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Homenagem ao Professor MÁRIO MARTELOTTA Falô, Mário! Falô, Mário! FACULD CULD CULD CULD CULDADE DE LETRAS/UFRJ ADE DE LETRAS/UFRJ ADE DE LETRAS/UFRJ ADE DE LETRAS/UFRJ ADE DE LETRAS/UFRJ 17 DE NOVEMB 17 DE NOVEMB 17 DE NOVEMB 17 DE NOVEMB 17 DE NOVEMBRO DE 2011 RO DE 2011 RO DE 2011 RO DE 2011 RO DE 2011 FACULD CULD CULD CULD CULDADE DE LETRAS/UFRJ ADE DE LETRAS/UFRJ ADE DE LETRAS/UFRJ ADE DE LETRAS/UFRJ ADE DE LETRAS/UFRJ 17 DE NOVEMB 17 DE NOVEMB 17 DE NOVEMB 17 DE NOVEMB 17 DE NOVEMBRO DE 2011 RO DE 2011 RO DE 2011 RO DE 2011 RO DE 2011

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Homenagem ao Professor

MÁRIO MARTELOTTA

Falô, Mário!Falô, Mário!

FFFFFAAAAACULDCULDCULDCULDCULDADE DE LETRAS/UFRJADE DE LETRAS/UFRJADE DE LETRAS/UFRJADE DE LETRAS/UFRJADE DE LETRAS/UFRJ

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Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ / Faculdade de Letras

Todos os direitos reservados à Faculdade de Letras/UFRJ

Cidade Universitária – Ilha do Fundão – CEP.: 21941-590 – Rio de Janeiro - RJ

Apresentação / Karen Sampaio Braga Alonso 5

Grupo D&G / Texto de Maria Maura Cezario 7

Sebastião Votre 9

Mariangela Rios 10

Karen Sampaio 11

Maria Luiza Braga 20

Maria Cecilia Mollica 21

Vera Paredes 22

Maria Carlota Rosa 23

Lilian Ferrari 25

Marcus Maia 26

Helena Gryner 27

Auto Lyra

Aparecida Lino 28

Silvia Brandão

Silvia Vieira 29

Leonor Werneck dos Santos

Deise Cristina de Moraes Pinto 30

Mariana Barbosa 31

Priscilla Mouta 32

Nathalie Vlcek 34

Julia Langer 37

Bruna Soares 38

SuSuSuSuSumármármármármáriiiiiooooo

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Márcio Leitão 39

Roza Palomanes 41

Victoria Wilson 43

Jussara Abraçado 44

José Luz 45

Carmelita Minelio da Silva Amorim 47

Gabriela do Couto Baroni

Lúcia Helena Peyroton da Rocha

Maria da Penha Pereira Lins

Gabriela Baroni 49

Felipe Diogo 50

Elizabeth Traugott 52

Tania Kouteva

Bernd Heine 53

Contribuições do Professor Mário Martelotta para a Linguística doBrasil/ Maria Maura Cezario 54

Funcionalismo e Cognição/ Mário Martelotta 59

FACULDADE DE LETRAS/ NOVEMBRO-2011

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ApApApApAprrrrresentaçãoesentaçãoesentaçãoesentaçãoesentação

Em nome da Comissão Organizadora, gostaria de agradecer a todos

aqueles que diretamente e indiretamente participaram da feitura dessa

pequena obra, que reúne depoimentos cheios de boas memórias dos que

puderam ter o prazer do convívio com o Professor Mário Martelotta.

Especialmente, reforço agradecimentos aos que, junto comigo,

compõem a referida comissão: a Diretora da Faculdade de Letras,

Professora Eleonora Ziller Camenietzki, ao Departamento de Linguística

e Filologia, representado pela sua chefe, Professora Kristine Stenzel e

pelas Professoras Maria Maura da Conceição Cezario e Maria Luiza Braga,

à Diretoria Adjunta de Extensão e Cultura e ao Setor de Publicações da

Faculdade de Letras, representado pela funcionária Ione Nascimento

(Muito Obrigada!), às alunas Priscilla Mouta Marques, Nathalie Pires Vlcek

e Júlia Oliveira Costa Nunes.

Mário (Professor do Departamento de Linguística da UFRJ)

representava um grande amigo àqueles que lhe eram próximos, um

ótimo professor, aos sortudos que tiveram a oportunidade de frequentar

suas aulas, e um verdadeiro pai para aqueles que puderam, como eu,

ser por ele orientados. Por assim ser, reuniu, ao longo da vida, uma

legião de admiradores, os quais poderão se sentir representados pelos

que deixaram aqui seu depoimento por escrito.

Com este livro, pretendemos, então, agradecer ao nosso amigo,

por tudo de bom que nos proporcionou, em vida, e pelas lições que

deixou, após sua partida. Não queremos, de jeito nenhum, que a leitura

das mensagens figure como um possível momento de tristeza; ao

contrário, desejamos que possam ser lidas e relidas nas horas em que

buscamos acalento.

Mário, querido, deixo para você uma mensagem de um poeta de quem

nós dois gostávamos muito: Carlos Drummond de Andrade. Ele se chama,

por aparente contradição aos seus incorrigíveis e constantes esquecimentos,

Memória. E é em sua memória que faço minhas as palavras do poeta.

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

“Amar o perdido

deixa confundido

este coração.

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

apelo do Não.

As coisas tangíveis

tornam-se insensíveis

à palma da mão.

Mas as coisas findas,

muito mais que lindas,

essas ficarão.”

Com todo o meu amor, profundo carinho e eterna admiração,

Karen Sampaio Braga Alonso

PROFESSORA DO DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA DA UFRJ

EX-ORIENTANDA DE MÁRIO MARTELOTTA

FACULDADE DE LETRAS/ NOVEMBRO-2011

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Mário, além das inúmeras contribuições para a Ciência, tambémcontribuiu, e bem, para formar um grande número de professores,porque ele começou a dar aula em diversas Faculdades de Letras logoque se formou, aos 22 ou 23 anos. Na UFRJ, como Professor ePesquisador, ele começou em 1996 e teve uma carreira brilhante. Eele fazia tudo com tanta simplicidade, com tanto carinho, com tantaalegria que contagiava todo mundo. Gostava de todo mundo, respeitavatodo mundo e cuidava de todo mundo. O mesmo respeito que ele tinhapelo trabalho, pela Ciência, ele tinha para com os colegas, alunos efuncionários. Não sabia dizer não e tinha sempre pressa para fazerseu trabalho e ao mesmo tempo tudo tinha que ser perfeito. Por issosempre tínhamos a impressão de que ele estava correndo. Parecia quetinha pressa, pois o tempo dele seria curto. E fez tanta coisa! Fez aprimeira tese sobre gramaticalização no Brasil, escreveu com o grupoo primeiro livro sobre o assunto no Brasil, divulgou o funcionalismopelo Brasil, ensinou vários jovens a entender a Linguística através donosso Manual de Linguística e de outros livros que escreveu eorganizou. Escreveu inúmeros artigos com contribuições inéditas sobrea língua portuguesa. Divulgou inúmeras pesquisas realizadas no Brasilem textos internacionais. Somente em 2011 sairão vários trabalhosimportantes escritos por ele.

O que talvez alguns não saibam é que ele era extremamentesimples (é coro entre os alunos: “Mário informal: calça jeans, camisetabranca e tênis All Star; Mário formal: calça jeans, camiseta branca,tênis All Star e blazer bege). E a simplicidade não estava somente naaparência, estava em tudo. Além disso, ele era muito, muito generoso.

Grupo Discurso & Gramática

Falô, Mário!1

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Com aquele jeitinho de menino, ele não pedia proteção, ele era muitoprotetor. Protegia os alunos e protegia os colegas.

Às vezes ainda é difícil acreditar que ele não está mais na salamolhando a planta, passando antivírus no computador (já tinha viradomania!) e estudando. Também difícil não ver mais o telefone tocarpara discutirmos os detalhes (e como gostava de detalhes!) sobre nossostextos, sobre os conceitos, sobre nossos eventos – que sempre terminavapor “Falô!”.

Mas não queremos passar tristeza, queremos passar este conforto.Os alunos do grupo Discurso & Gramática, junto com as professorasMaura e Karen estão ainda mais unidos e dedicados, e todos ajudama conduzir o projeto com ainda mais estudo, mais plantinhas, maisantivírus e mais sorrisos. O esforço dele não foi em vão e suasconquistas vão continuar através da sua obra e de tudo o que ele nospassou como exemplo de pesquisador e de gente, de gente muito boa.

Então é isso, vamos aproveitar as palavras da própria mãe doMário: “Sucesso para todos e que aproveitem bastante a vida”. Aindaacrescentamos: tudo isso com uma pitada da generosidade esimplicidade do Mário. E temos de lembrar que, além de todas asqualidades, ele era muito engraçado. Quem conviveu com ele tem namemória as inúmeras cenas e frases engraçadíssimas. Fomos muitofelizes com ele, aprendemos e rimos demais com ele.

E ele? Ele foi muito feliz e curtiu a vida do jeito que escolheu:com amor, música, livros e muitos e muitos alunos e amigos.

Falô, Mário!

Um abraço do grupo Discurso & Gramática

1Texto escrito pela professora Maria Maura Cezario.

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Mário era um acadêmico meio fora dos conformes. Ligado emestruturas satélite, ele bem podia escrever sobre aí, né, bem podia seconcentrar no logo, pois a poomba, em logo de cantar, geme. Gastava seutempo na perscrutação da trajetória espaço  > tempo > texto, na qual seencantava por ende e por outras partículas em processo de satelização.

Ligou-se a Traugot, primeiro pela análise de in deed, em que elatrazia evidências fortes em favor da unidirecionalidade nagramaticalização de itens do léxico, como o advérbio deed, que se fundiucom a preposição in e resultou no termo de reforço, indeed

Buscou razões de natureza lógico-discursiva, para oferecer umarazão minimamente razoável para a inversão de sentido de termos comoembora e todavia. Parecia acreditar na hipótese de pressão dainformatividade, pois a apresentava como um achado relevante paradar conta do que nunca consegui entender.

Mário me deixou sozinho, na hipótese da desgramaticalização,quando nosso jovem grupo foi atacado, no nordeste, e quando Marcuschidizia que nos faltava uma teoria semântica que justificasse o movimentode itens da gramática para suas margens, ou sua volta para o discurso.Vingou o termo discursivização, que tem dado panos pra manga, namultiplicação de nomenclaturas que descrevam o que se massa nasmargens da gramática.

Mário, como orientando, foi soberano, criativo, autônomo e ousado.Suas propostas para dar conta de fenômenos complexos, ele as cultivoucom calma, firmeza e determinação. Em poucos momentos eu o convencia adotar uma alternativa que se confrontasse com as que já tinhaconstruídos. Felizmente, para a linguística brasileira.

* Sebastião Josué Votre (UFF) foi professor e orientador do Professor MárioMartelotta na UFRJ. Este texto foi escrito para a apresentação, no dia dohomenagem, do perfil do Mário como orientando.

Sebastião Josué Votre*

Um acadêmico meio fora dos conformes

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Falar de Mário Martelotta é falar do amigo, fiel e solidário, é falar dopesquisador, rigoroso e sensível, é falar do professor, responsável ecompanheiro, é falar do ser humano, inigualável e, por isso, inesquecível.

A lembrança de Mário é um misto de saudosa dor e de profundaadmiração. Ao mesmo tempo em que nos angustia a certeza de que nuncamais poderemos contar com sua presença, tão luminosa, fica ocontentamento de, pelo menos, termos tido a oportunidade de partilhar desua passagem por este nosso mundo. Entre tantas e distintas pessoas, umdia, cruzamos com Mário Martelotta em nosso caminho.

Com Mário aprendemos que saber tem sabor, que é possível descrevere analisar sem perder a sensibilidade e a delicadeza, e tudo feito com algumaspitadas de bom humor e simplicidade. Mesmo no cuidado com os detalhese minúcias, tão a seu gosto, Mário soube manter aquela aura criativa e vivaque sempre o iluminou.

Ainda é muito difícil conviver com sua ausência; por vezes, nosesquecemos mesmo de que não mais está entre nós. Mas é preciso seguir,é preciso dar continuidade ao seu trabalho, que também é nosso, no âmbitodo Grupo de Estudos Discurso & Gramática. Devemos, a partir daconvivência com Mário, estreitar nossos laços acadêmicos e, principalmente,pessoais, criar vínculos de pesquisa e de coração, investir nas parceriasque fizeram e têm feito de nosso grupo uma comunidade acadêmica efraterna.

Sabemos que tudo passa, que não somos insubstituíveis (ainda bem!),mas vai levar um bom tempo para que Mário seja para nós, seus amigos ecompanheiros de jornada, apenas memória e saudade. Enquanto esse dianão chega, devemos prestar nossa homenagem de modo mais explícito,falar de seu nome, divulgar seu trabalho, que continua na pesquisa dosmuitos orientandos que formou e em sua numerosa e consistente produçãoacadêmica. Que a chama de sua lembrança sempre nos ilumine!

Mariangela Rios de Oliveira

Que a chama de sua lembrança sempre nos ilumine!

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Bom dia.

Eu queria começar dizendo que eu me sinto aqui representandotodas as Martelettes, como nós já fomos chamadas, ou meninas doMário, e também aquele gato pingado de homens que já passaram peloprojeto Discurso & Gramática (o D&G). Acredito que o que eu falareiaqui poderia ter acontecido com a Priscilla, com a Deise, a Mariana, aJulia, a Rosa, a Simone, a Elaine, enfim, acho que elas (e eles) vão seidentificar com as histórias de alguma forma. Mas, como coube a mima honrada tarefa de dar esse depoimento sobre o Mário, então vou falarum pouco da minha relação com ele. Não é o meu intuito apenas dividiralguns momentos preciosos que tive com ele, mas, através dessesmomentos, mostrar o que ele representa para todos nós, que fomos seusorientados.

Bom, eu conheci o Mário e comecei a querer estudar Linguísticanuma situação completamente atípica para alguém, de fato, gostar deuma disciplina. Ocorre que, em 1999, quando entrei na Faculdade deLetras, a minha professora do primeiro período de Linguísticasimplesmente não ia dar aulas. Como típicos alunos do primeiro período,fizemos abaixo-assinado, fomos ao Departamento e, enfim, faltando ummês e meio mais ou menos para as aulas terminares, tivemos um novoprofessor de Linguística: o Mário. A gente achou aquilo, no mínimo,esquisito: um professor se dispor a acordar cedo toda terça e quinta,para, às 7h40 da manhã, dar aulas a uma turma de primeiro período quenunca tinha visto Linguística na vida era, pra gente, estranho.

