literatura - pré-vestibular impacto - humanismo - aspectos sócio-culturais

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GE180208 Humanismo - Aspectos Sócio-Culturais nas Manifestações Dramáticas – O Auto da Índia I. FAÇO IMPACTO - A CERTEZA DE VENCER!!! PROFº: ANDRÉ BELÉM Fale conosco www.portalimpacto.com.br VESTIBULAR – 2009 CONTEÚDO A Certeza de Vencer 03 1 O TEATRO VICENTINO E O HUMANISMO O HUMANISMO é uma manifestação artística medieval. Mas difere-se do Trovadorismo por ter seu apogeu num período de transição que vai do final do séc. XV ao início do séc. XVI. É constituído por manifestações em prosa, verso e drama, sendo que apenas este último foi contemplado no programa. O maior representante desse estilo em Portugal foi dramaturgo Gil Vicente, considerado “o pai do teatro português”. Drama Medieval Vicentino: O teatro feito por Gil Vicente tinha objetivo moralizante, pois procurava retratar o homem em sociedade, criticando-lhe os costumes e tendo em vista reformá-los. São características fundamentais desse teatro: Uso de uma linguagem híbrida que ocorre por meio da Mistura do idioma lusitano, na época o português arcaico, com o espanhol; Sofre influência das encenações litúrgicas, sobretudo em seu caráter moralizante – pois as peças têm como objetivo reformar os comportamentos. Faz uso da redondilha e de rimas, pois o teatro poético vicentino visava facilitar a memorização dos assuntos tratados Faz uso de temas que exploram os costumes humanos em fatos que buscam a conscientização da degeneração moral – o homem tomando consciência de seus defeitos morais. Uso de humor, de Ironia, de crítica e de ridicularização desenvolvendo o lema: ridendo castigat mores – rindo mudamos os maus hábitos. Teatro feito para agradar aos populares, daí a musicalidade e o humor, serem elementos importantes. Ênfase em tipos sociais, pois seus personagens revelam comportamentos comuns da sociedade em grupos sociais. O auto da índia (1509) é uma farsa que representa bem esses aspectos do teatro vicentino. Foi apresentada em Almada perante a rainha D. Leonor. Seu título sugere uma crítica às navegações portuguesas, baseada, talvez, no fato de os homens saírem em busca de riqueza e poder em terras distantes. Ficando suas esposas privadas econômica e, mais ainda, emocionalmente, o que as deixava vulneráveis ao adultério. Pode ser lida como uma peça de enfoque moral, uma vez que aborda, de maneira bem humorada, a prática do adultério. Se o tema do adultério é intemporal, as circunstâncias "deste" adultério são as da primeira década do século XVI, quando, por trás da glória e da fachada épica da expansão ultramarina, era já possível perceber as profundas alterações, nem todas positivas, que essa expansão estava provocando na sociedade portuguesa. CARACTERIZAÇÃO DOS PERSONAGENS: Constança (Ama) — mulher que pode ser caracterizada como adúltera, amoral e dissimulada; ela não mostra qualquer indício de consciência ou arrependimento por ter aversão aos afazeres domésticos e se sentir aliviada ao ver o marido partir, além de se deixar seduzir pelos seus pretendentes. Moça — Mesmo sendo servil e obediente, tece comentários irônicos de reprovação ao comportamento da Ama. É uma espécie de representação da sociedade - moralista. Castelhano — fanfarrão, discurso marcado por chavões do discurso amoroso Lemos — o preferido de Constança, avarento e tosco. Marido — homem que possui um discurso marcado pela narração de fatos das viagens ELEMENTOS CONSTITUTIVOS: LEXICAL/SINTÁTICO: há várias expressões e provérbios populares na época, com termos arcaicos e quase incompreensíveis para nós. Nos diálogos de Castelhano há um outro dialeto, o saiaguês. SONORO: a peça é construída em forma de redondilha, prevalecendo os versos de sete sílabas poéticas SEMÂNTICO: tem como principal figura de linguagem a ironia, encontrada principalmente nos diálogos da Ama Constança e da Moça. O TEMPO - Gil Vicente não respeita a regra da unidade, pois o tempo que decorre no enredo, não é descrito de maneira objetiva. Eventualmente se marca o tempo, fato que não nos impede de tentar descrevê-lo: Cenas Acontecimentos Passagem do Tempo I a III Partida da Armada Num domingo de Maio, de madrugada IV a VII Visitas do Castelhano e Lemos Primeira Terça- feira, após a partida VIII (quadro I) Fala da moça Dois anos após a partida VIII (quadro II) a XII Regresso do Marido Três anos após a partida OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: O Auto da Índia revela que o conceito de moral e de família que se tinha durante a idade média estava passando por um processo de transição: de um lado, a crença de que uma família sem a presença do marido está moralmente perdida; de outro lado, a condição de carência afetiva e econômica parece ter dado à mulher bases para refletir sobre sua condição perante si mesma e perante a sociedade. RESUMO DO ENREDO: Enquanto seu marido parte para uma viagem rumo às Índias, Constança (ou a Ama), recebe os galanteios de Lemos e de Castelhano, mas ela é vigiada pela sua criada, a Moça. Pode ser dividido em três momentos: A expectativa da partida do marido; A sugestão do adultério; Retorno do Marido. A EXPECTATIVA DA VIAGEM Corresponde ao primeiro momento da peça, do qual participam dois personagens, a Ama (Constança) e uma Moça (Criada de Constança). Elas descutem a viagem do marido de Constança. Esse ato é composto de três cenas: Cena I: A moça entra na casa de Constança e a encontra chorando. Pergunta-lhe o motivo das lágrimas, já sugerindo que seja pelo fato do marido estar indo para as Índias. Constança responde com ironia e estupidez (chama a moça de mal estreada e o marido de corno). Diz que está chorando porque alguém havia dito que seu marido não iria mais

