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1 Alternâncias verbais sob uma perspectiva léxico-funcional e decomposicional * Leonel Figueiredo de Alencar (UFC) Resumo É quase consensual que o comportamento sintático dos verbos deriva, em grande parte, de suas propriedades semânticas. A natureza do input e do output de um mecanismo que relacione esses dois níveis constitui, porém, objeto de bastante controvérsia. Neste artigo, argumentamos em prol de um modelo que extrai molduras funcionais com base na decomposição dos predicados verbais, sem recorrer a papéis semânticos. A adequação dessa proposta, que integra, modificando-as, as abordagens gerativas da Gramática Léxico- Funcional e da Gramática de Decomposição Lexical, é fundamentada na análise de algumas alternâncias verbais do português e do alemão. 1. INTRODUÇÃO No artigo que inaugurou a teoria dos casos semânticos, Fillmore (1968) postulou princípios para determinar o estatuto categorial e a relação gramatical dos argumentos verbais a partir de suas funções temáticas. Nas últimas décadas, na esteira dessa abordagem, avolumou-se tanto a literatura sobre as relações sistemáticas entre as propriedades semânticas dos itens lexicais e suas propriedades sintáticas, que se tornou quase impossível um levantamento exaustivo das diferentes propostas alternativas. No entanto, a julgar pelas amplas revisões de Davis (2001), Levin e Rappaport Hovav (2005) e, de forma mais condensada, Borer (2005), pode-se considerar majoritária na lingüística gerativa, quase sem medo de incorrer num erro histórico, a posição que é a padrão na TRL: as propriedades temáticas dos elementos lexicais determinam sua subcategorização (Grewendorf, 2002, p. 19) ou, conforme a hipótese de Chomsky (1986), a seleção categorial (c-seleção) pode ser inferida, pelo menos na maioria dos casos, a partir da seleção semântica (s-seleção) (Radford, 1988, p. 384). A essa visão "projecionista", que Borer (2005) chama de "endo-esquelética", opõe-se uma abordagem "exo-esquelética", defendida por essa autora. Na primeira abordagem, o item lexical fornece o esqueleto para a estrutura sintática. Uma frase como Pedro chutou a bola apresenta, por exemplo, um objeto direto porque o verbo da frase, em razão de sua estrutura argumental, prevê esse tipo de constituinte. Na visão alternativa, ocorre o contrário: os "esqueletos" pré-existem aos itens lexicais; as propriedades de um verbo numa determinada construção são determinadas, de fora para dentro, pela moldura onde ocorre. Desse modo, no * Este trabalho rediscute questões inicialmente tratadas em Alencar (2003).

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Alternâncias verbais sob uma perspectiva léxico-funcional e decomposicional*

Leonel Figueiredo de Alencar (UFC)

Resumo

É quase consensual que o comportamento sintático dos verbos deriva, em grande parte, de suas propriedades semânticas. A natureza do input e do output de um mecanismo que relacione esses dois níveis constitui, porém, objeto de bastante controvérsia. Neste artigo, argumentamos em prol de um modelo que extrai molduras funcionais com base na decomposição dos predicados verbais, sem recorrer a papéis semânticos. A adequação dessa proposta, que integra, modificando-as, as abordagens gerativas da Gramática Léxico-Funcional e da Gramática de Decomposição Lexical, é fundamentada na análise de algumas alternâncias verbais do português e do alemão.

1. INTRODUÇÃO No artigo que inaugurou a teoria dos casos semânticos, Fillmore (1968) postulou

princípios para determinar o estatuto categorial e a relação gramatical dos argumentos verbais a partir de suas funções temáticas. Nas últimas décadas, na esteira dessa abordagem, avolumou-se tanto a literatura sobre as relações sistemáticas entre as propriedades semânticas dos itens lexicais e suas propriedades sintáticas, que se tornou quase impossível um levantamento exaustivo das diferentes propostas alternativas.

No entanto, a julgar pelas amplas revisões de Davis (2001), Levin e Rappaport Hovav (2005) e, de forma mais condensada, Borer (2005), pode-se considerar majoritária na lingüística gerativa, quase sem medo de incorrer num erro histórico, a posição que é a padrão na TRL: as propriedades temáticas dos elementos lexicais determinam sua subcategorização (Grewendorf, 2002, p. 19) ou, conforme a hipótese de Chomsky (1986), a seleção categorial (c-seleção) pode ser inferida, pelo menos na maioria dos casos, a partir da seleção semântica (s-seleção) (Radford, 1988, p. 384).

A essa visão "projecionista", que Borer (2005) chama de "endo-esquelética", opõe-se uma abordagem "exo-esquelética", defendida por essa autora. Na primeira abordagem, o item lexical fornece o esqueleto para a estrutura sintática. Uma frase como Pedro chutou a bola apresenta, por exemplo, um objeto direto porque o verbo da frase, em razão de sua estrutura argumental, prevê esse tipo de constituinte. Na visão alternativa, ocorre o contrário: os "esqueletos" pré-existem aos itens lexicais; as propriedades de um verbo numa determinada construção são determinadas, de fora para dentro, pela moldura onde ocorre. Desse modo, no

* Este trabalho rediscute questões inicialmente tratadas em Alencar (2003).

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exemplo citado, não é o verbo que determina a transitividade da frase, mas esta que determina a transitividade do verbo.

Neste trabalho, adotamos a perspectiva projecionista, que, matematicamente, pode ser descrita como uma função f (ou mapeamento, do inglês mapping) de um conjunto S de elementos de natureza semântica em um conjunto C de elementos sintáticos, formalizável como f:S C. Muitas variações desse esquema básico, que estabelece uma vinculação (linking) entre os argumentos do predicado associado a um verbo e os constituintes que os representam no plano da expressão, foram propostas, principalmente em decorrência das diferentes hipóteses a respeito do tipo de elemento que constitui S. Também tem sido objeto de divergência a própria natureza do mecanismo de vinculação, seu funcionamento, se existe um mecanismo universal ou se há vários sistemas dependendo do tipo de língua (Wunderlich, 2002). A natureza dos elementos de C tem suscitado, igualmente, controvérsias. As diferentes propostas nesse sentido decorrem, no entanto, mais do tipo de arcabouço sintático assumido do que de pontos de vista específicos sobre a questão da vinculação argumental.

No âmbito da visão projecionista, restringimos nosso foco sobre as teorias lexicalistas e formais da Gramática Léxico-Funcional (Lexical-Functional Grammar – LFG) e da Gramática de Decomposição Lexical (Lexical Decomposition Grammar – LDG). Na Teoria do Mapeamento Lexical (Lexical Mapping Theory – LMT) da LFG, a projeção de S sobre C é intermediada pelo nível da estrutura argumental. Os elementos de S são listas de papéis temáticos que projetam sobre uma seqüência de argumentos arranjados conforme uma hierarquia de papéis temáticos. Essa seqüência, por sua vez, projeta sobre C, constituído, universalmente, de relações gramaticais como sujeito, objeto direto etc. A LDG propõe uma abordagem bastante diferente, descartando os papéis temáticos como especificação dos elementos de S.1 Em vez disso, propõe representações semânticas parciais para os itens lexicais, as quais incluem apenas as propriedades gramaticalmente relevantes. Nessas representações, os argumentos são diferenciados entre si não por meio de rótulos como, por exemplo, Agente, Beneficiário, Paciente ou Tema, mas apenas por meio de sua posição hierárquica na estrutura semântica. A LDG descarta uma especificação uniformemente válida de C para todas as línguas. Numa língua como o latim, o output do mapeamento é constituído por casos morfológicos. Numa língua essencialmente não casual como o inglês, C é constituído de posições na estrutura sintagmática.

Nosso objetivo neste artigo é levantar argumentos em favor de um modelo que integra a proposta da LDG para S, mas especifica C por meio de relações gramaticais, como na LFG. Mostraremos que a LDG fornece um input mais econômico que a LMT, ao passo que a LFG fornece um output mais eficiente. Além do mais, apenas a LFG pode ser considerada uma teoria completa da gramática (como o são a TRL ou o Programa Minimalista). A LDG, como

1 Outros modelos que não operam com papéis temáticos como input da vinculação argumental são Tenny (1994, 2000), Croft (1998), van Hout (1998, 2000) e Rappaport e Levin (1998). Essas abordagens recorrem à estrutura eventiva e/ou aspectual para explicar os padrões de realização argumental.

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reconhecem alguns de seus defensores, é apenas uma teoria das representações dos itens lexicais (inclusive da formação de novos itens lexicais na morfologia derivacional) e de sua interface com a sintaxe.

Nenhum modelo da vinculação argumental de verbos pode ignorar a flexibilidade desses elementos, i.e. a possibilidade da maioria deles de ocorrerem em mais de uma moldura sintática. Dentro da visão projecionista, que adotamos, essas alternâncias verbais resultam da aplicação de regras lexicais (denominadas operações de aridade por Reinhart e Siloni (2005, p. 390)), que derivam novas entradas a partir das entradas existentes (Rappaport Hovav; Levin, 1998; Dowty, 2000; Davis, 2001). Esse fenômeno constitui um dos maiores desafios a qualquer teoria não trivial do mapeamento. De fato, o mecanismo proposto não pode, por um lado, ser tão rígido ao ponto de excluir as variações constadas ou de precisar de alterações ad hoc para cada alternância verbal. Por outro lado, o mecanismo deve ser suficiente restritivo de modo a excluir os padrões não atestados (Davis, 2001).

Dada a importância das alternâncias de valência na teoria do mapeamento, aplicamos o modelo proposto a um tipo de alternância comumente associado a línguas como inglês e alemão, que é a extensão de um verbo intransitivo ou transitivo para uma moldura que inclui argumento especificando, a respeito do sujeito do verbo intransitivo ou do objeto direto do verbo transitivo, uma propriedade que resulta do processo ou ação verbal. Trata-se das chamadas construções resultativas, assunto bastante aprofundado na LDG por Wunderlich (2000), entre outros. Mostraremos que as regras postuladas por Wunderlich para essas construções têm falhas, quando confrontadas com dados do alemão e do português. Propomos, então, regras alternativas que contornam esses problemas.

A exposição que segue se desdobra em quatro seções. Na seção 2, delineamos o arcabouço teórico, que compreende as teorias da LFG e da LDG. Na seção 3, argumentamos em prol do modelo LFDG (Lexical-Functional Decomposition Grammar – Gramática Funcional de Decomposição Lexical), que incorpora o elegante mecanismo de vinculação argumental da LDG à LFG, em substituição ao módulo da LMT. Diferentemente da abordagem padrão na LDG, porém, na LFDG, que adota a arquitetura geral da LFG, o output do mapeamento é universalmente especificado em termos de funções gramaticais. Na seção 4, aplicamos esse modelo num estudo comparativo das construções resultativas do alemão e do português, revisando a proposta de Wunderlich (2000). Finalmente, na seção 5, extraímos as conclusões do trabalho.

2. ARCABOUÇO TEÓRICO 2.1. A Gramática Léxico-Funcional

A Gramática Léxico-Funcional (Lexical-Functional Grammar – LFG) é uma abordagem lexicalista e não-derivacional da gramática gerativa que almeja uma modelação tipologicamente realista, computacionalmente viável e psicolingüisticamente plausível da arquitetura da Gramática Universal (Bresnan, 1982; Bresnan, 2001; Falk, 2001; Kuhn, 2001).

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Diagrama 1: A arquitetura da LFG (Falk 2001, p. 25). O Diagrama 1 apresenta os níveis de representação ou tipos de informação gramatical

postulados pela LFG segundo Falk (2001). Trata-se de uma representação não exaustiva, conforme ressalta o autor, uma vez que a teoria ainda se encontra em desenvolvimento e outros níveis podem vir a ser integrados. Nessa representação gráfica, as setas que ligam os módulos são sempre bidirecionais, indicando que não há uma relação de derivação entre eles. Por oposição aos modelos da TRL e do Programa Minimalista, a LFG é um modelo gerativo estritamente não derivacional, i.e. não são postuladas transformações (como Mover etc.). Em vez disso, os diferentes níveis existem paralelamente, relacionando-se por correspondências, formalizadas matematicamente como projeções ou funções. Nessas projeções, restrições (constraints) determinam que estruturas de um nível podem entrar em correspondência com estruturas de outro nível. Na formulação dessas restrições, a operação de unificação desempenha um papel extremamente importante. A LFG representa, na Estrutura Funcional, as propriedades gramaticais dos sintagmas por meio de matrizes de valores e atributos. Essas matrizes resultam da unificação das matrizes dos itens lexicais que constituem os sintagmas (cf. (1) – (3)). A especificação DEF − em (1) e (3) (formalmente DEF= −) indica que o valor para o atributo da definitude é negativo.

(1) uma DEF − GEND FEM NUM SG

Estrutura Semântica

Estrutura Argumental

Estrutura Informacional Estrutura Funcional

Estrutura Fonológica Estrutura Constitucional

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(2) dentista [NUM SG] (3) uma dentista DEF − GEND FEM NUM SG Enquanto formalismo matemático-computacional para a descrição de línguas naturais, a

LFG enquadra-se na família das gramáticas de unificação. O formalismo da LFG, com o da HPSG, é também freqüentemente caracterizado como "baseado em restrições" (constraint-based).

pôr: Estrutura Θ: [Agente] ... [Paciente/Tema] ... [Lugar] Estrutura A: < x , y , z > [−o] [−r] [−o] Estrutura F: SUBJ […] PRED 'pôr <(↑SUBJ)(↑OBJ)(↑OBLLoc)>' OBJ […] OBLLoc […] Diagrama 2: Interação entre os três níveis informacionais de um verbo (Falk 2001,

p.105). Não podemos, no âmbito do presente trabalho, descrever de forma exaustiva o modelo

da LFG. A relação entre Estrutura C e Estrutura F, que constituiu o foco das pesquisas no início, é a mais elaborada do ponto de vista matemático e computacional. Vários sistemas computacionais já foram desenvolvidos capazes de analisar e gerar frases de uma língua natural a partir da especificação, no formalismo da LFG, de regras de estrutura sintagmática e de entradas lexicais, como o GFU-LAB (Ruiz, 2004), XLFG (Clément, 2001) e XLE (Butt et al., 1999).

