade para dirigir, mas conseguiu tirar a sua carteira de motorista. Ia treinar no campo de futebol do ginásio.

E foi triste o dia em que ele conseguiu tirar um fusca zero, cor caramelo. Estava todo vaidoso mostrando o fusca para mim e a Mãe quando, de repente, um bêbado caiu e bateu a cabeça bem no meio da porta. Amassou-a bastante! Papai perdeu a voz e a ação! Até hoje consigo ver o desaponto em seus olhos!

Recordo-me, também, da primeira viagem que fez ao Rio, foi em 1972 para visitar a Anna. Foi a 60 km/h quando, de repente, resolveu correr e cor-tar. Adivinhem em que lugar? Em um posto poli-cial! Como consequência, recebeu a primeira multa. Depois do susto, ainda estacionado, pediu ao José André que continuasse a viagem.

Quando ainda moça, ganhei também de meu Pai uma libra esterlina que esteve comigo até pouco tempo. Agora passei a mesma para meu filho Gusta-vo.

Tenho outra lembrança do Pai. Quando moci-nha, eu fiquei sem falar com ele, devido aos castigos que ele me dava! No entanto, numa viagem que fez a Itajubá, ele me trouxe de presente um lindo relógio, comprado na Loja Vera Cruz. Segundo ele, era para que eu o perdoasse daqueles castigos que tinham me deixado tão magoada! Assim, ele se explicou e me deu um forte abraço e o relógio. Mesmo naquela época, o relógio não teve tanta importância para mim como teve o seu

Nicole e Vô Salgueiro - Passa Quatro

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abraço! Quanto carinho e verdade envolvia aquele abraço! Meus castigos me deram, de presente, o abraço de meu pai.

O Pai teve três passagens constrangedoras e divertidas que eu vivenciei. A primeira foi o golpe do coletor. Um senhor se apresentou como Coletor Federal dizendo que tinha sido assaltado. O Pai o acolheu e ele ficou uns dois dias em nossa casa. E o Pai ainda deu dinheiro para que o senhor seguisse a viagem. Isso foi no casamento da Célia. Passado alguns dias, o Pai recebeu um telegrama, da receita federal, comunicando da presença de um senhor, que se passava por coletor... Já era tarde demais, o Pai já havia caído no golpe.

A segunda passagem foi o telegrama de pêsames que ele passou para a D. Nair, esposa do Dr. Gaspar. A Chiquita havia passado lá em casa contando que o Dr. Gaspar tinha falecido. O Pai foi rápidinho ao correio e enviou um telegrama. Dias depois ele recebeu um telegrama do próprio Dr. Gaspar dizendo que estava vivo!

E, finalmente, a terceira passagem se refere à visita que o Pai fez para a dona Laura Carneiro pensando que ela tivesse falecido e, para sua surpresa, foi a própria dona Laura que o atendeu.

E, também, não podemos nos esquecer da homenagem ao nosso Pai, no livro “Laços e Laços”, página 273, de Maria Lúcia Amorim de Luca, que transcrevo em seguida:

Seu Salgueiro

Aos filhos

O amigo do leão

Com ele fez amizade

E não era fácil não

Era o único na cidade

Tinha um grande coração

Não perdia um enterro

Ia...

Nem que fosse um pouquinho

Já com seu passo miudinho.

Fazia “declaração”.

Era amigo do peito e dizia:

“pra tudo tem jeito”.

Ficava meio bravo

“por que veio com atraso”?

“Não sabia do prazo?”

“Que fazer?”

“Só se for magia!”

“Com que dinheiro comprou???”

“Como pagou?”

“Veja o leão te pegou!”

Agora está no céu

Segurando o leão na mão

Pra gente sonegar aqui no chão!

Obrigada, Seu Salgueiro.

Outra data importante para ele, foi quando recebeu o título de cidadão honorário passaquatrense. No primei-ro momento, ele ficou muito feliz e, em seguida, ele percebeu a responsabilidade daquele título e, também, que caberia a ele fazer um discurso de agradecimento. Tenho a carta convite da Câmara Municipal de Passa Quatro, e a cola do  discurso que foi feito por ele em agradecimento. Tudo isso o desafiou e lhe causou uma certa ansiedade!

Através desses documentos, podemos sentir a expectativa deste tão honrado título. Essa conquista ocorreu no dia 19 março, de 1975, quando papai já morava em Passa Quatro,  há 27 anos. Como isso foi difícil! Quantas expectativas ele criou! Mas na hora tudo saiu perfeito! Como ele falou gostoso, conseguiu tocar os corações!

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Foi um título merecido, pois ele se sentia, de fato, um cidadão passaquatrense, uma vez que foi em Passa Quatro que passou a maior parte de sua vida! A cada problema que surgia na cidade, lá estava ele pronto para lutar com a mesma fidelidade que lutaria por seus interesses. De fato, esse título representou a continuação de suas vitórias e conquistas!

Comunicado do Título de CIDADÃO DE PASSA QUATRO

Diploma de Cidadania – 19/03/1975

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Papai com o título de cidadão honorário

Papai, Mamãe, filhos, genros e netos Carta de Papai para o Antônio agradecendo os cumprimentos pelo título de cidadão passaquatrense

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Vocês se lembram de quando ficávamos fazendo cosquinhas no pé do Pai, tentando fazê-lo rir, e nunca con-seguíamos um riso! E como ficávamos felizes quando a mãe adoecia e ele ficava encarregado da comida! Teríamos,

com certeza, salsicha ou sardinha, sem nos esquecer do doce de batata de sobremesa. Quanta saudade!

Como o Pai gostava de uma festa! Quanta agitação nos preparativos para as nossas formaturas, para os casamentos, os aniversários e, especialmente, os natais!

