letras taquarenses nº 54 - marÇo/abril 2014 - antonio cabral filho - rj

6
ACADEMIA CELESTIAL DA TROVA E agora no final Este quesito me enleia: Quem terá sido, afinal, O garçon da Santa Ceia? Eno Teodoro Wanke RJ Uma jovem, na janela, Deixando o tempo passar, Canta uma canção singela. Cantando... só por cantar. Pedro Giusti RJ Ser eterno ele queria, Sem ater-se ao principal... Todo artista morre um dia, Só a arte é imortal. Fernando Vasconcelos PR Quando a saudade chegar, Não ponhas as mãos no peito. A vida é para se amar, Sem mágoa, ódio ou desgosto. Osael de Carvalho RJ Por vezes, na revisão, Dá um branco no revisor E o texto sai com senão: “Errar é humano”, leitor. Sinésio Cabral - CE POETRIX Poetrix nº1 Da primeira, Ninguém se esquece: Dá impressão que fica. Poetrix nº2 Meu verso sabe a muque O que é pegar no tranco, Mas não lhe entrega o truque . Poetrix nº3 Não sou nenhum Dos 18 do Forte, E sei que o trono é da corte, Mas aonde foi dar a coorte? Poetrix nº4 Ler é a maior viagem, Mas ler poemas piadas É a gota que faltava. Poetrix nº5 Ele disse quarto de milha, Ela entendeu quarta de milho: Penosa faminta! Poetrix nº6 COM SOL AÇÃO SEM SOLA NÃO. Acesse: antoniocabralfilhopoetrixetc. blogspot.com.br Antonio Cabral Filho RJ HAICAIS Rolinhas se enroscam Nas palmeiras do quintal. Ovinhos a vista. Eliana Ruiz Jimenez SC Por mais uma vez Contemplo o clarão da lua - Será este o último? Neide Rocha Portugal PR Cobertor me espera No leito quente e macio. - 0 vento soluça. Humberto Del Maestro ES Roda de crianças. Gafanhoto seguro Pelas pernas. Manoel F. Menendez SP Queixada na trilha, Roncando e rangendo os dentes: Ataque certeiro. Chove de mansinho Na manhã de primavera: Frio tropical. No baile das flores, Beija-flores fazem festa: Eis a primavera. Caminho do mar: A navalha no meu rosto, Corta que nem gelo. Trilha do mosteiro: O andarilho vai convicto, Buscar paz de espírito. Begônias e pedras Castigam-se mutuamente: Musgo gera flor. Vai de galho em galho, Pára, olha, me vigia: Esquilo mineiro... Cai um temporal Sobre o calor de domingo: São águas de março. Chove em Parati: Mil peixinhos vêm à tona, Provar outras águas. antoniocabralfilhohaicaietc. Blogspot.com.br Antonio Cabral Filho - RJ Ano VIII nº54 Mar/Abril 2014 Distribuição Gratuita Editor:Antonio Cabral Filho Rua São Marcelo, 50/202 Rio de Janeiro RJ Cep 22.780-300 [email protected] http://blogdopoetacabral.blogspot.com.br / http://letrastaquarenses.blogspot.com.br Filiado à FEBAC

Upload: antonio-cabral-filho-escritor

Post on 01-Apr-2016

212 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

LETRAS TAQUARENSES é um fanzine literário virtual e impresso, aberto a toda forma de expressão estética, editado pelo Escritor Antonio Cabral Filho, rio de janeiro, brasil.

TRANSCRIPT

ACADEMIA

CELESTIAL

DA TROVA

E agora no final

Este quesito me enleia:

Quem terá sido, afinal,

O garçon da Santa Ceia?

Eno Teodoro Wanke – RJ

Uma jovem, na janela,

Deixando o tempo passar,

Canta uma canção singela.

Cantando... só por cantar.

Pedro Giusti – RJ

Ser eterno ele queria,

Sem ater-se ao principal...

Todo artista morre um dia,

Só a arte é imortal.

Fernando Vasconcelos – PR

Quando a saudade chegar,

Não ponhas as mãos no peito.

