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LEITURA, ESCRITA E INCLUSÃO SOCIAL DIANA MARIA DE MORAIS (EM PROFª MÁRCIA REGINA ABRAHAM E UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL). Resumo Com este trabalho pretende–se apresentar uma análise sobre a apreensão do diálogo como instrumento que possibilita a inserção do homem no mundo letrado e a escrita como processo de interação do sujeito, resgatando a idéia básica de que a aprendizagem se dá na interação do sujeito e pela influência do contexto em que se encontra. O trabalho insere–se na linha de pesquisa Teorias e práticas discursivas: leitura e escrita, do Programa de Mestrado em Lingüística da Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL). Sabe–se que a comunicação entre os homens se dá na interação entre os sujeitos em um determinado contexto histórico. Tal fato demonstra que a interação entre o sujeito produtor e o sujeito leitor de um texto, na relação com o seu contexto de produção pode ser um caminho para que se desenvolva o processo de construção da leitura e da escrita. Parte–se do princípio de que a leitura é uma arte, um exercício que exige técnicas para ser apreendido e de que é possível utilizar–se de técnicas para ensinar a ler e, consequentemente, a escrever. Portanto, caberá à escola promover esse aprendizado e possibilitar o desenvolvimento do aluno como um ser social, capaz de encontrar saídas e superar problemas nas situações mais diversas em que se encontre. Considera–se, portanto, que é no contexto escolar que a leitura e a produção escrita acontecem como objetos de aprendizagem, uma vez que na escola, espaço apropriado para esse fim, vários portais de textos devem circular e ser utilizados pelos professores como veículos transmissores desses saberes. Para reflexão sobre as questões relacionadas ao sujeito, à leitura e à escrita e, ao contexto escolar, buscou–se subsídios teóricos em vários autores, dos quais se ressaltam: Marcuschi, Soares, Kleiman, Orlandi e Freire. Palavras-chave: LEITURA, ESCRITA, INCLUSÃO SOCIAL.

Considerações Iniciais

Tendo em vista os princípios de que a comunicação entre os homens se dá na interação entre os sujeitos em um determinado contexto histórico, apresenta-se, neste trabalho, a apreensão do diálogo como instrumento que possibilita a inserção do homem no mundo letrado e a escrita como um processo de interação do sujeito.

Verifica-se, assim, a ideia básica de que caberá a escola, local em que acontece a interação entre o sujeito produtor e o sujeito leitor de um texto, o desenvolvimento do processo de construção da leitura e da escrita, bem como o desenvolvimento do aluno como um ser social, capaz de encontrar saídas e superar problemas nas situações mais diversas em que se encontre.

O presente trabalho é parte da pesquisa que resultou na minha dissertação de Mestrado.

Introdução

O homem se apropria da linguagem oral, numa aquisição natural, o que possibilita sua comunicação com os seus semelhantes, na comunidade em que vive. Porém a esse homem podem faltar as linguagens escritas, essenciais para a efetivação de

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sua interação social. Por viver em comunidades, o homem faz uso da língua para além de comunicar-se com o outro; interage socialmente por meio de seu discurso. Por esse viés, a linguagem pode ser vista como uma forma de agir sobre o mundo.

Na experiência de anos lecionando, tive a oportunidade de encontrar pessoas que atingiram a idade adulta sem disporem da leitura e da escrita. Esse encontro aconteceu na experiência de trabalho com a modalidade de Educação de Jovens e Adultos - EJA. Modalidade essa que atende pessoas que fizeram ao longo de suas vidas uma "leitura de mundo, do pequeno mundo em que se moviam" (FREIRE, 1997:12).

No entanto, o homem precisa ir além do seu pequeno mundo e o caminhar exige que sua leitura de mundo se amplie e seja carregada de significados. Esse caminhar precisa ser praticado, sem dúvida, na escola. Esta deve ter em vista que os seres que a frequentam, não importa a idade, não podem ser fechados em seu pequeno mundo, pois são sujeitos produtores de linguagem e de discursos, que precisam ser tratados como tal.

