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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO PIESES PROGRAMA INSTITUCIONAL DE EDUCAO E SCIOECONOMIA SOLIDRIA CAMPUS UNIVERSITRIO JANE VANINI - CCERES

CAMOSC CURSO DE AGRONOMIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO

JOO BATISTA MORAIS DE LIMA

DIAGNSTICO DAS PROPRIEDADES LEITEIRAS DO ASSENTAMENTO SO MANOEL, MUNICPIO DE ANASTCIO (MS)

Cceres/MT Junho de 2010

JOO BATISTA MORAIS DE LIMA

DIAGNSTICO DAS PROPRIEDADES LEITEIRAS DO ASSENTAMENTO SO MANOEL, MUNICPIO DE ANASTCIO (MS)

Monografia apresentada como requisito obrigatrio para a obteno do ttulo de Engenheiro Agrnomo no Curso de Agronomia dos Movimentos Sociais do Campo CAMOSC, da Universidade do Estado de Mato Grosso Campos de Cceres

Orientadora: Prof Dr Fabiana Villa Alves

Cceres/MT Junho de 2010

Lima, Joo Batista Morais de. Diagnstico das propriedades leiteiras do assentamento So Manoel, municpio de Anastcio MS./Joo Batista Morais de Lima. Cceres/MT: UNEMAT, 2010. 65 f. Monografia (TCC) Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT. Curso de Bacharelado em Agronomia com nfase em Agroecologia e Socioeconomia Solidria dos Movimentos Sociais do Campo CAMOSC, 2010. Orientadora: Fabiana Vlla Alves. 1. Produo de leite. 2. Assentamento So Manoel Anastcio/MS. 3. Pecuria leiteira I. Ttulo CDU: 636(817.1) Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Regional de Cceres

JOO BATISTA MORAIS DE LIMA

DIAGNSTICO DAS PROPRIEDADES LEITEIRAS DO ASSENTAMENTO SO MANOEL MUNICPIO DE ANASTCIO (MS)

Monografia julgada e aprovada como requisito obrigatrio para a obteno do ttulo de Engenheiro Agrnomo no Curso de Agronomia dos Movimentos Sociais do Campo CAMOSC, da Universidade do Estado de Mato Grosso Campos de Cceres

Cceres, 21 de junho de 2010

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________ Orientadora: Prof Dr Fabiana Villa Alves Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Faculdade de Medicina Veterinria e Zootecnia

_________________________________________________________ Prof. M.Sc. Fernando Hiroshi Aburaya Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) Departamento de Agronomia

__________________________________________________________ Prof. M.Sc. Juliano Ribas Igns Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT)

Dedico este trabalho minha companheira Edvanda de Melo que com muito amor e carinho, no mediu esforos em me apoiar nesta caminhada ajudando a superar as dificuldades que encontrei.

A meus pais Maria Lucia de Morais Lima e Joo Luiz de Lima por terem me ensinado no s a sonhar, mas tambm a lutar por meus sonhos, a romper com os obstculos que encontramos em nossa vida.

As minhas irms Josiane de Morais Lima e ngela de Morais Lima que me deram fora me incentivaram para no desistir e que no se pode estar fora do tempo e nem do espao quando se busca fazer nossa prpria histria.

AGRADECIMENTO

Prof. Dr. Fabiana Villa Alves, pela disposio e compreenso bem como pela habilidade com que orientou este trabalho, nem por isso a distncia foi o limite.

Aos movimentos sociais em nome da Via Campesina que com muita luta proporcionou aos trabalhadores Sem Terra a oportunidade de realizar este curso de nvel superior rompendo com as cercas do latifndio do saber.

A todos os companheiros da Turma Herdeiros da Cultura Camponesa, que juntos vencemos mais uma de nossas lutas, a luta por direito a Educao, sabendo que no termina aqui.

A todos os Professores que apoiaram e acreditaram neste Curso dos Movimentos Sociais do Campo e juntos com a turma Herdeiros da Cultura Camponesa deram um passo frente.

A Universidade do Estado de Mato Grosso pelo pioneirismo em se desafiar e sediar um curso de Agronomia com nfase em Agroecologia e Scioeconomia Solidaria para os Movimentos Sociais do Campo.

Aos meus amigos que me fizeram compreender o verdadeiro sentido da amizade e que me apoiaram nesta caminhada, no vou mencionar nomes para no ser injusto e esquecer algum.

A todos os produtores de leite do Assentamento So Manoel que lutam e sonham por uma vida melhor no campo e proporcionaram um momento e um espao atravs de suas informaes para que este trabalho fosse desenvolvido.

A Deus, por me conceder o dom da vida.

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi caracterizar os sistemas de produo de leite adotados pelos produtores do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS), identificando seus principais entraves, visando subsidiar futuras proposies para o melhoramento dos mesmos. Aplicouse um questionrio semi-estruturado a 46 produtores entre os meses de outubro de 2009 a janeiro de 2010, com perguntas que procuraram cobrir informaes que caracterizassem o produtor dentro do contexto da produo familiar, com foco no manejo da propriedade. Foram registrados dados fotogrficos das Unidades de Produo Familiar. As informaes obtidas constituram um banco de dados e foram posteriormente tabuladas e analisadas atravs do programa Microsoft Excel (2003). Observou-se que os assentados possuem os requisitos mnimos para a produo de leite, como gua e pastagens, mas so grandes as limitaes impostas pela falta de recursos para investimento em infraestrutura de produo e baixa especializao. Um melhor aproveitamento dos recursos existentes, bem como a implantao e/ ou maior eficincia de tcnicas produtivas, podem possibilitar o aumento da produtividade e qualidade do leite dentro de um contexto economicamente vivel, socialmente justo e ambientalmente correto.

Palavras-chave: agricultura familiar, assentamento rural, pecuria leiteira, reforma agrria, sistemas de produo de leite

ABSTRACT

The objective of this study was to characterize the production systems adopted by the milk producers of Settlement So Manoel, Anastcio (MS), identifying the main obstacles in order to support future proposals for improving them. Its applied a semi-structured questionnaire to 46 farmers between the months of October 2009 to January 2010, with questions that sought to cover information that characterize the producer within the context of household production, focusing on the management of the properties. Photographic data were also collected from family production units. The information obtained provided a database that were then tabulated and analyzed using Microsoft Excel (2003). It was observed that the settlers have the minimum requirements for milk production, such as water and pasture, but major limitations are imposed by lack of resources for infrastructure investment and low production specialization. Better use of existing resources, as well as the implementation and/or more efficient production techniques, may enable increased productivity and quality of milk within a context economically viable, socially just and environmentally correct.

Keywords: agrarian reform, dairy farming, familiar agriculture, milk systems production, rural settlement

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Bacias Leiteiras de Mato Grosso do Sul ................................................................. 16 Figura 2 Eroso por sulco em rea de pastagem no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) .......................................................................................................................................... 34 Figura 3 Cultura da mandioca no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ................... 36 Figura 4 Cerca eltrica no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS). ............................. 37 Figura 5 Barraco de ordenha mecnica instalado em uma propriedade leiteira do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ............................................................................ 38 Figura 6 Pastagem de Braquiria (Brachiaria brizantha e Brachiaria decumbens) ............. 39 Figura 7 rea de (Cynodon sp) Tifton 85 no Assentamento So Manoel (MS) ................... 39 Figura 8 Sombreamento na pastagem de uma UPF do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) .......................................................................................................................................... 40 Figura 9 rea de capineira em formao no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) .. 43 Figura 10 Aude em uma propriedade leiteira do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) .......................................................................................................................................... 44 Figura 11 Pilheta abastecida com gua do crrego bombeada por sistema de roda dgua para fornecimento aos animais leiteiros de uma propriedade do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ......................................................................................................................... 45 Figura 12 Padro racial do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ............................. 46 Figura 13 Padro racial do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ............................. 47 Figura 14 Resfriador de 2000 litros utilizado pelos produtores de leite no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) .......................................................................................................... 49

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Principais sistemas de produo de leite encontrados no Brasil............................. 15 Tabela 2 Principais bacias leiteiras de Mato Grosso do Sul .................................................. 17 Tabela 3 - Sistemas de produo de leite em Mato Grosso do Sul .......................................... 17 Tabela 4 Nmero de pessoas que compem o ncleo familiar dos produtores de leite do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ............................................................................ 29 Tabela 5 Nvel de escolaridade dos produtores de leite do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ......................................................................................................................... 29 Tabela 6 Infraestrutura das unidades de produo (UPF) leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) .......................................................................................................... 31 Tabela 7 Renda em salrios mnimos (SM) dos produtores de leite do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) .......................................................................................................... 32 Tabela 8 rea de reserva legal das propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ......................................................................................................................... 33 Tabela 9 Ocorrncia de eroso nas propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ......................................................................................................................... 34 Tabela 10 Produo agrcola nas propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ......................................................................................................................... 35 Tabela 11 Infraestrutura presente nas propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ......................................................................................................................... 36 Tabela 12 Diviso de pastagem (piquetes) das propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) .......................................................................................................... 41 Tabela 13 Plantas indicadoras presentes nas propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) .......................................................................................................... 41 Tabela 14 Principais capineiras, e respectivas reas, presentes nas propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ............................................................................ 42 Tabela 15 Fontes de gua disponveis nas propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) .......................................................................................................... 44