Gostaria de mencionar, também, os seus amigos! A gratidão que tinha pelo Cancela, por tê-lo ajudado a estudar para o concurso de escrivão. Pelos colegas de tra-balho, Carlos Diamantino e Mário Ana-cleto. Aos compadres Carlos Diamantino, Joaquim Kato, Dr. Gaspar, Napoleão, Milton Costa. Aos amigos de pescaria, La-zinho, Sílvio Ivo, Geraldo Nogueira. Ao

amigo fiel José Leite. Aos padres Domingos, Michel, Orlando e José Maria. Ao Chiquinho Galvão que conse-guiu sua transferência de Elói Mendes para Passa Quatro. Ao Quati que o levava de carro, para destinos diversos e, como confiava muito nele, certa ocasião, tomou, no copo de pinga, o seu tão necessário remédio. Obrigada a todos pelo carinho e pela alegria que proporcionaram ao Pai!

Também, gostaria de dizer, como é gostoso, quando encontro pessoas que conheceram nosso Pai e eles se lembram de suas bondades e proezas. Quanta história ele nos deixou! Sempre aparece mais um amigo para nos contar algo especial sobre o Sr. Salgueiro. Como nos conforta e nos dá orgulho, saber que Ele foi especial para muita gente!

É foi curioso que, só depois de encontrar os documentos do Pai, que consegui entender o que significa he-rança de família. O capricho e os detalhes, que o Pai sempre teve com tudo que ele lidava, foram herdados de seu pai Antônio Manoel Salgueiro. Nosso Vô anotava em detalhes o dia, a hora e até os padrinhos do nascimento de seus filhos.

Por outro lado, foi interessante observar que, na minha certidão de nascimento, consta a data de meu batiza-do, de minha crisma e o nome de minha madrinha. Sem me esquecer de mencionar, que ele sempre anotou não

só os principais acontecimentos da vida de seus filhos, como também de toda a sua família, sempre com detalhes de livro, páginas e folhas. E, por isso, foi possível incluir neste texto tantos pormenores.

Também, aqui na farmácia, os livros do inventário. Em todos eles constam a assinatura de abertura e de en-cerramento. O mesmo acontece nos livros de Registro de Cartório. Por todo lado que, a gente sempre encontra alguma coisa que o Pai nos deixou. E isso contribui para que a gente o sinta sempre presente em nossas vidas!

Como foi bom tê-lo como Pai! Pensando nele, sempre me vêm à mente o carinho e a segurança que ele sem-pre nos passou.  Segurança é uma palavra forte e, forte, ele sempre foi!

E, também, não poderia deixar de relatar como foi grande a preocupação nosso Pai, quando o Tio Zé Grande morreu, em 1966. E, logo depois de sua morte, cortaram o pagamento do Pai. O que ocorreu foi um problema no Registro em que foi trocado o nome do nosso tio que faleceu, pelo nome de nosso pai. E, como foi difícil provar que o nosso pai estava vivo! Quantos documentos! Quantas viagens! Demorou, cerca de três meses, para que tudo fosse regularizado.

E, me vem à memória, também, o meu Pai com seu radinho de pilha! Era lei! Todos os dias, quando o reló-gio se aproximava das 18.00 horas, ele saía procurando nossa mãe pela casa e, os dois, de mãos dadas, rezavam a Ave-Maria. Quanta fé! Quantos pedidos e agradecimentos! Isso se repetia todos os dias.

O pai não tinha o hábito de ver televisão, mas gostava do pro-grama do Sílvio Santos. Cada qua-dro do programa era esperado com ansiedade. Seus olhinhos brilha-vam como os de uma criança! Na verdade, transformava-se em uma criança através de seu riso, de sua alegria e de sua inocência. Como é bom ser criança e, isso, ele conse-guia sempre!

Por outro lado, não posso dei-xar de dizer de uma dificuldade que o Pai sempre teve foi dançar. Nossa Mãe sempre tentava ensiná--lo. Mas, rítmo ele não tinha! E, Papai e Mamãe

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ainda assim, ele insistia em aprender, porque o sonho de nossa Mãe era deslizar pela pista com ele. E, das filhas era dançar a valsa de formatura com ele. No entanto, ele era consciente de suas limitações e se sentia feliz assim mesmo!

E, outra data sempre muito importante, para nosso Pai e nossa Mãe, era a do aniversário de casamento – 21 de maio 1940. Todos os anos, essa data era comemorada com muita festa e carinho. E, até hoje, a data é sempre lembrada pelos filhos e uma missa é celebrada em homenagem a eles.

Lembro-me bem, apesar da minha pouca idade, dos preparativos de Anna, para a comemoração das bodas de prata de nossos pais: a missa e a festa. Lembro-me que a Tia Jandira investiu muito para que a festa ficasse linda. Lembro também do santinho que a Anna mandou fazer (tenho ele em minha carteira até hoje), e das alianças com um friso de prata. E os presentes que receberam nessa data foram colocados em um móvel da sala até a morte de nossa mãe. E aqueles bules e xícaras gravadas com 25 anos! Eles tinham muito orgulho dessa data! Represen-tava, para eles mais um sonho realizado!

Bodas de Prata

Pai, como foi bom reviver esse passado! Houve momentos em que o meu coração apertou e me deu aquela vontade de chorar! Assim, consegui reviver cada momento de nossa história, como se não houvesse o amanhã.

Mas, mesmo com esse pensamento, sinto saudades quando penso o Pai maravilhoso que o senhor foi! Muitas atitudes que tenho, hoje, em relação à educação dos meus filhos e netos trazem o reflexo do legado que o senhor me deixou. E, me lembro, então, daquele velho ditado: “na vida nada se leva, só se deixa”? E o senhor deixou o seu sorriso, o seu abraço, o seu amor, a sua compreensão e a sua história... E que história! Consegui amar e continuar amando aquilo que tive e vivi!

  Pai, obrigada por tudo! O Senhor foi uma pessoa maravilhosa, um esposo exemplar, um Pai perfeito, um Avô querido. Obrigada Pai, por ter existido!

