linhas de sombra, city, março 1999

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  • 7/28/2019 Linhas de Sombra, City, Maro 1999

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    arte C Gul en ian

    Marioneta indonspara teatlde sombrc(Museu Nacional QEtnologi

    om rDr Ruth RDl lnur t l

    ideolgicos).Oque Richterdefende um sentidode presentepermanente na obra de arte; ou, pelomenos, naquela obra de arte que sobrevives mais fceis vicissitudes da moda.Este sentido de um "aqui e agora" na obrade arte urna das premissas da exposioLinhas de Sombra; o "aqui e agora"do encontro de obras de arte, cujos pontosde partida - aquelas "circunstncias"constitudas por ideologia, histriae geografia, das quais Richter fala - sodiversas e multifacetadas, dspares tantono espao corno no tempo.

    ln as

    . , . . . , . .assoclaoes VisuaiS,histricas, geogrficas(ou no), e Joseph Conradformam a basede uma exposio forado comum no Centrode Arte Moderna.Um efeito domincom subtileza.

    Linhas e sombras:

    "Urna pintura de Caspar David Friedrich",escreve o clebre artista contemporneoCerhard Richter, "no coisa do passado.Oque pertence ao passado apenaso conjunto de circunstncias que permitirama sua realizao, por exemplo ideologiasespecficas. Para alm disso, se a obrafor "boa" - transcendendo ideologias interessa-nos corno arte que consideramosvaler a pena defender(ver, mostrar, realizar). Portanto realmente possvel pintar "hoje"corno Caspar David Friedrich."Esta afirmao polmica, porque vaicontra o pensamento historicista actual,que tenta colocar a arte em contextosespecficos (geogrficos, histricos,56 (ITy

    City, Maro 1999

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    Linhas de Sombra, uma visita guiadaoEleito DominAntes de entrar nesta exposio, tente fixar-se numconceito de "efeito domin" - um domin caie os outros seguem. A exposio encontra-se divididaem dez ncleos com obras provenientes das colecesdo Centro de Arte Moderna (CAM), do Museu CalousteGulbenkian (MCG), do Museu Nacional de Arte Antiga(MNAA), do Museu Nacional de Etnologia (MNE)e, nalguns casos, com obras de outras coleces.Em cada ncleo, as obras confrontam-se e justapem-

    se, criando-se associaes tanto iterais comometafricas, e uma espcie de efeito de domin, umaobra levando outra. hora de sada deste artigo,a exposio ainda no estava montada, sendo, pois,ainda possveis pequenas variaes de articulaoentre as diversas obras at ao final da montagem.Todas as citaes foram retiradas do ensaiodo catlogo, da autoria de Maria Helena Freitas e JooMiguel Fernandes Jorge.Aqui escolhemos s cinco ncleos.

    estabelecida uma associao entre a pea fotogrficahomo-ertica Cock Door, da dupla de arte contemporneaGilbert e George (CAM), a uma escultura totmica flicavertical (MNE). A ligao sensualidade feita atravsdas ilustraes de Fleurs du Mal, de Baudelaire (MCG),da sensualidade do Lrio do jovem escultor Rui Chafes(trazida da Galeria Pedro Cera), e das linhas orgnicasondulantes dos Recantos dos Jardins de Tivoli, um desenhedo sculo XVIII do artista francs Fragonard (MCG). Estaligao prolonga-se fotografia a preto e branco de LarryClark Gardens of Lisbon (CAM) e vegetao dasilustraes do Livro da Selva, de Rudyard Kipling (MCG),bem como sensualidade da pintura evocadora de JulioSarmento, Febre (CAM).

    Lrio de Rui -2hafes (Caleria ---------------------'Pedro Cera)Febre, Julio Sarmento (CAM)

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    Gravura de Jos Pedro C1.. - - - - l (CAM)4A pintura Santa Luzia e Santagata, de Gregria Lopes (MNAA),cada uma delas a segurarem osatributos do seu martrio, aparecedirecta e iconograficamente ligadaa Santa gata, do escultorcontemporneo Rui Sanches(CAM). Aqui, o objecto longoe ponteagudo associado s s e t a ~que trespassam o corpo de SoSebastio (escultura de pedrapolicromada, sculo XVI, MNAA),bem como, de forma mais literal, zarabatana (MNE) e ao Jvarode setas envenenadas (MNE).Sta. Agata de Rui Sanches

    Marioneta para Teatrode Sombras Indonsio(Museu Nacional de Etnologia)

