leitura - a economia escravista de minas gerais no séc. xix

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Leitura – A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX – Texto para discussão do CEDEPLAR Foi a maior da história da instituição servil brasileira, com crescimento acelerado durante o séc. XIX; pesquisas sobre o tema são, no entanto, escassas. o Ideia de que só a atividade exportadora brasileira que importa; Minas, só o ouro (séc. XVIII). A interpretação prevalecente: o Grande contingente de mão-de-obra escrava foi reunido em Minas durante a era mineradora. Depois, se dispersaram pela capitania servindo como mão-de-obra de subsistência; economia entrou em fase de letargia. o A única coisa que importa no séc. XIX é a lavoura cafeeira, mais ou menos parecida mas de menor importância que Rio e SP. Vai de encontro a essa interpretação: mão-de-obra escrava não era herança da mineração, mas importada no próprio séc. XIX. Associação escravidão-plantation não é tão forte quanto se imagina; a maioria dos escravos mineiros nunca esteve em uma lavoura de café ou em uma mina. Por ser uma economia pouco exportadora e voltada para mercados locais, deixa poucos registros e foi pouco estudada; por não ser ligada a mercados internacionais, não tinha booms nem depressões dramáticas. “A existência de ‘um produto cujo cultivo demande combinação e organização do trabalho numa escala extensiva’ e conexões com mercados internacionais ou, numa palavra, a existência da plantation exportadora é considerada condição sine qua non para a viabilidade e sobrevivência da escravidão como sistema de trabalho. Por outro lado, o cultivo de cereais, a pecuária e as atividades manufatureiras, especialmente quando orientadas para o mercado interno, como foi o caso de Minas, têm sido frequentemente reputados incompatíveis com o trabalho forçado”. E como se manteve o trabalho forçado em Minas? o “Não havia uma oferta de trabalho assalariado porque a fronteira agrícola estava aberta e os camponeses livres tinham franco acesso a terras não ocupadas, das quais podiam extrair uma subsistência independente. Nesse contexto, uma classe de

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Page 1: Leitura - A Economia Escravista de Minas Gerais No Séc. XIX

Leitura – A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX – Texto para discussão do CEDEPLAR

Foi a maior da história da instituição servil brasileira, com crescimento acelerado durante o séc. XIX; pesquisas sobre o tema são, no entanto, escassas.

o Ideia de que só a atividade exportadora brasileira que importa; Minas, só o ouro (séc. XVIII).

A interpretação prevalecente:o Grande contingente de mão-de-obra escrava foi reunido em Minas durante a

era mineradora. Depois, se dispersaram pela capitania servindo como mão-de-obra de subsistência; economia entrou em fase de letargia.

o A única coisa que importa no séc. XIX é a lavoura cafeeira, mais ou menos parecida mas de menor importância que Rio e SP.

Vai de encontro a essa interpretação: mão-de-obra escrava não era herança da mineração, mas importada no próprio séc. XIX.

Associação escravidão-plantation não é tão forte quanto se imagina; a maioria dos escravos mineiros nunca esteve em uma lavoura de café ou em uma mina.

Por ser uma economia pouco exportadora e voltada para mercados locais, deixa poucos registros e foi pouco estudada; por não ser ligada a mercados internacionais, não tinha booms nem depressões dramáticas.

“A existência de ‘um produto cujo cultivo demande combinação e organização do trabalho numa escala extensiva’ e conexões com mercados internacionais ou, numa palavra, a existência da plantation exportadora é considerada condição sine qua non para a viabilidade e sobrevivência da escravidão como sistema de trabalho. Por outro lado, o cultivo de cereais, a pecuária e as atividades manufatureiras, especialmente quando orientadas para o mercado interno, como foi o caso de Minas, têm sido frequentemente reputados incompatíveis com o trabalho forçado”.

E como se manteve o trabalho forçado em Minas?o “Não havia uma oferta de trabalho assalariado porque a fronteira agrícola

estava aberta e os camponeses livres tinham franco acesso a terras não ocupadas, das quais podiam extrair uma subsistência independente. Nesse contexto, uma classe de proprietários não-trabalhadores só poderia sobreviver através do recurso continuado ao trabalho forçado”.

o Ou seja: não existia só latifúndio em Minas.

