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Departamento de Direito LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA INTERNET: MAIOR PLURALISMO DEMOCRÁTICO? Aluno: Luiz Felipe Goes de A. Mendes de Almeida Orientadora: Samantha S. Moura Ribeiro 1. Introdução Na década de 90, o desenvolvimento da internet trouxe um novo panorama para as comunicações interpessoais, estimulando e alimentando a esperança de se democratizar os discursos e de se garantir de uma vez por todas o pleno e livre exercício da liberdade de expressão. Sem dúvidas, a universalidade, administração descentralizada e anonimato da internet, alimentavam o otimismo dos que vislumbravam a solidificação da sociedade democrática, assim também, como a valorização do discurso racional e fortificação do princípio democrático 1 . A maior contribuição desta nova dimensão online das relações intersubjetivas está, por um lado, atrelado à intensificação dos diálogos, que se dão pela abertura da internet e maior acesso aos meios comunicativos. Estas melhorias vieram acompanhadas de alguns desafios atrelados às formas de regulação da internet e a forma como as leis são aplicadas a ela. A diversidade é um marco característico da vida, como bem pontuou o poeta espanhol Ramón de Campoamor 2 . Neste sentido, a internet concretiza tal afirmação, na medida em que fornece meios mais acessíveis a todos de exercerem sua liberdade de expressão. Cabe ao direito, no entanto, garantir esta pluralidade de perspectivas e opiniões, preservando o pluralismo democrático, sem contudo, deixar de observar a razoabilidade que se exige nesta ponderação, não sendo tolerável, portanto, a proteção aos discursos de ódio 3 , abuso infantil e incitamento à violência na internet 4 . O problema dos conflitos entre direitos fundamentais no âmbito da internet, é um problema de interesse global, pois não se trata de um desafio regional, mas sim internacional. Desta forma, requer-se uma solução menos introspectiva, menos egoísta, e de maior alteridade. Para tal, faz-se necessário a superação dos binômios (“superior”/”inferior”), bem como a relativização de outros direitos fundamentais, a fim de tratar com adequação, a complexidade que engloba estes 1 RIBEIRO, Samantha S. M.. Democracy after the Internet: Brazil between Facts, Norms, and Code. European University Institute Department of Law, 2013. p. 74/ 88. 2 CAMPOAMOR, Ramón. En este mundo traidor / nada es verdad ni mentira / todo es según el color / del cristal con que se mira” 3 Handyside v. U.K./ Erbak v. Turkey/ Féret v. Belgium/ Leroy v. France/ Jersild v. Denmark/ Faruk Temel v. Turkey/ Surek v. Turkey 4 Fatullayev v. Azerbaijan/ Urper a.o. v. Turkey/ Yagmurdereli v. Turkey

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Departamento de Direito

LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA INTERNET:

MAIOR PLURALISMO DEMOCRÁTICO?

Aluno: Luiz Felipe Goes de A. Mendes de Almeida

Orientadora: Samantha S. Moura Ribeiro

1. Introdução

Na década de 90, o desenvolvimento da internet trouxe um novo panorama para as

comunicações interpessoais, estimulando e alimentando a esperança de se democratizar os discursos

e de se garantir de uma vez por todas o pleno e livre exercício da liberdade de expressão. Sem

dúvidas, a universalidade, administração descentralizada e anonimato da internet, alimentavam o

otimismo dos que vislumbravam a solidificação da sociedade democrática, assim também, como a

valorização do discurso racional e fortificação do princípio democrático1. A maior contribuição

desta nova dimensão online das relações intersubjetivas está, por um lado, atrelado à intensificação

dos diálogos, que se dão pela abertura da internet e maior acesso aos meios comunicativos. Estas

melhorias vieram acompanhadas de alguns desafios atrelados às formas de regulação da internet e a

forma como as leis são aplicadas a ela.

A diversidade é um marco característico da vida, como bem pontuou o poeta espanhol

Ramón de Campoamor2. Neste sentido, a internet concretiza tal afirmação, na medida em que

fornece meios mais acessíveis a todos de exercerem sua liberdade de expressão. Cabe ao direito, no

entanto, garantir esta pluralidade de perspectivas e opiniões, preservando o pluralismo democrático,

sem contudo, deixar de observar a razoabilidade que se exige nesta ponderação, não sendo

tolerável, portanto, a proteção aos discursos de ódio3, abuso infantil e incitamento à violência na

internet4. O problema dos conflitos entre direitos fundamentais no âmbito da internet, é um

problema de interesse global, pois não se trata de um desafio regional, mas sim internacional. Desta

forma, requer-se uma solução menos introspectiva, menos egoísta, e de maior alteridade. Para tal,

faz-se necessário a superação dos binômios (“superior”/”inferior”), bem como a relativização de

outros direitos fundamentais, a fim de tratar com adequação, a complexidade que engloba estes

1 RIBEIRO, Samantha S. M.. Democracy after the Internet: Brazil between Facts, Norms, and Code. European

University Institute – Department of Law, 2013. p. 74/ 88. 2 CAMPOAMOR, Ramón. “En este mundo traidor / nada es verdad ni mentira / todo es según el color / del

cristal con que se mira” 3 Handyside v. U.K./ Erbak v. Turkey/ Féret v. Belgium/ Leroy v. France/ Jersild v. Denmark/ Faruk Temel v.

Turkey/ Surek v. Turkey 4 Fatullayev v. Azerbaijan/ Urper a.o. v. Turkey/ Yagmurdereli v. Turkey

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problemas5.

Diante disso, a Europa apresenta-se como objeto de estudo ideal para a presente pesquisa, na

medida em que possui uma rede de tribunais supranacionais bem consolidados, assim também,

como uma diversidade de países culturalmente, religiosamente e socialmente heterogêneos, o que

nos fornece uma farta jurisprudência. Sendo assim, a vasta quantidade e diversidade de conflitos

sob a apreciação da Corte Europeia de Direitos Humanos (“CEDH”) justificam a nossa escolha por

esta região. No âmbito da CEDH, a concessão da “margem de apreciação” torna-se particularmente

interessante, já que a garantia da liberdade de expressão preserva o pluralismo de ideias, enquanto a

restrição a esta liberdade, nos casos em que se concede uma margem de apreciação, é uma forma de

reconhecimento da alteridade, que por sua vez, também implica na garantia da multiplicidade de

perspectivas.

Nesse contexto, merece destaque a proposta do “transconstitucionalismo” desenvolvida pelo

Prof. Marcelo Neves. Trata-se de um método que reforça o reconhecimento das diversas ordens

jurídicas, enquanto estimula a solução dos problemas concumitantemente relevantes à todas elas,

neste caso a violação aos direitos humanos na internet. A atuação em conjunto das esferas jurídicas

implicadas, sem sobreposições, possibilitaria o reconhecimento dos limites inerentes a cada um, a

partir da interação. Afinal, a solução de problemas globais depende da identificação dos limites de

cada ordem jurídica, só sendo isto possível pela consideração das diversas perspectivas de

observação do mesmo problema, afinal “o ponto cego, o outro pode ver”.6 A escolha pelas Corte

Europeia de Direitos Humanos se justifica mais uma vez, já que apresenta a realidade mais próxima

à incidência do transconstitucionalismo, já que cada Corte Nacional possui autonomia própria, mas

as decisões das Cortes Europeias são vinculantes e definitivas sobre a violação dos instrumentos

legais regionais. Neste cenário, as Cortes Nacionais são estimuladas a dialogarem entre sí, bem

como, promoverem um diálogo racional entre cortes e a CEDH.

Diante da necessidade de se regular a internet, convém destacar a importância em se regular

este meio, justamente para que se assegure a liberdade de expressão, devendo as restrições a este

direito serem efetuadas com parcimônia para que não se incorra em uma censura judicial.