No Diagrama 2, esquematiza-se, a exemplo do verbo pôr, a relação entre Estrutura Semântica (parcialmente especificada pela Estrutura Θ, sob forma de uma lista de papéis temáticos), Estrutura Argumental e Estrutura Funcional. A primeira projeção, denominada léxico-semântica (Bresnan, 2001, p. 306), ainda não foi implementada nos sistemas

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computacionais de LFG livremente disponíveis (como é o caso do GFU-LAB e do XLFG). Nesses sistemas, como na primeira versão da LFG (Bresnan, 1982), são atribuídas aos verbos, no léxico, molduras de subcategorização (chamadas molduras funcionais por Schwarze, 1995). Por exemplo, atribui-se <SUBJ OBJ> à variante transitivo-causativa de abrir, para especificar que esse verbo rege sujeito e objeto direto. No modelo atual da LFG, a subcategorização verbal é especificada, no léxico, sob a forma de uma Estrutura Argumental, a qual, pela chamada projeção léxico-sintática (Bresnan, 2001, p. 306), determina a Estrurura Funcional da frase onde o verbo funciona como núcleo.

As projeções léxico-semântica e léxico-sintática constituem o mecanismo de vinculação argumental da LFG, denominado Teoria do Mapeamento Lexical (Lexical-Mapping Theory – LMT). O ponto de partida da LMT consiste numa lista de papéis temáticos distribuídos na Hierarquia Temática (Falk 2001, p.104, Bresnan 2001, p.307) de (4). Os papéis temáticos, por sua vez, são atribuídos a parir das Estruturas Léxico-Conceptuais (Lexical-Conceptual Structures – LCS) subjacentes aos verbos, baseadas na teoria semântica de Jackendoff (1990).

(4) Hierarquia Temática

Agente > Paciente/Beneficiário > Experienciador/Alvo > Instrumento > Paciente/Tema > Locativo

Como mostra o Diagrama 2, a Estrutura Θ não é projetada diretamente sobre a Estrutura Funcional. A correspondência entre essas duas estruturas é intermediada pela Estrutura A, onde os argumentos são especificados em termos do sistema de traços de (5). Esses traços classificam as funções gramaticais conforme os parâmetros ± restrito e ± objetivo ([± r] e [± o], respectivamente). O teta subscrito aos símbolos do objeto secundário e do oblíquo é uma variável que, instanciada, serve para subclassificar sintática ou semanticamente essas funções gramaticais. Por exemplo, o oblíquo de um verbo como pôr é especificado como OBLLoc (ver Diagrama 2).

(5) Classificação das Funções Gramaticais SUBJ sujeito [−r, −o] OBJ objeto (direto) [−r, +o] OBJθ objeto secundário (indireto) [+r, +o] OBLθ oblíquo [+r, −o] Os traços [± r] e [± o] são atribuídos aos argumentos conforme os seguintes critérios: (6) Projeção da Estrutura Θ sobre a Estrutura A (Falk, 2001, p. 107)

I. Pacientes e Temas projetam sobre [−r] II. Pacientes e Temas "secundários" projetam sobre [+o] como opção

marcada III. Não-temas/Não-Pacientes projetam sobre [−o]

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A projeção da Estrutura A sobre a Estrutura Funcional obedece aos seguintes princípios (KELLING; ALENCAR, 2006):

(7) Princípios de Projeção Léxico-Sintática

I. O papel mais proeminente da Hierarquia Temática (cf. (4)) classificado como [−o] projeta sobre a função SUBJ quando ocorre no início da Estrutura A. Se esse não for o caso, um papel [−r] é projetado sobre SUBJ.

II. Todos os outros papéis são projetados sobre a mais baixa função gramatical compatível no ordenamento (8).

III. Todo predicador tem um SUBJ. IV. Cada papel da Estrutura A associa-se a uma única função gramatical;

cada função gramatical associa-se a um único papel da Estrutura A.

(8) Ordenamento Parcial de Funções Gramaticais SUBJ > OBJ, OBLθ > OBJθ Conforme Falk (2001, p. 113-115), verbos bitransitivos como dar, entregar, doar,

enviar etc., dependendo do tipo de língua, associam-se a uma das estruturas argumentais de (9).

(9) a. <[−o],[−r],[−r]>

b. <[−o],[−r],[+o]> c. <[−o],[+o],[−r]>

Isso se deve ao fato de tanto o Beneficiário quanto o Tema poder ser conceptualizado,

também, como Paciente. A opção (9 a) é a não-marcada, seguindo o Princípio I de (6). Essa estrutura não estabelece uma diferenciação entre Beneficário/Paciente e Tema/Paciente. Em uma parte das línguas do grupo banto, como sesotho, kichaga e kinyarwanda (Wunderlich, 2002, p.9) e alguns dialetos do inglês britânico (Kroeger, 2004, p. 74), essa possibilidade é instanciada. Como os dois objetos do verbo são marcados de forma idêntica por meio de [−r], tanto o penúltimo quanto o último pode projetar OBJ. Conseqüentemente, na passiva, tanto o Beneficiário (Recipiente) quanto o Tema (objeto da transferência) pode realizar-se como SUBJ:

(10) a. Every voter was sent a letter.

b. A letter was sent every voter. (agramatical no inglês padrão) (Kroeger, 2004, p. 74)

No inglês padrão e, segundo Falk (2001, p. 114), na maioria das variedades dessa

língua, bem como em línguas bantas como kikuyu e suaíli, verbos bitransitivos associam-se à estrutura argumental (9 b), exemplificada em (11 a). Nessa frase, o Beneficiário é realizado como OBJ. O Tema realiza-se como OBJθ. As línguas românicas, o latim, o alemão, o japonês etc. instanciam a opção (9 c), como em (11 b). Inverte-se, nessa construção, o padrão

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observado em (11 a), pois é o Beneficiário que projeta sobre OBJθ, ao passo que o Tema projeta sobre OBJ.

(11) a. The poet gives the teacher a rose. b. Poeta magistrae rosam dat. Na LFG, as estruturas constitucionais geradas pelas regras de estrutura sintagmática são

restringidas pelas informações contidas no léxico, especialmente pelas especificações das estruturas argumentais, através da aplicação dos princípios de (12).

(12) Princípios de boa-formação da LFG

I. Completude: Todas as relações gramaticais especificadas na estrutura argumental são instanciadas.

II. Coerência: Apenas as relações gramaticais especificadas na estrutura argumental são instanciadas.

III. Consistência: Um atributo possui apenas um valor. Nos exemplos de (13), são violados, respectivamente, os princípios I, II e III de (12). (13) a. *O bandido assassinou. b. *O leão morreu o menino. c. *O leão morreram. Assumem-se para os verbos assassinar e morrer, respectivamente, as estruturas

argumentais <[−o],[−r]> (que projeta uma estrutura funcional com SUBJ e OBJ) e <[−r]> (projetando estrutura funcional com SUBJ). A frase (13 a) é incompleta porque carece de um OBJ.2 A construção (13 b), por sua vez, é "incoerente" pelo Princípio II porque apresenta um OBJ não especificado na estrutura funcional projetável a partir da estrutura argumental do verbo. A frase (13 c) é agramatical porque a forma morreram especifica o SUBJ da frase como plural. O SUBJ, porém, está no singular. Há, portanto, uma inconsistência no valor do atributo SUBJ NUM (i.e. número do sujeito), conforme o Princípio III.

2.2. A Gramática de Decomposição Lexical (LDG) 2.2.1. O modelo padrão da LDG

A Gramática de Decomposição Lexical (Lexical Decomposition Grammar – LDG) é uma teoria gramatical formal que vem sendo desenvolvida desde o início dos anos 90 pelo grupo de pesquisa em torno de Dieter Wunderlich, da Universidade de Düsseldorf, Alemanha. Esse modelo constitui desdobramento do modelo da Semântica de Dois Níveis e do mecanismo de vinculação argumental de Paul Kiparsky, tendo recebido influxos da Gramática

2 Apenas para simplificar a exposição, não consideramos a possibilidade de realização do OBJ, nessa frase, por uma categoria vazia (funcionando como pronome nulo anafórico), freqüentemente licenciada em português (mas não, num caso desses, em línguas como inglês e alemão). Também não levamos em conta a possibilidade do licenciamento da frase por uma variante intransitiva antipassiva do verbo assassinar.

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Categorial e do Programa Minimalista. Pelo lexicalismo que defende, contudo, a LDG distancia-se do gerativismo transformacional, aproximando-se de propostas gerativas não-derivacionais como a LFG, como veremos detalhadamente na seção 3.

Na versão da LDG de Wunderlich (1997a, p. 32, 1997b, p. 100), o modelo comporta os seguintes níveis:

I. Forma Semântica (Semantic Form – SF), que consiste numa representação dos

aspectos gramaticalmente relevantes do significado dos itens lexicais (especialmente os necessários à determinação de suas propriedades de subcategorização), sob a forma de uma decomposição em predicados elementares hierarquicamente estruturados.3

II. Estrutura Sintagmática (Phrase Structure – PS), que modela as representações sintáticas projetadas a partir de núcleos simples ou complexos.4

III. Estrutura Teta (Theta Structure – TS), que funciona como nível de interface entre SF e PS, especificando, sob a forma de uma seqüência de variáveis ligadas por operadores λ,5 a estrutura argumental (argument structure – AS) do item lexical.6 Na AS, os argumentos, denominados papéis θ, constituem uma hierarquia, codificada por meio dos traços [± hr] "(não) há um argumento mais alto" e [± lr] "(não) há um argumento mais baixo". Esse traços, por sua vez, constituem casos abstratos que devem se harmonizar com casos morfológicos, marcas de concordância e posições de complementos, especificados, igualmente, por meio dos traços [± hr] e [± lr].

Entre a TS (e, por extensão, a AS) e a SF há relações sistemáticas, embora, como

exemplificaremos mais adiante, esses dois níveis não sejam sempre isomorfos. Nos casos canônicos, a TS é projetada a partir da SF por meio de determinados princípios gerais, com base apenas na hierarquia dos argumentos na SF, sobre os quais se aplica a abstração lambda. A TS, por sua vez, licencia a estrutura sintagmática através do mecanismo de vinculação.

3 A decomposição de um significado em predicados elementares representa a situação típica, representada, por exemplo, por verbos causativos como matar ou incoativos como morrer. Outros verbos (como o verbo inglês hit 'bater' em John hit Sally) são representados por meio de um único predicado, que não é decomposto por ser considerado primitivo. 4 O nível PS é chamado em Wundelich (1997b, p. 100) de Estrutura Sintagmática Oracional (Clausal Phrase Structure), sendo designado, em Wundelich (1997a, p. 32), simplesmente por Estrutura Sintagmática. 5 Sobre o operador λ em semântica formal, ver Chierchia e McConnell-Ginet (2000). 6 Seguimos Bierwisch (2002, p. 331), em denominar de AS a parte da TS que contém os papéis θ a serem projetados como argumentos sintáticos do item lexical.

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CS | lexicalização SF itens lexicais | abstração lambda TS | vinculação PS Diagrama 3: Representação esquemática da LDG (Wunderlich, 1997a, p. 32) Para um verbo como a variante causativa do verbo latino aperire 'abrir' (cf. (14)), que

segue o padrão canônico de projeção argumental para verbos de dois lugares em línguas nominativo-acusativas, temos a entrada simplificada de (15), cuja SF se parafraseia informalmente como "x age e y se torna aberto". Ressalte-se que o símbolo & não denota a conjunção tradicional da lógica formal, mas a conjunção assimétrica (Wunderlich, 2000).

(14) Magistra portam aperit. professora.NOM porta.AC abre 'A professora abre a porta.' (15) λy λx λs {ACT(x) & BECOME(OPEN(y))}(s) 7 AS SF A relação de causa e efeito entre a ação de x e o processo que afeta y não é, portanto,

explicitamente representada na SF. Uma das teses da LDG é que a noção de causalidade, geralmente representada em semântica formal pelo predicado CAUSE (Chierchia; McConnell-Ginet, 2000, p. 438), não constitui um primitivo do nível SF, mas é computável a partir de determinadas configurações da SF por meio de princípios gerais. A substituição de & por CAUSE – como prefere, por razões puramente semânticas, um lingüista como Bierwisch (2002) que, no geral, endossa a LDG – numa fórmula como (15) ou na representação arbórea do Diagrama 6 em nada afeta a hierarquia dos argumentos, uma vez que esse segundo predicado tem o tipo lógico <<s,t>,<<s,t>,<s,t>>>, o mesmo do primeiro nessa configuração (Bierwisch, 2002, p. 333).

Nessa representação, os argumentos da SF constituem a hierarquia s > x > y, que é representada em ordem invertida na AS, onde λx é o papel θ mais alto e λy, o mais baixo. A variável s representa o argumento referencial do verbo, sendo invisível para o mecanismo de projeção argumental, mas visível para as categorias de tempo e aspecto verbais.

