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1 Lembranças do AYOKÁ Lembranças do Mãe África: madrasta ou senhora? Nevas Amaral

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Autor: Minelvino Pereira do Amaral

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1Lembranças do AYOKÁ

Lembranças do

AYOKÁMãe África: madrasta ou senhora?

Nevas Amaral

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2 Lembranças do AYOKÁ

PARTE UM - Mãe África: madrasta ou senhora?............................ 06 - O Vaticínio................................................................. 08 - A fatalidade de uma caçada........................................ 09 - Wazyrys e Emdembus................................................ 18 - De volta a Wazyres.................................................... 20 - Bamydele e suas estratégicas..................................... 22 - Voltando a Bamydele................................................. 25 PARTE DOIS - Bamy e Nilonda no Brasil.......................................... 28 - Makolo e sua esposa Nasymba.................................. 32 - O plano (projeto)........................................................ 33 - O sonho de Makolo.................................................... 39 - A ninfa........................................................................ 41 - O casamento............................................................... 47 - O desterro de Nylonda............................................... 49 - A viagem.................................................................... 49 - O batizado dos escravos........................................... 54 - Bamydele, a redenção................................................ 55 - Bamydele e os capitães do mato................................ 61 - A determinação de Makolo........................................ 62 PARTE TRÊS - A invasão do quilombo............................................... 63 - A barafunda (emboscada)........................................... 64 - A lenda....................................................................... 67 - Após sessenta dias...................................................... 68 - Alforria na capital...................................................... 70 - A parteira.................................................................... 71 - Após as oferendas, Bamy realiza um feito heróico.... 79 -Makoloeaflordamorte............................................ 84 - Será lenda ou um fato história................................... 89 - A história.................................................................... 89 - Senhor Orozimbo (Otaviano) toma uma decisão....... 90 - No dia seguinte.......................................................... 91 - Nylonda e a parteira................................................... 92 - Viagem astral.............................................................. 95 - A revelação................................................................. 97 - No dia seguinte.......................................................... 98 - Dois meses após......................................................... 101 - De volta a fazenda de Orozimbo................................ 106 - Iniciação do primeiro sacerdote................................. 109 - A recuperação............................................................. 110 - Quarenta e cinco dias após......................................... 111

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-AfilhadeOrozimbo................................................... 111 - O atentado.................................................................. 114 -Otavianoeseufilho................................................... 116 - A viagem.................................................................... 118 - No palácio dom o Duque........................................... 119 - Na cadeia.................................................................... 120 - No jantar..................................................................... 121 - O discurso.................................................................. 122 - De volta ao discurso................................................... 122 - Dias após.................................................................... 125 - De volta a fazenda...................................................... 126 - Os dias se passaram................................................... 128 - Ayoka e Bamydele..................................................... 130 - Makolo e Zunkuembu................................................ 131 - O encontro.................................................................. 132 - Na aldeia onde Makolo liderava................................ 133 - Makolo e Bamy.......................................................... 135 - O interrogatório.......................................................... 135 - Bamy em Angola........................................................ 138 - Já no navio................................................................. 142

PARTE QUATRO - Bamydele (João de Ayoka) no Brasil......................... 145 - A procura.................................................................... 146 - Nas férias................................................................... 147 - Enquanto isso no coração da África........................... 152 - De volta de sua viagem.............................................. 155 - De volta para a aldeia................................................. 156 - Reunião dos líderes.................................................... 157 - O julgamento.............................................................. 158 - A carta de João Negrinho........................................... 161 - Em Luanda................................................................. 163 - Ana Paula em Paris.................................................... 164 - João Negrinho no Brasil............................................. 166 - Orozimbo em consulta com Mãe Benedita................ 168 - Orozimbo e Bamydele............................................... 169 - Visita à Ana Paula em Paris....................................... 170 - A carta........................................................................ 178 - Já em Luanda............................................................. 179 - Durante o delicioso almoço....................................... 182 - Na aldeia.................................................................... 183 - Na guerra.................................................................... 187 - João Negrinho no navio............................................. 189 - A chegada de João no Brasil...................................... 191 - Bamy perde todo seu dinheiro................................... 194

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PREÂMBULO:

Pai João do Ayoká como era carinhosamente cha-mado trazia incríveis lembranças dos seus 115 anos de vida e, também, de seus netos, bisnetos

e tataranetos. Enxergava em um dos seus tataranetos sua cópiafieldequandoaindaeleeracriançaemsua terranatal no Ayoká “África”. Recordava de todo seu passado com total lucidez. O interessante disso tudo era a alegria que continha em seu frágil coração e sem um ponto de ódio, mesmo quan-do relembrava de seus algozes que lhes causaram sofri-mento físico e espiritual para chegar aonde chegou, Hoje seu tataraneto (Pai Orodeuacy) recorda com alegria e conta a seusfilhos e netos a sagade JoãodoAyoká (Bamydele). Onde ele e o seus vivem em plena harmonia no Brasil, mas precisamente em sua fazenda herdada de seu tataravô ao convívio dos seus.

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PARTE UM:

MÃE ÁFRICA: MADRASTA OU SENHORA

Em tempos quase imemoráveis, uma vasta planície ao fundo, um cauda-loso rio e savanas de um verde estonteante onde uma manada vivia e pas-tava.Animaiscomognus,zebras,girafas,leões,leopardos,enfimpresase predadores, cada um levando a vida em sua conveniência.

Ali, ao sopé de uma montanha, erguia-se uma aldeia majestosa, onde havia um conselho de anciões, um curandeiro um chefe “isso tudo no continente Africano, mas provavelmente no Congo ou Zâmbia”. Ali, aquele povo vivia passivamente adorando seus deuses, praticando a agri-cultura, caça e vivendo em harmonia com os seus vizinhos.

No entanto, na Europa, América do Sul e América do Norte, as políticas se desenvolviam de modo totalmente desiguais, em que os ricos tornavam-se mais ricos e os pobres mais pobres.

Um garoto nascido livre caçava e pescava nos vastos rios e lagos situados no continente Africano “ali era seu mundo”.

O regime tribal era tanto quanto arcaico, os mais novos eram esco-lhidos, uns para a guerra outros para cuidar dos rebanhos, cabras, gados etc. Outros eram preparados para cuidar e servir os deuses (Orixás). Desse modo, uma das esposas do chefe desta aldeia engravidou-se e da gestação nascera uma bela criança. Um garoto com traço realmente de um nobre.

Antes desse garoto nascer, o feiticeiro da tribo teve um presságio, maistardeaprofeciafoiconfirmada,nessesonhoeleviaseupovoenvol-vido em uma guerra sangrenta, com traiçoeiros de outras tribos e também um povo com características diferentes e hostis, em que aquela gente se declarando inimiga sobrepujava os cativos e era levada, para ser vendida na condição de escravo, ao povo de cor estranha, povo branco, aqueles, comsuasmulheresefilhos,sódeixavamosmaisvelhosecrianças.

Por conseguinte da sobrevivência no velho mundo, a falta de mão de obra e por tudo mais, estabeleceu-se, contudo, uma verdadeira rede de espionagem no continente Africano, em que eles, com presentes baratos, compravam a consciência de alguns negros por meio da penetração ou

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fácil acesso ao meio político dos conselhos de anciões.Semeavam a discórdia entre eles. Promovendo assim a guerra po-

pularmente chamada de fofoca, jogando uns contra outros. Depois com-pravam os cativos e traziam-nos em navios negreiros para serem vendidos aos senhores de engenho e fazendeiros na Europa e nas duas Américas.

Onde se lê chefes de tribos ou feiticeiros, poderíamos citar ven-cedores de guerras ou conquistadores. E ali os estrangeiros pilhavam, roubavam os bens materiais, capturavam aquele povo que se tornava pri-sioneiro, porém os que estavam em bom estado de saúde, eram vendidos em leilões aos mercadores ou trocados por cedas, sal, açúcar etc.

Em decorrência desse degradante comércio, paralelamente desen-volveu-seumcertointeresseporouro,marfimemadeira.Afinal,osmer-cenários agiam dentro da lei de seu país. Uma lei arcaica e ainda feudal. LEI: Está estabelecida e assinada em 1454 pelo então Papa Nicolau V, Ele assassinou; digo: assinou a bula pontifix, autorizando a escravidão que en-tre outros havia negros, pagâes, ou melhor, os que não fossem católicos pra-ticantes, eram considerados inimigos da igreja. Esta bula dava exclusivida-de a Portugal de escravizar negros a partir deste decreto papal. Começam pra valer as maiores navegações da época.

Voltandoaonossopersonagem,acriança,filhodochefe,desenvol-via-se em plena harmonia, era um excelente caçador, tornou-se provedor de sua família. De suas caçadas, ele nunca voltava sem o sustento de seu clã, pois ele sabia agradar os deuses da caça, assim logrando sempre su-cesso em suas empreitadas. Sua tribo ostentava riquezas em ouro, peles emarfim,sendomuitoinvejadoseelogiadosportribosvizinhas.Assimtornariam alvo fácil para seus inimigos.

Bamydeleque traduzidosignificaumacriançanascidaaodecor-rer de uma viagem bem-sucedida, assim era chamado aquele pequeno herói... Herói, por ser ele desde pequeno um exímio caçador, um líder nato e excelente orador, era incontestável, tinha eloquência em seus atos, primandosemprepelajustiçaemsuasdecisõeseumpacifistaconvicto.

Enquanto Bamydele experimentava o aprendizado de líder, mas sem o uso das armas, os inimigos não declarados, espreitavam tramas para a captura e o degredo de seu povo os Wazyrys assim chamados. Eram muito visados por suas riquezas e seus homens de portes avanta-

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jados, eram excelentes agricultores, outros, sendo cobiçados pelos euro-peus para serem escravos em terras além-mar, ou até mesmo nas fazendas de cana de açúcar, café, cereais etc.

O já adolescente, Bamydele, criava e queria pôr em prática suas ideias revolucionárias que hoje nós o chamaríamos de socialista, pois ele instituiu um sistema de mocambo, trocas de alimentos e outros, entre as tribos da região. Sua liderança lhe trazia prós e contras, mas sempre lhe atraindo grande admiração e apreensão dos mais velhos.

O adolescente começando sua fase de adulto trazia na face e no corpo a aparência de um belo homem. E, com isso, atraia para si atenção das mais belas jovens de sua tribo e de tribos vizinhas.

Bamy não estava preocupado só com o bem-estar de sua aldeia, tribo, mas também com o bem-comum de seus visinhos, ou melhor, com moradores de outras tribos, enfatizando sempre o bem-estar geral. Por isso, o jovem rapaz visitava a outras aldeias com o único objetivo de que todos prosperassem.

Em uma dessas visitas de Bamy, seu coração quase saltou fora do corpo, pois ele enxergou, com muita profundidade, alguém em especial. Uma jovem que trazia em seus semblantes de adolescente, uma meiguice e ao mesmo tempo a doce menina transmitia-lhe algumas energias e, também, como se ali não fosse a primeira vez que estavam juntos, parecia que aque-les dois jovens estavam se reencontrando para continuar o que havia sido interrompido por vários anos ou, até mesmo, há alguns séculos passados, pareciam ser velhos conhecidos. Mas, eles guardaram para si os seus sen-timentos de ainda adolescentes e despreparados para o que seria um sonho ou uma realidade que ambos desconheciam. O grande amor de suas vidas.

O VATICÍNIO

Bamydele por ser líder democrata despertava o interesse das jovens de sua aldeia. Ao atingir a idade de se tornar um guerreiro, como era o costu-me tribal, escolhia-se uma esposa, tudo seria tratado pelos pais, os pais do noivo e da futura noiva marcavam uma festa com algumas competições, no caso, na aldeia do pai da noiva.

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OpaideBamydele,apedidodeseufilho,acertoualgumascoisasarespeito do casamento junto com o pai de Nylonda Makuala, exatamen-te, aquela jovem da aldeia vizinha, algo que tocou profundamente seu coração espirituoso. Bamydele conseguiu aquela façanha de convencer seu pai a permitir que Nylonda fosse sua consorte (noiva) pelos os pre-sentesqueelesempreofertaraaosdeuses,afinalaquelalindameninaeraexatamente aquela que tocou profundamente seu coração ainda ingênuo em visita anterior a aldeias dos Emdembus. Com meiguice ela agradeceu seu pai pela escolha, e a felicidade e a paz reinaram entre as duas aldeias

Chama-se Makuala Nukemba o genitor de Nylonda, portanto esta, suafilha, levao seu segundonome,por ser ela aprimeiradescenden-te,noentantoseofilhoinicialfossehomemlevariaseuprimeironome.Nylonda, além de sua beleza incontestável, traz, ainda em sua vitalidade, uma verdadeira princesa com tendência a futura liderança do povo de sua aldeia. Esta era a noiva certa para o noivo certo e assim os dois se com-pletavam, portanto os deuses os velavam na alegria que era contagiante entre as duas tribos.

A FATALIDADE EM UMA CAÇADA

Bamydele já lideravaascaçadas, sempremuitobemplanejadas, afinalera muito metódico, mas sempre se saía bem em tudo que se propunha a fazer. Infelizmente certo dia aconteceu uma fatalidade, embora seu pai estivesse muito feliz por ter a aldeia dos Emdembus como amigos ou aliados em uma a alegria que era geral. Ocorrera que em um desses dias opaideBamydelenãoquistirarseufilhodosseusafazeresparacoman-dar as caçadas, então ele resolveu que deveria lembrar de que quando ia sozinho para tal serviço, mas por não planejar bem a tal caçada, ele fora atacadoporumleopardoeficaracomváriosferimentosmesesdepoiseveio a falecer. A consternação foi geral, trazendo a tristeza entre as duas aldeias e Bamydele se sentia muito jovem para assumir a liderança da tribo. Contudo, a partir da morte de seu pai tinha ele que contar com seu tio, o feiticeiro da tribo, e também com as orientações de sua querida mãe que alguns meses depois do falecimento de seu pai também veio a falecer.

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Jánaspreparaçõesdofuneraldesuamãe,ficoudecididoqueBa-mydele tinha de se casar para assumir a liderança de seu povo! Portanto começaria uma nova etapa em sua vida. Portanto, assim sendo, passados três meses daquela degradação, deu-se o evento.

Entretanto, seu tio não achava que Nylonda seria a esposa ideal para Bamydele, ele dizia que Bamy deveria casar-se com alguém de sua aldeia ou escolher melhor, pois havia várias consortes que sonhavam em ser sua esposa. Por conseguinte Bamy não deveria demonstrar seu inte-resse por Nylonda, porque para o seu tio não interessava o que vinha do coração e sim a razão ou a posição-social, e sua intenção era fazer com que Bamydele casasse com uma das princesas mais bem sucedidas e este queria casar-se por amor, então se deram várias competições presentes e apresentações de consortes das aldeias vizinhas por pura imposição de seu tio. Porém o jovem Bamy já estava com seu coração ocupado com sua consorte Nylonda, no entanto seu tio fez de tudo para convencê-lo, mas de nada adiantou.

Bamy entregou sua vida e daquela moça nas mãos dos deuses e argumentou com astúcia a seu tio, que haveria consultado o Oluo que era encarregado de prever o futuro. Por conseguinte Oluo disse-lhe que seu caminho já estava traçado e quem traçou seu destino fora seu falecido pai. Porém seu pai e o pai daquela moça já haveriam acertado o casamento, portanto ele deveria casar-se com ela por obediência a ele e também para manter a palavra de seu pai, com isso ele conseguiu desconcertar seu tio que não achou alternativa, pois quando os líderes se acertavam em qual-quer tipo de negociação, entre eles, teria que ser cumprido à risca, porque a palavra valia acima de qualquer conceito.

Após convencer seu tio, restava a ele se casar com Nylonda, suas noites enquanto aguardava o casamento foram muito difíceis pela angús-tia de ter que esperar. Este dia e as horas demoravam a passar e Nylonda também insegura porque poderia haver uma desistência.

Atéque,enfim,chegouograndedia.Nylondaestavaradiante,comum belo vestido confeccionado por suas irmãs e da mesma forma sua mãe. Umacoroadefloresdocampocolhidasnomesmodiapróximoàssavanas.O lugar onde fora escolhido para celebrar aquela união havia vários galhos deflordama-da-noite eflor-de-laranjeirasqueexalavamumperfume in-

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confundível, adicionavam e representavam aquele doce momento que era a união de ambos. Além disso, havia sete crianças que denunciavam a virgin-dade e a pureza daquela jovem.

Desse modo seu tio e o pai de Nylonda celebraram e abençoaram aquela união, com festas por quase uma semana, houve uma aliança entre as duas aldeias, praticamente, tornando-se uma só. Então foi um tempo de muita prosperidade para as duas aldeias. Com troca de conhecimentos de agricultura, caça, liturgia, manufaturas (escultura) em argila, em couro e em peles de animais e outras formas somatórias de conhecimento.

Tudo transcorria na mais perfeita harmonia, enquanto isso havia falató-rios de que existia um povo estranho que capturava moradores das aldeias para levar além-mar, na condição de escravos. Os comentários falavam também que além de serem levados em degredos aquele povo era vendido em leilões.

Era um povo contrário, que também se ouvia falar muito entre aqueles homens hostis, cujas peles eram brancas ou amarelas, pessoas de aldeias que traiam seu próprio povo trocando-os por miseráveis manti-mentos, fumo e bebidas destiladas. Isso tudo era uma preocupação a mais para os líderes das aldeias.

Em algum tempo atrás houve a previsão de um Oluo. Esta previsão aconteceu após a aparição de uma deusa no rio Ewa, uma deusa das águas com o mesmo nome do rio, avisando ao Oluo desse acontecimento, mas não deram crédito, pois a previsão não vinha do Oluo mais velho, o principal deles. Então após eles ouvirem o que estava se passando em outras aldeias perceberam que o perigo rondava suas aldeias. Por conseguinte, reuniram--se na montanha com os chefes e feiticeiros para traçarem estratégias de de-fesas. Nessa situação surgiu uma ideia daquele conselho, acharam melhor quemandassemalguémparainfiltrar-seentreosmercenários,demodoquepudesse se inteirar dos movimentos daquela horda de bárbaros.

Fora escolhido a dedo o homem que deveria cumprir com coragem tal missão, dada à importância do assunto em pauta, pois envolvia a sorte das duas aldeias, “Wazires e Emdembus”. Entre esses jovens ha-viam dois irmãos recém-chegados na região, vieram de uma aldeia que fora destruída, eram remanescentes do povo Mandymbas de origem Bantu. Eles se ofereceram para ir espionar os inimigos e trazer notícias dos seus movimentos, e com isso o conselho se ajuntou na intenção de

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chegare a um consenso, notou-se naqueles jovens uma pujança incrível, logo assim depositaram neles total confiabilidade e entregaram seusdestinos nas mãos deles.

Bamy queria ir, mas fora impedido porque o Oluo, este, achou que eledeveriaficarparaliderarcomsuasestratégiasumasaída,nocaso,da-queles jovens não conseguissem os objetivos. Após a benção dos deuses e dossacerdotes,queforafeitaemumaseçãofechada,ficoumarcadaparao dia seguinte a partida dos mancebos para aquela difícil missão. Pela ma-nhã, o líder Bamydele chamou-os e fez-lhes as recomendações, e que as sortes das aldeias repousassem sobre os ombros deles, pois seria horrível o insucesso da empreitada, estavam, muito em jogo, as aldeias.

Os jovens, Ndomby e Makolo, partiram ao nascer do sol, embre-nharam-se pela selva a procura de trilhas, não muito frequentes, por guer-reiros hostis ou mercadores de escravos. Após vasculharem bem aquele lugar, acharam melhor seguir em frente, pois dali para trás, de acordo com seus planos, não haveria perigo a não ser pelo lado sul que estava bem vigiado pelo povo das duas aldeias. Depois de percorrerem vários quilômetros, perceberam em uma das trilhas sinais de violência. Aldeias incendiadas, corpos em decomposição sendo comidos por vermes, abu-tres e animais predadores como hienas etc. Tudo isso servia para aumen-tar o ufanismo heroico dos dois jovens.

Ndomby e Makolo viajaram mais à noite, tomando todos os cui-dados com animais predadores e outros perigos; dado aí o sucesso da viagem. Eles da mesma forma se guiavam pelas estrelas e seguiam o cur-so dos rios, ora navegavam em troncos, ora caminhavam, não levavam provisões devido ao peso e para não se atrasarem na viagem. No entanto, eles pescavam, caçavam; comiam frutos silvestres, raízes nativas e ovos deavesqueencontravamnotrajeto,assimficavamorafáciloradifícil,porémenfrentavamtudocomtotaldeterminaçãoeconfiançanosdeuses.A viagem era tão exaustiva que perderam a noção do tempo.

Após o décimo dia de viagem perceberam que estavam muito dis-tantes das duas aldeias, entretanto resolveram voltar. Chegando às mar-gens do rio Yemotja, ouviram um gemido, procuraram entre as matas e, para surpresa de ambos, encontraram ali uma jovem mulher seminua e quase morta devido a vários ferimentos. Após constatarem que ela es-

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tava viva, resolveram reanimá-la com água e infusão de algumas ervas, lavaram os ferimentos, logo depois de alimentada, ela pôs-se a dormir. Um sono angustiante, pois a jovem queimava de febre e no seu delírio revelara o seu sofrimento e também do seu povo.

Falava de um homem: que na verdade era de origem Árabe tuare-gue, implacável, a frente de terríveis guerreiros que matavam as pessoas, capturavam e faziam-nos de escravos. Eram acorrentados e levados a costa para serem embarcados em gal”s. No delírio da jovem e com muita febre ela falava de sua mãe que fora degolada a golpe de cimitarra em sua frente e os seus irmãos levados como cativos, mas meu pai fugiu e três deles foram a sua procura para captura-lo, por tanto, não sei exatamente o que aconteceu com ele.

Quanto a mim! Aproveitei a balburdia que os seus capturadores provocavam e joguei-me nas águas daquele rio e fui levada pelas corren-tezas, ferindo-me nas pedras pontiagudas das corredeiras.

Os três jovens se encontravam próximo de uma gruta as margens dorio,entãopegaramamoçaelevaramparadentrodamesmaparafi-carem em segurança, onde permaneceram por dois dias até a mulher se recuperar da febre e dos ferimentos e no decorrer destes dias aconteceram vários episódios envolvendo aquelas almas.Um desses acontecimentos foi digno de uma premunição:

Estavam os três extenuados pelo calor provocado, pelas andanças e também pela luta na faina de procurar comida, “caças”, frutas e tratar dos ferimentos da jovem, encontraram então embaixo de uma pequena cacho-eira esta gruta onde se abrigaram naquela noite seria para sua surpresa o seu vaticino. Pois naquela gruta habitava um gigantesco Píton.

Após o tratamento dos ferimentos da mulher, os três a beira de uma fogueira que haviam improvisado com alguns gravetos, alimen-taram-se, daí a alguns minutos adormeceram, caíram em um torpor, e neste torpor eles viam muitas coisas, guerras, batalhas com total per-versidade, sua aldeia sendo destruída e eles pelo mato sem poder reagir ou fazer alguma coisa, pois todos haviam sido pegos de surpresa pelo o inimigo e durante o sono os três sentiam sensações semelhantes, cala-frio pelo corpo todo, dores e paralisar seus membros, acordaram sobre saltados e qual não foi a surpresa, viram-se diante de um monstro saído

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dos pesadelos, talvez estupefatos viram-se sendo observados friamente pela criatura dantesca, onde seus olhos vermelhos e pretos lhes analisa-vamcentímetroporcentímetro,maissurpresosficaramquandoaferaAbriu a enorme boca e pronunciou silvando algumas palavras: Eu sou Zunkuembo Dambala, quem ousa invadir meu domínio, quem são vo-cês?Insignificantesseres,respondam-meinsolentes...

Após um silencio sepulcral a mulher saindo daquele terror respon-deu: Ó grande ser da magia, perdoe a nós por invadir sua casa ou seu habi-tar, pois não temos onde nos abrigar e nem nos esconder das feras que nos caçam e também dos guerreiros que querem capturar a nós e também os de nossas tribos.

Nossa gente foi destruída e os que sobreviveram foram levados em degredo como escravos. Pelo que sabemos, foram levados para terras além--mar,estamossemnenhumaproteção,preferimosquenossacrificassemaquimesmo a ter que ser cativos por aqueles homens, mas se achar que devemos viver proteja-nos com sua magia e nos oriente com vossa sabedoria. Pois nada temos a lhe oferecer a não ser nossas miseráveis vidas.

Após estes narrativos todos permaneceram calados em um silencio profundo, só se ouviam o canto dos pássaros e o apelo dos animais, em um silencio frio, daquela tundra escura.

O silêncio foi quebrado após algum tempo pela enorme píton: te-nho fome e sede de vingança não sei se fala a verdade por isso preciso saber mais quem são vocês!.

Responde um dos jovens: Eu sou Makolo e este é meu irmão Ndomby: Viemos de longe a muitos dias de viagem na intenção de ajudar um povo que estão sendo perseguidos por um bando de homens de cor amarela, que digladiam, matam e levam para a escravidão.

E você mulher? Bem... Eu me chamo Nasymba! Sou fugitiva da minha própria aldeia, porque fomos atacados de surpresa, meu pai é o fei-ticeiro da nossa tribo! Mas ele se esqueceu de nos alertar daquele ataque, afinaleleéoencarregadodeprevenirosseusdetodososperigos,sóquedestavez,elenãotevetemposuficientedenosavisar,maseuconseguijogar-me em uma ribanceira e cair no rio Yemotja e sem explicação, estou aqui, viva, graças aos deuses e a estes dois homens e agora estamos vul-neráveis, aqui, em sua presença, ó grande ser da magia.

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Momento após a serpente falou: Agora eu sei quem é você Nasym-ba! E sei também quem são vocês dois! Durante os seus sonos eu velei por vocês! E os analisei profundamente! Consigo agora com mais clare-za, ver por tudo que passaram até aqui!

Vocês dois são mensageiros de duas aldeias muito distante daqui, cujo líder destas aldeias ao se preocupar em demasia, enviou-os para es-pionarem o inimigo, muito esperto de sua parte, mas ele deveria olhar melhor em sua volta, e observar melhor seus visinhos, por ele não ter maldade em seu coração e devido às riquezas acumuladas que suas duas tribos conquistou, despertaram a inveja e a cobiça, por isso o perigo ron-da aquele povo simples e honesto. Dias antes de sua partida os invejosos despacharam alguns dos seus, a procura de capturar os povos de suas aldeias, e suas provisões ou bens matérias.

E tu mulher: tenho que lhe contar uma história! História esta que envolve o seu povo.

Há tempos atrás, quando seu avô reinava naquela aldeia havia um jovem humilde, mas que trazia o brasão da família de seu avô por adoção! Equeousouseapaixonarpelafilhadochefe,aqualtambémeracobiçadapelo feiticeiro da sua tribo.

Os dois jovens se correspondiam às escondidas as margens deste mesmo rio, onde sob os olhares maldosos daquele feiticeiro eles se ama-vam era um amor verdadeiro. Um belo dia a jovem apareceu grávida e porserfilhadolíder,ojovemfilhodecriaçãofoibanidoeabandonadoaesmo na selva, toda esta rejeição fora induzida pelo feiticeiro. O líder da aldeiafaziagostoquesuafilhacasar-secomaquelejovemguerreiro,maso feiticeiro usou de todas as artimanhas para que os dois não chegassem aconcluiraquelaunião,afinalofeiticeiroeraasegundamaiorautori-dade daquela tribo. Bem... O tal feiticeiro tinha duas vezes mais a idade daquela jovem, mas este não era o grande problema, o maior problema era que a jovem não o amava, então ele mandou que me levasse pra bem longe da aldeia, para ser devorado pelas feras, no caminho eu consegui escapardamãodosseusbajuladoresefizsemelhanteavocêsabendoque eira morrer pelas mãos deles ou por uma fera que estava próxima de nós não pensou duas vezes me atirei no mesmo penhasco idêntico ao que você se atirou, caindo eu pensei que havia morrido, mas fui ao fundo

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das águas, passei pelos portais da vida e da morte e enquanto eu jurava me vingar mesmo que eu estivesse morto, daquele feiticeiro que tomou meu grande amor para si, e ainda contribuiu para a minha morte, então eu encontrei com um espírito que abita nas profundezas das águas.

Esse mesmo espírito prendeu-me em uma caverna e durante algum tempo, instrui-me na magia, depois me disse, que quando eu atingisse o ápice de minha sapiência e total metamorfose, eu have-ria, De me transformar correspondente ao animal de minha vingança, Adaptando-me a natureza.

Enquanto aquele ser falava, a mulher conjurava; Eu acho esta his-tória um tanto quanto familiar, no momento me sinto confusa, mas tenho na minha consciência, que já ouvia algo a respeito desta fantástica his-tória, pelo seu modo de falar me passa uma sensação que ele tem a ver com o que sei, ou melhor, isto tudo tem haver com meu passado, porem ela falava só com seu pensamento, não comentando com os demais, eles ouviam (o ser) a píton falar e a jovem analisava tudo que estava ouvindo.

Assim que a píton termina seu relato brota-lhe dos olhos uma tenra lagrima,que começouaflora em sua face, compreendeu-se entãoqueaquela criatura também era cativa naquela gruta, onde havia um enigma e encanto, que por sortilégio daquele feiticeiro, havia sido aprisionado ali. Por tanto naquele momento a píton foi libertada de seus pesadelos, pelos três jovens, que por terem eles aqueles sonhos e também pela pureza de suas almas, ouvem uma revelação e um grito de desabafo, com isto a píton notou que poderia contar com aqueles três jovens para futuras jornadas.

A jovem procurando pela memória de sua família sentiu que aquele homem que a criara com certo rancor e excesso de severidade, “o feiti-ceiro da tribo” seria seu pai, mas analisando melhor, tudo que estava se passando em sua volta naquele momento, tomou uma atitude para por a prova o que estava se passando em cabeça, pois ela notou algo que lhe chamou a atenção.

Um sinal em forma de meia lua, no pescoço daquele homem ou ser-pente, que em um estado psicológico ou em seus devaneios angustiantes sofria uma metamorfose trazendo no psíquico a forma de uma serpente ou píton, assim como ele se apresentava. Sinal este muito peculiar.

A jovem acabou por concluir que aquele sinal era idêntico o que

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ela trazia em seu pescoço, em um formato de meia lua, que seria um minúsculodeumrioesetepausemsequência,identificandoassimsuafamília, ou melhor, os nobres de sua tribo.

Em um gesto voluntário e desesperador, após todo o relato do ser, a jovem despiu-se diante da então serpente e para o espanto de todos exibiu o mesmo sinal que avia naquele ser.

Alisereconheceupaiefilhaeacomoçãofoigeral,osirmãosrudesguerreiros emocionados até as lagrimas, a jovem por sua vez chorando, abraçasse aquele degradante ser, que passara por aquela transformação pelo seu estado de espírito e qual não foi o espanto de todos, das águas surgiu um feixe de luz aparecendo nesta luz uma ninfa, então ela disse: Zunkuembo, não tenho como liberta-lo de sua forma psíquica para sem-pre, mas de hoje em diante durante o dia você se tornara homem e as noites serás um píton, tu só poderás ser morto antes de tua velhice total, se for vítima de traição, por tanto tenha muito cuidado ao voltar a sua forma, agora original. Não deixem que nenhum estranho o veja transforma-se em pítonouemhomem(humano),assimpoderásestarcomsuaamadafilha,poisagoraquetudofoiesclarecido,ficouclaroqueestamoçaérealmentequem você pensa ser, saiba que atualmente só você e ela carregam o sinal familiar, o brasão. Faça bom uso do seu aprendizado e passe a ela um pouco de sua força, assim poderás levar adiante e a termo seus propósitos.

Dito isto à ninfa desapareceu na águas do rio Yemotja, nisto nota-ram a transformação do mesmo, porque com tudo que lhe foi desvenda-do Zunkuembo se transformara em um homem alto de aproximadamente dois metros de altura espadano pernas fortes braços musculosos tudo nele denotava força, determinação e coragem, após os abraços, comovidos sa-íram da gruta com certo cuidado os guerreiros os apoiavam porque ele aindaestavatrôpego,afinaldecontaspassara-semuitotempoemformade serpente que hora deslizara sobre as pedras hora pelas águas, então era natural que estranhasse sua antiga forma.

Zunkuembo passou boa parte daquela tarde reascendendo a andar correr, falar e se portar com humano novamente.

Ao cair da noite um pouco antes dele voltar a sua forma de píton eles traçaram os planos para o dia seguinte e com os três jovens eles cul-tuaram ali mesmo Danjyyla akayyla, o espírito iniciador de seu pai com

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isto suas vidas seus caminhos tomaria um novo rumo. Logo em seguida quando já havia caído totalmente o véu da noite ele voltou a sua forma de serpente e sumiu para as profundezas da gruta, e os jovens trataram desecamuflarem,próximoàentradadacavernaedormirparaquenodia seguinte pudessem continuar suas missões.

WAZYRYS E EMDEMBUS

Enquanto isso nas aldeias dos Wazyrys e Emdembus tudo transcorria em um misto de expectativa e medo e um alívio por terem enviado, os dois ir-mãos. O sacerdote da tribo havia previsto pelo jogo de adivinhação que eles estavam fora de perigo até aquele momento, mas mesmo assim havia um clima estranho no ar, a atmosfera estava pesada, dava-se a aparência que, a qualquer momento, eles iriam ser atacados por hordas de guerreiros incan-descidos, a apreensão era geral. Alguns da tribo que se diziam guerreiros, mas sem uma boa estratégica de guerra, ousarão a desobedecer às ordens de Bamydele, resolveram por iniciativa própria ou por angústia e desespero montar guarda a dois quilômetros de distância das duas aldeias, ficaramexpostos em forma de meia lua com armas arcaicas, mas mesmo contra a vontade de Bamydele os guerreiros partiram para uma situação suicida e prometeram que se visse algum movimento estranho mandaria mensagens pelos tambores, seria um toque de alerta onde todos se esconderiam.

Bamydele pensou como seria a melhor forma para livrar aquele povodoperigoqueestavaprevisto,comosqueficaramnasduasaldeias,ele teria de pensar rápido. A sua primeira atitude foi mandar reunir todos em um só lugar.

Diz Bamydele diz: “como irei livrar este povo dessa inevitável che-gada desses homens hostis, perversos e gananciosos, cujo seus objetivos são capturar e vender nosso povo para serem escravos”.

Nosso povo que é passivo e vive em harmonia e que só quer o bem estar geral, a paz, a liberdade e o convívio com nossa mãe natureza. O pior que os nossos, que estão a dois quilômetros daqui, não tem nenhuma chance, pois, não tem uma boa estratégica de guerra, porque até então só pensávamos em viver em paz, por isso acho que falhei, mas tenho que achar

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umasaída,afinal,estepovoédeminharesponsabilidade.Pois o perigo realmente rondava aquele lugar e os dois jovens não

vieram para lhe trazer informações, Bamydele sabia de antemão que eles pelo menos estariam fora de perigo, pois o Oluo havia jogado os búzios e viu que nada de mal lhes acontecera, e eles ainda não haviam voltado porque tiveram outros afazeres pelo caminho, provavelmente estariam se escondendo dos perigos expostos a eles, mas o Oluo também via mais duas pessoas na companhia dos jovens.Zunkuembo e Ndomby:

Os dois irmãos chegaram à conclusão de que eles haviam se afas-tado muito das aldeias e que o perigo de ataque estaria próximo de onde Bamydele e seu povo situava, do que onde eles estavam.

Pois se as aldeias pelos caminhos que percorreram já haviam sido atacadas, então na realidade o perigo não estava mais ali e sim, nas al-deias dos Wazires e Emdembus. Então resolveram que deveriam voltar, mas não queriam deixar Zunkuembo “a serpente”, a jovem Nasymba que porsuavezresolveuquedeveriaficaralicomseupai,masZunkuembosentiuquenãodeveriadeixaraliajovem,porcuidadodafilhaqueeleaprendeu a amar, mesmo sem conhecê-la e agora que a encontrou, não poderia usufruir sua agradável companhia. No entanto, há tempos, ele sabia de sua existência, por intuição e o quanto a jovem imaginava ou tinha no fundo do seu coração que aquele feiticeiro não poderia ser seu pai.Afinalelearejeitavacomgrosseriasetrapaças,algumasvezesotalfeiticeiro a insinuava, falando de sua beleza e com certa malícia, e dizia mais para a jovem, que se sua mãe viesse a falecer, ele a criaria com cari-nho e lhe daria muitos presentes, tudo isso que se passou ela guardava em seus pensamentos e não falava com ninguém para não sofrer represarias.

Nasymba insistiu com seu pai aquele homem que se transformava emserpente,paraficarepodercuidardele.

Ndomby, o mais moço se sentia acuado, não sabendo como resolver aquele impasse. Zunkuembo recomendou a moça que não se separasse de Makolo, porque ele seria seu guardião e além do mais Makolo passara a dar continuidade aquele povo de nome Dan, cujo seu brasão ou símbolo seria a cobra, portanto disse mais; deixe que eu siga meu destino minha filha,estareibemnesselugar,poisagoraaquiémeuhabitatecomcertezaos deuses estarão selando por mim, auxiliando-me, enquanto eu cumpro

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o que tenho de passar, tenho de aceitar por enquanto esta situação, para que um dia quando eu tiver de ir para o mundo (Ala) dos deuses eu possa servir a Oba (Xangô) o encarregado da justiça.

Nasymba retruca: “não pai! não vou lhe deixar nesta selva sozinho, afinalagorasomosumafamília”.

Naqueles dias a obediência era algo incontestável, ainda mais se tratandodaordemdadadeumpaiparaumafilha.Eametamorfoseoutransformação que Zunkuembo sofria era exatamente quando ele se irri-tava, mas só que até aquele momento ele mesmo não sabia que esse fe-nômeno se passava pela ira e era de maneira exata, nesta ira que ele vivia todo aquele tempo como uma serpente e que fora amenizado após o con-tatocomsuafilhaNasymba.Aqueleencantoqueapareceudaságuasnomomento exato. Por isso mesmo, os jovens entenderam o porquê aconte-cia aquele fenômeno.

Ndomby querendo amenizar a situação pede conselho aos deuses, então eles tiveram a ideia de caçar um animal, para oferecer ao deus Oba o animal preferido por aquele deus ou Orixá, chamava-se o Ajapa que fora achado com uma certa facilidade, pois o local que eles estavam era próximo do rio, onde habitavam várias espécies de animais atraídos pe-las águas cristalinas do rio. Portanto com isso conseguiram amenizar a fúria da serpente ou Zunkuembo e com tristeza por ter que deixar seu pai ali, naquela tundra fria com um abraço fraterno e a esperança de re-encontrá-lo, a jovem e os dois rapazes partiram, deixando no coração de Zunkuembo um rastro de amor e saudades. Os dias daquele ser ora homem ora serpente, porém seu estado psíquico foi marcado por aquela metamorfose.Durantediasenoitesatéfindar-seotemponaquelelugaronde hoje é chamado de Ayoká.

DE VOLTA A WAZYRES

Os jovensandaram,diasediasafins,cadavezpercebendoqueestavammais próximos do perigo. Nasymba passando bem perto da sua antiga aldeia, eles puderam ver de perto toda aquela perversidade, os jovens se achegando aos poucos e muito assustados com aquela degradação, com

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vários corpos de crianças, homens e mulheres uns degolados, outros ata-cados por espadas e mais alguns enforcados, também os que haviam sido devorados por abutres e outros animais selvagens.

De longe ouviram um gemido que com certeza era um ser humano ainda com vida, com muito cuidado alertaram Nasymba falando-lhe da-quele gemido, Nasymba lhes disse que conhecia bem aquele lugar então estrategicamente se aproximaram e viram que realmente havia um sobrevi-vente, pelos gemidos de terror. Neste gemido ele pedia a morte e a jovem dizia que não era possível alguém estar vivo ali no meio daquelas feras. Pelos dias que se passaram os jovens foram se aproximando guiado pelos gemidos, então Nasymba percebeu ao chegar mais próximo que se tratava daquele que se dizia ser seu pai, o feiticeiro da tribo, assim sendo ela e ele, eram os dois únicos sobreviventes com exceção dos que foram capturados para serem levados como escravos pelos estrangeiros.

A situação do feiticeiro era chocante qualquer um que o visse não iria acreditar, na sua tamanha degradação. Ele se encontrava sem as duas pernas e lhe faltara um braço, o feiticeiro assistia as hienas e urubus co-merem parte de seu peroneu (corpo) sem nada poder fazer, pois estava completamente debilitado, Nasymba teve compaixão, mesmo passando pelo que passou nas mãos daquele ser degradante por um bom tempo, ela pensava como poderia fazer para salvá-lo, neste momento em um gesto quase inconsciente, Ndomby por desespero em querer salvar aquele ser humano e com suas armas arcaicas partiu em direção aos animais ferozes e quando ainda estava correndo em direção dos mesmos, tropeçou em uma pequena pedra e a fatalidade aconteceu. Os predadores lhes atacaram e ali findouavidadojovemedestemidoNdomby.

Emseguida,MakoloeNasymbaficaramalioprimidosobservandocom muito pavor a morte do feiticeiro, este passou vários dias se agoni-zando sem nada poder fazer nem ao menos acabar com sua própria vida que também para ele seria considerada uma morte desonrada, por ser ele a segunda pessoa mais importante daquela aldeia.

Makolo e Nasymba queriam fazer alguma coisa, mas perceberam que estava tudo consumado, resolveram partir, pois não havia mais o que fazer naquele lugar que lhes trazia muito pavor.

Pensaram em como constituir um funeral de acordo com seus ritu-

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ais, mas não teria como! Pois a certa distância havia animais ferozes que lhes observavam e que demarcaram território.

Assim os dois partiram daquele lugar, mas ainda continuavam com objetivo de ajudar o povo das aldeias dos Wazyrys.

No caminho já próximo da aldeia encontraram um fugitivo apa-vorado, que lhes recomendaram a voltar, pois as tribos dos Wazyrys e Emdembus estavam praticamente cercadas e os inimigos estavam às espreitas, só esperando o momento certo para atacar, então Makolo lhe perguntou se Bamydele havia montado alguma estratégica para defender seu povo. O então fugitivo comentou que mesmo contra a vontade de Bamydele,algunshomensafoitosficaramadoisquilômetrosdasaldeiasesperando a hora de contra-atacarem e os que não foram por obediên-ciaaolíderBamydele,elemandouqueficassema250mtsdedistância,porque os que se escondessem ele dava total garantia que nada iria lhes acontecer,bastaqueelesficassemquietos,maspelooqueolíderestavafazendo com certeza ele iria usar outros meios para salvar aquele povo.

Makolo e Nasymba, de comum acordo resolveram ir em frente, pois aquela era sua missão responde Makolo: “E mais, não é digno pou-par minha vida e ter que conviver com uma atitude covarde de minha parte,masvocêNasymbadeveficarporaí,quantoamimeutenhoqueiremfrenteporqueBamydeleeseupovoconfiaramestatarefaamimeameufinadoirmãoNdomby”.

Com este pensamento digno, Nasymba lhe respondeu: “estou com vocêparaoquederevier,afinaleudevominhavidaavocê,masnãoésó porque você me salvou que quero ir com você”. Assim sendo, os dois foram em frente com muito cuidado e a jovem lhe falou: Agora você émeuprotetor,meupaimerecomendouparaquenósdoisficássemossempre juntos.

BAMYDELE E SUAS ESTRATÉGICAS

Bamydeleemumaúltimatentativahaviamandadosacrificarváriasca-bras, moldou muitos bonecos em argila, cor da pele, em tamanho natural e também ordenou que alguns dos homens colhessem uma boa quantia de

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ervas conhecida pelo nome de Mulupanyojy e deixou tudo a mão.Quando ele percebeu que estava na hora. Em uma tentativa deses-

perada de salvar seu povo macerou aquelas ervas e mandou que todos tomassem. Sua esposa, Nylonda não entendeu bem o que ele estava a tramar e lhe pediu uma explicação, então ele relatou em detalhes para sua recém e jovem esposa a sua intenção de uma última tentativa para salvar aquele povo que era de sua total responsabilidade.

“Meu amor”, o disse com carinho e ternura: “Você é tudo que um bom homem pode desejar na vida, para mim você foi o maior presente entre todos que os deuses me concederam ou que já conquistei, mas temos que nos separar, e para sempre! Mas nunca se esqueça você foi e será o únicoegrandeamordeminhavida,semvocêavidaficasemsentido,masterá que ser assim, a partir de agora você será a líder absoluta deste povo”.

Nylonda chorando lhe responde, eu não estou entendendo nada do que você quer dizer: “Explique-me melhor”.

“É melhor que você não entenda o que vou fazer, porque poderá por tudo a perder, quero que entenda uma coisa, só quero salvar este povo desses perversos estrangeiros e de alguns mercenários de outras aldeias, que por in-veja e ambição matam digladiam e capturam nossos povos, ou melhor, seus próprios irmãos que são tão passivos e só querem viver em paz. Estou muito indignadoeparasalvaratodosqueficaram,comexceçãodosquepreferirama lutar, estou disposto a entregar minha vida nas mãos desses perversos e gananciosos estrangeiros, mas o meu povo não sofrera nenhum arranhão, eu lhe prometo.” Nylonda lhe pergunta; “e como você ira fazer isto?”

“Bem, responde Bamydele; estas ervas que foram maceradas pro-vocam um sono profundo, por estarem bem forte, elas fazem as pessoas tomarem dormir por dois a três dias, assim é conhecido como o sono da morte, porque há quase uma parada cardíaca o coração bate de forma que os leigos não percebem, ou seja, em ritmo muito lento. Q u a n t o aos bonecos de tamanho natural, vou separar as cabeças do corpo de al-guns deles e colocar sangue de cabra e outros com cordas no pescoço pendurados e também outros, com vários ferimentos com muito sangue para parecerem mortos e quanto aos que tiverem dormindo, também co-locarei sangue neles, porque se eu falhar com os bonecos ainda terei outra

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chance de enganar os estrangeiros.Como eles atacam sempre ao cair da tarde exatamente quando co-

meça a escurecer! Com certeza eles confundirão os bonecos com as pesso-as. E com um pouco de sorte, nosso povo sairá dessa situação intacta, sem nenhum arranhão, assim espero.

E porque todos terão que tomar a mistura de erva? Pergunta Nylonda:

Elesficarãoafastadosuns250mtsdasaldeiasedormindo.Emse-guida vou atear fogo nas casas e se alguns dos nossos estiverem acorda-dos, os mais afoitos ou mesmo os medrosos colocarão todo meu plano por terra e terão também aqueles que com certeza darão suas vidas por mim e é isso que eu não quero que aconteça, pois o meu objetivo é salvar a todos sem heroísmo, afinal não temos nenhuma afinidade com lutassangrentas, não sabemos matar! A única coisa que matamos são alguns animais para servir-nos de alimento, ou para suprir nossas necessidades, nãoaprendemossacrificarnossossemelhantes,mesmosendoosperver-sosestrangeirosedecordiferenteafirmaBamydele.

E você será o último a tomar a mistura? Pergunta Nylonda:Bamydele lhe responde com coragem e um grande sentimento em

suaalmaaflita,quenãovai tomaraerva,poisprecisaficarconscientepara velar pelo seu povo.

Nylonda retruca: “mas quando os invasores chegarem, eles não irão poupar sua vida, ou lhe levarão como escravo?”

Bamydele diz a sua amada esposa, “pois é assim que tenho de ser,afinal,souolíderdessasduasaldeias,paraestepovoeusouumreinão posso decepcioná-los, não sei lutar como esses bárbaros, mas quero morrer defendendo meu povo, eu acho que cometi um erro não querendo aprender a arte da luta, porque o que eu aprendi na verdade foi preservar a vida e não tirá-la. Minha vida nesse momento pertence ao nosso povo! Eu tenho fé que os deuses saberão como livrar esta gente passiva de nossas aldeias.

Nylonda lhe responde com lágrima nos olhos: “eu não irei tomar dessaservas,ficareicomvocêmeuamor,poisparamim,semvocênãotenho o mínimo interesse em continuar vivendo, viver sem você é viver sem alma, essas duas aldeias sem o seu comando, não faz o menor sen-

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tido para mim.Bamydele lhe responde com autoridade: Segundo nossas leis toda

esposa deve ter obediência ao seu esposo, por isso a partir de agora estou lhepassandonãoumpedidocomosemprefiz,massimumaordem!Eespero que me obedeça como deve ser e como uma boa esposa.” Ela lhe disse: “está bem, meu amado assim será.”

Quando tudo estava preparado surge o ataque, o grupo de bárbaros e mercenários era formado por estrangeiros alguns árabes e africanos de outras aldeias que foram banidos, estavam revoltados e com inveja. Eles entregavam seus próprios patrícios. Entre o grupo havia a necessidade de nativos africanos por eles, os bárbaros, não conhecerem o local de ataque e também por causa do dialeto. Os nativos, sem o menor escrúpulo, recebiam como pagamento, arroz, trigo, charuto e outras mercadorias de pequeno valorcomerciale,nofinal,osestrangeirosostraiam:Aquelesqueelesacha-vam que lhes iriam trazer um bom lucro eram também capturados e levados em degredo, já os árabes eram mais astutos, portanto queriam sempre paga-mento antecipado e em dinheiro ou moedas de ouro que e estavam sempre às espreitas para no caso de serem traídos.

VOLTANDO A BAMYDELE

Bamydele sentiu que começara o ataque, sem perca de tempo, ateou fogo nas ocas (casas) e saiu gritando: fomos atacados! fomos atacados do lado oeste!” mostrava-se muito pavor para seus algozes.

Nylonda desobedeceu à ordem de seu jovem esposo Bamydele, ela não havia tomado a tal mistura de ervas preparada por ele. Portanto, sem que ele soubesse, para sua surpresa ela saiu do esconderijo, rasgou suas roupas, feriu-se e gritava com total desespero. Tudo isso na intenção de afastarem os mercenários daquele lugar. Estes, africanos, vendo todo aquele povo que dormia, profundamente, em várias posições, jogados so-bre ao chão, no entanto para eles estavam todos mortos, deduziram que realmente aquele povo fora atacado por outro grupo que também seria seu inimigo, por covardia acharam melhor bater em retirada para não haver a necessidade de combate com outros guerreiros, porque na condição de

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tradutores explicaram para os estrangeiros que havia outro grupo e que aquela aldeia já tinha sido atacada e com isso mataram muita gente, mas que só lhes restaram aquele casal, porém havia outra aldeia da tribo dos Emdembus.

Osbárbarosficaramemdúvidasedeveriamatacaraoutraaldeia,porque na verdade, estava sem moradores, pois Bamydele reunira a todos e escondera-os entre as matas. Com esta dúvida, entretanto, os merce-nários e bárbaros sabiam que o perigo ainda rondava aquela aldeia, por qualquer motivo eles poderiam concluir que tudo aquilo era uma farsa, então a dúvida prevalecia.

Makolo e Nasymba abriram um buraco próximo da aldeia, entra-ram buraco adentro e se cobriram com gravetos e mato fresco, camu-flando,assim,otalburaco,pegaramumtocodeárvoreocoe,àspressas,colocaram um couro de animal que eles carregavam de suas caçadas e fizeramumtambor,logocomeçaramamandarmensagenscomopropó-sito de os mercenários africanos ouvirem.

Na mensagem Makolo dizia que as aldeias dos Emdembus e Wazi-res haviam sido atacadas.

Osmercenáriosestavamcomcertadificuldadeparaouvireenten-der a mensagem, após conseguirem entender, traduziram aos estrangei-ros que do lado oeste havia vários e vários guerreiros, assim como eles os chamavam e que não valia a pena o perigo, assim sendo resolveram, de comum acordo, ir embora e na faina de saírem daquele lugar quase passaram por cima de Makolo e Nasymba, logo as aldeias dos Wazyrys e Emdembus foram salvas por aqueles heróis destemidos, sem o uso da violência, só perecendo os ousados voluntários que montaram guarda a 2 km, contrariando as ordens de Bamydele.

Makolo e sua parceira foram socorrer os sobreviventes e após uma tímida, porém linda declaração de amor, ele pede a mão da bela jovem, Nasymba, em casamento, jurando-lhe eterno amor, esta por sua vez retri-bui ao jovem, entregando-lhe seus lábios para que com ternura fosse bei-jadaporaquelebelojovem,cujabelezainterna,trazidadaalma,refletiaetraduzia em seu belo porte físico.

Por consenso, após algum tempo, eles se tornaram líderes daquele povo. Sendo, ela, a única sobrevivente de sua aldeia, então, Nasymba

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passou com o consentimento de seu marido o brasão ou o símbolo de sua aldeia para aquela tribo cujo seus objetivos eram a paz e a liberdade.

Bamydele e Nylonda vieram para o Brasil nas piores condições que um ser humano pode suportar, em porões de navio negreiro, comen-do uma ração por dia, subordinados aos seus, agora, senhores, em que o chicote feito em couro de animal era a lei.

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PARTE DOIS

BAMY E NYLONDA NO BRASIL

Bamydele, quando chega ao Brasil, passa a se chamar João de Ayoká, entretanto foi vendido a um fazendeiro por um bom preço, pois era muito saudável, com dentes perfeitos e, portanto, um negro muito bonito, pode-ria ser um excelente reprodutor, se o seu senhor assim o desejasse:

Já embarcados no navio negreiro, Bamydele e sua esposa sofreram inúmeras humilhações, mas uma delas lhes calou bem fundo em suas almas. Foiemumamanhãquandoficarampartedanoite semdormirporque o navio sofrera uma violenta tem pestade que arrastou-se por vá-rias horas. Sendo assim, era de costume, os mercadores tirarem todos os escravos do porão para tomar sol e se exercitarem para que, logo, chegas-sem ao destino em boa forma física.

