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LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA INTERNET:
MAIOR PLURALISMO DEMOCRÁTICO?
Aluno: Luiz Felipe Goes de A. Mendes de Almeida
Orientadora: Samantha S. Moura Ribeiro
1. Introdução
Na década de 90, o desenvolvimento da internet trouxe um novo panorama para as
comunicações interpessoais, estimulando e alimentando a esperança de se democratizar os discursos
e de se garantir de uma vez por todas o pleno e livre exercício da liberdade de expressão. Sem
dúvidas, a universalidade, administração descentralizada e anonimato da internet, alimentavam o
otimismo dos que vislumbravam a solidificação da sociedade democrática, assim também, como a
valorização do discurso racional e fortificação do princípio democrático1. A maior contribuição
desta nova dimensão online das relações intersubjetivas está, por um lado, atrelado à intensificação
dos diálogos, que se dão pela abertura da internet e maior acesso aos meios comunicativos. Estas
melhorias vieram acompanhadas de alguns desafios atrelados às formas de regulação da internet e a
forma como as leis são aplicadas a ela.
A diversidade é um marco característico da vida, como bem pontuou o poeta espanhol
Ramón de Campoamor2. Neste sentido, a internet concretiza tal afirmação, na medida em que
fornece meios mais acessíveis a todos de exercerem sua liberdade de expressão. Cabe ao direito, no
entanto, garantir esta pluralidade de perspectivas e opiniões, preservando o pluralismo democrático,
sem contudo, deixar de observar a razoabilidade que se exige nesta ponderação, não sendo
tolerável, portanto, a proteção aos discursos de ódio3, abuso infantil e incitamento à violência na
internet4. O problema dos conflitos entre direitos fundamentais no âmbito da internet, é um
problema de interesse global, pois não se trata de um desafio regional, mas sim internacional. Desta
forma, requer-se uma solução menos introspectiva, menos egoísta, e de maior alteridade. Para tal,
faz-se necessário a superação dos binômios (“superior”/”inferior”), bem como a relativização de
outros direitos fundamentais, a fim de tratar com adequação, a complexidade que engloba estes
1 RIBEIRO, Samantha S. M.. Democracy after the Internet: Brazil between Facts, Norms, and Code. European
University Institute – Department of Law, 2013. p. 74/ 88. 2 CAMPOAMOR, Ramón. “En este mundo traidor / nada es verdad ni mentira / todo es según el color / del
cristal con que se mira” 3 Handyside v. U.K./ Erbak v. Turkey/ Féret v. Belgium/ Leroy v. France/ Jersild v. Denmark/ Faruk Temel v.
Turkey/ Surek v. Turkey 4 Fatullayev v. Azerbaijan/ Urper a.o. v. Turkey/ Yagmurdereli v. Turkey
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problemas5.
Diante disso, a Europa apresenta-se como objeto de estudo ideal para a presente pesquisa, na
medida em que possui uma rede de tribunais supranacionais bem consolidados, assim também,
como uma diversidade de países culturalmente, religiosamente e socialmente heterogêneos, o que
nos fornece uma farta jurisprudência. Sendo assim, a vasta quantidade e diversidade de conflitos
sob a apreciação da Corte Europeia de Direitos Humanos (“CEDH”) justificam a nossa escolha por
esta região. No âmbito da CEDH, a concessão da “margem de apreciação” torna-se particularmente
interessante, já que a garantia da liberdade de expressão preserva o pluralismo de ideias, enquanto a
restrição a esta liberdade, nos casos em que se concede uma margem de apreciação, é uma forma de
reconhecimento da alteridade, que por sua vez, também implica na garantia da multiplicidade de
perspectivas.
Nesse contexto, merece destaque a proposta do “transconstitucionalismo” desenvolvida pelo
Prof. Marcelo Neves. Trata-se de um método que reforça o reconhecimento das diversas ordens
jurídicas, enquanto estimula a solução dos problemas concumitantemente relevantes à todas elas,
neste caso a violação aos direitos humanos na internet. A atuação em conjunto das esferas jurídicas
implicadas, sem sobreposições, possibilitaria o reconhecimento dos limites inerentes a cada um, a
partir da interação. Afinal, a solução de problemas globais depende da identificação dos limites de
cada ordem jurídica, só sendo isto possível pela consideração das diversas perspectivas de
observação do mesmo problema, afinal “o ponto cego, o outro pode ver”.6 A escolha pelas Corte
Europeia de Direitos Humanos se justifica mais uma vez, já que apresenta a realidade mais próxima
à incidência do transconstitucionalismo, já que cada Corte Nacional possui autonomia própria, mas
as decisões das Cortes Europeias são vinculantes e definitivas sobre a violação dos instrumentos
legais regionais. Neste cenário, as Cortes Nacionais são estimuladas a dialogarem entre sí, bem
como, promoverem um diálogo racional entre cortes e a CEDH.
Diante da necessidade de se regular a internet, convém destacar a importância em se regular
este meio, justamente para que se assegure a liberdade de expressão, devendo as restrições a este
direito serem efetuadas com parcimônia para que não se incorra em uma censura judicial.
2. Objetivos
O objetivo imediato da presente pesquisa é identificar a racionalidade por trás das decisões
que garantem a liberdade de expressão, e consequentemente o pluralismo de ideias, bem como as
decisões que concedem uma margem de apreciação, e preservam a pluralidade de perspectivas. A
5 NEVES, M. Transconstitucionalismo. 3a edição. São Paulo: Editora WMF Ltda, 2013. p. 129. 6 NEVES, M. Transconstitucionalismo. 3a edição. São Paulo: Editora WMF Ltda, 2013. p. 298.
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partir desta análise e posterior identificação dos parâmetros característicos de sua racionalidade, a
pesquisa almeja reconhecer quais seriam as formas mais efetivas de garantias do pluralismo
democrático em face do pluralismo jurídico. Trata-se de uma tentativa de identificar a forma pela
qual as particularidades das mais diversas culturas, religiões e grupos sociais, possam ser garantidas
na internet, enquanto preservando-se certos direitos humanos basilares, como o direito à vida.
3. Metodologia
A pesquisa contou com uma revisão bibliográfica seguida de uma extensa análise
jurisprudencial da Corte Europeia de Direitos Humanos (“CEDH”), em conjunto com outras obras
pertinentes ao tema. Os casos foram selecionados inicialmente utilizando palavras chaves como
“internet” e “pluralidade”. Posteriormente, moveu-se para um método de escolha mais preciso, na
qual buscava-se examinar os casos constantemente citados em outras decisões já estudadas. Desde o
início, buscou-se compreender a essencialidade do tema, identificando os progressos de pesquisas
passadas, assim, também como os limites nelas encontradas.
Para tal, foi utilizado o livro do Professor Marcelo Neves, “Transconstitucionalismo”, como
método de estudo e de solução dos casos envolvendo a autoridade de duas ou mais ordens legais,
como ocorre no âmbito Europeu. Em conjunto com a pesquisa jurisprudencial, utilizou-se o livro
“Internet Co-Regulation” do professor e pesquisador Christopher T. Marsden, e a tese de Doutorado
da orientadora desta pesquisa, “Democracy after the Internet: Brazil between Facts, Norms, and
Code”. Para fins de determinação da metodologia foi utilizado a obra de Umberto Eco7 A pesquisa
contava ainda com reuniões quinzenais para discussão dos temas pesquisados.