Os predicados, funtores e argumentos de que se constitui uma SF são caracterizados em termos de tipos lógicos, os quais determinam sua combinabilidade. Na LDG, assumem-se,

7 Seguimos a convenção, comum à LDG e a outras abordagens semânticas formais, de designar os predicados básicos de que se compõem os significados verbais por meio dos respectivos termos ingleses, mesmo em trabalhos escritos noutra língua que não o inglês.

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além dos tipos e (para expressões que se referem a entidades) e t (para expressões que se referem a proposições) da Gramática de Montague, o tipo s, para o subtipo das entidades representado pelas eventualidades (BIERWISCH, 2002, p. 331). Esses tipos podem se combinar para formar tipos complexos, os quais representam funtores a serem aplicados a um ou mais argumentos. De uma maneira geral, um funtor ϕ de tipo <α,β> aplica-se a um argumento ψ de tipo α para formar uma expressão complexa [ϕψ] de tipo β. Para os elementos de (15), por exemplo, temos as especificações do Quadro 1 (Wunderlich, 1997b, p. 102).

Predicado/Funtor Tipo ACT 'age' <e,<s,t>> & 'e' <α,<α,α>> (onde α representa um tipo qualquer) BECOME 'torna-se' <t,<s,t>> OPEN 'aberto' <e,t> x, y e

Quadro 1: Tipos lógicos de alguns predicados e funtores da LDG. Postula-se no âmbito da LDG que um predicado ou funtor aplica-se apenas a um

argumento por vez. Uma relação de dois lugares como POSS, que expressa posse, entre outras relações binárias metonímica ou metaforicamente associadas, é representada, portanto, pelo tipo <e, <e,t>>. Disso decorre uma hierarquização dos argumentos, com o possuidor figurando na estrutura numa posição mais alta que a coisa possuída. Do mesmo modo, a conjunção & não é a conjunção normal da lógica proposicional, onde p ∧ q é equivalente a q ∧ p. Na LDG, as expressões A & B e B & A não são equivalentes, como se pode depreender das respectivas representações arbóreas:

α α <α,α> | A <α,<α,α>> α | | & B Diagrama 4: Representação de A & B.

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α α <α,α> | B <α,<α,α>> α | | & A Diagrama 5: Representação de B & A. t <s,t> s <s,t> <<s,t>,<s,t>> s <e,<s,t>> e <<s,t>,<<s,t>,<s,t>>> <s,t> ACT x & <t,<s,t>> t BECOME <e,t> e OPEN y Diagrama 6: Estrutura hierárquica da SF de (15). A hierarquia dos papéis θ da AS de (15), que reflete a profundidade de encaixamento

dos argumentos na SF (ver Diagrama 6), é representada na LDG como em (16). O papel θ λy é caracterizado como a posição na hierarquia em relação à qual existe um papel mais alto (i.e. λx), mas não um papel mais baixo. O papel λx, por sua vez, é é caracterizado como a posição na hierarquia em relação à qual existe um papel mais baixo (i.e. λy), mas não um papel mais alto.

(16) λy λx [+hr] [−hr] [−lr] [+lr] A LDG propõe as especificações de (17) para os casos nominativo, acusativo e dativo,

os três casos morfológicos considerados estruturais em línguas acusativas como latim, alemão, turco, japonês etc. Em línguas ergativas (como o basco), tem-se, em vez do acusativo,

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o ergativo, com a especificação [+lr] (Wunderlich, 1997a, p. 48). Nas línguas casuais, são os casos morfológicos que funcionam como "vinculadores" (linkers). Em línguas sem caso morfológico, os vinculadores assumem a forma de posições na estrutura sintagmática e/ou marcas de concordância.

(17) Vinculadores em línguas acusativas

Nominativo (NOM) [ ] Acusativo (AC) [+hr] Dativo (DAT) [+hr, +lr]

A atribuição de um caso morfológico a cada um dos casos estruturais obedece aos

seguintes princípios (Stiebels, 1996, p. 21-22) que regulam a correspondência entre casos abstratos (as especificações de papéis θ em termos dos traços [± hr] e [± lr]) e vinculadores:

(18) Princípios de mapeamento

I. Compatibilidade: Um caso abstrato deve ser compatível (i.e. deve unificar) com o vinculador

II. Especificidade: Um caso abstrato deve ser realizado pelo vinculador mais específico

III. Biunivocidade: A cada caso abstrato, corresponde apenas um vinculador; a cada vinculador, corresponde apenas um caso abstrato.

Aplicando esses princípios a (16), obtém-se, inequivocamente, o padrão exemplificado

em (14), onde λy é realizado pelo DP no acusativo e λx, pelo DP no nominativo. Verbos bitransitivos canônicos como os verbos de mudança de posse (dar, furtar etc.)

em línguas como o alemão projetam a estrutura argumental de (19), que, pelos princípios de (18), licenciam a moldura casual NOM-DAT-AC.

(19) λu λv λx [+hr] [+hr] [−hr] [−lr] [+lr] [+lr] (20) poeta magistrae rosam dat. poeta.NOM professora.DAT rosa.AC dá 'O poeta dá uma rosa à professora.' Em termos de papéis temáticos, o papel θ λv de (19) corresponde ao recipiente,

enquanto o agente e o tema (objeto da transferência de posse) são representados, respectivamente, por λx e λu. Essa informação sobre papéis temáticos, contudo, não integra a SF do verbo, mas é representadas apenas na Estrutura Conceptual (Conceptual Structure –CS), nível introduzido posteriormente no modelo da LDG (cf. seção 2.2.2 abaixo).

Para um verbo como dare 'dar' do latim ou geben 'dar' do alemão, postula-se, na LDG, a representação de (21), parafraseável como "x age e v passa a possuir u". A relação de causalidade entre a ação de x e a aquisição de u por v não é representada explicitamente no

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nível SF, uma vez que essa informação pode ser depreendida a partir de princípios gerais que governam a correspondência entre SF e CS. Em (21) também não se especifica a estrutura subeventiva, tal como preconiza Pustejovsky (1995), entre outros, porque esse aspecto do significado é também considerado como parte da CS.

(21) λu λv λx λs {ACT(x) & BECOME(POSS(v,u))}(s) Verbos como stehlen 'furtar', zeigen 'mostrar' e vorstellen 'apresentar' do alemão são

representados como em (22 a, b e c), respectivamente. Todos esses verbos são bitransitivos canônicos porque projetam a mesma AS que geben 'dar' (cf. (19)). Em (22 b e c) são empregados os predicados primitivos SEE e KNOW, parafraseáveis como 'ver' e 'saber', respectivamente, do mesmo tipo lógico que POSS, i.e. <e,<e,t>>.

(22) a. λu λv λx λs {ACT(x) & BECOME(¬POSS(v,u))}(s) b. λu λv λx λs {ACT(x) & BECOME(SEE(v,u))}(s) c. λu λv λx λs {ACT(x) & BECOME(KNOW(v,u))}(s) Verbos intransitivos canônicos em línguas acusativas, como ridere 'rir' do latim ou

lachen 'rir' do alemão, possuem um único papel θ, especificado como [−hr, −lr]. Pelo Princípio I de (18), apenas o nominativo pode realizar esse argumento, uma vez que é especificado como [ ] e, portanto, compatível com qualquer configuração dos traços [± hr] e [± lr].

(23) λx λs LAUGH(x)(s) [−hr] [−lr] Nos casos canônicos, como em (15), (21), (22) e (23), há uma correspondência

biunívoca entre a AS e a hierarquia de argumentos individuais da SF do verbo, como se pode observar, por exemplo, em (15), em que y < x projeta λy λx. Essa AS, por sua vez, está também em correspondência biunívoca com a moldura casual NOM-AC. Regras lexicais que operam sobre uma AS e/ou SF, porém, podem produzir uma discrepância entre a AS e a hierarquia de argumentos individuais da SF. Esse é o caso, por exemplo, da passiva, em que o argumento mais alto é ligado pelo operador existencial ∃ (cf. (24)). Ele torna-se, com isso, "invisível" para o mecanismo de projeção.8 Nesse caso, o único papel θ restante na AS do verbo, que é o mais baixo com a especificação [+hr, −lr], projeta o caso menos específico nominativo e não o mais específico que é acusativo (contrariando, poretanto, o Princípio II de

8 Não há consenso na LFG sobre o estatuto sintático do chamado agente da passiva. Bresnan (2001, p. 29) é de opinião que se trata de um complemento (especificamente um oblíquo), contrariamente a Falk (2001, p. 94), a quem seguimos neste trabalho, que não o considera um complemento.

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(18)), devido a um princípio adicional que determina que o nominativo deve ser atribuído a um dos argumentos de um predicado verbal (Stiebels, 1996, p. 22).9

(24) λy λs ∃x {ACT(x) & BECOME(OPEN(y))}(s) Outras discrepâncias resultam de marcações excepcionais de papéis θ, as quais

contrariam as atribuições default baseadas exclusivamente na hierarquia dos argumentos na SF, bem como de papéis θ "ilegítimos" (como é o caso de argumentos expletivos).

2.2.2. O modelo contemporâneo da LDG

Como a LDG surgiu no âmbito da Semântica de Dois Níveis, considerações sobre a projeção das estruturas semânticas sobre as representações conceptuais estavam naturalmente presentes nos trabalhos iniciais no âmbito do modelo, como Kaufmann (1995), Wunderlich (1996a), (1996b), (1997a), (1997b) e Stiebels (1996). O nível da Estrutura Conceptual (Conceptual Structure – CS), porém, à semelhança do sistema conceptual-intencional (C-I) no Programa Minimalista (Chomsky, 1999, p. 244), não constituía um módulo da gramática.10 Como sugere o Diagrama 3, a CS constitui um nível pré-lexical, contendo representações que se tornam propriamente lingüísticas apenas quando se condensam em SFs de itens lexicais no processo de lexicalização. Em Wunderlich (2000), porém, o modelo da LDG é ampliado, com a incorporação explícita do nível CS. Por outro lado, o nível PS é substituído pelo nível Morfologia/Sintaxe (Morphology/Syntax – MS). A relação entre os níveis TS e MS passa a ser feita no âmbito da Teoria da Correspondência, um desdobramento da Teoria da Otimalidade (Müller, 2000; Stiebels, 2002).

Na seção 2.2.1, já descrevemos como ocorre o mapeamento entre os níveis SF e TS. O mapeamento entre SF e CS não nos interessa neste trabalho. A projeção do nível TS sobre MS, porém, é de central interesse para os objetivos que nos propusemos aqui. Cumpre, portanto, detalhar o mapeamento de papéis θ sobre "vinculadores" (no caso do Diagrama 7, casos e concordância) conforme a nova abordagem da LDG, já que a teoria passou a formalizar os princípios de (18) no âmbito da Teoria da Correspondência.

Aplicada no âmbito da vinculação argumental, a Teoria da Correspondência é um sistema formal para determinar qual o padrão ótimo de vinculadores de uma lista de possibilidades, dado um determinado input. No caso da LDG, o input fornecido pela AS de um verbo bitransitivo como o alemão geben 'dar' (ou equivalente de tradução em latim), como vimos em (19), é constituído da seqüência λu[+hr, −lr] λv[+hr,+lr] λx[−hr, +lr]. As condições 9 Em alemão, esse princípio somente não se aplica em verbos cujo único argumento contém uma especificação lexical em termos dos traços [± hr] e [± lr], i.e. uma especificação não determinada pela posição hierárquica do argumento, como é o caso dos chamados verbos intransitivos acusativos (cf. Mich dürstet 'Tenho sede', literalmente 'Me tem sede') (Wunderlich; Lakämper, 2001, p. 12). Ressalte-se que, em línguas como finlandês, pode ocorrer a realização no acusativo do único argumento da forma passiva de um verbo transitivo (Kroeger, 2004, p. 54). 10 Como ressalta Raposo (1999, p. 25), o sistema C-I é externo à Faculdade da Linguagem (FL), possuindo uma estrutura própria e independente.

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de (18) são reformuladas como restrições dispostas numa hierarquia. O princípio (I) de (18) é substituído pelas restrições IDENT([hr]) e IDENT([lr]), que asseguram uma identidade, respectivamente, dos valores dos atributos hr e lr especificados no input e no output. Desse modo, o papel λu[+hr, −lr] não pode ser realizado pelo dativo, pois a restrição IDENT([lr]) é violada, uma vez que o dativo é especificado como [+hr,+lr]. O acusativo, por sua vez, especificado como [+hr], não pode realizar λx[−hr, +lr], pois viola fatalmente IDENT([hr]), mas é compatível com λu[+hr, −lr] e λv[+hr,+lr]. O nominativo, especificado como [ ], é compatível com qualquer papel θ. A compatibilidade de um papel θ com um determinado vinculador é regulada pela possibilidade ou não de unificar as matrizes de atributos e valores que os representam, observando a restrição de que um atributo somente pode ter um valor. A restrição IDENT desempenha, portanto, um papel semelhante ao Princípio da Consistência da LFG (cf. (12)).

