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LITERATURA INFANTO-JUVENIL: LEITURA E INTERPRETAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA APRENDIZAGEM

Maria Salete Travaglia1 Bruno Bohomoletz de Abreu Dallari2

RESUMO O presente artigo resulta de um projeto desenvolvido com alunos da sexta série do Ensino Fundamental que surgiu, ao se constatar no decorrer da prática pedagógica, as dificuldades encontradas em se trabalhar com a questão da leitura de forma a tornar o educando um leitor competente e com hábitos de leitura. Tem como objetivo buscar subsídios que venham a contribuir para a melhoria do ensino da leitura, da interpretação e da escrita através de atividades que levem os alunos a despertar para a leitura e a perceber que ela é um dos meios para os tornarem capazes de interagir e modificar o ambiente em que estão inseridos. O projeto baseou-se em leituras, interpretações, exposição de pontos de vista através da oralidade e da escrita, dramatizações e representação cênica. Por meio do projeto os alunos puderam refletir sobre a importância da leitura para a integração do indivíduo no contexto socioeconômico e cultural. Palavras-chave: Leitura. Interpretação. Escrita. Letramento. ABSTRACT This article results from a project developed with the sixth graders of elementary school that emerged in a report stating during the teaching practice, the difficulties encountered in working with the question of reading in order to make the student a competent reader and reading habits. Its objective is to seek subsidies that contribute to improving the teaching of reading, interpretation and writing through activities that lead students to wake up to reading and realize that it is a means to make them able to interact and modify the environment in which they live. The project was based on readings, performances, exhibition of views by speaking and writing, drama and scenic representation. Through the project the students could reflect on the importance of reading for the integration of the individual in the socioeconomic and cultural context. Keywords: Reading. Interpretation. Writing. Literacy. 1 Professora de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino do Estado do Paraná; com curso de pós-graduação, “Lato Sensu”, a nível de especialização em Língua Portuguesa: Metodologia e Técnica de Produção de Texto; discente do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), turma de 2010-2012, da Secretaria de Educação do Estado do Paraná.

2 Professor Doutor em Linguística pela Unicamp (2008) e professor do Departamento de Linguística da Universidade Federal do Paraná.

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INTRODUÇÃO

O que se percebe em mais da metade das escolas brasileiras é que ela vem

sofrendo com o baixo nível de aprendizagem de seu colegiado e que tem formado

pessoas com graves erros de escrita, de concordância e de coerência. Pessoas que

possuem dificuldades de produzir um simples bilhete e muitas, ainda, com o hábito

de escrever seu próprio nome utilizando a letra inicial minúscula, quando o correto é

o uso da letra inicial maiúscula, e que no decorrer de sua vida escolar não leem e

afirmam não gostar de ler. E isso tem se refletido nos índices de avaliações de

programas nacionais e internacionais, nos quais, via de regra, o país ocupa um dos

últimos lugares.

Diante do exposto, constata-se que estamos vivenciando sérios problemas

de aprendizagem e que os mesmos devem ser refletidos, repensados e que exigem

que se planejem meios que venham a contribuir e a melhorar tais deficiências, não

somente em Língua Portuguesa, mas também nas demais disciplinas, haja vista que

a maior parte dos professores considera que os alunos não resolvem situações-

problema porque não sabem interpretar, mal conseguem resumir um texto, copiam

errado e cometem os mais variados tipos de erros. Essa deficiência de saber resulta

em uma grave desvantagem, pois no mundo contemporâneo o mercado de trabalho

e as possibilidades de ascensão a um cargo melhor exigem que o indivíduo seja

adequadamente capacitado. Assim, é primordial que a escola procure meios que

possibilitem desenvolver e aprimorar no aluno a leitura, a interpretação e a escrita

para que, ao término de sua vida escolar, ele tenha se tornado um indivíduo

competente e preparado para atuar numa sociedade letrada. A escola deve

preocupar-se não apenas com o ensino da leitura, em si, mas em fazer com que o

aluno tenha a plena capacidade de usar a leitura, bem como a escrita, com

proficiência, e a partir desses conhecimentos adquiridos e com suas experiências

possa dar continuidade ao processo de aprendizagem tornando-se uma pessoa

letrada e ter, assim, um bom desempenho educacional, cultural e social ao longo de

sua vida na sociedade.

Foi, portanto, justamente por se verificar que grande parte dos alunos

não se envolve com a leitura é que se pautou o desenvolvimento do presente

estudo, que teve como base identificar meios que auxiliem o desenvolvimento

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dessas habilidades por meio de atividades variadas envolvendo a leitura,

interpretação e escrita. Pois estes três eixos se perpassam entre si e envolvem

todas as disciplinas que compõem o currículo escolar de um estabelecimento de

ensino.

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

E, já que a educação modela as almas e recria os corações, ela é a alavanca das mudanças sociais

(FREIRE, 2009, p.28).

Embora não se tenha atingido um nível que possa ser considerado

satisfatório e nem uma educação de qualidade, comparando-se o Brasil a outros

países que também participam de programas de avaliação do processo ensino-

aprendizagem, percebe-se uma evolução da leitura, na história, e o grande avanço

que o país conseguiu no processo de alfabetização e na educação que, hoje, é

acessível a quase todos, pois ainda existem sérios problemas, como escolas muito

distantes e a dificuldade de locomoção, que acabam impedindo ou fazendo com que

muitos alunos desistam de ir à escola.