Pois bem, os escravos estavam todos no convés, quando os tripu-lantes do navio, que eram ajudantes, começaram a mexer com uma mu-lher, tentando possui-la, então Bamydele, vendo o sofrimento desta, pe-diu ao imediato que reprimisse aqueles homens, porque a mulher estava sofrendo muitas dores, humilhação etc.

Por esta razão, ele foi amarrado ao mastro principal do navio e casti-gado com várias chibatadas e ainda teve de assistir àquela monstruosa cruel-dade com a mulher, sendo possuída por vários homens contra sua própria vontade, praticaram-se todos os tipos de perversidades possíveis que qui-seram, logo após espancá-la, julgaram morta, então lançaram sobre o mar.

Bamydele atado ao mastro assistia a tudo sem nada poder fazer, só lhe restava, então, pedir aos deuses a sua misericórdia e pedir a Olo-dumaré (Deus), todo poderoso, que poupasse a sua vida e a dos escravos que estavam nos porões. Passando necessidades, fome e humilhações, sem saber o porquê de todo aquele castigo, o motivo pelo qual as espancavam e violentavam algumas das mulheres. No entanto, sem poder fazer nada, às vezes, ele se revoltava e tinha pensamentos horríveis, achando que aquilo tudo não passava de um pesadelo ou que aquele povo estivesse sendo castigado por deuses. Logo, em seus pensamentos, ele tentava fazer um

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exame de consciência, para saber se haveria cometido alguma injustiça para merecer tanto sofrimento ou então se os deuses estavam lhe pondo à prova. Na verdade Bamydele estava sendo lapidado para sua tenra missão em terras além-mar.

Em seus delírios ele avistava, um vasto campo com muitas folha-gens verdes, as savanas em sua terra Ayoká, tudo era perfeito e bonito, os parentes e amigos de sua tenra infância e na fase adulta os peixes no rio, as aves e os animas tudo em harmonia, mas ele não estava lá, se encontra agora amarrado para ser entregue em mãos estrangeiras, preso e cativo com sede e fome, mas o seu maior martírio era a fome!

Afomedejustiçaqueelesentiaemsuaalma,delíderpacifistapornatureza. Eis que, um daqueles bárbaros lhe diz: “não se preocupe negro! você não irá morrer, sabe por quê? porque você vale um bom dinheiro e nós separamos algumas mulheres para nos saciar, está vendo aquelas ali tomando banho?

Estão tomando banho para tirar o mau cheiro, depois que nós apro-veitarmos delas, todas irão morrer.”

Bamydele, observando, viu que sua mulher estava naquele grupo e o tal homem lhe explicara que aquelas eram as mais bonitas e sadias, entretantoficaramnos porões asmais feias, pois eram intocáveis pelafeiura, mas que também valiam algum dinheiro.

DizBamy:“afinal,quemsãovocês?Comopodemagirdessafor-ma? Agem como verdadeiros animais, matam seus semelhantes sem o me-nor remorso. Só porque somos de peles diferentes e andamos de acordo com a nossa natureza, seminus, ou vocês são animais em forma humana?”

Quando Bamydele já estava no limite de sua resistência achando que seria sua última noite, pois há três dias não comia nem bebia, a não ser as gotas de água que caíam da chuva.

Assim que o homem levanta o chicote para chicoteá-lo o comandante daquele grupo diz: “para! não faça isso, este homem está debilitado, se ele morrer será um prejuízo enorme, tire-o desse mastro agora, faça com que ele tome um banho e alimente-o, pois ele precisa chegar em forma, senão não terá valor algum e eu não estou disposto a tomar mais prejuízo, mande também essas mulheres lá para baixo, nos porões. Mesmo elas não sendo fortes, iguais os machos, valem algum dinheiro. Vamos logo, faça o que

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estou mandando seu imbecil.”Após o banho e a sua ração que naquele dia foi reforçada, Bamydele

cai em um sono profundo junto àqueles trapos jogado no assoalho do porão, no entanto nesse sono ele queimava em febre e falava de seu povo, guerras e pessoas mortas. No terceiro dia, graças a algumas ervas que alguns dos nativos traziam consigo e que eles mastigavam, sua febre foi cedendo e, também, por Bamydele ter o costume de ingerir em sua aldeia algumas das ervas seus órgãos tinha muita resistência.

No outro dia, logo pela manhã, eles ouviram um burburinho muito grande no convés daquele navio, uma gritaria que, às vezes, eles não en-tendiam, ou melhor, os que falavam outras vezes, comentavam sobre os tripulantes africanos, diziam: “terra à vista, terra à vista e, logo, em segui-da eles perceberam que a embarcação havia parado e balançava, suave-mente, de um lado para outro. Foram momentos angustiantes para todos, porém pensou se tudo aquilo seria um sonho ruim e que talvez estivessem em sua terra natal e nada daquilo seria real.

O chefe da tripulação desceu do navio, arranjou-se em um barco e ordenou aos seus subordinados que trouxessem os negros acorrentados e emfilaindiana,fazendocomqueos“escravos”subissemparaoconvés.

Deondedivisavaapraiaeumaexuberantefloresta,portantodelon-ge eles avistavam algumas pessoas com cavalos, outros com carroças. Daí eles foram jogados em pequenos barcos, obrigados a remar até a praia, onde eram colocados sentados lado a lado e examinados por outros ho-mens. Todavia dois deles muito bem vestidos, com porte nobre, falavam e os escravos não entendiam nada de suas linguagens, mesmo assim sabiam que estavam sendo avaliados, depois se examinaram os dentes, unhas etc. e seguiram viagem até um vilarejo, onde foram lavados, alimentados e colocados, todos, em um galpão grande com cobertura de taipas. Ali se passaramdoisdiaseduasnoites,alibamydelepôdeficarporumpoucotempo com sua amada Nylonda, mas no fundo do seu amargurado cora-ção, ele sabia que ele teriam de se separar e que talvez nunca mais pudes-sem estar juntos.

No terceiro dia, por volta das nove horas da manhã, foram todos até a praça, no vilarejo, onde uma multidão se aglomerava em torno de uma espécie de palco. Ali tinha um homem vestido com colete de couro,

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chapéu abas largas, botas e calça de algodão, um senhor rude e com um chicote em mão, estava em cima do palanque e anunciava o leilão dos escravos que se encontravam amontoados naquele casebre de barro co-berto com taipas. Muito bem vigiados por homens armados de carabinas, facões e cães adestrados. Assim que começa o leilão os escravos eram levados, na presença dos interessados, de dois em dois, os nobres e fa-zendeiros, ali mesmo, arrematavam como se fossem animais e dali eram colocados em grilhões nos carroções gradeados.

Porfim, foi anunciado: “senhores,muita atenção:deixamosesteexemplar quase por último, por ser ele um escravo de raro esplendor e uma força descomunal. Esse belo exemplar veio do coração das selvas. Do continente africano, de um lugar chamado de Ayoká. Repito: ele é forte como um toro, espanando bons dentes, sem nenhuma marca em seu corpo, lance inicial dez contos de réis, quem dá mais”. Ouve-se uma voz forte lá detrás: “doze contos de réis.” O leiloeiro: “temos lá no fundo 15 contos, quem da mais, por este excelente escravo.”

Continua: “poderá ser um excelente reprodutor, quem arrematar terá grandes lucros, pois muitos negrinhos ele poderá reproduzir. Com isso o seu dono poderá ter muito lucro.” Ouve-se a mesma voz lá no fundo. Gritou com energia: “eu ofereço 25 contos de réis, esta é a minha última oferta,praninguémmaisretrucar.”Disseofazendeirocommuitafirmeza.Repete o leiloeiro: “quem dá mais, quem dá mais, quem dá mais? vendido por 25 mil réis, para o senhor ali atrás.”

Naqueles dias, nunca se tinha ouvido falar em um valor tão alto para a compra de um só escravo, era realmente muito dinheiro.

Aquele senhor que arrematou Bamydele era nada mais que o po-deroso fazendeiro que se conhecia naquela região das Minas Gerais, se-nhor Orozimbo (Odorico Cavalcante) homem impiedoso, acostumado tratar seus escravos com muita ruindade. Os fujões de sua fazenda, na sua maioria, eram mortos e carneados. Davam-se as carnes daqueles escravos mortos para os cães, contavam-se coisas horríveis a seu respeito, ele era de uma educação perversa e arcaica que herdara de seu pai e de seus entes passados. A falta de humanidade que ele dirigia a seus cativos lhe era peculiar, até os mais rudes e enérgicos senhores de escravos achavam Orozimbo (Odorico) muito ruim e cruel demasiadamente.

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Ali, Bamydele percebeu que realmente começaria seu calvário. Pois ele ao analisar o rude fazendeiro percebera o quanto aquele senhor era perverso e para seu azar, ninguém conseguiu fazer uma oferta maior do que o tal fazendeiro, ele foi vendido por 25 mil reis, uma pequena fortuna para aquela época.

Após o leilão sem perda de tempo. Dali os escravos foram levados para as fazendas etc.

Bamydele foi conduzido bem acorrentado pelos homens do fazen-deiro, senhor (Orozimbo) Odorico, e colocado na carroça atrás das grades comoumanimalferozenãoficousabendooquefoifeitodesuaqueridaNylonda.

Nylonda fora comprada por outro fazendeiro, pela quantia de seis mil contos reis e que por ser escrava fêmea seria uma quantia bem eleva-da e só foi vendida por esse preço por ser ela a mais bela negra daquele leilão, com isso ambos tomaram rumos diferentes.

MAKOLO E SUA ESPOSA NASYMBA

Enquanto isso, na África, as aldeias devastadas que foram comandadas pelos predadores europeus. Makolo e Nasymba resolveram reconstruir, tudo o que fora destruído pelo fogo, em um lugar mais alto. Estrategica-mente escolhido para que se houvesse uma nova investida, ou no caso de guerra, os teria mais facilidade para defesa e fuga dependendo do caso. Elaboraram tudo de acordo.

As pessoas, das duas aldeias Wazyrys e Emdembus, passaram a ser treinadas na arte da guerra e o manejo de vários tipos de armas por compa-triotas de outros recantos, isso serviria como troca de informações e apren-dizado para todos em geral. Makolo, em sua antiga aldeia, era de origem de guerreiros Bantos que tinha, por natureza, ótimas estratégicas de se de-fender, mas também pregava a paz quando fosse possível.

E assim Makolo conseguiu formar um bom contingente de jovens guerreiros e corajosos, enviou emissários para outras aldeias, convidan-do-os para formar um grande clã. Mandou dizer aos chefes ou líderes de aldeias que a partir daquela data haveria uma espécie de exército, sempre

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pronto, para no caso de qualquer tentativa de ataque inimiga e que os di-rigentes enviariam seus jovens para serem trinados e aptos para defender asaldeiasquefizessempartedaqueleclãseassimoquisessem.

Com isso, estabeleceu-se em comum acordo, várias aldeias vizi-nhas, uma grande fortaleza.

Makolo além de líder das duas aldeias também foi eleito o coman-dante geral daquele exército, com isso enxotaram da região alguns mer-cenários que ainda haviam permanecido ali por perto, por escaramuças, bem planejados, pegando-os de surpresa. Uns bêbados, outros dormindo após suas orgias.

Noentanto,oquemaislhepreocupavaelhedeixavaaflitoeraalembrança do pai de sua amada esposa, não lhe saía do seu pensamento, seu grande sonho ou objetivo seria trazê-lo para que vivesse ali perto da suafilhaedoseunetoounetaquelogoviriaparaoconvíviodosseus,pois Nasymba a sua amada esposa havia concebido (estava grávida).

Em conversa com sua mulher Makolo, lhe revelou seu desejo e dis-se que gostaria muito de voltar naquele lugar, invocar a ninfa das águas e dizer-lhe de seus planos, pois agora o rio não passava muito longe da aldeia, após estar em seu novo leito.

O PLANO (PROJETO)

O plano consistia em construir uma gruta às margens do rio, o mais próxi-mo possível da aldeia, onde sitiavam Makolo e Nasymba e consagrar aque-le lugar ao deus Dã. Colocar ali Zunkuembo como seu eterno guardião, as-sim ele poderia tomar conselhos e também sua mulher estaria sempre perto de seu pai, com efeito ele poderia aprender a arte da magia (ser iniciado).

Sendo assim aconselharam-se com os feiticeiros, isso porque eles viviam em plena democracia, uma democracia socialista.

Os feiticeiros além de acharem uma ótima ideia também lhe en-sinaram como invocar a ninfa das águas, mas nada conseguiram porque nenhumdelesdetinhaconhecimentosuficienteparainvocá-la,porconse-guinte Makolo se sentiu desiludido.

Certo dia, Makolo estava à beira do rio a meditar como era de

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seu costume, todos os dias ao cair da tarde ou pouco antes do anoite-cer. Quando logo ele ouviu uma voz vinda das profundezas das águas. “Por que você parece-me estar tão desiludido com seu projeto homem?.” Logo, Makolo associou aquela voz com a voz da ninfa que escutara falar quando ele esteve com Zunkembu.

Já refeito do susto, ele disse: “senhora das águas, eu gostaria que aquele homem, meio-homem e meio-serpente que a senhora ajudou, vies-setercomsuafilhaequepudessemorarpróximodenós.Aquitemosumagruta onde ele poderia compartilhar conosco o convívio familiar.

Passado algum momento a ninfa falou: “pode preparar junto a seus guerreiros, ao sopé da montanha, a tal gruta, mas que seja muito bem es-condido naquela ravina pequena ao sul da sua casa, que eu farei o resto. Após tudo preparado, você me trará muitas frutas nativas e duas virgens vestidasdebranco,ornadasdejoias,carmesim,marfim,ouroeumaguir-landadefloressilvestreemcadaumadelas,entãoeufareiaparecerumolhod’águaque tenhaforçaevazãosuficientepara inundararavinaeunir-se ao rio e para ali então traremos Zunkuembo e, com isso, lá ini-ciaremos os cultos de adoração a Dã.” Nessa ocasião, também, revelarei meu nome!. “agora, espere um momento.” Dito isso ela mergulhou até as profundezas daquelas águas e de imediato voltou para a superfície, trazendo em suas delicadas mãos vários seixos uns dourados outros de várias cores em um colorido espetacular e disse a ele: “escolha um.” Após alguns segundos de indecisão, ele escolheu o seixo verde com nuances prata, dourada e negra. Ela lhe disse: “muito bem, esta é uma pedra que se chama esmeralda, através dela você me invocara, e eu me comunicarei contigo e que o mesmo lhe sirva de amuleto para suas horas de total inde-cisão, assim também como para sua tribo.

Dito essas coisas, ela desapareceu nas águas profundas daquele rio deáguascristalinas,ficandoatrásdesiumfeixemulticordeluz,deixan-do qualquer ser humano embebido pela beleza.

Após esse momento único, Makolo retornou à aldeia e relatou com muito entusiasmo a sua bela esposa o ocorrido. Entre surpreso e feliz por conseguir logo em breve trazer Zunkuembo para perto de todos e poder construir um templo onde adorariam ao deus Dã e seu séquito.

No dia seguinte, Makolo reuniu no pátio da aldeia todos os guer-

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reiros e partiram para um local próximo a aldeia para deixarem a gruta na mais perfeita ordem, na intenção de receberem Zunkuembo no novo templo de Dã e também o novo lar daquele píton.

Chegando ao local determinado, os guerreiros retiraram, imedia-tamente, as pedras, colocando-as umas sobre as outras, até alcançarem o barranco para a escavação da gruta.

Não precisaram muito esforço, logo acharam um vão que só foi preciso completar a abertura um pouco mais e, para surpresa de todos, assim que abriram a entrada da gruta notaram que havia um enorme sa-lão.Eraumagrandecavernaqueadentravaamontanha,ficaramtodosmaravilhados ao ver que não fora preciso muito esforço, pois a natureza já havia se encarregado disso.

Do lado de fora fez com que aquelas pedras se tornassem a entrada, formando o templo que justamente ali haveria de ter a caverna central e outras menores seriam o local ideal para a adoração do deus Dã, e onde iria morar Zunkuembo.

Ficando do lado de fora a ravina. Um plano muito bom de terra, onde as crianças das duas aldeias poderiam entreter-se com brincadei-ras. Com o plantio de várias árvores, margeando a ravina, para arborizar aquele lugar em um futuro muito próximo e ali mesmo se formarem uma pequenafloresta,comárvoresmedicinaiseárvoresfrutíferas.

Esse projeto demorou pouco tempo para ser executado, afinal amãe natureza foi muito gentil e generosa com aquele povo.

Enquanto isso, todas as noites Makolo invocava a ninfa, por meio daquele seixo que ela lhe deu, por intermédio dele a ninfa orientava Makolo na elaboração da construção, ou melhor, na transformação da caverna em tempo.

Doladodefora,avistava-seorio.Enfimchegouodiaprevisto,mastrês dias antes aconteceu um enorme temporal, quase um dilúvio, todos estavam muito preocupados e apreensivos, achando que a enxurrada iria destruir tudo que fora feito.

Qual não foi a surpresa de todos, ao chegarem lá, após o temporal, tudo estava perfeito na mais perfeita ordem. A ravina haveria se trans-formado em um grande corredor de água que unindo ao rio tornou-se um lindo canal, então no dia seguinte preparam tudo de acordo com as

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orientações da ninfa, na pessoa de Makolo.Na véspera deles irem buscar Zunkebu, preparam as virgens, as

frutas,oscestosdealimentosornamentos,joiasemouromarfim,carme-sim etc. Acenderam-se os archotes do lado de fora, as margens da ravina agora um canal. Todos que ali estavam presentes entoavam cantos em louvor a Dã. Quando menos se esperava, ouviram um barulho de água irrompendo da montanha, algo se movimentava internamente sobre a montanha, a água do canal começou a borbulhar se movimentando em redemoinho cada vez mais rápido e mais forte atingindo um ritmo aluci-nante num crescente até culminar em um jarro d’águas que parecia sair das entranhas do monte como se fosse um jato de água elevando-se bem acima das cabeças dos ali presentes. Nesse momento, na crista da águas, surgiu a Ninfa toda vestida em roupas reluzentes, uma miscigenação de luz ouro e prata. E falou aos presentes: “povo de Wazyrys e Emdembus ouçam-me. De hoje em diante, este lugar será a minha morada e de nos-so pai Dã (Ijuku Danbalah), terá na pessoa de Zunkuembo o seu sumo sacerdote, tudo o que for feito aqui, assim será e através de sua pessoa eu revelarei meu nome, para sempre será Yassure Mamboji, a deusa do senhor do arco-íris.

Para sempre estas águas jorrara aqui neste lugar e alimentara o rio queseformaraeDaravidaasavanaasflorestaseosanimaisdestaspa-ragens e o animal sagrado daqui será a píton e o ajapa, as frutas e os ali-mentos serão deixados aqui como oferenda a Dã.

As virgens serão as sacerdotisas do amanhã, doravante elas só ser-virão ao sumo sacerdote, aprenderão tudo que for preciso para o culto do nosso deus e que seja erguido aqui um monumento a Dã.

Naquela madrugada, iniciaram-se os preparativos para trazer o sa-cerdote Zunkuembo para o templo. Constituíram um barco de bom tama-nho, com remadores, para subir o rio em busca de Zunkuembo.

Neste ínterim as duas aldeias estavam eufóricas em preparativos, afinaltodosiriamconheceropaidaesposadeMakolo,umhomemqueao ser vítima de uma magia ruim se transformou em píton, amargurando algunsanos,nessaforma,atéserencontradopelasuafilha.Porconse-guinte, de agora em diante começaria uma nova etapa e uma nova época, de certa forma muito boa para ele e os demais das aldeias.

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Para que a felicidade de Makolo fosse completa só lhe faltava saber onde estaria Bamydele e sua esposa. Após chegar seu sogro, Makolo pre-tendiausarsuainfluênciaeastúcia,juntamentecomseusogro“apíton”ea ninfa, para saber dos amigos e também como ajudá-los.

Pela manhã, empreenderam a viagem, navegaram rio acima até onde lhes permitia chegar, ou melhor, até onde era navegável, iriam viajar por um bom tempo. Ao anoitecer, Makolo foi logo preparando a mente dos tripulantes, para que não se assuntassem com o que haveriam de ver, pois o aspecto da criatura que iriam buscar, à primeira vista, era assustador e ele explicou aos demais que ao anoitecer aquele ser de um coração generoso era um píton gigantesco, o maior que sucedeu por ali e que durante o dia ele se torna um homem... Um homem de um exce-lente caráter com um coração extremamente bondoso e justo em suas atitudes.

Mesmo eles sendo preparados para o que haveriam de ver, surpreen-deram-seaoveraqueleréptilenormefalando.Seriaalgomagnífico,algorealmente fantástico, um píton falar.

Chegando ao ponto de onde o rio não era navegável desembarca-ramdograndebarco,tiraramdorioemarcaramolugarondeficouobar-co para a volta, em seguida andaram horas até chegarem a uma cachoeira que por sobre as águas escondia a gruta onde um dia Makolo, Nasymba e seufinadoirmãoNdombyabrigaram-secomeçandoaquelasaga.

Apósalgunsdiasdeviagemfinalmentechegaramaumacachoeiraera quase noite, todos pararam à entrada, Makolo entrou só e chamando--o da caverna. Aparece Zunkuembo Danbalah! Makolo lhe diz: “Aqui, seugenro,Makolo,venhoempazelhetragoboasnotíciasdesuafilha,ótimos assuntos... Seguiu-se um silêncio breve. Depois um longo silvo vindo do fundo da gruta, aparecendo em seguida um enorme réptil. Cum-primentaram-se e Makolo disse: “Alegre-se homem, pois o que tenho a lhe dizer vai deixá-lo muito feliz, transformara sua vida de monotonia a alegres dias e noites. Vamos sair dessa caverna”. Após saírem, todos os guerreiros correram apavorados ao ver aquele enorme píton, mesmo Makolo os preparando para o que iriam ver.

Passado o susto eles foram voltando aos poucos, até que todos se juntaramemvoltadeleefinalmenteconheceramdepertootãofalado

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personagem daquela história, que o líder Makolo e sua esposa contavam nas duas aldeias.

Após esse episódio, resolveram por um consenso que deveriam descansar e no dia seguinte aquele píton haveria de se transformar em ho-mem, então ele iria relatar a Zunkuembo qual a sua intenção de estar ali.

No dia seguinte houve a transformação quando os guerreiros acor-daram ali estavam Makolo e o homem Zunkuembo com dois metros e 10 cm de altura, forte como um touro e assim compreenderam o encanto.

Após Makolo convencer Zunkuembo a vir com ele, preparou-se de imediato a volta para próximo das duas aldeias onde aquele homem, àsvezes,cobraraasvazesserhumano,poderiaficareserosupremosa-cerdote onde iriam cultuar a Olorum e ao deus Dã. Após chegarem onde estavaograndebarco,pararamefizeramumarápidarefeiçãoeseguiram,minutos depois, rio abaixo cantando.

Zunkuemboestavamuitoansiosoempoderreversuafilhaetam-bém poder usar de seus conhecimentos de magia, de modo que estes fos-sem úteis para as duas aldeias que na verdade pela união de ambas, seria, portanto, um só povo reunido em torno de um só objetivo.

Navegaram boa parte, sendo que a volta de onde estavam, logica-mente, seria mais rápida por vir rio abaixo, ou melhor, a favor da cor-renteza. Ao cair da tarde do último dia de viagem apontaram o barco na aldeia, quase na hora em que Zunkuembo haveria de se transformar, todos nas duas aldeias estavam esperando o homem que seria o mais im-portantedaquelepovo, suafilhaeraamaisansiosa,elaperguntaraemseu pensamento como seria a reação de seu pai ao ver tudo aquilo que fora feito para ele na caverna próximo das aldeias. Ou melhor, o grande templo para cultuarem o deus Dã que estava ao sul próximo ao rio, sua emoção, seu estado gestante, tudo isso era motivo de preocupação, mas estava otimista e muito feliz.

Por fim, ela avistou sua grande silhueta poderosa, seu tamanhoavantajado sobressaía entre os outros, abraçaram-se emocionados pai e filha.Acomoçãofoigeneralizadaemumsóalarido, todosaliolhandoaquela cena, quando ele começou a se transformar, até porque já se fazia noite e também pelo seu estado emocional em uma mística de amor e ódio(amorpelooqueestavaacontecendoerevoltapelooquelhefizeram

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nopassado).Todosficaramestupefatosaoverqueohomemsetransfor-mara, diante de seus olhos, em uma serpente. Basicamente, quase todos correram no que foram acalmados por Makolo e sua esposa. Os demais que já haviam presenciado a transformação de Zunkuembo, onde este es-tava antes. Logo que acalmaram- se, foram todos em direção ao templo, no que já se fazia esperar nas portas pelas virgens e lá dentro a Ninfa o esperava indo ao seu encontro.

Falou Zunkuembo mesmo transformado em píton: “Aqui começa uma nova era: uma era de alegria e contentamento para vocês e os seus, euficareiaquiedesfrutareitambémdetudoaporvir,teremosmomentosdifíceis a transpor, isto é, a bem da verdade, mas com inteligência, e astú-cia, e também com ajuda de Dã, e de Olorum nos sairemos bem.

Do lado de fora, todos dançavam e cantavam em harmonia, a magia e a felicidade faziam-se presente, houveram-se festejos até pela manhã, o povo de Ayoká cantava assim:

“o Dã yko o huyry mã nassade abara do egbo yko o huyry mã no sada yeye doum edã edã edã abara do egbo yko huyry mã etc... ”.

O SONHO DE MAKOLO

Após os festejos em comemoração a chegada de Zunkuembo. Makolo descansava em sua tenda, nisso ele adormeceu e sonhou. Neste sonho suamulhertiveradoisfilhosgêmeos,sendoumlindocasalecomissotodos estavam alegres, mas de repente uma sombra negra abateu-se so-bre a aldeia, na forma de uma enorme águia e no sonho ela carregava os dois bebes.

A grande ave, ao mesmo tempo em que conduzia as crianças, solta-va raios reluzentes incendiando tudo em sua volta. Makolo enfrentava o gêniodomal(demônio)atirandoflechaselanças,masnadadissoadianta-va, de repente surgiu das matas um caçador: um caçador vestido em pele deleopardoelhedisse:“Nãosepreocupeeutrareiseusfilhosdevolta”.Ao olhar mais de perto, ele pôde observar de quem se tratava, o caçador materializado em sua frente era seu irmão Ndomby, mais alto, forte e iluminado.Noentanto,emseguida,Ndombyarremessouumaflechacer-

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teira em direção das nuvens, estas ao serem atingidas, formaram-se em um enorme temporal apagando o fogo e drenando toda a força daquele gênio do mal.

AodevolverosfilhosdeMakoloocaçadordesapareceunabrumabrancaeaveludadalevandoconsigoodemônioalado.Porfim,aoolharas criança ele não conseguiu ver seus rostos e sim a feição de seus faleci-dos pais que haviam perecido na invasão de sua aldeia há algum tempo. Por conseguinte, uma voz lá de longe lhe dizia: “Makolo, não se esqueça de seus pais, você ainda tem um irmão que se acha perdido sofrendo muitoalém-mar,agoratenscomosaberondeficaestelugarqueescravi-za os seus, não se esqueça”.

Aoacordartodosuado,Makolo,correuaotemplo,afimderelataro sonho a seu sogro Yassure (a Ninfa). Chegando lá extenuado foi logo narrando seu sonho, no que Zunkuembo levantou a mão direita em sinal de silencio e apontou o espelho d”água, mostrando para ele todo seu so-nho,aíeleficoumaravilhadoaorever,ali,tudooquesepassouemseusonho, então o sonho se decepou.

Então Zunkuembo disse-lhe: “você acaba de ter uma premonição que teremos que rever e tentar amenizar o que há de porvir”.

“Pelooquepudevermeufilho,aáguiasignificaalgumfeiticeirovizinho tentando nos pregar uma peça ou equiparar suas forças com as nossas.As crianças com certeza significam você e suamulher, sendoambos, tu e tu amada, testados no comando das duas tribos”.

Makolo diz: “O temporal?”. “Bem:O temporal significa asdificuldadesdas empreitadas, tenha

muito cuidado, mas sempre conte comigo e a Ninfa”.Continua: “Os mortos são um aviso e um lembrete para que

vocês relembrem e rememorem situações passadas, que tirem delas, portanto, proveitos. Agora preste atenção: até aqui você e sua esposa já enfrentaram várias situações e se saíram muito bem, mas não se esqueçam de quem foi embora na condição de escravo para terras além-mar, principalmente o jovem que era o grande líder dessas duas aldeias e também se lembrem com carinho em seu irmão que se foi em um ato de heroísmo tentando salvar a vida daquele feiticeiro que foi meu maior rival”.

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A NINFA

Já passado alguns tempo da chegada de Zunkuembo, ele começou a notar certa melancolia nos olhos da moça, moça porque era uma jovem de boca pequena e lábios carnudos, seios empinados, quadril largo, um corpo muito bem esculpido pela natureza, sendo delineado pelas poucas roupas que o ambiente lhe permitia, então não lhe caía bem a tristeza naquele rosto jambo e olhos mesclados, que confundiam e impressionavam até os mais sensíveis gostos.

Já,háalgumtempo,elelhesurpreendiafitandoohorizontelongín-quo. Então em um desses dias ele lhe perguntou: “Por que tanto pensa minha Ninfa? eu gostaria de saber para poder lhe ajudar minha deusa, (eu consigo até ler alguma coisa do teu pensamento mulher). Só que não consigo ver nitidamente pelo teu grau de magia, mas gostaria muito de ajudá-la. Nisso, pela sua sensibilidade ele notou em seu belo semblante um leve estremecimento e uma lágrima que rolava dos seus olhos”.

Qual não foi o espanto do sacerdote ao ver que aquela bela jovem, Yassure. Linda e enigmática se achava ali na sua presença tão frágil e tão só. Sua tristeza transbordava de sua alma, algo se passava ali que lhe dei-xara naquele estado. Zunkuembo nunca havia notado aquela melancolia na Ninfa ou Yassure. Após alguns minutos de silêncio total, ela tomou coragem e falou: “Sabe Zunkuembo! Após muitas décadas ou séculos não sei muito bem precisar o tempo, nunca me lembro de ter sentido tal emo-ção, parece-me que após tantas lutas falta-me alguma coisa, ando experi-mentando sensações que para mim ainda são totalmente estranhas, pois eu achava que isso só acontecia com pessoas comuns e não com nós, seres que por fazerem parte da alta magia jamais poderíamos sentir.

“Veja bem Zunkuembo, estou abrindo meu coração para você, acredito que irás me compreender, sinto-me vazia, meu coração parece que dispara em certos momentos aqui nesse lugar que eu mesma mandei preparar para que habitássemos aqui, mas sinto que preciso lhe dizer tudo quesinto,afinalviveremosaquipormuito tempoaindae juntos.Euevocê. Tenho comigo que mesmo na condição de Ninfa tenho direito de Amar, amar intensamente, mas não sei se posso”.

Responde Zunkuembo: “tenho notado que ao repartir esse templo

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comvocê,quequantomaisnósnosconhecemosmais;queremosficarjuntos, da minha parte sinto-me inseguro em relação a você, pois chego a pensar que a qualquer momento você decidirá ir embora e eu acho que nãosuportariaficarsozinhosematuaagradáveledocecompanhia,issotudo me toca profundamente. Eu também precisei tomar coragem para lherelatartudoquesinto,afinalnaminhacondiçãodeorahomemorapí-tonficamuitodifícileulherevelarmeussentimentos,agoraquefloresceutudo isso, eu pelo menos me sinto mais leve e mais saudável”.

Zunkuembo não sabia mais como se portar diante da presença fe-minina, após o que lhe acontecera no passado tudo mudou em sua vida e agora ele se encontrava ali, vulnerável e apaixonado diante daquela mulher enigmática e bela, de tal forma que sua beleza resplandecia aos olhoshumanos,masaindaconfusosemsaberoquedizer.Afinalelesen-tia naquela Ninfa a superioridade em sua condição de homem mesmo sendo ele o grã sacerdote.

Ela, por sua vez, se sentia pequena por demais, pois era uma sacer-dotisa ou semideusa e não uma mulher que nunca fora tocada por quem quer que seja, pelo seu alto grau de magia, até porque naquela Ninfa apa-receu em sua vida por um encanto que ajudou quebrar aquela magia ruim que ele havia contraído e se tornou uma vítima daquele mau feiticeiro.

Após um instante, os dois sefitaramnos olhos intensamente umpara o outro e vice-versa, nenhum deles conseguia desviar seus olhares, então a aproximação foi inevitável. Quando se deram por si em um im-pulso inesperado e natural, seus lábios se tocaram, em seguida, se uniram por um bom tempo, com isso pareciam que ambos subiram aos céus não se dando conta do tempo que se beijaram. Como um caleidoscópio suas vidas ali se fundiram em uma só! Um só ser, logo veio à tona tudo sobre suas vidas, os acontecimentos passados, presentes e futuros e como ele se tornou aquela aberração, a tristeza por perder seus entes queridos e agora seu sentimento de ser humano poderia ser totalmente restituído num acon-tecimento fantástico! Como a arte de fazer o fantástico.

Neste momento, o espelho d’água começou a borbulhar e fervilhar, uma névoa densa se formava envolvendo os dois seres ali. Em seguida, o ambiente fez-se uma luz e uma voz forte e eloquente se fez ouvir.

“Zunkuembo e Yassure ouçam-me, é chegado o momento de lhes

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revelar algo sobre as vidas de ambos! Prestem bem atenção”. “Por tempos indeterminados vocês vagaram por essas paragens,

sem se encontrarem agora por força dos acontecimentos, todos esses sen-timentos que os unem vieram à tona, mas você Yassure estava sendo pre-parada para ser uma deusa e não só deter a magia assim como você é, mas agora pela tua fraqueza vejo que terá de trilhar outro caminho. Veja bem não te censura por isso, mas agora é impossível voltar atrás, mesmo que você queira, saiba que eu estou comovido com sua história e tudo mais, afinaloamoréomaissublimedetodososatos,provadissoqueOlorumo pai da criação, ou melhor, o criador absoluto! Criou tudo por amor”.

‘Agora, vocês dois terão que me prometer algo, jurarão que nunca usarão seus poderes em prol de si mesmos e nem para prejudicar alguém mas sim para agirem contra magia ruim ou para salvar alguém que esteja sendo prejudicado injustamente, auxiliando suas aldeias, por isso eu Yji-ku Danbalah unirei vocês dois neste templo, para que nunca se separem e também tenham conhecimento um do outro e de suas histórias”.

“Gostaria de acrescentar, Tu, Zunkuembo, suportaste muito bem todos os infortúnios, por isso, de agora em diante tu serás um ser humano normal com poderes de magia podendo se transformar em píton, mas recomendo que só se transforme em caso de muitíssima necessidade que demanda risco de morte, em você ou em um dos seuss assim sendo tu podes controlar a partir de agora teu estado psíquico”.

“Lembre-se! Serás amaldiçoado e morto se algum dia usares esses poderes que lhe são concedidos para atacar ou ferir alguém, seja quem for. Para tanto, terás o poder da adivinhação! Usar-se-ás para defender os fracos e oprimidos, sobretudo com justiça faça a vontade dos deuses, cumpra bem o seu papel e ter-se-ás sempre a minha proteção e além de você ser o grande s acerdote também terá o cargo de Oju baba Oluo (os olhos que vê o futuro)”.

“Quanto a você Yassure, foi moldada de um momento triste minha filha!Ondeeutiveumimpulsomuitofortee tambémmeapaixoneiporuma mulher humana sem nenhum poder sobrenatural, que ao dar a luz, ou melhor, te dar a vida, veio a falecer, não pude fazer nada e você fora abandonada à margem do rio, com risco total de ser devorada por feras predadoras,entãocomumesforçosobrenaturaleufizdevocêumaninfa

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ou semideusa, por ser você concebida, por uma mulher humana e eu. E agora por força do destino ou dos acontecimentos você terá de seguir seu caminho como mulher subordinada ao seu futuro marido, terás de viver nos molde de Zunkuembo como humana e, também, terás poderes de magias e juntamente com seu companheiro cumprirás seu destino”.

Usebemospoderesquelheconcederassimminhafilha,tuestaráscumprindo a vontade de Olorum (Deus) e estarás de acordo com os meus princípios,euosabençooesempreestareicomvocêsmeusfilhos.Quan-do precisares de mim, sabem como me invocar. Estarei sempre por perto.

Dito isso, a névoa se dissipou por completo e eles se viram enla-çados em um abraço fraterno e carinhoso. Do lado de fora, horas antes o povo das duas aldeias havia notado aquela névoa envolvendo o templo e todoscorreramparalá,afimdesaberemoqueestavaacontecendoporcima dessa névoa que formava um lindo arco-íris, ninguém se atrevia a entrarnacavernaondeestavaZunkuemboeaNinfaYassure.Elesficaramante a entrada do templo para saberem o que se passava lá dentro. Nisso surge na entrada Zunkuembo e a Ninfa de mãos dadas, os seus semblantes denotavam felicidade e uma luz emanava dos seus semblantes, ali todos compreenderam o que realmente aconteceu.

Zunkuembo havia encontrado sua alma gêmea na pessoa de Yassu-re, a partir dali ambos passaria a ser humanos.

Makolo e sua esposa vieram-lhe ao encontro deles e indagaram com certa ansiedade o que estava acontecendo, porque aquela nevoa em forma de arco-íris, mas que cobria todo o templo.

“Aconteceu a coisa mais extraordinária em minha vida”. Responde Zunkuembo: “eu que pensava que nunca mais haveria de

amar alguém, porém aconteceu. Todo esse tempo eu estava ao lado da pes-soa que transformaria a minha vida, mas hoje eu e Yassure conseguimos enxergar o grande amor que nos envolve, portanto a partir de agora nós dois estaremos unidos pela magia e também pelo amor que temos um pelo outro com as bênçãos de Olorum (Deus) e Dã nosso pai”.

Zunkuembo e Yassure chamam o casal para dentro do templo e lhe relata tudo que se passou.

Então Makolo lhe deu um abraço fraterno felicitando-os e no alto do patamar do templo ele comunicou a todos o acontecido:

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Disse Makolo: “povo Wazyris e Endembus, o dia de hoje será um marco, marcará uma data muito importante pra todos nós, Zunkuembo e Yassureirãoseunirpelolaçodoamor,daquiasetediasoficializarãoocasamento de ambos, com o conselho dos anciões”.

“Mandaremos emissários a outras aldeias para lhes comunicarem e convidá-los para nossa grande festa. Faremos uma comemoração jamais vista por estas aldeias, então eu lhes ordeno que comecem os preparativos da grande festa, em seguida em um tom solene os quatro adentraram no templo. Lá dentro Yassure fez questão de enfatizar o acontecido com eles e seu pai, em uma narrativa cheia de alegria e suspense, Makolo e sua es-posa sorviam as palavras da Ninfa como se fossem um néctar, notava-se a sua alegria e o brilho de seus olhos, ao terminar a narrativa, os quatro estavam tão emocionados que chegaram as lágrimas em um silêncio to-tal. Nisso, Zunkuembo rompe o silêncio do ambiente e diz: ‘muito bem Makolo a primeira coisa que pretendo fazer agora, já que me foi concedi-do o poder de adivinhação, vou apelar aos deuses para saber o que acon-teceu ao teu antecessor, aquele jovem que era líder absoluto dessas duas aldeias de quem você tanto fala o formidável Bamydele”.

Fizeram uma oferenda ao deus da caça e marcaram para a manhã seguinte um ritual, em que eles tentariam de todas as formas saber o destino de Bamydele e Nylonda. Então, no outro dia logo pela manhã, foram ao espelho d’água e perguntaram aos espíritos que ali habitavam. Oh, seres da sabedoria ouçam-nos o que foi feito de nosso irmão Ba-mydele e sua esposa Nylonda. Sabemos por outras aldeias que homens de cor diferente a nossa atravessaram o mar para capturar o nosso povo e fazê-los de cativos em terras desconhecidas e longínquas, dizem que eles escravizam ou então matam sem nenhum escrúpulo, ou melhor, semomenormotivo,poissenadafizermosaestepovonadadevemosa eles, estes perversos. Peço que me respondam se por acaso eles estão mortos?”.

NissooespelhoseclareiatotalmenteeapareceafiguradeBamy-dele, Nylonda e outros cativos de várias aldeias, mostrando todos eles desde a captura, em seguida o navio negreiro, numa retrospectiva de tudo o que acontecera, desde a invasão das aldeias até aquele momento.

Os quatro conseguiam ver abordo do navio, os porões, todos os

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negros amontoados e atados por correntes nos pés e dormindo uns sobre os outros em uma condição desumana, depois eram levados ao convés e se movimentavam de um lado para outro, muitas vezes eram chicoteados, aquilo tudo os deixavam com o coração amargurado sem entender porque todo aquele castigo.

Por causa da longa distância e também o mar e por não terem trans-porte de navegação a revolta e a ira dos quatro, ali no espelho d’água, era muito grande de tal forma que criaram inconscientemente uma sombra ne-gra sobre o navio, então não conseguiram ver mais nada do tal navio por estarem envolvidos naquela energia ruim, mas conseguiram enxergar um outro plano eles viram a fazenda onde estavam, naquele momento, Ba-mydele e outros escravos. Viram a senzala, o tronco onde os negros eram marcados a ferro em brasa e castigados, isso tudo eles conseguiam ver pela magia do espelho d’água.

Com isso, puderam compreender o verdadeiro destino de Bamyde-le,Nylondaetambémosdemais.Então,elesficarammuitotempocomaquelas imagens ruins em suas mentes, tentando compreender o porquê de as pessoas fazerem aquelas atrocidades com os seus semelhantes, tira-vam-nos de seus habitats ou da terra natal e os levavam a lugares nunca imaginados, por conseguinte eles tiravam nossa liberdade e consequente-mente a dignidade e em alguns casos até a vida.

Zunkuembo e Yassure, com total indignação, perguntavam aos deuses como poderiam ajudar e qual seria a receita dentro da magia para chegarem até lá, ou melhor, além-mar.

Nisso, tornou a surgir das profundezas das águas o pai da Ninfa Yassureelhesdiz:“vocêsfizeramacoisacerta,invocaramosdeuseseem nome do deus da caça estou aqui novamente, agora na condição de seuportavoz,masprimeiroquerorecomendaravocêsquenãofiquemrevoltosos com o que está acontecendo com aqueles que foram captura-dos pelos brancos, na verdade aqueles brancos estão sendo extremamente perversos, mas os negros que se foram estão sendo lapidados cada um de acordo com o que eles têm, para serem resgatados, tudo isso que estou lhes falando irá lhes servir como um bom aprendizado, mas no futuro vocês entenderão melhor o que quero lhes dizer”.

“Bem, quanto a ajudá-los, tudo terá de ser em seu tempo, porque o

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tempo é senhor sábio e supremo assim como Olorum (Deus).Vocês se preparem, sobretudo, os anciões e as duas virgens que es-

tão na condição de sacerdotisas para que vocês, Zunkuembo e Yassure façamumaviagemastral.Osdoisficaramportrêsdiassemsealimenta-rem, só poderão comer frutos e beber água da fonte próxima ao templo. E tomarão muitos banhos de ervas colhidos próximo as savanas, vocês terão também que se preservarem sexualmente nesses três dias.

As ervas que irão usar para o banho estão relacionadas ao deus da caça, então no terceiro dia quando que estiverem dormindo acontecerá a viagem, nesse dia e hora seus espíritos se desprenderão de seus corpos e serão abduzidos nessa viagem, o único perigo será se houver pessoas barulhentas, possessas e má intencionadas próximo de vocês, por isso é necessário que tenha em suas voltas só os anciões e as duas virgens. Isso acontecera 15 dias após o casamento de vocês, para que vocês não fraque-jem e coloquem tudo a perder.

Com essas recomendações o casal se recolheu, começou a meditar para responder suas próprias perguntas de como seria aquela viagem e como poderiam fazer para ajudar aqueles irmãos além-mar.

O CASAMENTO

Passados os dias que se transcorreram com muita expectativa e ansie-dade, chegou o dia do casamento de Zunkuembo e Yassure, tudo foi preparado de acordo com a ocasião, pois se tratava da união de dois seres especiais, tudo ali era preparado com esmero, o salão cerimonial dentrodotemploeraenfeitandocomfloresdocampoapiranaentra-daenfeitadacomfrutos,alémdasflorescolhidascommuitocarinho.O templo estava ornado com todo capricho digno daquele belo casal, uma enorme quantidade de cerâmicas elaboradas pelos Endembus. Ha-viam vários presentes, estes enviados pelos chefes de aldeias vizinhas e vários dignitários chegando, ora avisados pelos emissários, ora pelos tambores, tudo preparado com muito carinho, com pompas de um casal da realeza.

Porfim,chegouograndemomento,afrentedotemplohaviauma

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clareira onde todos esperavam os anciões que encabeçavam juntos com Makolo, ao lado da pira acesa, com óleos e essências aromáticas extraídas dasfloressilvestresetambémdealgunsfrutosnativos.

Formaram uma alameda ladeada por guerreiros ornamentados com pelesdeleopardos,marfim,plumadeavestruzesuaslanças,dançarinoscom vestes cerimoniais tocavam tambores e dançavam exibindo seus cor-pos seminus. Logo se fez um grande silêncio, então Yassure surgiu entre a alameda seguida adiante e marcando os passos por várias jovens em vestes cerimoniais, estes eram marcados pelos tambores em ritmo grave. Pela manhã ambos já haviam feito os votos perante o monumento ao deus Dã, seguido por todos os aldeães, agora seria o cerimonial propriamente dito, para em seguida dar sequência aos festejos. Makolo foi quem discursou primeiro: “Hoje estamos aqui para celebrar o casamento de Zunkuembo e Yassure, ele o sacerdote supremo e conselheiro e ela vestal e sacerdotisa do arco-íris consequentemente do povo das águas. Assim sendo é com muita alegria que chamo aqui os anciões para que de acordo com os nossos costumes antigos e hierárquicos façam as preces invocando as forças da natureza para que unam os dois seres aqui presentes!”. Feito isso se deu lugar aos mais velhos que deram seguimento a cerimônia. (ky Olorum Aba oxé, mona odara, oco odara, axé dy ory odara, ylê, ylê, ylê axé), os aldeões respondiam “yle, yle, yle axé”. Após essas palavras, vieram duas crianças e colocaram duas coroas de novenfar (chibata) que só cresciam naquelas águas e colocaram nas cabeças dos noivos, forraram suas mãos com laços efitasdetecidosespecialmentemanufaturadospelopovodasaldeiasparaestaocasião,quemascolocouasfitasforamasvirgens,representandoapureza de Yassure e assim após os oferecimentos, os votos, as juras os laços foram desatados e o casamento se realizou, com os dois sendo con-duzidos e felicitados por todos ali presentes, chefes, feiticeiros de tribos vizinhas e também distantes, pois eles tinham conquistado a admiração e amizade até dos invejosos. Houveram-se danças cerimoniais e profanas que os homens e mulheres realizavam por ocasião de casamentos, liber-taram também pássaros e animais capturados as vésperas para celebrar a liberdade de todos ali presentes, houve também distribuição de bebidas fermentadas ali mesmo na aldeia, feitas com frutos e raízes colhidas na savana. Após os cumprimentos os noivos se afastaram para o fundo da

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montanha,afimdeconsumaremoenlaceetambémencontraremapedralilás que todos os sacerdotes e sacerdotisas casados usavam.

Assim se deu o casamento de Zunkuembo e Yassure.

O DESTERRO DE NYLONDA

Após o leilão onde Bamydele foi vendido ao fazendeiro senhor Orozim-bo (Odorico Cavalcante), chegou a vez de Nylonda, a negra mais linda daquele lote, então após vários lances ela fora arrematada por seis con-tos de réis, pelo senhor Belizário um fazendeiro de muito longe sendo sua fazenda já divisa com outro estado, ela situava entre Minas Gerais e Bahia. Senhor Belizário mandou que a levassem e colocassem uma rou-pa descente e trouxessem-na até a estalagem onde ele estava hospedado com sua esposa. Assim sendo, levaram-na onde o fazendeiro conferiu sua aquisição. Ordenou que todos os escravos arrematados fossem colocados na carreta que se usava naquela época especialmente para o transporte de cativos, só Nylonda que foi poupada, o fazendeiro fazia questão que elaviajassecomeleesuaesposaemsuacharrete.Afinalelearrematouaquela escrava para presentear sua bela esposa, dando para ela Nylonda, como sua mocambo, só tinha que ordenar aos serviçais da sua mansão que ensinassem a nova escrava como falar a língua portuguesa.

A VIAGEM

Aviagemcomeçoucomumachuvafinaeumfriodeoitograus,fazendocomqueaquelefinaldetardesesetornaumtantotristonho,presenciandouma viagem cheia de acontecimentos nada favoráveis.

Ao chegarem à região da serra numa estrada um tanto íngreme, uma das carretas fugiu do controle do condutor, bateu de ré contra uma pedra, quebrando, assim, um eixo e por isso despencou ladeira abaixo, ar-rastando consigo os cavalos, rebentando-se as rédeas da parelha, para sor-te dos animais. Mas nesse incidente perderam-se dois escravos que mor-reram ao rolarem o barranco, foram sepultados ali mesmo, às margens

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do caminho, o enterro foi feito por outros escravos que improvisaram um sepulcro com pedras achadas ali para evitar que animais violassem as sepulturas dos pobres coitados.

Tudo que se passava naquele lugar estava sendo observado por qui-lombolas escondidos no mato, esperando, portanto, o momento certo para atacarem e libertarem alguns escravos, porém os comboios estavam mui-tobemarmados!Comcarabinasecachorrosferozes.Issoficariacravadona memória de Nylonda.

O fazendeiro que comprou Nylonda e outros chamava-se Antônio Castanho da Silva, ele e sua esposa vinham sendo seguido por quilom-bolas desde o acidente na serra onde morreram os dois escravos. Esses mesmos fugitivos vieram seguindo as carroças, até a fazenda do senhor Antônio, na intenção de libertar alguns escravos. Chegando à mesma fa-zendapormeiodesinaisfizeram-seentenderpelosescravos,entãoumdos escravos mais esperto que chamava Orotum, algum tempo após ele passaria a se chamar João da Cruz, entendeu que ali haviam escravos africanos que falavam seu idioma, assim sendo ele tratou de pedir alguns objetos e folhas, porque pretendia usar para seus sortilégios.

Era costume entre eles, os escravos carregarem sempre um saqui-nho de couro cru como amuleto e também ervas e sementes que era indis-pensável que com as mesmas ora eles preparavam chá ora faziam banhos. Os mais antigo plantavam as sementes para mais tarde usarem as folhas e raízes, usavam também cascas de frutas etc., assim sendo não foi difícil o recém-chegado escravo, que iria se chamar João da Cruz, encontrar ervas necessárias para seus encantos. Enquanto os outros se acomodavam na senzala ele tratou de colocar sua cabeça para pensar. Após pensar nisso, já eram altas horas da noite, ele deu um jeito de sair da senzala por um vão onde tinha uma parede que havia uma pequena brecha, ele afastou um tronco que estava como parede e saiu do lado de fora para saber da-queles negros que estavam escondidos próximos à senzala qual seria as intenções deles, da onde viam e para onde iam, assim que João passou a saber o que os quilombolas queriam. Ele resolveu ir com eles, mas o que se dizia chefe dos quilombolas achou melhor ele voltar para ajudar com informações, sobretudo o que se passava na fazenda para em um futuro breve eles libertarem boa parte dos cativos. Assim que os outros escravos

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deramporfaltadele,ficarammuitoaflitos,poisodiaseguintejáestavacomeçando a despontar e o capataz não demoraria em passar para fazer a contagemdosnegros,afimdequenãohouvessefaltadenenhumdelesnahora da distribuição do trabalho, após um grande espanto, logo ouviram a voz do feitor, que perguntava em alto e bom tom: “Tem algum escravo fujão aí, eu sinto que deve faltar algum, se isso acontecer todos irão para o tronco, os escravos mais velhos traduziam para os recém-chegados o que o feitor estava falando, em seguida entra o tal feitor e começa a contagem.

Mas sem que ninguém percebesse, como em um passe de mágica João(Orotum)estavaemumcantodasenzala,fingia-sedormir,nissoto-dosresponderamnão,não.Assimofeitorficavasabendosetodosestavamali e os que não entendiam o que o feitor falava, foram orientados a imitar osoutros.JoãonãosabiaficarsemfazerumaartedesdeseustemposnaÁfrica e assim que o feitor se descuidou por fração de segundos João deu um jeito de apagar os archotes que iluminava a senzala e o feitor gritava para seus ajudantes: “Venham todos aqui! corram! venham depressa com isso”. Ele provocou uma balburdia geral e João (Orotum) ria. Sorrateiro. Ele tinha uma alegria nada comum para quem passou por um navio negrei-ro, pelourinho, leilão e uma viagem conturbada com acidentes etc. Todos osriscosquepassavaeleencaravacomzombaria,enfimosarchotesforamacesos e o feitor constatou que todos estavam ali, pensou o feitor ainda bem que foi um engano de minha parte, pois não falta nenhum escravo.