A turma acreditava piamente que só havia um motivo sensato paraele ter aceito aquela árdua tarefa: ele ia ganhar muito mais, ia ficarmais rico do que o professor universitário já era, claro, como todos nósachávamos, no primeiro período. Depois de um tempo, eu entendi queele simplesmente amava o que fazia e que não tinha feito fortuna comaquelas aulas.

Karen Sampaio Braga Alonso

Só o Mario mesmo!

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Mesmo sem ganhar nenhum tostão a mais, o fato é que o Máriochegava animado nas aulas, falava de Saussure, do Curso de LinguísticaGeral, de Chomsky, enfim, falava de tudo um pouco. Nós passávamosos tempos vagos e uma das tardes da semana decifrando os livros queele indicava. O Mário, um tempo depois, me confidenciou que ele nãoestava indicando a leitura de todos aqueles livros, mas comentando aexistência de uns e sugerindo a leitura de outros. No primeiro período,a gente não fazia essa diferença e, assim, meio atropeladamente, meapaixonei pela matéria.

Naquele mesmo ano, ele propôs uma espécie de excursão à salado D&G da UFRJ. Eu, obviamente, fui à sala para conhecer o que erafazer pesquisa, onde se fazia pesquisa, enfim. Bom, por sorte minha epor uma dessas coincidências da vida, um ano depois, no início de 2000,tive uma primeira reunião com ele para entrar no Projeto Discurso &Gramática.

O cotidiano da iniciação científica era dos melhores. Ele sentavaao meu lado, no computador, e lia o texto que eu havia lhe enviado. Emcertos momentos, dizia: “isso não faz sentido”, quando algo estava forado lugar. E brincava me mandando ler Machado de Assis. Pois bem, eu liMachado de Assis e comecei a escrever como ele pedia: “sujeito, verbo ecomplementos, sempre que possível nessa ordem”. Mais uma vez, ele defato não me mandou ler o Machado de Assis, mas soava uma ordem pramim. Algumas vezes, ele lia uma parte de que não gostava e acabavareescrevendo uma frase e tal, para nos mostrar como devia ser. Passadoalgum tempo, ao reler o mesmo texto, parava precisamente naquela míserafrase que ele havia reescrito e dizia: “essa frase está ótima, muito boa.Agora você entendeu.”. Eu dizia para ele que aquilo tinha sido escritopor ele mesmo, mas ele me olhava com um sorriso maroto e falava “Ahé? Mas você melhorou muito”. Eu só achava graça; era sempre assim. OMário enxergando na gente uma competência, uma capacidade quejuramos, até hoje, não ter.

Mas a verdade é que ele nos ensinou muita coisa nessa época: melembro dele nos ensinando a fazer os hand-outs para as nossasapresentações e também de assistir ensaios obrigatórios e exaustivospré-JIC, enfim. Aliás, na JIC, todo mundo ficava muito nervoso. O

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Mário, certamente, o mais nervoso de todos, dizia que ficar um pouconervoso era sinal de que você levava o seu trabalho a sério. A conclusãoé que a gente devia levar aquilo mais a sério do que devia. Depois dasapresentações, ele se reunia com a gente na sala do D&G para nosmostrar o que foi bom e o que foi ruim. Um de cada vez.

Uma outra característica do Mário era a sua adoração pelasreuniões de terça à tarde. (Outro dia, eu estava até conversando sobreisso com a Mariana.) Ele não nos obrigava a ir à reunião, não davabroncas se não fôssemos, mas ele mostrava que queria a gente lá, eleachava importante a nossa presença e a nossa participação, e elerespeitava muito a opinião de todo mundo. Nós simplesmente íamos àreunião, toda terça-feira, sem falta.

Era engraçado essa coisa de ele não dar bronca na gente, sabe?Às vezes, a gente mesmo dizia pra ele: Mário, você precisa nos obrigara ir à reunião, você precisa dizer que não quer isso ou aquilo... Ele sória. A Mariana conta que ele uma vez a chamou pra conversar e disseque ia lhe dar uma bronca. Ele falou, falou e, ao final, a Marianaperguntou: Mário, mas e a bronca? Aí ele respondeu: então, é isso aíque eu acabei de falar; essa é a bronca. Enfim, ele era tão amável, tãodoce, que ela nem percebeu. Era muito engraçado também, porque elesempre dizia que não ia mais trabalhar às sextas feiras. Aí você chegavasexta na sala do projeto e ele estava lá. Alguém perguntava: Mas, Mário,o que você está fazendo aqui na sexta? Ele respondia: Ah, fulano de taldisse que só podia esse horário, aí eu vim. A gente ria e falava pra eleque era ele quem definia o horário, que ele tinha que exigir queestivéssemos lá no horário em que ele podia. Nem preciso dizer que,nas sextas seguintes, ele estava lá.

A memória do Mário era conhecida, mais pela falta do que porqualquer outra coisa. Daí, quando ele esquecia de uma reunião comalgum aluno ou esquecia dos nomes das pessoas, a gente começava a rire pensava: esse é o Mário. Ele ficava todo sem graça, pedia mil desculpase tal. Daí, começou a anotar tudo na agenda. Mas, no final, dizia,envergonhado, que tinha esquecido de ver a agenda. Todo mundo ria. Arelação com o Mário era assim. Ele, todo atrapalhado, ninguém sechateava, e a verdade é que todo mundo fazia o que queria. A gente sóqueria deixá-lo feliz, satisfeito, orgulhoso.

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Não preciso dizer mais nada. Na minha dissertação de mestrado,a ideia de prisma era dada simplesmente por uma foto da capa do álbumdo Pink Floyd.

Um outro exemplo é o da Nathalie. A Nathalie que, segundo o Mário,era uma das pessoas mais inteligentes que ele conhecia (e eu concordoplenamente com ele) resolveu, junto com o Mário, construir o site doD&G. Era de dar pena o quanto ela sofria para atender a todos os pedidosmirabolantes do Mário quanto à cara que a página teria. Ele a achavauma expert em praticamente tudo, inclusive em informática. A Nathalie,como decepcioná-lo nunca era uma opção, imagino que virava noitespensando em como resolver os desafios lançados.

A Priscilla conta que, quando ela voltou a participar do Projeto,como aluna de Mestrado – ela tinha feito parte do D&G na época dagraduação, mas ficou alguns anos longe da UFRJ – ela ligou pro Máriopara falar que queria voltar e tal, ainda meio sem graça aquela coisatoda. Daí ouviu a seguinte pérola do Mário: Você pode vir aqui, amanhã?O “aqui” era a sala do projeto, onde ela está até hoje. Esse era o Mário,todo enrolado, sem tempo pra nada, mas sempre disponível.

Bom, tinha uma época em que o pessoal do grupo fazia muitasfestinhas, e uma vez a Simone fez um bobó de camarão maravilhoso láno prédio em que eu morava. O Mário, que não comia nada que viviano mar ou na lama, ganhou uma lasanha enorme, especialmente e, diga-se de passagem, exclusivamente, para ele. Como a gente era “puxa-saco” do Mário. Eu fico impressionada.

A primeira situação de estresse total que eu passei com o Máriofoi quando eu e ele resolvemos apagar todas as versões da minhadissertação de Mestrado e manter uma só. Bom, encurtando a história,deu um vírus no computador e aquela única se tornou nenhuma. Issofaltavam dez dias pra eu entregar a cópia pra banca. Simplesmente, eue Mário passamos um final de semana, na casa dele, assim: euescrevendo, ele relendo, eu reescrevendo. Ele sabia que eu não tinhacondição física nem psicológica de fazer tudo sozinha. É por essas eoutras que a gente não ousava desagradá-lo.

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O pessoal do Projeto incentivou o Mário a convidar doisprofessores de fora do país, Os professores Heine e Traugott. A Traugottera, digamos assim, a ídola do Mário. Ele ficou tão feliz em trazê-laquanto, vocês podem imaginar, ansioso para que tudo desse certo. Foiuma loucura. O Mário passava o dia pensando em tudo o que serianecessário para a vinda dos dois. E se já não bastassem as passadas demão no cabelo e as mãos completamente descascadas, nós tivemos umabrilhante ideia, que, pensando melhor agora, era definitivamente prafazer o Mário desistir da gente de vez.

Qual foi a nossa ideia? Reformar a sala do DeG. A gente achava, eera verdade, que ela estava meio feia. O Mário quase caiu pra trás com apossibilidade de uma reforma. Também não era uma simples reforma,que fique bem claro, era uma reforma feita por nós. Nós pintaríamos asparedes, jogaríamos o que não servia mais fora, passaríamos verniz nasmesas. Mas, no final, como sempre, ele fazia que suas pupilas lhe pediame começamos o trabalho. Não preciso nem dizer que a cena era o caos: OMário em cima de uma escada, assim como outras pessoas, pintando asparedes da sala. Eu, pequena como sou, levando a bandeja com a tintapras pessoas passarem aquele rodo de pintar parede até o teto. Todo diaera dia de arrependimento, pelo menos por um momento, de a gente tertido aquela ideia maluca. Mas no final das contas, não é que a sala ficoulinda? Todo mundo cansado e orgulhoso.

Nesse período da reforma, me lembro que eu e Mariana queríamoscolocar uma cortina. Mário dizia que de jeito nenhum. Insistimos tantoque ele acabou cedendo e as cortinas foram colocadas, uma em cadajanela, mas ficavam encolhidas no canto, nunca eram fechadas, paranão aparecerem muito e a sala não ficar, segundo ele, com cara de casaem vez de escritório. Era a exigência dele. Desde aquela época atéhoje, as cortinas permanecem no mesmo lugar. Aliás, é engraçado comoa gente conserva algumas coisas: o Mário adorava a planta que tinha lána sala e a alimentava com borra de café, o que, aparentemente a plantaadorava, porque ficava realmente linda, muito viva depois do cafezinho.O fato é que hoje há uma parte do quadro negro da nossa sala do projetodestinada para que as pessoas do grupo coloquem seu nome e o dia emque regaram a planta.

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Ao final, a professora veio ao Brasil. E quando veio, ficouhospedada perto da minha casa, no Leme, e uma vez me ligou no celularpra irmos jantar juntas. Eu imediatamente liguei pro Mário para incluí-lo naquela ocasião. Ele veio na hora. Jantamos, tomamos um choppinho,migramos do restaurante para um café, ficamos até tarde de conversa.Eu via o quanto o Mário estava feliz, realizado, e fiquei contentetambém.

O Mário era sempre atencioso e amigo, mas, quando fazíamosconcurso para entrar para ser professor de uma universidade, ele viravaum super pai mesmo.

Uma vez, fiz um concurso para a UERJ. Liguei pra ele e disse:Mário, tirei dez na prova escrita e agora vou fazer a prova de aula. Aí,sorteei o tema da prova de aula e liguei pra ele. Passei a noite preparandoa aula, aquela coisa toda, ele me mandou vários materiais, exercícios,etc. No dia seguinte, eu faria a prova às 17h. O Mário dava aula demanhã na UFRJ. Ele estava super ansioso e queria ajudar de qualquermaneira. Resultado: Ele saiu da UFRJ, foi direto pra minha casa pra eutreinar a aula na frente dele e ele poder corrigir qualquer coisa. Eleassistiu a aula, coitado, umas três ou quatro vezes, no maior calor – oque ele detestava. Aliás. ele almoçou lá em casa. (A essa altura, eu já oconhecia. O prato foi: arroz, feijão, bife, batata-frita e salada, que elecomeu e amou. Depois, ficou falando só da comida).

Mas, voltando... Depois do almoço, ele me levou até a UERJ paraeu dar a aula – isso foi do Leme até o Maracanã. Eu me despedi dele edisse, Mário, agora vai pra casa descansar, depois eu ligo pra dizercomo foi. Dei a aula (50 minutos) e quando estava indo embora, quemeu encontro andando, de um lado pro outro, no corredor da UERJ?Claro, o Mário, que não se aguentou e ficou esperando minha aulaacabar para saber como tinha sido. Eu não acreditei que ele estava laesperando uma aula de quase uma hora de duração.

No meu primeiro concurso pra a UFRJ, ele queria porque queriair na minha casa me ajudar a preparar a aula. Eu dizia: Mário, nãoprecisa. Daí ele falou que estava indo pra casa da mãe dele,estrategicamente localizada em Copacabana, na pedra polida, comodizia ele (nessa época, eu já morava em Copacabana, a poucas quadras

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da casa dela) e que se eu precisasse era só ligar. Naquela tarde, até anoite, ele havia me ligado umas 15 vezes, no mínimo. Ele estava ansioso,nervoso, como se fosse ele a dar a aula. Até que, às dez horas da noite,ele me ligou e disse que podia ir até a minha casa. E ele foi. Saiu de lá,expulso na verdade, quase meia-noite, ainda me dando conselhos sobrea aula. Gente, só o Mario mesmo!

Uma vez a gente foi a um congresso em Maceió e ele pegou umquarto com um ar condicionado quebrado. Ele reclamou e colocaramele em uma suíte enorme, que mais parecia um apartamento, com doiscômodos, de frente pro mar. Ele ficou todo prosa da suíte dele epraticamente todos os amigos entraram na onda e foram lá visitar a talda suíte. Fiizemos a maior farra, tiramos fotos da vista, encarnamos noMário até não poder mais. Enfim, foi muito divertido.

Aliás. nesse evento, ele ia fazer uma palestra e como sempre estavanervoso. Daí ele brincou dizendo que queria que eu e Priscilla fôssemosàs 7h da manhã na suíte-apartamento ouvir a palestra dele antes daapresentação oficial. Bom, com a ajuda do despertador, às 7h eu ligueipra ele e disse: estamos subindo. Ele repassou duas vezes o treino dapalestra e ficou o resto do dia nos agradecendo. Ele agradecia, comaquele mesmo sorriso sem graça de sempre.

