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Universidade de Aveiro Ano 2020 Li Xinyue Um estudo sobre os verbos auxiliares em Português Europeu.

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Universidade de Aveiro Ano 2020

Li Xinyue

Um estudo sobre os verbos auxiliares em Português Europeu.

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I

Universidade de Aveiro Ano 2020

Departamento de Línguas e Culturas

Li Xinyue

Um estudo sobre os verbos auxiliares em Português Europeu.

Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Português Língua Estrangeira / Língua Segunda, realizada sob a orientação científica da Prof.ª Doutora Maria Fernanda Amaro de Matos Brasete, docente do Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro.

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II

o júri

presidente Prof. Doutor Carlos Manuel Ferreira Morais Professor Auxiliar da Universidade de Aveiro

vogais Doutora Rosa Lídia Torres do Couto Coimbra e Silva (arguente) Professora Auxiliar da Universidade de Aveiro

Doutora Maria Fernanda Amaro de Matos Brasete (orientadora) Professora Auxiliar da Universidade de Aveiro

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III

Agradecimento

Em primeiro lugar, queria apresentar os meus sinceros agradecimentos a todas as pessoas que me apoiaram na realização desta dissertação. Muito especialmente, à Professora Doutora Maria Fernanda Amaro de Matos Brasete, minha orientadora, agradeço a sua paciência, a atenção dispensada, a dedicação, a disponibilidade e orientação que me prestou durante a realização da dissertação. Também pela sua amizade, o seu carinho e o encorajamento demonstrados, sempre que eu lhe coloquei as minhas dúvidas. À Dr.ª Noémia Gomes, agradeço as sua paciência e cuidado em incentivar-me neste processo da elaboração dissertação, bem como todo o apoio que me prestou. Aos meus professores na Universidade das Línguas Estrangeiras de Jilin e da Universidade de Aveiro, agradeço o apoio empenhado que me concederam na aprendizagem da língua portuguesa. Aos meus amigos, pelos momentos de entusiasmo partilhados em conjunto. Por fim, um agradecimento muito especial a todos os familiares, em particular à minha mãe: agradeço profundamente o seu cuidado, carinho e incentivo. Foi sempre muito importante para mim o acompanhamento e o carinho que tem dedicado à minha vida.

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IV

palavras-chave língua portuguesa, verbos auxiliares; verbos semiauxiliares; perífrase verbal

resumo A presente dissertação propõe-se apresentar um estudo crítico do sistema dos verbos auxiliares (semiauxiliares) em Português Europeu. Neste trabalho, analisam-se os problemas de classificação de verbo auxiliar, com base numa apresentação teórica das propriedades sintáticas e semânticas dos verbos auxiliares e uma descrição fundamentada do funcionamento desta subclasse de verbos. Empreende-se, assim, uma abordagem das principais dificuldades de identificação, classificação e funcionamento dos verbos (semi)auxiliares no estudo da língua portuguesa (PE), tendo em conta, principalmente, os estudantes de Português Língua Estrangeira/Língua Segunda, nomeadamente aos alunos chineses.

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V

keywords Portuguese language, auxiliary verbs; semiauxiliary

verbs; verbal periphrase abstract This dissertation aims to present a critical study of the system

of auxiliary verbs (semiauxiliary) in European Portuguese. In this work, the problems of auxiliary verb classification are analyzed, based on a theoretical presentation of syntactic and semantic properties of auxiliary verbs and a reasoned description of the functioning of this subclass of verbs. The main difficulties in the identification, classification and operation of (semi)auxiliary verbs in the study of the Portuguese language (PE) are addressed, taking into account, mainly, students of Portuguese as a Foreign Language / Second Language, namely Chinese students.

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Índice

Introdução .............................................................................................................................. 1

Capítulo I - O sistema de verbos auxiliares em Português Europeu (PE) ............................. 5

1.1 Os verbos auxiliares em PE: problemas de classificação ......................................... 5

1.2 A abordagem do tópico “verbos auxiliares”, na gramática de Cunha & Cintra

(2015) ............................................................................................................................. 7

1.3 A abordagem do tópico “verbos auxiliares”, na gramática de Mateus et al. (2003) 9

1.4 Os “verbos auxiliares” na Gramática do Português (Raposo, 2013b, Cap. 29) ... 10

1.5 A abordagem do tópico “verbos auxiliares”, na obra de Gonçalves & Costa (2002)

...................................................................................................................................... 11

Capítulo II – Propriedades sintáticas e semânticas dos verbos auxiliares em Português

Europeu (PE) ....................................................................................................................... 13

2.1. Propriedades dos verbos auxiliares ....................................................................... 16

2.1.1. Propriedades semânticas dos verbos auxiliares .......................................... 16

2.1.1.1 Não seleção de argumentos ················································ 18

2.1.1.2. Possibilidade de coocorrência com verbos impessoais em orações

simples ················································································· 18

2.1.2. Propriedades sintáticas dos verbos auxiliares ............................................. 19

2.1.2.1. Não ocorrem com orações finitas ········································ 20

2.1.2.2. Não se combinam com o infinitivo flexionado ························· 21

2.1.2.3. Possibilitam a subida do pronome clítico ······························· 22

2.1.2.3.1. Conceito de pronome clítico ······································· 22

2.1.2.3.2. A Possibilidade da subida do pronome clítico ·················· 24

2.1.2.4. Equivalência entre frases ativas e passivas com perífrases verbais ·· 27

2.1.2.4.1. A noção de perífrase verbal ········································ 27

2.1.2.4.2. Sinonímia entre frases ativas e passivas com perífrases verbais

····················································································· 28

2.1.2.5. As frases com perífrases verbais admitem a construção passiva

pronominal ············································································ 30

2.1.2.6. A negação frásica incide sobre toda a perífrase verbal. ··············· 32

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I

Capítulo III- Os verbos auxiliares do Português Europeu (PE) ........................................... 36

3.1. Os verbos auxiliares em PE ................................................................................... 36

3.1.1. Algumas propriedades semânticas dos verbos auxiliares e semiauxiliares 36

3.1.1.1. Ter + particípio passado: verbo auxiliar perfeito ······················· 36

3.1.1.2. Verbo auxiliar ir + infinitivo ·············································· 37

3.1.1.3. O verbo semiauxiliar haver (de) ·········································· 37

3.2. Os semiauxiliares temporais, modais e aspectuais ................................................ 38

3.2.1. Os semiauxiliares temporais ....................................................................... 39

3.2.2. Os semiauxiliares modais ........................................................................... 39

3.2.3. Os semiauxiliares aspectuais ....................................................................... 40

3.2.4. Propriedades dos semiauxiliares temporais, modais e aspetuais ............... 42

3.3. Propriedades distintas dos auxiliares ..................................................................... 44

3.4. Verbos principais com propriedades idênticas às dos semiauxiliares ................... 45

3.4.1. O verbo querer ............................................................................................ 46

3.4.2. Os verbos mandar e ver .............................................................................. 47

3.5. Ordenação dos verbos auxiliares em perífrases verbais ........................................ 48

3.5.1. O passivo ser+ pp ........................................................................................ 48

3.5.2. O auxiliar ter só pode ser precedido por um auxiliar modal. ...................... 49

3.5.3. O auxiliar ter + pp não pode anteceder um verbo auxiliar modal. ............. 49

3.5.4. Ao auxiliar perfeito ter + pp ...................................................................... 49

3.5.5. Os verbos modais quando seguem os verbos aspetuais .............................. 49

3.5.6. A impossibilidade de um verbo modal anteceder um auxiliar temporal. ... 50

3.5.7. A possibilidade de os verbos auxiliares temporais poderem anteceder um

auxiliar temporal. .................................................................................................. 50

Algumas concluções ............................................................................................................ 51

Bibliografia .......................................................................................................................... 53

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1

Introdução

No mundo de hoje, mudanças complexas e profundas estão a ocorrer, e as trocas e

influências entre os países estão a tornar-se cada vez mais complexas e variadas. Ao mesmo

tempo, com o desenvolvimento da economia mundial e a diversificação dos padrões de

comércio internacional, os países enfrentam muitos desafios, muitos deles ainda

desconhecidos. Entre os longos rios da história chinesa e os dos países ditos ocidentais,

registou-se uma forma muito especial de intercâmbio cultural e comercial atualmente, é

realçada pelo povo chinês no âmbito do rápido desenvolvimento da sociedade e que

pretende ser uma a construção conjunta, comumente designada por "Uma Faixa uma rota".

O português é um dos idiomas mais antigos do mundo1, que é atualmente falado por

mais de 280 milhões de pessoas em 12 países diferentes2, e o seu valor económico encontra-

se em fase de grande expansão como demonstraram os autores Reto & Esperança (2012).A

construção do projeto "Uma Faixa uma rota"3 (em inglês: Belt and Road Initiative; em

chinês: 丝绸之路经济带和21世纪海上丝绸之路) está de acordo com a tendência da

multipolarização mundial, da globalização económica, da diversificação cultural e da

informatização social. Seguindo o espírito de cooperação regional aberta, há o compromisso

de manter um sistema global de livre comércio e uma economia mundial aberta. Na opinião

de Wang Cheng'an, a Iniciativa de “Uma Faixa uma Rota” é a maior oportunidade histórica

para a cooperação económica e comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa"4.

Assim, a relação entre a China e os países de língua portuguesa tornou-se cada vez

mais intensa nas últimas décadas, e esse fortalecimento de relações envolve muitos aspectos:

a nível macro, as trocas comerciais, as trocas políticas e a construção de projetos de

engenharia que envolvem a China e os países de língua portuguesa, ou mesmo as trocas

culturais entre países; a nível micro, de referir o crescimento do número de alunos chineses

a aprender português e de um número cada vez maior de programas de intercâmbio entre as

universidades chinesas e portuguesas. Nas últimas décadas, a língua lusa tornou-se cada vez

1 Sobre a origem e a formação do português, veja-se Banza & Gonçalves (2018). 2 Cf. Reto, L.A., Machado, F.L. & Esperança, J. P, 2016, cap. II. 3 Cf. The Belt and Road Initiative (BRI): An AEPF Framing Paper. (2019) 4 http://portuguese.xinhuanet.com/2018-03/08/c_137024805.htm [acedido em 10.03.2020].

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mais popular entre os alunos da China e tem sido um dos programas de ensino mais

procurados em muitas universidades de língua chinesa. No entanto, como todos nós sabemos,

a aprendizagem de uma língua estrangeira inclui diversas áreas que não se reduzem apenas

a questões gramáticais. Como afirmou Antunes (2007) apud Santos, 2013, p. 16:

A língua é muito mais que isso tudo. É parte de tudo, da identidade cultural,

histórica, social. É por meio dela que se socializa, interage-se, que desenvolve-se

sentimento de pertencimento a um grupo, a uma comunidade. É a língua que se faz

sentir pertencendo a um espaço. É ela que confirma essa declaração: Eu sou daqui.

Falar, escutar ler, escrever reafirma, cada vez, nossa condição de gente, de pessoa

histórica, situada em um tempo e um espaço. Além disso, a língua mexe com valores.

Mobiliza crenças. Institui e reforça poderes.

Na Gramática da Língua Portuguesa, de Wang Suoying e Lu Yanbin, 1999, p.3 as

autoras declaram: “durante longos anos de trabalho docente, sentimos profundamente a

necessidade de um livro de gramática portuguesa para os alunos chineses” Sabe-se que

aprender a gramática do português não é uma tarefa fácil para alunos estrangeiros,

nomeadamente para os alunos chineses, e o tópico dos verbos auxiliares no português

europeu apresenta grande complexidade. Na obra (Auxiliar a) Compreender os verbos

auxiliares, de Gonçalves e Costa, 2002, p.97, refere-se que “a escassez de critérios de

auxiliaridade de natureza sintáctica nas gramáticas consultadas gera divergências quanto ao

elenco de verbos auxiliares do português” Assim, no estudo dos verbos auxiliares

portugueses, descobre-se que, devido à natureza especial dessa tipologia de verbos, é difícil

estudar sistematicamente a sua natureza bem como o seu uso.

A presente dissertação tem como principal objetivo poder contribuir para analisar o

sistema dos verbos (semi)auxiliares e, ao mesmo tempo, poder servir de apoio no estudo

desse item gramatical em PE, para os alunos chineses que aprendem língua portuguesa.

Dadas as dificuldades de classificação dos verbos auxiliares, este trabalho começa por

discutir, num breve estudo teórico, a noção e a caraterização de “verbo auxiliar”, com base

em estudos de referências. A abordagem teórico-gramatical baseia-se, predominantemente,

nas obras seguintes:

- Cunha & Cintra,2015, p. 477-549, que apresentam uma listagem (se bem que

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3

incompleta) dos verbos auxiliares em PE, e referem as principais regras do seu

funcionamento.

- Mateus et al. 2003, p.407-865, que define quatro critérios de auxiliaridade.

- Raposo et alii, (2013)., p. 1221-1280), em que é dedicado um capítulo à análise das

propriedades sintáticas e semânticas dos verbos auxiliares em Português Europeu.

- Gonçalves. & Costa,2002, p.p. 11-98) onde se apresentam as principais formas e usos

específicos de verbos auxiliares e as propriedades dos considerados semiauxiliares em PE.

- Gonçalves et al., 1996, pp. 7-50, em que se discutem os critérios de auxiliaridade em PE e a

natureza categorial do verbo auxiliar.

-Wang &Lu, 1997, p. 246-425, que apresentam com clareza uma definição do tempo

composto.

A presente dissertação encontra-se dividida em três capítulos.

O primeiro capítulo incide sobre uma abordagem teórica do sistema de verbos auxiliares em

português europeu (PE). São analisados os aspetos gramaticais e a problemática de classificação

dos verbos auxiliares da língua portuguesa.