Parte-se do pressuposto de que a fala, veículo de comunicação entre os homens, cultua-se na interação e acontece em qualquer espaço no qual se estabeleçam as relações humanas. Tal veículo, certamente, poderá conduzir o sujeito na busca de saberes que lhe permitam processar a escrita.

Isto posto, cabe a escola valorizar tanto a modalidade oral quanto a modalidade escrita da linguagem, para que o ensino e a aprendizagem ocorram e verificar em que medida o aprendizado efetivo da leitura e da escrita pode contribuir para que, o aluno se aperceba "cidadão", compreendendo a leitura e a escrita como atividades importantes em sua vida. Considera-se, por fim, que só está incluso em um "mundo letrado", o sujeito que souber ler.

Linguagem e inserção social

A linguagem enquanto instrumento de interação social para a comunicação entre os seres, é concebida de um ponto de vista histórico, cultural e social e inclui a comunicação efetiva, os sujeitos e os discursos nela envolvidos. Pode-se dizer que a linguagem é a responsável pela inserção social do homem em toda e qualquer comunidade.

Algumas concepções sobre a linguagem são aqui tomadas, de acordo com pesquisadores de áreas diversas do conhecimento, cujas contribuições permitem repensá-la em relação ao trabalho desenvolvido no contexto escolar, ou seja, num ambiente em que se deve compreender que enquanto a linguagem é produzida também é aprendida.

Quanto ao seu aspecto social, a linguagem é a "expressão e o produto da interação social do locutor, do receptor e do tópico do discurso", segundo Del Ré (DEL RÉ, 1999: 59). De acordo com a autora, os diversos modos de uso da linguagem podem ser resultado dos diferentes lugares sociais do sujeito.

Nesse sentido, cabe lembrar que Marcuschi (MARCUSCHI, 2007:38) faz uma referência à linguagem como uma "expressão que designa uma habilidade humana que constitui os sujeitos como seres sociais, históricos e cognitivos".

Pode-se considerar a linguagem como a marca mais notória de uma cultura, pois as trocas simbólicas permitem a comunicação, produzem relações, mantêm ou

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interrompem essas relações, além de possibilitar o pensamento abstrato e os conceitos. Considera-se também que é na e pela linguagem que se podem expressar ideias e conceitos que deverão resultar em um comportamento a ser compreendido como uma ação que provoca relações e reações. Na utilização da linguagem como forma de interagir, portanto, há sempre objetivos e fins a serem atingidos. De acordo com Vogt (VOGT, 1977: 155), "Só assim é possível entender que a linguagem é uma atividade de representação contínua do homem diante de si mesmo e do mundo".

Neste trabalho, faz-se um recorte desse universo de resultados de estudos para buscar um embasamento teórico nos autores e pesquisadores que tratam da linguagem, falada e escrita, como um mecanismo que inclui o sujeito socialmente, que faz do homem um sujeito de discurso.

A linguagem, tanto a oral quanto a escrita, enquanto argumentativa e construtora de possibilidades de inserção do sujeito, é importante para a sua participação social.

Interessa observar o que se expõe nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1997):

O domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento (p. 21)

A fala e a escrita

É sabido que a fala acompanha a evolução da espécie humana e é utilizada desde sempre com um caráter de comunicação e de interação entre os sujeitos. Nesse viés, vale lembrar que a escrita, que surgiu há aproximadamente 5.000 anos (3.000 anos a.C) , muito tempo depois que a fala, cercou quase todas as atividades sociais. Com o desenvolvimento das ciências e da tecnologia do século XX, os estudos relacionados à linguagem passaram a voltar-se mais para a relação de intercomunicação e deu-se destaque e valoração à intencionalidade de um falante frente ao outro, apostando-se num falar que revelasse eficiência comunicativa.

À luz dessas afirmações, pode-se defender que a oralidade e a escrita não são opostas, que caminham juntas, uma completando a outra, e que as duas juntas permitem a interação entre os sujeitos. É importante marcar essa mudança de visão para a compreensão de que a escrita não é superior. Ela é um bem "cultural desejável" (Marcuschi, 2004:16).

