lÍlian cristiane moreira - ufsj | universidade federal de ... · lÍlian cristiane moreira ......

158
LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ALTIVO SETTE: CULTURA E TRADIÇÃO DE UM POETA MODERNO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS: TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA DEPARTAMENTO DE LETRAS, ARTES E CULTURA Outubro de 2006

Upload: truongtram

Post on 14-Nov-2018

225 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA

ALTIVO SETTE: CULTURA E TRADIÇÃO DE UM POETA MODERNO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS: TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA

DEPARTAMENTO DE LETRAS, ARTES E CULTURA

Outubro de 2006

Page 2: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA

ALTIVO SETTE:

CULTURA E TRADIÇÃO DE UM POETA MODERNO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de São João del-Rei, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras. Área de Concentração: Teoria Literária e Crítica da Cultura Linha de Pesquisa: Literatura e Memória Cultural Orientadora: Prof. Dra. Suely da Fonseca Quintana

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS: TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA

DEPARTAMENTO DE LETRAS, ARTES E CULTURA

Outubro de 2006

Page 3: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA

ALTIVO SETTE: CULTURA E TRADIÇÃO DE UM POETA MODERNO

Banca Examinadora:

Profa. Dra. Suely da Fonseca Quintana – UFSJ

Orientadora

Prof. Dr. Edimilson de Almeida Pereira - UFJF

Prof. Dr. Alberto Ferreira da Rocha Júnior - UFSJ

Prof. Dr. Antônio Luiz Assunção

Coordenador do Programa de Pós-graduação em Letras

Teoria Literária e Crítica da Cultura

Outubro de 2006

Page 4: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

À memória de minha mãe, Geralda Santos Moreira, e a meu pai, Sebastião Lopes

Moreira: incondicional apoio em todos os momentos.

Page 5: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Agradecimentos

À minha orientadora Suely Quintana – exemplo de competência e dedicação -

pela paciência, apoio e companhia constante na difícil busca por materiais e

informações sobre o autor. Obrigada por compartilhar comigo as dificuldades e

as angústias; obrigada pela atenção e pelo cuidado dispensados no fechamento

desta dissertação. Jamais me esquecerei de compartilhar com você os frutos que

podem vir a ser colhidos a partir deste trabalho.

Aos que me ajudaram na conversa com Altivo Sette:

Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, meu primeiro

contato com a família do escritor, que me possibilitou o encontro com seus dois

outros irmãos - senhora Maria Terêsa Campos e senhor José Demétrio Campos –

o qual morou durante certo tempo com o escritor - e a esposa senhora Luzia

Martins Prado Campos.

Senhor Antônio de Oliveira Sette Câmara, filho de Altivo Sette, com o qual

conversei como se fosse uma velha amiga, tal a atenção e a simpatia com as

quais fui recebida.

A todos da família de Altivo Sette, obrigada pelo carinho e cortesia ao me

receberem em sua casa, auxiliando-me com importantes informações sobre o

escritor.

Aos que me possibilitaram conhecer mais a obra de Altivo Sette:

Senhora Valdete Mansur Simões Coelho, viúva do jornalista Adenor Simões

Coelho, e seu filho Marco Túlio, que abriram as portas de sua casa para que a

pesquisa ao jornal Ponte da Cadeia fosse finalizada.

Page 6: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Senhora Betânia Maria Monteiro Guimarães, que me permitiu o acesso a alguns

bilhetes que seu marido, o historiador Fábio Nelson Guimarães, trocava com o

amigo Altivo Sette, bem como a consulta à coleção das Revistas do Instituto

Histórico e Geográfico de São João del-Rei.

Senhora Ana Lúcia Silva Nogueira, diretora da Biblioteca Municipal Baptista

Caetano de Almeida, de São João del-Rei, lugar onde realizei a pesquisa ao

jornal Diário do Comércio.

Obrigada por me auxiliarem na árdua, porém prazerosa, busca por Altivo Sette.

Aos que contribuíram direta ou indiretamente para que esta dissertação se concretizasse:

Senhor Paulo Terra, principal responsável pela origem deste trabalho, pois foi

quem me pôs em primeiro contato com a obra de Altivo Sette. Leitor atencioso e

companhia indispensável para a troca de idéias e informações.

A amiga Claudinea Melo e a minha tia Kátia Susy Santos, que me ajudaram a

fotografar os artigos de Altivo publicados nos jornais.

Os amigos da turma, especialmente Maria Tereza – pelas leituras e sugestões

compartilhadas -, Adriana e Renata – pela acolhida em sua casa.

Os professores do Mestrado, que compartilham seu conhecimento e se dedicam

ao nosso amadurecimento, acompanhando-nos e auxiliando-nos durante todo o

processo pelo qual passamos.

Senhor Roberto do Nascimento Ferreira, que durante os dois anos do curso tão

gentilmente me permitiu viajar em sua companhia durante minhas idas a São

João del-Rei.

A todos vocês, meu muito obrigada!

Page 7: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Resumo

O escritor são-joanense Altivo de Lemos Sette Câmara (1908 – 1982)

possui uma numerosa produção crítica e poética espalhada pelos jornais são-

joanenses Diário do Comércio e Ponte da Cadeia. De posse do material recolhido

desses jornais - poemas e artigos – e também de alguns livretos publicados pelo

autor, o objetivo deste trabalho é fazer uma análise de sua obra, considerando-se

o contexto cultural em que foi produzida, anos de 1930 a 1970. Como produto de

um intelectual do século XX, os textos de Altivo Sette apresentam a temática

moderna da melancolia e do descontentamento do homem diante do mundo.

Vivendo 74 anos de seu século, o escritor passa pelas guerras mundiais, pelas

ditaduras, pela bomba atômica, pela industrialização, pela modernização e tudo

isso se mostra presente em seu trabalho, juntamente com os questionamentos

que tantas modificações podem provocar no ser humano. Outra temática que

encontramos em Altivo Sette é a da permanência do discurso da tradição, para

cuja análise serão buscados os possíveis diálogos que o autor estabelece com

temáticas recorrentes do Modernismo e sua repercussão em Minas Gerais. Isso

porque parte do trabalho de Altivo Sette enfoca São João del-Rei, cidade marcada

pela história oficial e por uma tradição específica. Entretanto, o autor apresenta

uma visão particular de apropriação dessa tradição, expressando durante um

longo período de tempo as concepções de um poeta moderno. O material

referente à cidade de São João del-Rei será lido sob a perspectiva da

permanência do discurso da tradição no Movimento Modernista. Mostraremos de

que modo, sendo um homem do jornal, Altivo Sette, ao abordar as tradições são-

joanenses e levá-las a público, em pleno século XX, contribui para a

presentificação dessa tradição. Seus textos deixam transparecer, ainda, o

posicionamento político de alguém que, ao denunciar as mazelas de seu tempo,

age como um poeta-crítico, deslocando-se entre os campos da produção literária

e da cultura numa tentativa de apreender os fragmentos de seu mundo.

Page 8: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Abstract

Altivo Lemos Sette Camara (1908-1982), a writer from São João del Rei,

has a wide production, both poetic and critic, published in the local newspapers

Diario do Comércio and Ponte da Cadeia. Based on this rich material – which

includes poems and articles – as well as on some booklets published by the

author himself, this dissertation aims at analysing his work, considering the

cultural context in which it was produced, from 1930 to 1970. As the writings of a

20th Century intellectual, Sette’s texts present the modern themes of melancholy

and discontent of man before the world. Living during 74 years of his century, the

writer goes through the two great world wars, the dictatorships, the atomic bomb,

industrialisation and modernisation, dealing on all these subjects in his work,

adding his own questioning as to how these factors can influence man. A repeated

subject in his works is the discourse of tradition, and to analyse this aspect we will

search for possible dialogues with recurrent themes of Modernism and its

repercussion in Minas Gerais. For part of Sette’s work focuses on São João del

Rei, a town branded by its official history and by a specific tradition. However, the

writer presents a particular way of using this tradition, expressing for a long period

of time the ideas of a modern poet. The material pertaining to the town of São

João del Rei is read under the perspective of the permanence of the discourse of

tradition in the Modernist Movement. We endeavour to show how, as a man of the

press, Altivo Sette, while dealing on the tradition of São João and bringing them

into the open, in the middle of the 20th Century, contributes to the actualisation of

this tradition. His texts also depict the political position of one who, denouncing the

difficulties of the time, acts as a critic and a poet, hovering between literary and

cultural productions in an attempt to present fragments of his world.

Page 9: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Sumário Introdução_____________________________________________________ 09 Capítulo 1: Altivo Sette: as angústias de um intelectual do século XX _______ 21 Capítulo 2: São João del-Rei: tradição e memória em Altivo Sette__________ 50 Capítulo 3: O jornal: tribuna crítica, cultural e política de Altivo Sette________ 83 Considerações finais____________________________________________ 120 Referências Bibliográficas e Bibliografia ___________________________ 129 Anexos________________________________________________________136

Page 10: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Introdução

Page 11: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

A primeira característica da obra de Altivo Sette que nos chamou a

atenção, dando origem a este trabalho, foi a presença constante da cidade de

São João del-Rei em seus textos, uma cidade cuja tradição se faz marca

nacional. A memória cultural que a cidade possui, ou que dela pode ser

resgatada, está presente nos poemas e artigos escritos por Altivo Sette. Apesar

de ser um poeta do século XX, algumas imagens presentes em seus poemas

remetem-nos a um passado remoto; ao passado da “reinação do ouro” (nas

palavras do próprio poeta); ao passado de uma São João del-Rei colonial e rica.

Passado este responsável pela tão forte e característica cultura são-joanense. No

entanto, é exatamente por ser um poeta moderno que a volta ao passado se faz

interessante, pois ela é feita sob o olhar crítico do homem moderno. Seus poemas

representam, portanto, a tradição são-joanense presentificada através de uma

memória cultural, encontrada nas imagens das betas, das pontes, da procissão do

enterro, da forca, dos sinos etc.

A obra de Altivo de Lemos Sette Câmara, por se encontrar espalhada pelos

jornais da cidade de São João del-Rei, permanece em grande parte desconhecida

para muitas pessoas. Devido ao ineditismo e à riqueza das produções publicadas

em jornais, a pesquisa em acervos deve ser vista não apenas como um trabalho

com documentos e dados do passado, mas como construções discursivas que, à

luz do presente, possibilitem repensar o passado e o próprio presente. Os jornais

em São João del-Rei fazem parte da história da cidade e, portanto, de sua cultura.

Apesar de não sabermos afirmar o número certo de jornais que circularam por

esta cidade, desde 1827, quando foi lançado O Astro de Minas, primeiro jornal

são-joanense sobre o qual se tem notícia, sabemos que o número é significativo.

Se para qualquer cidade o jornal constitui-se uma rica fonte de pesquisa; para

São João del-Rei eles são peças preciosíssimas para um trabalho de resgate

cultural.

O levantamento dos textos que compuseram o corpus desta dissertação foi

um trabalho de constante mergulho na história da cidade de São João del-Rei, do

país e do mundo, registrada nas páginas de dois jornais são-joanenses: o Diário

do Comércio e o Ponte da Cadeia. Em meio ao mar de dados que se apresentava

pelas páginas dos jornais, nossos olhos partiram em busca do nome Altivo Sette,

Page 12: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

encontrando-o constantemente em poemas, artigos e notas críticas. A procura

pelos textos do autor foi intensa e cuidadosa, para que conseguíssemos material

suficiente para o que pretendíamos: analisar a obra de Altivo Sette, a fim de

mostrar o quanto seu trabalho pode se constituir um documento de memória e

crítica cultural.

Considerando-se que a pesquisa foi realizada nos jornais publicados

durante as décadas de 1930 a 1970, com um número intenso de exemplares –

afinal, um deles era publicado diariamente e o outro semanalmente – foi

necessária uma rigorosa delimitação do objeto: apenas produções de Altivo

Sette. Também porque o acesso aos jornais foi realizado ora na Biblioteca

Municipal de São João del-Rei, ora em residência particular de proprietários da

coleção do Ponte da Cadeia (a família do falecido jornalista Adenor Simões

Coelho Filho, dono do jornal e amigo de Altivo Sette, através das pessoas de

Marco Túlio Simões Coelho – filho de Adenor – e da senhora Valdete Mansur

Simões Coelho - viúva do jornalista), o que não permitia que a duração da

pesquisa para o levantamento dos dados se prolongasse demasiadamente.

O fato de esta dissertação estar inserida na linha de pesquisa Literatura e

Memória Cultural, do Mestrado em Teoria Literária e Crítica da Cultura,

possibilitou a pesquisa e a análise de textos não-literários, como os muitos artigos

que o escritor são-joanense publicou, os quais dialogam com o próprio trabalho

poético dele e também com o de outros poetas e escritores. Através de seus

textos, poéticos ou em prosa, é possível a percepção de seu tempo – grande

parte do século XX - e de seu lugar – a cidade de São João del-Rei.

Altivo de Lemos Sette Câmara nasceu em São João del-Rei em 1908 e ali

faleceu em 1982. É filho de Sebastião Rodrigues Sette Câmara (1844-1921) –

republicano incondicional, fundador do jornal Pátria Mineira, considerado um dos

melhores órgãos brasileiros de propaganda republicana, que circulou no interior

do país de 1889 a 1894. Altivo Sette foi um homem de atuações em diferentes

áreas: formou-se em direito pela Universidade do Brasil, foi Inspetor Escolar do

Ministério da Educação, um dos fundadores do Centro Artístico Cultural de São

João del-Rei (CAC), também um dos fundadores, vice-presidente e secretário do

Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, além de ter sido membro do

Page 13: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Instituto Brasileiro de Estudos Sociais. Segundo Martins de Oliveira (1963), Altivo

Sette foi revolucionário em 1930, foi piloto da aviação civil, dedicou-se à pintura

moderna, chegando a ganhar prêmios em exposições no CAC. Além de todas

essas atividades, destaca-se sobretudo como poeta, jornalista e crítico de seu

tempo.

Tendo em vista que muito pouco ficou registrado sobre a vida do

multifacetado Altivo Sette, a maioria das informações relacionadas ao autor foi

conseguida a partir de conversas com seus sobrinhos - senhor Paulo de Resende

Campos Filho, senhora Maria Terêsa Campos, senhor José Demétrio Campos e

esposa, senhora Luzia Martins Prado Campos, todos moradores em São João

del-Rei. No entanto, algumas lacunas sobre a vida do escritor ficaram sem ser

preenchidas, e os sobrinhos expressaram sua insatisfação por não possuírem

informações mais sólidas sobre o tio e sua obra.

O contato com os sobrinhos de Altivo Sette possibilitou o encontro com seu

único filho, Antônio de Oliveira Sette Câmara, morador em Belo Horizonte. Em

entrevista, o filho do escritor falou-nos um pouco a respeito da vida e da

personalidade de seu pai. Antônio também comentou o fato de não possuir muitos

dados certos a respeito da vida profissional de Altivo Sette. Segundo o filho, o

próprio Altivo não era uma pessoa que estimulava uma divulgação maior de seu

trabalho, o que pode ter contribuído para que a família também não se

preocupasse com isso. No entanto, o filho afirma que seu contato com o escritor

era intenso, apesar de não haver a preocupação de se fazerem registros que

pudessem vir a despertar maiores interesses:

Ninguém pode ser mais conhecido para você do que um pai ou uma mãe. Então você tem um convívio, uma vida muito intensa com eles. E você não se dá conta [de] que essa pessoa em suas relações com o resto da sociedade tem uma outra vida que para nós é inclusive desconhecida e às vezes nem interessa. Entendeu? Por quê? Porque a gente tem uma vivência já muito satisfatória como filho, por exemplo, como eu tinha com meu pai, que era um relacionamento muito bom, muito agradável, sempre foi. E isso para mim era suficiente. (Antônio de Oliveira Sette Câmara, 2006 – entrevista)

Page 14: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Ao perguntar ao filho a respeito da produção de seu pai e do contato que

tivemos com essa produção, ele disse que provavelmente tivemos mais acesso

aos textos de Altivo Sette que a própria família, já que, fora os livros que

publicava, o restante do material encontra-se espalhado pelos jornais. Tanto os

sobrinhos quanto o filho têm os livros, no entanto, o material publicado nos jornais

chega a ser inédito para a família de Altivo Sette, que não possui os exemplares

do Diário do Comércio e do Ponte da Cadeia.

Outra fonte a que tivemos acesso foram alguns bilhetes que o escritor

Altivo Sette trocava com seu amigo, o historiador Fábio Nelson Guimarães.

Alguns desses bilhetes, fornecidos pela senhora Betânia Maria Monteiro

Guimarães, viúva do historiador, tratam de assuntos relacionados à cidade de

São João del-Rei, com os quais os amigos se preocupavam e sobre eles

discutiam. Como Fábio Guimarães não possuía telefone, Altivo se comunicava

com o amigo por bilhetes e, quando precisavam, marcavam encontro em lugar e

horário específico. Os bilhetes se mostram interessantes devido ao fato de

comprovarem a preocupação cotidiana do escritor Altivo Sette com os

acontecimentos de sua cidade.

Altivo Sette é o segundo filho de Sebastião Sette com esse nome; o

primeiro (1870-1906) trabalhava com o pai nas oficinas do jornal Pátria Mineira e

foi um dos fundadores do Locomotiva, um pequeno jornal semanal com

pretensões literárias e republicanas. Os dois Altivos, ambos jornalistas, como o

pai, não tinham apenas o primeiro nome igual. O nome todo era idêntico: Altivo

Rodrigues Sette Câmara. No entanto, o segundo, para que não houvesse grandes

confusões com os nomes, trocou seu Rodrigues por Lemos, surgindo, assim, o

Altivo de Lemos Sette Câmara. A igualdade nos nomes, segundo seus familiares,

era algo que incomodava Altivo Sette. De acordo com os parentes do escritor,

Altivo às vezes era alvo de chacotas por seu nome estar gravado em um túmulo

e, ele, no entanto, permanecer vivo. Essa curiosidade dos nomes iguais se

explica pelo fato de Sebastião Sette ter se casado duas vezes, e cada um dos

Altivos foi fruto de um dos casamentos. Quando o segundo Altivo nasceu, o outro

já havia falecido há aproximadamente dois anos.

Page 15: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Ainda segundo sua família, Altivo Sette era pessoa de inteligência

impressionante e de humor extremamente aguçado. A senhora Luzia Martins

Prado Campos afirmou que Altivo Sette era uma pessoa incompreendida, pois

seus pensamentos, suas idéias, estavam além de seu tempo. Ela disse que o

escritor era de poucos amigos, pois sua personalidade, a de um homem

extremamente culto e crítico, afastava as pessoas. Não era qualquer um que

conseguia conviver com ele, nem ele dava muita atenção àqueles que não

conseguiam acompanhar suas idéias. Além disso, era uma pessoa insistente,

gostava de investigar histórias e levá-las a fundo, como fez, por exemplo, com a

genealogia de sua família Sette Câmara, que resultou em uma publicação1

intitulada O nome na saga daquelas marinhagens – apontamentos sobre as

origens da família Rodrigues Sette e Câmara (1976). No livro, Altivo Sette conta a

origem da família Rodrigues Sette e da família Câmara, que mais tarde se uniriam

por matrimônio. Ambas as famílias são de origem portuguesa e tiveram

participações importantes nas grandes navegações.

Em 1977, é lançado o livro de poemas Rosa de Bronze, editado na oficina

do jornal Ponte da Cadeia. Essa publicação se constitui de dezoito poemas de

temática variada: como a morte de Karil Chessmann - o bandido da luz vermelha,

condenado à morte, nos EUA, por abusar sexualmente de muitas mulheres: o

caso teve repercussão mundial e o bandido, que jurou sua inocência até a morte,

além de ter sido condenado à execução, ficou preso por aproximadamente 12

anos à espera do cumprimento da sentença. A morte de Patrice Lumumba, em

1961, também está registrada nesse livro. Lumumba foi um dos homens que

lutaram pela independência do Congo, motivo que o levou à prisão. A história

conta que depois de assassinado na prisão, seu corpo foi dissolvido em ácido

clorídrico. O livro traz ainda: a morte do escritor Boris Pasternak; poemas sobre

Natal, virada de ano, entre outros. Há também poemas cuja temática não tem

esse comprometimento com o social; há poema de temática romântica como, por

1 As publicações de Altivo Sette se constituem de livros com poucas páginas, textos e poemas datilografados e capas extremamente simples, trazendo apenas título, nome do autor e às vezes o ano da publicação. Apenas um dos livros traz ilustração na capa.

Page 16: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

exemplo, o pequeníssimo Olhos nos Olhos: Eu te amo com / saudade de não

seres minha (Câmara, 1977, p.23).

Altivo Sette publicou, ainda, através do Instituto Histórico e Geográfico de

São João del-Rei e em companhia de Fábio Nelson Guimarães e Waldemar de

Almeida Barbosa, um livro intitulado O Tiradentes (1972). Nele os autores contam

uma parte da vida do mártir; tentam provar sua naturalidade são-joanense e

discutem a falsa imagem que temos de Tiradentes, pois sua época não permitia

que um Alferes tivesse cabelos longos e barba comprida.

Logo em seguida, em 1973, Altivo publica Árvores - em que discute uma

das questões que mais o incomodavam e que é recorrente em seu trabalho em

prosa: o desmatamento. Publica, ainda neste ano, uma separata da Revista do

Instituto, a respeito de seu pai, intitulado Da Caravela de Zarco à Redação da

“Pátria Mineira” .

Em 1974, Altivo Sette publicou, na forma de outro livro, o prefácio que

Basílio de Magalhães escreveu para a tradução que Sebastião Sette fez ao The

Siege of Corinth (O Cerco de Corinto), de Lord Byron, e que fora publicada no

jornal Pátria Mineira em 1893.

No ano seguinte, 1975, publica Encomendação de Almas, outro livro de

poemas cuja temática é a cidade de São João del-Rei, sua cultura e tradições.

O acesso a tais publicações foi acontecendo gradualmente, à medida que

fomos conhecendo seus parentes, que nos emprestaram o material com muita

disponibilidade. Depois, o filho do escritor ofereceu-nos exemplares de alguns dos

livros publicados pelo pai. Todas essas obras a que nos referimos constituem-se

publicações precárias - poemas datilografados e xerocados - e de poucas

páginas. A respeito de tal precariedade, Antônio de Oliveira Sette Câmara

explicou-nos que seu pai não se preocupava com o fato de procurar editoras para

publicação. Segundo o filho, Altivo teve oportunidade de publicar pela Livraria

Editora Itatiaia, de cujo dono, Edson Moreira, era amigo, mas não quis, já que não

gostava de se autopromover

Apesar dos livros, a maior parte do trabalho de Altivo Sette encontra-se

espalhada pelos jornais Diário do Comércio e Ponte da Cadeia. Inclusive grande

parte do material publicado nos livros foi publicado primeiramente nesses jornais,

Page 17: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

o que explica o fato de as referências dos textos de Altivo Sette, citados no corpo

da dissertação, serem predominantemente dos jornais e não dos pequenos livros.

Segundo informação da família, Altivo morou fora de São João del-Rei até

a década de 1950, quando retornou à cidade como morador e nela permaneceu

até sua morte. O material publicado antes dessa década era enviado do Rio de

Janeiro ou de Belo Horizonte, lugares em que o escritor morou, ou trazidos pelo

próprio Altivo quando vinha de passeio a São João del-Rei – o que era constante

já que ele era apaixonado pela cidade e suas tradições, segundo afirmação de

seus parentes. Os poemas de Altivo Sette começam a ser publicados no Diário do

Comércio em 1938, ano em que o jornal entra em circulação, e aparecem pelas

páginas desse diário até o ano de 1964. Tais poemas versam sobre os mais

variados assuntos, sendo que há uma recorrência daqueles relacionados à cidade

de São João del-Rei, à guerra e à pequenez do homem diante dos

acontecimentos mundiais, sua angústia diante do tempo que parece se esvair

com maior rapidez.

Neste mesmo jornal, muitas vezes em primeira página, Altivo Sette assina

alguns artigos, cuja temática se volta sempre para o aspecto social: política,

economia, cultura, tanto em âmbito local quanto nacional e até mesmo

internacional. Seu apelo à democracia, à liberdade de expressão, à justiça social,

às necessidades locais e nacionais, seu apoio ou rejeição a determinados

políticos demonstram sua posição crítica e política.

Ainda no Diário do Comércio, encontramos uma coluna de poesias,

normalmente semanal, de responsabilidade de Altivo Sette, assinante das notas

que acompanhavam a maioria dos poemas. Nesta coluna, eram divulgados

poemas de diferentes poetas, contemporâneos ou não de Altivo Sette. As notas

fazem referência ao autor, ou ao livro onde o poema fora publicado, ou ainda

relaciona o poema a algum acontecimento do momento. Ao trazer os poetas

para o jornal, Altivo estabelece um diálogo com eles e sua obra, além de escolher

sua família literária, aqueles com os quais gostava de dialogar. Dentre os poetas

que aparecem nesta coluna, alguns modernistas brasileiros recebem um grande

espaço, como Carlos Drummond, Manuel Bandeira e Augusto Frederico Schmidt.

Page 18: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

A coluna durante certo tempo (janeiro a março de 1961) recebe, inclusive, o título

de “O Brasil na Poesia Moderna”, trazendo, então apenas poetas modernos.

Na década de 1960 o Diário do Comércio sai de circulação e começa a

circular o jornal Ponte da Cadeia. Neste jornal são encontrados também, embora

com menor recorrência, alguns poemas e artigos de Altivo Sette.

A visão crítica do poeta Altivo Sette se apresenta de forma recorrente sobre

a tradição são-joanense. O escritor moderno dialoga com essa tradição, mas não

no sentido de destruí-la ou de ressignificá-la. Ele a presentifica instaurando sobre

ela seu olhar crítico. A autoridade da qual Altivo Sette se utiliza para levar aos

leitores do jornal a memória de sua cidade pode ser melhor compreendida quando

se lê, por exemplo, o texto teórico de Hugo Achugar (2003), no qual o autor trata

do direito de memória. Tomando-o de empréstimo a Shakespeare, Achugar usa o

termo derechos de memoria para explicar como algumas pessoas possuem, pela

posição que ocupam na sociedade, a possibilidade de manter vivas certas

histórias. Altivo Sette, no jornal, tem possibilidade de resgatar sempre que quiser

a memória de sua cidade e de discutir suas tradições.

Ao dialogar com as tradições, o poeta do século XX não estaria

estabelecendo um paradoxo? Silviano Santiago (2002) argumenta que, na

verdade, o tema da tradição no Modernismo se faz presente desde 1924, quando

os modernistas paulistas visitam a parte histórica de Minas Gerais em busca de

sua Semana Santa, ou seja, de uma de suas mais fortes tradições. A partir de

então, considerando que estavam em contato com uma origem nacional, eles

tomam as tradições mineiras como temática para suas obras, como fizeram Mário

de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral.

Maria Zilda Cury (1998) discute também a tradição no Modernismo,

ressaltando que, no Modernismo Mineiro, a tradição era ainda mais recorrente.

Ela argumenta que os escritores mineiros não precisaram sair em busca de uma

origem como fizeram os paulistas. Pelo contrário, eles já estavam imersos nessa

origem, representada por suas tradições. Daí o fato de a recorrência da tradição

ser algo constante nos modernistas mineiros. Diante dessa discussão, podemos

perceber em Altivo Sette, ao fazer das tradições de sua cidade uma temática

constante, um diálogo com o Movimento Modernista Brasileiro. Cury também

Page 19: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

aborda a questão de o jornal constituir-se rico material para análises de caráter

literário-cultural.

Ecléa Bosi (1995) acrescenta com seu trabalho a possibilidade de ampliar

a leitura de vivificação da memória de São João del-Rei nos escritos de Altivo

Sette. A autora, buscando apoio em Halbwachs, discute o processo de lembrança

enquanto um processo de reconstrução. Todo ato de lembrança reconstrói o fato

que está sendo lembrado, pois o sujeito que o lembra instaura sobre o fato toda a

vivência posterior ao acontecimento. Altivo Sette, posicionado em seu tempo, ao

olhar para o passado de sua cidade, vê com os olhos de um homem do século

XX, o que lhe possibilita repensar os fatos de forma crítica.

No entanto, enquanto o trabalho de pesquisa e análise era realizado,

percebemos que Altivo Sette não tematizava somente as tradições. Ele, enquanto

escritor moderno, discutia questões dessa modernidade. Seu trabalho deixa

transparecer, também, um homem extremamente angustiado com seu tempo.

A modernidade do século XX se fazia gritante e inevitável. Como um raio

na tempestade a modernidade chegava, mostrava seu brilho, impunha seu

barulho e deixava suas marcas. E como marcas nem sempre possuem caráter

positivo, a modernidade apresentava seus paradoxos: o homem moderno

desejava o progresso, mas o progresso era ameaçador; a modernidade que trazia

o progresso era a mesma que destruía parte do passado. A angústia do homem

moderno é também tema freqüente em Altivo Sette: angústia de ver sua cidade se

descaracterizando, de sentir o tempo cada vez mais fugaz, de vivenciar um

período de guerras, de perceber os aspectos contraditórios da política de seu

tempo.

Reinaldo Marques (1998), ao tratar da melancolia dos poetas nas décadas

de 30, 40 e 50 do século XX, aponta aspectos importantes para entender a

vertente da angústia e a obra de Altivo. O autor analisa alguns poetas mineiros e

constata que seus poemas carregam a melancolia provocada pela guerra, pela

perda de um tempo e de um mundo tranqüilos para o surgimento de um tempo

em ruínas. É essa a leitura que fazemos dos textos de Altivo Sette, dos quais

depreendemos sensações angustiosas e melancólicas.

Page 20: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Hugo Friedrich (1978), em seu livro sobre a lírica moderna, discute os

aspectos da nova linguagem poética. Segundo Friedrich, a poesia moderna é

repleta de categorias negativas, termo que o autor usa para definir a poesia sem

rimas, sem métrica, sem contenção de palavras e de temáticas. A exaltação do

belo perde lugar para a denúncia social, para os sofrimentos do homem no mundo

novo que se configurava. A poesia de Altivo Sette é repleta de denúncia social,

categorias negativas, com temáticas que falam de guerra, de mortes, de

materialismo, de perda de valores, etc.

O corpus de análise desta dissertação, que se divide em três capítulos, se

constitui dos poemas de Altivo Sette, seus artigos e notas críticas. Não há um

capítulo predominantemente teórico. As teorias foram difundidas em meio aos

textos de Altivo Sette. Tivemos a preocupação de citar – com linguagem própria

da época e do autor - o maior número possível de textos do são-joanense, tendo

em vista que é um autor cuja obra é pouco divulgada e de acesso restrito. A

proposta da pesquisa desenvolvida para esta dissertação teve como traço

diferencial a ampliação da discussão teórica em torno da produção dos artistas

cujas obras circulam em âmbito local. As fotos que aparecem nas páginas que

iniciam os capítulos foram gentilmente cedidas por Antônio de Oliveira Sette

Câmara, filho do escritor Altivo Sette.

O primeiro capítulo, intitulado Altivo Sette: as angústias de um intelectual do século XX, apresenta o intelectual Altivo Sette como um homem

historicamente situado num tempo de mudanças significativas e de sensações

angustiosas. Os textos de Altivo Sette que neste capítulo são analisados

demonstram o poeta, jornalista e intelectual em constante conflito com o mundo

do século XX.

No capítulo seguinte, São João del-Rei: tradição e memória em Altivo Sette, apresentamos o escritor da cidade e sua São João del-Rei em verso e

prosa. Os textos de Altivo Sette sobre as tradições de sua terra natal são

analisados, neste momento, em diálogo com a questão da permanência da

tradição no Movimento Modernista Brasileiro. Ao fazer da tradição uma temática

constante em seus textos, Altivo realiza um trabalho de memória, atribuindo a si

Page 21: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

mesmo o papel de alguém que não deixa que a história e as histórias de sua

cidade sejam esquecidas.

No terceiro capítulo, O jornal: tribuna crítica, cultural e política de Altivo Sette, predominam os artigos do escritor. Nesta parte do trabalho enfatizamos o

jornalista preocupado com a cultura, com a política e com a economia de sua

cidade, de seu estado e de seu país. As características de seus artigos no jornal

permitem-nos aproximá-lo novamente do grupo modernista mineiro dos anos de

1920, que se utilizava do jornal Diário de Minas para se expressar. Anos depois,

Altivo Sette encontraria, também em um jornal diário, espaço suficiente para se

mostrar um orador crítico e atualizado com seu tempo.

A apresentação que fazemos da obra desse não muito conhecido escritor

revela-nos a intelectualidade de um homem avançado para sua época. Um

cidadão que valorizava o que sua cidade tinha de mais tradicional, mas que

também lutava, através de suas palavras, por seu progresso urbano. Alguém que

não temia denunciar a frustrante política, já tão vergonhosa em seu tempo; que

não se calava quando a questão era a cultura de sua cidade; que não desistia de

pedir por uma conscientização ecológica; e, além disso tudo, e até mesmo por

causa de tudo isso, mostrava-se uma pessoa extremamente angustiada e

melancólica, sofrendo com as contradições do século XX.

Page 22: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Altivo Sette: as angústias de um intelectual do século XX

Page 23: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Senhor, porque me fizeste assím repartindo entre o bem e o mal? a nuvem e o pantano? Aza firme me puxa para o alto, aza pôdre me enraiza no vale... Assim, nem dormindo me encontro e me

[acalmo.2

A angústia registrada nos versos acima, que deixa o homem dividido e

insatisfeito, exemplifica o que será desenvolvido neste capítulo: as sensações da

intelectualidade brasileira, representada pelo poeta são-joanense Altivo Sette, em

relação ao mundo moderno. O século XX foi uma época em que ocorreram

significativas mudanças nos cenários nacional e internacional. As duas grandes

Guerras Mundiais, culminando na explosão da bomba atômica, mudaram

completamente os padrões mundiais de poder. Nesse período, o Brasil deixou de

ser predominantemente agrícola, para esboçar características modernas, trazidas

pela industrialização; passando ainda por revoluções e ditaduras. A reação dos

intelectuais frente a esse mundo moderno e suas conseqüências é tema

constante nas artes do século XX. Com o intelectual Altivo Sette não é diferente;

seus escritos deixam transparecer um homem politizado, consciente de seu

tempo, vivendo, desejando e repudiando o progresso que começa a se projetar

em São João del-Rei e no Brasil. Historicamente situado nesse século, pois o

viveu durante 74 anos, Altivo Sette fez de sua época um registro em prosa e em

versos, através dos quais deixa transparecer a angústia, o descontentamento e a

melancolia de ser um homem moderno.