4. Observações Introdutórias:
Antes de adentrar no tema da pesquisa ora comentada, convém esclarecer o significado de
alguns termos e conceitos fundamentais para a integral compreensão do presente trabalho
acadêmico. Convém esclarecer, que alguns conceitos comportam múltiplas definições, como o
conceito de pluralismo democrático, e outros possuem somente uma definição como é o caso da
margem de apreciação, definida pela própria CEDH em suas decisões, e o transconstitucionalismo,
termo trabalhado pelo professor Marcelo Neves.
Margem de apreciação – teoria segundo à qual, determinadas questões controvertidas
relacionadas às restrições estatais devam ser apreciadas e solucionadas pelas próprias cortes
nacionais, não cabendo à Corte Europeia interferir em tal avaliação. O caso Handyside v. U.K
contribuiu muito para a definição do conceito de margem de apreciação, pois nele se ressaltou que
não é possível, na legislação nacional de cada país, identificar um conceito uniforme dos valores
7 ECO, U. Como se faz uma tese. Ed. 19a. Editora Perspectiva, 2005.
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morais, pois estes variam de acordo com o tempo e lugar. Neste sentido, cabe às autoridades
nacionais determinarem a necessidade de se impor certa restrição ou pena, pois são elas que estão
em contato direto e contínuo com as forças vitais de seus países, estando a autoridades nacionais, a
princípio, em melhores condições de identificar as medidas necessárias para preservar seus valores
morais.
Pluralismo democrático – No presente trabalho o termo será utilizado com o significado de
respeito e proteção a diversidade de culturas, religiões, comportamentos e pensamentos. A
preservação da heterogeneidade do ser humano, sem a criação de qualquer forma de hierarquia ou
segregação.
Tranconstitucionalismo – Adotar-se-á o conceito do professor Marcelo Neves, segundo o
qual o transconstitucionalismo seria “o entrelaçamento de ordens jurídicas diversas, tanto estatais
como transnacionais, internacionais e supranacionais, em torno dos mesmos problemas de
natureza constitucional. Ou seja, problemas de direitos fundamentais e limitação de poder que são
discutidos ao mesmo tempo por tribunais de ordens diversas.”8
5. Caso Emblemático: Handyside v. United Kingdom
Tendo em vista a relevância do direito à liberdade de expressão para análise proposta, torna-
se importante comentar brevemente o caso Handyside v. United Kingdom. Nesta oportunidade, a
Corte Europeia de Direitos Humanos julgou um caso que versava sobre a legalidade de uma
restrição do direito à liberdade de expressão. Uma editora publicou um livro chamado “o pequeno
livro vermelho”, destinado às crianças com mais de doze anos, que, continha um capítulo sobre
sexo, o que gerou enorme descontentamento na população inglesa. Após diversas reclamações, o
promotor público conseguiu um mandado para revistar o local da editora e após a revista, aprendeu
os livros. Após a instauração do processo com base no “Obscene Publications Act 1959”, o
requerente foi condenado ao pagamento de vinte e cinco libras por livro (eram mais de mil e
duzentos livros) e a corte ordenou que os livros confiscados fossem destruídos.
Sem dúvidas, a condenação da Corte Nacional configurou uma restrição ao direito de
liberdade de expressão, entretanto, a CEDH tinha que analisar se esta interferência fora desmedida
de forma a caracterizar o descumprimento da Convenção Europeia. Aplicando a doutrina da
margem de apreciação, a Corte concluiu que a condenação estava em conformidade com previsão
legal pois estava em consonância com o “Obscene Publications Act 1959”, e que a finalidade de
proteger a moral daquela sociedade poderia ser vislumbrada segundo conceitos locais de “valores
8 NEVES, Marcelo, em “O Justo e o Direito: Acesso à Justiça não é só o direito de ajuizar ações”. 12.07.09 no site:
http://www.conjur.com.br/2009-jul-12/fimde-entrevista-marcelo-neves-professor-conselheiro-cnj. (acesso em
12.07.16, 09:48).
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morais”. Veja-se que, nesta ocasião, a restrição não violou a margem de apreciação concedida, visto
que esta é consideravelmente extensa para casos que envolvam menores de idade e não se tenha um
discurso preponderantemente político sendo veiculado.
Na avaliação da necessidade desta intervenção, a CEDH proferiu um de seus julgados mais
importantes no âmbito da discussão acerca da liberdade de expressão, seja dentro ou fora da
internet. Primeiramente, destacou-se a importância da liberdade de expressão em uma “sociedade
democrática”, e ao reconhecer a possibilidade de restrições a este direito, conforme expresso no
art.10, § 2° da Convenção Europeia dos Direitos dos Homens, ressaltou-se que a proteção à
liberdade de expressão não deve se estender somente às “informações ou ideias que são
favoravelmente recebidas ou compreendidas como inofensivas” mas principalmente às ideias e
opiniões que “ofendem, choquem e perturbem o Estado ou qualquer setor da população”.9 Por fim,
de forma abstrata, a CEDH destacou que esta “extensão” necessária é uma demanda do pluralismo,
da tolerância e da abertura de perspectivas, sem as quais não se tem uma “sociedade democrática”.
6. Análise dos Casos
A fim de possibilitar uma clara exposição da racionalidade das decisões tanto da CEDH,
quanto da CEJ, torna-se relevante organizar a presente exposição em três planos distintos de
análise: (i) subjetiva, (ii) objetiva e (iii) temporal.
Entende-se a investigação subjetiva como aquela que focaliza o seu estudo no sujeito, ou
seja, a pessoa que veicula ou recebe a mensagem. Por outro lado, o estudo objetivo almeja observar
as variações do tratamento que as Cortes Europeias dão às restrições à liberdade de expressão,
dentro e fora da internet, a depender do conteúdo que se está a veicular, podendo este ser político,
artístico ou comercial. Por fim, convém examinar se o elemento temporal influencia de alguma
forma, nas decisões tomadas pela CEDH e CEJ, quanto à condenação por restrição à liberdade de
expressão dos Estados. Os casos analisados na pesquisa foram escolhidos com base na quantidade
de vezes que estes casos foram citados em outros julgamentos da Corte. Desta forma, uma vez
definido a análise do elemento subjetivo, objetivo e temporal, identificou-se quais casos eram mais
relevantes para a análise desses três elementos.
6.1. Estudo quanto ao Elemento Subjetivo:
6.1.1. Políticos
Nesta seção da pesquisa, visa-se a investigar se a internet influencia ou não, os limites da
liberdade de expressão de um ator político. De fato, o político possui ampla margem de tolerância
9 Handyside v. UK, (7 Dezembro 1976), n° aplicação 5493/72, Parágrafo 49. (Tradução livre).
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em ambos os polos da mensagem, isto é, possui ampla proteção para exercer sua liberdade de
expressão, mas também está sujeito a uma menor proteção quando é alvo de críticas. A exigência de
uma maior tolerância por parte do político é fruto de sua função social, pois, tratando-se de um
cargo de representatividade, este deve estar sujeito ao “controle” de seu eleitorado. Por outro lado, a
maior liberdade conferida ao político no exercício de sua liberdade de expressão, lhe atribui a
independência necessária para se assegurar os interesses do povo que o elegeu.
Na tentativa de se examinar a contribuição da internet para a redefinição desses limites,
foram escolhidos dois principais casos da CEDH, nos quais se verifica a atuação de um político, no
âmbito da internet: (i) Willem v. França e (ii) Renaud v. França.