A escrita é também "uma modalidade de linguagem inquestionavelmente social e culturalmente constituída", segundo Rojo (ROJO, 1998: 122). Tais afirmações podem justificar o desejo do homem de desenvolver-se, de completar-se, bem como o seu anseio de apoderar-se de tudo aquilo que a humanidade, como um todo, é capaz de realizar, de buscar aquilo que ainda lhe falta.Pela maneira como foi introduzida culturalmente na vida do homem, a escrita tornou-se um símbolo de "educação, desenvolvimento e poder" (MARCUSCHI, 2004:17).

Alguns casos de alunos da Educação de Jovens e Adultos podem servir de ilustração para a afirmação acima. Eles demonstram também que só a oralidade não atende a todas as necessidades básicas nos dias de hoje.

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Começa-se com o caso de um senhor, de 62 anos, e do registro que pode ser feito de sua alegria contada na sala de aula. A razão de sua felicidade era o fato de ter conseguido operar o caixa eletrônico de um determinado banco em que tinha conta, para emitir um extrato bancário. Uma situação simples do cotidiano de tantos, considerado um desafio para este senhor que precisava recorrer à ajuda de outras pessoas. Tal feito permitiu "sentir-me igual aos outros da fila", conforme afirmou.

Outro caso é de uma aluna de 46 anos que trabalha como diarista. Viveu anos de aflição por chegar atrasada ao emprego. Como não conseguia ler, associava os itinerários dos ônibus a cores. Isso funcionou até que uma lei municipal determinou que todos os ônibus adotassem a mesma cor. Essa foi a maior razão que a levou à escola. No seu pedido de socorro, expressou: "preciso conhecer as letras e aprender a ler para poder trabalhar".

Já outro aluno, morador de Mauá há mais de 40 anos, disse certo dia que seu maior sonho era receber uma carta. Então, ele participou de um projeto que consistia em enviar correspondências às prefeituras da cidade natal de cada aluno, como um estímulo à escrita com significado. Quando ele recebeu, em casa, sua primeira correspondência, levou-a para a sala de aula. O envelope ainda estava lacrado, pois além de não ter tido coragem de abri-lo, afirmou que "nem sabia se podia". Ele acrescentou que quando o carteiro anunciou o seu nome, sentiu-se o homem mais importante de sua rua.

Percebe-se que essas pessoas e outras tantas em situações semelhantes, por algum tempo, conseguiram atender às necessidades básicas de sobrevivência, comunicando-se por meio da linguagem oral e utilizando-se de suas leituras de mundo, pois trabalharam, constituíram família, puderam ter conta em bancos. No entanto, a evolução humana, o desenvolvimento das ciências e da tecnologia passaram a exigir o conhecimento de outras linguagens para a execução das coisas simples do dia-a-dia.

Portanto, o poder associado à escrita pode ser analisado como a forma com que os grupos não letrados a concebem, ou seja, uma forma mais tecnológica de comunicação dos grupos que detêm o poder.

De acordo com Kleiman:

o poder liberador da escrita já é predicado quando se tece o argumento de que a posse da escrita permite que o possuidor, seja ele um indivíduo ou um povo, dedique suas faculdades mentais ao exercício de operações mais abstratas, superiores (KLEIMAN, 1995:31).

A expansão social do uso da linguagem escrita foi acompanhada pelo desenvolvimento social, pelas mudanças na política, na economia e na compreensão do homem a esse respeito. Nesse sentido, "associar a uma determinada variedade lingüística o poder da escrita foi nos últimos séculos da Idade Média uma operação que respondeu a exigências políticas e culturais", conforme Gnerre (GNERRE, 1998:11).

Sabe-se que, há mais de três mil anos, o homem já fazia tentativas de registrar seus pensamentos, seus sentimentos e aspectos de sua vida por meio da escrita e que esse fato é justificado pelas linguagens gráficas que foram criadas ao longo da história, marcas de uma trajetória que registram a possibilidade de compreender a evolução do homem, enquanto ser social.