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Depoimento José

Depois de ler os depoimentos de Antônio, Luiz, Sônia, Anna e Célia, decidi focar este texto em algumas passagens que vivi com nosso Pai.

Falar do Papai é falar de um Homem de Bem. Papai era esse homem! Seu maior compromisso era a família sem se esquecer, do próximo. Durante sua vida foi um exemplo de filho, irmão, marido, pai, genro, tio, cunhado, avô, padrinho! Ele sempre estava de braços abertos para ajudar qualquer pessoa. Que coração! Quanto amor! É impossível descrever quem era o Grande Salgueiro. Para mim ele era e continua sendo um ANJO!

Fui muito bem recebido por meus pais, quando nasci, em Itajubá, em 1954, pois a diferença de idade entre eu e minha irmã Sonia, até então a caçula, é de 7 anos.

Abaixo, se encontra o cartão que meus pais me apresentaram ao mundo:

Um mês antes do meu nascimento, papai e mamãe, já felizes com minha pró-xima chegada, escolheram o meu nome – JOSÉ, como meu pai – e escolheram, também, os meus padrinhos, como se pode observar na declaração, apresentada a seguir, escrita e assinada por meus pais:

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Em seguida, passo a relatar as passagens que considero mais marcantes em minha trajetória de vida. Inicial-mente, quando ainda garoto, lembro-me da escada que meu pai utilizava para subir ao telhado, feita por ele, toda de bambu.

Papai tinha muita habilidade manual, que lhe permitia manusear o bambu, com muito cuidado e perfeição. Era essa uma de suas características. Assim, era muito frequente vê-lo subir no telhado, ora para trocar uma telha, ora para arrumar a caixa d’água e, até mesmo para tirar as goteiras que, de vez em quando, apareciam lá em casa. Não me esqueço, inclusive, que ele usava essa mesma escada para colocar as armadilhas para prender os gambás.

Além disso, me lembro da chocadeira de pintinhos! Era toda pintada de branco e também iluminada! Que saudade! É incrível como meu pai, em um espaço tão pequeno e com poucos recursos, conseguia construir os mais diferentes objetos para superar os obstáculos que encontrava. Sua criatividade era incomensurável !!!

Entretanto o que ele mais gostava era de trabalhar a terra! Assim, em nossa casa, sempre teve uma horta muito bem cuidada! Todos os dias, pela manhã muito cedinho e também, algumas vezes, no final da tarde, lá estava ele adubando, regando as verduras e legumes de sua horta. E eu sempre o acompanhava nessa tarefa. Mas não posso deixar de dizer: a lida na horta era uma atividade que lhe dava um verdadeiro prazer! Significava muito

para ele! Assim, inúmeras vezes, para me alegrar, ele me deixava fazer um canteiro em frente à porta principal do porão de nossa casa. Mas as minhas plantas nunca cresciam! Cheguei até a pensar que a minha mão não era boa para plantação. Que nada! Esperto como era, ele me mandava plantar em um pedaço de terra improdutivo, porque ali quase não batia sol. Na verdade, era o único pedaço de terra que sobrava lá em casa, e sobrava porque era estéril.

E, ainda me recordo muito bem de papai dizer que era importante trabalhar com a terra, pois esse trabalho desperta a nossa fome e nos ajuda a dormir melhor. E isso é verdade!  Acontecia comigo!

Vocês se lembram do regador lá de casa? Eu gostava muito de brincar com ele, de carregá-lo cheio de água para regar as plantas. E, nessa hora, sentia-me verdadeiramente útil!

Outra atividade que eu fazia em casa era comprar o pão. Assim, todas as manhãs, bem cedinho, Papai me acordava para comprar o pão. E eu ia com a bicicleta que ficava sempre guardada no corredor. Quando voltava com os pães, papai já estava com o café pronto e, preparando-se, para levá-lo à mamãe na cama. Quanto amor! Quanta dedicação!

José no quintal apreciando as mudas de café - Passa Quatro José - no quintal da “casa de baixo”

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Mas papai também era sistemático. A vasilha que ele utilizada para fazer o café era exclusiva, não podia ser usada para mais nada. Ele gostava de colocar o pó de café na água fervente e, em seguida, coar com um coador de flanela.

Também me recordo que eu e o Luiz gostávamos de completar álbuns de figurinhas. Mas papai não aprovava muito esse hobby. No entanto, um dia, para surpresa nossa, ele comprou um álbum e uma quantidade imensa de figurinhas. Apesar disso, só conseguimos completar uma única folha do álbum! Mas, mesmo assim, ganhamos uma bola. Foi só alegria!

Lembro-me ainda quando ele comprava frutas, biscoitos e a rosca seca da Vó Donana. Vovó também tinha um canivete e, com ele, ela descascava as maçãs. Que cheiro bom! Naquele tempo tudo tinha cheiro e sabor diferentes!

Além disso, ainda me recordo muito bem das armadilhas de espelho que ele fazia para pegar os gambás. Ele utilizava um espelho para jogar a luz do sol nos buracos do telhado do galinheiro, onde os gambás se escondiam. Só assim, papai conseguia deixá-los à vista! Eles deram muito trabalho ao papai.

Outra recordação importante ocorreu na minha formatura do curso primário. Tive a sorte e a alegria de ter meu próprio pai, compondo a mesa da recepção de formatura e foi o meu próprio pai que me entregou o certi-ficado e conclusão! Como me senti importante nesse dia! A foto a seguir, ilustra esse momento:

Também me veio à memória que meu pai curtia muito a pescaria. No entanto, eu só fui pescar com ele uma vez. Fomos pescar lá na  represa de Furnas e o Lazinho foi com a gente. Precisávamos nos preparar para a viagem. Primeiro organizávamos os anzóis separando-os pelo tamanho e os co-locávamos em vidrinhos de tamanhos variados. Em seguida, preparávamos as linhas, de formas variadas e de diferentes tamanhos. E, nas varas, colocávamos tanto a linha como os chumbinhos, de acordo com o tamanho do peixe. Depois dos muitos preparativos, enfrentamos a estrada, até que, finalmente chegamos à represa. Desta vez, tivemos muita sorte, pois pescamos muitos pei-xes, principalmente os mandis...