No segundo capítulo, o objeto de estudo recai sobre as propriedades sintáticas e semânticas

dos verbos auxiliares em português europeu, incluindo também a definição de TMA (Tempo,

Modo, Aspeto), pronome clítico, subida de clítico, perífrase verbal e voz passiva. Através destes

diferentes tópicos gramaticais, analisa-se a natureza dos verbos auxiliares, as propriedades gerais

dos verbos auxiliares, bem como alguns dos seus usos especiais.

No terceiro capítulo, apresenta-se uma listagem dos verbos auxiliares do português europeu.

Este capítulo centra-se nas propriedades dos verbos semiauxiliares, bem como em algumas das

principais utilizações dos verbos auxiliares, incluindo a sua utilização com particípios passados,

formando assim formas compostas/perífrases verbais, e a utilização com a voz passiva. É também

complementada por alguns usos especiais de verbos auxiliares em português europeu, de modo a

tornar o presente estudo mais abrangente e completo.

Finalmente, pretendeu-se com esta dissertação propor um documento de trabalho que pudesse ser

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utilizado pelos alunos de PLE/L2, no estudo dos verbos auxiliares no português europeu.

Simultaneamente esta dissertação pode também fornecer algumas referências úteis para

professores e estudantes estrangeiros ao possibilitar uma reflexão sobre um tema gramatical que

não tem merecido um tratamento uniforme, nem sistematizado, nas diferentes gramáticas de PE.

Atendendo a que se trata de um tema de grande complexidade não foi, evidentemente,

minha intenção explorá-lo de uma forma completa e muito menos esgotá-lo, até porque este é

um trabalho inicial de investigação. O primeiro plano desta dissertação previa, além de uma

discussão teórico-gramatical sobre o tema dos verbos auxiliares, uma componente prática, que

teria por base um Inquérito a alunos chineses que frequentavam, no ano de 2019-2020, o

Mestrado em Português Língua Estrangeira/Língua Segunda, na Universidade de Aveiro. O

objetivo era não só apresentar os resultados desse inquérito, mas principalmente fazer uma

análise crítica das dificuldades manifestadas pelos inquiridos sobre o tópico gramatical em

estudo. Infelizmente, devido à suspensão das aulas na Universidade de Aveiro, que ocorreu no

mês de março, e ao meu regresso antecipado à China, não foi possível cumprir essa planificação.

Nesse sentido, optou-se por realizar um estudo sobre o complexo tema dos verbos auxiliares em

PE, tendo por base uma leitura crítica das principais gramáticas e estudos de referência em PE.

No conjunto das três partes que estruturam a presente dissertação pode perceber-se que

os verbos auxiliares são utilizados de muitas maneiras diferentes, com distintas propriedades

e características, e o uso correto dos verbos auxiliares pode ser um grande desafio, tanto para

os estudantes chineses, como para outros alunos estrangeiros que aprendem português.

Embora o verbo auxiliar seja um pequeno tópico gramatical, ele desempenha, apesar

de tudo, um papel importante na função do verbo.

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CAPÍTULO 1- O sistema de verbos auxiliares em Português Europeu (PE)

1.1 Os verbos auxiliares em PE: problemas de classificação

Ao aprender a língua portuguesa, os alunos chineses já deviam estar familiarizados

com o conceito de verbos auxiliares, visto que aprendem essa tipologia de

locuções/perífrases verbais em língua inglesa. No meu percurso de aprendizagem de

línguas, percebi que entre o português e o inglês podemos encontrar alguns traços comuns

na definição e no uso dos verbos auxiliares, que, no entanto, não possuem qualquer tipo de

correspondência na língua chinesa.

O sistema dos verbos auxiliares em português europeu é bem mais complexo, e tem

sido objeto de diferentes interpretações linguísticas, não apresentando, por isso, um

tratamento uniforme nos compêndios gramaticais.

Na obra intitulada (Auxiliar a) compreender os verbos auxiliares: descrição e

implicações para o ensino do Português como Língua Materna, de Gonçalves e Costa

(2002), propõe-se uma classificação, baseada em critérios sintáticos e também semânticos,

o que reduz o número de verbos tipicamente auxiliares. Consideram-se ainda as categorias

de verbos semiauxiliares, bem como de verbos plenos que, em determinados contextos, se

comportam como equivalentes aos auxiliares. Mas antes de me deter na análise apresentada

pelos autores desta obra, será importante ter em conta como esta questão é abordada em

gramáticas de referência do PE.

Pode dizer-se que a tradição gramatical luso-brasileira é consensual quanto à

existência de uma classe de verbos auxiliares. No entanto, o inventário de verbos que

integram esta classe apresenta variações significativas de autor para autor, havendo até

divergências em obras diferentes do mesmo autor, como se pode verificar no quadro que

abaixo se apresenta.

Autor(es) Lista de verbos

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Soares Barbosa (1882)

Ter, estar, haver de, andar, vir, ir, acertar de, dever de

Said Ali (1908) Poder,saber, dever, haver de, ter de, querer, ter, haver, mandar, deixar, fazer, começar a, costumar, estar a, continuar a, acabar de, cessar de, ir, tornar a, ousar, desejar, gostar de, vir

Epiphanio (1917)

Ter, haver, andar a, ir a, vir, estar a

Said Ali (1927) Ter, haver, ter de, haver de, ser, estar

Said Ali (1931) Ser, estar, parecer, ficar, andar, vir, ir, tornar a, haver, haver de

Cunha& Cintra (1984)

Ter, haver, ter de, haver de, ser, estar (a, para, por), ir, vir (a, de), andar a, ficar (a, por), acabar de

Bechara (1999) Ter, haver, ser, estar, ficar, começar a estar (a, para, por), continuar a, vir, andar, ir, haver de, ter de, dever, poder, precisar de, querer, desejar, odiar, buscar, pretender, tentar, ousar, conseguir, lograr, parecer, vir a, chegar a

Quadro 1. Fonte: Gonçalves & Costa, 2002, p.11.

No Dicionário Terminológico (DT) em vigor para o ensino do português europeu (PE),

encontramos a seguinte definição de “verbo auxilar”, com a indicação dos respetivos usos5:

Verbo que co-ocorre, precedendo-o, com um verbo principal ou um verbo

copulativo e que não determina quais os complementos ou o sujeito que ocorrem na

frase. Os verbos auxiliares são usados para a formação de tempos compostos (i), para

a formação de frases passivas (ii), ou para veicular informação temporal (iii), aspectual

(iv) e modal (v). Numa mesma frase, pode haver mais do que um verbo auxiliar (vi)-

(vii).

Entende-se, portanto, que o verbo auxiliar é um verbo que perdeu o seu sentido pleno,

ou seja, que não possui significado lexical, e que pode integrar formas complexas de

tempos compostos, passivas ou perifrásticas, estas podendo assumir diferentes valores

modais e aspetuais.

Se bem que esta seja a terminologia em vigor para o ensino do português europeu, a

consulta de gramáticas de língua portuguesa leva-nos a perceber que não existe uma

definição consensual de verbo auxiliar6 , além de que a lista dos verbos considerados

5 http://dt.dge.mec.pt/:[ consultado em 2 de fevereiro de 2020]. 6 Sobre este tópico gramatical, encontramos a seguinte definição no sítio do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa: “Um verbo auxiliar é um verbo que perdeu o seu sentido pleno e reforçou as suas marcas

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auxiliares varia de gramática para gramática mesmo que, normalmente, a caraterização de

verbos auxiliares pressuponha que se trata de verbos que se combinam com outro verbo

(não flexionado) para formar estruturas perifrásticas ou a passiva analítica.

Tendo em conta os diferentes tipos de conceituação deste tópico gramatical complexo,

convém referir algumas das diferentes abordagens que encontrámos em três gramáticas de

referência e numa obra dedicada à análise dos verbos auxiliares em português.

1.2 A abordagem do tópico “verbos auxiliares”, na gramática de Cunha &Cintra

(2015)

Na gramática normativa de Cunha e Cintra (2015), os critérios utilizados para definir

os verbos auxiliares são explicados deste modo: “Os verbos auxiliares precedem o verbo

principal ou verbo copulativo originando com ele um complexo verbal […] numa mesma

frase, podem coocorrer dois ou mais verbos auxiliares (Cunha & Cintra, 2015, p. 485). No

item “Classificação dos verbos”, havia já sido referido que “Auxiliar é aquele que,

desprovido total ou parcialmente da aceção própria, se junta a formas nominais de um verbo

principal, constituindo com elas locuções que apresentam matizes significativos especiais”

(Cunha & Cintra, 2015, p. 484). Segundo estes autores, os verbos auxiliares de uso mais

frequente são ter, haver, ser, estar, ir, vir, andar, acabar, continuar, ficar, etc.

Embora a noção de auxiliaridade seja problemática, entende-se geralmente que ela é

o resultado de um processo de mudança linguística, chamado gramaticalização (Ferreira,

2008, p.125). Uma das dificuldades que decorre da análise categorial dos verbos auxiliares,

presente nas gramáticas que consultei ao longo do presente estudo prende-se com as

nomenclaturas utilizadas para referir os “complexos verbais” (Cunha & Cintra, 2015, p.

485) em que são utilizados os verbos auxiliares. Expressões como “locução verbal”,

“tempo composto” e “construção perifrástica” são as mais recorrentes. Será preciso, por

isso, percebermos o significado de cada uma destas expressões. Sabe-se que estas questões

relacionadas com as nomenclaturas gramaticais estão relacionadas com os diferentes tipos

gramaticais. Quer isto dizer que ele não possui significado lexical, transportando apenas as desinências verbais” https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/o-conceito-de-verbo-auxiliar/24055 [consultado em 23-02-2020].

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de abordagem linguística, mas não é o objetivo da presente dissertação sustentar-se num

enquadramento teórico tão especializado. Recorri, por isso, a instrumentos de normalização

linguística mais acessíveis a aprendentes de português como língua estrangeira ou segunda.

Com base na consulta do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, encontrei a seguinte

definição de “locução verbal”: “uma expressão formada de verbo auxiliar + verbo principal,

que funciona como se fosse um só verbo. Exs.: tenho escrito, hei de escrever, estou a ler,

estou lendo, estou para ler, ser feito, etc.”7. Por sua vez a designação morfológica de

“tempos compostos” é usada num sentido mais preciso para referir a construção predicativa

composta por um verbo auxiliar (ter ou haver) e o principal, no particípio. Por outro lado,

a noção de “construção perifrástica” corresponde à de “perífrase verbal” que, segundo a

definição encontrada no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa8, é constituída por um verbo

auxiliar e uma forma não finita (infinitivo, gerúndio ou particípio passado) do verbo

principal, por intermédio, ou não, de uma preposição (a, de, por, para). Os exemplos

fornecidos nesse sítio são:

a) “Estou a escrever um romance.”

b) “Está vendo?”

c) “O Zé foi atropelado por uma bicicleta.”

Importa ainda notar que o verbo auxiliar ocorre numa frase sem determinar o sujeito

ou os complementos, e precedendo sempre o verbo principal, também classificado como

“verbo pleno”. Em todas estas construções o verbo auxiliar é sempre uma forma flexionada

ao passo que o verbo principal se apresenta numa forma não finita (particípio passado,

infinitivo impessoal ou gerúndio). Além disso, alguns verbos auxiliares podem ocorrer

acompanhados de uma preposição (de ou a são as mais comuns).

7 https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/locucoes-verbais/2790 [consultado em 12-02-2020]. 8 https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-nocao-de-perifrase-verbal/18381 [consultado em 12-02-2020]. Sobre a noção de verbo auxiliar, neste mesmo sítio encontramos a seguinte informação: “O verbo auxiliar é o resultado de um processo de gramaticalização (ou de deslexicalização). Este processo ocorre quando uma palavra de significação lexical passa a ser activada como uma palavra de significação gramatical [fornecendo a informação gramatical de pessoa, número, tempo, modo e aspecto].”

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9

1.3 A abordagem do tópico “verbos auxiliares”, na gramática de Mateus et al. (2003)

Na gramática descritiva de Mateus et al., 2003, p. 304, começamos por encontrar a

seguinte definição: “os verbos auxiliares caracterizam-se, então, por não terem grelha

temática e por subcategorizarem um complemento de natureza verbal”. Depois de

explicitar as quatro propriedades9 (Mateus et al., 2003, pp. 304-305) que provam que o

complemento de um verbo auxiliar tem de ser “verbal” e não “frásico”, a autora deste

Capítulo (Duarte, 2003a, p. 305) considera verbos auxiliares puros, os seguintes:

os verbos ter e haver seguidos de particípio passado (verbos auxiliares dos tempos

compostos), os verbos andar, ficar, ir e vir seguidos de gerúndio (verbos auxiliares

aspetuais) e o verbo ser seguido de particípio passado (verbo auxiliar da passiva).

No entanto, há verbos que aparecem sob a designação de “semiauxiliares” porque não

se verifica como obrigatória a atração do clítico pelo verbo auxiliar, ou seja, quando o

pronome clítico pode ocorrer como complemento do verbo pleno, na variedade do

português europeu10. Vejam-se os exemplos apresentados:

(1) a. O professor vai corrigir os testes hoje.

b. O professor vai corrigi-los hoje.

(2) a. O João acabou de me telefonar.

b. *O João acabou-me de telefonar. (Duarte, 2003a, p. 305)

Na frase (1)b o clítico encontra-se adjacente ao verbo pleno, ao passo que nos

exemplos (2) só é gramatical a frase (a) porque a presença da preposição de com função

de complementador obriga à ênclise do pronome ao verbo auxiliado, ou seja, utilizando

uma linguagem de teor mais linguístico, regista-se a impossibilidade de subida do clítico

(Duarte, 2003b) para o verbo auxiliar.

9 Que são: a impossibilidade de selecionar uma completiva infinitiva; a presença de um único advérbio temporal de cada tipo; o uso da negação exclusivamente antes do verbo auxiliar; e a atração obrigatória do clítico pelo auxiliar. (Duarte, 2003, pp. 304 e 315) 10 Sobre a divergência de normas de colocação dos pronomes átonos (clíticos) entre as variedades europeia (PE) e brasileira (PB), ver Cunha & Cintra, 2015, pp. 392-401.