A vida é para se amar,

Sem mágoa, ódio ou desgosto.

Osael de Carvalho – RJ

Por vezes, na revisão,

Dá um branco no revisor

E o texto sai com senão:

“Errar é humano”, leitor.

Sinésio Cabral - CE

POETRIX

Poetrix nº1

Da primeira,

Ninguém se esquece:

Dá impressão que fica.

Poetrix nº2

Meu verso sabe a muque

O que é pegar no tranco,

Mas não lhe entrega o truque

.

Poetrix nº3

Não sou nenhum

Dos 18 do Forte,

E sei que o trono é da corte,

Mas aonde foi dar a coorte?

Poetrix nº4

Ler é a maior viagem,

Mas ler poemas piadas

É a gota que faltava.

Poetrix nº5

Ele disse quarto de milha,

Ela entendeu quarta de milho:

Penosa faminta!

Poetrix nº6

COM

SOL

AÇÃO

SEM

SOLA

NÃO.

Acesse:

antoniocabralfilhopoetrixetc.

blogspot.com.br

Antonio Cabral Filho – RJ

HAICAIS

Rolinhas se enroscam

Nas palmeiras do quintal.

Ovinhos a vista.

Eliana Ruiz Jimenez – SC

Por mais uma vez

Contemplo o clarão da lua

- Será este o último?

Neide Rocha Portugal – PR

Cobertor me espera

No leito quente e macio.

- 0 vento soluça.

Humberto Del Maestro – ES

Roda de crianças.

Gafanhoto seguro

Pelas pernas.

Manoel F. Menendez – SP

Queixada na trilha,

Roncando e rangendo os dentes:

Ataque certeiro.

Chove de mansinho

Na manhã de primavera:

Frio tropical.

No baile das flores,

Beija-flores fazem festa:

Eis a primavera.

Caminho do mar:

A navalha no meu rosto,

Corta que nem gelo.

Trilha do mosteiro:

O andarilho vai convicto,

Buscar paz de espírito.

Begônias e pedras

Castigam-se mutuamente:

Musgo gera flor.

Vai de galho em galho,

Pára, olha, me vigia:

Esquilo mineiro...

Cai um temporal

Sobre o calor de domingo:

São águas de março.

Chove em Parati:

Mil peixinhos vêm à tona,

Provar outras águas.

antoniocabralfilhohaicaietc.

Blogspot.com.br

Antonio Cabral Filho - RJ

Ano VIII nº54 Mar/Abril 2014 Distribuição Gratuita Editor:Antonio Cabral Filho

Rua São Marcelo, 50/202 Rio de Janeiro – RJ Cep 22.780-300 [email protected]

http://blogdopoetacabral.blogspot.com.br / http://letrastaquarenses.blogspot.com.br Filiado à FEBAC

TROVAS

Os teus olhos cor de jade,

De uma ternura sem lei,

Foram feitos da saudade

De um mundo que eu inventei.

Humberto Del Maestro – ES

Neste Brasil de bonança,

De riquezas tão reais,

Quisera ter a esperança

De ver rico e pobre iguais.

Jessé Nascimento – RJ

Vem chegando a primavera,

Os jardins ficam floridos...

Almas cheias de quimera

E corações coloridos.

Henny Kropf – RJ

Suscitando a inquietude

De uma longa odisséia,

A trova, mais que virtude,

É gênese de uma idéia.

Silvério da Costa – SC

Urubu sobre o telhado

E voando abertamente

Ficou muito bem olhado

Pelo suspiro da gente.

FranciscodeAssisNascimento

Quando vi a nossa foto

Desgastada na gaveta,

Vi nascer um terremoto

Neste inóspito poeta.

Olivaldo Júnior - SP

Sorte, aleatório caminho

Que cada destino traça:

Para alguns, tão forte vinho;

A outros, vazia taça.

Eliana Ruiz Jimenez - SC

Camomila e poesia

Mais o cobertor de orelhas

Fazem a minha alegria

Numa noite sem estrelas.

&

No Largo da Abolição

Ouvi berimbau nos ares,

Lembrei que a escravidão

Fez do Brasil seu Palmares.

