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LIBERDADE DE EXPRESSÃO: AS VÁRIAS FACES DE UM DESAFIO

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LIBERDADE DE EXPRESSÃO: AS VÁRIAS FACES DE UM DESAFIO

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Temas de Comunicação

• Para entender a comunicação, Ciro Marcondes Filho• SuperCiber: A civilização místico-tecnológica do século 21: Sobrevivência e ações estratégicas,

Ciro Marcondes Filho• Introdução à percepção: entre os sentidos e o conhecimento, Ana Maria Guimarães Jorge• Ser jornalista no Brasil: identidade profissional e formação acadêmica, Fernanda Lima

Lopes• Liberdade de expressão: As várias faces de um desafio, Venício A. de Lima e Juarez

Guimarães (orgs.)

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as várias faces de um desafio

VENÍCIO A. DE LIMAJUAREZ GUIMARÃES

(ORGS.)

Liberdade de expressão

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Direção editorial: Claudiano Avelino dos SantosAssistente editorial: Jacqueline Mendes FontesRevisão: Cícera Gabriela Sousa Martins Caio PereiraDiagramação: Dirlene França Nobre da SilvaCapa: Marcelo CampanhãImpressão e acabamento: PAULUS

© PAULUS – 2013RuaFranciscoCruz,229•04117-091SãoPaulo(Brasil)Tel.(11)5087-3700•Fax(11)[email protected]•www.paulus.com.br

ISBN978-85-349-3744-3

1ª edição, 2013

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Liberdadedeexpressão:asváriasfacesdeumdesafio/VenícioA.deLima, JuarezGuimarães (orgs.) — São Paulo: Paulus, 2013. — (Coleção Temas de comunicação)

ISBN978-85-349-3744-3

1.Censura2.Comunicaçãosocial3.Imprensa4.Liberdadedeexpressão5.Meiosdecomunicação6.MídiaepolíticaI.Lima,VenícioA.de.II.Guimarães,Juarez.III. Série.

13-09546 CDD-302.2

Índices para catálogo sistemático:1. Política e comunicação: Sociologia 302.2

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Sumário

AgrAdecimentos ......................................................... 7

introdução .................................................................... 9 Juarez Guimarães e Venício A. de Lima

Parte I

1. Parresia e isegoria: origens político-filosóficas da liberdade de expressão ................................................... 21 Helton Adverse

2. A liberdade de expressão em uma chave não dualista: as contribuições de John dewey .............. 41 Ricardo Fabrino Mendonça

3. A opinião pública democrática e a defesa pública da liberdade de expressão ................................................... 65Ana Paola Amorim

4. sete teses e uma antítese ................................................ 81Juarez Guimarães

Parte II

5. A censura disfarçada ....................................................... 87Venício A. de Lima

Sumário

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6. A tV pública e a comunicação democrática ............ 111Ângela Carrato

7. em nome da liberdade de expressão: visões críticas da visibilidade da causa guarani e Kaiowá .................... 141 Luciana de Oliveira

8. o Brasil necessita de uma nova lei de imprensa? ..... 169José Emílio Medauar Ommati

9. Vozes caladas, guerrilhas midiáticas ........................... 185Glória Gomide

soBre os Autores .......................................................... 193

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os autores agradecem à uFmg, à Puc minas e à Fumec, que tornaram possível a realização do 1º colóquio “Liberdade de expressão: as várias faces de um desafio”; à Fundação Ford, na pessoa do professor mauro Porto, que viabilizou financei-ramente a publicação deste livro; à FundeP-uFmg, que ope-racionalizou a transferência dos recursos; e a Jakson Alencar, da Paulus, que prontamente acolheu nossa proposta.

Agradecimentos

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Introdução

Há seguras e convincentes razões para que a universidade brasileira reflita, discuta e pesquise o que é a liberdade de ex-pressão e os modos de criá-la, garanti-la e promovê-la nas so-ciedades democráticas.