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10

Segundo Duarte, 2003a, p. 315, consideram-se verbos semiauxiliares, embora com

variações nas propriedades de auxiliariedade, os seguintes: o verbo temporal ir + V INF;

determinados verbos aspetuais que se constroem com de + V INF, com a +V INF e com por

+ V INF. ; e os verbos modais dever e poder + V INF.

1.4 Os “verbos auxiliares” na Gramática do Português (Raposo, 2013b, Cap. 29)

Um desenvolvimento mais amplo e rigoroso sobre verbos auxiliares encontramo-lo

no cap. 29 da Gramática do Português (2013), editada pela Fundação Calouste Gulbenkian,

sob a organização de vários linguistas portugueses (Raposo, Nascimento, Mota, Segura e

Mendes). O autor do referido capítulo é um dos organizadores do volume: Raposo, 2013b,

pp. 1221-1280.

Na Introdução do seu estudo, o autor fornece uma classificação concisa, mas muito

clara de verbos auxiliares e semiauxiliares, seguida de exemplos ilustrativos:

Os verbos auxiliares e os verbos semiauxiliares são verbos que se combinam com o

verbo pleno de uma oração, contribuindo com informação nos domínios semânticos do

tempo […] da modalidade […] e do aspeto […] (Raposo, 2013b, p. 1221)

Depois de se apresentar uma caracterização de verbo pleno 11 , explica-se que a

distinção entre os verbos auxiliares e verbos semiauxiliares é “uma questão de grau, que

radica no facto de alguns desses verbos não satisfazerem uma ou outra das propriedades

[…] consideradas como típicas de auxiliaridade” (Raposo, 2013b, p. 1223). Os verbos que

o linguista prefere designar apenas como “auxiliares” derivam, frequentemente, de um

processo de “gramaticalização”12 de verbos plenos e as suas propriedades são de natureza

sintático-semântica (Raposo, 2013b, p. 1223).

Salienta-se ainda, neste capítulo gramatical, a existência de similaridades entre os

verbos auxiliares e os verbos copulativos, já que tanto uns como outros são desprovidos de

11 Segundo Raposo 2013, p. 1222, contrariamente “aos verbos auxiliares e semiauxiliares, os verbos plenos têm a função primária de predicador da oração em que ocorrem”. Pode dizer-se que um verbo pleno é caracterizado pelo seu conteúdo semântico básico ou significado descritivo. 12 Este tópico é desenvolvido no item 29.2, Raposo, 2013b, pp. 1227-1230.

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11

conteúdo descritivo e estão sujeitos a uma modalização aspectual. No caso dos verbos ser,

estar, ficar, andar e continuar pode verificar-se que eles podem ser utilizados como verbos

copulativos ou auxiliares, exibindo o mesmo conteúdo semântico.

Defendendo que é difícil apresentar uma lista completa e atualizados dos verbos

auxiliares em português, em parte devido aos fenómenos de variação linguística, o autor

propõe a seguinte lista: o auxiliar perfeito ter; o auxiliar passivo ser; verbos auxiliares

temporais; verbos auxiliares aspetuais; e verbos auxiliares modais (Raposo, 2013b, p.

1225). Anteriormente tinha-se já alertado para o facto de a maioria dos verbos auxiliares

regerem uma preposição (de ou a). Também é importante destacar que Raposo, 2013b, p.

1225, utiliza a designação perífrase verbal (ou construção perifrástica) para descrever “a

combinação de um ou mais verbos auxiliares com o verbo pleno”. Esta interpretação do

autor é consentânea com a que já tínhamos encontrado no Ciberdúvidas da Língua

Portuguesa, se bem que aí se refiram quatro preposições a, de, por e para:

Considera-se que estamos em face de uma perífrase verbal sempre que do

mesmo domínio predicativo participam um verbo auxiliar (também designado por

«verbo morfemático») e uma forma nominal (infinitivo, gerúndio ou particípio passado)

do verbo principal (também classificado como «verbo pleno») – com intermediação,

ou não, de preposição (a, de, por, para)13.

1.5 A abordagem do tópico “verbos auxiliares”, na obra de Gonçalves & Costa (2002)

Neste estudo inteiramente dedicado ao sistema dos verbos auxiliares em português,

(Gonçalves & Costa, 2002), encontramos uma análise detalhada das propriedades sintáticas

e semânticas que devem caracterizar os verbos auxiliares do português europeu (PE), além

de se entender que há verbos que se comportam como semiauxiliares em certos contextos,

o que implica, de certo modo, uma categorização híbrida.

Parte-se também do princípio de que os verbos auxiliares resultam de um processo de

gramaticalização (ou de deslexicalização) e que cabe ao “verbo principal” (= verbo pleno)

13 https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-nocao-de-perifrase-verbal/18381 [consultado em 12-02-2020]

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12

a função de predicador (Gonçalves & Costa, 2002, p. 12). As autoras problematizam ainda

a caraterização de que o verbo auxiliar que ao combinar-se com um verbo principal forma

uma “unidade sémica” (Gonçalves & Costa, 2002, p. 13). O principal objetivo das autoras

é apresentar uma lista de verbos auxiliares (e semiauxiliares), baseada em critérios de

auxiliaridade de natureza sintático-semântica.

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13

Capítulo 2 – Propriedades sintáticas e semânticas dos verbos auxiliares em Português Europeu (PE)

2.1. Propriedades dos verbos auxiliares

Gonçalves e Costa, 2002, no cap.3 do seu estudo, têm por objetivo sistematizar um

conjunto de propriedades que possam caraterizar com maior rigor os auxiliares em PE,

tendo em conta que nos contextos em que esses verbos ocorrem deve existir apenas “um

domínio frásico e um domínio predicativo” (Gonçalves & Costa, 2002, p. 18). Raposo, 2012,

29.3. chama também a atenção para o facto de nem todas as sequências com Vfinito + Vinfinitivo

formarem perífrases verbais, ou seja, existem sequências desse tipo formadas por dois

verbos plenos em estruturas de subordinação argumental infinitiva de que se dão alguns

exemplos:

a. A Câmara prefere 【constituir casas de renda económica neste bairro】.

b. Pretendemos 【corrigir os exames antes do fim do mês】.

c. O cônsul pensou 【expulsar os diplomatas bizantinos】.

d. Os sindicalistas ousaram 【distribuir panfletos subversivo】.

e. O Rui lamenta 【perder frequentemente as chaves de casa】.

Em português, a situação dos verbos auxiliares é, de facto, um tema complexo e com

bastantes particularidades. A frase em que os verbos auxiliares aparecem deve ser uma

sequência formada por pelo menos dois verbos. E, devido ao facto de o português ser

considerado um idioma núcleo-inicial, os verbos auxiliares devem ser usados em conjunto

com o verbo auxiliado. Como eles não têm significado lexical, os verbos auxiliares não têm

o atributo de escolha semântica. De acordo com Gramática da Língua Portuguesa (Mateus

et al., 2003, pp. 303):

As orações em que ocorrem verbos auxiliares apresentam sequências verbais

formadas pelo menos por dois verbos: o verbo auxiliar e o verbo auxiliado. Uma vez

que o português é uma língua núcleo-inicial, o verbo auxiliar precede o verbo auxiliado

com que se combina […]

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14

Os verbos auxiliares caracterizam-se, então, por não terem grelha temática e por

subcategorizarem um complemento de natureza verbal, e as propriedades mostram que o

complemento de um verbo auxiliar é de natureza verbal e não frásica, além dos outros

critérios de auxiliariedade, já referidos (Mateus et al., 2003, pp. 304). Além disso, temos de

notar que, como refere Raposo, 20012b, p. 1231, os critérios de auxiliariedade não são

absolutamente rígidos, pois há auxiliares que não apresentam todas as propriedades

consideradas.

Primeiro, de acordo com diferentes materiais de referência, aprendi algumas

definições de verbos auxiliares no português europeu em termos de sistema e classe. Por

isso, procurei sistematizar, neste capítulo, as propriedades semânticas e sintáticas dos

verbos auxiliares no português europeu.

Segundo Ana Maria Brito (2003), no capítulo 11 de Gramática da Língua Portuguesa,

há que considerar algumas questões sobre a distinção entre verbos auxiliares e verbos

principais, mas também alguns usos especiais de verbos auxiliares, como as situações de

colocação com particípios passados ou de colocação com voz passiva. Propõe-se, assim,

estabelecer algumas definições de auxiliariedade para distinguir os verbos auxiliares e

verbos principais, envolvendo um total de seis critérios (Mateus et al., 2003, pp. 404-408):

1- Os auxiliares não têm propriedades de seleção semântica ou temática porque é o

segundo verbo que determina a seleção do argumento sujeito;

2- Numa oração simples que contenha um auxiliar, não se pode seguir uma oração

completiva precedida do complementador que;

3- Numa frase com verbos auxiliares, quando há apenas uma oração e um domínio

temporalizado, é impossível usar dois advérbios de tempo do mesmo tipo, que apenas

podem ocorrer numa construção com duas frases;

4- Do mesmo modo, numa construção mono-oracional, só é possível existir um advérbio

de negação frásica, que deve colocar-se à esquerda do primeiro verbo porque só assim

tal advérbio modifica toda a frase. Já, numa frase com duas orações, cada uma delas

possa conter um advérbio de negação frásica;

5- Numa construção com auxiliar, não é possível a substituição do segundo verbo e os

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15

seus complementos quer pelo clítico demonstrativo o, quer pelo demonstrativo isso;

mas numa construção de complementação, já podem ser utilizados o clítico o ou isso;

6- Como um dos critérios de auxiliaridade é a colocação de pronomes clíticos estes podem

ocorrer em ênclise ou em próclise, de acordo com os contextos, ao primeiro verbo se

este for um auxiliar; já em estruturas bifrásicas ou bioracioais, os clíticos surgem

ligados ao segundo verbo, se bem que, por vezes, possam oscilar entre uma posição

adjacente ao primeiro verbo ou adjacente ao segundo verbo. Essas propriedades serão

explicadass de forma mais detalhadaadiante, quando retomar este assunto.

Em relação ao uso de atributos sintáticos dos verbos auxiliares, analisarei a partir de

seis pequenos subcapítulos, não apenas do uso de verbos auxiliares, mas também alguns

tópicos gramaticais relacionados com a análise de propriedades dos verbos auxiliares, como

sejam as estruturas morfológicas de TMA, a passivização, a subida do clítico, a perífrase

verbal, a voz passiva, etc.

Esses aspetos gramaticais são inseparáveis dos atributos dos verbos auxiliares e

também são comparados em frases de exemplo para promover uma melhor compreensão.

Mas nem todos os verbos tradicionalmente designados auxiliares satisfazem

completamente as propriedades descritas, porque não se conformam a “um padrão típico de

auxiliaridade” (Raposo, 20012b,p. 1231)., Pressupõe-se uma (sub)classe de verbos

semiauxiliares, que possuem valores temporais, modais ou aspetuais, (Gonçalves & Costa ,

2002, pp. 63 ss.; Raposo, 2013b,pp. 1253 ss.; Brito, 2003, p. 408)

Segundo Gonçalves & Costa, 2002, pp. 18-45, as propriedades que caraterizam os

verbos auxiliares14 são predominantemente de natureza sintático-semântica, e aparecem

divididas em nove critérios: 1) impossibilidade de coocorrência com orações completivas

finitas; 2) impossibilidade de substituição do domínio encaixado por uma forma pronominal

demonstrativa; 3) impossibilidade de coocorrência de duas posições de sujeito; 4) passivas

encaixadas sem alteração do significado básico da ativa correspondente; 5) impossibilidade

de ocorrência do operador de negação frásica no domínio não finito; 6) ocorrência dos

14 As autoras (Gonçalves & Costa 2002, p. 49) definem o conceito de “auxiliaridade” como “um fenómeno gradual, no sentido em que, entre os verbos tipicamente auxiliares e os não auxiliares (ou principais), existe um conjunto de verbos cujo comportamento oscila entre o dos primeiros e o dos segundos”. Esse grupo é considerado pelas autoras como “semiauxiliares”, por não cumprirem os nove critérios enunciados.

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16

complementos pronominalizados (cliticizados) em adjacência ao verbo auxiliar; 7) não

seleção do sujeito; 8) coocorrência com qualquer classe aspetual de predicados verbais; 9)

impossibilidade de ocorrência de modificadores temporais que afetem apenas a

interpretação do domínio não finito.

Em jeito de síntese, as autoras supracitadas concluem que os verbos auxiliares do PE

apresentam três propriedades fundamentais: 1) selecionam complementos verbais e não

frásicos; 2) não selecionam a expressão de sujeito nem a restringem em termos semânticos;

3) não condicionam os verbos aspetuais com que se combinam.

Nas secções seguintes, apresentarei uma síntese das propriedades semânticas e

sintáticas dos verbos auxiliares, tomando por base o estudo de Raposo (2012b).

2.1.1. Propriedades semânticas dos verbos auxiliares

Nesta seção pretende-se, principalmente, distinguir as propriedades semânticas dos

verbos auxiliares das dos verbos plenos, e é dividida principalmente em dois pontos: o facto

de não selecionarem argumentos (Raposo, 2012b, 29.3.1.1.); e a possibilidade de ocorrerem

com verbos impessoais em orações simples (Raposo, 2012b, 29.3.1.2).

2.1.1.1 Não seleção de argumentos

De acordo com Raposo (2013b, p. 1298), os verbos auxiliares

não contribuem para a predicação propriamente dita – não são predicadores 15 ,

contribuem lexicalmente com significados nas áreas do tempo, da modalidade e do aspeto e,

em orações finitas, são o suporte das marcas morfológicas obrigatórias de TMA (Tempo,

Modo e Aspeto) e de concordância com o sujeito.