Em seu relato, Sônia menciona o passarinho Papai e José – Formatura do Curso Primário

da rua de baixo que, mesmo com a porta da gaiola aberta, ele não fugia, voltando sozinho para a gaiola! Mas, na casa de cima, papai tinha um pintassilgo. Papai colocava a gaiola na janela da copa e, bastava o papai estalar o dedo, que o passarinho começava a cantar e não parava... Curtia muito esse momento!

Mas me recordo também de alguns acontecimentos mais “trágicos” como, por exemplo, uma grande surra que levei do papai. Foi porque tirei a tripa de mico da bicicleta do tio do José André, o Antero, que morava perto do posto ESSO. Quando cheguei à nossa casa, papai já me esperava, atrás da porta principal, com um fio do ferro de passar roupa na mão, pronto para me bater! E eu, muito esperto, corri para o quarto da Vó Donana, certo de que vovó me protegeria! E isso de fato aconteceu! Assim, só restou ao papai, diante de minha vó me protegendo, desistir da surra. E, só mais tarde, fiquei sabendo que o furor de papai era porque o Antero contou-lhe a travessura que eu havia feito!

Outro episódio que passo a relatar é sobre o acidente de carro que ocorreu, quando voltávamos de Itajubá, depois da formatura do Tão. Viajávamos no carro do Carlos Diamantino. E, eu, muito distraído, coloquei o bra-ço e a cabeça para fora da janela do carro. De repente, só me recordo do tapa que papai me deu! Imediatamente, me deitei em seu colo, chorando... Alguns minutos depois, aconteceu o acidente: um caminhão bateu na janela do nosso carro, exatamente do lado em que eu estava sentado. Se não fosse o meu pai... Não disse para vocês que o nosso pai é um ANJO!

E, em seguida, passo a relatar um fato bem interessante do papai que ocorreu em Santa Rita, quando fiz o vestibular. Como meu desempenho foi muito bom nas três primeiras provas, disse à mamãe que, com certeza, eu seria aprovado! Ela, imediatamente, telefonou para o papai, pedindo-lhe que nos enviasse os certificados dos cursos ginasial e científico, para que  efetuássemos a matrícula. Qual não foi a nossa surpresa quando papai, junto com os documentos pedidos, enviou também o certificado do Jardim de Infância que, segundo ele, era também necessário. Ora, como papai sempre foi detalhista, ele trouxe todos os documentos! Rsrs

E, retomando o relato de Célia sobre o acidente que ocorreu com papai e mamãe na estrada de Belo Hori-zonte, eu me recordo que fui com o Carlos Afonso e o Magno socorrer o papai e a mamãe. Assim que chegamos ao local do acidente, percebi que papai estava com uma fisionomia muito triste! Ainda assim, ele me pediu para pegarmos os seus objetos no porta-malas do fusca. Qual não foi a minha surpresa, quando abri o porta-malas do carro, e me deparei com uma leitoa virada, e com muitos doces espalhados sobre ela. Acabamos todos rindo!

Outro momento importante, mas que foi muito difícil para o papai, ocorreu quando ele fez a cirurgia de próstata. Ele, inicialmente foi a São José dos Campos, na minha casa, para consultar um urologista. Quando o médico disse que o caso era de cirurgia de próstata, ele decidiu ir para Belo Horizonte.  Era a primeira vez que todos nós estávamos  passando por uma situação de cirurgia. E, nunca tínhamos visto nosso pai tão fragilizado! Todos os irmãos e a nossa mãe estávamos com ele em Belo Horizonte, para acompanhar a cirurgia. Lembro-me

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bem de uma praça, na frente do hospital em que ele estava internado e, Antônio e eu conversando, enquanto esperávamos o término da cirurgia. Mas, graças a Deus, tudo correu bem!

Outro acontecimento que me vem à memória foi a nossa viagem para Guarapari. Ficou combinado que to-dos os filhos, genros, nora e netos, iríamos passar o natal juntos. Antes da viagem, papai já reclamava de algumas dores. Nessa época, eu estudava em Santa Rita. Combinamos que eu iria encontrar papai e mamãe em um posto, no trevo de Três Corações. Vocês não imaginam a alegria de papai quando ele me viu! Pareceu-me que teve um grande alívio! E, de fato, ele teve! Ele estava dirigindo, desde Passa-Quatro, sentindo muitas dores. Mamãe sem-pre se lembrava do rosto de felicidade dele, quando me viu! Esta viagem seria maravilhosa, se o papai não tivesse sentindo tantas dores! Ele estava com um problema na coluna. Levávamos o papai todos os dias ao hospital, para fazer a fisioterapia. Apesar desse problema ele ainda pode aproveitar a viagem. Sua alegria foi imensa quando entrou com a mamãe no mar!

Também, ainda me recordo que, em Guarapari, não nos faltou a nossa tradicional leitoa no Natal, pois o Antônio deu um jeito e conseguiu comprar a leitoa, que mamãe preparou. Assim, foi possível curtir a nossa tra-dicional ceia de natal!

E, por outro lado, gostaria de relatar também uma das conversas mais importantes que eu tive com o meu Pai. Ele conversou comigo sobre a bebida. Ele ponderou comigo que eu estava bebendo muito e que isso não era bom. Tenho certeza de que este papo me ajudou muito quando decidi a deixar a bebida. E é mais uma prova de que papai é um ANJO!

Ainda me recordo que quando criança, estávamos com coqueluche, Luiz e eu, e que papai nos conduzia, bem cedinho, até o morro, onde ele afastava a vaca do lugar em que estava deitada e nos colocava ali para pegarmos o calor deixado por ela. Com certeza isso ajudava a combater a doença!