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Humanismo - Aspectos Sócio-Culturais nas Manifestações Dramáticas – O Auto da Índia I.

FAÇO IMPACTO - A CERTEZA DE VENCER!!!

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CONTEÚDO

A Certeza de Vencer

03

1

O TEATRO VICENTINO E O HUMANISMO

O HUMANISMO é uma manifestação artística medieval. Mas difere-se do Trovadorismo por ter seu apogeu num período de transição que vai do final do séc. XV ao início do séc. XVI. É constituído por manifestações em prosa, verso e drama, sendo que apenas este último foi contemplado no programa. O maior representante desse estilo em Portugal foi dramaturgo Gil Vicente, considerado “o pai do teatro português”.

Drama Medieval Vicentino: O teatro feito por Gil Vicente tinha objetivo moralizante, pois procurava retratar o homem em sociedade, criticando-lhe os costumes e tendo em vista reformá-los. São características fundamentais desse teatro:

Uso de uma linguagem híbrida que ocorre por meio da Mistura do idioma lusitano, na época o português arcaico, com o espanhol;

Sofre influência das encenações litúrgicas, sobretudo em seu caráter moralizante – pois as peças têm como objetivo reformar os comportamentos.

Faz uso da redondilha e de rimas, pois o teatro poético vicentino visava facilitar a memorização dos assuntos tratados

Faz uso de temas que exploram os costumes humanos em fatos que buscam a conscientização da degeneração moral – o homem tomando consciência de seus defeitos morais.

Uso de humor, de Ironia, de crítica e de ridicularização desenvolvendo o lema: ridendo castigat mores – rindo mudamos os maus hábitos.

Teatro feito para agradar aos populares, daí a musicalidade e o humor, serem elementos importantes.

Ênfase em tipos sociais, pois seus personagens revelam comportamentos comuns da sociedade em grupos sociais.

