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  • VYGOTSKYLEV SEMIONOVICH

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  • Livros Grtis

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  • Alceu Amoroso Lima | Almeida Jnior | Ansio TeixeiraAparecida Joly Gouveia | Armanda lvaro Alberto | Azeredo Coutinho

    Bertha Lutz | Ceclia Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy RibeiroDurmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan FernandesFrota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos

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    Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud

    Ministrio da Educao | Fundao Joaquim Nabuco

    Coordenao executivaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari

    Comisso tcnicaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)

    Antonio Carlos Caruso Ronca, Atade Alves, Carmen Lcia Bueno Valle,Clio da Cunha, Jane Cristina da Silva, Jos Carlos Wanderley Dias de Freitas,

    Justina Iva de Arajo Silva, Lcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fvero

    Reviso de contedoCarlos Alberto Ribeiro de Xavier, Clio da Cunha, Jder de Medeiros Britto,Jos Eustachio Romo, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia

    Secretaria executivaAna Elizabete Negreiros Barroso

    Conceio Silva

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  • Ivan Ivic

    VYGOTSKYLEV SEMIONOVICH

    TraduoJos Eustquio Romo

    OrganizaoEdgar Pereira Coelho

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  • ISBN 978-85-7019-542-5 2010 Coleo Educadores

    MEC | Fundao Joaquim Nabuco/Editora Massangana

    Esta publicao tem a cooperao da UNESCO no mbitodo Acordo de Cooperao Tcnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a

    contribuio para a formulao e implementao de polticas integradas de melhoriada equidade e qualidade da educao em todos os nveis de ensino formal e no

    formal. Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidosneste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as

    da UNESCO, nem comprometem a Organizao.As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo desta publicao

    no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCOa respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio

    ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites.

    A reproduo deste volume, em qualquer meio, sem autorizao prvia,estar sujeita s penalidades da Lei n 9.610 de 19/02/98.

    Editora MassanganaAvenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540

    www.fundaj.gov.br

    Coleo EducadoresEdio-geralSidney Rocha

    Coordenao editorialSelma Corra

    Assessoria editorialAntonio Laurentino

    Patrcia LimaReviso

    Sygma ComunicaoReviso tcnica

    Jeanne Marie Claire SawayaMarta Kohl de Oliveira

    IlustraesMiguel Falco

    Foi feito depsito legalImpresso no Brasil

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Fundao Joaquim Nabuco. Biblioteca)

    Ivic, Ivan. Lev Semionovich Vygotsky / Ivan Ivic; Edgar Pereira Coelho (org.) Recife:Fundao Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 140 p.: il. (Coleo Educadores) Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7019-542-51. Vygotsky, Lev Semionovich, 1896-1934. 2. Educao Pensadores Histria. I.Coelho, Edgar Pereira. II. Ttulo.

    CDU 37

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  • SUMRIO

    Apresentao, por Fernando Haddad, 7

    Ensaio, por Ivan Ivic, 11

    A vida e a obra de Vygotsky, 12Teoria do desenvolvimento mentale problemas de educao, 15Vygotsky atual, 30

    Textos selecionados, 35O problema e o mtodo de investigao, 35A linguagem e o pensamento da crianana teoria de Piaget, 38O desenvolvimento da linguagem na teoria de Stern, 41As razes genticas do pensamento e da linguagem, 42Estudo experimentaldo desenvolvimento dos conceitos, 46Estudo do desenvolvimentodos conceitos cientficos na infncia, 60Pensamento e palavra, 73

    Cronologia, 125

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  • 6Bibliografia, 127Obras de Vygotsky, 127Obras sobre Vygotsky, 130Obras de Vygotsky em portugus, 138Obras sobre Vygotsky em portugus, 138

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  • 7O propsito de organizar uma coleo de livros sobre educa-dores e pensadores da educao surgiu da necessidade de se colo-car disposio dos professores e dirigentes da educao de todoo pas obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeramalguns dos principais expoentes da histria educacional, nos pla-nos nacional e internacional. A disseminao de conhecimentosnessa rea, seguida de debates pblicos, constitui passo importantepara o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas aoobjetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e daprtica pedaggica em nosso pas.

    Para concretizar esse propsito, o Ministrio da Educao insti-tuiu Comisso Tcnica em 2006, composta por representantes doMEC, de instituies educacionais, de universidades e da Unescoque, aps longas reunies, chegou a uma lista de trinta brasileiros etrinta estrangeiros, cuja escolha teve por critrios o reconhecimentohistrico e o alcance de suas reflexes e contribuies para o avanoda educao. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-leo Penseurs de lducation, organizada pelo International Bureau ofEducation (IBE) da Unesco em Genebra, que rene alguns dos mai-ores pensadores da educao de todos os tempos e culturas.

    Para garantir o xito e a qualidade deste ambicioso projetoeditorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto PauloFreire e de diversas universidades, em condies de cumprir osobjetivos previstos pelo projeto.

    APRESENTAO

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  • 8Ao se iniciar a publicao da Coleo Educadores*, o MEC,em parceria com a Unesco e a Fundao Joaquim Nabuco, favo-rece o aprofundamento das polticas educacionais no Brasil, comotambm contribui para a unio indissocivel entre a teoria e a pr-tica, que o de que mais necessitamos nestes tempos de transiopara cenrios mais promissores.

    importante sublinhar que o lanamento desta Coleo coinci-de com o 80 aniversrio de criao do Ministrio da Educao esugere reflexes oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, emnovembro de 1930, a educao brasileira vivia um clima de espe-ranas e expectativas alentadoras em decorrncia das mudanas quese operavam nos campos poltico, econmico e cultural. A divulga-o do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundao, em 1934, da Uni-versidade de So Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em1935, so alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tobem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.

    Todavia, a imposio ao pas da Constituio de 1937 e doEstado Novo, haveria de interromper por vrios anos a luta auspiciosado movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do sculo passa-do, que s seria retomada com a redemocratizao do pas, em1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-bilitaram alguns avanos definitivos como as vrias campanhas edu-cacionais nos anos 1950, a criao da Capes e do CNPq e a aprova-o, aps muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases nocomeo da dcada de 1960. No entanto, as grandes esperanas easpiraes retrabalhadas e reavivadas nessa fase e to bem sintetiza-das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, tambm redigido porFernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidasem 1964 por uma nova ditadura de quase dois decnios.

    * A relao completa dos educadores que integram a coleo encontra-se no incio deste

    volume.

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  • 9Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estgio daeducao brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com otempo presente. Estou certo de que o lanamento, em 2007, doPlano de Desenvolvimento da Educao (PDE), como mecanis-mo de estado para a implementao do Plano Nacional da Edu-cao comeou a resgatar muitos dos objetivos da poltica educa-cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que no serdemais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cujareedio consta da presente Coleo, juntamente com o Manifestode 1959, de impressionante atualidade: Na hierarquia dos pro-blemas de uma nao, nenhum sobreleva em importncia, ao daeducao. Esse lema inspira e d foras ao movimento de ideiase de aes a que hoje assistimos em todo o pas para fazer daeducao uma prioridade de estado.

    Fernando HaddadMinistro de Estado da Educao

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    LEV SEMIONOVICH VYGOTSKY1

    (1896 - 1934)

    Ivan Ivic2

    A obra cientfica de Lev S. Vygotsky conheceu um destinoexcepcional. Um dos maiores psiclogos do sculo XX, nuncarecebeu educao formal em psicologia. Morreu com 38 anos deidade, consagrando seno uma dezena de anos a seu trabalho cien-tfico e no pde ver a publicao de suas obras mais importantes.

    Entretanto, mesmo nessas condies, este Mozart da Psicolo-gia (como o chamava o filsofo S. Toulmin) criou uma das teoriasmais promissoras desta disciplina. Mais de meio sculo aps suamorte, depois da publicao de suas obras principais, Vygotskytornou-se um autor de vanguarda: Ele est certamente, sob mui-tos aspectos, adiante de nosso prprio tempo, segundo um deseus melhores intrpretes (Rivire, 1984, p. 120).

    Esse fenmeno, muito raro na histria da cincia, pode ser ex-plicado por dois fatores intimamente ligados: por um lado, a ampli-tude e a originalidade da produo cientfica em um perodo relati-vamente curto so provas da genialidade de Vygotsky; por outro, aatividade de Vygotsky se desenvolveu em um perodo de transfor-

    1 Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle dducation compare.Paris, Unesco: Escritrio Internacional de Educao, v. 24, n. 3-4, pp. 793-820, 1994.2 Ivan Ivic doutor em psicologia, pela Universidade de Belgrado, em 1976. Foi interno do

    Instituto Jean-Jacques Rousseau de Genebra, em 1971. Professor de Pedagogia Gen-

    tica na Universidade de Belgrado desde 1960. Delegado da antiga Iugoslvia na Organi-

    zao Mundial pela Educao da Pequena Infncia e do Comit de Educao da OCDE.

    Fundador e redator-chefe da revista cientfica Psihologija e Ministro da Educao e daCultura da Repblica Federal da antiga Iugoslvia, de 1992 a 1993.

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    maes histricas dramticas, como a ocorrncia da Revoluo deOutubro, na Rssia.

    No cerne do sistema psicolgico vygotskyano, encontra-se umateoria do desenvolvimento mental ontogentico que , tambm, umateoria histrica do desenvolvimento individual. Trata-se, portanto, deuma concepo gentica de um fenmeno gentico, em que poss-vel tirar, sem dvida, um ensinamento epistemolgico. De fato, aspocas histricas de mudanas revolucionrias parecem refinar a sen-sibilidade do pensamento humano e a predisp-lo a tudo que dizrespeito gnese, transformao, dinmica, ao devir e evoluo.

    A vida e a obra de Vygotsky

    Lev Semionovich Vygotsky nasceu em Orsha, uma pequenapovoao da Bielorssia, em 17 de novembro de 1896. Aps aescola secundria (gymnasium), na cidade de Gomel, Vygotsky fezseus estudos universitrios em direito, filosofia e histria em Mos-cou, a partir de 1912. Durante seus estudos secundrios e universit-rios, adquiriu excelente formao no domnio das cincias humanas:lngua e lingustica, esttica e literatura, filosofia e histria. Aos 20anos de idade, escreveu um volumoso estudo sobre Hamlet. Poesia,teatro, lngua e problemas dos signos e da significao, teorias daliteratura, cinema, problemas de histria e de filosofia, tudo o inte-ressava vivamente, antes de ele se dedicar pesquisa em psicologia. importante notar que a primeira obra de Vygotsky, que o condu-ziu definitivamente para a psicologia, foi Psicologia da arte (1925).