2. Objetivos

O objetivo imediato da presente pesquisa é identificar a racionalidade por trás das decisões

que garantem a liberdade de expressão, e consequentemente o pluralismo de ideias, bem como as

decisões que concedem uma margem de apreciação, e preservam a pluralidade de perspectivas. A

5 NEVES, M. Transconstitucionalismo. 3a edição. São Paulo: Editora WMF Ltda, 2013. p. 129. 6 NEVES, M. Transconstitucionalismo. 3a edição. São Paulo: Editora WMF Ltda, 2013. p. 298.

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partir desta análise e posterior identificação dos parâmetros característicos de sua racionalidade, a

pesquisa almeja reconhecer quais seriam as formas mais efetivas de garantias do pluralismo

democrático em face do pluralismo jurídico. Trata-se de uma tentativa de identificar a forma pela

qual as particularidades das mais diversas culturas, religiões e grupos sociais, possam ser garantidas

na internet, enquanto preservando-se certos direitos humanos basilares, como o direito à vida.

3. Metodologia

A pesquisa contou com uma revisão bibliográfica seguida de uma extensa análise

jurisprudencial da Corte Europeia de Direitos Humanos (“CEDH”), em conjunto com outras obras

pertinentes ao tema. Os casos foram selecionados inicialmente utilizando palavras chaves como

“internet” e “pluralidade”. Posteriormente, moveu-se para um método de escolha mais preciso, na

qual buscava-se examinar os casos constantemente citados em outras decisões já estudadas. Desde o

início, buscou-se compreender a essencialidade do tema, identificando os progressos de pesquisas

passadas, assim, também como os limites nelas encontradas.

Para tal, foi utilizado o livro do Professor Marcelo Neves, “Transconstitucionalismo”, como

método de estudo e de solução dos casos envolvendo a autoridade de duas ou mais ordens legais,

como ocorre no âmbito Europeu. Em conjunto com a pesquisa jurisprudencial, utilizou-se o livro

“Internet Co-Regulation” do professor e pesquisador Christopher T. Marsden, e a tese de Doutorado

da orientadora desta pesquisa, “Democracy after the Internet: Brazil between Facts, Norms, and

Code”. Para fins de determinação da metodologia foi utilizado a obra de Umberto Eco7 A pesquisa

contava ainda com reuniões quinzenais para discussão dos temas pesquisados.

4. Observações Introdutórias:

Antes de adentrar no tema da pesquisa ora comentada, convém esclarecer o significado de

alguns termos e conceitos fundamentais para a integral compreensão do presente trabalho

acadêmico. Convém esclarecer, que alguns conceitos comportam múltiplas definições, como o

conceito de pluralismo democrático, e outros possuem somente uma definição como é o caso da

margem de apreciação, definida pela própria CEDH em suas decisões, e o transconstitucionalismo,

termo trabalhado pelo professor Marcelo Neves.

Margem de apreciação – teoria segundo à qual, determinadas questões controvertidas

relacionadas às restrições estatais devam ser apreciadas e solucionadas pelas próprias cortes

nacionais, não cabendo à Corte Europeia interferir em tal avaliação. O caso Handyside v. U.K

contribuiu muito para a definição do conceito de margem de apreciação, pois nele se ressaltou que

não é possível, na legislação nacional de cada país, identificar um conceito uniforme dos valores

7 ECO, U. Como se faz uma tese. Ed. 19a. Editora Perspectiva, 2005.

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morais, pois estes variam de acordo com o tempo e lugar. Neste sentido, cabe às autoridades

nacionais determinarem a necessidade de se impor certa restrição ou pena, pois são elas que estão

em contato direto e contínuo com as forças vitais de seus países, estando a autoridades nacionais, a

princípio, em melhores condições de identificar as medidas necessárias para preservar seus valores

morais.

Pluralismo democrático – No presente trabalho o termo será utilizado com o significado de

respeito e proteção a diversidade de culturas, religiões, comportamentos e pensamentos. A

preservação da heterogeneidade do ser humano, sem a criação de qualquer forma de hierarquia ou

segregação.

Tranconstitucionalismo – Adotar-se-á o conceito do professor Marcelo Neves, segundo o

qual o transconstitucionalismo seria “o entrelaçamento de ordens jurídicas diversas, tanto estatais

como transnacionais, internacionais e supranacionais, em torno dos mesmos problemas de

natureza constitucional. Ou seja, problemas de direitos fundamentais e limitação de poder que são

discutidos ao mesmo tempo por tribunais de ordens diversas.”8

5. Caso Emblemático: Handyside v. United Kingdom

Tendo em vista a relevância do direito à liberdade de expressão para análise proposta, torna-

se importante comentar brevemente o caso Handyside v. United Kingdom. Nesta oportunidade, a

Corte Europeia de Direitos Humanos julgou um caso que versava sobre a legalidade de uma

restrição do direito à liberdade de expressão. Uma editora publicou um livro chamado “o pequeno

livro vermelho”, destinado às crianças com mais de doze anos, que, continha um capítulo sobre

sexo, o que gerou enorme descontentamento na população inglesa. Após diversas reclamações, o

promotor público conseguiu um mandado para revistar o local da editora e após a revista, aprendeu

os livros. Após a instauração do processo com base no “Obscene Publications Act 1959”, o

requerente foi condenado ao pagamento de vinte e cinco libras por livro (eram mais de mil e

duzentos livros) e a corte ordenou que os livros confiscados fossem destruídos.

Sem dúvidas, a condenação da Corte Nacional configurou uma restrição ao direito de

liberdade de expressão, entretanto, a CEDH tinha que analisar se esta interferência fora desmedida

de forma a caracterizar o descumprimento da Convenção Europeia. Aplicando a doutrina da

margem de apreciação, a Corte concluiu que a condenação estava em conformidade com previsão

legal pois estava em consonância com o “Obscene Publications Act 1959”, e que a finalidade de

proteger a moral daquela sociedade poderia ser vislumbrada segundo conceitos locais de “valores

8 NEVES, Marcelo, em “O Justo e o Direito: Acesso à Justiça não é só o direito de ajuizar ações”. 12.07.09 no site:

http://www.conjur.com.br/2009-jul-12/fimde-entrevista-marcelo-neves-professor-conselheiro-cnj. (acesso em

12.07.16, 09:48).

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morais”. Veja-se que, nesta ocasião, a restrição não violou a margem de apreciação concedida, visto

que esta é consideravelmente extensa para casos que envolvam menores de idade e não se tenha um

discurso preponderantemente político sendo veiculado.

Na avaliação da necessidade desta intervenção, a CEDH proferiu um de seus julgados mais

importantes no âmbito da discussão acerca da liberdade de expressão, seja dentro ou fora da

internet. Primeiramente, destacou-se a importância da liberdade de expressão em uma “sociedade

democrática”, e ao reconhecer a possibilidade de restrições a este direito, conforme expresso no

art.10, § 2° da Convenção Europeia dos Direitos dos Homens, ressaltou-se que a proteção à

liberdade de expressão não deve se estender somente às “informações ou ideias que são

favoravelmente recebidas ou compreendidas como inofensivas” mas principalmente às ideias e

opiniões que “ofendem, choquem e perturbem o Estado ou qualquer setor da população”.9 Por fim,

de forma abstrata, a CEDH destacou que esta “extensão” necessária é uma demanda do pluralismo,

da tolerância e da abertura de perspectivas, sem as quais não se tem uma “sociedade democrática”.

6. Análise dos Casos

A fim de possibilitar uma clara exposição da racionalidade das decisões tanto da CEDH,

quanto da CEJ, torna-se relevante organizar a presente exposição em três planos distintos de

análise: (i) subjetiva, (ii) objetiva e (iii) temporal.