Em Reinaldo Marques (1998), encontramos um estudo sobre alguns

poetas mineiros das décadas de trinta, quarenta e cinqüenta do século XX (Carlos

Drummond, Abgar Renault, Octávio Dias Leite, Henriqueta Lisboa), dentre os

quais o autor ressalta a ocorrência da melancolia. Segundo ele, o poeta da

modernidade é um ser que carrega em seus ombros o peso de seu tempo, com

todas as mudanças que ocorreram:

2 CÂMARA, Altivo de L. Sette. Entre duas azas. Diário do Comércio, 21 jan. 1940, p.2. A linguagem de todas as citações de Altivo Sette será mantida na forma como foi publicada nos jornais, a fim de que se preserve a linguagem da época, sendo fiel, principalmente, à adoção por parte de Altivo Sette da ortografia comum aos modernistas brasileiros.

Page 24: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Em todos esses poetas percebem-se traços do melancólico: o ensimesmamento do eu confrontado com experiências de perda decorrentes de um tempo e um mundo de mudanças e ruínas; uma atitude crítica em relação ao próprio eu, apreendido como insatisfatório, precário; a inibição da atividade, em prol de uma atitude contemplativa. (Marques, 1998, p. 162.)

Ao analisar versos dos escritores mencionados, Marques identificou em

todos eles uma constância da temática da guerra, a qual resultou em um tempo

de perda de sentido para a vida. Em Abgar Renault, o crítico percebeu,

juntamente com a temática da guerra, poemas de caráter interrogativo, em que o

poeta se indaga a respeito de sua existência, buscando um sentido para viver em

uma época tão conturbada. Em Octávio Dias Leite, Marques percebe uma

recorrência de imagens relacionadas à noite, período de escuridão, momento

mais propício ao afloramento da angústia, da melancolia. Também o progresso é

algo que incomoda o eu-lírico de Octávio Dias Leite, que se sente inferior à

monstruosidade dos arranha-céus e mudo diante do som ensurdecedor das

máquinas. De forma metonímica, esse eu-lírico incomodado representa a

impotência do homem diante do progresso avassalador que se instaura no país

no século XX. Em Henriqueta Lisboa, Reinaldo Marques constata várias imagens

de significação negativa que remetem à melancolia: noite, suicídio, veneno,

sombra, negritude, guerra, morte, etc.

Para o estudo da melancolia nesses poetas, Marques partiu do poema

Nota Social (anexo 1), de Carlos Drummond de Andrade, em que o poeta, duas

vezes, afirma categoricamente seu estado: O poeta está melancólico. Nesse

poema, o eu-lírico drummondiano chega a uma cidade, cujo barulho soa como

vaias a seus ouvidos. Em meio a máquinas fotográficas, foguetes, discursos,

bandas de música, o poeta é um homem como outro qualquer em meio à

multidão, a qual não percebe, no galho de uma árvore, o canto de uma cigarra.

De volta ao hotel, o eu-lírico se sente melancólico nesse mundo caduco,

moderno, que transforma o poeta em um ser marginalizado, em busca de seu

papel na nova sociedade que se configura.

Ainda segundo Reinaldo Marques, um dos motivos que levaram os poetas

à melancolia é a consciência de que a função da poesia passa a ser outra. No

Page 25: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

estranho mundo que se configura, extremamente mecânico e industrial, as artes

perdem sua aura, rompendo com sua tradição idealizadora, e passam a adquirir

uma outra função. A discussão sobre a perda da aura na obra de arte é

encontrada em Walter Benjamin (1993), ao explicar que, a partir das técnicas de

reprodução, os objetos de arte deixaram de possuir a aura de algo singular,

distante e intocável, aproximando as massas do acesso aos bens artísticos. Em

relação à poesia, entendemos que a perda de sua aura se dá a partir do momento

em que deixa de ser uma lírica idealizadora para assumir função de denúncia,

para tratar de assuntos grotescos. Essa mudança do paradigma artístico, para

Marques, é um dos fatores que provocam a melancolia nos poetas, pois precisam

repensar seu papel neste mundo moderno. É o “eu” perdido no mundo, tentando

tematizá-lo, que desperta essa sensação incômoda nos poetas do século XX,

entre os quais se encontra Altivo Sette. Seu trabalho muito se aproxima do

trabalho dos poetas mencionados por Marques no que diz respeito às

características encontradas pelo crítico nos poemas deles.

No final da década de 1930, no primeiro ano de publicação do jornal Diário

do Comércio, encontramos um eu-lírico descrente de seu tempo, apelando a

Deus por uma solução, mesmo que fosse a insensatez ou a falta de lucidez, para

enfrentar aquele momento em que o homem brasileiro era cerceado em seu

direito de se manifestar: Senhor, porque me tiraste do nada? Porque me fizeste um ser lúcido e bom, se sabias que eu ia ficar no abandono, inutilmente pensando e sofrendo no meio de um tempo tão estúpido e duro? (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Inútil. Diário do Comércio, 18 ag. 1938, p.3.)

1938. Estado Novo. Ser um intelectual numa época em que a liberdade de

pensamento foi coibida era doído, fazia sofrer. Altivo Sette era uma pessoa de

espírito inquieto, era um ser extremamente lúcido, como ele mesmo se define;

para ele a Liberdade, em qualquer de suas possíveis manifestações, era algo

sagrado. Por isso indaga qual o sentido de sua existência num tempo em que se

Page 26: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

sentia inútil, porque seus pensamentos precisavam ficar calados. Pensar e não se

expressar era difícil para esse eu-lírico. Porque me fizeste assim tão inquieto se todos os rumos seriam perdidos e eu ficaria encerrado em mim mesmo – terrivelmente lúcido e só? (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Inútil. Diário do Comércio, 18 ag. 1938, p.3.)

A inquietude a que o eu-lírico se refere é percebida em seus diferentes

textos, seja como poeta ou articulista. Ficar com essa inquietude encerrada na

garganta era algo capaz de levá-lo ao desespero de pedir a loucura, para que a

realidade não o incomodasse mais. Por isso o poeta se sentia inútil, ele era

consciente de seu papel como intelectual, que lhe dava a possibilidade de falar ao

povo as mazelas de seu tempo. Como não podia mais se manifestar, sua

existência não fazia mais sentido.

Senhor, Já que estou aqui sem motivo, ao menos confunde meu entendimento, desterra para bem longe minha memória. Já que tudo é inútil. inatingivel quero ficar sem desejo e esperança – como um bicho, uma herva ou uma pedra... (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Inútil. Diário do Comércio, 18 ag. 1938, p.3.)

Ora, não seria esse o ensimesmamento do sujeito a que se referia

Marques (1998)? A atitude contemplativa de alguém que não vê mais sua

utilidade num mundo de coerções e injustiças? Ainda para entender a melancolia

dos poetas no século XX, Reinaldo Marques busca respaldo em Freud que

caracteriza o estado melancólico contrapondo-o ao luto. Apesar de muito

parecidas as sensações, Freud (1981) explica que a melancolia é algo patológico

enquanto que o luto não é. Na melancolia há a sensação de uma perda

indefinida, mais ideal do que real, diferentemente da sensação do luto, na qual se

reconhece o que foi perdido. A melancolia resulta numa insatisfação interior do

sujeito com ele mesmo provocando uma autocrítica constante; já no luto, a

Page 27: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

insatisfação se dá do sujeito com o mundo exterior. De forma bem simplificada,

podemos dizer que o estado melancólico dos intelectuais brasileiros do século

XX se justifica pela perda de algo que adveio com o progresso, com a

modernidade, com a guerra e que não se sabe exatamente o que é. Em

decorrência dessas modificações, a sensação de que a função do intelectual no

mundo moderno foi alterada também despertou esse estranhamento nos poetas.

Daí o fato da constante indagação a respeito de seu papel no mundo moderno.

Vou dormir, Minha boca esfriará sem palavras. Sonhos absurdos agitarão minha alma prisioneira.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Oração da noite. Diário do Comércio, 29 nov. 1940, p.2.) A ditadura está, no poema Oração da Noite, representada pelas imagens

da boca sem palavras e da alma prisioneira. Diante dessa inércia total o eu-lírico

deseja dormir, para não mais acordar. Metáfora da morte, o sono traria libertação,

livraria o sujeito das visões reais e de seus pensamentos angustiosos: Vou dormir. Meus olhos estarão cerrados como janelas de casa onde delire um moribundo. Meus pensamentos se apagarão um a um, como lâmpadas.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Oração da noite. Diário do Comércio, 29 nov. 1940, p.2.)

Nos versos seguintes, ainda do mesmo poema, o eu-lírico se diz uma

sombra, ou seja, algo que se projeta através da realidade das coisas. A realidade

de seu tempo não permite que o poeta real se manifeste, aquele que gostaria de

gritar livremente aos quatro ventos tudo o que o incomoda; entretanto o eu-lírico

sombrio, falando por metáforas pode se manifestar. A terra é fria e nevoenta como a pupila dum cégo. E eu sou uma sombra apenas. Eu sou uma sombra funda, ninho de almas. ...................................................................... Vou dormir sem esperança. Vou morrer na solitude infinita.

Page 28: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Nenhum anjo amanhã abrirá os meus olhos. Deus me guarde!

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Oração da noite. Diário do Comércio, 29 nov. 1940, p.2.)

No entanto, seus olhos são sempre abertos pelos acontecimentos

injuriosos do século XX, que modificam os homens, transformando-os em seres

impiedosos, duros, frios e gananciosos: Altíssimo é o reino de Deus, pátria adotiva dos rudes, duros homens! Acima das nuvens, que são ilhas líricas, para onde os nossos sonhos imigram, friorentos; acima das estrêlas, bando de aves incendiadas fugindo no hemisfério tenebroso do tempo.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Poema. Diário do Comércio, 30 nov. 1940, p.2.) É para esse reino de Deus que o poeta deseja ir, para desfazer sua

condição de sombra, que aparece novamente nesse Poema. A fuga da realidade

para o reino de Deus é a maneira que ele encontra para aliviar suas angústias

modernas. Senhor, aqui estou, sorridente e trágico. Sou quasi nada, sombra sem dono. Sou uma sombra à beira do abismo florido. O vento das almas transpassa minha carne porosa... Ah! como o fumo que mana dos tétos familiares e sóbe lentamente no ar tranquilo das tardes – assim meu espírito fugirá para o reino de Deus!

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Poema. Diário do Comércio, 30 nov. 1940, p.2.) O reino de Deus é o destino para aqueles que não suportam mais o mundo

em que vivem, onde as criaturas se destroem sorridentes, / e os solitários se

esgotam, sem esperança e sem música.3 No entanto, as imagens poéticas de

Altivo Sette sobre o reino de Deus, ou sobre a religião de um modo geral, não se

mostram como uma proposta de salvação. Segundo Antônio, o filho de Altivo

Sette, seu pai não era uma pessoa religiosa, chegava a ser anticlerical, criticando

3 CÂMARA, Altivo de L. Sette. Noturno em tom menor. Diário do Comércio, 16 fev. 1941, p.2.

Page 29: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

a Igreja Católica, vendo a Bíblia como um documento literário, base de toda a

literatura ocidental. Como explicar então a recorrência de imagens religiosas em

seus poemas? Primeiramente pelo fato de ter vivido grande parte de sua vida em

São João del-Rei, uma cidade cuja tradição religiosa é extremamente forte. Essas

imagens seriam, então, uma linguagem cultural da cidade de São João del-Rei.

Além do mais, os poetas modernos, como consideramos Altivo Sette, não

apresentam a religiosidade em seu sentido específico de paz, fé, devoção. Para

esses poetas em conflito com o mundo, a religião representa um ponto de fuga ou

uma questão metafísica, existencial.

Maria Zilda Cury (1998), por exemplo, ao analisar os poemas iniciais de

Emílio Moura, um dos fundadores d’A Revista, periódico modernista de Minas

Gerais, percebe nele – no Modernismo Mineiro - uma densa reflexão metafísica.

O ceticismo e o desencanto desse eu-lírico frente ao mundo moderno e suas

engrenagens levam-no a uma constante indagação a respeito de seu eu e da

vida. Algumas vezes, segundo Cury, o eu-lírico de Emílio Moura encontra refúgio

no mundo dos sonhos, este é o seu ponto de fuga. Semelhantemente

encontramos o eu-lírico de Altivo Sette. Em alguns de seus poemas observa-se

também a fuga para o mundo dos sonhos. No entanto, nem nos sonhos o poeta

encontra consolo: Nem dormindo!

Dormindo, sou uma pedra porosa, (lá dentro, tremula lampada...) que o vento violento transpassa. Dormindo, sou um cadaver silvestre, dormindo, sou um cégo sem memória, tangendo rebanhos de sombras azuis...

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Entre duas azas. Diário do Comércio, 21 jan. 1940, p.2.)

As imagens religiosas, como a do reino de Deus, funcionariam, portanto, da

mesma forma como os sonhos, como um ponto de fuga que o poeta encontra

para discutir sua relação com a vida. Os vocativos Senhor e Deus, também muito

recorrentes em sua obra, representariam a poética de toda uma humanidade

insatisfeita, não a de um poeta são-joanense extremamente religioso.

Page 30: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Laís Corrêa de Araújo (1975), ao fazer um apanhado sobre a poesia

modernista de Minas Gerais, aborda também a questão metafísica da poesia de

Emílio Moura, juntamente com a de Henriqueta Lisboa, carregada de uma

constante perplexidade do poeta frente ao mundo. A pesquisadora afirma que,

como o Modernismo em Minas não apresentou, de forma significativa, a fase da

experimentação, ele pode ser considerado um modernismo humanizado, (...) um

momento épico da tomada de consciência da natureza do homem, reportando-o à

medula viva do real. (Araújo, 1975, p.186.)

Diante dessas constatações, fica fácil entender como os acontecimentos da

primeira metade do século XX levaram muitos artistas, dentre eles os mineiros,

ao desespero e à melancolia. A Segunda Guerra Mundial, as atrocidades dela

resultantes, as sensações por ela provocadas são temáticas de muitos poemas

de Altivo Sette.

Como se não bastasse a ditadura durante o Estado Novo no Brasil, estoura

no mundo a Segunda Grande Guerra. Soldados do mundo inteiro foram enviados

às frentes de batalhas, e com o Brasil não foi diferente: a Força Expedicionária

Brasileira (FEB) conduziu aos campos da Itália 25 mil soldados. Dentre eles

estava o 11º Regimento de Infantaria – R.I. (hoje 11º BI - Batalhão de Infantaria

de Montanha – Regimento Tiradentes), de São João del-Rei, que, segundo a

história nacional, teve uma participação honrosa nos conflitos. A cidade de Altivo

Sette entra na guerra e, enquanto seus conterrâneos vão para a frente de batalha,

o poeta entra na luta através de suas palavras. Sabeis que ha luto na terra, luto nas nuvens, luto nos olhos das moças, luto no mar?

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Novo Poema. Diário do Comércio, 09 jan.1940, p 2.)

De sua terra Altivo não vê os mortos nas batalhas, mas sente o luto que

paira no ar. Pressente que a vida jamais será a mesma depois daquela guerra, a

mais perigosa que já se tinha visto, e o poeta ainda nem podia imaginar como

Page 31: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

terminaria. E novamente pede alívio para o sofrimento de viver num tempo tão

estúpido: Senhor, matai-me aqui mesmo, no frio limiar da Tua porta, onde estou de joelhos, sem uma palavra, tragica estatua. De ferro! (Serei ao menos alegórico?) Irei chorando, irei sorrindo, translucido e absurdo como sempre. Sem esperança e sem culpa... Eis as duas azas tragicas, entre elas sou um triste vérme assustado. Matai-me. Salvai-me. Aliviai-me! Não me arrependo de nada. (Perdão, Senhor.)

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Entre duas azas. Diário do Comércio, 21 jan. 1940, p.2.)

A imagem do poeta mudo aparece novamente nesses versos compostos

por imagens paradoxais. Ao mesmo tempo em que a morte provoca sorrisos,

provoca também as lágrimas do eu-lírico que não se sente culpado por nada, não

se arrepende de nada, mas que, mesmo assim, pede perdão. A metáfora do

verme assustado mostra a sensação de insignificância do poeta moderno diante

de seu mundo.

A angústia que o poeta moderno sente, ao perceber a necessidade de

denunciar a caducidade de seu tempo, é encontrada, também, em um dos mais

famosos poetas mineiros: Carlos Drummond de Andrade, com quem Altivo Sette

estabelece constante diálogo, através de poemas que escolhe para serem

publicados no jornal Diário do Comércio. Em entrevista com o filho de Altivo Sette,

tivemos a confirmação de algo que é visível em seu trabalho: o poeta foi um

grande leitor de Carlos Drummond. Segundo o filho Antônio, a biblioteca do pai,

apesar de modesta, possuía muitos nomes do Modernismo Brasileiro, sendo

Drummond a influência chefe de seu pai - para usar as palavras do próprio filho.

O poeta gauche, deslocado, carrega o sofrimento do mundo em suas mãos e

publica livros que falam exatamente a respeito desse tempo marcado pela

solidão, pela impotência do homem diante de um mundo frio e mecânico, que o

Page 32: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

reduz a objeto: são os livros Sentimento do Mundo (1940), José (1942) e Rosa do

Povo (1945). O poema que dá nome ao primeiro, é trazido por Altivo Sette, na

década de 60, para o jornal Diário do Comércio, na coluna de poemas de sua

responsabilidade.

Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo, ..........................................................

Os camaradas não disseram que havia uma guerra e era necessário trazer fogo e alimento. Sinto-me disperso, anterior a fronteiras, humildemente vos peço que me perdoeis. Quando os corpos passarem, eu ficarei sozinho desafiando a recordação ............................................................. êsse amanhecer mais noite que a noite.

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do Mundo. Diário do Comércio, 09 jul. 1961, p.3.)

Drummond começa seu poema expressando o peso do mundo que sente

carregar. Sabe que, depois da guerra, sua lembrança o encherá de tristes

recordações. Recordações dos diversos e desconhecidos mortos, que nem ao

menos foram encontrados. O que restará depois da guerra será apenas um tempo

sombrio em que o dia será mais escuro que a própria noite.

Altivo Sette, ao escolher o poema Mãos Dadas para ser publicado no Diário

do Comércio, faz questão de mostrar que o tempo presente é também matéria em

Drummond:

Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou prêso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre êles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Page 33: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens

[presentes, a vida presente.

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Mãos dadas. Diário do Comércio, 08 jan. 1961, p.4.)

O passado e o futuro não importam no momento, o que vale é o presente.

Como agir diante de um tempo tão estúpido? De mãos dadas, é assim que os

poetas deveriam agir entre si e com seu povo. Entre si, porque não mais devem

se expressar de forma individualista, mas todos falando a respeito de seu tempo

presente. A mulher, o amor, as paisagens da janela, os anjos, o passado, o futuro

perdem seu lugar para as temáticas atuais, como a guerra, a política, os

problemas sociais. Junto ao povo, denunciando seu tempo presente, porque é

assim que o poeta moderno se vê, mais um entre muitos; o poeta não ocupa mais

um lugar privilegiado, no qual era um ser iluminado pelas musas. Apesar de só

ser trazido por Altivo na década de 60, o poema Mãos dadas foi publicado no livro

Sentimento do Mundo (1940), em plena Segunda Guerra Mundial.

O poema José, de Carlos Drummond, também aparece, em 1959, na

coluna de poemas de Altivo Sette. O poeta gauche apresenta-nos um sujeito

completamente perdido no mundo, sem sonhos, sem expectativa, cheio de

dúvidas, desolado: um eu-lírico que, segundo Affonso Romano de Sant’Ana

(1992), estaria num momento poético em que se sentia menor que o mundo, ou

seja, inferior aos acontecimentos do século XX: E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, ............................. a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou

Page 34: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

e tudo fugiu e tudo mofou, e agora, José?

(ANDRADE, Carlos Drummond de. José. Diário do Comércio, 15 fev. 1959, p.1.)

As sensações do intelectual Carlos Drummond são parecidas com as de

Altivo Sette: seres sem esperança, perdidos, pedindo perdão diante do mundo,

diante da guerra que tira vidas, provoca fome e instaura um futuro obscuro.

Depressa, amor. Vem depressa! Que toda doçura vai acabar. E’ tempo de guerra, de cataclismas, não ha garantia nenhuma nem no chão, nem no céu, nem no mar. Tempo de bloqueio e de racionamento... Os homens são rebanhos encurralados nas trincheiras, arsenais, arranha-céus. Que será de nós amanhã?

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Poema Atualíssimo, Diário do Comércio, 04 fev. 1940, p.2.) O título Poema Atualíssimo nos chama a atenção para a urgência de seu

conteúdo. O poeta comunica a insegurança do homem diante dos ataques, que

não têm lugar certo para ocorrer: podem vir do chão, do céu ou do mar. Além

disso faz referência ao racionamento de comida e combustível que o país vive.

A metáfora dos homens como rebanhos encurralados mostra-nos a falta

de humanismo de um acontecimento que levará muitos à morte, ao matadouro.

Não há saída para aquele rebanho, as trincheiras são o ponto final. Os ultimos anjos serão fuzilados pelas costas, ao romper a alvorada. Bêstas cinzentas pastarão nos jardins, as aves cairão como pedras de gelo nos hombros vergados dos homens. A terra será fria e desolada, nem música, nem fumo subirão do vale. Vem depressa, amor! Toda doçura vai acabar. Ai! tempo perdido, vida perdida.

Page 35: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Que será de mim amanhã? Talvez nem chorar. Nem chorar!

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Poema Atualíssimo, Diário do Comércio, 04 fev. 1940, p.2.)

A previsão do poeta é apocalíptica: aves morrendo; o homem vergado,

como se o peso de suas atitudes o deformasse; os inocentes, representados pela

figura dos anjos, sendo covardemente mortos; os vencedores da guerra, as

bestas, pastando sobre o chão que restar. Jardins? Talvez jardins de mármores,

repletos de cruzes e almas. Além do mais, em 1940, a Alemanha ganhava a

guerra, da qual os Estados Unidos ainda não participavam. A França fora invadida

e os soldados alemães, com uniformes cinzentos, passeavam pelos belos jardins

de Paris. A imagem das bestas cinzentas pastando nos jardins remete-nos a esse

momento da guerra, em que as aves que caem representam as bombas que

caíam sobre a França. A terra será fria, silenciosa, amarga. A única conclusão a

que o poeta chega é a de que o tempo está perdido e o futuro é uma incógnita: O

que será de nós amanhã? É a angústia do homem frente aos acontecimentos

que fogem ao seu controle.

Nesse poema e em muitos outros do autor encontramos o que Hugo

Friedrich (1978), um estudioso da lírica moderna, chama de categorias negativas.

Segundo ele, a poesia moderna apresenta características que, por serem

extremamente diferentes daquelas da lírica anterior, são classificadas como

negativas, mas não no sentido de depreciação, apenas de definição de uma lírica

nova, em contraposição à anterior. A lírica até então predominante, era

representada por aspectos positivos: alegria, harmonia, exaltação do belo,

linguagem contida; quando surge a lírica moderna, tais características são

substituídas. Passa-se a fazer poesia para denunciar sofrimento; perdeu-se a

preocupação com a métrica, com a linguagem contida; quanto mais soltas forem

as palavras, quanto mais cortantes e impactantes forem as imagens, mais belo

será o poetar moderno.

Em Altivo Sette adotaremos o termo categoria negativa para definir sua

temática e as palavras usadas em seus poemas, pois, ao se mostrar

comprometido com o social, ele discute as questões problemáticas de seu tempo,

Page 36: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

como a guerra, a ditadura, o capitalismo, o materialismo e o progresso

desenfreado. Os poemas aqui analisados são exemplos de categorias negativas

em relação à sua temática, e muitos em relação ao vocabulário escolhido. No

Poema Atualíssimo, anteriormente transcrito, por exemplo, palavras como

cataclisma, trincheiras, bestas, aves caídas, ombros vergados, rebanho

encurralado, gelo, terra fria, desolada remetem-nos a imagens extremamente

negativas.

Há um momento em que encontramos o próprio Altivo Sette refletindo

sobre a poesia moderna e saindo em defesa dos versos livres. Em nota a dois

poemas de Fernando Pessoa (sem títulos), o escritor são-joanense transcreve

para o Diário do Comércio a discussão sobre a irregularidade da métrica,

desenvolvida no livro Estudos sobre a poesia de Fernando Pessoa, de Adolfo

Casai Monteiro. Vejamos um trecho:

As fórmas fixas (da poesia), não são mais do que a repetição, por falta de segurança, de tipos que surgiram um dia entre a multiplicidade das fórmas possíveis, ás quais de modo algum esgotaram, senão para os que têm mêdo de se perder, se as perderem.”/ “...sucede com a poesia que tôda a gente, mesmo ou sobretudo quem não se interessa realmente por ela, se acha ao direito de estabelecer o que ela pode ou não pode, deve ou não deve ser. Ora... que é, afinal a utilização de ritmos livres, senão o alargamento á poesia, da liberdade de construção da frase-musical?” (Monteiro apud Câmara. Diário do Comércio, 19 abr. 1959, p.1.)

Essas palavras mostram que o escritor Altivo Sette era uma pessoa que se

importava também com questões teóricas relacionadas ao fazer poético. Não era

apenas alguém que escrevia ou lia versos de forma descomprometida; pelo

contrário, mostrava-se conhecedor de assuntos relacionados à teoria poética.

Com isso, portava-se às vezes como um crítico literário, ao publicar poemas

alheios e sobre eles, ou seus autores, tecer comentários. É o que faz, por

exemplo, ao trazer o poema Profundamente, de Manuel Bandeira (anexo 2), e

discutir um pouco a respeito do Movimento Modernista Brasileiro, na seguinte

nota:

Page 37: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

A revolução modernista, agitando idéias novas, sacudiu vigorosamente a pasmaceira nacional. Foi um sopro de renovação, arejando a atmosfera doentia e falsa, criada pelo romantismo importado um século atrás. Deu impulso de renovação a tôdas as artes, influindo também no terreno das idéias políticas e sociais. Tentou atualizar o Brasil, tirando-o do século 19, em que ainda vivia em 1.922. (E em que vive ainda 80 por cento da população, culturalmente atrazada cem anos ou mais...) (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Diário do Comércio, 21 jun. 1959, p.1.)

Ainda nesta nota, Altivo fala sobre a liberdade de estética e de temática da

poesia modernista, citando Otto Maria Carpeaux. Este ressalta o rompimento do

Modernismo com a métrica tradicional e com a solenidade acadêmica, voltando-

se para assuntos trágicos e humorísticos da vida, para as realidades sociais e a

geografia humana do Brasil.

Essa volta da poesia para as realidades sociais é, como temos visto, uma

recorrência no trabalho poético de Altivo Sette. Em reflexão sobre o mês das

festas juninas, há novamente a referência à Segunda Guerra Mundial, em seu

Poema de Junho: Junho é o mez dos incendios. Fogueiras de santos do Oiapoc ao Chui, fogueiras de guerras na Europa, na Africa. (Senhor, onde mais, para o mez) Chispas sinistras nos olhos dos homens, que bebem e bailam e cantam e morrem...

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Poema de Junho. Diário do Comércio, 07 jul. 1940, p.2.)

A palavra incêndio usada para as fogueiras das festas juninas nos leva a

ler uma ironia em Altivo Sette. Em outros textos, o escritor trabalha com a imagem

dos fogos de artifício das festas que se transformaram em bombas; aqui as

fogueiras se transformam em incêndios. Tal atitude do poeta mostra como as

festas juninas estão perdendo sua essência de festa de santos ao se fundirem à

modernidade. Fogueiras de santos - do Oiapoc ao Chui os homens se divertem;

fogueiras de guerras - na Europa e na África, eles morrem. No entanto, a morte

não é resultado apenas das guerras, mas também das diferenças sociais: Junho é um mez muito frio. Mez de geadas, mez de neblinas. Quantos peregrinos morrerão este ano

Page 38: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

nos berços gelados dos pobres? Meus irmãos, eu vi os pobres! Lá iam tiritando de frio, lá iam magros e curvos, lá iam cabibaixos e sérios, Lá iam sem uma palavra para o exilio absurdo da morte. Lá iam de mãos abanando e o coração cheio. Doendo...

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Poema de Junho. Diário do Comércio, 07 jul. 1940, p.2.)

Não é só o calor dos incêndios de junho que mata. O frio também; não só o

frio climático, mas também o frio social, que divide os homens em classes

sociais, em pobres e ricos. A preocupação social é muito forte na poética e na

prosa de Altivo Sette, a desigualdade social é um dos motivos que levam o poeta

à melancolia.

Mais um tempo se passa, a guerra continua, provocando as mais diversas

sensações e medos neste eu-lírico:

Uma tristeza terrivel descerá sobre nós, como cinza. As noites serão longas. As noites serão longas! E o sono fugirá dos olhos fatigados e no coração haverá só uma ou outra reminiscência. Longe, os galos cantarão, de quintal em quintal. Haverá um rio dividindo as terras, coisas mais fundas dividindo as criaturas. Casas velhas, ruas sem nome, quem vos levará na memória?

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Poema. Diário do Comércio, 06 fev. 1942, p.2.)

Decorridos quase três anos de guerra, o poeta antevê um futuro ainda

pior: Uma tristeza terrivel descerá sobre nós, como cinza. Novamente, de forma

apocalíptica, Altivo Sette prevê os resultados da guerra, que serão tão horrorosos

que a tristeza trará escuridão para os homens. Essa escuridão instaurará uma

noite quando ainda é dia, por isso As noites serão longas. E os homens nunca

mais serão os mesmos, pois as lembranças daquele tempo de atrocidades não

merecerão ser lembradas, mas ao mesmo tempo serão impossíveis de ser

esquecidas.

Page 39: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Só as nuvens serão as mesmas e a sombra delas rolará pelo pó, sem barulho. Só as pedras serão as mesmas, Apenas mais gastas dos pés, dos lábios, ventos e chuvas. Alma, em que canto de mundo te esconderás para esquecer? As noites longas! A mão apagará a lâmpada, a mão que ainda agora é uma aza, e o tempo transformará talvez num simples utensílio. A mão apagará a lâmpada e a cabeça rolará esvasiada na sombra do quarto, na sombra do mundo, na sombra de Deus. Oh! uma tristeza terrivel descerá sobre nós, como cinza.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Poema. Diário do Comércio, 06 fev. 1942, p.2.)

As lembranças do tempo de guerra serão inesquecíveis: Alma, em que

canto de mundo te esconderás para esquecer?, mas ao mesmo tempo não

merecem ser comunicadas. As recordações permanecem na memória, mas são

excluídas do coração: e no coração haverá só uma ou outra reminiscência. Sobre

essa incomunicabilidade do tempo de guerra, fala-nos Walter Benjamin (1985) a

respeito dos homens que voltam da guerra. Segundo Benjamin, os soldados

voltam pobres de experiências comunicáveis, mudos. Ricos de experiências

vividas, eles não falam sobre suas vivências, elas doem e fazem do homem da

guerra um ser diferente: Só as nuvens serão as mesmas./ Só as pedras serão as

mesmas, a humanidade nunca mais.

A humanidade, que nunca mais será a mesma, e a lembrança

inesquecível, que atormenta, que mostra a insignificância do homem, com suas

guerras e destruições, estão presentes no poema a seguir. Que me importa o espanto desta guerra, o sofrimento das multidões e o destino das almas? Que me importam as estrelas, indiferentes á dor das criaturas? Que me importam os mortos, que nada sabem de nós? Que me importam as rosas, as rosas belas e estupidas, as rosas solitárias na ponta êrma dos galhos? Que me importa este vento violento que abre com estrondo minha fragil janela, para me lembrar que nas ruas rola o futil cisco dos homens?

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Poema. Diário do Comércio, 20 mar. 1943, p.2.)

Page 40: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Através da indagação que me importa(m)? é que o poeta dá importância

aos assuntos de seu tempo. A angústia da guerra se faz presente ainda em

outros poemas de Altivo Sette. No seguinte, intitulado O pequenino morto de

ontem, o poeta reflete sobre seu tempo e o futuro se mostra mais uma vez nada

promissor: Ah! Senhor, pudesse eu ter morrido naqueles dias, quando o mundo era apenas uma representação sem sentido, e eu era a presença da Graça, escondida na fragilidade. Pudesse eu (como este) ter partido sem lembrança e caido na tua mão, não como fruto sêco e ruim mas como um grão da eternidade, tornado á origem. Porque este é o século da mentira e da violência, e é preciso esconder a alma bem no fundo dos ossos; e sei que ha ainda muito sofrimento, muito sofrimento reservado para os que são inocentes.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. O pequenino morto de ontem. Diário do Comércio, 30 dez.1943,

p.2.)

Quisera o poeta ter morrido novo como aquela criança, que não teve tempo

de ver o mundo em que viveria, que se foi sem o peso das lembranças. A

lembrança de seu tempo é doentia, ela seca a pessoa e pode transformá-la num

fruto ruim.

Num poema de 1945, publicado dois anos depois, intitulado Os

sobreviventes respondem, o poeta fala da Liberdade em um tempo de guerra.

Questiona a essência da palavra e a impossibilidade de sua concretização, devido

aos tempos de escuridão.

[Liberdade] Que tens sido senão substantivo, e não concreto, não real, como um tijolo, uma rosa, uma cabeça de criança? Ah! Que fizeram de ti os técnicos da escuridão? Guardaram o pão, os heroes e o sol, num casulo. ............................................................................................................ Entretanto, de montanha em montanha em montanha em montanha, Allegjany, Mantiqueira, Pirineus, Uraes, Himalaia, ao redor das fogueiras que acendemos para não morrer, ainda ecôa o vosso grito, de esperança terrível: swaboda! liberty! liberté!

Page 41: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

libertad! Liberdade! LIBERDADE!, os sobreviventes respondem.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Os sobreviventes respondem. Diário do Comércio, 06 mar.1945,

p.35. Ed. aniversário.) Nas frentes de batalhas, homens de todas as nacionalidades, diante do

horror que se lhes apresenta, gritam por liberdade: swaboda!, liberty!, liberté!,

libertad!, liberdade!. Esses que clamam por liberdade são os sobreviventes de

uma guerra que já dura anos e que já matou milhares de seus companheiros.

Ecoa um grito, que em qualquer língua, soa pelo mundo e se faz entender:

Liberdade, pelo amor de Deus!