    Parece-nos interessante estabelecer, aqui, um paralelo com JeanPiaget. Nascido no mesmo ano em que ele e no tendo recebidoformao psicolgica, tornou-se autor, como Piaget, de uma no-tvel teoria do desenvolvimento mental. Desde sua adolescncia, eao longo de toda sua vida, Piaget se orientou para as cincias bio-lgicas. Esta diferena de inspirao explica, talvez, a diferena dedois paradigmas importantes na psicologia do desenvolvimento:

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    o de Piaget, que acentua os aspectos estruturais e as leis essencial-mente universais (de origem biolgica) do desenvolvimento, en-quanto o de Vygotsky insiste nos aportes da cultura, na interaosocial e na dimenso histrica do desenvolvimento mental.

    Aps a universidade, Vygotsky retorna a Gomel, onde se de-dica a atividades intelectuais muito diversificadas: ensina psicolo-gia, comea a se preocupar com os problemas das crianas defici-entes, continua seus estudos sobre teoria literria e da psicologia daarte. Aps os primeiros sucessos profissionais em psicologia (pa-lestras em congressos nacionais), instala-se em Moscou, em 1924,tornando-se colaborador do Instituto de Psicologia. a, duranteuma prodigiosa dcada (1924-1934), que Vygotsky, cercado porum grupo de colaboradores apaixonados como ele pela elabora-o de uma verdadeira reconstruo da psicologia, cria sua teoriahistrico-cultural dos fenmenos psicolgicos.

    Ignorados por um longo perodo, os escritos essenciais deVygotsky, como suas atividades profissionais, foram redescobertosmuito recentemente e pouco a pouco reconstitudos. O leitor inte-ressado pode, agora, encontr-los nas seguintes obras: Levitin, 1982;Luria, 1979, Mecacci, 1983; Rivire, 1984; Schneuwly e Bronckart,1985; Valsiner, 1988; e, naturalmente, na antologia de textos deVygotsky, em seis volumes (Vygosky, 1982-1984).

    Ao longo desse breve perodo de pesquisa, Vygotsky escreveucerca de duzentas obras, das quais se perdeu uma parte. A fonteprincipal continua sendo suas Obras completas, publicadas em russo,entre 1982 e 1984. Contudo, ainda que intitulada Obras comple-tas, esta publicao no contm todas as obras que foram preser-vadas. Muitos livros e artigos publicados anteriormente no foramainda re-editados.

    A bibliografia mais completa dos trabalhos do pensador rus-so, assim como a lista de tradues de suas obras e dos estudosque lhe so dedicados, figura no sexto tomo das Obras completas e

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    na obra de Schneuwly e Bronckart (id., ib.). Observe-se que algu-mas apresentaes de Vygotsky, particularmente em ingls, noforam muito felizes e acabaram criando muitos mal entendidos. o caso particular da apresentao de sua obra mais importante,mas terrivelmente mutilada, Pensamento e linguagem, publicada em1962, sob o ttulo Thought and language. Espera-se que as ediesdas Obras completas, atualmente preparadas em diversos idiomas(ingls, italiano, espanhol, srvio-croata, etc.), ajudem os pesquisa-dores a melhor captar o verdadeiro significado de suas ideias. Almdisso, os dados bibliogrficos apresentados na verso original dasObras completas, bem como os comentrios que se encontram emcada volume, facilitaro a reconstituio da gnese de suas ideias.Esta reconstruo, entre outros resultados, tornar possvel umainterpretao mais fundamentada de seus pensamentos,notadamente, no caso de formulaes diferentes das mesmas ideias,que figuram nas obras redigidas em diferentes momentos. De qual-quer modo, para os leitores que no podem consultar os textosem russo, permanecer sempre uma dificuldade: tendo criado umsistema terico original, Vygotsky criou, tambm, uma terminolo-gia suscetvel de exprimir esta originalidade. Toda traduo arris-ca-se, pois, de deformar, pelo menos parcialmente, suas ideias.

    Entre elas, tentaremos analisar brevemente as que so perti-nentes para a educao, deixando de lado as que tratam dametodologia da cincia, da psicologia geral, da psicologia da arte,das crianas deficientes, etc. Nosso estudo versar sobre dois pon-tos: de um lado, as implicaes pedaggicas de sua teoria daontognese mental; de outro, a anlise de suas ideias estrita e expli-citamente pedaggicas.

    Desnecessrio dizer que as interpretaes aqui apresentadasso as do autor deste texto. Estudando, h um bom tempo, ostextos de Vygotsky, em lugar de repetir literalmente suas palavras,tentarei captar o sentido profundo de suas ideias e apresent-las

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    em termos compreensveis ao leitor no familiarizado com suasobras. Depois, avanando um pouco alm da simples apresen-tao das ideias vygotskyanas, que tratam de problemas educacio-nais, tentarei apresentar um esboo de sua aplicao na pesquisapedaggica e na prtica educacional.

    Teoria do desenvolvimento mental e problemas da educao

    Se houvesse que definir a especificidade da teoria de Vygotskypor uma srie de palavras e de frmulas chave, seria necessriomencionar, pelo menos, as seguintes: sociabilidade do homem,interao social, signo e instrumento, cultura, histria, funes men-tais superiores. E se houvesse que reunir essas palavras e essas fr-mulas em uma nica expresso, poder-se-ia dizer que a teoria deVygotsky uma teoria socio-histrico-cultural do desenvolvimentodas funes mentais superiores, ainda que ela seja chamada maisfrequentemente de teoria histrico-cultural.

    Para Vygotsky, o ser humano se caracteriza por uma sociabilidadeprimria. A mesma ideia foi expressa por Henri Wallon, de um modomais categrico: ele [o indivduo] geneticamente social (Wallon, 1959). poca de Vygotsky, tal princpio no passava de um postulado, umahiptese puramente terica. Hoje, pode-se afirmar que a tese de umasociabilidade primria, em parte geneticamente determinada, tem quaseo estatuto de fato cientfico estabelecido em razo da convergncia deduas correntes de pesquisa: de um lado, as pesquisas biolgicas dotipo, por exemplo, das relativas ao papel da sociabilidade naantropognese, ou daquelas sobre o desenvolvimento morfofuncionaldo beb (est cada vez mais demonstrado que as zonas cerebrais queregem as funes sociais, como a percepo do rosto, ou da vozhumana, conhecem uma maturao precoce e acelerada); de outrolado, as pesquisas empricas recentes sobre o desenvolvimento socialda primeira infncia provam abundantemente a tese da sociabilidadeprimria e precoce (por exemplo: Bowlby, 1971; Scheffer, 1971; Zazzo,

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    1974 e 1986; Tronick, 1982; Lewis e Rosenbrum, 1974; Zaporozetze Lissina, 1974; Lissina, 1986; Ignjatovi et al. [no prelo]).

    Anlises tericas conduziram Vygotsky a defender teses muitovisionrias sobre a sociabilidade precoce da criana e a deduzirdelas consequncias que o levaram proposta de uma teoria dodesenvolvimento infantil. Vygotsky (1982-1984, v. IV, p. 281) es-creveu, em 1932:

    por meio de outros, por intermdio do adulto que a criana seenvolve em suas atividades. Absolutamente, tudo no comporta-mento da criana est fundido, enraizado no social. [E prossegue:]Assim, as relaes da criana com a realidade so, desde o incio,relaes sociais. Neste sentido, poder-se-ia dizer que o beb um sersocial no mais elevado grau.

    A sociabilidade da criana o ponto de partida de suas interaessociais com o entorno. Os problemas levantados pela psicologia dainterao social so, hoje, bem conhecidos, e por isso que noslimitaremos a evocar, brevemente, algumas particularidades da con-cepo de Vygotsky. O ser humano, por sua origem e natureza, nopode nem existir nem conhecer o desenvolvimento prprio de suaespcie como uma mnada isolada: ele tem, necessariamente, seuprolongamento nos outros; tomado em si, ele no um ser com-pleto. Para o desenvolvimento da criana, em particular na primeirainfncia, os fatores mais importantes so as interaes assimtricas,isto , as interaes com os adultos, portadores de todas as mensa-gens da cultura. Nesse tipo de interao, o papel fundamental cabeaos signos, aos diferentes sistemas semiticos que, do ponto de vistagentico, tm, em primeiro lugar, uma funo de comunicao, de-pois uma funo individual: eles comeam a ser utilizados comoinstrumentos de organizao e de controle do comportamento in-dividual3. E precisamente o ponto essencial da concepovygotskyana de interao social que desempenha um papel constru-

    3 Desenvolvemos estas ideias em uma monografia consagrada origem do desenvolvi-

    mento semitico na criana (IVIC, 1978).

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    tivo no desenvolvimento. Isto significa, simplesmente, que certascategorias de funes mentais superiores (ateno voluntria, me-mria lgica, pensamento verbal e conceptual, emoes complexas,etc.) no poderiam emergir e se constituir no processo de desenvol-vimento sem o aporte construtivo das interaes sociais4.

    Esta ideia conduziu Vygotsky a generalizaes, cujo valorheurstico est longe de ser superado, mesmo nos dias de hoje.Trata-se da famosa tese sobre a transformao de fenmenosinterpsquicos em fenmenos intrapsquicos. Vejamos uma dasformulaes desta ideia:

    A mais importante e a mais fundamental das leis que explicam a gne-se, e para a qual nos conduz o estudo das funes mentais superiores,poderia ser expressa assim: cada exemplo de conduta semitica dacriana era, anteriormente, uma forma de colaborao social e por issoque o comportamento semitico, mesmo nos estgios mais avana-dos do desenvolvimento, permanece como um modo de funciona-mento social. A histria do desenvolvimento das funes mentaisaparece, pois, como a histria do processo de transformao dos ins-trumentos do comportamento social em instrumentos de organi-zao psicolgica individual (Vygotsky, 1982-1984, v. VI, p. 56).

    O trabalho exemplar de pesquisa de Vygotsky, fundamentadonessa ideia, versa sobre as relaes entre o pensamento e a lingua-gem no processo da ontognese (que , ademais, o tema central desua obra Pensamento e linguagem). Como sabemos, hoje, a capacida-de de aquisio da linguagem pela criana fortemente determi-nada pela hereditariedade.

    As pesquisas de Vygotsky demonstram que, mesmo nesse caso,a hereditariedade no uma condio suficiente, mas que neces-sria, tambm, a contribuio do contexto social, sob forma deum tipo de aprendizagem especfica. Segundo ele, esta forma deaprendizagem nada mais que o processo de construo em co-mum no curso das atividades partilhadas pela criana e pelo adul-

    4 Analisamos, em um texto recente, uma das interpretaes possveis desse papel

    construtor das interaes sociais (IVIC, in CRESAS, 1987).

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    to, isto , no mbito da interao social. Durante essa colaborao,o adulto introduz a linguagem que, apoiada na comunicao pr-verbal, aparece, de incio, como um instrumento de comunicaoe de interao social. No livro em questo, Vygotsky descreve assutilezas do processo gentico, pelo qual a linguagem, na qualidadede instrumento das relaes sociais, se transforma em instrumentode organizao psquica interior da criana (o aparecimento da lin-guagem privada, da linguagem interior, do pensamento verbal).

