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A morte é uma sombra na terra C.S. O que me sustenta: de versos ou de anatomia; coração que comprime nos tubos da válvula toda a angústia, tornando-a mais sufocante. ... Não termino uma composição em chave com a cor da vida abrindo portas de resumo. Prefiro a secura dos lábios Dela. ... Fechar os olhos no rosto inexpressivo mantinha os que eu conhecia afastados... Não se lembrariam de mim. E então, viam-me uma vez e eu era reconhecido. Evito as câmeras, pupilas medonhamente sem o seu branco; dilatadas ou piscando gravam a minha imagem! ... Minha obra-prima será a tentativa sem malogro de exibir-me no funeral como um best-seller na vitrine. Sepultura Aberta, Autolapidação A morte é uma sombra na terra C.S.

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A morte é uma sombra na terraC.S.

O que me sustenta:péde versosou de anatomia;coraçãoque comprime nos tubos da válvulatoda a angústia,tornando-a mais sufocante.

...

Não termino uma composiçãoem chave com a cor da vidaabrindo portas de resumo.Prefiro a secura dos lábios Dela.

...

Fechar os olhosno rosto inexpressivomantinha os que eu conhecia afastados...Não se lembrariam de mim.E então, viam-me uma veze eu era reconhecido.Evito as câmeras,pupilas medonhamente sem o seu branco;dilatadas ou piscandogravam a minha imagem!

...

Minha obra-prima será a tentativa sem malogro de exibir-me no funeralcomo um best-seller na vitrine.

Sepultura Aberta, Autolapidação

A morte é uma sombra na terraC.S.

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A morte é uma sombra na terra

por C.S.

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Prefácio

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Eu apertava os dedos incontáveis da Morte, e rodopiávamos por flores negras e fechadas, que fabricam óleos impregnantes para os tipos de viventes. Foi minha amiga desde o casulo em que quase virei uma delas. Jovem, toquei a única nuvem naquele céu vasto, e outra apareceu: a Poesia, de mãos firmes.

Quando eu as afastava, a mais antiga ainda parecia a mais atraente no meu encalço reunindo atrás sorrisos, aplausos, beijos e conversas dos quais nunca precisei, mesmo antes de tirar-me do buraco onde esperamos escondidos cada um deles brotar girassóis. As mãos que a Regedora Traiçoeira, disfarçada para eu não a reconhecer, pegou e me ofereceu companheiras arrastaram-me até o limite da sanidade, e eu fui empurrado de volta oscilando entre a normalidade contestável e a perdição.

Tremulavam minha sombra na água as perturbações de momentos para se aquietar ímpetos de morrer e de momentos em que imperava a tentação de praticá-los enlouquecidamente. Apenas nestes a musa comia os supostos vermes no solo parnasiano e, exaurido em cada linha, como se eu me matasse, eu não pensava em revisão até chegarem aqueles, tardando ao máximo para que eu, na pressa de ter algo publicado antes de alguma fatalidade, registrar e expor alguns poemas ruins entre os esmerados, em geral por sua má qualidade incorrigível, ou que precisassem de uma limpeza imediata do estilo, não percebidas a tempo. Mas tocando em hastes finas e alinhadas como as cordas da lira, não olhar direto a Morte era um pouco

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suportável.

Se eu estancava nas ideias suicidas que me atormentavam, é porque ao menos inspiravam em formas tradicionais e em estrofe ou parágrafo breve e único (também características da vida), às vezes dividido em dois (vida/morte) ou três (nascimento/vida/morte) períodos simbólicos uma parte relativa de minha produção, que eu tinha o costume inevitável de interromper extasiado pelo silêncio, descontinuando os esboços de livros maiores e possíveis.

Cada um dos seguintes poemas se corporificou quando a Morte roçou suas garras na corda principal que entoava a lira, e conforme forçou aos poucos tive a inspiração para estendê-lo. Só considerei um verso como final ao sentir que estavam prestes a segurar a mão que uso para escrever.

Eu inumava minhas palavras (trepidações do Grandioso no saco de ossos, escassas até essas lajes tumulares que consegui fixar) com as crises e se obrigadas demais a assuntos passageiros. Por existirem as alheias, ouvindo-as ou não, eu esperava ansioso a taciturnidade.