No mesmo número do jornal, em que o poema acima foi publicado, edição

de aniversário do Diário do Comércio, Altivo Sette traz um outro poema. De

autoria de Garcia Lorca, mas tradução de Altivo Sette, o poema Grito para Roma

traduz um tempo muito parecido com o de Altivo Sette. Um tempo de injustiças,

de insatisfações, mentiras, ganâncias, perversões:

Não ha senão multidões em lamentos, abrindo a camisa á espera das balas. O homem que despreza a pomba devia falar, devia gritar nú, entre as colunas a dar-se uma injeção para adoecer de lepra, e chorar um pranto tão terrível que dissolveria seus aneis e seus telefones de diamante.

(LORCA, Federico Garcia. Grito para Roma. Diário do Comércio, 06 mar. 1945, p.2.)

Intelectual vanguardista espanhol, Lorca era contra os regimes autoritários,

tendo sido morto durante a Guerra Civil Espanhola; foi também perseguido pela

Igreja Católica por ter assumido seu homossexualismo. No poema traduzido por

Altivo Sette, temos um eu-lírico revoltado com a atitude da igreja, a qual age

indiferentemente à situação de seus fiéis. No trecho acima, o homem que

despreza a pomba é uma referência ao Papa Pio XII, cujo nome de batismo era

Eugênio Pacelli, e em cujo brasão pontifício tinha uma pomba. Ao dizer que a

pomba era desprezada entendemos que o papa renega o próprio símbolo de seu

papado bem como o que esse símbolo representa para todos: a paz. Segundo

Page 42: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Gilberto Mendonça Teles (2006), grandes nomes da nossa literatura do século

XX, após a queda do Estado Novo, que os coibia de se manifestarem, começam

a produzir poemas sobre Garcia Lorca. Teles cita Drummond, Manuel Bandeira,

Vinicius de Moraes, Murilo Mendes, e explica que a obra de Lorca demorou a

chegar ao Brasil e que Drummond foi quem inaugurou, em 1947, a temática sobre

o poeta.

Diante dessa constatação, podemos dizer que Altivo Sette era um homem

atualizado com a intelectualidade brasileira, pois, já em 1945, dois anos antes de

Drummond, apresentou uma tradução do autor espanhol. Ao trazer tal texto para

o jornal, Altivo instaura um diálogo entre seus tempos e suas angústias. O eu-

lírico espanhol apresenta-se extremamente decepcionado com seu tempo:

O amor está nas carnes dilasceradas pela sede, na minuscula chóça que luta com a inundação, o amor está nos fóssos onde lutam as víboras da fome, no triste mar que mistura os cadaveres das gaivotas e no humilimo beijo pungente debaixo dos travesseiros. Mas o velho das mãos translúcidas dirá: Amor, amor, amor, aclamado por milhões de moribundos; dirá: paz, paz, paz, entre tremeluzir de punhais e bananas de dinamite; dirá: amor, amor, amor, até que os seus labios se transmudem em prata;

(LORCA, Federico Garcia. Grito para Roma. Diário do Comércio, 06 mar. 1945, p.2.)

Identificamos no poema inúmeras imagens, que nos remetem às categorias

negativas de Friedrich (1978): carnes dilaceradas, choça, fossos, víboras,

cadáveres, moribundos. Todas elas, palavras que nos remetem à podridão, à

torpeza de seu tempo, às desigualdades sociais, que aparecem ainda no mesmo

poema de Lorca: Entretanto, entretanto, ai! entretanto, os negros que tiram as escarradeíras, os rapazes trêmulos sob o terror branco dos diretores, as mulheres afogadas em oleos mineraes, a multidão de martelo, de violino ou de nuvem, hão de gritar, ainda que lhe rebentem os miolo na parede, ------------------------------------------------------------------------------ até que as cidades estremeçam como meninas

Page 43: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

e se abram as prisões do oleo e da música, porque queremos o pão nosso de cada dia, flor de amieiro e perene ternura debulhada, porque queremos que se cumpra a vontade da terra, que dá seus frutos para todos.

(LORCA, Federico Garcia. Grito para Roma. Diário do Comércio, 06 mar. 1945, p.2.)

Em Garcia Lorca, as pessoas vão gritar, exigir por seus direitos, mesmo

que morram, que sejam sacrificadas; enquanto em Altivo Sette temos o grito por

Liberdade daqueles que lutam por sua sobrevivência.

A guerra na Europa, finalmente, caminha para seu término: Mussolini foi

morto, Hitler suicidou-se. No entanto, até que isso se concretizasse, muitas foram

as vidas que se perderam, os corpos que se mutilaram, as injustiças que foram

cometidas, as mentiras que foram contadas:

Dezenas de milhões de criaturas de Deus foram massacradas ou se estropiaram para o resto da vida. Durante muitos anos ainda haverá fome, inquietação, angustia, lúto e desespero. As consequencias dessa tragédia colossal serão ainda sentidas no último dia deste seculo de injustiça, intolerancia, soberba e mentira. Principalmente de mentira; e que é a mentira? A mais sutil, a mais infernal das incarnações da violencia, porque uma violencia feita ás almas. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Glória ao 11º R.I. Expedicionário. Diário do Comércio, 20 maio 1945, p.1.)

Muitas pessoas morreram, mas muitas voltaram para casa. Pessoas que

nunca mais seriam as mesmas, ricas em experiências - e que experiências! –,

pobres em comunicação – como contar o que aconteceu? – retornariam a seus

países como heróis. É com essa visão que Altivo espera que sua cidade receba

seus pracinhas que retornariam em breve. Ele pede por isso no jornal Diário do

Comércio: Diversos oficiais superiores, sargentos e pracinhas foram condecorados por atos de bravura. O comportamento da tropa, entre a população civil italiana, foi louvado como um exemplo de tolerância, fraternidade, e respeito pelos direitos fundamentais da Pessoa humana.

Page 44: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Que S. João del-Rey se prepare para recebê-los condignamente. (CÂMARA Altivo de L. Sette. Glória ao 11º R.I. Expedicionário. Diário do Comércio, 20 maio 1945, p1.)

Em outubro de 1945, quando finalmente os pracinhas da FEB retornam a

São João del-Rei, a cidade se preparou para recebê-los. Numa edição especial

do jornal Diário do Comércio, encontramos novamente Altivo Sette, que não

homenageia apenas os que voltaram, mas também aqueles que ficaram em terras

italianas.

Antes, nos prendiam à Itália laços de vida, - os imigrantes á quem tanto devemos; agora nos prendem também os laços da Morte, - os heróes que lá deixamos e a quem a nova Itália passa a dever um pouco da sua libertação. E daqui por diante ninguem poderá saber que laços nos unirão mais, se os antigos laços da Vida, se os recentes laços da Morte. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Pequena saudação ao 11º R. I. Expedicionário. Diário do Comércio, 04 out. 1945, p1.)

Estranhamente, pois era um intelectual atento a sua época, não

encontramos texto de Altivo Sette nos dias da explosão das bombas atômicas. No

entanto, em 1961, Altivo seleciona o poema Rosa de Hiroshima, de Vinicius de

Moraes, para ser publicado em sua coluna poética. Altivo faz das palavras de

Vinicius suas palavras: Pensem nas crianças Mudas telepáticas Pensem nas meninas Cegas inexatas Pensem nas mulheres Rotas alteradas Pensem nas feridas Como rosas cálidas Mas oh não se esqueçam Da rosa da rosa Da rosa de Hiroshima A rosa hereditária A rosa radioativa Estúpida e inválida A rosa com cirrose

Page 45: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

A anti-rosa atômica Sem cor sem perfume Sem rosa sem nada.

(MORAES, Vinicius de. Rosa de Hiroshima. Diário do Comércio, 12 nov. 1961, p 4.)

Embora a Segunda Guerra Mundial tenha sido o acontecimento mais

marcante do século passado, não foi apenas ela que provocou as reações que

aqui estamos discutindo. É novamente em Friedrich (1978) que encontramos

explicações sobre a modernidade que tanto incomodou os intelectuais. De

acordo com esse autor, o termo modernidade foi usado quase como novidade

por Baudelaire, em 1859, para se referir às sensações que a metrópole e seus

produtos provocavam no artista da época. O turbilhão de mudanças encontradas

nas metrópoles: (...) sua fealdade, seu asfalto, sua iluminação artificial, suas

gargantas de pedra, suas culpas e solidões no bulício dos homens. (Friedrich,

1978, p.43), seu vapor, sua eletricidade, seu progresso são tema para Baudelaire.

Outra característica que encontramos na poesia de Baudelaire, e portanto

da poesia moderna, é a despersonalização: o afastamento do subjetivismo da

poesia. A poesia não deve ser um produto do coração, mas do intelecto, ela deve

ser um (...) trabalho, construção sistemática de uma arquitetura, operação com os

impulsos da língua. (Friedrich, 1978, p.39) Aí está exatamente um dos aspectos

da poesia moderna que a diferencia da poesia precedente: o afastamento do

sentimentalismo, do sujeito enquanto indivíduo, do eu-lírico confidente e íntimo. A

poesia moderna nega esse subjetivismo exacerbado em favor de uma

relativização. O poeta age não mais de uma forma individual, mas de forma

coletiva. O que ele diz não é mais uma manifestação que só se refira ao seu “eu”,

mas ao grupo em que está inserido.

Ao falar de seu tempo, das sensações que lhe provocava, Altivo Sette fala

em nome de toda uma sociedade, denunciando suas mazelas; atitude aliás que

Altivo reconhece como importante nos poetas de qualquer época. Em sua coluna

de poemas no jornal Diário do Comércio, ele traz dois poemas satíricos de

Gregório de Matos e a eles escreve notas; uma delas em cujo texto estão as

seguintes palavras: Apesar da vida nada edificante, G. de M. foi a primeira

Page 46: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

personalidade forte das nossas letras, bem cedo a denuncar (sic) em versos a

turpitude do Brasil-Colonia.4 Iniciando com a adversativa apesar, concluímos que,

se para Altivo Sette a vida do poeta não era nada edificante, sua atitude ao

denunciar os problemas do país, sim, era importante. Os trechos a seguir são

retirados do poema a que Altivo se referia:

Que falta nesta cidade? ..................Verdade Que mais por sua desonra? ................Honra Falta mais que se lhe ponha.................Vergonha. ............................................................................... A Câmara não acode? ....................... Não pode Pois não tem todo o poder? ............... Não quer É que o governo a convence? ............Não vence.

(MATOS, Gregório de. Que falta nesta cidade?. Diário do Comércio, 12 maio 1959, p.1.)

Em nota a trechos de outro poema de Gregório, Altivo diz: Os versos

(...)foram compostos quando da partida para o degredo. E’ um retrato do Brasil

colonial, na mesma linguagem irreverente, usada em tôdas as suas composições

satíricas.5 Eis um trecho que Altivo escolheu para trazer para sua coluna: Que os Brasileiros são bestas, e estarão a trabalhar toda a vida por manterem maganos de Portugal.

(MATOS, Gregório de. Adeus praia; adeus, cidade. Diário do Comércio, 31 maio 1959, p.1.)

Não é à toa que o poeta que Altivo escolhe para dialogar era conhecido por

Boca do Inferno. As palavras de Gregório eram ferinas e denunciavam a política,

a roubalheira, os costumes de sua época. Altivo também faz isso perfeitamente,

em seus mais variados textos, principalmente em seus artigos, onde as palavras

usadas são mais afiadas.

Com o fim da Segunda Guerra, e o advento da Guerra Fria, Altivo Sette se

lança à denúncia de um tempo em que o Ter vale mais que o Ser, em que o

4 CÂMARA, Altivo de Lemos Sette. Diário do Comércio, 12 maio 1959, p.1. 5 CÂMARA, Altivo de Lemos Sette. Diário do Comércio, 31 maio 1959, p.1.

Page 47: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

homem é um ser mesquinho, em busca de dinheiro. Vejamos trechos do poema

Antes que estoure a bomba: Porque já não temos tempo de Ser, e o verbo Ter nos move, carne triste nos dentes da engrenagem. E corremos contra o relógio atrás do dinheiro que voa antes que estoure a bomba .

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Antes que estoure a bomba. Diário do Comércio, 21 dez. 1962, p.4.)

O homem vive um momento em que é movido pela engrenagem do

capitalismo, cujos dentes o consomem. Triturado por essa engrenagem o homem

se transforma em Ninguém. Apenas mais um entre tantos que correm atrás do

tempo, em busca de bens materiais. Antes que estoure a bomba tomo a caneta e risco o nome na lista e por cima rabisco: “Ninguém”. Tomo a esferográfica e traço o grafo do epitáfio no asfalto. E assino no fim da ata: “Ninguém”.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Antes que estoure a bomba. Diário do Comércio, 21 dez. 1962, p.4.)

Nesta época em que o tempo parece passar mais rapidamente e que a

máxima Time is money domina o pensamento dos homens, o poeta percebe a

escravização do homem pelo tempo: ... Pasternak? Não responde. No nevoeiro, uzinas forçam a armadura do Partido. Onde a Maquina se fez homem, onde a Massa se fez maquina, e (aqui) onde “tempo é dinheiro”, cuidado! É proibido viver. -------------------------------------------------------------------- Até quando será o homem o lobo do homem? E a política, estrume verde fabricado pelo medo? Oh! a vida não tem nem voz nem azas, e atravez da ilusorio esplendor das idades arrasta o mesmo erro com segmentos de milenios, espantosa e feliz, com sua cauda de dinosaurios.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. A Boris Pasternak. Diário do Comércio, 23 nov. 1958.)

Page 48: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Tempo é dinheiro, / Cuidado! É proibido viver. Não há tempo para mais

nada a não ser para a busca material, para a busca do dinheiro. A engrenagem

do capitalismo devora o homem, o próprio homem se devora: Até quando será o

homem o lobo do homem?, afinal ele próprio cria seus sistemas. Novamente, em

sua coluna no jornal, Altivo traz Carlos Drummond de Andrade para dialogar com

ele a respeito do tempo capitalista, em seu poema Anoitecer.

É a hora do descanso, mas o descanso vem tarde, o corpo não pede sono, depois de tanto rodar; pede paz – morte – mergulho no poço mais êrmo e quedo; desta hora tenho mêdo. Hora de delicadeza, gasalho, sombra, silêncio. Haverá disso no mundo? É antes a hora dos corvos, bicando em mim, meu passado, meu futuro, meu degredo; desta hora sim, tenho mêdo.

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Anoitecer. Diário do Comércio, 01 maio 1960, p.4.)

O eu-lírico drummondiano traz a noite como o tempo do descanso,

momento em que o trabalhador, que produziu o dia todo, precisa se aquietar para

se recuperar do dia de trabalho. No entanto, ele não consegue, seu corpo está tão

fatigado que o sono não é suficiente. O necessário seria um mergulho fora do

mundo, fora da vida, No poço mais ermo e quedo, pois este, que seria um

momento de paz, é um momento de angústias, em que o sujeito pensa no

passado, no futuro e, por isso, teme a noite, momento de lembranças e reflexões

dolorosas. Altivo Sette traduz o sentimento desse eu-lírico na nota que

acompanha o poema Anoitecer, de Drummond. O homem já não tem tempo de “ser”. Lutando pela vida – ou pela morte? – só pode pensar em “ter”. – Ter dinheiro, para ter coisas, poder, prestígio. Por isso, “fazer” substituiu o “viver”. E a frustra criatura se transformou em robot sem alma, autômato fazedor de coisas e de fatos que dão dinheiro. – Não é o Tempo a própria medida da vida? Pois a humanidade presente já não tem tempo,

Page 49: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

ninguém tem tempo para nada, a não ser para “fazer”. E essa loucura é uma luta aberta de todos contra todos, e uma luta oculta, de cada um contra si mesmo... / (...) E o homem cansado volta para sua tenda de cimento, para a máquina-de-morar, onde irá em breve fabricar outra solidão. Eis porque, interpretando a universal solidão do homem moderno o poeta tem mêdo desta hora do entardecer. Hora em que, dissolvido o rebanho humano para a decretada trégua noturna, cada um sente que algo acabou para sempre, e cada um está definitivamente sòzinho, e a vida já não é um sonho, mas uma ordem. No dizer do próprio C.D.A., em outro admirável poema, “...chegou um tempo em que a vida é uma ordem. / A vida apenas, sem mistificação.” (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Diário do Comércio, 01 maio 1960, p.4.)

O materialismo impera no século de Altivo Sette. O tempo é fugidio e vale

ouro. Na luta pelo ouro, as desigualdades sociais se fortificam e o homem está

cada vez mais só no meio da multidão e cada vez mais preso na engrenagem do

presente. O que desejar ao homem moderno? Falta-lhe alimento para o corpo e

para a alma, falta lhe tempo para viver, porque o tempo que tem é ilusório,

perdido nas engrenagens do capitalismo. Pão - - - tempo - - - liberdade - - - para todos. O que temos é algo frustro, neutra gelatina, semen com antenas de visco tateando o futuro sol. Para o reino da equidade ainda não estamos preparados.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. A Boris Pasternak. Diário do Comércio, 23 nov. 1958.)

O que será do futuro? Altivo Sette vaticina o fim dos tempos e se pergunta

como se dará seu registro. Novamente a questão metafísica da existência

aparece no poema A Boris Pasternak. Os dias de hoje serão consumidos como lenha... Que registro ficará na Historia? Em cada letra, o carbonizado Fato. No fim, um lindo fôgo fátuo, álgida chama azul, santelmo errante sobre a carcassa dos dragões extintos. ... Quem sabe? Então estaremos-todos-de-novo juntos em outro paraiso.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. A Boris Pasternak. Diário do Comércio, 23 nov. 1958.)

Page 50: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Com o poema acima, mostrando um eu-lírico inquieto, em constante busca

de respostas para a vida, encerramos as análises deste capítulo, que desvendam

o intelectual Altivo Sette. Sua condição de homem da modernidade impôs-lhe

naturalmente a tarefa de falar sobre seu tempo. Seus recortes sobre a guerra,

sobre o capitalismo, sobre a descrença da vida na modernidade, o desencanto do

homem diante do próprio homem permitem que lhe atribuamos o título de poeta

moderno: um displaced man, um gauche são-joanense solto em um mundo de

constantes transformações.

Page 51: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

São João del-Rei: tradição e memória em Altivo Sette

Page 52: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Ora os sinos batem mas não é terentena de festa ou novena nem comum dobre para algum [defunto. Os sinos tangem singular responso um fino – outro grosso – ah, é o velho toque de Senhora-Morta Senhora-Morta.6

O poeta Altivo Sette, com seu olhar crítico, aborda a tradição de sua

cidade na perspectiva de um homem do século XX, atualizando-a e

transformando-a em temática recorrente, como mostra a epígrafe: uma estrofe

dos muitos poemas do autor que tratam da tradição são-joanense. Isso nos

permite estabelecer um diálogo entre esse autor e a questão da tradição no

Movimento Modernista.

Este Movimento no Brasil tem sido tema sobre o qual estudiosos da

literatura muito têm se debruçado em busca de novas reflexões. À medida que faz

aniversário – 20 anos, 50 anos, 70 anos – vários textos são publicados, trazendo

considerações críticas que só são possíveis devido a esse distanciamento

temporal. Em cada região, o Modernismo aconteceu de uma forma, pois nem

todos os lugares estavam vivendo a mesma realidade que São Paulo e seus

intelectuais viviam. Além do mais, alguns pontos relacionados ao Modernismo

Brasileiro não se configuraram de forma tão simples como se tem apresentado.

Um desses pontos é a questão da ruptura com o passado, uma das máximas do

Movimento. A tradição não foi abolida como normalmente se pensa; pelo

contrário, ela foi recorrente durante todo o período. Embora tenha se fortalecido

em São Paulo, o Movimento Modernista foi absorvido, de forma diversa, em

outros lugares do país, por onde se difundiu, influenciando muitos escritores

brasileiros que não participaram ativamente da fase surgida em São Paulo.

Na verdade, mesmo com a irreverência da Semana de Arte Moderna de

1922, tomada como marco importante do Modernismo Brasileiro, o movimento

6 CÂMARA, Altivo de L. Sette. Boa-Morte. Diário do Comércio, 27 ag. 1963, p. 4.

Page 53: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

não estabeleceu uma ruptura completa com a tradição. Ao buscar uma origem

brasileira, os modernistas entram em contato com tradições muito diversas,

configurando a impossibilidade de encontrar uma origem única. Em alguns

momentos, a “origem” se mostra dispersa pelas tradições que vão conhecendo,

como acontece, por exemplo, durante a viagem empreendida pelo grupo paulista

e Blaise Cendrars, em 1924.

Em companhia do escritor europeu, alguns dos maiores expoentes do

Modernismo – Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral –

chegam de viagem a Minas Gerais. Passam por Belo Horizonte, onde entram em

contato com o grupo de intelectuais de lá, dentre eles Carlos Drummond de

Andrade.

Em contato com as tradições das cidades históricas mineiras, que até

então eram desconhecidas para eles (talvez não muito para Mário de Andrade

que já havia estado em Minas Gerais em 1919), os modernistas de São Paulo

perceberam que ali também poderia estar a originalidade nacional que buscavam.

Oswald de Andrade relata as impressões que aquelas cidades deixaram

sobre ele, contrapondo-as à modernidade das cidades grandes. Segundo ele, era

um crime substituir as produções e manifestações brasileiras por aquelas que

vinham da Europa só porque eram da Europa.

A arquitetura de São João d’El Rei, Tiradentes e Sabará e das outras que vamos percorrer está aí como uma censura viva aos inconscientes que pretendem transplantar para o nosso clima o horror dos bungalows e das casas de pastelarias. As cores vivas e o aspecto sólido e calmo das casas mineiras é a melhor lição que pode ser dada aos nossos construtores. Como é um crime substituir nos altares as velhas imagens maravilhosas feitas a mão pelos nossos santeiros, por uma súcia de santos almofadinhas e sem caráter definido, saídos da industrialização italiana e alemã, é outro crime desprezar a cor de rosa das fachadas, o abrigo dos beirais e o azul das janelas – nascidos da paisagem brasileira e da tradição e tão naturalmente de acordo com elas – pelas cores cinzentas da Europa. (Oswald de Andrade apud Cury, 1998, p.83.)

Essas palavras oswaldianas mostram-nos a preocupação do modernista

com a valorização do nacional. No entanto, o que nos parece contraditório, e que

na verdade foi uma recorrência constante no Movimento Modernista, é que,

Page 54: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

apesar de ser um movimento que pregava a modernidade, as tradições tiveram,

nele, presença marcante.

A presença da tradição, ao invés de estabelecer um paradoxo, por

contradizer a idéia inicial do novo, da ruptura, da negação do passado, acaba se

tornando parte do discurso modernista. A grande ruptura que se pretendia, na

verdade, não aconteceu. Mudanças ocorreram, da mesma forma como

mudanças ocorreram com outros movimentos. Sempre que se pensa uma nova

manifestação intelectual acontecem mudanças, pequenas rupturas. Isso não foi

um privilégio do Movimento Modernista como se pensa.

Maria Zilda Cury (1998) ressalta a conclusão a que Affonso Ávila chega

sobre a insuficiência do rótulo ruptura em relação ao Modernismo, pois o

movimento utilizou-se também de elementos da tradição cultural brasileira. Se a

ruptura foi uma das máximas do Movimento Modernista, o discurso da tradição

também deveria ser, já que se fez recorrente em muitos intelectuais da época.

Vejamos as considerações da autora a esse respeito:

Affonso Ávila, justamente querendo salientar o aspecto de vinculação histórica do movimento à produção cultural, mostra a insuficiência do rótulo ruptura, isolado, para definir a postura modernista que efetivamente também utilizou-se [de] elementos de nossa tradição literária. No caso específico do grupo mineiro, nota-se, muitas vezes, a permanência da tradição que mistura tendências: desde influências do Classicismo, Romantismo, até Simbolismo e Parnasianismo. Talvez seja até o caso de atenuar as classificações, falando antes de tendências tradicionais que se prolongavam, se atenuavam, ou se atualizavam ao lado de outras mais efetivamente modernizadoras. Se a ruptura, então, foi um traço marcante e essencial do Modernismo brasileiro – como de resto o foi das vanguardas que tingiram o panorama do princípio do século – a releitura da tradição e o redimensionamento de seus valores não o foram menos, sobretudo do modernismo mineiro. (Cury, 1998. p.98)

No Modernismo Mineiro, então, essa vertente da permanência da tradição

apresenta-se de forma ainda mais acentuada. Ora, se o discurso da tradição se

faz presente nos modernistas da Semana, após a viagem a Minas Gerais, é

possível pensarmos nesse discurso da tradição de forma mais acentuada nos

intelectuais de Minas Gerais, região afastada dos acontecimentos pela dificuldade

Page 55: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

de transporte e pela falta de meios de comunicação de massa. Os intelectuais

mineiros só vieram a ter contato concreto com o Movimento Modernista, quando

os modernistas de São Paulo vieram de viagem a Minas. O que não quer dizer,

no entanto, que os intelectuais de Belo Horizonte estivessem alheios às

tendências renovadoras que surgiam nos grandes centros urbanos. Pelo

contrário, a capital mineira já vivia agitações próprias de uma cidade em

crescimento, pois (...)já gozava de um movimento cultural relativamente intenso, freqüentada que era por companhias teatrais importantes à época, tendo notícia do que se publicava no país, sofrendo gradativo mas firme processo de industrialização, discutindo, ao menos no interior do jornal, e em grande parte pela iniciativa dos “novos”, as idéias que cultural e politicamente agitavam o país. (Cury, 1998, p.15.)

Além do mais, os “novos” de Minas possuíam o costume de freqüentar

livrarias em busca de materiais atualizados. Em entrevista a Maria Zilda Cury,

Carlos Drummond de Andrade conta que eles, os jovens intelectuais, iam para as

livrarias e ficavam à espera da abertura dos caixotes que traziam as novidades,

as quais disputavam. Diz também que liam jornais do Rio e de São Paulo e

procuravam se manter informados a respeito das inovações literárias. Ou seja,

isso prova que os intelectuais mineiros do início da década de 1920, já viviam em

um ambiente que proporcionaria, mais tarde, a adesão e a contribuição do grupo

ao movimento maior acontecido em São Paulo. Caso contrário, se estivessem

totalmente alheios às transformações, o contato com a “paulicéia” não seria

significativo o suficiente para despertar o Modernismo em Minas. Alguns

acontecimentos na capital Belo Horizonte também foram preparando a

intelectualidade mineira para a consolidação de suas idéias, em 1924, com a

vinda da caravana modernista de São Paulo. Ainda em 1920, por exemplo,

aconteceu na cidade a primeira exposição de arte moderna, da artista Zina Aita,

única mineira que participaria depois, em 1922, da Semana de Arte Moderna de

São Paulo. Em 1923, Belo Horizonte recebeu a visita do futurista português

Antônio Ferro, sobre o qual disse Drummond: Ele era modernista, e eu também

me julgava modernista. Então havia um movimento natural de aproximação. (apud

Cury, 1998, p.158.)

Page 56: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Drummond já se considerava um modernista antes mesmo do contato com

os paulistas. Segundo esse poeta, devido às condições geográficas, seu grupo

possuía um conhecimento muito maior da literatura produzida no Rio de Janeiro

do que da produzida em São Paulo. Inclusive, quando aconteceu a Semana de

Arte Moderna, em 1922, o jornal Diário de Minas, em que os intelectuais mineiros

publicavam suas produções, dentre eles Drummond, não fez a menor referência

ao acontecimento. No entanto, Drummond afirma ser inquestionável que o grupo

paulista, após sua vinda a Minas Gerais, tenha contribuído para a fortificação do

Modernismo Mineiro. O grupo de Minas, que se reunia para discutir as novas

idéias em Belo Horizonte, composto por Carlos Drummond de Andrade, Pedro

Nava, Emílio Moura, João Alphonsus, Martins de Almeida, dentre outros, após a

vinda dos paulistas, procurou manter contato com eles, principalmente através de

cartas. Com isso houve um amadurecimento das idéias modernistas em Minas

Gerais, resultando na publicação, em 1925, d’A Revista, um periódico modernista.

Através d’A Revista, os jovens de Minas passaram a divulgar suas próprias

idéias modernistas. Diferentemente do grupo paulista, que somente quando

buscava as origens nacionais acabou encontrando a tradição, os mineiros já

partiram da consciência de que sua tradição era parte da origem que buscavam,

se não a do Brasil, pelo menos a de Minas. No editorial do segundo exemplar do

periódico, por exemplo, Martins de Almeida fala sobre a posição daquele grupo

em relação à tradição: Não queremos atirar pedras ao passado. O nosso

verdadeiro objetivo é esculpir o futuro (Almeida apud Teles, 1983, p.338). Essa

fala nos mostra que o Modernismo Mineiro, representado pelos jovens de Belo

Horizonte, não fazia da destruição o seu ponto forte. Na verdade a preocupação

maior era a busca da nacionalidade ou do regionalismo. Procuramos concentrar

todos os esforços para construir o Brasil, dentro do Brasil ou, se possível, Minas

dentro de Minas (Almeida apud Teles, 1983, p. 339).

Enquanto os paulistas inicialmente pregavam a destruição, os mineiros,

desde o início, procuraram conciliar as novas idéias com o que possuíam de mais

forte – suas tradições. No mesmo editorial mencionado, encontramos a seguinte

afirmação: Na verdade, um dos nossos fins principais é solidificar o fio das nossas

tradições. Somos tradicionalistas no bom sentido (Almeida apud Teles, 1983, p.

Page 57: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

339). No bom sentido de valorizar o que é próprio deles e reconhecer que sua

origem está nas manifestações tradicionais.

Silviano Santiago (2002) destaca também o fato de a temática da tradição

no Modernismo se fazer presente muito antes do que os estudos costumam

apontar. Segundo ele os modernistas da primeira fase, ao visitarem Minas Gerais

em 1924, já transformaram a tradição em temática modernista. Reverência ao

passado, quando se pregava a queima de bibliotecas e museus. Brito Broca

aponta uma explicação coerente para esse retorno dos modernistas ao passado:

O divórcio em que a maior parte dos nossos escritores sempre viveu da realidade brasileira fazia com que a paisagem de Minas barroca surgisse aos olhos dos modernistas como qualquer coisa de novo e original, dentro, portanto, do quadro de novidade e originalidade que eles procuravam. E não falaram, desde a primeira hora, numa volta às origens da nacionalidade, na procura do filão que conduzisse a uma arte genuinamente brasileira? Pois lá nas ruínas mineiras haviam de encontrar, certamente, as sugestões dessa arte. (Broca apud Santiago, 2002 p. 121)

A temática da tradição é estudada por Santiago como uma questão

recorrente no Movimento Modernista. A visita da “paulicéia” a Minas Gerais

contradiz sua proposta de negar o passado e faz da tradição uma preocupação

moderna. Romper com o passado, uma das máximas do Movimento Modernista,

acaba dando lugar, ainda em 1924, a uma valorização do passado. Um dos

tópicos do texto é exatamente a viagem dos paulistas a Minas e a inspiração que

a região desperta naqueles modernistas. Segundo Santiago, baseado em uma

crônica do próprio Mário de Andrade (1972), Tarsila do Amaral volta a São Paulo

falando em ir a Paris para aprender restauração, a fim de trabalhar nas igrejas

barrocas, e encontra nas igrejas e casarões mineiros inspiração para muitos

quadros; Mário de Andrade critica a arquitetura de São Paulo, comparando-a com

a arquitetura setecentista de Minas e escreve, dentre outros poemas sobre Minas,

o Noturno de Belo Horizonte; Oswald de Andrade encontra tema para vários

poemas pau-brasil. São os modernistas da fase das rupturas buscando inspiração

no passado tradicional.

Page 58: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Oswald, em seu livro de poemas Pau Brasil, escreve um Roteiro de

Minas, baseado na viagem à região. Além de registrar em sua poética um pouco

da cultura de Minas, o poeta faz um poema para cada cidade histórica visitada

pelos modernistas. Vejamos um poema desse Roteiro, intitulado Convite:

São João del Rei A fachada do Carmo A igreja branca de São Francisco Os morros O córrego do Lenheiro Ide a São João del Rei De trem Como os paulistas foram A pé de ferro

(ANDRADE, Oswald de. 1978, p.132)

A cidade de São João del-Rei é representada por algumas de suas

características marcantes: as igrejas – verdadeiros templos barrocos; os morros –

dentre eles as serras de onde as riquezas foram extraídas; a Maria-Fumaça – que

faz parte da história da cidade. O convite final apresenta uma ambigüidade

interessante: os paulistas a que o eu-lírico se refere podem ser interpretados de

duas maneiras. Na primeira os paulistas são os modernistas, que viajaram de

trem e, por isso, aparece a imagem dos pés de ferro, do trem de ferro. No

entanto, se nos remontarmos à formação da cidade de São João del-Rei,

descobriremos que os primeiros desbravadores da região foram os bandeirantes

paulistas, que vinham a pé ou a cavalo em busca das riquezas da região. O pé de

ferro, nesse caso, diria respeito aos cavalos, com suas ferraduras. Essas

interpretações mostram-nos que a presença paulista em São João del-Rei se

fizera marcante em diferentes momentos da história da cidade.

Em qualquer das duas interpretações, os paulistas se beneficiaram da

região histórica de Minas Gerais, seja na época da mineração, com toda a

exploração que ocorreu; seja na do Modernismo, que encontrou na região

inspiração para muitos trabalhos. O poema anterior que exalta, de forma

descomprometida, as construções e características da cidade de São João del-

Rei foi escrito exatamente por um paulista. Se pegarmos um poema de um

Page 59: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

mineiro, veremos que sua posição diante da situação histórica da região

apresenta-se de forma diferente. O poema São João del-Rei, de Carlos

Drummond de Andrade serve-nos de exemplo:

Quem foi que apitou? Deixa dormir o Aleijadinho coitadinho. Almas antigas que nem casas. Melancolia das legendas. As ruas cheias de mulas-sem-cabeça correndo para o Rio das Mortes e a cidade paralítica no sol espiando a sombra dos emboabas no encantamento das alfaias. Sinos começam a dobrar. E todo me envolve uma sensação fina e grossa.

( ANDRADE, Carlos Drummond de, 1971, p.9)

Diferentemente do anterior, este poema apresenta palavras e expressões,

cuja semântica negativa proporciona uma significação pesada, sombria: almas

antigas, melancolia, mulas-sem-cabeça, Rio das Mortes, paralítica, sombra. Para

Drummond a cidade não é apenas o cartão postal de um lugar para ser visitado.

Mesmo que ele não diga claramente, a história da cidade apresenta seu lado

negativo, afinal a cidade é paralítica. Ou falta-lhe algo para que seja uma cidade

normal ou sua engrenagem não funciona bem. Essa constatação de uma cidade

doente leva o eu-lírico a ter uma sensação fina e grossa. Uma sensação antitética

que advém de uma cidade histórica e paralítica.

