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Pós-Graduação em Direito Tributário Disciplina: Sistema Constitucional Tributário: Princípios e Imunidades LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 4

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Pós-Graduação em Direito Tributário

Disciplina: Sistema Constitucional Tributário: Princípios e Imunidades

LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 4

LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 1

NARLON GUTIERRE NOGUEIRA

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IGUALDADE E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

Ricardo Lobo Torres

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E IGUALDADE

Vimos que o direito de propriedade e o livre exercício das profissões,

declarados no art. 5º, incisos XIII, XXII e XXIII da CF, são a sede constitucional do

poder tributário, posto que se abrem, pelo consentimento, à incidência fiscal. Mas,

ao mesmo tempo em que se autolimitam, esses direitos estabelecem duas limita-

ções ao poder de tributar: as imunidades, que vedam a incidência sobre as liberda-

des públicas (locomoção, comércio, religião, manifestação do pensamento); as proi-

bições de desigualdade, que impedem o tratamento desigualitário ou discriminatório.

A proibição de desigualdade aparece no art. 150, II, da CF, que veda

“tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente,

proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles

exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou

direitos”. É o contraponto fiscal, sob forma negativa, do princípio proclamado afirma-

tivamente no caput do art. 5º: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qual-

quer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprieda-

de”. Projeta-se para o texto constitucional, com o sinal invertido, a definição que al-

cançou a sua melhor expressão pela pena de Rui Barbosa (Oração aos Moços. Rio

de Janeiro: Org. Simões, 1951): “A regra da igualdade não consiste senão em qui-

nhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam”.

Sucede que o princípio da igualdade é vazio, pois recebe o conteúdo de ou-

tros valores, como a justiça, a utilidade e a liberdade. Assim sendo, só será proibida

a desigualdade na apreciação da capacidade contributiva do cidadão ou da necessi-

dade do desenvolvimento econômico se não tiver fundamento na justiça ou na utili-

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dade social, hipótese em que estará ferida a liberdade alheia. Em outras palavras,

as desigualdades só serão inconstitucionais se não conduzirem ao crescimento eco-

nômico do País e à redistribuição da renda nacional ou se discriminarem em razão

de raça, cor, religião, ocupação profissional, função etc., entre pessoas com igual

capacidade contributiva, tudo o que implicará em ofensa à igual liberdade de outrem.

2. A PROIBIÇÃO DE DESIGUALDADE

A proibição de desigualdade, genericamente proclamada no art. 150, II, da

CF, pode se expressar de duas formas principais: a) proibição de privilégios odiosos;

b) proibição de discriminação fiscal.

Qualquer proibição de privilégio odioso traz embutida a de discriminação. Mas

a recíproca não é verdadeira: nem sempre da discriminação odiosa resulta um privi-

légio para outrem.

Essas proibições abrangem qualquer instrumento fiscal, assim na ver-

tente das renúncias de receita (isenção, diminuição de alíquota ou base de cálculo,

deduções etc.), quanto na dos gastos públicos (subsídios, subvenções ou restitui-

ções de tributo). O art. 150, II deve ser combinado com os arts. 70 e 165, § 6º, da

CF.

Na interpretação do direito tributário, a presunção milita sempre contra os pri-

vilégios e as discriminações, que, no Estado Democrático Fiscal, encontram-se sob

suspeita de odiosidade.

3. A PROIBIÇÃO DE PRIVILÉGIOS ODIOSOS

3.1. Conceito

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Privilégio é a permissão para fazer ou deixar de fazer alguma coisa

contrária ao direito comum. Pode ser negativo, como o privilégio fiscal consistente

nas isenções e reduções de tributos, que implicam sempre uma concessão contrária

à lei geral. Pode ser positivo, como o privilégio financeiro representado pelos incenti-

vos, subvenções, subsídios e restituições de tributo, que consubstanciam a conces-

são de tratamento preferencial a alguém.

A CF 88 deu novo e mais adequado tratamento à questão dos privilégios fis-

cais, no art. 150, II, proibindo genericamente os odiosos e permitindo os não odio-

sos. Nos arts. 151 e 152, a CF cuida ainda das vedações específicas de privilégios

por parte da União ou dos Estados e Municípios.