Minha pedra, minha vida,

Diz o craqueiro a cantar,

Sem saber que aquela “vida”

Acaba de se queimar...

&

Amizade não tem preço

Nem é presente que enjeito,

É sempre mais que mereço

E guardo aqui bem no peito.

&

Eis que surge nova lei:

Rico gera violência,

Diz a filha do Sarney

Num acesso de demência.

&

Amizade não tem preço,

Nem é presente que enjeito;

É sempre mais que mereço

E guardo aqui bem no peito.

Antonio Cabral Filho – RJ

Se existe coisa mais bela

Que o luar do eu sertão,

Deus então ficou com ela

E fim de papo, meu irmão.

Arlindo Nóbrega – SP

Grande mesmo é quem descobre

Que ser grande é ser alguém

Que abre espaço para o pobre

Tornar-se grande também.

A. A. de Assis - PR

Um instante pensamento

Quando você renasceu:

Floriu fértil sentimento

Que a todos fortaleceu.

Agostinho Rodrigues – RJ

Ao acordar, que beleza,

Ver sol bater na janela!

Parece que a natureza

Me chama de filho dela.

Murilo Teixeira – MG

A saudade de você

Dói demais – você nem sabe.

É duro ter que viver

Suportando esta saudade.

Araci Barreto da Costa – RJ

Para a vida ter valor

É preciso meditar,

Fazer o bem com amor

Deixar o mal se calar.

Ivone Vebber – RS

A trova, de qualquer jeito,

Chega forte e vai bem fundo:

Em seu contexto perfeito

Já percorre todo o mundo.

Diamantino Ferreira – RJ

Expresso com emoção

E com orgulho bendigo,

O que diz meu coração:

Como é bom ser teu amigo.

OEFE de Souza – SP

A trova, rica magia,

Da mais ampla distinção

Tem o toque da harmonia

E o bater do coração.

Vidal Idony Stockler – PR

Canta a poesia na janela

Do meu feliz coração

Tornando a vida tão bela

Como a luz de uma oração.

Ziney Santos Moreira – SP

Há um casal que sintetiza

Todo amor que o céu projeta:

- A minha alma de poetisa

E o teu coração de poeta...

Laura da Fonseca e Silva – RJ

Jamais deixe no caminho

A semente de um pecado,

Leve amor e muito carinho

Ao menor abandonado.

Antonio Fernando de Andrade

Nenhuma vida é pequena

Restrita em sua pequenez,

Ora... viver vale a pena,

Só se entra em cena uma vez.

Milton Dias Fernandes – MG

COMO ( EU ) VIA

Aquela paisagem

Que eu via da janela

Era triste

Porque perdi meu irmão.

Aquela paisagem

Que eu via da janela

Não me comovia

Porque eu era só.

Essa paisagem

Que vejo da janela

É bela

Porque encontrei um amigo.

Renata Paccola – SP

POEMAS DO TOUCHÉ

Sei o que quero dizer

Mas não encontro palavras:

Inspirar-se é florescer.

&

Por entre rosas e primaveras

Desce a tarde púrpura:

Com poemas me esperas.

&

A claridade da manhã

Desenhava o horizonte:

Como um sorriso de mãe.

Antonio Luiz Lopes – SP

AUTOBRIOGRAFIA

A história quis fazer mártir

O amor me fez mulher

A poesia me levou além

Da história, do martírio.

Me afundou no vazio

Para poder criar

E recriar-me

Noutra forma de ser

Sendo sempre mulher.

Ilma fontes – SE

DAS CARÍCIAS

Minha mão percorre teu corpo

Como água seguindo o rio.

Encontrando emoções.

Encontrando sentimentos.

Walmor DS Colmenero – SP

MULHERES DO TALIBÃ

Anônimas, sem rosto,

Escondidas atrás de um muro

Que não é de concreto

Ou de pedra

Mas é tão sólido e forte

Como se fosse de matéria dura

E não fina, leve,fechada,escura.

Atrás desse muro

Existe alguém,

Embora não apareça.