Entende-se a investigação subjetiva como aquela que focaliza o seu estudo no sujeito, ou

seja, a pessoa que veicula ou recebe a mensagem. Por outro lado, o estudo objetivo almeja observar

as variações do tratamento que as Cortes Europeias dão às restrições à liberdade de expressão,

dentro e fora da internet, a depender do conteúdo que se está a veicular, podendo este ser político,

artístico ou comercial. Por fim, convém examinar se o elemento temporal influencia de alguma

forma, nas decisões tomadas pela CEDH e CEJ, quanto à condenação por restrição à liberdade de

expressão dos Estados. Os casos analisados na pesquisa foram escolhidos com base na quantidade

de vezes que estes casos foram citados em outros julgamentos da Corte. Desta forma, uma vez

definido a análise do elemento subjetivo, objetivo e temporal, identificou-se quais casos eram mais

relevantes para a análise desses três elementos.

6.1. Estudo quanto ao Elemento Subjetivo:

6.1.1. Políticos

Nesta seção da pesquisa, visa-se a investigar se a internet influencia ou não, os limites da

liberdade de expressão de um ator político. De fato, o político possui ampla margem de tolerância

9 Handyside v. UK, (7 Dezembro 1976), n° aplicação 5493/72, Parágrafo 49. (Tradução livre).

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em ambos os polos da mensagem, isto é, possui ampla proteção para exercer sua liberdade de

expressão, mas também está sujeito a uma menor proteção quando é alvo de críticas. A exigência de

uma maior tolerância por parte do político é fruto de sua função social, pois, tratando-se de um

cargo de representatividade, este deve estar sujeito ao “controle” de seu eleitorado. Por outro lado, a

maior liberdade conferida ao político no exercício de sua liberdade de expressão, lhe atribui a

independência necessária para se assegurar os interesses do povo que o elegeu.

Na tentativa de se examinar a contribuição da internet para a redefinição desses limites,

foram escolhidos dois principais casos da CEDH, nos quais se verifica a atuação de um político, no

âmbito da internet: (i) Willem v. França e (ii) Renaud v. França.

(i) Willem v. França

No primeiro caso, um político fora condenado pelas cortes francesas, em razão de seu

pronunciamento em uma reunião, (posteriormente publicado no site da prefeitura), anunciando a

intenção de boicotar produtos Israelenses. Ao analisar o caso, a CEDH considerou que não se

tratava de uma situação de livre exercício da liberdade de expressão, caso em que a Corte teria

provavelmente reconhecido a violação ao seu direito, mas, sim, de um caso em que o político

extrapolou a sua função, estimulando atos de discriminação. De fato, a interferência no direito do

prefeito era previsto em lei, visava a um fim legítimo – a proteção à igualdade social e cultural –,

cabendo somente analisar a necessidade e a proporcionalidade de tal restrição. A Corte reconheceu

que era “fundamental, em uma sociedade democrática, a defesa do livre jogo do debate político”10

e que aos políticos, embora sujeitos a maiores responsabilidades e deveres em função de seus

cargos, “também é permitido recorrer a uma certa dose de exagero”11. Contudo, a Corte assinalou

que o requerente (o prefeito) estaria sendo condenado, não por suas opiniões políticas, mas em

virtude da incitação a atos discriminatórios. É dever do político conservar certa neutralidade, o que

não foi observado pelo prefeito quando publicou a mensagem na internet. Desta forma, a restrição

imposta pela corte francesa foi considerada como necessária e proporcional, na medida em que os

fundamentos utilizados para justificar o boicote não se compatibilizavam com o interesse e debate

público.

(ii) Renaud v. França

No segundo caso, o fundador de uma associação local fez duras críticas ao prefeito da

cidade em seu website, pois ele era contra uma das grandes construções que estavam em curso. O

fundador, Patrice Renaud, foi condenado na esfera penal por difamação. Na corte francesa,

10 Willem v. França, Parágrafo 33. (Tradução livre). 11 Willem v. França, Parágrafo 33. (Tradução livre).

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identificou-se que Renaud alegou que o prefeito estava estimulando a delinquência na cidade para

legitimar a sua política de segurança, equiparando-o com um ditador Romeno. Nesta oportunidade,

a Corte reconheceu que a “a proteção dos outros direitos não pode ser a mesma para uma pessoa

privada e para uma pessoa pública”12. Ao analisar o caso, a Corte ressaltou que Renaud

direcionou suas críticas ao prefeito como pessoa pública, pois apenas comentou acerca de suas

políticas como líder político daquela comunidade. Ressaltou-se, que tratando-se de um debate de

interesse geral e de um discurso de conteúdo nitidamente político, o art.10 da Convenção requer um

maior nível de proteção ao direito à liberdade de expressão, e por sua vez, uma margem de

apreciação mais restrita. A corte francesa havia justificado sua condenação, ao alegar que Renaud

teria feito acusações sem provas, no entanto, a CEDH afirmou que os juízos de valores não

requerem provas, pois são impassíveis de comprovação, sob pena de ameaçar a liberdade de

opinião, sendo este direito fundamental para a garantia do art.10 da Convenção. Mais uma vez, fez-

se referência ao “jogo político”, arguindo que essas críticas fazem parte do jogo, e que um político

deve estar sujeito a um maior grau de tolerância a críticas, enquanto Renaud, por estar

emocionalmente envolvido com os projetos urbanísticos e políticas de segurança que critica, deve

ser amparado por uma maior proteção ao seu discurso político. Por fim, a Corte considerou que a

condenação de Renaud configurou uma violação ao art.10, visto que tal restrição não era razoável e

proporcional.

Pela análise dos casos, extrai-se que a internet não mudou substancialmente a forma pela

qual a Corte norteou seu julgamento. De fato, no primeiro caso, o uso do site da prefeitura para

veicular mensagens discriminatórias, sem motivações politicamente justificáveis, levou a Corte a

reconhecer que não houve violação ao art.10, pois o político só gozaria da maior proteção aos seus

discursos, enquanto promotor do debate público, desde que atuando em prol dos interesses do povo

que o elegeu. Mais adiante, em Renaud v. França, constatou-se que o site de uma associação local

foi reconhecido como um fórum de debates políticos, não podendo o autor das mensagens, Patrice

Renaud, ser condenado pelas críticas a um político, que evidentemente deve se sujeitar a um maior

grau de tolerância. Nestes casos, como já foi mencionado em Renaud v. França, os conflitos

oriundos do exercício da liberdade de expressão pelo discurso político geralmente geram uma

menor margem de apreciação às cortes nacionais. Entretanto, em ambos os casos, conclui-se que a

CEDH garantiu a pluralidade democrática, na medida em que condenou o discurso discriminatório,

do político que excedeu os limites de sua proteção. Esta pluralidade foi reforçada, também, no caso

Renaud, visto que a CEDH condenou a França pela restrição desproporcional ao discurso político

12 Renaud v. França, Parágrafo 26. (Tradução livre).

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de um cidadão. Nestas oportunidades, a Corte reforça a essência da própria liberdade de expressão,

reafirmando os limites que tal direito encontra quando relacionado a um político. A internet

incrementou a garantia do pluralismo democrático? Acredito que não houve grandes mudanças, mas

o que se evidencia é que a internet fornece meios mais acessíveis de se “por à prova” esta reforçada

garantia ao pluralismo democrático. Nas decisões destacadas, a internet foi apenas um meio pelo

qual o conflito se materializou, não trazendo no entanto, nenhuma mudança substancial à

apreciação do judiciário.