Os escolásticos já haviam definido o privilegium odiosum, conceito no

qual não subsumiam o tratamento preferencial do clero e da nobreza, que entendiam

plenamente justificado. Com o advento do Estado Fiscal, odioso passou a ser o privi-

légio consistente em pagar tributo menor que o previsto para os outros contribuintes

ou não pagá-lo (isenção), tudo em virtude de considerações pessoais, como sejam

as circunstâncias de o beneficiário ser membro do clero, da nobreza ou de outros

estamentos. A Constituição brasileira de 1824 extinguiu os privilégios odiosos: “Fi-

cam abolidos todos os privilégios que não forem essenciais e inteiramente ligados

aos cargos por utilidade pública” (art. 179, item 16).

O art. 150, II, estampa o princípio genérico da proibição de privilégios odiosos.

Qualquer discrime que leve à diminuição ou à exclusão da carga tributária e que sig-

nifique desigualdade entre contribuintes, independentemente da forma ou denomi-

nação jurídica, está proibido. O texto constitucional, ao retomar uma antiga preocu-

pação liberal, foi motivado em boa parte pelos privilégios odiosos concedidos no re-

gime de 1967/69, especialmente as isenções do imposto de renda para militares,

magistrados, deputados e senadores.

Conseguintemente, a proibição de privilégios fiscais odiosos é uma das

garantias da liberdade. Embora atue contra as desigualdades na consideração da

capacidade contributiva, do custo/benefício ou do desenvolvimento econômico, isto

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é, na defesa dos princípios vinculados às ideias de justiça e utilidade, a proibição

constitucional visa a proteger sobretudo os iguais direitos da liberdade (art. 5º, ca-

put), que seriam afinal atingidos pelo privilegium odiosum e pela desigual repartição

da carga tributária.

A proibição de privilégios odiosos, em suma, garante o status negativus

libertatis. As leis que os instituem são nulas de pleno direito.

A CF 88 traz explicitamente, no art. 150, II e nos arts. 151 e 152 diversas pro-

ibições de privilégio odioso.

4. AS PROIBIÇÕES DE DISCRIMINAÇÕES ODIOSAS

4.1. Conceito

As discriminações fiscais odiosas são desigualdades infundadas que

prejudicam a liberdade do contribuinte. Qualquer discrime desarrazoado, que signifi-

que excluir alguém da regra tributária geral ou de um privilégio não odioso, constitui-

rá ofensa aos direitos humanos do contribuinte, posto que desrespeitará a igualdade

assegurada no art. 5º da CF, caindo sob a vedação do art. 150, II.

Insista-se em que apenas a discriminação infundada ou desarrazoada é odi-

osa, tendo em vista que o direito tributário, sendo essencialmente discriminatório,

deve sempre introduzir distinções entre contribuintes, com base na capacidade eco-

nômica de cada qual.

As discriminações, como já vimos, podem ocupar a face oculta dos privilégios

odiosos, pois ao privilegiar alguém, a lei sempre discrimina terceiro. Mas podem

ocorrer também nos privilégios não odiosos, como nas hipóteses em que se excluem

das isenções e de outros benefícios socialmente úteis e justos, pessoas ou coisas

que se encontram em situação assemelhada.

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As discriminações infundadas são nulas de pleno direito. A declaração da nu-

lidade traz a incidência plena da regra geral igualitária às pessoas e coisas discrimi-

nadas (vide p. 315).

4.2. Algumas Proibições de Discriminação

Inexiste um elenco fechado de proibição de discrime. As discriminações odio-

sas serão tantas quantos forem os direitos humanos suscetíveis de ofensa pela tri-

butação. Encontram-se entre as mais combatidas as que se fundam em razões liga-

das a:

a) raça ou cor;

b) religião;

c) sexo, principalmente pela tributação gravosa dos rendimentos da mulher casada;

d) profissão;

e) ideologia;

f) domicílio;

g) situação do bem;

h) nacionalidade, das coisas ou das pessoas.

PRINCÍPIOS VINCULADOS À IDEIA DE JUSTIÇA

5. A JUSTIÇA FINANCEIRA

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A ideia de justiça, em suas projeções para o campo das finanças públicas,

teve extraordinária importância na época da constituição do Estado de Direito e da

vitória do liberalismo (final do séc. XVIII). Antes, ao tempo do Estado Patrimonial, o

tributo era cobrado com fundamento na só necessidade do Príncipe e a justiça, co-

mutativa ou privada, apenas lhe servia de justificativa periférica. Com o advento do

Estado Fiscal, as finanças passaram a se basear no tributo, cobrado agora com fun-

damento na justiça distributiva e no seu princípio maior da capacidade contributiva,

sobre os quais se desenvolveu importante literatura.