(i) Willem v. França
No primeiro caso, um político fora condenado pelas cortes francesas, em razão de seu
pronunciamento em uma reunião, (posteriormente publicado no site da prefeitura), anunciando a
intenção de boicotar produtos Israelenses. Ao analisar o caso, a CEDH considerou que não se
tratava de uma situação de livre exercício da liberdade de expressão, caso em que a Corte teria
provavelmente reconhecido a violação ao seu direito, mas, sim, de um caso em que o político
extrapolou a sua função, estimulando atos de discriminação. De fato, a interferência no direito do
prefeito era previsto em lei, visava a um fim legítimo – a proteção à igualdade social e cultural –,
cabendo somente analisar a necessidade e a proporcionalidade de tal restrição. A Corte reconheceu
que era “fundamental, em uma sociedade democrática, a defesa do livre jogo do debate político”10
e que aos políticos, embora sujeitos a maiores responsabilidades e deveres em função de seus
cargos, “também é permitido recorrer a uma certa dose de exagero”11. Contudo, a Corte assinalou
que o requerente (o prefeito) estaria sendo condenado, não por suas opiniões políticas, mas em
virtude da incitação a atos discriminatórios. É dever do político conservar certa neutralidade, o que
não foi observado pelo prefeito quando publicou a mensagem na internet. Desta forma, a restrição
imposta pela corte francesa foi considerada como necessária e proporcional, na medida em que os
fundamentos utilizados para justificar o boicote não se compatibilizavam com o interesse e debate
público.
(ii) Renaud v. França
No segundo caso, o fundador de uma associação local fez duras críticas ao prefeito da
cidade em seu website, pois ele era contra uma das grandes construções que estavam em curso. O
fundador, Patrice Renaud, foi condenado na esfera penal por difamação. Na corte francesa,
10 Willem v. França, Parágrafo 33. (Tradução livre). 11 Willem v. França, Parágrafo 33. (Tradução livre).
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identificou-se que Renaud alegou que o prefeito estava estimulando a delinquência na cidade para
legitimar a sua política de segurança, equiparando-o com um ditador Romeno. Nesta oportunidade,
a Corte reconheceu que a “a proteção dos outros direitos não pode ser a mesma para uma pessoa
privada e para uma pessoa pública”12. Ao analisar o caso, a Corte ressaltou que Renaud
direcionou suas críticas ao prefeito como pessoa pública, pois apenas comentou acerca de suas
políticas como líder político daquela comunidade. Ressaltou-se, que tratando-se de um debate de
interesse geral e de um discurso de conteúdo nitidamente político, o art.10 da Convenção requer um
maior nível de proteção ao direito à liberdade de expressão, e por sua vez, uma margem de
apreciação mais restrita. A corte francesa havia justificado sua condenação, ao alegar que Renaud
teria feito acusações sem provas, no entanto, a CEDH afirmou que os juízos de valores não
requerem provas, pois são impassíveis de comprovação, sob pena de ameaçar a liberdade de
opinião, sendo este direito fundamental para a garantia do art.10 da Convenção. Mais uma vez, fez-
se referência ao “jogo político”, arguindo que essas críticas fazem parte do jogo, e que um político
deve estar sujeito a um maior grau de tolerância a críticas, enquanto Renaud, por estar
emocionalmente envolvido com os projetos urbanísticos e políticas de segurança que critica, deve
ser amparado por uma maior proteção ao seu discurso político. Por fim, a Corte considerou que a
condenação de Renaud configurou uma violação ao art.10, visto que tal restrição não era razoável e
proporcional.
Pela análise dos casos, extrai-se que a internet não mudou substancialmente a forma pela
qual a Corte norteou seu julgamento. De fato, no primeiro caso, o uso do site da prefeitura para
veicular mensagens discriminatórias, sem motivações politicamente justificáveis, levou a Corte a
reconhecer que não houve violação ao art.10, pois o político só gozaria da maior proteção aos seus
discursos, enquanto promotor do debate público, desde que atuando em prol dos interesses do povo
que o elegeu. Mais adiante, em Renaud v. França, constatou-se que o site de uma associação local
foi reconhecido como um fórum de debates políticos, não podendo o autor das mensagens, Patrice
Renaud, ser condenado pelas críticas a um político, que evidentemente deve se sujeitar a um maior
grau de tolerância. Nestes casos, como já foi mencionado em Renaud v. França, os conflitos
oriundos do exercício da liberdade de expressão pelo discurso político geralmente geram uma
menor margem de apreciação às cortes nacionais. Entretanto, em ambos os casos, conclui-se que a
CEDH garantiu a pluralidade democrática, na medida em que condenou o discurso discriminatório,
do político que excedeu os limites de sua proteção. Esta pluralidade foi reforçada, também, no caso
Renaud, visto que a CEDH condenou a França pela restrição desproporcional ao discurso político
12 Renaud v. França, Parágrafo 26. (Tradução livre).
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de um cidadão. Nestas oportunidades, a Corte reforça a essência da própria liberdade de expressão,
reafirmando os limites que tal direito encontra quando relacionado a um político. A internet
incrementou a garantia do pluralismo democrático? Acredito que não houve grandes mudanças, mas
o que se evidencia é que a internet fornece meios mais acessíveis de se “por à prova” esta reforçada
garantia ao pluralismo democrático. Nas decisões destacadas, a internet foi apenas um meio pelo
qual o conflito se materializou, não trazendo no entanto, nenhuma mudança substancial à
apreciação do judiciário.
6.1.2. Jornalistas
Os jornalistas gozam de uma ampla proteção ao seu direito de liberdade de expressão. Por
obvio, o exercício de sua função, requer que este seja capaz de veicular suas mensagens,
independentemente de se estas agradam ou não ao público13, pois são eles os responsáveis por
informar as violações e absurdos ocorridos ao redor do mundo. Nao à toa, a CEDH na maioria dos
casos analisados, condena o Estado que restringiu a liberdade de expressão de um jornalista, a
menos que a sua reportagem trate de um menor14, conforme se demonstrará no tópico 6.1.3, ou que
suas alegações factuais não estejam amparadas por provas. Afinal, o jornalista, assim como o
político, em função do maior alcance de suas mensagens, é dotado de maiores deveres e
responsabilidades.
Na internet isto pode se acentuar, na medida em que neste meio verifica-se a atuação dos
“jornalistas cidadãos”, isto é, pessoas sem formação jornalística, que pela ampla acessibilidade da
internet, passam a relatar acontecimentos que se equiparam às reportagens dos jornalistas. Por
vezes, a própria distinção entre as publicações do jornalista podem ser de certa dificuldade, dado
que este pode usar a internet para expor suas reportagens, bem como suas opiniões pessoais.
Embora a remoção de informações seja repudiada pela CEDH, a Corte entende que certas
limitações ou obrigações impostas pelas cortes nacionais se mostram proporcional, em face da
proteção de outros direitos. Em três casos específicos, a Corte foi enfática ao considerar as
peculiaridades da internet na avaliação dos casos onde se teve uma restrição da liberdade de
expressão jornalística: (i) Fatullayev v. Azerbaijan, (ii) Times Newspapers Ltd. v. United Kingdom;
e (iii) Editorial Board of Pravoye Delo and Shtekel v. Ukraine.