6.1.2. Jornalistas

Os jornalistas gozam de uma ampla proteção ao seu direito de liberdade de expressão. Por

obvio, o exercício de sua função, requer que este seja capaz de veicular suas mensagens,

independentemente de se estas agradam ou não ao público13, pois são eles os responsáveis por

informar as violações e absurdos ocorridos ao redor do mundo. Nao à toa, a CEDH na maioria dos

casos analisados, condena o Estado que restringiu a liberdade de expressão de um jornalista, a

menos que a sua reportagem trate de um menor14, conforme se demonstrará no tópico 6.1.3, ou que

suas alegações factuais não estejam amparadas por provas. Afinal, o jornalista, assim como o

político, em função do maior alcance de suas mensagens, é dotado de maiores deveres e

responsabilidades.

Na internet isto pode se acentuar, na medida em que neste meio verifica-se a atuação dos

“jornalistas cidadãos”, isto é, pessoas sem formação jornalística, que pela ampla acessibilidade da

internet, passam a relatar acontecimentos que se equiparam às reportagens dos jornalistas. Por

vezes, a própria distinção entre as publicações do jornalista podem ser de certa dificuldade, dado

que este pode usar a internet para expor suas reportagens, bem como suas opiniões pessoais.

Embora a remoção de informações seja repudiada pela CEDH, a Corte entende que certas

limitações ou obrigações impostas pelas cortes nacionais se mostram proporcional, em face da

proteção de outros direitos. Em três casos específicos, a Corte foi enfática ao considerar as

peculiaridades da internet na avaliação dos casos onde se teve uma restrição da liberdade de

expressão jornalística: (i) Fatullayev v. Azerbaijan, (ii) Times Newspapers Ltd. v. United Kingdom;

e (iii) Editorial Board of Pravoye Delo and Shtekel v. Ukraine.

(i) Fatullayev v. Azerbaijan

Neste caso, um jornalista foi condenado a oito anos de prisão pela publicação de dois artigos

que, em síntese, criticavam a política do governo e relatava a participação de alguns soldados do

exército no massacre de Khojaly de 26 de fevereiro de 1992. Após a publicação de um dos artigos, o

13 Handyside v. UK 14 Aleksey Ovchinnikov v. Russia

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autor disponibilizou em sua conta na internet, o conteúdo da sua matéria jornalística. Segundo o

Estado, as reportagens na internet disseminavam falsas informações que, por sua vez, geravam dano

à reputação dos soldados e dos membros do governo.

No julgamento do caso, a CEDH reconheceu que cabe ao Estado nacional estabelecer a

“necessidade social imperiosa”, e para tal, lhe é conferida uma margem de apreciação. No entanto,

esta margem nacional se limita ao interesse da sociedade democrática em se garantir a manutenção

de uma imprensa livre.15 Nesta oportunidade, foi enaltecida a função da imprensa em exercer o

papel de “cão de guarda do interesse público”, além de reconhecer, que, embora seja o dever de um

jornalista comunicar informações, este possui maiores obrigações e responsabilidades. No caso em

evidência, ressaltou-se que a proteção dada ao jornalista, também abrange certo grau de exagero e

de provocação16, desde que ele esteja de boa-fé ao providenciar informações precisas e confiáveis.

De fato, a internet apresenta certo grau de dificuldade ao se distinguir as informações em que o

jornalista veicula no exercício de sua função e as que refletem meras opiniões pessoais. Enquanto as

primeiras trazem um dever demonstrar sua base fática, as segundas são insuscetíveis de

comprovação, conforme assentou a CEDH no parágrafo 95 da ata de julgamento. A despeito desta

dificuldade, a Corte entendeu que independentemente do requerente ter agido enquanto jornalista ou

pessoa privada, este publicou em um meio amplamente acessível a todos, sob o seu nome, que é de

conhecimento de todos, pois é um jornalista conhecido, e que nesses casos, a publicação não é

menos poderosa do que se fosse veiculada na mídia impressa. Até este momento, analisou-se a

proporcionalidade da condenação, sem focar muito na pena imposta, mas sim nas justificativas que

levaram a condená-lo. A CEDH, ao comentar sobre a pena de oito anos imposta ao jornalista,

confirmou que os Estados signatários são permitidos, e até mesmo obrigados pelas obrigações

positivas do art.8 da Convenção, a proteger o direito de reputação dos indivíduos, no entanto, eles

não podem cumprir com esta obrigação de forma a impedir que a mídia exerça sua função de

informante da sociedade, em assuntos de interesse público. No presente caso, tornou-se evidente

que a sanção de oito anos de prisão gerava um inevitável medo por parte dos demais jornalistas, e

que isso geraria um “chilling effect”, configurando, dessa forma, uma restrição desproporcional.

(ii) Times Newspapers Ltd. v. United Kingdom

Este caso envolve a publicação de dois artigos, pelo Times, relativos a possível ligação de

um cidadão com a lavagem de dinheiro da máfia russa. Estes dois artigos foram disponibilizados na

a internet no mesmo dia de suas publicações físicas. Ao ser acionado na corte britânica, o Times

deixou de alegar que o conteúdo de suas matérias não eram difamatórias, e não se esforçou para

15 Fatullayev v. Azerbaijan, Parágrafo 82. (Tradução livre). 16 Fatullayev v. Azerbaijan, Parágrafo 92. (Tradução livre).

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comprovar as alegações ali feitas. Ao se defender, o jornal se apoiou em sua proteção jornalística,

pois as acusações eram tão sérias, que eles teriam o dever democrático de publicá-las. Ao longo do

processo contra a publicação, o conteúdo das matérias permaneceu disponível na internet, e por isso

o cidadão entrou com nova ação contra o jornal. Contra esta segunda ação, o Times alegou em sua

defesa o “single-publication rule” e que por isso, a segunda ação sequer poderia existir. Segundo

esta regra, adotada nos EUA, somente o dano gerado pela primeira publicação na internet enseja a

interposição de uma ação. A corte nacional, no entanto, baseando-se no caso Duke of Brunswick v.

Harmer17 afirmou que cada jornal de conteúdo difamatório publicado gera uma nova ação. Na

internet, portanto, cada acesso geraria o direito do cidadão de entrar com uma nova ação.

Ao tratar do caso, a Corte lembrou que a jurisprudência da CEDH tem sido no sentido de

garantir não somente o direito de comunicar informações, mas, também, o direito do público de

receber estas informações. Mais adiante, ressaltou-se que “à luz de sua acessibilidade e grande

capacidade de arquivamento, bem como a possibilidade de comunicar vastas quantidades de

informações, a internet desempenha papel fundamental em reforçar o acesso público às notícias e

em facilitar a disseminação de informação em geral.”18. Além disso, reconheceu-se a importância

dos arquivos mantidos na internet, na preservação e manutenção das notícias disponíveis, sendo

também, de grande importância como fonte de educação e pesquisa histórica, na medida em que seu

acesso é geralmente irrestrito e livre. Segundo a CEDH, o dever dos jornalistas não se limita a

transmitir as informações, mas também mantê-las disponíveis ao público. No entanto, a Corte

entendeu que a exigência da corte recursal nacional, não foi desproporcional, visto que o próprio

jornal controla a página na internet onde o material supostamente difamatório se encontra. O Times

só publicou o aviso de que aquele material poderia ser difamatório e que era objeto de uma disputa

judicial, um ano após a determinação judicial. A CEDH, portanto, concluiu que não houve violação

ao art.10, pois a corte recursal britânica não tinha exigido a remoção dos arquivos, mas somente a

publicação de uma qualificação indicando que aquele conteúdo estava sob análise judicial, e tal

medida não se mostrava onerosa, já que era o próprio jornal que editava o site.

iii) Editorial Board of Pravoye Delo and Shtekel v. Ukraine

Neste caso, o requerente foi condenado nas cortes nacionais, a publicar não só uma

retratação da sua matéria, mas, também, um pedido de desculpas, além do pagamento de danos

morais pela difamação. O requerente publicou em seu jornal uma notícia acusando alguns oficiais

17 Neste caso, o Duke of Brunswick foi difamado por um artigo de jornal. A prescrição para alegar a difamação era de

seis anos. Entretanto, dezessete anos depois o Duke achou uma cópia do artigo em um outro jornal, e por isso

pleiteou na justiça a condenação daquele jornal. Nesta oportunidade, decidiu-se que cada vez que o artigo fosse

publicado, o ofendido teria direito de pleitear as medidas necessárias. O prazo prescricional corre a partir de cada

publicação. 18 Times Newspapers Ltd. v. U.K., Parágrafo 27. (Tradução livre).