LISTA DE GRFICOS

Grfico 1 Faixa etria dos produtores de leite do Assentamento So Manoel (MS)............. 27 Grfico 2 Estado civil dos produtores de leite do Assentamento So Manoel (MS) ............ 27 Grfico 3 Distribuio do nmero de filhos, por famlia, entre os produtores de leite do Assentamento So Manoel (MS) .............................................................................................. 28 Grfico 4 Tempo de ocupao das UPFs produtoras de leite do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ......................................................................................................................... 30 Grfico 5 Participao em organizaes de classe no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) .......................................................................................................................................... 31 Grfico 6 Distribuio das reas (ha) das propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) .......................................................................................................... 35 Grfico 7 Tempo de experincia dos produtores do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS), na atividade leiteira ........................................................................................................ 38 Grfico 8 Idade das pastagens nas unidades de produo leiteira do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) .......................................................................................................... 38 Grfico 9 Pragas encontradas nas pastagens das unidades de produo de leite do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ............................................................................ 42 Grfico 10 Mineralizao do rebanho leiteiro dos produtores do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ......................................................................................................................... 45 Grfico 11 Produo de leite total (482 vacas) do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS), em dezembro de 2009 .................................................................................................... 47 Grfico 12 Nmero de produtores de leite e quantidade produzida por dia, na seca e nas guas, no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ............................................................ 48 Grfico 13 Dificuldades relatadas pelos produtores de leite no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ......................................................................................................................... 50 Grfico 14 Perspectivas dos produtores para melhorar a produo de leite no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) ................................................................................................... 51

SUMRIO

INTRODUO ................................................................................................................................................... 11 1 OBJETIVOS ..................................................................................................................................................... 14 2 REFERENCIAL TERICO ........................................................................................................................... 15 3 METODOLOGIA ............................................................................................................................................ 23 3.1 CARACTERIZAO DO LOCAL DA PESQUISA ................................................................................. 23 3.2 COLHEITA DAS INFORMAES ........................................................................................................... 24 4 ANLISE E DISCUSSO ............................................................................................................................... 26 4.1 CARACTERIZAO DEMOGRFICA E SOCIO-ECONMICA ...................................................... 26 4.2 CARACTERIZAO AMBIENTAL ......................................................................................................... 33 4.3 CARACTERIZAO DO SISTEMA PRODUTIVO ............................................................................... 35 CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................................................. 52 REFERENCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................................................................... 53 ANEXO A LOCALIZAO GEOGRFICA DO ASSENTAMENTO SO MANOEL, ANASTCIO (MS) ...................................................................................................................................................................... 60 ANEXO B QUESTIONRIO DE PESQUISA .............................................................................................. 61 ANEXO C TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ............................................... 63

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INTRODUO

O setor agropecurio familiar faz parte da histria do Brasil e da prpria humanidade, e tem um papel social inquestionvel na produo agropecuria nacional, principalmente no setor lcteo (GUILHOTO et al., 2006). De fato, 58 % da produo nacional de leite oriunda de propriedades de pequeno porte ou familiares (IBGE, 2006) e, apesar de Mato Grosso do Sul ser responsvel por somente 1,78% do total produzido no pas, 50% deste produzido em pequenas propriedades predominantemente sob sistema extensivo (MECHELS, 2003). Neste sentido, Santana (2007) afirma que o conhecimento da realidade das unidades familiares, caracterizando seu perfil produtivo, constitui um pr-requisito para o planejamento de programas especficos de desenvolvimento, por exemplo, com uso de tecnologias de base agroecolgicas, com o intuito de melhorar sua produtividade como um todo. Ainda segundo Silva et al (2009), o diagnstico dos fatores limitantes e solues para planejar as tomadas de deciso so fundamentais na otimizao dos investimentos e esforos visando melhoria dos sistemas de produo em assentamentos de reforma agrria. Fase (2005) alerta que muitas vezes, na prtica, no se confirma a premissa de que a pequena agricultura, ou agricultura familiar, representaria de maneira automtica maior harmonia entre o homem e a natureza por ser em si mesma mais diversificada ecologicamente, heterognea social e territorialmente. Alm disso, Nascimento et al (2008) reforam a importncia de se conhecer a temtica atravs de alguns questionamentos, como por exemplo, se as prticas agrcolas nos assentamentos condizem ou no com a agroecologia; quais experincias agroecolgicas podem ser destacadas nestas unidades produtivas; o que e como se d a scio-economia solidria no mbito destas propriedades e quais as principais limitaes e potencialidades podem ser visualizadas, entre outros. O municpio de Anastcio (MS) localiza-se a 127 km da capital do Estado de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, e tem uma populao rural de 4245 mil habitantes, dentre os quais esto compreendidos dois assentamentos rurais, Monjolinho e So Manoel, que abrigam 432 famlias beneficirias da reforma agrria (ARAJO e ROSA, 2000). Segundo Figueir (2008), tais comunidades, juntamente a outras existentes, apresentam como particularidades: predominncia da pecuria de leite, com algum grau de diversificao; estrutura tpica de agricultura familiar, com duas a seis pessoas com algum

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grau de parentesco trabalhando na propriedade; contratao espordica de mo-de-obra; baixo grau de escolaridade (na maioria dos casos 1 grau), porm elevado nmero de pessoas estudando na prpria comunidade; principal fonte de renda derivada da propriedade, sendo completada pelo salrio dos filhos e pelas aposentadorias do proprietrio e/ou da esposa; tamanho das propriedades entre 10 e 50 ha; baixa utilizao de insumos modernos e gerenciamento da produo; nico planejamento existente relacionado produo de forragens e melhoramento do rebanho; incipiente acompanhamento tcnico da atividade. O Assentamento So Manoel, conquistado no processo de luta pela terra em 1993, integra atualmente 147 famlias e possui como principal atividade a bovinocultura de leite, sendo esta, na maioria dos casos, a principal fonte de renda das famlias. A primeira ocupao da fazenda So Manoel, de propriedade da ento Rede Ferroviria Federal Sociedade Annima RFFSA, aconteceu em outubro de 1989. A ao foi executada por 180 famlias de agricultores sem terra provenientes dos municpios de Bonito (MS), Dois Irmos do Buriti (MS) e Nioaque (MS). Os ocupantes foram despejados em 24 de dezembro do mesmo ano, retornando aos municpios de origem. Em maro do ano seguinte, aconteceu a segunda ocupao e novo despejo. Desta vez, os agricultores acamparam nas proximidades da cidade de Anastcio at o final do ano de 1990, quando a RFFSA autorizou as famlias a entrarem na fazenda. Dentro da propriedade, os ocupantes instalaram acampamento s margens do crrego Criminoso, onde plantaram roas comunitrias de subsistncia nos solos frteis do vale. Cada roa era tocada por um grupo de quatro a cinco famlias (BAMBIL, 2007). Hoje, as propriedades possuem em mdia 30 hectares e so caracterizadas pelo baixo nvel tecnolgico e/ ou uso inadequado das tecnologias disponveis, dificultando a produo e resultando em baixa eficincia produtiva. De fato, muitos produtores acabam necessitando de captao de renda atravs de outras fontes, como trabalho assalariado, servios prestados, aposentadoria e carvoarias, para elevar o nvel de vida de sua famlia (ARAJO e ROSA, 2000). Dentro do exposto, traar o perfil e delimitar o espao ocupado pela agricultura familiar dentro do amplo contexto da economia brasileira, incluindo-se os diversos panoramas regionais, pode auxiliar a criao de alternativas que visem manuteno, ou mesmo, a melhoria da feio familiar, buscando a to almejada sustentabilidade deste tipo de ocupao do ponto de vista da Agroecologia e da Scio-Economia Solidria.

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Para tal, foi estruturado em captulos, de acordo com as normas acadmicas da UNEMAT estabelecidas pela Resoluo 221/2006-CONEPE que regulamenta o Trabalho de Concluso de Curso (TCC) do Curso de Agronomia dos Movimentos Sociais do Campo (CAMOSC), e em conformidade com as normas da Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT).

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1 OBJETIVOS

Com a finalidade de tentar contribuir com a escassez de dados relativos ao assunto, esse trabalho teve como objetivo caracterizar os sistemas de produo de leite adotados pelos produtores do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS), identificando seus principais entraves, como subsdio posterior proposio de alternativas para um maior desempenho das mesmas sob suas limitaes.

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2 REFERENCIAL TERICO

O Brasil possui o maior rebanho bovino comercial do mundo, com cerca de 202 milhes de reses, sendo que deste efetivo, 34 milhes so de animais destinados produo de leite, classificando-se como sexto maior produtor de leite do mundo, com 28 bilhes de litros produzidos em 2008. Porm, em questo de produtividade, seus 3,6 litros/ vaca/ dia o colocam na frente somente da ndia (3,1 litros/ vaca/ dia) e Paquisto (3,4 litros/ vaca/ dia), ltimos dentre os 20 maiores pases produtores (FAOSTAT, 2009). A baixa produtividade nacional do setor, segundo Azevedo (2005), est relacionada a diversos fatores como gentica, manejo, nutrio, ambiente, entre outros, sendo intrinsecamente ligada ao desenvolvimento ou grau de especializao da atividade (Tabela 1).

