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Laurindo Mékie Pereira Dependência, Favores e Compromissos: Relações Sociais e Políticas em Montes Claros nos anos 40 e 50. Orientador: Profa. Heloísa Helena Pacheco Cardoso Uberlândia, maio de 2001

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Laurindo Mékie Pereira

Dependência, Favores e Compromissos: Relações Sociais e Políticas em Montes Claros nos anos 40 e 50.

Orientador: Profa. Heloísa Helena Pacheco Cardoso

Uberlândia, maio de 2001

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Sumário

SUMÁRIO............................................................................................................................ 1

INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 2

CAPÍTULO I: A POLÍTICA DESENVOLVIMENTISTA EM MONTES CLAROS 14

1.1 – MONTES CLAROS NOS ANOS 50: ENTRE A ESPERANÇA E A FRUSTRAÇÃO................ 14 1.2 - A INVENÇÃO DO CENTENÁRIO ................................................................................. 24 1.3 - O ACORDAR DO SONHO ........................................................................................... 43

CAPÍTULO II: A SACRALIZAÇÃO DA INSTÂNCIA DO POLÍTICO ................... 60

2.1 – OS SIGNIFICADOS DO CORONELISMO ....................................................................... 61 2.2.- O CORONEL SACRALIZADO ....................................................................................... 72 2.3 – A TEATRALIZAÇÃO DOS EVENTOS ........................................................................... 83 2.4 – FAVORES, VIOLÊNCIA E FRAUDES. ........................................................................... 94

CAPÍTULO III: AS ESTRATÉGIAS POPULARES DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA........................................................................................................................ 110

3.1 – A RELATIVIDADE DA DEPENDÊNCIA ...................................................................... 110 3.2 – ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA E AÇÃO POLÍTICA .............................................. 119 3.3 – ENTRE A ACEITAÇÃO E A NEGAÇÃO DO PODER VI GENTE......................................... 127 3.4 – O (RE)FAZER DA POLÍTICA ...................................................................................... 145

ANEXOS........................................................................................................................... 155

FONTES ........................................................................................................................... 168

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 173

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Dependência, Favores e Compromissos: Relações Sociais e Políticas em Montes Claros nos anos 40 e 50.

Introdução

O período compreendido entre o fim do Estado Novo e o golpe militar de 1964 é

significativo na História do Brasil. Os processos de industrialização e urbanização e as

complexas relações sociais e políticas, nesse momento de mudanças, constituem temas

sempre suscetíveis de discussões.

A industrialização foi, do ponto de vista econômico, a preocupação central do

Estado brasileiro que, aproveitando-se da situação externa favorável – crescimento

exuberante da economia internacional no pós-guerra –, buscou acelerar o desenvolvimento

do capitalismo no Brasil, servindo como auxiliar do capital privado no processo de

acumulação, investindo em setores menos atrativos aos interesses privados, montando a

infraestrutura necessária à implementação das indústrias e intervindo em questões sociais

com o fim de dar segurança aos capitais investidos.

Para tanto, a prática do planejamento tornou-se necessária. Se durante os governos

de Eurico Gaspar Dutra e Getúlio Vargas os planos revelaram-se infactíveis, a execução do

Plano de Metas durante a gestão de Juscelino Kubistchek proporcionou ao país os maiores

índices de crescimento industrial até então registrados em sua história.

Paralelo ao processo de industrialização, e em parte decorrente dele, o crescimento

da população urbana, combinado com a existência de práticas políticas razoavelmente

estáveis como as eleições diretas e o voto universal (exceto analfabetos), forjou um

conjunto de relações sociais e políticas complexo, articulando velhas e novas práticas.

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O estudo dessas relações é o que se pretende neste trabalho que, embora se volte

para um local específico – a cidade de Montes Claros, no Norte de Minas Gerais –, não

compreende a manifestação dessas relações isoladas do todo nacional. Os anos 40, com o

fim da ditadura varguista, assinalaram a “volta à democracia”, agora com um significado

especial: a Constituição de 1946 garantia a elegibilidade do executivo local. Partindo dessa

conjuntura nacional, a pesquisa procura compreender como relacionavam-se população e

lideranças políticas nesta nova fase, agora marcada por eleições para todas as instâncias.

A manutenção das relações de dependência eram indispensáveis às elites locais no

contexto do chamado “período democrático”. O progressivo fortalecimento do Estado

como agente planejador, investidor e parceiro da iniciativa privada1 fez crescer a

importância de se deter o seu controle. Conscientes dessa nova realidade, os grupos

dominantes de Montes Claros organizaram-se para se fazer representar no Congresso

Nacional, Assembléia Legislativa, Câmara e Prefeitura Municipais.

Em âmbito nacional, o fim do Estado Novo assinalou o surgimento de diversas

agremiações partidárias no país. Três grandes partidos predominariam ao longo das

décadas seguintes (1945-1964): o Partido Social Democrático (PSD), O Partido Trabalhista

Brasileiro (PTB) e a União Democrática Nacional (UDN). No plano estadual, o Partido

Republicano (PR) também detinha uma certa influência.

A crescente oposição à ditadura varguista – entendida como decorrente do ambiente

internacional pró- liberalismo do pós-guerra – forçou a organização de um sistema

partidário no país `a medida que situação e oposição convenciam-se da necessidade de se

1 ABREU, Marcelo de Paiva (org.) A ordem do progresso. Cem anos de política econômica republicana 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1990. Conforme Abreu, as elites brasileiras sempre foram resistentes à aceitação total do Laissez Faire. O fortalecimento e intervencionismo do Estado após 1930 manifesta-se na sua crescente ação como agente planejador da economia e investidor em setores específicos como infra-estrutura e ramos não interessantes ao capital privado. Pp. 8-9.

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criar mecanismos institucionais para canalizar interesses e pressões políticas.2 O PSD

nasceu das estruturas burocráticas do Estado Novo, “...criado, como se sabe, de cima para

baixo; ou mais exatamente de dentro para fora do Estado, através da convocação feita

pelos interventores às bases municipais nos estados.”3 Reunindo as expressivas lideranças

municipais, sob o comando dos interventores e apoiadas num arcabouço burocrático que

lhe garantia cargos e poder de decisão, o PSD já nasceu grande e foi, ao longo do período,

a maior força partidária.

Também sob a “orientação” de Getúlio Vargas, o PTB foi estruturado de maneira a

abrigar os interesses das camadas operárias urbanas. Estreitamente ligado ao Estado, o

Partido controlava cargos dos Ministérios do Trabalho e Previdência e utilizava-se desse

mecanismo para exercer sua influência política.4

A UDN surgiu como o partido de oposição ao getulismo e comportou-se como tal

até o desfecho golpista de 1964. Congregando interesses urbanos – elite urbana e alta

classe média –, a União Democrática Nacional teve dificuldades em penetrar no interior,

onde a máquina pessedista era extremamente sólida. Por outro lado, no espaço urbano, teve

dificuldades em arrebanhar amplo apoio em virtude da penetração do PTB junto ao

operariado e de partidos menores que também ocupavam seu espaço contribuindo para a

pulverização dos votos.

O PR foi um partido de base regional. Era o herdeiro do velho Partido Republicano

da Primeira República. O PR conservou um significativo prestígio político em Minas

Gerais pois, embora não tivesse condições de chegar ao comando do Estado, era a força

que decidia as eleições estaduais na medida em que poderia estar aliado tanto à UDN

2 SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930-1964). São Paulo: Alfa-Omega, 1990, pp. 63-64. 3 SOUZA, Maria do Carmo Campello. Op. Cit., p. 109.

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quanto ao PSD. De posse desse instrumento, os perristas vendiam caro seu apoio a cada

eleição: em troca da aliança, abocanhavam vários cargos – de secretarias até delegados

municipais.

Apesar do aparente clima de mudanças no ocaso do Estado Novo, da agitação

política proporcionada pelo surgimento de partidos políticos com bases nacionais, segundo

Maria do Carmo Campello de Souza há mais continuidade que ruptura em 1945. Para a

autora, o Estado exercia, mesmo após a queda de Vargas, enorme “condicionamento”

sobre os partidos e sua estrutura burocrática, forjada ao longo dos 15 anos de predomínio

getulista, não foi alterada pela Constituição de 1946.

Exemplo concreto disso é a própria existência de dois partidos saídos das entranhas

do Estado – o PSD e o PTB – que, embora representassem segmentos sociais divergentes,

foram a base política predominante no período e que deu sustentação aos projetos de

desenvolvimento até a crise institucional do início da década de 1960.

Em 1945, em Montes Claros, formaram-se dois partidos: o Partido Social

Democrata (PSD) e o Partido Republicano (PR). Em ambas as siglas predominavam os

interesses da elite agrária e comercial, sendo praticamente impossível detectar diferenças

programáticas ou ideológicas entre os mesmos. Na realidade, suas divergências

remontavam a velhos conflitos familiares. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e a

União Democrática Nacional (UDN), também criados nesta época, não tinham grande

força política e sempre compunham com os outros partidos nas eleições municipais e

apoiavam candidatos de outras cidades, nas eleições para a Assembléia Estadual e

Congresso Nacional.

4 WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 53.

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As campanhas eleitorais são, por excelência, o momento de expressão das relações

de compromissos. É na efervescência dos períodos que antecedem `as eleições que se

intensifica a prestação de favores, como abertura de estradas, nomeações de professoras,

delegados e subdelegados; e os favores prestados ao longo dos anos, cotidianamente são

relembrados. O voto toma a figura de uma mercadoria. Longe de expressar a livre

afirmação de uma vontade individual, o voto é um mecanismo pelo qual a pessoa obtém

algo para si ou para seu grupo restrito e uma forma pela qual se paga uma “dívida”

contraída anteriormente.

A análise dessas relações estabelecidas entre população e as lideranças locais e

destas com as instâncias superiores do setor público, revela um modelo político coronelista

marcado pela sobreposição de valores e interesses individuais sobre o público,

materializados nos favores pessoais, no mandonismo e no alijamento da possibilidade de

livre expressão política da população.

Neste trabalho, coronelismo significará sempre uma relação de dependência que se

manifesta através de favores e se perpetua por meio de compromissos que mantêm a

dominação política das elites econômicas sobre a população. No entanto, a pesquisa atenta

para o caráter recíproco da dependência e para os limites da dominação. Esses dois

aspectos afloram no estudo das estratégias populares de participação política, que se

utilizam de brechas do sistema hegemônico para se manifestar.

Para reconstituir essas relações e captar seus significados, um conjunto de fontes foi

levantado. A documentação utilizada inclui a imprensa, Jornal Gazeta do Norte, O Jornal

de Montes Claros, Revista Montes Claros, Revista Montes Claros em Foco e Encontro; os

documentos da Câmara Municipal, livro de atas, projetos, correspondências de políticos,

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entidades e moradores; os depoimentos orais, as obras de memorialistas locais e os dados

estatísticos.

Os jornais Gazeta do Norte e O Jornal de Montes Claros foram de fundamental

importância para a pesquisa. Eles analisam assuntos variados e fazem a cobertura de

eventos diversos como planos econômicos, comícios, posses de candidatos eleitos,

inaugurações de obras e reuniões de entidades.

Esses jornais desempenharam o papel de veículo das idéias das elites locais. Essas

idéias aparecem nos artigos assinados, nos editoriais e na maneira como são narrados os

episódios políticos. Assim, a informação do jornal é, para a pesquisa, a representação de

quem a escreveu ou professou, e não será tratada como dado objetivo. A imprensa é porta-

voz de interesses de classes ou de frações de classes e, embora se apresente como isenta

para ser digna de maior credibilidade, seu texto sempre retrata uma dada ideologia, uma

visão de mundo.5

O Jornal Gazeta do Norte era de propriedade de pessoas ligadas ao PSD, embora

seus editores insistissem em afirmar sua falta de “cor política”. O Jornal de Montes Claros,

propriedade do Capitão Enéas Mineiro de Souza6 (PSD), prefeito municipal de 1951-1955,

apresentava-se como um “instrumento a serviço da população de Montes Claros”.

Além de possibilitarem o levantamento de fatos aparentemente isolados, como

nomeações de funcionários públicos e obtenção de benefícios junto aos Governos Federal e

Estadual através da influência pessoal, esses jorna is permitem perceber as estratégias de

dominação adotadas pelos grupos políticos tradicionais. Simultâneo `as medidas práticas

em forma de favores, um conjunto de representações do cidadão e do político ideais era

5 VIEIRA, M. do Pilar de A e outros. “Imprensa como fonte para a pesquisa história”. In: Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História. São Paulo: PUC, nº 3, 1984.

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mobilizado e disseminado. Assim, quando se referia ao cidadão comum, o jornal

enfatizava as qualidades do pai de família “sertanejo corajoso e trabalhador” e também

“ordeiro” e “honesto”. Quanto aos líderes, as imagens pregadas podem ser agrupadas em

dois tipos aparentemente contraditórios, mas na verdade complementares: por um lado,

valorizava-se o líder de “família tradicional”, “trabalhador”, “conhecedor das dificuldades

do povo”; de outro lado, destacava-se a formação acadêmica - médicos, advogados e

engenheiros -, a “cultura” desses homens, seu preparo intelectual e seu “profundo

conhecimento” da sociedade. A associação dessas representações construíam a figura do

líder ideal, o “chefe”, o “guia”, o indivíduo que nasceu para ser “condutor de pessoas”.

Entretanto, essas imagens não aparecem na superfície do texto. Os jornais

preocupavam-se em parecerem isentos, é o “artifício da impessoalidade”7 que procura

dissimular o sujeito, nas diversas matérias publicadas.

Neste sentido, torna-se preciso penetrar no discurso, procurar encontrar nele as

mensagens ideológicas, por vezes ocultadas à primeira vista por figuras ou estratégias

argumentativas, como assinala Fiorin8. O autor identifica duas categorias de textos:

figurativos e não-figurativos (ou temáticos): “Nos textos não figurativos, a ideologia

manifesta-se com toda a clareza, ao nível dos temas. No textos figurativos, essa

manifestação ocorre na relação figuras-temas.” 9 Para compreender o discurso enquanto

formulação figurada é necessário, pois, antes apreender o (s) tema (s) de que ele trata. A

6 1951 foi o único ano ao qual tivemos acesso a esse jornal. Em 1952 o jornal foi adquirido pelo advogado Oswaldo Antunes. 7 CAPELATO, Maria Helena Rolim. “O Controle da Opinião e os Limites da Liberdade: Imprensa Paulista (1920-1945)” In: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, vol 12, Nº 23/24, 1992. Conforme a autora “Com a artifício da impessoalidade ocultava-se o poder pessoal que se diluía na aparência de um poder sem sujeito. A imprensa ficava, assim, descaracterizada como instrumento de interesse particular. Graças a essa astúcia, ela era apresentada ao público leitor como expressão dos altos valores eternos, universais e, consequentemente, como apartidária, apolítica e impessoal.” P. 57. 8 FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. São Paulo: Ática, 1990. 9 Idem, p. 25.

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relação entre temas e figuras faz submergir um universo ideológico que visa concretizar

valores universais em uma sociedade de classes como a nossa.

A análise do discurso é imprescindível ao trabalho do historiador se se admite que

todo documento histórico é portador de algum tipo de discurso.10 O que não significa,

porém, reduzir a história ao texto ou discurso,

...trata-se antes de relacionar texto e contexto: buscar os nexos entre as idéias contidas nos discursos, as formas pelas quais elas se exprimem e o conjunto de determinações extratextuais que presidem a produção, a circulação e o consumo dos discursos.11

Esses “cuidados” metodológicos foram também observados no trabalho com as

revistas. A revista Montes Claros circulou apenas no ano de 1941 e era uma publicação do

grupo Jornal Gazeta do Norte. A Revista Montes Claros em Foco começou a ser editada

em 1956 e constitui uma fonte significativa, particularmente o número 4 (junho de 1957),

edição comemorativa do Centenário de Montes Claros. Da revista Encontro só tive acesso

a um único número, o de 1962. As matérias dessas revistas seguem o estilo dos jornais e

também contribuem na propagação do discurso dominante. Suas informações,

confrontadas com outras fontes, foram importantes na recuperação de eventos políticos e

os artigos de lideranças locais, nelas contidos, permitiram o estudo do pensamento político

hegemônico.

Não obstante o seu compromisso com o pensamento e projetos políticos dos grupos

dirigentes, a imprensa não pôde ocultar os problemas sociais: o desemprego, o êxodo rural,

a precariedade do saneamento básico, a crônica falta de água, a deficiência da energia

elétrica e a carestia que assolava a cidade, apareceram nos jornais, ainda que de forma

10 CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo. “História e Análise de Textos”. In: Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997, pp. 375-399

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furtiva e dissimulada. No entanto, reconstituir essa outra faceta da cidade, bem como a

posição das pessoas comuns frente a esses problemas exclusivamente pelos jornais

mostrou-se inviável.

Foi nesse sentido que a documentação da Câmara Municipal adquiriu relevância.

Ela compõem-se de livro de atas, projetos, correspondências de políticos, de entidades e de

moradores. O exame do livro de atas possibilita a confrontação das suas informações com

as veiculadas pela imprensa e a recuperação do teor dos discursos dos vereadores e suas

posições quanto a problemas da comunidade. Os projetos e correspondências revelam as

formas pelas quais se relacionavam os líderes políticos entre si e com a população.

São nas correspondências de entidades – associações profissionais e filantrópicas,

sindicatos, diretório estudantil – e de moradores que a pesquisa procurou perceber a

manifestação de um pensamento divergente do discurso dominante. A análise desses

documentos visou verificar o grau de assimilação e rejeição popular a esse discurso.

Percebe-se que a cordialidade e harmonia sociais enfatizadas pela imprensa não se

verificavam na vida diária das pessoas. As correspondências denunciam um espaço urbano

insalubre, a falta de trabalho, a elevação de preços de artigos de primeira necessidade,

escolas em condições precárias e entidades beneficentes em vias de extinção por absoluta

falta de recursos.

Entretanto, se, por um lado, essa realidade social e a insatisfação popular

transpareciam nas cartas e abaixo-assinados, a forma de resolução desses problemas,

proposta ou reivindicada, marcava-se pelas mesmas estratégias utilizadas pelos grupos

dirigentes: medidas paliativas, ajuda individual e troca de favores.

11 Idem, p. 378.

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Aprofundar a compreensão dessas estratégias populares de aceitação e negação foi

o que se pretendeu com os depoimentos orais. Esses foram úteis para se captar novas

visões da sociedade, identificar de que forma os diversos segmentos reconstroem as noções

de autoridade e as funções do poder público. O cruzamento das informações das fontes

diversas – imprensa, Câmara Municipal, memorialistas – com as fontes orais permitiu

reconstituir o cotidiano da população do município, sua condição de dependência, seus

momentos de inserção no sistema de dominação política ou sua oposição aos projetos das

elites.

As entrevistas visaram recuperar as visões de um público que não teve voz, ou não

se manifestou politicamente além do voto. Essa escolha justifica-se na medida em que a

manifestação do discurso da população verificada nos jornais ou documentos da Câmara,

em sua maioria, estão ligadas às entidades, aos grupos organizados, aos indivíduos “ativos”

politicamente nos anos 40 e 50. Essa é uma escolha consciente, é uma definição de

caminhos e opções, é a “invenção do depoimento oral” 12 mais adequado aos objetivos da

pesquisa.

É, pois, o cidadão simples, a “testemunha-objeto”, na expressão de Voldman, e não

“sujeito” da sua história, o que se buscou ouvir. É esse indivíduo que, ao contrário da

pessoa que participou ativamente dos eventos políticos e que tem um discurso construído a

ser transmitido, pode fornecer informações diversas, e mesmo semelhantes, mas vistas sob

outro prisma, das representações pesquisadas nas fontes escritas.

12 VOLDMAN, Daniele. “A invenção do depoimento oral” In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998, pp. 247-265

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12

No entanto, os depoimentos por si só “...não esclarecem necessariamente os fatos

passados, mas são interpretações atuais deles.”13 A memória do passado não equivale

exatamente ao fato ocorrido, o presente interfere no passado, as condições históricas em

que o depoimento se inscreve são pois elementos constitutivos do próprio discurso14. Daí

o cruzamento múltiplo das diversas fontes no esforço de reconstituição da realidade vivida

pelos diversos personagens das relações estudadas por esta pesquisa.

Os memorialistas foram de grande utilidade na reconstituição da “história

cronológica” da região e do município e na obtenção de informações específicas. Dentre os

memorialistas – Hermes de Paula, Ivone Silveira, Zezé Colares, Nelson Viana e Jorge

Tadeu Guimarães – destaca-se o primeiro. Paula foi o coordenador da comissão instituída

pela Prefeitura Municipal que coordenou as comemorações do centenário do município em

1957. A primeira edição do seu livro Montes Claros, sua história, sua gente e seus

costumes é de 1957 e reflete o pensamento hegemônico do período, o sonho da Montes

Claros centenária, moderna e pacífica. Os dados estatísticos publicados nos jornais e

revistas e principalmente os coletados no IBGE, embora não constituam, por si só, a

história, foram de grande relevância no esforço de compreensão das condições sociais e

econômicas quando cruzados com outras fontes.

A dissertação foi organizada em três capítulos. No primeiro está em foco a política

desenvolvimentista no município de Montes Claros. Nos anos 50, a cidade foi o palco de

um grande movimento de articulação política regional que visou a inserção do Norte de

Minas nos programas de investimentos públicos coordenados pelo Estado e União. O ápice

13 JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco e ROSA, Zita de Paula. “História oral: uma utopia ?”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, vol. 13, nº 25/26, pp. 7-16, p.13 14 MONTENEGRO, Antônio Torres. “História oral, caminhos e descaminhos” In: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, v. 13, nº 25/26, 1993, pp. 55-65.

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deste movimento foi a festa do Centenário de Montes Claros em 1957. Por isso, grande

parte do capítulo é dedicada à compreensão dos múltiplos significados desse evento.

O segundo capítulo aborda a sacralização da instância do político, as diversas

formas pelas quais se realizava a dominação política, tais como a construção de lideranças

e mitos, a teatralização dos eventos políticos, a violência, as fraudes e a prática do favor

pessoal como canal de obtenção/realização de benefícios públicos.

O terceiro e último capítulo procura compreender as estratégias populares de

participação política. O objetivo é averiguar os caminhos percorridos pela população,

individual ou coletivamente, para se manifestar politicamente e para realizar seus

propósitos. Essa análise revela um comportamento ambivalente, a oscilação entre

momentos de absoluta complacência e colaboração e momentos de críticas contundentes

ao discurso e projetos dominantes-conservadores.

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14

Capítulo I: A política desenvolvimentista em Montes Claros

1.1 – Montes Claros nos Anos 50: Entre a Esperança e a Frustração

A década de 1950 foi o tempo do espetáculo. Dirigido por um governo com um

ousado plano de desenvolvimento econômico, o Brasil alcançou os maiores índices de

crescimento industrial de sua história. O governo Juscelino Kubitschek, fundamentado no

bem estruturado Plano de Metas, visava fazer a transição do país de base agrícola para o

país de base industrial e assim incorporá-lo ao mundo capitalista moderno.

O Plano de Metas elegeu a industrialização como o seu objetivo central e a

apontava como o único meio possível de se fazer a modernização. Para viabilizar a

industrialização, procurou atacar de imediato os chamados “pontos de estrangulamento” -

a deficiência da energia elétrica e do sistema de transportes15 - apoiado na abertura da

economia nacional aos investimentos externos para, em parceira com os capitais estatais e

privados nacionais, viabilizar a infra-estrutura necessária à concretização desse objetivo.

O desenvolvimentismo era apresentado pelo presidente e pela imprensa como o

remédio para os males econômicos brasileiros. Sua efetivação, traria, por conseqüência,

benefício ao conjunto da sociedade. Assim, invocava-se o apoio de todos ao esforço

político do governo de promover o desenvolvimento econômico, o crescimento

quantitativo da riqueza nacional que, uma vez efetivado, seria, em uma segunda etapa,

dividida para o bem de toda a coletividade.

15 O Programa de governo compreendia 30 metas, nos setores de energia (elétrica, nuclear, carvão mineral, petróleo), transportes (ferrovias, rodovias, portos e dragagem, marinha mercante, transportes aeroviários), produção agrícola (trigo, armazéns e silos, frigoríficos, matadouros, mecanização e fertilizantes), indústria siderúrgica, alumínio, metais não ferrosos, cimento, celulose e papel, borracha, indústria automobilística, construção naval, indústria mecânica e material elétrico pesado, e educação. Todas as metas se uniam em torno da busca de um processo acelerado de desenvolvimento econômico, mesmo a da educação, incluindo escolas industriais e agrícolas e a ênfase no reequipamento das escolas de engenharia.

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A primeira parte do Plano obteve êxito – ocorreu o crescimento quantitativo da

riqueza do país. Entretanto, a socialização dos ganhos alcançados pelo crescimento

industrial nunca se efetivou.

O otimismo era disseminado pela imprensa da época. Assimilando o discurso

oficial, os jornais reproduziam a ideologia dominante. Assim como o governo, a imprensa

apresentava a industrialização como a via única e necessária ao desenvolvimento

econômico e assegurava a universalização de seus benefícios.

Um dos pilares do desenvolvimentismo era o Planejamento Econômico. Desde a

década de 1940 esta prática se manifestava forte. Em nível nacional, o Plano SALTE,

apesar de não lograr êxito expressivo, foi a primeira experiência brasileira efetiva nesta

área.16 A prática do planejamento, entendida com a definição de projetos e investimentos a

partir de uma avaliação criteriosa da realidade nacional, foi uma política não só federal,

mas também adotada por diversos governos estaduais.

A ideologia do desenvolvimentismo, planejamento e intervenção do Estado na

economia, estava presente, portanto, também em âmbito estadual. Nesse contexto, é

formulado o Plano de Recuperação Econômica e Fomento à Produção pelo Governo

Milton Campos (1947-1951) em Minas Gerais, tendo como objetivo central os

investimentos em energia e transportes – 67% do total dos investimentos previstos.17

Embora o plano de Campos não tenha alcançado êxito, foi ele a base do programa de

desenvolvimento, também centrado no binômio energia e transportes, do Governador

16 CARDOSO, Heloísa Helena Pacheco. Conciliação, Reforma e Resistência: governo, empresários e trabalhadores em Minas Gerais nos anos 50. São Paulo: USP, 1998. (Tese de Doutorado). O Plano SALTE foi elaborado em 1948 pelo Governo Gaspar Dutra tendo como áreas prioritárias: saúde, alimentação, transporte e energia. O SALTE não obteve êxito em função das limitações orçamentárias e das dificuldades de obtenção de empréstimos externos. 17 DINIZ, Clélio Campolina. Estado e Capital Estrangeiro na Industrialização Mineira. Belo Horizonte: UFMG/PROED, 1981. p. 63.

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Juscelino Kubitscheck, conforme Diniz.18 O governo JK em Minas Gerais foi vitorioso no

aumento dos recursos energéticos, sendo a constituição da CEMIG, em 1952, o principal

instrumento desse setor. Já o programa de transportes, embora tenha avançado, teve

resultados mais modestos, permanecendo deficiente. Para executar o binômio, o governo

radicalizou seu papel de auxiliar do capital privado agindo “...como verdadeira alavanca

nos moldes de acumulação capitalista, transferindo recursos públicos para empresas

privadas”19.

Foi essa mesma lógica que presidiu o Plano de Metas do presidente Juscelino

Kubitscheck. O plano de JK serviu-se do legado da Comissão Mista Brasil-Estados

Unidos, que durante o Governo Vargas (1951-1954) realizara o diagnóstico da economia

nacional, e dos estudos da CEPAL-BNDE que recomendara a industrialização sob direção

e incentivo do Estado como estratégia para o desenvolvimento do país.20

Firmado no tripé formado por capitais estatal, estrangeiro e privado nacional, o

Plano de Metas foi vitorioso na aceleração do desenvolvimento do capitalismo no Brasil. O

Plano propunha-se também a produzir justiça social. Essa era considerada uma

18 Idem. 19 Diniz, Clélio Campolina, op. cit. pp.79-80. Conforme Diniz essa transferência de recursos dava-se sob três formas principais no ramo das obras rodoviárias: “As tabelas de pagamento das obras foram feitas tomando-se como base, em sua maioria, serviços manuais. Após a concorrência, o DER reajustou a tabela. Por outro lado as empresas começaram a se equipar, o que foi facilitado pela taxa de câmbio preferencial para importação de equipamentos, estabelecida pela Instrução 70 da SUMOC. A mecanização das empresas implicou aumento da produtividade e redução dos custos. Essa foi, pois, a primeira dupla forma de sobre-lucros. Para acrescentar a isto, as empresas substituíram (e o DER consentiu) a maioria das obras de arte (pontes, viadutos, etc) por terraplanagem. Com tabelas baseadas em serviços manuais e sendo o mesmo mecanizado, a terraplanagem era indiscutivelmente a maior fonte de lucro para as empresas. Aí estava, portanto, uma terceira forma de sobre-lucros.” Uma análise minuciosa acerca da industrialização do Estado de Minas Gerais, considerando os papéis desempenhados pelo Estado, empresários e elites políticas está em DULCI, Otávio Soares. Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais. Belo Horizonte, UFMG, 1999. 20 CARDOSO, Heloísa Helena Pacheco, op. cit. p. 52. Ver também: ORENSTEIN, Luiz e SOCHOCZEWSKI, Antônio Cláudio. “Democracia com Desenvolvimento: 1956-1961” In: ABREU, Marcelo Paiva (org.) A ordem do progresso. Cem anos de política econômica republicana 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1990, pp. 171-195

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conseqüência direta do avanço industrial. 21 O final do governo JK não comprovou essa

previsão. Embora os efeitos da modernização tenham sido usufruídos pela população, o

Plano de Metas não alterou a relação de exploração característica do capitalismo, pelo

contrário, a consolidou. 22

A insatisfação social frente aos resultados das políticas desenvolvimentistas

evidenciaram-se nos movimentos populares no final dos anos 50. Em Montes Claros, como

em muitas outras cidades, os anos 1958 e 1959 foram de agitação social, expressas em

mobilizações contra a carestia e contra o monopólio da carne.

A região Norte do Estado de Minas Gerais esteve à margem do

desenvolvimentismo dos anos 50. Os efeitos práticos da intervenção do Estado como

promotor da industrialização só surgiram na segunda metade da década de 1960, quando

foi viabilizada a infra-estrutura energética e de transportes e os incentivos fiscais da

SUDENE atraíram à região investimentos industriais em volume expressivo. Entretanto, a

região não assistiu passivamente ao espetáculo do período. A cidade de Montes Claros foi

o centro de mobilização das elites regionais em um esforço conjunto para atraírem os

investimentos do Estado e se inserirem na política desenvolvimentista.

A imprensa de Montes Claros, dirigida pelo PSD e PR, assimilou o discurso

desenvolvimentista e cuidou de reproduzi- lo. As elites locais empreenderam um

movimento aglutinador de forças para assim participarem dos benefícios e investimentos

do Estado. Representando os interesses dos grupos agrário e comercial dominantes, os

jornais legitimaram a ideologia oficial e procuraram construir a imagem de uma cidade

“moderna”, “pacífica” e “civilizada”. Não obstante o seu compromisso com esse ideário, a

21 LEOLPDI, Maria Antonieta P. “Crescendo em meio à incerteza: a política econômica do governo JK (1956-60). In: GOMES, Ângela de Castro. O Brasil de JK. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 1991. O apelo social do Plano de Metas era, segundo Leopoldi, uma das bases da ideologia desenvolvimentista e um dos

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imprensa não pôde evitar o reverso da moeda: a cidade pobre, a precariedade do

saneamento básico, a crônica falta de água, a deficiência da energia elétrica e a carestia que

assolava a cidade ao longo de toda a década, apareceram nos jornais, acusando a outra face

do “desenvolvimentismo”.

A eleição e gestão do governador JK, na primeira metade dos anos 50, foi para

Montes Claros a esperança e a frustração. As elites uniram-se em torno do “filho de nossa

terra” (embora JK tenha nascido em Diamantina, cidade do Vale do Jequitinhonha, a

imprensa e as lideranças políticas de Montes Claros sempre o trataram como “norte-

mineiro”). O jornal Gazeta do Norte fez uma intensa campanha pró-JK, enfatizando o seu

caráter realizador e modernizador `a frente da prefeitura de Belo Horizonte: “A sua

presença no Palácio da Liberdade assegurará a Minas dias de trabalho e

prosperidade.”23 Na sua visita a Montes Claros, os grupos locais – o PR e as duas alas do

PSD –, apesar da acirrada campanha municipal, uniram-se para receber o candidato a

governador. Juscelino Kubitschek desfilou em carro aberto “ladeado por Milton Prates e

Cel . Filomeno Ribeiro”.24 Milton Prates era o líder da Ala Liberal do PSD e Cel Filomeno

Ribeiro o líder da Ala Ortodoxa. JK recebeu 9.410 votos e Gabriel Passos 3.040, no

município de Montes Claros, que, em 1950, possuía cerca de 15 mil eleitores.

O governo Juscelino Kubitschek começou com grande esperança para o município:

José Esteves Rodrigues, ex-deputado por Montes Claros, foi nomeado Secretário de

Viação e Obras Públicas do Estado. O Gazeta comenta: “Radicado em nosso meio por

instrumentos ideológicos utilizados por JK para conseguir apoio político a ele. 22 CARDOSO, Heloísa Helena Pacheco. Op.cit. 23 Gazeta do Norte. Montes Claros, 10 ago. 1950, p.1 24 Gazeta do Norte. Montes Claros, 15 set. 1950, p.1

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laços de família e de coração é motivo de assinalado júbilo para Montes Claros vê-lo no

elevado cargo de secretário da Viação (...)”25

Mas a política desencadeada por Juscelino Kubitschek não significou para o Norte

de Minas o mesmo que para outras regiões do Estado. Tomando por base os setores de

energia e transportes, verifica-se que a situação dos mesmos no município permaneceram

precaríssimos no período. O caso da energia é significativo e merece um destaque maior.

A energia elétrica foi instalada para uso doméstico em 1917. Até 1944 a Usina do

Cedro, situada na Fazenda do Cedro, forneceu energia `a cidade. Em 1944 foi inaugurada a

ligação de Montes Claros com a Usina de Santa Marta, situada no Município de Grão

Mogol. Apesar de bem superior à Usina do Cedro, essa solução não foi definitiva. O

racionamento de energia ocorria em todos os períodos de estiagem. No início da década de

1950, o problema apresentava-se mais grave, crescia a população urbana aumentando o

consumo de energia.26 Em outubro de 1951, em virtude das constantes interrupções no

fornecimento, foi iniciada uma reforma geral na linha de transmissão.

Em novembro de 1951, o Jornal Gazeta do Norte anuncia, entusiasmado, a

assinatura de convênios entre a Comissão do Vale São Francisco e o Governo de Minas

Gerais para a construção de uma usina elétrica em Pandeiros, município de Januária e outra

em Jequitaí, município próximo a Montes Claros, e a abertura de várias estradas na região.

As obras estavam orçadas em 102 milhões de cruzeiros. O otimismo era tão grande que se

falava na instalação de uma fábrica de cimento em Montes Claros e de diversas indústrias

têxteis em Januária, Maria da Cruz e São Francisco, municípios que seriam beneficiados

25 Gazeta do Norte. Montes Claros, 04 fev. 1951. p.1 26 A população urbana era de 15.316 pessoas em 1940, 21.943 em 1950 e 43.097 em 1960. Censo Demográfico de 1940. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1959.- Censo Demográfico de 1960.

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pela energia de Pandeiros. A inauguração de Pandeiros estava prevista para 1953 e a de

Jequitaí para 1954, assegurava o secretário da Viação, José Esteves Rodrigues.27

O entusiasmo da elite local ficou evidente na comemoração do primeiro aniversário

do Governo JK na Câmara Municipal. Os vereadores promoveram, com a presença do

prefeito Enéas Mineiro de Souza e várias lideranças políticas do PR e do PSD, uma sessão

comemorativa, no dia 31 de janeiro de 1952, em homenagem ao Governador:

Com a palavra o vereador secretário, fez brilhante discurso enaltecendo as virtudes do homenageado dr. Juscelino Kubistchek, tendo ao som da música sido descerrada a cortina verde-amarelo que cobria a efígie do alto dirigente do Estado. O discurso foi entrecortado por palmas, reinando grande entusiasmo.28

Em maio de 1952, o Governador falava aos mineiros pelo rádio. Atento, o Gazeta

do Norte transcreveu o discurso otimista do governador, destacando-o numa longa matéria

intitulada “1952 é o ano da execução vitoriosa do binômio energia e transporte. Minas que

sempre foi a terra da liberdade há de ser também a terra da prosperidade”29. A frase era

parte do discurso de JK e virou manchete do Gazeta.

A promessa de “um ano vitorioso” não se confirmou para o Norte de Minas, as

estradas não foram abertas e as usinas sequer foram licitadas.

O problema do racionamento de energia atingiu o auge em 1953. A estiagem

daquele ano parece ter sido mais forte, o nível da barragem de Santa Marta baixara demais

e a cidade vivia semanas inteiras completamente às escuras. Em junho foi dirigido um

apelo ao Governador reivindicando a instalação imedia ta de um conjunto diesel de 800 a

1000 HP como “solução provisória” e a construção de uma nova usina em Santa Marta e a

construção da Usina de Jequitaí, como “soluções definitivas”. O documento dirigido ao

27 Gazeta do Norte. Montes Claros, 04 nov. 1951, p.1 28 Gazeta do Norte. Montes Claros, 03 fev. 1952, p.2 29 Gazeta do Norte. Montes Claros, 22 maio 1952, p.1

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governador foi assinado pelo Bispo Luiz Victor Sartori, representando a Mitra Diocesana,

pelo Prefeito Enéas Mineiro de Souza, diretórios políticos, Associações Comercial e Rural,

industriais, estudantes e União Operária.30

Pressionado, Juscelino Kubitschek visitou Montes Claros no início do mês de julho

e prometeu enviar o conjunto diesel e resolver outros problemas, como colocar novamente

em funcionamento o aeroporto que estava interditado, construir estradas e instalar mais

escolas para centenas de crianças.

