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Manual de Boas Práticas

4 Dário Aguirre & Karla Negry

Copyrigth Todos os direitos reservados à Karla Christinna Pereira Negry – Brasília/DF (Mestre em Educação) Dário de Àvila Aguirre – Brasília/DF (Mestre em formação em Educação) Registrado na Fundação Biblioteca Nacional – Registro em agosto de 2012. Proibida a reprodução total ou parcial deste material sem autorização prévia dos autores.

Edição Independente 1ª edição – 2.500 exemplares

Incluir Desenvolvimento Profissional e Gerencial Ltda Rodovia DF 475 – Km 01 – Condomínio das Palmeiras – Rua 14 Lote 01 CEP.: 72.457-995 Ponte Alta Norte – Gama /DF Fone: (61) 3028-6769 E-mail: [email protected]

NEGRY, Karla C. P.; AGUIRRE, Dário de A.

O Ledor e o ENEM / Karla C. P. Negry; Dário de Ávila Aguirre. – Brasília, 2012 – 54p : Il.

Registrado na Fundação Biblioteca Nacional

1. Formação de Ledores para auxílio a pessoas com dificuldades na leitura de provas. 2. Atendimento especializado em provas do ENEM. 3. Transcrição e Auxílio no preenchimento de folhas de respostas objetivas e discursivas em provas do ENEM. 4. Sensibilização para o atendimento de participantes com necessidades especiais em provas e seleções.

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SUMÁRIO

Introdução 03

O ENEM 06

Paradigma 11

Comunicação 15

Atendimento Especializado 18

O Ledor 27

Técnicas de Leitura 37

Referências Bibliográficas 49

Anexo 51

I – Acuidade Visual

II – Material de apoio permitido ao participante

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INTRODUÇÃO

O principal papel da educação é estimular, abrir frentes que possam diminuir carências e possibilitar a construção do conhecimento. Esse conhecimento é gerado a partir da análise, do pensamento, da comparação, da pesquisa, da dúvida e da busca por soluções. Conforme afirmado por Paulo Freire, a busca deve ser mediada pela escola que tem como principal missão estimular os estudantes a serem autônomos na busca pelo aprender e a importância de sempre querer aumentar seus conhecimentos.

É necessário mostrar aos estudantes, desde os primeiros momentos de sua escolarização, o mundo e suas possibilidades. Somente a partir do pleno relacionamento com o ambiente externo é possível estimular a vontade pela descoberta que impulsiona em direção à autonomia na construção do conhecimento. Então, o papel da escola não se resume em oferecer respostas, mas sim possibilitar que os estudantes façam novas perguntas e encontrem suas respostas.

As pessoas com deficiência, por vezes, são tolhidas deste salutar processo de aquisição da independência para a aprendizagem, pois só tomam contato com o mundo durante o período escolar, tendo na maioria das vezes a falta de estímulo familiar.

O cenário hoje apresentado para pessoas com deficiência é de subjulgamento de sua capacidade, tanto na escola quanto na sociedade. As pessoas com algum tipo de dificuldade para realizar certas atividades são ―classificadas‖ como incapazes em uma nítida ação de preconceito que valoriza o ―defeito‖ em detrimento da pessoa.

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São exceções da regra aqueles que apesar de apresentarem determinadas dificuldades conseguem estímulo para prosseguir e mostrar o que é sua capacidade, seu limite.

Por isso a primeira lição que devemos aprender é que o correto não é determinar quais suas faltas, mas colocar a frente aquela que é sua principal e mais marcante característica, eles são PESSOAS. A partir daí podemos caracterizá-las se for necessário... PESSOA com deficiência, PESSOA com déficit, PESSOA com características individuais.

Enquanto Ledores atenderemos PESSOAS que, assim como nós, têm direitos, deveres, sonhos, personalidade, frustrações, qualidades e defeitos. Simplesmente PESSOAS que são diferentes, mas afinal quem é igual?

No caso da educação de crianças com deficiência, como nos ensina a Professora Maria Ester Montoan (2002), ―independente da concepção pedagógica ou linha metodológica adotada, não se pode negligenciar o desenvolvimento integral e a utilização de técnicas e recursos específicos fundamentais ao êxito e eficácia do processo de aprendizagem. É necessário o desenvolvimento de capacidades básicas, proporcionando ao indivíduo a oportunidade de desenvolver toda potencialidade, tornando-se um ser autônomo, participativo, uma pessoa plena, um homem com consciência de si mesmo‖.

A independência citada acima passa, na sociedade atual, pelo domínio da leitura de textos escritos a tinta. No decorrer desta apostila ficará claro o motivo deste grifo. As pessoas que têm dificuldade nesta área ficam a margem da sociedade letrada e, injustamente, privada de seus direitos.

Porém não somente Pessoas com Deficiência possuem dificuldades na Leitura. Uma série de outras pessoas que não são classificadas clinicamente como deficientes também possuem disfunções biológicas que as impedem de ter um relacionamento com o mundo das letras e formas impressas.

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Pessoas com Dislexia, Transtorno de Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade, Autistas, Amputados, Transtornos Globais de Desenvolvimento, entre outros, por vezes não estão enquadrados, pelos olhos da Lei, como Pessoas com Deficiência, porém pelos olhos da justiça e em nome da isonomia, também são merecedores de atenção especial para o atendimento de suas necessidades.

O desafio específico está em encontrar o melhor caminho pelo qual as pessoas possam progredir tanto na vida acadêmica quanto na social. No contexto escolar e mesmo em aplicação de provas de avaliação ou exames, uma das possibilidades de continuidade destes caminhos é a atuação do Ledor, um profissional que tem como meta transformar o mundo das imagens e das letras, inacessíveis para algumas pessoas, para o mundo de sons que pode ser compreendido, dando acesso a direitos e aspirações.

Esta apostila é um recorte das atividades do Ledor. Seu foco está em situações de provas onde o participante precisa ter suas necessidades atendidas para assim poder concorrer ou mesmo participar em condição de igualdade com qualquer outra pessoa.

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O ENEM

Nos últimos 20 anos, a educação passou por grandes mudanças. Desde que em 1990, na cidade de Jomtien na Tailândia, 155 governantes de vários países assinaram a Declaração Mundial Sobre Educação para Todos, muitas ações mundiais foram tomadas no sentido de proporcionar o aumento da escolarização formal e a erradicação do analfabetismo.

O Brasil, no esteio de cumprir o acordo, lançou em 1993 seu primeiro plano decenal de educação, que entre suas metas estava a universalização do atendimento na educação básica.

Ainda sob a influência da Declaração de Jomtien, em 1994, na cidade de Salamanca na Espanha, é realizada a conferência mundial sobre políticas, práticas, princípios para a democratização do ensino voltado a Alunos com Necessidades Educacionais Especiais (AEE). Entre suas diretrizes, esta conferência visava (a) atender as diferenças de aprendizagem de toda criança, jovem e adulto; e (b) universalizar o acesso a educação e promoção da equidade com vistas ao avanço da escolarização formal.

Sob o efeito destes compromissos os legisladores nacionais passaram a reorganizar a educação nacional. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação e seus consequentes desdobramentos trouxeram para a realidade escolar uma série de inovações como exames e avaliações da qualidade do ensino, a reorganização dos níveis educacionais e a inclusão de Pessoas com Deficiência em classes regulares de ensino.

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Uma destas inovações foi o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) que segundo a Nota Técnica1 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) foi criado em 1998 com o objetivo de avaliar a educação básica. O exame, de participação voluntária, destina-se aos estudantes que estão concluindo (concluintes) ou que já concluíram o ensino médio em anos anteriores (egressos).

É necessário entender a diferença entre exame e avaliação. Embora o nome da prova apresente o termo exame, sua função era de avaliação. Segundo o Professor Cipriano Luckesi (2005), existem diferenças cruciais entre exame e avaliação. O primeiro tem um caráter classificatório encerrando sua ação no próprio ato de examinar; já o segundo deve ser retroalimentador, possibilitando com seus resultados ações corretivas focadas na melhoria do processo. Respectivamente, um aprova e reprova, o outro avalia e realinha para o crescimento.

De 1998 a 2004 o ENEM cumpriu fielmente a função de Avaliação. Em 2005, a participação na prova passou a ser pré-requisito para a obtenção de bolsas de estudo do Programa Universidade para Todos (ProUni). Esta mudança gerou um grande crescimento no número de participantes do Exame. Em 2009, seus resultados passaram a parametrizar outras políticas públicas como a democratização do acesso ao Ensino Superior, a certificação de Jovens e Adultos no Ensino Médio e mesmo a reestruturação de Currículos do Ensino Médio.