O auto da índia (1509) é uma farsa que representa bem esses aspectos do teatro vicentino. Foi apresentada em Almada perante a rainha D. Leonor. Seu título sugere uma crítica às navegações portuguesas, baseada, talvez, no fato de os homens saírem em busca de riqueza e poder em terras distantes. Ficando suas esposas privadas econômica e, mais ainda, emocionalmente, o que as deixava vulneráveis ao adultério. Pode ser lida como uma peça de enfoque moral, uma vez que aborda, de maneira bem humorada, a prática do adultério. Se o tema do adultério é intemporal, as circunstâncias "deste" adultério são as da primeira década do século XVI, quando, por trás da glória e da fachada épica da expansão ultramarina, era já possível perceber as profundas alterações, nem todas positivas, que essa expansão estava provocando na sociedade portuguesa. CARACTERIZAÇÃO DOS PERSONAGENS: Constança (Ama) — mulher que pode ser caracterizada como adúltera, amoral e dissimulada; ela não mostra qualquer indício de consciência ou arrependimento por ter aversão aos afazeres domésticos e se sentir aliviada ao ver o marido partir, além de se deixar seduzir pelos seus pretendentes. Moça — Mesmo sendo servil e obediente, tece comentários irônicos de reprovação ao comportamento da Ama. É uma espécie de representação da sociedade - moralista.

Castelhano — fanfarrão, discurso marcado por chavões do discurso amoroso Lemos — o preferido de Constança, avarento e tosco. Marido — homem que possui um discurso marcado pela narração de fatos das viagens

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS:

LEXICAL/SINTÁTICO: há várias expressões e provérbios populares na época, com termos arcaicos e quase incompreensíveis para nós. Nos diálogos de Castelhano há um outro dialeto, o saiaguês.

SONORO: a peça é construída em forma de redondilha, prevalecendo os versos de sete sílabas poéticas

SEMÂNTICO: tem como principal figura de linguagem a ironia, encontrada principalmente nos diálogos da Ama Constança e da Moça.

O TEMPO -

Gil Vicente não respeita a regra da unidade, pois o tempo que decorre no enredo, não é descrito de maneira objetiva. Eventualmente se marca o tempo, fato que não nos impede de tentar descrevê-lo:

Cenas Acontecimentos Passagem do

Tempo I a III Partida da Armada Num domingo de

Maio, de madrugada

IV a VII Visitas do Castelhano e Lemos

Primeira Terça-feira, após a partida

VIII (quadro I) Fala da moça Dois anos após a partida

VIII (quadro II) a XII

Regresso do Marido

Três anos após a partida

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE:

O Auto da Índia revela que o conceito de moral e de família que se tinha durante a idade média estava passando por um processo de transição: de um lado, a crença de que uma família sem a presença do marido está moralmente perdida; de outro lado, a condição de carência afetiva e econômica parece ter dado à mulher bases para refletir sobre sua condição perante si mesma e perante a sociedade.

RESUMO DO ENREDO: Enquanto seu marido parte para uma viagem rumo às Índias, Constança (ou a Ama), recebe os galanteios de Lemos e de Castelhano, mas ela é vigiada pela sua criada, a Moça. Pode ser dividido em três momentos:

A expectativa da partida do marido; A sugestão do adultério; Retorno do Marido.

A EXPECTATIVA DA VIAGEM

Corresponde ao primeiro momento da peça, do qual participam dois personagens, a Ama (Constança) e uma Moça (Criada de Constança). Elas descutem a viagem do marido de Constança. Esse ato é composto de três cenas:

Cena I:

A moça entra na casa de Constança e a encontra chorando. Pergunta-lhe o motivo das lágrimas, já sugerindo que seja pelo fato do marido estar indo para as Índias.

Constança responde com ironia e estupidez (chama a moça de mal estreada e o marido de corno). Diz que está chorando porque alguém havia dito que seu marido não iria mais

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viajar. A moça vai procurar saber se é verdade o que disseram a sua ama.