O evento mais marcante que fui com o Mário foi em Belo Horizonte,já perto de ele se descobrir doente. Eu passei o dia inteiro com ele treinandoa fala dele, porque ele ia fazer a conferência de encerramento, por contade ser uma das vozes mais expressivas na área da gramaticalização. Eleestava muito nervoso e fiquei o distraindo e falando besteira pra ele seacalmar. Depois da conferência, fomos jantar com um grupo de professorespara comemorar o fim do evento. Nesse dia, eu estava sentada longe delena mesa e quando me levantei pra ir ao banheiro, passei pela cadeiradele. Ele me puxou e me deu um abraço, muito forte, muito fraternal.Eu fiquei emocionada com aquilo. Parece tão simples, mas era o Mário,era como se fosse o meu pai.

Naquele dia, eu ia pegar um táxi pra rodoviária e voltar pro Riocom umas amigas. Ele ficou muito preocupado de eu pegar táxi à noitee ficava perguntando mil vezes se estava certo de encontrar as meninas,etc. Quando cheguei na rodoviária e encontrei minhas amigas, liguei

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

pra ele e ele falou: Ah, então tá tudo bem, né?. Eu disse tá e ri, pensando:é muito pai mesmo.

Eu fiz, sem interrupção, e meio sendo levada pelo Mário, todo ociclo que ele prevê para cada uma de nós: a iniciação cientifica, noperíodo da graduação, o mestrado e o doutorado sob orientação dele e,no fim, me tornei professora da UFRJ, como era o sonho dele. Ele ficouradiante. Eu fico feliz por ter conseguido fazer tudo isso com ele aomeu lado, em vida.

Há um tempo atrás, ele me convidou pra um aniversário que elecomemorou na casa da mãe dele. Eu não pude ir, mas passei lá paraentregar o presente. Um All Star branco. Ele adorou o tênis, sempreusava na faculdade. Aí falava: olha ai, lembra dele? Era sempre a mesmapergunta; eu respondia que lembrava, como se a estivesse ouvindo pelaprimeira vez. Por falar em aniversário, eu tive a grata surpresa de ter oMário em um aniversário meu. Nunca achei que fosse possível, mas elefoi em um. Me gabo disso até hoje.

O Mário era tao paizão que uma vez eu apresentei um namoradoa ele e ele me falou: olha, ele não serve pra você não, eu não gosteidele. Achei engraçado aquilo. Depois de um tempo, comecei a namoraro meu atual marido e o apresentei para um Mário num show que oMário fez no Espirito das Artes, na Cobal de Botafogo. Ele adorou oAlexandre, que ele chamava de Alexandre, o grande. Ele dizia: ah,agora sim, aquele outro não servia pra você. Vê se pode.

Quando ele já estava doente, eu e ele íamos publicar um artigo namesma revista. O artigo só podia ter, no máximo, umas 20 páginas. Nahora de formatar, o do Mário ficou com 30. Eu pensei: não vou falar proMário refazer o texto que deu tanto trabalho, que ele escreveu em inglês.Liguei pro editor e falei que transformaria o meu texto de 20 páginasnum texto de 10 páginas, se o do Mário pudesse ser publicado com 30.Ele aceitou e eu já contei pro Mário que o texto dele tinha ficado maior,mas que eu tinha combinado com o editor de reduzir o meu. Ele ficoutodo emocionando, me agradecendo. Eu feliz por ter podido tirar essepeso da cabeça dele. Depois, eu fiz as modificações que foram pedidasno texto dele e no meu, para que ele não precisasse se dar ao trabalho.Ele só agradecia. Eu ficava feliz de fazer algo por ele.

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Ele brincava, ao telefone, que eu iria substituí-lo na UFRJ; eudizia que íamos trabalhar juntos, que eu estava esperando por ele lá.

No texto final da minha tese de doutorado, defendida em janeirode 2010, eu fiz uma dedicatória ao Mário, por estar comigo em todosos momentos. Me sinto muito feliz de ter também podido dizer a ele,em muitas ocasiões, sobre como ele era importante para mim. Agora,compartilhando essas histórias com vocês, fico pensando em como eleera especial, em quantas coisas ele realizou e fico pensando o quanto agente, incluindo todos do nosso dia-a-dia, se divertiu. Muito.

Muito obrigada.

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

No convite para a sessão solene da congregação em homenagemao Mário Martelotta, vejo sua foto e é impossível não sentir saudades.Trata-se de uma bela foto: o meio sorriso, o olhar sereno. É quasepossível sentir sua presença entre nós, tal como ele era: sorridente,generoso, aberto ao diálogo, sempre uma presença amiga. Afável, comotão bem o caracterizou a Mariângela Rios, em um daqueles e-mailsatravés dos quais procurávamos nos confortar mutuamente, após suatão precoce partida.

Uma das últimas lembranças que tenho de Mário é de suaapresentação no encerramento do congresso sobre gramaticalizaçãoorganizado pelo Lorenzo Vitral e Sueli Coelho na UFMG. Ele estavafeliz, seu texto sobre as questões relacionadas à unidirecionalidade dosfenômenos e processos de gramaticalização foi brilhante, como o foramos outros trabalhos, a começar pela tese, um dos primeiros trabalhos,senão o primeiro, sobre gramaticalização no Brasil.

Ao longo dos anos, Mário produziu muito, orientou muito,compartilhou muito. Foi um colega presente, atuante no departamento,generoso, dedicado e gentil com todos. Sua dinamicidade e atuaçãonão poderiam sinalizar que ele nos deixaria tão cedo. Embora nãopossamos escamotear a tristeza que sua partida provocou, meu desejoé transformá-la em um forte estímulo à solidariedade, tal como ele apraticou na sua curta existência.

Maria Luiza Braga *

Mário, sempre presente

*Professora do Departamento de Linguística e Filologia – UFRJ.

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Maria Cecilia de Magalhães Mollica

Mário: eterno.com

[email protected]

cadê os disquetes?????????????

Oi, Mário,

Neste ano, Mário, o Dia do Professor caiu no sábado.

Hoje, estou por conta de organizar a homenagem pra você e nada de encontrar osarquivos.

Lembra do livro que montamos pra Alzira? Você e eu, aqui em casa, abrindo uns 200

disquetes? Queremos reunir teus inéditos! Já tá tudo em pendrive?

As mensagens estão voltando e o telefone só cai na secretária.

Amigo, a Ione está esperando e a editora já está em cima da gente....

Como sempre, é tudo com prazo. Me envie logo, ok?

Desculpe-me por interromper o descanso.

Aquele abraço,

Cecilia. 15/10/11

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Um sujeito simples. Simples no vestir, simples no lidar com aspessoas, estivesse ele na função de Chefe de Departamento ou deCoordenador do Programa de Pós-Graduação.

Um colega gentil. Atencioso, por mais apressado que estivesse,sempre tinha um tempinho para parar no corredor e ouvir nossasponderações (ou mesmo lamúrias), atento, buscando soluções conci-liadoras.

Um professor querido. Querido nas suas turmas de Graduação ePós-Graduação, querido por seus orientandos, pela sua disponibilidadee interesse em partilhar seu conhecimento.

Um pesquisador “antenado”. Atualizado com as últimas tendên-cias de sua área de atuação – a linguística funcional – produziu ecolaborou na produção de textos que contribuem para divulgar, no Brasil,essa linha de pesquisa.

Um doutor despretensioso, sem pose, sem ares de “dono daverdade” e, ao mesmo tempo, capaz de liderar um grupo de pesquisaque hoje nele se espelha.

Uma saudosa e boa lembrança para todos que com ele lidaram deperto.

Vera Paredes

Mário – uma saudosa e boa lembrança

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Lembro-me do Mário como alguém que trabalhava muito. Por issodisse a ele, num de nossos últimos encontros,  que  estava horrível e fossepara casa dormir, que trabalhar tanto fazia mal. Foi então que ele mefalou de sua preocupação com uma febre que não passava. Tentei animá-lo; podia ser muita coisa.  

Poucos dias depois seus temores se confirmavam na forma de umdiagnóstico. Mas nossa Presidente também recebera o mesmo diagnóstico, e o tratamento dera bom resultado... A Medicina evoluiu muito... Há muitasnovas drogas que não existiam há 20 ou 30 anos... Todos no  nossoDepartamento/Programa repetiam isso a cada conversa pelos corredores.

Durante algum tempo o Mário tentou continuar com o trabalho,mesmo que por correio eletrônico. Foi nessa época que lhe mandei oendereço da minha Rádio Carlota, uma playlist que fiz. Pedia  a ele queusasse o computador para algo que não fosse trabalho.

Alguns dias depois ele me pediu que adicionasse  à lista Lô Borges,Beto Guedes,  Fernando Brant ... enfim, os mineiros. Adicionei,  então,Paisagem  da Janela, O Trem Azul, Canção da América, Raça ...

No final de março liguei para ter notícias. Não havia ninguém emcasa e deixei um recado na secretária. Teria saído a passear? Ido ao cinema?Bom que estava melhorando. Eu não sabia, mas já estava internado. Em 25de março  recebi o retorno sob forma de uma mensagem no meu correioeletrônico:  

Maria Carlota Rosa

Trem Azul

Oi, Carlota,Minha mulher falou que você ligou para saber notícias. Agradeço muito a

preocupação.

Estou fazendo o tratamento longo e delicado da quimioterapia e não háprevisão do que ainda vou ter de fazer ou do tempo que vai levar. Mas está

tudo correndo bem e estou aqui cumprindo cada etapa com a luta necessária.

Um grande abraço a você e a todos os professores do programa,Mário

From: Mário Eduardo Martelotta

Sent: Friday, March 25, 2011 10:46 AM

To: Maria Carlota A. P. Rosa

Subject: Tratamento

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Cerca de duas semanas  depois Cristina Abreu e Maria LuizaBraga me informavam, no corredor da Faculdade, que ele estava emcoma. Era como se a vida nos traísse. Não estava tudo correndo bem?Cristina Abreu argumentava, com muita esperança, que era comainduzido, que ele sairia dessa. Na noite do dia seguinte, Maria MauraCezario me pedia para avisar os colegas do falecimento.

Não consegui mais ouvir aquelas músicas e as tirei todas daminha rádio.  

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Quando soube que o Mário estava adoentado, enviei para ele umvídeo com uma parte do show do Paul Mc Cartney no Brasil, em que ocantor  interpreta  o clássico “Hey, Jude!”.  Imaginei que o  propaladoefeito curativo da música poderia  contribuir para sua recuperação. Aindamais porque  além de professor dedicado e linguista respeitado por suatrajetória acadêmica, o Mário era músico e amante das belas melodias.

Infelizmente, o meu presente musical não teve o efeito “mágico” de trazê-lo de volta ao nosso convívio. Mas  uma  outra espécie demágica começou a ter lugar. É um fundo musical quase imperceptívelque, às vezes, consigo ouvir pelos corredores da faculdade e nas reuniõesdo nosso departamento. Nessas horas, eu me distraio do vazio doscorredores por onde não vejo mais o Mário caminhar e do burburinhodas reuniões nas quais  encontro agora o silêncio do nosso colega.

Nessas horas, há uma trilha sonora que acompanha a saudade: “Hey, Jude, don’t make it bad. Take a sad song and make it better...”.

Lilian Ferrari

Hey, Mário...

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Conheci o Mario em 1981, quando fomos colegas em cursos doMestrado em Linguística, na antiga Faculdade de Letras da UFRJ, naAv. Chile, no centro da cidade. Fomos colegas em cursos ministradospela Yonne Leite, Jurgen Heye, Anthony Naro e Sebastião Votre. Alémdas aulas, não era raro nos encontrarmos para discutir textos e fazertrabalhos juntos. Guardo, desde então, as melhores impressões doMario: estudioso, sempre tranquilo, generoso, avesso a intrigas. Depois, seguimos caminhos diferentes, como é comum na vida,havendo nos reeencontrado já professores da UFRJ, em meados dosanos noventa.

A última lembrança que tenho dele é caminhando na Praia doCalhau, em São Luís, em um fim de tarde, após aplicarmos as provasde seleção para o DINTER UFRJ/UEMA, em julho de 2010, quase 30 anosdepois de nos conhecermos. Para variar, conversávamos sobre Lin-guística, ele entusiasmado com um artigo sobre gramaticalização quehavia acabado de ser aceito para um livro a sair fora do Brasil. Lembroque,  em um dado momento, estávamos discordando com certa tei-mosia, de ambas as partes, sobre alguma questão envolvendo a noçãode gramaticalização. Foi aí que, numa curva da praia, de repente,demos de cara com aquele solzão imenso se pondo no horizonte.Ficamos ali, imóveis, contemplando o pôr do sol.

Quando o espetáculo terminou, quis retomar nossa querela, maso Mário não deixou, com uma daquelas tiradas suas: “Marcus, o solfritou a nossa briga, quem sabe não há outro jeito de ver a coisa?”

Graças a esse espírito conciliador do Mário, lembro que supe-ramos o confronto e acabamos conseguindo encontrar algumaconvergência naquela divergência...

Marcus Maia

Acaso do ocaso

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Mário,

Você enriqueceu a convivência de todos que terodearam. Temos conosco a aura da sua presençainspiradora.

Agora e sempre.

Helena Gryner*

Rica convivência

Quando cai o panoSaímos de cenaBrilhamos juntosIsso vale a pena

Muito obrigado, Mário Martellota!

* Professora do Departamento de Linguística e Filologia/FL.

Auto Lyra Teixeira*

Luz da noite

Para o Mário

* Professor do Departamento de Letras Clássicas/FL.

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Não é porque ele nos deixou que vou contemporizar, fazer elogiosfáceis, dizer frases retóricas para encher um fragmento de discurso.

Vou apenas deixar falar o Coração e a Razão: Mário sempre foium colega atencioso e amável, um amigo dedicado, um vizinho de salaconfidente, gentil e parceiro, um professor excelente e com brilhopróprio, um homem cordial, um Coordenador de Pós de boa vontade ereciprocidade, uma pessoa do bem que inspirava simpatia e confiança.

Deixou muitas saudades!

De Mário Martelotta guardo as melhores recordações, apesar dopouco convívio, circunscrito a atos acadêmicos, como participaçõesem bancas de natureza diversa, uma das quais de uma de minhasorientandas, e em eventos científicos.

Nessas ocasiões, a meu lado estava não só o pesquisador sério,produtivo, inovador, um dos maiores nomes do funcionalismo entre nós,mas também o ser humano exemplar, tranquilo, bem humorado,generoso, admirável.

Esse, um leve desenho de sua grandeza.

Aparecida Lino

O que vou dizer sobre o Mário?

