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LIMA BARRETO

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Page 1: Lima barreto

LIMA BARRETO

Page 2: Lima barreto

A biografia de Lima Barreto explica o terreno ideológico de sua obra: a origem humilde, a cor, a vida penosa de jornalista pobre e de pobre funcionário público, aliadas à viva consciência da própria situação social, motivaram seu socialismo emotivo nas raízes e nas análises.

Lima Barreto e a sua biografia

Page 3: Lima barreto

Foi um escritor do seu tempo e de sua terra. Anotou, registrou, fixou asperamente quase todos os acontecimentos da República. Entretanto, o destruidor de tabus detestava algumas formas típicas de modernização que o Rio de Janeiro conheceu nas primeiras décadas do século XX: o cinema, o futebol, o arranha-céu e, o que parece mais grave, a própria ascensão profissional da mulher!

Lima Barreto e suas contradições ideológicas:

Page 4: Lima barreto

Chegava, às vezes, a confrontar o sistema republicano desfavoravelmente com o regime monárquico no Brasil.

Origens de suas contradições ideológicas: A origem suburbana; O instinto de defesa étnica; Ojeriza pelos homens e pelos processos da República

Velha (oligarquia escravocrata).

Lima Barreto e suas contradições ideológicas:

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Rompendo com as convenções literárias de sua época, buscou revelar sobretudo a tristeza dos subúrbios e sua gente humilde: funcionários públicos aposentados, jornalistas pobretões, tocadores de violão, raparigas sonhadoras, etc. Impregna sua obra de uma justa preocupação com os fatos históricos e com os costumes sociais, tornando-se uma espécie de cronista apaixonado da antiga capital federal.

O cronista do Rio de Janeiro

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O caráter de denúncia social dos textos de Lima Barreto tem originalidade: ele vê o mundo com o olhar dos “derrotados”, dos injustiçados, dos que são feridos pelo preconceito. O preconceito de cor, especialmente, é o motivo central de sua indignação. Conhecedor da estrutura discriminatória da sociedade brasileira sentiu, muitas vezes, a rejeição aberta ou sutil. Por essa razão protesta com veemência (Ex.: Clara dos Anjos + Recordações do escrivão Isaías Caminha).

Denúncia social e caricatura

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O detalhado registro dos subúrbios e de suas criaturas ofendidas tem um contraponto: a caricatura, com a qual fulmina os poderosos, os burgueses e os intelectuais da época. Usa e abusa dessa técnica, ridicularizando o grand monde cultural e social do Rio de Janeiro. A caricatura aparece tanto nas narrativas longas quanto nas crônicas publicadas em jornais alternativos. Trata-se da parte mais datada de sua obra, embora algumas de suas farpas sejam eficientes ainda hoje.

Denúncia social e caricatura

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A FICÇÃO

LIMA BARRETO

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O drama da pobreza e do preconceito racial constitui o núcleo da obra. Romance inacabado, apresenta o drama de Clara, jovem mulata suburbana de origem humilde, que é vítima de um sedutor profissional, Cassi Jones. Esse grotesco galã dos arrabaldes, apesar de sua extração social mais elevada, cria galos de rinha e aproveita-se de donzelas ingênuas. Sua principal arma de sedução é o violão. Hábil intérprete de modinhas, revira os olhos ao tocá-las e, assim, desperta amores ardentes.

Clara dos Anjos (1924)

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Criada de forma inocente pela família, Clara torna-se presa fácil do desprezível sedutor e termina por engravidar. Sua mãe descobre a gravidez e, juntas, as duas vão até a casa de Cassi para exigir o casamento. Na cena mais forte do relato, a mãe do rapaz as expulsa. Desoladas, Clara e a mãe retornam para o subúrbio. A narrativa é interrompida nesse ponto, e o autor não a conclui, por razões jamais esclarecidas.

Clara dos Anjos (1924)

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Espaço

O romance passa-se no subúrbio carioca e Lima Barreto descreve o ambiente suburbano com riqueza de detalhes, como os vários tipos de “casas, casinhas, casebres, barracões, choças” e a vida das pessoas que ali vivem.Ao descrever o subúrbio, Lima Barreto aborda o advento dos “bíblias”, os protestantes que alugam uma antiga chácara e passam a conquistar novos fiéis para seu culto:“Joaquim dos Anjos ainda conhecera a "chácara" habitada pelos proprietários respectivos; mas, ultimamente, eles se tinham retirado para fora e alugado aos "bíblias"… O povo não os via com hostilidade, mesmo alguns humildes homens e pobres raparigas dos arredores frequentavam-nos, já por encontrar nisso um sinal de superioridade intelectual sobre os seus iguais, já por procurarem, em outra casa religiosa que não a tradicional, lenitivo para suas pobres almas alanceadas, além das dores que seguem toda e qualquer existência humana.”