CS x=Agente ou Controlador v=Recipiente u=Paciente ou Afetado Evento causal: ACT(x)(s1) Estado resultante: POSS(v,u)(s2)

TS SF λu λv λx λs ⇐ {ACT(x) & BECOME (POSS(v,u))}(s) +hr +hr −hr −lr +lr +lr ↓ ↓ ↓ AGR ACC DAT NOM MS Diagrama 7: A arquitetura de quatro níveis da LDG contemporânea O princípio (II) de (18) é reformulado como as condições MAX([+hr]) e MAX([+lr]),

que determinam que esses traços, se presentes no input, devem constar também do output. Quanto menos restrições um determinado candidato ferir e quanto mais abaixo na hierarquia estiver localizada essa restrição, mais provável se torna a escolha desse candidato como ótimo. As restrições do tipo IDENT são muito mais importantes que as do tipo MAX, pois não podem ser violadas (Stiebels, 2002, p. 72). No caso de verbos como geben 'dar' em

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alemão (assim como dare em latim) (cf. (19)), o candidato ótimo, assinalado por , é a moldura casual NOM-DAT-AC, conforme mostra o Quadro 2, pois só fere MAX([+lr]): o input é λx[−hr, +lr], mas o output é [ ]. Os outros candidatos "perdem a disputa" porque apresentam um maior número de violações ou uma violação mais grave que C1.

Candidatos IDENT([hr]) IDENT([lr]) MAX([+hr]) MAX([+lr])

C1: NOM-DAT-AC * C2: NOM-AC-AC **! C3:NOM-DAT-NOM *! * C4:NOM-NOM-AC *! ** C5:NOM-DAT-DAT *! * C6:DAT-DAT-AC *! C7:AC-DAT-AC *! *

Quadro 2: Vinculação argumental de um verbo bitransitivo canônico em alemão com base na Teoria da Correspondência (Müller, 2000, p. 283). As restrições IDENT e MAX são suficientes para modelar a correspondência entre as

estruturas argumentais de verbos intransitivos, transitivos e bitransitivos canônicos. Restrições adicionais são postuladas no âmbito da LDG para dar conta dos padrões de vinculação argumental das variantes passivas, como DEFAULT e UNICIDADE, assegurando, respectivamente, que toda AS projete o vinculador default (nominativo) e que um dado vinculador não seja empregado senão uma vez na projeção de uma dada AS (Wunderlich; Lakämper, 2001, p. 9-11).

As línguas de construção de duplo objeto não possuem o traço [± lr]. Nas do tipo assimétrico (como inglês padrão e suaíli), um verbo bitransitivo como give tem a AS especificada como em (25). Em vez do traço [± lr], essas línguas apresentam, nesse tipo de verbo, o traço [± ho] "(não) há um objeto mais alto" (Wunderlich, 2002, p. 8). Com isso, o papel θ λv, que corresponde ao Recipiente em CS, é projetado como o objeto primário, realizado imediatamente à direita do verbo. Essa posição corresponde à posição default do DP no dativo em alemão em construções com verbo na segunda posição. O papel θ λu (correspondente ao Tema) é projetado como objeto secundário, à direita do primário, como o DP no acusativo do alemão. Compare-se (26 a) com sua tradução em alemão (26 b).

(25) λu λv λx λs {ACT(x) & BECOME (POSS(v,u))}(s)

+hr +hr −hr +ho −ho

(26) a. The poet gave the teacher a rose. b. Der Dichter gab der Lehrerin eine Rose.

'O poeta deu uma rosa à professora.'

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As línguas de construção de duplo objeto simétricas não possuem o traço [± ho] (cf. (27)). Como não é feita nenhuma distinção hierárquica entre os objetos, tanto o Recipiente quanto o Tema pode realizar-se imediatamente à direita do verbo (Wunderlich, 2002, p. 9).

(27) λu λv λx

+hr +hr −hr

3. POR UM MODELO INTEGRATIVO: LFDG Nesta seção, fazemos uma comparação entre a LFG e a LDG, mostrando que as duas

teorias, além de compartilharem vários pressupostos, suprem as deficiências uma da outra.

Nível Teoria

sintático léxico-sintático semântico-conceptual

LFG <SUBJ OBJ> Estrutura A: <[−o],[−r]>

Estrutura Θ: <Agente, Tema>

LDG NOM-AC AS: λy[+hr,−lr] λx[−hr,+lr]

SF: {ACT(x) & BECOME(OPEN(y))}(s)

Quadro 3: Modelação da semântica lexical e sintaxe na LFG e LDG. Tanto a LFG quanto a LDG assumem uma arquitetura modular paralela projecionista.

Ambas as teorias fazem uso intensivo da operação de unificação de matrizes de atributos e valores. Como no caso da LFG, o formalismo dessa teoria enquadra-se, igualmente, no tipo "baseado em restrições" (constraint-based).

No Quadro 3, mostramos, a exemplo de um verbo transitivo do tipo abrir numa língua acusativa como alemão ou latim, as correspondências entre os três níveis envolvidos na interface entre semântica lexical e sintaxe nos dois modelos. Tanto a LFG quanto a LDG parte de um nível semântico ou conceptual para chegar ao nível sintático, assumindo um nível intermediário, que especifica não só o número de argumentos a serem projetados na sintaxe, mas também os hierarquiza e classifica com base num sistema de traços. É sobre esses traços, que classificam tanto os elementos do nível de interface quanto os da sintaxe, que o mecanismo de projeção opera.

Outro aspecto em comum é que as duas teorias são lexicalistas. Há várias acepções para o termo lexicalista, como ressalta Falk (2001, p. 3-8). Em primeiro lugar, uma teoria lexicalista confere um papel extremamente importante ao léxico. Nesse sentido, também a TRL, com o Princípio de Projeção, é, de algum modo, lexicalista (Falk, 2001, p. 3). A LFG e LDG, no entanto, são muito mais radicalmente lexicalistas. Na LFG, a Estrutura A restringe, pelo mecanismo da LMT, os tipos de frases onde um verbo ocorre. Todas as funções gramaticais, inclusive o sujeito, são lexicalmente determinadas. Para a LDG, numa língua casual todos os casos, inclusive os estruturais, são lexicalmente atribuídos, diferentemente da

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TRL, para a qual o nominativo, por exemplo, é atribuído pela categoria INFL finita (Grewendorf, 2002, p. 23).

Na análise das alternâncias verbais revela-se de forma particularmente nítida o paralelismo entre LFG e LDG. Em ambas as teorias, todas as alterações da valência verbal decorrem exclusivamente de operações lexicais. No caso da passiva, uma operação lexical inibe a projeção do argumento mais alto da Estrutura A (na LFG) ou liga existencialmente (por meio do operador ∃) o papel θ mais alto da AS (conforme a LDG). Aplicados sobre essa nova estrutura argumental, os princípios de projeção derivam automaticamente uma nova moldura funcional ou casual. É essa nova especificação que licencia a construção (28 b) (com DP no nominativo realizando a função SUBJ) e proíbe a estrutura (28 c) (com DP no acusativo).

(28) a. Der Mann öffnete den Laden. o homem.NOM abriu a loja.AC b. Der Laden wurde geöffnet. a loja.NOM foi aberta c. *Den Laden wurde geöffnet. a loja.AC foi aberta Na TRL, pelo contrário, a passiva é apenas em parte lexical. Para que uma estrutura

passiva como (28 b) seja gerada, é preciso que o DP na posição de argumento interno do verbo seja movido para a posição de especificador de INFL, onde recebe caso nominativo (Grewendorf, 2002, p. 24).

Comparando o mecanismo de projeção da LDG com a LMT, o módulo responsável por isso na LFG, a primeira teoria revela-se bem mais econômica. De fato, na LMT, é preciso primeiro determinar os papéis temáticos dos argumentos verbais, para depois organizá-los numa hierarquia. Na LDG, apenas a hierarquia é suficiente. Nessa teoria, é irrelevante para a vinculação argumental o tipo de papel temático exercido pelos argumentos do verbo.

A LMT herda todos os problemas com esse tipo de hierarquia e com a noção de papel temático de modo geral, que vêm sendo apontados na literatura recente (Davis, 2001, p. 26-30 Levin; Rappaport Hovav, 2005, p. 157).

As desvantagens da LMT em relação à LDG, decorrentes da utilização de papéis temáticos como input do mecanismo de mapeamento, tornam-se particularmente claras quando se comparam as análises de operações lexicais de mudança da valência no âmbito das duas abordagens. Um dessas operações é a causativização. Em línguas românicas como francês, catalão e português europeu, o Agente de um verbo transitivo, que canonicamente se realiza como sujeito, em construções causativas passa a realizar-se como objeto indireto (dativo), como mostram os exemplos (29 b, c) do catalão e (30 b) e (31 b) do português europeu. Na causativização de um verbo intransitivo, porém, o "Causee" (i.e. o Agente do verbo "encaixado") realiza-se como objeto direto (acusativo) (cf. (29 a) e (30 a)).

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(29) a. Fas treballar molt el nen. (Alsina, 1996, p. 185) fazes trabalhar muito o rapaz

b. El nen llegeix un poema. (Alsina, 1996, p. 190) o rapaz está lendo um poema c. El mestre fa llegir un poema al nen. (Alsina, 1996, p. 190) o professor faz ler um poema ao rapaz (30) a. Eu mandei escrever os alunos. (Mateus et al. 1989, p. 275)

b. Eu mandei escrever a carta aos alunos. (Mateus et al. 1989, p. 275) (31) a. Eu mandei-os escrever.

b. Eu mandei-lhes escrever a carta. (Mateus et al. 1989, p. 276) Esse padrão é o mesmo verificado nos causativos morfológicos do turco e do japonês

(Kroeger, 2004). Segundo Falk (2001, p. 118), as construções causativas (tanto sintáticas quanto morfológicas) resultam da composição das estruturas argumentais do verbo causativo e do verbo causativizado, como exemplificado em (32).

(32) a. faire <[−o],[ −r,+o]i,...> + visiter <[−o] i,[−r]> b. faire-visiter <[−o],[+o]i <__ i,[−r]>> No caso da causativização de um verbo transitivo como visiter 'visitar' do francês, é

necessária uma identificação entre o argumento mais baixo do verbo causativo e o argumento mais alto do verbo causativizado (indicada em (32) pelo i subscrito). O argumento mais baixo de faire 'fazer' do francês é marcado como [+o] porque é um Paciente e, no francês, como língua assimétrica, esse tipo de papel temático, como o Paciente/Beneficiário dos verbos bitransitivos, não é marcado apenas com o default [−r].

A LDG permite uma análise ao nosso ver muito mais elegante dessas construções causativas e, também, descritivamente mais adequada. De fato, o funcionamento correto da vinculação argumental das construções causativas de verbos transitivos, na LMT, depende da atribuição do traço [+o] ao argumento mais baixo do verbo causativo. Um verbo como mandar em português, porém, não implica que o seu argumento mais baixo seja necessariamente um Beneficiário ou Paciente:

(33) a. Eu mandei escrever a carta aos alunos, mas eles não me obedeceram. b. Eu mandei escrever a carta aos alunos, mas eles nem me ouviram. Talvez se possa construir uma análise das situações expressas por essas frases em que os

referentes das expressões sublinhadas exerçam um papel temático que justifique a atribuição do traço [+o]. Na LDG, porém, isso não é necessário. A realização do "Causee" como objeto indireto decorre automaticamente da hierarquia argumental. O verbo causativo tem a representação esquemática de (34), onde REL é um predicado do tipo <t, <e,s,t>>, expressando uma relação entre um indivíduo x e uma proposição P. Pelo processo de composição de funções com (35), obtém-se (36). O complexo verbal mandar escrever herda

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os papéis θ λz λy de escrever.11 O papel θ λy, que projeta sobre nominativo (sujeito) no verbo escrever, por ser o mais alto na AS de (35), em (36) passa a ser intermediário, projetando dativo (objeto indireto).

(34) mandar: λP λx λs REL(x,P)(s) (35) escrever: λz λy WRITE(y,z)12 (36) mandar escrever: λz λy λx λs REL(x,WRITE(y,z))(s) A LMT prediz que a construção de objeto duplo simétrica, observada em sesotho e

kinyarwanda, constitui o caso não-marcado. Era de se esperar que, tipologicamente, línguas como o alemão e o latim, por um lado, e como o inglês padrão e o suaíli, por outro, fossem bem menos freqüentes que línguas "simétricas". Para Bresnan (2001, p. 310), porém, a não distinção entre Recipiente e Tema na estrutura argumental, marcando ambos como [−r], restringe-se a algumas línguas.

Outra predição incorreta da LMT diz respeito aos verbos transitivos do inglês como enter 'adentrar', exit 'sair de' e visit 'visitar', em que o OBJ corresponde ao papel temático Locativo (cf. (37)). Segundo Falk (2001, p. 109), esses verbos apresentam um padrão de vinculação excepcional. De fato, conforme o Princípio III de (6), um Locativo é especificado como [−o], não podendo, portanto, realizar-se como objeto, mas apenas como oblíquo. Para dar conta da realização argumental desses verbos, Falk propõe marcá-los idiossincraticamente como [−r].

(37) Mary entered the room. Mary adentrou o quarto 'Mary entrou no quarto.' A abordagem da LDG nesse caso se revela claramente superior, uma vez que não é

necessário tratar esses verbos como exceções. Conforme (38), o verbo enter é totalmente regular (Bierwisch, 2002, p. 334).

(38) λy λx λs {GO(x) & BECOME(LOC(x, INT(y)))}(s) Nessa fórmula, o predicado GO, do tipo <e,<s,t>>, denota o movimento de x. INT, do

tipo <e,e>, denota a região no interior de y. LOC, do tipo <e,<e,t>>, expressa uma relação binária entre x e o interior de y (Wunderlich, 1997b, p. 102). Informalmente, essa representação semântica parafraseia-se como "x move-se e x passa a localizar-se no interior de y". No nível CS, a conjunção lógica assimétrica &, nessa configuração, é mapeada sobre a relação de causa.