Na época do descobrimento estimava-se que apenas 0,20% da população

era alfabetizada e que a educação era um privilégio da classe dominante. Durante

muitos anos a alfabetização atingia a poucos, sendo que o índice de pessoas

alfabetizadas crescia lentamente. Tanto que o primeiro censo nacional, realizado em

1872, mostrava que apenas 17,7% das pessoas entre cinco anos e mais eram

alfabetizadas. Somente no século XX é que esse índice começa a melhorar,

mantendo-se, porém, muito baixo: o índice de analfabetos era de 71,2%, em 1920;

61,1%, em 1940 e 57,1%, em 1950. É no ano de 1960 que o país consegue reverter

esse índice e passa a haver, então, um número maior de pessoas alfabetizadas do

que de analfabetos. Registrou-se, nesse ano, 46,7% de analfabetos e a partir de

então as taxas passam a cair progressivamente .

Porém, ainda que se tenha conseguido reduzir o analfabetismo,

permanecemos com alguns problemas como o fracasso escolar, a falta de qualidade

no ensino e, principalmente, com o alto número dos chamados “analfabetos

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funcionais”, porque o conceito de alfabetização é muito mais amplo e já não se

considera mais alfabetizado apenas quem consegue ler e escrever, mas aquele que

exerce com habilidade e competência a leitura, a compreensão e a escrita nas

práticas sociais que as exigem.

Por meio desse breve histórico sobre alfabetização e aprendizagem fica

evidente que há muito por fazer no que tange à leitura e à compreensão de textos no

sistema de ensino do País. Com base nisso, muitos estudiosos procuraram o

caminho que leva a uma boa formação educacional e, preocupados em entender e

acabar com os fatores aprendizagem/dificuldades apresentados por crianças no

período de alfabetização, já realizaram várias pesquisas e criaram várias teorias que

tentam explicar e solucionar esses problemas que algumas crianças apresentam nas

séries iniciais e que, muitas vezes, se estendem até as séries finais.

Um dos estudiosos que procura entender estas deficiências é o sociólogo

inglês Basil Bernstein (apud SOARES, 2000, p. 22-37), considerado um dos

criadores da teoria da deficiência linguística, que entre 1958 a 1973 desenvolveu

trabalhos para justificar essa teoria. Segundo comenta Soares (2000), somente os

trabalhos referentes à década de sessenta têm relação com a linguagem e a classe

social. Após essa época seus estudos e análises foram direcionados para o

conhecimento através da educação formal. Fundamentando-se em Sapir e em seu

discípulo Whorf, associou as condições sociais e culturais em que a criança vive

como uma das causas de sua deficiência linguística. Para ele, a pobreza da

linguagem da criança afeta sua expressão e seu pensamento lógico e formal,

impedindo, assim, o desenvolvimento cognitivo.

Na mesma época em que Bernstein reforçava sua teoria da deficiência

linguística, Willian Labov, sociolinguista norte-americano, apresentava os resultados

de suas pesquisas e desmistificava a teoria difundida por Bernstein (apud SOARES,

2000, p. 43-5). Labov, em seus estudos sobre guetos, concluiu que a criança,

mesmo pertencendo a uma classe social desfavorecida, apresenta um vocabulário

básico igual ao de qualquer criança de classe social melhor e possui a mesma

capacidade para desenvolver conceitos e pensamento lógico.

É constante a preocupação com o desenvolvimento intelectual e cultural do

ser humano, principalmente em se descobrir o que leva algumas pessoas às

dificuldades em adquirir e aprimorar conhecimentos. Os estudos realizados nesse

sentido têm sido relevantes para a educação, e independentemente de como e de

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onde vem a criança, a escola deve cumprir o papel de alfabetizadora e propiciar

caminhos que levem à aquisição do conhecimento intelectual e cultural. É importante

trabalhar atividades voltadas para o ensino de leitura e compreensão, uma vez que a

leitura não acontece de forma natural, não é algo automático nem tampouco simples,

pois ela precisa ser construída e estimulada.

1.1 COMO SE DÁ O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

Para Piaget (apud PALANGANA, 1998), o desenvolvimento cognitivo é um

processo de mudanças e a aprendizagem se dá através do equilíbrio entre a

assimilação e a acomodação. A assimilação é o processo de receber do ambiente

todas as informações, estímulos, sensações, costumes e incorporá-los às estruturas

já existentes, podendo-se, assim, criar novas estruturas, como por exemplo: uma

criança ouve as pessoas falarem ao seu redor e assimila o sentido da linguagem

mesmo antes de estar apta a falar e, gradativamente, transforma essa assimilação

em uma linguagem própria. Para Piaget, “... em seu início, a assimilação é,

essencialmente, a utilização do meio externo, pelo sujeito, tendo em vista alimentar

seus esquemas hereditários ou adquiridos” (1975, apud PALANGANA, 1998, p.22).

Esse processo está mutuamente ligado à acomodação.

A acomodação é o processo que busca e ajusta as novas condições que

foram adquiridas no ambiente, fazendo com que os padrões comportamentais

preexistentes sejam modificados para lidar com as novas informações ou para dar

um feedback das situações vivenciadas. Exemplo de acomodação é quando a

criança começa a balbuciar, em resposta ao que se ouve, como em papá (papai), e

conforme vai acomodando o som da palavra e através de seu esforço e repetição o

balbucio se transforma em linguagem.