Tabela 1 Principais sistemas de produo de leite encontrados no Brasil Caractersticas Extensivo Semi-extensivo Intensivo a pasto Produtividade (l/vaca/ano) At 1.200 1.200 2.000 2.000 4.500

Confinamento > 4500

Volumoso

No utiliza

Cana e Napier (somente seca) Sal mineral (s vezes) Mestio, grau de sangue entre e 1 /8 HZ Manual, 1x/ dia, local desprotegido Bezerro ao p at os 6 meses SE, NE, CO e algumas regies do S 8,92

Cana e Napier (seca ou ano todo) Sal mineral e concentrado Mestio, com grau de sangue HZ e Holands PC Mecnica, 2x/ dia Separados aos 2-3 meses, com descarte dos machos S, SE e algumas reas do CO e NE 1,63

Silagem e feno

Suplementao mineral

Sal comum Mestio, alto grau de sangue zebu Manual, 1x/ dia, local desprotegido Bezerro ao p at os 8 meses

Sal mineral e concentrado

Gentica

Puro taurino ou mestios com alto grau de sangue H

Ordenha

Automtica, 2x/ dia Aleitamento artificial, bezerro separados aos 3 meses, com descarte dos machos S e SE

Manejo da cria

Regio

N, NE, CO

Propriedades (%)

89,51

< 0,14

H: holands; HZ: holands zebu; 1 32,8% da produo nacional; 2 37,7% da produo nacional; 3 25 % da produo nacional; 4 4,6 % da produo nacional. Fonte: Assis (2005)

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No ranking nacional, Minas Gerais se destaca como principal produtor de leite (7,7 bilhes de litros/ ano), seguido por Rio Grande do Sul (3,3 bilhes de litros/ano), Gois (2,8 bilhes de litros/ano) e Paran (2,8 bilhes de litros/ano) (PPM/ IBGE, 2008). Mato Grosso do Sul ocupa o 12 lugar (0,5 bilhes litros/ ano) e, apesar de seu grande potencial visto suas terras propcias, clima favorvel e disponibilidade de gros e subprodutos para alimentao do rebanho, apresenta uma das menores produtividades em nvel nacional (950 litros/ vaca/ ano). Existem oito bacias leiteiras no Estado, quais: Bacia de Aquidauana, Centro-Norte, Bacia do Bolso, Campo Grande, Nova Andradina, Dourados, Glria de Dourados e Bacia do Cone Sul (Figura 1).

Figura 1 Bacias Leiteiras de Mato Grosso do Sul. (Fonte: Michels et al, 2003)

A bacia leiteira do Bolso a que apresenta maior produo, seguida pelas bacias de Campo Grande e de Glria de Dourados. Em termos de produtividade, o primeiro lugar ocupado pela bacia de Glria de Dourados, seguida pela bacia de Dourados e Nova Andradina (tabela 2). A pecuria de leite a terceira atividade econmica do Estado e estima-se a existncia de 35 mil produtores entre pequenos, mdios e grandes produtores. Do total produzido, 50% oriundo de propriedades com menos de 10 hectares, tpicas de agricultores familiares e

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assentamentos, que totalizam um rebanho de 40 mil vacas leiteiras. Cerca de 39% do leite produzido no Estado destinado ao consumo in natura cru, 11% pasteurizao, 10% produo de queijos frescos, 37% produo de queijo mussarela e 3% outros produtos (iogurte, manteiga, requeijo, doces, bebida lctea) (FIGUEIREDO, 2002; FIGUEIR, 2008; PPM/IBGE, 2008).

Tabela 2 Principais bacias leiteiras de Mato Grosso do Sul Bacias Leiteiras Vacas Ordenhadas Produo Leite/ano (mil litros) 120.222 90.324 54.804 54.476 43.184 33.709 46.585 52.740 496.044 Produtividade (litro/vaca/dia) 2,57 2,61 3,10 2,32 2,55 2,90 3,02 2,20 2,66

Bacia do Bolso 128.288 Bacia de Campo Grande 94.724 Bacia de Glria de Dourados 48.508 Bacia de Aquidauana 64.350 Bacia Centro Norte 46.367 Bacia de Nova Andradina 31.870 Bacia de Dourados 42.246 Bacia do Cone-Sul 65.743 Mato Grosso do Sul 522.096 Fonte: IBGE Pesquisa da Pecuria Municipal (2008)

Pode-se observar que a heterogeneidade da atividade no Estado reflete o panorama nacional, pois envolve produes desde totalmente rudimentares at as que aplicam tecnologias de ltima gerao (Tabela 3).

Tabela 3 - Sistemas de produo de leite em Mato Grosso do Sul Tipo de Propriedades Produo Produo Ordenha Sistema (%) (vaca/litros/dia) (propriedade/litros/dia) (n) I II 75 20 At 5 6a8 50 100 1 1 Alimentao do rebanho Exclusivamente pasto Pasto e suplementao na seca Pasto e suplementao ano todo

III

5

>8

200

2

Fonte: Michels (2003)

Em Mato Grosso do Sul, cerca de 70% das propriedades so considerada de natureza extrativista (sistema I), sem algum controle de qualidade, com baixa profissionalizao do produtor, rebanhos no especializados criados pasto, ordenha manual com bezerro ao p e

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produto acondicionado em tambores plsticos de 50 litros e transportado at o laticnio, sem refrigerao (MICHELS et al., 2003; DAHMER, 2006; FIGUEIR, 2008). A falta de especializao na atividade traz conseqncias negativas para a cadeia produtiva do leite no Estado, como a alta sazonalidade de produo de matria-prima para a indstria de laticnios e volatilidade de preos, desestmulo aos produtores que querem se especializar na pecuria leiteira, devido falta de remunerao diferenciada para qualidade, difuso de prticas de manejo no adequadas e/ou baixo conhecimento de tcnicas agronmicas para a produo de alimentos, ineficincia do controle zootcnico do rebanho, entre outros (FIGUEIR, 2008). Ainda assim, pode-se afirmar que a atividade leiteira possui grande importncia econmica e social, pois apresenta um fluxo de receita regular ao longo do ano e exerce um papel importante do ponto de vista da reproduo social dos agricultores, principalmente no que se refere ocupao da mo-de-obra familiar (ALEIXO E SOUZA, 2000). Como j mencionado, o pasto responsvel por grande parte da produo pecuria no Brasil e no mundo, por representar a fonte mais econmica para alimentao dos rebanhos. Contudo, lvares (2002) salienta que baixas produtividades neste tipo de sistema tm origem multicausal, sobretudo edafoclimticas, que isoladamente exercem efeito incisivo neste tipo de atividade. Alm disso, outros fatores como a disponibilidade e a qualidade das pastagens, afetam a ingesto e produo de vacas leiteiras exploradas em regime de pasto. Tais limitaes, na maioria das vezes, esto relacionadas ao ciclo das forragens tropicais, caracterizado por rpido crescimento vegetativo na estao chuvosa, insuficiente disponibilidade de matria seca na estao seca e baixa digestibilidade e alto teor de parede celular na maior parte do ano (BRANCO et al., 2002). Corsi et al. (1996) salientam que a falta de conhecimento bsico sobre o assunto, aliada falsa expectativa de sucesso fcil, contribuem para a contnua busca do sistema ideal, porm sem que, tenha-se realizado uma anlise crtica de resultados na tentativa de solucionar problemas. Segundo os mesmos autores, a perpetuao deste contexto ocorre devido aos sistemas rudimentares de produo amplamente difusos no Brasil. Assim, pode-se admitir que os baixos nveis de produo e produtividade obtidos em sistemas de produes baseados em pastagens tropicais devem-se mais aos resultados prticos e experimentais, que s limitaes impostas pelas prprias plantas forrageiras.

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Adicionalmente, Penatti et al. (1999) corroboram que o insucesso da pecuria leiteira nacional a pasto independente da espcie forrageira escolhida e/ou do mtodo de pastejo adotado, mas sim conseqncia da falta de uso de tecnologias apropriadas, geralmente associadas com o manejo inadequado do solo e da planta. De fato, considerando-se as condies climticas brasileiras, bem como a capacidade de produo e qualidade de nossas pastagens, estima-se que o potencial de fornecimento de nutrientes, energia e protena adequados sustentam produes de aproximadamente 15 kg de leite/vaca/dia (DERESZ et al., 1994; BRANCO et al., 2002). Entretanto, a utilizao de forrageiras mais produtivas e de melhor qualidade, juntamente com a reposio de fertilidade, pode gerar produes significativamente superiores citada, onde o retorno financeiro por vaca em lactao superaria em 30% o sistema de alimentao no cocho (MAGALHES, 2007). Tome-se como exemplo a Austrlia, onde sistemas intensivos em pasto aliados a tecnologias como a fertilizao, mostraram-se eficazes na elevao da produtividade leiteira naquele pas (COWAN, 1996; BRANCO et al., 2002). Holmes (1989) relata que na Nova Zelndia a produo leiteira tambm embasada por pequenas propriedades, chamadas fazendas, com at 100 ha divididos em 20 a 60 piquetes, submetidos a sistema rotacionado de pastejo. Neste sentido, Holmes (1995) afirma que a produo de leite a pasto neste pas o sistema mais econmico para a realidade local. Branco et. al. (2002) vo mais alm e afirmam ser a pastagem a fonte de nutrientes mais econmica em qualquer parte do mundo, mas principalmente em pases em desenvolvimento como o Brasil. Porm, conforme afirmam Penatti et al. (1999), os mtodos de pastejo per se no so o ponto chave para o sucesso da produo pecuria pasto, principalmente leiteira, mas sim, constituem uma alternativa adicional de manejo. Segundo os autores, isto significa que a opo por uma ou outra modalidade de pastejo no isenta o produtor dos aspectos relacionados com o bom manejo dos animais (vacinaes, vermifugaes etc) e da pastagem (reposio da fertilidade do solo, controle de invasoras etc). Como j referido, o setor lcteo do Estado caracterizado por uma massiva participao da agricultura familiar em todo o processo (NOGUEIRA, 2004). Neste sentido, Santana (2007) afirma que a atividade leiteira tem importante papel para a sustentabilidade destas propriedades, pois atende perfeitamente o perfil dos pequenos produtores, sendo capaz