De acordo com o exposto, podemos pensar que é difícil resumir as características dos

o termo “verbos principal” que é definido por determinar, uma oração ou frase: “a ocorrência de um sujeito e de um ou vários complementos; a categoria e interpretação do sujeito, dos complementos”. Cf. http://dt.dge.mec.pt/ [consultado em 01-03-2020]. Sobre os elementos essenciais de predicação, ver Peres e Móia, 1995, pp. 22-26. 16 Segundo Raposo (2013b, p. 1233), o termo “transparência” é usado pelos linguistas para referir a “defetividade argumental dos verbos auxiliares”.

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17

verbos auxiliares no português europeu, a partir da análise de situações singulares. Existem

muitos tipos de uso de verbos auxiliares, além de haver exceções a esta propriedade.

Para entender esta propriedade dos verbos auxiliares, precisamos de começar por

referir que, em termos semânticos, os verbos auxiliares, podem apresentar valores temporais,

modais e aspetuais, (Raposo 2013b, p. 1221), como facilmente se pode compreender através

dos exemplos citados.

(3) a. Vai chover. [domínio do tempo]

b. A Clara pode vir a Lisboa hoje. [domínio da modalidade]

c. O meu carro continua a fazer um barulho necessário. [domínio do aspecto]

Esses três exemplos representam três formas de domínios diferentes. Em (3) a, o verbo

ir indica o tempo futuro (próximo); em (1) b, o verbo poder admite diferentes interpretações:

na frase (3) b, pode expressar um conceito de possibilidade, representando uma modalidade

epistêmica, mas também pode exprimir uma permissão/autorização/obrigação,

representando assim uma modalidade deôntica. Finalmente, em (3) c, a perífrase verbal

continua a fazer define um valor aspetual continuativo (Raposo et al., Vol. I, p. 586);

Mendes, A. (org.), (2013a)

No entanto, o campo TMA não é aplicável apenas a verbos auxiliares e verbos

semiauxiliares. Nesse sentido, Raposo (2013b, p. 1233) considera que os verbos dever,

poder e ter(de), enquanto verbos auxiliares que expressam uma modalidade deôntica,

podem selecionar um argumento, o que implica que eles constituem uma exceção à regra

referida. Assim, o autor conclui:

Ainda que tenham a transparência semântica de outros verbos auxiliares,

consideramos que os verbos modais com sentido deôntico são auxiliares: por outro

lado a própria maneira como não satisfazem a propriedade (A) é limitada (Raposo,

2013b, p. 1234)

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Para explicitar este tipo de excecionalidade, refiro dois exemplos retirados da

Gramática do Português (Raposo et al.,2013a, p. 1234).

a. A Clara pode morar neste país (o Serviço de Imigração autorizou-a)

b. (Antes do fim do curso), o último artigo do Chomsky deve ser lido pelos alunos

(senão chumbam).

Nestas duas frases, os verbos auxiliares poder e dever não denotam uma transparência

semântica absoluta, se bem que imponham algumas restrições sobre um dos elementos da

frase (o sujeito (a); o agente da passiva (b)), mas isso não significa que não satisfaçam as

outras propriedades de auxiliariedade.

Em suma, os verbos modais com significado semântico são considerados verbos

auxiliares. Embora não possuam "transparência"16 absoluta como outros verbos auxiliares,

em termos linguísticos, esses verbos satisfazem a maioria das características gramaticais

dos verbos auxiliares.

2.1.1.2. Possibilidade de coocorrência com verbos impessoais em orações simples

O segundo atributo importante dos verbos auxiliares em termos de semântica é que os

verbos auxiliares podem aparecer em frases simples, juntamente com verbos impessoais.

Este atributo pode ajudar a avaliar a natureza dos verbos auxiliares mais claramente e

excluir mais facilmente certos verbos das categorias de verbos auxiliares

Classificam-se como verbos impessoais aqueles que não selecionam um sujeito ou

surgem em orações sem sujeito. Por causa disso, os verbos impessoais flexionam-se

exclusivamente no infinitivo e na 3ª pessoa do singular.

Como os verbos auxiliares não selecionam argumentos, esses verbos podem aparecer

junto a qualquer categoria de verbos de acordo com a seleção de argumentos, como verbos

pessoais ou impessoais, transitivos ou intransitivos, inergativos ou inacusativos. No

exemplo (4), retirado do Raposo, 2013b, p. 1235, demonstra-se isso, estando os verbos

auxiliares em itálico, enquanto o verbo pleno se encontra sublinhado.

16 Segundo Raposo (2013b, p. 1233), o termo “transparência” é usado pelos linguistas para referir a “defetividade argumental dos verbos auxiliares”.

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(4) a. Com o aumento dos impostos, vai haver muitas dificuldades económicas nos

países da UE【verbo impessoal】

b. O Pedro continua a tossir【verbo inergativo】

c. O Zé volta a cair 【verbo inacusativo】

d. A Josefina deixou de visitar o Napoleão 【verbo transitivo】

De acordo com Gonçalves & Costa, 2002, p.37, “é a forma verbal não finita (o verbo

principal) que condiciona semanticamente o tipo de Sujeito que ocorre na frase”.

Como exemplos, cito ainda os referidos por Raposo, 2013b, p. 1234, a fim de explicitar

e comparar a natureza dos verbos auxiliares que não selecionam um sujeito.

(5) a. Tem havido muitos acidentes.

b. {Vai \ pode \ deve} chover.

c. {Está \ continua \ voltou} a nevar.

d. As nuvens aparecerem e de repente ficou a chover torrencialmente.

Esta última frase demonstra como a segunda oração é constituída por uma perífrase

verbal em que o verbo ficar (a) funciona como auxiliar e se combina com um verbo

impessoal/meteorológico (chover). Já verbos como desejar, tencionar, preferir, não são

considerados verbos auxiliares, mesmo que ocorram em perífrases verbais com outro verbo

pleno no infinitivo.

Exceções à propriedade em referência, são, no entanto, possíveis, como demonstra

Raposo 2013b, p. 1237-1238, evocando os verbos auxiliares dever, poder, ter (de) que, no

caso de apresentarem valores deônticos não podem combinar-se com verbos impessoais.

2.1.2. Propriedades sintáticas dos verbos auxiliares

Sabe-se que, em português, as propriedades semânticas e sintáticas dos verbos

auxiliares são inseparáveis. Mas geralmente faz-se essa distinção para propiciar uma melhor

compreensão do estudo deste tópico gramatical.

Como já foi mencionado acima, os padrões sintáticos para verbos auxiliares podem

assegurar a conexão estrutural entre os dois verbos da estrutura perifrástica no âmbito da

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frase. Como existe apenas um domínio predicativo, mesmo que os verbos auxiliares exibam

comportamentos sintáticos distintos, regista-se sempre um contraste com as frases que

contêm a sequência Vpleno + Vpleno: trata-se, nesse caso, de dois domínios predicativos,

porque, cada oração possui o seu próprio verbo principal. Neste capítulo, analisarei

principalmente as seis propriedades da natureza sintática que caraterizam os verbos

auxiliares, de acordo com a interpretação de Raposo, 2013b, pp.1238-1253.

2.1.2.1. Não ocorrem com orações finitas

Os verbos auxiliares não selecionam orações subordinadas finitas introduzidas pelo

complementador que, ou seja, se um verbo não satisfaz essa condição, o verbo não tem o

estatuto de auxiliar ou mesmo de semiauxiliar (Raposo, 2013b, p. 1238).

Segundo Gonçalves & Costa (2002) o principal motivo da impossibilidade de

coocorrência com orações completivas finitas é assim explicado:

Um dos critérios que deverá ser utilizado para detectar sequências em auxiliação

diz respeito à natureza não frásica do domínio constituído pela forma verbal não finita

(ou seja, o verbo no infinitivo, no gerúndio ou no particípio) e pelos e seus

complementos. A ideia central é a de que os verbos auxiliares não subcategorizam

domínio frásicos, como orações subordinadas completivas finitas17.[…]

(Gonçalves & Costa, 2002, p.19)

Por isso, os verbos tradicionalmente considerados auxiliares são subdidividos em dois

grupos, como ilustram as frases seguintes18.

Grupo I: os que coocorrem com completivas finitas:

(6) a. O professor quer corrigir os trabalhos rapidamente.

b. O professor mandou trabalhar os alunos.

Grupo II: os que não coocorrem com completivas finitas:

17 Na nota 9 da página 19, Gonçalves & Costa explicam: “A SUBCATEGORIZAÇÃO diz respeito às propriedades de um item lexical relativamente à CATEGORIA SINTÁTICA a que pertencem os seus complementos.” 18 Exemplos retirados de Gonçalves & Costa, 2002, p. 19.

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(7) a. O João tem ido ao cinema ultimamente.

b. O João está a ler os livros de Garcia Marquez.

Para que esta propriedade se verifique é preciso que se comprove que os verbos

auxiliares coocorrem sempre com um verbo pleno para formar uma oração semanticamente

interpretável. Como os exemplos mostram, a oração com infinitivo não flexionado (6 a e b),

bem como o predicado formado por um tempo composto ou uma perífrase modal satisfazem

os critérios de auxiliariedade.

A combinação de infinitivos e verbos plenos, por exemplo nos casos dos verbos desejar,

querer, pensar e parecer pode ser substituída, como ilustram os seguintes exemplos.

(8) a. A Manuela quer sair mais cedo do emprego.

b. A Manuela quer que você saia mais cedo do emprego.

(9) a. Ela parece gostar do Eduardo.

b. Parece que ela gosta do Eduardo.

De acordo com a explicação dada na Gramática da Língua Portuguesa (Mateus et al.,

2003, pp. 408.) as frases 6a; 7a são constituídas em verbo auxiliar seguido de um verbo pleno,

formando, por isso, um sintagma verbal. Mas as frases 8b e 9b denotam uma

complementação verbal, fazendo com que os verbos querer e parecer se incluam na

categoria de verbos plenos e auxiliares.

2.1.2.2. Não se combinam com o infinitivo flexionado

No português europeu padrão, os verbos auxiliares não se podem combinar com

infinitivos flexionados. Os exemplos que se seguem, retirados de Raposo, 2013b, p. 1240,

demonstram essa propriedade, pondo em evidência a agramaticalidade (*) das frases.

(10) a. *As bombas vão explodirem.

b. *Havemos de comprarmos esse livro.

c. *Tu está a descansares no quarto.

d. *Nós continuámos a fazermos paciências.

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22

e. *Eles podem jogarem na lotaria.

Os dois primeiros atributos referidos não são, portanto, suficientes para categorizar os

verbos auxiliares, que também não podem combinar-se com infinitos flexionados.

2.1.2.3. Possibilitam a subida do pronome clítico

2.1.2.3.1. Conceito de pronome clítico

Antes de aprender essa propriedade, primeiro retomo brevemente alguns conceitos

importantes sobre o pronome clítico. Na gramática descritiva de Mateus et al., 2003, p. 827-

828, começamos por encontrar uma definição de pronome clítico, referindo-se também às

propriedades gerais e sua caracterização.

De entre os pronomes pessoais, destacam-se os pronomes clíticos, também

designados pronomes átonos ou clíticos especiais. Os pronomes pessoais denotam a

pessoa gramatical das entidades participantes no acto de comunicação (locutor, ouvinte

e entidade acerca da qual se fala). Os pronomes clíticos correspondem

prototipicamente às formas átonas do pronome pessoal que ocorrem associadas à

posição dos complementos dos verbos. […] (Mateus et al., 2003, p.827)

No entanto, os pronomes clíticos não se limitam à pessoa gramatical, eles adquirem

propriedades morfossintácticas caraterísticas de complementos verbais.

Como se refere em Mateus et al., 2003, p. 826-827, “os pronomes clíticos correspondem

protopticamente às formas átonas do pronome pessoal que ocorrem associados à posição dos

complementos dos verbos”. Por vezes, o clítico denota uma função predicativa e não uma

pessoa gramatical. Embora a origem desse método de uso seja o pronome pessoal neutro

latino, illud, no português moderno, em que o género neutro do pronome foi assimilado à

forma não marcada no masculino singular, o clítico invariável é o correlato do pronome forte

demonstrativo isso. Noutra situação de clítico, apesar de o clítico apresentar a forma do

pronome reflexo, a sua função não é, de novo, designar uma entidade, mas antes

destransitivisar o verbo.

Em suma, embora os pronomes pessoais pareçam estar incluídos nos pronomes formais

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23

e os pronomes clíticos também sejam incluídos nos pronomes pessoais, em termos de

significado e função, a semelhança entre as formas fortes do pronome pessoal e o pronome

clítico não pode ser estabelecida um paralelismo absoluto.

Ao mesmo tempo, os clíticos são divididos em clíticos especiais e clíticos simples

(Mateus at al., p. 828-832), cuja natureza não está sujeita a pressões externas. Quando são

usados, geralmente dependem, a nível de acentação e de sintaxe, dos itens verbais com que

se relacionam, e que são designados de “hospedeiros”19. Além disso, de acordo com a base

histórica, existem certos vínculos especiais entre pronomes clíticos e artigos. Essa associação

ocorre porque é originária do latim, mas a semelhança entre pronomes clítico e artigos não

pode ser estendida a outras formas de pronomes, porque, independentemente de sua origem

histórica, todos os pronomes clíticos completos têm atributos formais específicos, e essas

propriedades também provam que faz sentido defini-lo como um clítico especial.

Portanto, diferentemente das preposições e dos artigos, os pronomes clíticos, mesmo

que especifiquem o complemento do verbo, não aparecerão na posição canónica

característica desse complemento, mas estão estritamente conectados ao verbo. Também

quando existem vários clíticos, a ordem por que surgem é igualmente distinta da canónica,

aparecendo primeiro o clítico impessoal, depois o clítico dativo e por fim o acusativo.