Vejamos, agora, algumas palavras de Mário de Andrade em seu Noturno

de Belo Horizonte:

Um grande Ah! ... aberto e pesado de espanto Varre Minas Gerais por toda a parte... Um silêncio repleto de silêncio Nas invernadas nos araxás No marasmo das cidades paradas... Passado a fuxicar as almas,

Page 60: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Fantasmas de altares, de naves doiradas E dos palácios de Mariana e Vila Rica... Isto é: Ouro Preto. E o nome lindo de São José del-Rei mudado num odontológico [Tiradentes...

Respeitemos os mártires.

(ANDRADE, Mário de, s/d, p. 140.)

Uma exclamação de espanto varre Minas Gerais, como a contar o peso da

colonização que as cidades históricas sofreram. Essas cidades, Mariana, Vila

Rica, Tiradentes, são repletas de histórias. Seu marasmo não cala os fantasmas

que freqüentam as monumentais igrejas ou os casarões coloniais. Uma ponta de

ironia é percebida nos últimos versos que se referem a Tiradentes: por que mudar

o nome São José d’El Rei para Tiradentes? Questões históricas... Respeitemos

os mártires. Vindo de São Paulo, Mário de Andrade começa a tocar em assuntos

que serão recorrentes na literatura modernista mineira: as cidades históricas,

seus casarões, igrejas, heróis. O herói Tiradentes é, inclusive, imagem constante

também no trabalho do poeta Altivo Sette, que o vê como símbolo primeiro da

Liberdade, evocada com tanto afinco na defesa da democracia.

Como os modernistas mineiros, que fizeram das tradições de Minas Gerais

temática constante, Altivo Sette, ao estabelecer diálogo com eles, retoma

freqüentemente as tradições de sua cidade. Existiu em São João del-Rei uma

polêmica sobre a filiação ou a não filiação de Tiradentes a essa cidade. O

pertencimento do mártir Tiradentes a São João del-Rei é fator que faz parte da

história da cidade e que é vangloriado pelos são-joanenses. O poeta Altivo Sette

é um dos que fazem questão de lembrá-lo: ...Se me perguntarem por que amo

esta ilustre Cidade? / Direi: aqui nasceu o Primeiro Cidadão, - Tiradentes./

Reinará para sempre aqui a Liberdade... Amem.7

Em artigos relacionados à cidade de São João del-Rei, o escritor destaca a

importância desse herói para o país e para a cidade. O trecho a seguir, retirado

de um artigo que homenageia os soldados são-joanenses que voltam da

7 CÂMARA, Altivo de L. Sette. Se me perguntarem. Diário do Comércio, 01 out. 1961, p.4.

Page 61: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Segunda Guerra, prova que Altivo Sette dá à imagem de Tiradentes uma

relevância incondicional:

No futuro não se dirá que, na terra de Tiradentes, não tivesse havido quem lutasse pela Liberdade. O sanjoanense Tiradentes morreu sosinho pela libertação do Brasil, vós outros, parcela do legendário Exercito de Caxias, de Benjamin Constant e de Floriano, lutastes pela do mundo. Não conheço outra cidade do Brasil que possa ostentar, como São João del-Rey, dois títulos tão nobilitantes: ser o berço de um heroi nacional (e o maior de todos, aquele cuja decepada cabeça espetaram numa estaca, e cujas cinzas entregaram aos ventos), e ser séde de um Regimento exemplar (...). (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Pequena saudação ao 11º R. I. Expedicionário. Diário do Comércio. 04 out. 1945, p.1.)

Em outros momentos, ainda pelas páginas do jornal Diário do Comércio,

Tiradentes reaparece sob a idolatria de Altivo Sette. Dessa vez, de forma indireta,

já que encontramos o herói nas palavras de Cecília Meireles, na coluna de

poemas de responsabilidade de Altivo Sette. Durante semanas, sua coluna traz

trechos do Romanceiro da Inconfidência, livro de Cecília Meireles que conta a

história da Inconfidência Mineira. Vejamos um dos trechos escolhidos por Altivo

Sette: “Vou trabalhar para todos!” - disse a voz no alto da estrada. Mas o éco andava tão longe! E os homens, que estavam perto, não repercutiam nada... “Bebamos, pois, ao futuro!” - exclamára na pousada. Todos beberam com êle, todos estavam de acôrdo. E agora não sabem nada. ------------------------------------- Já lhe vão tirando a vida. Já tem a vida tirada. Agora é puro silêncio, repartido aos quatro ventos, já sem lembrança de nada.

(MEIRELES, Cecília. Silêncio do Alferes. Diário do Comércio,17 abr. 1960, p.4.)

Page 62: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

O herói traído. Essa é a imagem que percebemos no trecho escolhido por

Altivo para sua coluna. O trecho mostra que Tiradentes tinha seus seguidores e

que, no momento final, ele ficou só e pagou sozinho pelo sonho da Liberdade.

Mais adiante, na década de 1970, em outro jornal, Ponte da Cadeia,

encontramos dois textos de Altivo Sette que se referem a Tiradentes. Esses

textos são trechos de uma palestra proferida por Altivo no Instituto Histórico e

Geográfico de São João del-Rei, onde, na época, ele assumia o cargo de Vice-

Presidente. Mais tarde, essa palestra foi publicada, com pequenas alterações, em

O Tiradentes, patrono cívico do Brasil (1972), publicação que Altivo lançou

juntamente com seus amigos Fábio Nelson Guimarães e Waldemar de Almeida

Barbosa. A palestra é uma narrativa sobre a vida do herói e o trecho publicado no

jornal começa com a afirmativa: Em 1760, com 14 anos de idade, o sanjoanense

Tiradentes já está com o pé na estrada.8

A questão da naturalidade continua sendo motivo de orgulho para a cidade e

seus filhos. Em 1973, em carta ao amigo Adenor Simões Coelho, redator/diretor

do jornal Ponte da Cadeia, encontramos Altivo se vangloriando do

reconhecimento, por parte do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de que

Tiradentes era realmente são-joanense. Vejamos o trecho da carta que se refere

a esse assunto: O ponto alto, altissimo, decisivo, fundamental da presença do pessoal do IHGB, foi a declaração, na tribuna da reunião, da sanjoanensidade (deixe passar, a língua é nossa) do Tiradentes. Laborei pois de imediato uma nota, que lhe remeto, para publicar, se não houver inconveniente para o jornal. (Perda de freguesia(, (sic) assinantes eventuais em Tiradentes, ou qualquer outro.) A responsabilidade é minha. Pois lá estão, ao pé, as minhas iniciais. A simples leitura do papel deixa claro o motivo da nota. Mas fica a seu inteiro criterio. (CÂMARA, Altivo de L. Sette, s/d, grifos do autor.)

O reconhecimento em nível nacional é importante, mas pode ser prejudicial

ao jornal, segundo as palavras acima. Altivo mostra a preocupação de suas

palavras incomodarem pessoas que possam vir a prejudicar o jornal, seja pela

8 CÂMARA, Ativo de L. Sette. O Tiradentes vivo. Ponte da Cadeia. 12 abr. 1970, p.3.

Page 63: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

desistência da assinatura ou por serem naturais de Tiradentes, cidade que

também reivindica a naturalidade do herói da Inconfidência. As palavras que

poderiam provocar incômodo estão transcritas a seguir: 2- Na tribuna, perante enorme assistência, o eminentissimo escritor, historiador, geógrafo e cartógrafo, Eduardo Canabrava Barreiros, também do IHGB, autor do livro aqui lançado, “D. Pedro. Jornada a Minas Gerais em 1822”, afirmou que S. João del Rei tem sido espoliada, no que diz respeito á naturalidade do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, que confirmou ser, sem dúvida, sanjoanense. 3- Na recepção que se seguiu, no salão festivo do Hotel Porto Real, em conversa com o autor deste comunicado, confirmou ter como certa a cidadania sanjoanense de Tiradentes, opinião robustecida ante os argumentos de Fabio Nelson Guimarães, constante do livro “O Tiradentes”, que lançamos em colaboração em 1972 e 73, e será reeditado em 3ª edição, oportunamente. 4- Portanto, é de esperar que, dado o autorisadissimo parecer do insigne membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, cessem, definitivamente, as dúvidas porventura existentes, não havendo mais nenhum motivo para reinvindicações (sic) que não tem cabimento. Em consequência, é natural e justo que, doravante, devem cessar tais reinvindicações (sic), em respeito á memoria do Tiradentes, prevalecendo, definitivamente, a verdade histórica, sôbre quaisquer interesses, por mais legítimos que possam parecer. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Comunicado do Instituto Histórico e Geográfico de S. João del Rei. 18 nov. 1973, grifos do autor.)

Altivo Sette, portanto, não só reconhece a naturalidade do inconfidente,

como briga para que o Brasil inteiro o reconheça [a Tiradentes] como são-

joanense. Ainda em 1938, ele pede por uma valorização maior do povo são-

joanense em relação ao mártir da Inconfidência e, como um oráculo, prevê essa

polêmica que se estenderia por anos a fio.

(...) nada existe nesta cidade que o relembre: uma rua ou praça com seu nome, uma estatua, ao menos um bustosinho, nada. A Rua Tiradentes? Eis uma ruasinha triste, aleijadinha coitadinha, que tanta vez tem vivido a vida amargurada e dificil dos becos: então lhe puzerem (sic) o apelido de Rua da Cachaça... Se Tiradentes tivesse sido em vida o suficiente Exmo. Sr. Dr. Joaquim José da Silva Xavier é possível que seu nome marcasse alguma praça ou rua mais importante desta cidade: entretanto, como ele conseguiu ser nada mais que o Tiradentes! (...) Pois aí está a idéa, meus senhores, minhas senhoras, risonhas e ágeis professorinhas [criar um busto para Tiradentes]. E que se

Page 64: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

realise já, já, antes que apareça alguma duvida sobre se Joaquim José nasceu mesmo em terras de S. João del-Rei... (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Conterraneo!... E nada mais. Diário do Comércio, 23 abr. 1938, p.1)

O final do artigo leva-nos a concluir que, até a data de sua publicação, abril

de 1938, não havia ainda a polêmica sobre Tiradentes. No entanto, o poeta a

prevê, porque na época havia uma polêmica na cidade a respeito de outra

personagem histórica: Aleijadinho.

A discussão, sobre ter Aleijadinho participado ou não da construção da

Igreja de São Francisco, foi registrada nas páginas do jornal Diário do Comércio,

durante anos. Esse fato foi discutido recentemente por Oyama de Alencar

Ramalho que procura mostrar que o único documento que registra a presença do

mestre Aleijadinho em São João del-Rei foi rasurado, daí o título de seu livro: A

Rasura (2002). Segundo Ramalho, numa ata da Venerável Ordem Terceira de

São Francisco de Assis, de 11 de setembro de 1785, Antônio Martins, o possível

autor do risco da igreja de São Francisco, tem o sobrenome Martins cortado e a

ele acrescentado, na margem da ata, as abreviaturas de Francisco Lisboa.

Argumentando a favor da rasura, Ramalho conclui: Se algum dia aparecer algum

documento autêntico, comprovando algum feito do Aleijadinho na arquitetura da

nossa cidade, teremos que nos curvar humildemente submissos à evidência

(2002, p.67). É verdade que o livro de Ramalho foi escrito anos depois, após

muita investigação de documentos, mas a polêmica surge ainda na década de 30,

na época de Altivo Sette e, na ocasião, ele se mostra incondicionalmente do lado

da tradição de que o artista foi responsável, sim, por parte da Igreja de São

Francisco. Vejamos suas palavras no poema Quadrinhas Aleijadinhas: Eu creio que são do Aleijadinho os lavores da Igreja de S. Francisco. Todavia surgiu por aí um tal de Francisco de Lima Cerqueira...

É crivel que um ser queira de lima em punho apagar a obra de um coitadinho? Francisco de Lima Cerqueira, fica quiéto em teu cantinho!

Page 65: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Tu só piaste mas quem obrou foi o Aleijadinho... Ou se não foi á dureza se queira acabar com a Lenda. Ela é tão triste, a singéla filha orfan do Lisboa...

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Quadrinhas Aleijadinhas. Diário do Comércio, 24 abr. 1938, p.1.)

Ao usar palavras do tipo coitadinho, lenda triste, singela, o poeta faz alusão

à história de vida de Aleijadinho, com sua doença. Percebe-se nele um apelo

quase que de piedade pelo reconhecimento do artista. Na verdade, este é o

artifício de que o poeta lança mão para reafirmar a tradição, mesmo que ela não

passe de Lenda: Ou se não foi à dureza / se queira acabar com a Lenda.

Para mim é importante apenas a dramática humanidade desse Aleijadinho, a serena e majestosa belesa da igreja de S. Francisco, e o ritmo gracioso dos poemas talhados na pedra sabão... Não sou um erudito, conheço pouco da historia local (de Bizancio tambem...). Pequenina coisa é a historia, o fato, contingencias e transitoriedades; eu quero apenas a legenda, o símbolo, a vida misteriosa e profunda dos seres e das coisas... (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Presença do Aleijadinho. Diário do Comércio, 13 abr. 1938, p.1.)

Em defesa da lenda, desses mistérios que envolvem algumas pessoas,

Altivo deixa clara sua posição de defensor da tradição oral:

Creio que êle aqui esteve e trabalhou porque sempre li e ovi (sic) tal em toda a parte; e tambem porque tenho a convicção de que a tradição oral é um elemento de prova muita vez superior aos proprios documentos escritos, - os quais, podem ser omissos, incompletos, ou passíveis de adulteração posterior. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Presença do Aleijadinho. Diário do Comércio, 13 abr. 1938, p.1)

Anos mais tarde, no jornal Ponte da Cadeia, há um poema de Altivo,

intitulado Poema-Xerox, em que encontramos o eu-lírico transmutado em

Aleijadinho: Já é lasca de pedra, metade desta dextra. E minha boca? Deplora. E’ cova de palavras. Oca.

Page 66: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Quedê os anjinhos meus, de azul pedra sabão? Comadre, me dá um gole de cardina. Pouca. Comadre, na escuridão estou ouvindo sinos... E’ dobre de finados. Que morreu? Fui eu? Jesus, adonde ias?... Morrer?... Jerusalém? Mais perto fico eu: Matriz de Antônio Dias. ................................................................................................ [Senhor] Põe os teus pés sobre o meu peito. O rosmaninho Disfarça o cheiro ruim da lepra. Eu cá preciso. ...Uai! Dobram sinos na Vila Rica... Eu? No caixão, sozinho. Meu Pai, té já, te espero atrás da porta. De-já-hoje, inda estaremos juntos no paraíso.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Poema-Xerox. Ponte da Cadeia, 17 jun. 1973, p.3.)

O eu-lírico, enquanto Aleijadinho, fala da doença que o devora aos poucos,

de sua marca registrada, que são os anjinhos em pedra sabão, de seu lugar de

descanso eterno, que é a Matriz de Antônio Dias, em Ouro Preto. Numa

linguagem de nuances extremamente mineiras – quedê, uai, té já, de-já-hoje –

percebe-se uma intertextualidade ou até mesmo uma comparação com Jesus

Cristo. O verso final remete-nos à fala de Jesus a um dos ladrões que foram

crucificados a seu lado. Estaria o eu-lírico comparando o sofrimento de Jesus ao

seu?

Esse poema fala também sobre a cardina. No jornal Ponte da Cadeia, em

1972, temos mais um texto de Altivo Sette chamado E o Aleijadinho?. Há nele

uma passagem falando sobre tal bebida. Segundo o autor, a cardina era usada

para aliviar as dores de Aleijadinho, mas ao mesmo tempo provocava

alucinações, era uma espécie de alucinógeno. Entendido dessa forma, a

seqüência do poema, quando o eu-lírico ouve sinos na escuridão, percebe uma

morte, conversa com Jesus, poderia ser interpretada como o efeito do remédio

ingerido. Estaria o Aleijadinho tendo uma alucinação?

Nesse mesmo artigo há também uma passagem sobre a participação de

Aleijadinho nas construções das igrejas são-joanenses. Altivo Sette fala das

conclusões a que chegaram três especialistas no assunto, Lúcio Costa, Rodrigo

de Melo Franco de Andrade e Judith Martins, que identificaram a participação do

artista na Igreja de S. Francisco de Assis e na Igreja de Nossa Senhora do

Page 67: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Carmo. Há um trecho em que Altivo procura encontrar explicação para o fato de

essa participação de Aleijadinho não estar documentada. Segundo ele:

É de se acrescentar: não há prova documental. Em Vila Rica, por ser mulato, Antônio Francisco não podia assinar nos livros da Ordem, o que deve ter acontecido aqui, também em S. Francisco, Ordem em que imperava o mesmo preconceito racial. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. E o Aleijadinho? Ponte da Cadeia. Jan. 1972, p.3.)

Na coluna de poemas de responsabilidade de Altivo Sette, acompanhando

o poema Ouro Preto, de Manuel Bandeira (anexo 3), o qual reflete sobre a

precária situação da cidade de Ouro Preto após a época áurea, há uma longa

nota sobre o Aleijadinho, com informações sobre sua vida e sua obra. Além de

seus escritos sobre o artista, Altivo faz questão de levar aos leitores do jornal

Diário do Comércio poemas alheios, que se referem também a Aleijadinho. Altivo

dialoga, por exemplo, com Carlos Drummond de Andrade, que apresenta tal

referência:

Vamos até a Matriz de Antônio Dias onde repousa, pó sem esperança, pó sem lembrança, o Aleijadinho. ------------------------------------------------------------------------------------------

Este mulato de gênio lavou na pedra-sabão todos os nossos pecados, as nossas luxúrias tôdas, e êsse tropel de desejos, essa ânsia de ir para o céu e de pecar mais na terra; êste mulato de gênio subiu nas asas da fama, teve dinheiro, mulher, escravo, comida farta, teve também escorbuto e morreu sem consolação. ........................................................... Era uma vez um Aleijadinho, não tinha dedo, não tinha mão, raiva e cinzel, lá isso tinha, era uma vez Aleijadinho, era uma vez muitas igrejas com muitos paraísos e muitos infernos, era uma vez São João, Ouro Prêto,

Page 68: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Mariana, Sabará, Congonhas, era uma vez muitas cidades, e o Aleijadinho era uma vez.

(ANDRADE, Carlos Drummond de. O vôo sobre as igrejas. Diário do Comércio, 07 jun. 1959, p.1.)

Publicado na coluna de Altivo, neste momento intitulada O Aleijadinho e S.

João del-Rei na obra de Carlos Drummond de Andrade, o poema O vôo sobre as

igrejas ‘brinca’ com a história e a transforma em ‘estória’: Era uma vez

Aleijadinho, São João, Ouro Preto, Mariana, Sabará, Congonhas. Essa posição

vem comprovar que para Drummond o que importa é transformar em lenda esses

lugares e essa personagem da história nacional e, antes de tudo, mineira.

A posição de Altivo Sette, tanto em relação a Tiradentes quanto em

relação a Aleijadinho, mostra-nos que para ele a história de sua cidade é

importante. A tradição de São João del-Rei fala mais forte neste são-joanense

moderno. O jornal dá a Altivo Sette a possibilidade de falar ao povo e participar a

esse mesmo povo o coletivo de sua cidade. Ao fazer isso, o escritor são-joanense

reclama seu direito de memória, narrando parte da história que convém à cidade

ser narrada. Aquele que narra as memórias de um lugar, seleciona o que quer

que seja contado e, portanto, o que quer que seja esquecido. Ao defender

Aleijadinho e Tiradentes, Altivo ajuda a legitimar a história de sua cidade,

trazendo essas personagens para dentro dessa história.

Esse pensamento remete-nos a Hugo Achugar (2003) e seus derechos de

memoria. O termo é encontrado no final da peça Hamlet, de William

Shakespeare: ao sentir que morria, Hamlet pede a seu amigo Horácio que conte a

verdadeira história que aconteceu com ele e com todos os envolvidos. Diz

também a Horácio que o novo rei deveria ser Fortimbrás. Quando este chega ao

local e pergunta o que aconteceu ali, Horácio se oferece para contar. Fortimbrás,

então, reivindica seus direitos de memória naquele reino. Ou seja, mesmo sem

saber que fora o indicado para ocupar o trono, ele sabe que sua posição lhe dá o

direito de saber o que aconteceu para que possa ser um futuro narrador dessa

história. O papel social, que dá direito a algumas pessoas de se fazerem mais

ouvidas do que outras, se aplica perfeitamente ao que Altivo Sette faz com seu

Page 69: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

trabalho nos jornais de São João del-Rei, apresentando as memórias de sua

cidade.

Aqueles que têm o derecho de memoria, ou seja, que de alguma forma têm

como narrar as memórias do lugar e fazê-las públicas, contribuem para a

formação da memória coletiva daquele lugar. Achugar ressalta que o Estado,

através de aparatos ideológicos (festas, heróis, datas comemorativas), é que

assume o papel de ‘contar’ a história, de forma a legitimá-la. Trazendo essas

considerações para nossa argumentação, pensamos que o papel do jornal,

enquanto divulgador de acontecimentos, também auxilia na construção da

história. Ora, Altivo Sette, escritor do jornal, seja como poeta ou articulista,

assume o papel de quem conhece a história e a narra da forma como convém (à

cidade? ao escritor? à história?). Os escritos de Altivo Sette sobre São João del-

Rei, ao tocarem em assuntos históricos, dão força ao discurso da tradição

histórica e o atualiza constantemente. Seu direito de memória não deixa que São

João del-Rei esqueça seu passado.

Da serra do Lenheiro à exausta Ibituruna, sopra o mesmo vento de monção sudoeste. Ressoa o vale como um tubo de órgão... Aleluia! Avulta a sombra de Thomé Portes del Rey. ... Quem vem lá? Não é mascate ou emboaba... Paz! Alguém de cruz e mitra murmura: amem. Na serra, as minas vãs, usando as betas-bocas secundam , com a doce voz do limo verde: aleluia!

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Dom Delfim Ribeiro Guedes. Diário do Comércio, 06 nov. 1960, p.1.)

Nesse trecho do poema Dom Delfim Ribeiro Guedes, encontramos

referências à história da cidade e a imagens típicas de São João del-Rei. A serra

do Lenheiro é o local por onde os bandeirantes passavam na época da conquista

e do povoamento da região; Thomé Portes del Rey foi o fundador da cidade; as

minas e as betas são símbolos da mineração, do ciclo do ouro, da riqueza que a

região possuía.

Esse poema, dedicado a Dom Delfim Ribeiro Guedes, primeiro bispo

diocesano de São João del-Rei, em outros momentos fala da ponte do Rosário,

Page 70: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

faz menção à procissão de Encomendação de Almas – a procissão de sombras /

de mortos passa, à meia noite em ponto, fala ainda do Aleijadinho. É um poema

que relembra a história e a tradição são-joanenses, comuns no trabalho de Altivo

Sette.

Em outros de seus trabalhos sobre a cidade, Altivo Sette, ao abordar os

fatos históricos e as tradições de São João del-Rei, reflete sobre os

acontecimentos que fizeram de sua cidade um lugar importante, mostrando que a

cruz histórica que a cidade de São João del-Rei carrega é bem mais pesada do

que se pensa. Ele assim fala de sua cidade natal no poema Se me perguntarem:

... Se me perguntarem por que me entristeço de repente? Olhando o Morro da Forca e a planície além, direi: - penso nos que morreram lá, e jazem como carvão. E nos que, passados à fio frio de espada, morreram de ferro e fogo, no triste Capão da Traição. Se me perguntarem por que vivo apressado e ausente, direi que por cá passou, com bota de sete léguas, Fernão Dias Paes Leme... Ouro mole amarelo não quis. Vagueio com ele por aí, atrás da serra de esmeraldas. ...Mãos vazias? Prefiro. E poder sonhar outro país.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Se me perguntarem. Diário do Comércio, 01 out. 1961, p.4.)

Nesse poema, Altivo mostra a angústia que sente ao recordar os

acontecimentos históricos de São João del-Rei. Ele faz menção ao Morro da

Forca e ao Capão da Traição, dois lugares em que muitas mortes injustas

aconteceram. Menciona também o grande caçador de esmeraldas, o bandeirante

Fernão Dias Paes Leme, que não se interessou pela riqueza que a cidade tinha a

oferecer, pois seu sonho era verde, não amarelo. Em compensação, aqueles que

se interessaram pela riqueza amarela da serra são-joanense levaram tudo e

deixaram os cidadãos locais sem nada. Altivo Sette, em palestra realizada no

Instituto Histórico e Geográfico, a qual depois foi recortada para publicação no

jornal Ponte da Cadeia (como uma sessão especial em homenagem ao poeta),

assim fala sobre essa exploração:

Page 71: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

...Recordai que a 5 de abril de 1930 era fundada pelos inglêses a Sainta (sic) John Del Rey Gold Mining Limited, e apenas eram passados dois anos, a emprêsa se transladava para Congonhas de Sabará, Vila Nova de Lima, a explorar a riquíssima Mina do Môrro Velho. Salvo engano, com capital de 200.000 libras esterlinas, a companhia perdeu aqui, em poucos anos, 154.000 libras. Mas a chusma de faiscadores particulares, desde séculos, e as tentativas frustras, de algumas explorações industriais, deixaram, particularmente nos altos das Mercês e no Cassôco, os melancólicos sinais do prematuro esgotamento: escavações e cortes profundos, cavernas e buracos medonhos, “despenhadeiros que fendem a terra em ângulos retos”. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Ponte da Cadeia, 03 a 10 jan. 1971. Edição Especial)

As imagens das betas ocas e do ouro “comido” pelo Rei são constantes

neste poeta, que enxerga sua cidade deflorada após a época áurea. Betas ocas

como bocas de fome, ou como covas: imagens negativas de um poeta angustiado

com um tempo que sente as conseqüências de seu passado; é o que

encontramos no poema “Senhor Deus, misericórdia”. (MERCÊS) Deste alto, no ano da graça de 1703, desceu correndo o emboaba Manoel João de Barcelos, a gritar, como um vendedor de pesadelo: “ouro!” “ouro!” Hoje, defuntos ocupam o leito vago dos veios. E as betas – trincheiras lembram a guerra do ouro. E o fantasma da derrota ora usa nossa boca e ora: - “Senhor Deus, misericórdia!”

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. “Senhor Deus, misericórdia”. Diário do Comércio, 06 abr.1961, p.4)

O cidadão são-joanense, presente nos lugares que foram palco dos

acontecimentos, enxerga o que aquele que está de fora ou que apenas visita a

cidade não enxerga: o outro lado da história. A cidade rica viveu o pesadelo do

ouro, que deixou como herança as betas vazias e os fantasmas da mineração.

Encomendação de Almas retrata bem isso: Sopra vento oeste, rumo Lenheiro-Ibituruna. Passou por este vale Fernão Dias Paes Leme... Esmeraldas não tinha. Ouro? Soverteu-se. Foi-se! - Senhor Deus, misericórdia. Na serra betas abrem bocas ocas onde uiva o vento. Ouro? El-rey comeu.

Page 72: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Herdeiro de buracos lá meu povo implora: - Senhor Deus, misericórdia.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Encomendação de Almas. Diário do Comércio, 8 dez. 1963, p.7.)

Ao trazer a cidade de São João del-Rei para seus textos, Altivo Sette

realiza um trabalho de memória. Ele traz à tona, ou seja, ao presente,

acontecimentos do passado. A memória de São João del-Rei é a memória de um

lugar que já foi rico e não é mais. De um lugar que fez parte da história do país e

que percebe os vazios deixados pela mineração. Essa visão crítica da memória

da cidade é possível não só pelo diálogo do poeta com a tendência modernista,

que instaura sobre a tradição um olhar crítico, mas também pelo próprio processo

de lembrança.

Ecléa Bosi (1995), ao explorar a visão de Halbwachs sobre memória,

explica que inevitavelmente, e inconscientemente, quando lembramos algo,

estamos lembrando com toda a carga de vivência que possuímos. A lembrança

jamais virá à tona de forma pura e descomprometida, portanto, lembrar será

sempre um trabalho de reconstrução. O passado é trazido ao presente na forma

de um outro passado. Esse novo passado é carregado de novas impressões,

novas considerações, novos questionamentos, de novas perspectivas que

surgirão deste olhar carregado de vivências. Segundo Ecléa Bosi, (...) lembrar

não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje,

as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. (Bosi, 1995,

p.55) É esse processo desencadeado pela memória que notamos em Altivo

Sette, um sujeito historicamente posicionado em um tempo de transformações

marcantes, refletindo sobre o passado. Não temos mais ouro nem tempo, nem rey nem grei nem lei. .............................................................................. O ouro em barra se foi além, barra afóra, ficaram só os buracos e aquela beta-mór vasia – porta aberta para o vale do Rio das Mortes, pórtico da rota do bandeirante sem botas, janela para o limbo da melancolia...

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Beta. Ponte da Cadeia, 03 a 10 jan. 1971. Edição Especial.)

Page 73: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

A reconstrução da lembrança, realizada pelo indivíduo, inevitavelmente,

será parte de uma memória coletiva, da memória do grupo no qual o indivíduo se

insere. Afinal, o indivíduo nunca está só. Ele só se constrói como sujeito enquanto

participante de grupos sociais. Novamente, Bosi utiliza-se de Halbwachs para

explicar que (...) cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória

coletiva (1995, p.413). O indivíduo, ao lembrar, não se despe da carga social que

o veste, portanto o que advém dessa lembrança são amostras do seu coletivo. E

esse ponto de vista pode mudar de acordo com a posição que o sujeito ocupa

e/ou de acordo com o momento em que ele se posiciona para refletir. Altivo Sette

fala do ponto de vista de um poeta moderno, olhando para a sua cidade de forma

reflexiva.

Como que para dar força ao que diz, Altivo Sette traz para dialogar com

seu trabalho, na coluna de poesias de sua responsabilidade no Diário do

Comércio, alguns poemas de outros escritores que se dedicaram à temática de

São João del-Rei ou de outra cidade histórica.

O “Lenheiro” sabia que por causa do ouro eles viriam. Os forasteiros. Carregados de chumbo e de ambição. Com alforjes vazios de fortuna e forrados de esperança. No chão rasgado pelas picaretas deixariam sementes de ódio. E de cidades. Eles vieram. O “Lenheiro” correndo viu o olho negro dos arcabuzes no “Capão da Traição” espiando como os brasileiros expiavam o crime de defender o que era seu. O “Lenheiro” sabe que o Rio das Mortes lavou do chão o sangue dos heróis para que não fosse manchado pelos tacões dos forasteiros.

(TERRA, Paulo. Gosto de ti, São João del Rei. Diário do Comércio, 17 dez. 1961, p.4.)

A temática do ouro levado pelos forasteiros, das mortes provocadas pelos

bandeirantes e pela mineração, do chão rasgado pelas picaretas – como as betas

ocas de Altivo Sette - estão presentes nesse poema de Paulo Terra que, apesar

Page 74: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

de não ter nascido em São João del-Rei, lá morou durante muito tempo.

Lançando mão da prosopopéia, o poeta dá sabedoria ao córrego do Lenheiro, que

pressente a vinda dos forasteiros em busca do ouro. Uma busca que, ao mesmo

tempo em que dá origem a cidades, dá também origem a mortes, a traições, a

emboscadas. O poeta faz um jogo entre as palavras espiar e expiar: enquanto o

Lenheiro vê os emboabas observando os paulistas que passavam, os brasileiros

que lutavam para ter o ouro que era deles por direito sofriam injustamente nas

mãos da Coroa.

Manuel Bandeira também possui um poema com essa temática, aliás os

versos transcritos a seguir, publicados no Diário do Comércio, por escolha de

Altivo Sette, muito se assemelham a alguns do são-joanense, que aqui já foram

expostos: OURO BRANCO! Ouro preto! Ouro podre! De cada Ribeirão trepidante e de cada recosto De montanha o metal rolou na cascalhada Para o fausto d'El-Rei, para glória do imposto.

Que resta do esplendor de outrora? Quase nada: Pedras... templos que são fantasmas ao sol-posto. Esta agência postal era a Casa de Entrada... Este escombro foi um solar... Cinza e desgosto!

(BANDEIRA, Manuel. Ouro Preto. Diário do Comércio, 22 nov. 1959, p.1.)

Como São João del-Rei, Ouro Preto também sente as marcas da

mineração. A imagem do ouro indo para El-Rei e deixando como herança a

pobreza e os escombros se faz presente nesse poema, mostrando-nos que o

preço que as cidades históricas pagaram por sua glória foi bastante caro.

Além dos fatos históricos e das personagens importantes que encontramos

no trabalho de Altivo Sette, há uma outra espécie de memória evocada em seus

poemas: a memória ligada aos espaços. A parte física da cidade de São João del-

Rei por si só já conta um pouco da história desse lugar, como, por exemplo, suas

construções barrocas, suas pontes e calçadas de pedra, seus casarões, os

imóveis tombados pelo Patrimônio Histórico e a suntuosidade de algumas de suas

igrejas. Ecléa Bosi (1995) chama-nos a atenção para essas marcas físicas da

cidade que muito contribuem para ativar a memória dos indivíduos. Segundo ela,

Page 75: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

a permanência ou a ausência dessas marcas, dessas pedras, desencadeará todo

um processo de lembrança: Outro dia, caminhando para o Viaduto do Chá, observava como tudo havia mudado em volta, ou quase tudo. O Teatro Municipal repintado de cores vivas, ostentava sua qualidade de vestígio destacado do conjunto urbano. Nesse momento descobri, sob meus pés, as pedras do calçamento, as mesmas que pisei na infância. Senti um grande conforto. Percebi com satisfação a relação familiar dos colegiais, dos namorados, dos vendedores ambulantes com as esculturas trágicas da ópera que habitam o jardim do teatro. Os dedos de bronze de um jovem reclinado numa coluna da escada continuam sendo polidos pelas mãos que o tocam para conseguir ajuda em seus males de amor. As pedras resistiram e, em íntima comunhão com elas, os meninos brincando nos lances da escada, os mendigos nos desvãos, os namorados junto às muretas, os bêbados no chão. (Bosi, 1995, p.444.)

As pedras de São João del-Rei também evocam lembranças: Os teus pés alisarão ainda outras vezes a pedra azulada das nossas calçadas, carne dos anjos do Aleijadinho.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Poema. Diário do Comércio, 26 jan. 1941, p.2.)