Se em 2005 o requisito para o ingresso no ProUni era a simples participação no Exame, em 2009 a nota dos participantes passou a ser usada como critério de seleção (total ou parcial) para os programas governamentais e mesmo para o ingresso em Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).

1 Disponível em http://sistemasenem2.inep.gov.br/enemMediasEscola/pdf/nota

tecnicaenem_2010_1.pdf

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Assim sendo, o ENEM agregou novas responsabilidades àquelas planejadas em sua gênese. A pluralidade dos participantes coloca lado a lado um sem número de peculiaridades sociais, econômicas e educacionais. Para 2012 são esperados aproximadamente 5 milhões e 700 mil participantes no ENEM, sendo que destes aproximadamente 118 mil solicitaram algum tipo de atendimento especial.

Ações que interferem no direto de terceiros sempre envolvem uma complexidade de ações. Atualmente o ENEM assumiu ambas as faces, avaliação e exame. Avaliação por seus resultados ainda serem usados para mensurar a qualidade da educação básica nacional e, exame, por estabelecer que a nota individual do participante dá ou cessa o direito ao ingresso em uma IFES.

Ao assumir a função de exame o ENEM elenca como mais um de seus objetivos a eliminação de toda e qualquer barreira que possa impedir o acesso do participante à prova. Porém, isto depende de uma clara parametrização das responsabilidades de cada etapa do processo e de uma pluralidade de ações para que elementos de ordem externa (como qualidade dos profissionais envolvidos na aplicação de provas, das adaptações solicitadas e mesmo dos espaços físicos empregados durante a prova) não pontuem como fonte de desnivelamento de desempenho.

Assim, a classificação (nota) do participante torna-se fruto de sua capacidade de demonstrar as competências elencadas como necessárias pela Matriz de Competências do ENEM. A dificuldade da prova deve residir na solução das questões propostas e não em barreiras comunicativas, de leitura, urbanísticas, arquitetônicas ou psicológicas que impossibilite ou dificulte o acesso à prova ou a informações.

O Decreto nº 5.296/04, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das

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pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida estabelece no art. 8º que acessibilidade é:

―condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida.‖ (BRASIL, 2004)

O Decreto classifica ainda como barreira tudo aquilo que não fornecer acessibilidade. No art. 8º enumera quais são os tipos de barreiras, sendo que o Ledor deve atentar-se na solução das barreiras comunicativas e informativas. Ainda este Decreto define, no artigo 6º, que as pessoas com deficiência necessariamente serão atendidas por pessoas especialmente treinadas para os diferentes tipos de ações necessárias durante a prova.

Existem ainda as Ajudas Técnicas que são produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologias adaptados ou especialmente projetados para melhorar a funcionalidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal, total ou assistida. Conheceremos todas as Ajudas Técnicas permitidas para uso no ENEM no módulo que fala do Atendimento Especializado.

Em resumo, o exame deve possibilitar o acesso á informação de maneira direta ou por meio de tecnologias (chamadas de Ajudas Técnicas) e ainda garantir a permanência de Pessoas Especialmente Treinadas no local de provas com vistas á remoção de barreiras de comunicação remanescentes.

A prova do ENEM é feita em dois dias sendo dividida em 4 grandes blocos: (a) Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; (b) Matemática e suas Tecnologias; (c) Ciências

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da Natureza e suas Tecnologias e (d) Ciências Humanas e suas Tecnologias. Cada um desses blocos é composto por 45 questões, e são apresentados dois blocos por dia ao participante, logo, a realização da prova é de 90 questões por dia.

Há ainda, no segundo dia, a confecção de uma redação pelo estudante, sendo esse o motivo pela ampliação do tempo de prova em uma hora. É importante frisar que as pessoas que são atendidas por Ledores e Transcritores POSSUEM TEMPO ADICIONAL DE UMA HORA PARA EXECUTAR A PROVA. A Atuação do Ledor no ENEM também será objeto de capítulo deste material, então vamos seguir em frente!

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PARADIGMA

Como início convidamos o leitor desse material a pensar o que é realidade. A todo momento nos vemos prontos a opinar, decidir, conceituar, caracterizar. Para realização de todas essas ações nos reportamos aos nossos paradigmas.

Para Platão, paradigma significa modelo ou regra que serve de exemplo e para Aristóteles é o argumento que pode ser generalizado (Morin, 1996). No seu sentido mais genérico, significa o princípio, o modelo, a regra geral ou o conjunto de crenças que tomamos como verdade.

Paradigmas são padrões, compartilhados ou não, que permitem a explicação de certos aspectos da realidade. São mais do que teorias, implicando uma estrutura que gera novas teorias, que estabelece critérios, parâmetros considerados aceitáveis por uma comunidade.

De tempos em tempos, este arcabouço teórico fica sujeito a modificações decorrentes do surgimento de dificuldades em explicar a realidade, do aparecimento de certos problemas cujas soluções parecem impossíveis de serem encontradas ao se utilizar o conjunto de teorias, conceitos e pressupostos que caracterizam determinado modelo vigente.

Não podemos estagnar na ―solidez‖ do nosso mundo ou mesmo nos afundar na ―areia movediça‖ gerada pelo mundo que produzimos em nosso ser com os outros. Conforme afirmam Maturana e Varela (2001, p. 263), é necessário uma ―mistura de regularidade e mutabilidade‖. Ou seja, enquanto nossas verdades não forem colocadas à prova permaneceremos estagnados em nossos paradigmas.

É relevante salientar que o termo paradigma não se reporta a algo abominável ou mesmo errado. Porém devemos

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sempre repensar em quais paradigmas estamos inseridos e geralmente só permitimos que isso aconteça quando somos incomodados, quando se revela uma insatisfação em relação aos conceitos ou métodos que conhecemos (Boaventura dos Santos, 1988). Nesse instante é chegada a hora de renovar os instrumentos, de buscar novos referenciais teóricos, de alterar a matriz fundamental, as crenças, os valores e as concepções que norteiam nossos pensamentos em relação à determinado assunto.

Devemos compreender que somos seres sociais e dessa maneira nossas vidas são influenciadas por conhecimentos, verdades, conceitos e saberes que nasceram da interação social, do convívio com nossa família, amigos, comunidade, etc.

O conjunto de saberes que constituem a realidade em determinado momento histórico são fatores que determinam de modo predominante as direções de nossas ações. Determinadas linhas de saberes assumem importância, outras encontram pouco apoio. Alguns temas tornam-se moda e outros caem em desuso. A incerteza e o desconforto são grandes geradores de mudanças, que por sua vez, podem ocorrer de duas formas:

alterando: a partir da formulação de novas questões que modificam a perspectiva que está conduzindo sua realidade.

substituindo: a partir de um estímulo, normalmente externo, analisamos um cenário e entendemos que aquela verdade não mais cabe para o novo contexto.

Há ainda uma terceira ocorrência que não pode ser ignorada, o novo cenário nos faz refletir e ver que nossa realidade ainda cabe naquele contexto.

Um exemplo prático disso é a chegada de um novo membro para um grupo anteriormente delimitado. Para que esse grupo se mantivesse foi necessário encontrar a ―realidade‖ na qual todos se encontrassem, ou seja, formular paradigmas

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atitudinais que permitissem que todos se sentissem confortáveis no grupo. Os paradigmas existentes entre os membros do grupo foram formulados mediante acordos, discussões ou mesmo imposições; no entanto, independentemente de sua origem a aceitação deve ser coletiva (assim como em nossa sociedade).

A chegada de um novo membro criará uma expectativa. Para adentrar neste grupo três realidades estão postas: a do grupo, a minha ou mesmo o confronto da minha com a do grupo. Assim, abre-se discussão para mostrar a minha realidade e então modificar uma das realidades (a minha ou a do grupo) ou ambas, e assim com paradigmas ajustados, posso pertencer ao grupo. Caso contrário não haverá convívio mesmo que eu permaneça no mesmo ambiente, apenas coexistindo.

Antana Mockus defende que conviver deve superar a barreira do viver junto, englobando a ausência de violência e a expectativa de aproveitar de maneira fértil as diferenças; ―harmonizando os processos de reprodução econômica e cultural‖ (FERREIRA, p. 16, 2002). Porém, para isso, são necessárias ações específicas como acatar regras comuns (não unilaterais) e aprender a celebrar, a cumprir e a reparar acordos.

Devemos compreender que não há como criar um mundo sem conflitos, sem diferenças, nem antagonismo; porém o que fazer quando cada quadro desses a nós for mostrado é o que fará a diferença.

É importantíssimo que se coloque à prova todo o conhecimento que lhe for apresentado, pois ao refletir sobre algo é que permitimos a trama entre conhecimentos sabidos e adquiridos, gerando novos paradigmas, alterando-os ou mesmo os mantendo.