A Morte seduzia-me com uma venda escura que ocultaria de meus olhos tudo o que é físico e consequentemente sufocante, mas que eu tateava e observava em divagações para ter a certeza de não desaparecermos – como eu expressava algo que considerariam amável e feliz para duvidar seu convencimento –, enquanto Ela não se atirava de uma vez pela entrada.

Não escavei, ímpar de muitos, que se reprimem, a depressão a que

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o nosso longo filete de água se desviaria, corredio até pararmos de olhar o curso, esgotar-nos e morrermos. Eu desceria talvez pela terra seca, a vontade simples de estar paralisado ante o etéreo, paranoico fugindo das faces que só enxergava podres ou enraivecidas, espantado sem motivo por qualquer defeito, enquanto a Morte só tem os de ser imprevisível e de considerar uma aflição em nossos momentos finais.

Eu era propenso a fazer-me esquecido por todos. As experiências me pioravam. Eu adotava nomes sem vivência própria. Deixar vestígios entorpecia-me para um voo em asas cinzentas e disformes pelo Véu.

Eu me mantinha uma criança que descobriu perante a Morte a primeira sensação de curiosidade. Imaginando-a, não escalei os monumentos cômodos que barram a ida além. Agora é varrida para ambientes de reclusão que copiei em limites sob controle por eu destrancar suas fechaduras, um internado enfim sozinho com a Morte.

Eu vivificava Hades no mundo sobrado das tentativas de confinar-me numa prisão com um rio de lava ilusório por nunca agonizar uma alma mergulhada, a solidão aglomerando os fantasmas dos que conheci, e a forma horripilante desfeita em pedaços de meus parentes Titãs… Infantil, lá eu solicitaria de frente um servo que pensei ter, mas em cujas fronteiras alicercei nada (“Hesito:”), e diria para me despojar a forma com que o fiz um mensageiro. Eu voltaria para o ventre de onde a Morte, noutro sentido que o médico, tentou com a dedicação de uma mãe sempre presente segurar até a escuridão plena um feto (“Trancado neste quarto,”)? Meu cotidiano era um

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desenvolvimento grotesco da suspensão que reteve-me da luz, crescendo como um morto-vivo.

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Como Se Comporta a Sombra do Suicida?

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O gado engasgava com remoalhos.Um cantor de modinhasdeu-lhe o baldetrazido do rio onde caíra a menina de mangas curtasperseguindo lampiros,como belos ficariam em seu peito.Afogou-se outrono quarto aceso,e, escrevendo com ardor vestal,lembro neste lucubroburacos que não terminaram de cavar– se eram para a menina ou a pá.

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Desfaça o nó!

No tanque, um pássaro pipiava voltado para a parede.

Extremidades desfiadas,puxo os fios.

Aventaise nós que foram desfeitossecam no varal.

Laços doces,fitinhas nos cabelos,cadarçosamarrados,tudo no ínfimo ambiente preso de um parque.

Forcasindecifráveis,oráculo nenhum

conta-as.

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Poesia é o encantamento das palavras.Leio Goethe e,como se eu entrasse na catedral de Estrasburgo,símbolos grandiosos e arbitrários translucidam minha alma!

Passaste a mimvassourasdescontroladasbagunçando o fascinante lar,aprendiz.

A poesia ditano pouco que Ele viveu!Fiel,desencaixe a tumba de Jerusalém…

Febra digeridaque produz decifraçõese equilíbrioem cada nervo.

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Na feira,mangas verdesou amarelasjamais saberão porque as compramos.

Desapreciaram todo o seu volume.

Mandíbulas poderosassulcam-nas.

Serve a cor alteradaantes de pedirem uns trocados?

A representação de uma derrota?

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Caim,ninguém previu teu repentino ciúmeda inocência recompensada;brilho fraco, de um maior,lembrando-nos humanos.À noite, preveem-se os crimes?Iluminas a cratera infernal,punições recaídas a outros,cainhos pela dor,o homem – imitaçãopobre de Deus –,onde a oferenda foi discórdia,e o abelita que,vendo as rugasde há tanto percorrendo,pensa em perdão.

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