11 Sobre a composição de funções nas operações de formação de verbos na morfologia ou na formação de complexos verbais na sintaxe, ver Stiebels (2002, p. 52). 12 Para simplificar, não incluímos na representação de escrever o argumento referencial do verbo.

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A AS de (38), projetada a partir da SF, especifica o Tema como argumento mais alto (representado pela variável x) e o objeto de referência (representado pela variável y), com relação ao interior do qual é especificada a localização de x, como argumento mais baixo. Logo, λx realiza-se como sujeito e λy, como objeto. Sob a perspectiva da LDG, não há, portanto, nada de excepcional nesse verbo, contrariamente à análise da LMT. Pelo critério da aprendibilidade (learnability), a abordagem que postula o menor número de exceções no léxico, no caso a LDG, deve ser considerada explanatoriamente superior (Radford, 1997, p. 6).

A AS proposta na LDG para um verbo como geben 'dar' do alemão prediz corretamente a ordem básica (não marcada) dos argumentos sintáticos do verbo, que é sujeito – objeto indireto – objeto direto (cf. (39 a)). A ordem entre objeto indireto e objeto direto, contudo, pode ser invertida, desde que o objeto direto não seja indefinido (cf. (39 b,f)) (Eisenberg, 1999; Eroms, 2000). Qualquer uma das relações gramaticais pode ocupar a posição pré-verbal numa frase declarativa do alemão (cf. (39 c,d)). A posição pré-verbal, no entanto, comporta, apenas, uma única relação gramatical. A frase (39 e)) é agramatical porque apresenta o ordenamento objeto indireto – sujeito – verbo – objeto direto, com duas relações gramaticais antes do verbo.

(39) a. Der Dichter gab der Lehrerin eine Rose. o poeta.NOM deu a professora.DAT uma rosa.AC 'O poeta deu uma rosa à professora.'

b. Der Dichter gab die Rose der Lehrerin. 'O poeta deu a rosa à professora.'

c. Die Rose gab der Dichter der Lehrerin. d. Der Lehrerin gab der Dichter die Rose. e. *Der Lehrerin der Dichter gab die Rose. f. *Der Dichter gab eine Rose der Lehrerin. Quando objeto direto e o indireto ocorrem sob a forma pronominal, o primeiro deve

obrigatoriamente preceder o último. (40) a. Der Dichter gab sie ihr. b. *Der Dichter gab ihr sie. Diferentemente do alemão, em latim todas as 24 permutações possíveis entre sujeito –

verbo – objeto indireto – objeto direto são gramaticais, das quais damos alguns exemplos: (41) a. Poeta magistrae rosam dat.

b. Rosam poeta magistrae dat. c. Rosam magistrae poeta dat.

Exceto (39 a) e (41 a), esses fatos do alemão e do latim não encontram explicação no

âmbito da LDG. Na LFG, a linearização dos constituintes é modelada no âmbito da Estrutura

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C. A LDG, no entanto, não desenvolveu o nível PS da primeira fase da teoria nem o nível MS da fase atual. O nível TS determina apenas o caso dos DPs que ocorrem no nível MS. Desse modo, a construção (41 a) é licenciada, porque os DPs instanciam a seqüência ótima de casos morfológicos (ver C1 no Quadro 2), estabelecida pela Teoria da Correspondência, para o input especificado pela AS do verbo. Por outro lado, a LDG prediz corretamente a agramaticalidade das frases de (42 a, b), que instanciam os padrões subótimos C3 e C7 do Quadro 2.

(42) a. *Poetam magistrae rosam dat. poeta.AC professora.DAT rosa.AC dá b. *Poeta magistrae rosa dat. poeta.NOM professora.DAT rosa.NOM dá Não está claro, porém, como ocorre, na LDG, a vinculação dos DPs aos papéis θ em

casos como (41 b, c), em que a linerarização discrepa do default depreendido pela AS (cf. (41 a)).

Outro problema da LDG é que, para modelar a projeção argumental em línguas como o português (especialmente na sua variedade européia), é necessário especificar repetidas vezes o output do mecanismo de mapeamento. Em primeiro lugar, é preciso formular um sistema de correspondências entre os casos abstratos da AS e os casos morfológicos nominativo, dativo e acusativo, como no latim e no alemão (cf. (43 a) e (43 b)). Um segundo sistema de correspondências faz-se, porém, necessário para estabelecer a relação entre a AS e as posições dos DPs não-pronominais, que, tal como no inglês, não são marcados com casos morfológicos (cf. (43 c)). Finalmente, o mecanismo de mapeamento deve incluir mais um sistema de correspondências para os casos em que os argumentos verbais são realizados por meio de afixos (cf. (43 d)) (Luís; Otoguro, 2004).

(43) a. quando a professora o deu ao aluno b. quando a professora lhe deu o livro c. quando a professora deu o livro ao aluno d. dar-lho-ei Toda essas deficiências deixam claro que a LDG, diferentemente da LFG, não é uma

teoria gramatical completa. Apesar de conter o termo gramática em sua designação, a LDG constitui, antes, uma teoria sobre alguns dos módulos que, de uma forma ou de outra, devem integrar uma teoria da gramática (cf. Langendoen, 1999). Em termos da TRL, os módulos cobertos pela LDG correspondem, grosso modo, à Teoria Teta e à Teoria do Caso (Grewendorf, 2002, p. 18-24). Em conformidade com isso, uma defensora da LDG como Ingrid Kaufmann caracteriza essa abordagem como "teoria sobre as representações lexicais" (Kaufmann, 2000, p. 4). Vários outros módulos da teoria gramatical, como a Teoria X-barra, a Teoria da Regência e a Teoria da Ligação da TRL não são modelados, pelo menos de forma

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explícita, na LDG. Pelo contrário a LFG pode ser considerada, nesse sentido, uma teoria completa.

Aproveitando as vantagens das propostas da LFG e LDG, mas desfazendo-se dos pontos fracos de cada modelo, propomos uma integração da LDG na LFG, reformulando o módulo de vinculação da LFG em termos da LDG. Desse modo, em vez da Estrutura Θ e da Estrutura A, colocamos a SF e a TS como base do mapeamento das representações lexicais sobre a Estrutura F. Por conveniência apenas, chamamos esse modelo de Gramática Léxico-Funcional de Decomposição (Lexical-Functional Decomposition Grammar – LFDG), uma vez que a substituição da LMT pelo mecanismo de mapeamento da LDG em nada contraria o espírito da LFG . Na LFDG, a TS de um verbo, independentemente da língua, é universalmente mapeada sobre uma moldura funcional (como <SUBJ>, <SUBJ OBJ> etc.). No caso do verbo dar em português europeu, todas as realizações argumentais de (43) são uniformemente especificadas como instanciando estrutura funcional com SUBJ, OBJθ e OBJ.

Diferentemente de Wunderlich (2002), propomos que a AS de verbos bitransitivos prototípicos como dar e seus equivalentes de tradução é universalmente especificada em termos dos traços [± hr] e [± lr] e [± ho], os quais são inerentes à hierarquia dos argumentos, depreensível a partir da SF. As diferentes línguas, contudo, exploram de modo diferente esses traços no mapeamento da AS sobre a Estrutura F.

(44) λu λv λx λs {ACT(x) & BECOME (POSS(v,u))}(s)

+hr +hr −hr −lr +lr +lr +ho −ho

Para línguas como o português, latim e alemão, as estruturas funcionais compatíveis

com uma determinada AS, especificada em termos dos traços [± hr] e [± lr], devem obedecer (em termos da Teoria da Correspondência) às restrições de (45). Os casos morfológicos são determinados através de associações default com as funções gramaticais, canceláveis no caso de especificações lexicais. Por exemplo, em latim e alemão, o OBJθ (objeto indireto) é marcado por default pelo dativo. Um verbo como lehren 'ensinar' do alemão ou docere 'ensinar' do latim especifica lexicalmente o caso dessa função gramatical como acusativo.

(45) Correspondência entre papéis θ e funções gramaticais em português, latim,

alemão etc. SUBJ [ ] OBJ [+hr] OBJθ [+hr, +lr]

Em português (a exemplo de outras línguas românicas como francês e catalão, cf.

Alsina 1996 e Butt et al. 1999), o OBJθ dos verbos bitransitivos canônicos é realizado ou pelo

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dativo (no caso dos clíticos pronominais) ou pelo caso preposicional especificado pela preposição a (i.e. PCASE=A) (ALENCAR, 2003).

Nas chamadas línguas com objeto duplo, as correspondências são as de (46) e (47), para línguas assimétricas e simétricas, respectivamente:

(46) SUBJ [ ] OBJ [+hr] OBJθ [+hr, +ho] (47) SUBJ [ ] OBJ [+hr] OBJθ [+hr, ho] Em (47), a especificação [ho] do objeto secundário significa que deve haver um valor

para esse traço no input.13 Dessa forma, λu e λv numa AS como (44) podem projetar tanto OBJ quanto OBJθ. Num verbo canônico de dois lugares, contudo, o argumento mais baixo só pode projetar OBJ, pois é especificado apenas como [+hr, −lr], não apresentando valor para o traço [ho].

4. ALGUMAS ALTERNÂNCIAS VERBAIS DO PORTUGUÊS E DO ALEMÃO NO MODELO LFGD

Nesta seção, aplicamos, à análise das construções resultativas do alemão e do português, o modelo exposto na seção anterior, o qual integra a LDG, como módulo responsável pela vinculação argumental, na LFG, em substituição à LMT. Veremos que essas construções são licenciadas por regras que operam sobre representações lexicais básicas, derivando representações mais complexas. Essas regras especificam apenas as alterações semânticas nos verbos sobre os quais se aplicam. As variações de valência resultantes dessas operações são derivadas automaticamente pelo mecanismo de mapeamento.

Partimos da distinção de Wunderlich (2000) entre construções resultativas fortes e fracas, mostrando as deficiências dessa abordagem e propondo uma reformulação das respectivas regras de extensão resultativa.

4.1. Distinção entre resultativos fortes e fracos em Wunderlich (2000)

Na LDG, o aumento da valência verbal resulta de processos de variação semântica, pelos quais a representação semântica de um verbo de base é ampliada. O mecanismo de projeção argumental deriva um novo conjunto de vinculadores a partir dessa representação

13 Essa restrição pode ser modelada no formalismo da LFG por meio de uma "restrição existencial" (existential constraint) da forma (f ho), onde f simboliza a Estrutura F que resulta da unificação das estruturas funcionais do input e do output. Esse tipo de restrição determina que nessa estrutura deve existir um valor para o atributo ho (BRESNAN, 2001, p. 61).

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expandida. No modelo LFDG, como propusemos na seção 3, o output do mapeamento é constituído por funções gramaticais.

Conforme Wunderlich (2000, p.253), todas as ampliações das representações semânticas verbais, em qualquer língua natural, constituem instanciações de uma única operação geral, que ele denomina ARG. Por meio dessa operação, um predicado adicional é adjungido à representação semântica de base. Wunderlich formaliza ARG como o molde (template) (48).

(48) Operação ARG

... λs VERB (...)(s) ⇒ λP ... λs {VERB(...) & P}(s) Essa operação pode aplicar-se recursivamente, desde que a representação semântica

resultante apresente no máximo uma variável de predicado, a qual deve ocupar sempre a posição mais baixa da estrutura. A aplicação de ARG sofre também restrições de natureza conceptual (modeladas na LDG no nível CS). Por exemplo, dois predicados ligados por & devem, no nível SF ou CS, compartilhar um argumento. Além disso, o predicado mais baixo deve especificar inferências do predicado mais alto, se ambos predicam sobre uma mesma variável situacional.

As construções resultativas típicas de línguas germânicas como inglês e alemão como (49) instanciam, para Wunderlich, um tipo forte de construção resultativa. O licenciamento desse tipo de construção constitui característica diferencial das "línguas de maneira" (manner languages) como as germânicas e o chinês relativamente às "línguas de caminho" (path languages) como as línguas românicas, japonês e coreano, na conhecida classificação tipológica introduzida pelo lingüista cognitivo norte-americano Leonard Talmy (TALMY, 2000). Em português, como língua de caminho, não é possível uma tradução direta de (49).

(49) Mary ran her shoes threadbare. Mary correu seus sapatos gastos 'Mary gastou seus sapatos correndo.' (50) Mary ran the lawn flat. Mary correu a grama plana 'Mary aplanou a grama (correndo sobre ela).' Para Wunderlich, no exemplo (51), o verbo run 'correr' instancia um outro tipo de

construção, que ele denomina construção resultativa fraca. (51) Mary ran into the house. Mary correu para dentro da casa O verbo run, em sua variante básica (que denominamos run-1), é monovalente,

expressando apenas um determinado tipo de atividade, sem implicar, necessariamente, um deslocamento do referente do argumento que se realiza como sujeito (RAPPAPORT

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HOVAV; LEVIN, 1998, p. 108). De fato, é possível correr sobre uma esteira sem se deslocar (ASHER;SABLAYROLLES, 1996, p. 171,173).