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Quem desejar entrar no mundo do atendimento especializado deve por à prova suas ideias e opiniões verificando ponto a ponto aquilo que pode ser traço de cultura e o que realmente é verídico. Temos de conhecer profundamente nossa área de atuação e separar o preconceito que subestima e interfere em nossa atuação. Devemos ter claro que nem sempre a nossa certeza é a correta.

O Ledor deve ser um questionador; pois seu mundo é sempre colocado a prova. Suas verdades, sua maneira de ver o mundo são sempre alterados por momentos de inquietude, por se deparar com o inesperado, tendo que solucionar problemas não vividos anteriormente, problemas sem solução pronta, rompendo paradigmas antigos para gerar novos. Deve estar sempre pronto para entender e agir diante do novo.

Para se trabalhar com atendimento especializado é necessário rever conceitos e adequá-los a uma realidade profissional embasada na ciência e na técnica, sem ―achismos‖ ou simples ―boa vontade‖. O princípio fundamental do Atendimento Especializado de Excelência é permitir que a pessoa que está sendo atendida mostre seus limites e não que coloquemos nossos limites e percepções sobre ela.

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COMUNICAÇÃO

Emissor Mensagem Meio Código Receptor

A comunicação tem seu início na intenção de passar a mensagem a ser passada de um indivíduo para outro. A pessoa responsável pela comunicação é denominada emissor e aquele a quem se destina a mensagem é o receptor.

INFORMAÇÃO

Porém não é suficiente que se queira passar uma mensagem, é necessário saber a quem se destina, pois a partir de então pode ser determinada a melhor forma (meio) de envio dessa mensagem.

Os meios mais utilizados para transmitir uma mensagem são: orais, escritos, imagéticos, gestuais, entre outros. Por vezes é preciso que se use mais de um meio de comunicação para se fazer entender, enquanto em outros momentos um único meio é suficiente (por exemplo, um gesto).

O código escolhido pelo receptor tem necessariamente que ser conhecido pelo emissor. Por exemplo, não adianta entrar em um grupo para conversar utilizando a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) se ninguém do grupo a souber, devendo se buscar outro código comum ao grupo.

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O objetivo da escolha do meio e do código para a passagem de uma mensagem é permitir que o receptor consiga transformá-la em algo entendível. Se na tentativa de passar a informação o receptor não conseguir entendê-la, deve-se trocar algo. A alteração pode ser feita na mensagem, no meio ou no código; mesmo que estes estejam caracterizados pelo mesmo recurso.

Por exemplo, ao ensinar algo um professor decide a princípio utilizar palavras técnicas; mas ao perceber que o estudante não entendeu a informação pode utilizar o mesmo recurso (nesse caso a fala), porém com palavras menos rebuscadas ou menos técnicas, a ponto de alcançar o vocabulário de quem receberá a mensagem, ou seja, utilizando o mesmo meio e trocando apenas o código; ou até mesmo poderá trocar o meio, por exemplo, utilizar desenhos.

Podemos concluir afirmando que o entendimento da informação pelo receptor é responsabilidade do emissor, salientando que durante uma leitura de questão de prova para uma pessoa que solicitou a atuação de um Ledor a correta resolução da questão não depende do Ledor, mas o entendimento pelo participante do lido!

Logo, o Ledor deve estar atento aos aspectos que garantem a comunicação eficaz durante o desempenho de sua atividade, pois o entendimento da informação é o que torna a questão passível de uma resposta correta, ou seja, é um mecanismo de acessibilidade.

Entre os meios utilizados pelo Ledor estão:

a fala em tom agradável para escuta, sem forçar demasiadamente as cordas vocais;

as imagens (mesmo que de forma imaginária e com analogias) fazendo com que o receptor entenda a informação final;

o toque, por exemplo, para desenhar uma curva de gráfico na palma da mão do receptor.

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É importante lembrar que as pessoas que possuem os 5 sentidos inalterados ou sem perdas significativas têm como padrão de comunicação um sistema (referencial) Audiovisual, onde som e imagem se completam na passagem da informação. Já aquelas com limitações sensoriais, justamente pela falta de um sentido, relacionam-se com o mundo de modo diferenciado. Por exemplo, os indivíduos com déficit visual interagem com o mundo de maneira tátil-auditiva.

Surge então o principal papel do Ledor, servir como elo entre dois mundos, adaptando informação de um para ser compreendido em outro, em um processo amplo e de via dupla.

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ATENDIMENTO ESPECIALIZADO

VISUAL

O atendimento especializado visual é o prestado à participantes que apresentam dificuldade em visualizar a prova.

Nesse grupo enquadram-se as pessoas com deficiência visual (cegas ou com baixa visão), pessoas que não tenham condições de sustentar a prova para leitura por motivo de plegias, amputações ou disfunções neuromotoras.

Dentro desse grupo podemos encontrar variações relacionadas ao tipo de atendimento solicitado:

1. Prova Braille + Ledor: o participante recebe a prova impressa em Braille para acompanhar a leitura feita pelo Ledor que estará com uma prova específica para sua atuação, denominada Prova do Ledor.

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2. Macrotipo + Ledor: o participante recebe a prova impressa em formato ampliado para acompanhar a leitura feita pelo Ledor que estará com uma prova comum para sua atuação.

3. Ledor: 3.1. Os participantes que apresentam deficiência visual

podem julgar suficiente apenas a atuação do Ledor, sem solicitar prova adaptada para realizar o acompanhamento simultâneo da leitura. Nesse caso apenas será entregue ao Ledor a Prova do Ledor.

3.2. Participantes com plegias, amputações ou disfunções neuromotoras que solicitarem auxílio do Ledor o receberá a partir de leitura da prova comum, sem adaptação de nenhum tipo, e não haverá a Prova do Ledor. Nesse caso o Ledor contará com a função visual do participante para sanar qualquer dúvida de leitura que tenha.

Vale salientar que a dificuldade de visualização não é necessariamente algo permanente para os participantes enquadrados como deficientes visuais.

Um exemplo prático disso são as pessoas que apresentam baixa visão e conseguem ler textos escritos à tinta, porém sua potencialidade visual é reduzida o que impossibilita que executem a leitura por longos períodos.

Os participantes que recebem o auxílio do Ledor por problemas referentes à visualização da prova apresentam:

1. Deficiência Visual, cegueira: 1.1. Característica:

- Apresenta redução da acuidade visual central desde a cegueira total (nenhuma percepção de luz) até acuidade visual menor que 20/200 (que corresponde à percepção de luz e capacidade de contar dedo a 1 metro) no melhor dos olhos; ou mesmo aquela pessoa que possui visão panorâmica menor que 20º. (THYLEFORS, 1995)

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- Subdividem-se em dois grandes grupos: Cegos Congênitos e Cegos Adquiridos. A diferença entre eles é que os congênitos nasceram cegos ou adquiriram a cegueira até os 5 anos de idade (quando o cérebro inicia a formação da memória visual), diminuindo a chance do uso de analogias comparativas para explicar algo, sendo a maneira auditiva ou tátil as mais viáveis para transformação da informação. Já os adquiridos perderam a função visual com idade superior a 5 anos.

- Seu mundo é majoritariamente ou exclusivamente pautado por comunicação auditiva e tátil.

1.2. Atendimento:

- Normalmente de alta complexidade. Requer total desenvoltura do Ledor.

- Havendo oportunidade pergunte ao participante com que idade ele perdeu a visão, verificando então se ele pode apresentar alguma memória visual que possibilite o uso de comparações para descrever figuras ou situações quando necessário.

- Quando necessário e possível, auxiliar no deslocamento dentro da área de aplicação da prova.

- Leitura integral das questões da prova, com exceção daquelas que o participante solicitar que não sejam lidas completamente.

- Preenchimento dos cartões de resposta, anotações das respostas na prova ou mesmo transcrição da redação para a folha definitiva.

- As ajudas técnicas permitidas para uso durante a prova pelo participante são a reglete e a máquina Braille (para escrita), o sorobã (tábua de cálculo), a bengala e o cão guia (para locomoção), folhas brancas para rascunho; todos esses instrumentos possuem permissão prévia para uso durante a realização da prova do ENEM e deverão ser levados pelo candidato.

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- Há participantes que mesmo com cegueira utilizam óculos escuros para diminuir a incidência da claridade nos olhos ou apenas por motivo estético.