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do departamento regional de segurança de Odessa de corrupção e ligação com organizações

criminosas. A particularidade deste caso se evidencia no fato de que essas informações foram

retiradas de um site da internet. Em sua defesa, o requerente alegou que não seria responsável pela

precisão dos fatos, na medida em que eles apenas republicaram um material já exposto na internet.

Ademais, alegou-se que eles agiram de boa-fé, sem almejar difamar o cidadão, pessoa pública que

também foi incluída na reportagem. A corte nacional entendeu que, embora o item 42 do Press Act

isente o quadro de editores e jornalistas de responderem por difamação quando as notícias são

frutos de uma reprodução textual, neste caso, por se tratar de uma reprodução de texto contido na

internet, não haveria tal proteção.

Primeiramente a Corte entendeu que a pena de obrigar o editor a publicar um pedido de

desculpas, violava o art.10 da Convenção, na medida em que tal possibilidade não era prevista em

lei. Nesta oportunidade, a CEDH fez importante esclarecimento, ressaltando que a despeito de

existir uma norma prevendo isto, esta deve preencher certos requisitos de “qualidade”, tais como a

adequada, precisão para que o cidadão possa prever as consequências oriundas daquele ato. Ao se

dirigir à questão da previsão legal quanto à isenção de responsabilidade por material reproduzido da

internet, a Corte concluiu que “a ausência de suficiente quadro jurídico no nível doméstico,

permitindo que jornalistas usem informações obtidas na internet sem terem o medo de sofrerem as

sanções, dificulta seriamente o exercício da vital função da imprensa como 'cão de guarda do

público'.”19Antes de concluir pela violação do art.10 da Convenção, em face da ausência de

previsão legal, o que já torna dispensável a análise da “necessidade em uma sociedade democrática”

e o juízo da proporcionalidade, a Corte deu importante contribuição para a compreensão das

particularidades da internet:

“63. (…) A rede eletrônica, servindo bilhões de usuários por todo o mundo, não

está e potencialmente nunca estará sujeita as mesmas regulações e controle. O

risco de dano que o conteúdo e comunicações na internet apresentam, quando

se exerce o os direitos humanos e liberdade fundamentais, particularmente o

direito à privacidade, é certamente maior do que aquele apresentado pela

imprensa impressa. Desta forma, as condições que regem a reprodução de

material da mídia impressa e a da Internet podem divergir. O direito deve se

ajustar de acordo com as características específicas de cada tecnologia, para

que se assegure a proteção e promoção dos direitos e liberdades envolvidos.”

(Julgamento n° 33014/05, Data 04.08.11, parágrafo 63)

Nesta ocasião, portanto, a Corte entendeu que a ausência de legislação adequada para o meio

da internet não poderia gerar uma interpretação restritiva do Press Act. Com isso, a CEDH

reconheceu que a restrição à liberdade de expressão do jornalista violou o art.10, na medida em que

19 Editorial Board of Pravoye Delo and Shtekel v. Ukraine, Parágrafo 64. (Tradução livre).

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não havia previsão legal que levasse o intérprete da lei a não isentar o jornalista que reproduziu um

texto extraído da internet.

Pela leitura dos três casos, extraem-se importantes conclusões. Primeiramente identificou-se

claramente o critério adotado pela CEDH – o “three-part-test” relacionado à concessão da margem

de apreciação. Trata-se de um critério cumulativo, ou seja, a intervenção para não ser tida como

uma violação deve estar “prevista em lei”, visar a obtenção de um fim legítimo e deve ser

“necessária em uma sociedade democrática”. Cumpre ressaltar, que a “necessidade”, além de ter

que corresponder a uma “necessidade social imperiosa”, traz ainda a exigência de que tal

interferência seja proporcional, visto que uma condenação de prisão não seria compatível com a

acusação de difamação, como pode-se observar no caso Fatullayev v. Azerbaijan. Em segundo

lugar, identificaram-se certas peculiaridades que a internet nos apresenta, tais como: (i) ampla

acessibilidade, (ii) grande capacidade de arquivamento, (iii) maior difusor de informações. Por todo

exposto, será que a internet possibilitou um maior pluralismo democrático, no que tange à liberdade

de expressão jornalística? Acredito que sim. No caso Times Newspapers Ltda v. U.K., a Corte

reconheceu que por se tratar de uma matéria da internet, haveria uma maior possibilidade de inserir

uma retratação, sem que esta causasse um ônus demasiadamente oneroso. Nesse sentido, passa-se a

estimular o exercício da liberdade de expressão jornalística, na medida em que se condenam penas

absurdamente desproporcionais20 e se estimula a retratação ao invés das penas pecuniárias, que ao

invés de ressarcirem o suposto dano à imagem, tratam de enriquecer o ofendido, sem em nada

contribuir para o desenvolvimento da liberdade de expressão e garantia do pluralismo democrático.

Aqui, a pluralidade de ideias é estimulada porque o jornalista, ao invés de se sentir oprimido

por sanções que podem o levar a falência ou à prisão, se sente estimulado pelas facilidades que a

internet oferece, e mais protegido pelas garantias que lhe são dadas pelo direito e pela atuação dos

tribunais. De fato, as garantias dadas aos jornalistas são as mesmas, seja online ou offline. No

entanto, o reconhecimento de que o direito e a legislação devem acompanhar esta nova tecnologia21,

é primordial para que estas garantias mantenham sua eficiência.

6.1.3. Menores

Como já se demonstrou nesta pesquisa, a liberdade de expressão é um direito intrínseco à

democracia, só sendo justificável a sua restrição diante de casos extremos. Somente pela garantia da

liberdade de expressão é que se identificam as violações aos demais direitos fundamentais, e talvez

seja essa uma das principais razões pela preponderância deste em relação aos demais, na maioria

20 Fatullayev v. Azerbaijan 21 Board of Pravoye Delo and Shtekel v. Ukraine

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das vezes. Entretanto, cabe ressaltar, que quando se trata de menores, a liberdade de expressão

pode, facilmente, ser restringida, quando esta causar dano ao menor de idade. Enquanto o político

deve ser mais tolerante quanto às criticas a ele dirigidas, o menor de idade, em face de sua

vulnerabilidade, dispõe de uma reforçada proteção. Esta preservação do menor, não é, de forma

alguma, prejudicial ao pluralismo democrático, dado que a proteção a ele conferida permite que ele

desenvolva suas próprias perspectivas e ideias livremente, sem o risco de ter seu desenvolvimento

comprometido pelo uso imoderado da liberdade de expressão de terceiros. Relativo a este tópico,

cabe destacar três principais julgados: (i) Aleksey Ovchinnikov v. Russia, (ii) K.U. v. Finland e (iii)

Mouvement Raelien Suisse v. Suisse.