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de garantir renda mensal. Neste caso, tambm comum que a produo seja em grande parte consumida pelos prprios proprietrios, para o auto-consumo da famlia. notria a importncia que a atividade rural familiar exerce no contexto do desenvolvimento scio-econmico nacional como um todo e, neste sentido, a discusso sobre o tema vem ganhando fora nos ltimos anos, impulsionada pelo debate sobre desenvolvimento sustentvel, gerao de emprego e renda, segurana alimentar e desenvolvimento local (INCRA/FAO, 2000). De acordo com os dados recentes do Censo Agropecurio Familiar (IBGE, 2006), dos 4,36 milhes de estabelecimentos agropecurios no Pas, 84,4% so de carter familiar. Estes, segundo o IBGE, so responsveis por 70% da mo-de-obra no campo e respondem por 87% da produo de mandioca, 70% do feijo, 59% dos sunos e 50% dos frangos, 58% do leite, 46% do milho e 34% do arroz produzidos no pas. A regio Centro-Oeste apresenta o menor nmero de agricultores familiares do total brasileiro (3,9%), embora estes apresentem, contraditoriamente, a maior rea mdia nacional (84 ha) da categoria (INCRA/FAO, 2000). Em Mato Grosso do Sul, este tipo de estrutura fundiria responsvel por 93% da produo de aves, 88% do feijo, 77% da produo de mandioca, 53% do arroz, 48% da produo de carne suna, 39% da produo de milho, 31% do algodo, 20% do soja, 6% da pecuria de corte (ALVARENGA & RODRIGUEZ, 2004). A elevao do nmero de agricultores assentados pela reforma agrria e a criao do PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) refletem e alimentam o debate da importncia dos assentamentos na sociedade (INCRA/FAO, 2000), pois a maior parte dos assentamentos segue, em sua composio, o padro comum agricultura familiar, sendo habitados por uma famlia nuclear (pais, mes e filhos) que passa a ter no local uma importante fonte de trabalho e condies de reproduo social e econmica (HEREDIA et al., 2002). De fato, segundo Lamarche (1997), a explorao familiar corresponde a uma unidade de produo agrcola onde propriedade e trabalho esto intimamente ligados famlia, em um processo que cria uma interligao entre propriedade, trabalho e famlia. Enfatiza-se o fortalecimento da produo agrcola assegurado pela produo familiar, caracterizado pela participao direta da famlia na organizao e execuo das atividades rurais. O autor salienta ainda que, em alguns locais, a explorao familiar a base do desenvolvimento

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agrcola, reconhecida como a nica forma social de produo, capaz de satisfazer as necessidades essenciais da sociedade como um todo. Paralelamente s classificaes acadmicas, existe a delimitao formal do conceito de agricultor familiar, prevista na Lei 11.326, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da Repblica em 24 de julho de 2006. Esta lei considera [...] agricultorfamiliar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - no detenha, a qualquer ttulo, rea maior do que 4 (quatro) mdulos fiscais; II - utilize predominantemente mo-de-obra da prpria famlia nas atividades econmicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econmicas vinculadas ao prprio estabelecimento ou empreendimento; IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua famlia (BRASIL,

2006). Tendo em conta o atendimento de tais requisitos, inclui ainda [...] silvicultores quecultivem florestas nativas ou exticas e que promovam o manejo sustentvel daqueles ambientes; [...] 15 aquicultores que explorem reservatrios hdricos com superfcie total de at 2 ha (dois hectares) ou ocupem at 500m (quinhentos metros cbicos) de gua, quando a explorao se efetivar em tanques-rede; [...] extrativistas pescadores que exeram essa atividade artesanalmente no meio rural, excludos os garimpeiros e faiscadores (BRASIL, 2006).

Os assentamentos rurais, por sua vez, so definidos como unidade empresarial associativa, de base familiar, autnoma e gerida pelos trabalhadores, visando o desenvolvimento econmico e social do conjunto de assentados (INCRA, 1996, citado por VEIGA & BURLANDY, 2001). A rea ocupada pelos assentados pode ser implantada em terras desapropriadas ou pblicas, repartidas e estabelecidas pelas superintendncias regionais do INCRA, as quais so subdivididas em mdulos fiscais, denominados reas ou lotes, e designados uma famlia (ALVARENGA & RODRIGUEZ, 2004). Arajo et al. (2009) ressaltam o fato de que, no Brasil, a produo familiar praticada nos assentamentos rurais tem como enfoque um maior controle no tempo de trabalho, fruto de um aprendizado e definies de novas atribuies que antes no pertenciam a suas relaes sociais. Segundo os mesmos autores, o produtor familiar, a partir desse aprendizado e da redefinio de seu papel desde a posse da terra, passa a ter a possibilidade de interagir com um novo modelo de prticas sociais.

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Atualmente, existem no Brasil 8.337 assentamentos, cuja rea total de cerca de 75 milhes de hectares comporta quase 1 milho de famlias. Destes, 1.150 esto localizados no Centro-Oeste, sendo que 17% (198) no Mato Grosso do Sul, envolvendo um contingente de 32.273 famlias em aproximadamente 702 mil hectares (DATALUTA, 2009). Sabe-se que hoje os assentamentos possuem um grande potencial na criao de empregos e diminuio do xodo rural, aumento da oferta de alimentos, incremento na produo agrcola, elevao do nvel de renda e melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores rurais brasileiros (FAO, 1992). Alm disso, contribuem com a ampliao da demanda por produtos industriais, reduo da dominao do poder poltico dos latifundirios e participao dos assentados no processo poltico (CAMPOS, 2008). Contudo, Hunt et al. (2009) afirmam que geralmente tem-se a falsa idia de que, por disporem de uma pequena extenso de terra e utilizarem tecnologia consideradas ineficientes, os assentamentos possuem baixo desempenho tcnico e econmico. Neste sentido, Rosa (2000) afirma que nem sempre a baixa ou nenhuma utilizao de insumos nas propriedades familiares desfavorvel, citando outros fatores (como falta de acesso ao crdito e assistncia tcnica) como responsveis da baixa produtividade. Alvarenga & Rodriguez (2004) corroboram tal afirmao, afirmando que a contribuio da agricultura familiar em Mato Grosso do Sul significativa para o desenvolvimento econmico estadual, apesar das inmeras dificuldades decorrentes da precariedade da poltica agrcola, que impossibilitam assistncia tcnica adequada, falta de acesso ao crdito rural e preos justos para os produtos gerados.

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3 METODOLOGIA

3.1 CARACTERIZAO DO LOCAL DA PESQUISA

O Assentamento So Manoel est localizado sob as coordenadas 204231 S e 554135 O, a 160 km da capital do Estado e sudeste do municpio de Anastcio (MS). Seu acesso principal pela estrada municipal que liga a BR 262 a MS 347 (Anexo A). Tem como limtrofes as Fazenda Raio de Luar (N), Fazenda Dona Filomena (L), Fazenda Paiolo (L), Fazenda Jesus Maria (L), Fazenda Cachoeira (SE), Assentamento Monjolinho (S), Colnia Paulista (SO) e Fazenda So Rafael (O) (MARCONDES, 2002). Possui uma rea de 4325 ha distribudos em 147 lotes, com rea mdia de 29 ha por propriedade. O relevo predominantemente acidentado, onde 73,92% da rea (3196,35 ha) apresentam declividades entre 5 e 20%. A maior parte desta rea (2.573,35 ha) ocupada por pastagens, sendo que outros 573,80 ha so reas agricultveis (MARCONDES, 2002). Grande parte do assentamento So Manoel est inserida na microbacia do Crrego Criminoso, que composta pelos crregos So Manoel, Rolador, Galdino e suas drenagens (grotas), cujas guas formam o crrego So Jos. Outra parte do assentamento, ao norte, pertence microbacia do Crrego Barreiro Vermelho, sendo ambos os crregos (So Jos e Barreiro Vermelho) afluentes do Ribeiro Taquarussu (MARCONDES, 2002). A precipitao mdia no assentamento de 1200 mm, com perodos chuvosos que se estendem de outubro a janeiro, e perodos mais secos de julho a agosto (UEMS, 2009). Sua economia est fundamentada basicamente na pecuria. O assentamento conta com um rebanho bovinos de 4170 animais, sendo que destes, 571 so animais de aptido leiteiras, com produo mdia anual estimada de 2000 mil litros/dia. Comercializa-se tambm cerca de 490 bezerros/ano (IAGRO, comunicao pessoal). Outras atividades so realizadas no local, como cultivo de feijo, milho, mandioca, banana, abobrinha, amendoim, tomate, melancia, uva, hortalias, e produo de ovos, queijos, mel, galinha e sunos produzidos para o autoconsumo das famlias (AGRAER, comunicao pessoal).

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A infraestrutura do assentamento bsica: conta com um posto de sade, escola com at o ensino mdio, comrcio (tipo mercearia), energia eltrica em 100% das propriedades, estradas, poos semi-artesianos e rodas d'gua. Verifica-se a falta de reas de lazer e esportes. O assentamento representado por associaes de produtores e associao de mulheres, participantes de diversas organizaes sociais como MST, CPT e STR (Lideranas do Assentamento, comunicao pessoal).