(i) Fatullayev v. Azerbaijan
Neste caso, um jornalista foi condenado a oito anos de prisão pela publicação de dois artigos
que, em síntese, criticavam a política do governo e relatava a participação de alguns soldados do
exército no massacre de Khojaly de 26 de fevereiro de 1992. Após a publicação de um dos artigos, o
13 Handyside v. UK 14 Aleksey Ovchinnikov v. Russia
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autor disponibilizou em sua conta na internet, o conteúdo da sua matéria jornalística. Segundo o
Estado, as reportagens na internet disseminavam falsas informações que, por sua vez, geravam dano
à reputação dos soldados e dos membros do governo.
No julgamento do caso, a CEDH reconheceu que cabe ao Estado nacional estabelecer a
“necessidade social imperiosa”, e para tal, lhe é conferida uma margem de apreciação. No entanto,
esta margem nacional se limita ao interesse da sociedade democrática em se garantir a manutenção
de uma imprensa livre.15 Nesta oportunidade, foi enaltecida a função da imprensa em exercer o
papel de “cão de guarda do interesse público”, além de reconhecer, que, embora seja o dever de um
jornalista comunicar informações, este possui maiores obrigações e responsabilidades. No caso em
evidência, ressaltou-se que a proteção dada ao jornalista, também abrange certo grau de exagero e
de provocação16, desde que ele esteja de boa-fé ao providenciar informações precisas e confiáveis.
De fato, a internet apresenta certo grau de dificuldade ao se distinguir as informações em que o
jornalista veicula no exercício de sua função e as que refletem meras opiniões pessoais. Enquanto as
primeiras trazem um dever demonstrar sua base fática, as segundas são insuscetíveis de
comprovação, conforme assentou a CEDH no parágrafo 95 da ata de julgamento. A despeito desta
dificuldade, a Corte entendeu que independentemente do requerente ter agido enquanto jornalista ou
pessoa privada, este publicou em um meio amplamente acessível a todos, sob o seu nome, que é de
conhecimento de todos, pois é um jornalista conhecido, e que nesses casos, a publicação não é
menos poderosa do que se fosse veiculada na mídia impressa. Até este momento, analisou-se a
proporcionalidade da condenação, sem focar muito na pena imposta, mas sim nas justificativas que
levaram a condená-lo. A CEDH, ao comentar sobre a pena de oito anos imposta ao jornalista,
confirmou que os Estados signatários são permitidos, e até mesmo obrigados pelas obrigações
positivas do art.8 da Convenção, a proteger o direito de reputação dos indivíduos, no entanto, eles
não podem cumprir com esta obrigação de forma a impedir que a mídia exerça sua função de
informante da sociedade, em assuntos de interesse público. No presente caso, tornou-se evidente
que a sanção de oito anos de prisão gerava um inevitável medo por parte dos demais jornalistas, e
que isso geraria um “chilling effect”, configurando, dessa forma, uma restrição desproporcional.
(ii) Times Newspapers Ltd. v. United Kingdom
Este caso envolve a publicação de dois artigos, pelo Times, relativos a possível ligação de
um cidadão com a lavagem de dinheiro da máfia russa. Estes dois artigos foram disponibilizados na
a internet no mesmo dia de suas publicações físicas. Ao ser acionado na corte britânica, o Times
deixou de alegar que o conteúdo de suas matérias não eram difamatórias, e não se esforçou para
15 Fatullayev v. Azerbaijan, Parágrafo 82. (Tradução livre). 16 Fatullayev v. Azerbaijan, Parágrafo 92. (Tradução livre).
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comprovar as alegações ali feitas. Ao se defender, o jornal se apoiou em sua proteção jornalística,
pois as acusações eram tão sérias, que eles teriam o dever democrático de publicá-las. Ao longo do
processo contra a publicação, o conteúdo das matérias permaneceu disponível na internet, e por isso
o cidadão entrou com nova ação contra o jornal. Contra esta segunda ação, o Times alegou em sua
defesa o “single-publication rule” e que por isso, a segunda ação sequer poderia existir. Segundo
esta regra, adotada nos EUA, somente o dano gerado pela primeira publicação na internet enseja a
interposição de uma ação. A corte nacional, no entanto, baseando-se no caso Duke of Brunswick v.
Harmer17 afirmou que cada jornal de conteúdo difamatório publicado gera uma nova ação. Na
internet, portanto, cada acesso geraria o direito do cidadão de entrar com uma nova ação.
Ao tratar do caso, a Corte lembrou que a jurisprudência da CEDH tem sido no sentido de
garantir não somente o direito de comunicar informações, mas, também, o direito do público de
receber estas informações. Mais adiante, ressaltou-se que “à luz de sua acessibilidade e grande
capacidade de arquivamento, bem como a possibilidade de comunicar vastas quantidades de
informações, a internet desempenha papel fundamental em reforçar o acesso público às notícias e
em facilitar a disseminação de informação em geral.”18. Além disso, reconheceu-se a importância
dos arquivos mantidos na internet, na preservação e manutenção das notícias disponíveis, sendo
também, de grande importância como fonte de educação e pesquisa histórica, na medida em que seu
acesso é geralmente irrestrito e livre. Segundo a CEDH, o dever dos jornalistas não se limita a
transmitir as informações, mas também mantê-las disponíveis ao público. No entanto, a Corte
entendeu que a exigência da corte recursal nacional, não foi desproporcional, visto que o próprio
jornal controla a página na internet onde o material supostamente difamatório se encontra. O Times
só publicou o aviso de que aquele material poderia ser difamatório e que era objeto de uma disputa
judicial, um ano após a determinação judicial. A CEDH, portanto, concluiu que não houve violação
ao art.10, pois a corte recursal britânica não tinha exigido a remoção dos arquivos, mas somente a
publicação de uma qualificação indicando que aquele conteúdo estava sob análise judicial, e tal
medida não se mostrava onerosa, já que era o próprio jornal que editava o site.
iii) Editorial Board of Pravoye Delo and Shtekel v. Ukraine
Neste caso, o requerente foi condenado nas cortes nacionais, a publicar não só uma
retratação da sua matéria, mas, também, um pedido de desculpas, além do pagamento de danos
morais pela difamação. O requerente publicou em seu jornal uma notícia acusando alguns oficiais
17 Neste caso, o Duke of Brunswick foi difamado por um artigo de jornal. A prescrição para alegar a difamação era de
seis anos. Entretanto, dezessete anos depois o Duke achou uma cópia do artigo em um outro jornal, e por isso
pleiteou na justiça a condenação daquele jornal. Nesta oportunidade, decidiu-se que cada vez que o artigo fosse
publicado, o ofendido teria direito de pleitear as medidas necessárias. O prazo prescricional corre a partir de cada
publicação. 18 Times Newspapers Ltd. v. U.K., Parágrafo 27. (Tradução livre).
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do departamento regional de segurança de Odessa de corrupção e ligação com organizações
criminosas. A particularidade deste caso se evidencia no fato de que essas informações foram
retiradas de um site da internet. Em sua defesa, o requerente alegou que não seria responsável pela
precisão dos fatos, na medida em que eles apenas republicaram um material já exposto na internet.
Ademais, alegou-se que eles agiram de boa-fé, sem almejar difamar o cidadão, pessoa pública que
também foi incluída na reportagem. A corte nacional entendeu que, embora o item 42 do Press Act
isente o quadro de editores e jornalistas de responderem por difamação quando as notícias são
frutos de uma reprodução textual, neste caso, por se tratar de uma reprodução de texto contido na
internet, não haveria tal proteção.