Com a supremacia dos positivismos, a partir de meados dos séc. XIX até a

metade do séc. XX, aproximadamente, enfraqueceu-se a reflexão sobre a justiça

financeira, substituída pelas preocupações com a utilidade.

De uns 20 anos para cá retornou, com redobrado vigor, a meditação sobre a

justiça fiscal e a orçamentária. As crises financeiras (1967, 1973 e 1979), o arrefeci-

mento da ideologia da inesgotabilidade dos recursos públicos, a descrença no socia-

lismo real e na utopia de o Estado viver sem a cobrança de tributos, o aumento das

demandas sociais pela melhor distribuição dos bens públicos, tudo conduziu à volta

da preocupação com a justiça financeira. Alguns livros admiráveis, como os de John

Rawls e Klaus Tipke (citados na bibliografia final) deram novo impulso à questão.

A justiça financeira, portanto, é basicamente distributiva, característica do re-

gime publicístico, consistindo em tratar desigualmente aos desiguais na medida em

que se desigualam; mas, às vezes, é comutativa, própria das relações de troca, co-

mo ocorre com as taxas e as contribuições. Compreende a justiça tributária, a para-

fiscal, a extrafiscal e a orçamentária e se concretiza através dos princípios que pas-

samos a examinar.

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6. O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

6.1. Histórico

A transição do patrimonialismo para o capitalismo, como vimos, se caracteri-

zou justamente pela ideia de que o imposto deveria se basear na capacidade contri-

butiva de cada cidadão, princípio que se transformou em um dos pontos cardeais do

liberalismo na obra de Adam Smith e nos textos jurídicos fundamentais, como a De-

claração dos Direitos do Homem.

Posteriormente, ainda no séc. XIX e até quase os nossos dias, o prin-

cípio da capacidade contributiva ficou algum tanto obscurecido pela exsurgência dos

positivismos, transferindo-se a reflexão sobre ele do campo do direito para o da ci-

ência das finanças. A justificativa dos impostos passou a se cifrar na legalidade ou

na vontade do dirigente, revestindo a relação entre o Estado e o cidadão as caracte-

rísticas de relação de poder ou de relação ex lege.

Nas últimas décadas reacendeu-se a preocupação com o princípio. As Consti-

tuições da Itália (1947) e da Espanha (1978) fizeram remissão explícita à capacida-

de econômica. Alguns escritos do maior valor foram lançados nesse período. As re-

formas tributárias realizadas nos Estados Unidos (Governo Reagan), na Inglaterra e

na Alemanha denotam a preocupação de ajustar os respectivos sistemas tributários

ao princípio da capacidade contributiva.

No Brasil, as vicissitudes da ideia de capacidade contributiva acompa-

nharam as do pensamento universal. Ingressou com a constituição do nosso Estado

Fiscal no início do século passado, cabendo ao Visconde de Cairu captar os princí-

pios lançados na obra de Adam Smith. Hibernou longamente ao depois, pela nossa

vocação para o positivismo. Ressurgiu explicitamente na Constituição de 1946 e me-

receu considerações judiciosas por parte da doutrina liberal, especialmente através

da obra de Aliomar Baleeiro. Dasapareceu da letra das Cartas outorgadas pelo re-

gime autoritário (1967/69) e, também, do discurso da doutrina sua contemporânea,

que retornou ao positivismo normativista. Reapareceu, vigorosamente, no texto do

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art. 145, § 1º, da CF 88, o que já está provocando a ressurgência da meditação so-

bre o tema.

6.2. Conceito

A capacidade contributiva se subordina à ideia de justiça distributiva.

Manda que cada qual pague o imposto de acordo com a sua riqueza, atribuindo con-

teúdo ao vetusto critério de que a justiça consiste em dar a cada um o que é seu

(suum cuique tribuere) e que se tornou uma das “regras de ouro” para se obter a

verdadeira justiça distributiva. Existe igualdade no tributar, cada qual de acordo com

a sua capacidade contributiva, mas essa tributação produz resultados desiguais por

se desigualarem as capacidades contributivas individuais.