Uma segunda propriedade distingue o pronome clítico especial e clítico simples no

português atual, de um ponto de vista semântico: o clítico está associado ao núcleo nominal

do objeto direto e ao predicativo do sujeito. A diferença entre pronomes clíticos, artigos e

preposições reside no facto de eles não terem um local fixo em relação aos seus hospedeiros.

Há três situações possíveis quanto à sua colocação: podem precedê-lo (próclise), segui-lo

(ênclise) ou ocorrer dentro dele (mesóclise)20. Como observam Gonçalves & Costa, 2002,

p.32, as normas de colocação dos pronomes clíticos em PE são “de natureza morfossintática”:

(i) Próclise ou ordem clítico-V: é desencadeada por elementos como (a) operadores de

negação frásica e constituintes negativos em posição pré-verbal (b)

COMPLEMENTADORES com realização lexical (c) constituintes relativos ou

interrogativos em posição pré-verbal (d) Sintagmas Nominais quantificados em posição de

19 Na gramática de Mateus et al., 2003, p. 828, encontra-se a seguinte definição de hospedeiro “Os pronomes clíticos partilham com outras unidades lexicais, como as preposições e os artigos, a propriedade de serem átonas, e por isso, dependentes de itens lexicais com acentuação própria, usualmente designados como seus hospedeiros.” 20 Cf. Cunha e Cintra, 2015, pp. 356-359.

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24

sujeito (e) Elementos focalizadores (f) Alguns advérbios em posição pré-verbal […] (ii)

Ênclise ou ordem V-clítico: constitui o padrão básico do PE e ocorre sempre que não se

verificam as condições listadas anteriormente […] (iii) Mesóclise: é o padrão alternativo à

ênclise em frases com formas verbais no Futuro e no Condicional […]

Pelo contrário, os artigos e preposições são sempre colocados antes e depois,

respetivamente, das palavras que afectam.

2.1.2.3.2. A possibilidade da subida do pronome clítico

A análise desta propriedade dos verbos auxiliares é analisada de uma forma muito

detalhada na obra de Gonçalves & Costa, 2002, pp.32-38.

Quando o complemento do verbo pleno de uma perífrase verbal é um pronome clítico,

este pode ligar-se ao verbo auxiliar. Assim, os pronomes clíticos, por sua vez, correspondem

às formas átonas do pronome pessoal que ocorrem associadas à posição dos complementos

dos verbos.

Normalmente, um pronome clítico, acusativo ou dativo, liga-se canonicamente ao verbo

pleno do qual é complemento direito ou indireto. Toma como hospedeiro o verbo que o

seleciona, como se ilustra nos exemplos do seguinte paradigma (Raposo 2013, p.p. 1240-

1241):

(11) a. Ele decidiu visitar-me amanhã.

b. O Luís obrigou-os a caminhar.

Nestes exemplos, podemos encontrar dois verbos plenos (visitar e caminhar)

combinados com auxiliares modais (decidir e obrigar). Na primeira frase, o pronome clítico

me é o complemento direto do verbo visitar, enquanto que, na segunda frase de exemplo, o

pronome clítico os é o complemento direto do verbo obrigar. Como mencionado no início,

os pronomes geralmente estão sintaticamente relacionados com verbos que eles

complementam. A ligação dos pronomes ao outro verbo resultaria numa sequência não

gramatical.

Numa perífrase verbal em que o pronome clítico é complemento de um verbo completo,

este pode usar-se como hospedeiro. Na opinião de Gonçalves & Costa, 2002, p. 33,

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25

Em contextos de subordinação finita, em que ocorrem pelo menos duas formas verbais,

os clíticos relacionados com o verbo da frase encaixada têm como hospedeiro este verbo,

não podendo atravessar a fronteira frásica para se associar ao verbo da frase matriz, o que

nos leva a concluir que a cliticização é um fenómeno local.

Há, no entanto, duas possibilidades nos contextos de infinitivo não flexionado. O clítico

pode ter como hospedeiro (i) exclusivamente o verbo no infinitivo ou (ii) qualquer um dos

verbos. (Gonçalves & Costa, 2002, p. 35)

(12) a. Os meninos decidiram apresentar-lhe os resultados das suas experiências.

b. Os meninos decidiram-lhe apresentar os resultados das suas experiências.

Na teoria linguística moderna, esse fenómeno é designado de subida do clítico21. A

teoria pode ser simplesmente explicada como sendo perífrases verbais em que o pronome

que é complemento clítico do verbo pleno se pode ligar também ao verbo auxiliar.

Já em relação às perífrases com particípios passados, o clítico só pode ocorrer em

adjacência ao verbo auxiliar. Assim, Raposo, 2013b, p. 1241, conclui:” com o auxiliar

perfeito e o auxiliar passivo, a subida do clítico é a única possibilidade de obter uma frase

gramatical”.

(13) a. A Maria tem-me visitado todos os dias.

b. Os documentos foram-lhe entregues pela secretária ontem.

Na verdade, como refere Raposo, 2013b, pp. 1242-1243, existem alguns casos especiais

em relação a essa propriedade especial. Por exemplo, quando um verbo auxiliar rege a

preposição de a colocação enclítica do pronome tem de ocorrer à direta da preposição.

(14) a. Tenho de lhe pagar alguma coisa, certamente.

b. Ela há de me encontrar nalgum momento.

21 Na gramática de Mateus et al., 2003, p. 857, encontramos a seguinte definição: “O fenómeno conhecido como subida de clítico consiste na seleção de um verbo do qual o pronome clítico não é dependente para hospedeiro verbal”. Portanto, a partir desta definição, podemos perceber que o clítico depende do verbo principal. Mas alguns exemplos ilustram casos de subida de clítico com verbos auxiliares que selecionam formas participiais e gerundivas. Nestes casos, não existe alternativa à subida de clítico, devendo o pronome clítico ocorrer obrigatoriamente proclítico ou enclítico ao verbo auxiliar.

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26

c. O mordomo acabou de me trazer o pequeno-almoço.

Há que incorporar a preposição de no verbo auxiliar, de modo que, do ponto de vista

morfológico, essa estrutura combinada forme uma unidade complexa.

Já no caso em que os verbos plenos ocorrem na primeira posição de uma sequência

Vpleno+Vpleno, eles não podem, normalmente, servir de hospedeiros a um pronome clítico que

seja complemento do segundo verbo, como se ilustra, nos exemplos seguintes (Raposo,

2013b, p. 1243):

(15) a. *Ele decidiu-me visitar amanhã.

b. Ele decidiu visitar-me amanhã.

Note-se, porém, que a subida do clítico também pode ser usada com alguns verbos plenos,

sendo o exemplo mais típico o do verbo modal querer, como demonstram as seguintes frases:

(i) a. Quero ver-te amanhã, sem falta, no escritório.

b. Quero-te ver amanhã, sem falta, no escritório.

Por esse motivo, a elevação do clítico não pode ser usada como critério suficiente para

julgar a forma de auxiliariedade. Além do verbo querer, o mesmo fenómeno gramatical pode

verificar-se também com os verbos conseguir, desejar, pretender, tencionar e tentar.

O duplo padrão de colocação de pronomes clínicos em frases de subordinação infinita,

como em (i), é considerado um processo opcional de “reestruturação” (Raposo, 2013b, p.

1243):

Nesse processo, dois verbos são usados para criar um grupo de verbos complexo e, ao

mesmo tempo, as estruturas oracionais complexas contidas nessas frases são eliminadas, ou

seja, são convertidas em estruturas simples compostas por uma única frase. Nesta análise,

quando a estrutura é uma estrutura bioracional, o pronome clítico está conectado ao verbo no

infinitivo; quando a estrutura é mono-oracional, o pronome clítico está conectado ao verbo

modal querer.

(ii) a. Quero ver-te amanhã.

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b. Quero-te ver amanhã.

Como nota Raposo, 2013b, p. 1244, “na medida em que admitem uma versão

bioracional, as frases com perífrases verbais são construções de elevação do sujeito para

sujeito, semelhantes às construções com o verbo parecer”. Nesse processo de reestruturação,

em que o verbo auxiliar seleciona um sujeito que tem como núcleo um verbo pleno, o

sujeito da frase é elevado, a sua função é atuar como o sujeito do verbo auxiliar. Vejamos os

exemplos citados:

(iii) a. [Vai [o Pedro telefonar à Maria].]

b. [O Pedro vai [telefonar à Maria].] Elevação do sujeito

c. [O Pedro vai telefonar à Maria.] Reestruturação

2.1.2.4. Equivalência entre frases ativas e passivas com perífrases verbais

2.1.2.4.1. A noção de perífrase verbal

Uma perífrase verbal resulta da combinação de um ou mais verbos auxiliares com um

verbo pleno ou principal, e pode apresentar alguma flexibilidade.

Geralmente, usa-se a expressão “perífrases verbais simples”, para as estruturas que têm

um só verbo auxiliar e a expressão perífrases verbais complexas para as que têm mais do que

um verbo auxiliar. A forma Vauxiliar + ·· + Vpleno é geralmente usada para denotar assinalar

perífrases verbais, onde "···" significa que os outros verbos auxiliares podem ocorrer. As

perífrases verbais constituem um grupo complexo de verbos em função, mas, na prática, a

sua divisão é relativamente clara: os verbos com componentes descritivos e escolha do

sujeito são considerados verbos completos; verbos que expressam componentes de TMA são

verbos auxiliares. Portanto, temos motivos para aceitar que é a perífrase verbal no seu todo,

e não apenas o verbo pleno, que funciona como núcleo semântico do sintagma verbal a da

oração.

Na perífrase verbal, o verbo completo surge como o último da sequência. Nas frases

simples finitas, o verbo auxiliar é o primeiro, mas nas frases complexas a sequência de uma

oração finita exige que o primeiro verbo seja finito. No entanto, nas orações que contêm uma

perífrase verbal infinitiva ou gerundiva, é o infinitivo ou o gerúndio que surgem na primeira

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posição. Já o auxiliar perfeito ter e o auxiliar passivo ser ocorrem sempre antes da forma

verbal no particípio passado.

Cada verbo auxiliar seleciona uma forma morfológica não finita particular do verbo que

o segue imediatamente, quer este seja o verbo pleno, quer seja outro verbo auxiliar. Por

exemplo: os verbos auxiliares ir e vir selecionam o gerúndio; os verbos dever, ir e poder

selecionam o infinitivo.

2.1.2.4.2. Sinonímia entre frases ativas e passivas com perífrases verbais

Conforme refere Raposo 2023b, p. 1244, as frases passivas que se realizam por uma

perífrase (com os verbos auxiliares ser, estar e ficar) seguidas do particípio perfeito do verbo

principal, são semanticamente equivalentes às frases ativas correspondentes, desde que o

verbo principal seja transitivo. Cito os exemplos referidos:

(16) a. O trabalho foi feito pela Ana.

b. A encomenda está entregue.

c. Ele ficou encarregado de entregar a encomenda.

Pode verificar-se que os verbos auxiliares mudam em número, pessoa, tempo e modo,

ao passo que os verbos principais que se apresentam no particípio mudam apenas em número

e género. O objeto direto da ativa e o sujeito da passiva correspondem ao mesmo argumento

do verbo que se apresenta sob a forma passiva, desde que as relações gramaticais sejam

diferentes na ativa e na passiva: o objeto direito da ativa corresponde ao sujeito da passiva,

por isso, a relação semântica mantêm-se, sempre o verbo principal seja transitivo.

Como demonstra Raposo, 2013b, p.1244, também se preserva a equivalência semântica

em estruturas frásicas mais complexas, como em:

(17) a. O médico especialista vai examinar a Ana.

b. A Ana vai ser examinada pelo médico especialista.

(18) a. O Zé tem visitado o avô todas as semanas.

b. O avô tem sido visitado pelo Zé todas as semanas.

(19) a. O jardineiro está a regar as flores.

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b. As flores estão a ser regadas pelo jardineiro.

(20) a. A Luísa começou a escrever o artigo.

b. O artigo começou a ser escrito pela Luísa.

(21) a. O Rui pode ganhar a lotaria.

b. A lotaria pode ser ganha pelo Rui.

(22) a. A Clara pode ver esse filme, dou-lhe autorização.

b. Esse filme pode ser visto pela Clara, dou-lhe autorização.

Através destes exemplos, percebe-se que os primeiros verbos auxiliares da

sequência (ir, ter, estar a, começar e poder) não intervêm na seleção dos argumentos nem

altera os valores semânticos que o verbo pleno lhe atribui. (Raposo, 2013b, p.1244-1245),

Assim Gonçalves & Costa, 2002, p. 27, concluem:

[…] que a passiva é um processo sintáctico que opera localmente, isto é, dentro de

um domínio frásico, não sendo legítima a extracção de um constituinte desse domínio para

outro sem que se registe uma alteração do significado da activa correspondente.

Nos casos em que se regista sinonímia entre a ativa e a passiva, as mesmas autoras incluem o

seguinte grupo de verbos:

Grupo I: costumar, dever, haver, ir, parecer, poder, ter, vir;

acabar (de), andar (a), cessar (de), chegar (a), começar (a), continuar (a), deixar (de),

estar (a), estar (para), ficar (a), haver de), ir (a), parar (de), ter (de), tornar (a), vir (a).

(Gonçalves & Costa, 2002, p. 28)

Ao contrário dos exemplos acima referidos, quando se realiza a passiva uma frase

complexa com uma sequência Vpleno + Vpleno infinitivo, de forma superficialmente idêntica,

o resultado obtido é diferente da frase ativa. Tomando como exemplo a frase do exemplo, a

diferença evidencia-se, se o primeiro verbo na frase for um verbo pleno e não um verbo

auxiliar.

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(23) a. O médico especialista quer examinar a Ana.

b. A Ana quer ser examinada pelo médico especialista.