Em setembro, novamente lideradas pelo Bispo Luiz Sartori, as lideranças e

entidades enviaram novo apelo a JK. Passaram-se dois meses desde sua visita e nada fora

realizado. A situação era crítica: no dia 10 de setembro o Gazeta do Norte dizia que os

vereadores usaram velas e fósforos para ler a pauta da reunião realizada no dia 03 do

setembro de 1953.

Entretanto, mais contundente que o apelo das lideranças foi o movimento dos

estudantes de Montes Claros. No dia 15 de setembro centenas de estudantes realizaram um

“comício de protesto” contra JK, pela demora na resolução dos problemas da cidade. “Os

manifestantes, percorreram antes as ruas da cidade, empunhando faixas com inscrições

jocosas e alusivas ao fato, concentrando-se em seguida na praça cel. Ribeiro (...).Tanto a

passeata como o comício transcorreram em perfeita ordem.”31 O ato dos estudantes

contou com a adesão de “elementos de outras classes”, conforme o Gazeta do Norte. O

jornal não diz, mas o fato mais significante da passeata foi o “enterro simbólico” do

governador. 32

30 Gazeta do Norte. Montes Claros, 28 jun. 1953, pp.1 e 4 31 Gazeta do Norte. Montes Claros, 17 set. 1953, p.1 32 GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Faces do Legislativo. Montes Claros: Sociedade Educacional Arapuim, 1997, p. 96.

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Neste contexto de crise, a Associação Comercial de Minas Gerais, em colaboração

com a Associação Comercial de Montes Claros, realizou nos dias 19 e 20 de setembro a

“Terceira Reunião das Classes Produtoras do Estado”, na sede da Associação local. A

reunião também contou com a participação da Associação Rural de Montes Claros, de

representante da Federação das Associações Rurais do Estado de Minas – FAREM - e de

líderes políticos como José Esteves Rodrigues e Plínio Ribeiro dos Santos. Ao seu final, as

“classes produtoras” elaboraram um documento em que faziam “recomendações” para a

solução dos problemas do município de Montes Claros, e da região. Destacam-se nestas

“recomendações” a instalação de um frigorífico em Montes Claros, a organização de uma

sociedade mista para explorar o serviço de Força e Luz, abertura e reforma de estradas

diversas, instalação em Montes Claros, e outros municípios, de agências da Associação de

Crédito e Assistência Rural – ACAR – para financiamento dos pequenos agricultores e

instalação da telefonia interurbana e do SENAC também em Montes Claros.33 Além destas

reivindicações “menores”, o Encontro recomendava a mobilização pela modificação da Lei

de Imposto de Renda sobre Pessoa Física, no sentido de aumentar o limite de isenção de

rendimento e das deduções para esposas e filhos. Todas essas reivindicações evidenciam o

grau de mobilização das elites locais e regionais e o desejo de maiores investimentos do

Estado na região, contribuindo, dessa forma, para reforçar as pressões sobre o governo

estadual.

Apesar de todas as pressões, o conjunto diesel só chegou em novembro e sua

instalação e pleno funcionamento demorou meses, sem, entretanto, solucionar

satisfatoriamente o problema da energia.

33 Gazeta do Norte. Montes Claros, 27 set. 1953, pp. 1 e 4.

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A lentidão com que se comportou Juscelino Kubitschek explica-se por um

problema de ordem política. O governador exigia a unificação do PSD local. O partido

cindiu-se em 1946 em duas alas: a “liberal” dissidente e a “ortodoxa”. O governador

condicionou a realização de qualquer benefício no município à união da sigla. As duas alas

fizeram, então, um acordo e venceram as eleições de 1954.

O acordo político, no entanto, não resolveu os problemas e, em janeiro de 1955,

uma comissão de vereadores do PSD reuniu-se em Belo Horizonte com o governador para

solicitar a solução dos ve lhos problemas. Ao mesmo tempo, a Associação Comercial

reivindicava a aquisição de um novo conjunto diesel para a cidade.34 Em maio de 1955, o

Bispo Luiz Sartori chefiou uma comissão de lideranças e visitou o então governador Clóvis

Salgado. Na reunião estavam os presidentes das Associações Rural e Comercial, o

presidente da Câmara e o Prefeito de Montes Claros. Ficou acertada a criação da Cia

Hidroelétrica do Norte de Minas com um capital de 50 milhões de cruzeiros, sob a direção

da CEMIG, e o governador prometeu instalar um novo conjunto diesel em noventa dias.35

O balanço da gestão JK-Clóvis Salgado não foi positivo para o Norte de Minas. O

desenvolvimento da energia e dos transportes, grande bandeira do governo, não

contemplou essa região. Mas uma nova oportunidade se apresentava: Juscelino Kubitschek

disputava a presidência e sua vitória significaria a primeira vez que um “norte-mineiro”

ocuparia o mais alto cargo da República. Era uma chance histórica rara, as elites de Montes

Claros perceberam isso e prepararam-se para não desperdiçá- la. Era preciso uma estratégia

nova, um movimento capaz de arregimentar forças e atrair a atenção e os investimentos do

Estado. É neste contexto que se inscreve a grande festa do centenário de Montes Claros.

34 Gazeta do Norte. Montes Claros, 13 jan. 1955, p.1 35 Gazeta do Norte. Montes Claros, 05 maio 1955, p.1

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Chega aí 1956! Uma cortina de tristeza nos separa dos fatídicos anos de 1954 e 1955, tão agitados e tão fúnebres. Entremos agora em 1956 com melhores propósitos, com mais confiança nos nossos destinos futuros, com mais fé em Deus, com menos rancor e mais imbuídos de nossas responsabilidades.

Esqueçamos o passado, vivamos o presente em harmonia e unidos para a reconstrução moral e material do Brasil e contribuiremos com patriotismo para a grandeza futura de nossa infelicitada pátria! Sejam os propósitos de todos os brasileiros para 1956.36

É esse o estado de espírito de Montes Claros ao final de 1955. Parece mesmo que

um novo país e uma nova cidade estavam para nascer no limiar de 1956.

1.2 - A Invenção do Centenário

Agradeço a Deus a alegria de estar à frente do governo de Montes Claros na passagem do primeiro Centenário da criação desta cidade.

Nestes dias de festa, o meu pensamento se volta para aqueles que plantaram nos chapadões sertanejos a semente da cidade querida que é, hoje, motivo de orgulho para todos nós.

Saudemos com emoção os pioneiros do progresso de Montes Claros. À sombra tutelar daqueles que vieram antes de nós – que lutaram e sofreram sob os nossos céus lavados e límpidos – Montes Claros cresce. É através da lição dos trabalhadores de ontem, que recolhemos o exemplo e o estímulo, que nos dão coragem e fé para o prosseguimento da jornada.

Na comemoração do Centenário da cidade de Montes Claros, queremos abraçar todos os filhos desta terra. O nosso abraço é também para aqueles que vieram de longe e vivem entre nós, amando e servindo a cidade generosa e hospitaleira, que os acolheu com carinho.

Aos visitantes ora entre nós e que prestigiam, com a sua presença, a celebração do Centenário de Montes Claros o nosso agradecimento e a nossa saudação afetuosa. CEM ANOS. Rejuvenescida, palpitante de seiva e de vigor, cheia de vida, atinge a cidade de Montes Claros o seu primeiro Centenário. Nesta grata oportunidade, renovemos o compromisso de bem servi-la.

Geraldo Athayde Prefeito Municipal de Montes Claros.

36 SENIOR, Motejo. Gazeta do Norte. Montes Claros, 08 dez 1955, p.1

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O texto transcrito foi a saudação do prefeito municipal publicada no “dia do

centenário” nos jornais e revistas locais. Nele estão algumas das idéias que marcaram o

“Centenário”: a força, a coragem e fé do homem sertanejo, a imagem grandiosa dos

“pioneiros”, a harmonia reinante entre os “filhos da terra”, a cidade moderna:

“rejuvenescida”, “cheia de vigor e vida”.

Até o ano de 1957, 03 de julho era uma data qualquer para os montesclarenses. Não

há um registro sequer de comemorações neste dia como aniversário da cidade. A

emancipação política de Montes Claros ocorreu em 13 de outubro de 1831, quando o

arraial foi elevado à categoria de Vila com Câmara, agente executivo e instância judiciária.

No dia 16 de outubro de 1832 foi instalada a Câmara Municipal. O título de cidade foi

obtido em 03 de julho de 1857, o que, dentro do contexto do Império, não tinha nenhum

efeito prático, tendo apenas um valor honorífico.

Em 1932, no dia 16 de outubro, foi comemorado o primeiro centenário de

emancipação política. A Prefeitura decretou feriado nesse dia para que todos os moradores

participassem dos festejos que ocuparam o dia inteiro com missas, desfiles, inaugurações e

baile.37

Por que, então, a grande festa do Centenário levada a efeito a 03 de julho de 1957?

O Centenário de 1957 é uma “tradição inventada”. As tradições inventadas são um

conjunto de práticas rituais e simbólicas que visam transmitir determinados valores e

normas. Para tanto, utiliza-se, sempre, de um passado histórico devidamente recortado,

capaz de criar a idéia de uma continuidade histórica e assim legitimar a tradição.38

37 Revista Nossa História, Montes Claros, set. 1999, ano I, N. 1, pp.15-16 38 HOBSBAWM, Eric e RANGER, Terence. (org.) A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, pp.9-10.

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Eric Hobsbawm classifica as tradições inventadas, após a Revolução Industrial, em

três categorias/objetivos: a) aquelas que estabelecem ou simbolizam a coesão social; b)

aquelas que estabelecem ou legitimam instituições, status ou relações de autoridade e c)

aquelas cujo propósito principal é a socialização, a inculcação de idéias, sistemas de

valores e padrões de comportamento39. Há um traço característico comum nas três

categorias: todas se propõem a funções sociais e políticas. A “tradição inventada” é, pois,

essencialmente ideológica.

A invenção do Centenário de Montes Claros insere-se no contexto de entusiasmo

característico do período e reflete a vitalidade da pecuária local, maior força econômica e

braço direito da Prefeitura Municipal na promoção da festa. Mas além disso, foi uma

estratégia cuidadosamente planejada para solidificar relações políticas de dependência e

dominação, construir a imagem de uma cidade moderna, de um povo ordeiro e trabalhador

e, por fim, atrair os tão reclamados investimentos do Estado e da União.

A partir desse ano, o três de julho transformou-se numa data festiva em Montes

Claros: inauguração de obras, desfiles escolares e sessões cívicas são realizadas todos os

anos para comemorar o “aniversário de emancipação política do município”. A “tradição

inventada” foi assimilada, autonomizou-se em relação aos seus idealizadores e aos

objetivos específicos que a engendraram40.

Para empreender a comemoração e solidificar essa “tradição”, a imprensa teve um

papel fundamental. A primeira referência ao assunto surge em setembro de 1955, quando o

médico e escritor Hermes de Paula comenta o caráter especial do ano de 1957: Duzentos e

cinqüenta anos de fundação. Cem anos de cidade. 1957 será, para nós, um ano de

39 Idem. 40 Como assinala Hobsbawm, uma vez assimiladas, as tradições deixam de ser totalmente “manipuláveis pelo seu criador”. HOBSBAWM E RANGER, op. cit. pp. 315-316.

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significação especial. Será uma oportunidade para relembrarmos os feitos de nossos

antepassados e um convite para celebrarmos novas realizações.41

O artigo de Hermes de Paula foi escrito em um contexto de tranqüilidade política –

O Partido Republicano (PR) e o Partido Social Democrático (PSD) apoiaram a candidatura

JK à presidência da República – e ao mesmo tempo de uma certa apreensão quanto ao

futuro: o problema da energia permanecia inalterado e as diversas medidas paliativas

fracassaram. Nesse contexto, o congraçamento político dos grupos adversários era

apresentado como a última esperança.

O Deputado Estadual Teófilo Pires, um dos líderes do PR municipal, em uma longa

entrevista na Rádio Sociedade Norte de Minas propõe a criação de “um comitê” único, sob

a presidência do Bispo Luiz Victor Sartori42, para aglutinar as forças políticas opostas e

assim resolver a “situação de abandono” em que se encontrava o município. O deputado

mostrava-se convicto de suas idéias:

Aplaudo de coração e declaro-me um soldado a serviço desse movimento. Sei de sua necessidade; compreendo que sem a união dos homens representativos de nossa terra – os líderes das classes rural, industrial, das profissões liberais e, principalmente, das agremiações político-partidárias – a estagnação e a ausência de realizações oficiais, públicas, continuarão sendo a resultante de esforços despendidos em sentidos vários, em direções opostas. 43

Teófilo Pires lembra que o passado de controvérsias políticas trouxe enormes

prejuízos à cidade

enquanto outras cidades (...) receberam, a mão cheias, as benesses da cornucópia governamental que se derramavam em favores sobre coletividades adormecidas, Montes Claros, núcleo de trabalho, operosa oficina do

41 Gazeta do Norte. Montes Claros, 11 set. 1955, p. 1. Em 12 de abril de 1707 o sr. Gonçalves Figueira obteve a sesmaria onde instalaria a Fazenda Montes Claros, daí o Sr. Hermes dizer que 1957 marcaria também os “duzentos e cinqüenta anos de fundação”. 42 A escolha do Bispo Sartori era, segundo o Deputado, necessária porque ele tinha “reconhecida autoridade moral”, era inegável seu “alheamento às lutas partidárias” ele seria o “denominador comum, eliminador de arestas que, porventura, ainda se mostrassem demasiado vivas.” 43 Gazeta do Norte. Montes Claros, 28 jul. 1955, p. 1.

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progresso, força magnífica de empreendimentos, era contida, estagnada, acorrentada pela nenhuma ajuda e até mesmo pelo desprezo e pelo esquecimento do governo estadual. 44

O discurso do deputado aborda três idéias centrais do Centenário. Ele fez a

propaganda da cidade: “oficina do progresso”, “núcleo de trabalho”; identificou a causa

dos problemas, os conflitos políticos; e apontou a solução: a conjugação das forças

políticas para barganhar com o Estado os investimentos que as elites e a população locais

requeriam. Segundo Teófilo Pires, este era o pensamento de todos “os homens de

responsabilidade nos destinos de Montes Claros”, e ele mesmo já tinha abordado o assunto

com lideranças como Hermes de Paula e Deputado José Esteves Rodrigues (PR).

Reforçando o discurso conciliador, o Gazeta do Norte publica diversos artigos

pregando a conciliação política. Exemplo disso é o artigo assinado por “M.S.” que defende

a “união política” de todos os partidos para viabilizar os benefícios de que carecia o

município. Contra os “pessimistas” que não acreditavam no acordo, “M.S.” invocava o

exemplo da unificação do PSD que muitos julgavam impossível e tornou-se uma realidade.

O candidato JK visitou a cidade no final de agosto de 1955. Além da “verdadeira

consagração popular”, conforme o Gazeta do Norte, o futuro presidente foi recebido pelos

perristas e pessedistas que, juntos, em um grande comício, pediram votos para ele. Por sua

vez, JK assumiu o compromisso de resolver os conhecidos problemas de telefone, energia,

água e a ligação rodoviária Montes Claros-Belo Horizonte.

O “comitê” proposto por Teófilo Pires não foi formado. Mas, pelo decreto Nº 30, de

05 de março de 1956, o Prefeito João Ferreira Pimenta45 nomeou uma Comissão Central

44 Gazeta do Norte. Montes Claros, 28 jul. 1955, p. 1. 45 O prefeito Alfeu de Quadros licenciou-se dia 01 de janeiro de 1955. J.F. Pimenta, vice, assumiu. Em janeiro de 1957, J.F. Pimenta licenciou-se, assumindo o presidente da Câmara Municipal, Geraldo Athayde. Os três eram do PSD. Essas mudanças faziam parte do acordo que unificou a sigla em 1954. Alfeu de Quadros e Geraldo Athayde eram da antiga ala liberal e J.F. Pimenta da ala ortodoxa. Parece que Quadros

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para as comemorações do “primeiro” centenário, tendo como presidente o médico Hermes

Augusto de Paula, como tesoureiro o Sr. Hélio Morais e secretário o Sr. Cândido Simões

Canela. Contava também com cinco presidentes de honra: os Deputados Federais Plínio

Ribeiro (PSD), José Esteves Rodrigues (PR); os Deputados Estaduais Antônio Pimenta

(PSD) e Teófilo Pires (PR) e o Presidente da Câmara Municipal, vereador Geraldo

Athayde (PSD). A comissão tinha plenos poderes para organizar as comemorações.46

A escolha de Hermes de Paula para presidente não foi por acaso. Ele era o homem

ideal para executar o projeto Montes Claros Centenária. Disputou e perdeu as eleições

municipais de 1951 pela ala liberal do PSD e mesmo assim desfrutava de largo prestígio

social, auxiliava dezenas de entidades filantrópicas, era “intelectual”, escritor e

“historiador” (estava escrevendo naquele momento o livro “Montes Claros, sua história,

sua gente e seus costumes”).

Simultânea à festa cívica, foi programada a “primeira”47 exposição agropecuária e

industrial de Montes Claros. Para efetivar a exposição, a Associação Rural mobilizou-se

para construir o seu Parque de Exposições orçado em 10 milhões de cruzeiros, numa área

de 350 mil metros quadrados no futuro Bairro Alto São João.

O parque era uma velha pretensão dos ruralistas. Em 1951 a Câmara Municipal já

doara à Associação Rural uma verba para a sua construção. Entretanto, foi em nome do

centenário que o então presidente da Associação, João Alencar Athayde, conseguiu dos

poderes públicos recursos expressivos e construiu o parque. A Prefeitura Municipal

disputou a eleição dada a sua maior densidade eleitoral. Ele fora prefeito do município durante o Estado Novo e de 1947 a 1951. 46 Gazeta do Norte. Montes Claros, 05 abr. 1956, p.1. Pelo Decreto 31, de 25 de junho de 1956, o prefeito constituiu uma Comissão de Honra composta pelo Presidente JK, Governador Bias Fortes e uma dezena de outras autoridades. Ver Anexo C. 47 A primeira exposição ocorreu entre os dias 15 e 18 de agosto de 1951 na Chácara do Cel. Francisco Versiani Athayde, no futuro bairro Alto São João. Interessada em valorizar a festa de 1957, a Associação Rural ignorou aquele primeiro evento.

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concedeu à entidade a isenção dos impostos sobre a compra do terreno para o parque,

pavimentou a via de acesso do Alto São João, concedeu uma subvenção anual de Cr$

200.000,00 por cinco anos48 e isenção de impostos sobre o loteamento que a associação fez

nas adjacências do parque.

A contribuição do governo estadual foi obtida através do Secretário de Agricultura

Álvaro Marcílio, que atuou como advogado em Montes Claros por vários anos e era

estreitamente ligado aos ruralistas. Os órgãos estaduais deram auxílio técnico, colocando

engenheiros do DER para orientar a construção e transportando materiais de Belo

Horizonte para Montes Claros, e deram auxílio financeiro: no dia 03 de fevereiro de 1957 o

secretário da agricultura Álvaro Marcílio esteve na cidade e entregou a João Alencar

Athayde um cheque de um milhão de cruzeiros, foi uma “Doação feita pelo sr.

Governador Bias Fortes para aquela importante obra.”49 Em âmbito federal, a ajuda foi

intermediada pelo jornalista José Carlos de Lima, redator do Jornal “Correio da Manhã” e

com grande influência nos meios políticos federais. Por sua influência, a bancada mineira,

liderada por José Bonifácio de Andrade, amigo pessoal do jornalista, conseguiu incluir, no

orçamento de 1957, um auxilio de um milhão de cruzeiros para o parque.50

A inauguração do parque e a realização da exposição agropecuária demonstraram o

entusiasmo dos setores dominantes de base rural que, apesar das suas reivindicações serem

já velhas – o aumento do número de trens para o transporte do boi gordo para o mercado

do Rio de Janeiro e o apoio do Estado para instalar no município um frigorífico – tinham

motivos para comemorar.

48 GUIMARÃES, op. cit. pp. 51 e 119-120. 49 Gazeta do Norte. Montes Claros, 07 fev 1957, p.1. 50 Gazeta do Norte. Montes Claros, 04 nov. 1956, p. 1

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A atividade pecuária teve um desempenho vitorioso ao longo de toda a década de

1950. Isso é perceptível nos números da “exportação” do boi gordo. Pela Central do Brasil

foram embarcados 102.801 unidades em 1948, o número subiu para 111.748 em 1950 e em

1956 chegou a 130.00051. Outro indicativo da vitalidade da pecuária local é o vertiginoso

crescimento da Cooperativa Agropecuária que, fundada em 1954, começou a funcionar em

janeiro de 1955 com pequeno número de sócios e um capital de 360 mil cruzeiros. Quatro

anos depois, 1958, já tinha um capital de cerca de seis milhões de cruzeiros e contava com

oitocentos sócios distribuídos em 22 municípios da região52.

Constituída enquanto preocupação central da administração municipal, a festa do

Centenário possuía dois propósitos estreitamente relacionados: o primeiro, reunir as forças

políticas locais para reivindicar investimentos do Estado no município; o segundo,

apresentar uma Montes Claros nova, moderna, próspera e sem conflitos políticos.

O primeiro propósito começou a ser alcançado antes mesmo da festa propriamente

dita. A Associação Rural conseguiu construir o seu parque de exposições obtendo o apoio

financeiro do município, do Estado e da União e, em nome do centenário, a Prefeitura

conseguiu verbas para empreender diversas reformas urbanas.

O ano de 1956 começou com uma grande notícia para Montes Claros: o Presidente

Juscelino Kubitschek havia liberado um empréstimo de 30 milhões de cruzeiros ao

município. A notícia foi dada com alarde pelo Gazeta do Norte no início de fevereiro, mas

nunca se efetivou. Nos meses seguintes, os Deputados Estaduais e Federais de Montes

Claros apresentaram vários projetos concedendo verbas especiais para o município.

51 O Jornal de Montes Claros. Montes Claros, 12 set. 1951, p. 1 e Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: FIBGE, 1959. 52 Revista Montes Claros em Foco. Montes Claros, novembro e dezembro de 1958, n. 9, pp. 8-9.

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Finalmente, um projeto do Deputado Plínio Ribeiro (PSD), concedendo uma verba de

cinco milhões para as festividades, foi aprovado no Congresso Nacional. 53

A Prefeitura desenvolveu um ousado serviço de embelezamento urbano para as

festividades do Centenário. Em outubro de 1956, ainda na gestão de João Ferreira Pimenta,

foi iniciado o calçamento do centro da cidade. Com o pedido de licença de João F.

Pimenta, o presidente da Câmara, o advogado e invernista Geraldo Athayde (PSD), ex-

Deputado Estadual e ex-presidente da Associação Rural por vários mandatos, assumiu a

chefia do executivo. O “Prefeito do Centenário”, como ficou conhecido, nomeou o

engenheiro Joaquim José da Costa Júnior com o fim exclusivo de coordenar as “obras do

Centenário”. Essa nomeação tinha significados maiores que os aspectos técnicos. Costa

Júnior fora engenheiro da prefeitura no mandato de Antônio Teixeira de Carvalho, vulgo

“Dr. Santos”, nos anos 1937-1942. “Dr. Santos” faleceu em 1942 e transformou-se em um

símbolo de “progresso” e “modernidade”. Durante sua gestão foram ampliados os serviços

de abastecimento d’água, construída a Praça de Esportes e realizados vários serviços de

embelezamento urbano. Costa Júnior encarnava o mito Dr. Santos, “evocava a memória do

realizador, urbanista e modernizador”, conforme o Gazeta do Norte.

O projeto de urbanismo ganhou fôlego em março de 1957, quando o ministro José

Maria Alkmin, norte-mineiro de Bocaiúva, comunicava ao prefeito:

Rio, 22- Tenho o prazer de comunicar acabo de assinar exp. favorável, autorizando o início do processo de abertura de crédito especial em cinco milhões para auxílio festejos comemoração centenário dessa cidade – cordial abraço. José Maria Alkmin. Ministro da Fazenda.54

53 Gazeta do Norte. Montes Claros, 24 jun. 1956, p.1 54 Gazeta do Norte. Montes Claros, 24 mar. 1957, p. 1

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Preocupado com a sujeira e o aspecto de “cidade velha” que as casas do centro

possuíam, o prefeito lançou um “veemente apelo ao povo de Montes Claros” para que

fizessem a limpeza das fachadas dos prédios e muros e outras dependências que fossem

visíveis das vias públicas.

O esforço para se preparar para o centenário era total, a ponto da Prefeitura cancelar

todos os seus compromissos com outras atividades:

(...) a partir desta data fica suspenso, temporariamente, todo e qualquer pagamento por parte da prefeitura das dívidas assumidas até dezembro de 1956, por motivo da precária situação financeira da prefeitura.

Apela portanto, o senhor prefeito, pela melhor compreensão e boa vontade dos respectivos credores a respeito dessa deliberação, afim de que possa melhor controlar as finanças municipais e, consequentemente, continuar as obras já iniciadas na cidade em preparativos para as comemorações de seu centenário.

Prefeitura Municipal de Montes Claros, 04 de maio de 1957. Francisco Pimenta Figueiredo – Secretário da Prefeitura. Visto. Geraldo Athayde – Prefeito Municipal.55

Como a cidade hospedaria centenas de pessoas e várias autoridades, foi feito um

enérgico combate aos focos de pernilongos. O Governo Federal enviou técnicos e a

Prefeitura mobilizou 20 homens para o serviço. Fábricas, residências, casas comerciais, e

esgotos foram dedetizados no mês de junho.

Para aliviar a situação financeira crítica da prefeitura, o Gazeta do Norte diz, no dia

02 de junho, que foi “Recebida uma verba do Estado de cr$ 500.000,00 conseguida por

intermédio do Deputado Teófilo Pires como contribuição para o centenário.”

No dia 03 de julho começaram as festividades. Foi uma semana de espetáculos. A

cidade estava preparada: as ruas centrais foram calçadas com blokret, as ruas dos bairros

próximos ao centro foram cascalhadas, os jardins das praças estavam bem cuidados, pontes

foram construídas sobre o rio Vieira (que corta quase toda a cidade), as construções velhas

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ostentavam pinturas novas, a passagem de gado pelas ruas do Centro, velho costume local,

foi proibida e o “majestoso parque” estava pronto.

Durante o “centenário” realizou-se o I Congresso do Algodão, espetáculos

pirotécnicos, cavalhadas no estádio João Rebelo, diversas solenidades religiosas e

esportivas, um desfile histórico-folclórico, diversas palestras acerca dos “homens

importantes” de Montes Claros e a exposição agropecuária. As solenidades oficiais

contaram com as presenças do Governador Bias Fortes e do Presidente Juscelino

Kubitschek.

Enquanto a Associação Rural e a Prefeitura Municipal preparavam-se para as

comemorações, políticos, comerciantes, industriais e fazendeiros lideravam um movimento

de reivindicação de investimentos mais vultosos para região do Norte de Minas. No mês de

julho de 1956, o deputado montesclarense Plínio Ribeiro (PSD) reuniu-se com o Presidente

Juscelino Kubitschek e apresentou-lhe as suas principais reivindicações: - empréstimo de

30 milhões à cidade de M. Claros; - erradicação da doença de Chagas; - conclusão das

obras da rodovia Corinto-Montes Claros com asfalto; - instalação de um frigorífico em

Montes Claros; - melhorias da EFCB – Estrada de Ferro Central do Brasil – (reforma nos

trilhos, eliminação de curvas) e por fim, a construção da hidrelétrica de Jequitaí. 56

Junto ao governo estadual pleiteava-se a construção de um novo sistema de

abastecimento de água em Montes Claros e uma política de incentivo e proteção à

cotonicultura e indústria têxtil.

Apesar das pressões, esses benefícios, parte deles, só chegaram a partir da década

de 1960. As questões do abastecimento d’água, da hidrelétrica de Jequitaí e da

cotonicultura merecem um destaque maior.

55 Gazeta do Norte. Montes Claros, 09 maio. 1957, p.1

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O abastecimento d’água era deficiente. Logo nos primeiros meses de sua gestão, o

Governador Bias Fortes, por solicitação do PSD local, enviou à cidade técnicos para

estudarem o problema e apontar as possíveis soluções. Essas, entretanto, não se efetivaram.

Em fevereiro de 1957 as esperanças renasceram. O diretor do DNOCS – Departamento

Nacional de Obras contra a Seca –, José Cândido Pessoa, visitou a região com o mesmo

objetivo dos técnicos estaduais. Após demoradas discussões e várias viagens pela região,

foram deliberadas as medidas mais urgentes a serem tomadas por aquele órgão: -

construção de uma barragem no Rio dos Porcos para abastecimento de Montes Claros; -

envio de perfuratrizes de poços tubulares; - construção de pequenos açudes para

fazendeiros e pequenos proprietários rurais. A barragem do Rio dos Porcos estava orçada

em 10 milhões de cruzeiros e o diretor do DNOCS deixou Montes Claros assegurando o

seu início imediato.57 Entretanto, o problema só seria resolvido a partir de 1961, quando foi

iniciada a construção da barragem do “Rebentão de Ferros” para abastecer a cidade.58

O apoio à cotonicultura e indústria têxtil regionais era uma “preocupação

constante” do Secretário da Agricultura do Estado, Álvaro Marcílio. Para concretizar uma

política de assistência a essa atividade foi o organizado o I Congresso do Algodão em

Montes Claros, entre os dias 30 de junho e 03 de julho de 1957. O Congresso foi dirigido

pelo Secretário da Agricultura. Nele, os cotonicultores e industriais (especificamente

Simeão Ribeiro, proprietário da Fábrica de Tecidos Santa Helena) cobraram maior

assistência técnica, abertura de crédito especial e incentivos fiscais. O Congresso encerrou-

se festivamente com a presença do Governador Bias Fortes que sancionou uma lei

reestruturando o Serviço Especial da Cultura do Algodão, transformado-o em Serviço do

56 Gazeta do Norte. Montes Claros, 01 jul. 1956, p.1 57 Gazeta do Norte. Montes Claros, 14 mar. 1957, pp.1 e 4

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Fomento ao Algodão. O Gazeta comenta entusiasmado a medida, mas não diz o seu efeito

prático.

Quanto à energia, a mobilização foi maior. A usina de Jequitaí, em discussão desde

1951, era apontada como a solução definitiva. Os Prefeitos de Bocaiúva, Coração de Jesus,

Francisco Sá, Brasília de Minas, Pirapora, Jequitaí, Várzea da Palma, Juramento,

Buenópolis e Montes Claros reuniram em maio de 1956, nessa cidade, tendo como

convidado especial o Sr. Celso Andrade, Prefeito de Belo Horizonte. Nessa reunião,

formou-se uma comissão, tendo como presidente o vereador de Montes Claros Jáder Dias

Figueiredo, com a tarefa de ter “(...)entendimento com o governador Bias Fortes,

presidente da Comissão do Vale São Francisco, ministro José Maria Alkmin e o presidente

da República (...)”.59

A comissão trabalhou exaustivamente por mais de um ano. A CVSF – Comissão do

Vale São Francisco – enviou técnicos ao local, cachoeira do Rio Jequitaí, o projeto foi

elaborado e em algumas oportunidades o Gazeta do Norte chegou a noticiar o início da

obra. Entretanto, em maio de 1957, reuniram-se Jáder Dias Figueiredo, José Maria Alkmin,

Ministro da Fazenda e Assis Scaffa, presidente da CVSF, quando foi descartada a

construção da usina por sua inviabilidade econômica. Em troca, o governo federal assumiu

o compromisso de construir linhas de transmissão de Três Marias para todos os municípios

que seriam beneficiados com o “projeto Jequitaí”.

O segundo propósito da festa do centenário era inserir Montes Claros dentro do

contexto do Brasil novo e industrializado, como uma nova cidade e com uma nova política,

melhorar a imagem de Montes Claros em âmbito estadual e nacional.

58 No início de 1959 o DNOCS inaugurou a Barragem Rebentão dos Porcos. No entanto, parece que esta não correspondeu às expectativas e necessidades uma vez que a imprensa e as lideranças locais continuaram a “brigar” por recursos para a Barragem de Rebentão dos Ferros.

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O prestígio político do município foi significativo desde o Império, quando

Gonçalves Chaves, natural de Montes Claros, foi presidente das Províncias de Santa

Catarina e Minas Gerais. Mas, junto com esta força política, sobrevivia a fama de uma

cidade violenta, infestada de jagunços e acostumada a resolver suas divergências políticas

por meio da força. A fama não era gratuita. Pelo menos três episódios tiveram repercussão

em todo o Estado e mesmo em todo o País.

O primeiro destes fatos data de 1915 quando se formaram duas Câmaras

Municipais. Os dois grupos – “Partido de Cima” e “Partido de Baixo” - julgaram-se

vitoriosos. “Formaram-se duas câmaras no mesmo prédio, em salas diferentes. (...) no

mercado instalaram-se duas balanças(...)” 60 O governo estadual interveio, unificando a

Câmara através de um sorteio que definiu o presidente do Legislativo local.

O segundo episódio marcante ocorreu em 1918. Os grupos liderados pelos coronéis

Camilo Prates e Honorato Alves travaram um tiroteio nas ruas de Montes Claros

resultando em vários feridos e quatro mortos.

Se esses primeiros fatos “projetaram” Montes Claros em âmbito estadual, o tiroteio

de 1930 o fez em nível nacional. O grupo liderado por Dr. João Alves, no comando da

Câmara em 1930, apoiava a Aliança Liberal. A oposição local apoiava Júlio Prestes e tinha

o Jornal Gazeta do Norte como veículo de propaganda. O vice-presidente da República,

Melo Viana, visitou a cidade e, quando sua comitiva passava em frente à residência do Dr.

João Alves, ocorreu uma troca de tiros. Resultado do tiroteio: diversos feridos, incluindo o

59 Gazeta do Norte. Montes Claros, 17 mai. 1956, p.1 60 PAULA, Hermes de. Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes. Belo Horizonte: Minas Editora, 1979. pp. 157-158.

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próprio Melo Viana, e cinco mortos, entre eles o secretário do vice-presidente, Dr. Rafael

Fleury. 61

A partir desses episódios Montes Claros ficou conhecida como “terra de

cangaceiros”. 62 Mesmo em nível local a memória desses fatos incomodava. Em todo início

de campanha política a imprensa publicava numerosos artigos, pregando a “paz e a

concórdia”, a “tranqüilidade para a família montesclarense”. A tensão e a insegurança eram

fortes em tempos de eleição. Em 1947, os presidentes dos partidos assinaram um acordo

suspendendo a campanha política para a prefeitura cinco dias antes das eleições. Os líderes

justificaram a medida por causa da “(...)exaltação de ânimo existente e desejando manter

a calma necessária para que as eleições do dia vinte e três transcorram com o brilho

cívico que os nossos foros de civilização exigem, e ainda não expor a nossa população a

situações trágicas (...). Assinaram o acordo: Cel. João Lopes Martins (PR), Cel. Domingos

Lopes da Silva (PSD Independente), Cel. Filomeno Ribeiro (PSD), Álvaro Marcílio (UDN)

e Argentino Roque de Souza (PTB).

Os eventos do Centenário foram a oportunidade de se construir uma nova imagem

da cidade. Isso fica evidente na realização do Desfile Histórico e Folclórico que apresentou

“uma visão panorâmica da vida da cidade, seus usos, suas tradições, suas danças, suas

músicas e sua fé religiosa”, conforme o Gazeta do Norte. A folia de reis, os vaqueiros, as

penitências, as músicas religiosas, as encenações bíblicas e as serenatas compuseram o

Desfile que, além disso, apresentou os “fatos históricos importantes” em forma de teatros e

61 PAULA, Hermes de. op. cit. 62 Em 03 de junho de 1953 os vereadores de Montes Claros enviaram um protesto inflamado às emissoras de rádio - Rádio Segurança Pública, Clube de Pernambuco, Record e Rádio Globo - que, ao noticiarem um acidente com o montesclarense João Alencar Athayde no Rio de Janeiro, referiram-se à cidade como “terra de cangaceiros”. GUIMARÃES, op. cit. pp. 81-82.

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alegorias. O desfile, que envolveu cerca de duas mil pessoas nas encenações, encantou as

“milhares de pessoas postadas nas ruas que não podiam conter as lágrimas de emoção ante

a beleza evocativa do espetáculo”, diz o Gazeta do Norte, para quem o Desfile de Montes

Claros só foi superado no Brasil pelo desfile do Quarto Centenário de São Paulo e “outro

desfile realizado em Salvador”.

A realização de uma série de palestras no Colégio Imaculada Conceição acerca das

personalidades históricas da cidade, também pretendeu a reconstrução da história de

Montes Claros. Essas palestras versavam sobre antigos líderes da cidade ao longo dos cem

anos de sua existência. Os palestrantes eram as lideranças de vários partidos e

monteslcarenses ilustres, entre eles o escritor Cyro dos Anjos.

Juntos, desfile e palestras, deram uma nova versão da história de Montes Claros,

mostraram uma cidade cheia de harmonia e vitoriosa graças às suas “grandes lideranças” e

ao seu povo “ordeiro e trabalhador”.

Constava também das festividades a inauguração do Colégio São José. O prédio do

colégio começou a ser construído em 1951 pela Associação dos Amigos do Progresso de

Montes Claros – entidade criada pelo Rotary Clube de Montes Claros e que reunia as

principais lideranças políticas, fazendeiros e empresários locais. Depois de construído, o

prédio foi entregue aos Irmãos Maristas gratuitamente. A iniciativa era uma contraposição

à tentativa dos Metodistas que pretendiam instalar um colégio evangélico em Montes

Claros. 63 O Colégio Marista São José se transformaria, a partir de 1957, no centro de

formação das futuras elites políticas locais e por lá passou grande parte das lideranças dos

anos 70 e 80.