(52) λx λs RUN(x)(s) As variantes de run nas construções de (49) e (51), que simbolizamos, respectivamente,

como run-3 e run-2, resultam da aplicação de ARG sobre run-1. (53) ARG(run-1)=run-3=λQ λz λx λs {RUN(x) & BECOME Q(z)}(s) (54) ARG(run-1)=run-2=λQ λx λs {RUN(x) & Q(x)}(s) Na variante run-3, a representação semântica básica do verbo é expandida pela

adjunção de BECOME Q(z). Por abstração lambda, a AS do verbo derivado apresenta dois argumentos adicionais em relação à variante básica: λz, do tipo e, e λQ, do tipo <e,t>, esse último denominado argumento predicativo (predicative argument), uma vez que predica sobre um outro argumento do verbo (no caso z). BECOME Q(z) expressa uma mudança de estado do argumento z. O tipo de estado que resulta dessa transição, porém, é especificado apenas na sintaxe, por meio da instanciação de Q, no processo de conversão lambda de λQ. Pelos princípios de mapeamento da SF sobre a CS, a conjunção assimétrica é interpretada, na representação (53), como CAUSE.

A variante run-2 resulta de expansão semântica menos complexa que run-2, uma vez que só é adjungida a variável de predicado Q, do tipo <e,t>, predicando sobre o argumento x, já presente na estrutura do verbo de base.

Wunderlich (2000) formaliza as operações responsáveis pela variação semântica exemplificada por run nos exemplos (51) e (49) por meio dos moldes RESULTATIVO FRACO (que simbolizamos como WEAK_R) e RESULTATIVO FORTE (doravante STRONG_R), reproduzidos, respectivamente, em (55) e (56).

(55) RESULTATIVO FRACO (WEAK_R) λy... λs VERB(...,y)(s) => λQ λy ... λs {VERB(...,y) & Q(y)}(s) (56) RESULTATIVO FORTE (STRONG_R) ... λs VERB(...)(s) => λQ λz ... λs {VERB(...) & BECOME Q(z)}(s) Na LDG, adjetivos como threadbare 'gasto' e naked 'nu' expressam predicados do tipo

<e,t>. Também sintagmas preposicionados como into the house 'para dentro da casa' têm esse tipo lógico. Desse modo, APs e PPs podem, por meio de aplicação funcional, realizar o argumento λQ de (54),. Há, porém, um contraste enorme entre as representações de run naked e run into the house, como mostram (57) e (58).

(57) a. naked: λu NAKED(u) b. run-1: λx λs RUN(x)(s) c. WEAK_R(run-1)= run-2= λQ λx λs {RUN(x) & Q(x)}(s)

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d. run naked: λQ λx λs {RUN(x) & Q(x)}(s) (λu NAKED(u)) λx λs {RUN(x) & (λu NAKED(u)) (x)}(s) λx λs {RUN(x) & NAKED(x)}(s)

e. Mary run naked: λs {RUN(Mary) & NAKED(Mary)}(s) (58) a. into the house: λx BECOME(LOC(x, INT(the.house))) b. run into the house:

λx λs {RUN(x) & BECOME(LOC(x, INT(the.house)))}(s) A aplicação da variante run-2 sobre a representação do adjetivo produz uma predicação

secundária descritiva. Mary não se desnuda em conseqüência da corrida. Integrado à representação dessa variante verbal, o PP, no nível CS, é interpretado como expressando mudança de lugar de Mary em conseqüência do ato de correr.

Na construção resultativa forte, produzida por STRONG_R, a predicação secundária expressa sempre uma mudança de estado, porque o próprio verbo incorpora essa noção. O estado expresso por um adjetivo como flat 'plano' é integrado como argumento de BECOME, como mostra a formalização em (59) da aplicação do verbo sobre o AP em (50).

(59) run flat: λz λx λs {RUN(x) & BECOME (FLAT(z))}(s) Outra propriedade de STRONG_R, formalmente explicitada em (56), e exemplificada

em (49), é que sempre leva à transitivização de um verbo de base intransitivo. O verbo de base, contudo, pode ser transitivo, como em (60).

(60) The soldiers drank the wine cellar dry. os soldados beberam a adega seca 'Os soldados esvaziaram a adega (bebendo).' Nesse caso, o argumento expresso pelo objeto direto da variante expandida não é o

argumento interno do verbo de base (x em (62)), mas aquele que foi introduzido pela operação STRONG_R (representado por z em (62)).

(61) drink: λy λx λs DRINK(x,y)(s) (62) STRONG_R(drink): λQ λz λx λs {DRINK(x,y) & BECOME Q(z)}(s) O argumento interno do predicado DRINK 'beber' não é projetado na AS porque, na

configuração (62), tornou-se não-estrutural. A condição sobre argumentos estruturais é definida em termos da relação de L-comando, definida em (63), com base em representações arbóreas como a do Diagrama 6 (Wunderlich, 2000, p. 252; Stiebels, 2002, p. 49). Um argumento é estrutural sse for o argumento mais baixo ou se todas as suas ocorrências L-comandarem o argumento mais baixo (Stiebels, 2002, p. 49).

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(63) L-comando: Um nó α L-comanda um nó β, se (i) existe um nó γ que domina β e (ii) γ domina também α, diretamente ou por intermédio de uma cadeia de nós de tipos lógicos idênticos.

Wunderlich (2000) estabelece uma relação de implicação apenas unidirecional entre o

licenciamento das operações STRONG_R e WEAK_R, de tal modo que, se uma língua licencia a primeira, necessariamente licencia a segunda. Esse é o caso das línguas classificadas como línguas de maneira na tipologia de Talmy (2000). O inverso, porém, não é verdadeiro. As línguas românicas e o japonês, classificadas como línguas de caminho na tipologia de Talmy, admitem apenas, segundo Wunderlich, WEAK_R. Desse modo, APs resultativos não ocorrem senão excepcionalmente nessas línguas, uma vez que esses elementos não apresentam BECOME em suas representações nem os próprios verbos passam a incorporar esse elemento por meio de uma extensão semântica como em (62).

Contrariando a abordagem de Wunderlich, referimos, na seção 4.2, estudo sobre o japonês que evidencia a produtividade de APs resultativos nessa língua. Além disso, na seção 4.3.2, mostramos que o português se subtrai à generalização de Wunderlich de que as línguas românicas não licenciam resultados fortes.

4.2. Crítica à proposta de Wunderlich

À primeira vista, a generalização de Wunderlich está correta. De fato, é possível traduzir diretamente para o alemão frases como (50) e (60). Uma tradução nos mesmos moldes, contudo, não é possível para o português nem para o francês ou italiano, fato que é bem conhecido na literatura (Napoli, 1992; Legendre, 1997; Fong; Poulin, 1998; Pereira, 2000).

(64) Mary lief den Rasen platt. Maria correu a grama plana 'Maria aplanou a grama (correndo sobre ela).' (65) Die Soldaten tranken den Weinkeller trocken.

os soldados beberam a adega seca 'Os soldados esvaziaram a adega (bebendo).' As línguas românicas, aparentemente, apenas admitem a operação WEAK_R, como

prevê Wunderlich: (66) a. Mary correu para dentro da casa.

b. Mary correu dentro da casa. Em (66 a), a frase só expressa mudança de estado porque o PP para dentro da casa, à

semelhança do PP do inglês into the house, traz para a composição semântica com o verbo o elemento BECOME (Bierwisch, 2002, p. 334). Quando isso não ocorre, como em (66 b), o PP não expressa o resultado de uma transição, mas apenas localiza espacialmente a ação do

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argumento realizado pelo sujeito verbal. As representações semânticas das preposições para e dentro de deixam clara a sua contribuição para a estrutura aspectual de (66 a) e (66 b). Por composição de funções de para com dentro de na morfologia, a preposição "composta" (Gärtner, 1998) para dentro de herda os argumentos da preposição dentro de (cf. (67 a-c)).14 Em (67 d), a representação da preposição composta é aplicada sobre a representação de seu objeto (a casa). Quando o verbo se aplica sobre esse PP em (67 e), a variável u é substituída por x, através de conversão lambda interna (Witt, 1998, p. 48).

(67) a. dentro de: λv λu LOC(u,INT(v)) b. para: λP BECOME P c. para dentro de: λv λu BECOME (LOC(u,INT(v)))

d. para dentro da casa: λu BECOME (LOC(u,INT(a.casa))) e. correr para dentro da casa:

λx λs {RUN(x) & BECOME(LOC(x, INT(a.casa)))}(s) Também em (68) e (69) não temos o AP expressando o estado final de uma transição.

Por exemplo, em (69) o vinho não se tornou seco ou o copo não secou como conseqüência da ação de Mary.

(68) Mary correu nua. (69) Mary bebeu um copo de vinho seco. Os moldes STRONG_R e WEAK_R, propostos por Wunderlich (2000) para modelar as

construções resultativas e a predicação secundária descritiva, não obstante condensarem de forma aparentemente elegante a importante variação interlingüística entre línguas de maneira e línguas de caminho, manifesta em exemplos como (64) e (65), apresentam várias falhas.

Em primeiro lugar, é empiricamente inadequada a classificação dos resultativos com base em dois critérios simultâneos, da forma como faz Wunderlich. Segundo ele, resultativos fortes diferem de resultativos fracos tanto pela introdução de BECOME quanto pela introdução de um novo argumento individual.

Como mostra Nogami (2000), construções como (70) e (71) com AP resultativo são produtivas em japonês. A única restrição é que os verbos de base sejam télicos, diferentemente do que ocorre em inglês e alemão:

14 Na LDG, conforme Stiebels (2002), admite-se composição de funções apenas na morfologia e na formação de complexos verbais (como no caso das construções causativas). As preposições compostas do inglês into 'para dentro de' e onto 'para cima de' são claramente formadas na morfologia. Em português, à primeira vista, um PP como para dentro da casa é concatenado na sintaxe pela realização do objeto de para por meio de outro PP (dentro da casa). De fato, o PP dentro da casa pode ocorrer de forma independente. No caso de para cima da mesa, porém, cima da mesa não ocorre independentemente.

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(70) Ame ga dorodoroni toketa. bombom NOM pastoso derreteu 'O bombom derreteu e ficou pastoso.' (71) Maria ga ame o dorodoroni tokasita. Maria NOM bombom AC pastoso derreteu 'Maria derreteu o bombom e ele ficou pastoso.' Como propomos em Alencar (2003, 2006), a única maneira de induzir a interpretação

resultativa do AP nesses casos é por meio de uma variante de STRONG_R que não introduza um argumento adicional, mas predique sobre o argumento mais baixo do verbo de base, o que, na abordagem de Wunderlich, é uma característica de WEAK_R.

Exemplos como (70) e (71) do japonês são possíveis em alemão (com o verbo schmelzen 'derreter' nas suas variantes intransitivo-incoativa e transitivo-causativa). Ao tentar analisar esses dados com base nos moldes STRONG_R e WEAK_R, colocamo-nos num dilema. Se escolhemos o primeiro molde, incorremos no problema da hipergeração, pois verbos como a variante incoativa (intransitiva) de derreter sofrerá transitivização, o que não é admissível em alemão:

(72) *Das Bonbon schmolz den Herd schmutzig. o bombom derreteu o fogão sujo 'O bombom derreteu e sujou o fogão' Se escolhemos WEAK_R, deparamo-nos com o problema inverso, que é a hipogeração,

não conseguindo explicar a interpretação resultativa do AP: (73) Maria schmolz das Bonbon dickflüssig. Maria derreteu o bombom pastoso 'Maria derreteu o bombom e ele ficou pastoso.' Um segundo problema da proposta de Wunderlich é que o molde STRONG_R

hipergera, quando o argumento predicativo da variante expandida é realizado por um PP que já possui BECOME por conta da especificação lexical do seu núcleo, como é o caso das preposições direcionais do alemão (por ex. in 'em' regendo acusativo) e de preposições compostas do inglês como into 'para dentro de' e onto 'para cima de'.

(74) The dog barked Mary into the house. o cachorro latiu Mary para dentro da casa 'O cachorro latiu, forçando Maria a entrar na casa.' Aplicada sobre a variante expandida (conforme STRONG_R) de bark 'latir', a

representação do PP, que já tem BECOME, entra no escopo do predicado BECOME do verbo, como mostra (75), uma representação de duvidosa adequação semântica (Witt, 1998, p. 47), o que se assinala por meio de ?. De fato, essa configuração expressa uma transição para

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uma transição. Compare (75) com a representação correta em (76), que descreve adequadamente a situação como mudança de localização de z como conseqüência da ação de latir de x.

(75) ? λz λx λs{BARK(x) & BECOME (BECOME (LOC (z, INT (the.house))))}(s) (76) λz λx λs{BARK(x) & BECOME (LOC (z, INT (the.house)))}(s) Em alemão, preposições direcionais como in 'em', auf 'sobre', an 'junto a' etc., que

expressam deslocamento, regem por default um objeto no acusativo, ao passo que as preposições homônimas não-direcionais regem dativo. Em inglês, a oposição entre acusativo e dativo do alemão, associada ao parâmetro semântico da direcionalidade, é reproduzida em casos como in e on pela adjunção da preposição to, que, à semelhança da preposição para do português, contribui com o predicado BECOME na formação das preposições compostas into e onto (cf. (67 b)).

(77) im Zimmer/in the room: λu LOC(u, INT(the.room)) (78) ins Zimmer/into the room: λu BECOME (LOC(u, INT(the.room))) Pela operação STRONG_R, licenciada em inglês e alemão (mas não, segundo

Wunderlich, nas línguas românicas), um verbo como schlagen 'bater, espancar' (e seus equivalentes de tradução no inglês hit e beat), cuja variante básica é divalente, pode ter a sua valência ampliada pela introdução de um argumento predicativo do tipo <e,t>.