No caso Aleksey Ovchinnikov v. Russia, um jornalista reproduziu o material de uma

reportagem da internet, onde é relatado um escândalo envolvendo o neto de um político russo. A

reportagem relatava as agressões que o neto do político teria cometido a outro menor de idade,

durante um acampamento. Nesta oportunidade, comentou-se acerca da possibilidade de as

investigações terem sido comprometidas pela grande influência exercida pelo avô do menor de

idade. No julgamento, reconheceu-se que, de fato, as informações que ofendem, choquem e

perturbem também merecem a proteção dada à liberdade de expressão22. Entretanto, tratando-se de

um menor de idade seria difícil vislumbrar o interesse público na matéria da reportagem. Em

verdade, o interesse público seria justamente o de se resguardar o menor, sob o risco de lhe causar

danos psicológicos e morais. Justamente por se tratar de um menor, a Corte entendeu que a corte

nacional teria maior margem de apreciação para tutelar e proteger os seus valores sociais, dentre os

quais se tem a proteção do menor de idade, sendo este preponderante em relação ao direito de

liberdade de expressão. Este caso, embora não contribua muito para a investigação do incremento

do pluralismo jurídico na internet, torna-se importante para identificar as razões para a proteção do

menor, quando violado pelo exercício da liberdade de expressão de outra pessoa. A Corte concluiu

que não houve violação ao art.10 da Convenção, uma vez que o tribunal russo atuou dentro da sua

margem de apreciação.

K.U. v. Finland, embora não trate diretamente sobre a liberdade de expressão, torna-se

relevante nesse ponto, pelas considerações da CEDH, ao julgar a violação do art.8 da Convenção23.

22 Handyside v. UK 23 Art. 8°- Direito ao respeito pela vida privada e familiar.

1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.

2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança

nacional, para a segurança pública, para o bem - estar econômico do país, a defesa da ordem e a prevenção das

infracções penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.

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Neste caso, um menor teve sua foto e suas informações disponibilizadas em um site de

relacionamento, sendo inclusive abordado na internet por um pedófilo. Diante deste acontecimento,

os pais do garoto foram à polícia para solicitar a prisão do criminoso. Entretanto, ao ser informado

pela polícia, o servidor responsável pelo site se recusou a disponibilizar a identidade do usuário,

visto que tal ato violaria os termos de confidencialidade das telecomunicações estabelecida em lei.

A corte nacional condenou o servidor por não proteger os dados do menor adequadamente. A Corte,

em seu julgamento, identificou que o Estado tem a obrigação positiva de resguardar a integridade

física e moral de seus indivíduos. A forma pela qual os Estados cumpririam esta obrigação está

dentro da margem de apreciação do próprio Estado. A Corte reconheceu que esta obrigação positiva,

deve ser interpretada de uma forma que não imponha um encargo impossível ou desproporcional.

Ao comentar sobre a legislação do Estado na época, que era nitidamente mais favorável ao direito

de liberdade de expressão, a CEDH afirmou que à época da ofensa, o anonimato e os perigos que

emanam desta característica da internet, já era de conhecimento de todos, e que por isso, o Estado já

poderia ter elaborado mecanismos de prevenção.

No caso Mouvement Raelien Suisse v. Suisse, a corte nacional restringiu o direito de

liberdade de expressão de um grupo que pregava a gêniocracia24, a clonagem humana e que tinha

relatos de abuso de menores em suas práticas religiosas. A limitação veio por uma decisão judicial

que proibiu que este grupo disponibilizasse seus pôsteres pela rua. No entanto, a corte não proibiu

que o grupo mantivesse a sua atividade na internet. A Corte ao receber a reclamação por parte do

movimento, entendeu que a corte nacional não excedeu a sua margem de apreciação, na medida em

que tal restrição estava prevista em lei, tinha um fim legítimo que era a proteção dos valores sociais,

dentre a proteção aos menores, além de ser uma medida necessária e proporcional. Aqui cabe

antecipar um tema que será tratado no próximo capítulo, que é a diferença de tratamento pela Corte,

quando se está diante de um discurso político e um econômico. Nesta ocasião, a Corte entendeu que

a mensagem do Mouvement Raelien Suisse era predominantemente econômica, e que não visava

promover um debate político acerca da política na Suíça. Por isso a Corte entendeu que a corte local

não excedeu sua margem de apreciação, pois tratando-se de um discurso econômico, há uma ampla

margem de apreciação.

A leitura desses três casos nos fornece um dos limites à liberdade de expressão: a proteção

aos vulneráveis. No último caso analisado, evidenciou-se a importância da internet. Neste julgado,

identificou-se que, enquanto a restrição à liberdade de expressão offline era aceitável por parte da

24 Modelo politico elaborado por Rael segundo o qual a inteligência seria o critério para poder se ingressar na

política.

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CEDH, a restrição a tal direito na internet não se justificaria. O fato de a corte nacional ter se

limitado a restringir a liberdade de expressão offline foi o ponto fulcral a influenciar a Corte a não

reconhecer uma violação ao art.10. Nesta ocasião, a internet surge como elemento garantidor do

pluralismo democrático, na medida em que serve de meio para a veiculação de todas as opiniões,

até mesmo as que foram restringidas, quando veiculadas offline. Por vezes, o exercício da liberdade

de expressão não é garantido quando se respeita a margem de apreciação do Estado, como ocorreu

em Aleksey Ovchinnikov v. Russia, mas isso não significa que o pluralismo democrático não foi

garantido. Convém ressaltar que o pluralismo democrático não é garantido somente quando se

protege de forma absoluta a veiculação de quaisquer ideias, pois caso assim fosse, este só seria

garantido nas hipóteses em que a liberdade de expressão fosse elevada a status de direito absoluto.

Em verdade, a garantia deste pluralismo é verificada quando se evita que um discurso seja

restringido somente por ser diferente. Isto não é o mesmo que limitar a liberdade de expressão

quando esta representa um sério dano alguém, como ocorre nos casos em que se envolvem menores.

Na internet isto é possibilitado pelo fato de que, cada grupo ou pessoa, pode veicular as suas

opiniões e pensamentos em um site, sem que isto implique em uma agressão aos demais que

discordam de tais opiniões. Por exemplo, no caso Mouvement Raelien Suisse v. Suiça, a não

restrição ao site é justificável, pelo fato de que, somente acessará o site quem tiver interesse nas

ideias ali veiculadas, enquanto nas manifestações por pôsteres distribuídos em público, são as

ideias, potencialmente danosas, que são ativamente difundidas. Fica evidente, portanto, que uma

decisão que concede a margem de apreciação pode sim garantir o pluralismo democrático.

6.2. Estudo quanto ao Elemento Objetivo:

O estudo do elemento subjetivo já serviu de introdução para que se compreenda a distinção

entre a proteção que se dá, na internet, aos discursos políticos, econômicos e os artísticos. Nem

sempre é fácil identificar a em que tipo de discurso uma mensagem se enquadra, até mesmo porque

os discursos raramente são compostos somente por um dos conteúdos acima. Nesta seção, a análise

do elemento objetivo não será segmentada, ou seja, analisarei os discursos políticos, econômicos e

artísticos em conjunto.

Cumpre ressaltar, que, diante de um discurso de conteúdo político, a Corte concede margem

de apreciação extremamente restrita, justamente em atenção ao interesse público e a essencialidade

da veiculação desses discursos em uma sociedade democrática. Afinal, a “preponderância” da

liberdade de expressão em relação aos demais direitos fundamentais se evidência nas mensagens de

conteúdo político.

Em Delfi AS v. Estonia, um site foi condenado ao pagamento de uma indenização pelos

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comentários difamatórios feitos por terceiros no espaço disponibilizado pela empresa. A corte

nacional entendeu que “o espaço para comentários deveria ser distinguido do conteúdo jornalístico

de suas matérias. (...) A empresa não poderia ser considerada como autora dos comentários, e nem

tinha a obrigação de monitorá-los”25. Esta decisão foi revista pela corte recursal, que considerou

que a empresa não forneceu os meios adequados para proteger os demais direitos fundamentais e

que ela poderia sim ser considerada como autora dos comentários.