O material de trabalho de mestre Aleijadinho, a pedra-sabão, muito

encontrada na região, é também material usado para calçar os passeios da

cidade. O trecho acima é de um poema dedicado a Gilberto de Alencar, um

escritor mineiro da época, que contribuía no mesmo jornal que Altivo, e estava de

partida para outra cidade. O poeta Altivo Sette aproveita os encantos da região

para seduzir o amigo, que não era natural de São João del-Rei:

Volverás ao nosso recanto de vale, esquecido no cimo dum monte de ferro, onde erramos solitários, com as mãos esvasiadas e o coração cheio doendo, atraz do sorriso obliquo, difícil.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Poema. Diário do Comércio, 26 jan. 1941, p.2.)

Page 76: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

O monte de ferro, riqueza da região, também está presente em seu Poema.

No entanto, as mãos estão vazias. Mais uma vez o poeta aproveita para mostrar

que seu povo foi roubado.

Em outro poema de Altivo, encontramos novamente as pedras que formam

a cidade. Numa gradação de cores: do negro ao azul, do mais escuro ao mais

claro, as pedras simbolizam a história da cidade. As cores escuras são pesadas

como era pesado o trabalho escravo que ajudou a construir a ladeira e a Ponte do

Rosário. A cor mais clara dessa gradação, o azul, pertence à pedra em que

Aleijadinho burilava em busca de seus anjos.

Negra, a ladeira desce, calçada de pedra-ferro. Cinza, de dura pedra é a ponte do Rosário, arco de granito escravo. Azuis, de pedra doce à mão, os anjos de S. Francisco, do Aleijadinho os anjos...todos os anjos. Pedra – ferro (ouro não...) granito e pedra sabão. Corremos, com o coração na mão, para dar aos mortos, mas o coração é de pedra mole e se desfaz em arenito... - “Senhor Deus, misericórdia!”

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. “Senhor Deus, misericórdia”. Diário do Comércio, 06 abr.1961, p.4.)

Há também uma gradação na consistência das pedras: pedra-ferro, granito,

pedra sabão, o coração de pedra mole, o arenito. Entre as duas pedras mais

consistentes temos uma ausência, no entanto mencionada, da pedra mais

preciosa da região: o ouro. Só que não há ouro, pois ele foi levado, por isso o que

podem oferecer aos pobres é somente o coração de pedra mole.

As duas pontes de pedra, do Rosário e da Cadeia, são também uma marca

física de peso para a cidade de São João del-Rei. Foram construídas sobre o

lendário Córrego do Lenheiro, ligando a cidade velha à cidade nova. A

monstruosidade das pontes de pedra sobre o tímido Lenheiro se dá devido à

quantidade de água que corre por ali em épocas de chuvas.

A Ponte do Rosário, mencionada no poema anterior, foi motivo de atenção

de Altivo Sette, no Instituto Histórico e Geográfico. Em artigo publicado pelo

Page 77: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Instituto, no jornal Ponte da Cadeia, em 1970, Altivo, vice-presidente do Instituto

naquele momento, propõe a colocação de uma cruz de pedra no meio da ponte,

para substituir a que ali foi colocada quando de sua construção.

Ora, não há restos nem lembrança daquela Cruz. Parece que nunca foi construída, ou, se foi, deixou de colocada (sic). Em seu lugar, na peanha, feia coisa dêste século, está um arremêdo feito de trilho, do qual ainda pende um parafuso de dormente (restos da Estrada de Ferro Oeste de Minas). Indico a conveniência de ser colocada ali,uma autêntica Cruz de pedra, pela autoridade competente, logo que for possível. E’ o que proponho, com a construtiva intenção de ver completado, ainda que 170 anos depois, aquêle pequeno mas importante detalhe arquitetônico, o que concorrerá, também, para maior embelezamento da nossa cidade. (O Instituto Histórico e Geográfico e a Ponte do Rosário. Ponte da Cadeia. 28 jun. 1970, p.1.)

Apesar de não ser um artigo assinado por Altivo Sette, as palavras

transcritas foram pronunciadas por esse escritor que, mais uma vez, se mostra a

favor de sua cidade. No poema Devaneio na ponte, lá está novamente a Ponte do

Rosário: Da ponte não quero o arco arcaico, onde passa vento, água,andorinha, tempo. Nem a luz no poste, estrela dalva tardia acesa na hora imprecisa em que se apaga o dia. Da ponte não quero a recurva carcassa nem seu tempo de vida pisada, no duro mais de século e meio. Desejo só o panorama e a vida que dali vejo: a gente que passa depressa porque vai sonhando, o crepúsculo desfeito em pó de ouro velho, o sol que afunda na melancolia do Tijuco, a serra azul com névoa cinza de tão longe e as nuvens em caravana, que lá vão no vento. Só quero o que devaneio e é matéria de poema ou de esquecimento.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Devaneio na Ponte.Ponte da Cadeia, 03 dez. 1967, p.3.)

O poema fala da estrutura da ponte, de sua duração histórica e da

paisagem natural que dela o eu-lírico deseja recolher como matéria de poesia. No

poema a seguir, encontramos referência à outra ponte de destaque na cidade, a

Page 78: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Ponte da Cadeia, que dá nome a um dos jornais em que o poeta publica seus

textos. Lá embaixo, no arco de granito escravo corre o córrego velho que foi rico. Na ponte, uma vez, muito de noite (paz) passarei assoviando no ar frio. Será um vôo em giro de alma viva, vivalma na Ponte da Cadeia.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Ponte da Cadeia. Ponte da Cadeia, 26 nov. 1967, p.3.)

A ponte é produto de trabalho escravo e testemunha da riqueza perdida do

córrego do Lenheiro. Segundo Sobrinho (2001), a tradição conta que os senhores

de escravos sentavam-se nos bancos laterais da ponte para arrematar escravos

nos leilões que por ali aconteciam.

Dentre todas essas imagens são-joanenses, as celebrações litúrgicas são

outra constante no poeta. De religião fervorosa, São João del-Rei possui grandes

manifestações religiosas, e até hoje sua Semana Santa é famosa por toda a

região. A força dessa tradição, remonta aos seus primeiros anos, quando foram

implantadas as Irmandades e as Ordens Terceiras. Numa época de escravidão,

com as divisões sociais extremamente marcadas, havia as Irmandades dos

brancos e as Irmandades dos negros. As igrejas de Nossa Senhora do Pilar, de

Nossa Senhora do Carmo e de São Francisco de Assis são construções

representativas das Irmandades brancas. São, inclusive, construções mais

suntuosas. Dentre as construções representativas das Irmandades negras estão

as igrejas de São Gonçalo Garcia, de Nossa Senhora das Mercês e de Nossa

Senhora do Rosário.

Algumas dessas igrejas são monumentos barrocos de extrema riqueza,

que assistem, juntamente com as ruas da cidade, às fervorosas manifestações

religiosas são-joanenses: Herdeira de um catolicismo medieval e colonial português, malgrado as recentes reformas litúrgicas, São João del-Rei ainda preserva, na paróquia da catedral de Nossa Senhora do Pilar, peculiaridades dos tempos passados. Dentre estas, sobressai a Semana Santa que, aqui, tem a duração de quase cinqüenta dias,

Page 79: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

repletos de curiosas e memoráveis paraliturgias que ainda encantam o turista e comovem o são-joanense amante de suas origens. (Sobrinho, 2001, p.103)

Dentre as manifestações religiosas mais tradicionais encontramos as vias-

sacras de rua, a procissão de Encomendação de Almas, a Comemoração dos

Passos, a Procissão do Enterro e o Ofício de Trevas.

Como já dissemos anteriormente, Altivo Sette não era, o que podemos

dizer, uma pessoa religiosa. Seu filho contou-nos que o que fascinava seu pai na

religiosidade de São João del-Rei era seu caráter tradicional e artístico.

...uma procissão, como a Procissão do Enterro, lá [em São João del-Rei], é uma coisa soleníssima, ao mesmo tempo em que desperta a religiosidade latente que tem em todos nós, é um acontecimento artístico. Se você for ver é como uma representação teatral de alto nível, com atores vivos, com aquelas imagens que têm uma valor artístico muito grande, o Jesus Cristo do Aleijadinho, o Cristo Morto, que ele cobrem... Meu pai tinha uma estima muito grande por isso, inclusive colocou nos poemas dele. (CÂMARA, Antônio de Oliveira Sette, 2006 – entrevista)

A procissão de Encomendação de Almas, que visita os cemitérios da

cidade à noite, é uma forte marca religiosa identitária de São João del-Rei. É uma

procissão, que acontece na quaresma, em que os fiéis vão de cemitério a

cemitério, à meia-noite de sexta-feira, pedindo a misericórdia divina para as almas

do purgatório. É o próprio Altivo Sette que nos explica sua origem, no jornal

Ponte da Cadeia:

E passada a reinação do ouro, as covas de ouro estão até o fim do mundo vazias. Mas as covas dos cemitérios têm gente que já atravessou sete cabeceiras de afluentes do derradeiro rio das Mortes. Ora, vamos piedosamente, na quaresma, celebrar a Encomendação de Almas. É costume que vem da Idade Média e aprendemos dos portugueses. Aqui nunca teve o dramático sentido penitencial, com flagelações bárbaras, horripilantes, coisa de arrepiar couro e cabelo. É uma pacífica e fúnebre seresta, com pequena orquestra e cantoria de motetes de Ribeiro Bastos, e música de autor desconhecido, vinda talvez de Portugal, junto com o ritual da “Encomendação de Almas”, e cantada à porta dos cemitérios, à noite, em tenção dos mortos. Parece que tudo gira ao redor do suplicante refrão: “Senhor Deus, misericórdia”. (CÂMARA,

Page 80: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Altivo de L. Sette. Ponte da Cadeia, 03 a 10 jan. 1971. Edição Especial.)

Na coletânea que realizamos de seus poemas, há três que se referem à

procissão de Encomendação de Almas. Na verdade, parece ser o mesmo poema

que foi sendo reescrito com o passar dos anos. Acompanhando a procissão, o eu-

lírico reflete sobre a situação de sua cidade, descrevendo os lugares e os

momentos da célebre procissão, que começa no Alto das Mercês. O trecho a

seguir é da versão intitulada Encomendação de Almas:

Meia noite de quaresma, ora vamos orquestra e coro rumo aos cemitérios a implorar, no vão da estreita porta: - Senhor Deus, misericórdia. Dois levam o contra-baixo, rabecão profundo. A comitiva estaca, bate matraca rebate, acendem-se lanternas...e vozes tremem: - Senhor Deus, misericórdia.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Encomendação de Almas. Diário do Comércio, 08 dez. 1963, p.7)

Em seguida, sai da cidade velha e parte para a nova, rumo à Igreja de São

Francisco. Neste momento, o poeta não deixa passar a oportunidade de

mencionar a participação de Aleijadinho nessa igreja. Durante a reflexão,

rememora a história dos negros e dos prisioneiros na cidade, ao se referir ao

Morro da Forca e ao pelourinho: Da urbe colonial passamos à nova cidade pela ponte do Rosário, arco de granito escravo. Em S. Francisco a sombra do passado conta: aqui, xingando, burilou pedra com amor o Aleijadinho. A forca foi no Morro. Lá, sem ar quem balançou na corda, pêndulo no vácuo? E o pelourinho: quem sangrou no suplício? - Senhor Deus, misericórdia.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Encomendação de Almas. Diário do Comércio, 08 dez. 1963, p.7.)

Após visitar os cemitérios mais distintos da cidade, a procissão segue para

o cemitério municipal do Quicumbi:

Page 81: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Motetes cantamos em sete cemitérios e já mais longe vamos, Quicumbí, em pó eu volto e gasto como um eco. - Senhor Deus, misericórdia.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Encomendação de Almas. Diário do Comércio, 08 dez. 1963, p.7.)

Altivo Sette ao acompanhar a procissão, não se mostra comprometido com

seu caráter religioso. Pelo contrário, ele vai descrevendo a procissão e

relembrando os acontecimentos da cidade de São João del-Rei. Sua participação

só é percebida no refrão Senhor Deus, misericórdia, quando os fiéis pedem a

Deus misericórdia para as almas do purgatório.

Aproveitamos o poema Encomendação de Almas, que passeia pelos

cemitérios de São João del-Rei, para contar uma curiosidade a respeito de Altivo

Sette: o poeta elege o cemitério que vai recebê-lo, ao entrar para a Ordem

Terceira de São Francisco. Antônio conta-nos que o lugar preferido de seu pai era

o Largo de São Francisco, do qual tinha várias fotos, e participar da Ordem, ou

pelo menos nela estar inserido, dava-lhe o direito de ser enterrado naquele lugar.

Outra procissão se faz tema para Altivo Sette, dessa vez a Procissão do

Encontro: Passada a reinação do ouro, ficaram as igrejas, as procissões e a

música sacra, para remédio e consôlo de todos. Senhores, vamos à procissão do

Encontro?9

Tropeça o Senhor-dos-Passos e chora fel a das-Dôres Das Dôres Senhora, sem jóias nem flôres, sete facas no peito, vai de manto roxo a chorar na ladeira. Senhor desfeito em farrapos suou sangue a noite inteira e sobe pelo outro lado. No ar alto das Mercês nuvens de chuva naufragam E sopra o vento-das-almas trazendo incenso do vale e da serra o antigo aroma do rosmaninho pisado.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Procissão do Encontro. Ponte da Cadeia, 03 a 10 jan. 1971. Edição Especial.)

9 CÂMARA, Altivo de L. Sette. Ponte da Cadeia. 03 a 10 jan. 1971. Edição Especial.

Page 82: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Primeiramente o poeta descreve a procissão, explicando o encontro da

dolorosa mãe e de seu Filho. Fala do sofrimento dos dois e da presentificação

dessa encenação em São João del-Rei. Logo em seguida, ele, lançando mão de

trocadilhos (encontro e desencontro, passos cruzados, rumo e remo, arauto e ar

alto e mar alto, rodar e radar), faz uma reflexão sobre a situação do ser humano.

Se o Senhor-dos-Passos tropeça em seus passos cruzados, o insignificante

homem está com os pés quebrados, não consegue caminhar. Sem rumo, sem

guia, sem ninguém que possa lhe anunciar um novo caminho:

Tropeça o Senhor-dos-Passos e chora fel a-das-Dôres. Se a vida é desencontro, oh, Senhor-dos-Passos, dos passos cruzados, estamos perdidos e de pés quebrados sem rumo nem remo sem arauto no ar alto no mar alto a rodar sem radar e estrêla sem ninguém nem nada...

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Procissão do Encontro. Ponte da Cadeia, 03 a 10 jan. 1971. Edição Especial.)

A identidade religiosa de São João del-Rei é marcante em Altivo, mas é

uma marca como as outras, crítica. No comentário, anteriormente transcrito, o

poeta fala da religião como uma compensação, um consolo, para aquele povo

que ficou de bocas ocas, vendo seu ouro ser devorado.

A identidade são-joanense que podemos ler em Altivo Sette é a identidade

histórica, religiosa, de um povo que foi roubado pelos portugueses que “comeram”

seu ouro e só deixaram as bocas ocas das betas. É a identidade de um povo que

sonha ter tido a presença de Aleijadinho, do mestre Aleijadinho, em suas igrejas,

de um povo que se orgulha de ter Tiradentes como seu conterrâneo.

Numa centena de artigos e poemas, tenho curado dos problemas e coisas, e deliquescências, e também das grandezas desta ilustre cidade. E se o relembro é só para confirmar a minha parte na festa dos 250 anos de Minas, outrora Minas Gerais do Ouro do

Page 83: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Cataguás. E vou chegando ao fim. O relógio é sempre uma fábrica do inferno: “time is money”. Mas podemos perdoar a um relógio de sol, feito de pedra e silêncio. Algures, no relógio de sol o tempo vôa. Que vôe! Vou voar mais do que o tempo um dia, com asas de pedra de ferro. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Ponte da Cadeia, 03 a 10 jan. 1971. Edição Especial.)

Ao abordar as tradições de São João del-Rei e reforçar a memória urbana

e coletiva de sua cidade, Altivo Sette dialoga com o Movimento Modernista

Brasileiro, principalmente com sua vertente mineira. O Modernismo em Minas

Gerais, como vimos, caracterizou-se por uma recorrência da temática da tradição,

já que os intelectuais da região não fizeram da ruptura com o passado seu ponto

mais forte. Ao refletir sobre as tradições de sua cidade, em pleno século XX,

Altivo Sette mostra-se um intelectual atento às tendências literárias de sua

atualidade, com ela estabelecendo diálogo, o que nos permite considerá-lo um

poeta com fortes características do Modernismo Mineiro.

Page 84: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

O jornal: tribuna crítica, cultural e política de Altivo Sette

Page 85: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Porque, se os que estão no Poder podem servir AGINDO, pois que para isso dispoem dos meios de ação, os que estão fóra dêle só podem servir com palavras, sugerindo, ponderando. Esta não outra, é a utilidade pública da PALAVRA. Esta é a tarefa construtiva da OPOSIÇÃO (destaques do autor). 10

Altivo Sette foi predominantemente um homem do jornal, pois era através

desse veículo de comunicação que o escritor manifestava seu pensamento e

dialogava com seus leitores. Lendo-o nos jornais Diário do Comércio e Ponte da

Cadeia construímos uma imagem do intelectual que foi: um sujeito consciente de

seu tempo e de sua posição (como mostra a epígrafe), a de alguém que podia

falar diretamente ao povo e levar a ele conhecimento das situações políticas,

econômicas e culturais de São João del-Rei, de Minas, do Brasil e até do mundo.

A maioria dos artigos e dos poemas de Altivo Sette foi publicada em

jornais, o que faz desses escritos um material de análise diferenciado, pois a

relação jornal-leitores difere consideravelmente da relação livro-leitores.

Primeiramente, pela diferença de valor aquisitivo que há entre esses dois

suportes de divulgação textual: o jornal é um material cujo preço é bastante

acessível, por isso atinge um número de leitores maior que o livro. Também, o

objetivo da leitura muito difere entre eles, pois ao ler um jornal o leitor busca,

principalmente, informações, fatos verídicos, acontecimentos; há um

compromisso com a realidade que não existe em relação a um livro ficcional, por

exemplo. Além disso, o livro é produzido para extrapolar as fronteiras da cidade,

portanto, uma temática menos local oferece essa possibilidade de extrapolação

de fronteiras e de variedade de leitores . Para esse público projetado para fora da

cidade, os temas variam e alcançam uma amplitude nacional ou internacional.

Diferentemente ocorre nos jornais em que, muitas vezes, o público leitor é

exatamente o público da cidade, para o qual a temática local se torna mais

interessante. Não pensemos em jornais de dimensão como O GLOBO ou Folha

de São Paulo que circulam pelo país inteiro, mas nos jornais locais, de cidades

10 CÂMARA, Altivo de L. Sette. Problemas locais. Diário do Comércio, 27 maio 1945, p.1.

Page 86: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

pequenas, como é o caso dos jornais citados nesta dissertação. Eles possuem

seu público específico, os moradores da cidade, o que não quer dizer que outras

pessoas não os leiam, mas que o público significativo seja o local, daí a

recorrência da temática local.

Segundo Marcuschi (2003) o suporte não é apenas um mero material no

qual o enunciado fica registrado.

Em muitos casos, o suporte é uma espécie de base que porta contextos muito específicos que podem trazer algum tipo de influência. Assim, se um texto sai num jornal ou em um livro ou se está afixado em um quadro de avisos numa parede, isto vai ter diferentes formas de recepção.(Marcuschi, 2003, p.13)

Conscientes disso, entendemos a importância dos jornais são-joanenses

para Altivo Sette, que os utilizava para divulgar seu trabalho ou expor seus pontos

de vista. Além do mais, era costume que escritores passassem primeiramente pelos

jornais, antes de se lançarem em livros. É novamente em Maria Zilda Cury (1998)

que encontramos uma reflexão sobre a importância dos jornais para os jovens

intelectuais de Minas Gerais. Seu livro foi basicamente baseado nas publicações

dos jovens modernistas de Minas Gerais, da primeira metade da década de 1920,

no jornal Diário de Minas, publicado em Belo Horizonte. Segundo a pesquisadora,

naquela época, a atividade jornalística possuía grande importância, atraindo

escritores consagrados e iniciantes. Todo o grupo de Drummond, daquela década,

iniciou seu trabalho pelos jornais. O próprio Pedro Nava, um dos escritores

modernistas de Minas Gerais, afirma que para entender o Modernismo Mineiro é

preciso não ignorar a produção literária (poemas, críticas, divulgações de livros) que

saía no jornal Diário de Minas (Nava apud Cury, 1998, p.92.).

Diante dessa constatação não fica difícil entender a importância dos jornais

são-joanenses, principalmente do Diário do Comércio, para esta dissertação, na

leitura que fazemos do diálogo de Altivo Sette com tendências do Modernismo

Mineiro. Apesar de um pouco tardiamente, em relação ao grupo mineiro de 1920, o

trabalho de Altivo Sette no Diário do Comércio muito se assemelha ao de

Drummond no Diário de Minas. Tendo morado em grandes cidades como Belo

Page 87: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Horizonte e Rio de Janeiro – também como Drummond -, Altivo era um homem

atualizado em relação às inovações, seja no âmbito literário, político ou econômico.

Isso fazia dele um escritor local em constante diálogo com o nacional e o mundial, o

que possibilitava ao são-joanense comentários sobre os mais diversos assuntos.

O espaço urbano em desenvolvimento foi alvo de fascínio para os primeiros

modernistas brasileiros. Como presenciaram o progresso que chegava, sentiam a

contradição de desejá-lo e ao mesmo tempo repudiá-lo. No Diário de Minas, através

de artigos dos jovens intelectuais, Maria Zilda Cury pôde ler o processo de

modernização da cidade de Belo Horizonte. Os artigos deixavam transparecer tanto

um desejo de progresso quanto uma reflexão sobre suas conseqüências

destrutivas.

Vê-se, então, que não foi somente a cidade futurista, movimentada e barulhenta que perdurou na obra do grupo mineiro. Nela, bem marcadamente, aparecem a tradição – não raro tomada como peso -, as montanhas, a natureza: na poesia de Drummond, na ficção de João Alphonsus, nas reminiscências da maturidade de Nava. (Cury, 1998, p.61.)

Com todos esses registros, o jornal pode ser considerado – aproveitando as

palavras de Cury – (...) uma metáfora do espaço cultural da cidade (...) (1998,

p.13.). Tudo o que passa pela cidade perpassa também as páginas dos jornais, o

que faz desses suportes um material riquíssimo de análise. Da mesma forma como

a pesquisadora utilizou-se do Diário de Minas para ler o jovem Drummond e seu

modernismo, utilizamos, principalmente, o Diário do Comércio para lermos Altivo

Sette e suas tendências literárias.

O trabalho de Drummond com sua Itabira, por exemplo, ou as referências

que faz às cidades coloniais, muito se assemelham ao trabalho de Altivo Sette com

sua São João del-Rei. Ambos nascidos em cidades mineradoras, fechadas pelas

montanhas de Minas e desgastadas pela mineração. Carlos Drummond de

Andrade, em artigo ao jornal Diário de Minas, de Belo Horizonte, apresenta a

consciência de que é preciso proporcionar às cidades históricas seu progresso. O

poeta usa como exemplo sua cidade natal:

Page 88: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Itabira não é bem o que possamos chamar uma cidade histórica; está longe disso. Mas é, a muitos respeitos, uma cidade tradicional. Nada lhe falta para que a denominemos assim: nem mesmo esse “cheiro do passado”, que enche de melancolia nosso olfato...Ruas estreitas e tortas; casario colonial subindo pelas ladeiras; igrejas antigas onde dormem alfaias preciosíssimas; e, no alto, a grande serra, de flancos lacerados pelos exploradores de ouro e de ferro. [...] Cidade tradicional, Itabira é também uma cidade morta. O progresso fez lá duas ou três excursões esquivas e apressadas. O povo continuou bocejando, bocejando e dormindo, à sombra da imensa muralha de ferro. Entretanto, o povo sabe (e todos nós sabemos) que essa muralha constitui o maior e o mais prodigioso dos tesouros, e o repete (como nós todos repetimos) a frase espantosa, segundo a qual “o pico de Itabira tem ferro suficiente para abastecer quinhentos mundos durante quinhentos séculos...” [...] os olhos esperançosos de um itabirano em cuja retina se gravou a doce paisagem natal, mas que desejariam ver a sua terra transformada num formidável centro de trabalho. (Drummond apud Cury, 1998, p.136)

De divulgação rápida, o Diário de Minas era o veículo perfeito para que os

jovens publicassem suas idéias, lançassem novos questionamentos e

atualizassem as pessoas com as novidades do país e do mundo. No trecho

acima, Drummond deixa transparecer seu desejo de ver Itabira se desenvolvendo.

Consciente de que o progresso é necessário para que o povo não continue

bocejando, o poeta prega o progresso das cidades históricas. Para ele, ser

tradicional não significa estagnar-se no tempo:

Será vitalizando as chamadas ‘cidades mortais [sic]’ que praticaremos o verdadeiro tradicionalismo, cujo princípio fecundo nos ensina a renovar a tradição, e não a estratificá-la. Seremos uma tradição amanhã: importa que reflitamos o espírito de nossa época, essencialmente construtora. (Drummond apud Cury, 1998, p. 135.)

Essa manifestação em favor do progresso é evidente, também, em um

acontecimento em São João del-Rei, que foi registrado nas páginas do jornal

Diário do Comércio, no ano de 1946. Sentindo a necessidade de progresso

urbano, a cidade de São João del-Rei está prestes a ganhar uma nova avenida,

mas para isso seria necessária a demolição de um antigo sobrado. A prefeitura

adquire a propriedade e, ao começar demoli-la, surge o SPHAN (Serviço do

Page 89: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), embargando a demolição. É

impressionante a reação da população, que se faz representar pelo jornal. O

Diário do Comércio publica um texto da Revista Comercial de Minas Gerais, onde

se lê: Queixam-se os de São João del-Rey dos entraves que a displicência do

SPHAN, cria ao seu progresso, e não é justo peiar-se aquela Cidade no seu

desejo de evoluir.11 A contradição progresso–tradição aparece de modo a

provocar um rebuliço na cidade. Alegavam os moradores que o sobrado em

questão não era tombado pelo patrimônio, nem poderia ser tombado da noite para

o dia como queria o SPHAN. Alegavam também que outros imóveis na cidade, de

importância histórica muito maior, estavam precisando dessa intervenção e, no

entanto, estavam largados às traças.

Altivo Sette também se manifesta no Diário do Comércio. Consciente de

viver numa cidade histórica, a qual possui monumentos que devem ser

preservados, e diante da repercussão que o acontecimento teve, Altivo fala da

necessidade de progresso e de modernização de qualquer cidade.

É desejavel tambem que o Patrimonio reexamine o tombamento geral efetuado em S. João, eliminando os excessos existentes, afim de que a cidade, conservando o que mereça e deva ser conservado, não se veja embaraçada na sua expansão para o futuro. Como quer que seja, o interesse das elites e mesmo das camadas mais populares, vem demonstrar, mais uma vez, que ha em S. João uma sadia e vigilante mentalidade progressista, que, sem renegar o Passado, no que o Passado tem de respeitavel e digno de preservação, tem estado durante muitos anos apenas á espera de condições mais favoraveis para se expandir. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Vidro, cimento e aço. Diário do Comércio, 04 ag. 1946, p.1.)

A consciência política de Altivo Sette leva-o a considerar as necessidades

pelas quais a cidade passa, sem, no entanto, desprezar o que a cidade tem de

patrimônios que são dignos de ser preservados. O que a cidade não quer, e Altivo

deixa isso bem claro, é que qualquer casarão velho seja tombado,

impossibilitando o crescimento e a modernização de São João del-Rei. As

11 Uma cidade briga com o bolor. Diário do Comércio, 28 jul.1946, p.1.

Page 90: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

palavras de Altivo Sette acima expostas vão ao encontro das palavras escritas no

editorial da primeira edição d’A Revista: Pugnamos pelo saneamento da tradição,

que não pode continuar a ser o túmulo de nossas déias, mas antes a fonte

generosa de que elas dimanem. (Drummond apud Cury, 1998, p.135.)

Ao pedir pelo saneamento da tradição de sua cidade, ou seja, que se

preservasse apenas o que realmente merecia ser preservado, percebemos em

Altivo Sette a vontade de ver sua cidade evoluída, industrializada e bonita. Se o

casarão não era imóvel digno de preservação, que fosse demolido. No entanto,

quando alguma construção de valor histórico era demolida, Altivo não se

conformava. Um episódio que deixou o escritor são-joanense indignado, na

década de 1970, foi a demolição da antiga Igreja de Matosinhos. O Instituto

Histórico e Geográfico de São João del-Rei, do qual Altivo Sette foi um dos

fundadores, tentou intervir contra a demolição da antiga Igreja do Senhor Bom

Jesus de Matosinhos, que era um bem cultural tombado pelo SPHAN.

Segundo José Antônio de Ávila Sacramento (2004), um dos integrantes

atuais do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, o IHG enviou, na

ocasião, um ofício ao então pároco de Matosinhos, padre Jacinto Lovato Filho,

alertando-o de sua responsabilidade em relação à demolição do templo. A

resposta do padre não foi nada amigável:

Nenhum valor tem para mim protesto veemente ou sem veemência (...) O assunto é de exclusivamente (sic) da alçada da Igreja (...) Não aceitamos a intromissão de alheios à religião em assuntos de competência da mesma, ainda mais de um desconhecido IHG (...) As Igrejas são para utilização dos fiéis e não para serem contempladas como pura arte de construção... (Lovato apud Sacramento, 2004.)

Ainda segundo Sacramento (2004), o IHG solicitou ajuda do Bispo

Diocesano D. Delfim Ribeiro Guedes, a fim de que este interviesse no sentido de

que pelo menos a portada da Igreja, toda em pedra sabão, permanecesse em

São João del-Rei como recordação da antiga Igreja. No entanto nada foi feito e a

portada foi vendida para alguém de São Paulo. Em um bilhete (anexo 4) enviado

ao amigo Fábio Nelson Guimarães – que também fazia parte do Instituto Histórico

e Geográfico -, Altivo expressa decepção ao ver sua tentativa de preservação ser

Page 91: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

em vão: Estive em Matosinhos hoje de manhã e assisti, com um nó na garganta,

o início da derrubada da fachada da Igreja, em fase de destruição que já não

permite qualquer medida salvadora.12

Em outro momento, Altivo confessa ter tentado manter a portada na cidade

de São João del-Rei, pedindo ao comprador de São Paulo que desistisse de sua

compra: meu cunhado, Paulo Campos é testemunha presencial deste meu apelo. Dias depois chegava de SP um caminhão e lá se foi a portada. E também um ornato de pedra-sabão, que figurava um relógio e outras peças, que vi serem postas com guindaste, no caminhão. Talvez a pia batismal, que é igualmente de pedra-sabão. (Câmara apud Sacramento, 2004.)

Além da derrubada da Igreja, outro fato que deixou Altivo Sette indignado,

foi a venda de objetos pertencentes a essa Igreja. No mesmo bilhete em que

Altivo conta a Fábio que presenciou o início da demolição, ele convida o amigo

para denunciarem as vendas ao Bispo. A igreja, dentro de 48 horas, estará

completamente destruída. Nada mais poderemos faser (sic), a não ser denunciar

ao Bispo a venda de quadros e outros pertences da Igreja.13

O resultado da denúncia, inicialmente, não foi muito satisfatório, pois logo

ficaram sabendo que o Bispo estava a par das vendas. Mesmo assim levaram o

assunto adiante, tendo a denúncia sido publicada em jornais fora da cidade. É

novamente através de bilhete (anexo 5) ao amigo Fábio que ficamos conhecendo

essa informação. Na 1ª pág. do 2º caderno vem, então, a denuncia sôbre furto de imagens e coisas da igreja, em S. J. d. Rey. / cita nominalmente o Bispo e o Vig. de Matosinhos. E confirma que o principal foi denunciado e está sendo processado (...) Realmente aparece seu nome, ou como denunciante ao jornal, ou como queixoso sôbre o q. se passa por aqui / Que tal publicarmos um “Livro Branco” sôbre a destruição da igreja de Matosinhos e a falta de palavra do Bispo, que facilitou ser vendida a portada? (CÂMARA, Altivo de L. Sette. 12 set. 1972.)

12 CÂMARA, Altivo de L. Sette. s/d, grifo do autor. 13 CÂMARA, Altivo de L. Sette, s/d.

Page 92: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Voltando ao jornal Diário do Comércio, e à década de 1940, encontramos

Altivo Sette utilizando-se do jornal a fim de apontar os problemas de São João

del-Rei, sendo que um dos mais urgentes que, se resolvido, daria à cidade um

enorme impulso, é a necessidade de aumentar a distribuição da eletricidade.

Com eletricidade bem distribuída, o escritor vê a possibilidade do avanço da

industrialização. Segundo ele, os industriais da região são progressistas, (...) dai-lhes energia elétrica farta e constante, dai-lhes bôas estradas , e facilidades para novos investimentos de capital, e vos garanto que, em 10 anos, S. João será a segunda cidade industrial de Minas (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Problemas locais. Diário do Comércio, 27 maio 1945, p.1.).

Diante da possibilidade de a cidade permanecer como estava, ou seja, sem

acompanhar os avanços da modernidade, Altivo prevê o futuro: (...) e...se persistir

insoluvel o problema da ELETRICIDADE, correremos o risco de estacionar,

constituindo uma comunidade marginal, à beira da vida, que não pára.14

A insistência de Altivo Sette em relação à necessidade da eletricidade se

dá porque o escritor prevê que o futuro agrícola de sua região não é promissor,

pois, além de o clima não ser favorável a essa atividade, um outro problema

começava a se configurar: o desmatamento.

Entretanto, senhores, estacamos. Pior ainda: corremos o risco de retroceder, involuir, acaso morrer. Porque nossa natureza é semi-desertica; aí as terras e pastagens são más. E o desflorestamento agrava de ano para ano essas condições naturais, já de si madrastas. De sorte que a agricultura nunca será nossa atividade principal. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Problemas locais. Diário do Comércio, 27 maio 1945, p.1.).

Altivo Sette coloca em evidência sua consciência política. O problema da

falta de eletricidade está para ser resolvido com a construção de uma usina cuja

produção beneficiará a cidade de São João del-Rei. O escritor preocupa-se,

agora, com o destino da responsabilidade por essa usina:

14 CÂMARA, Altivo de Lemos Sette. Problemas locais. Diário do Comércio, 27 maio 1945, p.1.

Page 93: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

a) Serviço público dessa natureza não deve pertencer a particulares, mas ao poder público, único que pode exercê-lo sem o fito específico de lucro, e em benefício da coletividade. Interessa ás populações, e é de crer que tambem ás classes produtoras, que a NOVA USINA seja PROPRIEDADE DA PREFEITURA. (...) A natureza do serviço de Fôrça e Luz, que interessa concreta e permanentemente a tantos milhares de pessoas, está a indicar que a RENDA resultante deve reverter em benefício geral. Na mão de particulares ela não teria, e é natural, essa aplicação. Na da Prefeitura poderá ser oportunamente invertida em obras públicas, para o bem estar e o progresso das populações ( da cidade e distritos). (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Problemas Locais. Diário do Comércio, 04 jul. 1945, p.1, destaques do autor.)