Silvia Figueiredo Brandão

Leve desenho do Mário

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Mário Martelota é, pra mim, um exemplo: conciliação extremade simplicidade e grandeza, tão necessária nos meios acadêmicos...

Figura silenciosa e muito, muito expressiva, que ensina pelo queé, me faz querer ser melhor, amar mais. Seu exemplo me convence deque o caminho diário que percorremos pode ser a felicidade que tantobuscamos.

Essa é a melhor homenagem que quero prestar a você, Mário:doses diárias de seriedade profissional, solidariedade, simplicidade,alegria de viver.

Estamos juntos, Mário, e o tempo é só uma necessária limitaçãohumana... estamos juntos!

Silvia Rodrigues Vieira

Mário: um exemplo

Algumas pessoas fazem falta simplesmente pelo sorriso. MárioMartelotta é uma dessas pessoas. Além de colega respeitado pelascontribuições teóricas e pelas aulas que dava, ele marcou os corredoresda Faculdade de Letras com seu sorriso, seu olá camarada.

Dá um vazio danado passar pelo 2º andar do bloco D e nãoesbarrar com ele! Guardo boas lembranças do Mário, e uma delas éque era muito legal encontrar com ele no corredor, chamar pra tomarum cafezinho, ou simplesmente dividir o “Bom dia”.

Era, enfim, uma pessoa do bem, com quem era agradável dividiralgo tão simples quanto o desejo de dias felizes.

Leonor Werneck dos Santos

Bom dia, Mário...

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

É muito difícil falar do Mário sem ser clichê e não vou me esforçarpara não repetir o que todos já disseram (simplicidade, gentileza,integridade, generosidade, simpatia, humildade, educação, respeito,solicitude, paciência...), porque:

1o) faço coro ao time dos fãs desse ser humano admirável. Depois de19 anos de convívio, impossível não conhecê-lo, admirá-lo e atéincorporar certas “manias”.

2o) a repetição, num certo sentido, traduz a própria alma do Mário. Elesempre dizia: “eu sou o cara mais previsível do mundo: gosto de rotina,como sempre nos mesmos lugares, detesto experimentar pratos novos, sógosto de viajar para o mesmo lugar...”. Mário tinha seu traje favorito,suas frases e metáforas preferidas, seus exemplos prototípicos: tudo típico,do Mário. Típicos e contraditórios também eram seu perfeccionismoincorrigível e sua distração. E como era distraído! Não reparava em nada!Não dava valor às aparências, ao que não fosse essencial. Estava atentoapenas ao que realmente tinha valor e merecia atenção.

3o) para falar do Mário não posso dizer coisas diferentes das que foramditas, caso contrário não estaria falando dele. Além disso, o Mário éunanimidade. E mesmo em sua ausência, ele, mais de uma vez, apro-ximou, reuniu, aconchegou, harmonizou, conciliou e trouxe pessoas devolta, como hoje aqui.

Mário, sua saída foi tão imprevisível, nada típico de você, sempretão previsível...

Obrigada pelo prazer do convívio, pela generosidade de com-partilhar, pelo incentivo, pela amizade, pelas orientações... Por tudo.Mesmo. Obrigada!

Deise Cristina de Moraes Pinto*

Fugindo ao previsível

* Ex-orientanda de Mestrado e Doutorado/ Pesquisadora Associada ao Grupode Estudos Discurso & Gramática)

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Mário é uma pessoa muito especial por inúmeros motivos. Ele meensinou com paciência como fazer pesquisa, o que era linguística, suasprincipais correntes, teorias, me incentivou a tal ponto que eu acrediteiem mim. É, o Mário tinha dessas coisas, apostava muito em cada um denós, investia de fato suas energias na gente, um professor de verdade.

Tornou-se meu orientador não só por tudo que me ensinou, maspor ser um modelo, uma referência para mim. Mesmo sem estar buscandoum orientando, me recebeu de bom grado no D&G; mesmo atarefado,sempre teve tempo para tirar uma dúvida, e duas, e três...

Um homem íntegro, apaixonado pelo que fazia, sempre gentil emuito humano. Não era perfeito, mas quem disse que precisava ser?Quem disse que teria graça se o Mário se lembrasse de tudo sem olharna agenda? E o que seria dos nossos textos sem o perfeccionismo dele?Com quem eu tomaria baldes de café bem forte? E o que seria da plantasem cafeína? Quem, morando no Rio, reclamaria do calor e do carnaval?Só o Mário. Quer saber, até os defeitos contribuíam para ele ser a pessoaespecial que era. O conjunto fazia aquele cara gente boa, extremamentededicado, competente.

O Mário tinha, realmente, inúmeras facetas, sobre as que euconheci – professor, orientador, ser humano – posso dizer que gostei detodas elas. Ele me faz muita falta, mas sei que, de uma forma ou deoutra, continuará me orientando.

Mariana Barbosa

Um cara gente boa

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Com esta epígrafe, iniciei minha dissertação. O tema, nada lite-rário, era ordenação do sujeito. O trecho, retirado do livro Um riochamado tempo, uma casa chamada terra, do moçambicano MiaCouto, não fazia referência ao assunto a ser tratado em meu trabalho.Eu estava usando as palavras de outrem como recado ao meu orientador.Um sincero agradecimento na verdade. Agradecimento por ter meacolhido de volta após 5 anos longe, período em que resolvi, segundoas minhas próprias palavras na época, ‘ganhar dinheiro’. Já dava aulasem colégios antes mesmo de terminar a graduação e era isso que euqueria naquele momento. Mesmo contrariado, Mário, que fora meuorientador de Iniciação Científica durante três anos, acatou minhadecisão, não sem antes afirmar que eu não tardaria em voltar à vidaacadêmica. E ele estava certo. Bastou uma ligação minha, falando, cheiade meandros, que estava pensando em fazer Mestrado, tentando abordá-lo sobre tal possibilidade, para ele em resposta me dizer: “É claro!Você pode ir à faculdade amanhã?”.

No dia seguinte, lá estava eu. Lá estávamos nós, conversandosobre Linguística, sobre os estudos funcionalistas mais recentes,pensando na estrutura do meu pré-projeto. Simples assim. Retornei efui recebida de forma tão agradável, tão calorosa, tão afetiva que seinstaurou em mim a sensação de que eu nunca saíra, de que eu sempreestivera ali. O tempo me mostrou que não se tratava apenas de umasensação, mas sim de uma realidade: quando construímos uma relaçãocom bases sólidas, que têm como principais pilares o respeito e aconfiança, o tempo é um mero detalhe.

Priscila Mouta Marques

Até breve!

“O bom do caminho é haver volta.Para ida sem vinda basta o tempo”.

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Despida de pieguice, afirmo que Mário foi mais do que umorientador. Foi um exemplo. Exemplo de dedicação ao trabalho, dedevoção à pesquisa, de coleguismo, de postura, de simplicidade, degenerosidade. E como era generoso! Acreditava muito no potencial decada uma de nós, suas ‘meninas’. Acreditava tanto, que muitas vezessentíamos o peso dessa expectativa em relação aos nossos resultadoscomo um ônus. Não queríamos decepcioná-lo em hipótese alguma.Sabíamos o quão exigente e criterioso era. Se ele nos achava geniais,tínhamos de ser geniais. Escrevíamos e reescrevíamos exaustivamentecada parágrafo de nossos trabalhos antes de lhe mostrar – sempre a versãosemifinal, pois não gostava de ler partes; queria ter ideia do todo. E líamos,líamos, líamos muito, buscando essa genialidade que, para nós, só elevia. E com ele discutíamos textos, conceitos, teorias, fosse nas reuniõesde terça à tarde, fosse nos almoços de quase todos os dias no Dejectus. Ecom ele compartilhávamos momentos ímpares, futilidades e pensamentos,sabores e dissabores da vida.

Mário foi mais que um exemplo. Foi um amigo. A palavra deincentivo em momentos de insegurança, a bengala em ocasiões dedesespero, o ouvido e a voz de nossas histórias cotidianas – a faculdade,a música, o futebol, sua esposa, meu marido, nossa família, nossosamigos. Mário era um grande entusiasta, sobretudo da vida. Da vidaque ele escolheu levar e que nos deixou embarcar. Cheia deprevisibilidade, repleta de manias, mas, sobretudo, simples, bela, jovial,‘mariana’. Ensinou a cada um de nós que pôde desfrutar de suas váriasfacetas o valor daquilo que realmente importa. E isso não se vai, não seesvai. Nem no tempo, nem no espaço.

“O bom do caminho é haver volta.Para ida sem vinda basta o tempo”.

Sabemos todos que o tempo é implacável, simplesmente passa,não espera, não para. Resta-me, orientador, a finalização de um trabalhoà altura do seu padrão de qualidade, do seu nível de exigência. Resta-me, Mário, a certeza de que falamos um para o outro tudo aquilo quegostaríamos, de que demonstramos sempre o quanto nos queríamos bem.Resta-me, amigo, a ausência, o vazio, a saudade.

Dada a efemeridade da vida, resta-me, por fim, um ‘até breve’.

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Escrever sobre o Mário é uma atividade que ninguém deveria seprestar a fazer. Por muitos motivos, um mais pessoal, e um mais ideológico.O ideológico é que não haveria palavras ou versos que contemplassemnosso amigo, professor, colega e orientador na sutileza, gentileza, graça ecompetência que ele tinha. O pessoal é que ele era tão exigente, tão fofo,tão inteligente, que escrever “para” ele já me dava um frio na barriga,imagina então escrever “sobre” ele?! Mas ele para nós era tanto, e agoraestá tão pertinho e tão distante, que o esforço deve ser feito. Como todotexto sobre o Mário, este segue cheio de pessoalidades nas quais, acreditoeu, metade da UFRJ possa se ver ilustrado.

Eu conheci o Mário como professor. Ele matava marimbondoscom um livro bem grande e tinha uma voz tão doce e tão calma que asvezes dava sono... Mas era impossível não se entreter nas maravilhasda linguística apresentadas por alguém que fazia tanta coisa complexaparecer praticamente intuitiva. E ainda dava recomendações de leituraque animavam os fins de semana e as tardes chuvosas. Ele entravasempre em sala de aula sabendo que cada aluno estava ali para dar se sio que queria e poderia dar, e nunca cobrou de ninguém mais do que apresença, pois bastava a presença para aprender por osmose com omelhor exemplo de didática que eu já tive na minha vida. Às vezes, elecomeçava num ponto e terminava no mesmo, as vezes caminhava porteorias e exemplos tão multicoloridos que era difícil relembrar atrajetória. Mas tudo com simplicidade, clareza e muito estilo. Um dia oMário me deu dez em uma prova (ele gostava de escrever o número porextenso, achava que o dez merecia isso), e perguntou se eu gostava delinguística e não pareceu interessado na resposta.

No outro dia, o Mário me deu um 9,5 (se não fosse dez, era odígito mesmo) e escreveu embaixo um pedido de desculpas. Ele nãopodia não me tirar o ponto depois daquilo que eu escrevi, mas ele queriamuito trabalhar comigo. Será que eu estaria interessada?

Nathalie Vlcek

“Agora é só colocar as bolinhas”

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E então eu fui apresentada ao Mário orientador. O cara do “agoraé só colocar as bolinhas”. Um orientador confiante que quando eu piseina sala do projeto Discurso & Gramática me disse que eu ia fazer omestrado com ele, e depois o doutorado. E eu fiquei boba com aconfiança. O orientador capaz de rever sua própria certeza do passadoque uma vez no meio do meu transformar do mestrado me disse que eunão faria o doutorado com ele, afinal, nós dois sabíamos que eu fariaalgo diferente. Um orientador que quando eu entrei na pós me mandoucomprar um All Star, como se fosse uma piada, mas que, no dia seguinte,repetiu a piada, e no outro, até que satisfeito sorriu com a minha novaaquisição e disse um largo e orgulhoso “não precisava”. Um orientadorcapaz de dizer, ainda no terceiro período da IC, que não entendia nadada minha visão filosófica do funcionalismo, mas se era eu que diziaaquilo, ele não só concordaria como me defenderia para qualquer um.Um orientador que me ligou para me obrigar a fazer o concurso desubstituto, que o tempo inteiro tinha certeza que a vaga seria minha,mas que ao mesmo tempo fingia estar tranquilo caso não fosse. Umorientador que quando eu ia dizer que tirei “A” me dizia, “ué?! E quenota você achou que fosse?”, um orientador que ria de mim e me faziamais confiante só porque eu abri mão do uso do microfone na jornada,um orientador que me dizia para sair escrevendo o que vinha na minhacabeça só no fim do mestrado, porque eu já sabia aquilo tudo, só faltava,como para algum compositor genial a quem ele associava seusorientandos, “colocar as bolinhas” da partitura. O Mário era assim.Confiança linda e brusca, somada a cobrança, é claro. Muita. Mas umacobrança tão linda e tão engajada que ele chegou de fato a me pedirdesculpas várias vezes quando eu falava alguma besteira, como se aquilofosse culpa dele. E um orientador que não cansava nunca de exigirmuito numa delicadeza tal que você achava que aquela voz vinha dedentro. E vinha mesmo. Porque ele era tanto, e tão presente, que ele eraum pedaço da gente.

E com o tempo, eu conheci o Mário amigo. Meu melhor amigo. Eutive outros professores excelentes e excêntricos, eu tive outrosorientadores, antes e depois, não menos confiantes nem menos inteligentesou intrigantes. Mas ninguém um dia vai chegar perto de ser meu amigocomo meu Mário querido. Esse é um buraco que os seus amigos vãolevar para a vida. Um buraco sem sentido, porque nenhum buraco pode

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

ser pressentido. O Mário foi e é o meu melhor amigo. Coisa de criança?Pode ser, talvez seja, a gente de fato falava muito nas nossas infâncias. OMário brincava com o meu passado, me dava conselho de pai, implicavacomo irmão, se metia como amiguinho de escola, confessava e se abriacomo amigo da vida, fazia piada como vizinho, e ouvia e conduzia comocolegas de faculdade. O Mário dava palpite no meu casamento, nas minhaspublicações, nas minhas viagens, a gente se auto analisava sobre comere não comer peixe ou sobre querer ou não querer telefonar para alguém,a gente brincava, ralava muito, a gente se amava. Quando eu viajava eme afastava, eu chorava de saudade do meu amigo de trabalho, do estadode espírito companheiro e calmo em que ele me deixava situada. O Márioensinou a mim, e acredito que a muitos outros, a ser uma pessoa honesta,brincalhona e corajosa. Como na metáfora que ele tanto amava, ensinoua cada amigo a subir os degraus de espinho de uma rosa no alto da suaescada.