3.2 COLHEITA DAS INFORMAES

Atravs da anlise do Diagnstico Participativo Rural do municpio de Anastcio (SILVA, 2004), identificou-se que a principal fonte de renda agrcola do Assentamento So Manoel provinha da receita oriunda da comercializao do leite e, dada a importncia scioeconmica da atividade para o local, decidiu-se pela pesquisa do tipo exploratria-qualitativa. Richardson (1999) afirma ser este o melhor tipo de abordagem quando se procura conhecer as caractersticas de um fenmeno buscando explicaes de suas causas e conseqncias. Alm disso, Sampieri et al. (1991) e Mattar (1994) recomendam este tipo de pesquisa quando se deseja prover o pesquisador de um maior conhecimento sobre o problema de pesquisa abordado, sendo apropriada para os primeiros estgios da investigao, quando se desconhece relativamente o tema, sem, porm constituir um fim em si mesmo. Sendo assim, o levantamento das informaes demogrficas, scio-econmicas e zootcnicas foi realizado por meio de visitas de campo para aplicao dos questionrios no perodo entre outubro de 2009 e janeiro de 2010, quando foram aplicados questionrios. Para aplicao do questionrio proposto, considerou-se a totalidade dos produtores de leite que comercializam sua produo, ou seja, 46 unidades de produo familiar (UPF). A identificao e localizao dos mesmos foram realizadas a partir de dados fornecidos pelas pessoas responsveis pelos resfriadores de leite e pela empresa que compra o leite na comunidade. O modelo de questionrio utilizado foi baseado em Schreiber (2007), adaptado a partir de um pr-teste realizado no local para readequao das informaes em funo das questes mais relevantes a serem coletadas para este trabalho e do tempo de aplicao do mesmo.

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Obteve-se, assim, um questionrio semi-estruturado (Anexo B), com perguntas fechadas e abertas, que procuraram cobrir informaes que caracterizassem o produtor dentro do contexto da produo familiar com foco no manejo da propriedade. Foram tambm coletados dados fotogrficos das UPF. Todo o material coletado (dados e fotos) foi utilizado mediante autorizao do entrevistado (Anexo C). As informaes obtidas constituram um banco de dados e foram posteriormente tabuladas e analisadas atravs do programa Microsoft Excel (2003).

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4 ANLISE E DISCUSSO

4.1 CARACTERIZAO DEMOGRFICA E SOCIO-ECONMICA

De todos os entrevistados (46), apenas 5 so mulheres (11%), indicando que a presena do gnero feminino na atividade leiteira do assentamento ainda muito pequena, assim como demonstrado em outros estudos (ABELM & HBBETE, 1998). Tal porcentual espelha a realidade brasileira de acesso terra e titularidade, onde somente 12% dos ttulos da reforma agrria so emitidos em nome da mulher, muito abaixo dos 45% observados na Colmbia, por exemplo (BRASIL, 2006). De fato, Souza (2008) relata que no comum que o ttulo da terra seja emitido em nome da mulher, mesmo j existindo legislao que lhe garanta tal direito h quase dez anos. Neste sentido, apesar da mulher, segundo Melo & Di Sabbato (2006), ser a maior responsvel pela produo dos alimentos de subsistncia, sua participao na diviso social do trabalho dentro do assentamento est limitada ao processo histrico predominantemente masculino tanto do trabalho rural quanto da gesto da propriedade em si. Observa-se, ademais, que apesar da normatizao da assistncia tcnica para os assentamentos da reforma agrria ter sido ajustada na busca pela promoo da igualdade entre homens e mulheres, e as polticas pblicas e crdito financeiro passarem a reconhecer e valorizar o trabalho das mulheres rurais a partir do Plano Safra 2004/2005, historicamente este gnero considerado apenas como uma ajuda ao trabalho masculino (BRASIL, 2006). No que se refere idade, o grfico 1 mostra que a maioria dos produtores de leite do assentamento tm entre 41 e 60 anos. Segundo Magalhes (2009), a presena de pessoas mais maduras em assentamentos resultado do xodo dos jovens, pois os mesmos saem da propriedade em busca de autonomia e renda prpria, sem dependncia dos pais. Alm disso, no caso do assentamento So Manoel, este foi constitudo por produtores que j tinham origem em outros espaos de produo, como fazendas ou propriedades dos pais, a maior parte j com suas famlias constitudas.

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16 14 12 10 8 6 4 2 0

16

14

N de Produtores

7 3 4 2 31-40 41-50 Idade 51-60 61-70 > 71

21-30

Grfico 1 Faixa etria dos produtores de leite do Assentamento So Manoel (MS)

O grfico 2 apresenta o estado civil dos entrevistados, onde se pode observar que 93% dos assentados so casados/ conviventes.

40 35 N de produtores 30 25 20 15 10 5 0

38

5

3 Solteiro

Casado

Convivente Estado Civil

Grfico 2 Estado civil dos produtores de leite do Assentamento So Manoel (MS)

Esta informao, mesmo sendo de natureza essencialmente administrativa, confirma a incluso deste grupo populacional no contexto agropecurio brasileiro conhecido como agricultura familiar, entendida como aquela dirigida pelo prprio produtor rural e que faz mais uso da mo-de-obra familiar do que a contratada, necessitando portanto de um ncleo familiar com mais pessoas. De fato, conforme exposto no grfico 3, 89% dos assentados possuem filhos, embora a maior parte restrinja-se a no mximo 2 por ncleo familiar. Este nmero provavelmente est relacionado as condies de vida em que as famlias vivem, bem como as dificuldades que existem para sua auto-sustentao.

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Moura (2001) encontrou mdia de 3,7 filhos por casal em assentamento localizado no Paran, fato que segundo o autor demonstra a mudana cultural ocorrida no s na zona urbana, mas tambm no meio rural. Paradoxalmente, Moura (2001) alerta para o fato da criana (at 14 anos de idade) possuir um papel importante no assentamento, pois auxilia os pais e irmos mais velhos no desenvolvimento de tarefas mais simples e, com isso, adquirem conhecimento e gosto pelo trabalho agrcola, facilitando a continuidade do mesmo. Por outro lado, apesar de posteriormente exercerem atividades no prprio lote, aumentando a fora de trabalho, no o fazem por um perodo muito longo, pois geralmente o nmero de membros da famlia muito maior do que a capacidade que o lote possui para mant-los.

50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0

45,65%

Percentual

26,08% 17,40% 10,87%

no possui

1-2 N de filhos

3-4

Mais de 5

Grfico 3 Distribuio do nmero de filhos, por famlia, entre os produtores de leite do Assentamento So Manoel (MS)

Na tabela 4, encontram-se os dados referentes participao dos membros da famlia no trabalho na propriedade. Das 46 unidades familiares, 47% (22) tm duas pessoas que trabalham no lote, ou seja, alm do proprietrio (a), a (o) esposa (o) ou filho contribuem como mo de obra nas atividades da UPF.

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Tabela 4 Nmero de pessoas que compem o ncleo familiar dos produtores de leite do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) N de pessoas Propriedades 1 5 2 22 3 9 4 6 5 4

Quanto ao nvel de instruo formal (Tabela 5), observa-se uma presena muita alta de no alfabetizado (80%) entre os proprietrios dos lotes, condizente tanto com o nvel de instruo baixo do pas quanto com aquele encontrado nas reas rurais em geral.

Tabela 5 Nvel de escolaridade dos produtores de leite do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) Grau de instruo Nmero de produtores % Ensino Bsico Incompleto 36 78 Ensino Bsico Completo Ensino mdio completo No alfabetizado Ensino Superior Incompleto Total 6 2 1 1 46 13 5 2 2 100

Alvarenga & Rodrigues (2004), ao analisarem dois assentamentos localizados em Alvorada do Sul (MS) cuja atividade principal a pecuria leiteira, encontraram dados semelhantes, pois a maior parte dos proprietrios (66,7%) possua apenas o ensino fundamental incompleto (at quatro anos de estudo). Entretanto, os mesmos autores detectaram maior presena (17,8%) de no alfabetizado entre os chefes de famlia. Neste sentido, Abelm & Hbette (1998) relatam que 42,84% de pessoas que vivem em assentamentos no Pas nunca completaram o ensino bsico (1 a 4 srie), mas que entre os diversos assentamentos existem diferenas significativas neste aspecto, devidas principalmente origem geogrfica dos assentados. Gnoatto et al (2006) afirmam que o alto ndice de analfabetismo e o baixo nvel de escolaridade negam o acesso, por parte dos produtores, s novas tcnicas de produo, obrigando-os a continuar a usar tecnologias mais rudimentares, que podem comprometer sua produtividade.

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Entretanto, cabe ressaltar que nem sempre o nvel de instruo formal dos produtores constitui fator limitante ao conhecimento, pois o conhecimento emprico dos mesmos tambm de fundamental importncia para a sobrevivncia no campo. A respeito disso, Carrieri (1992) considera que a prtica cotidiana do agricultor familiar o leva a tomar decises baseadas tanto em seu bom senso e conhecimento emprico, quanto na viso global de seu meio, representando, portanto, sua realidade. No grfico 4 esto expostos o tempo de ocupao das UPF no assentamento, confirmando que a maioria dos assentados (59%) participaram do processo de luta pela terra que, contando da data de homologao, completar 17 anos em dezembro de 2010.