2. Deficiência visual, baixa visão 2.1. Característica:

- Tem acuidade visual central entre 20/200 até 20/70, no melhor dos olhos, com a melhor das correções. (THYLEFORS, 1995)

- Possui severas restrições visuais, porém ainda possui acuidade visual suficiente para realizar a leitura de textos e a visualização de gráficos e grafismos, desde que respeitados alguns critérios, tais como: tamanho da fonte, iluminação, ansiedade, tensão e bem estar.

2.2. Atendimento:

- Varia, podendo ser de alta complexidade.

- A quantidade de equipamentos (também chamados de ajudas técnicas) que pode ser usada é enorme. Lupas, óculos especiais, tábuas de apoio, óculos escuros e bonés são exemplos de materiais utilizados pelas pessoas com Baixa Visão durante a realização da prova.

- O tipo de atendimento dado ao Baixa Visão é o que mais possui variação na sua realização pelas inúmeras particularidades de acometimento do participante.

- Alguns participantes iniciarão a leitura da prova independente da ação do Ledor, porém poderão solicitar sua ajuda a qualquer momento por motivo de cansaço visual (ressaltando que o Ledor não deve se ausentar da sala de aplicação de prova). Portanto, o Ledor deve estar atento e apto para atuar a qualquer momento.

- As ajudas técnicas permitidas para uso durante a prova pelo participante são folhas brancas para rascunho e pincel ou canetas específicas que não

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obrigatoriamente de cor determinada ou mesmo de material transparente; esses instrumentos já estão previamente autorizados para uso durante a realização da prova do ENEM.

3. Disfunção Neuromotora 3.1. Característica:

- Limitações no funcionamento do sistema ósseo-articular, muscular e/ou nervoso. Normalmente, há dificuldades na mobilidade e na coordenação motora fina (escrita) ou grossa (caminhar, mover membros), não possuem perda cognitiva obrigatoriamente associada.

3.2. Atendimento:

- De baixa complexidade.

- Geralmente, as pessoas acometidas por essa comorbidade executam com maestria a leitura da prova, ficando a cargo do Ledor fornecer conforto ao participante, auxiliando-o em seus deslocamentos e executando o auxílio no preenchimento das folhas de respostas objetivas e discursivas.

- Pela natureza de sua limitação, essas pessoas necessitam de mesa e cadeira separadas (raramente ficam confortáveis em cadeiras universitárias).

- Mesmo que seja necessário que o Ledor leia a prova, essa atividade torna-se fácil, pois ambos — Ledor e Participante — compartilham da comunicação áudio-visual. Havendo dúvidas sobre a leitura de algo o Ledor poderá segurar a prova à frente do participante para que esse a veja e sane as dúvidas.

4. Amputações e plegias 4.1. Característica:

- A principal diferença entre uma pessoa com problemas físicos e outra com problemas neuromotores é que a primeira normalmente não

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possui maiores dificuldades na coordenação motora ou na fala.

- Nesse grupo, os Ledores atenderão pessoas amputadas, com má formação em membros superiores, paraplégicos, tetraplégicos.

- Vale ressaltar que TODAS as deficiências têm muitos graus de acometimento, que vão do mais leve ao mais grave.

4.2. Atendimento

- São as que mais se assemelham aos participantes que não solicitam atendimento especializado, em se tratando de como executam a prova.

- A leitura, quando necessária, fica facilitada por conta da preservação do uso do canal áudio-visual para que se estabeleça a comunicação

NÃO VISUAL

O atendimento especializado não visual é o prestado à pessoas que apresentam dificuldades diversas relacionadas à decodificação, concentração, codificação escrita ou compreensão de significados.

Dentro desse grupo podemos encontrar pessoas com dislexia, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, transtorno global de desenvolvimento e autismo:

Os participantes que se enquadram nesse grupo apresentam:

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1. Dislexia 1.1. Característica:

- É um distúrbio ou transtorno de aprendizagem na área da leitura, escrita e/ou soletração.

- Por uma falha neurológica, o Disléxico troca a posição e o tipo das letras e/ou números durante a leitura e/ou escrita,

- Pode apresentar dificuldades como em determinar o lado direito e esquerdo.

- Já na escrita existe a supressão de letras e até mesmo de sílabas, é por isso que o trabalho do Ledor torna-se imprescindível.

1.2. Atendimento:

- Por essa razão, o disléxico prefere um auxílio para que não se prejudique com erros graves na leitura e na consequente compreensão do texto, além de ter que ler várias vezes o mesmo trecho para compreender a mensagem escrita.

- Assim, junto ao disléxico, o Ledor terá uma atuação intensa ao ler toda a prova e ajudar no preenchimento da folha de resposta objetiva e principalmente na discursiva.

2. Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDA/H) 2.1. Característica:

- O Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) é a incapacidade de concentrar-se em algo por muito tempo. Comumente, são pessoas dispersas que se distraem com facilidade, portanto, é possível inferir que a solicitação de atendimento especializado é tão somente para a aquisição de uma sala mais vazia onde existam menos possibilidade de distração.

- O TDA pode ser acompanhado da Hiperatividade que é a inquietação natural das pessoas com baixo poder de concentração e muito ansiosas.

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2.2. Atendimento:

- Consiste em permitir que extravasem a ansiedade da maneira que melhor convier, até um limite que não atrapalhe outros participantes ou o andamento do exame — por exemplo, não pode gritar ou andar pelos corredores, porém andar pela sala ou mesmo fazer a prova em pé é algo aceitável.

- A assistência se resume a não permitir que atrapalhem o participante com interrupções.

- O Ledor deve ficar atento às necessidades do participante, só atuando quando solicitado.

- Um bom acordo antes do início do atendimento é a chave do sucesso. Tendo em vista que esse público precisa de muita tranquilidade para realização da prova, não é interessante que o Ledor transite pela sala ou comporte-se de maneira que possa chamar a atenção. Nesse caso menos é mais.

5. TGD 5.1. Característica:

- Comprometimento grave e global em diversas áreas do desenvolvimento: habilidades de interação social recíproca, habilidades de comunicação ou presença de estereotipias de comportamento, interesses e atividades.

- Os prejuízos qualitativos que definem estas condições representam um desvio acentuado em relação ao nível de desenvolvimento ou idade mental do indivíduo.

5.2. Atendimento:

- As atitudes que são necessárias a outros participantes devem ser amplificadas, como por exemplo, a postura não agressiva, a transmissão de segurança e a paixão pelo trabalho executado.

- Evite contatos físicos intensos.

- Continue a leitura do texto até o momento no qual o participante solicite a interrupção, retornando

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assim que novamente autorizado. O tempo de realização da prova é do participante e deve ser utilizada conforme suas demandas.

6. Autismo A gravidade do autismo oscila bastante, porque as

causas, não sendo as mesmas, podem produzir significativas diferenças individuais.

6.1. Característica: (GAUDERER, 1997, p.3)

- Déficits na comunicação e na interação social.

- Comportamentos repetitivos.

- Áreas restritas de interesse.

- Reações anormais às sensações. As funções ou áreas mais afetadas são: visão, audição, tato, dor, equilíbrio, olfato, gustação e maneira de manter o corpo.

- Fala e linguagem ausentes ou atrasadas. Ritmo imaturo da fala, restrita compreensão de ideias. Uso de palavras sem associação com o significado.

6.2. Atendimento:

- As atitudes que são necessárias a outros participantes devem ser amplificadas, como por exemplo, a postura não agressiva, a transmissão de segurança e a paixão pelo trabalho executado.

- Evite contatos físicos intensos.

- Continue a leitura do texto até o momento no qual o participante solicite a interrupção, retornando assim que novamente autorizado. O tempo de realização da prova é do participante e deve ser utilizada conforme suas demandas.

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O LEDOR

A leitura é incontestavelmente um dos mais fortes instrumentos utilizados no processo de formação humana. Nos primórdios da humanidade, quando o homem adquiriu a capacidade de interpretar e/ou ler as figuras e códigos grafados nas rochas e paredes das cavernas ele deu, inocentemente, o que seria o primeiro passo em direção a um mundo profundamente rico em informações escritas de onde proveria grande parte do seu saber.

Quando ingressamos na escola, ―nosso principal objetivo é aprender a ler e a escrever, meta que quando alcançada abre a porta para o universo do conhecimento total e irrestrito vindo das várias manifestações e expressões humanas‖ (Freire, 2009). Fica a questão: como dar acesso a este mundo fantástico àqueles que não conseguem ver, decodificar ou mesmo compreender o sentido que exprimem aqueles grupos de letras?

No quesito visualização, Louis Braille, em meados do século XIX, resolveu o problema de ―ver‖ as letras. O código Braille oferece a seu usuário o transporte do mundo visual para o mundo tátil. Se antes não podia ver as letras agora pode senti-las. Porém, isso não é o suficiente. A modernidade tem acelerado rumo à predominância da informação audiovisual onde estes dois canais comunicativos interagem na formação da mensagem.