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É possível afirmar que, com o tempo, a sociedade brasileira evoluiu quanto à aquisição da escrita. Tal fato demonstra a importância dada à leitura e à escrita, bem como a sua aquisição que ainda é compreendida pelos que não a têm como um salto de inserção social, na relação sujeito/mundo.

Partindo-se do pressuposto de que ler pode significar agir no mundo pela linguagem, construir-se como ser humano e cidadão, e que a escrita pode permitir a organização da leitura, a construção de argumentos que ajudem a pensar o homem e o mundo, pode-se afirmar, então, que o indivíduo que não sabe ler espera adquirir, por intermédio da escola, a escrita como bem cultural que ainda não lhe pertence e que permitirá sua inserção social em um grupo que parece superior, por ser possuidor desse bem.

Por essa razão, Perfeito (PERFEITO, 1999: 91) defende que a escrita deve ser ensinada e aprendida como "uma atividade cultural complexa [...], de forma que a leitura e a produção de textos devam ser consideradas como atividades constitutivas da vida dos sujeitos, na construção da cidadania".

No entanto a escrita, como símbolo de educação, toma lugar de destaque na ‘missão' que é dada à escola: ensinar a ler e a escrever. E é a partir dessa missão que a escrita se revela como sinônimo de desenvolvimento e poder, pois é dada à escola, enquanto ‘detentora do saber', a função de desenvolver no indivíduo as habilidades de escrita, pois "ser um usuário competente da escrita é, cada vez mais, condição para a efetiva participação social" (PCNs, 1997: 21).

Isto posto, é importante lembrar que surgiu a noção de letramento[1] como um conjunto de práticas sociais, um processo de aprendizagem da leitura e da escrita de forma social e histórica que se dá em qualquer contexto, do informal ao mais formal, como é o caso do ambiente escolar, e que faz com que o uso da escrita seja um bem necessário para a sobrevivência no mundo moderno.

Toma-se, primeiramente, a definição de letramento, defendida por Kleiman (KLEIMAN, 1995:19) como um "conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos e para objetivos específicos"

Essa ideia é ampliada por Soares, que concebe o letramento como "resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita; o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo, como conseqüência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais" (SOARES, 2003:39).

É possível afirmar que o letramento não distingue as pessoas em grupos orais e escritos, mas pressupõe a existência desses grupos e a relação entre as práticas orais e as práticas escritas que ocorrem entre eles.

Convém lembrar que, para Kleiman:

o letramento está também presente na oralidade, uma vez que, em sociedades tecnológicas como a nossa, o impacto da escrita é de largo alcance: uma atividade que envolve apenas a modalidade oral, como escutar notícias de rádio, é um evento de letramento, pois o texto ouvido tem as marcas de planejamento e lexicalização típicas da modalidade escrita. (KLEIMAN, 1998:181-82)

Pode-se citar, como mostra da relação dessas práticas, a existência daqueles que não utilizam ainda a escrita no seu dia-a-dia; são pessoas que fazem uso somente

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da oralidade e dos conhecimentos de mundo para a sobrevivência no mundo da escrita.

Neste trabalho foram expostos três casos de adultos nessa situação. São adultos que são analfabetos. Trabalham, recebem salários, compram, pagam, votam, enfim, são, de fato, cidadãos; logo, existem. Para essas pessoas é a oralidade, como um conjunto de falas e gestos, que é mais presente em suas vidas.

O mundo escrito é, para elas, demarcado por simbologias e cenários do cotidiano. São, no entanto, pessoas que apresentam o letramento, pois possuem conhecimentos, convivem e partilham com outros grupos o mundo moderno e tecnológico da escrita, sem serem possuidores dela.

Confirma-se, desse modo, que a fala precede a escrita, bem como se evidencia ser um fato o reconhecimento de alguns pesquisadores sobre a aquisição da linguagem oral e do letramento. "Os pesquisadores de aquisição de linguagem oral tendem hoje a reconhecer que o processo de letramento encontra-se em estreita relação com a construção social do discurso oral" (ROJO, 1998:122).