30 25N de produtores

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20 15 10 5 03 0-5 5 11

06-10 11-15 Tempo de ocupao (anos)

>16

Grfico 4 Tempo de ocupao das UPFs produtoras de leite do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

No entanto, 41% dos lotes foram adquiridos entre 1999 e 2003, o que revela a considervel comercializao ou troca dos mesmos, como observado em outros contextos de luta pela terra (MOURA, 2001). Este fato est estritamente relacionado as dificuldades encontradas pelos produtores, como citado por Lemos (2009), tais como inadimplncia e dificuldades para se produzir no lote. Moura (2001) corrobora tal afirmao indicando problemas econmicos ligado falta de assistncia tcnica, ausncia de capital para investimentos e custeio das lavouras, dificuldade de sobrevivncia em lotes de dimenses reduzidas e baixo grau de organizao dos assentados, acarretando em pouca credibilidade junto aos rgos pblicos. Os dados colhidos (Tabela 6) revelam que 100% das residncias so de alvenaria, possuem energia eltrica e gua encanada (com origem de diversas fontes como mina, poos

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semi-artesianos, poo tipo cisterna). A maioria tambm possui televisor e celular, facilitando a comunicao. Tais dados so semelhantes aos encontrados em outros assentamentos do Mato Grosso do Sul e devem-se, provavelmente, ao tempo de estabelecimento dos mesmos, pois aps trs anos ocorre a liberao de recursos financeiros por parte dos rgos governamentais para a construo de moradia e melhoria na infraestrutura (Alvarenga & Rodrigues, 2004).

Tabela 6 Infraestrutura das unidades de produo (UPF) leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) Fonte Disponibilidade Tipo gua para o consumo humano Energia eltrica Meios de comunicao todas as UPF todas as UPF 89% das UPF Poo semi-artesiano, cisterna e mina Centrais Eltricas Sul Matogrossenses (Enersul) TV, rdio e celular

Aleixo et al (2006) ressaltam que estes no constituem o objetivo principal dos programas de auxlio, mas que condies adequadas de infraestrutura potencializam o sucesso das atividades econmicas, pois contribuem para aumentar a qualidade de vida dos assentados. No tocante participao em alguma forma de organizao de classe, apenas 12 produtores no possuem nenhum vnculo (grfico 5), e isto possivelmente refletir-se- em uma maior organizao e melhores ndices de produo entre os assentados, conforme ressaltado por Aleixo et al. (2006).

14 12 10 8 6 4 2 0

11

13

12

Produtores

5 3 1 1

Cooperatiava Cooperativa e Associao No participam

Sindicato Cooperativa e Sindicato

Associao Associao e sindicato

Grfico 5 Participao em organizaes de classe no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

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Na tabela 7, so apresentadas as rendas mensais obtidas pelas famlias em suas unidades de produo e composta por diferentes origens. Observa-se que 13 produtores no possuem outras fontes para a composio da renda mensal e vivem exclusivamente da venda do leite, dados estes superiores aos encontrados por Machado et al. (2009), onde somente 6 famlias (de um total de 41) de um assentamento no Tocantins tinham apenas a pecuria leiteira como geradora de renda.

Tabela 7 Renda em salrios mnimos (SM) dos produtores de leite do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) Tipo de renda < 1 SM 1-2 SM 2-3 SM > 3 SM Total Renda do leite Outras rendas Renda integral da famlia 35 20 12 7 10 26 4 2 7 0 1 1 46 33 46

Aposentadoria, comrcio ou prestao de servios

Ademais, observa-se que a maior parte daqueles que vivem exclusivamente de sua produo possuem renda mensal de at 1 salrio mnimo (R$ 510,00, maro/2010) e, certamente, este valor no suficiente para investimentos em tecnologias. Contatou-se, ainda, que os produtores ainda no possuem uma boa prtica de gerenciamento das atividades no que diz respeito principalmente anotao do fluxo de caixa (entradas e sadas) e ao controle dos custos de produo. Em outras regies, como o sudeste, a pecuria leiteira tambm a principal atividade em assentamentos, onde apresenta estrutura produtiva do tipo familiar (ALEIXO & SOUZA, 2000). Silva (2004) afirma que, apesar de no proporcionar um retorno financeiro elevado, esta atividade representa a alternativa mais vivel para gerar renda para os assentados, principalmente porque sua produo diria, implicando numa entrada mensal ou quinzenal de recursos que ajudam a custear os gastos domsticos e at mesmo subsidiar parte das demais exploraes de produo. Alm disso, a mesma autora relata que a criao do gado leiteiro muito valorizada pela possibilidade da venda espordica de bezerros e vacas, servindo como uma espcie de reserva em momentos de alguma necessidade financeira (doena ou pagamento de parcelas do crdito recebido, por exemplo).

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4.2 CARACTERIZAO AMBIENTAL

Na tabela 8 encontram-se os dados relativos rea de reserva legal que compe o conjunto das propriedades pesquisadas, onde se observa que todas as propriedades possuem esta rea, com maior ou menor extenso.

Tabela 8 rea de reserva legal das propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) rea de reserva N de propriedades 0 - 2 ha 3 - 5 ha 6 - 9 ha Mais de 10 ha 19 13 6 8

O Cdigo Florestal Brasileiro, Lei n 4771/65 Art. 16 Inciso III, diz respeito rea de reserva legal na regio do cerrado, que deve ser de 20% por propriedade. Apesar da rea mdia das propriedades dos produtores de leite do Assentamento So Manoel ser de 26,3 ha, a maior parte (32) possui at 19% da rea de reserva e apenas 34% atendem referida lei. Sendo assim, a partir das informaes apresentadas, pode-se inferir que das 46 propriedades que produzem leite, 66% delas j possuem mais de 81% de suas reas desmatadas, inclusive nas margens dos crregos, nascentes e outros mananciais, provocando eroses (Figura 2), como observado na maioria das propriedades (Tabela 9). Neste caso, a presena de algum tipo de eroso pode representar fases iniciais de degradao do solo e comprometimento da rea.

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Figura 2 Eroso por sulco em rea de pastagem no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) Tabela 9 Ocorrncia de eroso nas propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) Ocorrncia N de propriedade Sulco e Vooroca Laminar Laminar e Sulco Total 4 14 16 34

Machado et al. (2009) relatam os mesmos problemas em UPF leiteiras do Tocantins, acrescentando que o uso de tecnologias que vise conservao do solo quase inexistente, por desconhecimento e/ou falta de assistncia tcnica. De fato, no caso deste estudo, apenas um dos entrevistados declarou utilizar algum tipo de prtica conservacionista (curvas de nvel e terraos). No caso de propriedades onde a pecuria a atividade-base, tem-se como principal causa deste problema a interferncia antrpica de substituio da vegetao nativa por pastagens, em reas suscetveis eroso. Ainda segundo Machado et al. (2009), a ausncia de tecnologias adequadas formao e manejo das pastagens contribui na degradao destas e do solo, bem como na baixa produtividade do rebanho.

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4.3 CARACTERIZAO DO SISTEMA PRODUTIVO

As UPF leiteiras do Assentamento So Manoel so formadas por lotes de 15 a 41 ha, sendo que a maioria (43%) encontra-se na faixa de 21 a 25 ha (Grfico 6).

20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0

20

N de propriedades

10 6 5 3 2 Mais de 41

15-20

21-25

26-30

31-35

36-40

rea (ha)

Grfico 6 Distribuio das reas (ha) das propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

Dado que a atividade pecuria leiteira constitui a atividade com maior expresso no lotes avaliados, a produo agrcola na UPF est limitada a algumas culturas e representa apenas 1,5 ha, em mdia, por produtor (Tabela 10).

Tabela 10 Produo agrcola nas propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) Nmero de produtores e destino da produo Produtos rea (ha) Consumo Comrcio Milho, Feijo e Mandioca 41,0 23 3 Milho, Feijo, Mandioca e outros* 21,0 8 7 Mandioca 6,0 7 0 Milho e Mandioca 2,5 3 0 Feijo e Mandioca 1,0 1 0 Total 71,5 42 10* hortalias e frutas

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Nota-se que uma pequena parte dos produtores (dez) comercializa parte do que produz (milho, feijo, mandioca, hortalias, frutas), complementando a renda total da propriedade. O autoconsumo, com venda do excedente, parece ser uma tendncia em assentamentos onde a pecuria a principal atividade econmica (SANTOS et al., 2003; MACHADO et al., 2009). Segundo Moura (2001), comum o plantio de milho, feijo e hortalias em assentamentos, vistos serem esses produtos baratos, de fcil cultivo e comercializao, alm de fazerem parte, como no caso do milho, tanto da alimentao humana quanto animal. Observou-se tambm que freqente, em todas as propriedades aqui avaliadas, a cultura da mandioca (Figura 3).

Figura 3 Cultura da mandioca no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) Tabela 11 Infraestrutura presente nas propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) Infraestrutura n de propriedades Cerca fixa 46 Energia eltrica 46 Trator alugado 37 Cerca eltrica 22 Mangueiro 20 Galpo 14 Triturador 14 Trator prprio 8 Barraco de ordenha 6

37

Ordenhadeira mecnica

3

Entretanto, pode-se notar (Tabela 11) que 22 propriedades possuem cercas eltricas uma importante infraestrutura que facilita no manejo das pastagens (Figura 4) que apenas 3 produtores possuem ordenhadeira mecnica (Figura 5), e apenas 6 possuem barraco de ordenha, equipamentos de grande importncia na qualidade do leite e essenciais para o cumprimento da Instruo Normativa 51 (BRASIL, 2002). Alm disso, cabe ressaltar que os equipamentos de preparo de solo, como tratores, na maior parte das vezes so alugados de terceiros, para prestarem servios no plantio e/ou reforma de pastagens.

Figura 4 Cerca eltrica no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS).