Às vezes, eu me sinto tão bem, mesmo com o Mário tendo, emparte, partido, que fico me indagando como eu posso estar tão bem comtudo isso? Acho que é porque ele é o meu melhor amigo. Ele me ensinoua achar graça de tudo isso. Ele me ajudou a não levar meus sentimentosmuito a sério. Ele me ensinou a ter coragem e dedicação na linguística,e comprometimento com o grupo Discurso & Gramática e, mais do queisso, ter identificação e talento com o meu trabalho. E me ensinou quedisso tudo, o que fica na vida é a graça de como ela é vivida. E daspessoas – não as que você conquista – mas as que conquistam você. Euvivo feliz dia após dia porque a planta está lá, regada com café, porqueo antivírus está no computador, porque ele sorri em todas as nossasfotos, porque cada passo meu distante do que fizemos juntos é um passomeu dentro do que ele me ensinou como professor, orientador e amigo:tire vantagem da sua coragem de ousar, nunca tenha medo da suaconquista, e estude mais do que você gostaria. Afinal, “você quer sermilionária ou linguista?”

É, Mário, hoje eu “acredito na vida microscópica” e na “durezado aço”, como você me instruiu. Mas hoje eu também não acredito emalgumas coisas que um dia você me ensinou. Mas acho que é porquevocê me ensinou basicamente isso: não é sobre acreditar ou não. Ésobre viver. Com toda a saudade, é difícil chorar; é mais fácil rir, afinal,estamos falando de você.

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Sua presença será sempre indispensável entre nós, seja nas nossasreuniões de grupo ou quando nos pegamos repetindo alguns dos exemplosque ele adorava como: “vou em boa hora”, “ele vai com sem sapatos” etantos outros que nós, alunos dele, adoramos repeti-los!

Será lembrado nas nossas pesquisas, pois seus ensinamentos sobreo olhar científico agora já fazem parte da nossa maneira de raciocinarsobre os dados; em relação ao compromisso e ao amor dedicado ao seutrabalho, que serve de exemplo para todos nós. (Como ele era feliznaquilo que fazia!).

Enfim, o Mário me ajudou a crescer, a amadurecer meu pensa-mento, a ter responsabilidade, a aprender a amar o que faço, a acreditarem mim mesma (pois ele fazia isso melhor do que eu) e principalmente,por ter ajudado a construir um ambiente de trabalho que se confundecom uma verdadeira família, que é o D&G.

Ele fez e continuará fazendo toda a diferença nas nossas vidas!

Júlia Langer

A família D&G

“Recordar é fácil para quem tem coração e esquecer édifícil para quem tem memória”

(Autor desconhecido).

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

No primeiro semestre de aula na faculdade de Letras da UFRJ, tivea oportunidade de ser aluna do professor Mário Martelotta, em LinguísticaI. Logo me encantei pela disciplina e pelas aulas maravilhosas e didáticas(sempre com muitos exemplos) do professor Mário.

Alguns semestres depois, estive com ele no corredor da Faculdadee disse a ele que gostaria de fazer Iniciação Científica em Linguística,com o intuito de ser sua orientanda. Fiquei triste quando Mário medisse que já tinha muitos orientandos e que não poderia, com isso, aceitarmais um. Ainda assim, ele não desistiu de mim! Insistiu que euprocurasse a Professora Maria Maura Cezario (minha atual orientadorade Mestrado). Todas as vezes em que eu passava pelos corredores daLetras e via o Mário, ele sempre me perguntava: “Já procurou aMaura?”; “Mandou e-mail para ela?”.

Enfim, após dois anos Iniciação Científica, me inscrevi para aseleção do Mestrado e passei! Hoje, estou no último ano de Mestradoe muito feliz por participar do Grupo de Estudos Discurso & Gramática(D&G) com a minha orientadora e colegas do grupo.

Agradeço imensamente ao Professor Mário por acreditar em mime por me incentivar a participar do D&G.

Bruna Soares*

“Mandou e-mail?”

*Aluna de Mestrado e faz parte do projeto Discurso & Gramática.

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Era assim que, invariavelmente, nos cumprimentávamos. Assistiao seu concurso para professor da UFRJ, ainda estava na iniciaçãocientífica com a orientação do professor Sebastião Votre, quando vocêchegou e eu passei a ser seu orientando, passei a ter o privilégio deconviver academicamente e pessoalmente com você. E aí começa meuaprendizado, com certeza em grande medida o que sou de bomacademicamente devo a você, aprendi a ser professor com você, vocêfoi a primeira pessoa a me dizer que eu tinha jeito pra coisa mesmodiante de minha insegurança.

Mário, você me ensinou como deve ser o comportamento de umpesquisador, sem dogmatismos e sem passar por cima de ninguém,me ensinou a ética na pesquisa, me ensinou a caminhar na academia.Me orientou na iniciação científica, me orientou no mestrado, sempretive orgulho de ter sido seu primeiro orientando de mestrado, por issoquando você elogiava meu trabalho já como professor e pesquisadoreu ficava super honrado e feliz.

Mesmo não me orientando no doutorado, estava sempre comigo,sempre dando força seja em relação a faculdade, mas também emrelação a vida pessoal, por isso acima de tudo sempre te senti comoum grande amigo e sei que era recíproco. Essa saudade talvez seja aque mais fique marcada em mim, a do amigo Mário. Por isso, guardocom carinho sua última vinda a João Pessoa em que você visitou minhacasa, conheceu minha esposa e minha filhinha, ficou contente de euestar bem e sempre me dizia, “como está aí vivendo nesse paraísoque é João Pessoa”. Vou guardar sempre seu sorriso e nosso papodaquele dia! Além disso tudo ainda éramos parceiros de música, eumandava meus poemas e você musicava sempre acertando a mão.

Márcio Leitão

Fala Mario, fala meu camarada!

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Lembro quando assisti pela primeira vez que assisti ao seu showcom o corda vocal e ouvi você tocando a música que tinha minha letra,lembro que fiquei emocionado. É por essas e por outras que tinha defalar com você aqui em seu canto, pois só falando direto com vocêpoderia expressar essa saudade que tá aqui dentro guardada.

Agradeço demais a quem criou esse cantinho, pois me fez muitobem poder dizer essas palavras para meu amigo Mário!

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Era um dia chuvoso de junho quando conheci o Mário. Lembro-me bem de como estava o tempo naquele dia porque me espantei aoouvir seu comentário sobre o dia lindo que fazia. Ele adorava diaschuvosos e frios, e dizia sempre que tinha nascido no lugar errado.Não. Decididamente, ele não poderia ter nascido em outro lugar.

Conversamos, por algum tempo, naquela manhã, tempo suficientepara perceber que havia uma grande empatia entre nós, capaz de noslevar longe naquela relação que começava. Procurava um orientadorpara meu projeto de mestrado e ele me aceitou. Fomos além da relaçãoorientador – orientanda; tornamo-nos bons amigos.

Duas palavras definem bem o Mário: lealdade e altruísmo. O quechegava até ele era distribuído entre os que tiveram o privilégio deconhecê-lo. Com humildade. Com paciência. Com amor. O professorMário, o amigo Mário, colocava a lealdade acima de tudo e, por isso,não se aliou ao que era moralmente inferior. Quando errava – e paramim, sempre foi perfeito – não tinha receio de corrigir seus erros com ahumildade de quem sabia ser falível.

Mário era um homem de atitudes retas e inclinações benévolas.Agia, sempre, de modo a conciliar sua satisfação pessoal com o bem-estar e a satisfação de seus semelhantes, de sua família e de seus alunos,orientandos e colegas.

Detalhista e organizado, como todo bom virginiano, estava sempremunido de uma lente de aumento para detectar os pormenores. Sem ele, omundo acadêmico perde muito das nuances invisíveis a olho nu. Achandoque me incomodava com sua mania de corrigir os espaços excessivos nostextos que escrevia, coisa que fazia naturalmente, olhava-me com aqueleolhar cuidadoso que só o Mário tinha, tentando perceber, pela expressão demeu rosto, se suas atitudes me ofendiam, de alguma forma.

Roza Palomanes

Até qualquer dia... e muito obrigada

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Devo ao Mário Martelotta a profissional que sou. Como orientador,soube ser humano e exigente, metódico e maleável, crítico e aberto anovas ideias. Esse cientista, mas, acima de tudo professor, me ensinoua cultivar a devoção serena à pesquisa, a flexibilidade para dar apoioàs opiniões dos outros e, sobretudo, a sabedoria que pode ser colhidano campo do conhecimento. Eficiente, inteligente e viciado em trabalho,realizou suas tarefas brilhantemente. É nele que me espelho.

Confiou em mim, convidando-me a escrever com ele um capítulosobre Linguística Cognitiva, no livro Manual de Linguística. Foi umdos melhores presentes que recebi. Como amigo, foi solidário nosmomentos difíceis de minha vida, acompanhou-me em cada processoseletivo enfrentado, torceu pelo meu sucesso, foi companheiro nasmadrugadas em que preparei as provas de aula e não sossegou enquantonão me viu conquistando um espaço em uma universidade pública.

Sinto muito a sua falta. Ainda me pego pensando em pedir-lhe umconselho ou ajuda. Há, hoje, uma enorme lacuna em minha vida quenão poderá, jamais, ser preenchida. Algo morre em nossa alma quandoum amigo se vai. No entanto, até o último momento, ele me ensinouque devemos adicionar mais vida aos nossos anos, tal como ele fez,com a pressa que tinha de realizar coisas. E em meio ao paradoxo davida e da morte, deixo meu depoimento sobre alguém que nunca morrerá.

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Mário não era dado a exageros. Nem um pouco. Por isso, escreversobre ele, se é fácil, em razão de tantas qualidades, é difícil, dada a suadiscrição de comportamento. É preciso resguardá-lo ainda quequeiramos dividir com amigos e familiares nossas impressões esentimentos sobre ele.

Apesar disso, não posso e nem poderia deixar de citar, e vou fazê-lo, o rol de suas qualidades. Apesar da distância, o convívio com Máriofoi marcado por afeto e serenidade. Amigo atento e solidário, assimcomo profissional sério e dedicado; homem inteligente e hábil, mashumilde e sutil em sua sabedoria e talento. A simplicidade era seu traçomais marcante e por baixo daquela aparência serena expandiam-se umentusiasmo intelectual e artístico e, certamente, sentimentos epreocupações de natureza variada.

Mas a vida me ensinou. O tempo é um grande amigo, em muitoscasos, pois aplaca grandes dores, suavizando-as em intensidade. E é aliadomelhor ainda quando nos deixa saudades minimamente tranquilas parapodermos lidar com perdas que nos são tão caras.

Mário, assim como outras pessoas muito queridas, foi-se emboraantes da hora. Mas essa é a nossa pequena visão – terrena, egoísta ematerialista. Não há antes ou depois. Não há linearidade. E, nesse campo,só a vida e a morte são nossas certezas absolutas.

O que nos resta como ainda viventes? A alegria, a emoção e oorgulho de ter podido conhecer o Mário.

Victoria Wilson da Costa Coelho

“O tempo é uma passarela”

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Acho que seria bem mais fácil para mim falar sobre Mário EduardoMartelotta, o linguista, a quem tantas vezes fiz referência nos textosque escrevo. Contudo, opto pelo caminho mais difícil. Quero falar doMario que conheci, quando eu estava começando a cursar o Doutoradoem Linguística na UFRJ. Na ocasião, ele estava empenhado em dar osúltimos retoques em sua Tese, que seria defendida alguns meses depois.E, justamente em função do estágio avançado em que seu trabalho seencontrava, ele foi convidado a apresentá-lo para os alunos de umadisciplina ministrada por seu orientador, professor Sebastião Votre. Euestava entre esses alunos e esse foi o primeiro contato que tive comMário.

O segundo se deu na Lanchonete localizada no andar térreo daFaculdade de Letras da UFRJ, horas depois de sua apresentação. Eleestava tomando café e eu me aproximei. Queria conversar sobre oencaixamento do fenômeno que eu pretendia pesquisar (ordem depalavras) no modelo teórico funcionalista que eu estava começando aestudar e a conhecer.

Enquanto conversávamos, me dei conta de que parecia que eu oconhecia há anos. Era como se eu estivesse diante de um amigo muitoquerido, muito antigo e em quem eu muito confiava. Assim começou eassim foi minha relação com Mário. Uma relação de carinho e deconfiança, que teve como suporte uma amizade que nasceu espontâneae instantaneamente. Não nos víamos com muita frequência, mas erasempre muito bom quando nos encontrávamos.

Considerando sua grandeza como linguista e como pessoa, queroterminar este meu depoimento, saudando-o muito apropriadamente:

VIVA MÁRIO!

Jussara Abraçado

Sobre o Mário que eu conheci

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Como justa homenagem, começo citando palavras do prof. MárioMartelotta: “O tempo é uma passarela”.

E eu diria que esta passarela, suspensa no vão da existência, orabalança ao sabor das aragens das manhãs, ora enfrenta as torrentescaudalosas das noites. Nesta passarela, a marcha das horas é incessantee implacável. Nada escapa à forte correnteza dos minutos e dos segundos.Somos todos levados, alegres ou tristes.

E o tempo da vida não recua, não para, não espera, não se atrasa. Ediante do tempo somos todos iguais, pois o tempo não discrimina nemprivilegia. Somente Deus está acima do tempo, porque Deus é quem teceo próprio tempo.

O ontem já foi tecido e vivido. O hoje é o amanhã vivido e tecidoagora. E a morte não é o fim da linha no tecido do tempo. Pois, durantetodo o tempo estamos morrendo, e somente deixamos de morrer quando,na verdade, morremos.

Quando vivos, temos pressa de acompanhar o tempo, de não perdertempo. Quando mortos, saímos da linha do tempo e já não somos maisatingidos por ele. É doloroso aceitar... que urgentemente já se vive, queurgentemente já se morre. Todavia, o tempo não se esgota com um adeus...

É que o prof. Mário continua atravessando sua passarela. E suahistória continuará visitando nossa memória. Mas, quem era realmente oprof. Mário Eduardo Martelotta?