A Corte entendeu que de fato não houve violação ao art.10 da Convenção. Em sua

fundamentação, a CEDH tratou de distinguir o conteúdo das mensagens dos do próprio artigo.

Além de reconhecer que a empresa poderia ter antevisto a reação negativa dos seus leitores, e que

na internet se tem ampla variedade de instrumentos para filtrar tais comentários, a Corte fez

importante comentário acerca da distinção entre o conteúdo do artigo publicado, e dos comentários

publicado por terceiros. Enquanto o artigo atendia ao interesse público e gozava de maior proteção,

os comentários correspondiam a um interesse econômico da empresa. Neste sentido, “a receita da

empresa dependia do número de leitores e comentários”, e a foi a própria Delfi AS que escolheu

permitir que usuários não registrados comentassem em sua página. Aqui cabe fazer breve

comentário acerca do papel que desempenha o anonimato na internet. Vimos que em Aleksey

Ovchinnikov v. Russia e Delfi AS v. Estonia, a Corte reconheceu a dificuldade de se os reais autores

da violação, o que motiva a aceitação da condenação dos sites, mesmo quando estes não são os

autores. Neste caso, a Corte entendeu que a condenação, e consequente restrição à liberdade de

expressão da empresa foi proporcional. Vemos, portanto, que a margem de apreciação não foi

excedida pelo tribunal nacional, na medida em que, por se tratar de comentários que atendem ao

interesse econômico da empresa, o estado goza de ampla margem de apreciação. Como o dever de

indenizar veio em face dos comentários e não do próprio conteúdo do artigo, vemos que há nítida

distinção no tratamento que a Corte dá aos casos de mensagens de conteúdo político e os que são de

conteúdo econômico. Enquanto o primeiro atende ao interesse público e a necessidade de uma

sociedade democrática, o segundo não satisfaz nenhum interesse coletivo, a não ser o interesse

econômico da própria empresa. A internet amplia as oportunidades de se ter misturas de conteúdo,

seja pela disponibilização de espaços para se comentar, ou seja, pela criação de links dentro de um

mesmo artigo.

No caso Kaartunen v. Finland, a Corte entendeu que não houve violação à liberdade de

expressão da artista. Este caso não contribui à primeira vista para a atual pesquisa, na medida em

que não trata da difusão de uma mensagem pela internet, mas é importante para diferenciar o

25 Delfi AS v. Estonia, Parágrafo 23. (Tradução livre).

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tratamento que se dá aos discursos de conteúdo artístico, e os de conteúdo político. Em verdade, a

artista organizou uma exibição de arte, onde ela exibiu uma série de fotos pornográficas retiradas da

internet, a fim de protestar contra a facilidade de acesso à conteúdo pornográfico que se tem na

internet. As fotos foram confiscadas pela polícia antes da exibição. A corte nacional condenou a

artista por exibir conteúdo fotos de conteúdo obsceno. Ao analisar o caso, a Corte de Strasbourg

ressaltou que nesses casos a corte nacional teria ampla margem de apreciação para definir seus

valores morais a serem tutelados. Desta forma, a Corte entendeu que não houve violação, pois tal

intervenção do estado estava prevista em lei, visava um fim legítimo – a proteção de valores morais

da sociedade – era necessário em uma sociedade democrática e era evidentemente proporcional, na

medida em que não houve sanção alguma, a não ser a retenção das fotos. A Corte entendeu que, por

se tratar de um discurso de conteúdo artístico, a corte nacional teria ampla margem de apreciação

para definir os seus valores morais a serem preservados.

Pela análise dos casos, extrai-se que não há distinções substanciais quanto ao tratamento

dado pela Corte nos casos de discursos na internet e fora dela. O que se vislumbra, é a extensão das

possibilidades de se ter casos que tratem de mais de um tipo de conteúdo, como vimos em Delfi AS

v. Estonia. Neste caso, ficou evidente que, tratando-se de discursos políticos, maior é a

possibilidade da Corte garantir a pluralidade democrática, isto é, condenar o estado que tente

restringir o exercício da liberdade de expressão. Diante de casos de discurso artístico ou econômico,

em face da maior margem de apreciação, há certa limitação à garantia do pluralismo democrático,

como se verifica no caso Delfi AS v. Estonia, onde tanto as cortes nacionais quanto a CEDH

entenderam que cabe ao site filtrar os comentários feitos em sua página. Identifica-se que há uma

tendência em se restringir o anonimato cada vez mais, gerando um possível dano ao pluralismo

democrático, na medida em que as pessoas terão maior ressentimento em publicar certas

mensagens. Esta tendência se verifica na fundamentação das cortes nacionais, e da própria CEDH,

visto que os sites são condenados a pagar indenizações aos ofendidos por permitir que usuários não

cadastrados comentem no site.

6.3. Estudo quanto ao Elemento Temporal:

Por fim, cumpre analisar o elemento temporal nas decisões da CEDH. Por vezes, este

elemento configura-se como fator fulcral a ser avaliado. De fato, se uma das etapas do critério da

corte é verificar a “necessidade em uma sociedade democrática” o fator temporal faz-se

fundamental. Neste sentido, cabe examinar de que forma a internet interferiu no elemento temporal.

O dinamismo da internet é uma de suas qualidades.

Ao longo da pesquisa, percebeu-se que a Corte tende a dar uma maior proteção aos

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discursos políticos, quando estes são veiculados em datas próximas ou contemporâneas aos fatos

contidos na mensagem. Aqui, pode-se extrair que, se por vezes o político deve ter maior tolerância

com os discursos a ele dirigidos, tais mensagens dependem, igualmente, da proximidade com os

fatos criticados.

Em Leroy v. France, tornou-se evidente a importância do elemento temporal. O cartunista,

Denis Leroy, submeteu a editora de uma revista, um cartoon com as torres gêmeas caindo, com a

legenda “todos nós sonhamos com isso.... Hamas conseguiu”. Este cartoon foi publicado dois dias

após a tragédia do 11 de setembro de 2001. O artista foi condenado na corte francesa por apologia

ao terrorismo. Concluiu-se na CEDH, que de fato não houve violação à liberdade de expressão do

artista. Neste julgamento fizeram-se importantes contribuições para a presente pesquisa. Nesta

ocasião, a Corte ressaltou que a dimensão temporal – artigo publicado em 13 de setembro de 2001 –

deveria aumentar a responsabilidade do autor, independentemente de sua perspectiva artística ou

jornalística. Embora este caso não envolva a internet, deve-se atentar ao fato de que ele contribui

para se identificar a racionalidade da CEDH, diante de casos em que o elemento temporal faz-se

relevante, e até mesmo fundamental. Por vezes, uma mesma mensagem pode ser interpretada como

jornalística e em outros tempos como artística, dependendo tão somente do tempo em que esta

mensagem foi veiculada.

Em Times Newspapers v. United Kingdom (n°1 e 2), a Corte foi enfática ao destacar que “a

margem de apreciação concedida aos Estados para se garantir o equilíbrio entre os direitos

fundamentais conflitantes é provavelmente maior quando se trata de novos arquivos de eventos

passados, do que quando se trata de notícias relativas a acontecimentos atuais”26. Este trecho

somente reafirma as conclusões elaboras a partir do julgamento de Leroy v. France. Dessa forma,

identifica-se claramente o modo que o elemento temporal vai influenciar nos julgamentos.