Capacidade contributiva é a capacidade econômica do contribuinte,

como, aliás, prefere a CF/88, mantendo a tradição da CF/46 e coincidindo, também,

com a da Espanha. É capacidade de pagar (ability to pay) como dizem os povos de

língua inglesa. Significa que cada um deve contribuir na proporção de suas rendas e

haveres, independentemente de sua eventual disponibilidade financeira.

6.3. Subprincípios: Progressividade, Proporcionalidade, Personalização e Sele-

tividade

A capacidade contributiva é um princípio constitucional aberto e indetermina-

do, servindo de orientação para o ulterior processo de concretização normativa. Po-

de aparecer explicitamente no texto constitucional, como agora acontece no Brasil,

ou sobreviver implicitamente, como aconteceu na Carta de 1967/69. Abre-se para

uma pluralidade de possibilidade de concretização, inicialmente através de subprin-

cípios, para alcançar grau maior de concretitude nas normas de imposição.

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O subprincípio da progressividade significa que o imposto deve ser co-

brado por alíquotas maiores na medida em que se alargar a base de cálculo. Aplica-

se ao imposto de renda (art. 153, § 2º, I). Quanto ao IPTU, a sua progressividade é

instrumento de extrafiscalidade e não emana do princípio da capacidade contributiva

(art. 156, § 1º e art. 182, § 4º, da CF), conforme já disse o STF (vide p. 131); mas a

EC 29/2000, em dispositivo de duvidosa constitucionalidade, deu nova redação ao

art. 156, §1º, da CF, para admitir a progressividade também em razão do valor do

imóvel.

O subprincípio da proporcionalidade não se tornou explícito na CF. In-

dica que o imposto incide sempre pelas mesmas alíquotas, independentemente do

valor da base de cálculo, o que produzirá maior receita na medida em que o bem

valer mais. É objeto de legislação infraconstitucional e pode ser aplicado a todos os

tributos não sujeitos aos princípios da progressividade e da personalização, como,

por exemplo, ao imposto de transmissão inter vivos (vide p. 131).

O subprincípio da personalização, estampado junto com o princípio da

capacidade contributiva (art. 145, § 1º), já havia aparecido no texto do art. 202 da CF

46. A personalização do imposto causa mortis, representada pelo aumento de sua

incidência de acordo com os quinhões ou grau de parentesco dos herdeiros, que é

uma das conquistas da tributação moderna, ficou bloqueada pelo art. 155, § 1º, IV,

que prevê a fixação de alíquotas máximas pelo Senado Federal.

O subprincípio da seletividade, que informa o IPI e o ICMS, inscrito nos

arts. 153, § 3º, I e 155, § 2º, III, aponta para a incidência na razão inversa da essen-

cialidade do consumo. Representa um elemento de personalização agregado a um

tributo que originalmente se definiria como imposto real. A EC 29/00, ao modificar o

art. 156, § 1º, da CF 88, permitiu tenha o IPTU “alíquotas diferentes de acordo com a

localização e o uso do imóvel”, o que significa que o imposto municipal passa a ser

seletivo em função do bairro ou região da cidade, ou da finalidade comercial, aten-

dendo à pretensa variação da capacidade contributiva.

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6.4. Limitações

Diz o art. 145, § 1º, que, para conferir efetividade ao princípio da capa-

cidade econômica, é facultado à administração tributária, respeitados os direitos in-

dividuais e nos termos da lei, identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades

econômicas do contribuinte.

O comando não se dirige apenas ao Executivo, mas também ao Legis-

lativo, pois a CF estabelece, aqui, importante limite à capacidade contributiva, es-

tremando-a, enquanto princípio de justiça fiscal, dos direitos da liberdade. As rela-

ções e limites entre a capacidade contributiva e os direitos individuais se firmam com

a intermediação do princípio da igualdade, que, como já estudamos, é vazio e cons-

titui apenas uma proporção para medir valores diversos.

Quando a CF diz que a efetivação da capacidade contributiva não pode pre-

judicar os direitos individuais, quer significar que a igualdade ínsita nesse princípio

de justiça não pode ofender a igualdade consubstanciada nos direitos da liberdade

(garantias constitucionais das imunidades e dos privilégios) e nos princípios da se-

gurança jurídica (legalidade, irretroatividade, anterioridade etc.).