Há hoje, nos planos internacional e nacional, um largo dissenso sobre se o estado deve estabelecer regulações sobre a propriedade e os modos de funcionamento dos meios de co-municação de massa, sobre os limites e sentidos da atuação do estado nesse campo tão decisivo para a democracia. esse dis-senso democrático em geral se apoia sobre diferentes tradições de entendimento do que vem a ser a liberdade de expressão.

A opção por dogmatizar o conceito de liberdade de expres-são, afirmá-lo de modo unidirecional e fundamentalista e natu-ralizá-lo de forma antipluralista revela um contrassenso absur-do. Por essa dogmática, discutir a liberdade de expressão seria desde já ameaçá-la, colocá-la em risco. como se a liberdade de expressão pudesse negar a expressão da liberdade ao discuti-la.

Pelo contrário, o debate acadêmico e público sobre a liber-dade de expressão só pode alentar, esclarecer e desenvolver as teorias da democracia. se o direito ao voto universal – sem ex-clusões de gênero, de renda ou de escolaridade – marcou toda uma época histórica de construção da democracia, o direito à voz pública, de falar e ser ouvido, para todos os cidadãos e cidadãs parece estar no centro dos impasses e desafios das de-mocracias contemporâneas.

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este livro, fruto do 1º colóquio “Liberdade de expressão: as várias faces de um desafio”, realizado na uFmg em março de 2013, constrói-se a partir da visão de que a relação entre política e comunicação na modernidade se organiza na ordem dos fundamentos. É insuficiente pensá-las através de uma re-lação interdisciplinar entre duas áreas de estudo que contêm zonas de confluência. não se trata, pois, de pensar as relações entre política e comunicação, mas do desafio de constituir um campo de pensamentos no qual a própria política e a comuni-cação mútua e geneticamente se constituem em seus conceitos fundamentais.

Política e comunicação são dimensões que não podem ser analiticamente isoladas sem se perder a compreensão do pró-prio objeto que se investiga. o princípio organizador deste li-vro – o da relação fundante e incontornável entre política e comunicação – não pode e não deve ser banalizado.

Há quatro razões que nutrem a absoluta atualidade desse princípio com o qual este livro se propõe a contribuir através de uma pauta ampla e permanente de pesquisas e reflexões.

A primeira está na ordem de uma falta nuclear que deriva da separação disciplinar e departamental, na teoria e na pes-quisa, entre as áreas da comunicação e da política. existe já, no plano internacional e nacional, um rico acúmulo de estu-dos teóricos e empíricos interdisciplinares entre comunicação e política. mas pode-se fazer um diagnóstico seguro de que a maior parte das teorias democráticas e das teorias da comuni-cação contemporâneas não pensa, em seus fundamentos, as condições comunicativas democráticas de sua prática política nem as condições públicas democráticas de seu exercício co-municativo.

nesse campo de pensamentos que se busca construir, o diagnóstico dessa falta é, em si mesmo, uma denúncia. toda teoria que se pretende democrática, mas que não pensa as di-mensões públicas da liberdade de expressão, as relações ins-tituintes entre a constituição da cidadania e o direito à voz pública, esbarrará em impasses ou antinomias centrais. toda teoria da comunicação que despolitiza o seu objeto, negando

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ou marginalizando as fundações políticas da comunicação que se faz em sociedade, está na verdade optando por conceber a liberdade de expressão como um direito que se privatiza ou que se realiza na ordem do privado, em geral mercantil.

Sociedades centradas na mídia e em mutação

A segunda razão que conspira contra a banalização do princípio que organiza este livro – a gênese mutuamente con-figuradora entre política e comunicação social – é a do diag-nóstico de que vivemos cada vez mais em sociedades centradas na mídia e em processo dinâmico de mutação.

A mídia ocupa uma posição de centralidade nas sociedades contemporâneas, permeando diferentes processos e esferas da atividade humana, em particular a esfera da política.