Ainda assim, convém questionar se tais conclusões nos levam a afirmar que o pluralismo

democrático é mais garantido na internet? É possível dizer que não há grandes diferenças neste

campo. Entretanto, convém ressaltar que a forma pela qual o elemento temporal vem sendo

utilizado é sim benéfico ao pluralismo democrático. Primeiramente, pois, por meio desta aplicação,

garante-se que as mensagens veiculadas contemporaneamente aos fatos relatados possuem maior

proteção, na medida em que geralmente atende, em maior grau, a função democrática da liberdade

de expressão, não sendo esta limitada pela maioria ou governo que se oponham àquela opinião. Por

outro lado, garante-se, também, a pluralidade democrática quando se permite que o autor da

mensagem seja punido, como ocorreu em Leroy, pois naquela ocasião, a mensagem com o

26 Times Newspapers v. United Kingdom (n°1 e 2), Parágrafo 45. (Tradução livre).

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propósito cômico, por ser contemporâneo à tragédia das Torres Gêmeas, gerou a punição ao seu

autor. Em ambas oportunidades, vislumbra-se o efeito do elemento temporal sobre a concessão ou

não de maior margem de apreciação, como bem destacou a Corte no julgamento do Times

Newspapers v. United Kingdom (n°1 e 2).

7. Conclusão

Por fim, conclui-se que a Corte vem adotando um critério relativamente objetivo quanto a

definição de se a restrição ao direito de liberdade de expressão pela corte nacional configurou ou

não, uma violação a este direito. Pode se constatar que nos julgamento da CEDH, a margem de

apreciação será menor quando se tratar do exercício da liberdade de expressão ligado ao seu

interesse público, isto é, a restrição deste direito não será tolerada quando se trata da veiculação de

uma mensagem de conteúdo político. O “Three-Part-Test”, tem sido uma consistente técnica de

avaliação utilizada pela CEDH, quando esta examina a legalidade, proporcionalidade e necessidade

da restrição a um direito fundamental. Ao longo da pesquisa, identificou-se que a configuração de

uma violação, varia de acordo com (i) quem veiculou a mensagem (jornalista27, político28 ou

menor29), (ii) qual seria o seu conteúdo (político30, econômico31 ou artístico32) e (iii) quando esta foi

comunicada.

Conclui-se que a mensagem veiculada por um jornalista deve ser dotada de maior proteção

jurídica, uma vez que o exercício de sua função é fundamental para a democracia, atuando como

informante das diversas violações que se tem a outros direitos. Na internet, os “cidadãos jornalistas”

nos apresentam um novo problema no âmbito da internet: torna-se necessário definir quando uma

pessoa se torna jornalista ao publicar na internet. Por outro lado, um político deve ter maiores

cuidados ao se expressar, na medida em que seu cargo lhe dá maior visibilidade e com isso, advêm

maiores responsabilidades e possibilidades de ofender terceiros. A internet traz a dificuldade em se

distinguir quando o político exerce sua liberdade de expressão como particular ou como político.

Quanto à recepção da mensagem, o político deve ser mais tolerante e suportar as diversas

críticas, pois sua representatividade lhe impõe uma maior fiscalização, que se dá por meio dos

comentários de seus governados. O menor de idade, em sentido contrário, recebe uma maior

proteção do direito, justamente por sua vulnerabilidade. Enxerga-se, portanto, que a potencialidade

27 Editorial Board of Pravoye Delo and Shtekel v. Ukraine/ Times Newspapers Limited. v. U.K. (n° 1 e 2)/ Stoll v.

Switzerland/ Fatullayev v. Azerbaijan. 28 Edition Plon v. France/ Von Hannover v. Germany/ Féret v. Belgium/ Willem v. France./ Renaud v. France 29 K.U. v. Finland/ Perrin v. U.K./ Ovchinnikov v. Russia 30 Max Mosley v. U.K./ Fatullayev v. Azerbaijan/ Renaud v. France 31 Delfi AS v. Estonia 32 Karttunen v. Finland

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de causar dano é algo a se considerar ao avaliar a restrição a um direito. Na internet, por sua

liberdade e maior alcance, a responsabilidade de filtrar os conteúdos danosos cabe cada vez menos

ao país e mais aos donos dos sites.

Com isso, identificou-se os parâmetros utilizados para fixar a margem de apreciação nos

casos concretos, atingindo o objetivo imediato almejado inicialmente. Diante de um discurso de

caráter político, as cortes nacionais têm uma margem de apreciação limitadíssima, podendo estas

restringir o exercício da liberdade de expressão nesses casos somente diante de um “pressing social

need” como ocorre nos casos de incitação ao terrorismo e discurso de ódio. No entanto, identificar

esta necessidade social urgente é o que constitui a subjetividade deste critério relativamente

objetivo que a CEDH adotou de forma explícita.

De acordo com a análise dos casos, conclui-se que a influência da internet se dá mais nos

casos em que se envolvam jornalistas veiculando mensagens e menores sendo destinatários das

mensagens. No caso dos jornalistas, vimos que a internet fornece meios menos onerosos de se

permitir que o jornal publique uma retratação ou informe que determinado artigo está em disputa

judicial33. Desta forma, há uma valorização da liberdade de expressão, na medida em que jornais

não são punidos com penas pecuniárias altíssimas, capazes de levá-los a falência, mas, são, sim,

condenados a publicar retratações, que, por sua vez, estimulam ainda mais a livre troca de ideias, e

o livre exercício da liberdade de expressão. Quanto aos menores, percebe-se que a internet

apresenta grandes perigos, e que suas características como o anonimato dificultam a penalização do

verdadeiro autor das mensagens, gerando, por vezes, a condenação do próprio site. Entretanto, fica

evidente que a internet fornece um campo ideal para o livre exercício da liberdade de expressão,

que por sua vez, garante a proteção do pluralismo democrático, como ocorreu em Mouvement

Raelien Suisse v. Suiça.

Sobre o pluralismo democrático é importante ressaltar que nem sempre a proteção irrestrita

da liberdade de expressão é o caminho para garanti-lo, visto que a preservação das diversas

perspectivas e culturas, não se dá somente pela proteção da liberdade de expressão, sendo o

pluralismo democrático igualmente preservado quando a Corte condena os discursos ofensivos, e

concede uma maior margem de apreciação, como ocorreu em Leroy v. França. Esta observação é

importante para se acabar com a ideia de que o pluralismo democrático só será garantido quando a

liberdade de expressão de cada cultura, religião ou grupo de pensamentos diferentes, for garantida

de maneira absoluta. Este pensamento é incompatível com a ideia do transconstitucionalismo, pois

não seria possível promover uma abordagem de reciprocidade em tal cenário. Na medida em que se

33 Times Newspapers Ltd. v. United Kingdom.

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demonstra que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, torna-se possível ponderar os

direitos, a fim de que o pluralismo democrático seja garantido.

Dessa forma, com a internet como um meio comum, o transconstitucionalismo pode ser

aplicado na relação entre as cortes nacionais e a CEDH, visto que o aumento de casos entre esses

órgãos judiciais, promove um maior diálogo entre ambas as esferas. Esta intensificação dos

diálogos gera uma maior previsibilidade das cortes nacionais e da CEDH, fazendo com que a Corte

reconheça suas limitações, e nesses casos conceda uma maior margem de apreciação, e que as

cortes nacionais identifiquem seus limites de atuação, deixando de aplicar restrições à liberdade de

expressão que possam posteriormente ser condenadas pela Corte.

8. Referências Bibliográficas

1 - BENEDEK, W.; KETTEMANN, M. C. Freedom of expression and the Internet. Strasbourg:

Council of Europe Publishing, 2013.

2 - ECO, U. Como se faz uma tese. Ed. 19a. Editora Perspectiva, 2005.

3 - MARSDEN, C. T. Internet Co-Regulation. Cambridge University Press. Cambridge: 2011.

4 - NEVES, M. Transconstitucionalismo. 3a edição. São Paulo: Editora WMF Ltda, 2013.

5 - RIBEIRO, S. S. M. Democracy after the Internet: Brazil between Facts, Norms, and Code.