A polêmica é longa. Altivo volta a falar sobre o assunto, mas dessa vez

repensa as palavras que foram usadas. Já não afirma tão convictamente que a

administração das rendas da usina fique nas mãos da Prefeitura.

O problema da USINA do RIO GRANDE não deve ser posto em termos “políticos”, mas em termos econômicos. Porque a Usino (sic) é uma NECESSIDADE. E o que é necessário não deve ficar á mercê dos fatôres “políticos.” (E sabemos porque...) (...) c) Quando se diz que a futura Usina “deve ser propriedade da Prefeitura”, isso não signfica (sic) nenhuma restrição a este ou aquele cidadão (industrial ou não), mas que se está propondo o problema em seus verdadeiros termos. Porque é um princípio já universalmente consagrado, o de que serviço dessa natureza,eminentemente social, deve ser exercido pelo Poder Público. d) Se a administração municipal não puder realiza-lo, realizem-no então os particulares. Temos uma boa equipe de industriais e comerciantes progressistas, que, com a indispensavel assistência técnica, poderão levar a bom termo o empreendimento. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Problemas Locais. Diário do Comércio, 12 ag. 1945, p. 1.destaques do autor.)

Na coluna de poemas de sua responsabilidade, no Diário do Comércio,

encontramos várias notas de Altivo Sette a respeito da modernização urbana. Ao

estabelecer diálogo entre poesia e crítica, Altivo Sette se mostra um intelectual

consciente de sua função de divulgador e formador de opiniões. A posição de

Altivo Sette no Diário do Comércio é parecidíssima com a de Drummond e seus

amigos no Diário de Minas. Todos eles escreveram textos críticos, resenhas,

poemas modernistas, mostrando sua atualidade com o mundo. Isso nos mostra

Page 94: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

que Altivo Sette não era um intelectual diferente, ele não era uma exceção. Pelo

contrário, faz parte de uma “família” de intelectuais sedentos de transformações.

Uma “família” que foi selecionada pelo próprio Altivo Sette em suas leituras, as

quais, confirmadas por seu filho Antônio, eram repletas de modernistas

brasileiros.

Em diálogo com o poema São João del-Rei, de Carlos Drummond de

Andrade (anexo 6), trazido para o jornal, Altivo reflete sobre o monótono passado

de sua cidade. O poema apresenta a cidade ainda como um lugar sem vida, sem

perspectiva, parado, onde nada havia para ser feito. Diante de um lugar desses, o

intelectual Altivo Sette, em nota ao poema, clama por modernização:

Naquêle tempo a cidade era um burgo marcadamente colonial. (...) Ainda não existiam, a Avenida Tiradentes, a Praça dos Andradas, a Rua Aureliano Mourão e tantos outros logradouros, e nem as vilas e bairros surgidos bem depois, mal acompanhando o repentino crescimento das indústrias. / Nas chuvas, a água encanada era barrenta, e a luz se apagava, entre o relâmpago e o trovão. / A população modorrava, isolada nesta ponta fria de estrada de ferro. (...) As crianças dormiam cedo, e tremiam de medo da mula-sem-cabeça, e assombrações e fantasmas. Fantasma, com ph, metia medo até em gente grande.../ Ora, era, de fato, uma “cidade paralítica”. (...) o que havia a fazer era cismar na derrota incomparável. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Diário do Comércio, 14 jun. 1959, p.1.)

Palavras e expressões de significação negativa, como modorrava, isolada,

ponta fria, cidade paralítica, derrota, mostram que o escritor vê esse passado de

forma negativa. Altivo dialoga com Drummond como São João del-Rei dialoga

com Itabira, ambas cidades paralíticas, nas quais restava cismar na derrota

incomparável. Altivo sente as semelhanças existentes entre as cidades, e

comenta em nota: Ora, [São João del-Rei] era, de fato, uma “cidade paralítica”. Assim a viu e a sentiu o poeta, êle cidadão de outra cidade então também paralítica. Itabira do Mato Dentro, “cidade tôda de ferro, as ferraduras batem como sinos”... E lá, como aqui, naquêle tempo, o que havia a fazer era cismar na derrota incomparável. / E o secular silêncio só era interrompido por dobres e repiques de sinos, e aflitivos apitos das pequenas e renitentes locomotivas da E. F. O. M. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Diário do Comércio, 14 jun. 1959, p.1.)

Page 95: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

No entanto, como a modernidade apresenta-se paradoxalmente, algumas

conseqüências de sua apresentação começam a provocar um estranhamento até

então ausente. De repente, o poeta que desejava o progresso e a industrialização

percebe que eles não chegam sem trazer consigo as conseqüências negativas da

modernização urbana. A cidade que se transforma logo começa a se mostrar

estranha ao intelectual Altivo Sette. Esse estranhamento é recorrente no homem

moderno, que se vê entre o passado e o futuro. Também no Diário de Minas,

Maria Zilda Cury encontrou registros que mostram o quanto era comum os

intelectuais oscilarem entre o progresso e a tradição.

No trecho a seguir, Altivo menciona os anos de 1930, exatamente a época

em que as grandes cidades brasileiras recebem um impulso maior para seu

avanço. Em suas palavras percebemos um caráter nostálgico em relação a um

tempo que não existe mais. Hoje NADA mais resta dos encantos, pontos pitorescos, de passeio e, turismo, que existiam ainda, nos anos de 30. / Das “Gameleiras” só resta o nome. Caminhos, pedras, plantas e areias, tudo sujo, rebentado, uma desolação. Ao redor, tirando para sempre a intimidade do recanto brotou uma favela. E o córrego é um triste fio d’água micha... / O “Guarda-Mór” ora é uma só erosão, feita por tratores que o escalavraram inutilmente. E’ paragem desértica, feia, só poeira e barro. / Como local de banho e recreio, o “Rio Acima” não existe mais. Casas próximas, lixo, água pouca e suja, vedam qualquer veleidade recreativa. / Basta olhar a foto do álbum de 1913 para se ver que o encanto se calou para sempre no “Cala-Boca”. E’ local inteiramente devastado, sem vegetação, de água minguante, e com uma estúpida tabuleta avisando “proibido tomar banho”. (Por que não acrescentaram “...e comer capim?”) / Quanto ao lúgubre Matadouro, hoje, 50 anos depois do poema, continúa a ser o mesmo municipal “desdouro”. / E assim por diante. TODOS os demais sítios pitorescos e belos dos arredores da cidade, (Casa da Pedra, Bica da Prata, Ribeirão, etc.), e a flora e a fauna, foram selvagemente destruídos, dos anos 30 para cá, por gente de vária espécie e fortuna. Destruídos a pontapés, canivetadas, tiros, cabeçadas, dentadas, porretadas, dinamite, pau, ferro e fogo. / E ainda por cima há uns filistinos que dizem: é o progresso.../ O Progresso? Ah, sim. O Progresso... (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Diário do Comércio, 26 ag. 1962, p.4.)

O trecho acima é uma nota ao poema Os encantos de S. João, de Franklin

Magalhães (anexo 7), escolhido por Altivo para ser publicado em sua coluna de

Page 96: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

poemas. Escrito por volta de 1913, o poema retrata a cidade de São João del-Rei

quando ainda possuía os encantos mencionados na nota, que, no entanto, na

época de Altivo Sette já se haviam desencantado. Os paradoxos da modernidade

começam a se fazer presentes na pequena cidade do interior de Minas Gerais. Na

verdade, esses paradoxos são extremamente preocupantes nas cidades grandes,

pois instauram uma pobreza muito grande. A modernidade não acontece em toda

a cidade, uma parte é privilegiada, enquanto outra recebe as sobras da

modernização. As grandes cidades viram surgir as favelas, pois os pobres eram

empurrados do centro para a periferia. Com isso, problemas de falta de

saneamento básico eram freqüentes. Isso, sem contar o desmatamento que se

dava para o crescimento da cidade.

Outra mudança significativa nas cidades modernas aconteceu em sua

paisagem sonora, que começou a se apresentar de cara nova. Um dos

tradicionais símbolos da cidade de São João del-Rei, os sinos, começam, através

das imagens poéticas de Altivo Sette, a perder seu significado ao se misturarem à

paisagem sonora da modernidade. Antes de o progresso chegar à cidade, os

sinos falavam aos são-joanenses, cada toque comunicava um sentido a seus

ouvintes.

Por que os sinos batem, igual, o dia inteiro? Os sinos batem mas não é terentena de festa ou novena nem dobre comum para defunto algum. Os sinos tangem singular responso, ah! é o velho toque de Senhora-Morta.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Senhora-Morta. Ponte da Cadeia, 03 a 10 jan. 1971. Edição Especial.)

No entanto, essa linguagem dos sinos, tão forte na tradição, começou a dar

lugar a outros sons que foram surgindo com a modernidade. Não são mais os

sinos que falam à cidade, mas o apito das fábricas, como aparece no poema

“Senhor Deus, misericórdia”.

Finda no Carmo esta encomendação de Almas. Ficam as do Quicumbí à espera até de madrugada, quando anuncia “é dia!” a sirena, uivo sinistro de Fábricas.

Page 97: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Urge o tempo! Tempo é dinheiro? (Tempo é alma...) Vamos. São horas. – De que?...

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. “Senhor Deus, misericórdia”. Diário do Comércio, 6 abr. 1961, p.4)

Percebe-se que o som da modernidade é como um uivo para o poeta. A

modernidade é inevitável, desejada, mas temida. Com ela [a modernidade] e a

industrialização, tão desejadas por Altivo Sette, a cidade não só ganha uma nova

paisagem sonora, como se instaura uma nova mentalidade que advém do mundo

capitalista. O tempo, que se esvai com intensa rapidez, é sinônimo de dinheiro e

precisa ser muito bem aproveitado. Ele urge, não é possível dar tempo ao tempo.

Time is money! Essa é a máxima do mundo capitalista do século XX.

A modernidade chega sem pedir licença e vai impondo seu barulho:

Depois, alto-falantes, sirenes e buzinas irrompem, repentistas, rebentam o tambor do tímpano. E’ o presente! Só temos tempo de gritar correndo: aleluia! E Dom Delfim, sorrindo, cruza o limiar da História.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Dom Delfim Ribeiro Guedes. Diário do Comércio, 6 nov. 1960, p.1)

A paisagem sonora da modernidade não soa como música aos ouvidos do

poeta, pelo contrário, é algo que fere, que estoura os tímpanos. A tranqüila cidade

interiorana... Festa do Divino Sprito! Barraquinhas no largo da Matriz Banda-leilão-coreto-fogos de lágrimas. Era uma festa do povo cheia de graça... E o itinerante anjo do Senhor desceu parou ali.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. O anjo e a besta alto-falante. Diário do Comércio, 25 nov. 1962, p.4.)

...perde sua paz diante dessa invasão sonora:

...Mas o dia chegou mas o dia chegou aziago. Homens sombrios invadiram o adro e depressa pregaram na cruzeta do poste novo rei do inferno urbano, o Alto Falante,

Page 98: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

a besta caçula do Apocalipse. .................................................................... E o Barulho da besta sinistra estraga a festa. E o Barulho da besta parlante Embrutece o povo. E o Barulho da besta terrorista é tormento ao redor uma légua.

(CÂMARA, Altivo de L. Sette. O anjo e a besta alto-falante. Diário do Comércio, 25 nov. 1962, p.4.)

O sossego provinciano e colonial, acostumado apenas com os sinos a lhe

falarem, começa a ser perturbado, instaurando, assim, o inferno urbano. Os sinos

que atraíam o anjo foram calados pelo alto-falante, e a besta sinistra só consegue

atrair os surdos voadores da noite, como diz o poeta mais adiante, no mesmo

poema: Só os surdos morcegos amam a besta / E giram em roda mole disco

negro. Uma espécie de nostalgia começa a surgir neste eu-lírico que sente falta

do silêncio e do tempo lento destruídos pela modernidade.

Em nota ao poema Silêncio depressa, de Augusto Frederico Schmidt

(anexo 8), Altivo comenta, de uma forma muito crítica, a barulhenta cidade de São

João del-Rei, nos idos da década de 1960.

Sucede ser S. João, de vez em quando, mais barulhenta que New York. E S. João tem apenas 4(2) mil almas. Ou, talvez, 40 mil corpos e 2 mil almas... Ao passo que New York tem 18 milhões de mascadores de chicletes. / Sim, aqui, qualquer veículo faz mais barulho do que todo o tráfego da Quinta Avenida, em N.Y., tráfego que desliza como um litro [de] óleo num cano em declive. / E os sinos? Sem nenhuma piedade cristã, os sinos são esbordoados até rachar. / Agora, nêste mês de três santos, que a estupidez nacional transformou em mês infernal, estrondam as bombas, sem fogueiras, nem graça, nem música. Bombardeio à-tôa, nas pedras e buracos da rua, barulho primário, brincadeira bêsta, embora seu tanto respeitável pelo que tem de ritual e fúnebre, como ensaio para sagração do demônio. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Diário do Comércio, 19 jun. 1960. p.4.)

A paisagem sonora de São João del-Rei, talvez seja melhor dizer a

confusão sonora de São João del-Rei, é comparada a New York, símbolo maior

da modernidade urbana com sua heterogeneidade e suas confusões. Com

milhões de habitantes a menos, a cidade interiorana é bombardeada no mês de

Page 99: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

junho. As festas juninas perdem sua essência, permanecendo apenas o estrondo

das bombas que, juntamente com os esbordoados sinos da cidade, ajudam a

instaurar o inferno urbano.

Em junho de 1959, encontramos Altivo dialogando com Augusto Frederico

Schmidt a respeito dessa descaracterização das festas juninas. Altivo traz para o

Diário do Comércio o poema São João, que aborda as festas juninas no mundo

moderno: Como se as estrêlas não bastassem – tantas – encheram de balões o céu desta noite de São João. Há também, de quando em quando, um ruído de bombas. Tudo é inútil porém, tudo é inútil e melancólico, porque os cinemas estão cheios como sempre e nas ruas iluminadas passam homens de smoking.

(SCHMIDT, Augusto Frederico. São João. Diário do Comércio, 24 jun. 1959, p.1.)

As pessoas não deixam de freqüentar os cinemas para irem à festa de São

João. Os trajes típicos são substituídos pelo smoking. Os balões se tornam,

portanto, inúteis e melancólicos, vazios de significado no mundo moderno. Na

nota que acompanha esse poema, Altivo diz que feliz era o tempo do poeta

Schmidt, quando havia balões se misturando às estrelas, porque

...agora, (...) balões não há mais. Só bombas. E que bombas, oh! vate. E o bombardeio, o estrondo que aturde a alma selvagem das cidades, (onde tróta sem esperança o triste primata urbano...), mais parece comemorar Napoleão, ou Hitler, ou Trujilo (que fez seu trujilinho mariscal aos 9 anos), ou qualquer outro bombástico guerreiro ou traquejado genicida. E se Santo Antônio e São João e São Pedro, repentinamente aqui tornassem, presto retornariam, cuidando ter topado arraial do demônio. Voariam em chamas, como Elias subindo ao céu... (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Diário do Comércio, 24 jun. 1959, p.1.)

Altivo não se refere diretamente à cidade de São João del-Rei, fala de

modo generalizado, mostrando que o problema da poluição sonora ocorre em

todos os lugares. Não podemos esquecer, no entanto, que todas as suas notas

são publicadas em jornal da cidade e, portanto, entendemos que mesmo quando

fala de modo generalizado, ele fala diretamente aos moradores de São João del-

Rei.

Page 100: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Em nota a outro poema, Os sinos, de Manuel Bandeira (anexo 9), Altivo

Sette volta a falar sobre o som dos sinos e mostrar que o progresso trouxe sua

‘desglamourização’.

Quanto aos nossos sinos, algumas vezes parece que são tocados, ou martelados, não exatamente para louvar a Deus, mas atormentar os homens. E é possível que já tenham mandado muitos para o inferno... Pois, quantos agonizantes lúcidos, não terão morrido com raiva? Quantos cristãos vacilantes e mal esclarecidos, não terão voltado as costas a uma religião que, segundo êles, prega a caridade, proclama a divina excelência do “amai-vos uns aos outros”, mas permite que a falta de caridade se fortifique no alto das tôrres? Pois, oh! sineiros, perturbar o sono de crianças doentes (e mesmo de saúde), é falta de caridade. Confundir com barulho demasiado e renitente, o espírito dos que estão estudando, ou trabalhando em paz, ou meditando, ou simplesmente vivendo sem molestar ninguém, é falta de caridade. Impossibilitar, com escandaloso arruído, a atenção dos fieis, em certas festas religiosas externas, é falta de caridade. Et coetera. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Diário do Comércio, 17 jan. 1960.)

Os sinos agora perturbam os trabalhadores, os doentes, as crianças, os

estudantes, atrapalham as próprias festas religiosas. O mesmo que aconteceu

com as festas juninas no mundo moderno, aconteceu com os sinos da cidade de

São João del-Rei: perderam sua significação - as festas com as bombas; os sinos

com seus estrondos.

O poeta moderno é esse homem paradoxal, em constante conflito com a

modernidade e suas conseqüências. Ela traz progresso e por isso é desejada,

mas traz também a descaracterização das cidades pequenas, das cidades

históricas, da cidadezinha qualquer do interior de Minas.

Altivo Sette, depois de muito pedir pela eletricidade, pelas indústrias, pelo

progresso, conclui que feliz é aquele que mora numa cidadezinha qualquer, com o

tempo que passa devagar, sem água encanada, com escassa eletricidade e se

perguntando: Coisa é o progresso! Mas... valerá a pena? Apenas se não viesse

acompanhado de todos os seus paradoxos.

...lá [em Cajurú] não há água canalizada, nem luz, nem esgôto, nem médico./... Arraial feliz! Do alto dos seus cem anos, os

Page 101: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

longevos cajuruenses hão de contemplar sorrindo, a vida selvagem das grandes cidades, com Homens-Sem-Tempo que só tratam de trotar atrás do dinheiro que vôa./ ... Arraial feliz! Não tem luz? Livre está da leitura noturna do jornal com más notícias. E do rádio, que não tem música de Bach, porque o tempo todo é daquele espiquer bêsta, que fala, fala, fala, fala atrás do próprio éco, até o acorde final do nosso hino (cacófaton!), alôôô.../ Não tem água canalizada? Pois Belo Horizonte tem canalização sem água. E no Hotel, o empoeirado chegante, ao abrir a torneira ouve só o gargarejo do ar na goela da torneira, assim: grrróóó... grrróóó... E de urbana raiva rebenta o miocárdio ou o cós./ Ora, não tem esgôto? Como dois terços da população do Rio, sujeita ainda às federais fossas de acocoração.../ Não tem médico? Então, é exemplar necrocracia: ali todos são iguais perante a morte. Sem médico, qualquer pessoa pode morrer da sua própria morte natural.../ Grande e comovente Coisa é o Progresso! Mas... valerá a pena? Com a estrada asfaltada, lá se vão chispando para as capitais, nossos queijos e frangos. E de lá nos chegam sujeitos espertos, meio turistas meio traficantes, a nos impingir anedotas ou candidatos ou Coisas Úteis, que compramos (para quebrar). E com o Alfabeto perdemos as cozinheiras e ganhamos (?) eleitores, novos freguezes dos políticos estabelecidos./ O progresso... Sim, o progresso... Que venha, para nós, e o Cajurú, e a “Cidadezinha Qualquer”, do poeta universal Carlos Drummond. Mas que venha sem a exploração do povo pelas elites, sem a exploração do interior pelo govêrno federal, sem a Exploração-Do-Homem-Pelo-Homem, que já vai tornando repulsiva a civilização nacional, cuja fórmula mágica é a seguinte: meia dúzia de alegres comendo, milhões de jururús a cajuruar... (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Diário do Comércio, 28 ag. 1960, p.4.)

Uma outra questão já comentada em Altivo Sette, mas não desenvolvida

ainda, é a do desmatamento; o que é encontrado também por Cury no Diário de

Minas. A autora destaca ainda que: Também A Revista reflete a luta entre os

espaços da natureza e do progresso que, naquele momento, é traço ideológico da

cultura brasileira perceptível nos textos os mais diversos. (Cury, 1998, p.60.). No

entanto, se os intelectuais de Belo Horizonte oscilavam entre os dois espaços,

Altivo Sette, neste aspecto, era muito firme em sua posição. Ele era um

apaixonado pelas árvores e saía sempre em sua defesa, tendo adotado, inclusive,

a imagem de uma arvorezinha, que desenhava em seus escritos, caracterizando-

os, como se fosse uma assinatura. Encontramos tal desenho em alguns dos

bilhetes corriqueiros que Altivo enviava ao amigo Fábio Nelson Guimarães e na

capa do livro intitulado Árvores (anexos 10 e 11).

Page 102: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Altivo Sette insistentemente levou ao jornal essa temática ecológica,

abordando-a sobre seu aspecto local, regional e nacional. Mesmo na interiorana

São João del-Rei, que sofreu apenas um pequeno processo de modernização

urbana, se comparada às grandes capitais, há uma preocupação, da parte de

Altivo Sette, com a questão da arborização e do reflorestamento. A nota que se

segue, dialogando com o poema A árvore da serra, de Augusto dos Anjos (anexo

12), ressalta esse aspecto:

Porque, na Cidade e seus arredores, subúrbios e bairros, o problema é: ARBORIZAÇÃO. / Nêste particular, a situação é lamentável. Até hoje, NENHUM Prefeito deu a menor atenção ao problema. E NENHUMA CÂMARA, em nenhuma legislatura. Pelo menos, NADA resultou, caso uns e outros tenham, em qualquer tempo, tomado passageiro interesse pelo assunto. / Realmente, noventa e nove por cento da área pública urbana e suburbana, ainda se encontram desarborizadas. Pouquíssimas ruas têm ÁRVORES. E são espécimes inadequados. ÁRVORES feias, que nem dão sombra, nem embelezam, como as da Avenida Rui Barbosa e as da Rua da Prata. / Anteontem transcorreu, oficialmente, a entrada da primavera. E foi celebrado, como acontece todos os anos, o Dia da Árvore. / Então, nesta mesma coluna, lembramos a inadiável necessidade de ser promovida a ARBORIZAÇÃO da Cidade e arredores, pelo futuro poder municipal. / Indicamos também: há mudas, pelo menos de ipês (de flores amarelas, mais comuns), e de quaresmeiras (flores violáceas), à margem das estradas, por tôda a parte, nos campos vizinhos, e em chácaras, sítios e quintais. E boas mudas de muitas outras ÁRVORES de pequeno e médio porte, absolutamente adequadas à zona urbana. ÁRVORES finas, leves, mais fortes, rústicas, maravilhosamente ornamentais. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Diário do Comércio, 23 set. 1962, p.4, destaques do autor.)

O intelectual Altivo Sette não apenas destacava o problema, ele o

localizava e, ainda, sugeria a solução. Achando sua cidade feia, Altivo sugeriu a

plantação de ipês e quaresmeiras ou de árvores que a ela trouxessem

embelezamento. Segundo informação recolhida nos bilhetes que o poeta enviava

ao amigo Fábio, soubemos que as árvores que se encontram ainda hoje em

vários pontos de São João del-Rei, foram trazidas de hortos florestais pelo próprio

Altivo Sette. O filho do escritor também menciona esse fato:

Page 103: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Ele [Altivo] se preocupava com coisas assim de ecologia e tal, antes que isso se tornasse uma moda muito difundida, era uma coisa de poucas pessoas. Meu pai era uma pessoa que se preocupava com esse negócio de devastação, do corte de árvores, do desmatamento nas cercanias da cidade e ao mesmo tempo ele sugeriu ao prefeito – foi por causa dele, com influência dele que se plantou muitas árvores em São João del-Rei. Na Rua da Prata, em outros lugares, onde foram substituídas árvores antigas, onde foram colocadas palmeiras, por exemplo. Quando você está ali na Ponte da Cadeia e vê aquela parte gramada, a parte central do Vale do Lenheiro, no centro da cidade, ele também teve influência nisso. Não foi ele diretamente quem fez, mas ele, através da amizade com o prefeito, estimulava muito essas idéias e eu acho que ele teve realmente influência no sentido de se decidir plantar árvores. (CÂMARA, Antônio Oliveira de Sette, 2006 – entrevista)

A insistência de Altivo em relação a essa questão extrapola o horizonte de

São João del-Rei, pois há artigos seus que se referem ao

reflorestamento/desmatamento em Minas Gerais e no Brasil, como por exemplo, a

nota ao poema Árvores, de Joyce Kilmer (anexo 13).

A propósito do assunto á-r-v-o-r-e-s aproveitamos para fazer sumarissimo resumo da situação de Minas, referente ao desflorestamento e a acelerada saárização do território mineiro. (...) Consequências? Regiões inteiras do estado se transformaram em deserto; todos os rios e córregos estão secando; o clima vai gradativamente mudando, sempre para pior, e o mais encontrado já é o clima das regiões semi-áridas. (...) Causas do selvagem desflorestamento verificado? Agricultura, que derruba o mato para plantar, esgota o solo, e devasta mais adiante; as queimadas, que destroem a camada arável do solo, e são usadas anualmente, pela mesma agricultura bestial; lenha para fogões familiares e para estradas de ferro, madeira para dormentes e outros fins; carvão vegetal, para certa indústria siderúrgica./ Se a população mineira fosse constituida exclusivamente de elefantes e zebras e gafanhôtos, sua depredação não iria além de um milésimo em comparação com o que o taciturno homem de Minas destruiu... (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Diário do Comércio, 15 mar. 1959, p.1.)

O homem de Minas está “comendo” mais árvores do que os animais que

naturalmente se alimentam delas. Algo precisa ser feito, com urgência, para que o

problema se resolva: se há necessidade de se usar as árvores para a

Page 104: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

sobrevivência do homem, é preciso, também para a sobrevivência humana, que

haja o reflorestamento, assunto que o poeta já discutia há mais de dez anos.

O assunto REFLORESTAMENTO não é “literatura” mas problema concrèto, que deve ser enfrentado sem tardança e com maxima diligencia, no Brasil. Somos o povo mais mal educado do mundo, no que diz respeito á ARVORE, sua utilidade social, sua salutar influencia nas condições de SOLO e CLIMA. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Reflorestamento. Diário do Comércio, 15 agos.1946, p.1, destaques do autor.)

Apontar problemas, fazer críticas são atitudes fáceis, apresentar solução é

a grande questão. Altivo Sette analisa a situação do desmatamento brasileiro, faz

críticas pesadas, coloca o homem em situação inferior à dos animais irracionais,

mas sugere soluções. Mostrando entendimento no assunto, o escritor vê o

eucalipto e o pinheiro como árvores ideais para sua cidade e sua região.

O PINHEIRO e o EUCALIPTO são as arvores mais indicadas para REFLORESTAMENTO, no Brasil. Pelo seu porte, rusticidade, rapido crescimento, enorme valor economico. (...) Ao nosso ver, as espécies aconselháveis [de eucalipto] para nosso Município, (região temperada e terras pobres) são as seguinte, que á falta de nomes brasileiros, são conhecidas pela nomenclatura latina: “maculata”, “acmenioides”, “robusta” e outras. Se em futuro próximo, ou remoto, se cuidar de REFLORESTAMENTO no Município, seja pelo poder público, visando a defesa do solo, a regularidade do clima e a preservação dos leçóes dágua subterrâneos; ou pelos particulares, para imediatas vantagens comerciais ou industriais, uns e outro não devem esquecer o PINHEIRO e o EUCALIPTO, arvores rusticas, resistentes, de rapido crescimento, belas, magestosas e de enorme valor economico. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Pinheiro e Eucalipto. Diário do Comércio, 06 out. 1946, p.1, destaques do autor.)

Em nota ao poema Primavera, de Augusto Frederico Schmidt (anexo 14),

trazido para o Diário do Comércio, por Altivo Sette, o aguçado olhar crítico do

poeta aproveita a ocasião da entrada da Primavera para dar uma alfinetada na

realidade brasileira, com sua política tão pouco politizada, com sua economia

nada econômica.

Page 105: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Amanhã, 21, é a entrada da primavera, o Dia da Árvore. Do Oiapoc ao Chui, serão desovados milhares de quilômetros de vomitivos discursos. Presentes as pessoas importantes, um bichão plantará uma árvore, ao som do nosso hino (Vá o cacófaton...) . Depois sairão todos, sem tempo, correndo atrás do dinheiro, e dando porretada no resto das árvores. / Feliz é o lírico autor do poema acima [em anexo], que póde exclamar: “Dia límpido e claro!” Enquanto nós, perdidos na névoa sêca, olhamos o céu, à espera dum sinal (de chuva). – Feliz é o vate: “Vejo as matas e as grandes cidades líricas, vejo os vergéis em flôr!” Enquanto nós, o que vemos é Belo Horizonte sem luz nem água, o Rio sem água, S. Paulo sem tempo, S. João sem clima e todos sem feijão. E atrás do feijão tem gente manjando a hora de “salvar” o Brasil, e já sabemos: cada “salvação” da pátria nos deixa mais perdidos... / (...) – E enquanto eufórico exclama [o poeta]: “é a primavera!” “E’ a primavera!”, nós seguimos, empoeirados e de cabeça baixa, a monologar em vão, no frio ôco do vento: “E’ a sêca!” “E’ a carestia!” Primavera? Ah, é boa. E por falar nisso, fiu-fiu.. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Diário do Comércio, 20 set. 1959, p.1.)

A preocupação com as árvores era algo tão forte em Altivo Sette, que

mereceu uma publicação em que o autor reúne trechos de alguns artigos do

Diário do Comércio, a maioria, inclusive, já citada aqui. Dentre as novidades que

encontramos nessa publicação está um telegrama de Altivo para o Ministro da

Educação, Jarbas Passarinho, em 1970. Neste texto, o escritor denuncia ao

ministro a administração nada ecológica do prefeito de Belo Horizonte.

Na ocasião em que Vossência se reune com governadores e estuda preservação patrimônio histórico e artístico nacional e no início década Educação e Ano Nacional Educação, como funcionário desse Ministério e em nome Instituto Histórico e Geográfico São João del-Rei, protestamos vigorosamente perante Vossência, pela destruição patrimônio paizagístico e arbóreo de Belo Horizonte. Sistemática derrubada de grandes árvores nas Avenidas principais, Praça da Liberdade e Parque Municipal, pela Prefeitura da Capital, já produziu grave dano à fisionomia urbana da Capital desfigurada e agravamento condições, climáticas, região semi-árida. Embora já sendo irreparável a derrubada de árvores antigas, belas e úteis, a pretexto de obras utilitárias e de urbanizações devastadoras, que prejudicam e deseducam o povo, solicitamos Vossência recomendar cumprimento artigo 180 Constituição e leis que protegem flora e fauna. Respeitosas saudações Edinspetor Altivo L. Sette Câmara, Vice Presidente IHG S. João del Rei. (CÂMARA, 1973, p.13.)

Page 106: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Por mais sério que o assunto fosse ao olhar de Altivo Sette, às vezes ele

não conseguia segurar sua língua ferina e descarregava toda sua ironia em cima

de alguém, ou pelo menos pensava em fazê-lo. Em Árvores (1973), o escritor

comenta uma passagem a respeito da pintura branca no tronco das árvores, o

que considerava de um imenso mau gosto. Não concordando com tal pintura,

Altivo Sette conta:

Faz tempo, perguntei a um empregado da Prefeitura, por que estavam pintando o tronco daquelas árvores? Respondeu: ... É pruquê “inféita” uai!” Contive o ímpeto de dizer: “Você gosta mais da sua vovózinha do que destas árvores, não é? E quer agradar ao Prefeito? Pois então, siô, por que não passa essa tinta branca na perna do dois?” (CÂMARA, 1973, p.10.)

A vida, que sempre prepara surpresas, leva Altivo de volta para a terra, em

uma espécie de “recompensa” por sua insistente luta a favor da ecologia

brasileira. Foi enterrado no Cemitério da Igreja de São Francisco, exatamente em

21 de setembro, Dia da Árvore. Assim registra esse fato o amigo Fábio Nelson

Guimarães, no discurso de despedida, proferido no sepultamento de Altivo Sette:

Você morreu na véspera da chegada da Primavera, Você (sic) que tanto amou as

árvores e os vegetais, como que prenunciando a vinda de uma nova vida para

seu espírito.

Os aspectos culturais da cidade de São João del-Rei também são

encontrados em artigos de Altivo Sette. A preocupação do escritor não se limita

aos aspectos políticos e ecológicos de sua cidade, ele deseja que também o

aspecto cultural seja desenvolvido.

Os dois cinemas locais pertencem á mesma empresa, e resulta daí que, não havendo concorrência, o povo de S. João del-Rei está sujeito á essa Ditadura da Boçalidade que a empresa estabeleceu entre nós. (Até quando, Senhor?) A programação é quasi sempre de baixa qualidade, e a rodagem dos filmes é sempre defeituosa. Anteontem tivemos mais uma amostra do máo gôsto da empresa, que, depois de vários abacaxis seguidos, nos impoz o maior e mais viçoso ananaz da história cinematográfica: o ridículo filme “O Capitão Luar”. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. O Capitão Ananás. Diário do Comércio, 01 abr. 1943, p.4.)

Page 107: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

O intelectual Altivo Sette não se conforma com sua cidade indo assistir a

filmes para puro entretenimento, filmes que não levam ao espectador

conhecimento, visão crítica, política, cultural. Ele esperava que os cinemas de sua

cidade cumprissem sua função pública e não apenas visassem ao lucro:

O Cinema tem hoje, como o ràdio e o jornal, uma função pública – informativa e educativa – e nenhuma empresa cinematográfica pode alheiar-se dos interesses e dos ideais das massas humanas (de resto, pagantes; e bem pagantes). (...)Aqui deixamos o nosso protesto e as nossas sugestões. E é de esperar que a empresa não os ache descabidos, e possa tirar daí algum proveito – não só em beneficio próprio senão também em benefício do povo sanjoanense, cuja única diversão é o cinema. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. O Capitão Ananás. Diário do Comércio, 01 abr. 1943, p.4.)