38

Figura 5 Barraco de ordenha mecnica instalado em uma

propriedade leiteira do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

Em relao ao tempo de experincia na atividade leiteira, a maior parte dos entrevistados (58,7%) afirmar ter entre 6 e 10 anos, demonstrando uma certa vivncia nas atividades de campo ligadas pecuria (Grfico 7).

30 N de produtores 25 20 15 10 5 0 0-5 13

27

3 06-10 Anos 11-15

3 mais de 16

Grfico 7 Tempo de experincia dos produtores do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS), na atividade leiteira

Na maioria das propriedades, as pastagens so compostas basicamente por duas espcies consorciadas (Brachiaria brizantha e Brachiaria decumbens), ocupam rea equivalente a 2.573,35 ha, e foram formadas, em mdia, h 8 anos (Grfico 8).

20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0

20

Ano de formao

7 4 0 1-5 1 06-10 N de propriedade 5 1

7

1 11-15

Brachiaria brizantha

B. brizantha e B. decumbens

Brachiaria decumbens

Grfico 8 Idade das pastagens nas unidades de produo leiteira do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

39

Figura 6 Pastagem de Braquiria (Brachiaria brizantha e Brachiaria decumbens)

Em poucos lotes (4) encontra-se tambm o capim Tifton 85 (Cynodon sp) (Figura 7) e esta espcie, quando adubada e corretamente manejada, possui boa capacidade de produo e qualidade de forragem.

Figura 7 rea de (Cynodon sp) Tifton 85 no Assentamento So Manoel (MS)

40

Segundo Vilela et al. (1996), pastagens constitudas por espcies que apresentam elevado potencial forrageiro possibilitam ao produtor menor necessidade de concentrado ou de forragens conservadas para alimentar o seu rebanho, com conseqente reduo nos custos da produo animal. Neste sentido, Vilela & Alvim (1996) relatam produes de leite acima de 50 kg/ha/dia em pastagens de Cynodon, valores superiores aos encontrados por Gomide et al. (2001) em pastagens de Brachiaria decumbens. Alm das gramneas, observam-se outros tipos de vegetao nos lotes, como rvores poupadas, em maior ou menor quantidade, durante o processo de desmatamento para a formao de pastagens. Carvalho (2006) cita algumas vantagens em se manter pastagens arborizadas como controle da eroso atravs de suas razes, aumento da fertilidade do solo atravs da fixao de N por espcies de leguminosas como Dipterex alata e pela decomposio da biomassa (folhas, galhos, frutos e flores), melhoria no aproveitamento da gua das chuvas e, principalmente, aumento do conforto trmico animal pelo fornecimento de sombra (Figura 8).

Figura 8 Sombreamento na pastagem de uma UPF do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

A maioria das propriedades (41) possui divises (piquetes) nas pastagens (Tabela 12), em uma tentativa de se aproveitar melhor o pasto. Entretanto, somente 29 produtores afirmaram utilizar o sistema rotacionado, o que pode denotar real desconhecimento deste tipo

41

de manejo de pastejo e corrobora a afirmao de Corsi (2003), de que o simples fato de existir divises dos pastos no significa que o sistema rotacionado. Muitas vezes, incluindo este estudo, existe somente alternncia na utilizao dos mesmos, sem nenhum critrio tcnico.

Tabela 12 Diviso de pastagem (piquetes) das propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) Nmero de Piquetes Propriedades No possuem diviso 13 46 79 acima de 10 Total 05 09 22 06 04 46

Poucos (22%) so os produtores que afirmam que no possuem problemas com plantas espontneas/ indicadoras nas pastagens (Tabela 13).

Tabela 13 Plantas indicadoras presentes nas propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) Indicadores Nmero de Propriedade Assapeixe (Vernonia polyanthes Less) Mata pasto (Senna obtusifolia L. Irwin e Barneby) Ciganinha (Memora peregrina Miers) Cip (Mascagnia pubiflora Juss) Malcia (Mimosa pudica L.) Total 23 8 3 1 1 46

Um maior nmero (65%) diz no ter problemas com pragas comuns em pastagens, como cigarrinhas e cupins (Grfico 9).

42

30 N de propriedades 25 20 15 10 5 0

30

7

6 3

Pragas das pastagens No tem problema c/ cigarrinhas Cupins Cigarrinhas Cigarrinhas e cupins

Grfico 9 Pragas encontradas nas pastagens das unidades de produo de leite do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

Segundo Marques (2008), os solos cidos proporcionam condies ideais para o desenvolvimento de pragas como cupins, pois a falta de matria orgnica e fertilidade natural do solo vo diminuindo com o uso do solo. O surgimento de cupins indicativo biolgico de degradao das pastagens. Salienta-se que as reas de capineiras ocupam uma rea ainda muito pequena no Assentamento So Manoel (Tabela 14) e mais da metade dos produtores no fazem uso deste tipo de suplementao forrageira (Figura 9).

Tabela 14 Principais capineiras, e respectivas reas, presentes nas propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) rea (ha) Capineira Produtores Cana-de-acar Napier No tem rea de capineira Total 9 8 29 46 8,3 3,7 0,0 12

Segundo Thiago (2002), para a suplementao de uma vaca em lactao na estao seca necessrio 6% de seu peso vivo em volumoso. Assim, para um animal de 450 kg de peso vivo, ser necessrio 27 kg de cana fresca por dia. Considerando-se o perodo mdio de 150 dias de suplementao e produtividade mdia de 70 ton/ ha de cana, na regio, sem o uso de corretivos ou adubao, seriam necessrios cerca 28 ha para suplementar todo o rebanho leiteiro do Assentamento

43

Figura 9 rea de capineira em formao no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

Nota-se tambm que poucos produtores possuem reas com capim Napier (Pennisetum purpureum), cuja soma no ultrapassa 4 ha. Pode-se observar visualmente, durante as visitas, que o mesmo no utilizado adequadamente, pois segundo Thiago (2002) este deveria ser cortado ou pastejado altura de 1,5 m, abaixo do adotado nas propriedades e que certamente prejudica a qualidade da forragem fornecida aos animais. Interessante o fato de cerca 24 produtores declararam problemas com alimentao no perodo seco, mas somente 19 realizarem suplementao. Muitos produtores relataram informalmente que uma das estratgias utilizadas para sanar tal problemtica o aluguel de pastagens. respeito, Paciullo (2005) afirma que a estacionalidade forrageira um dosprincipais problemas em pastagens de gramneas tropicais, e que a baixa disponibilidade de pasto no perodo da seca uma das principais causas do baixo desempenho do rebanho criado pasto. Por sua vez, tais efeitos negativos podem ser minimizados com o uso de concentrados e suplementao volumoso, estratgia que, porm pode aumentar em 40% o custo de produo de

leite (LUCCI, 1976). Lisita et al. (2007), entretanto, afirmam que existem outras prticas eficientes e econmicas, condizentes realidade dos assentamentos, para a melhoria da nutrio dos rebanhos, ou seja, de baixo custo e adaptadas rea reduzida dos lotes, solos com severas

44

limitaes e distribuio irregular das chuvas. Uma delas a utilizao do feno obtido a partir de espcies arbustivas j presentes ou introduzidas nas unidades produtivas. Alm do alimento, a gua de igual importncia na dieta animal. Uma vaca em lactao, por exemplo, consome de 62 a 100 litros de gua diariamente (CAMPOS, 2006). Neste caso, mesmo com vrias fontes de gua disponveis (tabela 15), esta ainda um limite para a produo de leite, pois a qualidade e a disponibilidade varia de acordo com o perodo do ano sendo em abundncia em algumas e limitadas em outras (figuras 10 e 11).

Tabela 15 Fontes de gua disponveis nas propriedades leiteiras do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS) Fonte/ forma de fornecimento Nmero de Propriedades Aude (direto) Pilheta (poos manuais, poos artesianos ou minas) Crrego (roda dgua) 36 26 21

Figura 10 Aude em uma propriedade leiteira do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

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Figura 11 Pilheta abastecida com gua do crrego bombeada por sistema de roda dgua para fornecimento aos animais leiteiros de uma propriedade do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

Muito embora um alto percentual dos entrevistados (93%) declare o fornecimento de sal mineral ao rebanho (Grfico 10), observou-se que, na prtica, nem todos o fazem de maneira adequada, pois adicionam sal branco ao produto em uma tentativa de se aumentar o rendimento do mesmo. Este procedimento, obviamente, no recomendado, pois o produto final obtido no atende as necessidades nutricionais dos animais.50 N de produtores 40 30 20 10 0 sim Sal mineral no 3 43

Grfico 10 Mineralizao do rebanho leiteiro dos produtores do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

Ainda em relao aos produtos mencionados, apenas 19 produtores utilizam sal mineral de marcas conhecidas e procedncia idnea, capazes de garantir um mnimo de qualidade. Nesse sentido, cabe ressaltar que a mineralizao do rebanho leiteiro um aspecto muito importante tanto na esfera produtiva quanto sanitria e reprodutiva, principalmente em

46

sistemas de produo em pastagens formadas em solos fracos, de baixa fertilidade, tpicos do cerrado. Do ponto de vista sanitrio, a maior parte dos assentados utiliza controle qumico para ectoparasitas, o problema mais relatado, sendo o mais comum o produto diludo em gua e pulverizado, banhando-se o animal com bomba costal (33 propriedades). O restante dos entrevistados utiliza outras formas de aplicao, como pour on (aplicado sobre o lombo), misturado com sal ou via endovenosa/ subcutnea. Zegarra et al. (2007), ao constatarem situao muito similar a este estudo, afirmam que a escolha do produto recai no fator preo e as formas de aplicao preferenciais so aquelas que oferecem maior comodidade, como os produtos injetveis e pulverizados. Como em vrios outros assentamentos que possuem a pecuria leiteira como principal atividade (TARSITANO et al., 2007; ZEGARRA et al., 2007), a monta natural presente em quase a totalidade das propriedades (98%). Para Tarsitano et al. (2007), a facilidade e tradio de se utilizar o touro para cobertura desestimula a adoo da inseminao artificial como tcnica reprodutiva. Alm disso, outros fatores contribuem para tal, como o alto custo do smen ou a falta de treinamento tcnico para executar a tcnica. O rebanho formado quase na sua totalidade por animais com grau de sangue inferior a Holands-Zebu, ou seja, animais rsticos, no especializados para produo leiteira e que, consequentemente, apresentam baixa produtividade (Figuras 12 e 13).