63 GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Op. cit. p. 39.

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Embora não se possa negar o êxito das festividades, é possível perceber algumas

frestas no edifício da Montes Claros Centenária. A outra face da cidade, travestida pelo

espetáculo de 1957, será abordada mais adiante. Aqui importa destacar três pontos.

Pelo menos três itens das comemorações fracassaram. O primeiro diz respeito à

Planta Cadastral da Cidade. Esta começou a ser elaborada em meados de 1955 e fazia parte

do plano da “nova Montes Claros”, serviria de orientação às inovações urbanísticas, às

construções que eram reclamadas ao Estado. A Planta só foi concluída em setembro de

1957. Ou seja, o trabalho de modernização do espaço urbano levado a efeito pela Prefeitura

para o Centenário foi completamente ametódico e desorientado. Saliente-se também que

1957 foi o ano de maiores construções privadas, totalizando 220 unidades, com área

aproximada de 10 mil metros quadrados.64 Não por acaso, um dos principais problemas de

Montes Claros na atualidade é a caótica organização do espaço urbano, principalmente nas

ruas centrais.

Outra “decepção” foi quanto ao Pentáurea, clube campestre criado para o lazer das

elites locais. Todo o Projeto Pentáurea foi criado e executado por Hermes de Paula, o

coordenador geral do Centenário. Até o nome foi cuidadosamente escolhido: “Pentáurea é

uma palavra híbrida criada para significar cinco bodas de ouro, ou duzentos e cinqüenta

anos correspondentes a fundação de Montes Claros, sendo programada a inauguração do

clube nas solenidades comemorativas do centenário da cidade”, comenta o Gazeta do

Norte, em 06 de abril de 1958, data da inauguração do clube.

A cidade também frustrou-se com a ausência do Clube de Regatas Flamengo. A

presença da equipe carioca para um jogo festivo contra a seleção local foi anunciada com

alarde, mas não se confirmou.

64 Gazeta do Norte. Montes Claros, 12 jan. 1958, p. 1

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O ponto alto da festa do centenário foi a visita de Juscelino Kubitschek. O

presidente inaugurou a primeira exposição e abriu oficialmente as comemorações. A união

dos grupos locais na recepção festiva e pacífica aos ministros e secretários de Estado, ao

governador Bias Fortes e ao presidente da República demonstraram que a cidade havia se

“regenerado”.

O discurso proferido por Juscelino Kubitschek é um retrato fiel do

pensamento/ideologia disseminados pela elite e pela imprensa locais nos anos 50.65 No

decorrer do discurso, as imagens de um povo forte e trabalhador e de uma cidade próspera

se sucedem. O presidente inicia enaltecendo a lealdade e fidelidade dos montesclarenses.

Refere-se ao parque de exposições como o sinal do “arrojo, o espírito progressista, o brio

municipal, a inteligência vivaz, a energia e a perseverança do povo de Montes Claros”.

JK foi até às origens coloniais de Montes Claros para identificar as fontes de sua

vitalidade: “pertenceis à raça indômita de desbravadores que (...) vai edificando uma

nação vigorosa, que ainda em nossos dias surpreenderá o mundo com seu poder e sua

riqueza, postos a serviço de fraternos anseios de paz, na comunhão dos povos.” Neste

trecho, estão também associadas diversas idéias que compunham a ideologia

desenvolvimentista: o vigor da “raça”, a nação grandiosa que progride e surpreende, a

harmonia e a fraternidade entre os povos. Nesse raciocínio não há nenhum conflito,

obstáculo ou dificuldade qualquer ao desenvolvimento do país.

Reforçando o imaginário bandeirante, o presidente retoma a história regional:

associais a ousadia, ao ânimo aventureiro, ao cavalheiresco fervor

bandeirante, que veio do Sul a cata de pedras preciosas, pacíficas virtudes 65 A desenvoltura com que Juscelino falava da história de Montes Claros, de suas memórias políticas e de seus projetos explica-se, além do fato dele ser natural de Diamantina, cidade do Vale Jequitionha, pela presença de José Maria Alkimin no Ministério da Fazenda (Alkimin era natural de Bocaiúva, cidade próxima a Montes Claros, e estreitamente ligado às lideranças políticas montesclarenses) e do escritor Cyro dos Anjos que era sub-chefe do Gabinete do Presidente.

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campônias dos criadores de gado e plantadores de roça que subiram o Rio São Francisco e povoaram os sertões em estabelecimentos duradouros. Na confluência desses movimentos (...) vossa terra abrigou e fundiu populações de tendências distintas, mesclando as varonis qualidades daqueles dois tipos de sertanistas (...).

Desenhado o modelo do homem norte-mineiro, JK entra pessoalmente em cena,

veste-se da indumentária que ele mesmo confeccionou: “Homem do Norte de Minas, sinto-

me constrangido em louvar e enaltecer as vossas virtudes. Dir-se-ia que, fazendo-o,

também me louvo e enalteço.” Aqui encontra-se uma sutileza do discurso presidencial: JK

associa idéias como bandeiritismo, bravura, desbravamento e vigor sertanejo com as

noções de progresso e modernidade em voga nos anos 50 e apresenta-se como a síntese

desses dois conjuntos de virtudes.

Juscelino elogiou as lideranças antigas do município e reafirmou as antigas

promessas: a pavimentação Montes Claros-Corinto, Rodovia Montes Claros-Pirapora,

canalização do Rio Vieira, ampliação do abastecimento de água e retificação de esgotos e a

ligação do Norte de Minas ao sistema Três Marias. O último item, a energia, foi objeto de

longa explanação porque, segundo o presidente, representaria a “revolução” de toda a

economia do município e da região. “Proporcionando-vos energia e transporte convosco

cooperando em serviços locais de vital importância para a vossa população, espero poder

dar um passo definitivo para que a esta próspera cidade se abram perspectivas ilimitadas

de progresso”66, concluiu JK, enchendo Montes Claros de esperança.

O presidente disse tudo que seu público queria ouvir. A julgar pelo seu discurso, o

centenário inventado cumpriu todos os seus propósitos. Estas imagens ficaram registradas

na memória das pessoas que assistiram ao espetáculo:

66 OLIVEIRA, Juscelino Kubitschek de. “Vós me tocastes profundamente com a vossa lealdade e a vossa fidelidade”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 07 jul. 1957, p.1

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Pra mim foi um (Prefeito Geraldo Athayde) que deu um visual na cidade com esse parque, foi quando eles construiu esse parque (...) mas num foi construído pela Prefeitura não, cê entendeu? foi pela Sociedade Rural (...) Pra inaugurar isso aí e fazer o Centenário da cidade, primeiro Centenário, ele começou a mudar a Praça da Matriz, de bloqueti (...) folgou ali as ruas, foi calçando, arrumano, foi preparano a cidade pra a primeira festa do Centenário que foi uma, um estoro de festa, certo?. Mais aí tamem foi quando Juscelino Kubistcheck de Oliveira, que foi um grande Governador, tamem de Minas, que eu considero um dos mior Governador, entre ele e Magalhães Pinto e otros mais aí naquela época era a época do homem séro e honesto, por isso que eu digo pro cê que quando eu conheci o Presidente da República que chamava Getúlio Varga até quando ele morreu, pra mim foi um homem, pelo menos um homem séro, nego num invadia, o Brasil num viro casa de mãe joana na época dele não, cê pode perguntar esses mais veios da minha idade e mais veio do que eu que es diz a mesma coisa: não, o Brasil era Brasil.67

Entretanto, passada a festa, findo o espetáculo, Montes Claros acordou para a

realidade.

1.3 - O Acordar do Sonho

Foram-se as festas do Centenário e os últimos visitantes despendem-se deixando saudades e levando lembranças (...)

Vão-se os últimos visitantes e a cidade se integra nos seus problemas quotidianos, na luta pelas utilidades que sobem de preços e que, no auge do Centenário atingiram cifras astronômicas, verificando-se verdadeiros assaltos á bolsa do próximo.

Agora é a batalha de cada um para por a vida em dia, pagar as dívidas, ajeitar os negócios. E é uma batalha extenuante e árdua, na qual se empenha todo o povo.

‘Festa acabada, músicos a pé.’ IVES.68

O sonho de uma Montes Claros “harmônica” e “próspera” não se concretizou. O

governo JK terminou sem que suas promessas se cumprissem. Entre 1958 e 1961 as

lideranças locais, respaldadas pela imprensa, repetiram todo o roteiro já conhecido:

67 Depoimento de Osmar dos Reis Lopes Ribeiro, agricultor/carpinteiro/aposentado, no dia 15/06/2000 em Montes Claros

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reclamaram, reuniram-se, até ameaçaram se opor aos governos mas, aproximando-se as

eleições, receberam festivamente os candidatos situacionistas e quando esses perderam as

eleições, aderiram aos vitoriosos.

1958 foi ano de eleições municipais. Era o momento de colocar à prova o

“congraçamento político”, os êxitos e fracassos do Centenário. O PSD e PTB concorreram

às eleições lançando Geraldo Athayde para Prefeito e Cel. Domingos Lopes da Silva para

Vice. A campanha do “Prefeito do Centenário” assentava-se no trinômio “água e esgoto,

energia elétrica e calçamento”.

Athayde serviu-se da memória do Centenário e foi beneficiado pela divulgação do

concurso realizado pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) que

escolheu os “dez municípios brasileiros de maior progresso em 1957”. Montes Claros ficou

em 8º lugar no Brasil e em primeiro em Minas Gerais. 69 A premiação foi recebida por

Hermes de Paula, representante do Prefeito, em solenidade que contou com a presença do

Presidente Juscelino Kubistchek.

Com o apoio da UDN, o PR lançou como candidato a Prefeito o engenheiro Simeão

Ribeiro tendo como Vice o médico Pedro Santos (PTR). Ribeiro já conhecia os meandros

da política local: ele disputara e perdera as eleições em 1947 e 1954.

A campanha eleitoral foi “tensa e hostil”70 e o “Prefeito do Centenário” foi

derrotado. Evidentemente, não se trata aqui de dizer que a derrota de Geraldo Athayde seja

conseqüência única de um possível descontentamento popular com o “fracasso” do

Centenário. Mas com certeza, a campanha “hostil” e o resultado das eleições mostram uma

realidade bem distinta da Montes Claros centenária de 1957.

68 Gazeta do Norte. Montes Claros, 28 jul. 1957, p. 1

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O fracasso das reivindicações de Montes Claros explica-se, em grande parte, pelas

características econômicas da região. A maior fonte de renda e o setor que mais empregava

em Montes Claros era o agropecuário71. Os programas de desenvolvimento executados

desde o final dos anos 40 elegiam a industrialização como prioridade absoluta.

Em âmbito estadual, o Plano de Recuperação e Fomento a Produção do Governo

Milton Campos (1947-1951) representou uma esperança para Montes Claros porque,

embora também elegesse a industrialização como meta principal, previa um

desenvolvimento integrado e equilibrado da indústria e da agricultura. As medidas voltadas

para o desenvolvimento dos setores rurais consistiam na produção de adubos e calcário e

na instalação de um rede de frigoríficos em Belo Horizonte, Triângulo Mineiro, Ibiá,

Governador Valadares e em duas cidades do Norte de Minas: Pirapora e Montes Claros.72

Apesar de não ter conseguido efetivar seus objetivos concretos, o Plano de Milton

Campos serviu de base para o plano de desenvolvimento do Governador Kubsticheck.

Entretanto, na gestão JK, o equilíbrio indústria-agricultura cedeu lugar ao esforço total no

desenvolvimento da primeira. Para tanto, o governo estadual procurou romper os entraves

infraestruturais: a deficiência dos transportes e as limitações energéticas. A idéia de um

desenvolvimento integrado foi abandonada em favor da especialização produtiva e da

concentração espacial da indústria na região metropolitana de Belo Horizonte.73

69 Os municípios premiados foram, pela ordem: Americana (SP), Curitiba (PR), Piracicaba (SP), Porto Alegre (RS), São Lourenço da Mata (PE), Bauru (SP), Mandacaru (PR), Montes Claros (MG), Piancó (PB) e Serra Negra (RN). Gazeta do Norte. Montes Claros, 25 nov. 1958, p.1 70 GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Op. cit., p. 131. 71 As atividades agropecuárias empregavam 80,80% da população economicamente ativa em 1940, 64,58% em 1950 e 66,80 % em 1960. Censo Demográfico de 1940. Série Regional. Parte III- Minas Gerais. Tomo I. Rio de Janeiro: Fundação IBGE, 1950. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1959 e Censo Demográfico de 1960 - Minas Gerais - V.I. Tomo IV. Rio de Janeiro: IBGE, 1960. 72 DINIZ, Clélio Campolina. Op. cit. 73 DULCI, Otávio Soares. Política e recuperação econômica em Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 1999. Diniz, Clélio Campolina. Op. cit.

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A mesma orientação – especialização/concentração industrial – foi seguida no

Governo Bias Fortes (1956-1960). Assim, predominou nos anos 50 o que Dulci chama de

“Modelo Pessedista” em detrimento do “Modelo Udenista” que, segundo o autor, era a

política de desenvolvimento integrado que se tentou executar no Governo Milton Campos.

Na linha de raciocínio de Dulci, a presença de Juscelino Kubsticheck na

Presidência da República significou a extensão do “modelo pessedista” de modernização

para todo o Brasil. De fato, conforme diversos autores74, o Plano de Metas, embora

mencionasse a agricultura como uma de suas áreas de atuação, não enfrentou efetivamente

os problemas da agropecuária e ignorou a questão agrária.

Segundo Cardoso, as diversas ações que constavam no item “racionalização da

agricultura” do Plano de Metas - mecanização, uso de fertilizantes, controle sanitário,

conservação do solo, irrigação e aperfeiçoamento do rebanho – pretendiam transformar “a

agricultura arcaica em outra bem mais moderna, apoiada em conhecimentos científicos e

tecnologia avançada.”75 Para tanto, o Plano recomendava a “construção de silos, armazéns

e frigoríficos” e “ampliação e diversificação do crédito agrícola”. Entretanto, conforme a

própria autora, após três anos de Plano de Metas, a agricultura e a pecuária permaneciam

“deficitárias” do ponto de vista produtivo e a questão agrária intocada, confirmando o

“monopólio da propriedade da terra” e a não aplicação da legislação trabalhista à massa

camponesa até o final do Governo JK.76

74 Ver: CARDOSO, Heloísa Helena Pacheco. Op. cit. ABREU, Marcelo de Paiva. Op. cit. LEOLPDI, Maria Antonieta P. “Crescendo em meio à incerteza: a política econômica do governo JK (1956-60). In: GOMES, Ângela de Castro. O Brasil de JK. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 1991. LESSA, Carlos. 15 anos de política econômica. São Paulo: Brasiliense, 1983. 75 CARDOSO, Heloísa Helena Pacheco. Op. cit. , p. 54 76 idem, pp. 59-60

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Assim, sendo a industrialização a meta central dos programas de desenvolvimento

dos anos 50, os investimentos foram concentrados em setores que pudessem alavancar e

concretizar tal objetivo. O desenvolvimento do binômio energia e transportes, privilegiado

pelas administrações estaduais de JK e Bias Fortes e pelo Plano de Metas, marginalizou o

Norte de Minas. Esta região, como todo o Nordeste, viria a ser contemplada com uma

“meta especial”: a Operação Nordeste.

Nesse sentido, a criação da SUDENE (1959) e a inclusão do Norte de Minas em sua

área de atuação transformaram-se na última esperança para a região. As obras que

demandavam maior investimento, como a ligação com Três Marias, a pavimentação da

rodovia Montes Claros-Belo Horizonte e o apoio para montagem do frigorífico, só

surgiram na segunda metade da década de 1960, já com o apoio da Superintendência.77

Apesar da SUDENE, o início dos anos 60 era nebuloso para o Norte de Minas. Se

durante os anos 50 a imprensa local veiculou o entusiasmo e o “progresso” do Município e

da região, ocultando suas mazelas, outro foi o seu comportamento na década de 1960. No

início desta, o quadro era desolador: a seca castigava, as lavouras perdiam-se, os hospitais

estavam desaparelhados e epidemias diversas afetavam a população.

As calamidades foram objeto de uma significativa reportagem da Revista Encontro,

em fevereiro de 1962: “Prefeitos advertem: Norte de Minas caminha para a revolução”78.

A matéria descrevia de forma contundente a crítica situação social da região e vislumbrava

um futuro incerto:

O ambiente social que se vem criando na região Norte do Estado, com a ameaça de rompimento dos últimos fios de esperança da população, dia a

77 Acerca da política de desenvolvimento da SUDENE em Montes Claros ver: OLIVEIRA, Marcos Fábio

Martins. O processo de desenvolvimento de Montes Claros (MG) sob a orientação da SUDENE (1960-1980).São Paulo: USP, 1996. (Dissertação de Mestrado).

78 Revista Encontro . Montes Claros, fevereiro de 1962, n. 9, pp. 8-13. Segundo a reportagem cidades como Salinas tinham 85% da população analfabeta, alguns Distritos tinham 97% das pessoas infectadas pela esquistossomose e o Prefeito de Monte Azul diz que “há gente passando fome” em toda a região.

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dia mais dominada por forte corrente de pessimismo, leva o observador, que se ponha a fazer uma análise objetiva, rigorosamente impessoal da situação a uma conclusão nada alentadora: o Norte de Minas caminha para o caos! A realidade sócio-econômica que vive a região vai gerando no sertanejo (...) um sentimento de rebeldia que poderá atingir seu ponto crítico com o desejo de reformulação da estrutura vigente, fermentando um processo revolucionário de resultados imprevisíveis.

O risco de uma “revolução sertaneja” era, pois, o maior fantasma. Aqui é preciso

delimitar o que significava a “revolução” para a Revista Encontro. Segundo a reportagem,

havia o risco evidente de “rebeldia” e “reformulação das estruturas vigentes”. Essa seria a

revolução popular, fora de controle, de “imprevisíveis” conseqüências. Diante desse risco,

os Prefeitos da região propunham uma outra revolução, capaz de evitar aquela e erradicar

os males que perturbavam os sertanejos: a separação do Norte de Minas e a formação de

um novo Estado.

Esse sonho era acalentado há algum tempo e a crise dos anos 60 o estimulava ainda

mais. Para os Prefeitos entrevistados pela reportagem - Sílvio Brasileiro de Azevedo,

Prefeito de Januária, Levy de Souza e Silva, Prefeito de Monte Azul, Geraldo Santana,

Prefeito de Salinas e Simeão Ribeiro, Prefeito de Montes Claros – a causa dos problemas

vividos pela região era o desamparo governamental: “É preferível libertarmos para

dirigirmos a nós mesmos, com nossos próprios esforços, que pertencermos a um grande

Estado, numa situação de inferioridade que nos causa mal. Separados, dividiremos nossas

responsabilidades e benefícios eqüitativamente”, afirmava o prefeito Levy de Souza e

Silva. O movimento separatista fracassou e a revolução popular não ocorreu.

Entretanto, se as lideranças políticas esperaram a década de 1960 para denunciar de

forma explícita as condições sócio-econômicas do município e região, o mesmo não

ocorreu com a população de Montes Claros.

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Maior que a frustração das elites, que viram baldados seus esforços empreendidos

para participarem das “vacas gordas”, eram as dificuldades em que vivia a maioria da

população antes, durante e depois do centenário.

Embora a imprensa tenha difundido a idéia da “nova Montes Claros”, a realidade

era bem distinta. O alto custo de vida assolava a população e esta, mesmo que a imprensa

não o dissesse explicitamente e as classes dirigentes tentassem dissimular, sempre

mostrou-se insatisfeita e em algumas ocasiões reagiu energicamente.

A outra face da Montes Claros dos anos 50:

Apesar dos jornais terem dado demasiada ênfase no “progresso” de Montes Claros

no anos 50, não lhes foi possível evitar que os graves problemas sociais como o

desemprego, a mendicância, a violência urbana e a carestia também freqüentassem as suas

páginas.

A população do município de Montes Claros cresceu mais de 100% ao longo da

década. Ainda não há uma explicação para esse “fenômeno”. Uma hipótese é que ele esteja

relacionado, provavelmente, à ligação ferroviária da Central do Brasil com a Leste

Brasileiro, que fez da cidade um ponto de passagem entre o Nordeste e São Paulo e que

mobilizou grande número de trabalhadores para a construção da linha férrea.79. Junto com

o movimento de retirantes, cuja boa parte permanecia em Montes Claros, agudizaram-se

problemas como a mendicância, o desemprego e a violência urbana.

A mendicância era o que mais “incomodava”. Diversas entidades filantrópicas

atuavam na assistência às crianças e idosos que “moravam” nas ruas. Destaca-se a

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Associação das Damas de Caridade que era dirigida pelas esposas das principais lideranças

políticas. Os jornais contribuíam, divulgando eventos e campanhas beneficentes.

Os furtos e roubos eram uma constante na cidade. Entretanto, o assunto só parece

ter chamado atenção da imprensa e autoridades locais quando um “estranho” invadiu a

casa de diversas autoridades e feriu a golpes de madeira o Juiz de Direito e o Vice-

Prefeito.80 O episódio data de 1952 e provocou uma série de reportagens no Gazeta do

Norte acerca da violência cuja causa, para o jornal, era a falta de policiamento. Para

resolver esse problema foi instalado, em 1956, o 10º Batalhão da Polícia Militar de Minas

Gerais em Montes Claros.

O problema do desemprego era gravíssimo. Ao final da década de 1950 apenas

28,8% da população estava empregada. Segundo o IBGE, em 1950 havia 21.549 pessoas

em atividades remuneradas para uma população total de 52.367 pessoas. A população em

1960 totalizava 136.472 e só havia emprego remunerado para 39.365 pessoas (os dados de

1960 incluem a população e a PEA (População Economicamente Ativa) de Mirabela,

município desmembrado de Montes Claros em 1962).81

O aumento constante e acelerado dos preços dos artigos de primeira necessidade era

o que mais inquietava a população. Considerando-se o elevado número de pessoas sem

atividades remuneradas é fácil compreender que o impacto da carestia era ainda maior. O

problema era antigo. Na sua coluna “Assunto do Dia”, em O Jornal de Montes Claros,

Motejo Senior abordava o assunto constantemente. “O povo grita e tem razão: a vida, em

79 OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins. O processo de desenvolvimento de Montes Claros (MG) sob a orientação da SUDENE (1960-1980).São Paulo: USP, 1996. (Dissertação de Mestrado), p. 121. 80 Gazeta do Norte. Montes Claros, 13 nov. 1952, p.1. 81 Anuário Estatístico do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1956. Censo Demográfico de 1980. V. I, Tomo XVI. Rio de Janeiro: IBGE, 1980. Evidentemente o desemprego é menor se considerarmos apenas os números da população maior de dez anos de idade (42.316 pessoas em 1940 e 48.040 em 1950.) Entretanto, tendo em vista o caráter rural da economia

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Montes Claros, se dificulta, de dia para dia”. E adverte: é preciso corrigir o problema para

que esses (...)“tão sérios problemas não degenerem em exploração por parte de indivíduos

desalmados, porta-vozes de Moscou.”82

Não havia nenhum movimento “desalmado”, comunista no Município. Mas fica

evidente um certo clima de tensão social. O mesmo se percebe no artigo do fazendeiro e

ex-presidente da Associação Rural de Montes Claros, Antônio Augusto Teixeira, no

Gazeta do Norte, comentando o protesto dos estudantes em outubro de 1953. O vigoroso

protesto dos estudantes, contra o então Governador Juscelino Kubitschek, repercutira em

todo o Estado. O autor do artigo esforçou-se para depreciar o ato chamando-o de

“bobagem”, movimento sem “expressão política”, “bolha de sabão que o sopro da brisa

desfaz”, mas a certa altura reconheceu:

(...) apesar de tudo, houve o fato concreto e, seria interessante investigar as suas causas profundas, procurar conhecer os fatores psicológicos que o determinaram. Ao primeiro exame o que ressalta e impressiona é a facilidade e destemor, com que hoje se investe contra os poderes constituídos, evidenciando um desprestígio do princípio abstrato da autoridade, devido, talvez, a falta de ética com que altos mandatários exercem suas funções, e, ao mesmo tempo revelando a existência no seio das massas, de um estado crônico de insatisfação, um mal estar permanente, a presença de fermento de revolta pronto a explodir ao menor contato. Isto de um modo geral. (porém) (...) de um ângulo mais restrito, regional ou local, o caso apresenta-se sobre outro aspecto. 83 (grifos meus)

O outro aspecto a que o autor se referiu era a frustração do Norte de Minas com o

Governo JK. O Norte de Minas encheu-se de esperança com a eleição de Juscelino

Kubitschek, primeiro “filho da região a subir ao Palácio da Liberdade”, diz o articulista.

Julgava-se “credenciada a um dos primeiros lugares na fila dos pretendentes aos favores do

governo estadual” e nada obtivera.

regional pode-se afirmar que grande parte da população menor de dez anos já estava, por hábito e necessidade, envolvida em atividades remuneradas e/ou de subsistência.. 82 O Jornal de Montes Claros, Montes Claros, 22 out. 1951, p.3.

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Continuando seu artigo, Antônio Augusto Teixeira reconheceu a situação crítica em

que se encontrava a cidade, mas esclareceu: “Está claro que os homens de

responsabilidade não aplaudem, nem prestam apoio a estas manifestações incontidas da

cólera popular. São mais controlados, aguardam melhores dias. Mas os fatos si não

justificam, pelo menos explicam estas atitudes.” (grifos meus). Os “fatos” aos quais se

refere é o caos urbano que, como reconhece o autor, gerava revolta sem entretanto ser

suficiente para justificar a atitude dos estudantes. Embora tenha se esforçado para camuflar

a realidade, o autor não pôde evitar o óbvio: havia uma “mal-estar” entre a população.

Por toda a década de 1950 permaneceram tanto essa tensão social como o esforço

da imprensa em abafá- la. Os estudantes voltaram a manifestar-se de forma enérgica em

março de 1959. Esse movimento foi desfechado contra o proprietário do Cine Cel. Ribeiro,

que só reconhecia como válidas as carteirinhas de estudantes por ele carimbadas. Apenas o

carimbo do DEMC – Diretório do Estudantes de Montes Claros – não era suficiente para

garantir o desconto para os estudantes no cinema. Irritado, o DEMC promoveu um protesto

em frente ao estabelecimento. Pressionado, o empresário se rendeu e suspendeu a prática

de carimbar as carteirinhas. Comentando o fato, “L. Pimenta”, no artigo “Estudantes X

Carimbo”, dizia-se preocupado:

Atravessamos uma era de insatisfação das massas ante a elevação desordenada e constante do custo de vida. O desajuste social que se observa atualmente nas grandes e pequenas metrópoles é o ponto de partida para os condenáveis ‘quebra-quebra’ contra a propriedade alheia.84 (grifos meus)

O custo de vida era apontado por “L. Pimenta” como a causa profunda da revolta

dos estudantes.

83 TEIXEIRA, Antônio Augusto, Gazeta do Norte. Montes Claros, 08 nov. 1953, p.1 84 PIMENTA, L. “Estudantes X Carimbos”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 22 nov. 1959, p.1

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A carestia atingiu níveis insuportáveis nos anos de 1958 e 1959, a ponto de

provocar um fato até então inusitado na Câmara Municipal. Na sessão do dia 28 de

novembro, os vereadores aprovaram uma moção de apoio ao movimento grevista dos

bancários mineiros que estavam há várias semanas em greve por uma aumento salarial de

35% . A longa moção de solidariedade dos vereadores termina dessa forma:

Considerando que os bancários, há anos espoliados em seus direitos e

pretensões, levando um padrão de vida verdadeiramente humilhante, não podem mais se sujeitar a imposições de tal ordem, que não atendem aos reclamos oriundos da astronômica elevação do custo de vida e, por isso, estão mesmo dispostos a adotar medidas extremas que lhes garantam uma vida mais condigna;

Considerando que cabe aos Senhores Vereadores, como legítimos representantes do Povo, zelar pelo bem estar social do Povo, do qual a população bancária é das mais honradas parcelas, RESOLVE:

Aprovar uma moção de irrestrita solidariedade ao movimento pró aumento salarial dos bancários de Minas Gerais (...). 85 (grifos meus)

O contundente manifesto dos vereadores foi enviado às diretorias dos Bancos com

agências em Montes Claros, ao Governador do Estado, ao Secretário das Finanças do

Estado, ao Delegado Regional do Trabalho, ao Presidente do Tribunal Regional do

Trabalho, ao Diretor do Banco do Comércio e Indústria de Minas Gerais S/A, ao

Presidente do Sindicato dos Bancos de Minas Gerais, ao Sindicato dos Bancários de

Montes Claros e à Federação dos Bancários de Minas Gerais e Goiás.

A alta dos preços era geral. Entretanto, o preço da carne foi o que mais provocou a

reação da população. O Matadouro Otany tinha o controle exclusivo do abate de gado na

cidade desde julho de 1957, quando venceu a concorrência aberta pela Prefeitura. No final

de 1958 o preço subira em demasia. Os açougueiros, pressionados pela população,

culpavam o matadouro.

85 Pasta de amostragem documental da Câmara Municipal de Montes Claros. Ofício Nº 375/58.

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Em janeiro de 1959 a crise atingiu o ápice. No dia 18, os Sindicatos dos bancários,

comerciários, trabalhadores da construção civil, condutores de veículos de tração animal e

as Associações Profissionais dos mecânicos, barbeiros e cabeleireiros e açougueiros, o

Círculo Operário e a União Operária dirigiram um veemente protesto ao Prefeito Alfeu

Gonçalves de Quadros contra o aumento da carne, concedido ao matadouro pela Comissão

de Tabelamento, “sem consultar a parcela mais interessada no problema que são os

consumidores”. Os sindicalistas exigiam a revisão do aumento, a formação de uma nova

comissão de tabelamento com a participação de representantes dos sindicatos e associações

de trabalhadores e a publicação do contrato existente entre a Prefeitura e o Matadouro.

Pressionado, o Matadouro propôs ao Sindicato dos açougueiros entregar- lhes as

suas instalações para que eles, os açougueiros, explorassem diretamente o abate de gado e

assim fornecesse carne a preços menores à população86. O sindicato recusou a proposta.

Por sua vez, o Prefeito fez publicar na imprensa e enviou à Câmara Municipal uma

cópia do contrato firmado entre a Prefeitura e o Matadouro Otany em julho de 1957.

O “problema da carne” foi objeto de calorosas discussões nas reuniões da Câmara

Municipal, em todas as sessões da segunda quinzena de janeiro de 1959. Os vereadores de

oposição ao prefeito Alfeu de Quadros (PSD) o criticavam de forma violenta. Na sessão do

dia 10 de janeiro o vereador Pedro Martins Sant’ana (PR) condenava o prefeito por “(...)

haver procedido o tabelamento da carne, defendendo apenas os interesses da firma

concessionária”.87 As pressões se avolumaram e o prefeito convidou a Câmara para uma

reunião dia 25 de janeiro, para “proceder o reexame no tabelamento da carne-verde da

cidade.”

86 Gazeta do Norte. Montes Claros, 22 jan. 1959, p.1 87 SANT’ANA, Pedro Martins. Livro de Atas da Câmara Municipal de Montes Claros. Sessão Nº 526, 19 maio 1959, p. 3

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No dia 31 de janeiro tomava posse o novo Prefeito, Sr. Simeão Ribeiro Pires. No

mês de março, o sócio-majoritário do Matadouro Otany, Sr. Osmani Barbosa, colocou a

sua empresa à venda.88 Não surgiu ninguém disposto a comprar o matadouro. O preço da

carne parece ter sido normalizado, pelo menos o assunto foi perdendo vigor nos debates na

Câmara e na imprensa.

Os outros produtos de consumo diário também estavam com preços elevados. A

Revista “Montes Claros em Foco” aborda o problema em uma reportagem intitulada “Está

provado: pobre vive é de teimoso”. A matéria é incisiva:

Montes Claros é uma cidade onde há problemas de todas as espécies, os quais, com o passar dos anos, se vão tornando cada vez mais complicados e de difícil solução. São problemas sociais, de ensino, administrativos, econômicos, etc, que estão a clamar dos administradores o máximo de esforço e boa vontade, no sentido de ser-lhes dada solução urgente, já que alguns estão tomando aspecto de calamidade pública. (...) acima de qualquer outro, o problema do custo de vida está exigindo a atenção dos homens públicos de Montes Claros (...).89

A matéria publica também uma tabela que apresenta a evolução dos preços no

município nos anos de 1957 e 1958:

Evolução dos preços em Montes Claros – 1957-1958

Produto Ano 1957- valores em cr$ Ano 1958 – valores em cr$ Café (moído) 24,00 28,00 Arroz ( de 1ª ) 22,00 30,00 Banha 60,00 75,00 Feijão 14,00 18,00 Manteiga 90,00 140,00 Farinha 8,00 13,00 Cebola 15,00 30,00 Sal 5,00 9,00 Sabonete 7,00 15,00 Leite em pó 40,00 70,00 Toucinho 50,00 70,00 Carne 40,00 50,00 Lenha (metro) 110,00 240,00 Fonte: Revista Montes Claros em Foco.Montes Claros, jan/fev. de 1959, n. 10, p. 19.

88 Gazeta do Norte. Montes Claros, 29 mar. 1969, p. 1 89 Revista Montes Claros em Fóco. Montes Claros, Jan./Fev. 1959, Nº 10, p.19

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Contra a carestia mobilizaram-se as donas de casas de Montes Claros. No início de

fevereiro de 1959 foram distribuídos vários panfletos convidando as mulheres a

comparecerem a uma reunião no dia 15, no antigo prédio do Instituto Norte Mineiro de

Educação, com a finalidade de criar a “União Feminina de Montes Claros”. O panfleto

abordava a questão do alto custo de vida e dizia que “a mulher montesclarense tem

condições de dar solução a muitos problemas”.

Na reunião foi fundada a “Associação Feminina das Amigas do Progresso de

Montes Claros”, tendo como presidente Sebastiana Figueiredo e como secretária Wanda

Aguiar. A finalidade era “(...)cooperar com os poderes constituídos no fomento ao

progresso geral e, consequentemente, dar ao povo melhores condições de vida.”90 Essa

associação parece ter sido abandonada em favor da Associação da Donas de Casa de

Montes Claros, fundada em 07 de março, com a mesma presidente e secretária da outra

associação. Na carta à Câmara, a Associação da Donas de Casa diz que “tem por

finalidade, colaborar com as autoridades constituídas, no combate à carestia de vida”91

Nos meses de março e abril a entidade reuniu centenas de assinaturas da população

e no dia primeiro de maio apresentou à Câmara Municipal um abaixo-assinado com mais

de 1.300 assinaturas. A reivindicação era “o empenho da Câmara no sentido de tomar

providências para ser criado nesta cidade, com urgência, um Posto de Abastecimento para

vender gêneros alimentícios e artigos de primeira necessidade à população, por preços

acessíveis.”92

A entidade empreendeu uma vigorosa passeata pelas ruas centrais da cidade. Para

simbolizar a carestia e mesmo a fome da qual muitas famílias já eram vítimas, as donas de

90 Pasta de Amostragem documental de 1959 da Câmara Municipal de Montes Claros. 91 Idem. 92 Idem.

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casa levaram as panelas vazias para a rua fazendo um barulho enorme e provocando um

ambiente desolador.93

No dia 09 de maio, a Câmara Municipal realizou uma sessão extraordinária para

discutir o problema e suas possíveis soluções. As donas de casa foram à reunião e afixaram

no “plenário” vários cartazes com suas reivindicações. Pressionados, os vereadores

comprometeram-se a se dirigirem ao Presidente da República, Governador do Estado,

Ministro do Trabalho e a outras autoridades para que fossem instalados na cidade vários

postos de abastecimento de alimentos. Apesar da solidariedade dos edis às donas de casa, a

reunião foi um pouco tensa. Assustados, os vereadores hipotecaram apoio ao movimento,

mas foram cautelosos. O presidente da casa, vereador João Valle Maurício, pedia “(...)aos

vereadores e ao povo em geral, para procurarem solucionar o assunto dentro da ordem e

da justiça, de maneira a não por em perigo a tranqüilidade da família montesclarense”.

O vereador José Laércio Peres de Oliveira, também esclarecia: “Somos contra o ‘quebra-

quebra’, porque somos pela ordem, justiça e tranqüilidade da família brasileira.”94

A mobilização das donas de casa surtiu alguns efeitos. Embora não resolvesse as

causas da carestia e nem possuísse poder para tal, suas reivindicações provocaram a

mobilização dos poderes públicos para ampliar na cidade os armazéns do S.A.P.S. –

Serviço de Alimentação da Previdência Social. No dia 14 de maio de 1959 o delegado do

S.A .P. S. em Minas Gerais, Reinaldo Bertto, esteve em Montes Claros estudando medidas

para aprimorar o serviço daquele órgão.95 O S.A P.S. fornecia artigos como arroz, açúcar,

feijão e café a preços inferiores aos de mercado.

93 Depoimento da Sra. Wanda Pereira Dias, doméstica aposentada, no dia 24 de abril de 2000 em Montes Claros. 94 PERES, José Laércio. Livro de Atas da Câmara Municipal de Montes Claros. Sessão Nº 548, 05 maio 1959. 95 Gazeta do Norte. Montes Claros, 14 maio 1959, p.1

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Além da ampliação do S.A.P.S., postos de abastecimento da Polícia Militar

passaram a fornecer artigos de primeira necessidade a preços mais acessíveis. Essas

medidas paliativas arrefeceram os ânimos. No dia 17 de junho, a presidente em exercício

da Associação das Donas de Casa, Arlete Lopes Vemuto, escreveu à Câmara agradecendo

pelo seu “enérgico pronunciamento” favorável às suas reivindicações.

Em suma, Montes Claros viveu a euforia da era de ouro do Brasil – a década de

1950 – de uma forma bem específica. A pecuária, setor vital da economia do município,

teve um bom desempenho e, por isso, a Associação Rural, juntamente com a Prefeitura,

organizou a grande festa do Primeiro Centenário de Montes Claros.