(79) a. schlagen: λy λx λs BEAT(x,y) (s)

b. STRONG_R(schlagen): λQ λu λx λs {BEAT(x,y) & BECOME Q(u)}(s) Esse argumento pode ser realizado, portanto, por um AP como bewusstlos 'inconsciente'

(cf. (80)) ou por um PP como (77) e (78), pois todas essas expressões têm o tipo lógico <e,t>. (80) bewusstlos/unconscious: λu UNCONSCIOUS (u) Desse modo, as expressões abaixo são bem formadas em alemão (e o mesmo se pode

dizer de suas correspondentes em inglês): (81) a. Der Mann schlug den Hund bewusstlos. b. The man beat the dog unconscious. 'o homem espancou o cão inconsciente' 'O homem espancou o cão, deixando-o inconsciente.' Através da aplicação funcional da representação semântica de (79 b) sobre as

representações semânticas do AP e dos DPs na posição de sujeito e objeto direto, obtemos a representação de (82).

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(82) der Mann den Hund bewusstlos schlagen/the man beat the dog unconscious:

λs {BEAT(the.man,y) & BECOME (UNCONSCIOUS (the.dog))} Por meio de WEAK_R, as construções de (83) são licenciadas, que, pelo processo de

aplicação funcional, produzem a representação semântica parcial de (84). (83) a. Der Mann schlug den Hund ins Zimmer. b. The man beat the dog into the room. 'o homem espancou o cão para dentro do quarto' 'O homem fez o cão entrar no quarto à força de pancadas.' (84) der Mann den Hund ins Zimmer schlagen/the man beat the dog into the room:

λs {BEAT(the.man,y) & BECOME (LOC(the.dog, INT(the.room)))} Sobre os PPs com preposição não direcional, também podemos aplicar a variante de

schlagen 'bater, espancar' derivada por meio de STRONG_R, uma vez que PPs não direcionais satisfazem a restrição imposta pelo tipo lógico do argumento predicativo, que é <e,t>. Em (85) temos a representação semântica parcial da frase:

(85) der Mann den Hund im Zimmer schlagen/the man beat the dog in the room:

λs {BEAT(the.man,y) & BECOME (LOC(the.dog, INT(the.room)))} Conforme (85), frases como (86) instanciam construções resultativas, à semelhança de

(81). Isso é, porém, completamente falso, conforme se pode constatar pela tradução para o português. O PP im Zimmer 'dentro do quarto' não especifica o estado final de uma mudança, como faz o AP em (81). Trata-se de uma predição falsa feita a partir do molde proposto STRONG_R por Wunderlich. Em vez disso, esse PP especifica a localização do evento expresso pelo verbo, conforme a representação (87) (Wunderlich, 1991, p. 609).

(86) a. Der Mann schlug den Hund im Zimmer. b. The man beat the dog in the room. 'O homem espancou o cão dentro do quarto.' (87) im Zimmer schlagen: λy λx λs BEAT(x,y)(s) & LOC(s, INT(the.room)) A questão que se coloca, portanto, é como permitir a realização, por elementos estáticos

como APs do tipo bewusstlos 'inconsciente', do argumento predicativo de verbos derivados através de STRONG_R, mas, ao mesmo tempo, impedir que PPs estáticos (i.e. não direcionais) façam isso. Na seção 4.3, propomos moldes alternativos aos postulados por Wunderlich, os quais resolvem esse dilema. Nossa proposta é também capaz de contornar a dificuldade provocada pela realização, por meio de PPs dinâmicos (i.e. direcionais), do argumento predicativo dos verbos resultantes de STRONG_R. Como vimos, pela proposta de

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Wunderlich, um predicado BECOME passa a constituir argumento de outro predicado BECOME, o que não condiz com a semântica das expressões formadas por esses verbos.

4.3. Extensões semânticas resultativas

4.3.1. Resultativos em alemão Para derivar as extensões semânticas resultativas de línguas como o alemão, propomos,

em vez de dois moldes como Wunderlich (2000), um único molde com duas opções. (88) Extensão resultativa em alemão RESULTATIVO_FORTE (i) Verbos intransitivos com argumento Tema dinâmico ("inacusativos") λx λs VERB(x)(s) => λQ λx λs{VERB(x) & [α BECOME] Q(x)}(s) dyn=+ (ii) Senão: ... λs VERB(...)(s) => λQ λu ... λs {VERB(...) & [α BECOME] Q(u)}(s) dyn=+ Condição: Se o argumento λQ for realizado por um elemento dinâmico, então α= − . Senão α= +. Contrariamente à proposta de Wunderlich, segundo a qual STRONG_R e WEAK_R

diferem quanto à inserção de BECOME, em ambas as opções de (88) esse predicado pode ser inserido. A inserção de BECOME depende do valor da variável α: se positivo, então esse parâmetro é instanciado; se negativo, então não há inserção de BECOME.15 O valor de α, por sua vez, depende da presença ou não de um predicado dinâmico na expressão que realiza λQ (Bierwisch, 2002, p. 341). Desse modo, evita-se a hipergeração que constatamos na seção 4.2 (cf. (75)).

Outra diferença importante em relação à proposta de Wunderlich (2000) é que a realização do argumento λQ não é restringida apenas pelo tipo lógico (no caso <e,t>). É necessário que haja unificação com o valor do atributo dyn (dinamicidade), que é positivo. Esse tipo de restrição é padrão na LDG, constituindo uma especificação do caso semântico licenciado pelo verbo. Para um verbo de moção como gehen 'ir' do alemão, Wunderlich e Lakämper (2001, p. 13) propõem os traços [+loc,+dir], de modo a restringir a realização do argumento predicativo desses verbos a PPs locativos direcionais. Para Bierwisch (2002, p. 332), uma AS é constituída de pares obedecendo ao esquema <λv, [F]>, onde λv constitui uma abstração sobre a variável v e [F], um conjunto de traços morfossintáticos a serem unificados com os traços do complemento que realiza essa posição argumental.

Um PP não direcional como im Zimmer 'dentro do quarto' é dyn= −, não unificando com dyn= +. Um AP como bewusstlos 'inconsciente', porém, não possui valor para o atributo

15 Sobre a utilização da convenção [α X] em representações semânticas, ver por exemplo Bierwisch (1997).

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dyn. A unificação ocorre, nesse caso, sem problemas. O atributo dyn está presente em alemão apenas no sistema de preposições (e advérbios espaciais, que se podem considerar preposições intransitivas), correlacionando-se com o caso canonicamente atribuído pela preposição ao seu objeto (acusativo para dyn= +, dativo para dyn= −). As relações preposicionais do alemão são classificadas por meio de uma hierarquia de tipos (type hierarchy), representada no Quadro 4. Um tipo de um nível mais baixo da hierarquia herda todas as propriedades dos tipos aos quais está subordinado (por exemplo, uma preposição não espacial como mit 'com' é também não dinâmica).

prep

+dyn −dyn +spat −spat aus 'de dentro de', in 'em, para dentro

de', auf 'para cima de' etc. in 'em, dentro de', auf 'em cima de', über 'sobre' etc.

wegen 'por cause de', ohne 'sem' etc.

Quadro 4: Classificação das relações preposicionais do alemão. Em (88), a derivação do verbo por meio da opção (i) ou (ii) depende de informações do

verbo de base localizadas no nível CS. Verbos intransitivos cujo único argumento constitui um Tema dinâmico, conforme a definição (89), somente podem ser derivados pela opção (i). Nesse caso, não há transitivização, porque a extensão resultativa predica sobre esse argumento. Nos demais casos, é aplicável apenas a opção (ii), pela qual pode ocorrer transitivização.

(89) Tema dinâmico

Um participante é um tema dinâmico, se sofre uma mudança (movimento, mudança de lugar ou de estado).

A extensão resultativa de verbos alemães como stehen 'estar em pé' e lieben 'amar'

exemplificam à perfeição o funcionamento do molde (88). O primeiro verbo é intransitivo. O seu único argumento individual não se enquadra na definição de Tema dinâmico, uma vez que esse predicado é estativo. Desse modo, a regra (88) prediz que ele pode ser expandido pela operação (ii). É isso que acontece em (90):

(90) Die Demonstranten standen sich die Füße platt. (WUNDERLICH, 2000, p. 260) 'Os manifestantes achataram os pés de tanto estar em pé.' Em conseqüência da aplicação da regra lexical, o verbo, cuja variante básica é

intransitiva, nesse exemplo apresenta um objeto direto e um complemento predicativo.16

16 O reflexivo sich 'se' é um dativo possessivo, introduzido por uma outra operação lexical (Wunderlich, 1996b, 2000).

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Na expansão de lieben 'amar' em (81), também se aplica a operação (ii), pois o verbo não é intransitivo:

(91) Othello liebt sich in den Wahnsinn. (KAUFMANN, 1995, p.161) Otelo ama REFL para dentro da loucura 'Otelo enlouquece de amor.' A valência sintática, nesse exemplo, é ampliada em dois argumentos: um objeto direto e

um complemento predicativo realizado pela PP direcional, que nesse caso expressa mudança de estado. O objeto direto é realizado pelo reflexivo sich 'se' porque é co-referencial com o argumento individual mais alto do verbo (i.e. o sujeito). O argumento interno do verbo de base não é mais expressável como complemento, pois tornou-se não-estrutural (cf. (62)).

prep

−spat +spat −dyn +dyn por causa de, sem

etc. em, dentro (de), fora (de), em cima (de), sobre etc.

de, de dentro (de), para, para dentro (de), para fora (de), para cima (de), a etc.

Quadro 5: Classificação das relações preposicionais do português.

4.3.2. Resultativos em português Para o português, propomos três tipos de construções resultativas, exemplificadas,

respectivamente, em (92 a-d), (93 a) e (94 a,b). Em todos os exemplos exceto (94 a), o resultado da mudança expressa pelo verbo é especificado por meio de um PP, que pode ser tanto direcional quanto não-direcional em (92), mas, em (93), deve ser direcional. Com efeito, em (93 b), o PP não expressa o resultado de uma mudança.

(92) a. Maria tossiu a semente dentro do prato/fora. b. Maria tossiu a semente para dentro do prato/para fora. c. Ele empurrou a mulher dentro do lago. d. Ele empurrou a mulher para dentro do lago. (93) a. Ela varreu as folhas para dentro da igreja. b. Ela varreu as folhas dentro da igreja. (94) a. Maria cortou o cabelo curto. b. Maria cortou o tomate em cubos. A primeira construção resulta de regra lexical, em linhas gerais, paralela à operação (88)

do alemão. Denominamos essa construção de resultativa forte.17 Como mostra o verbo tossir em (92), essa regra, aplicada sobre verbo intransitivo, pode levar à sua transitivização. A 17 O licenciamento dessa operação pelo português leva a posicionar essa língua numa posição mais próxima do inglês e do alemão do que estão outras línguas românicas como francês, espanhol e italiano, no continuum que vai de uma língua 100% de caminho a uma língua 100% de maneira (Alencar, 2003).

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diferença com relação ao alemão é que a realização do argumento predicativo, em português, é restringida a elementos espaciais, que podem ser tanto não-direcionais (cf. (92 a, c)) quanto direcionais (cf. (92 b, d)). No alemão, ao contrário, são excluídos elementos não-dinâmicos (por exemplo, PPs não-direcionais), mas licenciados APs não especificados para dinamicidade. Por outro lado, em alemão, PPs direcionais podem expressar mudança de estado não envolvendo mudança de lugar, o que é impossível em português.

As frases (95) – (97) exemplificam o que há de comum e o que diverge nas construções resultativas do alemão e do português. Apenas a construção do tipo (95) é licenciada em português, porque o argumento predicativo é realizado por um elemento espacial. Em (96), o AP é não-espacial, assim como o PP de (97).

(95) Pierre schlägt einen Nagel in die Mauer. Pierre bate um prego em o muro 'Pierre bate um prego no muro.' (96) Marc schlägt/prügelt das Kind blutig. Marc bate/espanca a criança ensangüentada 'Marc bate na criança/espanca a criança até (ela) sangrar.' (97) Die Randalierer schlagen/hämmern die Figur in Stücke. os desordeiros batem/martelam a estátua em pedaços 'Os desordeiros despedaçam a estátua a pancadas/marteladas.' As propriedades das extensões resultativas dos exemplos (92) resultam da aplicação da

operação RESULTATIVO_FORTE, formalizada em (98). Esse molde só não é idêntico a (88) porque no alemão λQ é especificado pelo traço dyn=+, ao passo que, em português, esse argumento é restringido por spat=c+.18

(98) Resultativo forte em português RESULTATIVO_FORTE (i) Verbos intransitivos com argumento Tema dinâmico ("inacusativos") λx λs VERB(x)(s) => λQ λx λs {VERB(x) & [α BECOME] Q(x)}(s) spat=c+ (ii) Senão: ... λs VERB(...)(s) => λQ λy ... λs {VERB(...) & [α BECOME] Q(y)}(s) spat=c+ Condição: Se o argumento λQ for realizado por um elemento dinâmico, então α= − . Senão α= +. A construção exemplificada em (93 a) resulta de uma outra operação, que denominamos

resultativa fraca, formalizada em (99). Diferentemente da regra RESULTATIVO_FORTE, essa operação expande a representação do verbo de base apenas por meio de uma variável de

18 Pela restrição spat=c+, deve existir valor para o atributo spat (espacial) e esse deve ser positivo. A restrição dyn=+ não exige que exista valor para o atributo dyn, apenas que esse, caso existente, seja positivo. A diferença entre equações do tipo A=c B e A=B e é um dos aspectos mais importantes do formalismo da LFG (Bresnan, 2001, p. 60-62).