    Para nosso propsito, a explorao das implicaes da teoriado desenvolvimento para a educao, pode-se tirar uma srie deconcluses importantes. Primeiramente, podemos nos encontrar di-ante de uma soluo original para o problema da relao entre odesenvolvimento e a aprendizagem: mesmo quando se trata de umafuno que fortemente determinada pela hereditariedade (como o caso da linguagem), a contribuio do contexto social da aprendi-zagem , da mesma forma, construtivo e no se reduz, nem somen-te ao papel de ativador, como no caso do instinto, nem somente aopapel de estimulao do desenvolvimento, que no faz seno acele-rar ou tornar mais lentas as formas de comportamento que apare-cem sem esse aporte. A contribuio da aprendizagem deve-se aofato de que ela coloca disposio do indivduo um instrumentopoderoso: a lngua. No processo de aquisio, este instrumento setorna parte integrante das estruturas psquicas do indivduo (evolu-o da linguagem interior). Mas, h algo mais: as aquisies novas (alinguagem), de origem social, entram em interao com outras fun-es mentais, o pensamento, por exemplo. Desse encontro, nascemas funes novas, como o pensamento verbal. Estamos diante deuma tese de Vygotsky que no foi ainda suficientemente assimilada eexplorada na pesquisa, mesmo no campo da psicologia contempo-rnea: o essencial no desenvolvimento no est no progresso decada funo tomada isoladamente, mas na mudana de relaesentre diferentes funes, tais como a memria lgica, o pensamento

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    verbal, etc.; dito de outra maneira, o desenvolvimento consiste emformar funes compostas, sistemas de funes, funes sistmicas,sistemas funcionais.

    A anlise de Vygotsky sobre as relaes entre desenvolvimen-to e aprendizagem, no caso da aquisio da linguagem, nos con-duz a definir o primeiro modelo de desenvolvimento: em umprocesso natural de desenvolvimento, a aprendizagem aparece comoum meio de reforar esse processo natural, pondo sua disposi-o os instrumentos criados pela cultura que ampliam as possibili-dades naturais do indivduo e re-estruturam suas funes mentais.

    O papel dos adultos, como representantes da cultura no pro-cesso de aquisio da linguagem pela criana e de apropriao porela de uma parte da cultura a lngua , conduz descrio de umnovo tipo de interao que de importncia capital na teoria deVygotsky. De fato, alm da interao social nesta teoria, h tam-bm uma interao com os produtos da cultura. desnecessriodizer que no se pode separar ou distinguir claramente estes doistipos de interao, que se manifestam, muitas vezes, sob a formade interao sociocultural.

    Para explicitar essas ideias de Vygotsky, citaremos Meyerson esua obra de ttulo muito significativo, As funes psicolgicas e as obras(1948). Sua ideia central a seguinte: Tudo o que humano tende ase objetivar e a se projetar nas obras (p. 69). E a tarefa da psicologia de pesquisar os contedos mentais nos fatos descritos da civiliza-o (p. 14), ou de discernir a natureza das operaes mentais quea esto implicadas (p. 138).

    Analisando o papel da cultura no desenvolvimento individual,Vygotsky desenvolve duas ideias anlogas. No conjunto das aquisi-es da cultura, centraliza sua anlise sobre aquelas que so destina-das a comandar os processos mentais e o comportamento do ho-mem. So os diferentes instrumentos e tcnicas (incluindo astecnologias) que o homem assimila e orienta para si mesmo, para

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    influenciar suas prprias funes mentais. Assim, cria-se um sistemagigantesco de estmulos artificiais e externos pelos quais o ho-mem domina seus prprios estados interiores. Encontramos, ain-da em Vygotsky, mas sob uma maneira diferente, o fenmeno dointerpsiquismo: do ponto de vista psicolgico, o indivduo tem seusprolongamentos, de uma parte, nos outros, e de outra, nas suasobras e na sua cultura que, segundo Marx, seu corpo no org-nico. Essa expresso de Marx muito pertinente: a cultura parteintegrante do indivduo, mas ela lhe exterior. Visto desta maneira, odesenvolvimento humano no se reduz somente s mudanas nointerior do indivduo, mas se traduz, tambm, como um desenvol-vimento alomrfico5 que poderia adotar duas formas diferentes:produo de auxiliares externos enquanto tais; criao de instrumen-tos exteriores que podem ser utilizados para a produo de mudan-as internas (psicolgicas). Assim, excetuando os instrumentos cria-dos pelo homem ao longo de sua histria e que servem para domi-nar os objetos (a realidade exterior), existe toda uma gama de instru-mentos que, orientados ao prprio homem, podem ser utilizadospara controlar, coordenar, desenvolver suas prprias capacidades.

    Esses instrumentos compreendem, para mencionar apenasalguns, a lngua escrita e falada (e toda a galxia Gutemberg,retomando a expresso de McLuhan), os rituais, os modelos decomportamento nas obras de arte, os sistemas de conceitos cien-tficos, as tcnicas que ajudam a memria ou o pensamento, osinstrumentos que reforam a mobilidade ou a percepo hu-mana, etc. Todos estes instrumentos culturais so extenses dohomem (McLuhan, 1964), isto , prolongamentos e amplifica-dores das capacidades humanas.

    Para a antropologia cultural, descries como essas podemparecer triviais, mas, na ordem conceitual que rege a psicologia,

    5 De alomorfia, do grego allmorphos, de forma diferente; passagem de uma forma paraoutra, diferente, metamorfose (Dicionrio Aurlio). Nota do tradutor.

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    tradicionalmente marcada pela subjetividade, raro que sejam le-vados em conta os fatores culturais. E mesmo a antropologia cul-tural, muitas vezes, se limita apenas ao aspecto da objetivao dascapacidades humanas nos produtos da cultura.

    Para McLuhan, mais ainda e muito antes que para Vygotsky, oque importante so as consequncias psicolgicas, o impacto daexistncia de tais instrumentos no desenvolvimento do indivduo,a interao do indivduo com esses instrumentos.

    Na anlise dessas consequncias, o ponto de partida deVygotsky o ditado famoso de F. Bacon (que Vygotsky cita sem-pre): Nec manus, nisi intellectus sibi permissus, multam valent: instrumentis etauxilibus res perficitur [a mo e a inteligncia humanas, privadas dosinstrumentos necessrios e dos auxiliares, permanecem impoten-tes; inversamente, o que refora seu poder so os instrumentos eos auxiliares oferecidos pela cultura].

    Em primeiro lugar, a cultura criou um nmero crescente depoderosos auxiliares exteriores (instrumentos, aparelhos, tecno-logias) que sustentam os processos psicolgicos. Desde os primei-ros ns no leno ou as marcas em uma pea de madeira a fim deconservar as lembranas de certos acontecimentos at os podero-sos bancos de dados informatizados ou as tecnologias modernasda informao, os progressos no domnio da tecnologia psicol-gica so infinitos. Ao lado da memria ou da inteligncia indivi-dual e natural, existem uma memria e uma inteligncia exteriorese artificiais. Qual seria a eficcia de um europeu moderno privadodessas tecnologias, deixado a si mesmo, a mo e a inteligncianuas? E a psicologia poderia elaborar formulaes srias dosprocessos mentais superiores sem contar com esses auxiliares ex-ternos? A prpria existncia desses auxiliares muda a natureza doprocesso que permanece no interior do indivduo: para se con-vencer disso, basta observar as mudanas nas operaes aritm-ticas simples entre os que esto habituados a usar calculadoras de

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    bolso. Os verdadeiros problemas da pesquisa so a anlise das re--estruturaes dos processos interiores diante desses auxiliares eda interao das partes exteriores e interiores desses processos.

    Alm dos auxiliares externos, existe, no entanto, nas obras cultu-rais, instrumentos psicolgicos que podem ser interiorizados. Trata--se de todos os sistemas semiticos, prticas, procedimentos e tcni-cas conceituais dos meios de comunicao, operaes e estruturasde carter intelectual que ocorrem em todas as aquisies culturais.

    Vygotsky, alis, como tambm McLuhan, no se limitava aonvel superficial dessas aquisies. Ele buscava atingir os significadosocultos e profundos. Esta tendncia da anlise se expressa na famo-sa mxima de McLuhan: o meio a mensagem. , pois, o meioque o portador dos significados profundos. Poder-se-ia explicareste enfoque pelo exemplo de um instrumento como a lngua escrita(os dois autores analisaram esse exemplo). O indivduo (como tam-bm o grupo cultural) que tem acesso lngua escrita no simples-mente algum que possui um saber tcnico a mais. A lngua escrita ea cultura livresca mudam profundamente os modos de funciona-mento da percepo, da memria, do pensamento. A razo disso o fato de que este meio contm em si um modelo de anlise dasrealidades (anlise em unidades distintas, linearidade e temporalidadede organizao dos pensamentos, perda de sentido da totalidade,etc.) e das tcnicas psicolgicas, em particular, a ampliao do poderda memria que, consequentemente, provoca as mudanas das rela-es entre a memria e o pensamento, etc. Assim, tendo acesso lngua escrita, o indivduo se apropria de tcnicas psicolgicas ofere-cidas por sua cultura, que se tornam suas tcnicas interiores(Vygotsky toma emprestada, aqui, a expresso de Claparde). Dessemodo, um instrumento cultural enraizado no indivduo e torna-seum instrumento individual, privado. Quando se pensa nas mudan-as tecnolgicas modernas, poder-se-ia abrir um debate de umaimportncia considervel: quais so as consequncias da utilizao

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    das tecnologias intelectuais (termo mais pertinente, a meu ver, que apalavra informtica) modernas (computadores, banco de dadosinformatizados, etc.) para os processos cognitivos do indivduo?

    A pesquisa exemplar de Vygotsky sobre a apropriao dosinstrumentos culturais que se tornam tcnicas interiores diz res-peito formao de conceitos: estudos comparativos sobre osconceitos experimentais, conceitos espontneos e conceitos cien-tficos. Os resultados desta pesquisa so apresentados em suaobra Pensamento e linguagem.

    No mago dessas pesquisas, encontra-se a aquisio dos siste-mas de conceitos cientficos a aquisio mais importante ao lon-go do perodo escolar. Na concepo de Vygotsky, o sistema deconceitos cientficos um instrumento cultural portador, ele tam-bm, de mensagens profundas e, ao assimil-lo, a criana mudaprofundamente seu modo de pensar.