De feito, o legislador não pode, a pretexto de fazer justiça fiscal, captar

a riqueza das pessoas declaradas imunes pelos arts. 5º e 150 da CF. A eventual

desigualdade na capacidade econômica da União, dos Estados, dos Municípios, dos

templos, das instituições de assistência social é insuscetível de tributação, posto que

a CF imuniza o patrimônio e a renda dessas pessoas em homenagem à igual liber-

dade. O princípio da capacidade contributiva não justifica a incidência sobre o míni-

mo necessário à vida nem sobre a totalidade da riqueza, eis que está contido entre

as imunidades do mínimo existencial (art. 5º, itens XXXIV, LXXIV, LXXVI) e a proibi-

ção de confisco (art. 150, IV), que constituem direitos individuais do cidadão.

A lei não pode, por outro lado, havendo igual capacidade contributiva,

tratar desigualmente os brasileiros, pois estará infringindo a proibição genérica de

privilégios odiosos (art. 150, II) e as proibições específicas (art. 151). Assim, é defe-

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so ao legislador discriminar entre contribuintes com situação econômica equivalente

em razão da raça, cor, sexo, profissão, ideologia política etc.

O princípio da capacidade contributiva encontra limites também nos princípios

da segurança dos direitos individuais. A igualdade presente na capacidade contribu-

tiva deve se compatibilizar com a igualdade que informa os princípios da legalidade,

irretroatividade, anterioridade etc. A justiça fiscal não sobrevive sem a segurança

jurídica. De modo que, a pretexto de captar eventual excesso de riqueza ou súbito

incremento na capacidade contributiva, o legislador não pode instituir imposto com

eficácia retrooperante, nem desrespeitar o princípio da anterioridade, dando eficácia

imediata às novas tributações, ainda que o aconselhe o sentimento de justiça. A ca-

pacidade contributiva há que informar a tributação nos quadros estritos da legalidade

democrática.

6.5. Possibilidade

Reza o art. 145, § 1º, da CF 88: “sempre que possível, os impostos te-

rão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contri-

buinte...”. A CF 46 dizia também que os tributos teriam “caráter pessoal, sempre que

isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribu-

inte”. A referência à “possibilidade” já aparecia em A. Smith. A ressalva constitucio-

nal tem dois objetivos principais: a) adequar o princípio da capacidade contributiva à

natureza do imposto e à técnica de sua incidência; b) compatibilizar esse princípio

de justiça com a extrafiscalidade.

De feito, a capacidade contributiva e os seus diversos subprincípios

são mensurados de forma diferente em cada imposto, a depender das respectivas

possibilidades técnicas. O subprincípio da personalização aplica-se ao imposto de

renda, não sendo “possível” a sua extensão ao imposto de importação ou de trans-

missão de bens imóveis. A expressão “sempre que possível” permite que a capaci-

dade contributiva e os seus subprincípios se ajustem às várias espécies de impos-

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tos, mas não admite que deixem de ser aplicados quando isso for possível: o IR não

será regressivo, pois atua sob a orientação do subprincípio da progressividade; os

impostos reais não seguirão o subprincípio da personalização, pois até a progressi-

vidade, quando admitida (ex. IPTU), é refratária a critérios subjetivos.

De outra parte, a ressalva constitucional visa a compatibilizar a capacidade

contributiva com a extrafiscalidade. Sempre que possível o legislador observará o

princípio da capacidade econômica; mas, em certos casos, a seu prudente critério,

poderá utilizar o imposto para atingir objetivos extrafiscais relacionados com o de-

senvolvimento econômico, a proteção do meio ambiente, a inibição de consumo de

mercadorias nocivas à saúde etc. Todavia não é possível ao legislador buscar finali-

dades extrafiscais que impliquem em privilégios odiosos ou que subvertam a capaci-

dade contributiva e os seus subprincípios, tornando, por exemplo, regressivo o IR.

6.6. Eficácia

A capacidade contributiva, como princípio aberto e indeterminado, oferece ao

legislador a orientação para o processo de concretização da justiça fiscal. Não tendo

núcleo muito claro nem contorno rígido, deixa à discricionariedade do legislador o

preenchimento do conteúdo valorativo.