Alguém que de tanto

Viver escondido

Perdeu a própria identidade.

Agora,sem rosto, sem nome,

Sem lágrimas,

Enfrenta um mundo

Que lhe é desconhecido.

Ela também é desconhecida,

Sem nome, sem

Rosto, sem sorrisos.

Vera Puget - RJ

OSÓRIO PEIXOTO SILVA

CHEGA AO CÉU

Depois que esse cara

Chegou por aqui

Combatendo a hipocrisia

Esse lugar virou uma zona

Ta pior do que o inferno!

Rogério Salgado – MG

CONVOCATÓRIA

Os jovens vão ao encontro

Na praça nacional para

Uma demonstração de protesto

Exigindo um fim à violência

Um pouco de justiça

Mais transparência no governo

E na política financeira,

A consigna é demandar

Respeito a seu direito

À escola e educação

Ao trabalho sustentável

E alimento para seus sonhos.

Os estudantes vão marchando

Com sua coragem

E suas esperanças,

Com o futuro

Em seu pensamento

Braço a braço com o povo

Até à vitória, sempre!

Terezinka Pereira - EUA

VERTENTE

Tente ver

A vertente verde.

Tente ser

Exemplar vertente.

Percorra

Caminhos da mente

Sem acidentes.

Renasça. Esqueça

O mal devastador,

Tente ver a vertente

Verde. Sorria.

Alcance a nascente,

Beba nas águas da fonte

Vida que ali se sente.

Eduardo Waack – SP

POEMAS

Apesar

De tantas mudanças

Montanhas

Arredondadas

Continuam circundando

Meu território

Assim me reconheço.

Djanira Pio - SP

QUEM?

Tudo é cru e tudo universo

Mais se renova do que perece?

Não o real o que enxergamos?

O mais está sempre mais longe?

Sinal mais longe, mais que o som,

Então: quem disse

De cada coisa

O verdadeiro nome?

Aricy Curvello - ES

EM BUSCA DAS

BORBOLETAS

À Irmã Marina Lopes

Se preciso suportar larvas

Para conhecer as borboletas

Por que então, eu não as conheci?

As borboletas de Exupéry?

Eu as suportei dia a dia

Desde a primavera ao outono!

Hoje, o inverno vem chegando

As larvas continuam queimando.

Mas...dentro de mim há uma força

Que os olhos do mundo desconhecem

Que, mesmo as larvas me queimando

Vou as lindas borboletas esperando!

Espero!...Espero!...Peço a Deus

Que não canse de esperar!

Mesmo qu’elas custem a aparecer...

Que as borboletas um dia eu possa ver!

Ondina de Aquino Carrilho Cruz – RJ

O FÉRETRO DOS VIVOS

3

Linha dura

Linha férrea

Corpo partido

Doído esquartejado

Menos uma mão-de-obra.

Corpo desfigurado

Banhado de sangue

Verde, vermelho e amarelo.

Feriado nacional trem vazio

Apenas algum marginal.

Airton R. Oliveira – RJ

GONZAGUIANA

Em tronco de velho freixo

Exposto à lixa dos ventos

Ao vitríolo do tempo

Não gravo teu nome não:

Gravo meu coração.

José Paulo Paes – SP

TERRA DE SANTA CRUZ

ao batizarem-te

deram-te o nome:

puta

posto que a tua profissão

é abrirt-te em camas

e dar-te em ferros

ouro

prata

rios, peixes, minas, mata

deixar que os abutres

devorem-te na carne

o derradeiro verme.

Artur Gomes – RJ

GREVE DE FODA

Pior do que morrer

Por ficar sem comer

É perder a mulher

Por ficar sem fuder.

Alex Polari de Alverga – RJ

VULCÃO

Os mortos não,

Os mortos são

Mais os mortos

Da minha vida.

A lava do vulcão

Não traz a fertilidade

Mas faz um sulco

E marca

O coração do homem.

Hugo Pontes – MG

O CASTIGO

Num gesto tresloucado

Ousou cometer um verso.

Bem feito:

Virou poeta!