Esses dois processos, assimilação e acomodação, funcionando em todos os

níveis biológicos e intelectuais, possibilitam o desenvolvimento físico e o cognitivo.

Na Teoria Cognitiva concebida por Piaget (apud PALANGANA,1998, p. 22-

30), existem quatro estágios do desenvolvimento cognitivo do ser humano: o

sensório-motor, o pré-operacional, o operatório concreto e o operatório formal. É

caracterizado, em cada período, um momento do desenvolvimento como um todo,

no qual a criança constrói determinadas estruturas cognitivas. Um estágio sempre se

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opõe ao outro, de acordo com a aquisição de novos esquemas aprendidos. A

sequência em que as crianças passam por essas etapas do desenvolvimento é a

mesma para todas; no entanto, o ritmo com que cada criança atravessa uma nova

fase e adquire novas habilidades é diferente.

O primeiro estágio, sensório-motor, vai até os dois anos. Nele a criança

desenvolve seus reflexos básicos e a percepção de si mesma e dos objetos que

estão a sua volta. Adquire noção de espaço, tempo, causalidade e interage com o

meio.

O segundo estágio, pré-operacional, vai dos dois aos sete anos. Ele se

caracteriza pelo domínio da linguagem e pela representação do mundo através de

símbolos. Distingue um significante (imagem, palavra ou símbolo) daquilo que ele

significa, o significante. A criança é egocêntrica, vê o mundo sob sua própria

perspectiva e não é capaz de se colocar no lugar de outra pessoa. É nessa fase que

acontece a função semiótica, habilidade cognitiva essencial para que a criança

venha a trabalhar com operações lógicas.

O terceiro estágio, operatório concreto, compreende dos sete aos doze

anos. Nesse período surge a lógica nos processos mentais, mas ainda depende do

mundo concreto para chegar às noções de abstração. Possui noções de tempo,

espaço, velocidade, etc. É nessa fase que a criança começa a sair de seu

egocentrismo e inicia uma forma mais socializada, passando, então, a compreender

e a aceitar regras.

O quarto e último estágio de desenvolvimento mental, na concepção de

Piaget, é o operatório formal, que se dá dos doze anos em diante, e cuja principal

característica é a distinção entre o real e o possível. Nesse período, a criança atinge

um nível elevado de desenvolvimento, não precisa mais do abstrato e aplica o

raciocínio lógico, podendo buscar soluções através de hipóteses.

Piaget compreende que o conhecimento é construído por meio dessas

etapas. O sujeito é epistêmico, isto é, é o que conhece, o que constrói e atua sobre

esse conhecimento.

Já Vygotsky, como destaca Kramer (2010), procurou compreender os

processos em que se dão o desenvolvimento. Ele não se ateve apenas em

descrever as etapas do desenvolvimento. Ele procurou entender como o sujeito,

através de sua história, sua cultura e sua classe social, constrói o conhecimento.

Para Vygotsky (apud PALANGA, 1998, p. 128), a aprendizagem e o

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desenvolvimento são processos distintos e não devem ser confundidos, mas que

interagem mutuamente; para ele, a aprendizagem se dá logo no início da vida.

Vygotsky (apud PALANGANA,1998, p. 131) se apoia na tese de que a

aprendizagem surge antes do desenvolvimento, ou seja, ela é a base fundamental

para que ocorra o desenvolvimento. Com base no processo de aprendizagem,

desenvolveu o conceito conhecido como zona de desenvolvimento proximal,

processo de aprendizagem pelo qual, primeiramente, ocorre a resolução de

problemas através de orientações de adulto ou com a colaboração de outra criança.

É um estágio em que a criança adquire habilidades para, futuramente, conseguir sua

autonomia na resolução de problemas sem que haja a mediação de outra pessoa.

Sobre isso, Vygotsky diz:

O que a criança pode fazer hoje com o auxílio dos adultos poderá fazê-lo amanhã por si só. A área de desenvolvimento potencial permite-nos, pois, determinar os futuros passos da criança e a dinâmica do seu desenvolvimento e examinar não só o que o desenvolvimento já produziu, mas também o que produzirá no processo de maturação (apud PALANGANA, 1998, p. 129).

A diferença entre os conceitos de Piaget e Vygotsky (apud GRIZ, 2011) é

que para este a construção da aprendizagem é mediada por fatores externos sendo

que as influências sociais são mais importantes que os fatores biológicos, e para

aquele o desenvolvimento se dá do interior para o exterior, acreditando que o

ambiente influencia, porém os fatores internos são preponderantes para o

desenvolvimento.

1.2 O LETRAMENTO COMO FORMA DE INSERÇÃO SOCIAL

Letramento é um novo conceito referente à educação que vem sendo

inserido há alguns anos. Surgiu muito recentemente na língua portuguesa, mais

precisamente na metade dos anos 80 no discurso de especialistas da Educação e

das Ciências Linguísticas. Magda Soares (2002), em seu livro “Letramento: um tema

em três gêneros”, menciona ter sido Mary Kato quem primeiro utilizou o termo

letramento no livro que publicou em 1986, “No mundo da escrita: uma perspectiva

psicolinguística”, da Editora Ática. E que dois anos mais tarde, Leda Verdiani Tfouni

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faz uma distinção entre alfabetização e letramento no livro “Adultos não

alfabetizados: o avesso do avesso”, propagando, assim, o uso desse termo no

mundo da Educação e das Ciências Linguísticas.