O Centenário foi uma “tradição inventada” pelas elites de Montes Claros. Seus

objetivos foram: solidificar relações sociais de dependência e dominação da população por

meio da transmissão de valores e regras de comportamento; construir a imagem de uma

nova cidade, próspera e pacífica, em âmbitos estadua l e nacional e, por fim, servir como

estratégia de atração de investimentos públicos para o município.

Entretanto, os sonhados investimentos em infra-estrutura, pré-requisitos para a

industrialização, não ocorreram. A principal conquista do município e do Norte de Minas

durante a execução do programa desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek foi a inclusão

da região na área de atuação da SUDENE. Foi através dessa que as demandas por serviços

de transporte e energia elétrica foram sendo atendidas e foi graças aos seus incentivos

fiscais que se efetivou a industrialização da cidade.

Se para as elites montesclarenses a década de 1950 foi um período de crescimento e

euforia relativos, para a maioria da população foi um tempo de grandes dificuldades: agudo

desemprego e acentuada elevação do custo de vida, principalmente ao final da década.

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Mas a população não se omitiu: estudantes, operários e donas de casas reagiram

energicamente à exploração a que estavam expostos, usaram dos meios que lhes foram

possíveis dentro de uma sociedade conservadora, onde as manifestações populares

desatreladas dos tradicionais líderes políticos eram, até então, algo completamente inédito

e “absurdo”, já que a política era algo reservado para os “aptos”, destinados a esta função,

“talhados” para a liderança e para o domínio.

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Capítulo II: A sacralização da instância do político

Quando nas eleições de outubro de 1950 a população montesclarense elegeu Enéas Mineiro de Souza para governante de seus destinos, foi porque o povo sabe sempre quais são os seus verdadeiros líderes, instintivamente distingue entre as massas aqueles que nasceram predestinados a dirigir essas mesmas massas ... afirmamos que o povo de Montes Claros acertou escolhendo para arcar com as grandes responsabilidades de guiá-lo pela estrada do progresso, um homem de qualidades excepcionais, de aptidões diretivas raras nos dias presentes...96

Para Montes Claros, o desenvolvimentismo representou uma grande esperança:

faltava energia não só para industrialização como também para consumo doméstico, e as

estradas da região eram precaríssimas. As elites locais, predominantemente agrárias,

mobilizaram-se para inserir o município nos programas de investimentos públicos. O mais

significativo desses esforços políticos foi a festa do Centenário da cidade comemorado a

03 de julho de 1957, assunto abordado no capítulo I.

Na mobilização das elites constava também, evidentemente, a estratégia eleitoral. É

nesse sentido que as candidaturas governistas foram respaldadas pelos grupos locais que,

apesar das divergências em âmbito municipal, apoiavam os mesmos nomes e projetos em

níveis estadual e federal.

Dessa forma, a preservação das relações de dominação política, firmada em práticas

coronelistas, era necessária aos projetos políticos e econômicos das elites. A análise da

situação econômica e social dos anos 40 e 50 no município descortina um quadro não

muito alentador e contribui para se compreender essas relações políticas. O problema do

desemprego era grave. Ao final da década de 1950 apenas 28,8% da população estava

96 O Jornal de Montes Claros. Montes Claros, 05 dez. 1951, pp. 1 e 5.

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empregada.97 Os serviços de água, esgoto e iluminação eram precaríssimos, atendiam a

(respectivamente) 12% , 10% e 18% da população urbana 98. O analfabetismo também era

alto: 74, 63 % da população não sabia ler ou escrever em 1950 99.

É nesse cenário que a figura política do coronel se destaca. Desprovida de renda,

serviços públicos decentes e instrução razoável, a população é afastada do exercício livre

de seus direitos políticos, seu papel restringe-se a votar no homem, “dotado de virtudes

especiais”, capaz de guiá-la e de “resolver o problema” por ela. A sacralização do líder e

da instância do político, os papéis e os significados do coronel nessas relações políticas, a

teatralização do poder em pequenos episódios durante e depois das campanhas eleitorais, a

prática do favor como marca das relações eleitor-coronel, coronel-coronel e coronel-

governo (estadual e federal) serão os objetos de análise deste capítulo.

2.1 – Os Significados do Coronelismo

... sempre cercado de amigos e admiradores Domingos Lopes procura servir a todos, não poupando esforços, não economizando nem tempo nem dinheiro, dentro de suas possibilidades. São sem conta os que recorrem a sua magnanimidade à procura de médico e de remédio e outros amparos. Domingos Lopes é com justa razão o chefe ouvido e acatado por que faz justa consideração que lhe dispensam os que se colocam sob a sua proteção e sob a sua orientação, uma vez que compreendem que ele só procura o benefício de todos e a grandeza de sua terra.100

As relações sociais e políticas estabelecidas em Montes Claros nos anos 40 e 50

marcavam-se pela dependência mútua entre seus agentes, pela prática do favor e dos

97Anuário Estatístico do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1956. Censo Demográfico de 1980. V. I, Tomo XVI. Rio de Janeiro: IBGE, 1980. 98 Censo Demográfico de 1960. Rio de Janeiro: Fundação IBGE, 1960, vol. 1, tomo IX. 99 Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1959. 100 Gazeta do Norte. Montes Claros, 27 jul. 1950, pp. 1-2

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compromissos. As diversas relações - lideranças-povo, lideranças-lideranças, Município-

Estado-União – travadas no cotidiano e acentuadas nos períodos eleitorais, compõe um

modelo de dominação social e política. Contudo, tal dominação é limitada pelo caráter

recíproco da dependência – imposto pelo sistema eleitoral, que garante ao indivíduo o

direito ao voto e obriga o candidato a conquistá- lo – e pelas estratégias populares de

participação política, sejam elas de forma submissa ou insurgente. É a esse conjunto de

relações que damos o nome de coronelismo em Montes Claros.

Na literatura que trata do tema do coronelismo há diferentes visões acerca de seus

fundamentos, origens e decadência. Talvez o único ponto em que haja absoluto consenso

seja quanto ao seu período de auge: a Primeira República.101

A tese de Leal, de 1948, primeiro grande trabalho que versa acerca do assunto,

continua sendo a mais citada e conserva um lugar de destaque na historiografia. Segundo o

autor, o coronelismo foi o sistema político da Primeira República que articulava as três

esferas do poder público – Municípios, Estados e União, em uma complexa rede

interdependente, sustentada por favores e compromissos.

Para Leal, o coronelismo foi possível dada a confluência de dois elementos

díspares: um sistema político de extensa base representativa – a república federativa eletiva

– e uma estrutura econômica arcaica, dominada pelo latifúndio.

101 Os autores convergem quanto a este ponto. Ver: CARONE, Edgard. A República Velha. (Instituições e Classes Sociais ). São Paulo: Difel, 1972. CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados, escritos de história e política. Belo Horizonte: UFMG, 1999. FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Formação do Patronato Político Brasileiro . São Paulo: Globo, 2000. Vol. I e II GUALBERTO, João. A Invenção do Coronel. Vitória: UFES, 1995. JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. Coronelismo: uma política de compromissos.São Paulo: Brasiliense, 1981. LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Ômega, 1978. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. “O Coronelismo numa interpretação sociológica” In: FAUSTO, Bóris (dir.)História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil republicano – estrutura de poder e economia (1889-1930).São Paulo, Difel, 1975, T.III.

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O caráter recíproco das relações de poder, a assimetria entre economia e política e a

prática do favor como moeda política, apontados por Leal, foram assimilados por outros

autores.

Há, entretanto, diferentes posições quanto às origens e início do coronelismo.

Enquanto Leal as encontra na passagem Império-República, há autores que as identificam

na Colônia e no Império. Carone, Faoro e Janotti102, embora reconheçam que a política

coronelista só se consolidou na Primeira República, explicam a emergência do fenômeno a

partir da institucionalização do poder dos chefes locais efetuada pelas patentes da Guarda

Nacional criada em 1831.

Outra perspectiva é a de Gualberto.103 Segundo este, o coronelismo tem suas raízes

plantadas nos primórdios da colonização portuguesa, quando a concentração de renda e

poder e o sistema escravocrata, associado ao latifúndio, fizeram surgir os potentados rurais.

A estes integravam-se os homens livres sem posses à procura de proteção e à disposição

para realização dos mais diversos serviços. Nos potentados rurais, não obstante o caráter

violento das relações dominador-dominado, havia um componente afetivo e religioso que

amenizava essas relações, fortalecendo-as e fazendo aparecer os princípios de

solidariedade e reciprocidade. Neste contexto, a figura do chefe, do senhor, instituía-se,

tornando-se uma referência simbólica da sociedade. Assim sendo, a estrutural colonial

forjou o coronelismo:

Os latifundiários encarnaram o poder e o Estado. Foi através deles que

o Estado existiu e se manifestou...Durante o período colonial, a sociedade brasileira construiu progressivamente seus personagens políticos. O

102 CARONE, Edgard. Op. cit. FAORO, Raymundo. Op. cit. JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. Op. cit. 103 GUALBERTO, João. Op. cit.

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personagem central engendrado por este processo histórico foi o latifundiário, pai simbólico do coronel republicano.104

Outro ponto polêmico é quanto ao papel do personagem principal do sistema: o

coronel.

O coronel é alguém que dispõe de um certo poder econômico, tem condições de

prestar favores e é dotado do carisma para liderar, conforme Queiroz, que destaca também

a força das parentelas nas composições coronelistas.

Segundo esta autora, a posse de bens econômicos é indispensável ao exercício da

chefia coronelista. Entretanto, apenas a fortuna não garante a liderança. Sem o dom

especial para liderar, o carisma, a capacidade de despertar admiração e obediência, o poder

coronelista não poderia ser exercido. Esta visão pode ser também encontrada em Faoro.105

Para o autor de Os donos do poder

O coronel , antes de ser um líder político, é um líder econômico, não necessariamente, como se diz sempre, o fazendeiro que manda nos seus agregados, empregados ou dependentes. (...) Se a riqueza é substancial à construção da pirâmide, não é fator necessário, o que significa que pode haver coronéis remediados, não senhores de terras (...). Ocorre que o coronel não manda porque tem riqueza, mas manda porque se lhe reconhece esse poder, num pacto não escrito.

(...) A origem do seu poder, mais do que a situação econômica, deriva do

prestígio, da honra social, tradicionalmente reconhecido. 106

Segundo Faoro, a “investidura coronelesca” é sempre feita pelo governador do

Estado, ou pelo grupo que o controla. Em âmbito municipal, o coronel era a liderança

econômica, a proteção dos camponeses e dependentes, o elo de ligação com o mundo

104 GUALBERTO, João. Op. cit. pp. 37-38. 105 FAORO, Raymundo. Op. cit. 106 FAORO, Raymundo, op. cit. pp. 242-243 e 258

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“exterior”. Assim, o poder do coronel, provém da riqueza, mas não apenas dela, ele

legitima-se no seu reconhecimento social e na sua investidura pelo Estado.

Contudo, enquanto autores como Faoro e Queiroz enfatizam o carisma e a honra e

tradição sociais como fontes de poder do coronel, Leal107 caminha em outra direção. Para o

autor, a fonte do poder coronelista é a grande propriedade da terra. É no cenário rural e nas

cidades interioranas, dominadas pelo latifúndio, que o corone l, normalmente um grande

fazendeiro, exerce seu poder sobre uma população dependente, não instruída e não

assistida pelo Estado. Outra diferença de Leal em relação a Faoro e Queiroz é quanto a

extensão do poder dos coronéis. Enquanto os dois últimos enxergam o chefe local como

expressão clara da força do poder privado (apoiado em grandes parentelas, segundo

Queiroz), Leal o descreve como expressão da decadência do poder privado que, incapaz de

se manter sozinho, alia-se, em condição de inferioridade, ao poder público em progressivo

fortalecimento.

Outra é a tese de Souza:

Vejo o poder dos coronéis sendo determinado por um conjunto de elementos que interagem mutuamente, com destaque para a política assistencialista-paternalista e clientelista que se desenvolve, principalmente, no âmbito da máquina administrativa local... A concessão dessas políticas quase sempre é atribuída à “bondade”, à “generosidade”, dos chefes, e não à distribuição impessoal de recursos de competência burocrática da máquina administrativa local, estadual e federal.108

O mais interessante no autor citado é que ele vê o coronelismo como resultante de

um “conjunto de elementos”, embora dê ênfase no papel da “política assistencialista-

paternalista”.

107 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa -Ômega, 1978.

108 SOUZA, João Morais de. “Discussão em torno do conceito de coronelismo – da propriedade da terra às práticas de manutenção do poder local”. In: Caderno Estudos Sociais. Recife: v. 11, n. 2. jul/dez, 1995. p. 325.

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A tentativa de se encontrar um “elemento determinante” do poder do coronel

parece-me extremamente problemática. A análise dos personagens políticos de Montes

Claros, em meados do século XX, revelam a interação de elementos diversos – poder

econômico, tradição ou “honra social”, carisma, política assistencialista, violência, fraude e

propaganda ideológica pela imprensa – como fonte do poder dos coronéis locais.

Portanto, neste trabalho, coronel é uma liderança social, política e econômica que

se utiliza de variadas estratégias para conquistar, exercer e manter seu poder. As formas de

obtenção, legitimação e perpetuação do poder, neste trabalho, podem ser reunidas em dois

grupos: medidas “não práticas” como a propaganda, os discursos e a teatralização do

poder; e medidas práticas como a prestação de favores pessoais, a violência e a fraude.

A maior polêmica a respeito do coronelismo reside, entretanto, quanto à sua

decadência. O consenso acadêmico em torno do período áureo do coronelismo – a Primeira

República – apresenta-se, em parte, na discussão do seu declínio. Todos os autores

trabalhados aqui admitem significativas mudanças nas relações de poder após 1930, ou

mesmo o completo desaparecimento do coronelismo nesta data. A discussão é quanto à

intensidade dos impactos da “Revolução de 1930” sobre o coronelismo. Seriam eles

parciais, totais ou ocorreu apenas uma reacomodação com a ascensão de Getúlio Vargas ?

Autores que defendem a decadência definitiva do coronelismo em 1930 – Faoro,

Leal e Carvalho – apontam a centralização do poder, os processos de urbanização e

industrialização e o aperfeiçoamento das instituições jurídicas e eleitorais como fatores

determinantes de uma nova realidade social e política, incompatível com as práticas

coronelistas.

Outra proposta de entendimento dos impactos do movimento de 1930 está em

Queiroz, Janotti, Souza e Gualberto. A primeira, embora concorde com a tese de que as

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mudanças sócio-econômicas e jurídicas desarticularam o coronelismo,109 reconhece que as

práticas coronelistas foram incorporadas por novas lideranças e partidos políticos, após a

queda do Estado Novo (1945):

... existe uma linha de continuidade interna de nossa política; ela se evidencia, por exemplo, no aparecimento do novo tipo de coronelismo, o coronelismo urbano, para integrar na política brasileira elementos novos; assim os fenômenos que vão aparecendo adotam formas já conhecidas para se incorporarem no que existe.110

Janotti, por sua vez, rechaça de forma contundente a tese da decadência do

coronelismo. A autora não ignora as transformações dos anos 30 e 40, que faziam surgir

“novos comportamentos políticos” e exigiam “novas acomodações”. Entretanto, “nessa

nova conjuntura dos grandes centros urbanos, há certos traços de parelelismo entre a

figura do coronel e a dos chefes populistas” porque “Ambos utilizam na conquista do

eleitorado o empreguismo, o favoritismo, a barganha eleitoral, o compadrio e a

violência.”111 Na interpretação de Janotti, as práticas políticas são reelaboradas, mas sem

provocar rupturas profundas:

Autores insistem no ocaso do coronelismo, talvez por não terem se detido na observação dos seus novos compromissos. Até a revolução de 30 modificações são registradas nas relações coronelísticas, mas não a ponto de determinar sua extinção. Não há dúvida que Getúlio Vargas se valeu dos coronéis do sertão, dos estancieiros gaúchos e mesmo dos fazendeiros paulistas para tomar o poder e nele se manter. O mesmo poder-se-ia dizer de todos os governos da República, até hoje.

O coronelismo demonstra, portanto, ter uma estrutura bastante plástica, adaptando-se a sucessivos momentos históricos.112

109 Essa posição é defendida pela autora em QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. “O coronelismo numa interpretação sociológica...”. 110 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. O Mandonismo local na vida política brasileira . São Paulo: Instituto de

Estudos Brasileiros, 1969, p. 29. 111 JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. “O coronelismo ainda é uma questão historiográfica ?”. Texto mimeo. Apresentado na Mesa Redonda: “Questões Interpretativas da República: Coronelismo, Revolução e Populismo” . ANPUH. Belo Horizonte, 1997. 112 JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. “O coronelismo ainda é uma questão historiográfica ? ...”

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Souza113 também reconhece que com a revolução de 1930, o coronelismo “foi

alterado”, mas não eliminado. Segundo o autor, o período de 1930-1992 corresponde ao

“Coronelismo em mutação”. Ao estudar o coronelismo no Nordeste, ele identifica a

“política assistencialista-paternalista”, conforme citação anterior, como o instrumento

mantenedor das relações coronelistas.

O coronelismo é um elemento político importante no final do século XX e foi um

dos componentes decisivos na eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994, para João

Gualberto.114 Segundo o autor, o imaginário político brasileiro compõe-se de três grandes

vertentes: o coronelismo, o populismo e a tecnoburocracia, sendo a primeira a matriz das

duas últimas.

Na perspectiva de Gualberto, as novas lideranças emergentes nas décadas de 1930 e

1940 – o populista e o tecnocrata – foram formadas dentro dos valores coronelistas da

Primeira República e, além disso, faziam parte, ou compartilhavam, do pensamento

modernizador-autoritário de uma elite intelectual que ser formou no Brasil nas primeiras

décadas do século XX, não representando nenhuma ruptura em relação aos coronéis.

Assim como Janotti, Gualberto também identifica coronéis em plena atividade em

meio às novas lideranças do pós-30, porque Getúlio Vargas, embora tenha se tornado o

centro do imaginário político nacional, não rompeu com o imaginário coronelista

precedente: “Vargas atacaria os coronéis, seres vivos feitos de carne e osso, sem atacar os

elementos centrais da instituição imaginária do coronelismo.”115 Os “elementos centrais”,

conforme o próprio autor, eram a violência, o paternalismo autoritário e a exclusão da

113 SOUZA, João Morais de. Op. cit. 114 GUALBERTO, João. Op. cit. 115 GUALBERTO, João, op. cit. p. 192.

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população da cidadania, da livre expressão política. Assim sendo, o próprio Vargas

transformou-se num “Grande coronel nacional”.

A profunda impregnação da sociedade brasileira pelo imaginário do coronel,

possibilita a sobrevivência do coronelismo, mesmo que os coronéis desapareçam, porque

“As práticas políticas do coronelismo sobreviveram `a desaparição progressiva dos

coronéis” e “Até hoje, as práticas políticas do coronelismo sobrevivem graças à ação de

seus herdeiros políticos: os tecnocratas e os populistas”116.

Enquanto diversos autores debatem as transformações/permanências do coronelismo,

Carvalho aponta o seu fim em 1930. Preocupado com os conceitos, imbuído da tarefa de

fixá- los, o autor defende o conceito de coronelismo de Leal – sistema político da Repúbica

Velha que foi fruto da inadequação do sistema político ao sistema econômico – e impõe

uma camisa-de-força às pesquisas acerca do poder local após 1930 ao asseverar: “O

coronelismo não existiu antes dessa fase e não existe depois dela”117.

Uma definição como esta é bastante problemática. De fato, o coronelismo tal como

conceitua Carvalho, inspirado em Leal, desapareceu após 1930. Mas, seria possível fixar o

“verdadeiro” conceito de coronelismo? Fazer isso, ou seguir tal conceito, seria negar a

própria história, que é sempre criação, imprevisibilidade. A rigidez conceitual proposta por

Carvalho aprisiona a história e inviabiliza sua compreensão, na medida em que cria

padrões fixos e modelos explicativos.

Para Carvalho, as relações de poder local após 1930, longe de ser coronelistas, eram

clientelistas. Por clientelismo ele entende “...um tipo de relação entre atores políticos que

envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, vantagens fiscais,

116 GUALBERTO, João. Op. cit. pp. 14 e 219. 117 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p.132.

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isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto”118. Na visão do autor, o

clientelismo aumentou com o fim do coronelismo, porque “`a medida que os chefes

políticos locais perdem a capacidade de controlar os votos da população, eles deixam de

ser parceiros interessantes para o governo, que passa a tratar com os eleitores,

transferindo para estes a relação clientelista.” Assim, se admitíssemos os conceitos de

coronelismo e clientelismo fixados por Carvalho, eles seriam incapazes de explicar o caso

de Montes Claros, onde os coronéis dispunham de larga margem de ação, “controlavam”

votos, usavam seus bens privados para favorecer e proteger eleitores e eram intermediários

interessantes ao Estado.

Em trabalho recente, Fortunato119 propõe uma discussão inovadora acerca do

coronelismo. A autora não apresenta novos conceitos, pelo contrário, critica os diversos

conceitos de coronelismo e sua aplicação a diferentes casos, sem limites de tempo e

espaço. Fortunato procura entender a história da construção dos conceitos de coronelismo e

de coronel, investigando as condições e os interesses que presidiram tal construção.

Segundo a autora, os autores que desenvolveram o tema nos anos 40 em diante, a

partir de Leal, tiveram como fonte principal os discursos de políticos e intelectuais dos

anos 20, que criticavam os vícios da Primeira República e pregavam a centralização do

poder e a constituição de um Estado forte, acima das oligarquias regionais. Assim, tais

autores teriam “inventado” os conceitos de coronel e coronelismo para depreciar as

relações de poder da Primeira República e para justificar as novas conjunturas econômicas

e sociais do pós-30 – industrialização e Estado centralizador – e, por isso, o movimento de

1930 apareceria como um fato histórico que “consolidou a queda das oligarquias e mudou

118 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 134. 119 FORTUNATO, Maria Lucinete. O coronelismo e a imagem do coronel: de símbolo a simulacro do poder local. Campinas: UNICAMP, 2000. (tese de doutorado)

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a cara do país”, em quase todos os trabalhos que versam acerca do coronelismo.

Curiosamente, como salienta a própria autora, o primeiro trabalho acadêmico acerca do

coronelismo só surge em 1948 com Leal. Ou seja, neste momento, a ideologia do Estado

Novo já se desgastara e esse discurso acadêmico já refletia um outro tipo de conjuntura e

idéias. Para Fortunato, a grande questão no pós-Estado Novo era “reimplantar” a

democracia sem os defeitos do coronelismo: “Como será possível o Estado reassumir um

papel ‘liberal’ sem se retornar aos mandos dos ‘coronéis’ ? Ou seja, que mudanças

precisariam ser efetuadas para que esse ‘Estado’ passasse por uma ‘redemocratização’

sem que houvesse um retorno ao fortalecimento do ‘poder privado’ ...? ”120

Para responder a essas questões, os conceitos de coronelismo e coronel foram criados e

institucionalizados para “diferenciar democracia e liberalismo de coronelismo”.

A ideologia dos anos 40 e 50 explicaria ainda, segundo Fortunato, a sobrevivência do

conceito de coronelismo e sua validade para casos posteriores a 1930, dado o deslocamento

da abordagem do fenômeno do âmbito nacional para o regional. Esse deslocamento

também seria “ideológico”: o Nordeste, rural e “atrasado”, seria o local de permanência do

coronelismo, enquanto o Centro-Sul, urbano e “moderno”, teria assistido ao fim inevitável

daquele sistema político.

A crítica de Fortunato à construção de coronelismo e coronel reflete também uma outra

concepção de poder e política. Segundo a autora, em todos os trabalhos acerca do

coronelismo

Percebe-se, então, que o poder é visto ... como algo que, apesar de se constituir como dominação privada, se encontra centralizado e localizado no Estado. Dessa forma, reduz-se à política, e se apresenta como estrutura e não como relação, como tradição e não como um fluxo permanente de luta no qual

120 FORTUNATO, Maria Lucinete. Op. cit. p. 88

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as forças envolvidas não obedecem à uma destinação ou a uma mecânica, mas ao acaso da própria luta.121

Essa crítica ao caráter institucional da política, enfatizado no discurso coronelista

acadêmico, parece ser a maior contribuição de Fortunato que, inspirada em Michel

Foucault, postula que “o poder está presente nos mais finos mecanismos do intercâmbio

social. Ele produz e é produzido permanentemente nas relações sociais ...”122

A abordagem do coronelismo em Montes Claros que efetuamos procura apreender

essas relações de poder não apenas no âmbito institucional. Uma preocupação deste

trabalho é verificar a margem de liberdade e ação dos eleitores – assunto que tem uma

tímida ou nenhuma abordagem nos autores diversos (evidentemente, isso deve-se, em

parte, às características do período que eles analisam – a Primeira República). Embora

autores como Janotti e Leal relatem as obrigações do coronel para com o eleitor, não há,

em seus trabalhos, uma abordagem clara do papel ativo da população no jogo político.

Neste trabalho procura-se o entendimento da relação coronel-população de forma

dinâmica, a visão da dependência como relativa e limitada pelas estratégias populares de

participação política. Essa será, basicamente, a temática do capítulo III.

2.2.- O coronel sacralizado

Como já foi dito anteriormente, o poder do coronel advém e é construído de um

conjunto de fatores e estratégias. Tentar encontrar um aspecto determinante desse poder

parece-nos inviável, porque seria simplificar a análise e comprometer a compreensão do

tema.

121 Idem, p. 43.

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Em Montes Claros, o coronel apresenta-se e é apresentado como indivíduo acima

dos homens normais, não apenas por seu poder econômico ou influências, mas também

pelos dotes especiais de nascimento ou formação acadêmica. As representações do “guia”,

o “condutor de massas” inato, dotado por Deus para orientar e “conduzir os destinos” ou o

profundo conhecedor da sociedade por sua “cultura”, são enfatizadas no sentido de projetar

a liderança e a instância do político para uma dimensão superior, não acessível a todos. É o

Mito do Salvador123 que está presente nessas imagens: o “coronel” toma a forma do

salvador, encarna a esperança da população, dá- lhe a certeza da ordem e segurança sociais

e da realização das suas aspirações.

Esse conjunto de imagens é mobilizado para construir o líder político, para

conferir-lhe uma dimensão extraordinária. Episódios como datas de aniversários,

inaugurações e falecimentos eram os momentos de maior efervescência do imaginário do

caráter sobrenatural do líder.

Velhos coronéis como Antônio dos Anjos, Camilo Prates e Filomeno Ribeiro eram

apresentados como “padrão de exemplo e virtudes”, “exemplo simbólico das virtudes

superiores”. Embora a década de 1950 tenha assistido ao surgimento de novas lideranças,

isso não significou mudanças rupturais: as lideranças tradicionais e as emergentes

mantiveram uma relação harmoniosa, confundiam-se, compartilhavam das mesmas idéias.

Os “novos” coronéis também se serviam dessas representações. Autoridades, como o

médico Antônio Teixeira de Carvalho – prefeito nomeado durante o Estado Novo –, eram

apresentadas enquanto o “guia admirável de uma coletividade”. O médico citado trazia

122 Idem, p. 3. 123 GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo: Cia das Letras, 1987.

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“em si a predestinação desses vultos que vêm fadados para um destino amplo e

grandioso” e era “ um fiador perfeito dos destinos do município”124.

O prefeito Capitão Enéas Mineiro de Souza – 1951-1955 - foi o exemplo mais

acabado de culto à personalidade, de sacralização. Ele viera do Nordeste, atuou como

militar no Estado de Pernambuco na perseguição ao grupo de Lampião e enriqueceu-se

como empreiteiro da Central do Brasil, na expansão da ferrovia pelo Norte de Minas. Ele

era “uma figura singular de desbravador e homem de ação”; seu arrojo despertava uma

“admiração e, pode-se dizer, adoração, por sua varonil pessoa”125.

Após sua ascensão à prefeitura, intensificou-se sua glorificação. Além do Gazeta

do Norte, O Jornal de Montes Claros, propriedade do prefeito, empreendeu uma vigorosa

campanha para construir o “Mito Capitão Enéas”. Ele era apresentado como “um raio de

sol”, um “juiz e administrador” que, “predestinado a dirigir essas massas”, cumpria uma

“missão sagrada”. Em dezembro de 1951, o estudante Adão Fé Souza assim o saudava

numa formatura: “É uma honra para mim saudar a V. Excia. em quem vemos um idealista

e um realizador, um homem digno de por todos os títulos da nossa admiração, ou antes, da

nossa veneração.”126 Sua administração privilegiou as obras visíveis e grandiosas, como

calçamento de ruas e abertura de estradas. A situação financeira da prefeitura era precária,

para a imprensa só um homem “clarividente”, dotado de virtudes especiais, poderia realizar

tantas obras: “O Capitão Enéas Mineiro parece até uma personagem de contos de fada. É

como se possuísse uma varinha de condão. Tudo cresce e progride sob os seus

cuidados”.127

124 Gazeta do Norte. Montes Claros: 05 jul. 1941, p. 1. 125 Gazeta do Norte. Montes Claros: 12 jul 1950, pp.1 e 4 126 O Jornal de Montes Claros. Montes Claros: 13 dezembro 1951. 127 Gazeta do Norte. Montes Claros: 11 fev. 1951, pp. 1 e 4.

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O Jornal de Montes Claros foi o instrumento principal da propaganda política do

Capitão Enéas Mineiro. Ao ler o jornal têm-se a sensação que o empresário e prefeito era,

de fato, um homem acima dos demais, um ser extraordinário. As virtudes e imagens do

Capitão Enéas eram destacadas em perfeita sintonia com os valores políticos de Montes

Claros: a admiração por virtudes como o arrojo, a coragem, o trabalho, a autoridade. O

personagem parecia reunir em si todos aqueles valores. Em um artigo denominado “A vida

trepidante do Capitão Enéas Mineiro de Souza”, Bergerac descreve a formação do

homem. Embora extenso, vale a pena registrá-lo:

A 12 de fevereiro de 1898 nascia nos arredores de Campina Grande, na lendária Paraíba, robusta criança, que recebeu o nome de Enéas. E bem dado lhe foi o nome, pois a sua vida cheia de aventuras e de lutas e de vitórias, assemelha-se ao do seu homônimo da mitologia.

Robusto no físico e vivo na inteligência, o pequeno Enéas fazia a todos sentir os traços fortes e inconfundíveis de uma personalidade marcante.

Irrequieto, possuindo a fibra inquebrantável do nordestino, anseava por aventuras, trazendo em sobressalto constante seus austeros e amorosos pais.

Refreando suas tendências, derivava-as para os folguedos infantis, constituindo-se desde logo o chefe e o conselheiro da garotada que, com ele compartilhava das primeiras luzes escolares tornando-se, dentre os pequenos o maior !.

Nas rusgas comuns entre a petizada, era a sua voz, imperiosa e respeitada, que decidia sempre. Era o árbitro acatado, porque, colocando-se na defesa dos mais fracos, reprimia as injustiças, advertindo aqueles que abusavam da superioridade física ou social, para oprimir aos fracos e aos humildes. Este foi o traço característico, que na sua infância o impôs como um Juarez e mais tarde o tornou um grande consultor de massas.

Aos doze anos, tornando-se órfão de pai, embrenhou-se pelo sertão nordestino, enfrentando prematuramente os árduos trabalhos com que a vida se lhe abriu.

Já com o peso de uma súbita responsabilidade, sem o amparo paterno, enveredou-se na agitação para que havia sido talhado ... E foi assim que o pequeno Enéas, com o destemor que ainda o caracteriza, se transferiu para Sergipe, empregando-se num engenho de açúcar.

E o seu salário era cinqüenta centavos diários, quinhentos reis antigamente. Mas, para ele era uma pequena fortuna. E imaginem que dos cinqüenta centavos, dos antigos quinhentos reis, ainda tinha que tirar o seu sustento.

As mãos calejadas ou sangrentas pelo labutar com as afiadas folhas da cana ou com o manejo cansativo da enxada, sentiam a suavidade da água

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cristalina, quando, no velho hábito que ainda lhe persiste, á madrugada lavava o rosto jovem e já enrugado, para depois entregar-se ao seu banho da madrugada.

Lá permaneceu seis meses, no fim dos quais, tendo no pé de meia as parquíssimas economias, adquiriu dois muares e entregou-se à nova vida. Tornou-se ‘cambiteiro’, isto é transportava a cana do canavial para o engenho... Era já um pequeno senhor !

E o nosso herói progredia sempre. Não conhecia fadiga ou cansaço. Sempre disposto e jovial.

A vida no engenho tornara-se-lhe monótona e resolveu ‘correr o mundo’. Ei-lo logo a percorrer todo o nordeste a lombo de burro, dormindo ao relento, no exótico abrigo de um couro de onça ...

E assim, os anos iam se passando, aperfeiçoando as suas naturais tendências para o bem e para a justiça, indo sempre ao encontro do sofrimento alheio, indulgente para com o próximo, severo, porém contra a mentira ou contra a injustiça.

A sua ferrenha força de vontade fora do comum e têmpera de aço, esteiram a rígida e austera educação que recebera de seu saudoso progenitor.

As lutas, já em tão tenra idade, o sofrimento, o domínio dos seus próprios impulsos, as suas vitórias, deram-lhe uma interior consciência de sua força e do destino que lhe era traçado. E constituiu-se logo o conselheiro e o pai dos desvalidos.

(...)128 (grifos meus)

O texto é significativo. Sua idéia e objetivos centrais parecem ser: não é qualquer

um que pode ser líder, chefe, senhor, condutor de homens, o comando político só pode ser

exercido por pessoas predestinadas para tal encargo.

As virtudes do líder vão surgindo a cada parágrafo. O primeiro postulado é que o

líder nasce com esta missão, é talhado para a chefia pelo Destino, por uma força

sobrenatural, por Deus. Às virtudes inatas, acrescentam-se outras no desenrolar de sua

vida, o “herói” forma-se em cotidiano de lutas, em um ambiente social que forja as suas

qualidades e caráter.

Desde criança ele era chefe, conselheiro e árbitro. No exercício dessa liderança

mirim ele protege os mais fracos e reprime as injustiças. A adolescência e a juventude não

128 BERGERAC. O Jornal de Montes Claros. 20 out. 1951, p.1

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lhe foram fáceis: era pobre e órfão de pai, mas o “herói” não cansa, nem fatiga, tem

“têmpera de aço”.

As adversidades eram necessárias para que ele “aperfeiçoasse ainda as suas

naturais tendências para o bem e para a justiça”, lutasse contra a injustiça e a mentira e

tivesse maior consciência da “sua força e do destino que lhe era traçado”, para ser

“conselheiro e o pai dos desvalidos.” Nessa “biografia” de Enéas Mineiro encontramos as

características do coronel que a imprensa buscava construir: severidade, bondade, justiça,

proteção, conselho, solidariedade.

Filomeno Ribeiro era outra liderança expressiva do período. Fazendeiro e

industrial, Filomeno foi o grande nome do PSD, até o seu falecimento em 1951. Suas

virtudes principais que apareciam nos discursos eram a sensatez e a serenidade: “sereno e

pacífico, fadado por Deus para acalmar os ânimos, implantar a ordem e a

fraternidade...”129. Em 1951 Filomeno Ribeiro foi escolhido presidente da Câmara

Municipal, por causa de sua “experiência, critério e alto senso de ordem e

responsabilidade.” Filomeno era um líder respeitado: “As suas palavras, sempre

acatadas, pela justeza de suas medidas, ponderação e equilíbrio, serão sem dúvida

naquele conselho ouvidas e seguidas, pois traduzirão, certamente, sempre o desejo de

contribuir para o bem estar do nosso povo e para os altos destinos de nossa terra.”130

O arrojado Enéas Mineiro e o sereno Filomeno Ribeiro são faces de uma mesma

moeda: o Salvador. Como salienta Girardet131, o mito do Salvador manifesta-se de

múltiplas formas: ele pode simbolizar a tranquilidade, a permanência e a estabilidade,

129 CARVALHO, João Antônio Pimenta de. Gazeta do Norte. Montes Claros, 02 dez. 1945. 130 Gazeta do Norte. Montes Claros, 04 fev. 1951, p.1 131 GIRARDET, Raoul. Op. cit.

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como também o Salvador pode ser o herói que irrompe de uma hora para outra e representa

a aventura e a determinação, notabilizando-se pelas ações grandiosas.

De forma geral, essas idéias/imagens do político grandioso, da sacralização da

política, eram produzidas, utilizadas e divulgadas pelas princ ipais lideranças de Montes

Claros, no período 1940-1964, independente da filiação partidária e da posição/atividade

econômica.

A construção da política como algo distante da população era feita, como dissemos

anteriormente, reunindo dois conjuntos de imagens do político ideal: a ênfase na tradição,

nas virtudes inatas para o exercício da liderança; e a valorização do homem culto, técnico,

acadêmico. Essas imagens misturam-se, mesclam-se, sendo quase impossível encontrá- las

isoladas em uma liderança, mesmo porque os líderes “novos”, “intelectuais”, estavam

umbilicalmente ligados aos “velhos coronéis”.

A valorização do “conhecimento científico” e da formação acadêmica das

lideranças esteve presente nas campanhas de médicos – Alfeu de Quadros, prefeito de

1947-1951, Hermes de Paula em 1950; advogado - Geraldo Athayde em 1958; e

engenheiro - Simeão Ribeiro em 1947, 1951 e 1958.