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Personagens

Marrameque - Poeta modesto, semiparalisado, Marramaque frequentara uma pequena roda de boêmios e literatos e dizia ter conhecido Paula Nei e ser amigo pessoal de Luís Murat.Lima Barreto denuncia, na figura de Marramaque, a influência das rodas literárias, grupos fechados que abundam no Brasil; a cultura da oralidade, dos que aprendem “muita coisa de ouvido e, de ouvido, falava de muitas delas”, tendo uma cultura superficial, de verniz; e o azedume dos que não conseguem brilhar nas “rodas de gente fina”.Clara: a “natureza elementar” - Clara era a segunda filha do casal, “o único filho sobrevivente… os demais… haviam morrido.” Tinha dezessete anos, era ingênua e fora criada “com muito desvelo, recato e carinho; e, a não ser com a mãe ou pai, só saía com Dona Margarida, uma viúva muito séria, que morava nas vizinhanças e ensinava a Clara bordados e costuras.”.

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O autor reitera sempre a personalidade frágil da moça – sua “alma amolecida, capaz de render-se às lábias de um qualquer perverso, mais ou menos ousado, farsante e ignorante, que tivesse a animá-lo o conceito que os bordelengos fazem das raparigas de sua cor” – como resultado de sua educação reclusa e “temperada” pelas modinhas:Clara era uma natureza amorfa, pastosa, que precisava mãos fortes que a modelassem e fixassem. Seus pais não seriam capazes disso. A mãe não tinha caráter, no bom sentido, para o fazer; limitava-se a vigiá-la caninamente; e o pai, devido aos seus afazeres, passava a maioria do tempo longe dela. E ela vivia toda entregue a um sonho lânguido de modinhas e descantes, entoadas por sestrosos cantores, como o tal Cassi e outros exploradores da morbidez do violão. O mundo se lhe representava como povoado de suas dúvidas, de queixumes de viola, a suspirar amor.”

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Cassi: o corruptor - Por intermédio de Lafões, o carteiro Joaquim passa a receber em casa o pretendente de Clara, Cassi Jones de Azevedo, que pertencia a uma posição social melhor. Assim o descreve Lima Barreto:“Era Cassi um rapaz de pouco menos de trinta anos, branco, sardento, insignificante, de rosto e de corpo; e, conquanto fosse conhecido como consumado "modinhoso", além de o ser também por outras façanhas verdadeiramente ignóbeis, não tinha as melenas do virtuose do violão, nem outro qualquer traço de capadócio. Vestia-se seriamente, segundo as modas da rua do Ouvidor; mas, pelo apuro forçado e o degagé suburbanos, as suas roupas chamavam a atenção dos outros, que teimavam em descobrir aquele aperfeiçoadíssimo "Brandão", das margens da Central, que lhe talhava as roupas. A única pelintragem, adequada ao seu mister, que apresentava, consistia em trazer o cabelo ensopado de óleo e repartido no alto da cabeça, dividido muito exatamente ao meio — a famosa "pastinha". Não usava topete, nem bigode. O calçado era conforme a moda, mas com os aperfeiçoamentos exigidos por um elegante dos subúrbios, que encanta e seduz as damas com o seu irresistível violão.”

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Joaquim dos Anjos - carteiro acredita-se músico escreveu a polca, valsas, tangos e acompanhamentos de modinha. polca: siri sem unhas; valsa: mágoas do coração.Dona Engrácia - era católica, romana, filhos trazidos na mesma religião, era caseira, insegura, e rude.Eduardo Lafões - religiosamente ia aos domingos à casa de Joaquim para jogar o solo. Eduardo Lafões gostava dos assuntos do comércio. Era um homem simplório, que só tinha agudeza de sentidos para o dinheiro. Manuel Borges de Azevedo e Salustiana Baeta de Azevedo - pais de Cassi. O pai não gostava dos procedimentos do filho, enquanto a mãe cobria-lhe as desfeitas com as proteções.Dona Margarida Weber Pestana - viúva, mãe de Ezequiel, descendente de Alemão; ela, russa. Casou no Brasil com tipógrafo que falecera dois anos após o casamento.