As duas frases dos exemplos em significam basicamente a mesma coisa, mas em (23)

na forma de Vpleno + Vpleno infinitivo, o significado básico da ativa é fortemente alterado. A

frase de exemplo (23) descreve uma antecipação do futuro (o médico examina Ana), mas,

confrontando com a frase b do exemplo (23), devido à condição imposta pelo verbo querer,

o significado das duas frases aqui não expressa rigorosamente um caso de equivalência

semântica entre a ativa e a passiva. Essas diferenças semânticas entre estruturas ativas e

passivas são expressões típicas de frases complexas subordinadas infinitivas com dois verbos

completos.

De acordo com Gonçalves & Costa, 2002, p.29, os “os verbos causativos (mandar,

deixar e fazer) não permitem a apassivação do domínio encaixado, quando ocorrem

adjacentes ao verbo no infinitivo”. Vejamos os exemplos apresentados por Gonçalves &

Costa, 2002, p.29:

(24) a. O conde mandou reconstruir o palacete a um arquiteto italiano.

b. *O palacete mandou ser reconstruído a um arquiteto italiano pelo conde.

Como se verifica nestas frases, a passivação não é gramatical na frase b, que não tem

sentido.

2.1.2.5. As frases com perífrases verbais admitem a construção passiva pronominal

A construção passiva pronominal pode operar-se através de perífrases verbais, desde

que haja concordância entre o verbo auxiliar e o complemento direto da oração ativa

correspondente. De acordo com as características das frases passivas pronominais, o clítico

liga-se ao verbo transitivo, concordando este em pessoa e número com o sintagma nominal,

tornando-se, portanto, o complemento direto da oração ativa transitiva correspondente.

Como se refere na Nova Gramática de Português Contemporâneo:

A designação passiva pronominal não consta da terminologia atualmente

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adotada no ensino do português. Trata-se de um uso do pronome pessoal átono se com

valor passivo. (Cunha & Cintra, 2015, p. 216)

Segundo a Gramática do Português, editada pela Fundação Calouste Gulbenkian

(Raposo et al, 2013a, p.1248), essas orações são consideradas passivas atendendo,

essencialmente, a dois motivos:

(i) como nas passivas verbais, com o auxiliar ser, o sintagma nominal que concorda em

pessoa e número com o verbo corresponde ao complemento direto de uma oração transitiva

ativa correspondente

(ii) como nas passivas verbais sem o agente da passiva expresso, subentende-se na sua

interpretação um agente semanticamente indefinido.

Assim, uma oração passiva pronominal pode ser formada a partir de uma oração ativa

com perífrase verbal. Nessas frases, o clítico conecta-se ao verbo auxiliar e concorda com o

complemento direto da frase ativa correspondente. As perífrases verbais dão origem, deste

modo, a uma estrutura verbal coesa “que é o núcleo de uma oração única” (Raposo, 2013b,

p. 1248). Relembremos os exemplos dados:

(25) a. Têm-se construído casas de renda económica neste bairro.

b. Neste bairro, vão-se construir casas de renda económica.

c. Finalmente, estão-se a corrigir os exames.

d. Os panfletos começaram-se a distribuir ontem à noite.

e. Infelizmente, as minhas chaves nunca se hão de encontrar.

(26) a. A Câmara tem construído casas de renda económica neste bairro.

b. Neste bairro, a Câmara vai construir casas de renda económica.

c. Finalmente, a professora está a corrigir os exames.

d. Alguém começou a distribuir os panfletos ontem à noite.

e. Nunca ninguém há de encontrar as minhas chaves.

Mas as frases complexas que apresentam perífrases verbais formadas por Vpleno +

Vpleno infinitivo não permitem orações passivas pronominais. Por outras palavras, nas frases

com pronomes clíticos, o se não pode conectar-se ao primeiro verbo. Alguns exemplos dados

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são os seguintes:

(27) a. *Preferem-se construir casas de renda económica neste bairro.

b. *Pretendem-se corrigir os exames antes do fim do mês.

(28) a. Prefere-se construir casas de renda económica neste bairro.

b. Pretende-se corrigir os exames antes do fim do mês.

Através destes exemplos, percebemos que não é permitida a ligação do clítico ao

primeiro verbo, porque existem dois verbos completos que servem como núcleos diferentes

de orações também diferentes. Atendendo a que a passivação é um processo gramatical

estritamente usado em frases simples, é impossível converter o complemento direto na frase

subordinada no sujeito na frase principal. Já as frases (28) são gramaticais porque se trata de

outra construção, a de se impessoal.

Quase todos os verbos auxiliares podem formar uma estrutura de pronome passivo,

mas existem duas exceções: os verbos auxiliares ficar e ser. É que, em termos de uso, o

verbo auxiliar passivo ser e o pronome se têm a mesma função. Esta função é a de converter

a oração ativa numa oração passiva.

E se o primeiro verbo na sequência Vpleno + Vpleno infinitivo é querer, em geral, os verbos

de reestruturação admitem uma construção passiva pronominal. Portanto, a possibilidade de

ocorrência numa construção passiva pronominal não é uma condição suficiente para o

estatuto de verbo auxiliar.

2.1.2.6. A negação frásica incide sobre toda a perífrase verbal.

Na frase com perífrase verbal, a negação recai na perífrase verbal completa, e o

advérbio não aparece antes do verbo auxiliar. Recordemos as frases exemplicativas.

(29) a. O Luís não tinha ainda visitado a avó.

b. Os livros não foram ainda entregues na biblioteca.

De acordo com Gonçalves & Costa, 2002, p.31, se tivermos em consideração os verbos

tradicionacionalmente incluídos na categoria de verbo auxiliar, registam-se comportamentos

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distintos, que se podem dividir em dois grupos:

Grupo (i): impossibilidade de ocorrência do operador de negação frásica no domínio

não finito:

(30) a. A Maria não tem visto a Ana.

b.*A Maria tem não visto a Ana.

c.*A Maria não tem não visto a Ana.

Grupo(ii): possibilidade de ocorrência de operador de negação frásica no domínio não

finito:

(31) a. A Ana não conseguiu apresentar a sua proposta aos colegas.

b. A Ana conseguiu não apresentar a sua proposta aos colegas.

c. A Ana não conseguiu não apresentar a sua proposta aos colegas.

Na sequência de frases com Vpleno + Vpleno infinitivo, a frase negativa, envolvendo o advérbio

não, pode desempenhar um papel no primeiro verbo ou no segundo verbo, como se ilustra a seguir,

citando Raposo 2013b, p. 1251:

(32) a. O Miguel não decidiu visitar os tios.

O Miguel decidiu não visitar os tios.

b. A Câmara não prefere construir casas de renda económica neste bairro.

A Câmara prefere não contruir casas de renda económica neste bairro.

c. Não pretendemos corrigir os exames antes do fim do mês.

Pretendemos não corrigir os exames antes do fim do mês.

A razão pela qual cada verbo pleno pode ser negado é porque cada verbo completo

constitui um núcleo independente e, nesse caso, porque a colocação do advérbio

negativo não é diferente, pois a sua posição pode fazer com que a frase tenha resultados

semânticos diferentes. Pode verificar-se isso, neste exemplo simples: não ousar fazer

qualquer coisa é diferente de ousar não fazer qualquer coisa.

Como conclui Raposo 2013b, p. 1252,

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34

[…]as frases com perífrases verbais não têm um comportamento uniforme face às

possibilidades de escopo da negação. A maioria das frases que contêm perífrase verbal

apenas permite que o advérbio não desempenhe um papel em toda a perífrase verbal.

Para a maioria dos falantes, esse uso é marginal ou até não gramatical.

Recordem-se os seguintes exemplos:

(33) a.* O Luís tinha não visitado a avó.

b.* Os livros foram não entregues na biblioteca.

No entanto, quando as perífrases verbais possuem um valor modal ou aspetual, ou no

caso de regerem a preposição a, admitem que a negação tenha escopo direitamente sobre o

verbo pleno, como se ilustra a seguir, citando Raposo, 2013b, p. 1252:

(34) a. Para não chumbar, o aluno só tem de não irritar o professor a torto e a direito.

b. As crianças podem não apanhar a autocarro.

c. Ontem, o Luís começou a não se sentir bem.

Nos casos das perífrases acima, embora os dois verbos tenham a característica de se

cruzarem em outros campos gramaticais, na construção do modal e do aspectual do verbo

auxiliar, a contribuição semântica proposicional do verbo completo pode ser totalmente

independente, para que as palavras negativas modifiquem todos os verbos. Na realidade, a

negação de um ou outro verbo mantendo o resto da frase constante introduz uma diferença

de significado ou de adequação pragmática.

Um desenvolvimento mais amplo e rigoroso deste tópico sobre a possibilidade de negar

o verbo pleno de algumas perífrases verbais encontramo-lo na p.1253 da Gramática do

Português, (Raposo et al. e, 2013a,p.1253).

Numa mesma frase, pode haver mais do que um verbo auxiliar (vi)-(vii). A

possibilidade de negar o verbo pleno de algumas perífrases verbais deve-se, em última

instância, à natureza bioracional das frases com verbos auxiliares quando o processo

de reestruturação não se aplica. A interação da negação com a subida do clítico é

reveladora a este respeito. Quando a estrutura é bioracional (i.e., quando não se aplica

reestruturação), um pronome clítico que seja complemento do verbo pleno liga-se a

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35

esse verbo, o qual pode também ser negado autonomamente, como se ilustra […]

quando há subida do clítico, o verbo infinitivo não pode ser negado […] a subida do

clítico revela que os dois verbos foram agora um núcleo verbal complexo numa

estrutura mono-oracional(i.e., com aplicação de reestruturação); neste caso apenas a

perífrase no seu todo pode ser negada22.

22 A colocação proclítica do pronome em (iiic-f) (vs. enclítica em(iic-f)) deve-se à posição diferente do advérbio não, que funciona agora como “atractor” do clítico.

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36

Capítulo III- Os verbos auxiliares do Português Europeu (PE)

3.1. Os verbos auxiliares em PE

Segundo Cunha & Cintra, 2015, p. 495, os verbos auxiliares mais frequentes em PE

são: ter, haver, ser e estar.

No entanto, Raposo, 2013b, p. 1255, apresenta a seguinte descrição de verbos

auxiliares:

a. ter+ particípio passado (auxiliar perfeito);

b. ser+ particípio passado (auxiliar passivo);

c. estar (a) (auxiliar progressivo);

d. ficar (a);

e. ir+infinitivo;

f. Verbos auxiliares aspectuais que regem a preposição de (ou que selecionam o

gerúndio): acabar (de), deixar (de), ir + gerúndio, vir+ gerúndio.

De acordo com a interpretação de Gonçalves & Costa, 2002, pp.49-51, o verbo ter+

particípio passado, é o auxiliar típico, mas também cumpre essa função básica de

auxiliariedade o verbo ser da construção passiva. Mas as autoras consideram “semiauxiliares”

os verbos em perífrases que lexicalizam as categorias de tempo, modo, aspeto (Gonçalves &

Costa, 2002, cap. 4.3.)

3.1.1. Algumas propriedades semânticas dos verbos auxiliares e semiauxiliares

Segundo Raposo, 2013b, p. 1257, apenas o verbo ser, quando usado como auxiliar

passivo, não possui conteúdo semântico próprio.

3.1.1.1. Ter + particípio passado: verbo auxiliar perfeito

O português pode a usar o auxiliar perfeito (ter) com um conteúdo aspetual perfetivo

ou imperfetivo, mas o mais frequente é o uso do auxiliar ter + pp com valor aspetual iterativo

ou imperfetivo, no pretérito perfeito composto do indicativo (Ex.: O Miguel tem feito as

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37

fichas de trabalho). A dimensão semântica iterativa pode permitir a associação de adjuntos

verbais quantificadores como várias vezes, repetidamente, etc. Mas tem de se referir a um

evento único. O uso do auxiliar ter + pp pode também ter uma dimensão aspetual durativa

(Ex.: A Joana tem visitado a avó durante a semana). Mas se consideramos a frase O Miguel

tem estado adoentado, verifica-se que o pretérito perfeito composto do indicativo denota um

estado, uma situação única que se prolonga por um período temporal delimitado.

Mas o pretérito perfeito composto do indicativo pode ainda ter uma interpretação

perfetiva, como sugere a frase “Se ele tem chegado um pouco antes, não tinha perdido o

comboio.”.

Como observa Raposo, 213b, p. 1261-1263, a perífrase formada por ter + pp distingue-

se das outras formas compostas porque elas podem representar um evento que ocorreu antes

do tempo de enunciação, e os valores aspetuais que adquirem devem-se, principalmente, à

junção de adjuntos adverbiais.

3.1.1.2. Verbo auxiliar ir + infinitivo

Numa frase simples, esta perífrase verbal expressa futuridade, podendo, por isso, ser

designado, segundo Móia, 2017, p. 214, como um “futuro perifrástico”.

(35) A Ana vai/irá fazer o trabalho.

Essa ideia de futuridade mantém-se também nas frases complexas.

(36) A Ana disse-me que vai/irá devolver-me o livro.

Como nota Raposo, 2013b, p. 123, “o evento descrito pelo predicado que inclui o

auxiliar ir não necessita de ser futuro em relação ao momento de enunciação, mas apenas

em relação ao tempo de referência”.

3.1.1.3. O verbo semiauxiliar haver (de)

Também o verbo haver (de) exprime futuridade quando usado no presente do indicativo.

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Trata-se de um verbo que é considerado semiauxiliar, mas com um valor modal e, muitas

vezes, aparece associado a adjuntos adverbiais

Mas dependendo do predicado a que se liga, este verbo semiauxiliar pode expressar

valores de necessidade ou obrigação e desiderativos, como demonstram as frases seguintes:

(37) a. Ela há de vir ter conosco.

b. Hei de ir a Paris no próximo ano.