    A propriedade essencial dos conceitos cientficos sua estrutura,o fato de serem organizados em sistemas hierarquizados (outrasestruturas possveis so redes, grupos, rvores genealgicas,etc.). Interiorizando essa estrutura, a criana amplia consideravelmenteas possibilidades de seu pensamento, desde que tal estrutura coloque sua disposio um conjunto de operaes intelectuais (diferentestipos de definies, operaes de quantificaes lgicas, etc.). Asvantagens desta estrutura so evidentes quando ela comparada sestruturas prticas, por exemplo, as categorias como mveis, rou-pas, etc.: se tenta-se, por exemplo, dar uma definio lgica aotermo mvel, percebe-se, rapidamente, os limites das categoriasprticas ou das categorias fundadas nas experincias que no tmestrutura formal de conceitos cientficos. As vantagens que todas aspessoas tiram ao se apropriar de instrumentos intelectuais to pode-rosos so, portanto, evidentes.

    O processo de aquisio dos sistemas de conceitos cientficostorna-se possvel no quadro da educao sistemtica de tipo esco-

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    lar. A contribuio da educao organizada e sistemtica , aqui,essencial, comparada aquisio da linguagem oral, em que a apren-dizagem tinha um papel construtor, mas no requeria a presenade adultos que dominassem a lngua a no ser como parceiros nasatividades comuns.

    Isso nos conduz ao segundo modelo de desenvolvimento queVygotsky chamou de desenvolvimento artificial:

    A educao pode ser definida como sendo o desenvolvimento arti-ficial da criana. [...] A educao no se limita somente ao fato deinfluenciar o processo de desenvolvimento, mas ela reestrutura demaneira fundamental todas as funes do comportamento(Vygotsky, 1982-1984, v. I, p. 107).

    O ponto essencial que a educao torna-se o desenvolvimen-to: enquanto no primeiro modelo ela no passava de um meio dereforar o processo natural, aqui ela uma fonte relativamente inde-pendente do desenvolvimento. No quadro da teoria de Vygotsky,poder-se-ia identificar diversos modelos de desenvolvimento oque ele explicou em vrias ocasies se leva-se em conta o perododo desenvolvimento em foco, a natureza dos instrumentos culturais,o grau de determinao hereditria das funes, etc.

    Se se considera a multiplicidade e a variedade de instrumentos ede tcnicas culturais, que se pode ou no adquirir nas diferentes cul-turas ou nas diferentes pocas histricas, poder-se-ia facilmenteconceituar as diferenas interculturais, ou histricas, no desenvolvi-mento cognitivo tanto dos grupos, como dos indivduos. luz des-sa concepo do desenvolvimento da inteligncia humana, pareceparadoxal falar de testes de inteligncia sem cultura (que se tor-nam, nas palavras de Bruner, testes sem inteligncia) ou pensarque o nico conceito cientfico possvel da inteligncia aquele que areduz a indicadores, como os tempos de reao, o potencial eltricosuscitado, etc. (como o faz Eysenck, em um artigo recente, de 1988).

    A anlise deste segundo modelo do desenvolvimento, denomi-nado desenvolvimento artificial, cujo exemplo caracterstico o

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    processo de aquisio dos sistemas de conceitos, conduziu Vygotsky descoberta da dimenso metacognitiva do desenvolvimento. Defato, a aquisio de sistemas de conhecimentos com base em tal graude generalizao; a interdependncia dos conceitos em uma deter-minada rede de conceitos que permite passar facilmente de um con-ceito a outro e simplifica a execuo das operaes intelectuais; aexistncia de modelos exteriores (nos manuais ou demonstradospelos educadores), permitindo a conduo dessas operaes, facili-tam a tomada de conscincia (ossoznanie em russo) e o controle(ovladanie), pelo indivduo, de seus prprios processos cognitivos. Esteprocesso de autorregulao voluntria pode ser facilitado pelo tipo deaprendizagem (aprendizagem verbal, explicao de todos os passosintelectuais, exteriorizao da anatomia do processo de construo deconceitos, construo de conceitos em comum, monitoramento doprocesso de aprendizagem pelo adulto expert, etc.).

    Nessas condies, o indivduo poderia adquirir um conheci-mento muito mais claro sobre seus prprios processos de conhe-cimento, assim como o controle voluntrio desses processos oque a essncia mesma dos processos metacognitivos. necessriodizer claramente: a obra de Vygotsky constitui a fonte histrica eterica mais importante para a conceituao e o estudo empricodos processos metacognitivos. As conquistas cientficas de Vygotskynessa rea so evidentes: em vez de considerar os processosmetacognitivos como puras tcnicas prticas de autocontrole oucomo um problema isolado ( o caso, por exemplo, da mne-motcnica), Vygotsky oferece um quadro terico. Para ele, os pro-blemas dos processos metacognitivos so integrados em uma teoriageral do desenvolvimento das funes mentais superiores. Nessateoria, esses processos aparecem como uma etapa necessria, emcondies bem definidas. Por isso, eles tm importante papel na re-estruturao da cognio em geral. Sua funo, nesta re-estruturao,ilustra da maneira mais ntida a concepo vygotskyana do desen-

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    volvimento como processo de transformao das relaes entrefunes mentais particulares. Nesse sentido, por exemplo, mesmo otermo metamemria (Flavell e Wellman, 1977) imprprio, poisno se trata da interveno das tcnicas de memorizao nas ativida-des relativas memria, mas da interveno de processos de pensa-mento tornados conscientes e voluntrios. Trata-se, simplesmente,de novas relaes entre duas funes distintas.

    Assim, ainda hoje, a teoria de Vygotsky a nica que oferece,ao menos em princpio, a possibilidade de se conceituar, de modocientfico, os processos metacognitivos, que permite vincular essadimenso do desenvolvimento cognitivo ao desenvolvimento ge-ral e compreender a origem dessa capacidade de o sujeito contro-lar seus prprios processos interiores mediante o esquema deVygotsky j mencionado, que descreve a passagem do controleexterior e interindividual para o controle intrapsquico individual.

    Concluiremos esta parte de nosso estudo com um esquemadas exploraes possveis da teoria de Vygotsky sobre o desenvol-vimento mental na pesquisa e na prtica pedaggicas. Do nossoponto de vista, seguem-se os pontos essenciais do esquema:

    1. Nenhuma teoria psicolgica do desenvolvimento conferetanta importncia educao quanto a de Vygotsky. Para ele, aeducao no tem nada de externo ao desenvolvimento: A escola o lugar mesmo da psicologia, porque o lugar das aprendiza-gens e da gnese das funes psquicas, escreveu acertadamenteJ.-P. Bronckart (ver Schneuwly; Bronckart, 1985). por isso queesta teoria poderia ser eficientemente empregada para melhor com-preender os fenmenos educativos sobretudo seu papel no de-senvolvimento , para estimular pesquisas pedaggicas e para setentar aplicaes prticas.

    2. Graas teoria de Vygotsky, direta ou indiretamente, todoum conjunto de problemas novos relativos pesquisa emprica ede importncia capital para a educao foi introduzido na psicolo-gia contempornea.

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    As pesquisas sobre a sociabilidade precoce da criana (ver fontesj citadas), campo da pesquisa em pleno desenvolvimento, contri-buram para uma melhor compreenso da primeira infncia. So-bre este ponto, aplicaes prticas na educao de crianas j estoem andamento.

    As relaes entre as interaes sociais e o desenvolvimentocognitivo fazem parte de temas caractersticos de Vygotsky e estoem voga na psicologia contempornea, na interseco entre a psi-cologia social e a psicologia cognitiva, com aplicaes prticas evi-dentes na educao (por exemplo: Perret-Clermont, 1979; Doisee Mugny, 1981; Cresas, 1987; Hinde, Perret-Clermont e Stevenson-Hinde, 1988; Rubcov, 1987; Wertsch, 1985a; Wertsch, 1985b).

    As pesquisas atuais sobre a mediao semitica, sobre o papeldos sistemas semiticos no desenvolvimento mental, sobre o desen-volvimento da linguagem so, evidentemente, extremamente in-fluenciadas pelas ideias de Vygostsky (Ivic, 1978; Wertsch, 1983 etc.).

    3. A teoria de Vygotsky , histrica e cientificamente, a nicafonte significativa de pesquisa sobre os processos metacognitivos napsicologia contempornea. O papel desses processos na educao eno desenvolvimento de uma importncia que no se pode subes-timar. A ausncia de pesquisas tericas e empricas, que poderiam,no obstante, ser concebidas no quadro dessa teoria de forma muitoprodutiva, a nica razo que explica que ainda no se tenha levadoem conta esses processos na educao. Entretanto, certo que elesesto na ordem do dia tanto na psicologia, quanto na pedagogia.

    4. Uma matriz de anlise e uma gama de instrumentos de pes-quisa e de diagnstico podem ser facilmente desenvolvidas a par-tir das teses de Vygotsky sobre o desenvolvimento artificial, isto, sobre o desenvolvimento sociocultural das funes cognitivas. suficiente, para comear, inventariar os auxiliares externos, osinstrumentos e as tcnicas interiores de que dispem os indi-vduos e os grupos sociais e culturais, para elaborar os parmetrospelos quais os indivduos e os grupos podem ser comparados

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    entre si. claro que tais instrumentos, desenvolvidos em um quadroterico dessa natureza, eliminaro os perigos das interpretaesracistas e chauvinistas.

    5. A partir dos dois modelos j mencionados neste artigo, todauma gama de formas de aprendizagem foram conceitualizadas apartir das ideias de Vygotsky ou de ideias prximas s dele. Essasformas compreendem, entre outras, a aprendizagem cooperativa,a aprendizagem guiada, a aprendizagem fundada no conflitosociocognitivo, a construo de conhecimentos em comum, etc.(Doise e Mugny, 1981; Perret-Clermont, 1979; Stambak et al., 1983;Cresas, 1987; Brown e Palincsar, 1986; etc.).

    6. O surgimento recente das mdias audiovisuais modernas edas tecnologias de informao, suas aplicaes no ensino, seu papel,em curto e longo prazos na vida das crianas levantam problemasnovos e srios. Que instrumento ser mais pertinente e mais tilpara as pesquisas sobre o impacto desses novos instrumentos cul-turais para o ser humano do que uma teoria como a de Vygotsky,que coloca, precisamente, no centro de suas preocupaes, o pa-pel dos instrumentos da cultura no desenvolvimento psicolgico,histrico e ontogentico? Esta teoria oferece um quadro conceitualideal para essas pesquisas, mas falta ainda um trabalho rduo paraser completado para torn-la operacional na conduo de pesquisasempricas6.

    Se passarmos agora crtica s ideias de Vygotsky, a primeiracoisa que vem em mente que, sob diversos aspectos, sua teoriapermaneceu no estado de esboo, que ela nem foi suficientementeelaborada, nem desenvolvida para ser operacional. Muito frequen-temente, em particular, suas teses tericas no so ilustradas oucompletadas por elaboraes metodolgicas apropriadas. No sepoderiam imputar essas lacunas a Vygotsky, e seus discpulos fre-

    6 Em uma tese defendida na Universidade de Belgrado, N Kora (As mdias visuais e odesenvolvimento cognitivo) demonstrou empiricamente como as especificidades do meioem vdeo podem ser utilizadas para influenciar o desenvolvimento cognitivo da criana.