Na luta pela cultura de sua cidade, encontramos um artigo de Altivo

criticando uma peça que foi encenada, em 1944, pelo Clube Teatral Artur

Azevedo. Tal crítica provocou reação por parte do Clube, na pessoa de Antônio

Guerra, e por parte de Danilo de Oliveira, que colaborava no jornal Diário do

Comércio. Vejamos trecho do texto que deu origem à discussão:

Hurrah! Foi batido ontem nesta cidade o record mundial do máo gôsto, com a apresentação da peça DEUS E A NATURESA. E acontecimento tão auspicioso para aquilo que me apraz definir como “a conspiração dos bôca-móle”, não deve passar sem um enérgico registro. Trata-se de um desses dramalhões velhos e revélhos, composto exclusivamente de diálogos intermináveis, vasados numa linguagem artificial, absolutamente fóra da vida; um dramalhão mambembe, remelento, clorótico e gotoso, sem movimentação nenhuma, e que se arrasta do primeiro ao último ato (e são quatro, meu Deus!), dentro do mesmo cenário; um dramalhão do século passado, sem sal e sem açúcar, saturado dum romantismo doentio, cheio de fanicos, chiliques, desmaios e cambaleios, abraços patéticos e lágrimas que escorrem como pingos de vela benta... Em suma, um dramalhão excelente, para o rádio-teatro, que é uma das mais estúpidas invenções deste século de ferro, fogo, mediocridade e violência. (E mentira, que é a pior das violências, porque uma violência feita de almas.) (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Deus e a Natureza. Diário do Comércio, 21 abr. 1944, p.4.)

Page 108: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Depois de tanto (des)caracterizar a peça, Altivo menciona a função do

teatro, da mesma forma como fez com o cinema, no entanto, não lhe atribui a

função educativa, mas a função do entretenimento inteligente.

Chega, já é demais Senhores. S. João del-Rei merece coisa melhor (e Sua Exa. o Presidente, também). E temos certeza de que o clube e os artistas locais podem concorrer para elevar a cultura do nosso povo, e nos dar, de vez em quando, duas horas de alegria coletiva. Esta é a função do teatro na vida moderna, e outra não há. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Deus e a Natureza. Diário do Comércio, 21 abr. 1944, p.4.)

Em resposta a esse artigo, o Sr. Danilo de Oliveira escreve um outro

(anexo 15) no qual diz que os grandes olhos de Altivo Sette deviam estar

acostumados com dramas maiores que aquele tão bem apresentado no Teatro

Municipal pelo Grupo Artur Azevedo. Depois foi a vez de Antônio Guerra, o

grande responsável pelo grupo teatral, explicar que a apresentação da peça Deus

e a Natureza foi sugestão do próprio Diário do Comércio, em críticas às peças

modernas que o clube apresentava. Antônio Guerra comenta o quanto essa peça

é representada nos mais variados palcos do Brasil, diz que Altivo Sette está

errado em seus comentários e defende seu grupo teatral:

Quanto ao ponto de vista do seu ilustre colaborador Altivo Sete (sic), sôbre o valor da referida peça, tenho a dizer que o mesmo é falho e que ele está completamente errado, primeiro, porque não é um dramalhão como ele o afirmou, segundo, porque a mesma é das mais bonitas e bem escritas do Teatro Brasileiro, tanto, que é constantemente representada em quase todos os teatros do Brasil (...). O Clube Artur Azevedo já representou esta peça 16 vezes sempre com grande sucesso, não digo artístico, porém, com sucesso de bilheteria, pois, o público acorre sempre ao Teatro quando a mesma é anunciada. (GUERRA, Antônio. Deus e a Natureza. Diário do Comércio, 27 abr. 1944, p. 4.)

Essas palavras despertaram ainda mais a ironia de Altivo Sette, que

comenta os artigos de Danilo de Oliveira e de Antônio Guerra:

Page 109: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Ora, estou de acôrdo em que meus olhos sejam grandes, e até imensuráveis, e ando satisfeitíssimo com eles, não propriamente por terem visto os grandes dramas do teatro (que elas, as retinas, já fixaram muitos, e nenhum tão ruim como esse tal), mas porque nunca perderam de vista, e não sem proveito, os autênticos dramas da vida dos homens. Indicarei só alguns, para os quais meus olhos estão abertos para ver e guardar e não para chorar e esquecer: o drama dos povos oprimidos sob a violenta intolerância totalitária; o drama das classes proletárias, tanta vez exploradas por uma ínfima minoria supercapitalista despaisada, anticristã e deshumana; o drama das classes médias, cujos hombros suportam pesados tributos, que lhes dessangram as economias; o drama das elites intelectuais, desarvoradas ante o materialismo da vida moderna, e que se voltam instintivamente para o futuro, assim como um broto se move para o sol; o drama de mulheres de famílias subnutridas e friorentas, subsistindo com escassos salarios; o drama da Igreja (que é afinal de todos nós, cristãos), lutando para sobreviver neste século de violência e corrupção, mentira e roubalheira, guerra e injustiça, - ela que é a portadora da Unica Verdade e depositária da Piedade. E tantos, tantíssimos outros dramas vitais para os indivíduos; e para as comunidades, dramas que nos enchem o coração de angústia e o espírito de perplexidade. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. A propósito de Deus e a Natureza. Diário do Comércio, 30 abr. 1944, p.4.)

Interpretando a palavra drama à sua maneira, Altivo encontra espaço para

criticar a situação de seu país e justificar o motivo pelo qual não gostou do

dramalhão a que assistiu. Sente necessidade de peças mais densas, que tragam

discussões, reflexões, cultura, e, então, fala sobre a predominância da bilheteria

sobre a arte, o que o deixa mais indignado:

Eis porque não sobra amor em mim para os dramas teatrais, pelo menos os da categoria daquele que tanto lhe agradou, e que foi representado por um grupo de amadores cujo esfôrço tenho acompanhado com admiração durante tantos anos. Sim, mas que lamento ver interpretando uma peça que, no dizer do próprio Senhor Antônio Guerra (aliás um dos melhores elementos do teatro local) foi levada “16 vezes sempre com grande sucesso, não digo artístico, porém com sucesso de bilheteria”. Não é realmente uma pena ver um clube de amadores trocar a arte pela bilheteria 16 vezes? (CÂMARA, Altivo de L. Sette. À propósito de Deus e a Natureza. Diário do Comércio, 30 abr. 1944, p.4.)

Page 110: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

O próximo artigo de Altivo, com palavras mais selecionadas que nos

anteriores, é diretamente dirigido a Antônio Guerra e se constitui de um resumo

dos conhecimentos artísticos do escritor em relação à música e ao teatro. Essa

resposta de Altivo surge porque Antônio Guerra disse palavras que questionavam

os conhecimentos dele [Altivo] a respeito das artes. No entanto, o escritor se

defende e ainda tece elogios ao clube teatral Artur Azevedo. Devo dizer que sou um sanjoanense que ama muito sinceramente esta cidade, e sabem disso os que me conhecem de perto – e não apenas de ouvido – e têm testemunhado a veemência com que vivo exaltando, por todos os meios, o que temos de bom, e combatendo – com os meios que o tempo me permite – o que temos de máo (e não é pouco, e é duríssimo). O Clube Teatral Artur Azevedo (assim como a esforçada Sociedade de Concertos Sinfônicos) é uma das coisas bôas que temos, e é desejavel que não morra e atrevo-me a vaticinar que não morrerá, nem está em têrmos disso. Possuidor de respeitavel tradição, tem público, tem artistas capazes, tem diretoria idonea, e tem amigos, o mais humilde e desvalioso dos quais sou. (...) Gôsto não se discute, lá diz o povo; e diz bem. Não pretendo defender o meu gôsto artístico (o que seria uma espécie de pecado original de máo gosto). Mas creio ser necessário ao menos fazer um ról muito sumário daquilo que constitúe a substância do meu gôsto artístico, na música e na poesia... (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Ainda à propósito de uma peça. Diário do Comércio, 5 maio 1944, p.4.)

Segue-se então uma enumeração de escritores e músicos, dos mais

clássicos aos mais modernos, acompanhados de comentários que demonstram o

real conhecimento de Altivo. Para fechar o artigo, Altivo Sette conclui:

Para terminar devo dizer que respeito sua atitude, defendendo um ponto de vista que não me compete dizer se está certo ou errado. Contudo, como jornalista, apraz-me defender o meu (não meu só, mas de todos os que – em cargos oficiais ou não – trabalham para tirar o povo da escuridão quasi medieval em que grande parte dêle ainda permanece) Só me resta augurar o melhor futuro ao nosso clube de amadores, que já nos proporcionou tantos espetáculos agradáveis e que lamento não ver subvencionado substancialmente pela prefeitura local, ou ao menos agraciado com o palco do Municipal, sempre que necessário, para os seus ensáios. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Ainda à propósito de uma peça. Diário do Comércio, 5 maio 1944, p.4.)

Page 111: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

O olhar crítico de Altivo Sette não se apresenta apenas de forma negativa.

Segundo o que ele mesmo disse na discussão sobre a peça, ele exaltava o que

havia de bom na cidade, não apenas criticava o que lhe desagradava. A

Sociedade de Concertos Sinfônicos são-joanense, já mencionada em um artigo,

juntamente com o Clube Teatral Artur Azevedo, fez uma apresentação em São

João del-Rei e o jornalista Altivo Sette lá estava. O artigo dessa vez foi favorável à

Sociedade: após descrição do evento, e do comportamento da platéia, não muito

numerosa, o escritor sai em defesa dos músicos:

Encerrando esta notícia fazemos um apelo ás autoridades municipais, no sentido de estudarem a possibilidade de aumentar – digamos: para o dobro – a subvenção da Sinfonica, que é atualmente de cinquenta cruzeiros mensais. Conjuntos como este exercem sem dúvida uma função publica, e certamente a mais nobilitante de todas: concorrer para a educação das elites e das massas populares. Reconhecida esta preliminar, nada mais justo do que um amplo amparo oficial, que permita a tais instituições se desenvolverem, livres das preocupações materiais. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Concerto Sinfônico. Diário do Comércio, 25 fev. 1945, p.4.)

No entanto, nem só de São João del-Rei e questões interioranas se fazem

os artigos de Altivo Sette. Sua politização e consciência crítica levam ao jornal e

ao povo são-joanense um pouco de tudo o que se passava na época de suas

publicações. Com isso, apesar de escrever como um jornalista local, Altivo Sette

se comunicava como um intelectual nacional. Novamente encontramos nele

semelhança com os jovens de Belo Horizonte, ao demonstrar preocupação com

questões que valorizavam o país. Altivo Sette era preocupado com a economia, a

política e a independência do país: um discurso totalmente nacionalista, parecido

com o dos modernistas mineiros e brasileiros em geral, respeitadas as diferenças

de interesse de região para região.

Segundo informações de Martins de Oliveira (1963), confirmadas por

palavras do próprio Altivo Sette, o escritor são-joanense teve participação, ainda

bastante jovem, na Revolução de 1930. Desde cedo, o escritor demonstra seu

interesse e comprometimento políticos. Trinta anos depois, a Revolução é

relembrada por Altivo Sette. Na coluna de poemas de sua responsabilidade, o

Page 112: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

escritor traz, para dialogar com seu pensamento crítico, trechos do poema

Outubro - 1930, de Carlos Drummond de Andrade.

Pelo Brasil inteiro há tiros, granadas, literatura explosiva de boletins, mulheres carinhosas cosendo fardas com bolsos onde estudantes guardarão retratos das respectivas, longínquas namoradas, homens preparando discursos, outros, solertes, capitando rádios, minando pontes, outros (são governadores) dando o fora, pedidos de comissionamento por atos de bravura, ordens do dia, “o Inimigo (?) retirou-se em fuga precipitada, deixando abundante material bélico, cinco mortos e vinte feridos...” Um nôvo, claro Brasil surge, indeciso, da pólvora. Meu Deus, tomai conta de nós.

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Outubro – 1930. Diário do Comércio, 23 out. 1960, p. 4.)

Em nota a esse poema, Altivo conta como foi o ingresso dos estudantes

mineiros na Revolução. Segundo ele, ainda jovens universitários, os voluntários

serviram ao propósito daquele que viria a ser o presidente do país: Getúlio

Vargas. Assim é o relato de Altivo Sette, ex-combatente da Revolução de 30:

Cursavamos então o primeiro ano de Direito da U. do Brasil. Recebido aviso, viajamos do Rio para Belo Horizonte e logo para Formiga, conseguindo chegar a São João num trem de carga, que entrou na estação na hora em que partia o especial de voluntários daqui. Mal tivemos tempo de atravessar a plataforma... (...) Numa pequena estação, no Estado do Rio, em fins de Outubro, perfilados na plataforma, prestamos continência ao chefe civil da Revolução vitoriosa, em sua passagem para o Rio. Parada breve. Discurso, música, flôres. E logo, simultâneamente com os gritos de “Viva a Revolução!” e “Viva o Brasil”!, centenas de lenços vermelho, molhados de chuva, se agitaram sôbre a multidão. Sorridente e pálido, fardado mas sem insígnias nem medalhas, Getúlio Vargas, com aquêle olhar enigmático, fitava a bisonha tropa revolucionária mineira. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Diário do Comércio, 23 de out. 1960, p.4.)

Page 113: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Nesse artigo, Getúlio Vargas é apresentado de forma discreta, talvez a

forma pela qual ele era visto pelos revolucionários, ou melhor, por Altivo Sette, na

época da Revolução. No entanto, a visão do escritor a respeito do presidente não

permanece tão discreta quanto no artigo anterior. Pelo contrário, a opinião que

prevalece nos artigos de Altivo sobre Getúlio Vargas caminha de um

desapontamento a uma crítica de caráter cada vez mais aguçado. As palavras de

Altivo, a seguir, demonstram um grande desapontamento em relação às

promessas realizadas por Getúlio Vargas na ocasião da Revolução. Vejamos as

palavras do escritor:

No dia 2 de janeiro de 1930, na Explanada do Castelo, dizia o Sr. Getulio Vargas: “Vivemos num regime de insinceridade; o que se diz e apregoa não é o que se pensa e pratica. Queremos a anistia plena, geral e absoluta; queremos a revogação das leis compressoras da liberdade de pensamento. Queremos o voto secreto, medida salutar, para a restauração das normas da democracia.” E como não foi possível obter isso pacificamente o país se levantou com armas, e a unica revolução republicana vitoriosa levou o Sr. Getulio Vargas ao Catete. Hoje, 15 anos depois, não encontramos palavras mais justas para condenar o chamado Estado Novo senão as do seu proprio fundador, e são aquelas mesmas proferidas no dia 2 de janeiro de 1930 na explanada do Castelo(...) Melancolico o destino político daquela revolução! Porque começou como uma revolução, e já em 37 se transformava em Reação. Renegou as suas origens democraticas e adotou um fascismo engeitado e aborígene (sem origem). Negou ás elítes sua necessidade mais fundamental; a liberdade de manifestação do pensamento. Negou ao Povo a sua única oportunidade de participar da vida pública: o voto. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. De novo, face a face. Diário do Comércio, 18 mar. 1945, p.1.)

O presidente Getúlio Vargas foi uma decepção, e uma decepção

prolongada, pois permaneceu no poder por 15 anos consecutivos. Altivo Sette

destaca as palavras ditas pelo presidente no ano de 1930, para ressaltar a

incoerência de suas idéias e suas ações. Afinal, aquele que pregava: Queremos a

anistia plena, geral e absoluta; queremos a revogação das leis compressoras da

liberdade de pensamento, é o mesmo que em 1937 instaurou o Estado Novo e

todo um processo de coerção de pensamento e, portanto, de liberdade. Defensor

ardoroso da democracia, Altivo Sette não se intimida em suas críticas:

Page 114: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

O senhor Presidente da República declarou domingo, em discurso: NÃO SOU CANDIDATO. Afirmação tranquilizadora e categórica, mas só aparentemente. Porque pode também significar que S. Excia. não é candidato AGORA, mas se em futuro próximo, um grande partido exigir dêle mais esse sacrificio, etc., etc.... Em suma: continuou aberta a porta do FICO (...) Preferimos acreditar que o senhor Presidente tenha tomado em caráter definitivo a patriótica decisão de não continuar.(CÂMARA, Altivo de L. Sette. Falou o Senhor Presidente. Diário do Comércio, 14 mar. 1945, p.1, destaques do autor.)

A esperança de ver o país governado por um político que desse mais

importância à fome do seu povo do que ao embelezamento das grandes cidades,

para atração de turistas, leva Altivo Sette a fazer uma avaliação do governo de

Getúlio Vargas. Se durante estes últimos QUINZE ANOS tivessemos executado uma sábia e patriótica política agraria, procurando fixar no solo os agricultores, construindo por por (sic)toda parte pequenas usinas eletricas, abrindo e conservando estradas, introduzindo os metodos modernos de inseminação artificial , para rapido aumento dos rebanhos, seríamos hoje um povo rico, ou pelo menos teriamos abundancia de pão, carne, leite, açucar, etc. Mas...que se fez? Cuidou-se do embelezamento das grandes cidades, para embasbacar os turistas; centenas de milhões de cruzeiros foram gastos em obras suntuarias adiaveis; a Propaganda engambelou o povo, amortalhando a nação sob a cinza de milhões de adjetivos. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Esta é a verdade e outra não há. Diário do Comércio, 22 mar. 1945, p.1, destaques do autor.)

Essa posição de ataque ao governo de Getúlio é uma bandeira que Altivo

levanta em prol da democracia, já que foi esse governante que coibiu o povo de

suas liberdades. Coincidentemente, da mesma forma que seu pai Sebastião Sette

lutou pela República lançando mão do jornal Pátria Mineira, Altivo Sette encontra

espaço no jornal Diário do Comércio para defender sua posição. Vários são os

artigos em que o escritor demonstra sua aguçada visão política. Alguns dias antes

do artigo acima ser publicado, o escritor traz à tona a questão da liberdade de

imprensa, que fora censurada com a criação do DIP (Departamento de Imprensa

e Propaganda), durante a vigência do Estado Novo de Getúlio Vargas:

Page 115: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Acabamos de reconquistar neste país a liberdade de Crítica, a liberdade de manifestação do pensamento. Só escravos ou bastardos podem viver felizes, onde a Verdade é escamoteada pela Propaganda, e um saco de cimento vale mais do que uma idéa.(...) A não ser as naturais restrições relativas aos assuntos bélicos, nada justifica, em tempo nenhum, o colapso dessa liberdade fundamental, da qual estavamos privados desde 1937. De resto, a legislação comum reconhece os casos de calunia e injuria, e os que lidam na imprensa sempre foram responsaveis perante a lei, pelas opiniões emitidas. Onde então a necessidade de pôr uma camisa de força nas azas do pensamento? Desconfiae sempre, desconfiae dos que o fazem, fizeram, ou defendem a necessidade de fazê-lo. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. A Fonte das Liberdades. Diário do Comércio, 11 mar. 1945, p.4.)

Essa posição crítica em relação à política coincide com a posição dos

intelectuais no momento em que o país passa por uma conturbada situação

política. Na década de 1930, os intelectuais, diante do novo contexto sócio-

político que se apresentava, passam a fazer dessa situação assunto para seus

trabalhos. No entanto, não podemos esquecer que a censura em relação à

imprensa foi instaurada em 1937 e somente em 1945 foi abolida. Esse fato

também pode justificar a ausência de textos políticos de Altivo Sette durante esse

período, pois, logo em 1945, com a volta da liberdade de imprensa, começam a

aparecer seguidamente os artigos políticos desse escritor no Diário do Comércio.

Observando o material escrito por Altivo, e publicado nesse jornal nos anos

anteriores, alguns artigos inclusive já citados neste capítulo, vemos que não

apresentam essa vertente política tão forte. São artigos sobre questões voltadas

para sua cidade: Aleijadinho, Tiradentes, cultura em São João del-Rei. No

entanto, tão logo seja permitido, sua veia política se faz presente:

Desde a entrevista do senhor José Americo, a guerra passou para segundo plano, e eis aí um sintoma excelente. Estamos VIVENDO de novo no Brasil, desde que nos foi permitido, depois de sete anos, opinar, examinar, debater, julgar. Certo, não esquecemos os nossos patricios que lutam na Europa. Mas se temos um olho nos Apeninos o outro está em Petropolis ... (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Alguns Motivos. Diário do Comércio, 27 mar. 1945, p.1, destaque do autor.)

Page 116: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

A Liberdade, tão aclamada por Altivo Sette, não se limita à liberdade de

expressão. Em sua campanha pela democracia, ele fala da liberdade de escolha,

de voto, das instituições públicas:

Algumas pessoas, desavisadas ou malevolamente, sem cogitar sequer do que se trata, sumariamente nos condena, (a nós, democratas), por termos “essas idéias”. Pois ainda há, neste malfadado país, quem considere crime ter algumas idéias, e ato criminoso, subversivo, lutar por ideais. Vejamos apenas um dos princípios por cuja afirmação e salvaguarda temos lutado, e lutaremos até o fim: o HOMEM É UM SER RACIONAL E LIVRE (...) (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Não. Diário do Comércio,12 mar. 1946, p.1, destaques do autor)

(...) só com instituições livres, sindicato livre, judiciário livre, é possivel uma Democracia de homens livres e administradores RESPONSAVEIS; (...) Ordem sem Liberdade é TIRANIA. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. No Palácio da Liberdade. Diário do Comércio, 01 abr. 1945, p.1, destaques do autor.)

Muitos outros artigos publicados no jornal comprovam esse olhar sobre a

política brasileira apresentado por Altivo Sette. O escritor não mede palavras para

mostrar sua opinião e defendê-la até o fim.

A Liberdade não é um luxo, mas um trivial tão necessario como o pão. Porque: sem Liberdade política não ha govêrno legitimo; sem Liberdade de critica não ha administração progressista; sem Liberdade de cátedra a Cultura estaca, unilateral e reacionaria; sem Liberdade sindical pode o Sindicato transformar-se em orgão politico do Estado (...), desvirtuada sua específica finalidade social, de defesa de classe. E assim por diante. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Sobre a Liberdade. Diário do Comércio, 16 jun. 1945, p.1)

A luta pela democracia não é tudo o que encontramos nos artigos de Altivo

Sette em relação a seu país. Vários são os artigos que discutem questões

econômicas do Brasil. A dependência econômica brasileira em relação ao

estrangeiro remete Altivo a uma outra colonização. Por que não lutar pela

independência econômica do Brasil, já que só assim o país poderia se

desenvolver plenamente?

Page 117: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Qual deve ser a posição do Brasil, no mundo super materialista de hoje? Muitos entendem que, entre os dois senhores do após guerra, devemos “escolher” os Estados Unidos (“Escolher”, significa: “nos entregarmos como colonia”...) Como se já fossemos uma nação de escravos, que devesse escolher entre dois senhores, um ruim, outro “bonsinho”. (Os que têm alma de escravo se comprazem em fazer tais distinções...) Nós proporiamos a tão singulares “patriotas” esta questão: porque, entre a Russia e os Estados Unidos não podemos escolher... o Brasil? (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Conquistar a independência econômica ou desaparecer. Diário do Comércio, 30 jul. 1948, p.1.)

Segundo o jornalista Altivo, o problema econômico do Brasil tem origem no

seu processo de colonização: o país foi uma colônia de exploração. Desde o

início de nossa história oficial, estamos acostumados com nossas riquezas sendo

exportadas e roubadas. Enquanto esse comportamento de colonizados não

mudar, a independência econômica do país continuará sendo uma fábula, uma

história da Carochinha, não só para os grandes países do mundo, mas para nós

mesmos. (....) eis indicados alguns dos fatores NEGATIVOS da nossa evolução, (negativos hoje em virtude de estarem durando além das condições históricas que os geraram): o latifundio, onde o assalariado substitue o escravo, vivendo em regime de semi-servidão; a exploração “extrativa” ou “extensiva” delapidando o solo; a deficiencia das comunicações, amortecendo a circulação dos produtos; o desamparo dos pequenos e medios produtores rurais, quasi sempre espoliados pelos intermediarios e mais especuladores das cidades; a ganancia do fisco, cuja política “extrativa” tudo arranca do povo e nada lhe dá em troca, senão a graça de novos impostos e o privilegio de pôr a boca no pó, a ver se acaso há esperança. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. Problemas Nacionais. Diário do Comércio, 22 jul 1945, p.1, destaque do autor.)

A economia brasileira em permanente crise, é preocupante para o jornalista

e intelectual Altivo Sette. Consciente de que vive num mundo em que os países

avançados já lançam mão do poder atômico, Altivo sabe que seu país, no

entanto, ainda não havia se tornado nem ao menos industrial de verdade.

Segundo ele, o país precisava de uma boa estrutura agrícola, que desse matéria-

prima para as indústrias, e alimentasse as cidades em crescimento. O campo, por

sua vez, se tornaria consumidor dos produtos industrializados e, como num

Page 118: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

círculo, o país cresceria com bases sólidas, pronto para seu desenvolvimento. No

entanto, essa não era sua realidade:

Tudo no Brasil são problemas, sempre mais agravados, mercê da nossa até hoje incuravel imprevidencia e absoluta carencia de espírito de organização. Deixamos de ser uma NAÇÃO ESSENCIALMENTE AGRÍCOLA e ainda não somos uma NAÇÃO INDUSTRIAL. E nunca o seremos, sem uma retaguarda agrícola organizada, e planejamentos capazes de ampliar as bases da nossa economia semi-colonial, e acelerar a marcha do progresso. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. No limiar da éra atômica. Diário do Comércio, 10 jan. 1946, p.1, destaques do autor.)

Mesmo tendo cidadãos morrendo de fome, o governo prossegue

desgovernando e não faz nada que possa, pelo menos, alimentar seu povo. Altivo

sugere algumas possíveis soluções para o problema da carestia que assola o

país, dentre elas o controle de importações norte-americanas desnecessárias e

de exportações de alimentos básicos como arroz, feijão, açúcar e carnes.

Aproveita a oportunidade para chamar os políticos para sua responsabilidade, a

fim de que, pelo menos, nas próximas eleições eles tenham o direito de pedir voto

a seu povo.

Senhores que ocupais os mais altos postos da Republica, lembrai-vos do povo que vos elegeu, e ao qual voltareis a pedir votos em 1950 ou 51. Concertai duma vez esses acôrdos. Ajustai direitinho essas alas. Acomodai essas filauciosas (ilegível) dissidencias. Promovei logo essas incriveis pacificações. A briga, o desentendimento, são entre vós. O povo é bom, cordato, cristão, pacifico, e nada tem a ver com isso. E cá de baixo continúa á espera de que comeceis a GOVERNAR. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. A carestia. Diário do Comércio, 12 mar. 1948, p.1, destaque do autor.)

O autor utiliza o tratamento em segunda pessoa do plural, muito mais

ironicamente que, com certeza, respeitosamente, como a elevar a posição dos

políticos e mostrar-lhes sua responsabilidade; ou seria melhor dizer sua

irresponsabilidade? Altivo Sette se envergonha dos governantes de seu país.

Houve um tempo em que ele foi a favor de Getúlio Vargas, mas este instaurou a

Page 119: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

ditadura e tirou do povo o que Altivo mais pregava, a Liberdade. Após a

deposição de Getúlio pelas Forças Armadas, Altivo vê a esperança de

acontecerem eleições livres em seu país, com a volta da democracia. Vence a

eleição o General Dutra qu, apesar de não muito bem visto por muitos, em Altivo

Sette despertava uma certa confiança, pois fora eleito Presidente da República e

não ditador. Não demora muito e Altivo faz críticas ao governo Dutra, que não age

como um democrata. A bola de neve da sujeira política foi só aumentando, mas o

cidadão Altivo Sette jamais perdeu a esperança de ver seu país governado por

uma política honesta.

Para o POVO, o candidato á presidencia da republica não precisa ser um santo, ou um heroi, ou um genio, bastando que seja um CIDADÃO HONESTO (MERECEDOR DE CONFIANÇA, QUE TENHA BOM SENSO, E SEJA CAPAZ DE GOVERNAR A COISA PUBLICA COMO UM VERDADEIRO HOMEM: COM INTELIGENCIA, JUSTIÇA, ENENRGIA (sic) E SERENIDADE. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. O Candidato. Diário do Comércio. 01 fev. 1950, p.1, destaques do autor.)

Na verdade, apesar de extremamente atento aos acontecimentos políticos,

econômicos e culturais, Altivo Sette acreditava em seu país e no mundo. Antes

ainda de a grande guerra acabar, o homem Altivo Sette tinha esperanças de que

um novo tempo estivesse por vir, mas um tempo de paz, de justiça social, em que

o aspecto humano seria mais importante que o econômico, e que o espiritual

falaria mais alto que o material.

Estamos liquidando o tempo-de-transição, e breve deixaremos para traz os seus erros lamentaveis. E do outro lado dos escombros começaremos a edificar, sobre os ossos dos mortos, uma vida mais justa, em que haja oportunidade para todos, e não apenas para os privilegiados, e as desigualdades economicas sejam reduzidas a um ponto em que será impossível a exploração do homem pelo homem (nem a exploração de nações pobres ou debeis, por nações economica ou militarmente mais poderosas.) Não será seguramente um mundo perfeito, jà que a imperfeição està na essência mesma da natureza humana. Mas haverà fraternidade entre os homens e entre as nações, e então será talvez possível encontrarmos de novo, no dourado e finíssimo pó dos caminhos, os rastros arcaicos das sandalias de Cristo. (CÂMARA, Altivo de L. Sette. O Mundo Futuro. Diário do Comércio. 20 jan. 1943, p.2.)

Page 120: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

O esperançoso Altivo Sette, mesmo tendo conhecido a atrocidade da

bomba atômica, denunciado roubalheiras, visto o povo brasileiro morrer de fome,

sugerido melhorias, ainda acreditava que a situação poderia melhorar.

A natureza da nossa crise de angustia não é morbida, eu me atreveria mesmo a defini-la como saudavel ou conducente á saúde. É uma crise de convalescença; se quiserem, de crescimento. Vamos saindo da guerra para a paz; da ditadura para a legalidade; da noite para o dia. Estamos em plena madrugada. E não há, em todas as madrugadas, algo de indefinivel, angustioso? (CÂMARA, Altivo de L. Sette. O ano da angustia. Diário do Comércio, 02 set. 1945, p.1.)

Em virtude de tudo o que foi visto, podemos considerar Altivo Sette um

intelectual extremamente atento e preocupado com os mais variados

acontecimentos de sua época. Sua posição crítica permite-nos conhecer as

engrenagens sociais, políticas, econômicas e culturais de uma cidade e de um

país durante muitos anos do século XX. Seus artigos podem, portanto, ser lidos

como documentos de memória cultural, uma vez que estão repletos de

comportamentos, acontecimentos e pensamentos da sociedade na qual o escritor

se inseria. Tudo isso só pôde ser constatado graças ao papel do jornal Diário do

Comércio para a cidade de São João del-Rei. Como Maria Zilda Cury (1998)

constatou, os jornais carregam em si, da mais variada forma possível, os

aspectos culturais do tempo em que era publicado. E, através de suas páginas, os

intelectuais manifestavam suas idéias revolucionárias, deixando nelas impressa

sua passagem pela história do país.

Page 121: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Considerações Finais

Page 122: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Ao considerarmos a produção de Altivo Sette, percebemos que a

pluralidade desse intelectual está ligada ao período efervescente em que viveu.

Poeta moderno, Altivo se liga às transformações das vanguardas que marcaram o

Modernismo Brasileiro. O intelectual arguto discute cultura e poesia a partir do

seu local, São João del-Rei, ampliando fronteiras. Poeta crítico, ele tematiza a

grande guerra, as tradições de sua cidade, os problemas ecológicos.

O período histórico durante o qual Altivo Sette viveu – grande parte do

século XX – foi um momento de intensas modificações sociais, políticas e

econômicas, com as quais toda a população precisava se acostumar. Nos

intelectuais, cuja sensibilidade se apresenta de forma aguçada, esse período

metamórfico repercutiu de forma ainda mais intensa. Os artistas do século XX,

principalmente aqueles que viveram o período da Segunda Guerra Mundial, seus

antecedentes e suas conseqüências, apresentam uma temática social, através da

qual comunicam as impressões deixadas pelos acontecimentos de seu tempo.

Altivo Sette, que não só viveu o período da guerra mundial, mas também, em

âmbito nacional, a Revolução de 1930 e as ditaduras do Estado Novo e do Golpe

Militar de 1964, encontra-se entre os escritores que problematizaram essa época

em suas obras, e as sensações que dela poderiam advir. Durante todo o período

da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o escritor são-joanense leva ao jornal

Diário do Comércio as sensações de um intelectual vivendo nesse mundo cruel,

sem perspectivas de futuro melhor.

No entanto, não era só a guerra que provocava tais sensações nos

intelectuais. Todo o conjunto de mudanças do início do século – industrialização e

urbanização crescentes, e tudo o que delas fosse decorrente - desperta neles um

sentimento de perda um tanto indefinido, a que Freud dá o nome de melancolia. A

perda de um tempo, de um espírito, de um estilo de vida dá lugar a constantes

reflexões sobre o sentido da vida no novo mundo que se configura.

Também no Brasil, além da guerra, vivia-se um momento particular de

repressão. A obra de Altivo Sette destaca a ditadura do Estado Novo (1937-1945),

que fazia com que os intelectuais se sentissem inúteis, já que sua liberdade de

expressão havia sido cerceada. Para alguém como Altivo Sette, que gostava de

colocar o dedo nas feridas de seu tempo, a falta de liberdade de expressão era

Page 123: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

algo extremamente repugnante. Há ainda em seu trabalho a denúncia do tempo

capitalista, em que o Ter vale mais que o Ser. Altivo criticava as engrenagens de

um sistema que desumaniza os homens, massificando-os, transformando-os

apenas em uma peça a mais. As críticas ao capitalismo, ao materialismo, não

contradiziam seu jeito de ser. Segundo o filho Antônio, Altivo Sette não se

importava com bens materiais ou vida luxuosa, era uma pessoa extremamente

simples.

A presença de tais aspectos permite-nos considerá-lo um intelectual em

consonância com seu tempo e com os intelectuais desse tempo. Não podemos

dizer que Altivo seja um modernista da primeira fase, marcada pela

experimentação formal e estética. Ele inicia sua produção no final da década de

1930, quando o distanciamento histórico da efervescência de 22 já acrescentara

ao Modernismo Brasileiro uma consciência crítica mais sistematizada, no que se

referia à política, à cultura, à economia, etc. A primeira fase, que se voltou para

questões de experimentação formal e estética, dura menos de uma década, pois

outras necessidades surgem para os intelectuais da época. A abolição da métrica

e da rima já havia acontecido, a mudança do tipo de linguagem utilizada estava

firmada. O foco dos modernistas passa a ser, então, a posição crítica diante da

nova situação sócio-econômica pela qual o país passava na década de 1930.