A noção de centralidade tem sido aplicada nas ciências so-ciais igualmente a pessoas, instituições e ideias-valores. ela implica a existência de seu oposto, vale dizer, o periférico, o marginal, o excluído, mas, ao mesmo tempo, admite grada-ções de proximidade e afastamento. Pessoas, instituições e ideias-valores podem ser mais ou menos centrais.

um pressuposto para se falar na centralidade da grande mídia (sobretudo a eletrônica) nas sociedades é a existência de um sistema nacional (network) consolidado de telecomu-nicações. A maioria das sociedades urbanas contemporâneas pode ser considerada como “centrada na mídia” (media cen-tric), uma vez que a construção do conhecimento público que possibilita a cada um de seus membros a tomada cotidiana de decisões nas diferentes esferas da atividade humana não seria possível sem ela.

um bom exemplo dessa centralidade é o papel crescente da mídia no processo de socialização e, em particular, na sociali-zação política. A socialização é um processo contínuo que vai da infância à velhice e é através dele que o indivíduo internali-za a cultura de seu grupo e interioriza as normas sociais. uma comparação da importância histórica de diferentes institui-ções sociais no processo de socialização revelará que a família,

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as igrejas, a escola e os grupos de amigos vêm crescentemente perdendo espaço para a mídia que se transformou no “educa-dor coletivo” onipresente.

todavia, o papel mais importante que a mídia desempenha decorre do poder de longo prazo que ela tem na construção da realidade através da representação que faz dos diferentes aspectos da vida humana – das etnias (branco/negro), dos gê-neros (masculino/feminino), das gerações (novo/velho), da estética (feio/bonito) etc. – e, em particular, da política e dos políticos. É, sobretudo, através da mídia – em sua centralida-de – que a política é construída simbolicamente, adquire um significado.1

A política nos regimes democráticos é (ou deveria ser) uma atividade eminentemente pública e visível. É a mídia – e somente ela – que tem o poder de definir o que é público no mundo contemporâneo.

na verdade, a própria ideia do que constitui um “evento público” se transforma a partir da existência da mídia. An-tes de seu desenvolvimento, um “evento público” implicava compartilhamento de um lugar (espaço) comum; copresen-ça; visão, audição, aparência visual, palavra falada; diálogo. depois do desenvolvimento da mídia, um evento para ser “evento público” não está limitado à partilha de um lugar comum. o “público” pode estar distante no tempo e no espa-ço. dessa forma, a mídia suplementa a forma tradicional de constituição do “público”, mas também a estende, transfor-ma e substitui.

essa nova situação provoca consequências imediatas tanto para quem deseja ser político profissional quanto para a prá-tica da política. isso porque a visibilidade tem que ser dispu-tada: (a) os atores políticos têm que disputar visibilidade na mídia; e (b) os diferentes campos políticos têm que disputar visibilidade favorável de seu ponto de vista.

1. As representações da realidade feitas pela mídia compõem os diferentes Cená-rios de Representação (CR) que constituem a hegemonia nas sociedades media cen-tric.SobreoconceitodeCR,verLima(2004)e,especificamentesobreoCenáriodeRepresentaçãodaPolítica(CR-P),verLima(2012).

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Assim, a interação constitutiva entre mídia e política processa-se em todas as fases do processo democrático: na construção da agenda, através do filtro das informações pu-blicadas, do modo de editá-las, da seleção e ênfase das opini-ões, na visibilidade e dramatização de temas selecionados; na ponderação e presença dos próprios atores políticos, através da superexposição de porta-vozes ou do silenciamento de outros, na apresentação positiva ou negativa com que são noticiados, influindo assim no próprio pluralismo e assime-trias do processo político de participação e competição po-lítica; no grau de exposição e crítica dos governos e de suas políticas, contribuindo decisivamente para a formação dos juízos públicos.

mais ainda, a relação entre a política e as grandes empresas de comunicação em geral não é de exterioridade, mas de com-penetração, organicidade e até simbiose, conformando redes doutrinárias e de interesses entre o sistema político e o sistema de mídia. Assim, fenômenos de partidarização, parcialidade, estreitamento de pluralismo ou até censura sistemática a in-formações e opiniões antagonistas não parecem ser fenôme-nos extraordinários e sim recorrentes e típicos.