Passadounsquatrodias,Joãonãoseconformavaemficarquietoem seu lugar, tinha que fazer alguma arte seja com quem fosse.

Pela manhã e bem na hora de todos acordarem, João já estava em pé maquinandooquefariapradificultarodiadosfeitores.Chegandoaocafe-zal ele prestou bem a atenção nas saídas “ruas de café” e entradas do cafezal e aprontou das suas.

Andandopelocafezalfingindotrabalhar,poisparaquemeraesper-to, assim como João (Orotum), não era muito difícil enganar o feitor, pois de vez em quando ele se afastava para tomar um aperitivo. Bem, de tanto João (Orotum) procurar no meio das folhas secas ele achou uma cobra, era uma grande jararaca dormindo ali nas folhas, com muita astúcia ele procurou a bruaca do feitor que trazia sua comida, cachaça etc. Ali, ele colocou naquela bolsa de couro ou da bruaca a cobra enrolada no meio

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dospanosqueestavamnasacola,eficoutrabalhandocomosenadahou-vesse acontecido.

Qual não foi a balburdia quando o feitor foi almoçar, a tal cobra estavaláfuriosaporficarpresanaquelabolsa,atravessuradeJoão(Oro-tum)ficoumaiscompleta,poisnaárvoreemqueseencontravamasma-tulas dos homens ajudante (capatazes) do feitor havia uma caixa de ma-rimbondos.

Ao abrirem as bolsas viram aquela enorme serpente enroscada, foi uma correria só. Um deles no susto bateu com a cabeça sobre o enxame de marimbondos aumentando ainda mais o desespero de todos, com ex-ceção de João (Orotum) todos os ajudantes do feitor juntamente com ele foram picados por aqueles insetos, mas os escravos não foram porque estavam bem afastados daquele local, pois nem na hora do almoço não podiam se misturar com os brancos.

Na correria, os escravos assustados acabaram deixando ferramen-tas, sendo pás, enxadas e outras, já os capatazes deixaram carabinas, fa-cões e mais algumas armas para trás, no que João (Orotum) pegou tudo e colocou debaixo de umas pedras e folhas, por cima, na intenção dos quilombolas pegarem, pois ele sabia que de longe os mesmos estavam observando tudo.

Os quilombolas pegaram todas as ferramentas, armas e viram na-quele escravo rebelde mais um colaborador à altura para seus futuros planos. Mais tarde, ou melhor, assim que possível eles iriam fazer uma incursão a fazendas e gostariam de contar com a ajuda do astuto João (Orotum). Assim que os capatazes voltaram não acharam nenhuma ferra-menta, nem armas e perceberam que também não estavam com os escra-vos, nessas alturas acharam por bem não falarem nada para o fazendeiro e nem castigar os escravos. Alguns deles pensaram que aquilo era um castigo. Naquela noite sem perca de tempo, quando todos já haviam se re-colhidos para dormir, ouviram um assobio bem penetrante, que vinha do mato. Era, portanto, uma estratégia para atrair a atenção dos capatazes. Enquanto estes entraram no mato para procurarem de onde vinham aque-les silvados. Um dos quilombos se aproxima da senzala e chama João em um tom de voz bem baixo: “levam-no até o chefe dos quilombolas com os olhos vedados para ele não gravar o caminho, pois assim seria melhor

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para eles mesmo no caso de serem pegos pelo feitor ou os capatazes”. Quando lá chegaram o chefe lhe perguntou qual era seu nome, então João (Orotum) lhe respondeu em Africano que não entendia o que aquele ho-mem falava; pois bem, eles começaram a falar o mesmo idioma de João, assim sendo estabeleceu-se entre João procedente da tribo de Yolof na África e os quilombolas uma linha de comunicação.

Ficou acertado que João criaria as confusões na fazenda ou na lavou-ra, e os quilombolas entrariam e levariam os negros que quisessem fugir.

Naquela semana haveria uma grande comemoração na fazenda, se-riaoaniversáriodofilhocaçuladaquele fazendeiro,omeninoGabrieliria completar oito anos de vida. Ocasião perfeita para João (Orotum) executar seus planos sórdidos para ajudar os quilombolas.

João (Orotum) executava suas artes com prazer, pois agora tinha um motivo para tal. Além do mais, sua revolta por terem vendido seu filhoparaoutrofazendeiro.AquelemaisprecisamenteBamydele.

Os preparativos para a tal festa já estavam prontos; era só aguardar odiaseguinte,nofinaldatardeparaofazendeiroreceberosconvidados:

Comidas, bebidas haviam em abundância. Os padrinhos do garoto viria da capital a expectativa para recebê-los era muito grande, além do mais eles trariam notícias da corte, as mulheres viriam vestidas com teci-dos importados a última moda de Budapeste.

Por volta das dez horas da noite os quilombolas chegaram, deram a João (Orotum) o sinal combinado e ele saiu escondido e foi ter com os quilombolas. Estes lhe trouxeram uma espécie de erva que ingerida provocava uma dor de barriga seguida de diarreia, náuseas e mais adiante vômitos. Ficou-se combinado que seria no vinho e no ponche, no que entãoJoão(Orotum)ficouencarregadodeiràadegaemisturarnastaisbebidas, as mulheres tomavam ponche e os senhores se embriagavam com vinho que era servido direto dos tonéis. O preconceito daquele fazendeiro era tamanho que os escravos não poderiam servir seus convidados, teriam deficardacozinhaparaofundodoquintal,paratantoforacontratadoumprofissionalcomomestredecerimônia,garçonsqueserviriamosconvi-dados.AsortedeJoão (Orotum),azardosprofissionaisque levariamaculpa pelo o que iria acontecer com os convidados, foi fácil colocar o suco daquelaservasnasbebidas.Alémdomaisestasficarammaisencorpadas.

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Após os convidados comerem com toda ferocidade de seres famin-tos,afinalvieramdemuitolonge,amaioriaenchuacarapopularmentefalando, isso foi um prato cheio para os planos de João (Orotum).

Lá pelas dez horas da noite tornaram-se aparecer os quilombolas assim como estava combinado com João (Orotum), exatamente na hora em que as tais ervas começariam a fazer efeito. Bem, houve-se um corre--corre que as latrinas eram muito disputadas pelos convidados, foram chamados até os capatazes para ajudar naquela tremenda confusão e foi nesse exato momento que os quilombolas conseguiram libertar a maioria dosescravos,ospoucosqueficaramnãoconfiarametiverammedoquesuassituaçõesficassempiordoqueestava.

No dia seguinte, após os convidados irem embora, a reação do fa-zendeiro, pelo o que comentava é que os seus convidados comeram e be-beram demais por isso que passaram mal, assim ninguém levou a culpa, mas o prejuízo foi grande com a perda da maioria dos escravos que foram morar com os quilombolas.

O BATIZADO DOS ESCRAVOS

Como era de costume naquela época, os senhores mandavam que fossem batizados os escravos mais antigos da fazenda ou então aqueles que os se-nhores achassem que deveriam passar por tal cerimônia, então alguns dias após Bamydele chegar à fazenda o senhor Orozimbo (Otaviano) achou por bem batizar alguns escravos e também Bamydele, os cativos não enten-diamoqueeraaquilo,ficaramumtantoassustados,mesmoporquenuncahaviam visto um homem com vestes totalmente preta (o padre) que para eles parecia mais uma coisa de espírito do mal. Eles achavam que aquele homem, ou melhor, o padre fosse um zumbi, a cerimônia se dava com ve-las de cera de abelha, cruz, água e sal, todos ali receberam nomes cristãos de acordo com os santos da devoção de seu dono.

Nylonda, por sua vez, fora batizada e recebeu o nome de Fátima Emerecianadasflores.

Orotum que veio naquele degredo e que fora vendido pelo mesmo fazendeiro que comprara Nylonda, este fora batizado. Colocou-se então

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o nome de João da cruz, este homem foi exatamente aquele que protago-nizou parte da história e que deu muito trabalho aos moradores daquela fazenda. Tal homem parecia uma criança levada, assombrava os outros escravos, dava um trabalho danado. Para os capatazes da fazenda tinha um excelente coração, João da Cruz como passou a ser chamado, real-mente conhecia alguma coisa de magia por isso sabia ele como brincar com as pessoas, porém colocava em risco até mesmo sua própria vida, era ele tão esperto que nunca havia ido para o tronco ou levado a qualquer tipo de castigo e ainda assim seu dono tinha algum apreço por ele.

BAMYDELE, A REDENÇÃO

Enquanto isso na outra fazenda, onde se encontrava Bamydele, assim que chegou à propriedade do senhor Orozimbo (Otaviano), foi jogado a uma senzala, onde recebeu roupas de algodão cru, calça, camisa e também naquele dia recebeu uma mísera refeição que consistia em angu de fubá, refogado de taioba com alguns restos da mesa do tal fazendeiro. Contudo, às vezes eram servidos orelhas, pé, rabo e costela de porco, farinha de mandioca e feijão preto. Onde ali as cozinheiras caprichavam no tempero para amenizar aquela humilhação, enquanto isso o fazendeiro e seu pes-soal comiam o lombo, pernil, ou seja, as partes nobres dos suínos.

No dia seguinte ao cair da tarde, Bamydele foi o submetido a mais um vexame. Naquela época, todos os escravos comprados ou nascidos na fazenda, tinham de levar a marca do dono. Então todos foram agri-lhoados e atados ao pelourinho como animais, do lado havia um braseiro com alguns ferros com as inicias do dono da fazenda. Os escravos foram despidos da camisa e marcados a ferro como se fossem bois. Isso para que todos soubessem quem era seu dono, ali eles sentiam uma dor lanci-nante, parecia que suas carnes e os tecidos de seus corpos iam pegar fogo. Bamydele lutou muito contra a dor para não o sucumbir, logo após todos seguirem para a senzala, pois no dia seguinte todos iriam para a labuta diária, este homem, o fazendeiro, era tido como feroz, então ele compra-va os escravos e os deixavam sob a guarda de seus feitores e o capatazes na faina a procura de diamantes e outras pedras preciosas, mas o senhor

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Orozimbo (Otaviano) também tinha a cultura do plantio de café, com isso alguns escravos cuidavam da lavoura outros extraiam minerais a procura de ouro e outras pedras valiosas.

Ao cair da noite daquele dia, em que os escravos foram marcados a ferro em brasa, dentro da senzala os cativos ardiam em febre e o calor do ferro que os marcaram para sempre, enquanto a dor era quase insu-portável em seus corpos, existia uma dor maior seria sua dignidade dos escravos que gemiam incessantemente.

Ali, no lusco ofusco da senzala, a luz bruxuleante de lamparinas. Entretanto, Bamydele usou seus conhecimentos espirituais e erva - líticos para tentar amenizar a dor de seus compatriotas que estavam em uma situação degradante.

Bamydele era profundo conhecedor de ervas medicinais, que bem preparadas aliviava tanto a dor física, como também a dor do espírito, com issoeleganhouaconfiança,amizadeefédaquelepovotãosofridoehumi-lhado. Este conhecimento fez com que Bamydele tornasse um líder eleito por unanimidade, os escravos o aceitaram como uma espécie de guia espi-ritual, com isso ele relembrava as suas origens e as longas conversas com os anciões de sua antiga tribo, em que todas as noites eles grugunavam al-gumas rezas, sempre pedindo a misericórdia dos deuses. Assim ele passou afazercomqueemtodasasnoitesreunissemefizessemsuasrezasaosdeuses, pedindo a misericórdia e que a saudade de suas terras e seu povo queláficoufossemabrandada,naesperançadediasmelhores,levandoaosseus sofridos corações um pouco mais de alento.

Mal sabia Bamydele que suas preces estavam sendo ouvidas pe-los deuses e também chegava a forma telepática no subconsciente de Zunkuembu e a Ninfa Yassure, a pedido de Makolo.

Durante a faina diária, Bamydele conversava com os escravos quando podia e às vezes articulava para se interar um pouco mais daquela situação em que se encontravam. Aos poucos ele começou a perceber que ali por muito pouco se era castigado e sujeito até perder a vida, como por exemplo,seumdoscapatazesdesconfiassequealgumescravoqueeleestivesse escondendo alguma pedra preciosa, ali mesmo seria castigado e também poderia ser executado dependendo do estado de espírito do dono da fazenda. Se fosse morto seria eviscerado para saber se o tal escravo

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havia engolido alguma pedra preciosa.ComopassardotempoBamydeleficousabendoqueexistianas

redondezas uma gruta em forma de labirinto que servia de refúgio para alguns escravos rebeldes chamado de quilombo, onde viviam os qui-lombolas.

Pelaconversadeseuscompanheirosdesenzala,Bamydeleficousabendo de uma criança enferma com doença do sono muito semelhante e comum na África, esta doença é provocada por um tipo de mosquito, Bamydele já conhecedor da doença preparou uma composição de ervas, estas que quando ingeridas de três em três horas, com certeza, elimina-ria a tal doença do sono, mas Bamydele teria de achar um jeito deste remédio chegar à criança. Como fazer chegar? Indaga o jovem escravo Bamydele, ele se recostou em um canto da senzala e dormiu e sua noite fora cercada de sonhos e pesadelos, porém em seu sonho talvez pelo seu estado psíquico ou de um ardil, em pleno sonho, lhe veio à lembrança de uma erva chamada valmora comum naquela região. A erva, valmora se macerada e bem concentrada provoca sonolência e em grande quantida-de um sono profundo.

Junto à porta da senzala, Sr Orozimbo sempre colocava um ho-memdesuaconfiançadurantetodanoitevigiandoosescravos.Comodecostume as fazendas se dispunham de um bom engenho, ali se fabricava aguardente. E por sua vez o capataz, às escondidas, a ingeria todas as noi-tes umas boas doses de aguardente para suportar as noites em claro, mas às vezes o sono lhe traía e dava bons cochilos... Mas qualquer movimento que fosse ele estaria alerta. Bamydele observava tudo que se passara com aquele capataz e usando de suas artimanhas, após estudar minuciosamen-te bem o procedimento e a possibilidade de se afastar daquela senzala com muito cuidado e após um cochilo do capataz ele colocou valmora macerada junto à bebida do capataz provocando assim um estado letárgi-co por muitas horas durante a noite.

Bamydele perguntava a si mesmo como chegar naquela gruta? Pois ele só sabia a direção e nada mais, com muito cuidado perguntou para outro escravo como ele chegaria à gruta, o escravo lhe informou que só João Negrinho saberia como chegar lá e o escravo acrescentou que João Negrinho era um moleque de 16 anos de idade e que ele era uma espé-

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ciedeinformante,filhodeoutroescravopornomedeOrotum,masquepassou a se chamar João da Cruz que é considerado o mais inteligente dos escravos, pois está sempre criando problemas para seus mandatários e nunca leva a culpa. João Negrinho é que mantém sempre o pessoal do quilombo informado sobre a safra que havia no celeiro da fazenda e ou-tros acontecimentos. Só que existia um grande problema, João Negrinho havia sido colocado no tronco e exposto aos interferes da natureza, chuva, frio e o perigo de ser devorado por feras noturnas, pois o tronco onde está o adolescente escravo situava-se um pouco mais afastado da senzala, estava exatamente nofinal do grande terreiro onde selecionava o cafécolhido nas lavouras e outros cereais.

Bamydele com o objetivo de salvar a criança que estava no qui-lombo e ao mesmo tempo descobrir onde situava os quilombolas, no seu desespero não pensou duas vezes, aproveitou o sono profundo do capataz epassouporumapequenafrestaquehaviacamufladaefoiatéolocalonde estava o moleque que fora amarrado ali para ser castigado e servir de exemplo para outros escravos desobedientes. Lá chegando, João Ne-grinho estava amarrado e com várias marcas de chicote do feitor, Bamy-dele não perdeu tempo fez João Negrinho tomar uma boa dose bem forte da Val mora bem mais concentrada do que a que ele colocara na bebida do capataz.

Lá pelas tantas da madrugada o capataz acorda, mas João Negrinho continua em um sono profundo, com suas batidas cardíaca inerte, seu coração quase parado e assim ao amanhecer o feitor constatou que João Negrinho não havia suportado o castigo e morreu então senhor Orozimbo mandou que imediatamente o enterrassem próximo ao rio que divide sua fazenda,poisficandoali logoestariacommaucheiro.Dissemaisumavez o fazendeiro com certa raiva por perder mais um escravo, ou melhor, um bom dinheiro “investimento”, pois aquele moleque logo lhe valeria um bom valor no mercado de escravos. Orozimbo mandou chamar uns escravoseBamydelejásabendodeantemãoqualafinalidadedechamá--los fez questão de ser o primeiro a chegar.

Bamydele estava angustiado sem saber se no seu desespero se tudo daria certo ou não, chegou até pensar que havia exagerado em seu modo de agir, mas contava com a proteção dos deuses para que tudo desse certo,

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assim que ele chegou ao local, onde estava João negrinho jogado ao chão e por ser ele o primeiro a chegar Orozimbo lhe diz: “Vai enterrar este mo-leque e que sirva de exemplo para vocês e disse mais a Bamydele, logo logo você será um reprodutor em minha fazenda, portanto como você irá produzir a vida pelo nascimento de vários escravos você também poderá muito bem de se encarregar da morte, então vai com eles e cave você mesmo a cova e enterre-o longe daqui, porque não quero urubu rondando a minha casa, senão quem vai para o tronco é você.

Chegando ao local próximo do rio, Bamydele abre a cova mais rasa possível,enquantoofeitoreoutroscapatazesficaramacertadistância,sentados, fumando seus cigarros de palha e tomando um aperitivo. Os es-cravos também pensando que o menino estava morto colocaram-no den-tro da cova e Bamydele colocou um pano sobre o rosto do menino para protegê-lo da terra, mas o capataz que estava a pouca distância retruca: “Para que o pano no rosto deste infeliz?”. Bamy lhe responde: “Senhor de acordo com nossas origens para que o espírito alcance o ápice de sua sa-piência é necessário o pano branco e algumas folhas frescas, que também livrará a mim como também o senhor, que este pobre diabo, venha em espírito e pela noite nos perseguir”. Aí, então, o capataz lhe respondeu: “cobre bem o rosto dele eu não quero graça com alma penada”.

Feito isso voltaram à fazenda e seguiram a rotina diária. À noite quando voltaram para a senzala, Bamydele esperou o momento certo para retribuir o capataz com outra boa dose da erva macerada chamada Val mora de um gosto semelhante à cachaça só que dessa vez um pouco mais forte.

Entretanto, no enterro do garoto, Bamydele calculou meticulosa-mente o tempo e sabia ele que quando João acordasse pelo susto, sairia da cova rasa e também porque a terra estava bem fofa e se ele tivesse sedeorioestariaalibempróximoetambémdeacordoquetudoficassena direção do quilombo, para evitar perda de tempo. Lá pelas tantas quando o capataz havia tomado algumas doses da bebida destilada e devidamente batizada por Bamydele e já se encontrava profundamente adormecido, então Bamy parte para sua aventura arriscando sua própria vida para salvar a criança que estava na caverna dos quilombolas. Com muito cuidado e com um facho de fogo na mão que lhe servia para clarear o caminho e tambémpara espantar feras noturnas. Enfim ele

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encontra a cova, mas João Negrinho já estava sentado ao lado comple-tamente atordoado pelo efeito da erva. Bamy reanima o menino e com calmalheexplicaoocorridotrazendo-oparaarealidadeconflitanteemque se encontravam após alguns segundos de letargia o garoto lhe per-gunta: “Quem acaso ES, um espírito das trevas que veio me buscar? Eu estoumorto?”.“Nãovocêestávivinho”,afirmaBamy.“Eucuideipraque você fosse tirado do tronco como morto porque se você não fosse tirado ainda hoje com certeza já estaria morto de verdade porque você não iria aguentar o castigo daquele capataz perverso, pois para ele tanto faz a vida ou a morte, já para o fazendeiro não é conveniente nos casti-gar muito porque nós representamos dinheiro no bolso dele, mas quem nos castiga acima do que nós podemos suportar com certeza são os capatazes, portanto você não morreu, só passou por um sono profundo. Outro dia eu poderei te explicar melhor, agora te sossega porque você esta bem vivo”.

Bamydele lhe oferece outro tipo de beberagem fazendo com que rapidamente ele se reanimasse e retomar a conversa.

Bamy diz ao menino: “Agora você não é mais escravo daquela fa-zenda, pois o fazendeiro pensando que você havia morrido mandou lhe enterrar, agora você terá de viver no mato ou junto dos quilombolas, no matoficarásozinhoecorrendooriscodeserachadoerecapturadopelosrastreadores capitães do mato e no quilombo você estará mais seguro”.

Diz omenino: “Eu sei ondefica e conheço todos os atalhos”.Bamy responde: “eu vou com você até lá”.

Responde o menino: “Seguiremos pelos atalhos e alguns túneis ca-mufladofeitopelosfugitivos,maspensandobemeunãopossotelevar,naverdadeeunãoteconheçoosuficienteevocêpodemuitobemserumtraidor”.

“Acalma-te João Negrinho, eu sou aquele que curou a dor dos seus parentes a algum tempo atrás ao serem marcados a ferro no pátio da fa-zenda lembra-se?”.

“Serámesmoquepossoconfiaremvocê?poisaqueles fugitivosnão suportariam uma traição é muito difícil o modo de vida deles”.

Bamy lhe diz: “Escuta bem menino, eu quero ir até lá porque sei que eles precisam de mim. Naquele lugar existe uma criança que sofre

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da doença do sono e se eu não for até lá para lhe dar este remédio, com certeza esta criança morrerá. Por isso não podemos perder tempo, vamos por Olorum e pelos deuses, vamos logo menino”.

João lhe diz: “É, você me convenceu, realmente existe uma criança doentenoquilombo,mascomoaindanãoconfiototalmenteemvocêdei-xe que eu leve o remédio e lá eles darão de acordo com suas instruções. Bamy responde: “É... E pensando bem você tem toda razão, está certo. E também já é hora de eu voltar para a senzala sem que eles percebam a minha ausência. Então vou instruí-lo como eles devem dar o remédio para aquela criança.

Após três dias o remédio já havia apresentado um efeito positivo fantástico, as doses do remédio abonado à criança começam a agir, sua recuperação, por conseguinte, até sua cura total; com isso João Negri-nho e os quilombolas passaram a enaltecer o nome de Bamy como um verdadeiro líder espiritual, dissipando assim as dúvidas do menino João Negrinho que passou a ter Bamy como um verdadeiro Herói.

BAMYDELE E OS CAPITÃES DO MATO

Após algum tempo passado e pelo intermédio de João Negrinho que man-tinha contato com Bamy, como passou a ser carinhosamente chamado pelos cativos. Durante ao cair da noite em uma fresta da senzala onde ele trazia e levava todas as informações, tanto do quilombo como também do que se passava na fazenda.

Então se estabeleceu um sinal, a qualquer suspeita em volta do quilombo, por meio de um assovio que imitava um canto de pássaro no-turno todos deveriam esconder-se a tempo de usar o estratagema bolado por Bamydele e seus colaboradores que constituíam em uma situação de último caso, portanto usar bonecos confeccionados de lama negra, água e um pouco de sangue de animal imitando zumbis para incutir medo aos perseguidores. E o sangue servia para disfarçar o faro dos cães “Os capi-tães do mato”, estes eram ferozes e perversos, porém os escravos sabiam que eles eram muito supersticiosos em relação à alma dos mortos, ou seja, tinham medo de assombrações ou de suas próprias consciências,

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eram seus pontos fracos e eles ocultamente sabiam que os negros deti-nham conhecimentos dos espíritos ou encantos da natureza, cuja maioria do povo africano era exímio conhecedores.

A DETERMINAÇÃO DE MAKOLO

Makolo convoca uma reunião que seria entre ele, sua esposa, a Ninfa Yas-sure e Zunkuembu as duas sacerdotisas e os feiticeiros das duas aldeias, nafinalidadede saberemmelhor onde estãoBamydele e sua esposa ecomo deveriam fazer para tirá-los daquela situação, não só o casal, mas também os demais, pelo menos daquela fazenda que eles conseguiram enxergar pelo espelho d’água. Eles sabiam que o casal estava passan-do.Seriaimpossívelumresgate?Maselesnãopoderiamficardebraçoscruzados? Teriam que fazer alguma coisa. Mas como fazer se eles estão além-mar? Em outro país tão distante.

Chegaram à conclusão que deveriam dar várias oferendas aos deu-ses para obterem ajuda. Um fala: “pode ser que demore, mas com certeza teremos respostas positivas. Para os leigos o que vamos fazer parece lou-cura, mas nós sabemos que é possível de alguma forma os deuses tirarem nossos irmãos (aqueles cativos) desse degredo e Bamydele será nossa porta de entrada”.

“Eu, Zunkuembu e Yassure vamos preparar uma mulher já de certa idade que lá está, reside e que tem o dom da vidência ou adivinhação pelo jogo do ifa (búzios) e também é a parteira mais conhecida daquele lugar, apesar de ser ex-escrava ela é muito respeitada por todos, ela será usada pelos deuses (Orixás) e terá uma tarefa juntamente com Bamydele”.

“Torno a repetir que esse processo tem seu tempo certo, por isso nãodevemosficarangustiadosachandoqueamanhãestarátudoresolvido,pois tudo terá que ser no seu tempo, mas com absoluta certeza estaremos com eles, os deuses irão criar situações e intuirão alguns deles, principal-mente Bamydele e esta senhora que eles chamam de mãe Benedita, na minha intuição eu vejo também um moleque e seu pai os quais iremos usar para esta grande tarefa. Logo, com o tempo, teremos respostas, pois o tempo é senhor, sábio e absoluto.

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PARTE TRES:

A INVASÃO DO QUILOMBO

Após, Bamy ter entrtegue o remédio e as devidas recomendações a João Negrinho, para a criança que estava doente no quilombo, voltando para a fazenda por entre as matas, ele ouviu dois capitães do mato, ou seja, dois caçadores de escravos fujões que iam a cavalo e pela estrada conver-sando: Precisamos planejar muito bem, a invasão do quilombo, porque o fazendeiro acha que eles têm um espião no eito (local de trabalho) que colhemasinformaçõeseosavisam,haveremosdeficardeolhonessesnegros, até porque alem dos prêmios que podemos ganhar, tambem vão sobrar algumas negrinhas pra gente se divertir depois. O outro capitão pergunta: e já tem o dia certo para a invasão? O outro responde: sim será daqui cinco dias exatamente na próxima quinta feira pela tarde quando começar cair à noite

Após a passagem dos dois homens, Bamy saiu do esconderijo e ficoupensandonaincrívelcoincidênciadeleestarnolugarcertonahoracerta,mascomcertezaaqueleepisódionãoeraacasodoacaso.Afinalnada é por acaso, com certeza estamos tendo a ajuda dos deuses, e agora ele pensa como haveria de fazer para avisar os quilombolas do perigo que estava para acontecer, com esta ameaça de invasão. Assim que chegou à senzalajádemadrugadadeitou-seeficouacismar,tentandoformarumplano na cabeça para os que moravam na caverna, quando já amanhecia os feitores vieram chamar todos para a lida foi quando já na estrada para os cafezais ele viu no mato atocaiado João negrinho e fez sinal falando por mímica para que João voltasse mais tarde porque precisa lhe falar com certa urgência.

Aquele dia transcorreu lento e sem nenhuma novidade a não serem as corriqueiras de sempre.

Ao cair da noite quando todos já estavam recolhendo-se e as candeias se apagaram Bamy ouviu assobios imitando pássaros levantou-se sorrateiro e foi ao encontro de João negrinho alertando do perigo que corriam no qui-lombo, João lhe responde literalmente já temos gente nossa de olho neste

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tal capitão do mato seguindo-o por toda parte. E temos sim gente nossa no eito que nos avisam quando esta para acontecer alguma coisa, por tanto só precisamos de um bom plano. Pois com um bom plano ai então eles terão uma surpresa muito grande, pois nós não queremos mais que eles abusem de nossas mulheres.

Nestas alturas João da Cruz é negociado, ou melhor, comprado por senhor Orozimbo ou Otaviano e vem para a fazenda na condição de es-cravo. Porque nas negociações com o atual dono de João, senhor Orozim-bo (Otaviano) lhes vende algumas sacas de mantimentos algumas pedras preciosas e tem João da Cruz como troco.

Então com calma Bamy conta com a ajuda de João Negrinho e seu pai João da Cruz e bolam um plano com todos os detalhes, sem que alguém sofra um arranhão.

Os dias e o cair das noites se passaram sem muitas novidades, até que um dos escravos que era olheiro deu o alarme para Bamy e João di-zendo que no dia seguinte pela noite os invasores chegariam e haveriam de invadir o quilombo e João disse a Bamy, te aguardo na encruzilhada boasorteafirmaBamy!EnquantoistoJoãovaiavisaraosquilombolaspara iniciar a emboscada de acordo com os planos traçados pelos três, li-deradosporBamy.Joãodacruzqueajudoubolartodoplanoficouquieto,pois era recém chegado.

A BARAFUNDA (EMBOSCADA) Naquele dia e parte da noite todos do quilombo se transferiram para den-tro da mata o mais longe possível do tal esconderijo sem deixarem ne-nhum rastro ou vestígios, a não serem os vestígios concernentes ao plano, ficaramentãoalgunsescravosdoquilombobemescondidosnointeriorda caverna para assustar os capitães do mato e seus ajudantes.

Com as idas e vindas do negrinho João na fazenda ele tinha roubado algumas latas de pólvora do deposito de Orozimbo (Otaviano) sem que ninguémdessacontaafinalograndeestoquedepólvoraeraenormeenãoera algumas latas que haveria de se notar. Colocaram em lugares estraté-gicos os explosivos que os quilombolas poderiam pegar sem o perigo de

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alguém ver, de modo que colocaram na caverna em lugares ardilosos e ao explodir provocaria uma grande avalanche fechando totalmente a entrada da caverna de modo que havia outras entradas ocultas pelo mato bem camufladas pelos negros. Por volta das dezessete horas notaramalgumbarulho cujo som seria da trilha que havia naquele local, os que permane-ceram dentro da gruta se esconderam à espera da invasão dos agressores os minutos eram contados como se fosse uma eternidade até que o mo-mento crucial tornou-se realidade. Os capitães do mato chegaram fazen-do a maior balburdia não encontrando ninguém nas cabanas foram direto para as cavernas com eles estavam dois escravos delatores do Quilombo, falavam em vós alta e grave, tem escravos fujões ai dentro? E entraram caverna adentro dando tiros de bacamarte e nisto avistaram um vulto que corriam para o fundo da caverna. Um dos ajudantes gritou tem um quilom-bola ali, pois eu vi um vulto, então todos correram para o fundo da gruta e lá encontraram utensílios (panelas de barro gamelas etc) e mais para o fundo para despistar os faros dos cães tinha dentro de um grande alçapão feito de bambu alguns gambás que ao serem atacados pelos cães exalaram um forte olor impregnando toda a caverna deixando os cães e os caçado-res totalmente desnorteados com o mau cheiro, nisto ouviu-se uma gran-de explosão na entrada da caverna seguida de uma avalanche de pedras lacrando-a totalmente, então eles notaram que eram uma grande embosca-da provocada pelos kilobolas, todos se apavoraram diante do acontecido achando que o teto da caverna e tudo mais iriam ruir sobre suas cabeças.

Em seguida, o silêncio foi total e o medo tomou conta de todos, e disse um dos capitães estamos (mortos) ou pior sepultados vivos, nunca mais haveremos de ver nossas famílias a vila e nossos amigos. Lá naquela escuridão dentro da gruta bem no fundo ouviam-se gritos que gelavam o sangue, que se ouviam ecoar aquele terrível barulho, como se fossem almas do outro mundo ou vinda do próprio inferno, isto tudo ajudada pelo próprio eco que a caverna produz, pôs-se a correr pelos corredores dacavernamuitosseperderamficaramtotalmentedesnorteadosefoiumverdadeiro pandemônio, ai então os gritos se cessaram.

Os nativos que estavam dentro da caverna mostraram pela suas sa-piências ou sabedoria que estavam muitos atentos e bem estalados em seus Esconderijos ouviam-se vozes, mas não se via ninguém, os cativos

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sabiam muito bem o que estavam fazendo, pois conhecia bem aquele lu-gar ou labirinto, como a palma da mão. E este transtorno durou-se a noite toda, com isto os capitães e seus ajudantes estavam desnorteados sem sa-beremseeranoiteoudia,ocansaçoafomeeasedefezqueelesficassemfracos e vulneráveis e caíssem em um sono profundo.

Após dormirem por várias e várias horas acordaram e ao lado deles estavam algumas moringas cheias de água potável, com um gosto um pouco estranho, mas a sede e a fome eram tão grandes que não pensaram duas vezes tomaram toda água que havia nas tais moringas, provocando uma disputa muito grande entre eles. Na verdade a água continha suco de ervas que provocariam um sono letárgico e que ao acordarem não se lembraria de nada, esta erva provocava efeito de amnésia temporária ou retardatária após meia hora mais ou menos todos estavam envolvidos em um profundo sono, e os nativos por sua vez saíram dos esconderijos e os transportaram para fora através de outra entrada da caverna (até porque a entrada que os capitães conheciam estava obstruída pela grande ex-plosão) Foram colocados no lombo dos cavalos e levados a quilômetros daquele lugar e deixados em direção totalmente ao contrario da vila e do quilombo de modo que ao acordarem dois dias após, não se lembraria de quase nada e até achar a direção certa demoraria alguns dias.

Enquantoissonoquilombotratou-sedecamuflaraentradaobstruí-da e que não mais seria usada, e as cabanas foram derrubadas se tornando um abandono total.

Enquanto isto na fazenda, ao amanhecer todos acordaram com o ba-rulho do feitor e capatazes perguntando pelos escravos, logo foram infor-mados que os capitães do mato os tinham levado para indicar o local do quilombo e foram à casa grande relatar o ocorrido ao fazendeiro logo após ouvir o relato disse não se preocupem, pois estou a par de tudo, em breve eles voltarão e ainda de quebra me trarão algumas peças. (escravos cativos). Passou-se aquele dia e ninguém soube de nada, e nem João negrinho apa-receu para trazer informações para Bamy, por sua vez Bamy estava muito preocupado. Após três dias, ao longo da noite ouviu-se o assovio imitando o cantodopassaro,eraJoãoNegrinho!AfirmaBamy:Emseguidaonegrinhoapareceu e fez seu relato detalhe por detalhe, no que Bamy pode respirar aliviado ao saber que todos os quilombolas haviam fugido e não foi nenhum

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preso e nem ouve derramamento de sangue de ambas as partes. Só o fazen-deiro que andava nervoso com seus homens, sem saber noticia dos outros que foram invadir, ou melhor, procurar o quilombo, ameaçou os negros de colocarem no tronco, mas logo o fazendeiro percebeu que eles nada sabiam, e alem do mais o fazendeiro perdeu mais escravos aqueles que eram os de-latores e então se conclui que os nativos os mataram e os libertos fugiram.

Mal sabia o fazendeiro que seus homens estavam perdidos e des-memoriados, sem saber o que havia acontecido, sem armas, viveres e sem cavalos, andaram vários dias até encontrarem ajuda de um fazendeiro que por acaso do acaso já havia ouvido falar de seu patrão senhor Orozimbo (Otaviano).

A LENDA

Enquanto isto na senzala começou aparecer às histórias criadas pela su-perstição dos negros que aqueles homens tinham desaparecido levados por demônios que habitavam as trevas das matas ali existentes, desce ocorrido ainda se falaria muito, até que soubesse o verdadeiro paradeiro daquelas infelizes. Entre as histórias ou lendas contadas pelos negros, existe uma que se destaca:

Contava-se que naquelas paragens, no lusco fusco das senzalas uma história do imaginário popular que lá nos centro da mata escondia-se se-gredos. Que um espírito encantado vivia ali naquelas paragens e os negros o chamavam de tutu calunga que quer dizer alma do outro mundo este espírito era um garoto que assustava os caçadores e fazia com que eles se perdessem no mato, porque tutu calunga era considerado o protetor dos animais e ele assustava os outros quando feriam os animais. Este mesmo tutu calunga que os negros diziam que roubavam escravos e os escondiam nos quilombos e grutas que havia naqueles sertões.

Formaram-se em torno do desaparecimento daqueles homens his-tórias terríveis que havia outro espírito que também acompanhava tutu calunga era à parte do mal (o avesso de tutu calunga) e que fazia mal para outraspessoasassombrando-osatéamorte,enfimtodosfalavamqueoscapitães do mato que foram à caça dos escravos fugitivos tinham-se aco-

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metidos de loucuras e abstração provocados pelo espírito do mal que era o lado negativo de tutu calunga e que tinha o nome de Crapiuna naquela GRANDE SELVA e em seguida se agrediram entre si matando-se uns aos outros a golpes de facões e com isto se transformaram em zumbis assom-brando a quase todos que habitavam naqueles sertões.

APÓS SESSENTA DIAS

Após sessenta dias do ocorrido pela manhã chegou à fazenda um mensa-geiro vindo de muito longe onde havia outra fazenda trazendo noticia dos homens, que tinham aparecido por lá maltrapilhos, falando coisas sem nexos misturando as palavras, coisas que ninguém entendia estavam des-memoriadas e junto com eles haviam dois escravos também no mesmo estado. Ao falarem no nome do fazendeiro senhor Orozimbo (Otaviano), ai então o fazendeiro escreveu uma carta e despachou pelo seu emissário, até a fazenda do senhor Orozimbo (Otaviano), colocando-o a par de tudo que se passava em sua fazenda inclusive do estado deplorável de seus homens e também os dois escravos que levavam sua marca. Mane baiano como era chamado aquele fazendeiro mandou que senhor Orozimbo (Otaviano) arranjassem um jeito para transportar seu pessoal e mandasse também o dinheiro das despesas que eles causaram, com comi-da, dormida e remédios feitos de ervas por suas mucamas.

Assim foi feito despachou-se junto com um capataz da fazenda um carroção,cavalosparaqueefetuassemotransportedaquelaspessoas,afi-nal era muito longe, exatamente a cinco ou seis dias de viagem, quando chegassem teriam que se recuperarem rápido tanto a memória como tam-bém a saúde, porque iriam encontrar o patrão uma verdadeira fera que dependendo da situação poderiam ser despedidos e os escravos virarem refeição para seus cães famintos.

Logo que a carroça chegou os homens almoçaram e neste ínterim Orozimbo (Otaviano) já tinha marcado uma reunião com outros fazendei-rosdaregiãoafimdeprenderemtodosdosquilombosparaacabardevezcom os escravos fugitivos que lhes causavam grandes prejuízos.

Aos poucos os homens já se sentiam melhores já sabiam onde eles

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estavamafinalelesvoltaramparalareseporsorte,Apósareuniãocomoutros fazendeiros, senhor Orozimbo (Otaviano) veio ter com seus capa-tazes, e todas as perguntas que ele fez os mesmos não conseguiam lhes responder com exatidão por que tudo que aconteceu com os quilombolas ficoumuitoconfuso,paraseteridéianãoconseguiudarnemalocaliza-ção só falavam em fantasma assombração e curupira, alem do mais não ouviam direito estavam quase surdos, porque seus ti panos se romperam após as explosões nas cavernas. Mas o fazendeiro não sabendo da surdes deles achou melhor chamar o padre bento para rezá-los e ver através das orações se conseguia devolver aqueles homens extasiado, livre daquele pavor insano.

A chegada do pároco foi muito misteriosa, todos os escravos domés-ticos foram afastados da CASA grande, então o padre se preparou e come-çou as orações sendo repetido pelo fazendeiro e esposa então o padre inqui-riu os homens a se confessarem no que eles começam a contar os últimos ocorridos ao padre de maneira muito confusa, o pároco não entendendo muitobemporquenãosabiadaquasesurdesdaqueleshomensficahorrori-zado com o comportamento dos mesmos. Senhor Orozimbo não é justo as barbaridadequeesteshomensjáfizeramcomosescravosinclusivecomasmulheres, eles vão precisar rezar muito, mas muito mesmo para que Deus tenha piedade das almas deles o padre de uma maneira discreta por acreditar em espíritos ou alma do outro mundo disse: Senhor Orozimbo (Otaviano), eles estão parecendo zumbis. Senhor Orozimbo (Otaviano) diz ao padre Bento: Eu não sei como agir com este tipo de coisa acho melhor o senhor levá-los para sua paróquia e eu arcos com as despesas, só me deixa os dois escravos delatores que os outros escravos saberão cuidar deles.

Assim esta bem! Responde o padre Bento como o senhor sabe, eu tenho alguns conhecimentos em medicina apesar disto me parasse mais encosto então irei ver o que posso fazer, vou estudá-los.

Realmente eles estavam envolvidos por energias enviadas por Makolo, Zunkuembu e os feiticeiros deixando-os totalmente desnorteados alem dos acontecimentos na caverna e após uma pequena melhora aqueles capitães que perseguiram os quilombolas, de La mesmo da igreja onde eles ficaramporunsdiassobreoscuidadosdepadreBento,foramemboraparasuas famílias e deixaram de ser perseguidores de escravos.

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ALFORRIA NA CAPITAL

Neste ínterim a parte de tudo o que acontecia na capital da província já se falava muito em libertação dos escravos, havia debates fervorosos entre os abolicionistas e os senhores de engenhos ou senhores de escravos pro-prietários de cativos.

Neste sentido já se tinha até noticia da parte do sul do país em que fazendeiros tinham libertado quase todos seus escravos e oferecido paga-mentos em troca dos seus trabalhos, isto tudo fazia parte de um movimen-to ou estratégia dos abolicionistas para enfraquecerem os escravocratas.

Entretanto, os planos de senhor Orozimbo (Otaviano) não surtiram muito efeito por que a julgar pelos últimos acontecimentos, envolvendo os capitães do mato e as histórias escabrosas que se formou até com certo exa-gero em torno da invasão do suposto quilombo e sem sucesso ninguém em sã consciência quis arriscar o pescoço e não mandaram homens para formar amilícia,ficaramcomreceiodeperderemempregadosemaisescravos.

E assim todas as reuniões quase sempre se acabavam em conster-nação,enquantoasreuniõesdosabolicionistas,mesmoàsescondidasfi-cavam cada vez mais convidativas e com isto se ouvia alguns sussurros dequeoImperador,suafilhaealgumasautoridadesdoImpériotinhamtendências abolicionistas. Será que havia o dedo de Makolo e Zunkuem-bu nestes acontecimentos? Mesmo eles estando além-mar, ou melhor, as oferendas diárias que eles faziam aos deuses para livrar seu povo alem mar do cativeiro? Será?.

Enquanto isso Bamy, não se da por satisfeito com as histórias que ou-via falar daqui ou dali, após Bamy conversar muito com os dois delatores e com muito tato percebe que alem dos delatores estarem muitos perturbados também eles estavam quase surdos, pois Bamy lembrou-se da grande explo-são no dia em que seu plano fora realizado junto aos quilombolas. Bem... disse Bamy: um bom tratamento e com muita Habilidade e o uso constante das ervas e invocação aos deuses (Orixás) conseguiremos trazer os dois es-cravos delatores para a realidade das coisas e dos acontecimentos recentes.

Todos os escravos se afastavam dos delatores só Bamy estava lhes dandotodososcuidados,afinaldiziaBamy:elessãosereshumanoscomonós, mesmo eles não sendo corretos são nossos irmãos. Após os delatores

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melhorarem um dos deles diz: Nós fomos obrigados a fazerem esta barbaria, vocês não sabem como é tomarem uma surra com uma chibata de espinhos, às vezes eu acho que é melhor a morte, o outro responde: Só não me joguei dopenhascoporquefiqueicommedodevirarzumbi.Bamyresponde:Paranossa cultura ou etnia o suicídio não é aconselhável temos que lutar pelo oquequeremosatéofim,porquenossalutaserviraparageraçõesfuturas.

Os dois escravos se declaram totalmente arrependidos, faz uma jura pelos seus deuses ou Orixá que da próxima vez preferem a morte a traí-rem seu povo, mesmo porque não era essa a intenção de ambos, se vocês querem saber, responde um dos delatores, nós dois já fomos quilombolas fomosrecapturadosporestefazendeirohátemposatrásetemosfilhoseesposa no quilombo, ser delator é horrível, mas ser obrigado a delatar eu penso que é melhor a morte. Pense bem eu ter que, entregar minha própria família! Nósdoissomosirmãose temosfilhoseesposanoquilomboesomos da mesma mãe África, só que os capitães descobriram quem éramos então nos obrigaram, para tirarem mais ainda o pouco que restava de nossa dignidade. Procuramos meios para saírem daquela situação, mesmo porque nossa família estava correndo o risco de serem capturados ou mortos, mas ficamosaderiva,apósapanharmosmuito,ficamosdesnorteadosefizemostudo errado pedimos de coração que nos perdoe ou nos de boa morte.

Então me conta tudo que sabem, eu lhes prometo que tudo termina-ra bem, pois os deuses me passam bons acontecimentos eu sinto em meu coração. Então eles relatam o que sabiam em detalhes.

Responde Bamy, bem, então está tudo consumado, nossos planos deram certos, com certeza a ajuda de João negrinho e seu pai João da cruz os nossos planos foi sucesso total e graças aos deuses. Agora vamos aguardar noticia de João negrinho para sabermos se os quilombolas estão bem sitiados, pois os quilombolas precisam se estalar em lugar estratégi-co e bem seguro por enquanto.

A PARTEIRA

Depois do episódio da suposta morte de João Negrinho ele pode ir de-finitivamenteparaoquilomboeassimtermaisliberdadeparairevire

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explorar melhor os arredores. Em uma dessa excursão pelos matos João se deu em uma clareira, justamente na fazenda onde fora cativo e ao longe um pequeno regato e este regato era seu mundo desde que era criança La elebrincavaasescondidasquandopodiacomafilhadeOrozimbo(Ota-viano) ali estava ele entorpecido recordando os dias que brincava com a filhadofazendeirocomtotalingenuidadecomumsentimentoquevinhade suas entranhas e ele mesmo desconhecia o porquê daquele saudosis-mo.Bem ali naquele momento se encontrava Algumas oferendas que lhe eram familiares e ao lado uma velha senhora negra com seus setenta e cinco anos entregas as orações esta senhora tinha seus olhos vivos, cara-pinhaquasetodososcabelosbrancosdedoslongosefinosdegestolentoe delicado.

Joãoficoumeioqueocultoentreosarbustos,observandoopro-ceder da tal senhora, depois de algum tempo a mulher ajoelhada e de cabeça baixa disse: Você que se esconde como bicho no mato por que não se mostre? Do que tem medo, meu rapaz, eu sei que está ai, venha compartilhar da minha fé e relembrar nossos antes passados, do nosso povo negro que moram em além-mar, ande venha até aqui e se mostre não tenha medo.

Comapreensãoetimidezelefoiaospoucossaindodomato,atéfi-car frente a frente com a mulher e balbuciou algumas palavras em dialeto Nagô... Maleime mameto n”jinga dijina João, ilê quilombo a my: Muito bem meu rapaz agora eu sei que seu e nome é João e que mora com os quilombolas diz a senhora: No entanto não precisa falar em nagô pode fa-lar em português, você é fugitivo não é? Porque negro com alforria você nãoé!.Simsoufugitivo,afirmaorapazumtantoaflito,elaobjeta:Fiquetranqüilo rapaz aqui você esta seguro. Eu vou contar tudo para a senhora: Então ele lhe relata com detalhes o que se passou. A suposta morte após beber as ervas preparada por Bamydele (João do Ayoká), seu enterro e a aventura que teve com Bamydele preparando aquela emboscada contra os capitães do mato e a ajuda de seu pai mesmo a distancia.

E assim com emoção ele, relatou aquela senhora com calma toda sua história desde quando se entendia por gente e brincava naquele regato coma Ana Paula até os dias atuais, ou melhor, até aquele momento.

No pescoço de João ele traria um camafeu, feito de osso de boi que

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os escravos convertidos ao cristianismo usavam, porque eram obrigados a se converterem e que usavam naquela época, pois assim seria uma manei-ra de distinguirem melhores seus escravos. Naquele momento a senhora também tirou do pescoço outro medalhão idêntico ao dele só que atrás havia dois nomes onde ela diz a João eu não sei ler, mas sei que aqui está escritoonomedemeufilhoedeminhanora.

Responde João: - Eu sou analfabeto, mas sei ler alguma coisa. Pos-so ver melhor? Bem... Por incrível que pareça! Aqui está escrito o nome demeupaiedeminhamãe!.Afinalqueméasenhora?Porqueosnomesde meu pai e minha mãe estão aqui no seu medalhão?

Bem...MeninoJoãoaquiestáescritoonomedemeufilhoeminhanora,JoãodaCruzeMariaFranciscadosprazeres,possolheafirmarqueé a mais pura verdade.

Então assim sendo senhora só pode ser minha avó! Só pode ser! Afirma João impressionado. Pois nestas paradas só existe um João dacruz,meupai!Afirma João Negrinho:. Pois é João, você realmente émeu neto quando lhe vi pela ultima vez ainda você era uma criança de colo.Evocêsabeoparadeirodemeufilho?Seupai? Ele foi vendidopara outro fazendeiro, mas senhor Orozimbo (Otaviano) já o comprou de volta. Nunca mais pude ver meu pai, mas agora o vejo de longe porque ando naquela fazenda as escondidas a minha mãe morreu quando eu ain-da era muito pequeno, naquela época ouve um levante na fazenda e ela fora vitima de um tiro de espingarda disparada por um capitão do mato, hoje aquele infeliz esta morando ou nem sei, mas parece-me que esta com opadreBentoandandopraláepracáigualumzumbi,ficoumalucode-pois da emboscada que ele e os capitães do mato tentaram fazer na gruta onde estavam os quilombolas.

QuecoisameuDeus!MeufilhoJoãodaCruzestatãopróximademimeeunãoconseguicontatocomele,afinaleunãosabiaqueelevoltarapara a fazenda de senhor Orozimbo (Otaviano), mas com certeza os Orixás haverá de colocá-lo em minha frente para que eu possa abraçá-lo. Com muitaanceiomãeBeneditacontinuaafalar:Quandovocênasceumeufi-lho, quem fez o seu parto fui eu, por isso sou sua avó duas vazes.

A senhora é escrava em qual fazenda, minha avó? Eu não sou mais escravameufilho!Ganheicartadealforriaportercertaidadeetambém

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por ser a principal parteira destas redondezas, faço parto até nas senhoras dos fazendeiros sou chamada e respeitada por eles e também forneço re-médios de ervas para as mulheres, mas às escondidas cultuo meus deuses (orixás) e aprendi também a fazer rezas ou benzeduras. È eu que faço a ligaçãodenossopovoqueestánestesofrimentoeosqueficaramláemnossa terra natal, você João, nasceu aqui, mas não se esqueça que também pertence à mãe África.Então a senhora é realmente minha avó? Que coisa boa...Possolhedarumabraço?Podesimmeufilho,deagoraemdianteirei cuidar de você, pode contar com isso. Minha avó me diga... Como àsenhorafazparasobreviver?-Nãomefaltanadameufilho!Commeutrabalho, eles me fornecem tudo que preciso para minha sobrevivência. Já que a senhora tem um bom conceito com os fazendeiros porque a senhora nãopedeparasenhorOrozimbo(Otaviano)paraverseufilho?Porquenão havia chegado o momento certo, pra lhe dizer a verdade eu nem ima-ginava que ele estivesse voltado para a fazenda de Orozimbo (Otaviano), mascomcertezaestapróximaodiaemqueireiabraçarmeufilho,quantoa sua mãe eu irei rezar para encomendar a alma dela para um bom lugar.

Presta atenção João: Ao cair da noite meu neto, vá até o casebre que tem lá no fundo da fazenda do sinhô Orozimbo (Otaviano), destacado da senzala e perto do monjolo... Tome muito cuidado com o povo da fazen-da, quando você chegar La eu vou consultar o Yfa (jogo de búzios) para ver a quem pertence sua cabeça, ou melhor, qual orixá lhe pertence. O que é Orixá minha avó? São os deuses (orixás) conhecidos pelos católicos como anjos da guarda.

Bemmeufilho,aproveitaevêsedapratrazerohomemquetesal-vou da morte Bamydele, pois eu quero ser sua aliada e também ajudá-lo.quanto a você eu gostaria muito que morasse comigo mas Infelizmente por agora não será possível... Você não poderá morar comigo porque iria atrair a atençãodos outros, por enquantovocêficanoquilombo ememantenha a par de tudo, porque eu também gostaria de ir-me embora para oquilombopertodosnossos,bem,quantoaomeufilhonãodiganadapra ele que encontrou sua avó, pois pela impaciência dele ele poderá se precipitar para me ver e botara tudo a perder, por tanto tudo no seu tempo, poisaquieumesintosozinha,maslivre.Vouficarsonhandocomestedia,porque minha liberdade só será adequada ou total o dia em que todo o

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nosso povo for liberto desta maldita escravidão e com a ajuda dos deuses haveremos de conseguir. Tenho muita saudade de minha terra natal.