O uso do termo letramento torna-se, então, mais frequente, e em 1995 é

utilizado por Ângela Kleiman como título do seu livro “Os significados do letramento:

uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita” e também por Leda Verdiani

Tfouni em “Alfabetização e letramento”. No entanto, essa palavra já tinha sido usada

bem antes, embora não com o mesmo sentido com o qual vem sendo discutida na

atualidade. Há registros no Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, de

Caldas Aulete, em sua 3ª edição brasileira de 1974, com o significado de “escrita”,

porém de uso antiquado. Refere-se também ao verbo letrar com o sentido de

“investigar, soletrando” e ainda como verbo pronominal letrar-se, “adquirir letras ou

conhecimentos literários”. Com os significados citados acima, percebe-se que não

são essas acepções que descrevem a concepção de letramento concebida hoje.

Letramento surgiu da versão para a língua portuguesa da palavra da língua

inglesa “literacy”, que etimologicamente vem do latim littera (letra), juntamente com o

sufixo –cy que indica qualidade, condição, estado ou fato de ser. Dessa forma,

literacy é o estado ou condição daquele que torna-se capaz de ler e escrever.

Magda Soares (2002) destaca que a esse conceito encontra-se, implicitamente, a

ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais, políticas, econômicas,

cognitivas e linguísticas, tanto para o grupo social ao qual ela é introduzida, quanto

para o indivíduo que a utiliza. Portanto, é nesse sentido, “aquele que adquiriu o

estado ou a condição de quem se apropriou da leitura e da escrita e as utilizam com

competência em suas práticas sociais”, que o termo letramento deve ser entendido.

Possui um significado mais profundo do que a palavra “alfabetizado”, que designa

aquele que somente aprendeu a ler e a escrever, não fazendo referências ao uso

dessas habilidades adquiridas nas práticas sociais que as exigem.

Pode-se concluir, portanto, que mesmo estando no mesmo campo da

aprendizagem há diferenças pontuais entre letramento e alfabetização/alfabetizado.

O letramento vai além da decodificação de símbolos da escrita ou na representação

gráfica dos fonemas, designação essa mais apropriada ao conceito de alfabetização,

pois ser alfabetizado e letrado implica estar apto a fazer uso da leitura e da escrita

nas mais variadas formas que são exigidas nas práticas sociais do indivíduo. Isso

implica em uma condição plena para a realização da cidadania.

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Utilizando esses instrumentos, leitura e escrita, num conjunto de práticas

socialmente constituídas, há uma contribuição significativa para o desenvolvimento

social, cultural, econômico e político. E como bem ressaltou o grande educador

Paulo Freire em suas obras, a educação deve promover mudanças sociais e

provocar a libertação do indivíduo a fim de transformá-lo e dar-lhe condições de

exercer seu papel de cidadão na sociedade, independentemente das condições

sociais e econômicas nas quais esteja inserido.

1.3 A IMPORTÂNCIA DA ESCOLA NA FORMAÇÃO DE LEITORES

A formação de um leitor se inicia logo após o seu nascimento. Se a criança

cresce com pais que mantêm o hábito de cantar cantigas, ler e contar histórias ela

tende a se familiarizar com o mundo da leitura de forma natural e espontânea. Essa

atitude dos pais, que deve ser prazerosa para eles - isto é, não deve ser vista como

uma obrigação - estará contribuindo para que essa criança, futuramente, seja uma

apreciadora da leitura. No entanto, essa ainda não é a realidade dos alunos que a

escola recebe, pois nem todos conseguiram vivenciar essa experiência de leitura na

família e necessitam ser estimulados para essa prática no ambiente escolar.

Quando a escola prepara o educando para tornar-se leitor ela contribui para

que ele adquira condições de compreender a sociedade, proporciona oportunidades

de um maior alcance intelectual e amplia sua visão de mundo. Deve-se considerar,

também, que nesta era da tecnologia, da comunicação e da informação rápida as

relações políticas, econômicas, sociais, culturais apresentam diferentes contextos,

os quais mais permitem leituras que conduzam a uma única interpretação estável e

universal. Pelo contrário, a atualidade exige cada vez mais que a criança, o jovem ou

o adulto sejam capazes de compreender as muitas linguagens e os múltiplos

códigos que envolvem a leitura, as quais envolvem, também, as variadas formas de

leitura como a do cinema, do teatro, da propaganda, da imagem, da poesia, da

internet e tantas outras.

A compreensão está intrinsecamente ligada à leitura. É ela que torna o

sujeito capaz de entender o texto lido, associá-lo àquilo que lhe é pertinente, assumir

e defender um ponto de vista, enriquecer a linguagem e melhorar a forma de se

expressar diante de uma situação de oralidade e escrita.

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Ler é compreender e compreender é, sobretudo, um processo de construção de significados sobre o texto que pretendemos compreender. É um processo que envolve ativamente o leitor, à medida que a compreensão que realiza não deriva da recitação do conteúdo em questão. Por isso, é imprescindível o leitor encontrar sentido no fato de efetuar o esforço cognitivo que pressupõe a leitura (...) (SOLÉ, 1998, p.44).