No cenário das pesquisas linguísticas, ele era biograficamenteMartelotta. O pesquisador incansável e criterioso. Lido e reconhecido.No palco das salas de aula, na interação mansa e sorridente com os alunos,eis o professor Mário, competente e solícito. Amado e respeitado.

Porém, para os amigos e colegas, ele era simplesmente Mário.Gentil e sincero. Atencioso e entusiasta. Nos ambientes de encontroscoloquiais, ele era informalmente Mário: calça jeans, camiseta brancae tênis All Star.

José da Luz1

Um homem e dois rios...

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Aqui cito palavras de sua grande amiga e colega de estudos epesquisas, a profª Maura: “E ele fazia tudo com tanta simplicidade, comtanto carinho, com tanta alegria que contagiava todo mundo. Gostava detodo mundo, respeitava todo mundo e cuidava de todo mundo. O mesmorespeito que ele tinha pelo trabalho, pela Ciência, ele tinha para com oscolegas, alunos e funcionários. Não sabia dizer não e tinha sempre pressapara fazer seu trabalho e ao mesmo tempo tudo tinha que ser perfeito. Porisso, sempre tínhamos a impressão de que ele estava correndo. Pareciaque tinha pressa, pois o tempo dele seria curto. E fez tanta coisa!”

Prof. Mário, ou saudosamente Mário. Ele amava a vida. Vivia comoum jovem. Morreu como um jovem. Há Deus, descanse por méritos e porjustiça. Há Deus, tenha o sono dos justos.

Hoje, quando a saudade não é mais a lágrima, porque pouco diz,mas sim a vontade de sentir e falar de você, sabemos quão penoso édefrontar a realidade. Esta ausência a nos arrastar e a nos dominar, mastambém que nos comunica sinalizando a força do espírito a pairar sobrenós, muito nos ensina, muito nos aproxima e muito nos fortalece.

Guardamos o melhor de você no nosso coração, como umaverdadeira homenagem. Por isso, hoje não trazemos lágrimas, mas asnossas saudades e um desejo forte e constante de abraçar você no finalda passarela...

Seria a morte o fim da sabedoria colhida através dos tempos? Seriaa morte o fim da bondade que floresceu em seu coração pelas lutas econquistas? Não, a morte não tem mais espaço em sua passarela...

Uma passarela que liga dois rios, uma passarela que aproxima duascidades, uma passarela que une corações que ainda choram...

Mário, Mário, o sussurro de dois rios nos faz escutar... “Há Deus!A Deus, Adeus!”

E respondemos com as nossas preces e os nossos aplausos.

1 Texto produzido e lido por José da Luz (Zé) (professor – UFRN), na missa de 7ºdia na Capela do campus. Natal (RN), 20-04-2011.

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Escrever algo sobre o professor Martelotta nos coloca diante deum grande desafio. Sentimo-nos desafiadas porque uma lauda é poucopara falar do jovem linguista cuja trajetória fica para todos registradaem suas publicações e nos cadernos dos alunos que tiveram o GRANDE

prazer de frequentar as aulas, as palestras e os minicursos do IlustreMestre.  O professor Mário Eduardo Martelotta era alguém em quemse podia perceber, mesmo com pouco tempo de convívio, um lado muitohumano e um bom coração, que se colocavam ao lado de um enormesaber técnico e profissional.

Humildade no trato com as pessoas e simplicidade no modo de falar eagir eram duas virtudes que caracterizavam bem o professor Martelotta.Mestre e doutor das letras, palavras e discursos, ele era um orador ímpar,capaz de despertar e prender a atenção de quem tinha o privilégio de ouvi-lo. Todos que desfrutaram de sua companhia e de seu conhecimento comcerteza guardam, na memória, grandes e boas descobertas sobre algumadvérbio e ali também preservam o mesmo amor que ele nutria pelalinguagem. Desse grande estudioso, ficam os ensinamentos e os escritosque confirmam sua importância e amenizam um pouco a saudade. Umapalavra que nos consola é que bem-aventurados são os puros de coração,porque eles verão Deus! (Mateus 5.8).

A boa vontade, a paciência e a educação foram características suasque mais ficaram evidentes para nós desde o momento em que o vimospela primeira vez. Na época, era o ano de 2009, estava em fase embrionáriao congresso Abralin em Cena – ES. Nas reuniões para decidir aprogramação do evento, eu, professora Lúcia, sugeri à ComissãoOrganizadora que convidasse o Professor Mário para ministrar umminicurso. E a Comissão assim o fez.

Carmelita Minelio da Silva Amorim

Gabriela do Couto Baroni

Lúcia Helena Peyroton da Rocha

Maria da Penha Pereira Lins

“Encontros e despedidas”

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

E o professor ministrou o minicurso: Fucionalismo e Gramaticalização,no congresso Abralin em Cena – ES, na Universidade Federal do EspíritoSanto (UFES). A minha orientanda Gabriela do Couto Baroni  havia acabadode ingressar no Mestrado em Estudos Linguísticos do PPGEL/UFES e, a partirdesse minicurso, várias idéias surgiram para o início de sua pesquisa e umaespecial curiosidade sobre o tema da gramaticalização também.Pacientemente e sempre de forma muito solícita, por várias vezes o professorouviu as dúvidas e angústias de Gabi sobre a nascente pesquisa, apontoucaminhos e esclareceu questões que ela ainda não compreendia. Delinguagem clara e ricos em teoria e informação, os textos de sua autoriafizeram aumentar ainda mais a nossa admiração e respeito pelo trabalho doamado professor... Foi assim que começamos a entender e a adotar comobase de estudo os pressupostos funcionalistas.

O tempo passa muito rápido... Entre ida ao Rio e vinda à Vitória,trocas de e-mails e orientações de leitura, chegou o momento do Examede Qualificação de Gabriela. Adiamos algumas vezes a data do exame, apedido do professor Mário, até que uma notícia sobre a sua saúde noschega, também via e-mail, com um atestado médico. Ficamos preocu-padas, assustadas, mas, confiantes na cura, seguimos em oração... Aorecebermos a notícia de sua passagem, ficamos estarrecidas...

Tomamos emprestadas as palavras de Milton Nascimento, da canção“Encontros e despedidas”:

Todos os dias é um vai-e-vem / A vida se repete na estação /Temgente que chega pra ficar / Tem gente que vai pra nunca mais / Temgente que vem e quer voltar / Tem gente que vai e quer ficar /  Tem genteque veio só olhar / Tem gente a sorrir e a chorar / E assim, chegar epartir / São só dois lados / Da mesma viagem / O trem que chega / É omesmo trem da partida / A hora do encontro / É também de despedida /A plataforma dessa estação / É a vida desse meu lugar / É a vida dessemeu lugar /  É a vida....

Comprometido e com um notável amor pelo que fazia, o professorMartelotta foi para nós um exemplo de mestre, de educador e de homem.Ficam para nós seus ensinamentos teóricos, sua lição de vida, de condutae a lembrança dos momentos descontraídos, pós defesa, da cerveja geladaregada a conversas sobre a vida e a profissão”. A ele o nosso carinho,respeito, admiração e MUITA SAUDADE... 

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O professor Mário teve uma grande importância na minhatrajetória no mestrado e, sem dúvida, continuará contribuindo paraminha vida acadêmica. Foi por meio de um minicurso dele, nocongresso Abralin em Cena-ES, que ouvi falar, pela primeira vez,em gramaticalização. Foi nesse minicurso também que desperteiinteresse pelo verbo querer, por conta de alguns exemplos fornecidospelo professor Mário. Logo depois do curso, em uma conversa comele, tomei conhecimento do trabalho da senhora e, daí em diante, asidéias foram crescendo e tudo foi acontecendo.

Ainda nesse minicurso, ele falava sobre o assunto de forma tãointeressante e apaixonada que despertou em mim o interesse em entendero que era gramaticalização e, mesmo com alguma dificuldade decompreensão no começo, pois tudo era muito novo, passei a buscar oslivros e os materiais ligados ao tema. Muitos desses materiais, inclusive,têm o nome do professor Mário como autor ou organizador.

Vejo nele um exemplo de vida e de profissional. A paciência, aeducação e a gentileza com que ele nos atendia, pessoalmente e por e-mail, eram indescritíveis. Além disso, havia nele uma simplicidade euma humildade que nos surpreendia. Lembro-me de uma banca em queele esteve, aqui no mestrado da UFES. Eu e minhas colegas não perdemosa oportunidade de pedir ao professor Mário que autografasse os livrosque tínhamos dele...

Na época, havíamos lançado um livro sobre Linguística Textual,também pelo mestrado, com capítulos escritos pelos alunos da minha turma.Nós o presenteamos com um exemplar e, para nossa surpresa, ele pediu onosso autógrafo!!! Ficamos desconcertadas e, ao mesmo tempo, honradascom o pedido! Imagine, nós, que o admirávamos tanto, assinar um livropara ele! Um exemplo de humildade, carinho e respeito que nos deixou sempalavras. Enfim, ficam somente boas lembranças de um rápido, mas frutuoso,contato.

1E-mail de Gabriela Baroni (UFES), enviado em abril de 2011, autorizado em 20de outubro de 2011, para inclusão no livro de homenagens ao Mário.

Gabriela do Couto Baroni1

Apenas boas lembranças

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Foi no primeiro semestre de 2008 que conheci Mario Martelotta.Eu era calouro e apaixonado por literatura. Isso porque eu ainda nãotinha maturidade suficiente para perceber o tesouro que estava escondidopor trás de suas aulas. Confesso que todas aquelas correntes lingüísticasestudadas no mesmo período me davam um pouco de medo. Mas tivematuridade suficiente para enxergar a humildade naquele homemsimples, que até na hora de corrigir minha prova pediu licença edesculpas por sublinhar uma palavra no papel almaço.

Seu jeito tímido, sempre com as mãos nos bolsos, acabou ganhandominha admiração. Lembro-me de uma ocasião que ele deixou a garrafad’água cair da mesa em cima dos alunos que estávamos na primeirafila de cadeiras: ele colocou a mão na cabeça, pediu um milhão dedesculpas e adivinha? Voltou a colocar as mãos nos bolsos! Um poucodesnorteado, apesar de saber que acidentes acontecem...

Um pouco mais tarde, conheci a sala do projeto D&G, onde elecostumava ficar. Com toda cortesia, me disse: “Quando quiser passarpor aqui, tem sempre um cafezinho, água, livros... O que você precisar!”Nos seus últimos momentos na Faculdade de Letras, comecei a ter umcontato maior com Mário Martelotta. Na época, eu já fazia parte doProjeto PEUL como bolsista. Em suas freqüentes visitas à nossa sala, sentiamuito orgulho, porque meu primeiro professor de linguística nunca seesqueceu de mim e sempre me cumprimentou pelo nome. Aí, quandotinha, era a minha vez de oferecer cafezinho para ele!

Guardo com carinho o Manual de Linguística, recém lançadoquando fui seu aluno e autografado por ele: “Para que ajude nos seusprimeiros passos num maior conhecimento da linguagem” Quandoterminou de autografar, leu em voz alta a dedicatória e falou que se eunão entendesse a letra dele, era só levar num farmacêutico que ficava

Felipe Diogo de Oliveira

Ao Mário, com carinho!

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tudo certo! E, de fato, seu Manual ajudou não só a mim como tambéma toda comunidade acadêmica de linguística.

Sem dúvida nenhuma, nosso grande professor e amigo semeouhumildade, simplicidade e nobreza de caráter pelos caminhos que passoucom seu All-Star preto. Por tudo de bom que fez por/para nós, terminoessa singela homenagem pedindo licença para parafrasear a conhecidacitação: “Ao Doutor, com carinho!”

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

“This is so sad, dear Maria! sad, sad, sad... Mario was one of

the kindest people iIbe ever met, talented as a linguist and

talented as a human being... my heart goes out to his loved

ones, and you, his closest friends and colleagues, dear Maria.

My most sincere CONDOLENCES! Wishing you a lot of strehgth

to cope with this devastating loss, Tania.”

*E-mail enviado pela Profa. Tânia Kouteva em 17/04/11,

“I am very sad indeed

to hear the news. It

was only a few days

ago that I was thinking

of Mario Martelotta

and all the colleagues

in Brazil. And that led

me to looking at the

photos taken at the

time we were in Rio. It

was a very special

time with a very

• Elizabeth Traugott

special person. I know you and Brazilian linguistics will miss him

a great deal.

Best wishes, Elizabeth”.

* Enviado pela profa. Elizabeth Traugott (UNIVERSIDADE DE STANFORD;USA), em15/04/11.

Foto: Mário e Traugott no Corcovado, em Junho de 2007.

• Tania Kouteva

E-mails autorizados para publicação:

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What shocking news! Mario was for me one of the most fascinating

men I ever met. He was extremely kind, cooperative, with a sharp

mind and an admirable sense for scholarship.

I can’t believe that I have lost such a wonderful friend, but he will be

alive for me, he is so deeply entrenched in my memory.

I hope you and your colleagues will be able to cope without him, I

know it is hard. But I wish you lots of strength!

With cordial greetings, Bernd

* Enviado pelo prof. Bernd Heine (UNIVERSITY OF COLOGNE/ALEMANHA) em14/04/11.

• Bernd Heine

E-mails (continuação):

Foto: Mário e Heine no Corcovado, em junho de 2007.

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Tive o privilégio de trabalhar na mesma sala de pesquisa de Máriodurante 15 anos. Realizamos inúmeros projetos juntos, desde aorganização de aulas para a Pós-graduação, cursos de extensão, eventosinternacionais, grupos de estudos até a produção do nosso último textoem co-autoria, um capítulo para The Oxford Handbook ofgrammaticalization, que acaba de ser lançado. Ele estava muito felizpor saber que o nosso trabalho seria publicado num livro desse porte.

Mário foi um linguista brilhante! Seu trabalho já é muitoreconhecido, mas tenho certeza de que será ainda mais reconhecidonos próximos anos, pois muito do que ele escreveu ainda será revisitadoe será ponto de partida e de chegada de inúmeras pesquisas sobre oportuguês do Brasil. Além disso, muitos de seus trabalhos ainda estãoem editoras e devem ser lançados neste e no próximo ano.