Nisso João houve um barulho no mato, ele disse minha avó é me-lhor eu ir-me embora agora e voltar à noite, ele nem ao menos perguntou seu nome de tão feliz que estava, pelo o grande acontecimento do mo-mento. Assim que João se esconde para ver quem se aproximava. Apa-receu um homem a cavalo com gibão de couro chapéu de baeta de abas largas portando uma grande espingarda, um belo punhal de prata, parecia serumautenticocapitãodomatoolhandodesconfiadoparaosladosaindamais depois de ver as oferendas e aquela senhora às margens do recato. Maldita negra você deve ser fugitiva. Nisto João estava próximo e disse baixinho se ele mexer com minha avó eu haverei de tomar uma atitude, sejaoqueDeusquiser,Joãosabiasecamuflarmuitobemsequisessese-ria o melhor capitão do mato, sabia até como usar as ervas em seu corpo para não exalar cheiro de seu suor, nisto quando o capitão do mato desce do cavalo a senhora lhe mostra uma carta de alforria e lhe diz: Eu sou avó Beneditaaúnicaparteiradestasredondezas,eleficatododesconcertado,mas eis que quando ele monta em seu cavalo João já havia saído de seu esconderijo na tentativa de salvar sua avó e do lado oposto ao do capitão João havia cortado parte da barrigueira que prende ao cavalo, após o ca-pitão andar por mais ou menos meia hora a sela afrouxa e o capitão vai ao chão em uma situação degradante, e quanto a João, após ver que sua avó sabia se defender vai mato adentro para o quilombo mais tranquilo.

A parteira dona Benedita foi embora com à expectativa de chegar à noite para tornar reaver seu neto e cuidar das suas entidades e também conhecer Bamydele que Já tinha muito respeito dos outros escravos pelos seus feitos.

Chegando a seu casebre, preparou um bom banho de fusão com ervas,apósobanhoficouaguardandocomansiedadeavisitadeambos.Avó Benedita assim como era chamada pelos que passavam pela mão da-quela excelente parteira, estava um tanto apreensiva mesmo sabendo pela sua intuição que estaria tudo bem, mas mesmo assim estava preocupada com o pessoal do quilombo por conta daquele capitão do mato que tinha vistopelascercanias,masconfiavaqueomeninoJoãoavisariaaosqui-lombolasatempo.ErealmenteJoãoconseguiuavisaratempo,afinalele

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teve a esperteza de corta parte do arreio do cavalo do tal capitão do mato.E por sorte aquele homem seria um aventureiro, por que ele não trazia o principal, nenhum cão farejador consigo.

Ao cair da noite João foi até o local combinado e foi fácil encontrar o casinholo de avó Benedita, do meio do mato ele assovio igual a um curiango conforme o combinado e que era muito comum naquelas fazen-das circunvizinhas, ai então ela abriu um pouco a janela para que a luz do candeeiro desse o sinal de que tudo estava bem, ele entrou meio acanha-do,masmesmoassimlhetrouxeumramalhetedefloressilvestreealgu-mas frutas nativas, sua avó lhe deu um terno abraço que Deus e nossos ancestraislhesabençoemeufilho,euestoumuitofelizemterencontradomeu neto, por isso acho que tudo a de melhorar para nós, eu sinto que a li-berdade esta muito próxima para todos os escravos pelo menos neste, pais chamado Brasil. Mas como nada é por acaso aquele encontro só poderia ser impulsionada pelos deuses a pedido ou pela pratica da magia branca de Makolo, Zunkuembu e a ninfa.

E agora cadê o homem que salvou sua vida meu neto? O seu grande amigo e parceiro, o ifa (búzios) me revelou que ele é uma pessoa muito especial,equemuitacoisaeleirafazerembeneficiodonossopovoestehomem é um verdadeiro líder por que não esta com você? Ele interrom-peu sua missão lá em sua terra natal para vir nos ajudar pode acreditar meufilhoistotudojáestavaescritooudeterminadopelosdeuses.

Ele esta próximo daqui. Vou chamá-lo minha avó: E o menino saiu e logo voltou trazendo Bamy que estava escondido aguardando o chama-do de João. No que sua Vovó ao olhar aquele homem alto de semblante nobre e denotando um poder de liderança, trazendo no seu olhar um tanto de sagacidade, misturando em seu ser bondade e sabedoria, ela a olhou profundamente e a saudou como se fossem amigo de outras jornadas, eku ale Yorubó se dada ny?.. Esta foi à saudação de Bamy, então ela lhe respondeu, alafya ny adupe. Olodumaré aba oxé ori odara ore odara. Conversaram bastante no que João Negrinho lhes interrompeu dizendo, eu não consigo falar tão bem, igual a vocês, vamos falar na língua dos brancos ta?... Está bem João, você tem razão foi só por saudosismo, pura-mente para matar a saudades de nossa mãe África. Avó Benedita pergunta sobre sua procedência lá na África ele então com muita humildade e certo

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sentimento, começa a relatar sua saga ainda quando vivia em total har-monia com os deuses e a mãe natureza em plena selva no coração de sua terraqueridaAioká(África).Elalheperguntamais,meufilhocomoéseunome aqui no Brasil?

Bem como a senhora já sabe meu nome na África é Bamydele e aqui no Brasil quando eles me batizarem vai ser João do Aioká, e a se-nhora? Como veio parar aqui neste, pais? Da mesma forma que você meu filhofuicapturada.

Lá na África meu nome é kitennbojú esse é um nome herdado da minha bisavó, a avó de minha bisa que ensinou para ela várias rezas e como lidar com as ervas, como ela era muito boa nisso, fora levada para outro país por um homem muito rico para curar seus parentes e amigos, mas algumas vezes ela não conseguia salvar determinadas pessoas, pois ela sa-bia que tinha chegado a hora daqueles doentes terminais então este senhor deserdou-a, mas por sorte ela acabou casando com um homem das arabia, ou melhor, lá das bandas do Egito, logo ele morreu e ela voltou para África pra perto do seu povo. E aqui nesta terra me chamo Benedita Anunsiata dos Prazeres, me chamam de vovó Benedita, por eu ser parteira e benzedeira.

Nisto João interrompe e pergunta sobre sua iniciação, como futuro sacerdoteoutatádeinkisse(zeladordesanto). Bemmeufilho,assimsendo vamos consultar o ifa (jogo dos búzios) e ver o que os deuses (ori-xás) nos respondem. Após os búzios ser jogado vovó Benedita conclui que João tinha um cargo interessante, pelo orixá que lhe regia,este cargo chama-se Babalossanye e era Ossanye o deus das folhas o Orixa que lhe regia este Orixá está ligado à liturgia e João Negrinho poderia ser um pro-fundo conhecedor das yssabas (folhas), você será um Babalossanye, que quer dizer um profundo conhecedor da medicina pelas ervas, pois toda e qualquer vegetação (erva), tronco ou raiz, todas elas são úteis, tem um conteúdo medicinal formidável para os seres humanos e animais. Espero contar com ajuda de Bamy para iniciar você e assim poderá levar para frentenossosconhecimentosnossatradiçãonossaetniaefilosofia.Apósesseagradávelencontroficouacertadaqueassimquepossívelainiciaçãode João Negrinho seria feita haveria de ter um jeito.

E Bamy voltaria para saber por intermédio dos búzios alguma coi-sadopovoqueficouemAioka.

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Após uns três dias com muita ansiedade Bamy volta a casa de Vovó Benedita para consulta com o Ifa (búzios) ela traduzia as caídas dosbúzios lhesdizendo,queemsua terranatalapósmuita lutaedifi-culdade o povo de sua aldeia e visinhos estavam atravessando uma faze de muita boa prosperidade, sob as bênçãos de Bessem (deus Dã), mas os filhosdaquelelugar,osqueficaramapóssuavindaparacá,choramatéhoje a sua falta e a falta de sua amada esposa. Os meus orixás mandam lhe avisar que de alguma forma você terá noticias e visitas de teu povo, provavelmenteemsonho.PoisLaemAyokáficouummestreformidávelna arte da magia e uma excelente sacerdotisa (vidente) que lhe mandara mensagensporsonhodoteupovo,meufilho,láeuvejoousintoquetemum grande sacerdote e uma sacerdotisa que após sua saída a pedido de umhomemqueeradesuaconfiança,aquelequepartiucomoirmãoparaespionar e proteger as suas duas aldeias e assim ajudar a evitar a invasão dos brancos. Este homem é extremamente voltado a essa causa, pelo o que diz os búzios, ele se tornou um líder na intenção de resguardar para você a liderança. E seu irmão minha avó? Com, certeza é seu braço direi-to, diz Bamy: Como é o nome dele? Pergunta Vovó Benedita. Seu nome é Ndomby. Se for este mesmo o seu nome, ele foi morto heroicamente, afirmaVovóBenedita,masficouseuirmãoquerepitoéumverdadeirolíder ele aguarda com muita ansiedade sua volta, pois não perdeu a espe-rança de abraçar seu líder e amigo. Minha avó, diz Bamy com carinho: entre todos os meus desafetos o que mais me causa angustia é exatamente não saber por onde anda minha querida esposa Nylonda. É deveras muito triste não saber se ela esta bem. Por tanto peço que a senhora consulte os búzios para me dar uma luz, pois bem sei que os nossos Orixás pelo seu intermédiopoderãomostrar-mealgosobreela.Naverdademeufilho,eutenho que lhe dizer que sua esposa encontra-se muito angustiada isto da para perceber pela situação do momento, mas os Orixás me revelam que em relação a sua saúde ela esta bem e o trabalho dela não é pesado. E veja bem, por eu saber do grande amor que envolve vocês dois, sei também que ambos haverão de estar juntos no futuro e por sorte, ou melhor, pela a ajuda dos deuses ela nunca fora tocada por outro homem a não ser você.

E irá demorar muito para nós nos se reencontrar minha avó? Per-guntaBamycomosolhoslacrimejando:Meubomfilho,afirmaavóBe-

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nedita: Eu irei fazer uma boa oferenda a nossa querida mamãe Oxum a deusa do amor e também sabendo eu, que seu senhor, digo o dono da fazendaondevocêéescravoterádepassarporgrandesdificuldadesireitambém fazer um agrado para Xangô o Orixá da justiça para que ante-cipe o sofrimento de senhor Orozimbo, pois assim ele com certeza ira precisar de seus préstimos e com isto nossa mamãe Oxum ira de alguma forma lhe dar uma resposta sobre o destino de sua amada esposa e conse-quentemente Orozimbo (Otaviano) terá que se dobrar diante a realidade dos fatos que virão a tona, mas preciso de sua total convicção ou fé nos nossos Orixás.

Com isso a senhora pode contar minha querida avó Benedita. “Bem, meufilhoagorasemdemoraeutenhoqueencerrarporhojeojogodeifaassim que tivermos outra oportunidade voltaremos a consulta. E você não deveficarsearriscandosaindodasenzalaquasetodasasnoites”.

Bamydele responde: Eu já estou acostumado a sair às escondidas, basta eu colocar um pouco de Valmora na bebida do capataz, eu acho até que o dia que eu não coloco ele sente falta. Com este argumento de Bamy-dele os três riram, riram muito.

APÓS AS OFERENDAS, BAMY REALIZA UM FEITO HEROICO

Emumentardecersonolentoepreguiçosodeumfinaldeverãoquandojá se espera o outono que estava para chegar Bamydele estava próximo ao rio pegando algumas lenhas para armazenar pra quando o inferno o chegasse colocava no carroção, junto com ele havia um distraído capataz para comandar seu trabalho e em seus pensamentos o tal capataz se sentia sozinho a cismar as margens do rio Pirassui não percebendo o que aconte-cia em sua volta. Aquele rio era o maior da região que ajuda na navegação e alimentação daquele povoado, quando se ouviu certo burburinho então Bamydeleficouaespreita:De repenteBamyouviuumgemidoviudequem se tratava. Ali estava o fazendeiro e uma das mais belas das muca-mas de seu casarão os dois estavam na parte rasa do enorme rio molhando seus pés. Orozimbo (Otaviano) mantinha relações amorosas com ela às escondidas.

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Entre caricias e mais caricias beijos e abraços, eis que de repente Orozimbo começou a se retorcer sentindo câimbras e caiu na corredeira sendo levado pelas águas.

Bamy não pensou duas vezes atirou-se naquelas águas profundas, graças a sua criação na áfrica onde aprendeu muita bem a arte de sobre-vivência em qualquer adversidade, pois nas águas mais profundas em sua terra natal ele era considerado um exime nadador, com muito vigor nadou rio abaixo até alcançar o homem que já estava vencido pelo seu mal estar e totalmente abatido pelas câimbras e com isto já havia afundado algumas vezes e Orozimbo(Otaviano) não contava mais com sua vida. Já havia se entregado pela exaustão,

Neste exato momento o subconsciente do fazendeiro ou perispírito sente uma mão forte agarrá-lo pelas roupas e no mesmo tempo ele lhe censurando dizendo para si mesmo, ainda não chegou seu tempo, você tem muitas coisas para serem ajustadas com aqueles que sempre lhe ser-viram. Então Bamy consegue alcançá-lo pegando-lhe pelos cabelos e lhe arrastando até a outra margem, ou seja, do outro lado do rio em um re-manso próximo conseguiu mais esta proeza, por alguns minutos tentou reanimá-lo. E olhando aquele homem inerte e com a vida dele em suas mãos, Bamy pensou como uma pessoa tão poderosa pode estar nas mãos e a mercê de um simples escravo, por tudo que este infeliz fez, eu bem que poderia deixá-lo ai para os bichos selvagens devorá-lo entregue a sua pró-pria sorte. Neste exato momento apareceu na frente de Bamy uma enorme jaguatirica(onçapintada)Bamycommuitacoragemficoupostadofrenteao animal e com sua metodologia de um notável caçador olhando dentro dos olhos do grande animal como que tivesse hipnotizando-o e pedindo ajuda ao deus da caça Odé também conhecido como Oxissi

Daí a pouco o Orozimbo (Otaviano) começou a vomitar toda a água que havia ingerido e se debatendo começou a voltar para a vida, e Bamyordenouqueeleficasseimóvelporcausadoanimalquetentavaseaproximar, mas graças aos deuses o animal desistiu de sua investida e foi embora. Bamy lhe chamando pelo seu nome, disse-lhe senhor Orozimbo, esta, ai sua vida de volta, para o senhor fazer dela o que bem lhe convier, pois o poder continua em suas mãos, o que eu queria na verdade era lhe deixar morrer assim como muitos morreram pelo senhor e seus objetivos,

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por tanto veja que sua vida vale tanto quanto as pessoas que morreram pelas suas causas, mas, no entanto a sua vida fora na verdade salva duas vezes.

O fazendeiro reconheceu ali naquele momento que fora salvo justa-mente por um dos seus escravos que ele mais odiava e que poderia muito bemdeixá-lomorrer,ficouquietoepensativolocoapóslevantoucami-nhou pra lá e pra cá se sentindo inferiorizado ou minúsculo diante aquele escravo que se postava com galhardia diante dele, então ele disse a Bamy me acompanhe, eu quero falar com você, então os dois vieram embora, o covardecapatazfingiunãotervistonadacomoeleestavadooutroladoda margem do rio foi embora deixando a carroça. O fazendeiro caminhou na frente e Bamy atrás, pois naquela época escravo nunca andava lado a lado com seu senhor. Andaram com muito cuidado por causa das feras uns dois quilômetros até acharem uma pequena ponte também chamada de pinguela.

Nestas alturas dos acontecimentos a mulata já havia retornado a casa grande e alertado ao feitor que o patrão havia sofrido um acidente, no meio do caminho o feitor chama três capatazes monta nos cavalos logo encontraram senhor Orozimbo (Otaviano), em um estado deplorável com suas roupas molhadas e rasgadas logo atrás o escravo, então os feitores acharam que João do Aioka (Bamy) havia atacado o patrão, bramindo o chicote cercaram o escravo jogaram-no ao chão, no que o fazendeiro fa-lou, deixe este homem em paz graças a ele eu fui salvo da morte duas ve-zes, pois ele arriscou sua própria vida para salvar a minha se ele quisesse teria me deixado morrer e poderia se tornar um fugitivo e que pensando bem, minha vida não vale nada diante da dele, ele tem mais dignidade do que todos nós: Disse senhor Orozimbo (Otaviano)! No calor dos acon-tecimentos. Bem no auge da emoção. Quero este negro, ou melhor, este homem bem tratado e bem vestido.

Após chegarem à casa grande deram boas roupas e um bom par de botas com pouco uso e o levaram para a casa grande onde se encontrava o senhor Orozimbo.

A casa sede da fazenda era bem ao estilo colonial português na frente envolvendo a sacada em mosaico e ladrilhos Português e ao fundo terracota e argamassa. Dentro composto por uma pequena anti-sala depois uma am-

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pla sala de estar com moveis em madeira de lei (ébano), poltrona em couro com espaldar, ao fundo uma crista leira com os copos, taças de cristais franceses e também algumas baixelas de prata pura. Parte da parede da sala revestida com pedras de ágata e ônix, o banheiro privativo do fazendeiro erarevestidocomfiletesdeourovinteeumquilatesepedrasametista.

Mas adiante a sala de jantar com uma ampla mesa em madeira maciça em cerejeira com dose lugares onde poderia se degustar várias iguarias nas refeições e no café da manhã tudo com um requinte sutil, ao fundo a cozinha, com suas cozinheiras (mucamas). Voltando a sala prin-cipal, esta mesma sala por ser muito ampla, compunha dois ambientes, e aoladoficavaoescritórioelogoapósograndesalãodefestas,olugardegrandes recepções.

Acimaficavaosquartoscadaumcomseuclosetetambémcomseubanheiro privativo, a mansão compunha, entre quartos dos ocupantes e dos hospedes dezoito confortáveis dormitórios.

Sente-se homem, antes de qualquer coisa quero agradecer-lhe por tudo,pretendogratificá-lo lheagradecerpelaminhavida,por tantomepeça qualquer coisa, só não me peça sua liberdade. Bamy responde com coragem, eu não o salvei pensando em recompensa ou porque o senhor é meu dono e sim por solidariedade, porque eu aprendi em minha aldeia que a vida de qualquer ser humano é muito valiosa. Você é muito atrevido João do Ayoká (Bamy), mas acima de tudo sinto que você é autentico e verda-deiro, por isso quero você ao meu lado preciso de pessoas iguais a você, pra que eu possa ter tranquilidade para uma nova etapa de minha vida, pois sinto que a partir daquele momento no rio eu renasci para uma nova vida ouparaumanovafilosofia.Masapesardenãotersidoaminhaintençãodelhe pedir nada eu lhe digo! Se duas vezes eu lhe salvei duas vezes irei lhe pedir. E quais são os pedidos? Pergunta-lhe o fazendeiro. Bem eu posso lhe fazer dois pedidos? Qualquer pedido? Menos minha liberdade? Então eu lhe peço um tratamento, mas digno para seus escravos, mesmo porque a liberdade não convém nem para mim e nem para os outros escravos de vossa fazenda, pois eles não teriam para onde irem, não tem um pedaço de terra para o cultivo de suas sobrevivências, pensando melhor o senhor bem que poderia fazer igual fazem na velha África, por quê? Pergunta senhor Orozimbo (Otaviano): Porque com certeza seus trabalhadores bem

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alimentados e com um pouco de dignidade irão produzir mais, com alegria e sem revolta. Pois sem revolta eles estarão sempre do seu lado, e farão o melhor possível para o então amigo dos escravos, seriam capazes de da-rem até suas próprias vidas por gratidão. Pense bem senhor.

Diz o fazendeiro bem isso é caso para se pensar. Retruca Bamy, pelo o que vejo o senhor é um homem de uma só cor e de uma só palavra e de bom caráter! A pouco, o senhor disse-me que eu poderia lhe pedir qualquercoisa,lheafirmo...Esteéomeupedido.Eooutro?Perguntaofazendeiro: O outro e a compra de uma escrava para servir vossa espo-sa. Como assim? Pergunta Orozimbo (Otaviano): Não estou entendendo. Mas após eu lhe explicar o senhor entendera, responde Bamy.

Então Bamy começa a relatar toda sua vida, tudo que aconteceu desde sua tenra infância, sua liderança e reinado diante das aldeias, como conquistouaconfiançadoseupovonaÁfricaecomosetornouoreidoscaçadores. Falou da prosperidade das aldeias após ele por em pratica de-terminados projetos semelhantes ao socialismo comentou também sobre o seu casamento com Nylonda. Como ele fez para salvar seu povo, ou melhor, as duas aldeias sem derramamento de uma gota de sangue até sua captura e a de sua amada esposa. Ele relatou a Orozimbo (Otaviano) como ele e Nylonda foram presos, por tanto ele sabia que sua amada não estaria tão longe dali, onde sua amada estava seria em algumas daquelas fazendas, ou melhor, naquela região onde Orozimbo (Otaviano) situava, pois quando fora vendida ela também estava no mesmo leilão e quase que o senhor comprou minha Nylonda, por isso pensando bem eu mereço este presentedosenhorafinalosenhormepermitiuqueeupudesselhepedirduas coisas, ou melhor, dois desejos. No dia seguinte:

Logo pela manhã senhor Orozimbo começa a pensar; este escravo poderia me pedir muito mais, mas ele nem pediu nada pra ele e sim para a comunidade dele a não ser a compra de sua amada, com certeza só para o bem estar dela. Este homem não existe, parece mais um anjo negro em forma de homem como esta alma pode ser tão elevada!, Todas as atitudes dele é pensando no bem estar dos outros. Em seguida Orozimbo (Otaviano) manda chamar Bamy e o convida para sentar-se à mesa para a refeição matinal em sua Companhia, e para o espanto de todos.

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Durante o farto café da manhã o fazendeiro propõe ao jovem Bamy ser ele o líder dos escravos. Senhor Orozimbo tomou aquela decisão por-que à noite em seu leito sonhou com um homem e uma mulher que se diziam serem sacerdotes e que ele deveria seguir os conselhos de Bamy aquele moço lhe fez uma proposta justa e que lhe traria muita prosperi-dade e reconhecimento como um exemplar senhor de engenho e seria até condecorado como um senhor de destaque recebendo o titulo de barão, a ponto de ser muito invejado por outros fazendeiros, e seu nome com cer-teza iria para a história.

Mais uma vez da para notar a intervenção dos deuses por intermédio de Makolo, Zunkuembu e a Ninfa do espelho d”água. Mas senhor Oro-zimbo reluta dizendo no sonho, que o titulo de barão nestas alturas não lhes é importante o que eu quero é reparar os erros cometidos por mim e osmeus,entãoeleacordacomopensamentofixoemumanovavida,maispara isto ele precisa de tempo, a partir de agora seu pensamento é em um futuro muito próximo se tornar um abolicionista, e reparar os erros come-tidos como senhor de escravos, pois ele se colocando no lugar daquele escravo que salvara sua vida e fez aquele relato onde Bamy lhe mostrou que o amor e a solidariedade são algo muito notável e digno, acima de qualquer fortuna onde o ser humano pode viver com a cabeça erguida, com mais segurança e alegria e sem o pensamento de culpa, pois Bamy lhe mostrara com muita naturalidade o lado bom e correto de vida, ele aceitou os argumentos de seu escravo como uma grande lição e a partir daquele dia Bamy seria seu conselheiro e também amigo, para todas as horas, pois senhor Orozimbo sabia que seria reconhecido como um bom feitor, mas também sabia ele que Sofreria várias, Perseguições! Porem! Estava... Dis-posto a aceitar o que viria pela frente, também ira aos poucos indagar seus feitores para saber quem estaria do seu lado nesta árdua batalha.

MAKOLO E A FLOR DA MORTE

Por ocasião dos eventos algures que ouve na aldeia, o nome de Makolo e Zunkuembu subiu muito no conceito dos chefes das aldeias vizinhas, então foram convidados para um conselho dos chefes de regiões para um

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consenso sobre os últimos acontecimentos, envolvendo as comunidades nativas e também premiar alguns guerreiros por ocasião das escaramuças bem sucedidas nas quais conseguiram enxotar os mercenários caçadores de escravos da região. Pois bem a reunião consistia em palestras, sen-do troca de conhecimentos entre chefes curandeiros chefes de exercito ou companhia de soldados, porem Makolo não sabia que ocultava entre aquelas pessoas uma pérfida serpente que ao tomar conhecimento dospoderes ocultos do sogro de Makolo resolveu prejudicá-lo para atingir Zunkuembu. Este mesmo feiticeiro Oxamam que atendia pelo nome de Mobuto Tata Mugashi engendrou um plano maquiavélico no qual ele pe-diriaparaaocomandanteprocurarumataloucertaflorquenasciamaspara o sopé da montanha cuja flor raríssima serviria Para confeccio-nar com sumo, um elixir Poderoso Para Proteção, e com as sementes, um amuleto Para resguardar o corPo e a alma dos maléficos, segundo o tal feiticeiro Tata Mugashi., Mas na verdade trata-se de um estratagema vulgar para prejudicar aquele povo. O plano era matar Makolo e seu so-gro Zunkuembu o sacerdote de Dã, tudo isso para se apossar do poder e também por pura inveja.

Pois bem! Ao tomar conhecimento da procura da planta eis que a ninfadisseaMakolocuidadoseestaflorfordeumformatoanatômicoassim como uma borboleta com oito pétalas largas e em forma de asas e dentro uma espécie de haste imitando um clitóris não as toque e também osseusespinhos,poisamesmasechamaflordebangaaflordamorte,os pigmeus usam o seu sumo para fazerem um terrível veneno para colo-carememsuasflechasecapturarsuaspresas,alemdestepovo,sãorarís-simas as pessoas que conhecem o antídoto para o tal veneno, os pigmeus com isto conseguem até abater búfalos e leopardos. Após as explicações da ninfa Makolo e seu sogro partiram para a aldeia para a tal reunião entre chefes e comandantes, chegando, foram saudados pelos demais e iniciaram assim a reunião, seria uma assembleia onde se discutiriam a liderança política de todas as aldeias e também prêmios por bravura etc:

Este tal Oxamã chamado de Tata Mugashi que reivindicava para si o comando político, mas os demais queriam Makolo, então ele lançou odesafio.

Odesafioerairbuscaraflordebangaentãoeleseadiantoudizendo

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eujáfizminhaparteaquiestaaflordebangaeuatrousse(sóqueadeleera falsa, pois não tinha os espinhos e a mesma anatomia da verdadeira, Makolo e Zunkuembu observaram, bem sabendo que aquilo era uma tra-paça,masprecisavamficarquietosparadepoisdesmascará-los).MuitobemdisseMakolodepoisqueeutrazerestafloroqueocorrera?

Bem. Vamos fazer uma votação e depois consultaremos os espí-ritos ancestrais para saber quem realmente deverá comandar as nossas aldeias, respondeu aquele indivíduo. Feito isto Makolo partiu com uma lança e um escudo feito com couro de leopardo, antes porem seu sogro e a ninfa tinham preparado e colocado em um saquinho de couro, ou seja, o antídotoparaocasodeleseferirnosespinhosdaditaflor,eosfeiticeirosnão sabiam da trama daquele homem, e Oxamã achando que Makolo não voltaria vivo da empreitada já se achava o líder daquelas aldeias. E assim deram inicio as conversações, mas Zunkuembu se manteve a parte, cala-do e tenso, com total esperança que seu genro voltaria intacto.

Ao chegar ao sopé da montanha, e na selva densa e úmida Makolo sepoisaprocuraraplantabemmaisconfianteaosaberqueseporalgumacaso ele se ferisse teria ele ali mesmo seus primeiros socorros porque trazia com sigo o antídoto daquele terrível veneno, mas quis a sorte que Makoloenfrentariaumriscotantoperigosoquantoovenenodaquelaflor,ao entrar na mata fechada ele ouviu vozes, e ele silencioso como leopar-doficouparadousando truques de camuflagem então ele percebeu que eram homens brancos acampados com o objetivo de capturar escravos assim ele pode entender o que realmente se passava em relação aos pla-nos de Makushi, só que ele não o compreendia o que aqueles estrangeiros falavam, mas ele pode perceber a julgar pelas armas e pelo o que havia passado na aldeia de Bamydele tempos atrás.

Makoloficoumuitoapreensivoquandoselembroudaquelepassadohorrível onde aquele povo totalmente estranho dizimou boa parte ou quase todoopovodasaldeiasvizinhas,aoseretirardasuacamuflagempisouem um galho seco produzindo um barulho colocando aqueles homens em alertatotal,oqualfoiosuficienteparaqueelessaíssememsuapersegui-ção logo o cercaram capturando-o. Na comitiva destes temíveis homens havia nativos batedores, ou melhor, mercenários que vendia seu próprio povo para aqueles estrangeiros e eles conheciam muito bem aquela região

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então viram naquele homem um belo espécime para ser vendido nos mer-cados de escravos, e após sua captura ele percebeu em que enrascada tinha semetidopornãotertidocalmaparacontinuarsuacamuflagem.

Ele foi capturado como um animal arrastado e colocado em um can-to, ai então ele começou a tentar se comunicar em pensamento com a ninfa e com seu sogro Zunkuembu, suas ondas telepáticas chegaram mais rápido até a ninfa porque ela estava no templo e em total sintonia com ele e com o mundo espiritual, enquanto seu marido Zunkuembu estava em reunião com os demais chefes de aldeias e preocupado com o bem estar do genro.

Ela sentido uma forte premunição entrou até onde havia o espe-lho d”água e então ouve uma comunicação com espíritos protetores e ali ela pedia e implorava para que eles mostrassem o que realmente estava acontecendo com Makolo”. E ao mesmo tempo Makolo pedia ao Deus Dã para que ele lhe mostrasse uma saída para aquela situação terrível e também que suas vibrações ou seus pensamentos chegassem até a ninfa.

Após algum tempo a ninfa sentiu na sua premunição que Makolo estava correndo sérios riscos de vida e que ele realmente corria perigo, mas nãoeraporcausadaflorqueeleforabuscar,esimumperigomaior,poissua vidência o via envolvido por pessoas de cor amarelada ser totalmente diferente de seu povo, então a ninfa já sabedora do que estava acontecen-do, juntamente com a esposa de Makolo e rapidamente despachou alguns guerreiros para libertá-lo, prevenindo que se tratava de pessoas perigosas e que provavelmente seriam caçadores de escravos disposto a tudo por algumas cabeças.

A ninfa enfatizando insistiu que aqueles guerreiros tomassem mui-to cuidado e usassem todos os tipos de astúcia possível, pois aquele povo era realmentemuitoperigoso e cheiode estratégicas, e assimfizeram,andaram sorrateiros dentro do mato até chegarem ao sopé da montanha e lá encontrarem os homens que já estavam desmontando acampamento, os guerreiros foram muito astutos calmos e criativos, como suas armas eram arcaicas bolaram um plano fantástico, e com este plano não tinham como errar.

O plano consistia no seguinte: Em uns guerreiros que se mostravam para os caçadores e Makolo, porque assim alem dos caçadores se distra-írem também Makolo sabendo que eles estariam naquele lugar saberia

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como se defender e os outros com a função de libertar Makolo quatro guerreiros foram até as savanas com um pedaço de couro de leopardo e provocaram em uma manada de búfalo um estouro que pastavam por aquela paragem e desviando os animais na direção do acampamento assim os detraídos caçadores de escravos se amedrontaram com o acontecido e disseram cada um que tente salvar suas vidas, pois agora é cada um por si. E com isto os guerreiros libertaram Makolo a tempo de escapar da manada que ao passar destruíram todo o acampamento deixando os caçadores sem viveres sem armas e sem munição. Pois as armas que sobraram os guerrei-ros pegaram rapidamente.

Após libertarem Makolo, perguntou lhe o que estava acontecendo e porque foi capturado por aqueles homens de cor amarelada.

Após descansar alguns minutos ele os colocou a par dos aconteci-mentos e do ardil que o feiticeiro havia armado para ele.

Nestas alturas dos acontecimentos na aldeia onde se passava a reu-nião Zunkuembu já estava a par do que se passava com seu genro, e sabia também que já estava fora de perigo então tomando a palavra in-quiriu Tata mugashi-porque você propôs que Makolo fosse à procura de uma erva tão perigosa, mesmo você sabendo que nada adiantaria para a escolha do novo comandante, nós agora sabemos que o teu objetivo era unicamente atingir a mim.

Saiba você que este tipo de magia que pratica não é bom nem para você e nem para o nosso povo, já fui comunicado que já, já meu genro Makolo estará aqui com nós ai então iremos decidir estas questões e tam-bém seu destino.

Assim que Zunkuembu acabou de falar todos avistaram ao longe um grupo de guerreiros e Makolo a frente encabeçando a marcha, então o feiticeiro se apavorou percebendo que Makolo avia sobrevivido aquela maldita trama , queria se sair meio se esgueirando, mas os chefes de tri-bosquealiestavamnãodeixaramobrigando-oaficareporaquelaques-tão a limpo. Assim que Makolo e os guerreiros surgiram no meio daquela aldeia ele começou a relatar os fatos e a aventura que havia passado e disse,masmesmosabendodestasórdidatrama,fizquestãodetrazeraflorde banda, a verdadeira, e peço que mostre para nossos conselheiros a sua flordebanga,poisagoraeuseiqueaquevocêapanhouéfalsa.

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Zunkuembu com isto se exaltou de tal forma que ele foi se trans-formando e quando menos esperou surgiu àquela enorme serpente, era Zunkuembu que se transformara numa enorme píton, quando percebeu que aquele Oxamã era da hierarquia, ou melhor, da mesma família do feiticeiro que havia tentado contra sua vida em tempos passados.

Nestas alturas o feiticeiro amedrontado saiu em fuga tresloucada em direção ao rio, para pegar uma canoa e fugir daquele ser dantesco que ele no seu medo achava que aquele enorme píton o engoliria, mas o des-tinoouseusprópriosatoslhereservouumfinalumtantopioretrágico,antesdechegaraorioeleteriaquepassarporumnichodefloresta,entãofoi ai que a morte lhe aguardava na forma lenta, ele caiu após um escor-regãobemencimadaplantaquegeroutodoaqueleconflito,elecorrendomato adentro achava que estava sendo perseguido pelo píton e ao olhar para traz tropeçou e caiu sobre os espinhos da tal planta venenosa conhe-cidacomoflordeBanga,sendoassimcumpriu-seodestinoqueelehaviaprevistoparaMakolo,alimesmoMugashificouestáticosendoinvadidopela morte que o consumia aos poucos, e assim quando todos chegaram na tentativa de salvá-lo ele já estava nos último estertores sentindo a vida esvair-se pelos ferimentos causados pela planta que ele mesmo havia cul-tivado para suas magias e Malefícios.

SERÁ LENDA OU UM FATO HISTÓRIA?

Até aquele dia os chefes de aldeias vizinhas achavam que tudo o que di-ziam a respeito de Zunkuembu não passava de lenda ou exagero dos mais velhos que contavam os acontecimentos relatando com muita convicção!

A HISTÓRIA

A história de que ele se transformava em uma enorme serpente, e que este acontecimento só se dava quando Zunkuembu se via em perigo ou se ir-ritava muito acima do normal, ou melhor, quando era algo semelhante ao que ele passou por causa daquele feiticeiro que tirou sua amada e tentou

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contra sua vida jogando-o naquele precipício, principalmente por ser ele na época um da mesma dinastia, pois então: Devido aos últimos aconte-cimentosficouesclarecidoatodoshabitantesdaqueleimensovaletodasas duvidas, após a transformação daquele homem em uma serpente ou Píton, logo após ali mesmo elegeram o grande líder Makolo que também era o maior defensor das aldeias.

Zunkuembu por sua vez seria o grande conselheiro e detentor da magia, pois conspirava no seu intimo uma grande sapiência, seria o gran-de conselheiro de todos os feiticeiros. Então ali eles criaram um oráculo onde todos iriam esclarecer duvidas e aprender os rituais para cultuar o deus Dã na pessoa de Zunkuembu.

SENHOR OROZIMBO (OTAVIANO) TOMA UMA DECISÃO

Passado alguns dias senhor Orozimbo chama Bamy ou João do Aioká e lhe diz: Entre dentro do seu novo quarto, pois é aqui em minha casa que você ira morar a partir de agora e lá dentro tem um presente para você.

Bamyrespondecomfirmeza:Nãoqueroserprivilegiado,primeiroprecisosabercomoficarãoosescravos,bem...Respondeofazendeiro:desde daquele dia em que conversamos suspendi o castigo para meus escravos e lhe pedi uns dias para pensar, agora vá até seu quarto pra você versegostadoseupresentedepoisacertaremososdetalhesfiquetranqüi-loconfieemmim,prometoquenãovoulhedecepcionar.

Após Bamy resistir por um bom tempo ele entra no quarto e para sua grande surpresa se depara com uma linda negra muito bem vestida de acordo com os costumes europeus, quando ele lhe vira as costas e tenta voltardaentradadoquartoondeeleficouestático,senhorOrozimbocomcerta delicadeza lhe empurra para dentro do quarto fecha a porta e aguarda nagrande sala a reaçãodos acontecimentos.Bamydele apósfixar bemseus olhos ele percebe que é o grande amor de sua vida Nylonda, os dois se abraçam e entre lagrimas e abraços um longo beijo de dois jovens ex-tremamente apaixonados, em seguida uma mucama bate em sua porta lhe trazendo um delicioso jantar com iguarias maravilhosas e também essên-cias para banho, perfume etc. E a serviçal lhe diz o sinhozinho falou que

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não quer ver você fora do quarto até amanhã cedo e que isto é uma ordem, Bamy ia dizer não ao senhor Orozimbo, mas não pode retrucar, pois aque-le encontro com sua Nylonda era um verdadeiro milagre dos deuses com certeza ali tinha a mão de mamãe Oxum a deusa do amor com as oferendas de vovó Benedita, um momento mágico e lógico que o acidente que ouve com Orozimbo no rio tinha a mão da justiça, ou melhor, a mão de Xangô.Nylondaporsuavezficousementenderoqueestavaacontecendo,masnão quiseram falar em outra coisa, a não ser em ambos. Só queriam se amar profundamente e descontar o tempo que estiveram separados, nesta mesma noite ao dormirem sonharam com sua terra, mãe África e em seus devaneiossonharamcomumcasalondefoifácilidentificarMakolo,masabelamulherqueestavaaoseuladonãofoipossívelàidentificação,so-nhou com outras pessoas um sacerdote e uma sacerdotisa, entre meio uma grande festa que acontecia na aldeia La em Ayoká onde comemoravam o reencontro de Bamy e Nylonda a festa era para ambos, tudo parecia ser real, ou talvez fosse, quem sabe?

NO DIA SEGUINTE

No dia seguinte assim que Bamydele e Nylonda se levantam foram ambos conduzidos por senhor Orozimbo que os esperavam com certa ansiedade, sentaram sobre a mesa e degustaram um excelente café da manhã. Logo após passaram para a sala ao lado e tudo foi explicado para Nylonda em seus mínimos detalhes e com muito entusiasmo por parte do senhor Oro-zimboficoucombinadoqueBamyseriaseubraçodireitoprincipalmentena parte administrativa, mas que por algum tempo não seria possível à libertação dos escravos por que seria perigoso. Os outros fazendeiros e senhores de escravos iriam lhe fazer uma perseguição implacável se sou-besse da libertação em massa, por tanto isso teria que ser feito com muito critério, quanto a Nylonda ela seria a dama de companhia de sua esposa e iria ser como uma governanta na casa grande, assim as mulheres escravas ficariamsobreseucomando.

Bamy pergunta ao fazendeiro como foi possível ele trazer sua Nylonda para aquela fazenda.

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Ele lhe responde que não foi fácil localizá-la, mas depois de muito indagar em outras fazendas soube-se que em uma fazenda muito longe dali havia uma escrava que sempre citava o nome de seu amado, por nome de Bamydele e lá onde estava era muito querida por ser ela extremamente inteligente e uma líder nata de outras escravas por tanto foi muito difícil o dono dela abrir mão de sua venda , mas com muita astúcia e varias pe-dras preciosas conseguimos trazê-la para você meu amigo Bamy.

Senhor Orozimbo lhe diz: bem agora vou preveni-lo que mesmo tomando atitudes favoráveis aos escravos Bamy seria perseguido por al-guns deles por não aceitarem serem comandado por outro escravo, por tanto eles teriam que pensar juntos para evitar qualquer sintoma de mal-dade ou por motivo de inveja.

Após alguns dias começava se cumprir o que Sr. Orozimbo lhes disse em relação aos escravos, alguns deles estavam se tornando rebeldes. Então Bamy reúne todos e os fazem eles se lembrarem como era antes a situação, mas alguns por pura soberbia deixavam transparente suas insa-tisfação ou inveja, e dois deles lhe disse se realmente você estivesse do nosso lado pedia ao sinhô para libertar a todos nós, mas vocês têm que entender que isto agora não seria possível, pois não teríamos para onde ir tudo a seu tempo, responde Bamy:

NYLONDA E A PARTEIRA

Bamydele havia comentado a sua esposa e também ao senhor Orozimbo e a esposa dele sobre aquela parteira que morava numa situação precária e que ela salvara muitas vidas tanto como parteira como também manipu-lava remédios de ervas para as mulheres, sem distinção de cor. O fazen-deiro responde, eu sei João ou Bamy. Parece-me que você gostaria que eu arrumasse uma casa melhor para aquela senhora não é isto? É isto mesmo meu senhor! A partir de hoje não me chame de meu senhor, quero que me chame de meu amigo ou simplesmente Orozimbo. Quanto a casa mande reformar aquela que esta sem uso próximo ao regato eu tenho certeza que elaficarafelizepeçoquenãolhedeixefaltarnada.

Bamy não perde tempo vai com sua esposa dar as boas novas para

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Mãe Benedita, lá chegando assim que a senhora vê aquela linda negra ela dizcomfirmeza.Minhafilhavocêembreveserámamãedeumlindogaroto.

Com total espanto e alegria o casal festeja aquele momento de tan-ta felicidade. Nestas alturas dos acontecimentos Vovó Benedita já havia encontradoseufilhoJoãodaCruzematadoasaudadedofilhoquerido.

No caminho de volta para a fazenda já havia caído à noite e em total escuridão dentro do mato estavam aqueles dois escravos invejosos que preparou uma tocaia para Bamy e sua esposa, por terem inveja da posição de Bamy, eles com um facão e um pedaço de pau iriam atacar o casal, mas logo em seguida surge do nada o fazendeiro com dois tiros certeiros acer-ta as pernas dos dois escravos daqueles dois infelizes, então Bamy lhe diz estamos quites meu amigo, ainda não, reponde o fazendeiro: Porque alem de você salvar minha vida também me deu um novo rumo no meu modo de pensar, hoje eu sou muito mais feliz com a minha consciência e a bela lição de solidariedade que me deu, mas quero lhe explicar que acabei fa-zendo isto não por violência, mas porque era você e sua esposa ou eles e afinalamigoépraestashorasenãopensequeestoufelizporestaatitudedrástica, sinto muito, mas teve que ser assim e também somos parceiros em uma grande empreitada que é libertar aos nossos irmãos, ou melhor, não só os meus escravos, mas se possível todos desta região.

Agora lhe pergunto. O que você pretende fazer com os dois rebeldes? Comoosenhorficousabendodestaemboscada?Fuiavisadoatempopelosdois escravos que você cuidou na senzala após aquele evento com os quilom-bolasondeosmeuscapatazesficarampresosefiqueisabendotambém,quevocê tomou parte naquela trama a favor dos quilombolas, com a recomenda-ção de não haver nenhum derramamento de sangue, quero enfatizar que eu sinto muito por hoje eu não tive alternativa a não ser atirar para feri-los, pois eles estavam dispostos a acabar com suas vidas meu amigo, e foi por pouco.

Enquanto os dois estavam conversando, os escravos com medo de irem para o tronco se rastejaram na tentativa de fugirem, ate alcançarem um grande bambuzal, mal sabendo eles que ali entre as palhas havia uma ninhada de cobra urutu cruzeiro, este tipo de cobra quando ataca, a tal vitima tem-se apenas trinta segundos de vida, e assim aconteceu a urutu após picar uma das vitimas, o outro escravo percebendo o que aconteceu ainda ele teve tempo de golpear a serpente matando-a e continuando sua

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fuga fatalmente caiu dentro de um grande rio eis que naquele local ha-bitava uma sucuri enorme medindo uns oito metros de comprimento, e ela atacou o segundo escravo quebrando seus ossos e em seguida ele foi engolido,ficandometadedeseucorpoforadesuaenormeboca.

Quando Bamy, sua esposa e o fazendeiro perceberam que os dois haviam fugido, eles acederam uma tocha para iluminar o caminho e vão atrás dos mesmos e então eles percebem que o primeiro não tinha mais salvação, então foram a procura do segundo ao chegarem ao barranco enxergaram a enorme cobra e o tal escravo sendo devorado pela mesma e assim foi ceifada a vida daqueles dois infelizes.

Bamy entra em desespero, mas ao mesmo tempo sente uma forte brisa como se alguém estivesse falando com ele em um idioma tribal, ou melhor, como se ele estivesse em transe e em sua terra natal e uma enor-me cobra ou píton lhe falasse: (Emi dangbalá Orixá, mo jê baba iwó o si emy omo my pelu pelu enykan ikú ny laylay).

Que quer dizer eu sou Dangbaly sou seu pai espiritual, enquanto vocêformeufilhojamaisseráatraiçoadoporseresmau,afinalvocêfoidestinado para cumprir uma bela missão. E esta cumprindo a risca. Após Bamydele sair daquele transe ele pergunta ao amigo: Agora me diga se-nhorOrozimbocomoosenhorficousabendodestaemboscada?

O fazendeiro lhe diz: primeiro quero lhe pedir algo: Vou lhe pedir mais uma vez, que não me chama mais de senhor! Já lhe disse que somos amigos! Ou não? Bem... E quanto a sua pergunta, Eu estou intrigado de como eu fui avisado! Existe um mistério que eu quero desvendar. Eu me pergunto como aqueles dois escravos poderiam saber desta traição se chegaram a pouco do vilarejo com o carroção, eles mal chegaram perto da senzala pararam como se estivesse falando com alguém no pomar e volta-ram dizendo que naquele exato momento alguém lhes avisou e disseram--me para eu ir até este local onde eles pretendiam acabar com as vidas de vocês, no caminho para cá eu ouvi algo ou uma voz me guiando, esta vós me dizia em tom muito baixo: É por aqui é por aqui e eu querendo chegar a tempo e com muita ansiedade nem lhe perguntei quem era. Agora lhe pergunto: Como poderemos desvendar este mistério? Quem estará inte-ressadoemnosajudarsemseidentificar?

Bamy com as duas mãos para traz andando pra La e pra Ca e logo

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eleouveumassovio,apóselerefletirumpouco,daumalongagargalhadaem seguida assovia algumas vezes e logo ele escuta o mesmo assovio novamente e alguns galhos se quebrando, Bamy lhe diz não tenha medo moleque pode se aproximar, eis que surge João Negrinho de dentro do mato: Quando o senhor Orozimbo percebe de quem se trata, ele perde a cor e quase desmaiando diz: Com muito espanto: é você João negrinho? Então Orozimbo tem uma sensação de calafrio pelo corpo todo, pensando que era um fantasma ou alma do outro mundo, voltando a si ele diz: Mas ele esta morto, como consegue trazer sua alma? Sossega meu amigo, João está vivinho, mas ele foi enterrado! Indaga Orozimbo: Meu feitor me confirmouqueJoãoforaenterrado!

Então Bamy conta tudo que se passou no dia em que todos pensa-ram que João negrinho estava morto, como foi o enterro e tudo mais.

JoãoNegrinhoporsuavezficouapavorado,entãosenhorOrozim-bo lhe diz sossega menino eu estou do lado de vocês, mas só que por enquanto isto é um segredo nosso, você não deve falar nada pra ninguém, nem mesmo para o pessoal do quilombo, deixa tudo como esta, a única pessoa que você pode falar é para seu pai João da cruz e por enquanto ele continuaraescravoiguaisaosoutrosevocêficaranoquilombocomosenada houvesse acontecido.

João negrinho concorda plenamente, mas não consegue conter-se detantaalegriaafinaldecontaseleestavacomumexcelentealiadoelivredaquele transtorno te ter que passar por morto.

VIAGEM ASTRAL

Em uma daquelas noites na aldeia onde estava Makolo liderando as duas aldeias em Ayoká onde havia vários rituais aos deuses. Zunkuembu re-comenda aos seus principais para que vele por ele e a sacerdotisa du-ranteoseusononaquelanoiteemespecial,poisseuscorposiriamficarvulneráveis. Eles iriam fazer uma viagem astral em espírito, então todos deveriamficaremvigiaatéaoamanhecer,poisduranteseussonosseusespíritos se depreenderiam para além-mar.

Tudo foi preparado aos conforme para o grande acontecimento,

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antes do cair da noite foi recomendado para que todos os sacerdotes e anciões não comerem nenhum tipo de caça, só frutas, se banhar com er-vaseáguadacachoeiradeacordocomseusOrixáseficassememplenasintoniacomeles.Assimofizeramcomosdevidoscuidados.

Lá pelas tantas da noite todos sentiram um grande calafrio e como se os espíritos de ambos saíssem de seus corpos. Então a viagem começou, os corpos dos dois sacerdotes estariam totalmente vulneráveis naquela noite, por isto o silencio deveriam ser total, só se poderia ouvir o canto dos pás-saros noturnos e das feras que caçavam outros animais para se alimentarem durante a noite, pois seriam muito perigoso eles não voltarem à vida, por causa do desprendimento de seus espíritos.

Enquanto isso o casal de sacerdotes em espírito seguiram mata aden-tro até encontrarem a costa marítima, entraram mar adentro e logo foram guiadospelosgolfinhoseabduzidosatésuasprofundezas,Lanasprofun-dezas os dois espíritos ganharam nova forma com barbatanas e nadadeiras para facilitar sua viagem até as margens alem mar assim que chegaram ao fundo do mar eles se separam por curta distancia para não serem confun-didos como um só ser ou um só espírito, então a deusa do mar (Yemoja ou Yemanja) que abita em Atlanta a cidade absorvida pelo mar e que também este orixá é considerado a rainha do mar então ela ordena as Ondinas e se-reias para guiá-los até a outra margem onde esta situada a América do sul. Assim sendo enquanto eles estavam nas profundezas do mar, ambos teve o privilégio de apreciar aquela obra criada por Olodum ou Olodumaré (Deus supremo) que impressiona pela beleza e riqueza colocada sobre aquele mundo que para nós é estranho e que generosamente é doado ao ser huma-no para que sirva de alimento entre outros privilégios que desfrutamos. (a navegação petróleo etc.), mas os dois destemidos espíritos sofreram varias perseguições de inescrupulosos seres de forma marítimas que tentavam de alguma forma atrapalharem a conclusão de seus destinos a caminho da outra margem do grande mar, mas em suas lutas para se safarem sempre encontravam ajuda dos comandados pela a deusa do mar (Yemoja). Che-gando a margem onde delineia outro continente, ou melhor, a America do sul, os auxiliares do deus Dã passam a conduzi-los, ainda em espírito, en-tão eles vasculham boa parte daquele território, até que se situam em uma fazenda onde havia vários negros na condição de escravos, Zunkuembu e

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a Ninfa em espirito conversando com outros deuses ou Orixás os mesmos indicam um lugar que seria em outra província. E disse: La há várias fazen-das, que provavelmente estariam ali quem eles procuravam.

Após um bom tempo, na expectativa de acharem Bamydele e Nylonda ambos sentem uma vibração um tanto familiar que poderiam ser quem eles tanto esperavam encontrar (Bamy e Nylonda), eles estavam certos, ao encontrarem ainda em um sono profundo e reparador seus espí-ritos começam um contato, se comunicando por telepatia. Durante o con-tato o casal de sacerdotes passa as devidas recomendações a Bamydele e sua esposa, deixando aquele contato em forma de sonho mais nítido na memóriadeNylondaafinalBamydeleporestarmuitomaisocupadocomvárias atividades não conseguiria memorizar totalmente o acontecido da-quela agradável visita astral e sem perca de tempo Zunkuembu e Yassure a Ninfa regressam para a mãe África. De volta ao mar eles tiveram uma agradável surpresa, encontrou uma legião de espíritos bem feitores que habitam sobre as águas profundas daquele oceano, eles estavam em festa pelo o acontecimento e coragem do casal Zunkuembo e a Ninfa.

A REVELAÇÃO

Assim que o dia começa a despontar, Nylonda acorda seu amado com caricias e diz a ele: Esta noite para mim foi a mais maravilhosa de todos os dias de minha vida... Alem deste generoso presente concedido pelos os nossos orixás e senhor Orozimbo. Que foi o nosso reencontro e após eu dormir me senti volitando sobre nossa terra natal como se eu fosse verdadeiramente uma rainha e tudo me parecia muito real, sonhei com um casal, mas eles não eram daqui desta terra e sim de um lugar próximo aAyoká.Maseunãoconseguiidentificarseusrostos,horaelesmepare-ciam humanos, hora uma fumaça reluzente em forma humana. Responde Bamy: Eu também tive um sonho que me trouxe uma sensação muito boa, mas não me lembro de quase nada, só me lembro que Makolo fazia parte dele, mas deveras foi muito agradável, com uma sensação de bem estar como eu nunca havia sentido antes. Aquele contato que tiveram em sonho realmente foi um recado para que ambos continuassem com seus

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objetivos para a libertação daquele povo (os escravos) Os dois seguem para o salão onde será servido o café da manhã e aguardam a chegada do então agora seu amigo e parceiro Orozimbo para planejarem o que haverá de acontecer para a libertação daquele povo tão sofrido.