A compreensão de textos é um processo no qual as palavras se

transformam em conhecimentos, em informação, ideia ou significado que explora o

lado cognitivo. As habilidades linguísticas e cognitivas, o conhecimento de mundo, o

tipo de texto (dissertativo, narrativo) e o nível de leitura são alguns dos fatores que

envolvem a capacidade de compreensão de texto.

Geralmente responde-se às questões básicas de onde, quando, quem, o

que, e se conclui se houve ou não o entendimento do texto. Essas indagações são

necessárias, já que servem para identificar fatos e dados objetivos que são

importantes, porém não essenciais à compreensão, uma vez que examina apenas

partes específicas do texto. Obviamente, a técnica de perguntas/respostas é muito

útil e adequada para se praticar e treinar o ensino de compreensão e ajuda a

explorar o texto, não sendo, porém, ideal aplicar somente essa forma como única

alternativa devido ao fato dela se limitar apenas a aspectos específicos de

determinadas informações e determinadas partes, como a estrutura do texto.

A reprodução textual, oral ou escrita, também é uma valiosa técnica para

avaliar a compreensão, pois ela permite examinar as habilidades de forma mais

ampla. E para aprimorar nos alunos o grau de compreensão textual é imprescindível

criar no ambiente pedagógico um clima favorável à leitura, onde a diversidade

textual deve ser o eixo dos propósitos de leitura. Promover interações que permitam

várias leituras de um mesmo texto por pessoas com histórias, competências,

habilidades, pontos de vista e interesses diferentes.

Cabe ao professor elaborar o caminho da interpretação de cada texto, de

cada leitura, utilizando-se de vários instrumentos que levem à internalização da

aprendizagem, atendendo igualmente a todos os sujeitos, seja qual for a sua

situação social, econômica, cultural. Isso porque a leitura serve como ponte de

ligação para uma boa expressão, para a clareza de ideias na escrita, e não importa

o gênero no qual se precisa expressar porque um leitor assíduo, provavelmente, terá

facilidade em escrever um simples bilhete ou um texto de maior complexidade.

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2 DESENVOLVIMENTO DO PROJETO

2.1 A IMPLEMENTAÇÃO

Os professores da disciplina de Língua Portuguesa têm apresentado certa

preocupação com relação à formação de alunos leitores, pois sabe-se que a leitura é

a fonte de uma qualificação, para melhor, das ações dos indivíduos. E para tentar

resolver essa questão, muitos professores têm se dedicado e desenvolvido projetos

voltados para a leitura, visando estimular no aluno o hábito de ler. Para isso, é

importante que o professor também seja um leitor e esteja envolvido com a leitura de

tal forma que os alunos percebam esse hábito nele e que isso seja uma inspiração

para se tornarem leitores. Infelizmente, ainda é comum que muitos professores

também não adquiram o hábito da leitura, o que acaba por influenciar negativamente

o processo de desenvolvimento de leituras com seus alunos.

Muitas vezes julga-se ser fundamental ler muitos livros e não se prioriza a

qualidade. No entanto, há que se ter uma preocupação em fazer com que esse

momento seja utilizado para análise e reflexão de temas inseridos no texto. A leitura

não deve estar voltada somente para a quantidade de livros ou textos que se lê, e

sim, preocupar-se em compreender o que se lê, fazer inferências, ler as entrelinhas,

entendendo o que está explícito e o que se encontra implícito em cada obra,

estabelecendo uma interação crítica com o que se leu.

O presente artigo parte, portanto, de um projeto desenvolvido através de

uma Unidade Didática intitulada: “Literatura Infanto-Juvenil: Leitura e Interpretação

na Construção da Aprendizagem”, da qual constam atividades variadas, construídas

a partir do livro “Raul da Ferrugem Azul”, de Ana Maria Machado, do qual

participaram alunos da 6ª série, hoje denominado 7º ano, do Ensino Fundamental,

do Colégio Lincoln Setembrino Coimbra, do município de Araucária, Paraná.

A primeira etapa do projeto consistia em se apresentar o livro aos alunos

levantando alguns questionamentos, sobre o que achavam que a história tratava,

onde ocorreram os fatos, enfim, estabelecendo algumas previsões de leitura com o

intuito de despertar e motivar o interesse na estória apresentada no livro. Os alunos

se mostraram bastante receptivos com a primeira parte das atividades, participando

delas ativamente. Alguns alunos levantaram suposições que correspondiam ao local

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da história, afirmando que o ambiente era uma escola. Outros resistiram à

participação, faziam brincadeiras e criavam situações que não condiziam com a

história, talvez por falta de vontade ou de comprometimento e responsabilidade.

A leitura do livro foi realizada no ambiente escolar e não em casa, pois se

trata de uma história curta, que não toma tanto tempo e, dessa forma, permite ao

professor certificar-se de que realmente o aluno leu. No decorrer da leitura notou-se

que até mesmo os alunos que, a princípio, faziam brincadeiras, se envolveram com

a atividade e leram com atenção. Percebeu-se, também, que alguns alunos não

conseguiam fazer uma leitura silenciosa, provavelmente pela falta de hábito, e por

isso sentiam a necessidade de ler pronunciando as palavras, o que acabava por

gerar certo desconforto em sala de aula, pois alguns alunos se incomodavam com o

barulho. Porém, a própria situação propiciou mais uma oportunidade de

aprendizagem, uma vez que, como a sala de aula não é homogênea, é preciso que

cada um aprenda a respeitar o limite do outro.