Zacarias Martins – TO

TRANSFORMAÇÃO

Deitada na areia,

Sou entrega absoluta:

Me deixo penetrar

Pelo cheiro

De água salgada

E me desmancho

Em maresias...

Adélia Woelner -RS

AS PA(LAVRAS)

As Pa(lavras) embaralhadas

Repousam no verde

Da esperança.

Da memória solto

As imagens e o

Desejo de escrever.

Caço os gestos

Impressos na mente,

Descubro as palavras

Debruçadas na cisterna

Dos sentidos e

Deixo o tempo correr...

Luiz Fernandes da Silva – PB

VERSIFICANDO

Enquanto teço opoema

Concedo às palavras

Liberdade incondicional.

Wagner Ribeiro – SE

(DES)CLASSIFICADA

Musa em desuso

Aceita poeta

Para uso e abuso.

Swuit Ragi – SE

Era uma estrela sozinha,

Ninguém olhava pra ela.

E toda a luz que ela tinha

Cabia numa janela.

Paulo Leminski – PR

MEU AVÔ

Quando estava contente,

Cantava: Cuidado

Com esta negra!,

Que esta negra vai contá.

Cuidado com esta negra

É puxa saco da sinhá,

Cuidado com esta negra,

Que esta negra já conto.

Cuidado com esta negra,

É puxa saco do sinhô.

Esta negra é caçambeira,

Gosta só de espioná;

Esta negra é faladeira,

E conta tudo pra sinhá.

Esta negra é perigosa!,

Tudo que ela vê ela fala,

E a sinhá fica nervosa

E nos prendem na senzala.

Carolina Maria de Jesus – MG

CAROLINA MARIA

DE JESUS EM TROVAS

NO SEU CENTENÁRIO

Carolina, de nascença,

É Maria de Jesus;

Sem saber qual a centença,

Carregou a sua cruz.

De nascença, foi bastarda,

Mas foi seu Sócrates Negro

A lhe mostrar quantas jardas

Anda quem não paga arrego.

Muito cedo foi pra lida,

Suar o sal do seu pão

E conhecer esta vida

Nos palcos da exploração.

Primeiro, aturou madame,

Agüentando humilhação,

Mas viu tanta coisa infame

Que virou arribação.

Foi fazer do dia a dia,,

Pelas ruas da cidade

Templo de filosofia,

Sem implorar caridade.

Trabalhou de sol a sol,

Como faz o garimpeiro,

Mas a pepita maior

Foi o seu berço primeiro.

Foi pessoa de respeito,

Erguendo alto seu pejo;

Guardou as mágoas do peito

No seu “Quarto de Despejo”.

Mas Carolina é Maria,

Inspiração de Jesus,

A “Casa de Alvenaria”

Veio aliviar a cruz.

Passou por muitos percalços,

Mas nada sujou seu nome,

Nem a força dos fracassos

Nem os “Pedaços da Fome.”

Irradiou seus “Provérbios”

No “Diário de Catita”,

Sem ligar a lei dos verbos

À lei da sua desdita.

Da Sacramento mineira

Para a “Canindé paulista”,

Carolina foi guerreira

Metendo a cara na pista.

Sempre foi mulher solteira,

Mãe à suas próprias custas;

Como não foi a primeira,

Fez para si leis mais justas.

Carolina de Jesus,

Maria livre de laço,

Foi livre porque faz jus

Ao seu quatorze de março.

Carolina proletária,

Maria de Jesus é

Também revolucionária

Pelas letras de Tomé.

Carolina e Castro Alves

Trazem bandeira no mastro,

Coincidem nos entraves

E no quatorze de março.

Mas Carolina é demais,

Extraiu seu pão da rua,

E quanto mais ela sua,

Mais crê naquilo que faz.

POETA À SACADA

O poeta vai à sacada

E lança os olhos à rua,

Seco de novidades,

De algo que ressuscite

A sua alma,

Exaurida em solidões.