Primeiramente a Corte entendeu que a pena de obrigar o editor a publicar um pedido de
desculpas, violava o art.10 da Convenção, na medida em que tal possibilidade não era prevista em
lei. Nesta oportunidade, a CEDH fez importante esclarecimento, ressaltando que a despeito de
existir uma norma prevendo isto, esta deve preencher certos requisitos de “qualidade”, tais como a
adequada, precisão para que o cidadão possa prever as consequências oriundas daquele ato. Ao se
dirigir à questão da previsão legal quanto à isenção de responsabilidade por material reproduzido da
internet, a Corte concluiu que “a ausência de suficiente quadro jurídico no nível doméstico,
permitindo que jornalistas usem informações obtidas na internet sem terem o medo de sofrerem as
sanções, dificulta seriamente o exercício da vital função da imprensa como 'cão de guarda do
público'.”19Antes de concluir pela violação do art.10 da Convenção, em face da ausência de
previsão legal, o que já torna dispensável a análise da “necessidade em uma sociedade democrática”
e o juízo da proporcionalidade, a Corte deu importante contribuição para a compreensão das
particularidades da internet:
“63. (…) A rede eletrônica, servindo bilhões de usuários por todo o mundo, não
está e potencialmente nunca estará sujeita as mesmas regulações e controle. O
risco de dano que o conteúdo e comunicações na internet apresentam, quando
se exerce o os direitos humanos e liberdade fundamentais, particularmente o
direito à privacidade, é certamente maior do que aquele apresentado pela
imprensa impressa. Desta forma, as condições que regem a reprodução de
material da mídia impressa e a da Internet podem divergir. O direito deve se
ajustar de acordo com as características específicas de cada tecnologia, para
que se assegure a proteção e promoção dos direitos e liberdades envolvidos.”
(Julgamento n° 33014/05, Data 04.08.11, parágrafo 63)
Nesta ocasião, portanto, a Corte entendeu que a ausência de legislação adequada para o meio
da internet não poderia gerar uma interpretação restritiva do Press Act. Com isso, a CEDH
reconheceu que a restrição à liberdade de expressão do jornalista violou o art.10, na medida em que
19 Editorial Board of Pravoye Delo and Shtekel v. Ukraine, Parágrafo 64. (Tradução livre).
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não havia previsão legal que levasse o intérprete da lei a não isentar o jornalista que reproduziu um
texto extraído da internet.
Pela leitura dos três casos, extraem-se importantes conclusões. Primeiramente identificou-se
claramente o critério adotado pela CEDH – o “three-part-test” relacionado à concessão da margem
de apreciação. Trata-se de um critério cumulativo, ou seja, a intervenção para não ser tida como
uma violação deve estar “prevista em lei”, visar a obtenção de um fim legítimo e deve ser
“necessária em uma sociedade democrática”. Cumpre ressaltar, que a “necessidade”, além de ter
que corresponder a uma “necessidade social imperiosa”, traz ainda a exigência de que tal
interferência seja proporcional, visto que uma condenação de prisão não seria compatível com a
acusação de difamação, como pode-se observar no caso Fatullayev v. Azerbaijan. Em segundo
lugar, identificaram-se certas peculiaridades que a internet nos apresenta, tais como: (i) ampla
acessibilidade, (ii) grande capacidade de arquivamento, (iii) maior difusor de informações. Por todo
exposto, será que a internet possibilitou um maior pluralismo democrático, no que tange à liberdade
de expressão jornalística? Acredito que sim. No caso Times Newspapers Ltda v. U.K., a Corte
reconheceu que por se tratar de uma matéria da internet, haveria uma maior possibilidade de inserir
uma retratação, sem que esta causasse um ônus demasiadamente oneroso. Nesse sentido, passa-se a
estimular o exercício da liberdade de expressão jornalística, na medida em que se condenam penas
absurdamente desproporcionais20 e se estimula a retratação ao invés das penas pecuniárias, que ao
invés de ressarcirem o suposto dano à imagem, tratam de enriquecer o ofendido, sem em nada
contribuir para o desenvolvimento da liberdade de expressão e garantia do pluralismo democrático.
Aqui, a pluralidade de ideias é estimulada porque o jornalista, ao invés de se sentir oprimido
por sanções que podem o levar a falência ou à prisão, se sente estimulado pelas facilidades que a
internet oferece, e mais protegido pelas garantias que lhe são dadas pelo direito e pela atuação dos
tribunais. De fato, as garantias dadas aos jornalistas são as mesmas, seja online ou offline. No
entanto, o reconhecimento de que o direito e a legislação devem acompanhar esta nova tecnologia21,
é primordial para que estas garantias mantenham sua eficiência.
6.1.3. Menores
Como já se demonstrou nesta pesquisa, a liberdade de expressão é um direito intrínseco à
democracia, só sendo justificável a sua restrição diante de casos extremos. Somente pela garantia da
liberdade de expressão é que se identificam as violações aos demais direitos fundamentais, e talvez
seja essa uma das principais razões pela preponderância deste em relação aos demais, na maioria
20 Fatullayev v. Azerbaijan 21 Board of Pravoye Delo and Shtekel v. Ukraine
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das vezes. Entretanto, cabe ressaltar, que quando se trata de menores, a liberdade de expressão
pode, facilmente, ser restringida, quando esta causar dano ao menor de idade. Enquanto o político
deve ser mais tolerante quanto às criticas a ele dirigidas, o menor de idade, em face de sua
vulnerabilidade, dispõe de uma reforçada proteção. Esta preservação do menor, não é, de forma
alguma, prejudicial ao pluralismo democrático, dado que a proteção a ele conferida permite que ele
desenvolva suas próprias perspectivas e ideias livremente, sem o risco de ter seu desenvolvimento
comprometido pelo uso imoderado da liberdade de expressão de terceiros. Relativo a este tópico,
cabe destacar três principais julgados: (i) Aleksey Ovchinnikov v. Russia, (ii) K.U. v. Finland e (iii)
Mouvement Raelien Suisse v. Suisse.
No caso Aleksey Ovchinnikov v. Russia, um jornalista reproduziu o material de uma
reportagem da internet, onde é relatado um escândalo envolvendo o neto de um político russo. A
reportagem relatava as agressões que o neto do político teria cometido a outro menor de idade,
durante um acampamento. Nesta oportunidade, comentou-se acerca da possibilidade de as
investigações terem sido comprometidas pela grande influência exercida pelo avô do menor de
idade. No julgamento, reconheceu-se que, de fato, as informações que ofendem, choquem e
perturbem também merecem a proteção dada à liberdade de expressão22. Entretanto, tratando-se de
um menor de idade seria difícil vislumbrar o interesse público na matéria da reportagem. Em
verdade, o interesse público seria justamente o de se resguardar o menor, sob o risco de lhe causar
danos psicológicos e morais. Justamente por se tratar de um menor, a Corte entendeu que a corte
nacional teria maior margem de apreciação para tutelar e proteger os seus valores sociais, dentre os
quais se tem a proteção do menor de idade, sendo este preponderante em relação ao direito de
liberdade de expressão. Este caso, embora não contribua muito para a investigação do incremento
do pluralismo jurídico na internet, torna-se importante para identificar as razões para a proteção do
menor, quando violado pelo exercício da liberdade de expressão de outra pessoa. A Corte concluiu
que não houve violação ao art.10 da Convenção, uma vez que o tribunal russo atuou dentro da sua
margem de apreciação.