Na apresentação dos candidatos, em seus discursos, o imaginário do Salvador

também está presente. Na campanha municipal de 1947, Simeão Ribeiro era apresentado

como um homem “dinâmico, esclarecido e honrado, filho de tradicional família

montesclarense” e o “engenheiro competente, apto a resolver os problemas” do

município. Já o médico Alfeu de Quadros, vitorioso na disputa, era apresentado como a

garantia da “segurança e da paz”, porque ele era um indivíduo “equilibrado”, um

“administrador esclarecido” e, por isso, capaz de “conduzir com justiça e firmeza os

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destinos de Montes Claros”132 . “Votar em Alfeu Gonçalves de Quadros é um dever. Chefe

e guia sereno, que impõe pela lealdade e pelo espírito de justiça ... administrador de larga

visão...”133. “(Teremos) Estradas, pontes, escolas nas vilas e povoados ...se o povo sagrar,

nas urnas, este nome (Alfeu Quadros), que, para nós, é uma bandeira e um símbolo.134”

Na campanha de 1950, o grupo de Alfeu de Quadros e Milton Prates apoiou o

médico e escritor Hermes de Paula como candidato a prefeito. A campanha de Paula dizia

que “Montes Claros precisa da inteligência moça e vigorosa do Dr. Hermes de Paula,

cujo nome é uma bandeira de paz e operosidade ...”135

Sejam as virtudes “intelectuais”, sejam as “tradicionais”, o que está sendo

construído é uma dimensão superior para o líder e a noção de inferioridade e submissão da

população que, incapaz de se expressar de forma autônoma, deve escolher alguém para

guiá-la.

Ao agradecer à população o apoio à candidatura vitoriosa de Alfeu de Quadros em

1947, o Deputado Milton Prates dizia:

E aí está a vitória insofismável... Si aos chefes que vos conduziram prestais agora generosa homenagem, faz-se mister dizer, que a vitória, é tanto deles e dos candidatos vitoriosos como vossa, meus amigos. Foram a vossa lealdade e vosso civismo que asseguraram o magnífico resultado do pleito.136

O “civismo” e a “lealdade” destacados pelo Deputado são acessórios, apenas

enfeitam o seu discurso. O que está evidente é que as pessoas foram “conduzidas” pelos

chefes políticos. A sacralização do coronel era, pois, um instrumento de

132 “PP”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 23 out. 1947, p. 1 133 “R”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 02 nov. 1947. P. 1 134 PRATES, Milton. “Ao povo montesclarense”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 09 nov. 1947, p. 1 135 Gazeta do Norte. Montes Claros, 03 set. 1950. P. 1 136 PRATES, Milton. “Uma proclamação do Deputado Milton Prates aos seus amigos”. Gazeta do Norte. 14 dez. 1947, p. 1

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dominação/subordinação políticas extremamente forte e, por isso mesmo, utilizado pelos

mais diversos tipos de líderes.

É difícil estabelecer uma classificação dos coronéis de Montes Claros. Em um

esforço de esquematização, não rígida, pode-se dizer que havia dois tipos de coronéis: o

tradicional e o moderno. O primeiro tipo era o fazendeiro e o grande comerciante. Em suas

práticas estariam mais acentuados elementos como a violência, a fraude e o menor recurso

à oratória. O segundo tipo, o moderno, era o advogado, o engenheiro, o médico e as

lideranças “populares” (construtores e pequenos comerciantes).137 Suas práticas políticas

ressaltavam mais o conhecimento técnico, a capacidade administrativa, a utilização mais

efetiva do recurso à oratória, a importância de se modernizar a cidade e a valorização das

atividades e obras “culturais” (biblioteca, banda de música, desfiles).

Dentre os coronéis tradicionais destacam-se o Prefeito Enéas Mineiro de Souza e os

vereadores Filomeno Ribeiro, Hildeberto Alves de Freitas (vulgo Cel. Deba), João Lopes

Martins (vulgo Cel. Lopinho), Domingos Lopes e Manoel José de Souza (vulgo Neco

Santa Maria).

Os principais coronéis modernos foram os prefeitos Alfeu de Quadros, Simeão

Ribeiro Pires, Geraldo Athayde, Pedro Santos, vereadores José Xavier Guimarães,

Ubaldino Assis, Deputados Milton Prates, José Esteves Rodrigues, Plínio Ribeiro e

Antônio Pimenta lideranças como João Alencar Athayde (presidente da Associação Rural

local) e Hermes de Paula (candidato a prefeito em 1950).

Essa divisão não significa isolamento, diferenças programático-ideológicas. Na

realidade, os pontos em comuns eram muito mais expressivos. Não havia também conflitos

entre modernos e tradicionais. Os dois tipos estavam em todos os partidos, agindo em

137 Acerca da ocupação dos Vereadores e Prefeitos ver Anexo E.

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perfeita harmonia. Parece mesmo que a combinação “novo”-“velho” era a receita política

mais acertada. As duas principais lideranças do PR eram o Deputado José Esteves

Rodrigues e o Cel. Lopinho. Alfeu de Quadros, Milton Prates, Cel. Deba, Neco Santa

Maria e Domingos Lopes comandavam o PSD.

Mesmo o PTB, que poderia ser visto como “moderno”, não abriu mão da receita

coronelista. O partido foi dirigido por muito tempo por Domingos Lopes, Pedro Santos e

pelo advogado Álvaro Marcílio.

A UDN talvez seja o único partido dirigido apenas por “novos” líderes. Advogados

(Darcy Bessone, Alfredo Coutinho e Álvaro Marcílio), comerciantes como João Paculdino

Ferreira, e médicos, como Pedro Santos, revezaram-se no comando da sigla. No entanto, a

ausência do elemento tradicional tornou a legenda fraca como indicam o Anexo E e este

depoimento:

A política de baixo era dirigida pelos “coronéis” do PSD, a política de cima era dirigida também por um “coronel”, chamado Cel. Lopinho (João Lopes Martins), que dirigia o PR. Curiosamente, a UDN não se tornou um partido político em Montes Claros porque não teve nenhum “coronel” para dirigi-la, então a UDN aqui era nula, quase inexistente. 138

Outra demonstração da mistura de modernos e tradicionais são as múltiplas

mudanças de partidos dos mais diversos líderes. Simeão Ribeiro, por exemplo, disputou e

perdeu as eleições para a Prefeitura em 1947 pelo PSD, em 1954 pelo PR, partido pelo qual

elegeu-se Prefeito em 1958. Alfeu de Quadros elegeu-se Prefeito em 1947 pelo PR e em

1954 pelo PSD em aliança com a UDN. Em 1958 Alfeu apoiou Geraldo Athayde para

Prefeito pelo PSD em aliança com o PTB. Já o Vereador Hildeberto Freitas, o Deba, que

138 OLIVEIRA, Evelina Antunes Fernandes de. Nova cidade, velha política. Um estudo de poder sobre Montes Claros – MG. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1994 (dissertação de mestrado), p. 41. O texto é extraído da fala de um entrevistado cujo nome a autora não publica.

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exerceu três mandatos consecutivos de vereador, foi PR em 1947, PTN (Partido

Trabalhista Nacional) em 1951 e PSD em 1954.

A ligação coronéis modernos-coronéis tradicionais dava-se também em virtude das

ligações familiares. Simeão Ribeiro e Alfeu de Quadros, classificados como modernos,

exemplificam bem isso. O primeiro era filho do Cel. Luiz Pires e de Dona Maria Ribeiro

Pires. A família Ribeiro-Pires era uma das mais poderosos na política do Norte de Minas

desde o início do século.139 Simeão era sobrinho de Cel. Filomeno Ribeiro, seu modelo:

“Em suave recordação sinto volver o pensamento para o passado, na lembrança da figura

de meu tio Philomeno Ribeiro dos Santos. Atraindo-nos para a vida pública, para o íntimo

convívio com o povo nas suas lutas e sofrimentos e na vitória do povo, sentimos a

presença espiritual de seus ensinamentos em forma bem viva e marcante”, disse Simeão

em sua posse como Prefeito em 1959.140

Alfeu de Quadros foi uma das figuras centrais da política local ao longo de 20 anos.

De 1942 a 1945 ele foi prefeito nomeado. Venceu as eleições em 1947 e em 1954. Quadros

era médico, co-proprietário do Clinica Santa Terezinha. Entretanto, sua grande força

política era completada pela ligação familiar: ele era casado com Helena Prates, filha de

Camilo Prates, líder político regional do final do Império a 1930.141

Compreender a força da liderança, do personagem político, é, pois, indispensável à

elucidação das relações políticas do período em estudo. Mais significativo que os Partidos

ou qualquer ideologia, o que decidia as eleições e determinava a composição do poder,

eram as posições dos coronéis. A fragilidade dos partidos evidenciava-se nas constantes

mudanças de siglas, no surgimento de agremiações temporárias e desconhecidas como

139 PAULA, Hermes de. Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes. Montes Claros: Pongetti, 1979. 140 Montes Claros em Foco. Montes Claros, Junho-Julho de 1959, N. 11, p. 4.

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PTN, UPI e PL e nas múltiplas alianças (PSD + PTB + UDN + PRP em 1947, PSD + PR +

UDN + PTB em 1951, UDN + PSD em 1954, PSD + PTB em 1958 e PSD + UDN + PTB

em 1962) ao longo do período. Embora autores como Dulci e Oliveira 142 enfatizem o

papel dos Partidos em suas análises da política de Minas Gerais, caso do primeiro autor, e

de Montes Claros, estudado por Oliveira, as fontes estudadas pela presente pesquisa

apontam para outra direção: em Montes Claros a sigla servia apenas para cumprir uma

exigência legal. Mais importante que as coligações de partidos era a articulação dos chefes

políticos:

E assim, senhores, como os pequeninos riachos correm para os grandes rios e estes seguem em procura do oceano, também, em matéria política, reina a mesma lei de Harmonia, por quanto, cada agrupamento tem um guia e cada púgilo requer um líder, e sucessivamente até que tudo seja canalizado em fortes correntes a um grande chefe. 143

2.3 – A Teatralização dos Eventos Agora, época da votação era festa também. Era festa porque havia nos

cumercios todo aí na seção que a gente ia votar era, os políticos levava muita coisa prá lá, muita carne né, cumida, fazia aquelas tachada. Naquele tempo custava muito votar, tinha vez que entrava até pra noite, eu mesmo já cheguei votar duas horas da manhã, tinha muito e era, pegava aquela fila pra votar. Mais tinha aquele farturão também de cumida, era, cê chegava assim tava aquela tachada de carne com arroz lá pra dá cumida pro povo, né. O povo ia pra aquilo mesmo, pra votar pra eles, eles tinha aquele prazer também de dá bastante cumida pro povo né, era, parecia uma festa né. 144

141 Acerca da força da Família Prates ver também PAULA, Hermes de. Op. cit. 142 DULCI, Otávio Soares. Op. cit. OLIVEIRA, Evelina Antunes Fernandes de. Nova Cidade, Velha Política - um estudo de poder sobre Montes Claros - MG. Recife: UFPE, 1994. (Dissertação de Mestrado). 143 CARVALHO, Fanor. “A visita do Prefeito Municipal, Dr. Alpheu Gonçalves de Quadros, aos Distritos de Miralta, Mirabrela e Patis”. Gazeta do Norte. Montes Claros: 13 mai 1945. O discurso foi proferido em um comício no Distrito de Miralta na campanha presidencial de 1945. 144 Depoimento de Manoel Ribeiro da Silva, agricultor aposentado, em Montes Claros no dia 17/06/2000.

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As eleições eram uma festa. Era o coroamento de uma campanha eleitoral marcada

por eventos grandiosos, multidões reunidas, “shows” musicais, intensas discussões nos

bares, nas esquinas e nas Igrejas. Entretanto, além do período eleitoral, a realização de

festas, as encenações, a teatralização, fazia parte do cotidiano dos montesclarenses,

funcionando como um elemento solidificador das tradições políticas.

Para compreensão dessas práticas Georges Balandier é uma importante referência.

Para o autor, o recurso à dramatização, o uso dos cerimoniais, a produção de imagens e a

manipulação de símbolos são práticas contínuas do poder estabelecido. E este não se

sustenta apenas pela justificação racional ou pelo domínio imposto pela força. O

imaginário e o simbolismo lhes são essenciais. Desde as sociedades tribais, passando pelos

regimes absolutistas, democracias contemporâneas, ditaduras republicanas, regimes

socialistas, todo poder político “...obtém finalmente a subordinação por meio da

teatralidade ...”. 145

O recurso à teatralização ia de pequenos episódios, como o sepultamento de um

operário ou a comemoração do aniversário do Prefeito, até um grande evento, como a Festa

do Centenário analisada no capítulo I.

O “teatro político” tanto constrói relações de poder como se serve do poder já

existente para se realizar. Em 1940 o IBGE encetou uma vigorosa campanha de

esclarecimento pela imprensa, para convencer as pessoas a fornecerem informações aos

recenseadores. O último censo fora realizado em 1920 e havia um enorme receio popular

em relação à pesquisa. Após a campanha pelo Jornal, tiveram início as atividades

censitárias em Montes Claros com uma grande festa de inauguração da agência do IBGE,

com a presença de “representantes de todas as classes sociais”, conforme o Gazeta do

145 BALANDIER, Georges. O Poder em Cena. Brasília: Editora da UNB, 1982.

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Norte, e uma missa na Igreja Matriz. Finda a Missa, os funcionários do IBGE e os

recenseadores dirigiram-se à residência do Prefeito Antônio Teixeira de Carvalho para

efetuar o primeiro ato do censo na cidade. Além de ser uma homenagem ao Prefeito, como

disse o Gazeta, foi uma estratégia de divulgação do censo e para romper as resistências. O

próprio Departamento Estadual de Estatística já havia divulgado nota pela imprensa,

conclamando os prefeitos a apoiarem o censo que vinha enfrentando dificuldades. Para o

Departamento, era o Prefeito o “elemento radicado no município que administra, ligado

por parentesco ou amizade a famílias numerosas” que podia contribuir para vencer as

resistências, porque “basta às vezes, uma palavra sua para os temores desaparecerem.”146

Vê-se que as palavras e ações do Prefeito detinham expressiva influência sobre a

população local, transmitiam segurança, poderiam mesmo determinar decisões. Saliente-se,

por fim, o fato de que autoridades e pessoas comuns conheciam-se mutuamente e

conviviam em relações muito próximas e, por vezes, familiares.

Um palco importante dos teatros políticos era o Clube Montes Claros onde o

homenageado, normalmente o Prefeito ou um Deputado, desfilava sob uma chuva de

pétalas de rosas atiradas por um grupo de jovens. Assentava-se em meio às autoridades

presentes – políticos, líderes operários e militares – e era saudado por longos discursos. Na

realidade, no clube ocorria o coroamento do ritual que se desenvolvia ao longo do dia.

A comemoração do aniversário do prefeito Antônio Teixeira de Carvalho, em 1940,

começou com uma missa às 8:00 horas com “incalculável número de pessoas” presentes.

Os desportistas da cidade realizaram festivas partidas de voleybol ao longo da tarde e o

comércio cerrou suas portas às 15:00 horas. O prefeito recebeu várias visitas: às 13:00

horas foi visitado pelas professoras primárias da Prefeitura, às 15:00 pela Irmãs e alunas do

146 Gazeta do Norte. Montes Claros. 24 fev. 1940. P. 1

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Colégio Imaculada Conceição e às 18:00 por Comissão do Grupo Escolar Gonçalves

Chaves. À noite ocorreu o banquete no Clube Montes Claros com a “adesão de

representantes de todas as classes sociais ... o prefeito subiu as escadarias do club sob

uma chuva de flores atiradas pelas alunas do Ginásio Municipal.”147

Apesar de rotineiros e de ter muita repercussão na imprensa, esses eventos eram

elitizados. Por envolver mais a população, a visita de autoridades, as inaugurações e as

campanhas eleitorais eram mais eficientes e expressivos.

Além de inculcar valores, as encenações políticas tinham efeito “prático”,

claramente definido e perceptível, como se procurou estudar no caso do centenário. A

população e as pequenas lideranças eram conscientes disso e serviam-se também desse

instrumento.

O povoado de Santa Rosa de Lima desejava tornar-se distrito. Para tanto, precisava

do apoio da prefeitura. Em 1943, o Prefeito Alfeu de Quadros foi homenageado em sua

visita ao povoado. Foi recebido por um desfile de 100 cavaleiros, pelas crianças da escola

local e pela Banda Euterpe Montesclarense. Constou também das festividades a

inauguração da placa “Praça Alfeu de Quadros”, nome dado ao principal logradouro de

Santa Rosa.

Em 1945 Alfeu voltou a Santa Rosa de Lima. Estava se iniciando a campanha

presidencial, Quadros apoiava Gaspar Dutra para presidente. Em seu discurso, o líder local,

Agenor de Oliveira, disse que a outra visita, a de 1943, visou “unicamente a elevação do

nosso povoado a Distrito... Graças aos seus hercúleos esforços foram realizadas as nossas

147 Gazeta do Norte. Montes Claros, 06 jul. 1940, pp. 1 e 4.

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aspirações...estamos a dever esse inesquecível cometimento” e por isso “nosso apoio é

incondicional pela candidatura do eminente General Eurico Dutra...”148

Os comícios realizados na zona rural eram um ritual cuidadosamente montado. A

população aglomerava-se à espera da caravana do candidato. Este desfilava a cavalo,

margeado por dezenas de outros cavaleiros, da entrada até o centro do distrito, onde a

população o esperava. Ao longo do trajeto ouviam-se os gritos dos cavaleiros e o pipocar

de fogos. Era uma espécie de entronização. Chegando ao centro, o candidato era saudado

pela massa, pelos líderes locais e por crianças e professores que liam discursos elogiosos

ao visitante ilustre.

Após os discursos, a caravana hospedava-se na casa dos chefes políticos locais.

Esta prática parece que era comum a todos os candidatos e não se restringia apenas aos

períodos de campanha. O Prefeito Alfeu de Quadros (1942-1947, 1947-1951 e 1958)

sempre participava destas solenidades, quando de suas visitas à zona rural. Quando em

Santa Rosa de Lima, relatado anteriormente, ele hospedou-se na casa do Capitão Agenor

de Oliveira e de lá despachou recebendo“numerosas visitas tendo-se inteirado e

providenciado pela solução de numerosos problemas essenciais ao desenvolvimento

daquele distrito...”149

Também no espaço urbano a teatralização era costumeira. A posse do Prefeito

Enéas Mineiro, em 1951, é significativa. Como era do estilo do “Capitão Enéas”, os

eventos foram numerosos: na madrugada ocorreu alvorada; 8:00 horas, missa na Catedral;

após a missa, churrasco no pátio da algodoeira de sua propriedade; 13:00 horas,

lançamento da pedra fundamental do hospital do Círculo Operário de Montes Claros,

desfile de ciclistas e às 15:30 cerimônia cívica: posse na Prefeitura. Concluída a cerimônia

148 Gazeta do Norte. Montes Claros, 17 jun. 1945. pp. 1e 6.

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de transmissão do cargo, o empossado ofereceu-se para levar o ex-Prefeito Alfeu de

Quadros até a sua residência. “Em carro aberto sentaram-se os dois ilustres políticos,

formando-se extenso cortejo até a residência do Dr. Alfeu de Quadros... Um gesto

altamente simpático que despertou os maiores aplausos.”150 À noite ainda ocorreram um

banquete no auditório da Rádio ZYD-7 e um baile no clube dos bancários.

O interessante neste caso é o desfile dos dois inimigos políticos sob o aplauso da

multidão. Neste ponto reside um outro aspecto do teatro político. Como veremos adiante, a

violência fazia parte do cotidiano da população de Montes Claros e, por isso mesmo, era

também um elemento importante na política. Contudo, como mostra o episódio citado, os

grupos dominantes tinham uma certa “diplomacia” e um “código” de comportamento

seguido e respeitado nos momentos públicos, ritualizados, “cívicos”.

Assim, o momento do ritual político podia significar uma estratégia de um grupo

específico, mas também significava a oportunidade de afirmação do “modelo” dominante,

cujos valores eram comuns às elites.

As visitas de candidatos e governantes também eram marcadas pelas encenações.

Em 09 de junho de 1951 Montes Claros parou para receber o Governador Jucelino

Kubistchek. JK chegou às 12: 00 horas, sendo recebido pelas autoridades e pela “grande

multidão”. “Em carro aberto, foi S. Exa. conduzido até a cidade onde, da Praça de

Esportes á Praça Dr. Chaves, achavam-se postados os estabelecimentos de ensino da

cidade, associações esportivas etc que receberam o ilustre visitante com entusiásticas

aclamações e longas palmas.”151 Ao lado do Prefeito Enéas Mineiro, dos Deputados José

Esteves Rodrigues e Antônio Pimenta e do Secretário de Finanças, JK discursou para a

149 Gazeta do Norte. Montes Claros, 17 jun. 1945, p. 1 150 Gazeta do Norte. Montes Claros, 04 fev. 1951, pp. 1 e 4. 151 Gazeta do Norte. Montes Claros, 10 jun. 1951. P. 1

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multidão sob intensos aplausos. Eventos semelhantes ocorreram com a visita do

Governador Bias Fortes em 1958, quando foram inauguradas várias obras na cidade e

ocorreu a II Exposição Agropecuária de Montes Claros, aberta solenemente pelo

Governador.

A encenação também pode ser encontrada em pequenas atitudes. Em 1955, o

Prefeito em exercício, João Ferreira Pimenta, na primeira semana de seu mandato, visitou o

mercado municipal acompanhado por vários Vereadores para examinar as suas condições

de funcionamento e “entrar em contato com o povo”. Visitar o Mercado Municipal era

politicamente estratégico: um dos problemas que sempre ocupava as páginas dos jornais

era a insalubridade das bancas e dos produtos ali comercializados e o aumento constante de

preços. Segundo o Gazeta do Norte, a atitude de João Ferreira Pimenta foi recebida com

“enorme simpatia” pela população. Semanas depois o Gazeta voltava ao assunto e dizia

que a visita do Prefeito “já surtira efeitos salutares” na resolução dos problemas acima

referido. Pimenta inaugurou também as palestras radiofônicas em Montes Claros. Aos

domingos, a Radio Sociedade Norte de Minas levava ao ar a prestação de contas do

Prefeito à população pelo seus atos. 152

Outra forma de encenação eram as filiações. Em 1954, Simeão Ribeiro (ex-PSD)

filiou-se ao PR. O chefe do PR, João Lopes Martins, vulgo Coronel Lopinho, organizou

uma calorosa manifestação popular na Praça Dr. Carlos, uma das principais da cidade de

então (as outras duas praças centrais eram a Praça da Matriz e a Praça Coronel Ribeiro),

para saudar o novo perrista. Ao som de fogos e das músicas executadas pela banda da

152 As palestras radiofônicas parecem não ter prosseguido. Pelo menos a imprensa escrita, que saudou com entusiasmo seu início, não registra o prosseguimento das mesmas e/ou suas repercussões.

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União Operária 153, a “grande multidão” deslocou-se a pé até a casa de Simeão Ribeiro na

Avenida Cel. Prates (a casa de Simeão distava da praça Dr. Carlos cerca de 200 metros),

onde foram proferidos vários discursos. O ritual foi o primeiro ato da campanha municipal

de 1954 em que Simeão disputou a prefeitura pelo Partido Republicano contra Alfeu de

Quadros do PSD.

O teatro político atravessou décadas. Em 29 de dezembro de 1960, Montes Claros

parou de novo. Era o centenário de nascimento de Camilo Prates. Ele foi uma das mais

expressivas lideranças políticas de Montes Claros durante a Primeira República.154 Em

1940 ele faleceu aos 80 anos de idade. Camilo Prates sempre era apresentado pela

imprensa e políticos montesclarenses dos anos 40 e 50 como um modelo de cidadão e líder.

As comemorações do dia 29 de dezembro começaram pela manhã com uma Missa

e com o lançamento da pedra fundamental da herma de Camilo Prates, que seria construída

na Praça Dr. Carlos. À noite ocorreu uma sessão cívica no Colégio Imaculada Conceição,

com a presença das autoridades municipais, estudantes, populares e familiares do

homenageado. Na mesma sessão, as professoras do Colégio organizaram quadros

artísticos, apresentando “velhas modinhas de Montes Claros.” Todos os eventos foram

acompanhados pela banda de música da Polícia Militar. As comemorações estenderam-se

pelo mês de janeiro de 1960. O Rotary de Montes Claros e o Instituto Histórico de Minas

prestaram homenagens a Camilo Prates.

153 A União Operária de Montes Claros foi fundada em 1894. Em 1906 ocorreu uma divisão e uma ala fundou a Liga Operária Beneficente. Em 1928 a Liga mudou de nome passando a chamar-se União Operária e Patriótica de Montes Claros. A entidade desempenhava um trabalho beneficente, de assistência médico-odontológica aos associados e mantinha estreitas ligações com as lideranças políticas dos dois grupos políticos locais (PSD e PR). Sua banda sempre comparecia a eventos realizados por ambos os grupos políticos. De qualquer forma, sua presença neste ato pode ter servido como um registro da presença dos trabalhadores no mesmo. A União Operária será objeto de análise no capítulo III. Ainda a seu respeito ver anexo F. 154 PAULA, Hermes Augusto de. Op. Cit.

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O Gazeta do Norte deu intensa cobertura aos eventos e publicou os discursos

produzidos nas festividades:

Os belos aspectos da vida de Camilo Prates, cujo centenário se comemora com suave sentimento de afeto – são todos da intimidade da gente montesclarense. E sua conduta de homem público, ornada de virtudes, criou tradição em torno de sua personalidade. É já uma consagração que lhe enaltece o nome, provinda da estima pública a que fez jus o político de espírito nacionalista e de alta linha moral.155

Nesse raciocínio, Camilo Prates tornara-se uma legenda, um mito, estava acima das

facções políticas, tudo isso obra de suas virtudes pessoais. O caráter suprapartidário ou

apartidário nestas comemorações é, de fato, interessante. Neste caso específico, as

lideranças políticas mais expressivas compareceram às cerimônias. O então presidente da

Câmara, João Vale Maurício e o então Prefeito Simeão Ribeiro – ambos do PR e inimigos

políticos da família Prates, um dos pilares do PSD local – participaram ativamente da

homenagem a Camilo Prates.

O mais significativo do Centenário de Camilo Prates foi o discurso proferido pelo

médico e escritor Hermes de Paula, no dia do lançamento da pedra fundamental da herma

de Camilo Prates na Praça Dr. Carlos. O discurso é longo (ver Anexo G), traça o perfil do

homenageado, seus amigos e relata episódios marcantes de sua carreira política. Camilo

Prates foi, na Primeira República, um grande chefe político do “Partido de Baixo”156.

No decorre do discurso as práticas políticas do velho coronel vão se revelando de

forma entusiasmada. Diz o orador:

Era véspera de eleição ... sem querer a gente recitava a quadrinha popular e buliçosa, que constituía uma resposta e um aviso a certas ameaças veladas: ‘Olímpio Dias quando soube deu grito no terreiro; se matar Camilo Prates, morre gente o ano inteiro’...

155 PRATES, Milton. Gazeta do Norte. Montes Claros, 10 jan. 1960. P. 1 156 Nos tempos da Primeira República os grupos locais eram divididos entre Partido de Baixo e Partido de Cima A respeito da política da Primeira República ver PAULA, Hermes de. Op. cit.

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Agora, há um reboliço maior, chegam trezentos e tantos cavaleiros com violas e violões. Vem cantando e dando ‘vivas’ a Camilo Prates. Todos já esperavam por eles, vém do Mandacarú. São eleitores de Juca Souto – o Neco Santa Maria do passado...

Eu não fui eleitor de Camilo Prates, minha idade não me permitia. Mas, estava integrado no partido camilista, pois como muitos outros meninos de minha idade, fazia parte da ‘soldadesca de baixo’. E tive até o meu ‘batismo’, quando, em um encontro com a ‘soldadesca de cima’. No outro dia eu exibia, orgulhosamente, um grande hematoma na testa, sinal certo de luta.157

Se retirarmos do texto as quatro palavras “eleição”, “eleitores”, “eleitor” e

“partido”, o trecho encaixa-se de forma perfeita na narração de um combate militar, ou de

uma guerra civil. Parece ser esse o clima político em Montes Claros nas primeiras décadas

do século XX. Além da violência, vê-se que a teatralização dos eventos políticos era um

costume antigo.

É interessante que tal discurso tenha sido pronunciado em praça pública, sob

intensos aplausos e publicado na primeira página do Gazeta do Norte. Assim, evidencia-se

que o imaginário coronelista, usando a expressão de João Gualberto, era bastante sólido,

legítimo e atuante em Montes Claros. O próprio discurso de Paula deixa claro a

sobrevivência daqueles costumes políticos “antigos” na “atualidade” (1960). É

significativo que o discurso tenha sido escrito e proferido por Hermes de Paula, que era

considerado pela imprensa da época como um dos maiores intelectuais da região e uma

liderança moderna, de amplos conhecimentos acadêmicos. Isso corrobora a tese defendida

neste trabalho de que as práticas políticas dos “coronéis modernos” eram semelhantes,

senão iguais, às dos “coronéis antigos”.

Morte e política sempre tiveram um convívio muito próximo, servindo-se

mutuamente em Montes Claros.

157 PAULA, Hermes de. Gazeta do Norte. Montes Claros, 24 jan. 1960, p. 1

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“Deba não morreu”. Essa foi a manchete do Gazeta do Norte para anunciar o

falecimento do vereador Hildeberto Alves de Freitas, em 15 de Abril de 1962. Deba era

uma das principais lideranças políticas nas décadas de 1940 e 1950, um dos chefes do

PSD. Seu corpo foi recebido no Aeroporto (ele morreu em Belo Horizonte) por uma

“multidão”. Em parte do trajeto em direção ao cemitério, foi conduzido pela “mão do

povo”; a última viagem de Deba foi concluída de carro, seguida por pessoas de “todas as

classes sociais” e, por fim, “Ao baixar o corpo à sepultura, falaram, em comovidas

orações, o Dr. Robinson Crusoé Moura, Professor José Raimundo Neto.” Mas “com

Deba acontece o mesmo fenômeno de Getúlio. Como Getúlio, Deba continua presente em

Montes Claros... Ambos são uma mística. Jamais morrerão para o povo. Deba não

morreu.” E parece que não morreu mesmo, como discutiremos adiante, Deba é o mais

citado e respeitado coronel nos depoimentos populares.

A teatralização era, portanto, um elemento constitutivo das relações políticas em

Montes Claros. A relação do “coronel” com o eleitor, marcava-se por essas estratégias que

conferiam ao primeiro uma ascendência sobre o segundo e que reforçava a dominação.

Mas não era só isso, em conjunto com o imaginário do Salvador, com a força de suas

imagens, os “coronéis” executavam ações “práticas”.

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2.4 – Favores, Violência e Fraudes.

Conheci um chefe político que não dava tréguas: Carlos Leite. Terminado qualquer pleito, vencedor ou vencido, não descansava, não

se desvencilhava do eleitor, não o perdia nunca de vista, quer na convivência do campo, quer na cidade, dando-lhe assistência, ou amparo de qualquer natureza.

Quase não falava sobre política; ouvia muito e perguntava pouco. Vivia nos consultórios médicos, nos cartórios e delegacias, prefeituras

e coletorias, fórum e igrejas, sempre a serviço do eleitor.158

O coronel mantém sua hegemonia também pela sua capacidade de fazer favores159

– instrumento fundamental ao coronelismo. O favor e a troca permeavam todas as relações

– eleitor-coronel, coronel-coronel e coronel-poder público. Acoplado ao favor, os coronéis

lançavam mão da violência e da fraude.

Como intermediário entre o poder público e o eleitor, os “coronéis”

desempenhavam o papel central do sistema político municipal. Era ele o canal por onde os

recursos públicos chegavam à comunidade, ou aos indivíduos, e o “controlador” do destino

dos votos. Entretanto, longe de ser uma figura infalível e absoluta, o coronel era limitado

pelas exigências do seu eleitorado e pelas dificuldades de viabilização de recursos junto

aos poderes públicos. Era, pois, a múltipla dependência a marca característica desse

sistema.

Uma rede de compromissos mútuos envolvia todos os agentes da política. O favor

funcionava como a contrapartida do voto. As nomeações para cargos públicos – delegados,

158 TUPINAMBÁ, Sebastião. Gazeta do Norte. Montes Claros, 18 abr. 1954, p. 1. Carlos Leite, fazendeiro, era um dos líderes rurais do PSD. Em 1947 ele foi Prefeito nomeado pelo Interventor Estadual. 159 LEAL enfatiza que as atribuições dos coronéis são múltiplas e o não atendimento `as demandas dos seus eleitores é um sério risco de perda do controle sobre os votos. LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. São Paulo: Alfa -ômega, 1978.

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subdelegados, professoras e servidores da Prefeitura – são o exemplo mais acabado dessa

prática.

A dependência da população em relação às lideranças políticas, embora não fosse

total como se discutirá no capítulo III, era evidente. Parte da população local vivia em

verdadeira penúria. Era o poder particular do coronel, ou sua interferência junto ao poder

público, na maioria das vezes, a única forma de resolução dos problemas da comunidade.

O primeiro caso, o recurso à ajuda particular do chefe político, fazia parte do cotidiano das

pessoas. O depoimento de Manoel Rodrigues é, nesse aspecto, significativo:

Era, cê sabe aquela fome de comércio né, naquele tempo, aquilo era direto né, os pessoal passano pricisão, é tudo, uns cumia otros não, que naquele tempo num era brincadera não... Agora tinha os fazendero, os Fonseca lá, que morava lá pertim do comércio, a valença dos pobres lá era esse povo, os Fonseca, que eles tinha muitia vaca né. E cê sabe que o leite que eles tirava era só pra dispesa deles e pra dá pra os pobres. Dava aquela mininada, aquela mulecada, era cada cabaça desse tamanho. Aquilo era um fome, era uma fome disgramada, o povo passava pricisão. Tinha nego que ficava treis dia sem acender fogo dentro de casa.160

Quando a situação requeria a intervenção do poder público era através do “coronel”

que o recurso era obtido: abertura de estradas, instalação de escolas, patrocínio às viagens,

subvenção a entidades e associações. Esses favores recebidos cotidianamente pela

população era uma dívida contraída junto às lideranças. As eleições eram o momento

adequado para o “pagamento”.

Santa Rosa – Estrada de Rodagem. Graças aos esforços do inteligente fazendeiro invernista deste Distrito, Sr. Domingos Lopes da Silva, o exmo. Sr. Prefeito Dr. Antônio Teixeira de Carvalho operoso e digno Prefeito ... em breves dias mandará construir a nossa rodovia, que partirá do entroncamento da estrada carreira com a rodagem de Bela Vista ... construída pelos abastados fazendeiros e invernistas, srs. Ladislau Barbosa Braga, cap. Luiz da Silva Gusmão, João Ribeiro de Andrade, Francisco Carlons de Oliveira.161

160 Depoimento de Manoel Rodrigues da Silva, agricultor, vigia, aposentado, em Montes Claros no dia 16 de junho de 2000. 161 Gazeta do Norte. Montes Claros, 16 nov. 1940

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A carta era de autoria de um “correspondente” do jornal em Santa Rosa. O trecho

citado reflete alguns aspectos da política de favores: as limitações do poder público, a força

do poder privado e o papel do coronel como mediador entre Prefeitura e população.

O fazendeiro Domingos Lopes, juntamente com Hildeberto de Freitas e Neco Santa

Maria, era uma das maiores lideranças políticas do município, como se pode observar no

depoimento de senhor Osmar dos Reis.

(...) tocando lavoura e aí o que é que acontece, naquelas décadas de 52, 1953, aí veio aquela, é aquela, influência do algodão e aí eu fui rancar toco ...na fazenda do Cel. Dumingos Lopes, aí eu já fui tocá fazenda do Cel. Dumingo Lopes que era até meu cumpadre (...) naquela época um dos grandes políticos aqui de Montes Claros (...) e o, o Deba, né, finado Deba, que era o Hildeberto José de Freitas, pansudão, valente! , perigoso!, né, e o Neco Santamaria, esses três homem quasi que comandava a maiuria da força política de Montes Claros naquela época... Eu falo porque naquela região de Miralta esse Cel. Domingos Lopes foi o home que mai sirviu aquela comunidade ali, o que ce pricisasse com ele ele tava ali ... pricisasse de um advogado assim numa hora difíci ele vinha e punha, dinheiro emprestado, emprestava.... “(...) Deba, já era fazenda prá cá, mas tamém era a mesma coisa ...Esse Neco Santamaria ele comandava um comercim que tinha ali ni Santa Maria, pessoal ali de Miguelzim, depois de Migulezim por ali tinha um lugar chama Santa Maria, então lá tinha um comercio, um comercim, espécie de uma colônia, um patrimônio lá, e ele tinha uma fazenda em volta desse trem então ele dominva aquilo tudo ali, ce entedeu ? Ele era muito rico dominava aquilo tudo ali, mas o pessoal tinha essas coisa né.162

Em troca do favor, o voto:

Mais Dumingo Lopes foi um pulítico forte né, ele era coronel. Coronel é que

mandava né, era pulítico forte, quer dizer ele já era coronel, depois ele foi veriador, ganhou, sei que os primero voto que nós damo foi pra ele, na época né, eu tava com dezoito ano. Eu comecei votar, hoje eu to com 73, mais toda eleição que tem eu voto, custumei vota neste povo, a gente fica, como diz, puxando a sardinha deles né.163

162 Depoimento de Senhor Osmar dos Reis Lopes Ribeiro, agricultor, carpinteiro, aposentado, em Montes Claros dia 15 de junho de 2000. 163 Depoimento de Senhor Manoel Ribeiro da Silva, agricultor, aposentado, em Montes Claros dia 17 de junho de 2000.

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Domínio econômico, dependência, favores, compadrio e violência compunham o

receituário político. Os três coronéis citados aparecem praticamente em todos os

depoimentos coletados para este trabalho de forma semelhante. Seus candidatos venceram

praticamente todas as eleições – municipais, estaduais e federais - de 1947 a 1958.

Em1958, eles apoiaram Geraldo Athayde (PSD/PTB), que foi derrotado por Simeão

Ribeiro (PR/UDN).