Mas a capacidade contributiva, embora princípio de interpretação do direito

tributário, não autoriza o juiz a buscar, no caso concreto, de forma positiva ou nega-

tiva, o justo fiscal, nem a controlar in abstracto a atividade discricionária do legisla-

dor, reputando-a injusta. Salvo naqueles casos em que a lei tenha ofendido os direi-

tos individuais, desbordado as possibilidades técnicas dos impostos e exacerbado a

extrafiscalidade, tudo o que acabamos de examinar.

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6.7. Extensão

Segundo o art. 145, § 1º, da CF de 1988, apenas o imposto deverá se-

guir o critério da capacidade contributiva. A CF 1946 falava genericamente em tribu-

tos. As Constituições estrangeiras que contemplam o princípio se referem à cobertu-

ra dos gastos públicos e às necessidades do Estado. A Ley General Tributária da

Espanha se refere a tributos.

O imposto é realmente a categoria a que, por excelência, se dirige o princípio

da capacidade contributiva. Definindo-se como o tributo pago sem qualquer relação

com serviços públicos prestados, o imposto tem como único parâmetro a riqueza do

contribuinte.

Mas parece-nos que as taxas e as contribuições de melhoria também sofrem

a influência desse princípio de justiça fiscal, pelo menos no que concerne às isen-

ções e à entrega de serviços e obras públicas às populações carentes.

No que concerne aos incentivos fiscais, é preciso distinguir sobre a sua natu-

reza. Os que operam na via da receita, como as isenções, se subordinam ao princí-

pio da capacidade contributiva nos aspectos que transcendem a finalidade extrafis-

cal. Aqueles que atuam na vertente da despesa pública — subvenções, subsídios

etc. — nada têm que ver com a capacidade contributiva, posto que se orientam pe-

los princípios do desenvolvimento econômico, da igualdade entre as regiões etc.

7. CUSTO/BENEFÍCIO

O princípio do custo/benefício expressa a adequação entre o custo do bem ou

serviço público e o benefício auferido pelo cidadão.

Em um primeiro sentido informa os tributos vinculados (taxas e contribuições

de melhoria).

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As taxas são cobradas de acordo com o princípio do custo/benefício porque à

prestação de serviços públicos deve corresponder a renumeração equivalente, isto

é, cada cidadão despenderá a título de pagamento de serviços específicos e divisí-

veis uma soma de dinheiro equivalente ao seu custo para a Administração e ao be-

nefício público que receber. Mas não há necessidade de exata e aritmética equiva-

lência entre o custo e o benefício.

A contribuição de melhoria tem o seu fundamento no binômino realiza-

ção da obra pública / mais-valia, em que ambos os elementos se posicionam dialeti-

camente, sem corte ou contradição, o que corresponde exatamente à ideia de cus-

to/benefício. A valorização do imóvel que não decorra de obra pública ou lhe exceda

o custo, bem como a obra pública que não valoriza (ou desvaloriza) o imóvel não

justificam o pagamento do tributo. A nova redação constitucional (art. 145), que reti-

rou a referência à valorização e à despesa do ente público, nem por isso eliminou o

princípio do custo/benefício como fundamento da contribuição de melhoria.

Em um segundo sentido o custo/benefício é princípio orçamentário, a signifi-

car que deve haver adequação entre receita e despesa, de modo que o cidadão não

seja obrigado a fazer maior sacrifício e pagar mais impostos para obter bens e servi-

ços que estão disponíveis no mercado a menor preço. Aproxima-se do conceito de

economicidade.

Ricardo Lobo Torres:

Possui graduação em Direito pela Universidade Federal Fluminense (1958), gradua-

ção em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1962) e doutorado

em Filosofia pela Universidade Gama Filho (1990). Atualmente é professor titular da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, professor adjunto da Universidade Gama

Filho, expositor da Escola Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor cele-

tista da Universidade Iguaçú e professor agregado da Pontifícia Universidade Católi-

ca do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito

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Público, atuando principalmente nos seguintes temas:Constituição Financeira e Tri-

butária, Interpretação do Direito Tributário, Direitos Humanos e Tributação, Mínimo

Existencial.

Como citar este texto:

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 16 ed. Rio de Ja-

neiro: Renovar, 2009, páginas 77 a 83 e 91 a 98. Material da 4ª aula da Disciplina

Sistema Constitucional Tributário: princípios e imunidades, ministrada no Curso de

Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Tributário – REDE LFG.