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D. Laurentina Jácone - gostava de rezar, ficar zelando a igreja.D. Vicêntina - cartomante.Praxedes Maria dos Santos - "gostava de ser tratado por doutor Praxedes. Etelvina - crioula, colega de Clara, notou a impaciência de Clara porque o rapaz Cassi ainda não chegara à festa.Leonardo Flores - grande poeta.Barcelos - um português fichado na detenção.Arnaldo - era um colega do grupo dos valdevinos (desocupados que andava com Cassi).Menezes - o dentista da família. Intermediário dos bilhetes e cartas de Cassi para Clara. Helena - tia de Marramaque, econômica, prendada, costurava para o arsenal do governo.D. Castolina - mulher de Meneses.

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Imagens do Ângelo Agostini, um grande cronista do seu tempo, das personas Joaquim dos Anjos (pai de Clara) e Cassi Jones

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Ao encontrar com a sua suposta “sogra”, Clara é humilhada e profundamente ofendida – tudo isso por ser mulata e pobre. Para a mãe do rapaz, era um absurdo uma mulata pobre ter coragem de ir cobrar um casamento com seu filho branco. Somente após se deparar com cena e sentir-se menosprezada, Clara tomou noção da sua posição na sociedade e da sua diferença em relação as outras jovens. O autor representa, na figura de Clara e no seu drama, a condição social desprezível da mulher, pobre e negra, geração após geração.No final do romance, consciente e lúcida, Clara reflete sobre a sua situação: “O que era preciso, tanto a ela como às suas iguais, era educar o caráter, revestir-se de vontade, como possuía essa varonil Dona Margarida, para se defender de Cassi e semelhantes, e bater-se contra todos os que se opusessem, por este ou aquele modo, contra a elevação dela, social e moralmente. Nada a fazia inferior às outras, se não o conceito geral e a covardia com que elas o admitiam...”

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Em Clara e Engrácia está recriada um pouco da condição da mulher na ordem social pós escravatura, principalmente a condição da mulher negra e mestiça.A culpa da sedução de Clara dos Anjos pelo malandro Cassi Jones, tema central do romance, é atribuída, em parte, pelo narrador à educação que a família dá à moça e em parte à ordem social que ratifica a relação entre o homem branco e as mulheres negras e mestiças. Em oposição à Engrácia e à sua filha, está uma personagem viúva chamada Margarida Weber Pestana. Margarida era uma senhora teuto-eslava, cuja altivez é exaltada pelo narrador. Nesse contraste está um dado lógico e importante em relação à questão do negro na sociedade pós-escravatura de sonhos bellepoquianos: a absorção dos discursos preconceituosos e massacrantes acaba se diferenciando dependo da condição daquele que os ouve.

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Margarida era mulher, viúva e suburbana, porém altiva e de forte alicerce moral. Sua experiência de vida permitia a ela não absorver discursos que a inferiorizassem socialmente. No decorrer do romance, o narrador expõe vários traços do perfil de Joaquim e de sua família que remetem a uma leitura dos discursos da organização social nos primórdios da pós-escravatura brasileira. Descreve Joaquim como alguém que se acomoda, que não se informa e que absorve os mandamentos branco-burgueses e as duas personagens femininas – Engrácia e a jovem Clara dos Anjos – como pessoas sem condição de se defenderem na sociedade arrivista e excludente. Além da crítica ao contexto social, o narrador de Lima Barreto critica a educação que é dada à moça Clara: uma educação branco-burguesa para uma moça mestiça.

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Infere-se na obra “Clara dos Anjos” a adoção, por parte de seu narrador, de um escrito pautado em um discurso de enfrentamento das hipocrisias e das disparidades sociais existentes no Brasil, assim como combate aos preconceitos raciais que vigiam. Lima Barreto passa a dar voz à população silenciada que habitava os subúrbios cariocas, em um momento que a elite do Rio de Janeiro, que se encontrava vexada, “tentava esconder, qual sujeira, essa população embaixo do tapete, isto é, empurrava-a para os lugares mais recônditos da cidade, com a justificativa da necessidade de modernizar a cidade” Ao lado disso, a ambientação no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro traz à tona uma realidade, qual seja: tais áreas eram os lugares que aninhavam uma classe social carente que, diariamente, era devorada pelas demais.