mas a relação entre política e comunicação é certamente de mão dupla. As políticas de estado historicamente definem padrões institucionais singulares, conformando sistemas de comunicação predominantes públicos ou privados mercantis, incentivando ou limitando a concentração de propriedade, concentrando ou distribuindo verbas de publicidade, regu-lando ou desregulando o exercício da comunicação. estados de origem colonial, periféricos ou dependentes, que sofrem de um déficit de soberania, podem sofrer de um processo siste-mático de colonização midiática. À medida que os sistemas de comunicação operam com massas enormes de recursos, de tecnologias em grande escala, essa dependência das políticas e orçamentos públicos é cada vez maior. Além disso, diferencia-ções estruturais de acesso à renda ou à educação, aos direitos de gênero e étnicos condicionam fortemente o direito à voz pública cidadã de falar e ser ouvido.

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essa relação simbiótica entre política e comunicação nas sociedades modernas precisa ser necessariamente historiciza-da e singularizada em contextos. e, uma vez que o campo das comunicações passa por mudanças estruturais na contempo-raneidade e se alteram radicalmente as próprias bases de sua operação, seria necessário diferenciar o que poderíamos cha-mar de “grande mídia” e de “nova mídia”.

A expressão grande mídia – mídia, plural latino de medium – pode ser entendida como o conjunto das instituições que utilizam tecnologias específicas para “intermediar” a comuni-cação humana. Vale dizer que a grande mídia implica sempre a existência de uma instituição e de um aparato tecnológico para que a comunicação se realize. esse é um tipo específico de comunicação, realizado através de instituições que aparecem tardiamente na história da humanidade e constituem-se em um dos importantes símbolos da modernidade. duas caracte-rísticas da comunicação da grande mídia são a sua unidirecio-nalidade e a produção centralizada, integrada e padronizada de seus conteúdos.

Já a expressão nova mídia serve para designar qualquer forma de comunicação realizada através da rede mundial de computadores, isto é, da internet. Ao contrário da grande mí-dia, a nova mídia possibilita a interação on-line entre emissor e receptor através de computadores pessoais fixos e/ou móveis (celulares, laptops, notebooks etc.).2

compreender em contextos singulares as formas de in-teração, de transição entre a grande mídia e a nova mídia é certamente um dos desafios centrais para quem assume como princípio analítico fundante a relação entre política e comu-nicação. É esse mesmo princípio que pode permitir compre-ender esses macroprocessos de mudança a partir da interação entre seus condicionantes institucionais, as posições estrutu-rais de propriedade econômica e de formas novas de organiza-ção e interação social, fugindo a prognósticos impressionistas

2. Essas definições obviamente constituem uma simplificação. A grande mídia di-gitalizada também oferece, tecnicamente, a possibilidade de interação.

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que conferem às novas tecnologias o poder unidimensional de moldar futuros.

Filosofia política e regulação do pluralismo conceitual

uma terceira razão que confere alta complexidade ao desa-fio de pensar as relações fundantes entre política e comunica-ção na modernidade diz respeito ao largo dissenso conceitual, à polissemia de sentidos, à cristalização de linguagens alterna-tivas e, inversamente, ao deslizamento sincrético de significa-dos que caracteriza o campo de estudos das relações entre co-municação e política. essa situação particularmente babélica não diz respeito apenas à crise de paradigmas das ciências so-ciais contemporâneas ou mesmo ao dissenso contemporâneo do estado da arte das teorias democráticas, mas é própria de estudos interdisciplinares que combinam códigos discursivos variados sem o recurso a formas sistemáticas de regulação.