    Este ncleo de trabalho d corpos noes de "linhas" e "sombras",sublinhadas pelo ttulo. A linha emtenso de Helenq Almeida (sem ttulo,tinta-da-china e fio de crina sobre carto,CAM) surge associada de forma oblqua s linhasserpentinas de John Singer Sargent no Biombo dosculo XIX, pintado por diferentes artistas.Toda a obra de Helena Almeida - uma obrade linhas e sombras abordando as questes da ilusoe da realidade - tambm associada a duas Marionetas paraTeatro de Sombra indonsias (MNE), que, por sua vez, conduzem ao contorno delicado da Sombra doAbacateiro de Lourdes Castro (CAM). A "memria e as sombras exercem as suas profundas reverberaesna extensa gravura de Jos Pedro Croft" (CAM), cuja forma simples e dramtica aparece associada, porum lado, ao Ralador de Mandioca do Brasil (MNE) e, por outro, aos objectos slidos e simplificadosda natureza morta pintada por Josefa d' bidos (MNAA).

    Sta. Luzia e Sta. gata de Gregrio Lopes (Museu Nacional de Arte Antiga)

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    ou epistemolgica. O confronto entre linhasconfronto entre dois modos de representaoerta maneira irreconciliveis. A linha marca uma

    clara diviso entre reas, espaciaisou conceptuais: poder-se- dizer quequalquer "coleco" ela prpria umaespcie de sistema ou grelha linear,a ligao de objectos atravs de "linhas"que determinam essa categoriaparticular, sejam biombos Nambanou esculturas do Benin.Por outro lado, a sombra apaga as

    demarcaes, confunde e esconde:opera contra o princpio da clareza,

    preciso e racionalidade representadopela linha.A justaposio de linhase sombras d-se aqui a nvel li terale metafrico, a comear pelainteraco de linhas e sombrasnas diversas obras, at aorelacionamento simblico entreo visvel e o oculto, o manifestoe o latente. H tantas articulaespotenciais entre os trabalhos,que a exposio concreta e visvelacaba por nos oferecer apenasalgumas das "linhas de sombra"infinitamente possveis.Mostra em 10 ncleosA exposio est dividida em dezncleos, onde esto traadasassociaes intuitivas entretrabalhos. A Vara de Cristalde Piero della Francesca (MNAA)e, do mesmo museu, as linhasde ouro no Pentecostes de GregrioLopes deram o arranque fsicopara a exposio. Foi impossvel pediremprestado o trabalho de Piero dellaFrancesca, pois uma pea fulcral dacoleco do MNAA. Foi ento feitauma associao entre o Vestidoque se diz ter sido usado porD.Joo I durante a Batalhade Aljubarrota ("essas linhas tecidasque restam do loudel do rei", diz-noso catlogo) e uma pintura do MuseuAlberto Sampaio, em Guimares.Foi de novo impossvel conseguira cedncia desta obra. Assim so

    feitas as associaces: ligaesa outros museus sombras

    de um museu imaginrio); a trabalhos que no puderam ser cedidose, consequentemente, obras escolhidas para substituiremas associaes do objecto desejado inicialmente."As sombras do trabalho ausente acompanham este nosso trabalhoexpositivo." (catlogo).Uma exposio como esta reala aquilo que muitas vezes tomamoscomo garantido ou factual numa exposio: a questo da montagemdas peas e o espectculo da sua justaposio. Guy Debord,um terico do "espectculo", fez notar que um excesso de objectosvisveis no tem como efeito tornar algo conhecido, mas pelocontrrio, "esconder'. Assim, um fluxo infindvel de imagens acabapor apagar qualquer trao do simblico, condenando o espectadora um mundo no qual pode ver tudo, mas no compreender nada.Linhas de Sombra tem como finalidade desneutralizar o espectculoda coleco, confrontando obras que no se encontramnormalmente localizadas no mesmo espao, que no pertencema uma coleco (una e coerente). Assim, reala a vida autnomade objectos, a sua deslocao de uma memria especfica e a suapossvel colocao em novas narrativas. Se uma dada colecose tornou, atravs da sua exposio, de certo modo invisvel, entouma nova configurao poderia torn-Ia novamente ''visvel''.Por outras palavras, onde o significado se apagou devido a um usoexagerado, este pode ser reinstalado, utilizando-se novasjustaposies e comparaes inesperadas. O enfoque em Linhasde Sombra em trabalhos geralmente guardados nas reservasdos museus acentua esta estratgia de inverso, tornando o ocultonovamente perceptvel. No s linhas e sombras, mas pondouma linha volta da sombra, demarcando assim um confrontoentre a presena e o lugar da ausncia.

    R.R.

    Mrio Henrique Leiria, Imagem Devolvida. (CAM)

    CITy 61