Devido a sua extensa e importante obra e devido a sua grandecapacidade de análise e de crítica teórica, considero o Mário Martelottaum dos maiores linguistas brasileiros dos últimos 20 anos. O seufalecimento (com apenas 53 anos de vida) causou grande comoçãonacional na nossa área acadêmica e teve repercussão internacional(recebemos inúmeros e-mails de linguistas de vários países na época),o que demonstra o reconhecimento acerca de do seu valor profissional.

Mário, praticamente toda semana, estava com um livro novonas mãos e nos convidava para o seu estudo. Reunia-se com o grupotodas as terças-feiras para discussão de textos, para ouvir asapresentações das pesquisas dos alunos e para organização de eventos.Essas reuniões eram feitas sempre num clima muito descontraído edivertido. Era sempre muito bom ouvir os exemplos engraçados queele nos apresentava. Muitos desses exemplos ainda continuam a serlembrados nas nossas reuniões quando nos deparamos com assuntosque discutíamos com ele.

Maria Maura Cezario*

CONTRIBUIÇÕES DO PROFESSOR MÁRIO MARTELOTTAPARA A LINGUÍSTICA DO BRASIL1

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Meu objetivo principal aqui é escrever sobre as contribuiçõesque ele deu para a Linguística brasileira. Começarei, então, a escreversobre as contribuições a partir de sua tese de Doutorado, cujo assunto– usos de advérbios – foi a sua grande paixão acadêmica durantecerca de 20 anos.

Sua pesquisa de Doutorado focalizou o uso de advérbios doportuguês de um ponto de vista diacrônico. Mário recebeu do seuorientador, o Prof. Sebastião Votre, o desafio de estudar os advérbiosdo ponto de vista da Teoria da Gramaticalização, tema que Votre tinhaacabado de estudar num Pós-Doutorado nos Estados Unidos (Votre,1992). Mário aceitou o desafio e defendeu, em 1994, a primeira tese deDoutorado no Brasil segundo a Teoria da gramaticalização,demonstrando que conectivos com função de operador argumentativodo português atual, como aí, depois e ainda, são decorrentes de processosde gramaticalização de itens que tinham função comocircunstanciadores. Mário defendeu a hipótese de que os operadoresargumentativos foram formados por um processo unidirecional – de umvalor mais lexical para um valor mais gramatical. Seguindo o livro deHeine et alii (1991), ele demonstrou que conectivos com valoresargumentativos foram formados através da metáfora espaço > tempo >texto. Por exemplo, aí conclusivo foi criado a partir de aí sequenciador(tempo) de orações, que, por sua vez, foi gerado do advérbio de lugaraí. Além desse processo metafórico, já em sua tese, Mário trabalhacom a hipótese de Traugott e König (1991) de que um item pode ganharum novo valor na gramática de uma língua devido a uma inferênciafeita através do contexto linguístico usado. Trata-se de um mecanismodenominado pelos autores de pressão por informatividade. Mário usouesse conceito para explicar a formação de advérbios e operadoresargumentativos no português.

Após a entrada na UFRJ em 1996, ele coordena um projeto sobreadvérbios e torna-se alguns anos depois Pesquisador do CNPq. Os váriosprojetos financiados pelo CNPq nos anos seguintes focalizamprincipalmente a gramaticalização de itens adverbiais e a sua ordenação.Muitos trabalhos são publicados a partir dos resultados dessas pesquisas.Foram 6 livros organizados por ele, 34 capítulos de livros e 17 artigos

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

completos em periódicos. Além desses, como mencionei acima, aindasairão várias publicações nos próximos meses. Uma dessas publicaçõesserá um texto em que ele reuniu as principais reflexões sobre osadvérbios e as suas conclusões depois de 20 anos de pesquisa. Essetexto é parte de um livro que será lançado pela EDUFF em 2012.

Mário orientou 23 alunos de IC; formou, em 15 anos de UFRJ,19 mestres e 10 doutores. Os dois últimos trabalhos orientados foram:a Dissertação de Mestrado de Natalie Vlcek, defendida em fevereirode 2011 e a Tese de Doutorado de Priscilla Mouta, com defesa marcadapara fevereiro de 2012. Ele sentia grande satisfação em orientar ostrabalhos e em estar próximo dos alunos, que acabavam se tornandoamigos.

Nos últimos anos de vida, Mário procurou testar a hipótese de Givón(1979) de que a mudança linguística começa nas orações menosgramaticalizadas (orações menos dependentes), porque as orações maisgramaticalizadas (orações mais dependentes) tendem a ser maisconservadoras, mais fixas. Ele testou essa hipótese através do estudo deadvérbios qualitativos (modais) do português e verificou que advérbioscomo bem e mal, que eram usados na posição pré-verbal, passam, aolongo da história do português, a ter uso pós-verbal e tal uso começa nasorações menos gramaticalizadas (Martelotta et alii, 2009).

Também nos últimos anos ele se interessou bastante pelaGramática das Construções e discutia com o grupo os diferentes sentidosutilizados pelos teóricos sobre o termo ‘gramaticalização’. Defendia aexistência do processo de gramaticalização como um tipo de mudançasintática, envolvendo mudança de um conteúdo menos gramatical paraum conteúdo mais gramatical e mudança categorial. Defendia que agramática é formada pelo uso e guiada por mecanismos cognitivos geraiscomo a capacidade de fazer categorização e inferência (Martelotta,2010).

Ele difundiu a Teoria da Gramaticalização pelo Brasil atravésdas suas publicações, das conferências e dos minicursos realizadosem inúmeras universidades. Vale destacar a organização em 1996,juntamente com Sebastião Votre e comigo, do livro Gramaticalização

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do Português do Brasil (editora Tempo Brasileiro). Esse livro é oprimeiro lançado em português sobre o tema gramaticalização e serviucomo base para inúmeras pesquisas realizadas nos anos seguintes nonosso país.

Além das pesquisas feitas e orientadas pelo Mário, gostaria tambémde ressaltar a importância de um dos eventos internacionais organizadospor ele. Mário convidou em 2006 dois dos maiores linguistasinternacionais, os Professores Elizabeth Traugott (EUA) e Bernd Heine(Alemanha) para participarem do XII Seminário Anual do Grupo deEstudo Discurso e Gramática e do I Workshop Internacional sobreGramaticalização do Grupo de Estudo Discurso e Gramática. Os doispesquisadores aceitaram o convite e vieram em junho de 2007 para darum curso de três dias e uma conferência. Não é preciso dizer que esse foium dos momentos mais felizes do Mário na UFRJ!

No ano seguinte, o Professor Heine convidou-o para escrever umtexto, junto com um colega brasileiro, sobre casos de gramaticalizaçãono português do Brasil para um livro sobre gramaticalização. Tratava-se de The Oxford Handbook of grammaticalization. Fiquei muito felizquando o Mário me convidou para escrever esse texto junto com ele.Eu mesma não acreditava que iríamos divulgar pesquisas feitas no Brasilnum livro da Oxford e que nossos nomes estariam numa obra com osnomes de vários dos maiores linguistas do momento. Esperávamos comansiedade a notícia do lançamento da obra, previsto para o segundosemestre de 2011.

Ainda há muitas outras contribuições que poderiam ser destacadas,pois sua produção é vasta e importante. E tudo ele fez com muitasimplicidade, seriedade e entusiasmo. Algumas das fotos que estão nestelivro de homenagem revelam a sua alegria por estar junto com alunos ecolegas. Seu objetivo não foi ter um enorme currículo, foi mesmo criarmomentos felizes para ele e para quem estivesse próximo. E assim,criando esses momentos, fazendo amizades por toda parte, ele deuenormes contribuições para a UFRJ, para pesquisa em Linguística epara a Educação do Brasil.

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

BIBLIOGRAFIA

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* Maria Maura Cezario (Professora do Departamento de Linguística e Filologiada UFRJ).

1Fiquei responsável por coordenar a sessão da homenagem que apresentará operfil de Mário como linguista. Este é o texto produzido para leitura no momentoda homenagem.

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1 – Introdução

O objetivo desta apresentação é relacionar o chamadofuncionalismo em lingüística com questões associadas à natureza doconhecimento humano, que vêm sendo levantadas recentemente pelasciências cognitivas. Pretendo demonstrar que a tradição funcionalistareflete muitas dessas questões, ressaltando a importância de seaprofundar a análise dos aspectos cognitivos subjacentes aos processosde gramaticalização e, de um modo geral, aos fenômenos associadosao funcionamento da língua, estudados pelos pesquisadores na área dofuncionalismo. Em virtude da complexidade do assunto, iniciareiexplicitando o que estou entendendo aqui como funcionalismo, assimcomo o alcance que estou dando ao termo cognição.

2 – Funcionalismo

Acompanhando outros autores, como Dirven e Fried (1987),Schiffrin (1994) e Kato (1998), vou tomar o termo funcionalismo emum sentido amplo. Ou seja, como uma tendência geral de análise

Mário Eduardo Martelotta

FUNCIONALISMO E COGNIÇÃO1

Resumo: Este trabalho discute o campo de atuação daLinguística Funcional e o conceito de cognição, procurandodemonstrar que os conceitos associados ao conhecimentohumano que vêm sendo levantados recentemente pelas ciênciascognitivas estão implícitos em algumas análises funcionalistas.Ressalta também a importância de se aprofundar a análisedos aspectos cognitivos subjacentes aos processos que regemo funcionamento e a mudança das línguas humanas.

Palavras-chave: Funcionalismo, cognição, cérebro.

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lingüística oposta ao chamado formalismo, que caracterizou algunsmovimentos teórico-metodológicos pós-saussurianos, como a escola deCopenhague, exemplificada pela Glossemática de Hjelmslev, oestruturalismo bloomfieldiano e, mais recentemente, a gramáticagerativa de Chomsky, nas quais a análise dá ênfase à forma lingüística,ficando sua função num plano secundário.

O termo funcionalismo está presente na lingüística pelo menosdesde os lingüistas de Praga, influenciados principalmente pela Teoriada Gestalt, através de seu freqüente contato com o psicólogo alemãoKarl Bühler. A estreita relação com Bühler deu à lingüística de Pragauma feição diferente das outras escolas estruturalistas européias, jáque adotou uma noção teleológica de função. Ou seja, a língua deve serentendida como um sistema funcional, no sentido de que é utilizadapara um determinado fim, sendo esse fim a comunicação (FURTADODA CUNHA; OLIVEIRA; MARTELOTTA, 2003).

O termo funcionalismo ganhou força nos Estados Unidos a partirda década de 1970, passando a servir de rótulo para o trabalho delingüistas que advogavam uma análise baseada no uso, cuja tendênciaprincipal é observar a língua do ponto de vista do contexto lingüístico eda situação extralingüística. Isso significa que as sentenças devem serobservadas como parte de uma entidade lingüística maior, que é o texto,que, por sua vez, deve estar coerente com situação em que é construído.

De acordo com Nichols (1984), o funcionalismo expande seucampo de atuação para além dos fenômenos meramente formais,observando a estrutura gramatical das línguas como um reflexo dasituação de comunicação inteira: o propósito do evento de fala, seusparticipantes e seu contexto discursivo. Segundo a autora, osfuncionalistas sustentam que a situação comunicativa motiva, restringe,explica, determina a estrutura gramatical e que uma abordagemestrutural ou formal não é apenas limitada a dados artificiais, masinadequada como análise estrutural.

Observar as línguas em seu uso nas situações reais de comunicaçãoimplica levar em conta dois aspectos importantes, que, embora denatureza distinta, estão fortemente relacionados. A gramática das línguasé vista como um reflexo do uso nas situações concretas de comunicação.

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Nesse sentido, a gramática é a sedimentação, pela alta freqüência, deestruturas que os falantes retiram de suas experiências comunicativasprévias, ocorridas em circunstâncias similares, ou com tópicos similares,ou com interlocutores similares (HOPPER, 1998).

Essa visão divulgada essencialmente por Hopper, associada aoque se costuma chamar funcionalismo radical, leva à noção de gramáticaemergente. Nesse sentido, a gramática não é um pré-requisito para odiscurso, mas emerge da interação face-a-face, refletindo a experiênciaindividual dos falantes nas situações de comunicação. A sistematicidadeda gramática, segundo essa visão, é uma ilusão produzida pela fixaçãode formas frequentemente usadas em subsistemas temporários.

Essa proposta é, na minha maneira de ver, apenas parcialmenteverdadeira, já que, embora ressalte a natureza essencialmente dinâmicadas línguas, implica a idéia de que não há qualquer estrutura apriorísticasubjacente ao seu uso. Trabalhos como os de Votre (1999), Ferreira (2000,2001) e Oliveira (2000), que sugerem a existência de estabilidade dedeterminados fenômenos ao longo dos anos, podem ser apresentados comoum argumento contra essa visão. Esses autores – cada um estudando apolissemia associada aos usos de um determinado fenômeno lingüístico– perceberam que não houve mudança, desde o latim até o portuguêsatual. A estabilidade das formas leva a uma visão de que fatores regularesatuam no uso dos elementos, levando a que se repense a idéia, no meumodo de ver, equivocada, de que a dinâmica que caracteriza o uso dalíngua vai de encontro à concepção da existência de alguma estruturaprévia, subjacente ao seu funcionamento.

Essa regularidade pode ser vista não apenas no processo deevolução de uma mesma língua, mas também em dados referentes alínguas diferentes. É o que ocorre, por exemplo, em determinadosprocessos de gramaticalização. Nesse sentido merecem mençãotrajetórias universais que levam advérbios espaciais a se tornaremconjunções (HEINE et al., 1991; MARTELOTTA, 1994;MARTELOTTA; VOTRE; CEZARIO, 1996), ou o fato de que o gregomoderno, o inglês, o romeno, assim como línguas africanas comoswahili, mabiha e kimbundu desenvolveram marcas de futuro a partirde verbos que expressam desejo (HEINE; KUTEVA, 2002).

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O que há de estável nas línguas parece se relacionar às habilidadesnecessárias à produção do texto nas situações reais de comunicação.Acredito poder estabelecer dois tipos de habilidades, que, embora nãose dissociem na prática, podem ser separadas para efeito de análise.Uma mais associada a aspectos sociointerativos, que englobam, alémde convenções lingüísticas aceitas pela comunidade, pactoscomportamentais que estão subjacentes à manipulação dessasconvenções. Outra, mais associada a aspectos psicológicos (por faltade um termo melhor), que envolvem capacidade de simbolização, dearmazenamento de informação na memória, de transferência entredomínios, entre outros.