O favor poderia ser prestado ou conseguido de múltiplas formas. Em 1951,o

Ferroviário Esporte Clube encontrava-se em vias de extinção por carência de recursos.

Solução encontrada: escolheu o Prefeito Enéas Mineiro como seu presidente de honra

prestando- lhe uma homenagem festiva. Em troca, o Prefeito ofertou ao clube Cr$ 3.000

para manter suas atividades. O caso foi publicado com entusiasmo na primeira página de O

Jornal de Montes Claros.

É significativo a legitimidade dessas relações. O favor não era feito às escondidas,

era a forma correta, normal do cotidiano e também da política. Nas campanhas eleitorais, a

distribuição de roupas, sapatos e alimentos à população era intensificada e feita de forma

pública: “Era época de eleição, que eles abriu uma loja lá, pa dá pano pro povo, pano e

calçado né.... Então tinha um estoque de butina véia, sapato véio, que tava já, pur que cê

sabe que quando cai de linha, aí es pegava e duava, comprava barata e duava, o povo da

roça tá nem aí, tinha butina tá bom né ? ...”

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Mas, “(...) o povo também era honesto, os políticos era honesto, ah..., os eleitor, se

o eleitor falasse com cê: ‘pode contá cum meu voto’, pudia contar com ele, otro num

dobrava não.”164

Na campanha municipal de 1951, o Prefeito Alfeu de Quadros e o seu candidato

Hermes de Paula, ambos médicos, faziam consultas e distribuíam medicamentos nos

comícios e o Gazeta do Norte publicava com alarde esses fatos.

No Distrito de Mirabela, “Terminados os discursos os Drs. Hermes de Paula e

Alfeu de Quadros atenderam a uma infinidade de doentes que ali se encontravam, dando-

lhes consultas e distribuindo medicamentos aos mais necessitados.” De Mirabela a

caravana seguiu para Patis e “antes do regresso da caravana a esta cidade, os drs. Hermes

de Paula e Alfeu de Quadros deram consultas a mais de uma centena de doentes que ali se

encontravam.”165

Essa prática era, pois, comum; jamais contestada e a população servia-se dela para

alcançar seus objetivos particulares ou coletivos. Mesmo nas mais agressivas campanhas

políticas ela não era questionada por qualquer liderança, entidade ou indivíduo.

Garantido o domínio sobre os votos, as lideranças políticas municipais tinham esse

“bem” a ser negociado com as instâncias superiores da política. Assim, o princípio da troca

marcava também a relação dos políticos locais com os Governos Estadual e Federal.

Embora a Constituição de 1946 tenha aumentado a parcela de autonomia dos

municípios, com a ampliação de suas receitas e a garantia da elegibilidade do executivo e

isso tenha provocado mudanças nas relações Município-Estado, como enfatiza Victor

164 Depoimento de Osmar dos Leis Lopes Ribeiro, agricultor, carpinteiro, aposentado,em Montes Claros no dia 15 de junho de 2000. 165 Gazeta do Norte. Montes Claros, 21 set. 1950, p.1.

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Nunes Leal166, o grau de dependência das Prefeituras em relação ao Governo Estadual era

ainda enorme:

Administrativamente, a cidade se via às voltas com um problema extremamente grave: as receitas financeiras que o município recebia, mal davam para manter a prefeitura em funcionamento e existia uma dependência quase umbilical dos governos, Federal e Estadual, para o repasse de verbas constitucionais destinadas aos municípios.167

Diante dessa situação, os líderes locais emprestavam apoio político – uso do seu

prestígio para conseguir votos – e cobravam liberação de recursos para obras específicas,

nomeações de protegidos e aliados.

A nomeação/demissão de funcionários públicos constituía numa das estratégias

eleitorais: era um meio de fazer alianças, arrebanhar votos e recompensar apoios.

Em 1945, o Governador Benedito Valadares “por indicação do Sr. Dr. Alfeu

Gonçalves de Quadros”168, nomeou novos juízes de paz, subdelegados e professoras. A

lista é grande. Destacam-se os casos de Gorgônio Mendes Cardoso, nomeado Juiz de Paz

em Miralta; Alvino Pereira de Souza para subdelegado e José Freire Alkmin para Juiz de

Paz, ambos em Patis. Os três nomeados eram os anfitriões do Prefeito Alfeu Quadros em

suas viagens à zona rural e seus companheiros de partido (PR em 1947, PSD em 1954) nas

disputas políticas.

Entre a queda de Benedito Valadares em 1945 e a posse de Milton Campos em

1947 Minas Gerais teve quatro Interventores Federais. A cada Interventor que assumia,

mudavam os delegados, subdelegados, escrivães de paz, professores e Prefeito em Montes

Claros. O município teve três Prefeitos no período - Alfeu Quadros, Demóstenes Rocket e

166 LEAL, Victor Nunes, op. cit. 167 GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Faces do Legislativo. Montes Claros: Sociedade Editorial Arapuim, 1997, p. 40. 168 Gazeta do Norte. Montes Claros, 14 jun. 1945. P. 1

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Carlos Leite – que, conforme os interesses de seu grupo, indicavam ao Interventor a lista

dos nomes a serem “premiados” com a nomeação ou demissão.169

O caso das nomeações de professoras é bem ilustrativo. Desde 1945, dezenas de

delas foram sendo nomeadas a cada novo interventor e a cada novo prefeito. Em julho de

1947, o Gazeta do Norte noticiava que o Grupo Escolar Gonçalves Chaves tinha 21

professoras para cinco classes, cujo número médio de alunos era cinco.

As nomeações não foram, entretanto, apenas um fenômeno de tempos de “exceção”

ou instabilidade, tratava-se de uma prática política de todo o período. Em 1956 o Deputado

Antônio Pimenta (PSD), montesclarense, fez um contundente discurso contra o

Governador Clóvis Salgado. O Deputado teceu vários elogios a Salgado pelos “grandes

benefícios” dispensados ao município, disse estar satisfeito com o “apoio administrativo”

do Governador, mas estava indignado com a distribuição dos cargos: “Nesse importante

setor da vida política, os correligionários do PSD foram inteiramente alijados, tendo sido

preteridos nos seus mais legítimos direitos”. Pimenta reclamava dad nomeações de

“perristas” para diversos cargos em Montes Claros:

O PSD de Montes Claros teve que suportar o ônus de uma orientação nitidamente facciosa ... devo enumerar as nomeações políticas em Montes Claros pelo Governador Clóvis Salgado, tendo recaído todas elas exclusivamente, em elementos de sua agremiação partidária170:

1 – Secretaria de Finanças. Coletoria Estadual. Promoção da funcionária Senhorita Argentina Dias ...preterindo Jayme Leite Vieira que exerce o cargo de auxiliar técnico há 19 anos ...

2- Dispensa sumária do funcionário Marcos Alves dos Santos e sua substituição pelo Sr. Rodrigo Sarmento, devendo-se salientar que dois outros

169 Foram dezenas de nomeações e demissões naquele período, publicadas no Gazeta do Norte nos seguintes dias: em 1946 dias 07/03, 28/03, 30/06, 01/09, 22/09, 21/11 e em 1947 dias 05/01, 19/01, 30/03, 20/04, 20/07, 23/10. 170 PR e PSD fizeram uma aliança política em 1951 para vencer as eleições para o Governo Estadual. Juscelino Kubitschek (PSD) teve como Vice Clóvis Salgado (PR) e, segundo o discurso do Deputado Pimenta, havia um acordo de repartir os cargos entre as duas siglas que não vinha sendo cumprido desde a saída de JK para disputar a presidência.

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funcionários, que haviam sido contratados pelo Governador JK tiveram seus atos cassados e substituídos por elementos de seu partido ...

A lista é enorme, inclui a demissão e admissão de novos funcionários do Fórum,

do Grupo Escolar D. João Pimenta e da Caixa Econômica Estadual, “todos ... retirados dos

quadros do PR, sem a mínima consideração ao PSD que é majoritário no município, com

prefeito, vice-prefeito e todas as autoridades eletivas pertencentes a sua legenda.”171

Destacam-se, neste caso, a legitimidade das nomeações políticas e o uso dos cargos

públicos como propriedades dos grupos políticos. O discurso foi proferido na Assembléia

Legislativa e publicado na primeira página do Gazeta do Norte. Percebe-se que o Deputado

Pimenta não questionava a prática da nomeação em si, sua indignação é por ver seus

aliados preteridos.

Outro exemplo expressivo do papel das nomeações nas composições políticas

encontra-se no acordo político que unificou o PSD local em 1954.

O PSD mineiro cindiu-se em duas alas em 1946 – Liberal e Ortodoxa. Em Montes

Claros os principais ortodoxos eram o industrial Plínio Ribeiro, o fazendeiro Filomeno

Ribeiro (falecido em 1951), o Vereador João Ferreira Pimenta, o Deputado Estadual

Antônio Pimenta e o engenheiro Simeão Ribeiro Pires. A ala liberal, dissidente, era

liderada por Alfeu de Quadros, Deputado Estadual Geraldo Athayde e Deputado Federal

Milton Prates.

A ala liberal (Alfeu Quadros) venceu as eleições de 1947, aliada ao PR. Em 1951

os pessedistas liberais lançaram Hermes de Paula para Prefeito. Os ortodoxos conseguiram

reunir UDN e PR em torno do “forasteiro” Enéas Mineiro, que acabou vitorioso.

171 Gazeta do Norte. Montes Claros, 12 fev. 1956. P. 1

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A primeira metade da década de 1950 foi, como vimos no capítulo I, um período

marcados por graves problemas em Montes Claros. O Governador JK condicionava a

realização de quaisquer obras na cidade à unificação da sigla. A reunificação era difícil,

mas necessária ao PSD, porque cada ala tinha seu candidato a Prefeito, a Deputado

Estadual e a Federal. Dividido, a derrota do PSD seria inevitável. Mas como conciliar

tantos interesses?

Juscelino Kubitscheck tinha a solução. O partido foi unificado para disputar as

eleições de 1954 nos seguintes termos: os liberais indicaram Alfeu Quadros para Prefeito,

os ortodoxos indicaram João Ferreira Pimenta para Vice, Plínio Ribeiro para Deputado

Federal e Antônio Pimenta para Estadual. Geraldo Athayde (liberal) candidatou-se a

Vereador e Milton Prates (liberal) foi nomeado representante de Minas Gerais no Conselho

Consultivo do Banco do Nordeste pelo Governador JK. Simeão Ribeiro (ortodoxo) não

abria mão de sua candidatura, por isso abandonou o PSD e disputou a eleição pelo PR.

O acordo foi bem-sucedido nas urnas, apoiados pelo governo estadual, todos

elegeram-se. Depois das eleições veio a segunda parte do pacto. Alfeu de Quadros

licenciou-se no primeiro dia de mandato em favor do Vice João Ferreira Pimenta, que

governou até 1957, quando o Presidente da Câmara Geraldo Athayde assumiu a chefia do

executivo local.

A última parte do acordo foi executada em 1958. O Distrito de Juramento, reduto

eleitoral de João Ferreira Pimenta, havia sido emanc ipado em 1953. Assim, sua renúncia à

Prefeitura de Montes Claros em 1957 o liberou para participar da eleições de 1958 em

Juramento, saindo vitorioso do embate eleitoral. Por sua vez, o PSD de Montes Claros

apoiou, de forma unânime, a Geraldo Athayde para Prefeito Municipal.

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Como vimos no capítulo I, a relação Município-Governo Estadual e Federal

também era marcada pelos favores e trocas. Na gestão do Presidente Juscelino Kubitscheck

ganhou destaque a atuação do jornalista José Carlos de Lima na intermediação de recursos

para Montes Claros. O jornalista, dado o amplo acesso a gabinetes de ministros,

Deputados, Senadores e com o próprio JK, tornou-se o “representante” do município em

Brasília. Desde pequenos benefícios, como verbas para entidades beneficentes, construção

de escolas e postos de saúde, até grandes empreitadas, como empréstimos para a

Associação Rural, construção de barragens, estradas e pavimentação, era José Carlos de

Lima quem “conseguia”. Até mesmo no processo de inclusão da região do Norte de Minas

na área de atuação da SUDENE, Lima foi importante:

Na primeira mensagem do presidente Juscelino Kubitscheck ao Congresso Nacional instituindo a SUDENE não constavam os Estados de Minas Gerais e Maranhão ... o jornalista José Carlos do Valle Lima, credenciado no Congresso e cunhado de João Alencar Athayde (presidente da Associação Rural de Montes Claros), preparou a emenda número 1 ao projeto SUDENE, que foi apresentada por José Bonifácio de Andrade, deputado de Minas ... Negocia-se com os deputados nordestinos a inclusão por etapas: inicialmente a região só participaria do rateio de verbas, sem direito a incentivos fiscais, o que daria tempo ao Nordeste para se adiantar na captação dos incentivos e investir em infra-estrutura industrial. Mas as negociações favoráveis a SUDENE se aceleram e entre a aprovação da lei de criação do órgão e do primeiro Plano Diretor ... passam-se apenas três meses e, nos termos desta Segunda mensagem do Presidente da República, o Norte de Minas já consta como membro do Conselho Deliberativo da SUDENE. O empenho do jornalista é retribuído com o cargo de representante de Minas neste Conselho nos governos Magalhães Pinto, Rondon Pacheco e Aureliano Chaves.172

Outros dois elementos compunham os fatores determinantes do mando coronelista

em Montes Claros: a violência e as fraudes eleitorais.

A violência sempre foi ocultada ou dissimulada pela imprensa. Entretanto, ela fazia

parte do cotidiano da população e também da política. As pessoas andavam armadas –

172 OLIVEIRA, Evelina Antunes Fernandes de. Op. cit. p. 66

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facas, canivetes e revólveres – no dia-a-dia: “Dava uma noite de São João cê vi o sujeito

meter a mão dentro, tirava o revolver, tá, tá, atirava pra cima. Era normal, muito natural,

sabe?173 “Andava, aí o pessoal andava com revólver, otros com garrucha, facão, andava

com arma na cintura, faca ... ia nas festa lá, quando era ali, de madrugadinha, tirava esse

revólver atirava pra cima, era tirotero...”174

A violência era uma tradição na política local. Como já foi visto no capítulo I, a

cidade era conhecida nacionalmente como palco de lutas armadas, “terra de cangaceiros”.

Na campanha eleitoral de 1947, dado o clima de completa insegurança, os chefes

políticos locais fizeram um acordo, suspendendo a campanha para evitar conflitos:

Os abaixo assinados, expressando o pensamento dos partidos políticos

locais que representam, considerando a exaltação de ânimo existente e desejando manter a calma necessária para que as eleições do dia vinte e três (23) transcorra com o brilho cívico que os nossos foros de civilização exigem e ainda não expor a nossa população a situações trágicas, vêm se comprometer a tudo fazerem no sentido de impedir violências de qualquer sorte, e considerando mais, que possa ter havido quaisquer insultos de parte a parte, concordam considerar os possíveis insultos como inexistentes e mais ainda que, de agora em diante, não seja feita qualquer propaganda em boletins, comícios, radio e jornais.

Em nome dos respectivos partidos os abaixo assinados recomendam aos seus amigos e correligionários a máxima calma e respeito a todos os adversários.

Montes Claros, 19 de novembro de 1947. aa) Philomeno Ribeiro dos Santos – Presidente do Diretório do PSD João Lopes Martins – Presidente do Diretório do PR Domingos Lopes da Silva – Presidente do Diretório do PSD – I Álvaro Marcílio – Presidente do Diretório da UDN Argentino Roque da Silva – Presidente do Diretório do PTB Armênio Veloso – Presidente do Diretório do PRP.175

173 Depoimento de José Santos, seleiro aposentado, em Montes Claros no dia 16 de junho de 2000. 174 Depoimento de Manoel Ribeiro da Silva, agricultor aposentado, em Montes Claros no dia 17 de junho de 2000. 175 Gazeta do Norte. Montes Claros, 23 nov. 1947, p. 1.

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Segundo a imprensa, aquelas eleições foram tranqüilas: parece que o “pacto dos

coronéis” de Montes Claros foi bem sucedido. Entretanto, a própria necessidade e

existência do acordo denuncia o clima de hostilidade reinante na política local.

A subordinação da polícia ao grupo no poder, a ação dos coronéis acima da lei eram

comuns, conforme os depoimentos dos moradores:

Teve um crime aqui pro lado de Mirabela e es viero aqui pa resolve esse poblema e num tava podeno resolver porque o crime lá era do lado desses home, cê entenderu? e aí o que acontece es foi buscar um delegado em Belo Horizonte para resolver esse problema aí, um juiz lá, forte lá, diferente, quando ele chegou aqui e começou executar o negoço, invistigar e executar, o Neco, o Deba, o Dumingo Lopes, presente defendeno o negoço lá e ele quereno condenar, cê entedeu? Mas o crime lá era do lado deles, aí eu sei que vai prá lá, discute pra cá, é hoje, amanha de novo, acho que depois de uns sete dias que es tava mexendo com esse trem, numa reunião aí diz que o delegado, esse, acho era juiz naquela época né, falô assim, falô assim: ‘é, Montes Claros é famoso, a fama de Montes Claros corre longe, aqui é duro’, aí diz que viro pru Neco Santamaria, que o Neco tava discutino nervoso, ele era homão forte, ‘é seu Neco, diz que o senhor aqui é pinta brava né’, e aí diz que ele viro pru delegado e levantô assim: ‘pinta brava não eu sô é mancha, eu so mancha brava’, quer dizer que pinta é miudinha e mancha é grande e o delegado, o, falo assim, ó tiau e bença (...) o delegado falo assim ó vô embora que pode acontece um coisa pior comigo (...) cês fica com cês mesmo aí que é da turmona aí, cês se vira, e casco fora, isso é daquelas década de 50, 50 e poco, tá? então era assim o delegado tinha que chega e saber controla a coisa, se quisesse faze bobage, quisesse pisar, num, cê entendeu como é né ?176

Na fala de Sr. Osmar, o delegado (ou juiz) é impotente diante do poder dos coronéis

Deba, Neco e Domingos Lopes, além disso, vê-se que a “fama” de Montes Claros

extrapolava os contornos do município.

Mas não eram só os coronés de tipo “tradicional” que abusavam do seu poder

pessoal: Esses custume foi mudano. No tempo de Dr. Afreu tinha os cabo eleitoral, eu não

vô falar quem era porque pode ofender alguém, mas tinha os cabo eleitoral que fazia as

176 Depoimento de Osmar dos Reis Lopes Ribeiro, agricultor, carpinteiro, aposentado, em Montes Claros no dia 15 de junho de 2000.

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coisa fiado nas costas de Dr. Alfreu, fazia e tava feito que era cabo eleitoral de Dr. Alfreu

né?, fazia e tava feito.177

O controle sobre a força militar era também necessário à política de favores:

Aquele finado Debra... Era um home que, ele Neco Santamaria esse

povo né, esse povo que na época que se a pessoa fazia um crime antes da polícia vim atrás deles eles corria lá, botava eles do portão pra dentro: ‘é fica aqui que a polícia num vem não’. Depois que passava aquele portãozinho pro lado de dentro da residência dele cabou. Eles num entrava não... Eles botava nas fazenda deles pra trabalhar, levava pra lá: ‘é cê vai ficar aí tantos anos’. Pessoa saía de lá se um parente num discontasse aquilo... Preso num ia não, nunca.178

A prática era comum entre os políticos da época, fossem eles coronéis “modernos”

ou “tradicionais”, mesmo porque eles atuavam juntos como se pode ver neste trecho do

livro de memórias da Câmara Municipal:

Hélio Leal Tupinambá ... se viu numa situação constrangedora.... O negro Cornélio, um robusto criolo, que nos dias normais costumava pastorear gado e cultivar a terra, se envolvera numa briga de cabaré, e na iminência de ser preso, deu uma ‘pisa’ em dois atrevidos soldados, que só conseguiram subjugá-lo, com a providencial chegada do reforço policial. No dia seguinte ... Hélio... acabou chegando na Delegacia.

Do outro lado da mesa, um esbravejante delegado ... : - esse sujeito não sai daqui, nem com o pedido do Papa, e é melhor se retirar, pois senão, vai sobrar também para o Senhor !

Dodô (apelido de Hélio), que sabia perfeitamente a falta que o Cornélio lhe fazia na lida quotidiana da roça, retrocedeu, e como bom mineiro, foi procurar o seu recurso. Chegando até Hildeberto Alves de Freitas, o ‘Deba’, um dos ‘coronéis’ do PDS (sic), esse o levou ao Dr. Alpheu Gonçalves de Quadros, Prefeito á época, e Dodô pode contar com detalhes o seu problema. Depois de ouvir, Dr. Alpheu tomou de um bloco de receituário, e nele mesmo, fez o que seria o ‘alvará de soltura’ do Cornélio. Quando chegou na delegacia e entregou o bilhete, o delegado, lívido, ‘espumando’ de raiva e engolindo em seco, ordenou:

- Chico Mangabeira, solta o negão!179

177 Depoimento de José Santos, seleiro aposentado, em Montes Claros, no dia 16 de junho de 2000. 178 Depoimento do Senhor Francisco Vieira de Silva, aposentado, em Montes Claros, no dia 23 de junho de 2000. 179 GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Op. cit. p. 408.

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Quanto às fraudes, embora não existam “provas”, há fortes indícios de que elas

também eram praticadas. A explícita subordinação de policiais militares e delegados aos

coronéis leva-nos a crer que o mesmo, certamente em menor intensidade, pode ter ocorrido

em relação a Justiça Eleitoral.

A lei eleitoral era burlada, por exemplo, pelo voto dos analfabetos. Estes só

conquistaram o direito ao voto pela Constituição de 1988, mas já votavam em Montes

Claros há 50 anos, conforme depoimento do Sr. João Barbosa: “... eu num cheguei estudar

não. Eu assino o nome, não eu num leio não, assim arguma coisa, argum nome.” Mas,

“Eu votava. Pra Deba, Neco também nunca votei não. Simeão eu votei pra ele. Votei

também pra o finado Capitão Enéas, votei nele também. Dr. Pedro também, votei nele.”180

Dona Augusta Maria também era analfabeta e votava: “Esse negoço de leitura a

gente num tinha direito de istudar, era só trabaiar, hoje em dia me faz muita falta esse

negoço, num tinha tempo pra estudar tamém não. Eu aprendi, faço mal mal o nome... Ele

era bom prefeito. Eu votei foi nele, Simeão Ribero, Mario Ribero.181

A lei eleitoral exigia que o eleitor fosse alfabetizado e, para evitar aqueles que

apenas “fazem o nome”, exigia o preenchimento do formulário de alistamento pelo próprio

eleitor. Mas, pelo jeito, essa lei não era cumprida em Montes Claros.

O senhor Osmar dos Reis relata um caso concreto de fraude eleitoral envolvendo

políticos, policiais e autoridades judiciais:

Eu já votei, sabe cume que eu votei, naquele tempo, é igual eu tô te falano, Domingo Lopes, Neco, Deba, eles fazia a coisa da manera que es quiria, então naquela época lá em Miralta nós era uma turma de 14 anos de idade, até que meu pai ainda era vivo, aí eles reuniro lá um grupo de políticos aí foro lá, e lá

180 Depoimento de João Barbosa Ribeiro, ex-funcionário da Central do Brasil, aposentado, em Montes Claros, no dia 20 de junho de 2000. 181 Depoimento de Augusta Maria de Jesus, lavadeira aposentada, em Montes Claros no dia 19 de junho de 2000.

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tinha um juiz lá’, um juiz e um escrivão chamado Pedro Ferreira Antunes e o Juiz de Paz era o, o Vicente Ruas, né, então o que que eles fizeram, eles aumentaro a idade nossa, nós era uma bando lá, nós era lá assim uns doze, tudo assim duma época, tudo faixa de catorze, quinze ano de idade, inclusive minha esposa, e outros mais, aí passou, pôs nós tudo com 18 anos. Oia, vai lá no Cartório de Miralta procura o livro de registro, que eu tenho dois registro lá, eu tenho um registro de nascimento meu que esse de 31, de 30 de setembro de 1931 e tenho um registro lá numa otra página lá, de 28, se, como se eu tivesse nascido in 28, es aumentaro a idade nossa, porque naquele tempo es pudia fazê, os título num tina retrato, era um talão assim ó, sem retrato, né, só tinha o nome, e pusero nos nosso 18 anos.

O ex-prefeito Simeão Ribeiro Pires também diz-se prejudicado pelas

“irregularidades” das eleições:

Eu, na história de Montes Claros, fui candidato três vezes: a primeira, na redemocratização, ganhei na cidade, mas na zona rural, era o chamado mandiocal, vinha o chefe político, que detinha poder de polícia, tinha o poder de tudo; não é desculpa de derrotado na ocasião, mas havia muitas irregularidades. 182

Simeão não menciona quais seriam as irregularidades, mas parece convicto de que

elas existiram e eram praticadas pelos coronéis do PSD, seus adversários. De qualquer

forma seu depoimento evidencia a extensão do poder dos chefes políticos que, segundo ele,

era o “poder de tudo”, possivelmente sobre a justiça eleitoral também.

Vimos nesse capítulo o caráter multiforme das fontes do poder dos coronéis: a

construção e divulgação de mitos, a teatralização dos eventos políticos grandiosos e

cotidianos, as relações de troca, os favores pessoais e coletivos, a violência e a fraude.

Estas estratégias políticas eram comuns a todas as lideranças. E embora algumas fossem

mais acentuadas em alguns casos, percebe-se que as elites políticas de Montes Claros,

fossem rurais ou urbanas, independente de partido, apesar das acirradas campanhas locais,

182 PIRES, Simeão Ribeiro. In: OLIVEIRA, Evelina Antunes Fernandes de. Op. cit. pp. 43-44.

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tinham os mesmos princípios políticos, utilizavam-se dos mesmos recursos e viam a

população como incapaz de se expressar politicamente de forma autônoma.

Contudo, o domínio das elites, assentado nessas relações de dependência, tinha

limites. Os coronéis não dominavam uma população ignorante e totalmente passiva: da

troca do voto pelo favor até a revolta e o protesto público enérgico, a população participou

ativamente da política local, ora resistindo, ora concordando, negando ou assimilando o

discurso dominante. É o que se verá no capítulo III.

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Capítulo III: As estratégias populares de participação política

3.1 – A Relatividade da Dependência

Ao lado das imagens de um povo trabalhador e honesto, as elites de Montes Claros

viam o povo como incapaz, limitado, ignorante e, por isso, passível de dominação. A

combinação dos dois conjuntos de imagens – as positivas e as negativas – faziam parte da

estratégia de hegemonia política praticada pelas lideranças: à população era confiada as

atividades simples, braçais, que não exigem esforço intelectual; e à classe política as

atividades nobres como a gerência, a administração, a liderança.

A difusão dessas imagens não ocorria de maneira uniforme. As positivas eram

amplamente divulgadas pelos jornais e revistas. A visão negativa do povo aparecia ora nos

discursos, que exaltavam o papel das lideranças, ora em documentos produzidos pelas

entidades ou articulistas dos jornais.

“Somente um povo que possui qualidades inatas de bondade e a fibra

inquebrantável do sertanejo, poderá avançar sempre... crescendo gigantescamente num

esforço admirável de tenacidade e de coragem... uma cidade que possui um povo

civilizado e laborioso, povo que não teme o trabalho, que não desanima... Isto é Montes

Claros.”183 A passagem é de autoria de José Monteiro Fonseca, escrita no primeiro

número da Revista Montes Claros em Foco. Fonseca foi um dos diretores dos dois jornais

da época, Gazeta do Norte e O Jornal de Montes Claros, e era inspetor federal de ensino

na região. Era um intérprete autêntico do pensamento das elites locais.

183 FONSECA, José Monteiro. “Montes Claros por Fora e por Dentro”. Revista Montes Claros em Foco. Montes Claros: agosto de 1956, n. 1. p. 12.

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A coragem e a fibra do sertanejo são canalizados, no discurso hegemônico, para o

trabalho dentro da ordem: “Eu te saúdo, Montes Claros querida... pelo índice de cultura de

teu povo, ordeiro e trabalhador, generoso e acolhedor”184, dizia o Deputado Estadual

Teófilo Pires (PR) por ocasião do Centenário da Cidade em 1957.

Já vimos no segundo capítulo como a sacralização da instância do político reduzia o

papel da população na relação política, ao reservar as atividades de liderança para pessoas

“aptas” para tal, seja pela competência técnica, seja pela “obra do destino”, que talhava as

pessoas desde o nascimento para a “condução das massas”. A idéia central da sacralização

é que o povo é incapaz, carente da tutela de alguém. Aqui vamos retomar essa discussão e

confrontá- la com o pensamento da própria população.

Quando não trabalha, o povo é uma “doença”, uma ‘chaga”185. Quando trabalha, é

corajoso e ordeiro, mas também ignorante e incapaz: “Montes Claros é cidade de

sertanejos e como sabeis, o sertanejo antes de tudo é ignorante, pouco conversador, muito

honrado e muito sincero.”186 A passagem citada, uma adaptação grosseira da conhecida

frase de Euclides da Cunha em Os Sertões – “O sertanejo é antes de tudo um forte” – é de

autoria do médico João Valle Maurício, Vereador nos anos 50 e o primeiro reitor (1965-

1977) da Fundação Norte Mineira de Ensino Superior – FUNM – instituição da qual a

Universidade Es tadual de Montes Claros - UNIMONTES - é sucedânea.

Como “ignorante”, o sertanejo é, portanto, incapaz de se expressar politicamente

como se vê nesse artigo de Zé Pereira no Gazeta do Norte:

Meu candidato, o General Dutra, está eleito... Aquela propaganda em prol do Brigadeiro, sistemática, inteligente e tão bem orientada não deu resultado... No Brasil as propagandas políticas não dão resultado: nunca

184 PIRES, Teófilo. “Saudação à Cidade Centenária”. Revista Montes Claros em Foco. Montes Claros, julho de 1957, n.4, p. 16. 185 As expressões “chaga” e “doença” são utilizadas por padres, lideranças políticas e articulistas para referir-se a categorias como mendigos, desempregados e pessoas sem casas que viviam nas ruas de Montes Claros. 186 MAURÍCIO, João Valle. O Jornal de Montes Claros. Montes Claros, 05 set. 1951, p.1.

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deram. Foi assim na campanha civilista de Ruy Barbosa; repete-se agora com Eduardo Gomes.

É que as idéias não penetram nas massas...Entre nós a propagação das idéias, boas ou más, tem de vencer o peso morto da inércia: as distâncias que separam as populações e a ignorância das massas. Como solução de emergência poderiam substituir o sufrágio universal pelo senso alto, a eleição indireta... Assim como está, não pode... Não é possível que o voto de um Getúlio Vargas ou Wenceslau Braz; de um Bernardes ou Melo Viana se equipare ou se anule pelo voto encabrestado de um destes papudos do Rio Verde.187

Outro articulista do Gazeta do Norte, Sebastião Tupinambá, relata, em 1947, como

ensinou um eleitor analfabeto a burlar a lei e a votar. Segundo o autor, o Senhor Israel

Rodrigues, um morador das margens do Rio São Lamberto, repetiu exaustivamente a

assinatura de seu nome até conseguir rabiscar “Rael Roiz”, abreviatura por ele,

Tupinambá, sugerida para facilitar a vida de Senhor Israel na hora do alistamento. Israel

votou: “...tive a leviandade de perguntar-lhe em quem tinha votado. – ‘Uai votei ni sô

Carlo.’ A criatura de Deus, ignorava o direito de escolher e eleger alguém, não sabia o

ome de quem estava entregando pela soberania do voto os destinos de seu país.”188

O caso relatado por Sebastião Tupinambá pode até ser fictício, mas é muito

representativo. Os dois artigos tanto revelam as imagens que as elites tinham da população

como demonstra de que forma essas imagens eram divulgadas com o intuito de torná- las

cada vez mais sólidas e assim perpetuar o sistema de dominação política.

Se o povo é incapaz de se expressar politicamente, do ponto de vista econômico

também ele precisa ser dirigido e, por conseqüência, explorado. O fazendeiro Antônio

Teixeira, um dos expoentes principais da Sociedade Rural de Montes Claros escrevia com

regularidade para o Gazeta do Norte acerca dos projetos e programas dos Governos

Federal e Estadual. Em 1951 ele analisava as propostas de reforma agrária refutando-as,

187 PEREIRA, Zé. “Eleições”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 16 dez. 1945, p.1.

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ora com argumentos “técnicos”, ora com argumentos sociais e políticos, não conseguindo

esconder, no entanto, a explícita oposição entre os interesses dos grandes fazendeiros e os

interesses dos partidários da reforma. Segundo a articulista, o problema do campo não era

falta de terras e sim a deficiência dos transportes, a escassez de mão de obra e a

desorganização da política de preços. Teixeira apontava também para o risco da reforma

agrária provocar a diminuição de “braços na grande lavoura”. O pecuarista, a certa altura

do artigo, irrita-se com a possibilidade de serem entregues a dezenas de pessoas pequenos

glebas de terras e, então, aparece a sua noção de quem seriam os trabalhadores do Norte de

Minas: “Não bastam para administrar, mesmo para uma pequena gleba, dois braços

robustos, é preciso um pouco de crânio: iniciativa. E é infelizmente o que falta, de um

modo geral ao nosso homem do campo. Habituado a ser mandado, atrofiou-se-lhe a

faculdade de dirigir.”

Teixeira prossegue negando a eficiência produtiva da pequena propriedade e,

embora admita o atraso e a inadequação das técnicas da agricultura no país, defende as

relações econômicas e de poder forjadas pela estrutura rural: “Nos mais remotos rincões

rurais, observa-se um bosquejo de organização: há a divisão do trabalho e a

especialização de funções. Existe uma hierarquia de autoridade – que é uma contingência

humana e está longe de ser a apregoada exploração do homem pelo homem.”

No texto de Antônio Teixeira os trabalhadores rurais são desprovidos de

“iniciativa”, não possuem nenhuma capacidade de direção autônoma. Ora, a um grupo de

pessoas desse tipo o melhor que pode existir são pessoas dispostas a guiá- las, orientá- las,

fazer por elas o que lhes é impossível sozinhas. O autor diz que os homens do campo estão

“habituados a serem mandados” e por isso perderam a “faculdade de dirigir”. É

188 TUPINAMBÁ, Sebastião. “Israel, o eleitor.” Gazeta do Norte. Montes Claros, 23 jan. 1947, p. 1.

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interessante esse trecho porque nele se reconhece o caráter social-histórico da

“bestialização” dos trabalhadores. No entanto, em seguida, o articulista diz que a

organização rural – na qual foi dado ao trabalhador um papel subalterno – realmente existe,

mas é uma hierarquia de autoridade necessária e, de forma alguma, significa “exploração

do homem pelo homem”.

Uma vez negada a exploração, fica implícita a idéia de que os “homens do campo”

– maioria absoluta da população do município - são mesmo inferiores, limitados e,

portanto, dependentes dos grandes fazendeiros e do ponto de vista político, passíveis da

tutela do coronel – seu amigo, protetor e orientador.

Além do Jornal e dos pecuaristas, os vereadores compartilhavam do imaginário da

operosidade e da inferioridade da população – já vimos que para o vereador João Valle

Maurício “o sertanejo antes de tudo é ignorante”. Nos projetos e ofícios dos vereadores vê-

se os mesmos adjetivos usados para referir-se à população.

Em um requerimento não assinado de 1948, era solicitada a iluminação do Bairro

Bonfim: “Senhor Presidente: Habita o Bairro Bonfim, uma população numerosa,

trabalhadora e ordeira, que muito tem contribuído para o progresso material de nossa

terra. Não me parece justo que esses nossos patrícios, centena dos quais sufragaram

nossos nomes, para que aqui defendêssemos os seus direitos e aspirações, continuem

privados do conforto elementar da iluminação elétrica.”189

É notório que o autor do requerimento reconhece o direito ao “conforto” da energia

elétrica, mas antes disso três idéias estão presentes no texto: o povo trabalhador e ordeiro, a

retribuição ao voto e o fato dessa população contribuir para o “progresso material”. Trata-

se na verdade de idéias associadas e complementares: o povo trabalha, comporta-se de

189 Pasta de Amostragem documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1948.

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forma ordeira, cont ribui para o progresso material e entrega às lideranças as atividades

políticas e administrativas, dependendo delas para a realização de suas reivindicações.

As mesmas idéias estão presentes no requerimento do vereador Pedro Martins

Sant’ana em 1955: “O Bairro Santo Expedito, Sr. Presidente, é um local desta cidade que

promete grande desenvolvimento para Montes Claros e é habitado por inúmeras famílias

ordeiras e laboriosas e, portanto, merece a atenção do poder competente para os seus

problemas.”190

Para a Associação Comercial e Industrial de Montes Claros – ACI – o povo

também é limitado e ignorante e, por isso, é preciso ter cuidado com ele, protegê- lo.

Quando foi discutida a instalação de um posto de combustíveis na Praça Dr. Carlos

Versiani191, a ACI posicionou-se contra o mesmo sob o argumento de que “alegam nossos

associados, principalmente os estabelecidos e residentes na referida praça e ruas

adjacentes, ser um atentado contra a segurança pública (a instalação do posto), dado o

perigo que oferece por se tratar de logradouro dos mais movimentados da cidade,

freqüentado como o é por crianças inocentes, empregadas domésticas ignorantes e

descuidadas, e, finalmente por elementos de toda espécie...”192

A convergência dos dois conjuntos de imagens – as “positivas”: povo corajoso,

trabalhador, ordeiro; e as “negativas”: povo ignorante, incapaz, sem iniciativa – resulta na

concepção de que a população era, para as elites (ou como elas queriam fazer crer),

dependente do ponto de vista intelectual, econômico e político.

190 SANT’ANA, Pedro Martins. Pasta de Amostragem documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1955. 191 Em 1952 a cidade foi envolvida numa enorme polêmica: um empresário solicitava do Prefeito Enéas Mineiro de Souza – uma autorização para instalar um posto de combustíveis na Praça Dr. Carlos Versiani, umas principais da cidade. O Projeto foi exaustivamente debatido na Câmara e terminou aprovado. 192 RAMOS, Antônio Loureiro (presidente) e VIEIRA, Air Lelis. (1º secretário). Pasta de Amostragem documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1952.