K.U. v. Finland, embora não trate diretamente sobre a liberdade de expressão, torna-se
relevante nesse ponto, pelas considerações da CEDH, ao julgar a violação do art.8 da Convenção23.
22 Handyside v. UK 23 Art. 8°- Direito ao respeito pela vida privada e familiar.
1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.
2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança
nacional, para a segurança pública, para o bem - estar econômico do país, a defesa da ordem e a prevenção das
infracções penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.
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Neste caso, um menor teve sua foto e suas informações disponibilizadas em um site de
relacionamento, sendo inclusive abordado na internet por um pedófilo. Diante deste acontecimento,
os pais do garoto foram à polícia para solicitar a prisão do criminoso. Entretanto, ao ser informado
pela polícia, o servidor responsável pelo site se recusou a disponibilizar a identidade do usuário,
visto que tal ato violaria os termos de confidencialidade das telecomunicações estabelecida em lei.
A corte nacional condenou o servidor por não proteger os dados do menor adequadamente. A Corte,
em seu julgamento, identificou que o Estado tem a obrigação positiva de resguardar a integridade
física e moral de seus indivíduos. A forma pela qual os Estados cumpririam esta obrigação está
dentro da margem de apreciação do próprio Estado. A Corte reconheceu que esta obrigação positiva,
deve ser interpretada de uma forma que não imponha um encargo impossível ou desproporcional.
Ao comentar sobre a legislação do Estado na época, que era nitidamente mais favorável ao direito
de liberdade de expressão, a CEDH afirmou que à época da ofensa, o anonimato e os perigos que
emanam desta característica da internet, já era de conhecimento de todos, e que por isso, o Estado já
poderia ter elaborado mecanismos de prevenção.
No caso Mouvement Raelien Suisse v. Suisse, a corte nacional restringiu o direito de
liberdade de expressão de um grupo que pregava a gêniocracia24, a clonagem humana e que tinha
relatos de abuso de menores em suas práticas religiosas. A limitação veio por uma decisão judicial
que proibiu que este grupo disponibilizasse seus pôsteres pela rua. No entanto, a corte não proibiu
que o grupo mantivesse a sua atividade na internet. A Corte ao receber a reclamação por parte do
movimento, entendeu que a corte nacional não excedeu a sua margem de apreciação, na medida em
que tal restrição estava prevista em lei, tinha um fim legítimo que era a proteção dos valores sociais,
dentre a proteção aos menores, além de ser uma medida necessária e proporcional. Aqui cabe
antecipar um tema que será tratado no próximo capítulo, que é a diferença de tratamento pela Corte,
quando se está diante de um discurso político e um econômico. Nesta ocasião, a Corte entendeu que
a mensagem do Mouvement Raelien Suisse era predominantemente econômica, e que não visava
promover um debate político acerca da política na Suíça. Por isso a Corte entendeu que a corte local
não excedeu sua margem de apreciação, pois tratando-se de um discurso econômico, há uma ampla
margem de apreciação.
A leitura desses três casos nos fornece um dos limites à liberdade de expressão: a proteção
aos vulneráveis. No último caso analisado, evidenciou-se a importância da internet. Neste julgado,
identificou-se que, enquanto a restrição à liberdade de expressão offline era aceitável por parte da
24 Modelo politico elaborado por Rael segundo o qual a inteligência seria o critério para poder se ingressar na
política.
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CEDH, a restrição a tal direito na internet não se justificaria. O fato de a corte nacional ter se
limitado a restringir a liberdade de expressão offline foi o ponto fulcral a influenciar a Corte a não
reconhecer uma violação ao art.10. Nesta ocasião, a internet surge como elemento garantidor do
pluralismo democrático, na medida em que serve de meio para a veiculação de todas as opiniões,
até mesmo as que foram restringidas, quando veiculadas offline. Por vezes, o exercício da liberdade
de expressão não é garantido quando se respeita a margem de apreciação do Estado, como ocorreu
em Aleksey Ovchinnikov v. Russia, mas isso não significa que o pluralismo democrático não foi
garantido. Convém ressaltar que o pluralismo democrático não é garantido somente quando se
protege de forma absoluta a veiculação de quaisquer ideias, pois caso assim fosse, este só seria
garantido nas hipóteses em que a liberdade de expressão fosse elevada a status de direito absoluto.
Em verdade, a garantia deste pluralismo é verificada quando se evita que um discurso seja
restringido somente por ser diferente. Isto não é o mesmo que limitar a liberdade de expressão
quando esta representa um sério dano alguém, como ocorre nos casos em que se envolvem menores.
Na internet isto é possibilitado pelo fato de que, cada grupo ou pessoa, pode veicular as suas
opiniões e pensamentos em um site, sem que isto implique em uma agressão aos demais que
discordam de tais opiniões. Por exemplo, no caso Mouvement Raelien Suisse v. Suiça, a não
restrição ao site é justificável, pelo fato de que, somente acessará o site quem tiver interesse nas
ideias ali veiculadas, enquanto nas manifestações por pôsteres distribuídos em público, são as
ideias, potencialmente danosas, que são ativamente difundidas. Fica evidente, portanto, que uma
decisão que concede a margem de apreciação pode sim garantir o pluralismo democrático.
6.2. Estudo quanto ao Elemento Objetivo:
O estudo do elemento subjetivo já serviu de introdução para que se compreenda a distinção
entre a proteção que se dá, na internet, aos discursos políticos, econômicos e os artísticos. Nem
sempre é fácil identificar a em que tipo de discurso uma mensagem se enquadra, até mesmo porque
os discursos raramente são compostos somente por um dos conteúdos acima. Nesta seção, a análise
do elemento objetivo não será segmentada, ou seja, analisarei os discursos políticos, econômicos e
artísticos em conjunto.
Cumpre ressaltar, que, diante de um discurso de conteúdo político, a Corte concede margem
de apreciação extremamente restrita, justamente em atenção ao interesse público e a essencialidade
da veiculação desses discursos em uma sociedade democrática. Afinal, a “preponderância” da
liberdade de expressão em relação aos demais direitos fundamentais se evidência nas mensagens de
conteúdo político.
Em Delfi AS v. Estonia, um site foi condenado ao pagamento de uma indenização pelos
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comentários difamatórios feitos por terceiros no espaço disponibilizado pela empresa. A corte
nacional entendeu que “o espaço para comentários deveria ser distinguido do conteúdo jornalístico
de suas matérias. (...) A empresa não poderia ser considerada como autora dos comentários, e nem
tinha a obrigação de monitorá-los”25. Esta decisão foi revista pela corte recursal, que considerou
que a empresa não forneceu os meios adequados para proteger os demais direitos fundamentais e
que ela poderia sim ser considerada como autora dos comentários.
A Corte entendeu que de fato não houve violação ao art.10 da Convenção. Em sua
fundamentação, a CEDH tratou de distinguir o conteúdo das mensagens dos do próprio artigo.