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    quentemente se contentam em repetir suas teses, em vez de elabor--las. Alm disso, no ele o culpado pelo fato de a psicologiacontempornea ter desperdiado seus esforos e seus recursos nodesenvolvimento de pesquisas inspiradas em paradigmas menosfrutferos que os dele.

    Tem sido criticada, com certa frequncia, a distino feita porVygotsky entre dois eixos do desenvolvimento mental (muito mis-turados em sua obra) o desenvolvimento natural (espontneo,biolgico) e o desenvolvimento artificial (social, cultural). Concor-damos com Liders7 sobre a necessidade de se manter essa oposio,que sempre cientificamente produtiva, em vez de afirmar, gratui-tamente, que todo desenvolvimento do ser humano cultural.

    Pensamos que toda reflexo crtica sobre a teoria vygotskyanadeve partir da ausncia de crtica das instituies e dos instrumen-tos sociais e culturais. Fascinado pelas contribuies construtivas dasociedade e da cultura, Vygotsky no chegou a desenvolver umaanlise crtica, no sentido moderno do termo, dessas instituies.

    O fato que as relaes sociais, quando perturbadas (no gru-po social, no contexto prximo, na famlia), podem ser a fonte depatogenias srias, devidas, precisamente, ao de mecanismosdescobertos por Vygotsky. Do mesmo modo, os instrumentosculturais, sempre graas aos mecanismos de Vygotsky, no podemser apenas agentes de formao mental; eles contribuem igualmentepara o desenvolvimento geral, por exemplo, no caso da formaode espritos fechados, dogmticos, estreis, exatamente porque osindivduos tiveram interaes com produtos da cultura que eramportadores de instrumentos e de mensagens dessa natureza.

    A anlise crtica das instituies e dos agentes socioculturais incluindo uma crtica das instituies escolares poderia contribuir

    7 Em um texto sob a forma de tese, Liders renovou, com vigor, a ideia fundamental de

    Vygotsky sobre os dois eixos do desenvolvimento (natural-artificial) em um volume em que

    recolheu os processos verbais de uma conferncia consagrada a Vygotsky. Ver NauchnceTvorchestvo Bygotskovo i sovremenaya psihologia [A obra cientfica de Vygotsky e apsicologia contempornea], Moscou.

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    para determinar as condies nas quais os instrumentossocioculturais se tornam fatores de formao do desenvolvimento.

    Vygotsky atual*

    Na primeira parte deste texto, analisamos as consequncias dateoria do desenvolvimento de Vygotsky para a educao. No quese segue, passaremos brevemente em revista suas ideias mais expl-citas sobre educao. Consideramos, porm, que a anlise que aca-bamos de fazer de importncia capital na matria.

    Vygotsky foi, pessoalmente, muito engajado em atividades pe-daggicas. Ele era educador e diz-se que ele era muito bem dota-do para a profisso. Membro de diferentes rgos dirigentes daeducao nacional, ele foi levado a agir sobre problemas prticoscom os quais se confrontava o sistema educacional sovitico dapoca, includo o da passagem do ensino complexo para o en-sino por disciplinas escolares na escola primria. Ao longo de todasua vida, ele se interessou pela educao de crianas deficientes.

    Daremos, aqui, algumas indicaes sobre os problemas peda-ggicos que dizem respeito s relaes entre desenvolvimento eaprendizagem, sobre o conceito de zona de desenvolvimentoproximal e sobre as especificidades da educao escolar formal.

    O problema da relao entre desenvolvimento e aprendiza-gem, para Vygotsky, era, em primeiro lugar, um problema terico.Uma vez que, na sua teoria, a educao estava muito ligada aodesenvolvimento e que este ocorre no meio sociocultural real, suasanlises recaem, diretamente, sobre a educao escolar.

    J vimos que um dos modelos de desenvolvimento (modeloII desenvolvimento artificial) torna-se possvel justamente graasao ensino escolar, com a aquisio dos sistemas de conceitos cien-tficos como ncleo desse tipo de educao.

    8 No original, este tpico se chama: As ideias pedaggicas de Vygotsky. (N.do editor)

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    Assim, para Vygotsky, a educao no se resume aquisio deum conjunto de informaes; ela uma das fontes de desenvolvi-mento e ela prpria se define como o desenvolvimento artificial dacriana. O papel essencial da educao , pois, de assegurar seu de-senvolvimento, proporcionando-lhe os instrumentos, as tcnicas in-teriores, as operaes intelectuais. Em vrias oportunidades, Vygotskyfala da aprendizagem de diferentes tipos de atividades. Se, por exem-plo, seu enfoque for aplicado na classificao usada na botnica,poder-se-ia dizer que, para ele, o essencial no o conhecimento dascategorias taxionmicas, mas o domnio do procedimento de clas-sificao (definio e aplicao dos critrios de classificao, classifi-cao dos casos limite ou ambguos, produo de novos elementosde uma classe e, antes de tudo, aprendizagem da execuo das ope-raes lgicas que ligam as diferentes classes entre elas, etc.

    Tudo isso significa que Vygotsky atribua a maior importncia aoscontedos dos programas educacionais, destacando, sobretudo, osaspectos estruturais e instrumentais desses contedos, cujo significadoevocamos o significado na anlise das implicaes da frmula deMcLuhan, o meio a mensagem. Nessa linha de pensamento, de-vemos afirmar que Vygotsky no foi muito longe no desenvolvimen-to dessas ideias interessantes. Nesse enfoque, pode-se considerar oprprio estabelecimento escolar como uma mensagem, isto , umfator fundamental de educao, pois essa instituio, mesmo que sefaa abstrao dos contedos que a so ensinados, subtende umacerta estruturao do tempo, do espao e repousa sobre um sistemade relaes sociais (entre aluno e professor, entre os prprios alunos,entre a escola e o entorno, etc.). De fato, o impacto da escolarizao devido, em grande parte, a esses aspectos do meio escolar.

    Por outro lado, vimos que Vygotsky pouco desenvolveu suacrtica da educao escolar a no ser na linha de seu sistema de pen-samento: a escola no ensina sempre sistemas de conhecimento, mas,frequentemente, sobrecarrega os alunos com fatos isolados e des-

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    providos de sentido; os contedos escolares nem comportam ins-trumentos nem tcnicas intelectuais e, muitas vezes, no h, na escola,interaes sociais capazes de construir saberes, etc. Enfim, Elkonin(Elkonin e Davidov, 1966) tem razo quando reclama que Vygotskyno deu a devida ateno aos mtodos pedaggicos.

    A noo vygotskyana de zona de desenvolvimento proximaltem, de incio, uma marca terica. Na concepo sociocultural dedesenvolvimento, a criana no deveria ser considerada isolada deseu contexto sociocultural, em uma espcie de modelo Robinson-Cruso-criana. Seus vnculos com os outros fazem parte de suaprpria natureza. Desse modo, nem o desenvolvimento da crian-a, nem o diagnstico de suas aptides, nem sua educao podemser analisados se seus vnculos sociais forem ignorados. A noode zona de desenvolvimento proximal ilustra, precisamente, estaconcepo. Esta zona definida como a diferena (expressa emunidades de tempo) entre os desempenhos da criana por si pr-pria e os desempenhos da mesma criana trabalhando em colabo-rao e com a assistncia de um adulto. Por exemplo, duas crianastm sucesso nos testes de uma escala psicomtrica correspondente idade de 8 anos; mas, com uma ajuda estandartizada, a primeirano alcana seno o nvel de 9 anos, enquanto a segunda atinge onvel de 12; enquanto a zona proximal da primeira de um ano ada outra de quatro anos.

    Nessa noo de zona proximal, a tese da criana como ser soci-al gera um aporte metodolgico de grande significado, uma vez queele enfoca o desenvolvimento da criana no seu aspecto dinmico edialtico. Aplicada pedagogia, essa noo permite sair do eternodilema da educao: necessrio esperar que a criana atinja umnvel de desenvolvimento particular para comear a educao esco-lar, ou necessrio submet-la a uma determinada educao paraque ela atinja tal nvel de desenvolvimento? Na linha das ideias dialticasdas relaes entre processos de aprendizagem e de desenvolvimen-

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    to que analisamos, Vygotsky acrescenta que este ltimo mais pro-dutivo se a criana exposta a aprendizagens novas, justamente nazona de desenvolvimento proximal. Nessa zona, e em colaboraocom o adulto, a criana poder facilmente adquirir o que no seriacapaz de fazer se fosse deixada a si mesma.

    As modalidades de assistncia adulta na zona proximal somltiplas: demonstraes de mtodos que devem ser imitados,exemplos dados criana, questes que faam apelo reflexointelectual, controle de conhecimentos por parte do adulto, mas,tambm, e em primeiro lugar, colaborao nas atividades parti-lhadas como fator construtivo do desenvolvimento.

    O valor heurstico dessa noo de zona de desenvolvimentoproximal no foi totalmente explicitado. A natureza do conceitoterico de criana como ser social se traduz em termos operacionais.Ao contrrio, sua aplicao exige muito mais audcia e, de fato,desenvolve-se, atualmente, um enfoque novo da construo teri-ca e de instrumentos de diagnstico fundamentado nessa noo.Trata-se de estudar a dinmica do processo de desenvolvimento(no mais fundamentado nos resultados j obtidos) e as capaci-dades das crianas (normais ou deficientes), a fim de se obter omximo aproveitamento da colaborao e do ensino oferecidos.

    A segunda pista que poderia ser seguida na aplicao dessanoo a educao na famlia e na escola. Segundo as indicaesempricas disponveis, muitos pais orientam espontaneamente suasintervenes pedaggicas precisamente para a zona proximal(Ignjatovic et. al.). Levando-se em considerao a tese de Vygotsky,que ele repetiu inmeras vezes, de que a educao deve ser orien-tada mais para a zona proximal, na qual a criana faz experinciasde seus encontros com a cultura, apoiada por um adulto primei-ramente, no papel de parceiro nas construes comuns, depois,como organizador da aprendizagem , a educao escolar pode-ria ser considerada como um meio poderoso de reforo do de-

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    senvolvimento natural, ou como uma fonte relativamente inde-pendente. Entretanto, as referncias educao escolar que encon-tramos na obra de Vygotsky devem ser consideradas, no comodescries de realidades educacionais, mas como um projeto derenovao da educao. A teoria formulada por Vygotsky, h maisde meio sculo, tem tal potencial heurstico que ela pode ser, real-mente, um instrumento da renovao da escola de hoje.