Figura 12 Padro racial do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

47

Figura 13 Padro racial do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

O nmero de vacas em lactao varia entre os lotes (de 8 at 20 reses/ propriedade), totalizando 482 vacas em lactao nas unidades produtivas avaliadas. Em todos os lotes visitados, a produo de leite sazonal, sendo freqente uma maior produo no perodo das chuvas em comparao ao perodo seco (Grfico 11).

1500

1256

1470

Leite produzido

1250 1000 750 500 250 0perodo seco perodo chuvoso

Perodo da produo

Grfico 11 Produo de leite total (482 vacas) do Assentamento So Manoel, Anastcio (MS), em dezembro de 2009

A estratificao da quantidade de leite produzida diariamente no perodo seco e chuvoso nas propriedades do Assentamento So Manoel est exposta no grfico 12.

48

30 25 N Produtores 20 15 10 5 0 at 20 l/dia 11 4

27 22 15

5 2 21-50 l/diapoca seca

6 0 no ordenha

51-80 l/dia

0 mais de 80 l/dia

poca chuvosa

Grfico 12 Nmero de produtores de leite e quantidade produzida por dia, na seca e nas guas, no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

Existe uma diferena considervel da produtividade leiteira nas duas pocas, com exceo daquelas que produzem entre 21 e 50 litros. A diferena devido ao perodo seco, os produtores que ordenham poucas vacas at para de tirar leite Observa-se ainda a maioria (48%) encontra-se nessa faixa de produtividade. Esses dados so semelhantes aos obtidos por Tarsitano (2007), no Assentamento Timbor, regio de Andradina (SP), onde a produtividade no perodo chuvoso maior que a do perodo seco onde consiste o maior nmero de produtores. O assentamento possui dois resfriadores (capacidade de 2000 litros) (figura 14), de uso coletivo, administrados pelos produtores, e outro (capacidade de 3000 litros), tambm de uso coletivo, mas de propriedade do laticnio que adquire o leite. De fato, a maior parte do leite produzido (43 produtores) vendida ao laticnio, sendo que somente 3 dos entrevistados processam o leite na propriedade. Durante o perodo de coleta de informaes para este estudo (outubro 2009 a janeiro 2010), o valor recebido por litro de leite foi de R$ 0,30 por litro. Mas, conforme informado atravs do questionrio, no perodo seco chegou a R$ 0,53, caindo para R$ 0,25 no perodo chuvoso. Quando, porm, o produtor no paga o frete, o valor pago chega a R$ 0,09 por litro, trazendo pouco retorno financeiro.

49

Figura 14 Resfriador de 2000 litros utilizado pelos produtores de leite no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

Pian et al. (2009) relatam que os prprios produtores, na maioria dos casos, classificam o preo pago pelo leite como pssimo e isto se deve ao fato da qualidade do leite ser baixa, causando algumas vezes rejeio por parte dos laticnios que o recebem. Alm disso, as pastagens inadequadas e a falta de recursos para investimento em qualidade da produo so tidos como principais problemas enfrentados na atividade. O mesmo foi constatado neste estudo, em que devido ao baixo nvel tecnolgico empregado, pouca especializao dos produtores e, principalmente, a falta de uma organizao dos mesmos, fazem com que a venda do leite bem como a estipulao do preo do litro praticado na regio fique por conta dos laticnios. Por outro lado, mesmo sendo mal remunerados, os produtores escoam mais facilmente a produo, j que as empresas coletam dentro do assentamento. Este cenrio, mais uma vez, parece ser muito comum em unidades familiares leiteiras presentes em assentamentos de todo o Brasil (MATTOS, 2001; ZOCCAL et al. 2007; FIGUEIR, 2008; PIAN et al., 2009; RODRIGUES et al., 2009). Outras dificuldades foram levantadas em relao atividade, onde a mais citada pelos produtores (26%) a falta de recursos para investimentos (Grfico 13), seguida pela falta de pasto, melhoramento gentico, preos baixos do leite, infraestrutura de produo, solos fracos e falta de gua, e difcil escoamento da produo. Interessante notar que 8 produtores (18%) relataram no haver nenhuma dificuldade para produo de leite.

50

30% 25% Porcentagem 20% 15% 10%

26%

18%

17% 13% 9% 9% 4% 4%

5% 0% Falta de recurso para investimento Falta de pasto Preo baixo Falta de gua e solos fracos No tem dificuldade Melhoramento gentico Infraestrutura de produo Difcil escoamento da produo

Grfico 13 Dificuldades relatadas pelos produtores de leite no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

Zegarra et al. (2007) sugerem basicamente as mesmas dificuldades aqui relatadas, como falta de infraestrutura, financiamento, investimentos e assistncia tcnica, como fatores relacionados baixa produtividade em pequenas unidades de produo familiar. Conforme relatam Tarsitano et al. (2007), o acesso assistncia tcnica especializada pode aumentar a produtividade de leite nas unidades familiares em mais de 54%. Por outro lado, um maior profissionalismo por parte dos produtores tambm contribui a este propsito. Neste estudo, pouco mais da metade dos produtores (52%) dizem j haver frequentado algum curso tcnico ligado pecuria leiteira, como manejo de pastagens, aplicao de medicamentos, cria e recria de bezerros e novilhas de leite, inseminao artificial, entre outros. Alm disso, ao serem questionados, 30 produtores relataram a inteno de participar a novos cursos, principalmente sobre manejo de pastagens e inseminao artificial. Segundo Benedetti (2008), h uma necessidade de capacitao continuada dos agricultores familiares, pois isso implica na melhoria de vida dos mesmos, desde que as tecnologias sejam acessveis e adaptadas aos nveis tecnolgicos encontrados em cada propriedade rural, respeitando as individualidades e a experincia de cada produtor. Como pode observar-se no Grfico 14, o melhoramento gentico do rebanho citado como uma prioridade futura na maioria das propriedades leiteiras e, para os entrevistados, implica no uso de inseminao artificial, aquisio de animais com aptido leiteira ou substituio do reprodutor com raas especializadas para leite.

51

60% 50% Porcentagem 40% 30% 20% 10% 0%

52% 41% 40% 28% 15%

13%

24 Gentica Pastagens

19

17 Capineiras

13

7

6 Infraestrutura para produo

Frequncia Piqueteamento Correes do solo

Grfico 14 Perspectivas dos produtores para melhorar a produo de leite no Assentamento So Manoel, Anastcio (MS)

Bittencourt et al. (1999), ao realizaram um estudo sobre os principais fatores que afetam o desenvolvimento dos assentamentos de reforma agrria no Brasil, concluram que a qualidade fsico-qumica dos solos, a disponibilidade de gua, a freqncia das chuvas e o relevo so aspectos importantes para determinar o nvel de desenvolvimento dos mesmos. Alm disso, os mesmos autores afirmam que tais aspectos podem ser considerados como prcondies para o xito dos projetos nos assentamentos. Sendo assim, o quadro natural um fator central que pode no s determinar a diferena entre os assentamentos com maior ou menor nvel de desenvolvimento, mas tambm, impossibilitar o desenvolvimento produtivo dos mesmos.

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CONSIDERAES FINAIS

Os produtores de leite do Assentamento So Manoel tm grandes desafios a serem superados, pois apesar de todos viverem quase exclusivamente da atividade, as propriedades possuem baixo nvel tecnolgico e manejo ineficiente, gerando pouco retorno econmico. Neste sentido, a mineralizao inadequada do rebanho, utilizao de forrageiras com baixo valor nutritivo, sazonalidade da produo das pastagens aliada dificuldade em suplementar os animais, incio de degradao nas pastagens devido a manejo incorreto das mesmas, a pouca especializao do rebanho so os principais fatores da baixa produtividade de leite descrita neste trabalho. Neste caso, devido ao interesse dos prprios produtores em buscar o uso sustentvel dos recursos naturais j existentes, faz-se necessrio uma orientao tcnica capaz de aliar os novos conceitos aos saberes j existentes, onde as estratgias scio econmicas e ambientais devem ser definidas com os assentados. Sendo assim, os dados aqui apresentados podero servir de base para a implantao de medidas capazes de, principalmente, aumentar a produtividade leiteira de cada propriedade utilizando os recursos naturais disponveis na regio. Alguns exemplos nesse sentido j ocorrem em algumas propriedades do Assentamento So Manoel envolvidas no Programa de Capacitao Tcnica Aplicada Pecuria Leiteira do Estado do Mato Grosso do Sul (PCTA-PL/MS), ou Rio de Leite, projeto executado pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul em parceria com as prefeituras de Anastcio e Aquidauana. Este programa vem desenvolvendo aes de capacitao tcnica junto aos produtores e bem como de extenso na rea de pecuria leiteira que j apresentando bons resultados conforme relatrios do programa.

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