II

Já no fim do séc. XVIII 80% dos trabalhadores (livres e escravos) não estavam mais na mineração (agricultura e pecuária).

Lavras operando em baixo nível de atividade; não havia tecnologia para extração de ouro de maneira que desse lucro.

Ao fim do período, apenas 5,9% dos escravos estava nas minas.

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Independência e entrada de empresas mineradoras estrangeiras; não reverteram o declínio da mineração; além disso, a tecnologia era intensiva em capital e o uso de escravos era reduzido; existência efêmera.

Declínio generalizado e acentuado da mineração durante todo o séc. XIX, com boom acentuado da exploração de diamantes quando acabou o monopólio real (década de 30).

Declínio da mineração -> transferência dos escravos para outras atividades.o MAS: no meio dessa depressão, o contingente de escravos em Minas começou

a crescer (terceiro quartel do séc. XVIII) e não parou por todo o século XIX.o Ou seja: população escrava mineira não era herança do rush do ouro.o Também não tem suporte a ideia de que a taxa de alforria era alta durante o

período do ouro – houve aumento abrupto na concessão de alforrias durante o declínio, mas que parou quando economia se afastou da mineração.

III

A ideia de que a lavoura cafeeira salvou a economia escravista, no que toca a Minas, não pode ser comprovada pelos fatos. Afinal, o setor ainda era muito pequeno até 1850 (e a expansão da população escrava começou muito antes).

Além disso, a produção de café, durante o Império, estava restrita a uma estreita faixa de terra, “acompanhando a fronteira com o Rio de Janeiro e limitada ao norte pelas serras da Mantiqueira, da Gameleira e do Caparaó”.

No fim do império, a zona cafeeira não ocupava mais do que 4% do território mineiro. (O sul de Minas só começou a produzir café na república!!) A lavoura cafeeira em Minas nunca empregou mais do que uma pequena parcela da

mão-de-obra escrava da província: 1851-55: 1.87%; 1886-87: 15.38%. A evolução desse setor também não pode ser associada com o resto do Vale do

Paraíba (RJ e SP), porque Minas tinha fronteira aberta que assim permaneceu séc. XX adentro.

A escravidão mineira não pode ser identificada com o café; Minas não pode ser incluída entre as “províncias cafeeiras”.

IV

Apesar de o papel de Minas no tráfico de escravos nunca ter sido estudado, afirma-se categoricamente que a expansão do café no Rio e SP se deu em cima de escravos “pré—existentes e sub-utilizados” (Furtado) dado o declínio da mineração em Minas.

Cita historiadores (brasileiros e estrangeiros) que escreveram a mesma coisa.o Ideia: breeding states dos EUA: províncias/regiões com economia “decadente”

(não exportadora) , onde a escravidão não era rentável, exportavam seus escravos “redundantes” às dinâmicas regiões de plantation orientadas para o mercado externo.

Não há registros de que Minas tenha exportado cativos; ao contrário, há queixas sobre o seu alto preço e escassez na província para a agricultura. Minas era importador líquido de escravos (a maior província importadora do séc. XIX), e eles eram bem mais caros aqui do que no Rio.

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Os escravos para o café do Rio e SP eram importados da África, não de Minas; Há casos de famílias ricas mineiras que investiram no café no Vale do Paraíba, mas não

teriam levado consigo escravos. Sua família teria sido fonte de crédito e capital para o início da empresa.

Cita possíveis casos pontuais de famílias que migraram com seus escravos e de escravos que foram realmente importados de áreas decadentes de Minas; a província foi, possivelmente, de fato exportadora líquida nos poucos anos que precederam o censo de 1872.

Ou seja:o Minas não era fornecedora de escravos para a lavoura cafeeira do RJ;o Segundo os dados, a balança entre essas províncias ficava no zero a zero:

evidência de pouco intenso comércio de fronteira;o Muitas das migrações de escravos para o Rio era associada a pequenas

migrações de senhores com seus escravos.o Além disso, a população de escravos de idade entre 11 e 40 anos em Minas era

maior que em qualquer outra província: não saía perdendo no comércio interprovincial.