Pode-se dizer, então, que a construção coerente do discurso estásubordinada, por exemplo, às restrições de memória do falante, que olevam a otimizar o processo comunicativo, manipulando informaçõesnovas diferentemente de informações já mencionadas ou inferíveis, ouorganizando construções como as de tópico/comentário e sujeito/predicado, assim como sentenças e parágrafos (CHAFE, 1976). Comoo processo de criação textual se dá na interação, entram também emação capacidades associadas ao processo interativo.

Esses aspectos que, juntos, podem ser rotulados de sociocognitivosapresentam uma relativa estabilidade e sua atuação diferenciada deacordo com cada nova situação de comunicação acarreta o aspectomutável, que as= línguas apresentam. Isso remete ao outro conceitobásico dessa apresentação.

3 – Cognição

O termo cognição está relacionado com o exercício da inteligênciahumana, que é objeto de interesse das ciências cognitivas, que, acreditopoder dizer, engloba psicologia, lingüística, neurologia, ciênciascomputacionais, inteligência artificial, entre outras. Há dois grandesvalores associados ao termo cognição dentro da lingüística moderna.Passo a falar sobre cada um deles. Cumpre ressaltar que a intençãoaqui não é fechar a questão, mas levantar alguns aspectos que podemajudar a compreender o comportamento linguístico de um ponto de vistafuncional.

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3.1 – A visão racionalista

Ao criticar o behaviorismo, representado em O comportamentoverbal de Skinner (1978), Chomsky ressalta o componente criativo dalinguagem humana, indicando o papel primordial desempenhado pordeterminados processos mentais. Chomsky desenvolveu uma visãoinatista, e, sobretudo nos últimos anos, cognitivista da linguagem(BATORÉO, 2000).

Essa visão está associada à especificidade biológica da linguagemhumana. Em outras palavras, a linguagem verbal é regulada por fatoresde desenvolvimento ou maturação de uma capacidade biológica dalinguagem, assim como nos diferentes módulos que a compõem. Estátambém associada aos processos cognitivos implicados na percepção,reconhecimento e compreensão de uma língua natural, bem como àautonomia entre a faculdade da linguagem e os módulos da cognição edo comportamento em geral (FARIA et al., 1996).

A proposta chomskyana, de base racionalista, está calcada natradição aristotélica, que marca os estudos lingüísticos na Grécia antiga.Nas palavras de Costa (2004):

A filosofia aristotélica, por sua vez, objetivando prescreverregras de raciocínio independentes do conteúdo dospensamentos que esses raciocínios conjugam – ou seja,independentemente de seus significados –, torna-se um dosmais importantes elementos de base para os estudos gramaticaisno Ocidente[...] (p. 72)

Esses estudos clássicos, centrados na lógica, vêem o pensamentohumano como apresentando uma espécie de organização interna. Essaorganização tem caráter autônomo, já que independe de aspectossocioculturais. É universal, já que se manifesta em todas a línguas domundo. Em outras palavras, o pensamento se caracteriza por um tipoespecial de linguagem abstrata que é anterior a qualquer línguaespecífica (MARTINS, 2002).

Nesse sentido, trabalhando com o pressuposto de que a linguagemé um sistema de conhecimentos interiorizados na mente humana,Chomsky vê a linguagem como um sistema formal interpretado, no

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sentido da lógica, isto é, as expressões são construídas por um sistemade regras exclusivamente formais e são posteriormente investidas designificação.

Essa visão implica conceber a linguagem como constituindo umsistema de representação de um mundo fixo, de existência independente.Ou seja, a linguagem apenas nomeia idéias preexistentes. Termos comorealismo (LYONS, 1979) ou fundacionalismo (MARTINS, 2002) têmsido utilizados para designar essa visão de um mundo já pronto, que éapenas representado pela linguagem.

É interessante registrar que a proposta racionalista aborda adimensão mental da significação sem a intromissão do sujeito, ou seja,a linguagem é um repositório de formas e procedimentos autônomos,instanciáveis na situação concreta de uso, como estruturas predisponíveise, de certa forma, imutáveis (SALOMÃO, 1999).

De acordo com Lakoff (1987), a teoria clássica, que se manifestada proposta racionalista, não é resultado de estudo empírico, nem mesmofoi sujeita a maiores debates. Era uma posição filosófica a que se chegoucom base em especulação a priori. Segundo o autor, esse quadro mudouquando os estudos empíricos nas ciências cognitivas trouxeram para ocentro das atenções a noção de categorização. A partir daí surgiramnovas tendências no estudo da cognição.

3.2 A visão experiencialista

A visão experiencialista caracteriza as pesquisas desenvolvidas,principalmente nos Estados Unidos, por representantes da LingüísticaCognitiva, como George Lakoff, Ronald W. Langacker, GillesFauconnier, entre outros, e da Lingüística Funcional, como TalmyGivón, Sandra Thompson, Wallace Chafe, apenas para citar alguns.Essa relação entre abordagens aparentemente diferentes vem sendoapresentada por trabalhos como os de Tomasello (1998, 2003). NoBrasil, Salomão (1999) ressalta que “as abordagens funcionalistasdedicadas à análise textual” podem convergir com o Sociocognitivismoque a autora pratica, em função do tipo de fenômeno que se dedicam aexplicar.

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A proposta cognitivo-funcional, de base experiencialista, apresentaalguns pontos importantes, que precisam ser bem compreendidos. Deve-se levar em conta, em primeiro lugar, que, modernamente, os lingüistasaceitam a hipótese de que os seres humanos possuem estruturas ehabilidades inatas que os capacitam a aprender e usar uma ou maislínguas. O que se discute é o fato de essas estruturas e habilidadesserem ou não específicas da linguagem (LANGACKER, 1987). Pode-se compreender, então, que essa proposta aceita a existência deelementos de ordem cognitiva que respondem pela criação dossignificados nas situações reais de comunicação, limitando suavariabilidade.

Por outro lado, essa proposta admite fortemente a atuação defatores de ordem social. Cabe lembrar que o experiencialismo sedesenvolveu também a partir da tradição relativista de Herder eHumboldt, retomada por Sapir e Whorf, que propõem uma relação maisestreita entre a linguagem e a estrutura social, segundo a qual aarbitrariedade e o peso das diferenças culturais assumem grandeimportância, sobretudo na percepção que os seres humanos têm domundo e na influência que essa percepção exerce sobre a estrutura dopensamento e das línguas.

Isso significa que a proposta experiencialista concebe a linguagemcomo um dispositivo para a construção do conhecimento: é uminstrumento cognitivo que aciona um conjunto de princípiosrelativamente limitados, que operam sobre os conhecimentosarmazenados na memória ou presentes na situação comunicativa(SALOMÃO, 1999). Em função disso Martins (2002) vê noexperiencialismo uma característica híbrida no que diz respeito aofuncionamento da linguagem, argumentando que esse movimento buscaconciliar a hipótese de que a linguagem tem influência sobre acategorização do mundo com a proposta de que existem universaisconceptuais que restringem essa categorização. É a relação entrebiologia e cultura que alguns autores defendem (TOMASELLO, 1999).

Portanto, a linguagem, segundo essa perspectiva, não constituium órgão mental autônomo, mas um conjunto complexo de atividadescomunicativas, sociais e cognitivas, integradas com o resto da psicologia

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humana. Sua estrutura, longe de ser um conhecimento fechado, constituio reflexo de processos gerais de pensamento que os indivíduos elaboramao criarem significados, adaptando-os a diferentes situações de interaçãocom outros indivíduos. Ou seja, os conceitos humanos associam-se àépoca, à cultura e até mesmo a inclinações individuais caracterizadasno uso da linguagem, que deixa de ser vista como “a capacidade de umsujeito desencarnado da sociedade e do contexto em que atua”(SALOMÃO, 1999). Incorpora-se, portanto, ao processo designificação, o sujeito, ou seja, a perspectiva de quem produz o discurso.

O processo de categorização da realidade é um bom exemplo decomo tudo isso acontece. Fauconnier e Turner (2002) ressaltam que amais simples das atividades do nosso dia-a-dia, como, por exemplo,reconhecer que um objeto é uma xícara de café implica associar, aomesmo tempo, representações visuais e táteis de sua forma, atemperatura, o odor e o gosto do café, assim como o modo como esseobjeto é manuseado e utilizado. Todas essas representações são recriadasem regiões diferentes do cérebro a cada momento em que ouvimos essaexpressão.

As chamadas abordagens formais nos levam a pensar que oselementos da nossa vida mental são primitivos formais, quando, naverdade são o produto de um trabalho imaginativo da mente humana. Aforma dos objetos não causa a percepção de uma unidade: nosso cérebroe nosso corpo é que dão a eles esse status, do mesmo modo que o sentidode um quadro não está no quadro em si, mas na interpretação quefazemos dele. Assim, nós dividimos o mundo em entidades de escalahumana para que possamos manipulá-las em nossas vidas humanas.

O processo segundo o qual nós apreendemos uma coisa como umacoisa se tornou um problema central nas neurociências: é o chamadobinding problem. De algum modo, a combinação de três bilhões deanos de evolução e alguns meses de treinamento durante a infânciadesenvolveram a percepção das unidades, mas as neurociências aindaconhecem muito pouco desse processo.

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Do mesmo modo que os objetos, as atividades recebemcategorização. Gestos simples de nosso dia-a-dia podem apresentarsignificações diferentes. Um mesmo gesto de movimentar um objeto nadireção de um interlocutor pode ser visto como ato de empréstimo, dedoação, de aproximação do objeto para que o interlocutor veja melhoralgum detalhe de sua estrutura, de repulsa em relação a esse objeto eassim por diante. Essa interpretação do gesto é um fato eminentementesociocultural e provém de nossa capacidade de compreender intenções(TOMASELLO et al., 2004).

Segundo Tomasello et al. (2004), pesquisas recentes têmdemonstrado que a capacidade cognitiva de alguns primatas nãohumanos acerca de ações intencionais é bem maior do que se presumiae isso também é válido para crianças com algum grau de autismo. Maseles não se engajam social e culturalmente tão bem como as criançashumanas normais, porque elas possuem uma habilidade chamadaintencionalidade compartilhada. Segundo os autores, apenas os sereshumanos são biologicamente adaptados para participar de atividadesenvolvendo objetivos compartilhados e planos de ação compartilhados,ou seja, atividades que envolvem atenção conjunta.

Interações desse tipo requerem não apenas uma compreensão dosobjetivos e das intenções e das percepções das outras pessoas, mastambém uma motivação para compartilhar essas coisas com outros e,talvez, formas especiais de representações cognitivas que permitamisso. Em outras palavras, os humanos desenvolveram a capacidade paraparticiparem de atividades que envolvem intencionalidadecompartilhada.

Relacionando essa habilidade característica da intencionalidadecompartilhada com a atuação comunicativa em situações interativasespecíficas, é possível compreender o modo como organizamos amensagem para um determinado interlocutor, fenômeno tradicionalmentecaracterizado pelo que Halliday (1976) chama função interpessoal dalinguagem. Heine et al. (1991), por exemplo, demonstram como ospronomes interrogativos ingleses como who e which, sofrendo processode gramaticalização, passam a subordinar orações como pronomesrelativos. A hipótese dos autores para esses casos é que o falante usa

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esses pronomes, originariamente interrogativos, na funçãosubordinativa, como se já estivesse se antecipando a possíveis perguntasde seus ouvintes.

Em Martelotta (1994), analiso processos de gramaticalização devários operadores argumentativos motivados por mecanismos interativosdessa natureza. Muitos usos gramaticalizados de então, já, ainda, entreoutros elementos, apresentam a função de estabelecer relação coesivaentre sentenças, ou, de um modo geral, entre partes do texto, quando estarelação coesiva é uma conseqüência da intenção do falante de trabalharcomunicativamente com as expectativas do ouvinte.

Certamente refletem essa natureza interativa fenômenostradicionalmente estudados por funcionalistas, como o uso de estruturascontrastivas Givón (1990), o modo de registrar a distinção entreinformação nova e velha (CHAFE, 1976), a organização das narrativasem figura e fundo (HOPPER, 1979).

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

“O tempo é uma passarela”

Encontro do Grupo Discurso & Gramática, 1995.

Confraternização de fim de ano do grupo D&G, 2004.

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Grupo D&G, dezembro de 2005.

Evento promovido pelo grupo D&G, com presença dos professores ElizabethTraugott (Univ. de Stanford) e Bernd Heine (Univ. de Colônia), queparticiparam do XII Seminário Nacional do Grupo Discurso & GramáticaE do I Workshop on Grammaticalization of the Discourse and GrammarResearch Group, 2007.

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Lançamento doManual deLinguística, 2008.

Alegria do Mário na suítedo hotel. No GELNE, em

Maceió, 2008.

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Professores do grupo D&G recebendo o prof. Lehmann (Univ. de Erfurt) noII Seminário Internacional do Grupo Discurso & Gramática / UFRN,2009.

Mário emapresentaçãono GELNE emMaceió, 2008.

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Mário e uma orientanda (a martelettecaçula) no XIV Seminário Nacionaldo Grupo Discurso & Gramática:A Linguística Funcional emPerspectiva, na UFRN, em 2009.

Mário em confraternização de fimde ano do grupo D&G, 2009.

Confraternização de fim de ano do grupo D&G, 2009.

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Mário de Elaine, 2009.

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HOMENAGEM A MÁRIO MARTELOTTA

Workshop de gramaticalização, UFMG, 2010.

XV seminário do grupo Discurso & Gramática, UFRJ, 2010.

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Reencontro do grupo D&G, agosto de 2011.

Última aula do Mário na graduação, com alunos do primeiro períododo curso noturno da Letras, como convidado dos alunos, 2010.

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Reitor: Carlos Antônio Levi da Conceição

Centro de Letras e Artes

Decano: Flora De Paoli Faria

Faculdade de Letras

Diretora: Eleonora Ziller

Vice-Diretora: Cláudia Fátima Moraes

Diretor Adjunto de Apoio Acadêmico: Cláudia Fátima Moraes

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Comissão Organizadora:

Eleonora Ziller (Diretora/FL)

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Karen Sampaio Braga Alonso

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Nathalie Vlcek (Mestre)

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Apoio:

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Diretoria Adjunta de Cultura/FL

UNIVERSIDADE

FEDERAL DO

RIO DE JANEIRO

SETOR DE PUBLICAÇÕES/FL • Primavera de 2011