Também é interessante considerar a afirmação de Marcuschi (MARCUSCHI, 2007: 107): "os falantes dominam a língua a ponto de não terem problemas no processo interativo" É por essa razão que se defende o aprimoramento da oralidade do aluno na escola, pois se ela já permite a interação do sujeito, o que parece faltar é o desenvolvimento da escrita, para que esse mesmo sujeito se sinta inserido socialmente. É a escola que pode promover isso.

Considerações Finais

A escola, como contexto de aprendizagem chamado por Kleiman (1995) de agência de letramento[2], é um local de estudos dos processos de linguagem que reproduzem ou mudam relações sociais. É também o espaço no qual se encontram os diversos parâmetros que determinam o sucesso ou o fracasso da aprendizagem.

Os alunos chegam à escola trazendo saberes já construídos que devem ser valorizados como parte do processo de alfabetização e de letramento. A valorização desses saberes deve influenciar o cumprimento da função primordial da escola que é a de formar cidadãos. Ao mesmo tempo, decorre dessa valorização o despertar dos professores para a necessidade de atualizarem-se e de desenvolverem um trabalho voltado para uma sociedade mais tecnológica e globalizada.

Nesse contexto, o desafio do professor é levar o aluno, desde cedo, a refletir a respeito do efeito das palavras na efetiva comunicação entre os falantes de uma língua. Como professor letrador/mediador, deve planejar suas aulas a partir da realidade sócio-histórico-cultural dos alunos e levar em conta que um sujeito não aprende a escrever por imitação ou cópia, mas atuando com e sobre a linguagem escrita.

Esse desafio começa quando se mostra que a língua não serve apenas para descrever o mundo, mas também para realizar atos. Mostra-se que, para que isso ocorra, os usuários da língua devem analisar o contexto em relação ao qual um determinado ato de fala é realizado.

Percebe-se que são as letras e as palavras, trabalhadas no contexto escolar, que permitem ao sujeito fundamentar a visão de mundo, ou seja, é preciso que haja a intencionalidade da mensagem falada ou escrita. Faz-se necessário refletir a respeito das práticas discursivas que acontecem nesse espaço e que parecem estar

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mais voltadas para a linguagem escrita. Mesmo sendo a escola um local em que ocorrem necessariamente as relações de interação e comunicação, a linguagem falada, em geral, não aparece como um ícone de possibilidades para a aprendizagem do aluno.

Como já se afirmou neste trabalho, quando o aluno é inserido no mundo da escrita por intermédio da escola, ele já domina as habilidades da oralidade e já participa de várias maneiras, das relações que envolvem a escrita, pois convive com pessoas que sabem ler e escrever e tem contato com textos escritos em situações sociais de leitura e de escrita.

Tais sugestões reforçam a idéia de que é preciso que a escola alfabetize letrando, para que o professor possa proceder ao uso social da leitura e da escrita refletindo sobre situações às quais os alunos possam atribuir sentidos e possam também associar com o sistema da língua escrita. É preciso que seja ensinada a linguagem escrita e não o desenho de letras e a construção de palavras a partir delas.

Desse modo o aluno poderá compreender que a linguagem escrita é a maneira mais elaborada da linguagem falada e que se constitui de um sistema de signos que representam os sons e as palavras e que, assim, exige um exercício mais consciente por se tratar de algo que precisa ter relevância na vida do sujeito, para que ele possa ter motivação para escrever.

Também se faz necessário que se respeitem os conhecimentos prévios dos alunos, pois, como já afirmado, muitos deles adquirem o valor social da prática da escrita antes mesmo de entrarem na escola; eles terão mais facilidade em construir o conhecimento que continuará a evoluir e mudar, conforme são desenvolvidas as práticas pedagógicas.

Assim, insistir na importância da linguagem na vida e nos relacionamentos das pessoas, passando pelo contexto escolar e, por fim há que se concordar na afirmação sobre a escola "aprender a escrever é, aqui sim, construir uma nova inserção cultural" (ROJO, 1997: 49). Portanto, aprender a ler e a escrever e também fazer bom uso da leitura e da escrita pode transformar o indivíduo, levá-lo a uma nova condição sob diferentes aspectos: sociais, culturais, cognitivos, linguísticos, entre outros.