Por último, relembro uma situação muito sofrida por todos nós: a etapa final de sua doença! Foi um tempo muito difícil! Para conseguirmos conversar com o papai, tínhamos de falar de coisas antigas. Só assim, ele se re-cordava de tudo e a prosa ficava muito boa. Relembro-me, também, da tia Jandira preparando para ele uma sopa de músculos bem gostosa para deixa-lo mais forte!

Finalmente, no dia 2 de agosto de 1986, o seu desencarne foi muito tranquilo. Sônia e Vicentina estavam de um lado da cama, eu do outro lado e mamãe aos seus pés. De repente, um carro parou na frente da nossa casa e

Sônia e Vicentina comentaram que os filhos tinham acabado de chegar! Foi, nesse momento, que ele levantou a cabeça e, olhando para a Sônia, se foi tranquilo, deixando para todos nós o seu exemplo, o que um grande homem pode realizar nessa vida! Obrigado, meu Papai, por tudo que o senhor me ensinou! Hoje eu tenho certeza de que a educação que ele nos proporcionou, o seu amor, a sua paciência e o seu exemplo que contribuíram para que eu me esforçasse para ser um homem melhor. Estou longe do Senhor, meu pai, mas tenho a certeza de que, com a sua ajuda, e me espelhando no senhor, eu vou chegar lá... EU TE AMO MEU QUERIDO PAPAI!

A seguir fotos com meus filhos e com meu neto:

José, Luana e Ilka

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Luana e José

Nathália e José

Nathália e José

Luana, Ilka e Nathália

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Diego e José

Lucca e JoséLucca, Luana e José

Depoimento Luiz

Como caçula, ou rapa de tacho, sempre terei menos registros sobre meu Pai, em relação aos meus irmãos, e as minhas lembranças serão mais recentes. Por exemplo, eu não morei na rua do Vinagre, onde nossa família morou por um certo tempo.

Quando nasci, o “Vô Careca”, como eu o chamava, já tinha 45 anos. Para a época, este seria um fator que dificultaria o nosso relacionamento, acrescido do fato de eu ter saído de casa aos 13 anos. Assim, só nos encon-trávamos em períodos de férias e por ocasião das festas familiares. Tudo isso somado ao temperamento de meu Pai, de pouca prosa, pelo menos comigo, contribuiu para que tivéssemos pouco diálogo e pouca troca de ideias!

No entanto, uma característica muito pe-culiar de seu caráter se manifestava através de um comportamento exemplar, que se tornou marcante em vários períodos de minha vida, e ainda o levo comigo. Também o carinho com que sempre me dispensou e, especialmente, à NINA, me mostrou um caminho de amor e respeito, que sempre foi e continua sendo, marcante em minha vida.

Além disso, o seu empenho para me pro-piciar um ensino de qualidade e uma vida de conforto, que ele não teve, sempre permane-ceram em minha índole. Desse modo, venho levando isto para “a minha família”, todos os dias. Aqui incluo também a retidão de seu ca-ráter em relação à sociedade e que interferiu em minhas atitudes.

Caricatura Vô Salgueiro - 1977 - Luiz de Souza Salgueiro

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Formatura Curso Pré Primário - Passa Quatro - Clara de Almeida

Em nossa casa em Passa Quatro, um lugar sempre muito lembrado por mim, havia um quar-to que era chamado de “quarto escuro”. E, ape-sar do nome, o que me vem à mente é a grande abundância ali presen-te: latarias diversas, tais como, óleo de soja, ervi-lhas, azeitonas, leite con-densado, além do arroz, feijão, café, sal, macar-rão, entre outras iguarias. Não sei se na época este armazenamento ocorria

devido à inflação ou à dificuldade para adquirir esses produtos na nossa Passa Quatro ou, ainda, ao sangue portu-guês do VELHO. Lá também era guardado o bacalhau, quando estava de molho para perder o sal. Em relação ao bacalhau, me recordo que, na noitona, eu “roubava” umas lascas dele e, agora, ao escrever esse texto minha boca encheu de água!

Outra característica de meu pai que me marcou muito, era a sua engenhosidade e facilidade para executar trabalhos manuais. Eu me recordo de como ele engarrafava pinga. Primeiro ele esterilizava as garrafas e as enchia com o líquido e, após “lacradas”, eram embaladas em fardos de palhas bem amarradinhos e, então, iam para cai-xas de madeira sempre fechadas para envelhecimento.

Recordo-me, também, dos encabeçamentos - se é assim que se chama - os arranjos das varas de pescar. Ele as preparava com perfeição: enrolava as linhas de nylon e preparava o laço. E quando tudo já estava pronto, fazia o acabamento com araldite. Finalmente, organizadas e distribuídas por tamanho, eram armazenadas do porão para serem usadas na pescaria. Isto eu não aprendi!

Também havia no porão, vários “setores”, melhor explicando, áreas para o armazenamento das garrafas e do papel e, inclusive, dos jornais velhos para serem vendidos, quando atingissem o volume esperado.

No entanto, a quantidade de objetos, armazenada no “quarto escuro,” tinha também um significado. Papai,

Papai, Mamãe, Anna, Eu, José - Formatura Engenharia - Itajubá

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apesar de sempre esbelto, ELE era muito bom de garfo e, quando se assentava à mesa com uma leitoa, ou um prato de bacalhau, ou um arroz de forno – e vale a pena lembrar que a CARA METADE DELE se apurava - e que essas refeições eram sempre acompanhadas com uma taça de vinho! E não eram breves!

Mas, com a boca boa que papai tinha, lembro-me dos dois petiscos preferidos e que ELE mesmo fazia: a massa frita de pastel, que ELE cobria com mel e o exótico doce de marmelo com queijo minas, sem contar o virado de queijo e o ovo quente. Esses quitutes ficaram registrados em minhas lembranças!