Para que esta relação deixe de ser perversa para a pessoa com problemas de visualização é necessário transpor a barreira comunicativa. Uma das alternativas seria a atuação profissional de uma pessoa que lesse textos e descrevesse imagens com precisão em seus elementos constitutivos para que o ouvinte conseguisse executar a sua interpretação. Eis a função do Ledor.

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O Ledor deve atuar como um tradutor entre referenciais comunicativos, mais precisamente entre o mundo audiovisual e o mudo tátil-auditivo.

Assim, a ponte está estabelecida, a questão auditiva está presente em ambos os referenciais. O desafio do Ledor é transformar o mundo visual em tátil auditivo. Embora pareça simples é uma ação desafiadora e a comunicação é a base estruturante da atuação.

O Ledor é uma figura recorrente em espaço institucional escolar e de bibliotecas onde existem pessoas com deficiência visual, porém sua ação não é popularizada em outros espaços. Há muitos anos estes profissionais atuam em provas de concursos e vestibulares, e a tendência é o aumento da demanda devido ao advento da inclusão que possibilitou um aumento no número de pessoas com deficiência que concluem o Ensino Básico e chegam ao Ensino Superior.

Porém o crescimento da demanda não está sendo acompanhado pelas ações de qualificação de profissionais para tal atuação. Muitas pessoas convidadas a atuarem em eventos de processos seletivos ao menos foram capacitadas, atuando com base em mero senso comum e boa vontade. Essa perigosa

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combinação tem gerado prejuízo às pessoas que precisam do atendimento da leitura. Devemos substituir o senso comum pelo Conhecimento e a boa vontade pelo Profissionalismo, tudo isso temperado pela Ética.

A qualidade da atendimento do Ledor não está somente vinculada ao ambiente físico de onde será realizada a prova, mas primordialmente a relação atitudinal das pessoas que ocupam o este espaço físico, ou seja, nos ―conversadores de carne e osso‖ (GARCEZ, 2006) que ocupam este espaço. A ação comunicativa do Ledor tem que possibilitar, para não ser vazia, sentido às ações que cada participante executa na prova.

É preciso lembrar que a condição de deficiência é o estado normal de algumas pessoas (VYGOTSKI, 1989), esta condição deve ser contemplada já no planejamento das ações para a leitura. Sendo assim, o Ledor deve primar pela qualidade de seu atendimento suprindo as necessidades do participante ao se colocar como ponte que sobrepõe a barreira da comunicação.

A leitura de prova é algo diferente de uma conversa cotidiana. Conforme explica Garcez (2006), como uma fala-em-interação, a ação de uma atendimento por meio da leitura precisa de 3 fatores para ser bem sucedido:

1) Leitura de Prova admite que pelo menos um dos falantes exerça uma tutela da comunicação rumo a uma meta, ou seja, é dever do Ledor conduzir a ação durante a prova. Porém também é importante frisar que as decisões sempre devem finalizar no participante, logo, sempre pergunte como o participante deseja ser atendido.

2) Tal interação pode envolver limites particulares; o Ledor em situação de prova deve ter sempre a frente quesitos técnicos e éticos para sua atuação.

3) Leitura de Prova exige a obediência aos procedimentos típicos de contextos institucionais, ou seja, o contexto de

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prova possui regras e limites em sua atuação. Essas regras e limites são dados pelas normas que regem a prova.

Outro ponto importante entre a interação do Ledor com o participante é a Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Existem três maneiras que tornam viável a leitura por um indivíduo com dificuldades visuais graves: o Sistema Braille; o uso do computador; e o auxílio do Ledor.

Dos três recursos citados, o mais conhecido é o Sistema Braille de leitura e escrita para cegos, que possibilita ao deficiente a leitura com os dedos, identificando os códigos contidos no papel — números, letras, palavras, frases e textos.

Outra forma de leitura se dá a partir da ajuda da informática, já existem programas de computador com a capacidade de tornar a máquina falante, fazendo com que leia todas as informações visíveis na tela para o seu operador. Fato que permite à pessoa com deficiência visual ler livros eletrônicos, consultar a Internet e redigir suas tarefas escolares, por exemplo.

Dos softwares mais conhecidos (alguns já utilizados em concursos públicos, porém ainda não disponibilizados no ENEM) podemos citar:

O DOSVOX – um programa nacional, criado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, software livre e gratuito disponível na internet.

NVDA – um programa internacional, iniciado em meados de 2006, pelo jovem australiano Michael Curran, software livre e gratuito disponível pela internet.

Virtual Vision / JAWS – programas autorais, sendo necessário comprar licença de uso.

O Ledor é a terceira forma de acesso as Letras. Sua

ação no contexto de provas é fundamental, porém é importante frisar que o Ledor não tem o dever de ―adaptar‖ a

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prova. A sua boa atuação depende de materiais de boa qualidade, logo para a excelência de sua atuação não basta apenas a aplicação da sua vontade individual. É necessária muita experiência para que um Ledor desenvolva uma habilidade que venha a se configurar de forma sistematizada em competência de leitura.

Cada pessoa atendida pelo Ledor pode exigir uma diferenciação na compreensão ou mesmo na atuação. É necessário que se domine as principais características de cada grupo a ser atendido, porém sem criar estereótipos. Somente Ledores despregados de preconceitos podem promover ações eficazes, eficientes e efetivas.

Eis o elemento para se estabelecer a principal atividade de um Ledor: comunicar a um terceiro de maneira descritiva uma mensagem sem contudo oferecer pessoalidade ou quesitos interpretativos da mensagem, ficando esta missão de interpretar exclusivamente para o ouvinte.

No contexto escolar as tarefas destinadas aos Ledores podem ser das mais variadas: leituras, gravações, explicações e ajuda em estudos e pesquisas. Todas exigem um preparo do Ledor e desse preparo depende seu sucesso.

PASSO A PASSO DO LEDOR

A convocação

É o início do trabalho do Ledor. É comum o Ledor ser convocado durante a semana que antecede a prova. Fique calmo, mesmo que o convite seja de última hora é importantíssimo verificar se você poderá mesmo estar no local e na hora para os quais está sendo convocado. Às vezes, na empolgação da chamada, esquecemos de anotar dados importantes como:

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(1) nome e telefone de contato de quem está nos convocando; (2) local da prova; (3) horário que devemos nos apresentar; (4) quem devemos procurar ao chegar; (5) valor da remuneração e (6) se a convocação é para Ledor ou Auxílio no Preenchimento.

Verifique se não possui nenhum compromisso agendado antes de aceitar o convite, lembre-se que dizer ―Infelizmente, não posso!‖ não gera prejuízo a você, mas deixar de ir ou chegar atrasado gerará prejuízos múltiplos: a você, à organizadora do evento, a outro Ledor que poderia ter sido convocado e principalmente ao participante.

A preparação

Algumas operadoras solicitam que o Ledor compareça a reuniões, outras pedem que antecipadamente em data e hora marcadas retirem a identificação para acesso ao local de atuação, fique atento a essas reuniões e convocações. Muitas vezes, faltar ou se atrasar a esses eventos pode gerar sérios constrangimentos ao Ledor. O motivo é que as operadoras entendem o comparecimento às reuniões e convocações como uma aceitação do trabalho e acabam por substituir os Ledores que se atrasam ou não comparecem a esse encontro prévio. Por isso, é comum que os faltosos, no dia da prova, se apresentem e sejam impedidos de atuar.

No dia anterior a sua atuação durma bem, coma alimentos leves e lembre-se que deve estar apto a executar do atendimento mais simples ao mais complexo. No dia da prova saia com antecedência, certifique-se do endereço para onde deve ir, leve um lanche e uma garrafa de água (pois poderá passar um bom tempo lendo) e não se esqueça de levar anotado o nome e o telefone de contato de quem lhe convocou.

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A Chegada

Uma vez dentro do local de prova, dirija-se para a sala determinada para a reunião inicial e aguarde as orientações que lhe serão passadas.

A reunião

Certifique-se de que seu nome está na lista daquela coordenação, pois ele poderá estar em outra do mesmo local de provas (por exemplo, em outro bloco da mesma escola). Antes do início de cada prova, os coordenadores costumam fazer uma reunião geral com seus colaboradores para repassarem as orientações, fique atento! Por mais que pareça que tudo é sempre igual, na maioria das vezes há mudança de alguma orientação (por exemplo, preenchimento de atas de sala, horários de início) e o castigo para quem não presta atenção às orientações é o erro em algum procedimento. Não se esqueça de que esses avisos são gerais e destinados a todas as salas. Se tiver dúvidas específicas (como o tipo de acometimento do participante que irá atender) espere a reunião acabar e procure o coordenador ou um de seus ajudantes para dirimi-las.