3.2. Os semiauxiliares temporais, modais e aspectuais

Já num estudo inteiramente dedicada ao sistema dos verbos auxiliares em português,

(Gonçalves & Costa, 2002), encontramos uma análise detalhada das propriedades sintáticas

e semânticas que devem caracterizar os verbos auxiliares do português europeu (PE), além

de se entender que há verbos que se comportam como os semiauxiliares em certos contextos,

o que implica, de certo modo, uma categorização híbrida. Os verbos semiauxiliares são

verbos esvaziados de significado lexical. Eles têm um comportamento semelhante ao dos

verbos auxiliares, mas também têm as suas próprias propriedades especiais (por exemplo:

impossibilidade de completiva finita; um só advérbio de tempo de cada tipo; uma só negação

frásica; atração obrigatória do clítico pelo verbo auxiliar). Na gramática de Mateus et al.,

2003, p. 315, os verbos semiauxiliares em português europeu são descritos nestas palavras

Os semiauxiliares mais próximos dos auxiliares “puros” são o verbo temporal ir

seguindo de infinitivo e os verbos aspectuais que, na variante padrão do português

europeu, se constroem com a preposição a e uma forma infinitiva do verbo auxiliado

(o chamado infinitivo gerundivo23); estes verbos respondem afirmativamente aos três

primeiros críticos de auxiliaridade acima enunciados, mas não atraem obrigatoriamente

o pronome clítico, como se pode observar nos exemplos: (a) O professor vai corrigi-

los hoje. (b) Os miúdos estão a contar-lhe uma história.

Na variante padrão do português europeu, os verbos aspetuais compostos pela

23 Os semiauxiliares aspetuais que se constroem igualmente com a+ v infinitivo chegar, começar, continuar e tornar aceitam a negação frásica precedendo o verbo auxiliado. Os semiauxiliares estar por+ v infinitivo e ficar por +v infinitivo respondem aos três primeiros critérios de auxiliaridade mas exigem que o clítico ocorra adjacente ao verbo auxiliado. Sobre este assunto, ver Gonçalves (1996, pp. 66-74).

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preposição de + verbo infinitivo respondem afirmativamente aos três primeiros critérios de

verbos auxiliares, mas exigem que o pronome clítico anteceda imediatamente o verbo

auxiliado. A impossibilidade de subida do clítico para o verbo auxiliar sugere que a

preposição de tem, nestas construções, um estatuto híbrido entre preposição e

complementador. Nesse sentido, os verbos modais dever e poder respondem apenas à

certificação dos dois primeiros verbos auxiliares mencionados acima, e esses dois verbos

serão analisados posteriormente. Na verdade, eles aceitam mais do que apenas uma instância

de negação frásica, podendo o operador de negação frásica precedê-los ou ao verbo auxiliado,

não atraindo, assim, obrigatoriamente o pronome clítico.

Os verbos semiauxiliares são divididos em três tipos na gramática do português europeu,

de acordo com os seus valores temporais, modais e aspetuais. Esses três tipos correspondem

aos usos comuns dos designados “verbos semiauxiliares”.

3.2.1. Os semiauxiliares temporais

Os exemplos mais frequentes desta tipologia são os verbos haver (de), ir e vir,

frequentemente seguidos de infinitivo, indicando, muitas vezes que o tempo do evento

descrito corresponde ao tempo de enunciação. Mas os verbos auxiliares semitemporais

também podem indicar um evento próximo ou um anúncio e, assim, referirem-se ao futuro,

como demonstram as frases utilizadas por Gonçalves & Costa, 2002, p.63:

a. O João há de visitar Paris.

b. O João vai jantar a casa de Maria.

c. O João vem jantar a nossa casa.

3.2.2. Os semiauxiliares modais

Os semiauxiliares modais, como dever, poder, ter (de/que) e haver (de)são seguidos

por formas de infinitivo, e expressam a atitude do falante em relação ao conteúdo da

enunciação. Este tipo de verbos semiauxiliares pode transmitir o valor da possibilidade,

probabilidade, obrigação e permissão, como exemplificam Gonçalves & Teresa da Costa,

2002, p.64:

(38)

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a. Possibilidade

O João pode lavar o carro agora. (Na interpretação em que equivale a É possível

que o João lave o carro agora.)

b. Probabilidade

O João deve falar hoje como o professor. (Na interpretação em que equivale a É

provável que o João fale hoje com o professor)

c. Obrigatoriedade

O João deve falar hoje com o professor. (Na interpretação em que equivale a É uma

obrigação do João que ele fale hoje com o professor)

O João tem de falar hoje com o professor. (Na interpretação em que equivale a É

uma obrigação do João que ele fale hoje com o professor)

d. Permissão

Pode-se fumar neste restaurante. (Na interpretação em que equivale a É permitido

fumar neste restaurante)

3.2.3. Os semiauxiliares aspectuais

A principal função dos verbos semiauxiliares aspetuais24 é mudar a maneira como as

pessoas percebem uma situação, podendo focar o início, o meio ou o fim/resultado de uma

ação. Segundo Raposo, 213b, p. 1255, incluem-se neste tipo de verbos semiauxiliares aqueles que

regem a preposição a: andar (a), chegar (a), começar (a), continuar (a), passar (a), tornar (a), e

voltar (a). Em Gonçalves & Costa, 2002, p.65, encontram-se os seguintes exemplos:

(39) a. O João começou a fumar. (focaliza o início)

b. O João está a fumar. (focaliza o meio)

c. O João acabou de fumar, (focaliza o fim)

No entanto, as autoras acima referidas consideram que, enquanto começar (a),

continuar (a) e acabar (de) são verbos “redutores de situações”, já tornar (a) integra a

subclasse de verbos “iteradores de situações” (Gonçalves & Costa, 2002, pp.65-66). Mas

como explica Raposo 2013b, p. 1269-1270, o verbo começar (a) marca o aspeto ingressivo

(o início de duma situação), ao passo que os verbos estar (a) e continuar (a) “focalizam a

24 Sobre a categoria do aspeto e a gramaticalizalização das perífrases verbais, veja-se o estudo de Barroso, 1994, cap. II.

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41

fase intermédia de uma situação, sem atender à sua parte inicial ou final” (p. 1269). Os

exemplos dados para ilustrar o caráter progressivo da situação descrita são:

(39) a. A Clara continua a falar ao telefone.

b. Continua a chover.

Mas casos há em que a duração da situação pode ser expressa através do imperfeito

ou do perfeito simples, associados ou não a um adjunto adverbial:

(40) a. Há dois minutos, a Clara estava/esteve a falar ao telefone.

Por sua vez, os verbos ir+ gerúndio e vir + gerúndio também são muitas vezes

utilizados para expressar um valor aspetual durativo, gradativo ou de continuidade. São

exemplos as seguintes frases:

(41) a. A Joana ia escrevendo o e-mail.

b. A Joana vem colecionando selos.

Os verbos que marcam o término de uma situação são acabar (de) e deixar (de). Cito

dois exemplos:

(42) a. A Maria acabou de ler o livro.

b. A Maria deixou de fumar.

Mas, como refere Raposo, 2013b, p. 1270 o verbo auxiliar acabar (de) pode

apresentar-se como um predicado com valor temporal, descrevendo um momento anterior

ao do momento de enunciação, geralmente reforçada pelo uso de expressões adverbiais

temporais, como se pode depreender do seguinte exemplo:

(43) a. A Maria acabou de nadar há alguns instantes.

Deve notar-se ainda que o verbo chegar (a) expressa uma complexidade semântica

maior, já que pode conjugar a dimensão aspetual, com um valor temporal e até modal.

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42

(Raposo, 2013b, p. 1274)

Embora o verbo parar (de) seja, por vezes considerado um verbo auxiliar, na opinião

de Raposo, 2013b, p. 1271, porque tem um componente aspetual, na verdade não expressa

uma situação totalmente terminada.

Em relação aos verbos ficar (a) e passar (a), pode dizer-se que eles

descrevem a continuidade de uma situação, perspetivando-a como o resultado de uma

mudança ou contrastando-a implicitamente com outra situação que poderia ter ocorrido

mas não ocorreu (uma leitura que se manifesta apenas com ficar (a). (Raposo, 2013b, p.

1271)

(44) a. A Luísa passou a viver em Madrid.

b. A Luisa gostou tanto de Madrid que ficou a viver lá.

Estes predicados representam um novo estado, com valor durativo.

3.2.4. Propriedades dos semiauxiliares temporais, modais e aspetuais

Os verbos semiauxiliares têm propriedades semelhantes às dos verbos auxiliares

Primeiro, todos os verbos semiauxiliares referidos não podem coocorrer com completivas

finitas, mesmo que se possa admitir a sua coocorrência em completivas de infinitivo não

flexionado.

(45) a. Os professores vão corrigir os testes dos alunos.

b. os professores podem corrigir os testes dos alunos.

c. os professores estão a corrigir os testes dos alunos.

(46) a. O João ousou desobedecer aos pais.

b. *O João ousou que desobedeceu\ desobedecesse aos pais.

c. *O João ousou que a Maria desobedeceu\ desobedecesse aos pais.

Na opinião de Gonçalves & Costa, 2002, p. 67, a validade desta hipótese exige que

consideremos que as sequências sublinhadas correspondem a complementos frásicos

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encaixados, com sujeito nulo, mas com a mesma referência do da frase matriz25. Contudo,

essa suposição não pode ser generalizada porque, no caso de as sequências gramaticais em

que os domínios temporal, modal e aspetual aparecem com o pronome, num domínio

infinitivo, criam frases agramaticais, como se pode ver nos seguintes exemplos (Gonçalves

& Costa, 2002, p. 67):

(47) a.* O João vai fazer ele o jantar.

b.* O João pode fazer ele o jantar.

c.* O João está a fazer ele o jantar.

Como notam Gonçalves & Costa, 2002, p.67, “uma outra propriedade que os verbos

em estudo nesta secção partilham com o auxiliar ter consiste na impossibilidade de substituir

o domínio infinitivo pelo clítico demonstrativo” (Ex.: * O João vai ver a Marta e a irmã

também o vai).

Conclui-se, portanto, que o complemento dos verbos temporais, modais e aspetuais é

necessariamente verbal. A aproximação destes verbos ao auxiliar ter é também evidente nas

estruturas em que o verbo do domínio infinitivo se apresenta sob a forma passiva e não há

diferença na interpretação dos verbos ativos correspondentes. Mas quando existem dois

domínios frásicos, a passivação do verbo da frase encaixada pode originar uma frase

gramatical, mas com um significado diferente de ativa. (Gonçalves & Costa, 2002, p.68)

(48) a. A Maria quer entrevistar o Ministro.

b. O Ministro quer ser entrevistado pela Maria.

Assim, podemos entender que esses verbos estão incluídos na categoria de verbos

auxiliares e também confirmaram certas tendências tradicionais:(i) não selecionam o sujeito

(i.e., não lhe atribuem papel semântico nem lhe impõem restrições de natureza semântica);

(ii) alguns deles não apresentam limitações quanto à classe de verbos com que coocorrem.

Para além disso, repare-se que, se excluirmos das sequências os domínios temporal,

modal e aspetual, os sujeitos mantêm os seus papeis e os seus traços semânticos. Em relação

ao verbo poder, pode-se notar que a presença de um sujeito não animado pode condicionar

25 No âmbito da Gramática Generativa, esta é a construção de controlo.

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44

a expressão do valor de modalidade.

Por exemplo, se o verbo no infinitivo não for compatível com o sujeito, a frase não é

interpretável:

(49) a. *A mesa pode lavar os pratos que lá colocámos.

De referir ainda que, como destacam Gonçalves & Costa, 2002, p.70,

Os temporais, os modais e os aspectuais apresentam um comportamento idêntico ao dos

auxiliares também no que respeita à possibilidade de se combinarem com qualquer

subclasse sintática de verbos: em impessoais, em intransitivos, em transitivos direitos,

em transitivos indiretos.

Por fim, de notar que quer os temporais, os modais ou os aspetuais, tal como os verbos

ditos auxiliares, não permitem a coocorrência de modificadores temporais que denotem

intervalos de tempo que não se sobreponham, porque caso isso aconteça, as frases serão

agramaticais, como denotam os seguintes exemplos (Gonçalves & Costa, 2002, p.71):

(50) a.* O João, hoje vai ler os Maias amanhã.

b. O João, hoje, vai visitar a avó às três horas.

c. O João, hoje, pode visitar a avó às três horas.

3.3. Propriedades distintas dos auxiliares

Na seção anterior, pudemos ver que os valores aspetuais, modais e temporais dos verbos

têm, regra geral, as mesmas propriedades das dos verbos auxiliares, tanto a nível sintático

como semântico. No entanto, os verbos semiauxiliares podem manifestar um

comportamento duplo, devido a alguns atributos diferentes. Por exemplo, a impossibilidade

de ocorrência do operador de negação frásica encaixada, que se manifesta como um dos

critérios mais seguros para identificar sequências Vauxiliar - Vprincipal.

(51) a. O João não tem ido ao cinema.

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b. *O João tem não ido ao cinema. (Gonçalves & Costa, 2002, p.72).

A partir destes exemplos, podemos ver que, para tornar uma frase negativa conforme a

gramática, o advérbio negativo deve preceder a sequência verbal. Numa estrutura com

verbos modais, a posição do advérbio negativo pode limitar a leitura da frase, além de que

existe um contraste entre os aspetuais seguidos de a e os aspectuais seguidos de de, ou seja,

os que exprimem a cessação do estado de coisas descrito pelo domínio infinitivo. Essa

agramaticalidade deve-se principalmente à impossibilidade de combinar o verbo que indica

o estado de cessação com a negação do estado de coisas. Já em relação aos verbos temporais

ir e vir, eles dificilmente admitem a negação encaixada. Essa restrição parece ser uma

restrição de natureza semântica e facto, o que parece estar em causa é a incompatibilidade

entre a negação do estado de coisas descrito pelo domínio infinitivo e o verbo temporal

(Gonçalves & Costa, 2002, p.73).