E só após um longo tempo

Olhando para a rua,

Com seu olhar andarilho,

Sente que ela está deserta,

Tão deserta quanto

A alma do poeta,

Sem ninguém sentado

Ao meio-fio

Ao lado de alguém a postos

Para ouvir-lhe as abobrinhas,

Nem as levas de crianças

Naquele corre-corre nervoso

Do pique-esconde, pique-pega,

Pique-parado, ou do foge-foge

Da molecada, que lá vem pai,

mãe, sei-lá-mais-quem,

Abedunhar o que estão fazendo,

Mas para quebrar o gelo,

Surge um cão viralata

Perambulando, meio que perdido,

Ziguezagueando, farejando a esmo

Pra despistar-se de si mesmo,

Até que um gato camuflado

Na turbidez sob um carro

Salta sobre ele

E a madrugada pega no tranco.

BANDEIRA

Nunca participei

De escaramuças literárias,

Não por medo de escaramuças,

Mas por não ser tropa

Nem chegado a general.

SALDO ESCASSO

Após devorar

A sagrada esperança

De Agostinho Neto,

Com gosto de suor africano

Explorado em solo brasileiro,

Regada a muito café

E mergulhado em insônia,

Vou passear no quintal

Ver se colho um poema

Ou o sal da escassez.

NOITE

Depois de trabalhar

O dia inteiro

A noite fica exausta

E se dependura

Lá do céu sobre nós

E dorme como os morcegos...

É por isso que acordamos

Chamuscados de escuridão.

METAPOÉTICA

De tanto

Alavancar o poema

Acabei pavimentando

O verso

E instalando a poesia

Sempre no ponto final.

COMPLEXO DE KAFKA

Não fossem os calafrios

Da pobre coitada mãe

Que vivia em panos quentes

Pra manter seu pai

Em banho-maria

Teríamos mais psicanalistas

Tentando livrar as pessoas

Dos estados parasitários

E Kafka transformado

em barata.

LARGO DA BATALHA

Já diz tudo

O nome do local

Que nos lembra

Algo longe

Transido de combates

E ainda agora

Nos seus arredores

Chegam avisos da pólvora:

Seguem escaramuças

Por seu corpo escarpado,

Todo respingado de rubro.

PONTO CEM RÉIS

Não sei quantos reis

Passaram por este ponto

E não sei ainda

Se era sem réis

Caso houvesse pedágio

Transitar livremente.

ENQUETE

O vovô anarquista

Perguntou para o netinho

Se acreditava em Papai Noel:

- Por quê, vai me dar presente?

Inquiriu o garoto, todo serelepe,

Enquanto o avô confabulava

Com seus bigodes:

- Que menino materialista!

ANTI GULLAR

Inútil a luta corporal

Sem poemas concretos

Sobre romances de cordel

A sós dentro da noite veloz

Pra cometer poema sujo

E acender uma luz no chão

Em plena vertigem do dia

Causar crime na flora

E sair por aí fazendo barulhos

Com muitas vozes

E argumentação contra

A morte da arte

Pleno de antologias...

HORA DA RVOLUÇÃO

É hora da revolução!

É hora da revolução!

Não! Não é nenhum

Sinal dos tempos

Nem devido à queda

De algum ditador.

É que eu vi

Um homem no ônibus

Lendo o Manifesto Comunista.

PRÊMIO JUSTO

Corredor polonês

Só para o maldito inventor

Do corredor polonês,

Que eu fui.....

CACETE BAIANO

Depois de apanhar

Até gato morto miar,

Por dizer gracinhas

Para a menina dos olhos

Do paizão ciumento,

Diz que ganhou

O maior cacete baiano.

APROPRIAÇÃO INDÉBITA

Eu sei que o boca-a-boca

É a melhor propaganda,

Mas não adianta resmungos

Nem choro pelos cantos.

Só devolvo o beijo

Que te roubei dormindo,

Se vieres tomá-lo

Boca-a-boca...

DEUSES DE PAUPÉRIA

Era uma cidade

Fundada por ATA

E lá estava escrito:

Artigo Único -

Aqui todos somos felizes,

Pela graça dos deuses.

E todos tudo fazem

Para o bem de todos.

§ Único – Revogam-se

as disposições em contrário.

Antonio Cabral Filho – RJ