A grande opção teórica e de pesquisa inscrita neste livro é de convocar a filosofia política, em seu largo pluralismo de tradições, para regular esse dissenso conceitual e para estabe-lecer campos comuns de sentido.

os recursos da filosofia política – a sua disposição a abar-car largas temporalidades e construir conceitos unitários para além da rigidez das diversas disciplinas que foram separando e especializando o conhecimento das sociedades, a sua ambi-ção de rigor e, ao mesmo tempo, seu método dialógico, a sua resistência ao fechamento de sentidos e a sua tradição anti-dogmática – são imprescindíveis para se fundar um campo de pensamento que unifique política e comunicação.

esses recursos são particularmente decisivos para investi-gar e superar o impasse dialógico muito frequente nas demo-cracias ocidentais sobre o que é liberdade de expressão e como ela deve ser regulada em uma sociedade democrática. na ver-dade, são as diferentes tradições conceituais do que é liberda-de construída pelas linguagens formadoras da modernidade que esclarecem os contrastantes discursos públicos em defesa da liberdade de expressão.

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Assim, neste livro comparecem pensamentos republicanos, liberais cívicos, pragmáticos críticos, socialistas democráticos, democráticos deliberacionistas dispostos a compartilhar, com seus pluralismos, um campo comum de reflexões e pesquisas.

Uma abordagem praxiológica

e, finalmente, a quarta razão que nutre o princípio orga-nizador deste livro é reunir reflexões de teoria com a pesquisa sistemática sobre a história e a contemporaneidade dos desa-fios vinculados à construção da liberdade de expressão no Bra-sil. o diálogo entre esse duplo trabalho permitirá enriquecer mutuamente a construção de conceitos universais e a singu-laridade da experiência inacabada de construção republicana do Brasil.

A longa história colonial e a fundação de um estado nacio-nal autocrático, assentado na escravidão, na cultura patriarcal e nos privilégios patrimonialistas, tornou central ao longo de nossa formação a “cultura do silêncio” ao invés da participa-ção ativa dos cidadãos em uma opinião pública democrática.

Até relativamente pouco tempo, o Brasil não dispunha de uma mídia de alcance nacional. embora a imprensa (jornais e revistas) exista entre nós desde o século XiX, e o cinema e o rá-dio, desde a primeira metade do século XX, por peculiaridades geográficas e históricas só se pode falar em uma mídia nacio-nal a partir do surgimento das redes (networks) de televisão, e isso já no início da década de 1970, portanto, há cerca de 40 anos. o fato de um moderno sistema de telecomunicações ter se constituído exatamente num período de ditadura militar e organicamente vinculado a seus interesses políticos e eco-nômicos só evidencia o quanto o regime de sua propriedade, sua concentração e sua regulação careceram na origem de um ethos democrático básico.

essa contradição entre a formação de um sistema de comu-nicações moderno consolidado na ditadura e as condições bási-cas da formação de uma opinião pública democrática foi trans-mitida para a contemporaneidade brasileira sob a forma de um

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impasse constitucional. se a constituição Federal fundamenta princípios democráticos de relação entre mídia e democracia, tem até agora prevalecido a resistência, formada pelos inte-resses empresariais na comunicação e seus lobbies políticos, a qualquer regulação democrática e pluralista do setor.

Assim, o impasse dialógico sobre a liberdade de expressão se expressa na democracia brasileira contemporânea sob a for-ma de um impasse constitucional, que condiciona fortemente toda a práxis democrática. Por esse caminho, se a práxis demo-crática brasileira for incapaz de pensar os fundamentos da co-municação democrática entre os cidadãos, ela está perdendo a autoconsciência sobre seus impasses fundamentais.

É para esse caminho, democrático e pluralista, informado e dialógico, que este livro busca, nas suas limitações, contribuir.

Juarez Guimarães e Venício A. de LimaBelo Horizonte/Brasília, outono de 2013.

REFERÊNCIAS

LimA, V. A. (2004). “os ‘cenários de representação’ e a política”. in: ruBim, A. A. canelas. (org.). comunicação e Política: conceitos e Abordagens. salvador/são Paulo: uFBA/unesP, 2004, p. 9-40.

______. (2012). “cenário de representação da Política (cr-P): um conceito e duas hipóteses sobre a relação da mídia com a políti-ca”. in: idem. mídia: teoria e Política. são Paulo: editora Funda-ção Perseu Abramo, 2ª reimpressão, p. 179-216.