A distribuição dos clíticos dependentes do verbo encaixado também vai distinguir os

temporais, os modais e os aspetuais do auxiliar ter. Neste caso em específico, os clíticos só

podem ocorrer em adjacência ao verbo ter, como se deprende dos seguintes exemplos

(Gonçalves & Costa, 2002, p.73):

(52) a. O João tem-nos falado sobre os seus problemas.

b. O João não nos tem falado sobre os seus problemas.

c.* O João não tem falado-nos dos sues problemas.

Além disso, há que referir que os clíticos que dependem de verbos encaixados também

podem exibir distribuições diferentes.

3.4. Verbos principais com propriedades idênticas às dos semiauxiliares

Na consulta de algumas gramáticas, podemos ver que, em muitos casos, se usa o

infinitivo não flexionado com verbos auxiliares. Considero que esses verbos geralmente têm

dois significados e métodos de uso inerentes. No primeiro caso, o verbo é usado como

infinitivo não flexionado do verbo, que não tem sujeito e se refere ao mesmo indivíduo que

o sujeito do verbo anterior, como os exemplos referidos por Gonçalves & Costa, 2002, p.33

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46

demonstram:

(53)

a. A Teresa 「quer|deseja|tentou|conseguiu」falar com todos os professores

b. A Teresa 「quer|deseja|tentou|conseguiu」a Marta falar com todos os

professores.

O segundo caso é composto por verbos causativos (mandar, deixar e fazer) e verbos

percetivos (ver, ouvir e sentir), em construções como as que se seguem:

(54)

a. O treinador 「mandou|deixou|fez」correr os atletas.

b. A mãe 「mandou|deixou|fez」comer a sopa aos filhos.

c. A mãe 「viu|ouviu|sentiu」chorar os filhos.

De acordo com a Nova Gramática do Português Contemporâneo (Cunha & Cintra,

2015, p. 608 -610), o infinitivo não flexionado integra uma locução verbal próxima do verbo

auxiliar.

3.4.1. O verbo querer

Alguns verbos como é o caso de querer, apresentam, em certos casos, um

comportamento sintático idêntico ao dos auxiliares O domínio infinitivo é, como nos

contextos dos semiauxiliares, temporalmente dependente do domínio matriz. Determinados

verbos que se incluem na classe dos verbos de controlo (e.g. querer, desejar, tentar e

conseguir) partilham com o auxiliar as propriedades, referidas por Gonçalves & Costa, 2002,

pp.81-87:

(i) São hospedeiros de clítico dependentes do verbo encaixado (subida de clítico);

(ii) A ocorrência de passivas pronominais, com a consequente realização do tema do

verbo encaixado na posição de sujeito;

(iii)A coocorrência de expressões adverbiais com valores temporais que se excluem,

afetando cada um deles a um domínio distinto.

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Nas construções que envolvem certos verbos de controlo, temos, porém, quatro

fenómenos que provam a exclusão dos verbos em causa da classe dos auxiliares e mesmo da

dos semiauxiliares. Esses quatro fenómenos são os seguintes, como referem Gonçalves &

Costa, 2002, pp. 85-86:

a. Com os verbos de controlo, os clíticos que dependem do verbo no infinitivo podem

estar adjacentes a este verbo, o que não acontece em contextos em que ocorre o auxiliar

ter. Repare-se que alguns dos verbos de controlo só admitem mesmo este padrão de

colocação dos clíticos;

b. A forma dependente de verbo controlo admite o marcador de negação frásica, o que

não acontece em contextos de auxiliares;

c. Em termos gerais, os verbos que se encontram na construção de controlo podem

coocorrer com completivas finitas, o que não se verifica nas estruturas em que ocorre

um auxiliar;

d. De notar ainda que os verbos de controlo impõem restrições semânticas ao sujeito da

frase matriz, uma vez que o sujeito da frase encaixada refere obrigatoriamente a mesma

entidade. Por isso, nem todos os verbos podem ocorrer no domínio infinitivo.

Dos exemplos acima mencionados, podemos tirar as seguintes conclusões: em

construções em que o verbo querer se inclui num dos dois domínios frásicos relacionados

por subordinação, em que existem um único domínio temporal e se permite a clitização

pronominal, pode admitir-se que há identidade de comportamentos em relação ao dos que se

observam nos verbos semiauxiliares.

3.4.2. Os verbos mandar e ver

Nesta seção, consideramos os verbos mandar e ver como exemplos para analisar as

semelhanças e diferenças entre os verbos causativos e os verbos percetivos e verbos

auxiliares. Os verbos causativos e os perceptivos exibem, por vezes, propriedades

semelhantes às dos auxiliares, mas, paralelamente, em muitas situações coocorrem com

completemtos finitos e constituem dois domínios frásicos, o que implica que não possam ser

considerados auxiliares nem mesmo semiauxiliares.

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48

De acordo com Gonçalves & Costa, 2002, pp.89-90, os verbos causativos e os verbos

perceptivos ocorrem nos seguintes exemplos:

A. Com complementos finitos;

B. Com complementos de infinitivo flexionado;

C. Com complementos de infinitivo não flexionado e sujeito encaixado em posição

pré-verbal;

D. Com complementos de infinitivo não flexionado e sujeito encaixado em posição

pós-verbal. Os verbos perceptivos podem ainda selecionar um complemento infinitivo

introduzido por a, com valor aspectual durativo;

E. Construção de infinitivo preposicionado.

No entanto, quando esses verbos constituem uma perífrase verbal de domínio único,

em que os clíticos ocorrem adjacentes ao primeiro verbo e se verifica a impossibilidade de a

negação frásica aparecer no domínio encaixado, eles podem incluir-se na classe dos

auxiliares. Gonçalves & Costa, 2002, p.91, refere os seguintes exemplos:

(55) a. O médico mandou tomar o xarope aos meninos.

b. O médico mandou-lhes tomar o xarope.

c. * O Médico mandou tomar-lhes o xarope.

d. O médico não mandou tomar o xarope aos meninos.

e. *O médico mandou não tomar o xarope aos meninos.

3.5. Ordenação dos verbos auxiliares em perífrases verbais

Nesta secção, sigo a proposta apresentada por Raposo 2013, pp. 1276-1281, adotando

a expressão “verbos auxiliares” para incluir também os semiauxiliares.

3.5.1. O passivo ser+ pp

O passivo ser+ pp ocorre sempre na última posição de uma perífrase verbal complexa,

antecedendo, no entanto, o particípio passado.

Citemos os seguintes exemplos:

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49

(56) a. Esse deputado tem sido eleito repetidamente. [perfeito+ passico]

b. Esse deputado vai ser eleito. [modal+ passivo]

c. Esse deputado pode ser eleito [aspetual com a + passivo]

d. Esse deputado vai ter de voltar a poder ser eleito [temporal + modal+ aspectual+

modal + passivo]

3.5.2. O auxiliar ter só pode ser precedido por um auxiliar modal.

Esta propriedade pode observar-se nas frases que se seguem.

(57) O Carlos pode ter comprado este livro

Já no caso do verbo haver (de), ele pode anteceder o auxiliar perfeito.

(58) A Maria havia de ter falado com o professor.

3.5.3. O auxiliar ter + pp não pode anteceder um verbo auxiliar com valor temporal.

Isso pode verificar-se na frase seguinte.

(59) *As folhas das árvores têm ido cair.

3.5.4. Ao auxiliar modal

O auxiliar modal pode combinar-se com outro verbo auxiliar, mas o modal se não

estiver na primeira posição não permite uma interpretação epistémica, que, como observa

Raposo, 2013b, p. 693, “prende-se com graus de certeza ou avaliação da probabilidade

acerca do conteúdo proposicional da frase”.

(60) a. A Maria pode/deve voltar a fazer ginástica.

b. A Maria tem de poder voltar a fazer ginástica

3.5.5. Os verbos modais quando seguem os verbos aspetuais

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Quando os verbos modais seguem os verbos aspetuais, eles podem adquirir uma

interpretação de capacidade interna ou de possibilidade/necessidade, mas nunca um valor

epistémico, como demonstram as frases seguintes.

(61) a. A Maria voltou a poder fazer ginástica.

b. A biblioteca está/continua a ter de comprar mais livros este ano.

3.5.6. A impossibilidade de um verbo modal anteceder um auxiliar temporal.

Este critério, pode observar-se nos exemplos abaixo mencionados.

(62) a. *Quando forem aumentadas, as pessoas podem haver de melhorar o seu nível

de vida.

b. Quando forem aumentadas, as pessoas hão de poder melhorar o seu nível de

vida.

3.5.7. A possibilidade de os verbos auxiliares temporais poderem anteceder um

auxiliar temporal.

Essa situação, é evidente nas seguintes frases. (63) a. A Isabel vai [começar/continuar/voltar] a gostar de matemática.

b.* A Isabel [começou/continuou/voltou] a ir gostar de matemática.

Pode conluir-se, citando Raposo, 2013b, p. 1280, que:

(I) Os verbos auxiliares temporais não coocorrem com o axuliar perfeito ter + pp;

(II) Os verbos auxiliares temporais ocorrem sempre na posição inicial de uma perífrase

verbal;

(III)A interpretação epistémica de um verbo modal só é possível se este estiver na

primeira posição de uma perífrase verbal;

(IV)Os verbos auxiliares modais podem ocorrer na posição inicial de uma perífrase

verbal […]; podem também ocorrer depois de um auxiliar perfeito […], e depois de um

auxiliar temporal. No entanto, apenas o modal na posição inicial da perífrase […] pode

ter uma interpretação epistémica.

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Algumas conclusões

A presente dissertação sobre os verbos auxiliares em português europeu procurou

estudar este tema complexo, a partir de diferentes gramáticas e alguns outros estudos de

referência. Espera-se que a dissertação possa esclarecer especialmente as dificuldades que

os alunos chineses encontram na sua aprendizagem deste tópico gramatical.

Na verdade, a definição e interpretação do verbo auxiliar no português tradicional não

é muito clara. É muito difícil compreender as diferentes propostas de classificação

apresentadas. Não existe na gramática portuguesa um único padrão de referência que abranja

de forma sistemática os verbos auxiliares, portanto, não é fácil compreender os diferentes

tipos e usos de verbos auxiliares em PE.

Verificamos, pois, que é muito importante usar a forma correta e dominar bem o sistema

do verbo auxiliar. Mas o seu uso no registo coloquial ou cuidado, especialmente em interação

dialógica, provavelmente não nos suscita a devida atenção, porque os verbos auxiliares

podem ser compreendidos mais direta e simplesmente de acordo com o significado do

texto/discurso. Neste sentido, o estudo que apresento nesta dissertação sobre os verbos

auxiliares (e semiauxiliares) pretende ser uma contribuição, apesar das suas limitações, para

uma melhor compreensão deste tópico linguístico em PE, em termos de conceito e de

funcionamento. Baseei-me, principalmente, no excelente estudo de Raposo (2013) que

constitui, na minha modesta opinião, uma contribuição muito relevante para a questão em

estudo. No entanto, foi também importante a inclusão de outros tipos de abordagem como

as que encontramos em gramáticas de referência do português europeu (Celso & Cunha,

2015; Mateus et al., 2003), bem como num dos estudos desenvolvidos por Gonçalves e Costa

(2002). Nem sempre foi fácil, para uma aluna chinesa como eu, compreender a discussão em

torno dos verbos auxiliares, avaliar a pertinência da distinção auxiliares/ não auxiliares, nem

entender, de forma calara as propriedades sintáticas e semânticas dos designados verbos

auxiliares (e semiauxiliares). Penso, porém, que me esforcei para realizar um estudo

fundamentado e que possa ser útil para que os alunos chineses e estrangeiros possam adquirir

um conhecimento mais estruturado sobre as propriedades dos verbos auxiliares.

E como estudante chinesa que estuda português, reparei que os professores chineses se

concentram mais no ensino e na explicação de outros temas gramaticais e não concedem

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grande atenção às construções perifrásticas que integram verbos auxiliares. De facto, os

efeitos das diferenças culturais e linguísticas que existem entre o português e o chinês

revelam que a distinção entre o nível sintático e semântico é relativamente vaga em

mandarim.

Na minha análise dos verbos auxiliares, tentei encontrar algum material chinês para me

apoiar na minha pesquisa, mas pude constatar que os livros escolares chineses para

estudantes chineses que aprendem português contêm uma explicação muita exígua dos

verbos auxiliares e apresentam apenas um resumo muito breve e pouco esclarecedor desses

verbos. Não existe um estudo minimamente aprofundado dos verbos auxiliares em PE., para

um público-alvo de PLE/LS. Isto causa, evidentemente, várias dificuldades aos estudantes

chineses que aprendem português, pois é muito difícil resolver situações especiais que eles

não podem estudar nos manuais escolares e, inclusive, nas gramáticas que utilizam. Por isso,

não existe por parte dos alunos chineses uma reflexão consciente sobre o estudo dos verbos

auxiliares, já que normalmente têm apenas um conhecimento vago de alguns verbos

auxiliares mais frequentemente utilizados, tais como: ter, ser, haver, estar.

Mas quando começei a consultar bibliografia sobre o tema, percebi, de imediato, que

há diferentes entendimentos e definições dos verbos auxiliares. Assim, entendi que fazia

sentido empreender um estudo sobre os verbos auxiliares, desde a sua classificação

hierárquica até à sua utilização e propriedades mais caraterísticas.

Embora a língua portuguesa apresente duas variedades, o português europeu e o

português brasileiro, cingi este estudo ao PE, devido às variações que existem na norma

brasileira.

Em conclusão, nesta dissertação, a problematização do conceito de verbo auxiliar

português europeu e a descrição das suas propriedades mais relevantes serão, na minha

modesta opinão, o contributo mais importante do presente trabalho que poderá revelar-se

últil aos professores chineses e portugueses no ensino dirigido a alunos chineses. Espero

também que este trabalho possa vir a servir como uma proposta ou um material para uma

investigação mais aprofundada sobre este tema.

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