Além de reconhecer que a empresa poderia ter antevisto a reação negativa dos seus leitores, e que
na internet se tem ampla variedade de instrumentos para filtrar tais comentários, a Corte fez
importante comentário acerca da distinção entre o conteúdo do artigo publicado, e dos comentários
publicado por terceiros. Enquanto o artigo atendia ao interesse público e gozava de maior proteção,
os comentários correspondiam a um interesse econômico da empresa. Neste sentido, “a receita da
empresa dependia do número de leitores e comentários”, e a foi a própria Delfi AS que escolheu
permitir que usuários não registrados comentassem em sua página. Aqui cabe fazer breve
comentário acerca do papel que desempenha o anonimato na internet. Vimos que em Aleksey
Ovchinnikov v. Russia e Delfi AS v. Estonia, a Corte reconheceu a dificuldade de se os reais autores
da violação, o que motiva a aceitação da condenação dos sites, mesmo quando estes não são os
autores. Neste caso, a Corte entendeu que a condenação, e consequente restrição à liberdade de
expressão da empresa foi proporcional. Vemos, portanto, que a margem de apreciação não foi
excedida pelo tribunal nacional, na medida em que, por se tratar de comentários que atendem ao
interesse econômico da empresa, o estado goza de ampla margem de apreciação. Como o dever de
indenizar veio em face dos comentários e não do próprio conteúdo do artigo, vemos que há nítida
distinção no tratamento que a Corte dá aos casos de mensagens de conteúdo político e os que são de
conteúdo econômico. Enquanto o primeiro atende ao interesse público e a necessidade de uma
sociedade democrática, o segundo não satisfaz nenhum interesse coletivo, a não ser o interesse
econômico da própria empresa. A internet amplia as oportunidades de se ter misturas de conteúdo,
seja pela disponibilização de espaços para se comentar, ou seja, pela criação de links dentro de um
mesmo artigo.
No caso Kaartunen v. Finland, a Corte entendeu que não houve violação à liberdade de
expressão da artista. Este caso não contribui à primeira vista para a atual pesquisa, na medida em
que não trata da difusão de uma mensagem pela internet, mas é importante para diferenciar o
25 Delfi AS v. Estonia, Parágrafo 23. (Tradução livre).
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tratamento que se dá aos discursos de conteúdo artístico, e os de conteúdo político. Em verdade, a
artista organizou uma exibição de arte, onde ela exibiu uma série de fotos pornográficas retiradas da
internet, a fim de protestar contra a facilidade de acesso à conteúdo pornográfico que se tem na
internet. As fotos foram confiscadas pela polícia antes da exibição. A corte nacional condenou a
artista por exibir conteúdo fotos de conteúdo obsceno. Ao analisar o caso, a Corte de Strasbourg
ressaltou que nesses casos a corte nacional teria ampla margem de apreciação para definir seus
valores morais a serem tutelados. Desta forma, a Corte entendeu que não houve violação, pois tal
intervenção do estado estava prevista em lei, visava um fim legítimo – a proteção de valores morais
da sociedade – era necessário em uma sociedade democrática e era evidentemente proporcional, na
medida em que não houve sanção alguma, a não ser a retenção das fotos. A Corte entendeu que, por
se tratar de um discurso de conteúdo artístico, a corte nacional teria ampla margem de apreciação
para definir os seus valores morais a serem preservados.
Pela análise dos casos, extrai-se que não há distinções substanciais quanto ao tratamento
dado pela Corte nos casos de discursos na internet e fora dela. O que se vislumbra, é a extensão das
possibilidades de se ter casos que tratem de mais de um tipo de conteúdo, como vimos em Delfi AS
v. Estonia. Neste caso, ficou evidente que, tratando-se de discursos políticos, maior é a
possibilidade da Corte garantir a pluralidade democrática, isto é, condenar o estado que tente
restringir o exercício da liberdade de expressão. Diante de casos de discurso artístico ou econômico,
em face da maior margem de apreciação, há certa limitação à garantia do pluralismo democrático,
como se verifica no caso Delfi AS v. Estonia, onde tanto as cortes nacionais quanto a CEDH
entenderam que cabe ao site filtrar os comentários feitos em sua página. Identifica-se que há uma
tendência em se restringir o anonimato cada vez mais, gerando um possível dano ao pluralismo
democrático, na medida em que as pessoas terão maior ressentimento em publicar certas
mensagens. Esta tendência se verifica na fundamentação das cortes nacionais, e da própria CEDH,
visto que os sites são condenados a pagar indenizações aos ofendidos por permitir que usuários não
cadastrados comentem no site.
6.3. Estudo quanto ao Elemento Temporal:
Por fim, cumpre analisar o elemento temporal nas decisões da CEDH. Por vezes, este
elemento configura-se como fator fulcral a ser avaliado. De fato, se uma das etapas do critério da
corte é verificar a “necessidade em uma sociedade democrática” o fator temporal faz-se
fundamental. Neste sentido, cabe examinar de que forma a internet interferiu no elemento temporal.
O dinamismo da internet é uma de suas qualidades.
Ao longo da pesquisa, percebeu-se que a Corte tende a dar uma maior proteção aos
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discursos políticos, quando estes são veiculados em datas próximas ou contemporâneas aos fatos
contidos na mensagem. Aqui, pode-se extrair que, se por vezes o político deve ter maior tolerância
com os discursos a ele dirigidos, tais mensagens dependem, igualmente, da proximidade com os
fatos criticados.
Em Leroy v. France, tornou-se evidente a importância do elemento temporal. O cartunista,
Denis Leroy, submeteu a editora de uma revista, um cartoon com as torres gêmeas caindo, com a
legenda “todos nós sonhamos com isso.... Hamas conseguiu”. Este cartoon foi publicado dois dias
após a tragédia do 11 de setembro de 2001. O artista foi condenado na corte francesa por apologia
ao terrorismo. Concluiu-se na CEDH, que de fato não houve violação à liberdade de expressão do
artista. Neste julgamento fizeram-se importantes contribuições para a presente pesquisa. Nesta
ocasião, a Corte ressaltou que a dimensão temporal – artigo publicado em 13 de setembro de 2001 –
deveria aumentar a responsabilidade do autor, independentemente de sua perspectiva artística ou
jornalística. Embora este caso não envolva a internet, deve-se atentar ao fato de que ele contribui
para se identificar a racionalidade da CEDH, diante de casos em que o elemento temporal faz-se
relevante, e até mesmo fundamental. Por vezes, uma mesma mensagem pode ser interpretada como
jornalística e em outros tempos como artística, dependendo tão somente do tempo em que esta
mensagem foi veiculada.
Em Times Newspapers v. United Kingdom (n°1 e 2), a Corte foi enfática ao destacar que “a
margem de apreciação concedida aos Estados para se garantir o equilíbrio entre os direitos
fundamentais conflitantes é provavelmente maior quando se trata de novos arquivos de eventos
passados, do que quando se trata de notícias relativas a acontecimentos atuais”26. Este trecho
somente reafirma as conclusões elaboras a partir do julgamento de Leroy v. France. Dessa forma,
identifica-se claramente o modo que o elemento temporal vai influenciar nos julgamentos.
Ainda assim, convém questionar se tais conclusões nos levam a afirmar que o pluralismo
democrático é mais garantido na internet? É possível dizer que não há grandes diferenças neste
campo. Entretanto, convém ressaltar que a forma pela qual o elemento temporal vem sendo
utilizado é sim benéfico ao pluralismo democrático. Primeiramente, pois, por meio desta aplicação,
garante-se que as mensagens veiculadas contemporaneamente aos fatos relatados possuem maior
proteção, na medida em que geralmente atende, em maior grau, a função democrática da liberdade
de expressão, não sendo esta limitada pela maioria ou governo que se oponham àquela opinião. Por
outro lado, garante-se, também, a pluralidade democrática quando se permite que o autor da
mensagem seja punido, como ocorreu em Leroy, pois naquela ocasião, a mensagem com o
26 Times Newspapers v. United Kingdom (n°1 e 2), Parágrafo 45. (Tradução livre).
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propósito cômico, por ser contemporâneo à tragédia das Torres Gêmeas, gerou a punição ao seu
autor. Em ambas oportunidades, vislumbra-se o efeito do elemento temporal sobre a concessão ou
não de maior margem de apreciação, como bem destacou a Corte no julgamento do Times
Newspapers v. United Kingdom (n°1 e 2).