Outro ponto marcante para mim, não tenho muita referência de tempo - se antes ou após a aposentadoria - foi sua máquina de escrever. Ela hoje faz parte do meu dia a dia, pois a coloquei em um lugar de destaque no escritório. Ela é importante para todos os membros de minha família e, eu poderia mesmo dizer, que ela tem vida, ela me inspira. E também a máquina de calcular, com elas, papai, na madrugada, iniciava sua atividade de preencher as “DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA” de meio Passa Quatro. Ele tinha todas as decla-rações organizadas em pastas, devidamente etiquetadas e colocadas no “arquivo” que, nesse caso, eram as camas do quarto da Célia e da Sônia.

Eu já mencionei que ele era de pouca prosa, mas me fez um pedido de segredo que guardei. Foi após o casa-mento da Célia ou da Anna, mas não é relevante a data. Estávamos, nós dois, no “fusquinha”, indo para Santa Rita para devolver as tábuas e fôrmas de bolo de Tia Jandira. Foi quando, de repente, papai deu uma derrapada na estrada, entre Itajubá e Santa Rita. E nós rodamos pelo acostamento e paramos a poucos metros de um barranco. Mas deu tudo certo! E assim que papai se refez do susto, olhou-me bem nos olhos e me pediu que não falasse para “ninguém”! O que aconteceu, foi minha primeira noção das palavras segredo, intimidade e confiança, estão sabendo agora...

Já que falamos de carro, me lembro de duas passagens interessantes com papai. A primeira se refere ao em-placamento do “fusquinha”, onde o vô queria a placa 3333. A placa de seu carro, na época, era JP e, após muitas tentativas, papai só conseguiu a “JP 3330”. Mas ele não se fez de rogado, e disse: 3 mais 3 mais 3 são NOVE - NOVE FORA - ZERO.

Outra passagem aconteceu quando eu estudava em Itajubá e minha ida a Passa Quatro era muito controla-da pela vó Auxiliadora. Mas, uma ligação, no meio da semana, me convocava para ir a Passa Quatro no fim de semana. Pressenti que algo diferente ia acontecer... E, uma vez lá, com todo orgulho, papai me entregou a chave da famosa euroskrilda, o fusquinha.

Mas ganhar um carro, apesar de representar, materialmente, um sonho, não superou uma lembrança, de minha fase ainda de criança, em que papai, ao retornar da coletoria, me presenteava com um bombom PRESTI-GIO, do qual guardo o cheiro até hoje.

Sempre com seriedade e com posturas pré-determinadas, ELE me surpreendeu, quando, após a minha for-matura de 8ª serie, realizada em Santa Rita, e já no fusquinha, eu no banco de trás, ELE, falando com a mãe, propôs passarmos o natal com o Tão em Presidente Prudente. E lá fomos nós. Só o Tão poderá dizer se estava ou não combinado, mas para mim ficou como um momento insano do careca.

Já morando em Itajubá, à Rua Américo de Oliveira, bem em frente da casa de Priscila (mero detalhe), eu conheci o Sr. Vicente Ferrer, um conhecido do Senhor Salgueiro, como ele o tratava e, entre as pinguinhas que era seu “apelido”, me contou passagens de quando viajavam juntos. Uma delas foi que, antes das refeições, nosso pai, sempre de terno, tirava de dentro do bolso do paletó, um vidro de remédio e tomava duas colheradas. Algum tempo depois, descobriram que o remédio era uma cachacinha para abrir o apetite...

Recordo-me de um dia na minha infância, não sei a arte que cometi, papai veio bravo em minha direção e, enquanto tirava a cinta, assumiu um ar de intimidação e, ao mesmo tempo, uma atitude corretiva. Diante disso, eu desapareci, ou seja, saí correndo e, como mencionei no início, a diferença de idade me salvou de ter apanhado! Aos irmãos mais velhos fica essa lembrança...

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Outro momento legal, foi quando eu terminei o CPOR (exército), afinal fui o único filho a dar o orgulho de servir a Pátria e ainda ter nascido em 25 de agosto, mesmo dia do pai dele, e também o dia do soldado! Ao levantar o espadim, sua emoção foi tão grande, que me marcou!

Penso que quando ele viajou para o meu CASAMENTO, deve ter passado em sua ca-beça: fiquei livre do caçula! Percebi quão gran-de foi a sua emoção e, apesar dos contrapon-tos, ele estava certo, pois durante o namoro com a Priscila, das poucas trocas de ideias que tivemos, ele me falou para cuidar da garota, pois ela era uma boa moça!

E hoje sinto que minha filha não teve a oportunidade de conhecê-lo, mas com os con-tos e relatos que faço, ela saberá que, na his-tória de nossa família, meu pai será sempre o AVÔ SALGUEIRO.

De meu bom PAI, MARIDO, FILHO, IRMÃO, SOBRINHO, AMIGO, deixo como legado os traços mais marcantes de sua personalidade e o seu companheirismo...

BEIJOS AO VÔ.

Meu pedido de noivado- Itajubá - 1981

Depoimento José Maria

“Sô” Salgueiro de saudosa memória

Apesar de um relacionamento limitado e superficial com o senhor Salgueiro durante os anos de nossa con-vivência, ele morando em Passa Quatro e nós em Belo Horizonte, sempre o admirei. Esta admiração floresceu, não apenas pela maneira atenciosa como ele sempre me tratou, mas principalmente pelos comentários que ouvia sobre ele e, também, pelas observações e fatos que se sucederam durante o nosso convívio.