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Por todas as discussões desenvolvidas até aqui neste trabalho percebe-se que, de

fato, havia uma dependência da população em relação às elites políticas e econômicas. Não

se trata, pois, de negá- la neste momento. Ao inverso, trata-se de problematizá- la. Até que

ponto esta população era “ignorante” e sem iniciativa? Quais os limites do comportamento

“ordeiro” da população? Essa população dependente e dominada entregava “de graça” os

destinos do município às lideranças?

Quando analisamos os documentos produzidos pelos movimentos populares ou os

depoimentos, verificamos que o discurso das elites nem sempre tinha correspondência no

pensamento das pessoas. Longe de ignorante e dócil, o “sertanejo” é consciente de seus

problemas, dos seus exploradores e dos caminhos que poderá percorrer para sobreviver e

mesmo participar das atividades políticas.

Saliente-se que, para viabilizar seus projetos políticos as elites precisavam,

inevitavelmente, do voto da população. Sendo este fato fundamental para que se

compreenda o caráter relativo e recíproco da dependência.

De posse do direito ao voto e conscientes desse instrumento, as pessoas o podiam

utilizar como mecanismo de pressão, de obtenção de favores, de participação política.

Participação essa que está longe de ser cidadã, mas também que revela um papel ativo do

eleitor no processo político.

As pessoas distinguiam com clareza as lideranças políticas que as representavam, e

dentro da cultura do favor pessoal, condenavam ou aprovavam conforme o tratamento

recebido individualmente ou do seu pequeno grupo.

A lavadeira Augusta Maria de Jesus, analfabeta e mãe de quatorze filhos, tem o ex-

Prefeito Antônio Teixeira de Carvalho, vulgo Dr. Santos, como um modelo de político

porque “ele era um home que tanto ele era bom na Prefeitura, quanto ele era bom no

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consultório dele. Ele nunca deixou um pessoa chegar no consultório dele atrás de um

remédio ou de uma consulta que voltasse sem ele, nunca deixou... É por isso que as pessoa

gostava.” No entanto, Dona Augusta tem pavor de Juscelino Kubsticheck:

Aquele num prestava nem pra matá de pedra, ave Maria. Aquilo era ruim, mais era ruim mermo. Nessa ocasião meu marido trabaiava na Central, num era só meu marido não, era todo mundo que trabaiava na Central, passou cinco mês sem vê um tustão, ele só com esse dinheiro, comeno esse dinheiro pra fazê essa nova Capital pra lá e era comeno e agente só, num ficava cum fome que tinha o armazém né, que furnicia né, pra gente, mais dinheiro, cinco mês sem saí dinheiro. Quando começou saí, saiu o pagamento, ia pagano de pouco a pouco. Ta fazeno essa, essa Capital lá, e aí agora que o povo sofreu mermo. O povo ficava, um roga pra São Nonato, um fala, otro fala, até que ele ixpludiu mermo. Era demais moço, era uma revolta danada. 193

Para outros entrevistados, JK foi um extraordinário Presidente e o fato de, durante o

seu mandato, ter construído a nova capital, constitui um motivo a mais para engrandecê- lo.

No entanto, para Dona Augusta, JK simboliza o desrespeito ao trabalhador e a crueldade; a

construção de Brasília não tem nada de romântico, pelo contrário, é “culpada” pela miséria

a que foi submetida sua família.

Situação semelhante é relatada por Ana Dias Lima194. Ela também reprova JK por

ter lhe negado um emprego: “Juscelino ... que na época que ele tava aí escrivi uma carta

pra ele pedino emprego aqui e tal ele me arrespondeu dizeno que num cogitava emprego

aqui, era só mesmo prus que já tava trabaiano, num sei contá nada de bom pra ele não.”

Mas Getúlio Vargas “foi o melhor presidente ... até hoje o direito que funcionário

tem, o trabaiador, o operário tem, muita lei foi dexada por ele, o Getúlio Vargas foi um

ótimo presidente”, diz o ex-funcionário da Central do Brasil, João Barbosa Ribeiro,

satisfeito com os benefícios das leis trabalhistas.

193 Depoimento de Augusta Maria de Jesus, lavadeira aposentada, em Montes Claros no dia 19 de junho de 2000. 194 Depoimento de Ana Dias Lima, aposentada, em Montes Claros no dia 20 de junho de 2000.

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Nas ações coletivas também a população demonstra seus interesses e suas

estratégias de ação política. Nos documentos enviados à Câmara Municipal as entidades

operárias elogiavam os vereadores e o prefeito, mas eram enfáticas ao apresentar suas

reivindicações: as entidades apresentavam-se como representantes da “classe mais

explorada e indefesa”, ou como representantes das “razões do povo” que são “soberanas e

decisivas”. Os estudantes, ora organizados pelo DEMC – Diretório dos Estudantes de

Montes Claros -, ora não organizados, empreendiam movimentos enérgicos. Como vimos

no capítulo I, eles realizaram vigorosos protestos contra o governador Kubstichek no início

da década de 1950 e quase depredaram o Cine Coronel Ribeiro, em 1959, pelo fato deste

desconsiderar as carteirinhas do DEMC.

O movimento das mulheres contra a carestia também foi uma explícita

demonstração de recusa ao discurso dominante. A Associação das Donas de Casa de

Montes Claros conseguiu mobilizar a população contra a elevação constante de preços na

cidade em 1959 e exerceu forte pressão sobre a Câmara e Prefeitura municipais pela

ampliação do serviço de armazéns públicos em Montes Claros.

Vê-se que em ambos os casos – as ações individuais e as coletivas – a população

apresentava-se consciente de sua condição de explorado e não assistiu passivamente às

ações das elites. As noções das elites de que o povo é ignorante, sem iniciativa e “bem

comportado” parecem perder força diante da consciência de uma lavadeira que quer “matar

à pedra o presidente”, de operários que se reconhecem como “explorados”, de donas de

casa que fazem passeatas e de estudantes que ameaçam depredar cinema.

Aos protestos populares, as elites precisavam responder com ações efetivas haja

vista a necessidade de se “manter a ordem” e também o eleitorado. A população tinha

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consciência do caráter mútuo dessa relação de dependência e utilizou-se das estratégias que

lhes foram possíveis para atingir seus objetivos.

3.2 – Estratégias de sobrevivência e ação política A relação estabelecida entre eleitor e liderança marcava-se pelo binômio

subordinação-dominação. Entretanto, esta relação é dinâmica, constrói-se no cotidiano de

dominadores e subalternos, é modificada e reinventada à medida que as circunstâncias o

exigem. Há, pois, um confronto de interesses e um papel ativo desempenhado por ambos

os sujeitos do processo.

O primeiro caso a discutir é como as pessoas agiam individualmente para atingir

seus objetivos. A análise dessas ações revela uma confusão entre as esferas públicas e

privadas, a prática do favor como inerente à política, como seu elemento constitutivo

fundamental. Como vem sendo discutido neste capítulo, o eleitor, embora subordinado,

desempenhava um papel ativo na relação política e apesar das elites construírem e

divulgarem as imagens de um povo ignorante e incapaz, verifica-se que tal discurso não

era assimilado no todo, ou sofria a oposição de um contra-discurso materializado na prática

dos indivíduos.

Os eleitores tinham consciência de suas escolhas políticas (não necessariamente

livres), também iam além da retribuição ao favor, podiam até mesmo enganar o coronel,

seu amigo, protetor e candidato:

Eu mi lembro uma vez (...)era época de eleição, que eles abriu uma loja lá, pa dá pano pro povo, pano e calçado né, aí, o dono da loja lá era meu cunhado, (...) mas dava aqueles panim ruim, aqueles xadrez, aqueles panim mais ruim, entendeu? Aí teve um dia (...) cheguei lá, (...) bateno papo e ele tava midino pano e dano um muncado de muié que foi lá pegá. Eu peguei falei com ele assim, que é meu cunhado e cumpade né, (...), falei ó, o negócio é o seguinte,

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eu nunca exigi nada pra votá, eu acumpunho Dumingo Lopes, esse povo aí, a gente falava acompanhá, né, cumpanheiro, ispontanea vontade, é, livre vontade, pur que es é meu amigo, quando eu priciso de um cavalo eu vo lá e es me dá, quando eu priciso de um carro de boi pra carriar, um trem es me impresta, então, né, eu priciso de uma madera eu vô lá, eu to pricisano de uma madera assim, assim, ‘ah entra aí no mato caça aí’, então, gente ajuda. Pur que se for pra eu dá meu voto em troco desse panim ruim esse é que eu compro uai, esse eu compro pronto, vo lá e compro, então no caso se for pra mim ganha alguma coisa, eu queria ganhá um coisa que eu num posso comprá, que ganhá um trem que eu já tive, usando, e posso comprá, né, num é interessante não, agora se for pra eu ganha uma coisa que eu num tenho condição de comprar, aí interesso. Esses pano, só dá esses pano, aí tinha uma pia de pano daqueles tricolino, tricolino fino mesmo, ninguém tirava, tava lá cheio, ninguém tirava. Aí quando aquele pessoal saiu, deu certo que uma hora isvaziô lá, ele falo cumigo assim: escolhe um, escolhe uma, esse tricolino, escolhe aí. Ah bom, esse aí eu aceito, pois eu quero aquele ali, puxô lá, tiro dois metro e meio. Eu passei a mão nesse trem (...) mamãe muito boa costureira ( ...) falei ó mamãe um pano que aqui pra senhora fazê uma camisa boa pra mim (...).195

O depoimento do Senhor Osmar Reis é significativo. Em primeiro lugar, está claro

que sua vida cotidiana é marcada pela dependência em relação aos vizinhos fazendeiros

com quem travava relações de favor. Esse mesmo fazendeiro que o “ajuda”, é seu amigo e

“companheiro”. Ora, nada mais justo e correto, na visão do Senhor Osmar, que votar no

seu “companheiro” Domingos Lopes e isso é feito de forma “livre e espontânea”. Ninguém

o obrigou a votar em um nome específico, foi um ato “livre” de pressões, esse voto foi

conquistado no dia-a-dia, em relações de trabalho, vizinhança e amizade. Contudo, mesmo

reconhecendo os “méritos” de seu candidato, respeitando-o, sendo seu amigo, o eleitor o

engana, “passa-o para trás”. Utiliza-se da prática adotada pelo chefe político de distribuir

objetos de baixa qualidade às pessoas em ano de eleição – prática essa normal e que parece

complementar os favores prestados ao longo de todos os anos – para obter um bem mais

valioso e, isso, através de outro favor: a intermediação de seu compadre e cunhado. O ato

legitima a ação contraditória de doação/compra do voto e, por esse mecanismo, a perpetua.

195 Depoimento de Osmar Reis Lopes Ribeiro, agricultor, carpinteiro, aposentado, em Montes Claros no dia

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Ao mesmo tempo, coloca-a em questionamento, estabelecendo medidas de valor na troca

de mercadorias, ao dar ao voto esta categoria. De qualquer forma, ao aceitar o favor, o

eleitor compactua com a prática, instituindo-a, servindo-se dela para a satisfação de

necessidades imediatas.

Quando os indivíduos apelavam para o poder público, o favor era novamente o

mecanismo pelo qual esperavam realizar o seu pedido. Entretanto, dificilmente as pessoas

se dirigiam diretamente ao Prefeito Municipal. Entre este e elas interpunha-se o Vereador,

ou outra liderança influente.

O mesmo Osmar relata que os moradores dos distritos rurais, particularmente

Miralta, onde ele residia, construíam eles mesmos várias obras públicas, mas quando se

tratava de serviços maiores, que careciam da ação da Prefeitura, eles iam até os coronéis e

estes “Coronel Dumingos Lopes, o Deba mesmo, esses grande, político, vinha e cobrava,

apertava o pescoço do Prefeito daquele época, as vez pra fazê uma estrada”.

Por ser o político com cargo eletivo mais próximo do eleitor, eram os vereadores os

intermediários freqüentes das reivindicações. A eles eram dirigidos os mais diversos

pedidos.

Exemplo disso encontramos na carta do senhor Benedito Gomes de Macedo à

Câmara Municipal em 1948. Ele alega ter sido funcionário público municipal entre os anos

de 1906 e 1935, nomeado para diversas atividades (Escrivão de Paz, “fiscal-procurador”,

porteiro) pelos mais diversos líderes políticos que estiveram à frente da Câmara e da

Prefeitura naquele período. O missivista diz ter sido exonerado “sem causa justificada” em

1935 pelo então Prefeito José Antônio Saraiva. Embora o “currículo” de Senhor Benedito

o “autorizasse” a reclamar seus direitos ao poder público, o conteúdo de sua carta é

15 de Junho de 2000.

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emotivo, chega a ser patético: “...sou um dos homens mais conhecidos, um dos mais

pobres e um dos mais velhos desta cidade, pois, já completei 80 anos e acho-me sem

recursos para o meu sustento e de minha pobre velha doente e acho-me cego em situação

de completa miséria !”. Após relatar suas condições de vida e suas atividades como

funcionário municipal, o Senhor Benedito apresenta seu pedido: “... uma ajuda de custo,

para que eu e minha pobre velha possamos viver os poucos dias que nos restam, mais

tranqüilos” e, por fim, diz está “confiado no elevado espírito de justiça e caridade de Vs.

Excias, como legítimos representantes do povo deste município, espero ser atendido.”196

O vocabulário e a forma como escreve o Senhor Benedito demons tra que, de fato,

ele conhecia as formalidades dos documentos públicos e sabia também como funcionavam

as decisões políticas. Ele foi admitido e manteve-se como funcionário municipal sempre

através do favor, por meio das múltiplas nomeações. Assim, apelou o Senhor Benedito

para o “espírito de justiça e caridade” dos vereadores. Embora pareça ter consciência de

seu direito à “ajuda de custo”, ele é consciente também de que a moeda política é o favor.

Não bastava a justiça, era fundamental a caridade e, por isso, a carta apela para a

sensibilidade dos vereadores, não para a aplicação da lei ou do direito. A Comissão de

Finanças e Justiça da Câmara julgou o assunto de competência do Executivo e o remeteu

ao Prefeito Alfeu de Gonçalves de Quadros.

O apelo à caridade é também o argumento central utilizado pelo preso da cadeia

local, João Maurício dos Santos. Ele pretendia ser transferido para a cadeia de Neves e

para tanto carecia que “alguém arranjasse a transferência” e não tendo como “pagar um

advogado” para encaminhar o processo, apelou para o presidente da Câmara Municipal,

196 MACEDO, Bendito Gomes de. Pasta de Amostragem documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1948.

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Vereador João Valle Maurício, para “me fazer uma caridade com um auxílio”. O edil não

teve dúvidas: encaminhou um ofício ao juiz de direito solicitando a transferência.197

Em ambos os casos, os indivíduos, Benedito e João Maurício, a partir da própria

lógica das ações dos grupos dominantes, elaboram estratégias e argumentos para a

resolução de seus problemas pessoais. Vê-se que as fronteiras entre o público e o privado

mostram-se diluídas. Além da fusão do primeiro com o segundo no cotidiano de lideranças

e população, o privado também projeta-se no público como forma de sobrevivência.

Os vereadores Hildeberto Alves de Freitas e Pedro Santos foram os intermediários

dos moradores do povoado de Caraíbas (município de Montes Claros) para a instalação de

uma escola municipal. É curiosa a forma como se expressam os autores das

correspondências dirigidas aos vereadores:

Dr. Pedro Santos Saudações. O fim desta é dizer ao Snr. como Veriador para nos arranjar uma escola nas Caraibinha, por que tem uns 50 meninos a cima, é arretirado do comerço 3 légua e é um peçoal tudo fraco que não pode mudar para os comerço por os filhos nas escolas, então peço aos snr. como amigo para tomar providência neste assunto Do amigo as orde Olympio Rodrigues Camêlo.198

A carta de Sr. Olympio é escrita a mão, seu linguajar é coloquial, familiar. É um

bilhete dirigido a um amigo Vereador que, por sua influência e caridade, pode “arranjar” a

escola. É notória a maneira persona lizada como se dá essa relação entre a população e o

poder público, a idéia subjacente à correspondência é a do favor pessoal. Contudo, é

significativo também que o indivíduo se sinta no direito de escrever ao Vereador e

197 Pasta de Amostragem Documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1961. 198 CAMÊLO, Olympio Rodrigues. Projeto-Lei nº 15: Escolas rurais de Clarinha e Caraíbas. Vereador Pedro Santos, 1948.

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reivindicar dele o benefício. O projeto de instalação da escola foi aprovado pela Câmara

Municipal, em 31 de agosto de 1948.

As ações coletivas parecem mais bem elaboradas e organizadas. Um dos seus

recursos era o abaixo-assinado. Esta foi uma estratégia muito utilizada ao longo de todo o

período pesquisado. Para uma cidade – espaço urbano - de cerca de 20 mil pessoas e com

elevado índice de analfabetismo 199, a constante elaboração de listas de assinaturas com

centenas de nomes, e mesmo milhares, como ocorreu no movimento das donas de casa, é

bastante significativo.

Quando precisavam de qualquer serviço público, os moradores apelavam para o

Vereador mais próximo, com correspondências acompanhadas de centenas de assinaturas.

Parece que a quantidade de nomes constante nas listas era uma espécie de termômetro da

indignação da população, uma vez que os Vereadores sempre discutiam asperamente a

quantidade de assinaturas presente nos documentos, seja para depreciá- los, seja para

valorizá-los.

Em 1956, os moradores do Bairro Vila Guilhermina, um bairro periférico, enviaram

um abaixo-assinado com 107 assinaturas ao Vereador Cândido Simões Canela:

Ilmo Exmo. Snr. Cândido Simões Canela. DD. Vereador á Câmara Municipal de M. Claros. Respeitosos cumprimentos. Nós abaixo assinados, residentes a Vila Guilhermina, viemos muito respeitosamente solicitar a Vsa. se digne cientificar a administração municipal, o estado deplorável em que permanece a mais de um ano, a ponte localizada no final da Rua Dr. Veloso, ligando a Cidade e referida Vila.

199 A população urbana de Montes Claros era de 15.316 pessoas em 1940, 21.243 em 1950 e 43.097 em 1960 conforme os Censos Demográficos de 1940 e o Anuário Estatístico de 1980. Da população urbana em1950 apenas 50.64% sabiam ler e escrever segundo a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. RJ: IBGE, 1959.

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Para que Vsa. tenha nitidez do que pedimos anotamos as seguintes irregularidades sobre a ponte que é demasiadamente estreita, sem corrimão de um lado, esburacada (...)situada numa curva e sem iluminação. Certos de que Vsa. prestigiará na medida do possível o nosso apelo agradecemos antecipadamente. Montes Claros, 14 de Novembro de 1956.200

Trata-se de um documento diferente da carta do Senhor Olympio Rodrigues. Aqui a

reivindicação é bem mais elaborada, o tom é agressivo, os moradores utilizam argumentos

mais racionais para justificar suas reclamações e criticam a demora na resolução do

problema – “o estágio deplorável em que permanece a mais de ano”. O abaixo-assinado foi

encabeçado por Zeferino Oliveira Guedes que, em agosto de 1957, voltou a escrever

reivindicando benefícios para o seu bairro. Guedes diz que a Vila Guilhermina não tem

água encanada, iluminação elétrica, nem esgoto. Entretanto, o tema central de sua carta,

agora escrita através do Jornal Gazeta do Norte201, são os reparos na velha ponte – objeto

do abaixo-assinado de 1956 – que permanecia precária, oferecendo riscos à população.

Guedes repete o tom agressivo do documento anterior, diz que o bairro foi abandonado

porque é habitado por “operários das mãos calosas e os sofredores da lavoura”, mas tece

abundantes elogios ao então Prefeito Geraldo Athayde pelas obras do centenário. Como

veremos adiante, essa oscilação entre uma postura agressiva e uma atitude de aceitação e

complacência foi uma constante nas reivindicações populares, parece mesmo que era um

elemento constitutivo das suas estratégias de ação.

Viu-se neste item o caráter dinâmico da relação de subordinação-dominação travada

entre as elites e a população montesclarenses. Depreende-se dos casos discutidos o papel

ativo desempenhado por ambos os pólos desta relação. As ações populares não conseguiam

romper com a hegemonia das elites econômicas, não tinham força para tanto, nem

200 Pasta de Amostragem Documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1956.

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demonstram pretendê-lo. Mas percebe-se que esta hegemonia não era exercida sem

percalços ou limites. Servimo-nos aqui da noção de hegemonia de Williams para quem

“Uma hegemonia vivida é sempre um processo. Não é, exceto analiticamente, um sistema

ou uma estrutura. É um complexo realizado de experiências, relações e atividades, com

pressões e limites específicos e mutáveis. (...) Tem de ser renovada continuamente,

recriada, defendida e modificada. Também sofre uma resistência continuada, limitada,

alterada, desafiada (...).”202

Destaca-se no pensamento do autor a necessidade da experiência concreta para que a

hegemonia se confirme. É exatamente nesta prática que reside as ações de dominador e

dominado, num processo contínuo de inter-relação.

No caso em discussão, Montes Claros, vê-se que a hegemonia exercida sofreu as

pressões opostas que lhe forçaram rápidos movimentos de reestruturação, ou pequenas

concessões para sobreviver. Entretanto, a oposição sofrida não era capaz, e nem queria,

romper com o sistema dominante. Como salienta Williams, a força do pensamento e

cultura hegemônicos, ao mesmo tempo que é combatida, é também compartilhada, porque

hegemonia constitui “um senso da realidade para a maioria das pessoas na sociedade, um

senso de realidade absoluta, porque experimentada, e além da qual é muito difícil para a

maioria dos membros da sociedade movimentar-se, na maioria das áreas de sua vida.”203

O indivíduo encontra-se, pois, “aprisionado” pelos valores dominantes, cuja

estrutura é sólida e para a qual ele, apesar de contestar ou exigir reformulações, ajuda a

sustentar e, na medida em que resiste dentro da ordem, confere-lhe legitimidade.

201 GUEDES, Zeferino Oliveira. Gazeta do Norte. Montes Claros, 08 ago. 1957, p. 5. 202 WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zaar, 1979, p.115. 203 WILLIAMS, Raymond. Op. cit. p. 113.

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A análise das estratégias de sobrevivência e ação política procurou compreender a

presença efetiva da população nos processos políticos para tornar possível o próprio

entendimento do sistema de dominação econômica e política que, embora fosse (e seja)

vigoroso, não existiu sem oposição, porque “...qualquer hegemonia (...), embora por

definição seja sempre dominante, jamais será total ou exclusiva. (...) qualquer processo

hegemônico deve ser especialmente alerta às alternativas e oposição que lhe questionam

ou ameaçam o domínio.”204

3.3 – Entre a aceitação e a negação do poder vigente

Ao longo do período pesquisado a população comportou-se oscilando momentos de

assimilação do discurso dominante e instantes de negação deste discurso ou construção de

um contra-discurso.

No primeiro caso, percebe-se sua participação efetiva na troca de favores com as

lideranças políticas e com o poder público municipal; e no segundo, a mesma entidade tece

críticas `as lideranças, condena algumas de suas atitudes e apresenta suas reivindicações.

Trata-se, na realidade de um movimento contínuo de crítica e aplauso, uma estratégia de

reconhecimento e reivindicação. Esse procedimento é perceptível no trabalho desenvolvido

por entidades como a União Operária, o DEMC, a Associação das Donas de Casas e

sindicatos diversos.

A União Operária de Montes Claros foi fundada em 1894. Em 1906 ocorreu uma

divisão e uma ala fundou a Liga Operária Beneficente. Em 1928 a Liga mudou de nome

passando a chamar-se União Operária e Patriótica de Montes Claros. “ ‘Deus, União e

204 WILLIAMS, Raymond. Op. cit. p. 116.

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Trabalho’. É este o lema da ‘União Operária e Patriótica de Montes Claros’. Entidade

civil e filantrópica, fundada em nossa terra, em 1894, por um grupo de homens idealistas e

dotados de elevado espírito altruístico.” A frase é de Sebastiana Osório, em reportagem

para a revista Montes Claros em Foco em seu primeiro número, em agosto 1956. A

finalidade da matéria era, segunda sua autora, expor ao público os fins e princípios da

entidade (ver no anexo F a declaração de princípios da União Operária).

Coerente com o slogan “Deus, União e Trabalho”, a entidade tem fins

“filantrópicos” e “altruístas”. Dentre os objetivos listados destacam-se a “proteção social”,

o “auxílio jurídico, médico, farmacêutico, dentário e material”. Para realizar seus fins, a

entidade firmava-se nos seguintes princípios:

1º) – A doutrina moral do Evangelho de Cristo, o respeito mútuo, amor e harmonia entre os homens. 2º) – Repúdio à luta sistemática e violenta de classes. 3º) – A fórmula de Toniolo: O trabalho cada vez mais dominante, a natureza cada vez mais dominada, o capital cada vez mais proporcionado. 4º) – A necessidade da intervenção moderada do Estado na questão social no sentido de controlar e regular o justo salário, a justa produção e o justo preço. 5º) – Conserva-se acima e fora da política partidária.205

O caráter beneficente e assistencialista da União Operária está explícito. A

preocupação com questões como tratamento médico-odontológico é retomada na seqüência

da reportagem, quando a autora lista os benefícios conquistados pela “atual” diretoria: 50%

de descontos em consultas médicas, 50% em serviços jurídicos e 30% em serviços

odontológicos.

A “doutrina moral do Evangelho de Cristo, a harmonia entre os homens, o repúdio

a luta de classes e a distância em relação aos partidos políticos”, princípios propugnados

pela entidade, poderiam sugerir, à primeira vista, completa apatia política. No entanto, não

205 OSÓRIO, Sebastiana. Revista Montes Claros em Foco. Montes Claros, agosto de 1956, n. 1, p. 40.

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é este o comportamento da União Operária: com a força de representar cerca de 800

associados206, ela esteve presente em quase todos os embates políticos travados no

município no período pesquisado.

A União Operária era estreitamente vinculada aos grupos políticos hegemônicos de

Montes Claros. Em seus eventos – particularmente o “1º de maio” – Prefeito, Vereadores e

Deputados de diversos partidos discursavam e eram homenageados. Apesar de dizer-se

fora da luta partidária, a entidade apoiou em 1947 o candidato a Vereador José Xavier

Guimarães (UDN). Guimarães não foi eleito. Já em 1951, ele chegou à Câmara Municipal,

desta vez pelo PTB, como “representante dos operários”.

Como vimos no capítulo I, a União Operária teve participação ativa nas

reivindicações feitas ao governador JK no início da década de 1950. A proximidade com as

elites, entretanto, não significava completa colaboração. Em festa comemorativa do “Dia

do Trabalho” em 1948, no cine Cel. Ribeiro, com a presença de várias autoridades locais,

um dos diretores da entidade, Argentino Roque da Silva, pronunciou um enérgico discurso

em nome dos “indigentes e desamparados”, acusando a “situação crítica dos trabalhadores

no mundo inteiro”, condenando os patrões que vêem os operários como “simples

máquina”, rechaçando as propostas “aproveitadoras” dos fascistas e comunistas” e, por

fim, exigindo o “amparo social para os trabalhadores pelo poder público”. 207 Além da

presença das autoridades, note-se que o evento foi realizado no Cine Coronel Ribeiro,

propriedade da Família Ribeiro, uma das tradicionais forças políticas do município como

foi visto no capítulo II. Percebe-se, pois, que a entidade está próxima ao patrão, está

206OSÓRIO, Sebastiana. Op. cit.. É possível que a matéria tenha superdimensionado o peso da União Operária, mas este número – 800 – é uma referência muito constante em outras matérias e textos de Jornal ou da Câmara Municipal. 207 SILVA, Argentino Roque da. “Dia do Trabalho”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 02 maio de 1948, p.1

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disposta a colaborar, bate palmas para as lideranças mas, em contrapartida, exige

“tratamento humano” dos patrões e “amparo” do poder público.

Em 1955 a entidade participou ativamente dos debates em torno do projeto de

aumento dos impostos municipais, posicionando-se contra o mesmo. Nas correspondências

à Câmara Municipal, a entidade protestava:

esta entidade, que congrega o corpo operário desta cidade, classe que vem sofrendo (...) toda série de sofrimentos, com o horrível custo de vida que estamos atravessando, sem haver contudo qualquer compensação da receita, vem à presença de V. Excia. manifestar a estranheza com que a classe operária recebeu a notícia de aumento de tributos.

Como V. Excia. e os demais componentes dessa Câmara não desconhecem por certo, a classe trabalhadora não suporta presentemente novos ônus, por ser de angústia a situação em que se acha (...) Suas receitas não têm se aumentado de forma alguma, enquanto que suas despesas, em franco paradoxo, vêm subindo toda semana, atingindo o mínimo indispensável à sua sobrevivência (...)

Somos a classe mais explorada e indefesa, visto que, enquanto as classes conservadoras e as liberais se defendem dos aumentos, subindo os preços de sua produção, de suas mercadorias e dos seus serviços, as classes operárias, empregados e funcionários não têm meios para proceder da mesma forma, em virtude de sua dependência econômica como assalariados que são.

Para nós, a situação é calamitosa e não sabemos para quem iremos apelar. No mercado, somos explorados tremendamente pelos famosos atravessadores, contra os quais essa Câmara tem combatido energicamente (...)

A Força e Luz veio agora com umas tarifas absurdas, francamente proibitivas à bolsa do operário.

No tocante à Saúde Pública, operários e suas famílias morrem freqüentemente à mingua, por não poderem comprar remédios (...)

As medidas dos estabelecimentos comerciais, açougues etc. não são auferidas e o pobre é roubado vergonhosamente com as diferenças de pesagem e medidas, sem que a autoridade a quem compete corrigir tais abusos tome qualquer providência.

Dos ricos, os infratores não tentam roubar, receosos de providências policiais, escândalos e outras reações. O operário é sempre a vítima indefesa.

Dessa forma, Sr. Presidente, é lamentável que o Sr. Prefeito procure aumentar impostos (...) como todos o sabemos, que estes aumentos recaem no consumidor (...)

Com estas considerações, Sr. Presidente, a classe operária confia no elevado senso de compreensão dos dignos componentes dessa edilidade, conhecedoras como são da situação aflitiva em que vivemos (...) Respeitosas saudações

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União Operária e Patriótica de Montes Claros Donato Dias de Oliveira Presidente.208

O texto de Oliveira denuncia um quadro sombrio da cidade no ano de 1955: carestia,

saúde pública deficiente, fraudes nos pesos e medidas, atravessadores no mercado e

policiais manipulados. Embora o objetivo do documento fosse demonstrar a repulsa ao

projeto de majoração dos tributos, ao longo da exposição Oliveira revela a consciência dos

operários como “classe mais explorada”, sua situação de dependência em relação aos

salários – sua única fonte de renda possível – e sua condição de maiores vítimas dos altos

impostos. Nota-se também, no texto, uma associação entre os “ricos” e os policiais. Neste

ponto, fica implícita a idéia de que a força policial é um instrumento de dominação das

elites.

Donato de Oliveira escrevia constantemente pelo Jornal Gazeta do Norte

conclamando os operários a fortalecerem suas entidades e lutarem pelos seus “direitos”:

(...)revendo páginas de um livro (...), encontrei uma sabia advertência que diz o seguinte: ‘Uni, operariado de todo o território nacional, formai e reforçai as vossas entidades de classe a fim de que, unidos, possais melhor receber a reivindicação de vossos direitos (...)’;

Vós sois, operariado brasileiro, (...) dotado de uma capacidade intelectual que se destaca entre os demais povos do globo. Sendo rico em capacidade produtiva sois rico e independente, não necessitando adotar credos políticos por sugestão de povos, que não possuem o que vós possuís, principalmente esse rico preconceito de justiça e moral que é a suprema honra do operariado.

Esses atributos, vós tendes para emprestar sem juros, a esses povos da Rússia, nome sugestivo que se assemelha ano nosso termo russio que significa cor turva, embaciada, sem clareza. Operariado de Montes Claros, trabalhai pela União Operária de Montes Claros, trabalhando para a nossa terra e pelo Brasil.209

208 OLIVEIRA, Donato Dias. Pasta de Amostragem documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1955. 209 OLIVERIA, Donato Dias de. Gazeta do Norte. Montes Claros, 31 mar. 1955, p. 1.

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Oliveira exorta os operários a se unirem, organizarem-se para empreender suas lutas.

Estas, no entanto, não eram para subverter a ordem, alterar as estruturas sociais e

econômicas. O que se pretendia eram melhores condições de vida como trabalhadores,

como assalariados, e para isso, estabeleciam o diálogo, complacente ou agressivo, com os

patrões e/ou com o poder público.

A União Operária atuou também na luta pela implantação da “semana inglesa” na

cidade. A chamada semana inglesa cons istia no fechamento do comércio e indústria mais

cedo aos sábados. O assunto foi alvo de calorosos debates.

O projeto foi apresentado na Câmara Municipal pelo vereador Cândido Canela (PSD)

em setembro de 1956. De imediato, a Associação Comercial e Industrial de Montes Claros

posicionou-se contra o mesmo e começou uma campanha para impedir sua aprovação. Por

sua vez, os trabalhadores organizaram-se através de diversas entidades: União Operária,

Sindicato dos Bancários, Círculo Operário Cristão, Associação dos Empregados do

Comércio e Diretório dos Estudantes de Montes Claros – DEMC. Este foi o primeiro

movimento, no período pesquisado, em que estas entidades atuaram em conjunto por um

objetivo comum. Na luta contra a carestia e contra o monopólio da carne, em 1959, isto

voltaria a ocorrer já com o apoio de novas entidades.

O assunto foi amplamente debatido nas reuniões nas sedes das entidades. Pelo

rádio, o DEMC, através do programa “Atualidades Estudantis”, veiculado aos domingos

pela Rádio Sociedade Norte de Minas, a única do município, deu ampla cobertura e apoio

ao projeto, realizando entrevistas com lideranças, como o vereador Cândido Canela, o

presidente da Associação dos empregados do Comércio, Britivaldo Marques, o presidente

do Círculo Operário, Oliveira Barbosa, o presidente da União Operária, Donato de Oliveira

e com o presidente do Sindicato dos Bancários, Raimundo Lyrio Brant.

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Evitando tomar partido na discussão, o Jornal Gazeta do Norte publicava os artigos

e correspondências dos dois lados do embate. O movimento pró “semana inglesa”

demonstrava ganhar corpo. Em agosto de 1956 o jornal publicou uma carta do Padre

Agostinho Beckauser dirigida ao vereador Cândido Canela:

(...) soube de mais uma iniciativa generosa sua em benefício desta terra, a ‘semana inglesa’. A primeira vista, parece um contra-senso encurtar as horas de serviço, quando a luta é para produzir mais e melhor. No entanto, é preciso dar condições dignas e humanas ao povo para que ele possa, com mais satisfação cumprir seu duro labor cotidiano. E não se diga que este projeto não tenha raízes mais fundas. Falo em nome de 1.050 circulistas-sócios com suas famílias, que dão assim ampla cobertura popular a este projeto humano e porque não dizê-lo justo e necessário. É com satisfação que vejo algum representante do povo interessar-se pelos problemas sociais que tanto afligem a população de Montes Claros que, neste ponto, ainda está na adolescência, embora o centenário esteja aí. Conte, pois, snr. Vereador, com nosso apoio e aplauso. Seguiremos atentos a atuação da Câmara. Grato. a) Pe. Agostinho J. Beckauser – Cura da Catedral.210

Os argumentos do Padre Beckhauser tinham endereço certo. Ele tocou em vários

pontos nevrálgicos do debate. Em primeiro lugar, os adversários do projeto, a ACI e a

bancada do PR na Câmara211, argumentavam que o projeto não tinha o “apoio da

população” e era “anti-econômico”. Além disso, o peso da palavra do “Cura da Catedral”

não deixava de ser significativo numa cidade cuja maioria absoluta da população era

católica. Destaca-se também a disposição do Padre em acompanhar a “atuação da

Câmara”, o que poderia soar como uma ameaça política, haja vista o prestígio social da

Igreja.

Contra o projeto, J.S. Teixeira, escrevia, em outubro de 1956, argumentando que a

“semana inglesa” prejudicaria o comércio local e que, além do mais

210 BECKHAUSER, Agostinho J. Gazeta do Norte. Montes Claros, 16 set. 1956, p. 1 211 A bancada do PR na Câmara em 1956 era composta pelos seguintes Vereadores: Ubaldino Assis Oliveira, Artur Fagundes de Oliveira, Benedito Pereira Gomes, José Antônio Veloso, José Maia Sobrinho e Pedro Martins Santana.

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(...) basta de tanto descanso; precisamos trabalhar com mais ardor e

desprendimento. Já dispomos com fartura, de domingos, dias santos, feriados e períodos de férias, horas de almoço e café, além das horas nos bancos dos jardins. Incentivemos, sempre, o aumento da produção, que é o que o país necessita, para que criemos superávit, isto é, a produção suplantando o consumo. Releguemos os programas de diminuição do trabalho, anseando levantar o gigante ‘deitado eternamente em berço esplendido. 212

Na Câmara Municipal, o vereador Ubaldino Assis, um dos fundadores e diretores

da Associação Comercial e Industrial, liderou a linha de frente de resistência ao projeto. Os

debates atravessaram meses. Em 1957, o tema estava de novo em pauta na Câmara. O

projeto tomou a forma de uma disputa partidária – PSD x PR - e isso acabou beneficiando

os trabalhadores. O PR tinha minoria na Câmara – apenas seis vereadores. O PSD tinha

oito e o PTB um vereador. Como os vereadores faltavam muito às reuniões, a bancada

perrista – na oposição e mais aguerrida - conseguiu, por várias vezes, impedir a votação do

projeto retirando-se do plenário.