Em um bate papo agradabilíssimo com o amigo eles se regozijam do sucesso, ou melhor, da prosperidade e abundancia, naquela fazenda que em breve senhor Orozimbo poderá mostrar para outros fazendeiros, a mudança que ouve após tratarem seus escravos com dignidade e entregar a administração da mesma a Bamy, pois a partir daqueles dias não have-ria mais castigos para os seus serviçais ou eis escravos, aos poucos eles passariam a serem remunerados e cada um teria seu cantinho para morar, o fazendeiro sabia que seria perseguido por pensar desta forma, mas Deus haveria de defendê-lo, pois era por uma boa causa que ele estava empe-nhado com seu amigo Bamy em libertar os escravos.

Assim que lhe é oportuno senhor Orozimbo diz a Bamy: Mudan-do de assunto, já algumas noites eu tenho alguns sonhos. Mas é sempre idêntico ontem eu Sonhei que estava coberto de chagas e totalmente sem cabelo,sóquedasoutrasvezes,eunãofiqueitãoimpressionadocomoeste sonho de ontem você consegue decifrar este sonho?

Não...AfirmaBamy:Masaquelaparteira tambémconhecidaporVovó Benedita sim: Com toda certeza ela lhe poderá muito bem lhe ex-plicar com detalhes.

Após o café resolveram ir até a casa da parteira, la chegando, Vovó Benedita chama Bamy para uma saleta e recomenda a ele para que, não perdesse a fé, ao que teria a provir tanto para ele como também para Oro-zimbo, pois os dois ter-mos-iam de passar por várias aprovações, mas a vitória seria certa, por tanto teriam que serem tenazes. Bem hoje eu não possoatenderseuamigoepatrão,afirmavovóBenedita:Peçaaelequevolte amanhã, pois preciso primeiro me preparar para atendê-lo.

NO DIA SEGUINTE

No dia seguinte após o amanhecer os dois partem para a casa de vovó Be-nedita lá chegando Bamy saúda a parteira em Yoruba por sua vez o fazen-

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deiroficouencantadocomareverênciaqueBamyfizeraàela,entãoelepergunta se poderia cumprimentá-la da mesma forma, Bamy lhe ensina a saudação em Yoruba e após avó Benedita lhe responder a saudação ela complementa:Meufilho,emprimeirolugar,querolheagradecerpelasuagrande generosidade por me colocar em uma casa mais confortável e perto do ribeirão, também pela compreensão e amizade com Bamydele. Bem: Vamos aos búzios. Vovó Benedita após sentar-se em seu apoty (banquinho) abre o jogo e faz sua reza em dialeto Africano: Avodum corodum cobade ynkyssy baba o lufan, baba Oguyã, Ynkyssy Ynkyssy Oba xyre Kao ca-byexylé, Oke Ode muylo, Ya Toto Yajuberu Nyomulu, Nyo Obaluayê, eu eu Aça Oluajé, Yarroboboy colem Bessem, Eruya Odoya, Eruya Mikaya, Saluba Nanâ Burukum Saluba Nanâ Buruke Axé, Eparrey Beloya Gygan GyganéBalé,YeYeooooOxumCafideryOmam,OduduaBabaEtabemy,Laroye-o Cobo Cobo Télé Télé leba lebara vodum laroye Tyryry Lonan. Kileua, Kileuy Ynkissy Omorunko Oré Orozimbo, Ynkissy Olodumaré.

Esta reza é uma saudação aos Ynkissys ou deuses (Orixás) princi-pais do panteão africano.

Obs.: Estes deuses são citados e conhecidos como os 12 principais sacerdotes das 12 tribos de Judá no velho testamento e em êxodo que se configuracomoomaiorbest-seller(abíblia).Bem,entãoVovóBenedi-ta voltando a Orozimbo diz a ele:

“Meufilhoaquioifa(búzios)merevelaquepassaraporalgunstranstornos, este sonho que teve a dois ou três dias atrás nada mais é do que um encosto de um espírito vingativo também conhecido por (Egum) e é também a sua própria consciência que lhe cobra, lhe cobra por agora vocêentenderoqueécertoeoqueéerrado,mastenhafé,poistudoficarabem para você, enfatizo terá que ter muita fé para vencer os obstáculos, eu sei que veio até aqui com seu coração limpo e quer que eu lhe revele este sonho ou pesadelo que vem tendo e que esta lhe trazendo muita preo-cupação, Durante a consulta lhe é revelado que ele passara por um susto, relacionado a doença, entre outros transtornos, mas que ele ira superar, paraistoénecessárioqueOrozimboconfieemOlodumaré(Deus)enosseus auxiliares os deuses.

Ele então lhe pergunta de que se trata e se sua família será atingida portodoestemalelalhedizparaficartranquilotudonoseutempo,pois

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quando Orozimbo mais precisar os deuses estarão com ele em sua pior dificuldade.

Em seguida Bamy pede a Vovó Benedita que abra o jogo para ele. Na consulta ele pergunta sobre o sonho que sua esposa teve a noite pas-sada parecia mais uma revelação, pois o sonho era muito real segundo Nylonda e que ele também haveria sonhado, mas não se lembrava do bom sonho que tivera e que Nylonda se sentiu durante seu sonho que estava em contato com seu povo em Ayoká Então a parteira lhe diz que o que se passou foi um contato espiritual com o povo de sua terra e que naquela noite eles tiveram uma visita de dois sacerdotes sendo um sacerdote e uma sacerdotisa recomendando que Bamydele devesse continuar seus projetos sem desanimo, então vovó Benedita lhe explica que ambos atravessaram o mar em espírito, após eles fazerem um ritual de desprendimento que tambéméchamadodeviagemastral.Meufilho,dizVovóBenedita;Oobjetivo desta viagem foi exatamente pela ansiedade deles saberem o que esta se passando com vocês para poder ajudá-lo e após este acontecimento eles perceberam, ou melhor, sabe de tudo que se passou com você aqui nesta terra até o presente momento, com isto eles têm certeza de sua perse-verança, por tanto se tranquilize e vai em frente com sua missão de ajudar os seus e também trazer a compreensão aos senhores donos de escravos eautoridadesdestaterraeemoutrosrecantos.Afinaldecontastodososnegros que vieram para o Brasil estão aqui com uma missão, ou resgate, cada um a sua maneira, pois cada um de nós temos nossa própria vida, ou escrevemos a nossa própria história. Tanto nesta e em outras vidas passa-das e futuras e com isto por você ser um espírito de alta elevação viestes com uma missão muito bonita, de liderar e libertar este povo com seus compromissos de vidas passadas, e também ensinar a esta nação, que não é pela violência que evoluímos e sim pela solidariedade e ajuda mutua afinalnóssereshumanosrealmenteéumaengrenagemquedependemosuns dos outros para o progresso temporário e espiritual, pena que nem todosentendemestabelafilosofiadenenhumdospovos,oumelhor,destae de outras nações não assimilam este grande ensinamento de evolução ou projeto que você trouxe da espiritualidade, mas com certeza evoluirão de acordo com suas sapiências e futuras reencarnações, isto tudo que quero lhe dizer é muito profundo aos poucos você passara a entender melhor.

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Quanto ao senhor Orozimbo, ele haverá de passar por uns proble-mas de saúde, mas isto é inevitável, pois esta em seu destino, ou melhor, alguém que foi para o plano espiritual já esta lhe cobrando por ele ter ti-rado sua vida terrena, por tanto ele terá que ajustar os erros que cometeu, mas com toda certeza, pelo seu arrependimento Orozimbo ira superar estes problemas com ajuda dos (deuses) orixás. E o ajuste dele será bem menor, também pelo seu arrependimento.

DOIS MESES APÓS

Dois meses após aquela consulta, senhor Orozimbo ao levantar em uma manhã fria ele percebe algumas manchas em seus braços e pernas, mais alguns dias o seu problema se agravara com micro lesões por todo seu corpo, sendo que parecia mais queimaduras e picadas de insetos e como se ele estivesse sido surrado com chibata por alguém, meu Deus o que será isto por que estou passando por este transtorno já visitei alguns médi-cos e eles não me dão um diagnostico os remédios não fazem efeito, não consigo dormir com as dores e coceiras já perdi vários quilos. Enquanto istoBamyesuaesposaemaisJoãodaCruzeseufilhotentavadetodasas formas ajudarem ao amigo, mas em vão, Nylonda sempre gentil e de-dicada pedia aos deuses pela cura do fazendeiro e fazia banhos em fusão, chás e tudo que era possível na tentativa de curá-lo.

Vovó Benedita estava em uma fazenda muito distante daquele lugar já a algum tempo que fora fazer um parto a pedido do senhor Orozimbo, lá na naquela fazenda distante a quatro dias de viagem nos carroções la moravasuafilhamaisvelha,VovóBenedita,masumaveziriaajudaratrazer o neto de Orozimbo ao mundo.

Orozimbo se sentia subjugado totalmente vulnerável, mas acredita-va-oquetudoterminariabem,afinaleleselembrouqueaparteirahavialhe dito que passaria por situações degradantes. Neste mesmo tempo cor-ria o boato que chegaram aos ouvidos de outros senhores donos de fazen-das próximas a dele, de como eram tratados os escravos de Orozimbo, ou melhor, na fazenda dele não havia mais castigos e que ele pretendia remunerar seus então serviçais.

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O seu visinho outro grande fazendeiro e senhor de vários escravos dizcomtotalindignação:Istonãovaificarassim,Orozimboestadandoum péssimo exemplo, sem duvida daqui a pouco ele ira para o outro lado ira para o lado dos abolicionistas e o prejuízo será enorme com a liberta-ção destes animais sem alma.

Após uma reunião, este mesmo fazendeiro passa a liderar um grupo com alguns senhores de escravos, três deles junto com o tal fazendeiro resolveram fazer uma visita a Orozimbo tomaram seus ginetes e foram a galope na tentativa de ameaçá-lo. Logo na chegada eles procuram pelo dono da fazenda e lhes disseram: Você sabe o quanto pode lhes custar à loucura que esta tentando fazer, senhor Orozimbo? Isto pode lhe valer à sua própria vida, por tanto pense bem no que pretende fazer.

NestemomentoadentramnagrandesalaJoãodaCruz,seufilhoJoão Negrinho e Bamy, então João da Cruz pergunta o que esta aconte-cendo, por que estas agressões? Assim que um dos fazendeiros levanta o chicote para surrá-lo João da Cruz, Bamy retruca espere um momento senhor,querofalardeseufilhoeleestaemapuroseprecisadeajuda.

Como sabe disso? Quem é você seu negro safado para falar de meufilho?Alguémdesuafazendamerelatouoquesepassacomseuúnicofilho.

Pois saiba o senhor que se não socorrê-lo as pressas perdera o me-nino a doença dele é conhecida pelo nome de tísica (tuberculose) e se agravou a tísica (tuberculose) não espera e não tem cura, segundo a me-dicina, mas eu posso curá-lo, por favor, me leve o ate ele, pois eu tenho o remédio para sua recuperação. Lembre-se senhor a medicina ainda não tem a cura para este mal, mas eu sim sei como curá-lo. Enfatizou Bamy: Já curei várias vitimas desta doença em minha terra Ayoká.

Que ousadia a sua seu negro você é apenas um escravo.Senhor Orozimbo após pegar uma carabina porem fraco por sua

doença e com muita coragem lhe diz, ele não é meu escravo e sim meu amigo, por tanto os senhores trate de se retirar de minha fazenda, eu não lhes devo satisfação de minha vida, ponham se daqui pra fora.

Nisto entra Nylonda, e diz para a esposa do senhor Orozimbo: Com licença senhora, aqui tem uma carta endereçada ao senhor Orozimbo tra-zido por um mensageiro, diz o portador que é do império foi o duque de

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Avilar que lhe mandou, a esposa dele recomendou que a carta fosse en-tregue em mãos. Um dos fazendeiros toma a carta das mãos de Nylonda e diz: esta vendo não vai precisar nem da nossa intervenção, você ira ser julgado pelos seus atos e quem sabe será enforcado.

Sem a devida autorização de Orozimbo o fazendeiro abre a carta e as lê em voz alta na tentativa de humilhá-lo.

Eis a carta:“Senhor Orozimbo sabendo eu que vossa senhoria vem de van-

guarda de homens aguerridos. É com o devido respeito que tomo a li-berdade de pegar na pena para redigir esta missiva em nome do nosso Imperador”.

Bem:OnossoImperador,suafielesposaetambémaprincesaIza-belsuafilhasabemdoseucomportamentoemrelaçãoaosseusescravos,sabem também nosso Imperador, que a vossa fazenda tem prosperado e muito, pois como todos do seu naipe sabem que é de praxe o Império enviar mandatários, para saber como anda as coisa nas províncias e dar assistência aos governadores e como anda os processos, digo: Impostos e seus pagadores, tudo isto em relatórios enviados ao nosso Rei, ou para o tesouro real.

No vosso caso esta havendo um comentário que em sua fazenda quem administra é um ex-escravo, que o senhor lhes deu plenos poderes. Contam também que ele lhe passou idéias revolucionarias para adminis-trar bem sua fazenda, assim como acontece em sua terra natal na África e também por sugestão dele o senhor não castiga mais seus escravos e alem do mais os chamam de meus serviçais.

Saiba o senhor que a lei que ampara os escravagistas foi assinada em mil quatrocentos e cinquenta e quatro da era cristã em forma de bula papal pelo então Papa Nicolau quinto.

Sabendo nós dos acontecidos em sua fazenda por informantes do império e também pelas suas contribuições relacionadas aos impostos que aumentaram muito, parabenizamos pelas suas iniciativas.

Quando o relator quis parar de ler a missiva Orozimbo aproxima--se dele e coloca a arma próximo a sua boca e diz: Já que você teve o atrevimentodeabrirminhacartaagoraleiaatéofinal...entãootalrelatorcontinua:

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Pois está claro para nós que o senhor tem a pretensão de libertá-los esaibaqueestetambémeodesejodenossaimperatrizesuafilhaIzabel,inevitavelmente este será o futuro de nossa nação um país livre para todos com direitos e deveres, assim o crescimento ou desenvolvimento de nossa nação será literalmente certo. Tenha certeza que este é o objetivo do nos-so Imperador uma nova constituição, com leis que traga direitos e deveres para todos que vivem nesta terra de santa cruz. Parabéns: Aguardemo-nos que em breve estejamos juntos para comemorar esta data que será de grande importância para todos noz.

Sem mais me despeço com ansiedade para juntos comemorar esta bela iniciativa.

Saudações: Duque de Vilar e secretario geral do nosso Império. Com cópia: Em seguida, João Negrinho toma a palavra e diz com certa ironia, meu sinhozinho acho melhor o senhor não perder tempo e levar Bamydeleparacuidardeseufilho,deixaseuorgulhopraláeimploresefor necessário para que meu patrão deixe que Bamy vá com o senhor ate sua fazenda, pois com doença não se brinca.

Orozimbo blefando diz ao pai do menino: Eu vou dizer pela ultima vez saiam daqui pra fora se eu matar vocês dentro da minha propriedade nada vai me acontecer por que tenho provas da invasão de vocês, não es-tou bem de saúde, mas isto não me impede de tomar uma atitude drástica.

Nylonda não sabendo do blefe diz: Meu sinhozinho deixe que meu esposo vá até a fazenda deste senhor, pois o rancor neste momento não lhe trará boa sorte, o pai do menino diz: Se quiser me acompanhar até mi-nha fazenda pode ir, mas você terá que ir atrás dos demais, pois escravo não pode andar ao lado dos senhores.

Quando Orozimbo ia retrucar Bamy responde: Esta bem, esta bem: Mas preciso levar João da Cruz comigo, esta muito bem responde o or-gulhoso senhor:

Após chegarem à fazenda, Bamy lhe diz: Desculpe sinhozinho, minha ousadia, mas qual é o seu nome? Meu nome? Bem, meu nome é ArlindoGusmão.EseufilhosenhorArlindo?

Bemmeufilhotemomesmonomemeu.O senhor me permite ver o menino?Claroquesimafinalvocêveioaquipravê-loeolhaláoquevocê

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vaifazercomomeumeninoeusótenhoestefilhomoço,seelepiorarvocêficapramorrer.Bem...Primeiroprecisotomarumbanho,paraqueelenãopiore sua situação, a higiene faz parte do meu método de tratamento

ApósBamyexaminarofilhodeArlindoelepedeaJoãodaCruzque vá até o mato e pegue bastante assa peixe, feijão guandu e vá até a horta e lhe traga também agrião e hortelã, mas que ele peça ao deus das folhas conhecido na África por Ossanyê. Bamy usa um ritual Africano chamado de sacudimento ou bate folha, que se trata de passar as folhas sobre todo o corpo do então paciente com rezas . Em seguida ele prepara um banho bem quente com as mesmas ervas e coloca aquele menino den-tro de uma grande banheira juntamente com as ervas em fusão por mais de meia hora, enquanto isso ele faz um suco com parte das mesmas ervas conhecida como maceração e faz o garoto beber recomendando a mãe do menino para que de duas em duas horas sirva ao menino meio copo, após o ato ele se despede dos moradores da casa com toda sua educação que lhe é peculiar.

O fazendeiro lhe pergunta: Quanto eu lhe devo? E pede para que fiqueemsuacasaatéodiaseguinte,Bamylherespondequeadividadeleseria pensar bemnoqueDeusgostaria que elefizesse em relação aosseusescravos,equantoadormireleachoubomficarparaacompanharedarumamelhorassistênciaaofilhodofazendeiroemandouqueJoãodaCruz voltasse à fazenda de seu amigo Orozimbo e lhe deixar informado em relação a doença do amigo.

No dia seguinte no âmago da madrugada Bamy já havia preparado um plasma com ovos de pata farinha de mandioca, hortelã fresca e poejo colhido no quintal próximo ao pomar, com este plasma envolveu-se o menino na parte do tórax e nas costas e recomendou a família para fazer um bom caldo de frango com inhame e verduras frescas e evitar a carne vermelha(suínaoubovina)porqueocaldoseriaparafortificaromeninoe o inhame para depurar seu sangue e assim seu próprio organismo iria combater as bactérias que se apossavam de seus pulmões.

Bamyachounecessárioficarpormaisunsdoisdiasparacontinuaro tratamento do adolescente, com muita dedicação como se fosse seu própriofilhomaceravaaservasatequeomeninocomeçouanãomaissentir aquele mal.

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Quando Bamy vai se despedir do fazendeiro ele lhe traz uma quan-tiaemdinheiroquefaziacomquequalquerambiciosoficasseencantadocom a devida quantia, Bamy recusa a oferta e enfatiza, me desculpe se-nhor, mas em vez de me oferecer esta quantia trate melhores seus escra-vos que estará muito bem pago, o fazendeiro faz uma segunda tentativa, então venha administrar minha fazenda aqui você terá tudo que desejar.

Senhor Arlindo, se a vossa intenção é fazer com que sua fazenda prospere, é muito fácil basta o senhor seguir o exemplo do meu amigo Oro-zimbo o senhor pode ter certeza que lá será a fazenda modelo, bem senhor Otaviano tenho que ir embora e gostaria como presente saber da saúde de seufilho.

Veja bem... João do ayoká, eu sou um homem muito arredio e orgu-lhosonãomedobrotãofácil,masvocêrealmentemesurpreendeuafinalvocênãotinhaobrigaçãonenhumaemcurarmeufilho,maspercebisuatotal dedicação como se o garoto fosse seu e o conhecimento que tem com a liturgia e realmente notório, você tem em sua alma a arte de fazer o fantástico, eu vou pensar bem em tudo que me falou e nestes três dias emquevocêesteveemminhacasa,fiquecertodeumacoisaaqualquermomento que precisar de mim estarei a sua disposição, pois comigo não tem meio termo, ou sou amigo ou inimigo e recomendações juntamente com minhas desculpas ao senhor Orozimbo.

Em seguida o fazendeiro mandou arrumar o carroção e colocou sem que Bamydele soubesse alguns presentes valiosos para os que esta-vam presentes na grande sala na fazenda de Orozimbo no dia da invasão dele a quatro ou cinco dias atrás se despediu do recém amigo que fora conquistado naqueles dias.

DE VOLTA A FAZENDA DE OROZIMBO

Bamy ou João do Ayoká ao chegar à fazenda percebe que não houve me-lhora do amigo o fazendeiro, pelo contrario sua doença se agravara, en-tão ele pergunta a sua Nylonda se Vovó Benedita havia voltado, ela lhe responde que passou ali uns homens a cavalo e disse que encontrou uma senhora negra em uma carroça vindo para essas bandas, Bamy aguardou

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com ansiedade até que ao cair da tarde surge um carroção com a querida vovó Benedita, ao se deparar com ela Bamy cumprimenta em Yoruba e a alegria foi geral, todos os escravos e tabem senhor Orozimbo e esposa vão aoseuencontro,aocairdanoitefizeramumjantarespecialafinaldecontasVovó Benedita voltara com boas noticias do seu neto que acabara de nascer.

Vovó Benedita vendo a situação do fazendeiro apesar de seu espan-to lembrou-se da previsão há alguns meses atrás, então ela lhe falou: Meu filho,oumelhor,meusinhozinho,eleretrucadeimediato:MinhaqueridaVovódeixemechamarassimeseasenhoramechamardefilhoeutenhocertezaquevoumelhorardestadoença,bemmeufilhovoumandarJoãonegrinho apanhar algumas folhas pra começar o ritual de cura e também iniciá-lo como futuro zelador de santo. Você será o primeiro branco aqui neste país a tomar esta benção em nosso ritual, mas quero que você vá amanhã logo pela manhã ate minha casa, pois precisamos conversar leve suaesposaeBamydele.Eassimficoucombinado.

À noite ao deitar os sintomas pioraram foi à pior noite de Orozimbo o incomodo era muito grande, sua esposa também não conseguia dormir ele sentia que havia a presença de sombras negras no seu quarto, e que a qualquer momento iria morrer. Aquelas sombras negras provavelmente era o espírito do esposo de vovó Benedita, então Orozimbo se lamentava dizendo meu Deus o que será isto será só um mal estar o tem algo que eu desconheço que esta me atormentando. Ele não via a hora de amanhecer praselevantareficarlivredetodoaqueleassombro,atéqueemfimodiaamanheceu sem perder a fé e sem perda de tempo ele convida a esposa e seufielamigoparairemtercomvovóBenedita.

Lá chegando eles entraram e tomaram um delicioso chá de ervas frescas, preparado com carinho pela a vovó Benedita, logo após ela cha-ma Orozimbo pra uma pequena e modesta saleta abre o jogo de búzios elhediz;Commuitacoragem:Meufilhovocêselembraqueeulhedis-sequehaveriadepassarporcertasdificuldades?Sim,melembromuitobem, responde Orozimbo: Vovó Benedita lhe expõe: Pois é! Só que estas dificuldadeschegarãoaofim.Entãoistofoiumaprovapratestarminhafé? Pergunta Orozimbo:

Não!RespondevovóBeneditacomfirmezaemsuaspalavras,vocêse lembra a vinte anos atraz, que havia um negro fujão que lhe deu muito

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trabalho, vivia se escondendo até que você arrumou um capitão do mato e alguns ajudantes, este capitão que atendia pelo nome de cascavel, o mesmo o capturou nas margens do rio Assui, naquela época, este mesmo negro praticava o jogo de angola (capoeira) deu muito trabalho, mas após ser capturado morreu amarrado em cima de um formigueiro com muitas chibatadas, sob seu comando, com sede e queimaduras do sol que ardia em sua pele e picadas de formigas, isto que está se passando com você é consequência do encosto do espírito deste homem que o seu sangue foi derramado, este negro é o que mais lhe cobra por ter sido ele uma pessoa muito poderosa e perversa em sua terra e também muito rebelde e vin-gativo para que nós aprendamos temos que passar pelos problemas, ou então você pode chamar isto que lhe aconteceu de resgatar dividas, tudo que você fez de mal, você esta passando, mas é só uma pequenina parte, será uma pequena parte de tudo que fez porque você se voltou para o bem, reconheceu e se arrependeu de todo mal que praticou e lhe previno... Sempre tome cuidado com os inimigos alem desta provação você passara porumteste,mastudoficarabemlherepito,massetiverperseverança.

E como pagarei o resto de minha divida? Pergunta Orozimbo: Com resignação com amor ao próximo e solidariedade e isto você já começou a praticar, mas agora Você terá que cuidar dos teus deuses ou Orixás, ou como diz os católicos os anjos da guarda. E como fazer isto minha Vovó?

Você tem uma missão muito bonita para cumprir, mas é questão de querer abraçá-la com amor, pra isto você terá que ter plena convicção do que quer.

E como é isto, ou melhor, o que tenho que fazer?Você terá que passar por uma cerimônia ou ritual de feitura, primei-

ro para a tua cura e depois ser um iniciado e em seguida ser um sacerdote chamado popularmente aqui nesta terra de selador de santo, e terá que fazer um pacto com os deuses.

Então pelo o que estou entendendo eu tenho que me converter e renegar a minha fé?

Isto não é necessário você pode continuar com sua crença, mas que-ro enfatizar que terá um compromisso com os deuses (Orixás) pro resto de sua vida em prol de sua saúde e felicidade.

E quando podemos começar?

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Bem... Como o teu problema é relacionado a sua saúde temos que começar o mais rápido possível, você terá que sair do conforto do teu lareficaraquiporquarentaeumdiaseassimsendovouaproveitarparacuidar também de João Negrinho.

Por quê? Ele também tem problema de saúde?Nãomeufilho,maseleteráquesertambéminiciado,poisassim

teremos mais um preparado para cuidar de quem precisa, e a partir de agora não quero mais que me chame de avó e sim mãe Benedita, porque como seladora de seu santo assim é melhor, deixe que me chame de Vovó aquelas crianças que nascerem pelas minhas mãos.

INICIAÇÃO DO PRIMEIRO SACERDOTE

No dia seguinte começaram as preparações para a iniciação do primeiro sacerdote de cor branca, ou melhor, de outra nacionalidade com um cargo muitoimportantedentrodestafilosofia.Ocargochama-seOjuObaquesignificaosolhosdeXangô.(osolhosdajustiça)Orozimboteriaquepas-sar por vários banhos (limpeza de corpo), com ervas maceradas, verduras, legumes e outros. Teria também que invocar o deus da peste, também conhecido como o protetor das doenças contagiosas (Obaluaye e Omulu) quesignificaReiesenhordacrostaterrestre,paraacuratotaldoentãopaciente que já estava com mau cheiro.

Mãe Benedita mandou que abrissem um poço mais ou menos até a altura da cintura do iniciado, em seguida foi usado um barro da mesma terra com suco de ervas e envolvendo todo seu corpo, mãe Benedita roga-va com suas rezas em Yoruba aos deuses.

Após este ato Orozimbo foi recolhido em um quarto especialmente preparado para estas cerimônias, onde sua cama fora preparada com yssa-bas (folhas de ervas nativas). Mãe Benedita após um merecido descanso começa com seus rituais para preparar João Negrinho.

Bamy que estava ali atento a tudo e sendo o braço direito juntamen-te com sua esposa e alguns escravos e então ele pergunta a mãe Benedita. Quando irei ser iniciado?

DizmãeBeneditanãoseaprecemeufilho,noteucasotudoserábem

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mais fácil, sabe por quê? Não, não sei! Porque você é abiaxé, já nasceu preparado, a tua iniciação começou quando ainda estava no ventre de tua mãe. Por tanto quando ela lhe concebeu! Foi no mesmo tempo em que foi iniciada... Sendo assim você passou pela a mesma cerimônia também, e por você fazer parte do corpo dela e sucessivamente passar pelos mesmos rituais que também é conhecido como feitura de santo, você com toda cer-teza é um abiaxé já nasceu preparado.

E saiba mais, tudo que você fez em prol das pessoas La na África e outras, aqui nesta terra, isto conta ou faz parte do seu grande axé, os Orixásmeufilhoestavendotudodebomquevocêpraticoueistotemmuita valia para o teu seguimento espiritual. Agora vá mande alguém pe-garmaisyssabas(ervasfrescas)paraeucuidardosmeusfilhosqueestãorecolhidos no ronco (quarto de santo).

A RECUPERAÇÃO

Aos poucos aquelas coceiras e feridas do fazendeiro começaram a desapa-recer então o amigo de Bamy vai dando sinais de melhora, a alegria é geral. Seus escravos se alegram com danças comidas típicas da mãe África, eles relembram um passado onde viviam em plena harmonia em suas terras, mas estavam conformados e seguros porque havia um líder nato Bamydele (João de Aioka) e um excelente aliado, senhor Orozimbo e também mãe Benedita, tudo transcorria aos conformes na mais perfeita harmonia.

Mas, eis que surge um funcionário do império conhecido como alco-viteiro,eraumaautoridade,masinsignificanteparaoimpérioejuntoaeleo reverendo padre Antonio novo naquela diocese, pois o outro padre havia se transferido. Queremos falar com senhor Orozimbo, disse a tal autorida-de: E temos urgência, pois viemos de longe e não temos tempo a perder, dona Ana esposa de Orozimbo, lhe responde meu marido esta em viagem e ira demorar uns quarenta dias, e pra onde ele foi? Foi até a capital da província se tratar, ele não esta bem de saúde, mas os senhores podem falar com seu administrador.

E ele onde esta?Os senhores aguardam um momento que eu mandarei chamá-lo.

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Em seguida chega Bamy e lhe diz: Estou as suas ordens meu senhores.

Prontamente um deles responde: A senhora deve estar de brincadeira, eu não quero falar com um escravo e sim com o dono ou o responsável, mas estehomeméoresponsávelnaausênciademeumarido,afirmadonaAnacom toda segurança.

Eu acho que a senhora não sabe que esta falando com uma auto-ridade. Veja bem meu senhor, retruca dona Ana: A autoridade aqui em nossa fazenda pelo o que eu saiba somos nós, por tanto se os senhores não quiserem falar a que vieram, então é melhor se retirarem e voltarem quando meu marido estiver aqui, os senhores estão me incomodando. Esta bem!... Mas a senhora não perde por esperar isto vai lhe custar muito caro, como pode dar este tipo de ousadia a um escravo.

QUARENTA E CINCO DIAS APÓS

Depois de tudo consumado, mãe Benedita prepara uma bela festa co-nhecida como saída de santo, com muitas comidas típicas os tambores ecoavam com cantos em Yoruba, Orozimbo totalmente recuperado e João Negrinho que ganhou o nome ou cargo de Babalossanye (o senhor das folhas) tudo era alegria até que certa hora Mãe Benedita pede para Bamy que já havia adquirido Algum conhecimento para fazer um agrado (des-pacho) a Exu e Ogum os senhores da estrada e guardião daquele lugar, pois se isso não fosse feito ainda naquela noite haveriam de acontecer um atentado contra aquele povo ali presente.

Bamy e João da Cruz não perderam tempo tudo foi executado de acordo com as ordens de mãe Benedita, enquanto isso Nylonda invocava a Oya a deusa das guerras para que nenhum mal acontecesse com o povo.

A FILHA DE OROZIMBO

HádezoitoanosatrásnasceranaquelafazendaasegundafilhadeOrozim-bo uma linda menina com o primeiro nome de sua mamãe, Ana Paula, que

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fora criada com todo mimo por uma escrava (ama seca) cujo seu nome era Maria das Dores, uma escrava totalmente dedicada aquela criança. Ana Paula vivia ao convívio daqueles escravos, pois era inevitável, quan-do menos se esperava lá estava ela na senzala junto aos escravos, ainda quando criança. João Negrinho que era apenas três anos mais velho que a menina Ana Paula, estava sempre em sua defesa, mesmo contra a vontade de seus pais, havia momentos em que a menina chorava pedindo a presença de João negrinho, nesta época Ana Paula tinha seis anos, enquanto João negrinho já estava com seus nove anos de idade.

Orozimbo jogara todas as responsabilidades sobre Maria das Do-res,elefalavacomausteridadesealgoderuimacontecercomminhafilhavocê pagara caro sua negra.

A menina crescia sempre reivindicando a presença de João negrinho, aos trezes anos de idade ela se tornou rebelde pelas atitudes rudes de seu pai, achava um absurdo o tratamento que dava aqueles seres humanos que elaafirmavaserigualaosoutrosinclusiveosseusdireitos,AnaPaulaestu-dava muito, queria ser professora para alfabetizar os escravos e pra que eles soubessem se defender dos senhores de engenho, era uma abolicionista nata e ufanava de ser austera, contra seu pai, o fazendeiro relutava contra aquela subversão da menina e foi exatamente aos dezessete anos de idade e quan-do terminou o colegial e que aconteceu aquele acidente no rio com seu pai quando Bamy teve a oportunidade de lhe dar uma bela lição de solidarieda-de e amor ao próximo e também como ele deveria administrar sua fazenda.

João Negrinho no mesmo tempo que queria estar próximo de Ana Paula também tentava evitá-la, às vezes até com certa rudez para não so-frer humilhação e castigos do fazendeiro, mas seu coração jovial às vezes seperdia:Eperdiaalógicadascoisasparaficarjuntoasuagrandepar-ceira de gostosas brincadeiras as escondidas, seu coração ainda inexato se perdia em seus devaneios quando pensava nos bons momentos com a adolescenteAnaPaula,brincavamnasenzala,nobosqueentreasfloressilvestresoufloresdocampo,opequenoregatoeraolugarpreferido,poislá era o recanto mais seguro para ambos.

No ano seguinte Ana Paula se matricula em uma faculdade e em outro país, mais precisamente em paris capital da França. Pois só assim conseguiria seu objetivo de ser uma excelente professora.

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Ao decorrer daquele tempo, já bem estalada em uma boa casa pró-xima à faculdade em Paris, ela recebe a noticia da doença de seu pai e entãoachamelhorpedirunsdiasparavisitá-loafinalcomtodasrudesdofazendeiro era seu dedicado genitor. Assim que ela regressa e na Campâ-nia de um amigo, João Negrinho sente como se o chão estivesse saído de seus pés, ele vai para a beira do regato antes que ela o veja e com uma profunda tristeza no seu coração, pois já sabia de antemão, mas precisou ver sua amiga com o então desconhecido para se desiludir totalmente do que se passava em seu coração. Lamentava-se dizendo baixinho: Mas também é muita pretensão da minha parte achar que podemos continuar amigoscomoeraantigamente,afinalelajánãoémaisaquelacriançaeeusou um adulto, mais que saudades daqueles tempos mesmo correndo pe-rigo e sofrendo castigos, cada chibatada que levava ele pensava no regato junto a Ana Paula assim as dores eram bem mais amenas, mesmo com todo sofrimento era muito bom.

Finalmente chegou o grande encontro entre Ana Paula e seu pai, elaselastima,masBamylhegarantequetudoficarabem.

Assim que ele consegue acalmá-la ela pergunta por João Negrinho, a sua ama seca Maria das Dores aquela que lhe criou conhecendo bem seu coração toma a palavra e lhe responde, ele esta na beira do rio desde que chegou minha menina, ela sai ao seu encontro sem deixar a sua mãe criadeira completar o que queria lhe falar, quando João percebe sua che-gada ele trata de se esconder para que ela não a visse chorando, mas como elasabiadasuasestratégicasparasecamuflarentãofingequedesistedaprocura quando ele sai de seu esconderijo ela olha com seus olhos azuis e penetrantes então quando ele tenta se esconder novamente, ela lhe diz vem moleque! Quem esta lhe chamando é sua dona. Então ele atende pronta-mente, mas sentindo no coração um gosto amargo, pois já não era, mais adoceAnaPaulaqueestavalhechamandoesimafilhadaquelerudeho-mem extremamente autoritário, assim que ele se aproxima ela lhe diz com meiguice e doçura, acariciando seu rosto e tocando em seus lábios carnu-dos,quesaudadeseusentidevocê,comoédifícilficarlongedaspessoasque amamos aquele jovem de pele negra não acredita o que esta ouvindo, seu coração dispara e sua única reação foi corresponder com um rápido beijo em sua face rosada, sua voz o emudeceu sai correndo deixando-a a

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deriva ela não entende bem sua reação, pois aquela atitude para Ana Paula que conhecia bem João negrinho lhe deixou surpresa.

Porque aquela atitude tão grosseira justamente da pessoa que era seu melhoramigoeconfidente,masnãohádesernadaelateriaoutrasoportu-nidades de estar com ele para saber o que realmente passa em seu coração.

Devolta à sede da fazenda ela fica sabendo que seu pai e Joãonegrinho teriam que ser recolhidos na casa de mãe Benedita, João para passar por uma cerimônia espiritual e seu pai para tratamento em busca da sua cura.

Aquele desprezo de João Negrinho lhe fez ter vários sonhos, sonhos que ela não entendia porque, mas sonhava com algo estranho sempre na companhiadeJoãoNegrinhoapósumareflexãoelacomeçaaentenderquese tratava de um povo negro ou de outro continente provavelmente o povo Africano.

Seus sonhos sempre eram relacionados a uma cerimônia religiosa voltada a união de um casal e ela conseguia sentir como se fosse a um passado muito distante e como aquelas almas estivessem voltando para cumpriroqueficouinterrompidoemvidaspassadas.

Enquanto isto João Negrinho estava praticamente incomunicável dentro da casa de mãe Benedita também chamada de ronco onde estava tambem o pai de Ana Paula.

No dia da então festa ou saída de santo, lá estava Ana Paula com muita ansiedade para ver seu pai e também seu grande amigo ou quem sabe sua alma gêmea, mesmo porque ela não via à hora de esclarecer porque João Negrinho usou aquele comportamento estranho no regato a dias atraz.

Bem: Hoje e amanhã são os últimos dias em que meu pai e João ne-grinho estarão incomunicáveis depois de amanhã poderei falar com João Negrinho. O ATENTADO

O alcoviteiro sob a orientação daquele padre conseguiu convencer alguns policiais a irem acabar com os festejos em homenagem aos deuses na

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casa da ex-escrava Benedita como eles a chamavam.Ao chegarem à fazenda, eles notaram que tinha vários homens com

um uniforme desconhecido, esta visão que tiveram eram os exus espíritos sob o comando do Orixá ogum, o deus da guerra.

Então apavorados voltaram sem entender exatamente o que estava acontecendo, só sabia que ali havia uma tocaia.

Enquanto isso os festejos acontecia normalmente sem que os de-mais soubessem da presença do alcoviteiro.

Mas Bamy que havia entregado uma oferenda ao deus da guerra e tambem a Exu para proteger aquele lugar e tambem ter mandado três dos seus.ElesficaremaespreitaosdoisemaisJoãodaCruzqueerahomemdesuaconfiança.Navoltaentão,JoãodaCruzeosoutrosdoisrelataramtodos os acontecimentos naquele local próximo a casa de mãe Benedita. Dizendo a Bamy que havia uns policiais e outro homem sem a farda co-mandando os demais. Mas quando eles receberam a ordem para invadir a casa de mãe Benedita ouve uma contra ordem para eles voltarem. O tal comandante comentava que havia muitos nativos vestido a caracteres prontos para atacar por isso preferiram baterem em retirada e esperar uma nova oportunidade para conseguir por as mãos em Orozimbo.

O alcoviteiro aguardou cinco dias então ele e seus comparsas volta-ram à fazenda, eis que próximo à casa de Orozimbo tiveram uma surpre-sa, encontraram o fazendeiro que estava passeando próximo ao rio com-pletamente recuperado e onde antes quase lhe acontecera um afogamento e Orozimbo agradecia a Deus e aos Orixás por estar vivo e também por ter João do Aioka como seu grande amigo e braço direito que lhe salvou de um afogamento e tambem de ser devorado por uma fera naquele rio caudaloso com uma vasta correnteza.

Os policiais lhe deram voz de prisão e sem comunicar seus familia-res jogaram aquele homem em uma cela suja junto com outros detentos malfeitores fora da lei.

Ao cair da noite o pessoal da fazenda acharam estranha a ausência de Orozimbo e começaram a lhe procurar pelas redondezas. Onde estará meu marido? Pergunta com angustia dona Ana.

Bamydele (João de Aioka) resolve procurar mãe Benedita para sa-ber como proceder diante desta situação.

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Logo após ela consultar o Ifa (búzios) mãe Benedita percebe que foi uma traição e que a situação dele era um tanto degradante, diz ela com suavidência,meufilhoeleestaumpouco longedaquieosbúziosmerevelam que esta correndo perigo de vida esta cercado de energia ruim por sorte Xangô o Orixá da justiça esta bem ao seu lado e se não fosse a proteção que ele agora tem, já haveria acontecido o pior.

Bamy se desespera pelo o amigo e pergunta: o que fazer minha mãe?Tenhapaciência,calmameufilho,poistornoaterepetirOrozimbo

é protegido pelo o deus (Orixá) da justiça, por tanto se acalme. Vamos oferecer uma comida chamada ajabó para Xangô e um agra-

do para ogum o senhor da guerra e das estradas, tenha certeza que ele há de nos mostrar o caminho.

Após muita procura mesmo durante a noite Bamy e os outros achando que ele poderia ser atacado por alguma cobra ou outro animal feroz, até que certa hora da madrugada eles resolvem dar uma trégua e logo pela manhã voltar à procura.

OTAVIANO E SEU FILHO

Logo que o dia começa a surgir, alguém chama do lado de fora: O de casa tem alguém ai?NylondaedonaAnaesuafilhasaiatéaporta,bomdiadizsenhorOtavia-no: Eu vim a galope assim que soube o que esta acontecendo com senhor Orozimbo.

Dona Ana lhe responde dessa do seu cavalo e venha tomar um café, eledescedeseugineteetambémseufilhoqueestavanagarupaepergun-ta onde está João do Aioka? Pois preciso lhe falar.

João que escuta da sala ao lado vem correndo, após lhe cumprimen-tar...Otavianoquandoialhefalarseufilholheinterrompeeargumenta.Ontem eu estava na cidade na casa de minha madrinha e que é próximo à delegacia, quando vi senhor Orozimbo ser conduzido preso e jogado em uma sela, então resolvi interromper meu passeio e pedi para o meu padrinho me trazer ate a fazenda de meu pai para avisar pra vocês todo este mal acontecido, ele foi muito humilhado por um senhor que se dizia

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ser autoridade do império, estava junto com padre Perpetuo e alguns poli-ciais, a tal autoridade dizia baixo, mas como eu estava colado ao lado dele eu também ouvi o que ele falava ao senhor Orozimbo. Ele dizia: Você vai morrer por estarem protegendo um bando de escravos, aqueles animais de sua fazenda.

Ana Paula diz o que fazer para livrar meu pai desta situação?Seu amigo que viera com ela prontamente lhe responde: Você esta

preocupada com que? Lembre-se que eu já sou advogado, apesar de que o momentoéimpróprioeulheafirmoquetiraremosseupaidestaenrascadae servira para o meu aprendizado, temos que pensar como o defende-lo precisamos de algum argumento para convencer esta tal autoridade.

João negrinho diz: Deve haver um meio para salvar meu irmão de santo sinhô Orozimbo da cadeia, pois se precisar nós invadiremos a cadeia e daremos nossa própria vida por ele.

Bamy aproveita os argumentos de João Negrinho e pergunta para dona Ana. A senhora sabe onde esta a carta que meu amigo Orozimbo recebeu do duque de Avilar a mando do Imperador?

Doutor Sergio o amigo de Ana Paula indaga com entusiasmo... uma carta do Imperador? Ai esta. Vamos procurar esta carta, pois com ela será tudo mais fácil.

Após acharem a carta foram até a cidade e ao chegarem à delega-cia, procuraram os policiais e então o alcoviteiro que estava à parte, assim que os policiais iriam libertar Orozimbo, ele disse esta carta pode ser falsa, por que não tem cabimento: O Imperador não nos falou de seu inte-resse de ser abolicionista, por tanto se os senhores libertar este homem a responsabilidade é toda de vocês.

Entãooadvogadoresponde:Estabem!Eleficaradetido,massealgolhe acontecer todos os senhores responderão pela sua integridade, pois ele esta sob a responsabilidade de vocês e tratem ele bem porque será melhor pra vocês. Então ele resolve ir até o palácio do Império, lhe pedir uma au-diência em caráter de urgência ou quem sabe com o duque de Avilar, Bamy sugere ir com ele, mas como tinha muitos afazeres na fazenda, João negri-nho se oferece para acompanhá-lo enquanto a Ana Paula os demais achou melhor ela voltar para perto de sua mãe.

Em quanto isto na delegacia Orozimbo estava conformado com a

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sua situação, pois sabia ele que todo aquele sofrimento e humilhação eram resquício de seu passado quando ele era sádico com os seus que lhes servia.

Mas fazia suas rezas em Yoruba assim como mãe Benedita havia lhe ensinado, pedia perdão e pedia a seu Orixá que lhe confortasse e lhe desce compreensão e paciência.

A VIAGEM

A viagem se transcorreu em um bom bate papo de doutor Sergio e João Negrinho, era longo o caminho e entre eles houve vários assuntos, com isto, se tornou mais íntimos, então o advogado percebendo que João só falava de Ana Paula e lembrava sua infância ao lado dela, ele resolveu estudar melhor o que se passava na cabeça daquele jovem.

Sergio usa suas táticas para chegar onde ele queria e diz: Veja bem João eu já passei por poucas e boas, já sofri muito por amor, hoje sou umhomembemcasadominhaesposaémaravilhosaeconfiaplenamenteem mim.

Com ingenuidade João lhe pergunta, E por que o senhor esta aqui tão longe de sua família com Ana Paula?

Sergio percebendo que o problema de João era ciúme de Ana Paula ele lhe responde: Na verdade eu herdei uma boa quantia de meus avôs, então Ana Paula sugeriu-me que viesse a esta região por que aqui eu po-deria encontrar o que eu estou pleiteando.

E o que o senhor procura?João se realmente somos amigos, você não precisa me chamar de

senhor,afinalamigosnãoprecisadeprotocolo,vocêentende?.É que eu sou um simples escravo e pior sou analfabeto.Bem se você é um escravo então eu não vou lhe pedir para me tra-

tar de você! Eu exijo que me trate simplesmente por Sergio e mais, você pode ser analfabeto, mas com certeza é muito inteligente.

Obrigado Sergio, então posso contar com sua amizade?João eu acho você muito educado e inteligente, nem parece que

você é analfabeto, mas lhe prometo com a convivência que você tem com senhor Orozimbo será fácil resolver seu problema de analfabetismos.

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Serio? Então eu posso um dia saber ler e escrever?Claro que sim isto não será difícil.E como você pode conseguir isto?Podemos montar uma escola na fazenda, mas pra isto temos que ter

a permissão do senhor Orozimbo.Mas você mora muito distante daqui.Só que eu pretendo morar neste lugar com minha família, eu não

quero mais viver na cidade e sim comprar uma fazenda e viver com mi-nhafamíliaeassimtrabalharcomoadvogadosóemcasosespecíficos.

Diz João todo eufórico: Se eu aprender ler e escrever pode ser que um dia eu escreva uma bela carta bem romântica, Sergio interrompe e lhe pergunta Para Ana Paula?

Vocêpodemecomplicarcomestapergunta,afirmaJoão.Fique tranquilo meu amigo, pois eu seu do teu amor por Ana Paula

e também sei o quanto ela lhe deseja, mas ela sabe que tem uma grande barreira entre vocês, que é o maldito preconceito! Porem, você tem que ter dignidade e lutar pelos seus objetivos e não fugir do que mais almeja em sua vida, saiba João! Que isto é muito difícil, porem não impossível, pois o verdadeiro amor supera todas as barreiras, pense nisto meu amigo.

Os olhos de João se enchem de lagrimas deixando rolar pelo seu rosto negro, cujo seu coração batia em disparada pela a emoção que o envolvia pelo o que sentia desde sua infância e que estava reprimido em sua alma, um verdadeiro amor pela jovem Ana Paula, e que por sorte ela sentia o mesmo amor, um amor difícil pelo o status e preconceito que lhes separavam.

AtéqueemfimchegamosJoão,vouusartodosmeusconhecimen-tos para livrar seu patrão e amigo deste absurdo, lhe diz Sergio.

NO PALACIO COM O DUQUE

Ao chegarem ao império eles foram recebidos por um funcionário que lhe deu toda a atenção possível, em seguida quando doutor Sergio lhe colocou ao par do assunto o mesmo pediu a carta e que ele aguardasse uns minutos, por sorte o duque Avilar estava em audiência com o Imperador, logo após ele ler a carta escrita pelo seu próprio punho, se propôs a ir pes-

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soalmente para resolver este grave erro cometido por aquele funcionário que não tinha autoridade para tomar tal atitude.

NA CADEIA

O duque mandou preparar a viagem e seguiram com alguns soldados de elite para aquela pequena cidade. Lá chegando ao longe o alcoviteiro per-cebeu que o advogado não estava blefando e que algo de ruim iria lhe acontecer, então ele tratou de fugir.Quando o duque e sua comitiva chegaram a delegacia a autoridade local lhes relataram que a responsabilidade era toda daquele funcionário do Império, então os policias de elite foram em perseguição da tal autoridade (o alcoviteiro) trouxeram ele algemado e após um levantamento de sua vida concluíram que se tratava de um fazendeiro com interesses políticos e subversivos com um pequeno cargo no Império que não lhe dava a mí-nima autoridade para deter qualquer cidadão ou súdito.

Mas o duque sim tinha carta branca para tomar qualquer decisão relacionada ao problema, por tanto mandou que soltassem imediatamente senhor Orozimbo e lhe fez um documento chamado de salvo conduto para lhe servir de defesa em futuros transtorno.

O duque mandou destituir todos aqueles funcionários (policiais) e tambémordenouossoldadosdeeliteficarnaqueladelegaciaatéchega-rem outros policiais e mandou três dos de elite levar o alcoviteiro detido para ser julgado pelas autoridades do Império, pelo seu delito.

Alguns minutos após Orozimbo convidam o duque e os demais que o acompanhavam, para pernoitarem em sua fazenda.

O duque agradece seu amável convite argumenta que ira aproveitar sua estada naquela região e pernoitar na fazenda próxima a sua, a convite do proprietário da fazenda vizinha, pois ele recebera uma carta há alguns dias atrás, onde o senhor Otaviano dizia da sua tendência de se tornar um abolicionista e que isto para ele seria um motivo de grande alegria e ques-tão de honra, o duque de Avilar muito cauteloso continua a dizer que tudo terá que ser tratado com sigilo absoluto para evitar uma revolução promo-vida pelos senhores de escravos e também as facções contra o Império.

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Argumenta Orozimbo: Que bom saber que temos nosso visinho como aliado nesta nobre empreitada.

O duque de Avillar lhe responde: aos poucos estamos conseguindo formar um bom grupo, portanto meu amigo haveremos de conseguir mais adeptos para nossa causa, mas que seja sem derramamento de sangue principalmente dos inocentes.

Bem! Senhor Orozimbo o senhor deve ir para sua casa para se re-fazer dos dias que passou nesta maldita cadeia, mais uma vez gostaria de pedir-lhe desculpas pelos nossos policiais.

Haveremos de corrigir este erro grotesco com todo rigor e gostaria de lhe dar os parabéns pela sua iniciativa e bela administração em sua fazenda, já se comenta no Império de como conseguiu prosperar sem os castigos costumeiros por muitos senhores de escravos. E lhe prometo que daqui a dois dias eu e minha comitiva, hospedaremos em sua casa, nos aguardem, e assim se despediram.

No meio do caminho que divide a fazenda daquela pequena cidade, doutorSergioficouencafifadoeconfusocomaomissãodesenhorOro-zimbo. Em seu pensamento ele pergunta, porque ele omitiu? Pelo o que eu ouvi falar, quem foi o cérebro nesta história é Bamy (João do Ayoká) e queporconveniênciaéumaexcelentefilosofia,efiqueisabendotambémque Bamydele teve que ser atrevido e corajoso para encarar seu então se-nhor de escravos, mesmo sabendo de toda rudez de senhor Orozimbo há temposatrás,bem:Maseuprefiromecalarporquenãocabeamimquemfoi verdadeiramente o criador deste belo projeto.

Após dois dias Orozimbo manda dois funcionários ate a fazenda de Otaviano para trazer o duque de Avilar, sua comitiva e convidar Otaviano e seus familiares para um jantar oferecido ao duque.

NO JANTAR

Ao começar o cair da noite com os convidados já presente Orozimbo convi-da o duque para sentar-se ao seu lado, como era de praxe, ele também orde-na que não deveria se sentar nenhum escravo inclusive Bamy, mãe Benedita e outros, apesar de que a mesa que fora montada no grande salão havia

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vários lugares desocupados, então ouve uns cochichos com certa admiração, porque Bamydele (João do Ayoká) não esta presente no jantar. Ana Paula, doutorSergioedonaAnaficarampasmadoscomaatitudedeOrozimbosem entender nada. Mas aquele momento não era propicio para comentá-rios, uns falavam com outros de uma maneira bem discreta e irônica.

Tudo corria bem sem a presença dos escravos, a noite estava mui-to agradável, um pouco antes do jantar e como era de costume todos pedem que senhor Orozimbo faça um decurso para dar boas vindas ao duque de Ávila.

O DISCURSO

Orozimbo se levanta e começa o seu discurso, primeiro ele agradece a pre-sença do duque, também de Otaviano com a família, então ele da uma pe-quena pausa e olhando para o seu lado direito ele assinala com um gesto de quem esta chamando alguém, em seguida entra mãe Benedita, Bamy e esposa mais atrás João Negrinho seu pai e outros escravos e funcionários dele. O discurso de Orozimbo continua sendo interrompido pelos aplausos comentusiasmosedemorado,ficaramtodosempéservindodereverenciaaatitude tão nobre de Orozimbo, mas doutor Sergio ainda estava com a orelha em pé pela a omissão de Orozimbo que aconteceu na pequena cidade.