Após o término da leitura, realizou-se, também, uma leitura individual com

trechos do livro, momento em que foi possível perceber as dificuldades de alguns

alunos em respeitar os sinais de pontuação e a ausência de entonação adequada

que cada situação descrita no livro exigia. Essa atividade serviu como parâmetro

para se verificar qual era a habilidade de leitura que cada aluno possui. Houve,

assim, a necessidade de se retomar a leitura de partes do texto com alguns alunos,

a fim de que eles percebessem a importância de se ler respeitando a pontuação e,

com isso, melhorassem a leitura, oralidade e expressão.

Ao final das atividades referentes à leitura, foram iniciadas as propostas que

atendem e auxiliam na compreensão do texto. E, no que tange à interpretação

textual a maior parte dos alunos apresentou bons resultados nas questões literais,

isto é, nas informações contidas diretamente no texto. A dificuldade maior surgiu em

torno de questões inferenciais que exigem uma compreensão daquilo que foi

absorvido da leitura como um todo, como, por exemplo, assimilar e compreender as

questões que exigem um posicionamento do leitor, seus pontos de vista e o

entendimento global da história. Esse modelo de questionamento exigiu do aluno

conhecimentos prévios textuais, provocando reflexões sobre regras sociais,

conhecimentos de conceitos e situações como preconceito, injustiça e agressividade

que, de algum modo, são constituídos junto à família, no ambiente em que vivem e

corroborados no ambiente da escola. Esta parte da atividade evidenciou uma

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dificuldade que a maioria dos educandos possui que é, justamente, a questão de

justificar as respostas dadas. Muitas respostas ficaram sem sentido porque eles não

conseguiam expor o porquê de suas ideias e opiniões.

Ainda na etapa das interpretações do texto foi realizada atividade de

dramatização embasada no terceiro capítulo do livro, o qual relata uma conversa

entre um grupo de amigos. Nele, um dos personagens conta a façanha de conseguir

fugir de outros meninos escondendo-se em um clube. A conversa continua e todos

queriam contar, com deboche e menosprezo, situações que envolviam meninos

negros. Tomando por base esse contexto, os alunos, reunidos em grupo de seis,

refletiram sobre uma situação que denunciasse qualquer tipo de preconceito e a

apresentaram para os demais grupos. Para realizar essa tarefa foi sugerido que

cada grupo escolhesse um local no pátio da escola e pensasse em uma situação

onde alguém sofre algum tipo de preconceito. Durante a preparação da

dramatização houve a necessidade de intervenção, uma vez que os grupos estavam

apenas retratando o preconceito sem apresentar nenhuma solução para ele. Por

isso, foi sugerido que procurassem encontrar uma solução para o caso, que poderia

ser uma forma simples, como apenas um conselho ou um pedido de desculpas para

a vítima. Buscou-se, com isso, estimular o respeito mútuo. A dramatização mostrou-

se uma estratégia bastante proveitosa e surtiu efeitos positivos, pois todos se

mostraram motivados e queriam participar da apresentação. Diversas situações de

preconceito foram relatadas por eles, tendo sido mencionado o chamado “aluno

nerd”, a questão do homossexualismo, as meninas que são consideradas

“patricinhas”, enfim, uma série de preconceitos foi mencionada nessa atividade, que

foi bem significativa e envolveu fatores importantes como organização, diálogo,

respeito, expressão corporal e criatividade.

Cada capítulo do livro apresenta uma situação diária diferente, que é

discutida por meio de questionamentos específicos elaborados para esse fim, como,

por exemplo: “Se você presenciasse tal cena, teria coragem de ajudar?”; “Você

sentiria medo?”; “Qual sua opinião?”; “Comente expondo seu ponto de vista.”. Com

isso, os alunos foram não apenas compreendendo o texto, mas, também,

internalizando conceitos que auxiliam na boa convivência entre pessoas da

sociedade, contribuindo para formar indivíduos que respeitam seus semelhantes.

Além de tentar desenvolver conceitos, essa atividade serviu como base para que o

aluno desenvolva o hábito de justificar suas respostas, fundamentando-as e

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expondo com clareza suas opiniões, deixando o mecanismo das respostas do tipo:

“não, não teria coragem”, “sim, teria medo”.

Todo texto propicia uma diversidade infinita de interpretação, que vai muito

além da história contada. Uma interpretação que extrapola o texto e permite ao leitor

se enveredar por outros caminhos e transportar o tema discutido no livro para outros

assuntos que podem estar correlacionados imediatamente com outros fatores

sociais da atualidade, permitindo, assim, compreender o texto não somente como o

autor o concebeu, e sim, transformando e enriquecendo o seu próprio conhecimento.

O leitor não pode privar-se de adquirir mudanças em seus conceitos já estabelecidos

e tampouco privar-se de reformular seus pontos de vista após a leitura de uma obra.

Pois, como Bakhtin destaca em sua obra “Estética da Criação Verbal” (2003, p. 378)

“No ato da compreensão desenvolve-se uma luta cujo resultado é a mudança mútua

e o enriquecimento.”