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    TEXTOS SELECIONADOS

    O problema e o mtodo de investigao8

    bastante desafiador separar conceitos que se considera fun-damentais em um autor da monta de Vygotsky, no s por serVygotsky, mas pelo fato de ter se tornado um fenmeno e objetode pesquisa no campo da psicologia, da educao e da filosofia,hoje mundialmente reconhecido, por inmeros pesquisadores nosdiversos campos do conhecimento humano.

    Iniciamos este trabalho na condio de garimpeiros imersos auma mina repleta de preciosidades, que escolhem pela luminosidadeque estas preciosidades lhes causam no primeiro olhar, muito em-bora saibam da grande dificuldade de se separar o bom do bom,o timo do timo.

    1. Temos plena conscincia da inevitvel imperfeio do pri-meiro passo que tentamos dar com este trabalho dentro de umanova corrente. Mas achamos que ele se justifica porque nos fazavanar no estudo do pensamento e da linguagem - se levarmosem conta o estado em que essa questo se encontrava na psicolo-gia quando iniciamos o nosso trabalho - e revela que o tema pen-samento e linguagem questo fulcral de toda a psicologia dohomem e leva diretamente o pesquisador a uma nova teoria psi-colgica da conscincia. Alis, abordamos essa questo em apenas

    8 Os trechos citados daqui at a prxima referncia foram extrados da obra A construodo pensamento e da linguagem (2001).

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    algumas palavras conclusivas do nosso trabalho, suspendendo apesquisa em pleno limiar (Vygotsky, p. 19).

    1.1 O tema do pensamento e da linguagem situa-se entreaquelas questes de psicologia em que aparece em primeiro pla-no a relao entre as diversas funes psicolgicas, entre as dife-rentes modalidades de atividade da conscincia. O ponto centralde todo esse problema , evidentemente, a relao entre o pensa-mento e a palavra. Todas as outras questes conexas so comoque secundrias e logicamente subordinadas a essa questo centrale primeira, sem cuja soluo no se podem sequer colocar corre-tamente as questes subsequentes e mais particulares. Entretanto,por mais estranho que parea, a psicologia moderna no tomouconhecimento do problema das relaes interfuncionais, razo pelaqual ele novo para ela. To antiga quanto a prpria psicologia, aquesto do pensamento e da linguagem foi menos trabalhada econtinua mais obscura precisamente na relao entre o pensamen-to e a palavra. A anlise atomstica e funcional, que dominou napsicologia cientfica durante todo o ltimo decnio, redundou noseguinte: funes psicolgicas particulares foram objeto de anliseisolada; o mtodo de conhecimento psicolgico foi elaborado eaperfeioado para o estudo desses processos isolados e particula-rizados; ao mesmo tempo, a relao interfuncional e sua organiza-o em uma estrutura integral da conscincia permaneceu semprefora do campo da ateno dos pesquisadores (p. 1).

    1.2 Quem funde pensamento com linguagem fecha para si mes-mo o caminho para abordar a relao entre eles e antecipa a impos-sibilidade de resolver a questo. Contorna a questo em vez deresolv-la. primeira vista, pode parecer que a teoria que mais seaproxima do campo oposto e desenvolve a ideia de que pensamen-to e linguagem so independentes entre si esteja em situao maisfavorvel no tocante s questes aqui debatidas. Quem consideralinguagem uma expresso externa do pensamento, a sua veste, quem,

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    como os representantes da Escola de Wrzburg, tenta libertar opensamento de tudo o que ele tem de sensorial, inclusive da palavra,e conceber a relao entre pensamento e palavra. Essa soluo, partedas mais diversas correntes psicolgicas, sempre se v impossibilita-da no s de resolver, mas, at mesmo a levantar a questo, se no acontorna, acaba cortando o n em vez de desat-lo. Ao decomporo pensamento discursivo nos elementos que o constituem e que soheterogneos o pensamento e a palavra , esses estudiosos, depoisque estudam as propriedades puras do pensamento como tal, inde-pendentemente da linguagem, e a linguagem como tal, independen-temente do pensamento, interpretam a relao entre eles como umadependncia mecnica puramente externa entre dois processos dife-rentes. Poderamos mencionar como exemplo as tentativas de au-tores modernos, que procuram decompor o pensamento discur-sivo nos seus constituintes com a finalidade de estudar a relao e ainterao entre esses dois processos (pp. 4-5).

    1.3 Por isso, o significado pode ser visto igualmente comofenmeno da linguagem, por sua natureza, e como fenmeno docampo do pensamento. No podemos falar de significado da pa-lavra tomado separadamente. O que ele significa? Linguagem oupensamento? Ele , ao mesmo tempo, linguagem e pensamentoporque uma unidade do pensamento verbalizado. Sendo assim,fica evidente que o mtodo de investigao do problema no podeser outro seno o mtodo da anlise semntica, da anlise do sen-tido da linguagem, do significado da palavra. Nessa via lcitoesperar resposta direta questo que nos interessa a da relaoentre pensamento e linguagem, porque essa relao mesma fazparte da unidade por ns escolhida, e quando estudamos a evo-luo, o funcionamento, a estrutura e o movimento dessa unidade,podemos aprender muito do que nos pode esclarecer a questodo pensamento e da linguagem, da natureza do pensamentoverbalizado (p. 10).

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    1.4 Para concluir este primeiro captulo, resta-nos apenas traar,nas linhas mais breves, o programa da nossa pesquisa. Nosso traba-lho uma investigao psicolgica de um problema sumamentecomplexo, que deveria ser constitudo necessariamente de vriaspesquisas particulares de natureza terica e crtico-experimental. To-mamos como ponto de partida o estudo crtico da teoria do pensa-mento e da linguagem, que marca o apogeu do pensamento psico-lgico nessa questo e , ao mesmo tempo, diametralmente opostoao caminho que escolhemos para analisar teoricamente o assunto.Esse primeiro estudo deve nos levar abordagem de todos os pro-blemas concretos da moderna psicologia do pensamento e da lin-guagem e coloc-los no contexto do conhecimento psicolgico vivode nossos dias. Para a psicologia atual, estudar uma questo comopensamento e linguagem significa, ao mesmo tempo, desenvolveruma luta ideolgica com as concepes tericas opostas (p. 17).

    A linguagem e o pensamento da criana na teoria de Piaget

    1.5 Essa nova abordagem do pensamento infantil como pro-blema qualitativo levou Piaget a uma atitude que se poderia cha-mar de oposta tendncia antes dominante: a um caracterizaopositiva do pensamento infantil. Enquanto a psicologia tradicionalcostumava caracterizar negativamente o pensamento infantil, enu-merando as suas lacunas e deficincias, Piaget procurou revelar aoriginalidade qualitativa desse pensamento, mostrando o seu as-pecto positivo. Antes, o interesse se concentrava no que a criana notem, o que lhe falta em comparao com o adulto, e determina-vam-se as peculiaridades do pensamento infantil pela incapacida-de da criana para produzir pensamento abstrato, formar concei-tos, estabelecer vnculos entre os juzos, tirar concluses, etc., etc.

    Nas novas investigaes, colocou-se no centro da ateno aquiloque a criana tem, o que h no seu pensamento como peculiaridadese propriedades distintivas.

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    No fundo, o que Piaget fez de novo e grandioso muito co-mum e simples, como, alis, acontece com muitas coisas grandes,e pode ser caracterizado com o auxlio de uma tese antiga e banal,que o prprio Piaget cita no seu livro com palavras de Rousseau: acriana nada tem de pequeno adulto, e sua inteligncia no , demaneira nenhuma, a pequena inteligncia do adulto. Por trs dessaverdade simples que, aplicada ao pensamento infantil, Piaget des-velou e fundamentou com fatos, esconde-se uma ideia essencial-mente simples: a ideia do desenvolvimento. Essa ideia simples dei-ta uma luz grandiosa sobre todas as inmeras pginas que Piagetenriqueceu de contedo em suas pesquisas (p. 21).

    1.6 Mas quem examina fatos o faz inevitavelmente luz dessaou daquela teoria. Os fatos esto inseparavelmente entrelaados coma filosofia, sobretudo aqueles fatos do desenvolvimento do pensa-mento infantil que Piaget descobre, comunica e analisa. E quem qui-ser encontrar a chave desse rico acervo de fatos novos deve, antesde tudo, descobrir a filosofia do fato, da sua obteno e assimilao,pois, sem isso, os fatos permanecero mudos e mortos (p. 25).

    1.7 A tese primeira e fundante que poderamos apresentar comoideia diretora de toda a nossa crtica poderia ser formulada daseguinte maneira: achamos que incorreta a prpria colocao doproblema das duas diferentes formas de pensamento na psican-lise e na teoria de Piaget. No se pode contrapor a satisfao deuma necessidade adaptao realidade; no se pode perguntar:o que move o pensamento da criana - a aspirao de satisfazer assuas necessidades interiores ou de adaptar-se realidade objetiva,uma vez que, do ponto de vista da teoria do desenvolvimento, oprprio conceito de necessidade, quando se revela o seu contedo,incorpora a concepo segundo a qual uma necessidade satisfeitaatravs de certa adaptao realidade (p. 68).

    1.8 As necessidades de alimentos, de calor, de movimento,formas bsicas de adaptao, no so foras motrizes que deter-

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    minam todo o processo de adaptao realidade. Da carecer dequalquer sentido a contraposio de uma forma de pensamento,que cumpre funes de satisfao de necessidades interiores, a outraforma que cumpre funes de adaptao realidade. A necessida-de e a adaptao devem ser vistas necessariamente em sua unida-de. produto do desenvolvimento tardio a mesma separao darealidade que se observa no desenvolvimento do pensamentoautstico, que procura na imaginao a satisfao de aspiraes noconcretizadas em vida. O pensamento autstico deve sua origemao desenvolvimento do pensamento realista e ao seu efeito funda-mental: o pensamento por conceitos. Mas Piaget toma de emprs-timo a Freud no s a tese segundo a qual o princpio de prazerantecede o princpio de realidade, mas, tambm, toda a metafsicado princpio de prazer, que passa de momento auxiliar e biologi-camente subordinado a princpio vital autnomo, a primo movens, amotor primeiro de todo o desenvolvimento psicolgico (p. 69).

    1.9 Piaget afirma que os objetos no elaboram a mente da cri-ana. Mas ns observamos que, em situao real, onde a linguagemegocntrica da criana est relacionada sua atividade prtica, ondeest ligada ao pensamento da criana, os objetos efetivamente ela-boram a mente infantil. Objetos significam realidade, mas no umarealidade que se reflete passivamente nas percepes da criana, que captada por ela e de um ponto de vista abstrato, e, sim, uma realidadecom a qual essa criana se depara no processo da sua prtica.

    Esse novo momento, esse problema da realidade e da prticae o seu papel no desenvolvimento do pensamento infantil mudamsubstancialmente, ao desenvolvermos a nossa anlise e a crticametodolgica das linhas bsicas da teoria piagetiana (p. 72).