DE VOLTA AO DISCURSO

Meus amigos, disse Orozimbo: Aqui esta um homem rude cabeça dura, mas totalmente arrependido pelos os meus atos do passado, onde eu na minha total ignorância achava que escravos eram como animais, pois as-sim aprendi com meus antes passados e qualquer deslize por menor que fosse de um dos escravos a lei era o tronco e o chicote, para mim estas atitudes eram as corretas, eles tinham a obrigação de trabalhar muito e o direito de uma alimentação que era as sobras ou resto dos da casa e suas camas de taquara ou no próprio chão, isto em tempos anacrônicos ou fora de moda, mas os tempos mudaram, hoje temos plena consciência que é agora que devemos mudar, são tempos de renovar.

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Doutor Sergio pensava! Mas estes créditos são de Bamy, como podeOrozimboestaquaseafirmandoquefoielequeplanejoutodoaque-le plano maravilhoso.

Continuando o discurso:Eis que um dia sofri um acidente, cai no rio que se localiza próximo

ao pasto, para terem uma idéia ele tem dês braças de profundidade com oito metros de largura, passei por uma situação que nunca haverá passado antes, lutei o quanto pude naquele rio, até que veio o cansaço e quando eu já havia desistido de viver, surge o escravo que eu mais odiava, ele não pensou duas vezes, arriscou sua própria vida para me salvar, já com os olhos marejando tomado pela emoção ele continua: logo após ele me tirar das águas daquele rio e assim que eu comecei a voltar a mim, bem de frente de Bamydele e próximo a mim estava uma grande jaguatirica que se Bamy resolvesse me deixar a deriva bastava ele voltar para as águas do rio para aquela onça me atacar e ceifar a minha vida, pois bem... Pela segunda vez meu amigo entregou sua vida em troca da minha que com certeza hoje vejo com cla-rividênciaquevalebemmenosdoqueadele,eleficouimóvelemfreteogrande animal usando táticas para hipnotizá-la, logo após o animal desistir de sua investida e ir embora, ele me disse: Eu bem que poderia deixar o senhor morrer afogado, ou deixar ser atacado por esta fera, para mim não custava nada, mas aprendi na minha terra que qualquer vida vale mais do que qualquer tesouro, então eu lhe perguntei por que não me deixou morrer, elemerespondeucomfirmezaemsuaspalavras,queasolidariedadenestemomento é o mais importante, eu salvaria até um animal me respondeu comcoragemecomosenhorvivoserámelhorpararefletirtodoomalqueesta fazendo para este povo humilde. Quadringentésimo, negro por fora, mas na sua maioria de alma branca e cristalina, eles são seus servidores, portanto merecem mais respeito como em nossa terra mãe África. Fomos para casa, no dia seguinte mandei chamá-lo para ter uma conversa comigo.

Na conversa que tivemos e após eu ter alguns sonhos como se eu estivesse na África, lhe perguntei: O que você me sugere fazer com meus es-cravos. Ele me respondeu com toda convicção, se o senhor alimentár melhor seus escravos, lhes der camas mais dignas, agasalhos e evitar o castigo, com certeza serão solidários ao senhor, sua fazenda ira prosperar porque bem ali-mentados eles produzirão mais, darão até suas próprias vidas pela sua ami-

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zade e compreensão lá na nossa África vivíamos com alegria qualquer acon-tecimento era motivo para festa, então eu perguntei a Bamy, lá você era um líder? Ele me respondeu lá eu era um rei reinava e comandava duas aldeias, a aldeia em que nasci e quando meu pai morreu me casei com Nylonda e me tornei líder por aclamação na aldeia de minha esposa e com isto éramos prósperos, tão prósperos que causávamos inveja a outras aldeias.

Bem após ele me dar uma bela lição de respeito ao próximo e soli-dariedade eu lhe propus administrar minha fazenda ser meu braço direito sem medo de errar, por que seu modo de pensar era fantástico, então vejam... Ai esta nossa fazenda, eu digo nossa por que eu e minha família ficaremoscomcinquentaporcentodelajáéosuficienteparaeueminhafamília vivermos bem e muitíssimo bem, os outros cinquenta por cento será dos meus ex-escravos que receberão carta de alforria irão ter um pouquinho cada um, poderão plantar e terem sua própria horta e assim amealharem comigo para terem minha assistência.

Os quilombolas que foram meus escravos se quiserem voltar tam-bém pensaremos como assentá-los, mas se seguirem o exemplo de Bamy logo estarão comprando mais terras e prosperarão e os que quiserem prestar serviços para mim serão remunerados mesmo tendo seu pedaço de chão, quanto a Bamy ele sabe o quanto sou grato por tudo, então recentemente eu comprei outra fazenda, esta fazenda será de Bamydele.

Bem para encerrar devo comunicar aos senhores que minha religião é a mesma dos meus ex-escravos e esta aqui, aponta para mãe Benedita, é minha querida mãe de santo ou minha seladora de santo que também salvou a minha vida quando eu adquiri uma doença parecida com a lepra sentiemminhasentranhasquetinhachegadomeufimumfimdramáticosem dignidade, mas esta mulher me deu força pela sua fé ou convicção de minha cura, por tanto ela terá toda minha assistência enquanto vida eu estiver, prometo perante aos senhores que a ela nada lhe faltara, e João Negrinho que é meu irmão de santo juntamente com seu pai, eu os convi-doparaseremmeusnovosadministradores,afinalelesaprenderammuitocom Bamy. E com isso quero agradecer a presença de todos, mas a festa continua. E que as bênçãos dos deuses recaiam sobre nós para continu-armos com esta luta em busca da libertação dos nossos irmãos de cor e a prosperidade para nossa nação, pois eu entendo que só após a libertação

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deste povo é que, nossa nação ira prosperar. Após o discurso os festejos continuaram com danças afras e muita alegria até altas horas.

DIAS APÓS

Uns dias após o jantar este acontecimento caiu nos ouvidos do Imperador, e então ele resolveu ver de perto todo aquele projeto e também mandar um funcionário da cúpula junto com jovens estudantes das leis e simpa-tizantedomovimentoabolicionista,oImperadoresuafilhaIzabeleramsimpatizantes pelo abolicionismo, mas não podia se declarar a favor pu-blicamente, pois os contra que eram poderosos, poderiam facilmente se juntar e aplicar-lhe um golpe de estado. E assim alguns mandatários contra o movimento falaram que se os es-cravos fossem libertos haveria enorme recessão ou paradeiro, pois como seria a colheita de café que era levado para os quatro cantos da Europa.

Então desembarcaram os senhores da corte que foram recebidos pelo conde que governava aquela província das Minas Gerais. Hospeda-ram-senopaláciodeleequiseramficarapartedosassuntos,noquefo-ram prontamente atendidos pelo governador da província e o secretario de assuntos da agricultura que lhes interou de tudo e comentou também que quem encabeçava aquela idéia era um fazendeiro por nome de Orozimbo que resolvera atender e ouvir um de seus escravos.

Assim que o dia amanheceu foi mandada a fazenda de senhor Oro-zimbo um mensageiro para ter com as autoridades do Império, assim que chegou o pessoal do Império o conde ofereceu um jantar a todos e no dia seguinte Orozimbo e João do Ayoká ou Bamydele foram convidados para uma reunião com os que vieram do Império, estando presente, o Impera-doresuafilha.

Ao chegarem ao palácio o conde hospedou Orozimbo e seu amigo Bamy, seria a primeira vez que um escravo iria ter com o governador e o Imperador.

O imperador com muito entusiasmo fala a Orozimbo é preciso muita coragem para tal atitude, por isso eu te felicito e saiba que estamos do seu lado. Não será fácil conseguirmos democratizar esta bela nação,

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eu já tirei minhas conclusões e sei de antemão que não verei minha terra livre deste cativeiro totalmente, mas já me sito feliz por saber de pessoas de seu gabarito.

Bem meu Imperador, responde Orozimbo: Na verdade eu não me-reço este credito, pois este homem que aqui esta e que se tornou meu melhor amigo. Foi ele que me ensinou como prosperar sem causar danos aos nossos irmãos, mas quero parabenizá-lo também pela sua honestida-deepatriotismo,poisapósumbalançodenossasfinançasverificamoscom nosso tesoureiro que o maior Imposto pago durante o ano e relativo às fazendas de sua província onde esta situada as vossas terras, é sua... A maior responsável pela boa arrecadação. Portanto resolvemos lhe conde-corar com o titulo de barão das Minas Gerais.

Meu Imperador gostaria de enfatizar que os méritos não são meus: E sim de Bamydele também conhecido como João do Ayoká.

Neste momento Bamydele se levanta e responde: Senhores peço uma a parte: Desculpe meu atrevimento, mas peço-lhes que ouçam-me; Vim de uma terra onde eu era um líder ou Rei, portanto já tenho meu titulo fui trazido para esta bela terra não por acaso do acaso e sim porque eu estava destinado para tal missão, então já estou muitíssimo feliz em saber que estou colaborando para dias melhores aqui, portanto aqui quero terminarmeusdiascomminhaamadaesposaefilhoquelogomaisiranascer,eutambémsoubrasileiroouafrobrasileiro,poismeufilhonas-cera aqui e o titulo em pauta em que se referem literalmente pertence ao meu bom amigo Orozimbo porque sem sua compreensão e benevolência não seriamos parceiros nesta grande e abençoada empreitada.

ApósaplaudiremaBamydeleempé,ficoudeterminadoqueOro-zimbo fosse o mais recente barão daquela província, e Bamy teria livre acesso para ir e vir poderia até viajar para sua terra natal com salvo con-duto para visitar os seus.

DE VOLTA A FAZENDA

QuandoaesposadeOrozimbosoubedasuacondecoraçãoelaficoufelizpelo o reconhecimento da luta de seu marido e de Bamy. Dona Ana reu-

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niu os seus ex-escravos outros trabalhadores e principalmente mãe Bene-dita, para uma festa surpresa, onde foi convidado senhor Otaviano com família, os festejos correram noite adentro com som de atabaques e outros instrumentos com farta comida e presentes para os convidados.

Orozimbo estava feliz a única coisa que lhe deixará aflito era aausênciade suafilhaque jáhaviaviajadoparacontinuar seucursodeeducadora ou normalista na Europa.

No dia seguinte Orozimbo percebeu que havia algo errado com seu irmão de santo João negrinho, ele não arredava o pé do regato seu gesto de jogar algumas pedras no pequeno rio lhe chamara a atenção. Orozimbo com muita calma aproxima-se de João Negrinho e lhe pergunta o que lhe afligeJoão?MasJoãoNegrinhoinsisteemsecalar,entãoseaproximadona Maria das Dores e quando ela iria lhe falar alguma coisa, João lhe interrompe e diz: Senhor Orozimbo, aqui eu tenho de tudo não tenho nada a reclamar, mas me falta algo que ninguém pode me dar, tem uma coisa queémuitoimportanteemminhavidaequemedeixamuitoaflito,porisso então, eu queria um presente seu meu bom irmão.

Diga João, torno a repetir não me chame de senhor porque eu sou seu irmão de santo. Saiba você que tudo que estiver em meu alcance eu o farei. Farei o possível para lhe servir meu bom irmão.

João sabia da generosidade do fazendeiro, porem, o que ele mais queria poderia acabar com a amizade de ambos, por que tudo seria possí-velnacabeçadeJoãomenosauniãodesuaamadafilhacomumnegro,ex-escravo e analfabeto, então ele resolve lhe pedir o seguinte:

Meu amigo e irmão eu sei da sua boa amizade com o Imperador e sei também que nós ex-escravos não podemos sair desta terra sem um documento que seja reconhecido pelo Império, por tanto lhe peço para que me faça um grande favor, deixe que meu pai seja seu administrador e que eu possa voltar para minha terra natal.

Mais por que isto agora João, retruca Orozimbo, justo agora que está tudo acertado e pensando bem lá não é sua terra, por que você nasceu aqui justamente em minha fazenda, pense bem, me fale por que esta atitu-deagora?Vamostentarresolverjuntos,esteproblemaquelheafligemeubom irmão. Retruca João: eu não tenho nenhum problema

Não: tudo o que quero é conhecer a terra de meus antepassados, me

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de este presente, eu imploro e lhe prometo não mais lhe importunar com meus pedidos.

Bem,euachoquetemalgoquelheaflige,vamosfalarcomBamy.Meu irmão eu só quero isto de você, este é e será o meu único pedido, por tanto é sim ou não. Bem... Sendo assim vou pensar por que você bem sabe que não tomo decisões sem pensar e também vou conversar com Bamy e mãe Benedita para saber as suas opiniões, agora vamos para casa o almoço será servido, se você não vir comigo lhe digo que nem pensarei no assunto.

Com isto João se levanta e segue com Orozimbo e Maria das Dores para o delicioso almoço que os esperavam.

OS DIAS SE PASSARAM

Bamy se tornou pai de um lindo garoto saudável e forte pesando quatro quilos e meio, logo que nasceu recebeu as bênçãos de mãe Benedita e Orozimbo sem perca de tempo já se ofereceu para ser seu padrinho.

Orozimbo mesmo contra sua vontade e depois de consultar Bamy e mãe Benedita que lhe aconselharam a deixar que João Negrinho seguisse seu curso de vida e resolver sua vida a seu modo. Vou atender ao pedido de João, então ele vai até o duque de Avilar mesmo sabendo que não era fácil conseguir o tal documento, tudo foi arrumado, mas eles do Império lhefizeramumaexigênciaqueJoãosópoderiairsefossetambémumdosque nasceram na África, então foram consultado vários dos ex-escravos, mas nenhum manifestou o desejo de voltarem, eles argumentavam que não sabiam o que iriam encontrar por lá e mesmo por que eles não pretendiam deixar suas lavouras que estava começando a lhe render algum dinheiro.

Com isto só lhes restavam Bamy que se propôs a acompanhar João Negrinho, mesmo por que ele queria ver de perto e abraçar os seus que ficouláemsuaterra,sendoqueBamyprometeraquevoltariaparasuafazenda,porquesuaesposaefilhoficariamnoBrasilsobreaguardadeOrozimbo e os demais e João Negrinho decidiria se voltaria ou não.

Após tudo estar acertado, Orozimbo recebe uma carta do duque. Na carta o duque lhe diz que estava saindo uma comitiva do Império, proce-dente de Portugal com destino a África, seriam autoridades Portuguesas

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que iriam a negocio para Angola no continente Africano, então os dois amigos de Orozimbo poderiam viajar com eles, pois seria mais seguro só que infelizmente eles teriam que viajar juntos com funcionários na segunda classe.

Bamyachoumelhorassimporqueficariamaisavontadedurantealonga viagem que duraria vários dias.

Ao chegarem a Luanda à capital de Angola, João Negrinho esta-vasemsaberparaondeir,afinalaquelaviagemeraumaloucuradesuacabeça,erasomenteumafuga,porqueeleachavaqueficandonoBrasilnada iria melhorar para ele, pois o amor que sentia por Ana Paula era algo sem nexo totalmente fora de contesto e para fugir do seu grande problema concluiu que indo para outro lugar bem distante dali estaria solucionando oquecontinhaemseuaflitocoração,malosabiaoquantoAnaPaulalhedesejava e que ela não entregaria seu amor a outro homem, porque em seu coraçãoaflitoelaprometeraasimesmoquesóJoãoNegrinhotocariaemseu corpo, pois até sua alma estava envolvida e embriagada por aquele impossível e louco amor, mas ela também se mantinha calada para evitar o maldito preconceito.

Na verdade a decisão tomada por João não fora sua e sim dos seus Orixás (deuses) esta viagem era necessário para lapidá-lo e também para seu bom aprendizado, tanto no que diz respeito a sua pessoa, como também na parte espiritual, ele para ser um homem a altura de Ana Paula e também um bom Babalossanye teria que passar por mais estas experiências.

Com a ajuda dos deuses e ao chegar à capital de Angola, um daqueles da comitiva diz em voz alta que precisava de uma pessoa como seu ajudan-te, mas que soubesse se comunicar com os nativos, este emprego seria por um bom tempo, porque com alguém que soubesse pelo menos um pouco do idioma daquele lugar tudo seria mais fácil para ele, rapidamente João Negrinho se oferece para trabalhar com aquela autoridade de nome Manoel Amaral procedente de Portugal. Então senhor Manoel lhe pergunta, você sabe ler? João lhe responde não senhor, mas aprendo rápido todos dizem que sou muito inteligente.

Senhor Manoel notando o interasse de João Negrinho disse-lhe, esta bem, mas você terá que se dedicar muito, eu vou falar com minha secre-tariaparateensinaralereescrevereentãoficaraemnossacompanhia.

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E assimBamy ficou tranquilo sabendo que João estaria em boacompanhia e com oportunidade de ser uma pessoa de bem, ele pediu que osenhorManoelanotasseoendereçoondeiriamficarparaocasodepre-cisarem se comunicar.

AIOKA E BAMYDELE

Com muita ansiedade Bamy segue viagem com destino a Aioka sua terra natal viajou dias e parte das noites, às vezes em lombo de animais outras vezes a pé e também em canoas, descansava muito pouco para que sua pe-regrinação não fosse tão longa, após quase um mês de viagem ele chega a uma localidade próxima a sua cidade, que estava totalmente mudada, com o passar dos anos mesmo aquele povo sendo extremamente conservadores ouve uma mudança drástica naquele lugar. Ele procurou por vários dias, semnenhumsucesso,Bamyquenuncadesistiadasdificuldadesdestavezele estava muito decepcionado e resolveu desistir de sua busca, só não perdera a fé nos deuses, assim que começou seu regresso encontrou um senhor com quase sem anos de idade que lhe cumprimentou em Ioruba e lhe disse, nunca devemos desistir de nossos objetivos o ideal é seguir em frente à busca do que queremos.

Por que disse isso meu bom senhor?Por que percebo que você está desanimado e voltando pelo caminho

errado. Se esta procurando seus parentes ou amigos volte para traz e siga sua intuição, não desista, a chuva nos traz a certeza da boa colheita.

Ouvindo isto Bamy resolve voltar pelo mesmo caminho, depois de muito caminhar e dormir em qualquer canto entre as matas e já desnortea-do ele encontra um casal que parecia estar com algum problema então ele pergunta ao casal como se chama este lugar.

Eles lhes respondem que se chama Aioka e completa, que aquele lugar parecia ter sido esquecido pelos deuses, nós não somos daqui vie-mos a passeio perdemos contatos com os outros que nos acompanhavam e estamos perdidos, viemos aqui numa excursão íamos conhecer uma aldeia para um documentário, somos pesquisadores e sabemos que as aldeias estão em extinção por tanto, literalmente estamos perdidos.

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E vocês, de onde são? Pergunta Bamy.Somos de uma cidade por nome de Enyn, mas nascemos em Yle

Yféficaaosuldestespaisfalamosa língua Alaketú,masentendemosbem as tuas pronuncia. Bem eu também estou perdido à procura de uma aldeia,sugiroquesigamosjuntos,porqueassimficamaisfácilaviagem.

E qual é a aldeia que procura?É a aldeia dos Wazires ou a dos Endembos.Pensando bem eu acho que os deuses nos colocaram frente a frente

por que é para lá que queremos ir.Que bom então poderemos seguir juntos?Com toda certeza responde o casal!Pergunta pra um, pergunta para outro, até que entraram mata aden-

tro e depois de muito andarem Bamy escuta vozes humanas, eram cinco homens com lanças nas mãos que falava seu idioma, cercaram os três e com as lanças queriam saber de onde vieram. Após Bamy saúda-los em Yoruba eles lhe perguntaram por que estavam ali.

Bamy lhe responde que ele há muito tempo atrás fora capturado e levado em degredo para terras distantes além-mar e que após sua liberta-ção ele queria ver seu povo, em seguida, Bamy desmaia pela fraqueza por não se alimentar a alguns dias e a sede, então eles são levados na presença do líder da aldeia, lá após um bom sono e uma farta alimentação ele co-meçaafalardosseusparentesqueficaramemAioka.

MAKOLO E ZUNKUEMBU

Enquanto isto na aldeia de Makolo a ninfa sentia como se alguém esti-vesse lhes trazendo boas novas, era uma sensação boa onde contagiou todo o vale, após a ninfa olhar no espelho d”água o mesmo lhe revelou a figuradeumapessoadaaldeiaqueelanãoconhecia,maserapessoadoconvívio daquele lugar, achou estranho por que a muito ninguém havia saídodasaldeias,fizeramumconsensocomossacerdotesparaapuraremmelhor o que estava se passando”.

Só que Makolo não estaria presente por que fora a uma viagem mar-cada para uma aldeia distante, nesta viagem demoraria de três a quatro dias.

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Zunkuembulhesdizfiquemtranquilos,poisopressagioqueaninfateve será alguma noticia boa, por que temos um ar de felicidade. Makolo argumentou. Quem sabe, deva ser alguns dos nossos que esta a nossa pro-cura, mas se não saiu ninguém daqui, que estranho!!! Temos que aguardar, masfiquematentos.Makolo passou várias recomendações por que sabia ele que o progresso e invejosos sempre estava à espreita e com isto co-meça sua viagem....

O ENCONTRO

O líder da aldeia manda um recado via tambor para outras aldeias, para que seus lideres viessem ter com ele por que tinha três forasteiros, cujo um deles se dizia ser de uma daquelas aldeias visinhas, alegando ser um ex-escravo.

Makolo minutos antes de sua viagem, não perdeu tempo após ouvir a mensagem reúnem alguns dos seus e manda seguir caminho até aquela aldeia e fez a seguinte recomendação:

Vou à viagem que marquei, pois tenho sérios compromissos pra onde vou, demorarei uns três a quatro dias assim que eu voltar, nós resol-veremos estas questões.

Lá chegando e após as devidas saudações e troca de presentes eles trazemBamyeocasalamarradoepedemdesculpas,porqueafinalelesnãosabiam de quem se tratava e dissemos mais, nós os alimentamos e demos umbomtratamento,masteríamosquesercautelosos,afinaldecontassãoforasteiros.

OhomemqueestavachefiandoosenviadosdeMakolonãoreco-nheceBamyenemBamyreconheceuaquelehomemafinalelesnãoseconheciam, na época que Bamy morava na aldeia e o homem vivia em outra tribo eles apenas se deram de frente um pouco antes daquela tragé-dia onde o povo de Makolo foi à sua maioria capturada.

E naquele tempo Bamy e sua esposa se deixaram ser capturados para salvar seu povo do degredo.

Pergunta ao casal de onde vieram e como eram os seus nomes?Eu me chamo Nynbuco e minha esposa Nazukum, viemos aqui

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com outros amigos para conhecer as aldeias e fazerem um documentário, por que sabemos que as suas aldeias estão em extinção por causa daquele povo amarelo (os Portugueses) que, já, invadiram boa parte daquele país chamado Angola com falsos argumentos de fazerem negócios.

E você, de onde vem? Pergunta o homem a Bamy a tua pessoa me é familiar você me parece ser nativo deste lugar.

Eu? Pergunta Bamy: Bem eu venho de muito longe do outro lado do mar em outro continente, venho de um país chamado Brasil, na Amé-rica do sul, pra lá fui levado há muito tempo atrás como cativo pelos europeus, mas nasci aqui nestas terras exatamente em um vale cujo tinha duas aldeias nasci em uma delas, e fui líder das duas aldeias. E como se chamam estas aldeias. O nome da minha aldeia é ou era Wazires e Endembos.Vamos fazer o seguinte: vocês terão que ir com nós, irei desa-marrá-los, mas não tente nada, lá conversarão com nosso líder supremo assimficamelhor.

NA ALDEIA ONDE MAKOLO LIDERAVA

Ao chegarem à aldeia o tal homem pergunta por Makolo, os que lá esta-vam disseram-lhe que Makolo havia viajado para outra aldeia com uns três dias a quatro de viagem a negocio ele foi trocar alimento por algumas peças de pedras preciosas, Bamy se sentiu um estranho em sua própria casa ou terra Natal, a decepção foi tão grande que ele tentou ir embora, mas foi detido por um daqueles homens e amarrado até que Makolo vol-tasse para saber o que fazer com aquele impostor.Bamy passou a ser no conceito daquele povo um vilão que ali estava para espionar, enquanto isto Zunkuembu e a ninfa estavam incomunicáveis (recolhidos) em um cerimonial aos deuses dentro da gruta onde eles não podiam ser incomodados seja qual fosse o problema.

Nisto Bamy é humilhado e motivo de chacota para os jovens e crian-ças, pois ele não era bem vindo, quando pensaram que ele queria fugir, seus dias foram muito difíceis, mas não haverá de ser nada, pois os deuses estavamcomeleeafinaldecontasaquelepovonãotinhanenhumaculpapor lhe tratarem mal, ali ninguém lhe conhecia e seu povo onde estaria?

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Ali todos eram estranhos com certeza não era sua aldeia, era mui-toparecida,masotempomodificoumuitacoisanaquelasbandas.

O casal foi liberado, por que depois de muito indagarem, conclu-íram que os dois não lhes proporcionavam perigo algum, mas aquele homem que tentou fugir este sim parecia não estar falando a verdade,. Como ele poderia ser nativo e ex morador daquela aldeia se ninguém o reconhecera?.

E os seus onde estavam? O que foi feito deles?A segunda noite de Bamy foi muito triste ele lembrou-se de sua

esposa,filhoeamigosquedeixounoBrasilondeeleeraqueridoerespei-tado, usando de suas táticas para se livrar daquelas amarras e não pensou duas vezes fez uma fuga assim como ele aprendera com João da Cruz eseufilhoJoãoNegrinho.Andoudurantepartedanoitesozinhomatoadentroeuprefiromorreratacadopelas ferasapassarestahumilhaçãoemminhaprópriaterra,afirmaBamy:Afinalsóeuseioquepasseiparachegar aqui e passar por esta decepção quando ele percebia o perigo se escondia em alguma gruta mesmo na escuridão da noite total ele sabia se defender se virava como podia comendo raízes que ele conhecia até pelo cheiro, após peregrinar quase toda noite o cansaço lhe dominou, por sorte eleachoualgumastangerinasepassouemtodoseucorpoparacamuflarseu cheiro e não ser atacado pelas feras e outros predadores, dormiu pro-fundamente, dominado pelo cansaço e quando acordou lá estavam dois enormes leopardos se digladiando como se estivessem marcando terri-tório, não pensou duas vezes, ele estava em uma ribanceira e a alguns metros uma cachoeira, ele se jogou lá de cima dentro das águas, lugar este que os felinos não atacam, ele aproveitou para se banhar e encher uma cabaça com água e seguiu seu caminho e ao mesmo tempo procurando algoparacaçar,tratoudefazerumarcoeflechaemseguidaconseguiuum animal e fez uma fogueira, esfregando uma pedra sobre a outra, após se alimentar agradeceu os deuses pelo o alimento e assim que vai se le-vantado se depara com cinco homens daquela aldeia onde esteve preso.

Um deles diz a Bamy. Se você pensa que é fácil fugir daqui você está enganado homem, eu e os outros achamos que você é fugitivo, então vamos te levar de volta e lá nosso líder que já deve ter chegado de viagem ira te interrogar e te julgara pelos seus crimes e depois te mandara pra

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onde você veio para ser condenado de acordo com as leis de sua verda-deira terra. Empurrando Bamy eles dizem vamos logo homem, pois aqui estamos sempre atentos, o povo branco está querendo acabar com nossas aldeias e tem negro corrupto que se vende por muito pouco para atraiçoar seus próprios irmãos, com certeza você é um deles.

Bamy nada responde por que percebe que aqueles homens estavam apavorados e sabe que nestas alturas as coisas só poderiam piorar, aguar-da o momento certo e resignação compreende a situação daquele povo.

MAKOLO E BAMY

Assim que Bamy chega Makolo tambem havia voltado de sua viagem, então ordena que aquele homem se banhe e receba uma boa alimentação, oshomensficaramsementenderexatamenteoquesepassanacabeçadeMakolo, mas ele lhes explica que em sua aldeia ele não quer que ninguém sejamaltratadoatéqueapessoasejainterrogadaporele,porissoeleficousabendo que aquele homem fora humilhado em sua ausência, mas que isto nunca mais haveria de se repetir seja quem fosse.

O INTERROGATÓRIO

Makolo juntamente com sua esposa, a ninfa e Zunkuembu manda que trouxesse o homem em suas presenças para o interrogatório.

Assim que Bamy entra gruta adentro, a Ninfa diz foi este homem que vi no espelho d”água, Zunkuembu diz: É o que vimos em nossa via-gem astral naquela hora ele sente uma sensação muito boa, se emociona profundamente, mas por estar muito envolvido emocionalmente ele co-meça a se transformar em píton, por que toda vez que sentia muita raiva ou vice e versa acontecia este fenômeno”.

Makolo se sente à deriva por não saber que a transformação era pela emoção ou por raiva de ter reconhecido naquele homem uma pessoa muito perigosa para aquele povo, então ele pergunta com certo rigor o que deseja de nós homem? Porque veio parar aqui neste vale?

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A Ninfa toma a palavra e diz: Makolo pode se tranquilizar se bem conheço meu marido e a cessação que sinto é que este homem veio em paz, tenho certeza que o contato espiritual que eu e Zunkuembu tivemos emoutrasterrasquandofizemosaquelaviagemastraléestehomem,trateo bem ele é um dos nossos.

Mas como pode? Nós nunca o vimos este homem antes.Bamy responde com segurança: Mas eu já vi você meu amigo: Meu

nome é Bamydele fui líder nas aldeias dos Wazires e Emdembus, sou es-posodeNylondaefilhodeMakualaNukuemboevocêédeorigemdosMandingas do povo Banto que nos ajudou junto com seu irmão Ndomby a livrar meu povo dos europeus, e os que foram levados em degredo para terras além-mar, eram exatamente os de sua aldeia, então você veio porque conseguiu fugir com seu irmão e digo mais não estou com medo da trans-formação de seu sogro porque já o vi em sonho e também em uma visão próximo ao um rio juntamente com sua esposa a Ninfa a tempos atrás e lá noBrasilficoumãeBeneditaqueéagrandebabalorixaquemantemcon-tato com a ninfa e o grande sacerdote através do jogo de ifa (búzios) e que me revelou que aquele sonho ou visão que eu e minha esposa tivemos foi uma viagem astral dos dois sacerdotes, no intuito de nos ajudar.

Mas como pode Bamydele foi capturado com sua esposa por mer-cadores e pelo que sabemos foi pra terras além-mar como pode você estar aqui com nos? É lógico que é um motivo de grande alegria para todos destas duas aldeias, é motivo para uma grande festa, mas é quase impos-sível isto acontecer, pois os que foram nuca mais voltaram.

Acontece que agora percebo que aquela viagem astral não foi em vão. Bamydele responde: Vejo também com clareza que aquela comunicação espiritual que tivemos que me trouxe até aqui, é como os olhos da serpente que atrai sua presa.

É meu bom amigo, estou aqui de corpo e alma.Após passar o âmago das emoções Zunkuembu volta a seu estado

normal, reconhece Bamy que havia se comunicado com ele e Nylonda, pelo processo da viagem astral.

Makolo lembra com o amigo os seus passados e lhe conta em de-talhe o que realmente ouve com ele quando foi espionar os caçadores de homens para escravizá-los, fala de seu irmão Nyndomby, do sogro

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Zunkuembu, da ninfa sem esquecer-se de sua amada esposa Makuala. E após várias recordações manda chamar seus serviçais em seguida

ordena que providencie os melhores trajes (roupas) digna de um rei para Bamy, manda também preparar uma grande festa, pois o verdadeiro líder daquelepovoestavadevoltaeafirmaqueeleveiopraficarcomosseus.

Enquanto começa os preparativos Bamydele lhe diz que o verda-deiro líder era Makolo e lhe felicitou por ser um grande líder e conserva-dor daquelas aldeias, diz mais Bamy eu imagino como você meu amigo, teve que se desdobrar para manter a tradição do nosso povo, por que os tempos estão mudando os estrangeiros já está avançando o país de Ango-la boa parte esta colonizada por eles.

E o povo de minha aldeia onde estão? Pois os poucos que eu vi eu não os reconheci.

Meu irmão, os que você viu aqui na nossa aldeia foram crianças e adolescentes, logicamente que você não os conhece, os mais velhos, digo, os de sua época estão caçando e as mulheres em seus afazeres, mas man-darei chamar a todos para este grande acontecimento, então com nossas desculpas todos saberão quem é Bamydele.

Após abraços, e Bamy rever os seus parentes ele sente falta de seu cunhado e amigo inseparável, onde esta meu cunhado? O único irmão de Nylonda! Neste momento Makolo emudece, seu semblante se torna triste, abaixa a cabeça, e lhe responde é meu amigo por aqui esta tudo bem... Como você pode ver, estamos prosperando cada vez mais... Eu queria lhe poupar desta ma noticia, mas você tem que saber.

A poucos dias atrás, Nyzabuco teu cunhado resolveu que deveria ir a uma aldeia distante daqui, para visitar e matar a saudades dos amigos que ele conquistou, mas aconteceu uma fatalidade! Os mercenários inva-diram a aldeia deles e levaram Nyzabuco como escravo, e nestas alturas ele jádeveestaracaminhodaEuropa,ouAméricadosul, sóficamossabendo do seu destino, por que hoje como está tudo mais moderno, então temos informantes que nos ajudam, eles são procedentes de Angola.

Bamy se lamenta, mas não deixou que seus parentes soubessem que seu coraçãoestava emconflitopeloo acontecimento.E assimelepassa por mais esta decepção.

Os festejos duraram cinco dias, eles não sabiam que Bamy estava

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só em visita, pois teria que voltar.Então após os festejos Bamy reúne-se com Makolo e os outros lide-

rem e esposas e conta toda sua saga em país estrangeiro por isso precisaria voltar,afinal láficousua famíliaeumabela fazenda.Edissemaisfiquetranquilo lá eu estarei bem.

Após os festejos os povos das aldeias não se conformavam que Bamy tivesse que partir para sua terra adotiva onde se encontravam os seusedestavezpordefinitivo,fizeramváriosmovimentosnatentativadequeeleficasseali juntocomseupovo,asaldeiasvizinhasqueriamcoroá-lo como o rei daquela nação, era algo muito ambicioso para qual-quer humano, mas o que fazia Bamy voltar era sua família, Orozimbo e mãe Benedita, Orozimbo que se tornara seu melhor amigo ele se sentia dividido, mas a ninfa aconselhou ele voltar para o Brasil, pois seria pedir demais para um homem tão bom, e com certeza no Brasil ele seria de grandeutilidadeparaosqueláficaram.

Makolo reúne seu clã e o povo das aldeias e diz, vou comunicar a todosedarumafestadedespedidaevocêficarapresoparasempreemnossos corações e lhe prometo que farei de tudo enquanto vida tiver para conservar nossa tradição.

Após o grande festejo, foi preparado animais e homens militantes para levar Bamy até onde fossem possíveis, viajaram por um bom tempo atéquechegouaumlugarondeficoumaisfácilsualocomoçãocomdes-tino a Angola.

BAMY EM ANGOLA

Bamy ao chegar a Angola com o endereço em mãos vai de imediato à procura de João negrinho, assim que eles se encontram, João sai de uma mesa de estudo e abraça o amigo com saudades, Bamy lhe pergunta como está indo? Ele lhe responde que tudo estavam as mil maravilhas e que seu atual patrão era uma excelente pessoa e muito interessado em seu aprendizado e também a secretaria de senhor Manoel Amaral que lhe en-sinava a ler e escrever, como ele havia lhe prometido, mas duas coisas lheafligiamemuito:primeiroagrandesaudadequesentiadaspessoas

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que deixou no Brasil e principalmente Ana Paula sua companheira de infância. E João continua: Bamy você tal vez não saiba, mas vou lhe contar agora neste exato momento um segredo, eu amo profundamente a pessoa errada eu deveria amar uma mulher da minha cor com as mesmas posses minha, mas infelizmente já tentei, não consigo me corresponder com nenhuma mulher, pois meu coração ou pensamento esta todo voltado para Ana Paula, ela não sai dos meus pensamentos, esta tortura é, dia e noite,eupenseiquevindoparaAngolatudoficariabem,masmeenganeiprofundamente, já pedi e até implorei para meus Orixás (deuses) para que eles me de esquecimento de Ana Paula, mas parece que cada vez que peçoficapioraiqueelanãosaidomeupensamento,porquetenhoquepassar por isto meu amigo eu nunca fui uma má pessoa. Então João se desmancha em lagrimas.

Logo que João se acalma Bamy lhe pergunta e qual é o outro pro-blemaquelheafligemeuamigo?

Bem, o outro problema é aqui: Veja você, no Brasil já se pode ter umfiodeesperançaqueumdiaajustiçaeademocraciairaprevaleceremenquanto aqui em Angola e outros países da nossa África não se tem esta mesma esperança, pelo contrario aqui o povo de sua própria nação é humilhado, os estrangeiro com rara exceção é quem manda e desmanda nesta terra, o povo Angolano são pessoas boas, mas enquanto eles, não tiverem um líder às alturas sofrerão as inquisições ou injustiças dos eu-ropeus e a exceção que lhe falo por sorte minha é senhor Manoel que foi praticamente obrigado a vir pra cá para trabalhar em prol do seu País.

Bem João neste caso só nos resta pedir aos deuses que este povo tenhaumfinalfeliz,nozpornãosermosdaquinempodemosseenvolveremassuntosdiplomáticos,afinaloquesomos?Portantoterepitonestecaso só nos resta rezar, para que nossos deuses ajudem estes irmãos pas-sarem por estas tormentas e tenho fé que surgira um grande líder para livrar esta nação e ser um país livre e soberano.

Quanto a Ana Paula e realmente quase impossível, mas já ouvi casos que escrava casa com homem branco e vice e versa você João foi um dos escravos de Orozimbo que mais fora castigado, mesmo sendo um adolescente, eu percebia algumas vezes que você era levado ao tronco sem motivo.

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Uma daquelas vezes que você era castigado, eu ouvi o feitor falar. Pra que bater neste menino que eu saiba ele não fez nada de errado, ele estaapanhandosóporqueestavabrincandocomafilhadopatrãoaientãoele continuou dizendo, mas com uma certa ironia, isto costuma dar em casamento,jápensouafilhadopatrãosecasandocomumescravo.

Bamylhedissedestaformanaintençãodeacalmarocoraçãoaflitodaquele jovem quase em desespero.

Bamy continua: João amor não tem fronteira, não tem cor, você vê o meu caso? Eu me casei com a mulher que eu amo, mas o destino ou os deuses quis que nós nos se separassem por um bom tempo, então quando foi o tempo certo Orozimbo foi gêneros comigo trouxe minha querida Nylonda de volta para mim, se realmente você ama Ana Paula lute pelo seu amor, não desista.

Diz João a Bamy: a realidade é que estou na África e Ana Paula na França, a distancia é muito longa, alem do mais, ela sendo de classe alta morando na França la ela terá a sua disposição homens da alta sociedade bemfinanceiramente,vocêachaqueelalembrariadeumpobreex-escravo?

Sim ela se lembrara...Comopodemeafirmaristomeuamigo?Nãomedemaisesperança

isto só vai piorar as coisas para mim.Bem João, eu sei que Ana Paula te ama com todo amor que ela tem

em seu coração. Como você sabe disto? Pergunta João Negrinho.Bem assim que ela chegou da Europa quando Orozimbo estava do-

ente, eu percebi que você foi correndo para o regato naquele recanto jus-tamenteondevocêgostavadeficarquandoalgumacoisalhecontrariava,em seguida, Ana Paula olhou para um lado e para o outro, correu ao en-contro de Maria das Dores a sua ama seca e perguntou de você, eu estava próximo a ela e como era de costume eu você e seu pai sempre estávamos juntos e atentos no que os outros falavam, pois esta era uma maneira que tínhamos para se defender ou preparar algumas estratégia, lembra-se?

É disto eu me lembro muito bem!Então, eu acompanhei Ana Paula a distancia e vi que ela te aca-

ricioucomamorquasebeijandoseuslábiosepossolheafirmarqueelanão lhe beijou porque você saiu correndo, e ela voltou com os olhos que parecia ter chorado, pois estavam avermelhados, mas esta na cara que ela

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sente o mesmo amor por você, agora analisando com calma da para con-cluir exatamente isto. Mesmo por que desde muito pequena Ana Paula só queria estar ao seu lado, eu acho até que isto tem a ver com vidas passadas e se assim for isto se chama amor eterno, ou vocês dois são almas gêmeas e com certeza um dia ela estará em seus braços por tanto João, mesmo estando vocês muito distantes lute pelo seu amor, tente descobrir onde ela estuda mande uma carta hoje esta tudo mais evoluído existem entre-gadores, quando você souber que algum navio ira com destino a Europa normalmente irão até a França então mande uma carta declarando todo seu sentimento quem sabe você terá uma boa surpresa.

Responde João já com um ar de felicidade, mas e a família dela não irá concordar.

Se bem conheço Orozimbo e sendo ele teu irmão de santo tudo ficaramaisfácil.

Diz João: È eu acho que vou fazer isto mesmo, mas vou fazer igual Orozimbo, não vou tomar atitude precipitada, vou pensar, agora que já sei ler e escrever se eu decidir enviar esta carta será escrito pela minha própria mão.

Como eu tenho tanto a lhe agradecer meu bom amigo e irmão de santo, toda vez que você cruza o meu caminho é sempre pra me tirar de alguma situação ruim, como explicar isto Bamy?

ÉÉÉ!!! Mas lembre que sempre fomos parceiros! Você também muito me ajudou em nossa luta para tirar os nossos daquele cativeiro e assim quando eu chegar ao Brasil vou continuar lutando pela libertação dos demais escravos.

Dois dias após aquela conversa, Bamy disse ao amigo, bem João, chegou à hora de eu ir embora e nós nos despedirmos, com a carta de salvo conduto em mãos eu poderei voltar para o brasil.

Conseguirei comprar uma passagem na segunda classe para o Bra-sil, tomara que eles não me confundam com os detentos que ira na con-dição de escravos.

João responde: e porque não vai de primeira classe afinal agoravocê é um fazendeiro e pode até exibir seus documentos provando que tem a fazenda e quanto a ser confundido com escravo este perigo você não terá por que agora tem uma lei que proíbe exportação de escravos.

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É... Mas tal vez você não saiba que agora existe o contra bando de escravos, responde Bamy,

Mas na verdade eles estão precisando de escravos aqui na própria terra de nossos irmãos, responde João Negrinho:

RespondeBamy!Sóquecomocontrabandoalgunslucramais,afi-nal eles são gananciosos. Isto é um abuso eu tenho fé que um dia alguém se levanta contra estas injustiças. Bem João, há quanto tempo aquele navio esta atracado? Qual? Pergunta João:

AquelecombandeiraPortuguesa,vocêdevesaberafinalteutrabalhoé aqui neste porto recebendo as mercadorias dos navios procedentes da Eu-ropa e principalmente de Portugal.

È verdade, responde João, bem faz mais ou menos uns dois a três me-ses, já era pra ele ter zarpado, mas como houve um problema no casco, e pelo o que eu sei já está tudo resolvido.

Então já que o navio esta sem problema e sinal que logo ele ira de-sancorar vou tratar de comprar logo uma passagem.

Bamy pra não preocupar o amigo, ele não falou do problema com seu cunhado, mas tinha certeza de que o mesmo estaria capturado naquele navio, para se tornar um escravo provavelmente no Brasil. Esta suspeita, ele teria porque Makolo lhe falou que faria menos de um mês que o irmão de Nylonda havia sido capturado e aquele navio com certeza faria uma parada em terras Brasileiras.

JÁ NO NAVIO

Bamydele se preparou para sua viagem se vestiu como um lorde, não por vaidade e sim usando das suas para não correr risco, por que mesmo sen-do proibida exportação de escravo existia o contra bando, poderia aconte-cer de ter mais Africanos presos para se tornarem cativos.

Com paciência e muita calma ele aguarda o momento certo para por em pratica sua suspeita, seria tudo ou nada, com certeza os deuses estaria do seu lado.

Em certo momento após o navio ter se desancorado no porto e já muito longe a vários quilômetros de Luanda a capital de Angola, um se-

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nhor lhe aborda, como o senhor se chama? Eu? Bem! Meu nome é Ba-mydele. E o senhor? Meu nome é senhor Antonio! Você viaja a negócios? Sim! Por que a pergunta? Bamy lhe responde com rigidez em sua voz.

Por que o senhor é negro, e negro só e bom na condição de escravo.O senhor gosta de escravo? Senhor Antonio responde, sim! Antes

que Antonio iria completar, Bamy lhe responde. Então porque o Senhor Antonio não se casa com um deles? Lhe, sugiro um negro bem forte e bem dotado.

Responde Antonio com certa fúria, você esta me desacatando seu negro.

Bem! Primeiro eu fui desacatado. Em seguida chega o imediato do navio e pergunta o que esta havendo por aqui?

Responde o senhor Antonio, este negro está me desacatando eu exi-jo que leve ele para o porão.

O imediato pergunta a Bamy, pra onde você vai?Meu destino e o Brasil.E o que vai fazer no Brasil? Eu estou lhe perguntado por que tal vez você não saiba, mas o na-

vio depois que saiu do porto a autoridade máxima aqui somos nós e quan-to ao senhor, Seu Antonio recomendo-o voltar lá para cima na primeira classe, e deixe este negro comigo. Assim que o senhor Antonio resolve subir,oimediatolhediz,paraquetudofiquebemparaosenhoristovailhe custar um bom dinheiro.

RespondeBamy.Escutaaquimeusenhor,eusoutraficantedees-cravos e sei que no seu navio tem vários escravos que esta sendo contra bandeado, mesmo por que eu tenho uma carta de salvo conduto.

Bamy lhe respondeu desta forma por que após o imediato querer lhe subornar ele sabia com que tipo de pessoa estaria lidando. Logica-mente que ali tinha contra bando não só de escravos, mas também de armas e outros, isto por que Bamy tinha um raciocino muito rápido e a cartadesalvocondutosignificavaomesmoqueimunidadeparlamentar.

O senhor me desculpe, e gostaria de lhe falar que o nosso navio esta a sua disposição, mas gostaria de lhe perguntar. Por que o senhor esta na segunda classe?

Istoporquemecomvem,sempreviajeinasegundaclasseprefiro

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economizarmeudinheiroenãomemostrarmuito,afinaleutambémsouum fora da lei igual a você, só que tenho amigos que pode me tirar de qualquerenrascadasenhor:Agorasemederlicençaprefiroficarsonsinhoe continuar minha leitura, na verdade Bamy não sabia ler nem escrever, mas precisava usar de todas as artimanhas para se safar daquele mau ele-mento, quando o imediato se virou para ir para o seu posto Bamy lhe diz: Preste atenção senhor antes de ir falar com seu comandante gostaria de te recomendar uma coisa.

Qual senhor Bamydele? Bem na África tem um ditado que diz: aleda, aleda kem ty kufo foi

yndaka da fofo.E o que quer dizer estas palavras?Diz Bamy com ironia: quer dizer o seguinte meu amigo:Caveira, caveira quem te mata é sua língua, ou pode ser também

boca calada não entra mosquito. E tenho uma exigência para lhe fazer queroverosescravosequeistofiqueentremimevocê.

Diz o imediato, mas senhor isto pode me complicar!Só ira te complicar se eu ou você abrir a boca.Esta bem! Vamos até o porão, mas tenha cuidado, se nós formos

descobertos com certeza viraremos comida de peixe.Assim que o imediato todo assustado segue na frente Bamy começa

a rir sonsinho e segue para o porão na esperança de levar pelo menos um daqueles homens que estava preso na condição de cativo, que o

Ao chegarem ao porão o imediato lhe diz: Senhor Bamydele aqui esta os escravos,mas afinal o que o senhor pretende?Fique tranquiloassim que for possível eu te revelarei, eu não vou lhe prejudicar, pois a partirdeagorasomosparceiros,subaláparacimaefiquequieto,senhorimediato. A propósito quantos escravos você esta levando?

Dessa vez tem muito pouco, só temos quinze, se não for bem vendido,oprejuízoserágrande,estamuitodifíciltraficaresteshomens,por que alem de trafego ser proibido, eles estão mantendo os mesmos em sua própria terra para escravizá-los.

Bem senhor Bamydele, espero poder contar com sua palavra, por que se meu comandante souber do que está se passando aqui neste porão ele pode até fazer com que, eu e o senhor venhamos a ser comida para os tubarões.

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PARTE QUATRO:

BAMYDELE (JOÃO DE AIOKA) NO BRASIL

Um pouco antes de o navio ancorar, Bamy bola um plano para livrar os escravos sem faltar com sua palavra ao imediato. Eis o plano:

Bamy por entender bem de ervas ou liturgia mais uma vez apela para as mesmas, na tentativa de livrar os escravos daquele degredo.

Existe uma erva popularmente conhecida como urtiga e outra com o nome de aroeira brava, estas ervas provocam coceiras e manchas sobre o local atingido, e as mesmas começam a agir após alguns minutos, então Bamy não perde tempo: Macera as ervas que trouxera da África com in-tenção de usá-la se necessário fosse, e pulveriza sobre os que estavam para se tornar escravos, tudo de comum acordo; os futuros escravos sabiam que quando fossem jogados ao mar as coceiras passariam em contato com a água salgada. Logo após pulverizá-los Bamy sobe para a segunda classe e diz para o imediato, na verdade a minha intenção de ir ao porão era exata-mente para negociar com você um dos escravos para eu vender, mas acon-tece que estão todos contaminados com uma doença conhecida por peste bubônica,elesficaramdoentespelaquantidadederatosquetemnoporão,venha comigo pra você ver com teus olhos que coisa horrível, estão todos com manchas e coceiras em seus corpos, por tanto, aconselho que você fale com seu comandante e jogue todos no mar para virar comida de peixe, porque se vocês desembaraçar estes homens com esta lepra irá contaminar muita gente, ai então, os compradores de escravos irão denunciá-los.

O imediato após ver os escravos creu na versão de Bamy, então subiu para a primeira classe e muito preocupado com a situação diz para o comandante que todos os escravos estavam doentes por estarem conta-minados pela doença dos ratos a tal peste bubônica.

Bamy sabia que todos eles eram exímios nadadores, por viver pró-ximo a grandes rios, como eles já estavam próximos de se ancorarem no Brasil, ele resolveu de comum acordo com aqueles homens correr o risco deperderemalgunsdeles,masseriamuitodifícilistolhesacontecerafinaleles tinham bastante intimidade com os rios e também contaria com a aju-

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da dos deuses que habitam sobre as águas do mar.Bamy combinou com os seus com patriotas, que eles deveriam na-

dar sempre no sentido norte assim que chegassem à praia eles se escon-dessemnasmataseficassemjuntososmaispróximospossíveisdapraia,e assim que fosse possível Bamydele procuraria por eles e deixou como código o cântico de um pássaro muito conhecido na velha África.

Ele tinha certeza que aqueles homens saberiam como sobreviver por que no meio das matas seria seu habitar.

Bamy calculava bem suas artimanhas e sempre foi bem sucedido, mesmo porque contava com a proteção dos deuses (Orixás).

Nestasalturasdosacontecimentosocomandanteficadescontrola-do por que seu prejuízo seria grande por não poder vender aqueles escra-vos, o imediato comenta: comandante o melhor seria nos jogarmos estes negros no mar ainda com vida, por que se matarmos eles dentro do nosso navioosanguedelespodemcontaminartodolocaleassimficaumpoucopior. O comandante não sabendo que eles eram excelentes nadadores lhe diz: Então faça isto, estes negros sempre acham um jeito de nos ferrar. Eficaselamentandodasperdas,masseconformaquandoselembraquenão foi ainda atingido pela doença, após jogarem os negros no mar ele mandou desinfetar o porão e assim foi feito.

Jogaram os mesmos sobre o mar onde nadaram por várias horas até chegar à praia, já fora das águas sentiram o mundo rodar em suas voltas estavam exaustos, depois de um bom tempo se recuperaram e trataram de se esconder e procurar algo na natureza para se alimentar. Como caçavam pescavam e comiam raízes e frutos nativos eles se sentiam em casa, pois as matas eram como suas casas ou sues habitat.

A PROCURA

Bamy após desembarcar do navio começa sua procura, ele orientou os homens, ou melhor, os Africanos a nadarem sempre na mesma direção paraficarmaisfáciloencontro.Elemarcoubemondeforamjogadosedepois de procurar por três dias ele ouviu o canto de um pássaro conheci-do, ou melhor, nativo de sua terra originário da África, então ele deu um

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grito de vitória e agradecido pela ajuda dos deuses, por mais uma vez ter lhe orientado e dado certo seu plano mirabolante.

Após meia hora eles se encontram e a alegria foi geral, mais alegre ainda quando Bamy reconhece seu cunhado, o irmão de Nylonda e com isto ele não via a hora de chegar à fazenda para dar as boas novas.

Após uma longa viagem, chegaram a sua fazenda e tranquilizou o pessoal que veio com ele, lhes dizendo aqui vocês terão trabalho, comida, roupas e também um salário, por um bom tempo não poderão voltar para sua pátria por causa das leis que não permitiam que os negros saíssem deste país, mas os que quiserem voltar, com o passar do tempo daremos um jeito, assim como eu consegui chegar ate a velha África.