Para trabalhar um tema inerente à história do livro, procurei um assunto

pertinente e que estivesse sendo bastante discutido e difundido na atualidade e que,

principalmente, levasse a uma valorização do ser humano. Por essas razões foram

desenvolvidas diversas atividades com a problemática do Bullying.

Mantendo a formação dos grupos, os alunos escreveram o que já sabiam

sobre Bullying, relacionando e relatando algumas ações que consideravam ser uma

prática de Bullying, expondo, ainda, as ações relacionadas para os demais grupos,

tecendo os seus próprios comentários sobre esse assunto. Com a mediação do

professor estabeleceu-se um diálogo no qual os grupos foram questionados se

denunciariam ou não a prática do bullying junto aos professores, aos pais ou

responsáveis e à direção da escola com o intuito de coibir tais atitudes praticadas

ou, então, se deveria ser denunciado diretamente às autoridades judiciais para as

devidas punições. Os grupos expuseram seus pensamentos, ideias e opiniões. A

maioria dos grupos declarou que, a princípio, devia-se ter uma conversa com as

partes envolvidas e, havendo a continuidade da situação, devia-se levar o fato ao

conhecimento das autoridades competentes. Após esse diálogo, foi solicitado que os

grupos relatassem por escrito o ponto de vista de cada um e lessem para os demais.

Foi interessante perceber que na conversa informal em sala de aula, isto é,

durante os comentários sobre o bullying eles manifestaram a ideia de que isso,

muitas vezes, não tem a pretensão de ofender ao outro, sendo apenas uma

brincadeira; no entanto, ao escrever sobre isso eles adotam outra postura, e dizem

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que isso machuca, magoa e que deve ser proibido. Porém, como são pré-

adolescentes e estão em um processo de formação e de amadurecimento, é natural

que as opiniões não estejam plenamente formadas. Concluídas as discussões, os

grupos externaram o que entenderam por Bullying por meio de desenhos.

Dando continuidade às atividades relacionadas a esse tema, foi entregue

aos alunos um texto informativo sobre o Bullying, o qual se referia à origem do

termo, o que é e como pode ser caracterizado como uma prática de Bullying, quais

as formas mais utilizadas por pessoas que o praticam, qual o tipo de pessoa que

com maior frequência se torna alvo de agressores, as consequências que isso pode

causar nas vítimas e o que consta na Constituição Federal sobre quem pratica e

quem sofre esse tipo de agressão.

Lido o texto informativo, esclarecidas as dúvidas que surgiram de onde e

como se pode denunciar, trabalhou-se, ainda mantendo a formação em grupo,

exercícios com os gêneros notícias, entrevistas e opiniões do espaço público, isto é,

comentários de leitores das notícias que são veiculadas na internet. Os textos foram

previamente selecionados para que cada grupo tivesse acesso a um texto diferente

do outro, como uma notícia de alguém que praticou Bullying, entrevista com a

pessoa que foi vítima, entrevista com especialistas de programas anti-bullying, uma

crônica do escritor Rubem Alves, reportagem sobre a tragédia em Realengo, no Rio

de Janeiro e texto de blog de revista. Cada grupo recebeu um único tipo de texto. Os

integrantes dos grupos fizeram a leitura, analisaram, discutiram e escreveram uma

síntese do texto que receberam. Na sequência, tomaram conhecimento das opiniões

das pessoas que comentaram nos blogs, nas reportagens e nas entrevistas. Foram

selecionadas para esse trabalho ideias que divergiam entre si. Algumas mostravam

as considerações de quem acha tal atitude errada, ofensiva e opinava que a questão

deve ser tratada com rigor pelas escolas, pelos pais e autoridades; e outras de quem

considera a prática de bulliyng um fato comum e pertinente às crianças e

adolescentes, declarando acreditar que o fato pode não trazer tantas conseqüências

como as que são descritas e que se não se der tanta importância é algo passageiro.

Os textos dos comentários serviram como ponto de partida para que os

grupos também se posicionassem e escrevessem o comentário deles, como se

estivessem opinando em um site de revista, jornal ou blog expondo suas opiniões

sobre o bullying. E, através dessa atividade, pude perceber que os alunos são

conscientes, têm informações sobre o assunto e sabem as consequências que a

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prática do bullying causa nas pessoas. Um ou outro aluno afirmou não se incomodar

com isso, encarando como brincadeira, e acha bobagem a vítima dar tamanha

importância, considerando que “é divertido ver que a pessoa fica brava”. Vale

ressaltar que nem todos declararam achar divertido ou apenas uma brincadeira,

pois poucos alunos manifestaram essa opinião. Grande parte deles opinou que se

deve contar logo aos pais quando a brincadeira chega a humilhar e/ou ofender a

pessoa.

Posteriormente a essa atividade foi apresentado aos alunos o filme baseado

no livro de Ana Maria Machado, “Raul da Ferrugem Azul”. Após assistirem ao filme,

os alunos elaboraram um resumo da história, momento em que foi possível perceber

vários erros ortográficos, de concordância, além de dificuldade em sintetizar e

organizar as ideias.

Para encerrar as atividades desenvolvidas com esse livro, foram indagados

sobre quem gostaria de participar de uma peça teatral embasada na história lida. A

princípio muitos alunos afirmaram querer; porém, conforme foram estabelecidas

algumas regras e compromissos, como ensaiar e decorar falas, aqueles que não se

sentiram à vontade ou que tiveram dificuldade em decorar as falas foram desistindo.