A preparação após a reunião

Findada a reunião, os Ledores têm em torno de pouco mais de uma hora para organizarem sua sala. É chegada a hora de tomar as seguintes providências:

(1) Verifique se a sala possui mesas e cadeiras separadas. (2) Retire possíveis obstáculos do caminho entre a porta da

sala e a mesa onde o participante fará a prova. (3) Permita que o participante escolha o local na sala onde

deseja ficar, pois ele sabe qual a luminosidade que precisa. (4) Localize os banheiros (adaptados e regulares) masculino e

feminino — entre em ambos e localize o papel higiênico, a posição da pia e das saboneteiras, pois poderá ter que descrever o banheiro ao participante cego.

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(5) Verifique se a porta dos banheiros destinados às pessoas que usam cadeira de rodas está destrancada e se o espaço está livre — é comum esse espaço ser utilizado para guardar materiais de limpeza. Se estiver trancado ou ocupado comunique a coordenação.

(6) Veja onde estão os bebedouros. (7) Verifique se no caminho da sala existem obstáculos que

possam ser removidos (lixeiras, placas, carteiras). (8) Se for um prédio descubra onde são as passagens para

pessoas que utilizem cadeiras de rodas ou se os elevadores estão ligados e em funcionamento.

(9) Verifique as rotas de saída de emergência (nunca se sabe). (10) Esta é a hora de resolver problemas.

UFA! Para terminar, não se esqueça de lanchar, encher sua garrafinha de água e aproveitar para usar o banheiro.

Todas as providências listadas acima devem ser tomadas até a abertura dos portões (o que normalmente ocorre com 1 hora de antes do início da prova); mas, se por ventura elas ainda não teverem sido resolvidas, comunique ao coordenador e vá para a sua sala aguardar o participante.

A chegada do participante

Participantes com deficiência costumam chegar bem cedo. Então vamos às providências na chegada do participante:

(1) Oriente o chefe de sala a fazer a identificação do participante dentro da sala, nunca coloque cadeiras no corredor, pois elas servem de obstáculos para outros participantes.

(2) Qualquer problema ou dúvida quanto a procedimentos ou documentos chame a coordenação.

(3) Depois de instalar o participante converse com ele. É hora de conhecê-lo um pouco mais e assim afinar seu atendimento; interrogue sobre outras participações em eventos de prova e pergunte como prefere o atendimento;

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se cego, procure saber com quantos anos adquiriu a cegueira (isso é fundamental para saber se as adaptações serão para Congênito ou Adquirido), faça um teste de leitura (leia as instruções ou qualquer outro texto para acertarem entonação e velocidade de voz).

(4) Quanto ao auxílio preenchimento combine como fará a atuação, se ele deseja no que as respostas sejam marcadas na medida em que for resolvendo a prova ou se deseja que faça todas as marcações ao final. Lembre ao participante que todo o processo da prova deve ser executado no horário determinado (no máximo na hora adicional se o participante tiver direito), não existindo tempo adicional para marcação de respostas ou passagem da redação para folha definitiva.

(5) Pergunte se deseja ir ao banheiro ou tomar água antes de iniciar a prova.

(6) Prepare-se para o atendimento.

O início da prova

Não se esqueça de dar os recados solicitados pela coordenação. Leia os documentos que necessitam ser assinados pelo participante e certifique-se de que ele fez as assinaturas necessárias e não se esqueça de informá-lo que:

(1) O participante terá uma hora adicional para realizar a prova (todos as pessoas atendidas por Ledor terão direito à hora adicional).

(2) Você repetirá as informações quantas vezes forem solicitadas pelo participante.

(3) A ordem de leitura ou execução da prova é escolha do participante, logo poderá solicitar a qualquer tempo que se pule uma questão ou retorne a questão anterior.

(4) Assim como qualquer pessoa ele tem o direito de ―chutar‖, mas o melhor é tentar ―resolver‖ todas as questões.

Agora é a hora de mostrar excelência na leitura!

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Final da prova

O participante terá direito a levar o caderno de provas assim como todos os outros participantes (com atendimento especializado ou não). Ou seja, se ele finalizar a prova após o tempo estabelecido pela operadora para saída com o caderno de provas ele o levará (tanto o adaptado, quando Braille ou macrotipo, como o caderno do ledor)

Ajude o chefe de sala a fazer a ata que deve conter:

(1) Hora de início e término da prova. (2) Tipo de atendimento realizado (Ledor ou Transcritor). Se

você foi chamado como Ledor, porém não houve atuação durante o período de prova, peça para o chefe de sala fazer constar em ata ―que apesar de ter sido atendida a solicitação de Ledor, o participante não utilizou tal ajuda técnica‖.

(3) Registro das ocorrências de sala de prova (problemas de impressão das provas, falta de provas, falta de acessibilidade do locar de provas e tudo o que for reclamado pelo participante que tenha relação com o atendimento, com a prova ou mesmo com o local de prova e ambientes usados);

(4) Assine a ata somente se concordar com que foi colocado.

Junte toda a documentação e entregue na coordenação, assine seu contrato ou folha de presença e vá para casa com a certeza do dever cumprido.

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TÉCNICAS DE LEITURA

Ao buscar capacitação para realizar o Atendimento Especializado a primeira pergunta que explode em nossa cabeça é ―Por que serei chamado de LEDOR ao invés de LEITOR?‖. Para essa pergunta existem muitas respostas e, dentre estas, algumas são absurdas; como a que o LEDOR, ao contrário do LEITOR, não precisa entender a mensagem que está sendo lida.

Embora muito ouvida, essa resposta oferece uma inadequada visão da atuação do LEDOR. Para a correta ação dentro do Atendimento Especializado, ele não só deve entender o que está lendo como também deve ter habilidade suficiente para repassar o que leu; isso é necessário por haver momentos, por exemplo, em que a forma da leitura das alternativas dependerá do entendimento do enunciado lido. Outra característica da leitura é que essa deve ser feita de maneira neutra (pautando-se na informação e não em opiniões ou pontos de vista sobre a informação) fornecendo elementos que possibilitem ao participante ouvir a leitura e tomar a decisão que convier.

Um bom Ledor é aquele que está no nível 3 da Escala de Maturidade (Interdependência), vamos entender isso:

ESCALA DE MATURIDADE DO LEDOR

Nível 1: Dependência – Inexperiente, o Ledor

adota uma postura passiva, deixando sua atuação aquém do que deveria; não executa quase nenhuma ação e abre mão (por medo ou desconhecimento) das técnicas de leitura; espera que

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alguém faça o trabalho que é seu, por exemplo, apenas lendo as palavras.

Nível 2: Independência – Atua com

desenvoltura, mas sem prudência, faz o que é necessário e domina as técnicas, porém deseja fazer tudo sozinho; tem dificuldade em traçar o limite de sua atuação; acredita que pode resolver tudo sozinho e acaba assumindo responsabilidades que além de não serem dele, ninguém pediu que ele assumisse. A prepotência leva ao erro e pior que não fazer é fazer errado!

Nível 3: Interdependência – Atua com

desenvoltura e em sintonia com colegas e colaboradores; tem perfeito domínio das técnicas de leitura; sabe o que fazer e qual o limite de sua atuação; toma decisões de forma colegiada (ouvindo opiniões de colegas ou coordenação); além de pautar suas decisões dentro da LEI, MORAL e ÉTICA.

Você deve estar pensando ―Até o presente momento não se falou de técnicas de leitura!‖ e o motivo é simples.

Para capacitar um LEDOR o que é verdadeiramente

importante não é ensinar caminhos (paradigmas), mas dar opções de caminhos a serem percorridos.

É impossível estabelecer todas as dificuldades que um

Ledor virá a enfrentar, mas é plenamente possível estabelecer qual será sua postura frente a uma dificuldade.

O Ledor eficaz não é o que lê melhor,

mas o que fornece o melhor atendimento e entendimento.

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AS 7 CARACTERÍSTICAS DE UM LEDOR EFICAZ

Proativo – Sim o problema é meu! Ao aceitar a missão de realizar um atendimento especializado a responsabilidade por este é sua. A solução dos problemas deverá partir de você e, se possível, antes mesmo que eles venham a configurar prejuízo ao participante. O LEDOR não se esconde, ele ATUA!

Liderança Pessoal – Sei o que quero! O Ledor precisa ser capaz de se autoliderar, traçando metas, objetivos e estratégias. A sua frente encontra-se uma pessoa que precisa de você para realizar uma tarefa que poderá transformar a vida dela. Pontualidade, responsabilidade e profissionalismo são características que devem ser identificadas em qualquer LEDOR. Por conseguinte, seu atendimento só é especializado porque é você quem o está realizando!