Quando Nylonda vê seu esposo ela manda chamar Orozimbo e os demais na intenção de preparar uma festa, Bamy abraça sua esposa com ternuraeperguntaondeesta seufilho,ela responde:bemseufilhonãoquer sair mais da casa de seu padrinho, estou feliz, mas com muito ciúme, poisatéparecequemeufilhonãoémeuesimdecompadreOrozimboesua esposa, eles estão mimando muito o menino e o pior que os ensinam o a lhes chamarem de pai Orozimbo e mãe Ana.

Bem,minhaqueridaNylonda,istotemoladobom,afinalqueméra-mos? Mudando de assunto, olhe bem para estes homens um deles é nada maisenadamenosqueseuirmãoqueficounaÁfricaquandofomoscap-turados. Nylonda ao reconhecer seu irmão teve uma sensação de desmaio por tanta alegria em revê-lo todos se comoverão muito, Nylonda não queria que seu irmão se afastasse dela, queria saber tudo que se passava em sua terra,comoestavamosoutrosparentes,ficaramhorasrelembrandosuasinfâncias e assim que todos estavam presentes à festa foi noite adentro.

Orozimbo felicitou o amigo pelo seu ato heróico e a maneira que bolou aquele plano sozinho.

NAS FÉRIAS

Finalmente chegou à época das férias: Ana Paula sai da Europa com destino a fazenda de seus pais, para revê-los e principalmente na espe-rança de estar com João Negrinho porque até então ela não sabia que

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João partira para Angola.Assim que ela chega a fazenda, como de costume abraçam a todos,

entrega os presentes, (souvenir) trazidos da França e em seguida vai ter com sua ama seca, beija-a com ternura e sua primeira pergunta é: Onde esta João Negrinho, eu quero velo, pois o melhor presente que trouxe é o dele, MARIA DAS DORES abaixa a cabeça e com duas lagrimas nos olhoslherespondecommuitadificuldade.Elefoiemboraminhameninanosdeixouecommuitasaudadedesuasestripulias,aquificamos.

Mas como pode meu pai havia nomeado-o como administrador da nossa fazenda, ele tinha de tudo até a amizade de meus pais, o que vou fazer agora? Sem João esta fazenda pra mim não faz o menor sentido sem ele, e como o riacho que seca ou como a natureza sem vida, meu coração não vai suportar esta distancia minha mãe preta, como vou fazer sem meu queridoamigo,semeleavidanãotemsentido.Eufiztantosplanospranós dois por que ele fez isto comigo, eu quero morrer.

Ana Paula chorava muito, até que ela perdeu o controle e gritava chorando com muito desespero, até que seus lamentos chegaram ao ouvi-do de seus pais, após eles ouvirem aquele choro, correram pra saber o que estava se passando com Ana Paula, Maria das dores tentando contornar a situação disse: Que a menina estava com muitas dores e que aquilo era coisademeninaquandoficamoça,seriaumacólicamuitoprofunda,masqueelairialhefazerumbomcháecomcertezaameninaficariabem.

Após o susto Orozimbo diz ainda bem, espero que este chá resolva, pois se ela não melhorar mandarei chamar minha mãe Benedita, Maria das dores responde que não há necessidade de incomodar mãe Benedita.

Ana Paula é levada para o seu quarto e após o delicioso chá prepa-rado com carinho pela a ama seca ela se acalma e Maria das Dores lhe diz não perca as esperanças, pois Bamy sabe aonde ele esta, eu vou chamá-lo.

LogoapósentraBamyemseuquartoafinaleletinhaacessolivreem qualquer cômodo da casa de seu melhor amigo Orozimbo e era de total confiançaemrelaçãoasuafamília.

Ana Paula o chamava carinhosamente de pai Bamy e diz a ele, tenho que lhe contar um segredo que só eu e minha mãe preta sabemos!

Eu amo do fundo do meu coração aquele ingrato chamado João Negrinho, não sei viver sem ele e sei que o senhor sabe onde encontrá-lo,

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esperoqueistofiqueentrenós,porquecomtodamudançaquehouvenavida de papai e mamãe eu não saberia qual seria a reação deles se soubes-se que amo do fundo do meu coração a João Negrinho, mesmo sabendo que ele não me ama, mas preciso pelo menos de mais uma vez olhar para ele e sentir seu cheiro, sua presença, vamos meu pai Bamy diga-me onde ele esta neste exato momento eu sinto ele muito próximo de mim.

Bem Ana Paula, eu também tenho um segredo para lhe falar, pri-meiroqueroquevocêfiquecalma,poisoquetenhoalhefalarvai lhedeixar triste e feliz.

AnaPaulalhedizcomfirmeza:Primeirogostariaaboanoticia!Afirmaajovemestudantil.

Pois muito bem eu estive com João Negrinho há dois meses mais oumenosele foiemboraexatamentepor teamarmuitoeafirmaquevocê é e sempre será o único amor de sua vida.

ApóselelheafirmaroquantoJoãooamavaelafixaosseusolhose olha profundamente nos olhos de Bamy ele vê o brilho daqueles olhos azuis parecendo duas luzes, em seu semblante jovial na verdade os olhos delaestavamprocurandonoinfinitooamordeJoãoNegrinho.

Então continua Bamy a argumentar: Mas exatamente por não saber qual seriam a sua reação e a de seus pais ele preferiu deixar você livre e alem do mais ele estava profundamente inseguro, por que você estudando em um pais muito mais evoluído com certeza teria em sua volta preten-dentesmaisinteressantes,afinaleleésóumnegroeexescravodeseupai,assim ele dizia chorando muito, mas o que ele falou para mim eu acho que tem que ser dito nem que isto custe a boa amizade minha com seus pais e pensandobemeuachoqueseuspaisdevedesconfiardoqueestasepassan-do com ambos, mas lhe prometo que não falarei nada, sem a sua permissão.

Maria das Dores diz: Minha menina eu acho que você deve aguar-dar o momento certo para falar com seus pais.

Esta bem, mãe Maria a senhora esta certa. Já me sinto melhor sa-bendo que ele tem o mesmo sentimento por mim, agora me fale sobre a parte ruim, pai Bamy.

Bem a parte ruim é que ele esta muito longe, hoje ele mora em Lu-andacapitaldeAngola.EleestanaÁfrica?Simfilhaquerida...RespondeBamydele.

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Não é possível, responde Ana Paula.Euialhefalarminhafilha!RetrucaMariadasDores:Euquerialhe

contarcomcalmaminhamenina,masnãotivetemposuficiente.Bamy diz a bela jovem. Eu não sei se isto é correto, mas quero seu

endereço onde você mora lá na França, pois quando alguém do império e que seja do nosso relacionamento for para a áfrica eu mandarei entregar a João Negrinho.

Mas como o senhor fará isto? O império é muito longe daqui desta fazenda.

Não se preocupe minha menina! Quase toda semana vem funcio-nário de La para saber como estão às coisas por aqui, em relação aos escravos aos impostos etc: Alem do mais o duque de Avilar se tornou um grande amigo meu e de seu pai, por tanto sempre que possível ele vem nos visitar e tomar uma boa pinga com limão e açúcar extraído da cana e comer a comida que nossos ex-escravos fazem que é nossa especialidade, já colocaram até o nome desta iguaria de feijoada e quando ele não vem, sempremandaum funcionáriode sua confiança, por tanto ele nãomenegara este favor.

Massemeuspaissouberem?AfinalmeupaiéamigododuquedeAvilar!

Eu vou tomar esta atitude por uma boa causa, por tanto não vejo traição de minha parte, então não falarei para o conde ou ao seu funcio-nário,qualafinalidadedestacarta,vocêentendeu?Mandareiumacartaminha e incluirei o seu endereço. O senhor já sabe escrever pai Bamy.

Lógicoquesim!Vocêachaqueeupercotempo,minhafilha?As-sim que voltei da África contratei um professor que ministra aulas para mim e minha Nylonda, diariamente. Quero estudar mais para escrever um livro, talvez a história de minha vida.

E quando será isto? Tomara que seja breve. Eu tenho paciência, saberei esperar...Bem quanto à carta, sempre um duque ou outras autoridades ou

mesmo um dos funcionários de confiança deles viajam com destino aLuanda, então lhe garanto que não ira demorar. Dou minha palavra!

Agora me diga uma coisa pai Bamy, lá em Luanda tem alguém de confiançaparaleracartaqueiremosmandarparaele,pelooqueeuseio

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meu João não sabe nem pegar na pena, ou melhor, ele não teve a oportu-nidade de aprender nem ler nem escrever, então como será?

Aiquevocêseengana,minhafilha!Assim que João chegou a Luanda ainda a bordo do navio uma

daquelas autoridades que viajou com nós, falou em vós alta se haveria alguém interessado em trabalhar com ele, Assim que o homem mal con-cluiu o que queria falar, João não perdeu tempo e lhe disse aqui esta meu nobre senhor, o homem que procuras. Estou ao seu inteiro dispor para qualquer tarefa, será uma honra trabalhar em tão boa companhia meu nobresenhor,lhegarantoquesereiseufielescudeiro.

Como sabe que sou boa companhia? Perguntou o homem. Pela sua delicadeza com os funcionários deste navio, respondeu João Negrinho

Nada escapa dos olhos atentos deste teu servo. Será um prazer enorme em servi-lo, meu nome é João Negrinho.Então o nobre senhor lhe perguntou. Sabes ler e escrever?João lhe respondeu não senhor! Mas aprendo depressa sou muito

inteligente e aprendi com este meu amigo a raciocinar rápido.Diz o homem. Ééé... Parece-me que sim, gostei de você meu jovem.Mandarei minha secretária lhe ensinar, se você realmente se inte-

ressar em aprender, lhe prometo fazer de você um grande homem, porque fui com sua cara você é muito educado.

Logo após João me comentou que queria muito aprender a ler e es-crever exatamente para lhe mandar uma carta declarando os seus sentimen-tos, mesmo sabendo ele que não haveria nenhuma chance para a união de ambos, ou melhor, vocês.

Quando João Negrinho foi para Luanda, eu precisei acompanhá-lo. Por quê? Pergunta Ana Paula.

Porque negro não pode sair deste país. Pior ainda João que nasceu aqui no Brasil, então ele é Afro descendente e não africano puro. No meu caso eu nasci na África, então poderia acompanhá-lo desde que eu tivesse autorização do Império, ou melhor, uma carta de salvo conduto e isto eu e seu pai conseguimos pela amizade que temos com o duque.

O senhor tem certeza que esta viagem de João não tenha o dedo de meu pai, para ele ir embora?

Com certeza não! Isto foi uma decisão do próprio João Negrinho

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por insegurança e para fugir do que ele acha ser um grande problema, como lhe falei antes.

ENQUANTO ISSO NO CORAÇÃO DA ÁFRICA

Makolo já se sentia velho e achava que deveria tomar seu lugar de ancião ou conselheiro, então ele teve a idéia de passar sua liderança a seu único filhoquetinhaseuprimeironome,mashaviaosqueseimpunhamachan-do que deveria ser outro das aldeias.

Makolo como tinha um espírito democrático mandou que se for-masse um conselho para nomear a quem de direito, ouve várias sugestões, porem um dos jovens mais afoitos por nome de Adoguncyle sugeriu que houvesse uma disputa entre eles com isto saberiam quem seria o melhor para liderar aquela aldeia.

OfilhodeMakoloporconvivermaisdepertocomsuafamíliaha-via aprendido todas as manobras para várias situações sempre seguindo o exemplo dos seus pais e os conselhos de Zunkuembu, como conservar as tradições das aldeias e manter a paz entre eles. Alem de seu pai ser umpacifistanato,assimeleeratambémeforamuitobemorientadoporBamydele quando de sua visita a Aioka.

OfilhodeMakoloaprendeuváriasartes,comoPorexemplo,aartedacaça, liturgia e esculpir moldes em argila com tamanhos até cinco metros de altura e também a arte de se defender em qualquer tipo de agressão, mas sem o uso de armar.

Apósformaremoconselho,osanciõesdecidiramqueseriaofilhode Makolo que daria continuidade a sua liderança, Adoguncyle o jovem mais afoito não se conformava, então ele se juntou com alguns rebeldes na tentativa de conseguir seu objetivo. Formaram um pequeno clã e ten-tariamcontraavidadofilhodeMakolo.

Eles planejaram uma caçada onde estaria presentes o pequeno clã,formadoelideradopelojovemAdoguncyle,convidaramofilhodeMakolo para participar daqueles três dias de caçada que ao mesmo tempo seria uma disputa para ver quem seria o melhor provedor das aldeias e queficariamlongedosdemaisportrêsdias.

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AninfapreveniuaMakolooriscoqueseufilhopassaria,masqueseria um bom teste, porque o jovem conhecia bem a arte de lutar (capo-eira) e alem do mais ele poderia contar com a proteção dos deuses que estaria sempre ao seu lado por ser ele um jovem bem intencionado.

Makolochamouseufilhoelheorientoudizendodoriscoqueteriaaquela disputa do perigo que passaria e que se ele quisesse desistir seria agora ou nunca.

O jovem declarou para o seu pai que se fosse para o bem daquele povo ele estaria pronto e até estava disposto a oferecer sua própria vida, com esta atitude sua mãe se emocionou e resolveu que deveria fazer uma oferendaaosdeuses(Orixás)emagradecimentopelobomfilhoqueelaeseu marido educaram.

Zunkuembu por ter mais idade dos demais certamente era o mais sábio de todos, como ele aprendeu bem a arte da magia e percebendo a traiçãoqueestavasendopreparadaparaseupupilo(ofilhodeMakolo)tratou de se prevenir contra o mal que poderia acontecer com aquele bem intencionado jovem.

No dia seguinte ao cair da tarde tudo estava preparado para a tal caçada, viajaram por horas em plena selva e na desculpa de acharem o lugar ideal para trazerem o sustendo para aquele povo, o pequeno grupo eradecincopessoasemaisojovemfilhodeMakolo.

Ao chegarem a uma clareira os cinco elementos do clã cercaram o jovem Makolo e lhes disseram se você conseguir escapar de nossas garras então será o novo líder.

O jovem calmamente já sabendo daquela armadilha, lhes responde, só quero pedir uma coisa para vocês.

Um deles lhe falou, já sei o que vai pedir! Você quer que poupemos á vida de seus pais, não é mesmo?

Não! Você errou! Eu sei que a intenção de vocês é acabar com minha vida, porem esta não é minha intenção, ou melhor, não penso em matar vocês e sim lhes darem uma boa lição, por tanto lhes peço, que, se eu ganhar esta contenda vocês me darão a suas palavras que terão de me aceitarem como seu líder.

Adoguncyle que estava liderando aquele movimento ou o pequeno clã lhe responde, você é muito pretensioso. Achas que sairá com vida

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daqui? Se for isto que pensa, está muito enganado sem mais comentário o jovemafoitodaordemparaqueataquemofilhodeMakolo.

Mas o jovem Makolo pegou todos desprevenidos, pois suas prati-cas de luta (capoeira) ele praticava em segredo com seu pai e outro ancião queeramestrenaarte,eassimunsficaramcomferimentosmaisgraves,os outros mais fracos o jovem Makolo teve misericórdia lhes deixando com vida, em seguida o jovem Makolo percebeu que não havia come-tido nenhum homicídio e sim lhes dado uma boa lição como seu pai e aquele mestre e ancião lhes ensinara, então voltando para os rebeldes ele lhe disse, espero que isto lhes sirva de lição e que vocês cumpram com a palavra, após esta atitude o jovem Makolo vira lhes as costas em pro-cura do caminho de volta mesmo sendo altas horas da noite. Após andar um bom tempo e já bastante cansado ele resolve se acomodar em uma pequena gruta onde só poderia estar uma pessoa, pega um bom pedaço de carne preparada por sua querida mãe com outros apetrechos e começa fazer uma refeição para em seguida dormir um pouco e com isto quando acordasse poderia seguir viagem de volta a seu lar, mas logo em seguida após começar a dormir sentiu um calor enorme, acordou apavorado, pois aquela pequena gruta estava toda envolvida por um incêndio provocado por aqueles jovens rebeldes, ele não tinha como sair daquela situação estava totalmente cercado, mas uns poucos minutos e aquele jovem iriam perecer pelo calor e a fumaça que envolvia toda a gruta, então sua única saída seria apelar para seu protetor ou sua protetora naquele momento de afliçãoelepedeadeusadaguerraedastempestadesseuauxilio.

Enquanto isto na aldeia sua mãe juntamente com a ninfa invoca ao mesmo tempo ao deus da justiça (Orixá Xangô). Neste mesmo instante surge uma tempestade vinda do lado sul, onde o fogo é apagado. E ali mesmo ele desfalece perdendo totalmente os sentidos. E como se ele esti-vesse em um sono profundo, seu espírito começa uma viagem por lugares maravilhosos, então nesta viagem aparece uma linda mulher e lhe diz eu sou sua protetora sou a deusa da guerra, sou Oya (Iansã) e este é Xangô filhodeOduduaquerepresentaajustiça,maslutopelapaz,agoravoltee siga seu destino e saiba que o perdão é o supra-sumo de todas as coisas meufilho!Comistovocêaprenderaaartedefazerofantástico!Aomes-mo tempo seus perseguidores dizem como é possível?

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Quantas vidas têm este infeliz? Agora que ele está quase morto o me-lhor é acabar logo com ele por que ele de pé seria uma catástrofe para nós.

E o que vamos falar para os seus pais? Fique tranquilo eu já pensei em tudo, o jogaremos ribanceira abaixo e pronto, pra todos os efeitos ouve um acidente se todos nós falarem a mesma coisa não terá prova contra nós.

Os rebeldes que apanharam menos retrucam. Não seria melhor dei-xar ele com vida? Pra que matá-lo?

O líder deles responde ou você esta com nós ou contra nós, se esti-ver com nós continuara vivo se estiver contra nós também morrerão com este moribundo.

Na verdade, os quatros jovens que acompanhavam Adoguncyle, não queriam matá-lo, mas se sentiam obrigados a participar daquele ato sórdido, porque Adoguncyle era muito forte e com aquele físico avanta-jado ele impunha respeito e autoridade.

DE VOLTA DE SUA VIAGEM

Ao retornar de sua viagem astral ele ainda houve a deusa Yansã lhe falar: Eu sou Oya (Yansã)... Sou sua mãe espiritual e você será o grande

líderdealdeiameufilho.Por que tem que ser eu o líder minha deusa?Jáestátraçadonoteudestinofilho,portantová;Cumpraseudes-

tino ou dever.Quando o jovem Makolo começa a voltar à vida, ainda era noite e

no âmago da madrugada ele estava muito fraco, então ele diz, bem, agora estou nas mãos de meus inimigos, mas tenho a intuição que sairei com vida desta situação.

No momento exato em que os jovens afoitos iria lhe atacar, um deles diz, cuidado veja esta cobra rastejando, o outro diz aqui tem mais uma, e com isto viram a quantia de doze cobras e as mesmas começaram aselevantaremficandoemposiçãoverticaleacresceremdeformaas-sustadora,atéficaremcommaisoumenosunsdoismetrosdealturaeascobrasfixavamosolhosnosrebeldesdelinquentesefaziamumsilvadotão alto que ensurdeceram os mesmos por alguns instantes, mas o jovem

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Makolo nada sentiu nem medo nem se perturbou com os silvados das co-bras e ao mesmo tempo ele sentia como se estivesse se comunicando de uma maneira telepática com um daqueles enormes animais. E era exata-mente isto que estava se passando, uma daquelas cobras era Zunkuembu.

Com sua magia saiu da aldeia em perseguição aquele grupo viu tudo que se passou e no momento certo ele usou sua pratica de hipnose que conhecia muito bem.

Das doze pítons, só uma era verdadeira, ou melhor, a verdadeira era Zunkuembu as outras eram só ilusão de ótica que o sacerdote fez parecer verdadeiras e ele se transformou para ajudar o Jovem Makolo, Zunkuembu sabia fazer muito bem, suas magias, mas ele assim o fez de maneira que não interferiu nas contendas dos mesmos, quando não fora necessária a sua ajuda, pois o jovem Makolo já havia provado sua pujante capacidade de liderar não só uma aldeia, mas várias se assim fosse.

Os jovens saíram apavorados em disparada e não queriam voltar para a aldeia com medo do castigo que lhes poderia acontecer, pois sa-biam que seriam julgados.

DE VOLTA PARA A ALDEIA

Makoloofilhoaindamuitodebilitadonãoconsegueselevantar,poishaviaingerido muita fumaça, Zunkuembu que naquelas alturas dos acontecimen-tos já havia voltado ao seu estado normal, então ele tenta reanimar o rapaz, leva até a beira de um riacho lhe da água para beber faz com que ele se banhe, não só para sua melhora física, mas também para se livrar daque-las energias ruins, pois segundo suas crenças a água pura e cristalina serve comodescargadeenergiasmaléficas.EmseguidaZunkuembuprocuraumaervaentreasarvoreseachaaflordavida,conhecidatambémcomobálsamoe desta erva ele extrai um liquido leitoso e faz com que o jovem Makolo beba para se livrar da intoxicação daquela fumaça que ele havia ingerido, após algum tempo e com muita paciência, Zunkuembu notou uma boa me-lhora do rapaz então eles seguem o caminho de volta para sua aldeia.

Ogrupodecinco rapazesdelinquentesficouemplena selvaporvários dias com medo das represálias.

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Quando Zunkuembu chegou ao convívio dos seus, reuniram-se, Anciões, sacerdotes e vices liderem das aldeias que faziam parte daquele grande clã. Assim que avistou Zunkuembu e seu pupilo o jovem Mako-lo, começaram a ovacionar com aplausos e danças, e toda aquela alegria transformou-se em uma grande festa pela volta de ambos, estavam co-memorando a vitória do jovem Makolo e o reaparecimento do supremo sacerdote Zunkuembu, que saíra da aldeia sem avisar ninguém, nem a ninfa sabia o que havia acontecido com ele, quando ele tomou a decisão de acompanhar a distancia aqueles jovens rebeldes, para que não houves-se trapaças nas caçadas.

Zunkuembuqueeradetotalconfiançadetodosdoclãeafinaleraosacerdote supremo, então ele começou a narrar todo o evento durante os dias das caçadas, como o jovem Makolo se defendeu usando suas artes de luta corporal sem tirar a vida de nenhum deles, as tramas de tentar contra a vida do jovem Makolo. O incêndio que era mais uma tentativa onde desta vez Zunkuembu interferiu com ajuda dos deuses (Oya e Xangô).

Com isto o jovem Makolo foi outra vez ovacionado e eleito por aclamação como líder de sua aldeia, mas que haveria de ter as orientações diretas de seu pai e Zunkuembu, para ser em um futuro muito próximo o líder de todas as aldeias daquele clã.

Depois de uns quinze dias que aqueles jovens estavam em plena matafechada,vivendoderaízesepequenascaçastudoficoutãodifícil,que resolveram sucumbir-se e voltar para encarar o grande problema que seria ser julgado pelos lideres das aldeias.

Assim que chegaram foram capturados, mas como Makolo tinha a filosofiadetratarbemqualquerumqueestivessememumadasaldeiasele mandou que se banhassem e se alimentassem bem, pra depois ir terem comeleeseusviceslideres.Apóssealimentarem,ficoumarcadoparaodia seguinte o julgamento dos jovens delinquentes.

REUNIÃO DOS LÍDERES

Logo após o amanhecer reuniram-se os lideres das aldeias, depois de vá-rias versões que eles ouviram dos jovens e por não haverem chegado a

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nenhum consenso, mandaram os mesmos para Makolo julgar e seja qual fosseoveredicto,elesacatariam,porqueafinalquemestaria julgandoera o líder supremo, com isto Makolo alega que já estava decrépito, pois a sua idade já não permitiria ele julgar e condenar aqueles jovens, então à ninfasugeriuqueojovemMakolo,oumelhor,ofilhodeMakolofosseosupremo juiz neste caso, pois quem realmente fora traído, poderia muito bem, ser o juiz ideal, para julgá-los, a Ninfa disse isto aos demais sabendo pela sua forte intuição qual seria o veredicto, a ninfa conhecia bem o co-raçãodojovemMakoloesabiatambémqueeleseriacoerenteafinalelefora criado próximo a ela e Zunkuembu.

O JULGAMENTO

Bem: para que o jovem Makolo fosse o ouvidor daquele acontecimento seria necessário ele primeiro ser nomeado o líder de qualquer aldeia, pois afinalele teriasidoeleitoporaclamação,masaindanãohavia tomadopossedeseucargo.Comojáestavacertaasuapromoçãoentãofizeramuma rápida cerimônia e assim ele se tornou líder. Em seguida começou o argumento de cada um dos envolvidos naquela situação, um dos vices lidere eram mais amenos em suas sugestões para condenar os jovens, outros eram mais afoitos e radicais, e com vários choques de opiniões o julgamento foi até altas horas, mesmo porque o pai do Jovem Makolo disse que ele não deveria ter pressa, para seu veredicto e ele deveria ser bemcorretonãopensarsócomarazão,massimcomocoraçãoafinaltodos ali eram iguais perante aos deuses, portanto ele teria que primeiro fazer um bom exame de consciência para então ser um bom juiz, justo e honesto com ele mesmo, para não sofrer no futuro por erros grotescos.Após o jovem Makolo ouvir um por um dos anciões e o vice liderem in-clusive os argumentos de cada um dos jovens ele toma a palavra:

E para surpresa de todos, ele o jovem Makolo diz: Bem, senhores anciões e sacerdotes... Eu sou contemporâneo des-

tes jovens, ou melhor, sou tão jovem quanto eles, estamos aqui os su-cumbindo da nossa maneira com nossas leis, mas temos que pensar que, nossas leis são arcaicas; Arcaicas por serem os mais velhos de nossa al-

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deia conservadores e radicais, mas no meu conceito de jovem percebo que os grandes culpados por esta situação não são só estes jovens e sim o nosso velho sistema feudal. E vendo por outro angulo, lhes digo que eu, por exemplo, tive o privilegio de aprender com meu pai, o sumo sacer-dote e meu mestre, a conduzir os povos das aldeias, entre outras coisas aprendi a me defender, às escondidas, conheci a arte de lutar (capoeira) e ter como arma letal minhas pernas, agora eu pergunto por que isto foi negado para os demais das aldeias? Eu serei um bom líder? Disto eu não tenho duvida, eu tenho certeza absoluta! Sabe por quê? Por que aprendi tudo que um líder deve saber, pois alem dos bons aprendizados ainda tive o privilégio de conviver o tempo todo próximo a meus pais, o nosso sumo sacerdote e nossa querida Ninfa (A sacerdotisa maior), mas eles? Bem: mas estes Jovens, na verdade eles não tiveram as mesmas oportunidades que eu tive, também Tenho certeza disto, mas se estes jovens tivessem no passado a oportunidades de aprender esta arte e as orientações que eu tive provavelmente eles também teriam condições de serem lideres para dar continuidade ao nosso povo ou ao nosso conservadorismo, agora eu pergunto,comoseránossofuturo?Sesóeuefuturamentesómeufilhoconhecer esta arte? Repito como será?

Bem: a ambição que estes jovens tiveram, eu e outros jovens das aldeias com certeza também temos, ou tiveram, na verdade eles só foram mais afoitos do que os outros, ou mais verdadeiros e corajosos quem sabe;Maselessabiamquenãoseriamaceitos.Afinalmeupaiéograndelíderecomcertezaseufilhotambémserá.Entãoeuachoqueelesforamafoitos e impulsivos, mas corajosos, pois da maneira deles, eles expressa-ram suas reivindicações ou seus desejos de colaborar com a continuidade deste povo.

Entãoeuvusafirmo:condenarestesjovensdelinquentesseriacomocondenartodanossaaldeia,poisestesjovensrefletememseuscompor-tamentos aquilo que nossa tribo lhes ensinou em sua infância, desedu-cando-os, ao invés de educá-los com sabedoria e discernimento e de uma maneira coletiva sem exceções, Agora eu pergunto aos senhores: Será que eles não merecem uma chance? A chance de provar que são capazes? Oudevocondená-lossemmisericórdiaaoquefizeram?

Antesquemerespondamalgoeuvosafirmoqueseeupuderes-

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colher alguns dos nossos para me assessorar, com certeza os escolherei, pois são destemidos e mostraram coragem e mais, eles sabem o que querem.

Por tanto meu veredicto será o seguinte: Eles terão como punição de serem os provedores das aldeias, eles será caçadores, e Adoguncyle será o Olodé (o líder dos caçadores), com isto ele selara pela vida dos demais caçadores e do provento das aldeias qualquer erro neste sentido Adoguncyle será o responsável seu nome passara a ser Olodé e prestara serviços para os nossos, arriscando sua própria vida para trazer o sustento de nossas aldeias. Assim resgatá-los-emos para nós e não os baniremos denossasaldeiasficareidevigiaconstanteparaqueelesnãocometamomesmo erro que cometeram.

E mais, eles terão que aprender a arte de nossa luta corporal, (ca-poeira) e como conduzir nosso povo, eu garanto que com isto e mais osensinamentosfilosóficoseestratégicosdosnossosanciõeseseforemdisciplinados, ai sim poderão realizar seus sonhos de liderarem as aldeias. Este é o meu veredicto,

Mas abro aspas, pretendo que Adoguncyle, este jovem mais afoito que liderou o pequeno clã, pense bem e compreenda que o nosso pen-samento não é tirar a vida de ninguém ou bani-los de nosso convívio, porque o que eu aprendi com os nossos anciões e os demais é lutar pelas nossas vidas e não tirar a de ninguém, nem mesmo a dos forasteiros que venha a nos perseguirem, pois só Olorum o pai da criação tem o direito de dar ou nos levar para o Orum (CÉU), saiba Adoguncyle que nem os deuses têm o poder de nos exterminar, eles nos protegem do mal e ajuda a preservar nossas vidas, pois acima deles existe um pai que enfatizo cha-ma se Olorum ou Olodumaré. Que nos da a vida, não só a nós, mas tam-bém aos animais alguns dos quais nos servem de alimento, ele nos deu as matas, o sol a lua, as águas, sementes, frutos, ervas, oxigênio e tudo mais que temos na natureza.

Após estes argumentos do jovem Makolo, todos os lideres e anci-ões se levantaram e aplaudiram o jovem Makolo em pé, em seguida se curvaram, lhe reverenciando e chamando de nosso líder absoluto e uns comentavamofilhosesaiumelhordoqueoseupai,comestaspalavrasovelho Makolo se sentiu orgulhoso e feliz, todos lhes felicitaram.

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A CARTA DE JOÃO NEGRINHO

Assim como Bamydele havia prometido a Ana Paula que enviaria uma carta para João Negrinho, ele enviou a mesma com o endereço dela. Eis a carta:

Ana Paula é com muita saudade que pego na pena para traçar alguns garranchos, me perdoe por não saber escrever direito e me perdoe também, pois não sei se ainda posso me comunicar com você, pois estamos muito distantes, mas não só à distância que nos separa como também a nossa di-ferença social, sinto-me muito inseguro e acho ser uma grande ousadia de minha parte ou ser pretensioso, achando que ainda há possibilidade de es-tarmos nos comunicando, pensei muito para tomar a decisão de lhe enviar esta carta, mas o que realmente sinto, eu tenho que lhe falar gostaria muito que fosse pessoalmente, mas se assim tem que ser terei que me conformar apenas com estas escritas, a saudade é muito grande dos tempos em que brincávamos juntos, estes tempos foram para mim momentos inesquecí-veis, mas quando me lembro tenho alegria e muito sofrimento por não tela mais ao meu lado para que eu possa lhe proteger, assim como era quando éramoscriançaseadolescentesnafazendadeseupai,lheafirmoqueridaAna Paula que o meu desejo é que o tempo voltasse atrás, mesmo com to-das as Humilhações e castigos que passei na condição de escravo, eu era fe-liz por que tinha sempre você ao meu lado, mesmo às escondidas, com tudo que eu passei foram os melhores dias de minha vida, por que tinha você.

Espero que não me censure por tomar a liberdade de enviar esta car-ta, então lhe peço, que se você ache que realmente eu não deveria te escre-ver então rasgue a mesma assim eu seguirei minha triste sina continuarei achandoquevocêmeamatantoquantomeuamoréinfinitoporvocê.

Por força do destino, a carta não chegou às mãos de Ana Paula, pois naquele ano letivo havia mais alunos, então houve a necessidade da mesma faculdade mudar-se para outro endereço, um prédio maior com bem mais espaço para os alunos.

Oreitordaquelafaculdaderecomendouaosqueficaramnovelhoprédio que toda correspondência deveria ser entregue na secretaria da nova faculdade, mas por descuido ou esquecimento não entregaram aque-laremessaprocedentedaÁfrica,ficandoemumcantoqualquerdovelho

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prédio. Assim Ana Paula deduziu que João Negrinho havia feito pouco caso do endereço dela enviado por Bamydele.

Chegouàsfériasdofinaldeano,AnaPaulavemparaoBrasilpas-sar as festas natalinas com os seus pais.

Logo que ela chega, cumprimenta seus pais, em seguida vai ao en-contro de sua ama seca Maria das Dores, assim que há veja ela a beija com gratidão e ternura, mas sua primeira pergunta é se ela tem noticias deJoãoNegrinho,aamalherespondenãominhafilha,aúnicacoisaquesei é que ele viaja muito na companhia de seu patrão,

Então vou falar com Pai Bamy ele deve ter noticias dele, gostaria que a senhora me acompanhasse até a fazenda de pai Bamy, pode ser minha querida mãe preta?

Sim! Com certeza minha menina.Ao chegarem à fazenda de Bamy que era visinho da fazenda de

Orozimbo, Bamy (João de Aioka) e após cumprimentar a todos. Ela cha-mou Bamy em um canto da sala e lhe perguntou se ele sabia algo sobre João Negrinho.

Sim minha menina eu sei sim!Eu sei pelo intermédio de um funcionário do Império que traz noti-

cias para nós, não só de João negrinho, mas também de alguns dos nossos que lá trabalham, ou melhor, em Luanda, bem pelo o que eu sei João está muito empenhado em estudar para se formar, ele quer ser medico pelo que sabemosquerfazermedicinaalternativaligadaàhomeopatia,Joãoestafi-candoumnegroimportanteminhafilhajáviajouparaPortugalassessoran-doseupatrão.Eficamossabendotambémqueoseupatrãoéumapessoamuitainteressadaemajudá-lo,praticamenteadotouaJoãocomoseufilho.

E porque ele não escreve para o senhor meu Pai Bamy?Eunãoseiminhafilhaoanopassadoelememandouumapequena

carta dizendo que estava treinando para lhe escrever. A propósito você deve ter recebido várias cartas dele não é?

Nãomeupai,eunãorecebinenhumacartadele,afirmaAnaPaulajácom a voz embargada e diz com certeza ele já me esqueceu, é como o se-nhor disse agora ele é um negro importante não tem por que me escrever.

Eu tenho certeza que tem alguma coisa errada para não chegar ne-nhuma correspondência em suas mãos, por que ele não pode ter lhe es-

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quecido, quando eu estive com João eu vi o brilho em seus olhos quando falava em você, sua voz tremia a emoção era transparente e ele jurou-me que você era e sempre seria a única razão da vida dele, por favor, não perca as esperanças minha menina, alguma coisa esta errada, eu insisto.

Não pai Bamy, eu tenho que tocar minha vida apesar de João ser o grande amor que não tive, mesmo assim preciso tocar minha vidinha sem sentido pra frente, após me formar, vou procurar alguém que queira casar comigo, daqui a três anos me formo!

Então voltarei para cá e aqui eu terei que me casar, meu primei-rofilhoteráqueserhomem,paraqueeupossalhedaronomedeJoãomulato para completar o ciclo de minha vida. Não pretendo atrapalhar a felicidade de João nem em pensamento.

Após Ana Paula chorar muito, ela volta para a fazenda de seus pais sem deixar transparecer sua tristeza em não ter João Negrinho ali com ela para suas brincadeiras joviais.

As férias acabaram Ana Paula volta para Paris na esperança de con-tinuar seus estudos e tentar esquecer aquele amor impossível.

EM LUANDA

OpatrãodeJoãonegrinhocomoerabeminfluenciadoeoseuobjetivoseria ver seu melhor protegido formado, resolveu que João Negrinho não deveria mais trabalhar e se dedicar totalmente aos estudos com isto e maissuainfluenciaetambémemLuandaondeelesestavamradicadosempouco tempo estaria formado e poderia exercer sua função como medico.

João não perdeu tempo, se jogou nos estudos de cabeça, ou melhor, estudava dia e a noite, ele dormia pouquíssimo e se alimentava muito bem, até por imposição de seu patrão, pois esta era a condição.

O pouco que dormia Ana Paula não lhe saia da cabeça quase sem-pre sonhava com sua amada, mas ao mesmo tempo lhe vinha uma revolta afinalAnaPaulafezpoucocasodesuacartanãodeuàmínima.

Mas em seus sonhos sonhava estar com ela em lugares diferentes onde eles nunca haviam ido, neste lugar ele avistava um ser envolvido em folhagens e que lhe passava uma mensagem, na mensagem ele ouvia dizer

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eu sou seu guardião desde outras vidas vividas por você e no seu nascimen-to,láestavaeu,designadoparaseroutravezseuguardião,eulheafirmoque nem tudo é como você acha que é, tenha fé, pois em vidas passadas vo-cês dois já estiveram juntos e na época certa estarão juntos novamente para novas missões, imagine que o fruto só é bom para ser colhido quando está maduro assim é o amor de vocês, não se desespere, pois tudo no seu tempo.

Quando João o acorda começa a analisar aquele belo sonho, e colo-caemduvida,afinalcomopoderemosestarjuntosnofuturoseAnaPaulanão deu a mínima para sua carta, bem,.. Mas quem se revelou no meu sonhofoirealmentemeuguardiãoporqueeusoufilhodeOssanyeodeus(Orixá) das folhas, será que isto é verdade? Será que tem fundamento ou é coisa de minha cabeça? Bem eu tenho de qualquer forma me agarrar aos livros, pois tenho um pacto com meu bom patrão e amigo.

ANA PAULA EM PARIS

Ana Paula toma a mesma decisão estuda muitas horas do dia por ansiedade, ou querendo terminar logo seu curso, tem vários convites para os passeios após as aulas, mas é nos livros que ela vê a saída para esquecer-se do grande amor de sua vida.

Quando dorme também tem vários sonhos, sonhos que lhe perturba, outros que lhes traz alegria, alegria por reencontrar o seu único e verda-deiro amor, mesmo sendo em sonho, mas por não saber decifra-los, o que sonhava,assimcomoJoãoNegrinhosabia,elaficaaderiva,perdidaemseus devaneios.

Em um daqueles dias em que era prima vera em Paris e que todas asavenidasestavamfloridasAnaPaularesolvedarumapausanoslivrosevaipassearpelacidade,ondeháumcanteirodefloresqueaquelecantolhefez lembrar-sedasfloressilvestresdocampodafazendadeseupaionde ela e João Negrinho gostavam de estar às escondidas apreciando o cantodospássaroseosbeija-floressugandoonéctarquelheserampermi-tido pela mãe natureza e também dos demais animais que semelhavam a toda ingenuidade que ambos tinham em suas almas de adolescentes, este momento foi crucial para ela, desejou naquele momento que seria mais

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pratico que seus dias acabassem ali mesmo naquele jardim, pois assim po-deria estar com seu amado em espírito todas as horas, mas pensou nos seus queficaramnoBrasilcomoseriaterrívelparaseuspaisaquelafatalidade,então ela resolveu voltar para o seu quarto na faculdade onde morava para refletirmelhor.

Mais um ano letivo se passou as férias chegaram, Ana Paula resol-ve que em sua vida seria tudo ou nada, então um pouco antes das férias elaenviaumacartaparaseuspaisalegandoquenaquelefinaldeanoelanão poderia estar com eles no Brasil por que teria que fazer um curso de inglês, durante o recesso da faculdade, mas na verdade ela tinha prepara-do uma viagem para a África. Bem antes das férias, assim que concluiu suasprovasdefinaldeano,umpoucoantesdosoutrosalunos,porterelaestudado muito, ela segue com destino a Luanda capital de Angola.

Ana Paula não tinha o endereço de João Negrinho, mas sabia por Bamydele (João de Aioka) que ele trabalhava no único portuário que ha-via na época em Luanda, seria fácil encontrar-lo e dizer umas boas para eleafinaleleagiumuitomallhevirandoascostas,maselaquerialhefalarolhando dentro dos seus olhos.

Após um bom tempo de viagem Ana Paula chega à capital Angolana, se hospeda em um hotel, após um banho faz uma rápida refeição e parte para sua investida, ainda era dia quando ela começa sua procura, não demo-rou muito para o tal lugar onde situava aquele escritório e encontrar a secre-taria do patrão de João, então a secretaria lhe informou que ele fora passar suas férias no Brasil onde havia uma fazenda com alguns de seus parentes, diz mais a secretaria, se a senhorita quiser me deixar seu endereço, assim que ele voltar do Brasil eu posso passar lhe o recado, mas para isto gostaria de saber o seu nome.

Meu nome? Bem meu nome é Ana Paula.E você é daqui mesmo, digo da cidade de Luanda?Não! Na verdade é uma longa história e a senhora não iria entender

nada.AfirmaAnaPaula...AnaPaulanãoquislhedizerdeondeveio,nemqualafinalidadede

estar procurando João, por que deduziu que por puro preconceito aquela secretaria iria lhe censurar, debochando-a de sua atitude amorosa. Depois ela não estava disposta ha mais um aborrecimento bastam à decepção que

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passou com aquela longa viagem inútil. Com isto ela resolve voltar imediatamente para Paris, em seu pen-

samento um tanto pessimista ela diz pra si mesma, veja só realmente tudo está terminado o destino conspira contra mim, vou ter que esquecer João, ele foi para o Brasil, mas como disse a secretaria foi para ver seus paren-tes não a mim, como pode? Depois de tudo que passamos juntos em nossa infância e adolescência, ele deve ser agora umnegro orgulhoso afinalpelo que sei já é quase um medico, mas não precisava virar as costas para mim, ou será que ele me odeia por eu ter ido estudar na França e deixado ele no Brasil na fazenda de meus pais? Será? Só pode ser por isso. Que eu me lembre não vejo outro motivo, ou é como pai Bamy me disse! Algo pode estar errado para tanto desencontro.

Ana Paula se torna uma pessoa triste e abatida sem motivação para nada. Seus colegas de faculdade tentavam de todas as formas lhe ajuda-rem indagando-a tentando saber o que se passava com ela, a única coisa boa é que ela não largava dos seus livros, pois eles eram seus companhei-ros inseparáveis, mas havia uma lacuna enorme em sua vida, ela tentava àsvezesflertarcomalgumaluno,maspelasuatristezaeabatimentonãoera notada por nenhum daqueles jovens, estava imaculada a tudo ela se lamentava dizendo: Eu que me sentia tão bonita, tantos elogios eu recebi, agora vejo que todos aqueles que me elogiavam mentiam a meu respeito, quanta decepção meu Deus.

Porque esta acontecendo isto comigo? Sinto-me evasiva. Por que tenho que passar por situação tão degradante?Quero ser volúpia, mas não consigo!Mal sabia Ana Paula que tudo que estava se passando em sua vida,

seria para ser lapidada ou preparada para uma nova etapa de sua vida, mas com muito a fazer pela evolução dos seus semelhantes colaborando assim com sua parte na sociedade ou no social.

JOÃO NEGRINHO NO BRASIL

Após João Negrinho desembarcar no Brasil ele segue de imediato para a fazenda de seu então irmão de santo o fazendeiro Orozimbo, ao chegar a

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alegria foi geral, estavam todos na mais perfeita harmonia até doutor Sergio estava de passagem para uma rápida visita e dar as boas novas, pois ele acabara de concretizar um bom negocio, havia comprado uma fazenda bem a seu gosto, a partir dali ele se mudaria com a família para aquela pequena cidade para trabalhar como advogado e estar próximo a sua fazenda, por conseguinte, tocaria sua fazenda de gado leiteiro e também poderia advogar em algumas causas.

Após João Negrinho perguntar por Ana Paula, Bamydele lhe res-pondequenaquelasfériaselaficouemParisparaumcursodeInglêsesóvirianofinaldoanoseguintecomseucursodenormalistaconcluído,por tanto ela viria emdefinitivo. João torna a lheperguntar, você temmais informações dela, Bamy? Ele responde não João só o que sabemos é que no próximo ano ela vira para cá para lecionar segundo meu compa-dre Orozimbo ela montara uma escola principalmente para alfabetizar os nossos patrícios.

Pensou João, doutor Sergio com certeza poderá me dar maiores detalhes.

Mas doutor Sergio argumenta lhe dizendo João desde o ano passa-do eu não tive mais contato com Ana Paula, pois terminei o que tinha que concluirnaFrançaevimpararesolverminhavidaprofissional,agorasósaio daqui para ir buscar minha família.

A decepção de João foi muito grande, pois ele tinha absoluta certeza queencontrariaAnaPaulanafazendadeseupai,afinaldecontastodasasférias ela não abria mão de vir passar com os seus. Ele se esforçou muito para não demonstrar sua total decepção, pediu para se retirar por algum tempo para um bom banho e sonsinho ele caia em prantos, totalmente trân-sido. Os dias eram longos demorava muito a passar, pois quem lhe tirava daqueletédioeramseuslivrosqueficaraemterrasalém-mar,oumelhor,mais precisamente em Luanda.

JoãoNegrinhodiz:Ufa...Atéqueemfimchegouodiademinhaviagem, amo a este povo que aqui estão! Mas confesso que não tenho climaoumotivaçãoparaestaraquijuntocomosmeusafinalfaltaàpes-soa mais importante de todos eles, minha querida Ana Paula. Mas nestas alturaseladeveatéestarnoivaoucasada,achoquenãodevoficarali-mentando nenhuma esperança, vou tocar minha vida, a partir de agora

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irei arrumar alguémemdefinitivoparame casar, pois viver sozinho érealmente um tédio.

OROZIMBO EM CONSULTA COM MÃE BENEDITA

Bem, minha querida mãe, graças aos deuses, (Orixás), nós estamos, todos em paz e com saúde por aqui, as obrigações de meus Orixás estão todas na mais perfeita ordem, mas tem algo que eu nunca deixei à senhora sa-ber! Algo que eu guardei só para mim e mais ninguém, e eu preciso muito desabafar, ou melhor, jogar pra fora o que penso e que tenho certeza do que esta se passando.

Responde mãe Benedita: O que você tem a falar comigo, esta rela-cionadaàAnaPaulaeonossoJoãoNegrinho!Nãoémesmo,meufilho?

É... Minha mãe a senhora é fantástica, acertou no alvo.Bem! Eu poderia lhe falar a respeito, diz mãe Benedita: Mas quero

ouvirdevocê,queroquevocêmefale,afinalsaindodesuaboca,seráaoportunidadedevocêsedesabafar,jogarparaforaoquelheaflige.

Então Orozimbo começa a narrar: Bem desde que Ana Paula e João eram pequeninos eles queriam estar sempre juntos, tenho muito remorso pelooquefizcomaquelemenino,poreleamarminhafilha,Joãoapa-nhou muito a ponto de quase morrer, se não fosse meu compadre Bamy-dele com certeza ele haveria morrido.

Orozimbo teve que dar uma pausa, pois seus olhos se derramavam em prantos chorava desesperadamente! Mãe Benedita por sua vez coloca acabeçadelesobreseucoloeacalentaaquelesenhortodopoderosofinan-ceiramente, mas completamente sensível e vulnerável em seu atual modo de pensar.

Após uma pausa e um delicioso chá de cidreira preparado com muito carinho oferecido por mãe Benedita ele continua sua narrativa.

Bem... Da mesma forma que eu deduzi que João foi embora por amarabsolutamenteminhafilha,assimtambémeusintoqueesteanoelanão veio passar suas férias com nós, por que Ana Paula imaginou que não estaria aqui o grande Amor de sua vida por amar demais aquele rapaz meu irmão de santo ela se abdicou de nós. Mal sabe ela como hoje ele

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é tão querido por mim e os meus, tem mais, mãe Benedita seria de bom grado se hoje eles se tornassem um só, marido e mulher pra mim e minha família seria um presente dos deuses, pois vejo que ambos já estiveram juntos em vidas passadas. Eu na condição de sacerdote com o cargo de Oju-oba vejo claramente que ambos estão destinados um para o outro.

Você esta certíssimo. E a união de ambos que aconteceu no passa-do, ou melhor, em vidas passadas foi exatamente no coração da África meufilho,AnaPulaeraumanegralindaemuitomeigaassimcomoelaainda a é, mas suas vidas passadas foram interrompidas e nesta vida eles vieram para cumprir juntos seus desígnios. Completa mãe Benedita; eles voltaram para darem continuidade no que fora interrompido em suas vi-das passadas e ela era sua esposa e lhe assessorava.

Em um futuro muito breve Ana Paula será uma excelente educa-dora, continua argumentando mãe Benedita com total segurança de suas palavras.

Orozimbo responde: Mas temos que pensar em alguma coisa, pois com certeza João Negrinho vive totalmente desiludido achando que é um absurdo ou totalmente impossível sua união com Ana Paula. Ele esta pen-sando seriamente em se casar, responde mãe Benedita: Ainda não tem nin-guém em seu caminho, mas como Olorum nos deu a liberdade ou livre arbitre de fazer de nossas vidas o que bem nos entender, João poderá muito bem desviar seu destino e casar-se com outra pessoa.

Então o que a senhora me aconselha minha mãe? Pergunta Orozim-boaflito:Istoteráqueficar,aoseucritériomeufilhosigaseucoração.

Mas, será que posso consultar meu grande amigo e compadre Bamy?

Comcertezameufilho!Afinal,eleéesempreseráseumelhorami-goeconselheiro,afinaleleéumverdadeiroestrategista,portantovocêsdois juntos chegarão a um consenso.

OROZIMBO E BAMYDELE

Era maio, faltavam uns meses para Ana Paula se formar, os estudos de João se concluiriâo no ano seguinte por que seu patrão e amigo, senhor

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Manoel tinha bons relacionamentos com todas as autoridades da cidade de Luanda, então senhor Manoel de comum acordo com João Negrinho fez com que ele estudasse período integral para que o tempo de faculdade fosse mais curto, senhor Manoel tinha como meta concluir a faculdade daquele rapaz tão inteligente e gentil, assim também quando João se tor-nasse um medico senhor Manoel tinha como objetivo voltar para sua terra emdefinitivoeseaposentareassimseseguiucomestespensamentos.

Após Orozimbo esgotar o assunto com Bamydele, dona Ana e Nylonda e principalmente mãe Benedita, concluíram que Orozimbo estava certodeveriaviajarparaEuropanacidadedeParisaoencontrodesuafilhae após se possível ir até Luanda para ter com João Negrinho, mas Orozim-bo achou melhor convidar sua esposa e Bamy juntamente com Nylonda, paraestaviagemquedurariaumbomtempo,ficandoasduasfazendasaoscuidados de João da Cruz o pai de João Negrinho, João da Cruz sugeriu que seria muito bom se neste tempo ele pudesse contar com a assessoria de doutor Sergio na parte administrativa, pois ele sabia que doutor Sergio com certeza iria gostar da idéia por que para ele seria uma boa experiência e também porque havia muito a fazer nas duas fazendas.

Após conversarem com doutor Sergio ele aceitou de imediato e disse que não precisava nem ser remunerado, pois seria um excelente aprendizadoecomistoeleficoumuitogratoaJoãodaCruz.

VISITA À ANA PAULA EM PARIS

A viagem dos dois casais seguia em plena harmonia, seria umas longas ferias!

Elesficaramdeslumbradoscomtudoquevia,atéentãoOrozimboesua esposa já mais teriam visto o mar e um navio de primeira classe, pois nunca tinham saído dos arredores de suas fazendas.

Nylonda por sua vez, calada e pensando consigo mesma. Recosta-da sobre o navio ela relembrava como viera da África em porão de navio negreiro, só não foi violentada por que ela rogou muito aos deuses (Ori-xás), mas foi por pouco que isto não aconteceu, por que se isto houvesse acontecido ela preferiria morrer a ter que encarar seu amado esposo.

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Bamydele foi é... E será para sempre o único homem que ela co-nhecera na intimidade, ELA agradecia muito a Olorum por ter a família e aquele bom convívio com sua comadre Ana e seu esposo Orozimbo, voltando-se para os demais ela diz: É,e,e hoje sou feliz, só sinto não poder tertrazidomeufilhoparacompartilhardestaalegreviagemqueiremosfazerouqueestamosiniciando,masafinalelenãopoderiatervindo,poisBamyachoumelhorqueeleficasse.Afinalelejáestasepreparandoparaestudar e ser um grande homem assim como seu pai o é.

MeufilhoestásobosolhosouaoscuidadosdemãeBeneditatenhoabsoluta certeza que mãe Benedita e a baba dele, não lhes deixarão lhe faltar nada.

Bamy comenta; Esta vendo meu compadre como sou amado... Nes-tas alturas já havia passado meia hora que os tripulantes embarcaram. E estranhamente Bamy faz um sinal como se estivesse chamando alguém do outro lado do convés.

Após Nylonda olhar para saber por que Bamy chamava alguem, ela ouve um sussurro, em seguida uma voz suave e familiar e logo que aquela voz se torna mais próxima ela percebe que é uma criança, então Nylondaolhaatentamenteepercebequesetratadeseufilhojuntamentecom a baba, ela então pergunta: Mas o que esta acontecendo? Como meu filhoveiopararaqui?