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predicado. Por abstração lambda sobre essa representação, a AS do verbo derivado apresenta um argumento predicativo. Esse argumento predicativo deve satisfazer a restrição dyn=c+ porque o molde não introduz BECOME. Esse predicado deve ser fornecido, portanto, pelo constituinte que realiza o argumento predicativo, no caso PPs direcionais como para dentro da igreja em (93 a).

(99) Resultativo fraco em português RESULTATIVO_FRACO (i) Verbos intransitivos com argumento Tema dinâmico ("inacusativos") λx λs VERB(x)(s) => λQ λx λs {VERB(x) & Q(x)}(s) dyn=c+ (ii) Senão: ... λs VERB(...)(s) => λQ λu ... λs {VERB(...) & Q(u)}(s) dyn=c+ Pela opção (ii) do molde (99), um novo argumento individual pode ser introduzido na

representação semântica de base, sobre o qual o argumento predicativo predica. Esse é o caso do verbo varrer em (93). Com Rappaport Hovav e Levin (1998), analisamos verbos como varrer, raspar etc. como verbos de atividade que especificam uma relação entre um indivíduo e uma superfície, sem implicar uma mudança de estado (cf. (100)).

(100) Pedro swept the floor. 'Pedro varreu o chão.' Essas representações de base podem, contudo, ser ampliadas, para especificar o

resultado da atividade sobre a superfície manipulada ou sobre um outro indivíduo, como em (101).

(101) Pedro swept the leaves into the hole. 'Pedro varreu as folhas para dentro do buraco.' Rappaport Hovav e Levin formalizam essa alternância como resultado de uma operação

que denominam aumento de molde (template augmentation), exemplificada em (102). A primeira representação é a do verbo de base. A segunda, instanciada em (101), constitui o produto da operação de ampliação. Como se pode constatar, essa operação é, em linhas gerais, paralela a (98) e (99).

(102) [x ACT <SWEEP> y] [[x ACT <SWEEP> y] CAUSE [BECOME [z <PLACE>]]]

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Na nossa abordagem, que constitui uma revisão de Wunderlich (2000), a extensão semântica de (93) é formalizada como resultado da aplicação de RESULTATIVO_FRACO sobre a variante básica de varrer:

(103) RESULTATIVO_FRACO(varrer-1) = varrer-2 =

λQ λu λx λs {SWEEP(x,y) & Q(u)}(s) dyn=c+

Na representação de (103), o argumento y do predicado de base SWEEP é não-

estrutural, não podendo realizar-se como complemento do verbo. É a variável u, introduzida por RESULTATIVO_FRACO, que projeta o objeto direto.

Argumentos não-estruturais podem identificar-se na CS com um argumento estrutural mais baixo (Wunderlich, 1997b, p. 122). É o que ocorre no exemplo (104 b), onde é o próprio objeto atingido pelo sopro que sofre deslocamento. Há uma identificação conceptual entre y, não-estrutural, e u, que projeta o objeto direto (cf. (105 b)). Em (104 a), temos a variante básica (cf. (105 a)), em que y projeta objeto direto.

(104) a. Ele soprou a vela/o ferimento.

b. Ele soprou a bola para dentro da caixa. (105) a. soprar-1 = λy λx λs BLOW(x,y)(s)

b. RESULTATIVO_FRACO (soprar-1) = soprar-2 = λQ λu λx λs {BLOW(x,y) & Q(u)}(s) dyn=c+

Como ressaltamos no início, o português possui três tipos de construções resultativas. O

último tipo exemplificado em (94) resulta de regra lexical bem menos produtiva que as operações RESULTATIVO_FORTE e RESULTATIVO_FRACO, formalizadas em (98) e (99), respectivamente. A aplicação dessa regra restringe-se a verbos télicos, especialmente verbos como cortar, partir, picar, desfiar, quebrar etc. que expressam mudança de forma (tipicamente uma cisão) do participante afetado, como nos exemplos de (106).19

(106) a. Ela picou/desfiou o frango bem miudinho. b. Ela raspou o chocolate em lascas bem finas. c. Ela socou/esmigalhou o alho bem miudinho. A ocorrência a seguir exemplifica a aplicação da extensão sobre o verbo abrir,

parafraseável neste caso por 'cortar':

19 Exceto (108 d), esses exemplos baseiam-se em ocorrências em textos (receitas culinárias) disponíveis na WWW, representativos tanto do português brasileiro quanto europeu.

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(107) Com ajuda de um martelo de carne (ou rolo de macarrão), abra os filés bem fino [sic], tendo o cuidado de não rasgar os bifes.20

Os verbos de base podem ser tanto transitivo-causativos, como em (94), (106) e (107),

quanto incoativos ou anticausativos: (108) a. O galho se partiu em dois. b. O poste partiu em três pedaços. c. O disco (se) quebrou em quatro partes iguais. d. O lenço encolheu bem miudinho. Propomos o molde de (109) como formalização desse tipo de resultativo. (109) Extensão resultativa não espacial em português AP_RESULTATIVO

λy ... λs VERB(...y)(s) => λQ λy ... λs {VERB(...y) & BECOME Q(y)}(s)

[α prep = − ] [− α form =c +]

Nesse molde, o argumento predicativo λQ, do tipo <e,t>, deve ser realizado por

complemento que, além de expressar uma propriedade (harmonizando-se com esse tipo lógico), satisfaça a restrição [prep = − ] ou a restrição [form =c +]. A primeira restrição exclui PPs, que são [prep = +]. APs como curto e fino, ao contrário, são licenciados. A segunda restrição (disjunta à primeira), exige que o complemento apresente valor positivo para o atributo form. Esse é o caso de PP introduzido pela variante não-espacial da preposição em, representada formalmente em (110), parafraseável informalmente como "u tem a forma de v" (Wunderlich, 2000, p. 258).

(110) em: λv λu FORM(u,v) Em (111) e (112), mostramos o processo de composição semântica da preposição com o

seu objeto e do PP com a variante do verbo cortar estendida por meio de (109). Em (113), o argumento não estrutural y é identificado com o argumento estrutural realizado como objeto direto do verbo.

(111) cortar em cubos: λu λx λs {CUT(x,y) & BECOME (FORM(u,cubos))}(s) (112) cortar o tomate em cubos: λx λs {CUT(x,y) & BECOME (FORM(o.tomate,cubos))}(s) (113) λx λs {CUT(x, o.tomate) & BECOME (FORM (o.tomate, cubos))}(s)

20 Extraído da URL foruns.terravista.pt/SForums/ $M=readthread$TH=4846208$F=45118$ME=11549172.

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5. CONCLUSÃO Adotando a abordagem projecionista da interface entre semântica lexical e sintaxe,

defendemos, neste artigo, a especificação puramente estrutural, nos verbos intransitivos, transitivos e bitransitivos canônicos, do input do mecanismo de mapeamento dos argumentos semânticos sobre argumentos sintáticos. Nesse sistema, apenas a informação sobre a hierarquia dos argumentos, calculada com base na decomposição dos predicados verbais, é necessária para determinar as propriedades sintáticas dos constituintes que representam esses argumentos na sintaxe. Essa proposta coincide com a da LDG. Contra essa teoria, porém, levantamos argumentos a favor da especificação do output do mecanismo de vinculação em termos de funções gramaticais, como na LFG.

Mostramos que, dos dois modelos comparados ao longo do trabalho, apenas a LFG é uma teoria completa da gramática. A LDG limita-se a modelar as representações de categorias lexicais (especialmente os verbos) e as restrições que constrangem a correspondência entre essas representações e a estrutura sintática das frases. Essa última, contudo, não é completamente predizível a partir das informações lexicais dos verbos. O verbo, de fato, determina que tipos de constituintes podem ou devem estar presentes na sintaxe. Mas, como mostra o caso da posição do verbo em alemão, o próprio verbo sujeita-se a princípios que transcendem suas especificações lexicais.

A especificação da subcategorização verbal em termos de funções gramaticais em vez de vinculadores, como casos e posições, é superior à proposta da LDG em vários sentidos, desde que se assumam, também, os outros aspectos do formalismo da LFG, especialmente o nível da Estrutura C e os princípios de projeção dessa estrutura sobre a Estrutura F. Em primeiro lugar, são dirimidas, dessa forma, as dificuldades provocadas pelas variações nos padrões de linearização dos constituintes frásicos, especialmente no caso de línguas não configuracionais como o latim. Em segundo lugar, essa abordagem permite um tratamento mais elegante de línguas como o português europeu, onde o output do mapeamento consiste tanto de casos morfológicos quanto de posições na estrutura sintagmática e afixos verbais. Nesse caso, o output pode ser especificado uniformemente, para um verbo bitransitivo canônico, por exemplo, como consistindo da moldura funcional <SUBJ OBJθ OBJ>. Adaptamos, portanto, a Teoria da Correspondência da LDG para dar conta das associações entre estruturas argumentais especificadas hierarquicamente e molduras funcionais, tanto para línguas com objeto direto e indireto quanto para línguas com objeto primário e secundário, do tipo simétrico assim como do tipo assimétrico. A especificação <SUBJ OBJθ OBJ> é universalmente válida para todas essas línguas. Na medida em que permite formular generalizações como essas, de ampla cobertura tipológica, a abordagem da LFG é superior à da LDG.

Não obstante essas deficiências da LDG, sua proposta para o input do mapeamento e o funcionamento desse mecanismo substitui com vantagem o módulo LMT da LFG. Com efeito, o mapeamento na LMT é menos econômico que na LDG, uma vez que é preciso

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determinar os papéis temáticos dos argumentos para determinar sua posição hierárquica. Na LDG, o algoritmo de mapeamento precisa apenas da informação sobre o posicionamento dos argumentos na hierarquia manifesta na decomposição dos predicados verbais. Na LMT, a informação sobre papéis temáticos é crucial para classificar os argumentos e as funções gramaticais. Nesse aspecto, a LDG também leva vantagem sobre a LMT, pois apenas a hierarquia semântica é suficiente para classificar os elementos do nível semântico e do nível sintático.

Na parte final do trabalho, aplicamos essa proposta de integração da LDG à LFG, batizada de LFDG, num estudo de caso das construções resultativas do alemão e do português, línguas representativas, respectivamente, das classes tipológicas "línguas de maneira" e "línguas de caminho". Essas construções resultam da aplicação de regras lexicais sobre as variantes básicas dos verbos, regras essas que expandem as suas representações semânticas. As variantes derivadas apresentam um padrão valencial diferente da valência básica, com um maior número de argumentos e/ou um rearranjo na vinculação entre argumentos semânticos e sintáticos. As alterações da valência, contudo, não precisam ser estipuladas, uma vez que são automaticamente depreensíveis, através do mecanismo de mapeamento, das representações expandidas.

Para a formulação das regras capazes de gerar as expansões semânticas resultativas do alemão e do português, tomamos como ponto de partida os moldes propostos por Wunderlich (2000), que subclassifica as construções resultativas num tipo forte e num fraco. Conforme esse autor, o licenciamento do primeiro tipo, por uma língua, implica o licenciamento do segundo, mas a implicação inversa não subsiste. Para ele, línguas de maneira como as germânicas e o chinês licenciam a construção forte, ao passo que línguas de caminho como as românicas e o japonês licenciam apenas a modalidade fraca.

Mostramos que os moldes propostos por Wunderlich incorrem em problemas tanto de hipergeração quanto hipogeração. Nos moldes alternativos que propomos, essas deficiências são sanadas. Ao mesmo tempo, nossa abordagem permite delinear com maior precisão a oposição entre o alemão e o português. Uma e outra língua licenciam um tipo de resultativo que introduz no verbo de base um argumento predicativo, podendo levar à sua transitivização. As duas línguas comungam da possibilidade de realizar esse argumento predicativo por meio tanto de um elemento estático quanto dinâmico. A diferença entre os resultativos do alemão com relação aos do português consiste na especificação do traço semântico que restringe a realização do argumento predicativo. Em alemão, esse traço é dyn=+. Desse modo, são licenciados elementos especificados como dyn=+ (tipicamente PPs direcionais, espaciais ou não), mas excluídos elementos que portam a especificação dyn= − (i.e. PPs não-direcionais). APs, contudo, são subespecificados para dinamicidade, podendo realizar em alemão o argumento predicativo da construção resultativa. Em português, a restrição do argumento predicativo da construção resultativa forte é spat=c+. Em conseqüência disso, APs são excluídos, mas PPs tanto direcionais quanto não direcionais são licenciados, desde que sejam

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espaciais. Diferentemente de Wunderlich, mostramos que apenas uma construção resultativa existe em alemão, que é a forte. Em português, contudo, duas outras operações resultativas são licenciadas. Na operação resultativa fraca, que também pode levar à transitivização do verbo de base, o argumento predicativo deve ser dinâmico. Na operação que denominamos AP_RESULTATIVA, não transitivizante e a mais restrita e menos produtiva de todas as construções resultativas do português, o argumento predicativo deve ser um AP ou um PP introduzido por variante não-espacial da preposição em, a qual especifica a forma de um objeto ou substância.

Se, por um lado, argumentamos contra a especificação do input do mapeamento em termos de papéis temáticos, não podemos deixar de reconhecer que esses construtos desempenham um papel na gramática. De fato, na aplicação das regras RESULTATIVO_FORTE e RESULTATIVO_FRACO, é decisiva a informação sobre o tipo de papel temático do único argumento de um verbo intransitivo, pois Temas dinâmicos bloqueiam a transitivização do verbo. Essa restrição vai ao encontro da arquitetura paralela da LFDG, em que, como na LFG e na LDG, as informações dos diferentes módulos, no caso CS e SF, participam de um sistema de correspondências.

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