    1.10 No se pode emitir com mais clareza a ideia de que anecessidade de pensamento lgico e o prprio conhecimento daverdade surgem da comunicao da conscincia da criana comoutras conscincias. Como isto se aproxima, pela natureza filos-

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    fica, das doutrinas sociolgicas de Durkheim e outros socilogos,que retiram da vida social do homem o espao, o tempo e todo oconjunto da realidade objetiva! Como se aproxima da tese deBogdnov, segundo a qual a objetividade da srie cvica o alcan-ce universal. A objetividade do corpo fsico, com a qual nos depa-ramos na nossa experincia, acaba sendo estabelecida com base namtua verificao e na concordncia das enunciaes de diferentespessoas. Em linhas gerais, o mundo fsico uma experincia soci-almente combinada, socialmente harmonizada e socialmente or-ganizada. difcil duvidar de que nesse ponto Piaget se aproxi-ma de Mach, se lembramos a sua concepo de causalidade a quej nos referimos. Falando do desenvolvimento da causalidade nacriana, Piaget estabelece o seguinte fato de suma importncia: combase na lei da tomada de conscincia, estabelecida por Claparde,ele mostra que a tomada de conscincia vem depois de uma aoe surge quando a adaptao automtica esbarra em dificuldades.Piaget supe que, se nos perguntarmos como surge a noo decausa, os objetivos, etc., ento (pp. 84-85).

    1.11 Quando a adaptao automtica, instintiva, o esprito notoma conscincia das categorias. A execuo do ato automtico noapresenta ao nosso esprito nenhum problema. No havendo difi-culdade, no h necessidade, logo, no h conscincia (p. 85).

    O desenvolvimento da linguagem na teoria de Stern

    1.12 A concepo puramente intelectualista da linguagem infantil e seu desen-volvimento foi o que se manteve mais imutvel, ganhou fora, consoli-dou-se e desenvolveu-se no sistema de Stern. Fora desse ponto, emparte alguma se manifestaram com tamanha evidncia as limitaes, acontraditoriedade (sic) interna, a inconsistncia cientfica e a essnciaidealista do personalismo filosfico e psicolgico de Stern (p. 97).

    1.13 Tudo o que sabemos sobre o perfil intelectual de umacriana entre 1 ano e meio e 2 anos tem pouqussimo a ver com a

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    admisso de que nela se desenvolve uma operao intelectual su-mamente complexa: a conscincia do significado da linguagem.Alm do mais, muitas pesquisas e observaes experimentais in-dicam diretamente que o domnio da relao entre signo e signifi-cado e o emprego funcional do signo surge na criana bem maistarde e absolutamente inacessvel a uma criana da idade admiti-da por Stern. Como tm mostrado pesquisas experimentais siste-mticas, o desenvolvimento do emprego do signo e as transiespara operaes com signos (funes significativas) nunca so osimples resultado de um nico descobrimento ou interveno porparte da criana, nunca se realizam de um golpe, de uma vez; acriana no descobre o significado da linguagem de uma vez paratoda a vida, como supe Stern, quando tenta demonstrar que acriana descobre apenas uma vez e em uma classe de palavras aessncia fundamental do smbolo (6, p. 194). Ao contrrio, isto um processo gentico sumamente complexo, que tem a sua his-tria natural de signos, ou melhor, tem razes naturais e formastransitrias em camadas mais primitivas do comportamento (porexemplo, o chamado significado ilusrio dos objetos na brinca-deira e, ainda antes, o gesto indicativo, etc.) e tem a sua histriacultural de signos dotada de uma srie de mudanas quantitativas,qualitativas e funcionais, de crescimento e metamorfoses, de din-mica e leis9 (pp. 100-101).

    1.14 perfeitamente possvel que semelhante concepo, es-sencialmente metafsica e idealista (monadologia) do indivduo,no possa deixar de levar o autor teoria personalista da linguagem.

    As razes genticas do pensamento e da linguagem

    1.15 O principal fato com que nos deparamos na anlise gen-tica do pensamento e da linguagem o de que a relao entre esses

    9 Para maiores detalhes sobre essa questo e todo o subsequente, veja-se o captulo As

    razes genticas do pensamento e da linguagem.

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    processos no uma grandeza constante, imutvel, ao longo detodo o desenvolvimento, mas uma grandeza varivel. A relao en-tre pensamento e linguagem modifica-se no processo de desenvol-vimento tanto no sentido quantitativo quanto qualitativo. Em outrostermos, o desenvolvimento da linguagem e do pensamento realiza-se de forma no paralela e desigual. As curvas desse desenvolvimen-to convergem e divergem constantemente, cruzam-se, nivelam-se emdeterminados perodos e seguem paralelamente, chegam a confluirem algumas de suas partes para, depois, tornar a bifurcar-se.

    Isto correto tanto em termos de filognese quanto deontognese. Adiante tentaremos mostrar que, nos processos dedesintegrao, de involuo e mudana patolgica, a relao entrepensamento e linguagem no constante para todos os casos deperturbao, de retardamento, de inverso no desenvolvimento,de mudana patolgica do intelecto ou da linguagem, mas adquiresempre uma forma especfica que caracteriza precisamente umdado tipo de processo patolgico, para um dado quadro de per-turbaes e retardamentos (p. 111).

    1.16 Contudo, na fontica dos chimpanzs, encontramos umnmero to grande de elementos sonoros, semelhantes fonticado homem, que se pode supor com segurana que a ausncia deuma linguagem semelhante do homem no chimpanz no sedeve a causas perifricas. Delacroix, que tem toda razo ao consi-derar correta a concluso de Khler sobre a linguagem do chim-panz, afirma que os gestos e a mmica dos macacos no soperifricos por algumas causas: no revelam o menos vestgio deque eles expressem (ou melhor, signifiquem algo objetivamente,isto , que exeram a funo de signo) (15m p. 77) (pp. 115-116).

    1.17 O chimpanz um animal social no mais alto grau, e seucomportamento s pode ser efetivamente entendido quando ele seencontra na companhia de outros animais. Khler descreveu for-mas extremamente diversificadas de comunicao por linguagem

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    entre os chimpanzs. Em primeiro lugar, devem ser colocados osmovimentos emotivo-expressivos, muito ntidos e ricos entre oschimpanzs (a mmica e os gestos, as reaes sonoras). Depois vmos movimentos expressivos de emoes sociais (os gestos amisto-sos, etc.). Mas at os seus gestos, diz Khler, assim como os sonsexpressivos, nunca designam nem descrevem nada objetivo (p. 116).

    1.18 preciso dizer francamente que as experincias de Khler(e menos ainda as de outros psiclogos, pesquisadores menos obje-tivos) no permitem dar a essa questo uma resposta minimamentedefinida. Suas experincias no levam a nenhuma definio nem res-pondem, sequer hipoteticamente, qual o mecanismo da reao inte-lectual. Entretanto, est fora de dvida de que, independentementede como se conceba a ao desse mecanismo e de onde esteja loca-lizado o intelecto - nas prprias aes do chimpanz ou no pro-cesso preparatrio interno (processo cerebral psicofisiolgico oumuscular-intervencional) - , a tese da determinabilidade atual e noda determinabilidade residual dessa reao continua em vigor, poisfora da situao atual visual o intelecto do chimpanz no funciona.Neste momento s nos interessa essa questo (p. 125).

    1.19 Quanto linguagem caracterstica do chimpanz, gosta-ramos de salientar trs pontos.

    Primeiro: a relao da produo de sons com gestos emocio-nais expressivos, ao tornar-se especialmente ntida nos momentosde forte excitao afetiva do chimpanz, no constitui nenhumapeculiaridade especfica dos antropoides; ao contrrio, antes umtrao muito comum aos animais dotados de aparelho fonador. Eessa mesma forma de reaes vocais expressivas serve indubitavelmentede base ao surgimento e desenvolvimento da fala humana.

    Segundo: os estados emocionais, sobretudo os afetivos, re-presentam no chimpanz uma esfera de comportamento rica emmanifestaes vocais, mas sumamente desfavorvel ao funciona-mento das reaes intelectuais. Khler menciona repetidamente

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    que, nos chimpanzs, as reaes emocionais e, sobretudo, a reaoafetiva destroem inteiramente a operao intelectual.

    Terceiro: o aspecto emocional no esgota a funo da lingua-gem no chimpanz, e isto tambm no representa uma particulari-dade exclusiva da linguagem dos antropoides; tambm assemelhaa sua linguagem linguagem de muitas outras espcies animais,constituindo ainda uma raiz gentica indubitvel da funo corres-pondente da fala humana. A linguagem no s uma reao ex-pressivo-emocional, mas, tambm, um meio de contato psicol-gico com semelhantes10. Tanto nos chimpanzs de Yerkes e deLearned quanto nos macacos observados por Khler, essa funoda linguagem bvia. No entanto, essa funo de ligao ou con-tato no mantm nenhuma relao com a reao intelectual, ouseja, com o pensamento do animal. Trata-se da mesma reaoemocional, que constitui uma parte evidente e indiscutvel de todaa sndrome emocional total, mas uma parte que tanto dos pontosde vista biolgico quanto psicolgico exerce uma funo diferentedaquelas exercidas pelas reaes afetivas. O que essa reao menoslembra a comunicao intencional e consciente de alguma coisaou uma ao semelhante. Em essncia, uma reao instintiva, ou,em todo caso, algo extremamente semelhante (p. 127).

    1.20 Achamos, e os captulos anteriores o mostraram com sufici-ente clareza, que o pensamento verbal no uma forma natural e inatade comportamento, mas uma forma histrico-social, e por isso sedistingue basicamente por uma srie de propriedades e leis especficas, queno podem ser descobertas nas formas naturais do pensamento e dalinguagem. Mas a concluso principal a de que, ao reconhecermos ocarter histrico do pensamento verbal, devemos estender a essa for-ma de comportamento todas as teses metodolgicas que o materialis-

    10 Hempelmann reconhece apenas a funo experimental da linguagem dos animais,

    embora no negue que os sinais vocais de advertncia etc., desempenham objetivamen-

    te a funo de comunicar (F. Henpelmann, Tierosycgikigue vin Standpunkte ds Biologen,1926, S. 530).

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    mo histrico estabelece para todos os fenmenos histricos na socie-dade humana. Por ltimo, devemos esperar de antemo que, em li-nhas gerais, o prprio tipo de desenvolvimento histrico do compor-tamento venha a estar na dependncia direta das leis gerais do desen-volvimento histrico da sociedade humana.

    Com isso, o prprio problema do pensamento e da lingua-gem ultrapassa os limites metodolgicos das cincias naturais e setransforma em questo central da psicologia histrica do homem,ou seja, da psicologia social; ao mesmo tempo, modifica-se a pr-pria abordagem metodolgica do problema. Sem tocar na ques-to em toda a sua plenitude, achamos necessrio analisar os seuspontos fulcrais, aqueles mais difceis em termos metodolgicos po-rm mais centrais e mais importantes para a anlise do comporta-mento do homem baseada no materialismo dialtico e histrico.