A escola pode ser considerada "indispensável para a apropriação da cultura letrada", conforme defende Mollica (MOLLICA, 2007:24). Para a autora, "os falantes se apropriam de estilos linguísticos mais formais e tornam-se atores de episódios discursivos praticados em espaços sociais definidos." Essas ideias de Mollica reforçam a discussão do assunto que permeia este trabalho: a inclusão social por meio da leitura e da escrita.

Esse tema está associado diretamente à escola, que enquanto "agência de letramento" é o local em que o processo de aquisição da escrita deve acontecer para que o aluno possa fazer uso dessa escrita para além da escola. Considera-se a apropriação da escrita como um meio de inclusão social, que permite a organização da leitura, a construção de argumentos outros que ajudarão a pensar melhor sobre o mundo e sobre os homens.

Assim, por ser a escola um local propício de manifestação de diferentes práticas discursivas, é também o espaço em que essas práticas podem ser trabalhadas de forma a promover o despertar para a escrita, vista atualmente como uma modalidade de linguagem necessária para a inclusão do sujeito no mundo letrado, conforme se procurou demonstrar aqui. Então, neste contexto, o professor precisa

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construir uma função para a escrita, que era da fala, até o momento desse sujeito ir à escola.

Sabe-se que a escola não é responsável sozinha por essa inclusão, mas também se sabe que é um local em que os graus de letramento podem ser aumentados e, consequentemente, podem, fazendo nossas as palavras da autora, "diminuir os níveis de exclusão social aos quais parte dos brasileiros se acha submetida" (MOLLICA,2007:25).

Considera-se, então, que é no contexto escolar que a leitura e a produção escrita acontecem como objetos de aprendizagem. Portanto pode-se dizer que as atitudes e as ações pedagógicas dos professores podem determinar a adequada compreensão de mundo e a participação efetiva do sujeito na sociedade. "Daí a necessidade de uma educação corajosa [...] que levasse o homem a uma nova postura diante dos problemas de seu tempo e seu espaço", fazendo nossas as palavras de Freire (FREIRE, 1982:93).

Referências Bibliográficas

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a 4ª série).Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, DF, 1997.

DEL RÉ, A. Discurso da oralidade: da teoria à prática. In: MELO, L .E.Tópicos de Psicolingüística Aplicada. São Paulo: Humanitas, 1999. pp. 55-74.

FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1982.

______. A importância do ato de ler. 34. ed. São Paulo: Cortez, 1997

GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

KLEIMAN, Â. (org) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a

prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995.

______.Ação e mudança na sala de aula: uma pesquisa sobre letramento e interação. In. ROJO, R.(Org.) Alfabetização e Letramento: Perspectivas lingüísticas. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1998. pp.173-203.

MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita - atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2004.

______.Cognição, linguagem e práticas interacionais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.

MOLLICA, M.C. Fala, Letramento e Inclusão Social. São Paulo: Contexto, 2007.

PERFEITO, A. M. Discurso da Escrita: da teoria à prática. In: MELO, L.E.(Org)Tópicos de Psicolingüística Aplicada. São Paulo: Humanitas, 1999. pp.75-93.

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______. O letramento na ontogênese: uma perspectiva socioconstrutivista. In_____(Org.) Alfabetização e Letramento: perspectivas lingüísticas. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1998. pp. 121-171.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte, MG:Autêntica, 2003.

VOGT, C. O intervalo Semântico. São Paulo: Ática, 1977.

[1] Traduzido do inglês literacy: ‘letra', do latim littera, e o sufixo ‘mento', que denota o resultado de uma ação. Com o sentido que tem hoje foi citado pela primeira vez em 1986, na obra No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística, de Mary Kato ( cf. Soares, 2003, p. 32). No entanto, uma outra obra parece ter lançado essa palavra no mundo da educação. Do ano de 1988: Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso, de Leda Verdiani Tfouni, apresentava a distinção entre letramento e alfabetização.

[2] Conceito mencionado por Kleiman (1995), em referência aos contextos nos quais podem se dá o letramento: a família, a igreja, a escola, a rua, o lugar de trabalho etc.