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Trata-se de um refúgio aos desprovidos de ambição, vencidos pela caminhada, suplantados pelas dificuldades, frutos de uma sociedade sufocante para os despidos de dinheiro, posse e influência. O subúrbio segundo o próprio Lima Barreto é “o refúgio dos infelizes. Os que perderam o emprego, as fortunas; os que faliram nos negócios, enfim, todos os que perderam [ou nunca tiveram poder econômico] vão se aninhar lá”. Na obra em exame, Lima Barreto retrata a história da jovem mulata, Clara dos Anjos, proveniente de uma família simples do subúrbio carioca, filha de um carteiro e de uma dona de casa, Joaquim dos Anjos e Engrácia dos Anjos, sem grandes ambições na vida, a não ser contrair um matrimônio. Ao contrário do que a Literatura até então descrevia e narrava, consagrando em suas páginas mulatas sinuosas e sedutoras, com corpos que convidavam os homens ao prazer, Lima Barreto, ao estruturar a denúncia, coloca à mostra a realidade de uma sociedade preconceituosa, ranços do período imperial em que havia uma nítida distinção entre as camadas mais abastadas e as mais carentes, assim como a situação de inferioridade do negro e do mulato em relação ao branco.

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A peculiaridade a ser observada está nos contrastes entre o título da obra e a personagem homônima, posto que Clara, na realidade, não é clara, mas sim uma mulata; ao lado disso, o nome dos Anjos que transparece a concepção de pureza, de inocência também será colocado em contradição, quando é seduzida por Cassi Jones. “A contradição do nome também serve para reafirmar a crítica à fatalidade sócio racial na obra. Dessa forma o nome Claro dos Anjos e as referências evocadas assumem o papel de polo contraditório da denúncia”. Trata-se de uma ironia estruturada, com o escopo de despertar a reflexão no leitor. A personagem central da obra se apresenta como uma jovem pálida, inexpressiva e que reunia os estigmas próprios do início do século XX, notadamente o de ser uma pobre mulata. A falta de expressão de Clara dos Anjos retrata, cabalmente, a ausência de voz dos excluídos, marginalizados e da população da classe menos abastada, que se aninhava nos subúrbios, sufocados e achatados pela exploração da elite.

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Neste diapasão, cuida trazer à tona a descrição ofertada pelo autor acerca de sua personagem, havendo que se destacar a forma expressiva com que estrutura críticas à formação de Clara dos Anjos: Em um exame acurado, infere-se que Lima Barreto, ao traçar os aspectos característicos de sua personagem, aborda a educação e a proteção exacerbada da família que atalha a inteligência, cerra a visão para a vida e os perigos existentes. Além disso, o emprego dos adjetivos “amorfa” e “pastosa” são comumente utilizados para descrever mulheres no início do século XX, transparecendo a necessidade de um homem, com mãos fortes, para moldá-las, adequá-las à vida. Sem dúvidas, Clara dos Anjos reúne em sua estrutura o arquétipo da mulher, sob o ângulo de uma sociedade machista, agravado, de maneira rotunda, por ser mulata e pobre desprovida de grande inteligência.

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“Clara não possui uma ideia transparente sobre a sua situação dentro da sociedade, em parte pela educação que recebera de seus pais”[9]. O despertar de Clara dos Anjos para as auguras da vida e o preconceito racial e social se dão após funesto episódio de sua defloração, quando confrontada com a realidade da vida, o que se dá no deslinde da obra, em um diálogo carregado de emoção e preconceito, com D. Salustiana, genitora de Cassi Jones. Nas páginas finais do romance, Lima Barreto, como um grito seco, contrapõem realidades distintas, trazendo o leitor para a ambientação: Clara dos Anjos, a mulata pobre, e D.Salustiana, a mulher branca de família supostamente tradicional; a moradora do subúrbio pobre carioca, de ruas de terra batida e a moradora de uma rua calçada, localizada em ponto tido como elegante num mesmo subúrbio; a mulher apática, deflorada e sem quaisquer expectativas e a mulher imponente, enérgica, símbolo dos ranços imperiais.