Homem de grande coração e bondade infinita, querido por todos que tiveram a oportunidade de conviver com ele, no trabalho ou nas situações do dia a dia, estava sempre disposto para atender com rapidez, qualquer pedido ou solicitação, fosse ela dos familiares ou de amigos e, até mesmo, de qualquer pessoa que a ele recorresse. Como coletor, procurava sempre resolver os problemas dos amigos sem, contudo, abrir mão da conduta ética. Tinha um carinho e cuidado especial com sua a mãe, senhora idosa, com noventa e tantos anos, que com ele vivia, ainda que tivesse outros filhos e filhas. Embora uma senhora de gênio forte, ele a atendia com paciência e carinho. Em relação aos seis filhos, preocupado que era, não media esforços para dar-lhes todo o conforto possível e prepará-los para a vida. Para isso, estabeleceu como meta para os mesmos: a educação superior, o que lhe custou muito suor e sacrifício. Manter os filhos fora de casa, em outros centros urbanos, apesar de ter um bom salário, era tarefa árdua. Mas, como ele dizia, propiciava aos filhos o que ele não pudera usufruir, pois, compartilhava da opinião de que a falta de estudo era empecilho para se vencer na vida com mais facilidade.

A gentileza do Senhor Salgueiro se evidenciava também de outras maneiras. Datas consideradas importantes na família não se lhe passavam despercebidas. Era de seu feitio telefonar, o que não era muito fácil naqueles tem-pos, ou até mesmo passar um telegrama- se o e-mail existisse naquela época, ele seria possivelmente um grande usuário -, para cumprimentar pelos aniversários de nascimento, de casamento, ou qualquer outra data que lhe fosse relevante. Coisas que fazia por prazer e consideração.

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Os natais em Passa Quatro eram momentos de esfuziante confraternização. Ele fazia questão de ter todos os filhos com ele para comemorar esta data de reconhecida tradição. Saboreava-se então a famosa leitoa, e tantos ou-tros incomparáveis quitutes, preparados com antecedência pela “Nina”, a maneira carinhosa como ele se dirigia à sua companheira, Dona Auxiliadora. São momentos que ficaram registrados para sempre na minha existência.

Falar sobre as qualidades deste homem é uma tarefa fácil. Um exemplo marcante e que nos envolveu, acon-teceu quando nos encontrávamos morando no Rio de Janeiro, fazendo cursos de pós-graduação. Numa ida à Passa Quatro, nosso carro foi danificado em um acidente. Isso nos obrigou a deixá-lo na cidade para a devida recuperação. Pelo tamanho do estrago, o conserto seria demorado. O sogro, abrindo mão de sua comodidade e contrariando algumas opiniões, colocou seu carro à nossa disposição. Ele sabia que nós poderíamos passar sem o carro no Rio, mas sabia que a vida seria facilitada se estivéssemos motorizados e, portanto, não titubeou. Ficamos com o carro até que o nosso ficou pronto e pudemos ir à Passa Quatro buscá-lo. Sempre considerei sua conduta um ato de extrema consideração.

Um fato pitoresco no nosso relacionamento envolve a primeira vez que nos encontramos. Foi um aconteci-mento, no mínimo, inesperado. Num prédio de apartamentos situado à Av. Paraná, dividiam apartamento com duas moças de Santa Rita do Sapucaí, antigas conhecidas, as suas filhas Anna e Célia, Maria de nome, universi-tárias da UFMG. Eu e Célia éramos colegas do curso de Psicologia e Anna minha namorada. Eu já ouvira falar que o Sr. Salgueiro tinha o hábito de aparecer de surpresa para visitar as filhas e trazer-lhes alguns petiscos de casa, preparados pela saudosa Dona Auxiliadora e, normalmente, acondicionados em caixas de sapato. Assim, numa tarde, quando eu e Anna namorávamos tranquilamente e sozinhos no apartamento, o sogro apareceu. Não sei quem ficou mais sem graça, para não dizer “saia justa”, nós, os pombinhos, ou ele, o pai da namorada. Na avaliação que fizemos depois do susto, ficou patente que ele jamais esperava por uma situação como àquela. Era um pai ardoroso e protetor, mas também um tanto careta, com princípios muito rígidos e estava longe de admitir aquela liberdade. Se ele chamou a atenção da filha por causa deste fato eu nunca soube e, talvez, nem precisasse, pois sua expressão facial fora bastante reveladora. Anna nunca comentou qualquer coisa comigo. Entretanto, na ocasião, ela ficou bastante chateada, já que era muito chegada ao pai e, no íntimo, era como se houvesse traído a sua confiança. A partir de então passamos a ser mais cautelosos.

Fizemos alguns passeios juntos, depois que ele se aposentou. Ele ia com Dona Auxiliadora, dirigindo seu fusca, enquanto nós, com as crianças, seguíamos na frente. Deste modo, passamos semanas agradáveis em Poços de Caldas e em Araxá. Usufruímos muito da companhia dos dois, pois, estavam sempre de bom humor e jamais recusavam qualquer convite para passear e conhecer os pontos turísticos dos locais. Com as crianças, foi sempre atento e pronto para atender alguns caprichos. Coisas de avô, é costume dizer. Hoje, revendo as inúmeras fotos, produtos daqueles passeios, não posso conter as emoções que a evocação dos mesmos insiste em provocar.

Fred, Tatiana, Anna, Vó Nina e Vô Salgueiro – Poços de Caldas

Gabriela, Vô Salgueiro, Anna, Fred e Tatiana – Poços de Caldas

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Vô Salgueiro, Tatiana, Vó Nina, Anna e Fred – Poços de Caldas

Zé Maria e Anna

Frederico, Ana Paula, Gabriela, Tatiana, Anna e José Maria

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Na comemoração do seu centenário, estamos todos tendo a oportunidade de sacudir o pó da memória e rememorar, nas vivências de cada um, momentos e passagens que ele, com sua jovialidade e infinita bondade, soube tão bem atingir mentes e corações.

Frederico, Ana Paula, Lucas

Depoimento Vera

Foi no casamento da Sonia em julho de 1970 que conheci o Senhor Salgueiro. Já estava noiva do Antônio. A lembrança mais marcante que tenho desta ocasião é a imagem dele servindo vinho para os convidados. O vinho era tirado de um BARRIL que ficava em um cômodo da casa, parecia um lugar secreto, observando melhor vi que era a despensa, apelidada por todos de QUARTO ESCURO, de onde saíam quitutes deliciosos.