Os alunos que concordaram em participar ensaiaram a peça teatral intitulada

“Raul, Menino com uma Ferrugem Azul”, baseada e inspirada no livro “Raul da

Ferrugem Azul”, de Ana Maria Machado. A peça foi apresentada para os demais

alunos do período vespertino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação, enquanto instrumento de ação reflexiva, deve perceber a

importância da leitura como instrumento que proporciona a melhoria da condição

social e humana. Por meio da leitura pode-se entender, analisar e interagir com o

mundo. E neste novo contexto de mundo, onde a quantidade de informações, novos

conhecimentos e conceitos vêm aumentando diariamente, as pessoas necessitam

adquirir conhecimentos que as auxiliem na formação de indivíduos capazes de

construir e reconstruir suas histórias, de discernir, participar e transformar o meio em

que se encontram inseridas.

Com a aplicação desse projeto voltado para a leitura pude perceber o longo

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caminho que ainda há que se trilhar para chegar a essa formação de alunos críticos,

pois para muitos alunos a leitura é algo muito difícil: para estes, muitas vezes não

faz sentido ler e só leem quando o professor atribui alguma nota. Raro são os alunos

que leem espontaneamente, sem cobranças e imposições. É interessante perceber

que eles estão conscientes da importância da leitura como meio de aquisição de

conhecimentos e o quanto esse hábito favorece a sua formação educacional.

Entretanto, mesmo sabendo das contribuições da leitura para a sua vida, não se

sentem motivados e leem o mínimo possível e, por consequência, o grau de

compreensão e interpretação dos textos lidos é baixo. Para tentar despertar essa

motivação, antes do início das atividades foram desenvolvidas algumas estratégias

de leitura que são sugeridas por Isabel Solé em sua obra “Estratégias de Leitura”, e

que constam nos anexos na página 183. Como exemplo, apresentei apenas a capa

com o título e autora e fiz alguns questionamentos como: “O que vocês acham que

trata esse livro?”; “Em que ambiente se passa a história?”, dentre outros.

De fato, isso despertou a curiosidade e o interesse dos alunos em descobrir

se as suposições levantadas por ele condiziam com a história, fazendo, assim, com

que todos lessem o livro na íntegra.

Constatei, através de atividades de interpretação, que os alunos atingem um

desempenho melhor nas questões literais, isto é, aquelas que estão dispostas no

texto de forma mais direta, como por exemplo: “Raul tinha um problema. Que

problema era esse?”; “O problema vivido provocava algumas manchas que eram

vistas somente por ele. Qual a causa dessas manchas?” “Por que somente ele as

via?”. Todavia, quando as questões exigiam que expressassem suas opiniões, para

que fossem entendidas num sentido mais amplo e que essa interpretação estivesse

associada ao conhecimento de mundo deles, constatou-se uma dificuldade de

compreensão bem significativa e, muitas vezes, as respostas eram evasivas e

escritas de maneira simples, sem nenhum aprofundamento do que era questionado.

Essa comprovação deixa clara a necessidade em se desenvolver atividades de

leitura que envolvam um processo de interação que contemple as informações do

texto e os conhecimentos prévios do leitor, o que possibilitará a compreensão do

texto, ativando o senso crítico.

Percebe-se que a leitura e a compreensão podem ser exploradas através de

atividades interativas e não apenas por meio de perguntas e respostas. É

importante, entretanto, respeitar a realidade do aluno, suas formas de comunicação,

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linguagem e conhecimentos culturais. A escola deve ser um espaço que procura

transformar a formação do sujeito através de práticas pedagógicas voltadas ao

aprendizado de leitura, fazendo com que esse ato de ler represente experiências

diferentes para os alunos. O gosto por atividades diferenciadas foi nítido quando se

propôs que os grupos trabalhassem os vários tipos de preconceito e o nosso

conformismo diante das diversas situações problemáticas que são vivenciadas

diariamente nas ruas, nas escolas ou em outros lugares, utilizando-se da

dramatização que foi pensada e elaborada por eles mesmos. Essa atividade

superou as expectativas devido ao empenho e o trabalho apresentado por cada

grupo. Isso comprova que é preciso trazer para a sala de aula diferentes maneiras

que permitam revelar as múltiplas formas de expressão e entendimento do que foi

lido. Práticas como essas são importantes; contudo, não se deve abandonar certos

procedimentos didáticos como a aplicação de perguntas/respostas, que muito

contribui para o desenvolvimento da compreensão e da escrita.

Assim, concluímos que trabalhar a questão da leitura e interpretação através

de diferentes maneiras – perguntas, dramatizações, opiniões dos espaços públicos,

representação cênica – favorece uma prática pedagógica mais significativa. E, se

quisermos investir na formação de um aluno com hábitos de leitura, com visão crítica

e capaz de modificar o ambiente em que se encontra inserido, devemos criar no

ambiente da sala de aula momentos para o aluno realizar leituras de obras e não

apenas de textos do livro didático, incentivando-os a participar e até mesmo montar

peças teatrais a partir das obras lidas. Procurar, desta forma, fazer da leitura o

caminho para uma real transformação humana, social e econômica.

REFERÊNCIAS

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