Além disso, na mesma época, acontece a Revolução de 30, que leva

Getúlio Vargas ao poder, dando fim à política do Café-com-Leite, que há anos

revezava paulistas e mineiros no poder. Essa revolução, mais tarde, dará origem

à Revolução Constitucionalista, que também foi um movimento relevante na

década de 1930. Mais à frente, em 1937, Getúlio Vargas instaurará a ditadura do

Estado Novo, que perdurará até 1945.

Os intelectuais da época passam, portanto, a demonstrar interesse por

essa nova situação brasileira, mudando sua posição de modernistas preocupados

com o lado estético, para apresentarem uma preocupação crítico-ideológica.

Expoentes desse momento são Cecília Meireles, Jorge de Lima, Murilo Mendes e

Vinicius de Moraes. Carlos Drummond de Andrade também publica seu primeiro

livro, Alguma Poesia, em 1930. Alguns desses nomes aparecerão mais tarde na

obra de Altivo Sette, que os escolhe para estabelecer diálogo com sua obra.

Page 124: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Já na década de 1940, o momento político e econômico é outro, e outra

postura intelectual se mostra. A Segunda Grande Guerra termina, o Estado Novo

e sua ditadura chegam ao fim, começa a democracia no Brasil e a Guerra Fria no

mundo. Diante dessa nova realidade político-social menos conturbada, o

interesse dos intelectuais brasileiros sai da preocupação crítica e ideológica em

relação ao social e se volta novamente para o trabalho com a linguagem. No

entanto, dessa vez sem a preocupação do Modernismo de 22 de reformá-la. Pelo

contrário, os escritores de agora realizam um trabalho descomprometido com a

proposta modernista de renovação estética, o que lhes permite até mesmo um

retorno a certas formas, como, por exemplo, à prática do soneto. Eles pregavam

uma literatura mais séria e mais madura que a vanguardista de 22 e por isso a

criticavam.

A obra de Altivo se enquadraria, se fôssemos classificá-la em uma época,

na segunda fase, aquela voltada para a posição crítica dos artistas em relação ao

social. Ela não apresenta a fase das rupturas estéticas, nem a fase que volta a se

preocupar com o fazer literário em si. Por isso, preferimos considerá-lo um

escritor moderno, estabelecendo diálogos com tendências modernistas. Como

escreve alguns anos depois dos modernistas brasileiros do início do Movimento,

Altivo demonstra um amadurecimento de leitura das concepções modernistas,

escolhendo aquelas das quais se apropriaria. Também preferimos não classificá-

lo como fazem os manuais de literatura, já que as obras não são objetos

estanques, que podem ser fechados em gavetas e etiquetados. Os artistas

possuem seu próprio tempo de amadurecimento e reflexão, e assim o percurso de

sua obra pode sofrer um processo pendular de idas e vindas, oscilando entre as

novidades e as tradições literárias.

A poética inicial de Altivo Sette, por exemplo, não estabelece ainda diálogo

com as características do Movimento Modernista. Seus primeiros poemas,

publicados no Diário do Comércio, em 1938, são uma poesia muito próxima da

estética simbolista, que explora a sonoridade das palavras, faz uso constante de

metáforas e lança mão de muitos símbolos. Durante um curto período de tempo, o

Page 125: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Simbolismo perpassa a obra de Altivo, que logo em seguida se lança à crítica de

seu tempo e de seu próprio lugar de produção.

Lembremos que o Simbolismo se apresenta como que um prenúncio do

Modernismo, querendo abalar com as estruturas dominantes, propondo uma nova

maneira de percepção artística. As artes deveriam ser expressas através de

muitos símbolos, os quais possibilitariam uma infinidade de interpretações. A

poesia buscaria uma aproximação com a música, através da exploração rítmica,

possível pelo constante uso de aliterações. Utilizaria metáforas e sinestesias,

exploradas para produzirem uma nova linguagem literária, recriando palavra por

palavra, procurando imagens originais, diferentes de tudo o que já tinha sido dito

até então.

Tal inovação simbolista talvez explique o fato de os Modernistas não

atacarem tão frontalmente a proposta estética do Simbolismo. Eles se voltam

contra os parnasianos, os românticos, os neoclássicos, mas não contra os

simbolistas. Inclusive, o Modernismo em Minas Gerais, não sofreu um processo

brusco de ruptura. Os mineiros, desde o início, com o grupo de Carlos Drummond

de Andrade, nos anos de 1920, voltaram sua atenção para as tradições de sua

região, revendo-as de uma posição crítica. Essa perspectiva modernista de Minas

Gerais vai ao encontro do que Silviano Santiago e Maria Zilda Cury discutem, que

é a questão da permanência do discurso da tradição no Movimento Modernista.

Santiago trata da presença da tradição nos modernistas de São Paulo, enquanto

Cury se volta para a tradição nos modernistas mineiros.

Essa permanência da tradição é encontrada na parte da obra de Altivo

Sette que trata das imagens da cidade de São João del-Rei. Altivo, segundo

informações de parentes, era encantado com as tradições de sua cidade e, por

isso, elas são tão recorrentes em sua obra.

São João del-Rei fez parte do ciclo da mineração e teve uma importância

muito grande neste período, chegando a ser, em 1714, cabeça de Comarca do

Rio das Mortes, a sede da administração. É durante este tempo que a cidade

começa a se desenvolver e ganhar os casarões e igrejas que, juntamente com

suas tradições, hoje fazem dela um ponto turístico. A tradição religiosa , ainda tão

fervorosa, remonta a esse tempo. Para Altivo, entretanto, a religiosidade não é

Page 126: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

uma questão pessoal de fé. Sua veia crítica aponta a religiosidade de São João

del-Rei como compensação para as perdas que a cidade sofreu.

Ainda dentro dessa proposta crítica, lemos a transformação dos

significados da linguagem dos sinos. Primeiramente, seu badalar acompanhava

as celebrações litúrgicas, também transmitia notícias, com seus toques e

repiques, que para ouvidos instruídos emitiam mensagens codificadas dos

acontecimentos. Os moradores mais antigos de São João del-Rei, ou os que

ainda se interessam pela tradição, são capazes, até hoje, de saber o que se

passa na cidade pelo simples toque do sino. Cada maneira de toque do sino

indica um acontecimento diferente. No entanto, Altivo Sette já tratava os sinos em

seus poemas de forma menos glamourosa. Com o progresso e os novos sons da

cidade, os ouvidos ficariam surdos e não saberiam mais o significado daquelas

mensagens.

A cidade viveu momentos históricos importantes. Um deles foi a Guerra

dos Emboabas, nos primeiros anos do século XVIII, uma disputa entre os

paulistas que aqui chegaram e se instalaram primeiramente e os forasteiros que

chegavam em busca do ouro. A Guerra dos Emboabas resultou no episódio do

Capão da Traição, em que muitos paulistas foram mortos depois da promessa de

sobreviverem se entregassem as armas. Essa história oficial é transformada em

poesia, quando Altivo busca presentificar as lutas de sua região, tornando essa

matéria memória viva de um povo. O presente poético faz reler o passado.

Um pouco mais tarde, ainda no final do século XVIII, São João del-Rei foi

um dos palcos da Inconfidência Mineira, quando um de seus filhos mais ilustres,

Tiradentes, foi morto. Um dos objetivos da Inconfidência era transformar São João

del-Rei na capital da nova república pretendida por eles. A naturalidade do herói

Tiradentes, foi motivo de duradouras discussões entre as cidades de São João

del-Rei e Tiradentes. Posicionando-se em defesa da naturalidade são-joanense

do Alferes, Altivo busca conferir maior relevância à história e à memória cultural

de sua cidade. O poeta não abandona, também, as tradições orais para discutir,

por exemplo, a autoria da fachada da igreja de São Francisco, atribuída a

Aleijadinho. Ele defende essa vertente dos fatos mesmo que isso tenha sido

Page 127: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

criado pela imaginação popular. A oralidade interessa a Altivo como fonte de

cultura local.

Ao abordar as tradições da cidade em seus escritos, Altivo Sette as

presentifica, perpassando por elas o olhar crítico do poeta moderno, o que

desencadeia um longo processo de reflexão sobre essas tradições e sobre a

história. O poeta não lhes atribui novo significado, ele as recupera, trazendo-as à

tona. Presentificar o passado é uma maneira de problematizar o presente e

promover reflexões quanto ao futuro. A atualização crítica da história e das

tradições culturais e religiosas não significa que sempre será necessário um ato

de ruptura, mas de reapropriação.

Altivo, mesmo cercado dessas tradições, reconhece viver um momento em

que a modernidade urbana começa a fazer diferença em relação às grandes

cidades. Como viveu muito tempo em Belo Horizonte e certo tempo no Rio de

Janeiro, e ia muito a São João del-Rei a passeio, Altivo percebia sua cidade

parada no tempo, necessitando de progresso, de modernização. Então, o escritor

começa a utilizar o jornal para pedir o avanço de sua região. Nesses momentos,

não é o poeta que fala, mas o jornalista que vê na eletricidade, dentre outras

coisas, parte da solução dos problemas de sua terra natal.

Altivo Sette, então, às vezes poeta moderno, às vezes jornalista, se vê na

contradição de desejar a modernidade e preservar a tradição. Fica do lado do

progresso desde que este não prejudique a tradição que mereça ser preservada.

No caso do casarão que seria demolido para dar lugar a uma avenida, por

exemplo, Altivo se coloca do lado do progresso, já que o casarão não possuía

valor histórico. No entanto, se fossem destruídos imóveis de valor artístico, como

a antiga Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, o escritor saía em defesa

do patrimônio histórico da cidade.

Quando a modernização chega a São João del-Rei, mesmo que de forma

muito tímida, começa a aparecer nos textos de Altivo uma dissonância entre o

desejo e a aversão à modernidade, característica que também fortalece sua

posição de poeta moderno. A modernidade não produz apenas bons frutos; eles

vêm acompanhados de conseqüências negativas, que incomodam os intelectuais

e, portanto, Altivo Sette.

Page 128: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Outra conclusão a que podemos chegar é a de que Altivo Sette era um

verdadeiro crítico da cultura, pois, além de apontar os problemas locais, apontava,

também, os problemas do país. Seus artigos, extremamente críticos e muitas

vezes irônicos, denunciavam as mazelas de seu tempo. O escritor tinha

consciência de seu papel enquanto homem do jornal, sabia que as palavras

possuem utilidade pública, e com essa utilidade deveriam ser usadas.

Por sua atuação nos jornais da cidade de São João del-Rei podemos,

também, aproximá-lo de muitos intelectuais modernistas, que se lançaram através

de jornais. O próprio Carlos Drummond, como demonstrado por Maria Zilda Cury,

foi um intelectual tipicamente do jornal em seu início de carreira, e ao longo de

sua vida de escritor.

A modernidade do pensamento de Altivo atentava para questões que só

muito mais tarde seriam discutidas pela grande imprensa. Um exemplo disso é a

preocupação do escritor com as árvores. Muito o incomodavam a destruição das

matas e a falta de arborização urbana, tendo ajudado a conseguir mudas de

árvores ornamentais para enfeitar a cidade de São João del-Rei. Essa

preocupação, portanto, não ocorria apenas no discurso, mas vinha acompanhada

de uma prática. Denunciou também o desmatamento na capital mineira. Alertou

toda a população para o processo de saarização dos terrenos da região de São

João del-Rei. E, esse poeta tão ligado à terra e à natureza, em 1982 acabou

sendo enterrado em 21 de setembro, dia em que se comemora o Dia da Árvore.

À medida que a dissertação ganhava corpo, fomos tendo contato com mais

materiais de Altivo Sette, ampliando nosso horizonte de análise. O corpus, que

começou muito tímido, ganhou uma proporção que nos permite pensar em

trabalhos futuros. Por exemplo, a análise do suporte principal em que Altivo Sette

publicava, o jornal Diário do Comércio, dialogando com outros jornais que

também lançaram escritores modernistas. Ou ainda a possibilidade de lançar em

livro a análise de seus textos, mostrando o quanto sua obra, ainda inédita em

livro, se aproxima da obra de nomes maiores de nossa literatura.

De qualquer forma, esta dissertação é uma página dos registros da

memória cultural da cidade de São João del-Rei. Fala de um tempo e um lugar

que não existem mais como existiram, mas que, no entanto, permanecem nas

Page 129: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

lembranças dos são-joanenses, já que são constantemente presentificados, como

foi feito por Altivo Sette - um homem que foi, sobretudo, uma pessoa

intelectualizada. Tratava de política, economia, cultura, história, tradição e

progresso com autoridade, senão superior, pelo menos igual à de especialistas

nos assuntos. Seu jeito crítico de ser levou-o a uma vida quase solitária, rodeado

por poucos amigos e repleto de discussões e inquietações das mais variadas

naturezas.

Com tantas características importantes, é uma pena que a obra de Altivo

Sette não tenha alcançado uma amplitude significativa. Por escolha própria, uma

vez que se considerava um poeta municipal, como disse seu filho? Talvez. O

importante é Altivo tornar-se reconhecido como um nome que sirva de referência

para os estudos de inúmeros escritores os quais ficaram à margem das

legitimações.

Page 130: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Referências Bibliográficas e

Bibliografia

Page 131: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Referências Bibliográficas

ACHUGAR, Hugo. Derechos de Memoria. In.: __________ (coord.) Derechos de

Memoria - Actas, actos, voces, héroes y fechas: nación e independencia en

América Latina. Montevideo: Universidad de la Republica, 2003, p. 7-58.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião: 10 livros de poesia. 2 ed. Rio de

Janeiro: José Olympio, 1971.

ANDRADE, Mário de. Crônicas de Malazarte – VIII. In.: Brasil: 1º tempo

modernista – 1917-1929 Documentação. São Paulo: Instituto de Estudos

Brasileiros, 1972.

ANDRADE, Mário de. De Paulicéia Desvairada a café (poesias completas). São

Paulo: Círculo do Livro: s.d.

ANDRADE, Oswald de. Poesias Reunidas. 5 ed. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1978.

ARAÚJO, Laís Corrêa de. A poesia modernista de Minas. In.: ÁVILA, Affonso

(org.). O modernismo. São Paulo: Perspectiva, 1975, p.179-192.

BENJAMIN, Walter. O narrador : considerações sobre a obra de Nikolai Leskov.

In.: __________ Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história

da cultura . São Paulo: Brasiliense, 1985, p.197-221.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In.:

__________ Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história

da cultura. 6 ed. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1993,

p.165-196.

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. 4 ed. São Paulo:

Companhia das Letras, 1995.

CÂMARA, Antônio de Oliveira Sette. Entrevista concedida a Lílian Cristiane

Moreira, em 20 agos. 2006.

CURY, Maria Zilda Ferreira. Horizontes modernistas: o jovem Drummond e seu

grupo em papel jornal. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.

DASSIN, Joan Rosalie. Política e poesia em Mário de Andrade. Trad. Antonio

Dimas. São Paulo: Duas Cidades, 1978.

Page 132: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

FREUD, Sigmund. Duelo y Melancolia. In.: __________ Obras Completas. 4 ed.

Madrid: Nueva, 1981. T II.

FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da Lírica Moderna: da metade do século XIX a

meados de século XX. Trad. Marise M. Curioni; trad. poesias Dora F. da Silva.

São Paulo: Duas Cidades, 1978.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. A questão do suporte dos gêneros textuais. UFPE/

CNPq – 2003.

Disponível em: <http://bbs.metalink.com.br/~lcoscarelli/GEsuporte.doc> Acesso

em: 10 ag. 2005.

MARQUES, Reinaldo. Tempos modernos, poetas melancólicos. In.: SOUZA,

Eneida Maria de (org.). Modernidades Tardias. Belo Horizonte: UFMG, 1998,

p.157-172.

OLIVEIRA, Martins de. História da Literatura Mineira: esquema de interpretação

de notícias biobibliográficas. 2 ed. Belo Horizonte: s/e, 1963.

RAMALHO, Oyama de Alencar. A rasura: Francisco de Lima Cerqueira e Antônio

Francisco Lisboa, o Aleijadinho, ainda. São João del-Rei: Edição do Autor, 2002.

SACRAMENTO, José Antônio de Ávila. A respeito de uma criminosa demolição.

31/01/2004.

Disponível em:

<http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.phtml?cod=29033&cat=Artigos&vin

da=S> Acesso em: 30 agosto 2006.

SANT’ANNA, Affonso Romano de. Drummond: o gauche no tempo. 4 ed. Rio de

Janeiro: Record, 1992.

SANTIAGO, Silviano. A permanência do discurso da tradição no Modernismo. In.:

__________ Nas Malhas da Letra. Rio de Janeiro: Rocco, 2002, p. 108-144.

SOBRINHO, Antônio Gaio. Visita à colonial cidade de São João del-Rei. São João

del-Rei: FUNREI, 2001.

TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro:

apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências

vanguardistas, de 1857 até hoje. Petrópolis: Vozes, 1983.

TELES, Gilberto Mendonça. Para o estudo de Lorca no Brasil. In. Jornal da

poesia.

Page 133: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Disponível em: < http://www.revista.agulha.nom.br/teles01c.html> Acesso em: 28

jul. 2006.

Bibliografia do corpus

CÂMARA, Altivo de Lemos Sette. Arvores. São João del-Rei: Instituto Histórico e

Geográfico, 1973.

CÂMARA, Altivo de Lemos Sette. Da Caravela de Zarco à Redação da “Pátria

Mineira” : apontamentos para uma biografia de Sebastião Rodrigues Sette

Câmara. Juiz de Fora: ESDEVA Empresa Gráfica S.A., 1973.

CÂMARA, Altivo de Lemos Sette. Prefácio de “O Cerco de Corinto”. Edição do

autor, 1974.

CÂMARA, Altivo de Lemos Sette. Notas à margem da história antiga de São João

del-Rei. In.: Revista do IHG. São João del-Rei. v. 2, n.2, p. 15-32, 1974-1975.

CÂMARA, Altivo de Lemos Sette. Os ossos e a funda de Fernão Dias Pais

retornam a São Paulo. In.: Revista do IHG. São João del-Rei. v.2, n.2, p.75-78,

1974-1975.

CÂMARA, Altivo de Lemos Sette. Encomendação de Almas: poemas de São João

del-Rei. Edição do autor, 1975.

CÂMARA, Altivo de Lemos Sette. O Nome na Saga daquelas Marinhagens:

apontamentos sobre as origens da família RODRIGUES SETTE E CÂMARA.

Edição do autor, 1976.

CÂMARA, Altivo de Lemos Sette. Rosa de Bronze. São João del-Rei: Edição do

autor, 1977.

CÂMARA, Altivo de Lemos Sette. Recordando os idos de 1930. In.: Revista do

IHG. São João del-Rei. Vol.III, p. 85-87, 1985.

GUIMARÃES, Fábio Nelson. CÂMARA, Altivo de Lemos Sette. BARBOSA,

Waldemar de Almeida. O Tiradentes, patrono cívico do Brasil. São João del-Rei:

Instituto Histórico e Geográfico, 1972.

Page 134: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Bibliografia Geral ALVARENGA, Luís de Melo. Pontes de Pedra. In.: Revista do IHG. São João del-

Rei. nº 1, p.75-82, 1973.

ALVARENGA, Luís de Melo. Tiradentes é sanjoanense. In.: Revista do IHG. São

João del-Rei. v. VII, p.101-103, 1992.

ANDRADE, Mário de. Aspectos da Literatura Brasileira. 5 ed. São Paulo: Martins,

1974.

ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. 2 ed. São Paulo: Duas Torres, 1983.

ÁVILA, Affonso (org.). O modernismo. São Paulo: Perspectiva, 1975.

BENJAMIN, Walter. A modernidade e os modernos. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1975.

BOSI, Alfredo. Moderno e modernista na literatura brasileira. In.: __________

Céu, inferno: ensaios de crítica literária e ideológica. São Paulo: Ática, 1988,

p.114-126.

BRANS, Isolde Helena. Patrono cívico da nação brasileira: Joaquim José da Silva

Xavier. In.: Revista do IHG. São João del-Rei, v.11, p.190-195, 2005.

CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

CANDIDO, Antonio. Inquietudes na poesia de Drummond. In.: __________ Vários

Escritos. São Paulo:Duas Cidades, 1977, p.93-122.

COMPAGNON, Antoine. Os cinco Paradoxos da Modernidade. Trad. Cleonice P.

B. Mourão; Consuelo F. Santiago; Eunice D. Galéry. Belo Horizonte: UFMG, 1996.

COUTINHO, Carlos Nelson et all. Realismo e anti-realismo na literatura brasileira.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.

ELIOT, T.S. Tradição e talento individual. In.: Ensaios. Trad. Ivan Junqueira. São

Paulo: Art Editora, 1989, p.37-47.

GOMES, Renato Cordeiro. Todas as cidades, a cidade. Rio de Janeiro: Rocco,

1994.

GOMES, Renato Cordeiro. A cidade, a Literatura e os Estudos Culturais: do tema

ao problema. In.: Ipotesi: revista de estudos literários. Juiz de Fora, v.3, n.3, p.19-

30, 1999.

Page 135: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

GUIMARÃES, Fábio Nelson. O local onde nasceu o alferes. In.: Revista do IHG.

São João del-Rei, n.1, p.94, 1973.

GUIMARÃES, Geraldo. O Capão da Traição. In. Revista do IHG. São João del-

Rei, vol.IV, p. 78-86, 1986.

HENRIQUES, José Cláudio. Bairro de Matosinhos: berço da cidade de São João

del-Rei. São João del-Rei: UFSJ, 2003.

LAFETÁ, João Luís. 1930: a crítica e o Modernismo. São Paulo: Duas Cidades,

1974.

LIMA, Luiz Costa. Dispersa Demanda: ensaios sobre literatura e teoria. Rio de

Janeiro: Francisco Alves, 1981.

PAZ, Octavio. O arco e a lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,

1982.

PAZ, Octavio. Os filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Trad. Olga Savary.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano

– Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2002.

POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silencio. Trad. Dora Rocha

Flaksman. In.: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.2, n.3, p.3-15, 1989.

RAMALHO, Oyama de Alencar. Sobre a naturalidade do Tiradentes. In. Revista

do IHG. São João del-Rei. v.10, p. 7-11, 2002.

SACRAMENTO, José Antônio de Ávila. Voluntários da pátria e a Igreja do Bom

Jesus de Matosinhos. 08/02/2003.

Disponível em:

<www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.phtml?cod=17011&cat=Artigos&vinda=s>

Acesso em: 30 agosto 2006.

SANTIAGO, Silviano. Vale quanto pesa: ensaios sobre questões político-culturais.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

SANTIAGO, Silviano. Nas Malhas da Letra. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

SANTIAGO, Silviano. O Cosmopolitismo do Pobre: crítica literária e crítica

cultural. Belo Horizonte: UFMG, 2004.

Page 136: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

SAPIECINSKI, Marlise. Sujeito e modernidade na poética de Carlos Drummond

de Andrade. In. O eixo e a roda: revista de literatura brasileira. Belo Horizonte –

FALE - UFMG, v.8, p.165-182, 2002.

SOBRINHO, Antônio Gaio. História da Educação em São João del-Rei. São João

del-Rei: FUNREI, 2000.

SOUZA, Eneida Maria de. Traço Crítico: ensaios. Rio de Janeiro: UFRJ; Belo

Horizonte: UFMG, 1993.

Page 137: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Anexos

Page 138: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Anexo 1

Nota Social

O poeta chega na estação.

O poeta desembarca.

O poeta toma um auto.

O poeta vai para o hotel.

E enquanto êle faz isso

como qualquer homem da terra,

uma ovação o persegue

feito vaia.

Bandeirolas

abrem alas.

Bandas de música. Foguetes.

Discursos. Povo de chapéu de palha.

Máquinas fotográficas assestadas.

Automóveis imóveis.

Bravos...

O poeta está melancólico.

Numa árvore do passeio público

(melhoramento da atual administração)

árvore gorda, prisioneira

de anúncios coloridos,

árvore banal, árvore que ninguém vê

canta uma cigarra.

Canta uma cigarra que ninguém ouve

um hino que ninguém aplaude.

Canta, no sol danado.

Page 139: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

O poeta entra no elevador

o poeta sobe

o poeta fecha-se no quarto.

O poeta está melancólico.

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião: 10 livros de poesia. Rio de Janeiro: Livraria José

Olympio Editora, 1971, p. 14-15.)

Page 140: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Anexo 2

Profundamente

Quando ontem adormeci

Na noite de São João

Havia alegria e rumor

Estrondos de bombas luzes de Bengala

Vozes, cantigas e risos

Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei

Não ouvi mais vozes nem risos

Apenas balões

Passavam, errantes

Silenciosamente

Apenas de vez em quando

O ruído de um bonde

Cortava o silêncio

Como um túnel.

Onde estavam os que há pouco

Dançavam

Cantavam

E riam

Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo

Estavam todos deitados

Page 141: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Dormindo

Profundamente.

Quando eu tinha seis anos

Não pude ver o fim da festa de São João

Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo

Minha avó

Meu avô

Totônio Rodrigues

Tomásia

Rosa

Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo

Estão todos deitados

Dormindo

Profundamente.

(BANDEIRA, Manuel. Profundamente. Diário do Comércio, 21 jun. 1959, p.1.)

Page 142: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Anexo 3

Ouro Preto

OURO BRANCO! Ouro preto! Ouro podre! De cada

Ribeirão trepidante e de cada recosto

De montanha o metal rolou na cascalhada

Para o fausto d’El-Rei, para glória do imposto.

Que resta do esplendor de outrora? Quase nada:

Pedras... templos que são fantasmas ao sol-posto.

Esta agência postal era a casa de entrada...

Este escombro foi um solar... Cinza e desgosto!

O bandeirantes decaiu – é funcionário.

Último sabedor da crônica estupenda,

Chico Diogo escarnece o último visionário.

E avulta apenas, quando a noite de mansinho

Vem, na pedra-sabão lavrada como renda,

- Sombra descomunal, a mão do Aleijadinho!

(BANDEIRA, Manuel. Ouro Preto. Diário do Comércio, 22 nov. 1959, p.1.)

Page 143: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Anexo 4

Page 144: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense
Page 145: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Anexo 5

Page 146: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense
Page 147: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Anexo 6

São João del-Rei

Quem foi que apitou?

Deixa dormir o Aleijadinho coitadinho.

Almas antigas que nem casas.

Melancolia das legendas.

As ruas cheias de mulas-sem-cabeça

correndo para o Rio das Mortes

e a cidade paralítica

no sol

espiando a sombra dos emboabas

no encantamento das alfaias.

Sinos começam a dobrar.

E todo me envolve

uma sensação fina e grossa.

(ANDRADE, Carlos Drummond de. São João del-Rei. Diário do Comércio, 14 jun. 1959, p.1.)

Page 148: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Anexo 7

Os encantos de S. João

Quereis ver maravilhas sem fim?

Ide ao Bom-Fim!

Pois de lá se vê tôda (sabei!)

S. João del Rei!

Lugar cheio de ninhos e fontes,

Senhor dos Montes;

lugar cheio de frutas e ninhos

é Matosinhos!

Para a cura completa das máguas

passeio às Águas.

Nas manhãs e tardes fagueiras

às Gameleiras...

Não existe passeio melhor

que o Guarda-mór,

Um passeio que às almas consola

lá no Matola.

Quanta gente que tem o costume

de ir ao Betume!

Um passeio que as almas anima

é o Rio Acima!

Quanta gente que à noite tem medo

de ir ao Segrêdo!

Quanta gente que nem abre a boca

no Cala-a-Boca.

Mas não vades, porque isto é um desdouro,

Page 149: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

ao Matadouro!

Nem passeis, alta noite, sòzinho,

ao Baraquinho!

O nariz quem não tapa desmaia

à beira da Praia.

E, que horror, santo Deus! que catinga

lá no Muchinga!

(MAGALHÃES, Franklin. Os encantos de S. João. Diário do Comércio, 26 ag. 1962, p.4.)

Page 150: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Anexo 8

Silêncio Depressa

Silêncio depressa! Tragam dos mares fundos silêncios,

tragam do ar mais distante silêncio!

Tragam silêncio do centro da terra!

Tragam do inferno o silêncio dos condenados que descansam.

Tragam do céu o silêncio das beatitudes,

o silêncio do vôo dos anjos pelo tempo sem espaço, tragam depressa.

O silêncio dos mortos recém-nascidos, tragam depressa.

Tragam o silêncio dos corpos, dos bêbados dormindo,

tragam o silêncio dos loucos,

o silêncio dos mundos, dos tempos.

O silêncio do que ainda se vai realizar, tragam depressa,

tragam por Deus, que eu quero morrer depressa!

(SCHMIDT, Augusto Frederico. Silêncio depressa. Diário do Comércio, 19 jun. 1960, p.4.)

Page 151: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Anexo 9

Os sinos

Sino de Belém,

sino da Paixão...

Sino de Belém,

sino da Paixão...

Sino do Bonfim!

Sino do Bonfim!

Sino de Belém, pelos que ainda vêm!

Sino de Belém, bate bem-bem-bem.

Sino da Paixão, pelos que lá vão!

Sino da Paixão, bate bão-bão-bão.

Sino do Bonfim, por quem chora assim?

Sino de Belém, que graça ele tem!

Sino de Belém, bate bem-bem-bem.

Sino da Paixão, – pela minha mãe!

Sino da Paixão, - pela minha irmã!

Sino do Bonfim, que vai ser de mim?

Sino de Belém, como soa bem!

Sino de Belém, bate bem-bem-bem.

Page 152: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Sino da Paixão... Por meu pai?... – Não! Não!

Sino da Paixão, bate bão-bão-bão.

Sino do Bonfim, baterás por mim?

Sino de Belém,

sino da Paixão...

Sino da Paixão, pelo meu irmão...

Sino da Paixão,

sino do Bonfim...

Sino do Bonfim, ai de mim, por mim!

Sino de Belém, que graça ele tem!

(BANDEIRA, Manuel. Os sinos. Diário do Comércio, 17 jan. 1960.)

Page 153: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Anexo 10

Page 154: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Anexo 11

Page 155: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

E esta árvore me serve de empecilho...

Anexo 12

A arvore da serra - As árvores, meu filho, não têm alma!

E’ preciso cortá-la, pois, meu filho,

para que eu tenha uma velhice calma!

- Meu pai, por que sua ira não se acalma?

Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?

Deus pôs alma nos cedros... no junquilho...

Esta árvore, meu pai possui minha alma!

- Disse – e ajoelhou-se, numa rogativa:

“Não mate a árvore, pai, para que eu viva”!

E quando a árvore, olhando a pátria serra,

caiu aos golpes do machado bronco,

o moço triste se abraçou com o tronco

e nunca mais se levantou da terra!

(ANJOS, Augusto dos. A árvore da serra. Diário do Comércio, 23 set. 1962, p.4.)

Page 156: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Anexo 13

Arvores Sei que nunca verei um poema mais belo e ardente

do que uma árvore: uma árvore que encerra

uma bôca faminta, aberta eternamente

ao hálito sutil e flutuante da terra.

Voltada para Deus todo o dia, ela esquece

os braços a pender de fôlhas, numa prece.

Uma árvore, que ao vir do estio morno, esconde

um ninho de aves nos cabelos da fronde.

A neve põe sobre ela o seu níveo diadema,

e a chuva vive na mais doce intimidade

do tronco, a se embalar nos galhos seus.

Qualquer bobo como eu sabe fazer um poema.

Mas... quem pode fazer uma árvore? - - Só Deus.

(KILMER, Joyce. Arvores. Trad. Olegário Mariano. Diário do Comércio, 15 mar. 1959, p.1.)

Page 157: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Anexo 14

Primavera

Dia para quem ama,

dia limpido e claro!

O azul do céu, o azul da terra, o azul do mar!

Dia para quem é feliz e sem tormento,

dia para quem ama e não sofre de amor!

Dia para as felicidades inocentes.

Em mim a mocidade acordou violentamente

porque o sol expulsou as trevas e inundou-me!

Uma pulsação de vida enche meu ser doentio e incerto.

Vejo as águas correndo,

vejo a vida e o espaço,

vejo as matas e as grandes cidades líricas,

vejo os vergéis em flor.

E’ a Primavera! E’ a Primavera!

Desejo de tudo abandonar e sair cantando pelos caminhos!

(SCHMIDT, Augusto Frederico. Primavera. Diário do Comércio, 20 set. 1959, p.1.)

Page 158: LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA - UFSJ | Universidade Federal de ... · LÍLIAN CRISTIANE MOREIRA ... Senhor Paulo de Resende Campos Filho, sobrinho de Altivo Sette, ... O escritor são-joanense

Anexo 15

REVIVENDO DEUS E A NATUREZA

Danilo de Oliveira

Levanta mais uma vez o pano, e eis que surge, no palco imaginàrio de meu

cérebro cançado, o velho “dramalhão” como o descreve o cronista sanjoanense. Deus e a Natureza, cronista amigo, é uma bôa peça, talvez não o

agradasse porque, seus olhos grandes e imensuráveis, ainda trazem gravados na

retina, grandes dramas, porém não maiores do que este, mas representados por

profissionais, e também em grandes e famosos teatros.

Deve-se ponderar, São João del-Rei, não possúe um corpo de artistas

profissionais, e sim um grupo de esforçados e talentosos amadores, e que já

mostraram mais de uma vez o quanto valorosos são, e que, confiados na platéia

amiga e acolhedora, não vacilaram em oferecer ao público desta cidade, em

homenagem ao natalício do nosso presidente Vargas este velho e enferrujado

“dramalhão”, clorotico, gotoso, com (sic) o descreve o cronista.

Não sou filho desta cidade, como tambem não conheço pessoalmente um

só artista, dos que tomaram parte naquele festival, porém posso asseverar que

aquele grupo de moços que ali no palco se achavam, e que os vejo ainda na luta

ardente para o perfeito desempenho de seus papeis não pensaram nunca em lêr

em letras claras e concisas o seguinte texto:

Deus e a Natureza... Pois sim, qualquer semelhança, e mera coincidência...

faltou apenas que se acrescentasse, que qualquer semelhança com pessoas,

vivas ou mortas seria tambem, coincidência.

Lembre-se que o sólo onde nascemos “não pode ser comparado por mais

bela e delicada imagem”.

“Coração sem amor, é deserto arido, sem uma flor que o suavise”. (Diário do Comércio, 25 abr. 1944, p.4.)