Auto Administração – Primeiro a prioridade!

Existe uma sequência lógica na atuação do Ledor, segui-la é um bom indicativo de sucesso. Administrar o tempo e o esforço é premissa básica da atuação especializada.

Líder Interpessoal – Equipe, todos ganham!

Sua atuação como Ledor deve gerar admiração. Todos saem ganhando: a empresa que te contratou, pois colocou um bom profissional para uma tarefa complexa; o participante, que recebeu o atendimento correto para seu tipo de limitação e você próprio, com sua remuneração e o bom sentimento de dever cumprido.

Comunicação Empática – Compreensão!

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Não há regra fixa para os atendimentos, mas existe uma ação valorosa para aquele atendimento. Tente entender seu participante, o que ele precisa e o que está sentindo. Ofereça um atendimento diferenciado!

Sinergia – Incentivo, movimento! Empolgue; seja dinâmico; faça tarefas complexas parecerem simples; coloque todos em movimento e incentive seu participante, colegas e coordenadores a irem mais longe!

Auto renovação – Manter os instrumentos afinados! Nunca acredite que chegou ao topo, sempre entenda que existe mais a aprender ou coisas a serem melhoradas. Mesmo acreditando que realizou um bom atendimento, permita-se rever sua atuação e verá que sempre há um ponto a ser melhorado para as próximas vezes, pois a ação de servir nunca cessa. Acredite que sua próxima atuação será sempre melhor!

LEDOR OU LEITOR?

Segundo os dicionários, o Ledor é aquele que lê ou que tem o hábito de ler. Por isso, essa palavra é sinônima de "leitor". Normalmente, encontramos os Ledores nos locais frequentados por cegos, tais como: escolas especiais, institutos de reabilitação e audiotecas. Das características necessárias aos Ledores, afirmamos ser essencial o amor ao próximo, a paciência e a responsabilidade. O amor ao próximo e o profissionalismo são os quesitos fundamentais para que haja uma parceria ouvinte/Ledor bem sucedida.

Outro ponto importante é que o Ledor não deve se apresentar como um herói dos desenhos animados, pronto a salvar seu ouvinte de qualquer dificuldade; e nem como um anjo enviado por Deus e capaz de operar milagres. Profissionalismo é a chave para evitar distorções, pense que

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está sendo os olhos de alguém, uma ação nobre de fato, mas que deve ser executada com humildade.

As tarefas a serem oferecidas aos Ledores são várias, contudo, as mais procuradas são: leituras, gravações, explicações e ajuda em estudos e pesquisas. Todas exigem um preparo do Ledor, sendo que umas são mais simples e outras mais complexas; no entanto, todas são possíveis.

Falemos agora do ato de ler.

DescriA leitura A leitura de textos é uma tarefa considerada de baixa

complexidade, porém reserva muitas armadilhas. A primeira é que o ato de ler deve ser confortável ao Ledor e ao seu ouvinte. Essa tarefa pode ser considerada bem sucedida quando ao final do trabalho ambos saem satisfeitos com a atuação. Ao ler, a altura e a velocidade da voz devem ser suficientes para que o ouvinte não precise se esforçar para conseguir ouvir, além de ser confortável o bastante para que o Ledor não force demasiadamente suas cordas vocais, pois pode precisar usá-las durante um tempo prolongado e ininterrupto.

O posicionamento

A possibilidade de o Ledor sentar à frente do ouvinte é a melhor, pois o som se propagará sem obstáculos ou desvios. Além disso, é interessante que o Ledor permaneça com sua cabeça o mais próximo de 90o com relação ao pescoço, pois assim não estará pressionando suas cordas vocais.

Os dois Ledores

A atuação em dupla sempre é um desafio. É necessário que os Ledores combinem como irão atuar anteriormente a chegada do participante. Lembre-se que embora a leitura seja individual, ambos os Ledores devem estar durante todo o tempo de realização de prova atentos e presentes na sala de aplicação.

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Enquanto, por exemplo, um Ledor (Ledor A) estiver realizando oralmente a leitura dos dez primeiros itens (1 a 10) o outro Ledor (Ledor B) estará lendo para si os itens de 11 a 20, quando o Ledor B estiver lendo oralmente os itens o Ledor A já estará realizando a leitura para si dos próximos dez itens (21 a 30) e assim sucessivamente. Essa técnica possibilita que os Ledores possam ler a questão pelo menos uma vez antes de executar a leitura em voz alta.

Entoação

A entoação importantíssima tanto para o ouvinte quanto para o Ledor. É uma questão simples, porém quando desrespeitada gera sérias dificuldades.

− Altura: a voz deve ter uma altura confortável ao Ledor e ao ouvinte. Algumas pessoas falam muito alto ou muito baixo. Deve-se regular a intensidade da voz a um padrão confortável que possibilite ao Ledor executar seu atendimento sem esforço exagerado. O ambiente para a leitura deve ser calmo; se assim não for procure adaptar o ambiente, buscando o maior silêncio possível. Devem-se evitar lugares barulhentos onde possam existir frequentes interrupções ou elementos de distração durante a leitura. Sempre beba água, a hidratação da garganta evita a perda da voz ou rouquidão.

− Ritmo: a velocidade deve ser constante, evitando a mudança dela durante uma mesma frase ou mesmo parágrafo. Combine com o ouvinte a velocidade adequada, pois é comum que ele solicite que se leia mais rápido. TODOS OS LEDORES DEVEM TER LEITURA FLUENTE, portanto esse ponto não deve gerar problemas para ser atendido.

Recursos Gráficos

Tais marcas merecem uma devida atenção por muitas vezes assinalarem características necessárias para a compreensão do texto.

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− Gráficos e fotos: é comum a presença de fotos de jornais e de desenhos em textos literários, os quais podem ser descritos com detalhes para que o ouvinte possa imaginar a situação; possibilitando uma fixação mais eficiente das informações recebidas. Sempre que o participante não puder visualizar por si a imagem busque descrever sempre de maneira informativa e não interpretativa. Evite expressões como ―eu acho que é...‖. Comparações são bem vindas, mas lembre-se que muitos ouvintes, devido à gênese de sua deficiência, não possuem memória visual e podem não entender suas comparações. Outra dica importante é que as formas menos complexas podem ser desenhadas na palma da mão do participante. Para pessoas cegas a transposição da imagem para o mundo tátil sempre é bem vinda. Utilize o espaço físico para tentar descrever a imagem.

− Parênteses/aspas: essa marcação deve ser lida da seguinte maneira: "Abre parênteses/aspas..." e "...fecha parênteses/aspas".

− Negrito, itálico e sublinhado: são também conhecidos como grifo e também devem ser anunciados. Exemplo 1: descansar no dia anterior é uma das chaves do sucesso do atendimento do Ledor.

Lê-se oralmente: ... é uma das chaves do sucesso (a expressão chaves do sucesso está grifada) do atendimento do Ledor. Exemplo 2:

− Nota de Rodapé: as notas de rodapé devem ser lidas imediatamente após seu aparecimento. Caso sejam lidas após toda a página, o ouvinte poderá perder o contexto da nota. Sempre que for indicada uma informação na nota de rodapé a leitura se faz assim:

"...Nota de rodapé..."

lê-se a nota e depois se diz : "...voltando ao texto..." e prossegue a leitura.

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Palavras Estrangeiras As palavras de origem estrangeira devem ser lidas da

maneira que for possível ao Ledor e, posteriormente, soletradas. Veja o exemplo abaixo: Ex.: Você conhece o seriado Miami Vice?

Lê-se "Você conhece o seriado Miami Vice? M-i-a-m-i V-i-c-e.".

Pontuação, Travessão e acentuação

Em texto corrido não é preciso ler os pontos de interrogação e de exclamação, pois estes ficam evidentes diante da entonação diferenciada. Assim como os pontos referidos, as vírgulas, pontos finais, travessão e acentuação gráfica também não são mencionados. A descrição dessas marcações durante o texto tornaria a leitura chata e muitas vezes incompreensível.

Porém, existem casos em que essa leitura é necessária principalmente em questões de provas de português que a pergunta é justamente sobre a correção gramatical ou sobre o uso correto da pontuação/travessão/acentuação. Algumas questões de semântica também exigem a leitura da pontuação, pois dependendo de sua localização pode mudar o significado da frase. Questões sobre orações coordenadas e subordinadas também exigem a leitura da pontuação.