7. Conclusão
Por fim, conclui-se que a Corte vem adotando um critério relativamente objetivo quanto a
definição de se a restrição ao direito de liberdade de expressão pela corte nacional configurou ou
não, uma violação a este direito. Pode se constatar que nos julgamento da CEDH, a margem de
apreciação será menor quando se tratar do exercício da liberdade de expressão ligado ao seu
interesse público, isto é, a restrição deste direito não será tolerada quando se trata da veiculação de
uma mensagem de conteúdo político. O “Three-Part-Test”, tem sido uma consistente técnica de
avaliação utilizada pela CEDH, quando esta examina a legalidade, proporcionalidade e necessidade
da restrição a um direito fundamental. Ao longo da pesquisa, identificou-se que a configuração de
uma violação, varia de acordo com (i) quem veiculou a mensagem (jornalista27, político28 ou
menor29), (ii) qual seria o seu conteúdo (político30, econômico31 ou artístico32) e (iii) quando esta foi
comunicada.
Conclui-se que a mensagem veiculada por um jornalista deve ser dotada de maior proteção
jurídica, uma vez que o exercício de sua função é fundamental para a democracia, atuando como
informante das diversas violações que se tem a outros direitos. Na internet, os “cidadãos jornalistas”
nos apresentam um novo problema no âmbito da internet: torna-se necessário definir quando uma
pessoa se torna jornalista ao publicar na internet. Por outro lado, um político deve ter maiores
cuidados ao se expressar, na medida em que seu cargo lhe dá maior visibilidade e com isso, advêm
maiores responsabilidades e possibilidades de ofender terceiros. A internet traz a dificuldade em se
distinguir quando o político exerce sua liberdade de expressão como particular ou como político.
Quanto à recepção da mensagem, o político deve ser mais tolerante e suportar as diversas
críticas, pois sua representatividade lhe impõe uma maior fiscalização, que se dá por meio dos
comentários de seus governados. O menor de idade, em sentido contrário, recebe uma maior
proteção do direito, justamente por sua vulnerabilidade. Enxerga-se, portanto, que a potencialidade
27 Editorial Board of Pravoye Delo and Shtekel v. Ukraine/ Times Newspapers Limited. v. U.K. (n° 1 e 2)/ Stoll v.
Switzerland/ Fatullayev v. Azerbaijan. 28 Edition Plon v. France/ Von Hannover v. Germany/ Féret v. Belgium/ Willem v. France./ Renaud v. France 29 K.U. v. Finland/ Perrin v. U.K./ Ovchinnikov v. Russia 30 Max Mosley v. U.K./ Fatullayev v. Azerbaijan/ Renaud v. France 31 Delfi AS v. Estonia 32 Karttunen v. Finland
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de causar dano é algo a se considerar ao avaliar a restrição a um direito. Na internet, por sua
liberdade e maior alcance, a responsabilidade de filtrar os conteúdos danosos cabe cada vez menos
ao país e mais aos donos dos sites.
Com isso, identificou-se os parâmetros utilizados para fixar a margem de apreciação nos
casos concretos, atingindo o objetivo imediato almejado inicialmente. Diante de um discurso de
caráter político, as cortes nacionais têm uma margem de apreciação limitadíssima, podendo estas
restringir o exercício da liberdade de expressão nesses casos somente diante de um “pressing social
need” como ocorre nos casos de incitação ao terrorismo e discurso de ódio. No entanto, identificar
esta necessidade social urgente é o que constitui a subjetividade deste critério relativamente
objetivo que a CEDH adotou de forma explícita.
De acordo com a análise dos casos, conclui-se que a influência da internet se dá mais nos
casos em que se envolvam jornalistas veiculando mensagens e menores sendo destinatários das
mensagens. No caso dos jornalistas, vimos que a internet fornece meios menos onerosos de se
permitir que o jornal publique uma retratação ou informe que determinado artigo está em disputa
judicial33. Desta forma, há uma valorização da liberdade de expressão, na medida em que jornais
não são punidos com penas pecuniárias altíssimas, capazes de levá-los a falência, mas, são, sim,
condenados a publicar retratações, que, por sua vez, estimulam ainda mais a livre troca de ideias, e
o livre exercício da liberdade de expressão. Quanto aos menores, percebe-se que a internet
apresenta grandes perigos, e que suas características como o anonimato dificultam a penalização do
verdadeiro autor das mensagens, gerando, por vezes, a condenação do próprio site. Entretanto, fica
evidente que a internet fornece um campo ideal para o livre exercício da liberdade de expressão,
que por sua vez, garante a proteção do pluralismo democrático, como ocorreu em Mouvement
Raelien Suisse v. Suiça.
Sobre o pluralismo democrático é importante ressaltar que nem sempre a proteção irrestrita
da liberdade de expressão é o caminho para garanti-lo, visto que a preservação das diversas
perspectivas e culturas, não se dá somente pela proteção da liberdade de expressão, sendo o
pluralismo democrático igualmente preservado quando a Corte condena os discursos ofensivos, e
concede uma maior margem de apreciação, como ocorreu em Leroy v. França. Esta observação é
importante para se acabar com a ideia de que o pluralismo democrático só será garantido quando a
liberdade de expressão de cada cultura, religião ou grupo de pensamentos diferentes, for garantida
de maneira absoluta. Este pensamento é incompatível com a ideia do transconstitucionalismo, pois
não seria possível promover uma abordagem de reciprocidade em tal cenário. Na medida em que se
33 Times Newspapers Ltd. v. United Kingdom.
Departamento de Direito
demonstra que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, torna-se possível ponderar os
direitos, a fim de que o pluralismo democrático seja garantido.
Dessa forma, com a internet como um meio comum, o transconstitucionalismo pode ser
aplicado na relação entre as cortes nacionais e a CEDH, visto que o aumento de casos entre esses
órgãos judiciais, promove um maior diálogo entre ambas as esferas. Esta intensificação dos
diálogos gera uma maior previsibilidade das cortes nacionais e da CEDH, fazendo com que a Corte
reconheça suas limitações, e nesses casos conceda uma maior margem de apreciação, e que as
cortes nacionais identifiquem seus limites de atuação, deixando de aplicar restrições à liberdade de
expressão que possam posteriormente ser condenadas pela Corte.
8. Referências Bibliográficas
1 - BENEDEK, W.; KETTEMANN, M. C. Freedom of expression and the Internet. Strasbourg:
Council of Europe Publishing, 2013.
2 - ECO, U. Como se faz uma tese. Ed. 19a. Editora Perspectiva, 2005.
3 - MARSDEN, C. T. Internet Co-Regulation. Cambridge University Press. Cambridge: 2011.
4 - NEVES, M. Transconstitucionalismo. 3a edição. São Paulo: Editora WMF Ltda, 2013.
5 - RIBEIRO, S. S. M. Democracy after the Internet: Brazil between Facts, Norms, and Code.