Nosso casamento foi em dezembro do mesmo ano. E tive a felicidade da família SALGUEIRO estar presente.

Meu sogro sempre brincava comigo dizendo: você foi a única que conseguiu ficar presa na peneira. Por que será?

No meu primeiro ano de casada, passei o ANO NOVO em sua casa e já começamos a dividir a Rapa de Arroz (aquela que fica grudada na panela meio queimadinha e crocante, que delícia!!).                                              

O Senhor Salgueiro, Dona Auxiliadora e o Luizinho vieram visitar-me em Campo Grande no início da minha vida de casada. Antônio tinha um fusquinha azul e saía com a família todo faceiro para mostrar ao pai as obras que a empresa, da qual era sócio, havia construído na cidade.

Em uma das minhas idas a Passa Quatro, o Senhor Salgueiro comentou que gostava muito de sopa de mar-melo. Fiquei curiosa, pois não conhecia a fruta. Foi numa época que estava fora de temporada e não existia o fruto para comprar. Qual não foi a minha surpresa, meses depois em Campo Grande, chega uma encomenda do Senhor Salgueiro... Pasmem !!!!!!!! Eram  os Marmelos. Aproveitei os frutos e fiz uma deliciosa marmelada. Só o meu sogro, um homem inesquecível e bondoso para fazer uma surpresa desta!!!

Passaram os anos, vieram os netos, sempre com a presença do Senhor Salgueiro e de Dona Auxiliadora. Pas-samos muitos natais e férias juntos. Fomos a Cabo Frio e a outros lugares.

Construímos uma casa que tinha um quintal muito grande. A felicidade do Sr. Salgueiro era trazer de Passa Quatro mudas de flores e frutos para plantarmos. Assim, tínhamos em casa, cajueiro, pessegueiro, limoeiro, fruta do conde e um lindo canteiro de rosas, tudo plantado por ele, que mesmo de longe acompanhava o desenvolvi-mento das plantas.

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Lembro-me, também, de um feito heróico do Vô Careca, como meus filhos carinhosamente o chamavam. Estava eu molhando  uma planta que ficava dentro de casa, em um vaso na sala de televisão, quando, de repente me deparei com uma cobra coral. Comecei a gritar! Socorro, vô! O Senhor Salgueiro, que no momento estava presente, graças a DEUS, com toda a sua paciência e destreza, jogou álcool na cobra até ela ficar bêbada. Então, pegou um vidro e com uma varinha foi empurrando-a para dentro e, para nosso alívio, colocou uma tampa no vidro. Estávamos salvos!!! Depois, colocamos formol. Virou um troféu! Guardei por muitos anos, mostrando para todo mundo.

Gostaria de agradecer meu querido sogro pelo pozinho mágico (cálcio, cacau e...) que ele fazia para colocar no mingau de maizena das crianças. Para fortalecer os dentes e os ossos, ele dizia. Por incrível que pareça meus filhos nunca sofreram uma fratura. Valeu Vô!

E como ele gostava de pescar! Quando ia pescar com o Tão no Pantanal, trazia muitos peixes. Sua felicidade era enorme e com sorriso nos lábios pedia para a Vó Auxiliadora fazer um vatapá de pescador (refogado de peixe com fubá), pois só ela sabia o tempero certo para este prato. E assim todos nós, inclusive as crianças, deliciávamos saboreando uma comida tão simples e gostosa!

São tantas lembranças e histórias boas... Por isso, posso afirmar que o Vô Salgueiro marcou muito as nossas vidas e permanece ainda conosco, vivo, em nossas memórias e corações.

Vera, Antônio, Papai e Mamãe

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Epílogo

Seis filhos, seis vidas, seis relatos, vários deles recontando a mesma história, com a sua singular interpretação.

No entanto, os sentimentos e as emoções estão muito próximos e perpassam todos os relatos.

Lógico! Cada filho teve o seu pedaço no coração dele. Que suplício! Quase diariamente ouvindo a mesma pergunta de algum de nós: qual é o seu filho preferido? E a resposta, sempre a mesma: Todos !!!... E é essa a resposta certa!

Agora, depois que cada um de nós contou a sua versão, foi possível perceber como o amor do nosso pai era grande! Quantas lembranças boas! Quantos momentos felizes! A única conclusão que podemos afirmar com segurança: ÉRAMOS FELIZES.

Aprendemos com o Senhor que a felicidade está nas coisas mais simples da vida, em detalhes pequenos! O Senhor Salgueiro nos ensinou também como é fácil enxergar o bom! O Senhor Salgueiro não passou pelas nossas vidas, o SENHOR SALGUEIRO PERMANECEU NELAS!

”Além de parentes, somos amigos, né? Pode soltar minha mão, me fechar os olhos sem susto. Minha hora é esta. Minha vez de ouvir – soprano, tenor, contralto e baixo - a mais bela ária da mais bela ópera. O grão de arroz brilha na superfície do sol, bem no meio do disco. Em volta do lago menor, arrozais brotam e não causam espanto. Isabel, lá no quarto, conhece o final do sonho: ele desata o anel de barbante e me deixa ir. Simples assim. Sempre acompanhamos com olhos de saudade o balão que sobe céu afora e se mistura no azul. Acontece com todos. DEPOIS, SÃO HISTÓ-RIAS, UNS POUCOS RETRATOS E RECEITAS CASEIRAS. FAMÍLIA É PRATO QUE, QUANDO SE ACABA, NUNCA MAIS SE REPETE.” (p.361)

AZEVEDO, Francisco. Arroz de Palma. 5.ed. Rio de Janeiro: Record, 2012.

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Árvore Genealógica

Família Salgueiro

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