Dona Ana lhe responde: Armamos uma cilada pra você, minha co-madre, ou melhor, uma bela surpresa.

Bamy lhe diz: Você acha que teu marido deixaria o nosso maior tesouro longe de você? Pois sei muito bem, minha amada que você topou deixar nosso menino aos cuidados de mãe Benedita para não me con-trariar, por isso cada dia que se passa mais eu te admiro e o meu amor aumenta mais e mais.

Completa,Orozimbo:Nóssabíamosqueestaviagemsemmeuafi-lhado não teria a menor graça, nem para nós e principalmente para você minha querida comadre.

Orozimbo diz: É... Não sei o que seria de mim se não fossem vocês, pois eu estava fazendo tudo errado em minha vida, tive uma educação arcaica, onde a traição com as esposas e maus tratos com os meus seme-lhantes eram coisa do dia a dia ou de rotina, como pode tanta ignorância?

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Como eram meus antes passados, com vocês aprendi o que é a solidarie-dade o amor ao próximo e hoje percebo que amo minha esposa e gostaria deaproveitarestemomentodeplenareflexãoparapedirperdãoaminhaamada esposa pelas traições cometida no passado, pois o homem pra ser homem, tinha que ser frio calculista e até ter amantes, este era o homem de verdade no conceito daquele povo ou daqueles homens de educação medieval, daqueles senhores anacrônicos, eu não sabia o que era o amor. Hojepossoafirmarquedofundodomeucoração,omeuamoréincondi-cional que sinto por minha querida Ana.

Logo após o navio sapar com destino a Europa, com o final daviagem em Paris. A viagem segue tranqüila. Onde seria servido a eles um excelente café da manhã, almoços e jantares, tudo era novidade para os dois casais, um serviço cinco estrelas eles estavam em opulência ou ad-mirados com abundancia e também a gentileza dos funcionários daquele navio, alem do luxo e esplendor daqueles dias a esposa de Orozimbo, dona Ana estava deslumbrada e comentava se aquilo tudo seria real ou era só um sonho. Então todos eles muito felizes na maioria das vezes apreciando ou admirando a beleza incontestável que o mar e a natureza de um modo geral lhes proporcionavam, até quando Bamy e Nylonda são notados por um grupo de cinco senhores que estavam de viagem naquele navio também com destino a Paris.

Em seguida os dois foram abordados por aquele grupo, ironica-mente um se vira para o outro e pergunta: Como pode um casal de negros, viajarem na primeira classe misturando-se com brancos? Isto é um desa-tino vou reclamar para o capitão do navio.

Orozimbo já irritado se dirige em direção aquele grupo e pergunta, por acaso o senhor esta insinuando que meu amigo não pode estar aqui viajando na primeira classe?

É exatamente o que o senhor ouviu eu vou chamar o capitão para colocar estes negros nos porões do navio, donde eles não deveriam ter saído.

Orozimbo responde pelos seus comportamentos vocês devem ser no mínimo fugitivos.

Outro dos senhores daquele grupo sussurrou para os demais: Bem queHaroldodeveriaficarcalado,poisbocacaladanestasalturasseriame-

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lhor para nós Har4oldo só fala bobagem.Mas Haroldo tocado pela bebida continua a provocar Bamy e Oro-

zimbo. E Malaquias na intenção de se safar da acusação de Orozimbo diz;. O senhor esta nos acusando e não tem ideia com quem esta falando.

Bem... No mínimo estou falando com um bando de preconceitu-osos ignorantes, virando-se para o outro Orozimbo completa: E você. Moço... Bem que deveria ir curtir sua cachaça em outro lugar.

Quando dois deles partem para agredir Orozimbo ele puxa da cin-tura uma garrucha dourada e lhes diz, vocês preferem voltar para seus lugares ou conhecer mais de perto estas águas salgadas?

Um terceiro do grupo responde vamos com calma, guarde sua arma e resolveremos este caso sem violência.

Nylonda apesar de ser muito educada, mas sabendo que naquele momento teria que ser irônica então ela diz aquele grupo: Se os senhores não se sentem bem em nossa companhia então sugiro que pegue um da-queles botes assim quem sabe viajarão mais à vontade.

Quem é você sua negra? Para pelo menos nos dirigir a palavra res-ponde Haroldo.

Nisto chega o comandante do navio (capitão Tobias) com mais três marinheiros e o imediato, bem queremos saber com quem estamos via-jando, por tanto quero documentos de todos vocês. E quero que saibam que aqui abordo deste navio à autoridade máxima sou eu.

E após o capitão argumentar, foi todos para uma sala ao lado pró-pria para interrogatórios e com esta atitude não constrangeria os demais passageiros.

O primeiro a ser interrogado seria Bamydele, mas Orozimbo in-tercedeu e disse, este homem é meu ex-escravo e hoje é o meu melhor amigo e também meu braço direito e pertence a minha família, por tanto, eu respondo por ele.

O capitão pergunta: E o senhor quem é o senhor e quero saber se porta algum documento?

Bem... Eu sou fazendeiro. Quero ver seus documentos, pois não quero cometer nenhuma in-

justiça,afirmaocomandante:Quebom,assimpossoficarmais tranquilo...DizOrozimbo:Sa-

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bendo disto, ou melhor, que o senhor não cometera nenhuma injustiça eu ficareimaistranquilo,aquiestaosdocumentosdeminhafazenda.

Espero que o senhor saiba que para seu amigo viajar principalmente para outro país ele terá que ter uma autorização especial, ou estar acompa-nhado de uma autoridade competente.

Um dos cinco do grupo responde com certeza este pessoal estão viajando na clandestinidade, pois o único documento que eles têm é de uma fazenda.

Tobias o capitão diz, sem mais delongas, o senhor tem os documen-tos pessoais?

Sim tenho! Aqui esta, as passagens e uma cópia dos documentos de minhas propriedades.

Repito-lhe,queistonãoéosuficiente,respondeocapitãodonavio:Esta bem... Aqui nós temos também uma carta de salvo conduto do

senhor João de Ayoká ou Bamydele e também minhas credenciais.O capitão leva um susto e diz, o senhor tem aqui uma credencial e

uma declaração dizendo que o senhor tem tambem um titulo de conde das Minas Gerais, Por tanto estamos falando com uma autoridade do Império.

Nylonda responde: É meu senhor ele é amigo intimo do Imperador.O capitão do navio pede mil e uma desculpas pelo transtorno e diz:

Que aquele navio estaria ao inteiro dispor de senhor Orozimbo e que também seria uma honra navegar na companhia de uma autoridade daquele naipe.

Orozimbo por intuição dos deuses imaginou que aqueles homens deviam Algo para a justiça, então ele diz, bem agora vamos averiguar o proceder destes senhores, Que tal senhor comandante? Vocês nos mostrar seusdocumentos?Afinalagoraéavezdevocês,poisassimseforemdeboacondutatudoficarabempodemosatéseguirviagemcomobonsamigos.

Nós três somos procedentes do Brasil embarcamos no Rio de Janei-ro e eles dois são de Portugal.O capitão interroga! E o que os senhores irão fazer em Paris?Nós?... Bem... Vamos a passeio.

Ocapitãoficoudesconfiado,poisnãosentiuqueossenhoresesta-vam sendo verdadeiros.

Então eles sacaram uns papeis de suas bagagens e disse: Aqui estão os documentos e uma carta de uma autoridade do Império do Brasil.

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Em todos os documentos de Orozimbo havia uma chancela ou ca-rimbo confeccionado com os devidos cuidados e uns números em forma de código, na confecção da chancela havia cera de abelha e borracha, era de uma cor rosada, porem, as chancelas dos documentos daqueles senhores se percebiam a olho num que só havia borracha e estava com um tom desbotado e a borracha que havia estava ressecada, e o capitão que era um exime conhecedor daqueles documentos por lidar diariamente comidentificações.Deduziuqueaquelesdocumentoseramimproceden-tes,eocapitãoachouquesetratavadeumagrosseirafalsificação,masnão deixou transparecer suas suspeitas, pois queria saber mais daqueles meliantes para então tomar as atitudes de acordo com as leis em vigor, em seguidaordenouaoimediatoeaosmarinheirosquefizesseumarevistanas bagagens daquele grupo, mas nada encontraram.

AbabaeofilhodeBamydeleforamosúltimosaentraremnonaviona hora do embarque, então o menino que estava com cinco anos já com-preendiaalgumacoisa,afinaleleeracomoopai,muitoespertoecuriosopara sua idade, o menino diz:

Se os senhores estão procurando as coisas que estes moços trouxe-ram, tem um montão lá embaixo, eu escutei um deles falar que as pedras eles iriam deixar lá em baixo. E apontando para o porão, o menino abriu os braços e disse: Eles levaram um saco deste tamanho.

No mesmo instante o capitão disse aos senhores: Vocês estão deti-dos para averiguação, mas acho que estão encrencados, logo após o ca-pitão e seus auxiliares desceram ao porão do navio e foi constatado que havia um funcionário que dava cobertura para os delinquentes e havia uma boa quantia de pedras preciosas que estava sendo contrabandeadas, bem... Agora vocês serão presos e em seguida deportados e voltarão para o Brasil e presos pelas autoridades competentes, La irão responder pelos seus crimes, enquanto isto vocês viajarão no porão presos em uma cela não muito confortável.

Logo após a viagem continuou: Os comentários é que estaria surgin-do um novo herói eles se referiam ao pequeno Bamy que com muita esper-teza delatou aqueles contra vetores.

ApósalgunsdiasfinalmenteeleschegamàbelacapitalFrancesaem Paris.

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Bem: vamos fazer uma bela surpresa a Ana Paula. Após procura-rem o endereço, logo ela foi encontrada e a comoção pelo o encontro foi emclimade felicidade, ela abraçoua todosficouum tantoquantoadmirada com a desenvoltura do pequeno Bamy, mas tanto seu pai como os demais notaram que Ana Paula por mais que se esforçasse e tentasse esconder não estaria bem.

Então seu pai lhe diz: Vamos diga para o seu velho pai o que esta sepassandonesteteucoraçãoaflito,poiseunãovejoemvocêaquelame-nina alegre e cheia de vida, com certeza você pensa que estamos aqui, só porpasseioouparatevisitar,nãoémesmominhaqueridafilha?

Sim!... Responde Ana Paula: Que eu saiba não vejo mais nenhum motivo meu pai.

Mas, temos um excelente motivo para estar aqui alem de vir te buscar e aproveitar para fazermos esta gostosa viagem.

E qual seria este excelente motivo?Orozimbo tocando com suavidade e respeito nos ombros de Bamy-

deledizafilha:Pergunteaseupaipretoporqueestamostodosjuntosetão longe de nossa casa.

Responde Bamydele: veja minha menina: Seu pai sabe e sempre soube dos seus sentimentos em relação a João Negrinho, mas como você pode observar ele mudou muito seu conceito, mas meu compadre só teve certeza do que se passava com você ou em seu coração, Ana Paula, após eletambémsentiroamorfluiremsuaalma,tantopelosseussemelhantes,como também e principalmente por sua amada esposa, ou melhor, pela minha querida comadre Ana, e estamos aqui por que fomos impulsiona-dos por nossa querida Mãe Benedita.

E também estamos aqui, porque achamos que seria um presente para você, nossa visita, exatamente na conclusão do seu curso. Por tan-to com carinho e também por sugestão de seus pais viemos convidá-la para nos acompanhar em uma viagem bem mais longa do que esta que fizemos.

E onde vocês pretendem ir seus aventureiros? Pergunta Ana Paula. Pretendemos ir visitar João negrinho lá em Luanda.

Não!... Eu não posso ir, literalmente não pretendo vê-lo se vocês acha que sinto algo por aquele cidadão? Se for assim que pensão, estão

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muito enganados, esqueçam vão, vocês eu com toda certeza irei para o Brasil vou arrumar um bom moço e me casar.

MinhafilharetrucadonaAna:vocênãopodedesistirdasuafeli-cidade,euseimuitobem,comoéestacoisadocoração,tantoqueeufizque conseguisse conquistar o coração de seu pai, pois ele sempre foi o grande amor de minha vida, hoje sou uma mulher realizada, mas tive que ter muita paciência e pedir a nossa senhora ou a minha mãe oxum a deusa do amor assim como vivo pedindo pela sua felicidade juntamente com o nosso João negrinho, prova disto que estamos todos juntos, digo do teu ladoafinalonossomalditopreconceitoacabouassimcomovocêpodever claramente.

Nylonda por sua vez lhes disse: Ana Paula, eu e Bamy somos tes-temunhosvivosdoquetivemosquenossacrificarpararealizaroquedemais precioso guardamos em nossos corações: O amor, o amor verdadei-ro não renuncia a nada enfrenta qualquer barreira, imagina você que co-nhece bem a minha história com Bamy desde nossas adolescências assim como eu já tive oportunidade de lhe contar! Lembra-se? É me lembro muitobem!AfirmaAnaPaula.

Orozimbo outra vês usando seus blefes diz a Ana Paula: Se você se casar com outra pessoa e não com João Negrinho não terá minha benção.

Mas no caso de João ele nunca me mandou uma carta se quer isto mostra a sua indiferença em relação a mim provavelmente ele nem se lembra mais dos bons tempos que passamos juntos. Juntos eu e ele na-quela deliciosa fazenda. Fazenda que tenho boas e doces lembranças meu pai! Ele não pensa mais em mim, ainda mais agora que já é quase um medico. Com isto ela começa a chorar

Estabemminhafilha!Respondeseupai:Nãochore,prometoquenão lhe forçaremos a nada que não for de sua livre e espontânea vontade, não, nada que você não queira, só estamos aqui para te apoiar, minha queridafilha,aquiloqueforbomparavocêserábomparamimetuamãetambém, mas quero que saiba que admiro muito a você pela tua pujança ou coragem de vir para tão longe. Longe dos seus e do conforto de seu lar para esta grande aventura que se passou em sua vida e que agora você com muita dignidade concluíram meus parabéns. E que os deuses e Olo-rum lhes de tudo que for para o seu bem estar.

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A CARTA

Passaram-se uns dias era hora de voltar; Ana Paula decidiu que viria para o Brasil e que os demais poderiam continuar com sua turnê.

Na faculdade ela recolhe todos seus pertences em seguida um fun-cionário lhe chama e diz a ela: senhorita Ana, aqui tem uma carta ende-reçada a você o reitor mandou lhe pedir mil, desculpas. Pois esta carta esta entre os arquivos mortos desde há muito tempo, por descuido não foi entregue em suas mãos, ela esta datada desde a época em que foi mudada a faculdade para o novo prédio.

Ana Paula pega a carta agradece ao funcionário e sem dar muita importância, coloca a mesma junto a suas fotos e outras correspondên-cias, ao chegar a seu alojamento lá estava sua família lhe aguardando para um jantar em um restaurante para comemorar por antecipação a sua formatura, quando ela começa a tirar seus pertences que trouxera da fa-culdade, como se alguém empurrasse sua mão, cai sobre o chão à carta que lhe foi entregue na faculdade, então ela coloca sobre a cama, para entãocommaiscalmaelairialer.Malsabiaquenaqueleinsignificantepedaço de papel estava depositada toda sua felicidade.

Seu pai lhe comprara um belo presente, mas a ansiedade dele para entregar o presente fez com que ele quebrasse o protocolo não conseguiu esperar o jantar então chamou os demais e foram até o seu quarto para presenteá-la, quando lá chegaram, Ana Paula com a carta em suas mãos estava chorando, então dona Ana lhe pergunta: Por que esta a chorar, minhafilha?Elarespondeu:estetempotodoeuchoreidetristezaagoraestou chorando de alegria, veja, João Negrinho me ama realmente; Esta carta me foi entregue só hoje, mas foi enviada para mim a muito tempo e nesta carta ele me faz uma bela declaração de amor bem que meu pai Bamy me disse que havia alguma coisa errada para tanto desencontro, agora entendo tudo e estou disposta a ir com vocês para trazer pra mim meu único e verdadeiro amor, como vocês são maravilhosos eu amo cada um de vocês, vamos ao jantar e se preparar para nossa aventura, até Lu-anda a capital de Angola.

A viagem transcorreu em um Ambiente de alegria e descontração.

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JÁ EM LUANDA

Finalmente chegaram a Luanda em clima de festa apesar dos problemas político que havia várias represálias pela invasão de europeus principal-mente Portugueses que pretendiam colonizar o continente Africano.

Assim que chegaram, se hospedaram em um hotel próximo ao cais do porto faltava pouco tempo para João se formar e o que eles não sabiam é que João estava de casamento marcado para aqueles dias, então eles foram a sua procura. E nesta procura encontraram seu patrão e sua secre-taria, perguntaram por João Negrinho e o seu patrão senhor Manoel, lhes disse que ele estava ausente por uns dias, pois estava estagiando em um hospital distante de Luanda, mas que eles deveriam aguardar dois a três dias que certamente João estaria de volta.

Bem, disse o patrão de João: vocês são meus convidados para um almoço,assimsendoeupossacomemorarestasnovasamizades,afinalgostaria muitíssimo de poder lhes chamarem de amigos, porque João só sabe falar de sua bela terra das pessoas que lá deixaram e principalmente de uma jovem chamada Ana Paula. E assim vocês poderão falar de sua terra e de suas aventuras, de tanto João comentar de vocês, eu estou muito curioso para saber suas sagas e quero um dia conhecer a amada de João Negrinho a moça negra que se chama Ana Paula.

O patrão de João continua a falar: Bem... Até agora só sei o seu nome, senhorOrozimbogostariadeconhecerumporumdevocêsassimficaramais excitante, pois sei o nome de vários de vocês só não sei quem é quem.

Orozimbo começa com suas apresentações, citando o nome de um por um deixando propositalmente Ana Paula por último, quando o patrão de João percebe que Ana Paula é aquela linda jovem, senhor Manoel tentou sedesculparporterdito,oquantoJoãooamavasuafilha.MasOrozimbolhe responde que o motivo de estarem em Luanda era exatamente para que Joãotambémsoubesseoquantoeleéamadoporsuafilhaeporeles,nestemomentosenhorManoelsente-sedesconcertadosuafaceficarosada,dei-xando transparecer algo misterioso, tenta de imediato mudar de assunto, em seguida ele diz que iria tomar um banho e se preparar para o almoço.

Bamy achou um tanto esquisito o comportamento de senhor Mano-el,masnãoquiscomentaroassuntoficounaespreitaparasaberoquese

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passava em relação a João.De volta para o hotel para aguardar senhor Manoel, Bamy comenta

com sua esposa que algo estava errado porque ele notou no semblante do patrãodeJoãooquantoeleficoudesconcertadoquandoOrozimbofalouquem era Ana Paula e o quanto ela a amava João, por tanto você não fala para compadre Orozimbo, mas vou dar uma saída e tentar falar com senhor Manoel antes do almoço porque se for algo grave não devemos falar. Ana Paula não devera saber por enquanto. Nylonda lhe responde vai tranquilo que eu sei como falar de sua ausência.

Devoltaaocaisdoportoqueficavapróximoaohotel,Bamyen-contra o patrão de João e lhe diz: senhor Manoel pelo que lhe falamos o senhor sabe o quanto João foi meu grande companheiro e talvez o senhor não se lembre, mas quem estava com ele quando o senhor o conheceu sou eu.

Responde Manoel: A... Sim é mesmo! Agora que eu consegui asso-ciar você com a pessoa que estava naquele dia com João quando desem-barcamos.

Bamy pede desculpas pelo atrevimento e lhe diz: Eu notei que o senhor mudou de conversa quando meu compadre lhe falou quem era Ana Paula e o quanto ela ama João Negrinho na verdade eu gostaria de saber o que realmente esta se passando com meu amigo João antes que eles saibam, pois me parece que ele não foi a nenhum estagio, mas vejo que o senhor esta escondendo algo.

Senhor Manoel diz: É... Realmente o senhor é muito esperto e acer-tou no alvo como diz o ditado. Realmente ele não foi a estagio nenhum, acontece que na verdade ele ira se casar depois de amanhã, mas creia não é davontadedelenemédomeugosto,maseleachaquecasandotudoficararesolvido em relação a sua vida amorosa e que só assim ele poderá esque-cer seu grande amor, o seu sentimento que tem por Ana Paula.

Surpreso com que acabou de escutar, Bamy diz meu Deus e agora o quevamosfazer...Joãoficoulouco!Ondeeleestanestemomento?

Responde senhor Manoel: Ele esta em uma aldeia próximo daqui, em parte eu não menti, pois ele foi nesta aldeia para tratar de doentes na condição de estagiário e voluntario e o resto você poderá saber quando falar com ele pessoalmente.

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É... Meu amigo ele esta tomando esta atitude por amor! Amor a você e pela a grande estima e amizade que ele tem por senhor Orozimbo, tudo isto que ele esta para fazer é para preservar o amigo, porque ele acha que é um afronto lutar pelo amor daquela linda jovem e também ele imagina que ela nunca lhe amou, agora eu lhe pergunto meu amigo o que devemos fazer para evitar esta catástrofe, quero que saiba que João para mimécomomeufilho.Ofilhoqueeutinhaeperdiaindaquandoeleeraumadolescente,meumenino eraumbelomestiço,filhodeuma lindanegra que morreu em uma destas minhas viagens aventureiras. Morreram contaminadosporumvírusquecontraíramemumnavio,entãoeufiqueisozinho sem as pessoas que eu mais amei.

Por isso eu adotei João; E hoje ele é um homem de bem enquanto ele não se casar e poder tocar sua vida estarei sempre ao seu lado, à dis-posição dele, pois pelo ser humano que ele é aprendi a amá-lo como se fossemeufilhosanguedomeusangue.

Bem... Responde Bamy: eu bem que poderia ir até esta aldeia se-questrar João e fugir. Seria a solução mais cômoda e covarde, então isto não venha ao caso, eu acho que temos que encarar a situação de perto, como tem que ser.

Onde será o cerimonial? Pergunta Bamy.Será nesta mesma aldeia próximo de Luanda como manda a antiga

tradição deles e gostaria de lhe prevenir que eles lá nas aldeias são radi-cais,violentoseconservadoresafirmaManoel:

Bem... Se Ana Paula realmente ama João Negrinho ela terá que passar por uma ultima prova.

E como será esta prova, meu amigo? Pergunta Manoel.Ela terá que passar por um grande vexame!Como assim? Porque passar por isso.É o seguinte: Em todas as aldeias do continente Africano o casa-

mento de qualquer pessoa só poderá ser realizado se os pais de ambas as partesestiveremdeacordo,porconseguinte;Ofilhohomempoderácasarsem o consentimento do seu pai se ele for nascido em uma das aldeias e seu pai estiver morto, mas se o pai for vivo então terá que haver um acor-do ou negociação entre os pais, acontece que João nem é nascido na áfrica e sim no Brasil e seu pai esta vivo.

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E como poderemos provar que seu pai ainda vive?Nestas alturas serei eu o pai de João, basta que o senhor com as suas

influenciasperanteasautoridadeslocaismeconsigaumadeclaraçãoquesou o legitimo pai de João. Idade para isto eu tenho, pois não sou mais um jovem igual a ele e após eu falar com o pai da sua atual noiva ou com o líder deles terei que dizer que ele abandonou uma moça grávida e que ela não é do nosso povo e sim do Brasil, então eu vim buscá-lo e como castigo eleassumaapaternidadedeseufilho.

Mas pra que a declaração? Pelo o que eu sei nas aldeias ninguém sabe ler ou escrever! Diz o senhor Manoel;

Bamy lhe responde: Vai que tenha alguém que saiba ler, por tanto é melhor que estejamos prevenidos, nestas alturas é melhor prevenir do que remediar.

E quanto a Ana Paula ela terá mesmo que estar presente? Pergunta senhor Manoel:

Sim... Ela terá que passar por este vexame: responde Bamy. E mais, teremos que levar vários presentes para o povo da aldeia, por tanto será necessário descobrir quantas pessoas habitam no local mais ou menos, e pra isto precisamos correr contra o tempo.

Bem... Quanto a isso você não se preocupe, pois este levantamento eujátenhoemmeusarquivos,afinalfazerosensodestepovofazpartedemeutrabalho,afirmasenhorManoel.

Logo após eles planejarem bem o que deveria fazer senhor Manoel diz: Bem... Senhor Bamydele... Estou morrendo de fome, vamos dar a ma e boanoticiaaosenhorOrozimboesuafilhaAnaPaula,mastemumacondi-ção que eu vou impor, se der certo este nosso plano vocês terão que me con-vidar para o casamento de Ana Paula com meu protegido João Negrinho.

DURANTE O DELICIOSO ALMOÇO

Após almoçarem, Bamy pede a atenção de todos e diz: eu tenho uma boa e uma ma noticia para você, Ana Paula... Espero que receba a ma noticia, só que você tem que me prometer que terá calma para que eu possa lhe dar a boa noticia.

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Perguntaamoçajáaflita:OqueaconteceucomJoão,paiBamy?Por favor, não me esconda nada. Ele esta bem! Responde Bamy: Só que esta de casamento marcado,

mas todos nós sabemos que esta atitude dele e por desespero ou desilu-são e por querer preservar a amizade de compadre Orozimbo ou só por nãoquererficarsozinho.SenhorManoelqueconvivecomeleaumbomtempo sabe muito bem que o grande amor de João é você minha menina, porquealemdosenhorManoelserseuatualtutortambéméseuconfi-dente e nós também sabemos do amor que este moço sente por você. E se você realmente o ama então terá que passar por mais uma ultima prova ou umdesafio,afinalodestinoosseparouporumbomtempoeagoraéhorade vocês se reatarem para cumprir seus destinos. Por isto você precisa ser forteeconfiaremmimsederalgumacoisaerradaeusereiresponsável,mas tenho certeza do que vou fazer... por isso farei de tudo para dar certo omeuplano,porqueconheçobemestepovodasaldeias.Afinaleunopassado já fui líder absoluto deles, portanto conheço todas as manobras paraquecheguemosondeteremosdechegar,porfavor,confieemmimenãochoremaisminhafilha.

Após Ana Paula se acalmar sua mãe convida ela e Nylonda para andar a pé porque assim seria mais fácil para a Jovem Ana se recompor.

Mais tarde todos se encontraram no escritório do senhor Manoel, então foi o momento certo para Bamy colocar sobre a mesa seus planos na tentativa de tirar João Negrinho daquela situação e trazer de volta para os braços de Ana Paula, mas se algo desse errado? Poderia custar a vida de Bamydele, porque o povo da aldeia era radical. Senhor Orozimbo e sua esposa sabendo do perigo que seria para seu compadre e amigo acharam melhornão fazeresta tentativa,masnãohaviaoutromeio,afinal Joãonestas alturas já estaria incomunicável segundo os costumes das aldeias e se preparando para cerimônia religiosa.

NA ALDEIA

Ao chegarem próximo a aldeia eles perceberam um grande movimento, eram os preparativos para o acontecimento, Bamy se vestiu a rigor como

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sefosseumdasaldeiasvizinhaseseinfiltrounomeiodelesparadesco-brir porque aquele povo aceitou um forasteiro em seu convívio, então ele começou a indagar um dos que lá habitava, mas para que ele conseguisse o queria saber, Bamy se apresentou como líder de uma aldeia distante a aldeia dos Emdembus, ou melhor, era ele um convidado de honra.

Então o morador da aldeia, disse-lhe que aquele homem o fo-rasteiro era um mágico, pois conseguiu ressuscitar uma mulher já com aproximadamente cinquenta e cinco anos, e que o líder deles as deu de presente para aquele forasteiro, mas na verdade o que o chefe da aldeia queria era segurar aquele homem para que ele se tornasse morador na-quele lugar, pois ele seria muito útil para sua aldeia, mas que só tinha um meio para ele se safar do líder ou chefe da aldeia e não se casar com aquela velha e feia.

Bamy não esperou o homem completar o que faltava lhe dizer, pois após aquela preciosa informação ele já saberia como tirar seu amigo da-quela enrascada voltou para seus amigos e contou com detalhes o que estava se passando realmente com João Negrinho, e que ele estava sendo coagido por ter usado seus conhecimentos da medicina para curar uma mulher de cinquenta e cinco anos mais ou menos, eles pensaram que João era um mágico então por isso ele seria como um tesouro para o líder da aldeia, pois sua intenção com certeza seria usar as tais mágicas de João para várias façanhas.

Bamy falou para Ana Paula: Agora é sua vez. Você ira passar por um vexame, mas terá que ser assim: esta disposta a tal vexame?

Sim, reponde Ana Paula: farei qualquer coisa para estar com João Negrinho, ainda mais agora que tenho todo apoio de meus pais e a certeza do amor de João por mim... Agora diga pai Bamy; O que tenho que fazer.

È constrangedor, mas terá que ser assim, pois Não achei outro jeito, o que vou mandar você fazer, mas temos que ser astutos e corajosos. Pode falar que eu farei, Responde Ana Paula: Sou capaz até de me rastejar feito umacobraparatirarmeuamordequalquersituaçãoeafinalestamosjun-tos e somos um pelo outro, não é mesmo pai Bamy?

Bem... Você terá que colocar estas roupas debaixo do seu vesti-do para parecer que esta esperando bebe, e o resto deixa comigo. Meu compadre e minha comadre dirão que são seus pais, mas só falarão se

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for necessário eu e Nylonda vamos dizer que somos pais de João e ele porseromeufilhomaisvelho,alemdeterqueassumiragravidezdeuma mulher branca como castigo, de Ana Paula, também é o provedor de minha família por tanto ele terá que ir embora com noz, pois já es-tamosficandovelhoseeleteráquenosassumirtambémporseromaisvelhodosfilhos,masseelesresistirementãoentrasenhorManoelcomoautoridade de Luanda, porque como nós sabemos é os portugueses que estão sendo os austeros em Angola, eles querem colonizar este país então senhor Manoel como é de Portugal, ninguém melhor do que ele para di-zer que próximo dali tem muitos soldados que os levarão como escravos, mas que, se eles toparem o acordo nada acontecera com sua aldeia.

E assim foi feito, mas o líder da aldeia disse só podemos liberar seu filhoapósduasluasparatermoscertezaqueossenhoresnãoirãoatacarnossa aldeia.

Então Bamy lhe pergunta qual a garantia que teremos?Disse o líder: eu sou descendente dos kuabas, por tanto você tem

minhapalavra,masseminhaaldeiaforatacadaprimeiraseufilhomorre.Disse Bamy: Como prova de nossa palavra e amizade trouxemos

presentes para seu povo, porque não queremos inimizades e sim a paz entre nossas aldeias.

Este senhor é um bom homem, você pode acreditar que senhor Ma-noel tem palavra! Apesar de ser um homem branco e eu o conheço muito bem, mas queremos o que é justo e queremos a paz, não estamos aqui para derramar sangue dos nossos patrícios, se assim fosse veríamos ar-mados com vários homens, como você pode ver, estamos sozinhos e sem armas!Por tantopodeficar tranquiloqueninguémira teatacareusoutambém líder; Sou líder dos Emdembus, também tenho palavra por isso você tem minha palavra.

Nasalturasdosacontecimentos,JoãoNegrinhoficouinerteabo-balhado sem ação pensou que aquilo tudo fosse um pesadelo.

Pelo o que estava se passando com ele, Bamy achou melhor ter uma conversa com João, senão ele poderia por tudo a perder, com calma elepediuaochefedaaldeiaparafalarcomseufilhoasós,poisprecisavalhe dar uma lição, em seguida pediu um chicote ao chefe da aldeia, en-trou em uma oca com João, espargiu água sobre sua cabeça até que João

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começa a reagir voltando à realidade em seguida Bamy lhe explica quase tudo em ligeiras palavras e começa a estalar o chicote para os demais pensarqueeleestavadandoumaboasurraemseufilho,quantomaisochicoteestalava,maisopessoaldaquelelugarficavaafoitodizendoqueaquele pai estava certo como pode um dos deles engravidar uma mulher de cor branca e que isto era uma ofensa aos deuses.

Bamy mandou chamar Orozimbo e lhe pediu sua capa para cobrir João assim, os demais pensariam que seu corpo estava com marcas pelas chibatadaseparajustificareledissequeestavacobrindoseufilhoparaqueninguém visse as feridas em seu corpo, por que seria humilhante para João.

Entãoficouacertado,quedoisdiasapósolíder iria liberarJoão,mas o chefe da aldeia não perdeu tempo assim que Bamy foi embora com os demais ele obrigou a João a ter relações sexuais com uma mulher ainda jovem e muito bonita, de sua aldeia na intenção que João engravidasse--aparaficaremsuaaldeiaofilhodeummágicoquecomcertezasuasemente espalharia pela aldeia e assim a próxima geração daquele povo seria mais próspera. E após o líder ter certeza que João se relacionou com aquela jovem. Logo ao amanhecer e sem mais delongas o grã chefe man-dou três dos seus homens acompanharem João até certo ponto onde ele poderia voltar são e salvo para os seus, para que não houvesse represália.

Mas na verdade João deu seu jeito para não trair seu grande amor, eleprometeuamoçaumbelopresenteparaqueelaconfirmassequeaviase relacionado com ele. A moça lhe responde que não havia a necessida-de dele se preocupar com presentes, porque na realidade ela já tinha seu pretendente sem que o seu líder e os demais da aldeia soubessem, então vou pedir ao meu grande amor que se relacione comigo para que eu me engravideassimolíderpensaraqueofilhoquetereiemmeuventreéseu.

Ana Paula esperava por João com muita ansiedade junto de seus pais, Bamydele e senhor Manoel.

Mas o inesperado aconteceu: João a caminho da capital de Angola fora capturado por soldados que estavam invadindo aquele país e foi re-quisitado para servir na base militar, pois apesar dele ser negro eles sabiam que João Negrinho não era daquele país. Após averiguar seus documentos, sabiam também que João já era quase um medico, por tanto ele seria de grande utilidade para eles, com isto Bamy e os seus acompanhantes teriam

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que sair daquele país ou serem presos, mas senhor Manoel aconselharam a partir, pois o cárcere naquele lugar seria muitíssimo deprimente eles iriam sofrermuito,AnaPaulapreferiuficarepassarporqualquersofrimentoemnome do amor que sentia por João Negrinho, mas Bamy e senhor Manoel após lhe dar vários conselhos acabaram por convencê-la a partir para o Brasil,porqueassimficariamaisfácilelelibertarseuprotegidoeapóslhedar sua palavra e mesmo contra sua vontade ela resolve que deve entregar sua vida e a de João nas mãos dos deuses de seu pai.

NA GUERRA

No meio daqueles soldados havia alguns médicos cirurgiões que se di-ziam grandes na medicina, mas que na verdade ainda eram medievais, que faziam cirurgias a sangue frio, médicos esses da parte da Europa.

João Negrinho cuidava de seus pacientes com carinho e usava mui-to do que aprendera com seu mestre Bamy e também mãe Benedita e por ser Babalossanye, seus deuses (Orixás) lhe orientavam, sabia muito bem lidarcomaservas.Seus tratamentos terapêuticoserammuitomaisefi-cientes, com isto não havia tanto sofrimento, quando era necessária uma cirurgia,ele usava ervas, como por exemplo, cravo da índia em conserva, outras ervas anestésicas e ervas que agiam no corpo humano como cal-mantes.

Assim que João começou a cuidar de seus pacientes, ouve muita po-lemica por ele ser negro, alguns médicos não admitiam ele cuidar dos bran-cos achavam que era um desafronto, mas aos poucos João foi ganhando confiançadocomandanteemchefedetalformaqueelesetornouomedicoprincipal daquele comando, mesmo sofrendo vários preconceitos.

JustamentenofinaldoanoquandoJoãoiriaconcluirseucursooco-mandantesabendodistoresolveudiplomarJoãoecomistoelesetornouofi-cialmente medico militar já graduado por serviços prestados e com medalha de honra ao mérito, isto porque João sempre era bom no que se propunha a fazer também sabia cativar as pessoas, principalmente seus superiores.

SenhorManoelporterinfluenciapolíticasempretinhanoticiasdeJoão e com isto as cartas que João escrevia para ele e Ana Paula, senhor

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Manoel fazia com que chegasse às mãos dela no Brasil.Enquanto isto Ana Paula começa um projeto para alfabetizar os de-

safortunados principalmente os ex-escravos de seu pai e os demais que al-guns fazendeiros haviam dado carta de alforria, era um excelente projeto.

João também recebia cartas de Ana Paula com várias declaração de amor, mas vivia nos cantos, triste por não poder estar junto de sua amada, o que os deuses estarão preparando para mim e minha Ana Paula? Porque temos que viveres separados se nós nos amamos?

Quando ele menos espera seu comandante lhe pergunta: Porque Joãovocêestasempretriste?Seráquetemalgoquelheafligeequeeunão saiba?

Simmeucomandante!AfirmaJoão:E o que é? Quem sabe eu possa lhe ajudar meu jovem.O meu caso é muito complicado meu comandante: E João lhe conta

tudo de sua vida, detalhe por detalhe.Realmente João, vocêmerece estar com estamoça afinal a sua

saga e muito comovente e interesante! E aqui infelizmente temos nor-mas, gostaria muito de lhe ajudar, mas na vejo como.

Eu sei senhor. E lhe agradeço por ter me ouvido, realmente o se-nhor é um bom amigo.

Assim que João se afasta, o comandante o chama de volta e lhe-diz: João venha cá, eu tenho uma ideia. É uma ideia maluca, porem se você topar.

E qual é a condição, meu senhor?Se você topar, eu posso dar um jeito para você ir embora para se

casar com sua amada. Quer mesmo ir embora? Ou melhor, realizar teu grande sonho? João se levanta rapidamente e diz ao seu comandante: É tudo que quero senhor...

Responde o comandante: Então eu sei como te tirar daqui, você ira para sua terra, mas esta viagem, será na condição de escravo, eu mandarei colocar você no navio que vai com destino ao teu país, acorrentado para não levantar nenhuma suspeita, porem não sofrera nenhuma humilhação ou nenhum arranhão porque terá minhas recomendações ou melhor eu di-rei para o capitão do navio que você é meu escravo e que eu lhe vendi por um bom dinheiro, por tanto vou recomendá-lo para que lhe trate bem sem

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que você seja surrado porque você e um medico, apesar ter que ir no po-rãoparanãolevantarsuspeitadosdemaispassageiros,lherepito,afinalo trafego de escravos estão proibidos, mas ainda existe o contra bando.

Diz João: Assim está bem meu comandante,... Muitíssimo bem, farei qualquer coisa para estar com a minha Ana Paula, eu topo! E lhe agradeço, serei eternamente grato.

NaverdadeJoão,euquetenhodesermuitíssimogratoavocê,afi-nal mesmo você estando aqui contra sua vontade, tratou os nossos pacien-tes com todo carinho e dignidade.

Logo após João percebe que naquela estratégica do comandante haviaainfluenciadeseugrandeamigoetutorsenhorManoel.

ElesseencontramecomgratidãoJoãoagradeceaoamigoelheafirmacom emoção que ele é seu porto seguro e lhe diz o que seria de mim sem a sua grande ajuda, o senhor é meu anjo da guarda é o pai que não posso ter aqui, por tanto eu me considero um privilegiado por ter um pai aqui e outro no Brasil.

Conte-me, como será sua viagem para o Brasil? Após João lhe contar como seria: Senhor Manoel tenta de todas as

formas impedir ele sabia que seria muito perigoso, pois a maiorias dos navios estavam infectados na parte baixa, ou melhor, nos porões.

João tranquiliza seu provedor, dizendo meu querido pai se posso lhe chamar de pai.

Os olhos daquele senhor brilhavam pelas lagrimas que brotara em sua face avermelhada e lhe responde: Como é bom ouvir você me chamar depaimeufilho,háquantotemponãoouçoistoétãogratificanteouvirprincipalmente de um jovem arrojado e inteligente igual a você, quero ser seu segundo pai.

Não só meu segundo pai como também faço gosto que seja meu padrinho de casamento, quando eu me casar com minha Ana Paula.

Com isto a comoção foi geral.

JOÃO NEGRINHO NO NAVIO

João foi praticamente o primeiro passageiro a embarcar; Então como o comandante lhe orientou foi logo procurar o capitão do navio lhe

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entregou uma carta de recomendação. O comandante lhe pediu desculpas por João ter que viajar em porão do navio onde havia escravos contraban-deados,afinalJoãoeraumescravoespecial.

Joãolhedisse:Porqueosenhornãodesinfetaoporão?Jáfizemostudo que sabíamos fazer, mas ainda assim temos problemas: Estes escra-vos na sua maioria não aguentam a viagem e morrem pelo caminho.

Mas eu sei como eliminar este problema meu senhor! Responde João com toda convicção.

E quanto me custara o seu trabalho amigo?Não lhe custara nada, basta que aceite minhas condições.E qual são suas condições?Bem... Minhas condições são simples: Eu não suportaria ver os

meus patrícios ser castigados e mal alimentados, não que a alimentação deles deva ser de primeira classe, mas sim uma alimentação digna e quem ira ganhar com isto será o senhor mesmo porque o meu mestre me en-sinouqueumtrabalhadorbemalimentadotrabalhamelhorenãoficamrevoltosos, imagina o senhor... Que quanto mais rápido chegar em seu destino mais o senhor ganha! Não é verdade?

É isto mesmo! Bem pensado, se for desta forma eu não venderei estes homens, irei propor-los que eles trabalhem em meu navio vamos ver se essa sua ideia da certo, assim sendo você tem o compromisso de desinfetar meu navio use quantas pessoas forem necessário.

Assim João o fez, mandou fazer uma faxina geral em todo navio, em seguida mandou que colocassem pólvora em pequenas porções e ate-ava fogo para expulsar os insetos nocivos a saúde dos cantos do navio matando e queimando todos os ratos e outros insetos que viviam ali como parasitas, usou água sanitária em todo navio, e também mandou ferver em grande quantidade uma erva conhecida como barbatimão que age como desinfetante tem quase o mesmo poder do álcool. Comandou aquele tra-balho com total dedicação de tal forma que o capitão do navio queria que ele se tornasse um de sua tripulação com todas as regalias possíveis, mas João tinha algo muitíssimo importante em sua terra natal alem de sua amada ainda tinha valiosos projetos junto a seu povo ou os ex-escravos, ou melhor, qualquer um que necessitasse de seus serviços como médicos principalmente dos mais oprimidos.

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A CHEGADA DE JOÃO NO BRASIL

Assim que o pessoal da fazenda de Orozimbo percebeu que era João Ne-grinho que vinha ao longe da estrada que da o acesso a fazenda, vindo pelo caminho de charrete à alegria foi geral, muitos abraços e logo foi motivo de festa para todos das duas fazendas, mandaram chamar os ami-gos mais próximos, mãe Benedita já muito velha e debilitada, mas com umamemóriaincrível,disse:Meunetovoltouedestavezparaficar,quebom, assim eu poderei despedir-me dele e descansar em paz com a minha consciência do dever cumprido. Também estava presente senhor Otavia-no,mas faltavaAnaPaula que fora a cidadebuscar suapequenafilhaVictória.

Quando João pergunta por ela uma das crianças que ali estava lhe diz em tom baixo tia Ana Paula foi buscar a nenê que ela ganhou.

João de imediato associou o dia em que viu Ana Paula na aldeia com aspecto de grávida, que na verdade era uma falsa gravidez, pois na-quele dia Bamy não teve tempo hábil para lhe dizer tudo que estava se passando com Ana Paula e os demais. Ele pensou que ela teria dado a luz e provavelmente ter se casado porque naquele dia em que permanecia na aldeia Bamy lhe falou em ligeiras palavras de seus planos para lhe tirar daquela situação, então naquele momento em que aquela criança lhe falou do nenê de Ana Paula ele concluiu que estaria tudo acabado. Com certeza ela casou-se e não me falaram nada, como podem talvez eles quisessem me poupar de um desgosto tão grande. Bem agora o que me resta é ir embora, se eu tentar despedir-me deles irão com certeza tentar me segurar aqui pelo menos por uns dias, mas estou muito decepcionado por tanto vou sair às escondidas e voltar para Angola, naquele momento João queria chorar gritar ou até que sua vida acabasse ali mesmo, mas ele teve tempo de respirar fundo e lembrar-se dos conselhos de mãe Benedita quando ela dizia a ele que nunca deveria tomar decisões precipitadas ou no calor do acontecimento, e que sempre que fosse tomar uma decisão seja qual fosse, deveria ser quando tudo estivesse calmo assim a decisão com certeza seria bem mais acertada, então após ele se lembrar destes conselhos, para acalmar seu coração e pensar melhor, ele achou melhor ir até o riacho onde sempre continha suas magoas desde garoto, após chegar

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aoregato, tirousuas roupasficouseminueaproveitouaquelesúltimosmomentos naquela fazenda para se refrescar com um banho de água pura e cristalina. Com isto ele teve tempo de pensar nos conselhos também de seu mestre Bamy e mãe Benedita e então ele recordou de vários conselhos e naquele momento ele lembrou também que nunca deveria tomar uma decisão precipitada, seria melhor sempre aguardar o momento certo e quando estiver bem tranquilo com isto João tomou a decisão certa achou melhor primeiro falar com Ana Paula para depois ir cuidar de sua vida.

Ana Paula ao chegar à fazenda percebe de imediato aquele clima de festa, pergunta o que esta se passando para tal comemoração, uma das em-pregadas lhe diz que João Negrinho havia chegado de Angola. Ana Paula lhe pergunta: E onde ele esta? A mesma lhe responde que meia hora atrás ele estava conversado com alguns convidados, mas que depois ele sumiu.

Ana Paula já desesperada pergunta para um, para outro e ninguém sabe lhe dizer exatamente onde ele esta. Até que aquela criança que disse ao João que Ana Paula havia ganhado um nenê, responde a Ana Paula: Tia eu falei pra aquele tio que acabou de chegar que você ganhou um nenê e que é uma linda menininha!

Ana Paula já em prantos, diz: Meu Deus! Ele foi embora! Com certeza ele pensou que aquela falsa barriga que eu estava lá na aldeia era verdadeira, será que meu pai Bamy não disse a ele? Será que ele achava que a falsa gravidez era verdadeira? Então porque veio até aqui?

Nestas alturas aparece um menino e diz a Ana Paula tia lá no lago tem um moço, eu acho que ele esta muito triste, eu acho que ele estava chorando.

Ana Paula mal acaba de ouvir o menino sai correndo em direção ao riacho, de longe ela avista João com sintoma de tristeza e completamente abatido, mas ele ainda teve tempo de ouvir uma voz que lhe dizia não temas, a partir de agora começa uma nova etapa em sua vida, nunca mais você ira se separar de sua alma gêmea viverão até sua total velhice e tam-bém em vidas futuras, por tanto não perca tempo vá ao encontro de quem você tanto ama com isto João não espera mais nenhum segundo abre os braços para afagar seu grande amor, beijam-se perdidamente e ali mes-mo cometem o ato mais sublime de todos, amam-se intensamente com toda intimidade possível ao mesmo tempo em que aqueles dois jovens já

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maduros se amavam as estrelas parece brilharem mais intensamente ilu-minando aquela doce união, os pássaros noturnos pareciam mais afoitos por presenciarem aquela maravilhosa vibração entre ambos, Logo após o coito eles envergonhados por ser a primeira experiência sexual de ambos, mal se olharam um para o Outro. Após uma pequena pausa, espontane-amente se jogaram no pequeno riacho banharam-se ali mesmo e após aquele momento de total felicidade e êxtase, onde parecia que ambos entraramemalfaoualçandoumvôoaoinfinitoemumdeslumbramentototal. Após sentarem-se ao chão na beira do riacho ela lhe explica com detalhes a adoção daquela criança que perdera seus pais em um aciden-te. Ganhou aquela pequena menina que ela colocou o nome de Victória, aquele pequeno anjo para Ana Paula era como uma dádiva dos céus.

João se comove e pede perdão a sua amada, por suas deduções errôneas e promete que Victória será criada com todo carinho e amor que ele possa lhe dar.

Após dois meses casaram-se, com as bênçãos de seus pais e mãe Benedita, a festa de casamento foi à maior e melhor que se conheceu por aquelas redondezas.

Senhor Manoel foi um dos padrinhos, mas após o casamento de João com Ana Paula o provedor de João ou seu segundo pai não quis mais voltar para a África se apaixonou pelo Brasil e também por uma mulher de idade media uma ex-escrava, com ela se casou e comprou uma bela fazenda sob as orientações de Bamydele e senhor Orozimbo.

JoãodacruzeraofielescudeirodeOrozimbo,administravaaquelafazenda como se fosse sua, com suas astúcias sempre conseguia sair de situações difíceis.

Os ex-escravos de Orozimbo progrediram cada um de acordo com sua capacidade e vontade de vencer.

Um dia ao por do sol mãe Benedita mandou chamar Orozimbo, João da Cruz, João Negrinho, Bamy e suas esposas e lhes disse com cla-reza:Bem,meusfilhosqueridos;Sinto-metotalmenterealizadaefeliz.

Feliz por ter vocês todos ao meu lado, tenho certeza que cum-pri o que foi designado para mim, por Olorum (Deus). Bem... Gostaria delhesdizerqueofinaldaescravidãoé inevitáveleestãopróximos,logo vocês terão boas noticias em relação à libertação ou abolição de

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todos os escravos deste país e este grande acontecimento ou abolição será decretada por uma bela e sensível princesa. Bem, este país é um dos últimos a realizar esta proeza bem aventurada. Por ironia do desti-no... Uma mulher assinara a nova lei que Dara a liberdade aos nossos. Afirmo-lhesqueestapróximoestedia!Eunãoverei,porquejásefazminha hora, tenho que ir. Ir para o mundo dos espíritos, junto dos meus antepassados. Peço a vocês e peço pelos deuses, que não chore por mim, pois estou feliz, por isso em vez de chorarem cantem, mas cantem, para que minha alma se eleve e eu possa partir feliz, não se atrevam a negar o meu último pedido, cantem, mas cantem bastante! Estou muito feliz pelo privilegio de estar com vocês e em breve com os deuses e meus antepassados.

Pelos deuses me chamarem para outra esfera, vejo claramente que é um lugar de luz, onde com ansiedade os meus me esperam para uma deliciosa festa, por tanto também quero que vocês festejem minha pas-sagem para o mundo dos espíritos e ore sempre para mim, assim estarei presente sempre em espírito.

Após mãe Benedita terminar de falar deu um último suspiro, rela-xou seu corpo já totalmente frágil e se foi.

Ela foi velada com muito respeito e cantos para os deuses (axexe) ondeosseusfilhosdesantorogavamaosdeusesparaumaboapassagemdaquele espírito incansável, abnegado, tão dedicado à causa dos seus se-melhantes.

BAMY PERDE TODO SEU DINHEIRO

Orozimbo guardava seu dinheiro em um grande baú no soto de sua man-são e aconselhou a Bamy também a fazer o mesmo, deu lhe de presente um baú de aproximadamente sessenta centímetros de altura por um metro de comprimento para que ele guardasse ali seu dinheiro, pois os bancos cobravam muito caro para guardar dinheiro e em sua casa seria seguro. E assim foram feitos, os dois compadres guardavam seus lucros sempre emcasa,maspraticamentenãousavamodinheiroqueguardavam,afinaltinham de tudo a sua volta, quando precisavam de algum dinheiro sempre

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tinham em mãos, andavam com os bolsos sempre com uma boa quantia. Eassimelesosfizeramporváriosanosafins,masOrozimboeracuida-doso com que guardava, porque pelo seu passado era mais apegado ao di-nheiro ou mais cauteloso, por assim dizer quando se falava em dinheiro... Orozimbo estava sempre alerta.

Aconteceu que um belo dia ensolarado e como era de costume, Oro-zimbo colocou sua fortuna no terreiro da fazenda para que não emboloras-sem e evitar que as traças destruíssem seu dinheiro. Só que ele se esqueceu de orientar seu amigo e compadre deste detalhe, porque de vez enquanto teria que coloca-lo no sol e passar algum produto para evitar as traças.

Eis que quando Orozimbo estava no terreiro recolhendo seu dinheiro para guardar, chegou Bamy e lhe perguntou por que seu dinheiro esta todo espalhado com estes pesos em cima? Então Orozimbo se lembrou que não tinha alertado seu amigo do perigo das traças e lhe pergunta: Você não colo-ca seu dinheiro no terreiro para tomar sol? Bamy lhe responde não:.

Então, vamos á sua casa fazer isto agora...Quando lá chegaram, mandaram que dois funcionários pegassem

o tal baú, mas quando abriram para surpresa deles o dinheiro estava todo destruído pelas traças, colocaram querosene em cima do mesmo e puse-ram sobre o rio, atearam fogo e Bamy começou a rir, enquanto os outros que ali estavam se lamentavam pelo o acontecido.

Orozimbo lhe disse: Não se preocupe meu compadre eu lhe dou metade do que tenho em minha casa.

Bamylhedisse:“fiquetranquiloseeuprecisarlhepedireiajuda,afi-nal compadre e amigo é pra as horas boas e ruins”.

Após vários e vários anos, o tataraneto de Bamydele ou João de Ayoká pede para que seu tataravô lhe conte uma história. Então Bamy ou João de Ayoká começa a narrar sua própria história, desde sua tenra infância na cidade de Ayoká em pleno coração da África até o dia em que ateou fogo em sua fortuna aqui no Brasil, juntamente com seu melhor amigo Orozimbo.

FIM