    Um estudo especial dever analisar essa segunda questo dopensamento e da linguagem, assim como outras questes que co-mentamos de passagem e so atinentes anlise funcional e estru-tural desses processos (p. 150).

    Estudo experimental do desenvolvimento dos conceitos

    1.21 Uma das concluses principais a que nos levam os estudosde Ach e Rimat a rejeio de conceitos. Ach demonstrou que aexistncia de associaes entre esses e aqueles smbolos verbais, esses eaqueles objetos, embora slidas e numerosas, no por si s suficientepara a formao de conceitos. Suas descobertas experimentais noconfirmaram a velha concepo segundo a qual um conceito surgepor via puramente associativa mediante o mximo fortalecimento deuns vnculos associativos correspondentes aos atributos comuns a umgrupo de objetos e o enfraquecimento de outros vnculos correspon-dentes aos atributos que distinguem esses objetos (p. 156).

    1.22 A principal deficincia da metodologia de Ach o fatode que, por intermdio dela, no elucidamos o processo gentico

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    de formao de conceito, mas apenas constatamos a existncia ouinexistncia desse processo. A prpria organizao da experinciapressupe que os meios pelos quais se forma o conceito, ou seja,as palavras experimentais que desempenham o papel de signos,so dados desde o incio, so uma grandeza constante que no semodifica durante toda a experincia e, alm do mais, o modo desua aplicao est antecipadamente previsto nas instrues. As pa-lavras no exercem desde o incio o papel de signos, em princpioem nada diferem de outra srie de smbolos que atuam na experi-ncia, dos objetos aos quais esto relacionadas. No intuito crtico epolmico de demonstrar que apenas uma relao associativa entrepalavras e objetos insuficiente para que surja o significado, que osignificado da palavra ou o conceito no so equivalentes a umarelao associativa entre o complexo sonoro e a srie de objetos,Ach mantm inteiramente a forma tradicional de todo o processode formao de conceitos, subordinado a um esquema que podeser expresso pelas palavras: de baixo para cima, de alguns objetosconcretos para poucos conceitos que os abrangem (p. 162).

    1.23 Estudos superaram definitivamente a concepo mecanicistada formao de conceitos, ainda assim no revelaram a efetiva natu-reza gentica, funcional e estrutural desse processo e se perderam naexplicao puramente teleolgica das funes superiores; tal expli-cao se restringe a afirmar que o objetivo cria, por si mesmo, como auxlio das tendncias determinantes, uma atividade correspon-dente voltada para um fim, e que em si mesmo o problema j con-tm a sua soluo (p.163).

    1.24 O processo de formao de conceitos irredutvel s asso-ciaes, ao pensamento, representao, ao juzo, s tendnciasdeterminantes, embora todas essa funes sejam participantes obri-gatrias da sntese complexa que, em realidade, o processo deformao de conceitos. Como mostra a investigao, a questo cen-tral desse processo o emprego funcional do signo ou da palavra

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    como meio atravs do qual o adolescente subordina ao seu poderas suas prprias operaes psicolgicas, atravs do qual ele dominao fluxo dos prprios processos psicolgicos e lhes orienta a ativida-de no sentido de resolver os problemas que tem pela frente (p. 169).

    1.25 A prpria linguagem no se funde em vnculos puramen-te associativos, mas requer uma relao essencialmente nova, efeti-vamente caracterstica dos processos intelectuais superiores entre osigno e o conjunto da estrutura intelectual. At onde se pode suporcom base no estudo da psicologia do homem primitivo e do seupensamento, a filognese do intelecto, ao menos em sua parte his-trica, no revela aquela via de evoluo que Thorndike admitiaexistir entre as formas inferiores e as formas superiores, passandopelo aumento quantitativo das associaes. Depois dos clebresestudos de Khler, Yerkes e outros, no h porque esperar que aevoluo biolgica do intelecto confirme a identidade entre pen-samento e associao (p. 174).

    1.26 A linguagem dos adultos tambm est cheia de resduosdo pensamento por complexos. Na nossa linguagem, o melhorexemplo que permite revelar a lei bsica de construo desse oudaquele complexo de pensamentos o nome de famlia. Qualquernome de famlia, digamos Petrov, classifica os indivduos deuma forma que se assemelha em muito quela dos complexosinfantis. Nesse estgio de seu desenvolvimento, a criana pensa,por assim dizer, em termos de nomes de famlias; o universo dosobjetos isolados torna-se organizado para ela pelo fato de taisobjetos se agruparem em famlias interligadas.

    Poderamos expressar essa mesma ideia de outra maneira, di-zendo que os significados das palavras nesse estgio de desenvol-vimento podem ser melhor definidos como nomes de famliaunificados em complexos ou grupos de objetos.

    O mais importante para construir um complexo o fato de eleter em sua base no um vnculo abstrato e lgico mas um vnculo

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    concreto e fatual entre elementos particulares que integram a suacomposio. Assim, nunca podemos saber se determinada pessoapertence famlia Petrov e pode ser assim chamada se, para tantonos baseamos apenas na sua relao lgica com outros portadoresdo mesmo nome de famlia. Essa questo se resolve com base napertinncia fatual ou na semelhana fatual entre as pessoas.

    O complexo se baseia em vnculos fatuais que se revelam naexperincia imediata. Por isso ele representa, antes de mais nada,uma unificao concreta com um grupo de objetos com base nasemelhana fsica entre eles. Da decorrem todas as demais peculia-ridades desse modo de pensamento. A mais importante a se-guinte: uma vez que esse complexo no est no plano do pensa-mento lgico-abstrato mas no concreto-fatual, ele no se distinguepela unidade daqueles vnculos que lhe servem de base e so esta-belecidos com a sua ajuda (p. 180).

    1.27 De modo diferente, cada elemento do complexo podeestar vinculado ao todo, expresso no complexo, a elementos par-ticulares integrantes da sua composio, s relaes mais diversas.No conceito, esses vnculos so basicamente uma relao do geralcom o particular e do particular com o particular atravs do geral.No complexo, esses vnculos podem ser to diversificados quantoo contato diversamente fatual e a semelhana fatual dos mais di-versos objetos, que esto em relao lgica e concreta entre si.

    Em nossa investigao, observamos cinco fases bsicas de sis-tema complexo, que fundamentam as generalizaes que a sur-gem no pensamento da criana (p. 181).

    1.28 Para as crianas, nessa fase, as palavras deixam de serdenominaes de objetos isolados, de nomes prprios. Tornam--se nomes de famlia. Chamar um objeto pelo respectivo nomesignifica relacion-lo a esse ou quele complexo ao qual est vin-culado. Para ela, nomear o objeto nessa fase significa cham-lopelo nome de famlia (p. 182).

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    1.29 Se analisarmos atentamente essa ltima fase no desenvol-vimento do pensamento por complexos, veremos que estamosdiante de uma combinao complexa de uma srie de objetosfenotipicamente idnticos ao conceito, mas que no so conceito,de maneira nenhuma, pela natureza gentica, pelas condies desurgimento e desenvolvimento e pelos vnculos dinmico-causaisque lhe servem de base. Em termos externos, temos diante de nsum conceito, em termos internos, um complexo. Por isso o deno-minamos pseudoconceito.

    Em situao experimental, a criana produz um pseudocon-ceito cada vez que se v s voltas com uma amostra de objetosque poderiam ter sido agrupados com base em um conceito abs-trato. Consequentemente, essa generalizao poderia surgir na basede um conceito, mas, na criana, ela realmente surge com base nopensamento por complexos.

    S o resultado final permite perceber que a generalizao porcomplexos coincide com a generalizao construda com base noconceito. Por exemplo, a criana escolhe para uma determinadaamostra um tringulo amarelo todos os tringulos existentesno material experimental. Esse grupo poderia surgir com base nopensamento abstrato. Essa generalizao poderia basear-se no con-ceito ou na ideia do tringulo. A anlise experimental mostra, po-rm, que a criana combinou os objetos com base nos seus vn-culos diretos fatuais e concretos, em uma associao simples.

    Ela construiu apenas um complexo limitado de associaes; che-gou ao mesmo resultado, mas por caminhos inteiramente diversos.

    Esse tipo de complexo, essa forma de pensamento concretotem importncia predominante sobre o pensamento real da crian-a, quer em termos funcionais, quer em termos genticos. Por issodevemos examinar mais detidamente esse momento crucial nodesenvolvimento de conceitos da criana, essa passagem que sepa-ra o pensamento por complexos do pensamento por conceitos e,

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    ao mesmo tempo, relaciona esses dois estgios genticos da for-mao dos conceitos (pp. 190-191).

    1.30 Encontrar o limite que separa o pseudoconceito do verda-deiro conceito sumamente difcil, quase inacessvel anlise fenotpicapuramente formal. A julgar pela aparncia, o pseudoconceito temtanta semelhana com o verdadeiro conceito quanto a baleia comum peixe. Mas se recorrermos origem das espcies das formasintelectuais e animais, o pseudoconceito deve ser to indiscutivel-mente relacionado ao pensamento por complexos quanto a baleiaaos mamferos (p. 195).

    1.31 Essa natureza serve como elo entre o pensamento porcomplexos e o pensamento por conceitos. Combina esses dois gran-des estgios no desenvolvimento do pensamento infantil, revela aosnossos olhos o processo de formao dos conceitos infantis. Emfuno da contradio nela contida, sendo ela um complexo, j con-tm em si o embrio de um futuro conceito que dela medra. Acomunicao verbal com os adultos se torna um poderoso mvel,um potente fator de desenvolvimento dos conceitos infantis. A pas-sagem do pensamento por complexos para o pensamento por con-ceitos se realiza de forma imperceptvel para a criana, porque seuspseudoconceitos praticamente coincidem com os conceitos dosadultos. Desse modo, cria-se uma original situao gentica que re-presenta antes uma regra geral que uma exceo em todo o desen-volvimento intelectual da criana. Essa situao original consiste emque a criana comea antes a aplicar na prtica e a operar com con-ceitos que a assimil-los. O conceito em si e para os outros sedesenvolve na criana antes que se desenvolva o conceito para si.O conceito em si e para os outros, j contido no pseudoconceito, a premissa gentica bsica para o desenvolvimento do conceito noverdadeiro sentido desta palavra.

    Assim, o pseudoconceito, considerado como fase especficano desenvolvimento do pensamento infantil por complexos, con-

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    clui todo o segundo estgio e inaugura o terceiro estgio no desen-volvimento do pensamento infantil, servindo como elo entre eles. uma ponte lanada entre o pensamento concreto-metafrico eo pensamento abstrato da criana (pp. 198-199).

    1.32 A concluso bsica do nosso estudo do desen