Cena II:

A Ama fica sozinha, rezando para que seu marido tenha viajado.

Cena III:

A moça volta com a notícia de que o marido já havia viajado, o que deixa sua ama extremamente feliz.

Segue-se uma discussão, na qual a moça, percebendo a malícia de sua ama, a aconselha na manutenção de sua fidelidade, pois Constança era uma mulher casada.

A ama responde que irá cometer o adultério e dá várias justificativas para isso: Rebeldia: Constança recusa-se a cumprir as obrigações domésticas.

A necessidade: Diz que o seu marido não lhe deixou provisões.

Justiça: Fala que não vai se conter, porque os homens fazem o que bem entendem.

Moça Jesu! Jesu! Que ora é isso? É porque se parte a armada

Ama Olhade a mal estrada!

Eu hei-de Chorar por isso? Moça Por minh’alma que cuidei

E que sempre imaginei Que choráveis por noss’ amo.

Ama Por qual demo ou qual gamo

Ali má hora chorarei? Como me leixa saudosa! Toda eu fico amargurada

Moça Pois que estais enojada?

Dize-mo por vossa vida! Ama Leixe-me ora, eramá

Dizem que não vai já Moça Quem diz esse desconcerto? Ama Disseram-m’o por mui certo

Que é certo que fica cá. O Concelos me faz isto. S’eles já estão em Restelo Como pode vir a pêlo?

Moça Melhor veja eu Jesu Cristo,

Isso é quem porcos há menos Ama Certo é que bem pequenos

São meus desejos que fique Moça A armada está muito a pique. Ama Arreceio al de menos.

Andei na má hora e nela A amassar e biscoutar, Pera o demo o levar À sua negra canela, E agora dizem que não Agasta-se-m’ o coração, Que quero sair de mim

Moça Eu irei saber s’é assim Ama Hajas há minha benção (A moça se vai e a ama fica dizendo) Ama A Santo Antônio rogo eu

Que nunca mo cá depare: Não sinto quem não s’ enfare

Dum diabo Zebedeu Dormirei, dormirei Boas novas acharei. São João no ermo estava, E a passarinha cantava. Deus me cumpra o que sonhei. Cantando vem ela e leda.

MMooççaa DDaaíí--mmee aallvvííssssaarraass,, sseennhhoorraa,,

Já vai lá de foz em fora. Ama Dou-te cá .a touca de seda. Moça Ou quando ele vier daí-me

Do que vos trouxer Ama Ali, muitieramá!

Agora há-de tornar cá Que chegada e que prezer!

Moça Virtuosa está minha ama!

Do triste dele hei dó. Ama E que falas tu lá só? Moça Falo cá com esta cama. Ama E essa cama, bem, que há?

Mostra-me essa roca cá: sequer fiarei um fio. Deixou-me aquele fastio sem ceitil.

Moça Ali, eramá!

Todas ficassem assi. Deixou-lhe para três anos Trigo, azeite, mel,e panos

Ama Mau pesar veja eu de ti! Tu cuidas que não te entendo?

Moça Que entendeis? Ando dizendo

Que quem assim fica sem nada, Como vós, que é obrigada...

Já vós vais entendendo. AAmmaa AAhh!! aahh!! aahh!! aahh!! aahh!! aahh!!

Est' era bem graciosa! Quem se vê moça e formosa Esperar pela ira má. Hi se vai ele a pescar Meia légua pelo mar... Isto bem o sabes tu. Quanto mais a Calecu! Quem há tanto de esperar? Melhor, Senhor, sê tu comigo À hora de minha morte Que eu faça tão peca sorte! Guarde-me Deus de tal p’rigo. O certo é dar a prazer. Para que é envelhecer esperando pelo vento? Quanto eu por mui nécia sento a que o contrário fizer. Partem em Maio daqui, quando o sangue novo atiça... Parece-te que é justiça? Melhor vivas tu, amém, e eu contigo também. Quem sobe por essa escada?