Os Cinco Passos

Durante a leitura é possível estabelecer 5 ações adaptativas, vamos enumerá-los:

(1) Entenda a Questão – é necessário sempre entender o que está sendo perguntado; somente com esta compreensão é possível estabelecer as estratégias de leitura que atenderão adequadamente a necessidade do participante.

(2) Re/Ordenação – normalmente os itens vêm grafados em uma sequência em que a última informação é justamente

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a que define como todas as informações anteriores deveriam ser avaliadas. Assim, reordenar a questão é possibilitar ao ouvinte uma ação de economia de tempo. Se o ouvinte puder avaliar as informações já sabendo quais são os critérios da questão ele ganha tempo. Logo, leia primeiro o comando da questão para depois ler textos motivadores, descrições de figuras ou imagens.

(3) Descrição oral de figuras – antes de descrever qualquer figura sempre devemos usar a seguinte estratégia: falar ao participante que o item possui uma figura ou uma descrição de figura e usar o reordenamento da questão falando assim ―aqui possui uma figura eu vou ler a pergunta e depois voltamos à figura‖ o motivo dessa estratégia é porque muitas figuras não são fundamentais para a solução do item e a sua descrição ou leitura da descrição pode simplesmente ser perda de tempo. Caso a figura seja essencial à solução do item, leia a descrição em primeiro lugar e se ela não for suficiente tente descrever a figura, mas tenha cuidado, sua descrição deve fornecer elementos para a resposta, porém não pode responder o item.

(4) Descrição Tátil-auditiva – caso a descrição do item seja inevitável uma das estratégias usadas é aliar a descrição oral da figura com a maximização tátil do estímulo. Basta desenhar na mão ou no braço da pessoa com o seu dedo as formas ou elementos que estão sendo explicados oralmente. Esta técnica fornece uma ideia espacial do que se pretende explica sendo bem usada durante a prova.

(5) Criação de material tátil – quando o item 4 não surtir efeito deve tentar construir com os materiais que estiverem a mão (canetas e papéis) modelos para serem tateados, principalmente para pessoas cegas. Esta é uma tentativa precária e deve ser encarada como último recurso.

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Se tudo falhar a questão foi mal adaptada e, portanto, o papel do Ledor fica prejudicado. É importante relembrar que a adaptação não é papel do Ledor e suas possibilidades no dia da prova são bem restritas, portanto, não deve haver frustração do Ledor quando algo desta natureza acontecer.

A LEITURA NO ENEM

A prova do ENEM possui características muito particulares que exigem ações mais pontuais para a execução da leitura. Em primeiro lugar o Ledor recebe um roteiro de leitura de prova que é chamado de Prova do Ledor. Nesta prova todas as figuras e gráficos vem explicados de maneira a proporcionar ao Ledor um conforto em ler somente texto corrido ou no máximo informações expostas em tabelas.

Mas apesar desta aparente facilidade a prova tem muitas armadilhas para os Ledores. A primeira vem originada justamente por uma característica que deveria ser uma aliada do Ledor, mas nem sempre funciona como. A prova do Ledor por conter as descrições não traz NENHUMA FIGURA, sendo todas suprimidas da prova.

Assim, se o participante não entender a descrição do que foi lido ou surgir qualquer dúvida sobre os elementos que compõe a descrição o Ledor fica sem recursos para tentar ampliar a descrição.

Nos ENEM’s de 2010 e 2011 as provas dos Ledores apresentaram itens que acabaram por suscitar dúvidas. Assim é muito provável que nesta prova de 2012 também apareçam itens assim.

Normalmente são questões que envolvam a interpretação de quadros ou cartazes como elementos motivadores para itens de história, geografia ou artes. Já na

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área de exatas são fórmulas químicas, figuras da área de biologia e fórmulas e gráficos de física. O grande problema destes itens é que a prova do Ledor possui uma descrição baseada no ponto de vista de quem enxerga não na realidade de quem nunca viu ou deixou de enxergar.

Nesses casos ao participante demonstrar insatisfação pela falta da imagem deve se fazer constar em ATA e dizer a ele que deve procurar os meios cabíveis para também registrar isso posteriormente ao INEP.

Em regra as questões do ENEM obedecem a seguinte estrutura:

(1) Número da Questão (2) Descrição da figura, gráfico ou texto motivador (3) Enunciado (4) Itens

Neste caso nossa ordem de leitura inicial será: (1) Número da Questão (2) Enunciado (3) Descrição da figura, gráfico ou texto motivador (se

necessário) (4) Itens

Havendo necessidade de releitura podemos utilizar a ordem direta da questão apresentada na prova ou manter a última forma de leitura mencionada.

Novamente reforçamos que é necessário ENTENDER a questão, pois sem esta compreensão não faremos uma boa atuação.

Para os atendimentos de pessoas sem problemas visuais ou quando a leitura da prova é feita em prova regular (com figuras) basta ler a prova na sequência que se apresenta. Cabe

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lembrar que nestes casos não é necessário descrever a figura, pois como as pessoas não possuem problemas visuais basta mostrar as figuras ao participante.

A TRANSCRIÇÃO DA REDAÇÃO OU DAS RESPOSTAS DISCURSIVAS

Havendo a leitura/ditamento de resposta por parte do

participante para que seja posteriormente transcrita para uma folha original, deve-se seguir alguns critérios:

Primeiro:

− peça para o participante ditar a redação enquanto você a escreve no papel de rascunho.

− Não o interrompa até sua completa conclusão.

− Sublinhe as palavras que julgar interessante que o participante soletre por terem o grafema (escrita) diferente do fonema (pronúncia) — por exemplo, palavras como porque/por que/porquê/por quê, palavras com ç, ss, x, xc, z.

Segundo:

− Solicite ao participante que ele soletre as palavras que foram grifadas por você.

− Dite cada palavra sublinhada e reescreva-as conforme ditado pelo participante.

Terceiro:

− Comunique ao participante que você irá reler a redação por ele ditada e que durante a releitura ele deverá indicar as pontuações necessárias (vírgulas, ponto final, dois pontos, hífen,...) e as palavras acentuadas.

Findado esse processo, peça permissão para transcrever

a redação com as alterações feitas pelo participante para a folha de redação definitiva.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Decreto nº 5.296 de 2004

FERREIRA, José. Aprender a viver juntos: educação para a integração da diversidade/ tradução de José Ferreira. — Brasília: UNESCO, IBE, SESI, UnB, 2002.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 2009.

GARCEZ. A organização da fala-em-interação na sala de aula: controle social, reprodução de conhecimento, construção conjunta de conhecimento. Caleidoscópio. v. 4, n. 1, p. 66-80, jan/abr 2006.

GAUDERER, E. Christian. Autismo e outros atrasos do desenvolvimento: guia prático para pais e profissionais. Rio de Janeiro: Revinter, 1997.

LUCKESI, Cipriano. Avaliação da aprendizagem. Revista ABC EDUCATIO, n. 46, p. 28-29, jun. 2005.

MATURANA, H.R.; VARELA, F.J.. A Árvore do Conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. Tradução: Humberto Mariotti e Lia Diskin. São Paulo: Pala Athenas, 2001.

MONTOAN, M.E.. Inclusão escolar: O que é? Por quê? Como

fazer? ed. 2. São Paulo: Moderna, 2006.

MORIN, Edgar. Epistemologia da complexidade. In: SCHNITMAN, D.F. (Org.). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

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THYLEFORS B. et al. Global data on blindness. Bulletin of the World Health Organization, v. 1, n. 73, p. 115-121,1995.

VYGOTSKI, L. S.. Obras Escogidas V: Fundamentos de defectología. Madrid: Visor, 1998.

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ANEXO I

ACUIDADE VISUAL

A acuidade visual do olho humano é infinita, porém a acuidade visual que gera detalhes de observação é finita. Pode ser entendida como a distância necessária para que se veja determinado objeto com detalhes.

A acuidade visual de uma pessoa é dita em forma de fração, por exemplo A/B. O numerador é a distância que um objeto pode estar de mim para que eu enxergue e o denominador é a distância máxima padrão que um objetivo precisa estar.

A medida utilizada é em ―pés‖ que equivale a aproximadamente 30 centímetros.

Por exemplo, uma visão 20/70 determina que o que uma pessoa deveria ver a 70 pés (aproximadamente 21 metros) ela só verá se estiver a uma distância de 20 pés (6 metros).

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ANEXO II

MATERIAL DE APOIO PERMITIDO AO PARTICIPANTE

Sorobã Reglete

Máquina Braille Cão-guia

Pincéis Folhas para Rascunho

Bengala Lupa sem luz

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Lupa de mesa Lupa horizontal

Órteses Próteses

Apoio para escrita Tábua de apoio