Análise da distribuição intraprovincial é possível a partir de 1873, quando há dados sobre a população escrava por município:

o 1873-1884: concentração na Zona da Mata (cafeeira), mas dos 34 municípios importadores, apenas 6 eram cafeeiros.

o 1880-81: temendo que a drenagem de escravos pelo Centro-Sul fizesse com que as outras províncias parassem de apoiar a escravidão, foram criadas restrições ao tráfico inter-provincial, “congelando” os escravos em Minas; intensificação do tráfico intra-provincial.

o Com análise no nível dos municípios, a conclusão é de que há baixa associação entre direção do tráfico e características econômicas dos municípios (cafeeiros/não cafeeiros).

o 1884: queda no preço do café e más perspectivas políticas para a escravidão. Diminuição na intensidade do tráfico.

o Minas também tinha as mais baixas taxas de manumissão nos anos finais da escravidão.

V

Dado que Minas do séc. XIX não era café nem ouro e que esses produtos não explicam o tamanho da província, o que era?

o Fora da Zona da Mata, exportação era exceção: unidades agrícolas de auto-consumo vendendo excedente para o mercado local;

o Fazendas isoladas e muitas parcialmente integradas à economia monetária;o Sítios, roças de subsistência e fazendas de gado.o “Caracterizar a província como ‘província cafeeira’ é privilegiar o apêndice,

desprezando o corpo principal – e a alma”. Explosão da economia regional com o boom da mineração: abastecimento das áreas

mineradoras;

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Crise da mineração levou a aceleração da diversificação e colocou a economia em crescente isolamento dos mercados externos, pois sem ouro não dava para importar -> processo de substituição de importações;

No fim do séc. XVIII, Minas já era auto-suficiente e exportava algum excedente, principalmente para o mercado urbano do Rio.

Manufatura: forjas de ferro, indústria têxti – ambas com oposição da metrópole.o Minas chegava a exportar tecidos.

“A estrutura econômica que tomou forma no fim do setecento permaneceu essencialmente inalterada e suas linhas mestras – auto-suficiência e desligamento de mercados externos – foram reforçadas no decorrer do século dezenove”.

o Café praticamente não teve impacto no resto da província. Sobre as exportações não cafeeiras: baixo valor per-capita e crescimento lento. Relatos de contemporâneos revelam que a caracterização de minas como plantation

cafeeira é obra dos historiadores do século XX.o Observavam que a produção era abundante, mas muito pouco se exportava.

Como a maioria dos impostos recaía sobre o comércio de longa distância, Minas era “mal vista” pelas autoridades.

Contra o paradigma da economia exportadora, Minas só exportava seu excedente. Descrições das fazendas mineiras, “qualquer coisa de intermediário entre uma família

e um reino”.o Nela havia inclusive trabalhadores especializados e oficinas: era

absolutamente auto-suficiente. Sobre a produção mineira de algodão – totalmente manufaturado na própria

província, em teares domésticos. Grande volume de exportações, mas o grosso da produção era consumido localmente. Provavelmente era a atividade manufatureira mais importante do BR na primeira metade do XIX.

o Maior parte trabalho livre, mas havia trabalho escravo; Siderurgia

o Maior parte trabalho servil Escravos

o Agricultura, artesanato e manufatura; alta concentração no serviço doméstico. Estagnação ou falta de mudança? Padrão de vida médio.

VI

Por que Minas se apegou tanto ao trabalho servil? Só é paradoxal quando se pensa que escravidão está ligada à economia de exportação;

“A escravidão era necessária, do ponto de vista da classe proprietária, porque não havia uma oferta voluntária de trabalho assalariado”.

o Era a única maneira de se ter trabalho permanente. Dinheiro não atraía; preferiam cultivar para subsistência. “Diz-se que a escravidão degradava o trabalho...”; e “O camponês não se submetia ao

trabalho assalariado porque ele tinha acesso a outras alternativas econômicas” -> a fronteira era aberta!

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“o camponês livre não era um proletário. Ele tinha acesso aos meios de subsistência e, portanto, controlava a mais fundamental de suas decisões econômicas”.