Por fim, em abril de 1957, a Câmara aprovou a “semana inglesa”. Terminada a

batalha na Câmara, iniciou-se a batalha jurídica. A ACI recorreu à Assembléia Legislativa

de Minas Gerais alegando inconstitucionalidade do projeto. Embora a Assembléia não

tenha dado razão à ACI, parece que a entidade orientou seus filiados a não cumprirem a lei

porque, em julho de 1957, a Prefeitura Municipal de Montes Claros avisava que iria fazer

“cumprir, como todo rigor, a Lei nº 353 que dispõe sobre o fechamento do comércio, aos

sábados, às 15 horas (...)”. 213

A disputa continuou nos tribunais locais e estaduais. Em setembro de 1958 a

“semana inglesa” era impedida pela justiça:

212 TEIXEIRA, J. S. “Semana Inglesa”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 14 out. 1956, p.1.

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Por acórdão de 2 do corrente mês de setembro, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado acaba de negar provimento a agravo interposto pelo Dr. Juiz de Direto desta Comarca e pela Prefeitura Municipal de Montes Claros, contra a sentença de 12 de abril do corrente ano, do mesmo Juiz, que, em mandado de segurança impetrado por Benjamin Rego e outros comerciantes desta cidade (em número de setenta) cassou os efeitos da lei municipal 353, de 12 de abril de 1957, que determinara o fechamento do comércio local á14 horas aos sábados, instituindo nesta cidade a chamada ‘semana inglesa’.214

Na dia 14 de setembro de 1958, o advogado da Prefeitura Municipal, Henrique

Chaves, informava que o executivo local recorreria da decisão. Esta foi a última referência

ao assunto por parte da imprensa. Embora não tenhamos encontrado mais nada a respeito,

parece que a “semana inglesa” foi mesmo implantada na cidade. Pelo menos na pequena

biografia do Vereador Cândido Canela, publicada pelo livro de memórias da Câmara

Municipal, a efetivação do projeto é apresentada como uma das maiores contribuições de

Canela para o município.215

O final da década de 1950 foi marcado por vigorosos protestos da população contra

a constante elevação dos preços de gêneros de primeira necessidade e contra o monopólio

do serviço de fornecimento de carne bovina na zona urbana. Nesta oportunidade, as

entidades populares agiram novamente em conjunto: operários, estudantes e donas de casa

realizaram uma campanha contra a carestia e pelo fim do monopólio da carne. O caso foi

analisado no capítulo I e é objeto de análise aqui sob um uma nova problemática.

Na campanha contra o monopólio da carne em 1959, os presidentes de vários

sindicatos da cidade, após várias assembléias específicas, reuniram-se na seda da União

Operária, elaboraram e enviaram uma carta-protesto ao Prefeito Alfeu de Quadros:

213 PREFEITURA MUNICIPAL DE MONTES CLAROS. Gazeta no do Norte. Montes Claros., 25 jul. 1957, p.2. 214 Gazeta do Norte. 11 set. 1958, p. 1. 215 GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Op. Cit., pp. 361-362.

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(...) depois de debaterem em Assembléias as conseqüências danosas do aumento do preço da carne ora concedido, por solicitação da empresa concessionária do Matadouro local, resolveram manifestar de público o mais veemente protesto pela maneira sumária como foi julgado tão palpitante problema que afeta toda a população. Sem consultar a parcela mais interessada no problema, que são os trabalhadores, resolver a Comissão de Tabelamento, mesmo na ausência daqueles seus membros que maior penetração têm no seio do povo, conceder sem mais nem menos, a absurda elevação do preço da carne mais consumida para $52,00 o quilo, tudo isto de afogadilho, sem estudar mais detidamente e com base técnica tão grave problema. O povo, principalmente os trabalhadores, aqueles que vivem de seus minguados salários, já têm consciência de sua força e, já cansados de serem espoliados como vítimas indefesas, exigem que sejam ouvidos quando estiverem em pauta problemas que lhes dizem respeito! O aumento em tela, da maneira como foi decretado, é tanto mais absurdo quando se sabe que a comissão deixou de apreciar a proposta dos açougueiros locais, no sentido de fornecer carne a população a preços mais accessíveis! Não poderia a Comissão se negar sumariamente a estudar a proposta e, no caso de não aceita-la, explicar ao povo, através da imprensa, os motivos da recusa. A comissão, criada para ajustar periodicamente o preço da carne de acordo com um contrato de concessão cujo texto todo o mundo ignora, deixou de zelar pelo interesse da população, para conceder, de mão beijada, o malsinado aumento, sem se dar ao trabalho de investigar as razões da concessionária, as razões dos açougueiros, que lutam para vender mais barato, e as razões do povo, que são soberanas e decisivas. Em casos dessa natureza e gravidade, julgamos, indispensável que sejam convocados técnicos que orientem com sólidos fundamentos a Comissão, apresentando dados concretos sobre a procedência dos argumentos das partes. Não bastam argumentos da concessionária. É necessária uma opinião técnica e isenta.

Diante dos fatos, sob todo o ponto de vista condenáveis, os trabalhadores de Montes Claros, irmanados com todo o povo, lançam o seu protesto e o seu repúdio pelas deliberações tomadas à sua revelia e fazem a V. Excia o seguinte apelo:

Publicação do contrato existente entre a Prefeitura e a Concessionária. Revogação do aumento ora concedido e criação de uma nova comissão para

debater o assunto, devendo ser nela incluídos representantes dos diversos sindicatos e Associações Profissionais reconhecidas.

Reafirmamos outrossim que somos pelo monopólio Estatal, ou seja, exploração de serviços de interesse público pelos Governos, Federal, Estadual e Municipal. No caso presente, é de interesse público que o abate da carne seja feito pela Prefeitura, a fim de evitar protecionismos e exclusividades que sempre geram desordens sociais. Somos, enfim, pela livre concorrência que permite o atendimento das necessidades imediatas dos trabalhadores de Montes Claros e da população mais desprotegida de nossa terra !. Montes Claros, 18 de Janeiro de 1.959. 216

216 Pasta de Amostragem Documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1959.

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A carta foi assinada pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários

de Montes Claros, (nome do presidente ilegível), Sindicato dos Empregados no Comércio

(Waldir Carvalho), Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil (Zeferino

Guedes de Oliveira), Sindicato dos Condutores de Veículos Tração Animal (Izidoro

Gonçalves Queiroz), Associação Profissional dos Mecânicos de Montes Claros (José M.

Oliveira), Associação Profissional dos Barbeiros e Cabeleireiros (nome ilegível),

Associação Profissional dos Açougueiros (Camilo Lellis), Círculo Operário de Montes

Claros (O . Barbosa) e União Operária (Romeu Silva).

Este documento foi produzido em um momento de graves problemas sociais no

município. Como vimos no capítulo I, além do preço da carne, o preço dos outros artigos

elevavam-se constantemente e o desemprego era gravíssimo. Neste sentido, ele reflete

muito mais que a simples insatisfação dos trabalhadores com o problema específico da

carne. Em todo o país, o ano de 1959 assinalou a eclosão de protestos populares, greves e

saques. Embora os índices de crescimento industrial do país constituísse uma bandeira

política do Governo Federal, o cotidiano de grande parte da população era assolado pela

inflação que corroia os salários e, por conseqüência o poder aquisitivo e o padrão de vida

da população. Em Montes Claros, o final da década de 1950 foi o reverso da moeda da

“cidade centenária”. A grande, moderna e próspera cidade festejada em 1957 cedeu lugar a

uma cidade real, habitada por pessoas sem trabalho, mal-remuneradas, sujeitas à

exploração dos comerciantes locais e à ação devastadora da elevação dos preços de

produtos básicos.

Este é, talvez, o mais agressivo documento produzido (e encontrado por esta

pesquisa) pelas entidades populares no período. O tom é enfático e as frases são diretas. Os

signatários do texto apresentam-se como porta-vozes da população trabalhadora e pobre e,

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portanto, com direito e representatividade para protestar. Os interesses da população e da

prefeitura-concessionária estão claramente identificados como opostos, o conflito não é

dissimulado, os sindicalistas colocam a nu seu inimigo.

As propostas de solução do problema reivindicadas são também dignas de análise.

Reivindica-se a publicação do contrato de concessão do monopólio, a revogação do

reajuste da carne e a nomeação de nova comissão com representantes dos trabalhadores.

Vê-se que a agressividade/profundidade da crítica não se repetem no conteúdo das

alternativas propostas. Os debates acerca do assunto permaneceram na imprensa e Câmara

Municipal, no entanto, a publicação do contrato e a revisão do preço da carne pela

Prefeitura arrefeceram os ânimos.

É importante também a defesa, pelos sindicatos, do “monopólio estatal” e a livre

concorrência. O primeiro significaria a garantia contra “protecionismos e exclusividades”

que provocam “desordens sociais”. Isso reflete os limites da crítica e protesto dos

trabalhadores. Apesar de afirmar anteriormente que o povo está “cansado de ser espoliado”

e que suas razões são “soberanas e decisivas”, os sindicalistas demonstram estarem

preocupadas com possíveis “desordens”. O monopólio diz respeito ao serviço de abate que

deveria ser de responsabilidade do Estado ou controlado por ele, sendo possível, desta

forma, controlar o preço de custo. A livre concorrência diz respeito ao mercado e controle

do preço a varejo, acreditando que, com o abastecimento regular do mercado, esses preços

poderiam baixar, diminuindo a margem de lucro dos açougueiros. Aparentemente sem

nexo, o fato de defenderem monopólio e concorrência ao mesmo tempo reflete o

pensamento/objetivo do movimento: a solução dos problemas e “necessidades imediatas”

dos trabalhadores “desprotegidos”, sem maiores discussões ou preocupações ideológicas.

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Este comportamento contraditório dos operários de Montes Claros não era uma

prática isolada. Conforme Heloísa Helena Pacheco Cardoso, essa era uma característica

marcante nas ações das classes trabalhadoras do Estado de Minas Gerais que “que lutavam

contra o poder do capital, identificado nos industriais e no Estado, mas viam neles os

únicos interlocutores possíveis e os parceiros ideais na reconstrução de um mundo

melhor.”217

Conforme a autora, um bom exemplo desta estratégia de “aproximações e

afastamentos” entre operários, patrões e poder público eram as comemorações do “Dia do

Trabalho:

O primeiro de maio foi, das celebrações oficiais, a que mais simbolizou essa política de aproximação entre os trabalhadores e o Estado. Demonstrando uma vontade legalista e uma certa confiança nas autoridades, as organizações sindicais aproveitavam a oportunidade para tornar pública as suas reivindicações. (...) As representações sindicais elegiam, nessas comemorações, os poderes públicos como interlocutores que, presentes, respondiam com a possibilidade de mudanças efetivas nas relações de trabalho. Se, de um lado, governo e empregadores tentaram absorver o primeiro de maio, transformando-o de manifestação em festa, de outro, a dimensão política dada a ele pelos trabalhadores foi preservada na medida em que se conservou a data como meio de pressão e de encaminhamento das suas reivindicações.218

É um procedimento semelhante ao da União Operária em Montes Claros, como se

viu anteriormente. A entidade era subvencionada pela Prefeitura de Montes Claros e pelo

Governo do Estado de Minas Gerais 219. As comemorações do “1º de Maio” e as

217 CARDOSO, Heloísa Helena Pacheco. Conciliação, Reforma e Resistência: governo, empresários e trabalhadores em Minas Gerais nos anos 50. São Paulo: USP, 1998. (Tese de Doutorado), p. 9. 218 CARDOSO, Heloísa Helena Pacheco. Op, cit. P. 148. 219 A subvenção pública municipal à entidade foi aprovada pela Câmara Municipal em 20 de outubro de 1952, por unanimidade. O projeto concedia uma verba anual de Cr$ 10.000,00 a União Operária. Dentre as subvenções incluídas no orçamento estadual (exercício de 1958) pelo Deputado Estadual Teófilo Pires (PR) constavam Cr$ 10.000,00 para a União Operária. O mesmo projeto concedia o mesmo valor à Associação dos trabalhadores na indústria civil de Montes Claros. Gazeta do Norte. 01 jan. 1958. p. 2.

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solenidades de posse das novas diretorias organizadas pela União Operária sempre

contavam com a “presença ilustre” das autoridades municipais, Deputados Estaduais e

Federais. Como já foi dito anteriormente, esses eventos eram realizados até mesmo em

espaços de propriedade dos patrões e dos políticos sem, no entanto, impedir que os

operários apresentassem suas críticas e reivindicações ao poder público e aos empresários.

Outra entidade atuante no período foi o Diretório dos Estudantes de Montes Claros.

O DEMC também recebia subvenções da Prefeitura220 e a oscilação entre o aplauso e a

crítica também lhe era característica.

O I Congresso dos Estudantes de Montes Claros, realizado em outubro de 1951,

teve como Presidente de Honra o Prefeito Municipal Enéas Mineiro de Souza. O

Congresso objetivou a reorganização da entidade na “mais completa harmonia com o

regime nacional a fim de que o mesmo possa se tornar mais digno de confiança e do

amparo dos poderes públicos”221,

Entretanto, essa aparente docilidade dos estudantes, a harmonia e a fraternidade

propostas romperam-se em diversas oportunidades. A mesma entidade que aplaude,

condena e protesta. Em 1953, os estudantes fizeram um vigoroso protesto contra o

governador Juscelino Kubistcheck promovendo seu enterro simbólico. O episódio foi

considerado um “escândalo” pelas autoridades locais que, por meio da imprensa, o

condenaram veementemente. Em 1956-1958 o DEMC foi um das forças que lutaram pela

“semana inglesa”, e, em 1959, os estudantes ameaçaram depredar um cinema da cidade por

se sentirem desrespeitados pelo empresário do estabelecimento.

220 Em carta-renúncia em 28 de dezembro de 1959 o presidente do DEMC João Carlos Albuquerque diz que “o único problema (do DEMC) não me foi possível resolver: a carência de amparo dos Poderes Públicos. Estou convencido de que o Diretório não conseguirá manter-se por muito tempo ainda, sem a existência de uma subvenção oficial certa.” A subvenção da Prefeitura ao DEMC consta nas correspondências da entidade em agradecimento à Câmara. Mas, pelo visto, no final da década de 1950 parece ter sido cortada. Pasta de Amostragem Documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1959.

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Nesse mesmo ano (1959), o DEMC participou do movimento pela ampliação da

Escola Normal de Montes Claros. Esta limitava-se à formação de professores e os

estudantes reivindicavam do Governo Estadual a criação do Curso Científico anexo à

mesma. A correspondência dos estudantes ao Governador foi publicada pelo Jornal Gazeta

do Norte que também deu amplo apoio à medida:

(...) Este apelo Sr. Governador, não está vinculado a nenhum movimento

político-partidário. É originário tão somente da mais premente necessidade. (...)

Nós o consideramos, Dr. Bias Fortes, um dos homens públicos de maior envergadura política de Minas Gerais. (...)

Sem embargo, bem sabemos que muitas vozes, infelizmente, se levantarão contra esta idéia.

Mas saiba V. Exa. que depositamos, de agora em diante, em suas mãos, a solução deste problema que, para nós, é de suma importância.

Adiantamos, no entanto, a V. Exa. que não mais aceitaremos aquele fragílimo argumento de que tal medida seria contrária aos interesses do ensino, visto terem as Escolas Normais como finalidade precípua a formação de professas primárias, o que viria a desvirtua-las.

Se lhe dizemos que não aceitaremos tal justificativa, é porque não seria o único e excepcional caso a anexação do Curso Científico à Escola Normal (...)

Portanto, Dr. Bias Fortes, a V. Exa. nos dirigimos, quais filhos a um pai, isto é, na certeza de que a nossa pretensão (...) será realizada.

Os estudantes dão pronto reconhecimento à autoridade do Governador, o vêem como

um grande “homem público”, mas também o têm como um pai. Estão combinados, neste

texto, argumentos racionais com motivos sensíveis, direito com gentileza ou favor. É uma

relação familiar característica: o filho tem direito a algo e é consciente disso, sabe também

que é dependente da boa vontade do pai. Assim, é preciso reconhecer- lhe a autoridade,

justificar seu pedido e, por fim, colocá-lo com a responsabilidade de atender a

reivindicação já que o “problema está em suas mãos” e “nós temos certeza” que o pai não

221 COSTA, Dilvanir José da. O Jornal de Montes Claros, 06 out. 1951, p.4.

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negará ao filho um benefício. É uma relação paternalista e consiste, pois, numa obrigação

recíproca. O respeito e o reconhecimento devidos à autoridade têm como contrapartida um

favor concreto.

A docilidade do conteúdo desse documento contrasta-se com a ação dos estudantes

em 1962. Neste ano, os estudantes reivindicavam do Governo do Estado a construção de

um novo prédio para a Escola Normal sem, todavia, serem atendidos. Na madrugada do dia

sete de setembro os estudantes, de posse de uma grande quantidade de alimentos,

invadiram e tomaram o controle do prédio da Escola onde pretendiam permanecer até uma

posição do governo estadual. O protesto foi cuidadosamente programado: a opção por

tomar o prédio no dia sete visava impedir o “desfile da independência”, o que daria maior

repercussão ao ato. Os alunos que começaram a chegar para o desfile eram impedidos de

entrar no colégio onde os estudantes revoltados afixaram cartazes e faixas e gritavam

palavras de ordem em forma de um “pequeno comício”. A diretoria da Escola solicitou a

ação da polícia militar. Esta deu aos alunos cinco minutos para desocupar o prédio e deu a

“segurança necessária” para a realização do desfile. Os estudantes abandonaram a escola

sem serem fisicamente molestados (pelo menos a imprensa não o registra). Segundo o

Gazeta do Norte, a Diretoria da Escola Normal “já está” encaminhando o processo de

expulsão dos “cabeças do movimento”. Contudo, a mesma reportagem diz que “Ouvindo

estudantes apuramos que caso sejam concretizados estas penalidades violentas, toda

escola irromperá em greve definitiva em sinal de protesto.”222 Assim sendo, o movimento

parece ter contado com a simpatia e apoio da maioria dos estudantes. Por fim, saliente-se

que o protesto dos estudantes foi bem-sucedido no que diz respeito ao seu objetivo:

“chamar a atenção do governo estadual”. Além da abordagem do assunto pelos jornais

222 Gazeta do Norte. Montes Claros, 09 set. 1962, p.1.

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locais, a “tomada da Escola Normal” assustou o Secretário de Segurança do Estado, que

enviou alguns agentes do DOPS (Departamento de Ordem Pública e Social” para Montes

Claros onde permaneceriam para “dominar a situação caso ela viesse a agravar-se.”223

Vê-se que colaboração e agressividade combinam-se nas ações das entidades

populares. O mesmo se observa no movimento contra a carestia, liderado pelas donas de

casa, em 1959.

A elevação do custo de vida no final da década de 1950 em todo o país, também

motivou agitações populares em Montes Claros. As donas de casas, os estudantes e

sindicatos diversos empreenderam uma campanha junto à Câmara e Prefeitura Municipais

exigindo providências contra o constante aumento nos preços de gêneros de primeira

necessidade. A documentação produzida por esta campanha reflete o movimento pendular

destas estratégias populares de participação, a oscilação entre uma postura complacente e

um discurso mais agressivo. É o que se percebe no movimento das donas de casa.

A Associação das Donas de Casa de Montes Claros foi criada porque considerava

“ser de grande utilidade, dever e vantagens, a participação da mulher montesclarense em

colaborar com os poderes constituídos no combate à carestia”224. Dispostas a “colaborar”,

as donas de casa empreenderam passeatas, recolheram assinaturas, exigiram reuniões

públicas com os vereadores e provocaram um verdadeiro estado de tensão social. Nas

reuniões na Câmara Municipal para debater o assunto os vereadores pediam “...ao povo em

geral, para procurarem solucionar o assunto dentro da ordem e da justiça, de maneira a

não por em perigo a tranqüilidade da família montesclarense”. O Vereador José Laércio

Peres de Oliveira, assustado, esclarecia: “Somos contra o ‘quebra-quebra’, porque somos

223 Gazeta do Norte. Montes Claros, 09 set. 1962, p.1. 224 Pasta de Amostragem Documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1959.

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pela ordem, justiça e tranqüilidade da família brasileira.”225 A reivindicação das donas de

casa era pela ação da classe política local junto aos Governos Estadual e Federal, pela

ampliação dos armazéns públicos na cidade para distribuição de gêneros alimentícios a

preços acessíveis. A reivindicação foi atendida226 e as donas de casa escreveram à Câmara

Municipal gratas aos vereadores pelos “seus esforços” e solicitavam a continuação do

“brilhantismo”, da “valiosa cooperação e assistência” dos edis na campanha contra a

elevação do custo de vida.227

De modo geral, as entidades populares reivindicavam a intervenção das autoridades a

quem elegeram e em quem “confiavam” para resolução dos seus problemas. Do discurso

da população, depreende-se, pois, uma noção da eficácia da ação popular e também a

noção de sua dependência em relação ao poderes público ou particular das lideranças.

A alternância entre a aceitação e a oposição demonstra que as mesmas autoridades

que são objeto das críticas mais contundentes, são também merecedoras do respeito e da

confiança da população, e os responsáveis pela resolução dos seus problemas. É o “preço

da deferência”228. A autoridade é legítima e é, em si, inquestionável, em contrapartida

225 PERES, José Laércio. Livro de Atas da Câmara Municipal de Montes Claros. Sessão Nº 548, 05 maio de 1959. 226 As informações quanto a instalação/ampliação dos postos de abastecimento de alimentos na cidade não são muito claras. Segundo o Jornal Gazeta do Norte, além dos postos dos S.A.P.S., que “eram vários”, a Polícia Militar também prestava este tipo de serviço. 227 VEMUTO, Arlete Lopes. Pasta de Amostragem Documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1959. 228 THOMPSON, E. P. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Cia das Letras, 1998. Thompson analisa os costumes populares na Inglaterra no século XVIII. Evidentemente trata-se de algo completamente distinto do objeto de estudo aqui. Entretanto, a obra do autor serve neste como instrumental analítico. Acerca do “preço da deferência” especificamente, a discussão encontra-se no capítulo Patrícios e Plebeus” onde são analisadas as relações entre as duas categorias: “Os pobres podiam se dispor a conceder sua deferência à gentry , mas apenas por um preço, que era substancial” (p. 78).Outra demonstração do caráter ambivalente das manifestações populares encontra-se na análise do autor no capítulo “A economia moral da multidão inglesa no século XVIII” : mobilizada em motins a multidão obriga as autoridades – juiz, delegado, prefeito – a presidirem o ato de compra dos cereais ao preço exigido por ela (p.180). O procedimento é significativo, pois fica claro a força da multidão mobilizada bem como seu reconhecimento frente ao poder das autoridades.

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obriga-se, implicitamente, a resolver os problemas públicos e privados das pessoas às quais

“representam”.

A relação população-governo é, pois, marcada por valores paternalistas,

personalistas, familiares, sensíveis. Reivindicações e protestos combinam-se com

colaboração, complacência, favores e gentilezas. Interesses públicos e privados se

confundem. A pequena ou nenhuma diferenciação entre as duas coisas era freqüente e isso

era profundamente admirado pelas pessoas, constituía a própria noção de política da

sociedade montesclarense de meados do século XX.

3.4 – o (re)fazer da política

A análise das relações sociais e políticas estabelecidas entre população e lideranças

políticas em Montes Claros ao longo das décadas de 1940 e 1950 faz emergir os valores

políticos predominantes naquela sociedade. Tendo o favor como o elemento central,

interesses e projetos particulares mesclam-se com programas e ações públicas. Era o

(re)fazer da política, a (re)elaboração constante de formas de dominação, sobrevivência e

ação política.

Em 1947, o engenheiro Demósthenes Rockert foi nomeado Prefeito de Montes

Claros. Rokert era o engenheiro-chefe dos serviços de expansão da estrada de ferro Central

do Brasil pelo Norte de Minas. Sem ligações mais sólidas com os interesses e costumes

políticos locais, o Prefeito publicou o seguinte comunicado logo após a sua posse:

De ordem do Exmo. Sr. Prefeito Municipal aviso as partes interessadas que em sua residência não atenderá a pessoa alguma que o procurar para tratar de assuntos que diz respeito a administração municipal.

Para isto, ficará a disposição dos interessados na Prefeitura, em todos os dias úteis das 14 às 16 horas, com exceção dos sábados. Secretaria da Prefeitura Municipal de Montes Claros - 8 de Janeiro de 1947.

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Demosthenes Rockert – Prefeito Municipal Francisco Pimenta Figueiredo – Secretario da Prefeitura.229

O Prefeito queria deixar explícita a distinção entre o espaço privado – sua

residência – do espaço público – a prefeitura. Tratava-se de uma pretensão muito ousada:

Para os montesclarenses esses espaços formavam um todo, pouca diferença poderia se

estabelecer entre ambas as dimensões.

Para avaliar um determinado administrador, a primeira e mais forte lembrança do

entrevistado é a do favor individual recebido:

(Capitão Enéas): Muito bom prefeito também, sabe, ele dava, beneficiava muito o povo, beneficiava, até casa ele dava pro povo. Eu tinha um cunhado mesmo que ele ajudou. Ele construiu a casa, sabe ? Um cunhado que era empregado do DER, foi lá fazer um serviço lá em Burarama e lá teve ocasião de conhecer ele e ele ajudou, ele tava construino uma casa e ele ajudou ele construir a casa.230

A relação eleitor-autoridade era muito próxima. Entre eles havia uma teia de

sólidos laços de amizade e compromissos tornando estreita a ligação entre o público e o

privado, entre a autoridade/cargo da pessoa que os exerce. Assim, compreende-se como

outros dois itens são sempre destacados pelos depoentes como características fundantes das

práticas políticas do período: a violência e o peso da palavra dos “políticos”.

Como foi visto nos capítulos precedentes, a violência fazia parte do cotidiano e dos

processos político-eleitorais de Montes Claros. Quando inquiridos acerca desse assunto os

entrevistados são claros:

Coronel Dumingo Lopes (...) Deba, que era o Hildeberto José de Freitas, pansudão! Valente! Perigoso! né, e o Neco Santamaría, esses treis home quasi que comandava a maiuria da força política de Montes Claros (...) então o povo tinha medo né, todos eles treis tinha essa fama, mas era uns home

229 Gaza do Norte. Montes Claros, 08 jan. 1947, p. 2. 230 Depoimento de Senhor José Santos, seleiro aposentado, em Montes Claros no dia 16 de junho de 2000.

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muito bom, era umas pessoa que ajudava mesmo, agora ele não gostava de gente que traí eles, esse povo daquele tempo, cê sabe cume-que-é? Eles tinha confiança na gente tudo mais, mais a pessoa tinha que ser séria e honesta, com eles tinha que ser assim (...)231

A violência combinada com favores, “honestidade” e “fidelidade” constituíam, pois,

o receituário do bom político. Este pensamento é compartilhado por outros: “(...) O sujeito

prendia, ou mandava dá um coro, batia ne gente, batia. Não era só a polícia que batia

não. Se num andava direito entrava no coro.”232

A violência combina-se também com “justiça”:

Capitão eu conheci. (...). Era um home muito séro, né, muito gente boa

tombém, sirviçal né, tinha muita dó dos pobres né, o Capitão né. Mais só tinha uma coisa, era igual Lampião (...), nego num mitia a cara lá, lá ladrão num robava. (...) Era gente boa moço, é que es era, as pessoa errado, as vez dizia que es era bravo, a pessoa tava errada, o sujeito erra e num quê recebê (...) Agora a pessoa, trata uma pessoa bem tratada pode ser o cascavel que for (...) era gente boa, gente sero né.233

E “Neco Santamaría, finado Deba, (...) eles só corrigia quem tava errado, é Deba, o

Necosantamaria, tivesse errado eles corrigia, como de fato eu acho que tá certo né,

corrigir o que tá errado (...)”234

Aos depoentes não ocorria a idéia de que a justiça deveria ser atribuição do poder

público. Pelo contrário, sendo o coronel uma pessoa “séria”, “honesta” e “justa”, nada mais

normal que ele exercesse também o poder de punir “quem estava errado”. Note-se que a

ampla legitimidade conferida à violência é devida ao fato de que ela, a violência, além de

se constituir como uma prática cotidiana, não significava medo ou terror para as pessoas

231 Depoimento de Osmar dos Reis Lopes Ribeiro, agricultor, carpinteiro, aposentado, em Montes Claros no dia 15 de junho de 2000. 232 Depoimento de Senhor José Santos, seleiro aposentado, em Montes Claros no dia 16 de junho de 2000. 233 Depoimento de Senhor Manoel Rodrigues da Silva, agricultor, vigia, aposentado, em Montes Claros no dia 20 de junho de 2000. 234 Depoimento de Senhor João Barbosa Ribeiro, ex-funcionário da Central do Brasil, em Montes Claros no dia 20 de junho de 2000.

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próximas ao coronel. Pelo contrário, a força desse representava segurança e proteção para

seus amigos e aliados235. Estes, sentindo-se próximos do coronel, travando com ele

relações diárias de favores e compromissos, o vêem como uma salvaguarda, um refúgio,

mesmo que tais “vantagens” tenham o preço da subordinação que, sob o verniz do

paternalismo e da “amizade”, permanece oculta.

Outro indicativo da forte personalização das relações políticas é o “valor da palavra”.

Esta, mais do que qualquer outro mecanismo – jurídico, por exemplo –, era a garantia que

os eleitores contavam para a realização de suas pretensões. Está sempre associada com as

noções de seriedade e honestidade, parece ser a maior virtude das lideranças políticas. “Se

eles falasse uma coisa, eles fazia né, se prometesse fazia, o que eles falava era firme”, diz

Dona Augusta Maria cuja idéia é confirmada por José Santos: “Os políticos de otros tempo

o que falava tava falado, era de palavra, sabe?”. Para Francisco Vieira, “palavra” e

“seriedade” estão estreitamente ligados, daí sua preferência pelos “políticos de

antigamente”: “Político de antigamente tinha palavra: falava que fazia uma coisa, fazia

né. Hoje os políticos de hoje cê vê né, é só promessa, promessa (...). Era mais sério que

tinha palavra né”. A honestidade/sinceridade também estão ligadas ao peso da palavra:

“naquele tempo os políticos sempre era mais sincero né. De palavra, de honestidade né”,

diz Manoel Ribeiro da Silva.

Evidentemente essa memória extremamente positiva dos “políticos de antigamente”

relaciona-se de forma direta com a insatisfação dos entrevistados com as lideranças

políticas da atualidade. Contudo, não obstante essa ressalva, percebe-se que no coronel,

além da “vocação”, conhecimentos, favores e proteção, os eleitores viam muita

235 O próprio uso dos apelidos – “Neco”, “Deba”, “Lopinho” (Coronel João Lopes Martins) – denotam a familiaridade existente entre as pessoas “comuns” e os coronéis, a excessiva personalização e carga emocional presentes nas relações políticas.

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“sinceridade” e “honestidade”, virtudes estas traduzidas em palavras “firmes” e

materializadas em ações concretas.

Coerente com o pensamento da população, as lideranças também davam ênfase na

importância da “palavra dada”. Em carta aberta aos “seus amigos”, o Coronel Filomeno

Ribeiro pedia votos para Bias Fortes, candidato a Governador em 1947. Para justificar seu

pedido afirmava: “eu lhes posso assegurar, que na sua administração (...) o sertão mineiro

será largamente beneficiado. Temos, a este respeito, promessa formal desse nosso amigo e

todos nós temos certeza cabal de que a sua palavra honrada equivale á própria

realização.”236 Vê-se que o valor da palavra permeava amplas relações: Filomeno

empenha sua palavra, “assegura” aos eleitores a recompensa que terão em votar em Bias

Fortes, porque a “palavra honrada” deste “nosso amigo” corresponde à “própria

realização”. É a palavra do líder mais próximo sustentando a palavra do líder mais distante.

É compreensível as conseqüências deste tipo de costumes sociais e políticos: a

capacidade de reivindicação e livre expressão ou atuação política em bases cidadãs dos

indivíduos ou dos movimentos organizados iam até os limites impostos pela dependência,

pelo paternalismo e pela cultura do favor. Esta noção está subjacente na forma como são

requeridos benefícios, na maneira como se “agradece” os serviços prestados. O favor está

acima da noção do direito ou dever. Trata-se da presença dos sentimentos

caracteristicamente familiares no seio das relações públicas, entre poder privado e poder

público. As raízes desta cultura e desta prática estão presentes nos primórdios da

colonização do Brasil, como foi discutido no capítulo II. A vitalidade do favor no espaço

urbano, no contexto dos anos 50, demonstra a capacidade de reestruturação e sobrevivência

de que dispõe os sistemas de dominação social e política exercida pelas elites brasileiras. O

236 Gazeta do Norte. Montes Claros, 12 jan. 1947, p. 1

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favor – elemento diametralmente oposto ao direito – sobrevive ao longo da História do

Brasil. Roberto Schwarz o estuda na sociedade e literatura no contexto do Império.

O autor analisa a dicotomia entre as idéias européias e a realidade social brasileira

marcada pelo latifúndio e pela escravidão mesmo após a independência. Focalizando a

situação do homem livre na colônia - “nem proprietário, nem proletário”-, dependente do

favor para sobreviver, Schwarz entende esta prática, o favor, como elemento fundamental

da formação da sociedade brasileira. “(...)com mil formas e nomes, o favor atravessou e

afetou no conjunto a existência nacional (...). Esteve presente por toda parte, combinando-

se às mais variadas atividades, mais e menos afins dele, como administração, política,

indústria, comércio, vida urbana, Corte etc. (...) O favor é a nossa mediação quase

universal (...)”237

A força do favor está também, e principalmente, na sua capacidade de gerar

relações de cumplicidade e reconhecimento mútuos. A prática do favor encerra em si um

reconhecimento recíproco entre o prestador e o beneficiado. E esta conduta tende a se

perpetuar. Conforme Schwarz “Esta cumplicidade sempre renovada tem continuidades

sociais mais profundas, que lhe dão peso de classe no contexto brasileiro, o favor

assegura às duas partes, em especial à mais fraca, de que nenhuma é escrava. Mesmo o

mais miserável dos favorecidos via reconhecida nele, no favor, a sua livre pessoa, o que

transforma prestação e contraprestação, por modestas que fossem, numa cerimônia de

superioridade social, valiosa em si mesma.”238 O autor analisa o favor dentro do contexto

da escravidão no Brasil. Aqui, importa-nos enfatizar a idéia do reconhecimento, os

aspectos relacionadas aos sentimentos pessoais, as questões de ordem afetiva presentes no

favor em si mesmo. Aspectos estes vigorosos, capazes de perpetuar relações demasiado

237 SCHWARZ, Roberto. Ao Vencedor as Batatas. São Paulo: 34, 2000, p. 16.

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personalizadas entre os indivíduos em todas as instâncias de suas vidas, e de estendê- las

para o espaço público. Aliás, a confusão entre o espaço público e o privado é própria do

favor e remonta, conforme Sérgio Buarque de Holanda, às formas sociais engendradas no

mundo rural do Brasil-colônia quando “a família colonial fornecia a idéia mais normal do

poder, da respeitabilidade, da obediência e da coesão entre os homens. O resultado era

predominarem, em toda a vida social, sentimentos próprios à comunidade doméstica,

naturalmente particularista e antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado

pela família.”239

A personalização do exercício dos serviços ou cargos públicos é decorrente da

presença dessa invasão do público pelo privado. Conforme o mesmo autor, a “família

patriarcal fornece o grande modelo por onde se hão de calcar, na vida política, as

relações entre governantes e governados” 240. Ainda conforme Holanda, toda a ordem

administrativa do Império e da República estava impregnada pelos valores familiares, a

emotividade- intimidade predominando sobre a racionalidade-impessoalidade nos processos

políticos.

A sobrevivência destas práticas reelaboradas, reinventadas na realidade social-

histórica de Montes Claros nos anos 1940 e 1950 revela, pois, a força de um conjunto de

relações sociais e políticas que entravam o desenvolvimento de práticas políticas

efetivamente democráticas e continua a permitir a sobreposição dos interesses

particularistas sobre os interesses públicos.

238 SCWARZ, Roberto. Op. cit. p. 20. 239 HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil.São Paulo: Cia das Letras, 2000, p. 82. 240 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Op cit. p. 85.

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Considerações Finais

O sistema político hegemônico em Montes Claros nas décadas de 1940 e 1950

estruturava-se em um conjunto de relações sociais travadas em um cotidiano de mútua

dependência entre dominados e dominantes.

O período focalizado pela pesquisa foi um tempo de intensas modificações

econômicas no Estado de Minas Gerais e no país. As diversas políticas de desenvolvimento

levadas a efeito abriram amplas possibilidades de acumulação para o capital privado bem

como trouxe pressões sobre as estruturas políticas precedentes, uma vez que aceleraram os

processos de industrialização e urbanização e com estes fizeram surgir novos segmentos

sociais e políticos portadores de interesses e projetos divergentes.

Em sintonia com a conjuntura estadual e nacional e interessadas em participar dos

benefícios das políticas desenvolvimentistas, as elites montesclarenses organizaram-se para

requerer do Estado e União os investimentos que o município carecia – particularmente

nos setores de energia, transporte, saneamento básico e incentivo à industrialização da

carne, principal produto da região.

A realização da festa do Centenário de Montes Claros em 1957 foi o mais

significativo dos movimentos organizados pelas elites. O centenário foi inventado com a

finalidade de construir uma nova imagem para a cidade, projetá-la para além da região

como próspera e pacífica, solidificar as relações sociais e políticas hegemônicas e, por fim,

exercer uma pressão sobre as instâncias superiores do Estado pela liberação de recursos

para o município.

Apesar de bem sucedido no que concerne aos dois primeiros objetivos, o

Centenário não logrou êxito como mecanismo de atração de investimentos. Para Montes

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Claros, o entusiasmo dos anos 50 não se materializou. As reivindicações que demandavam

maior volume de capitais só seriam atendidas a partir da segunda metade da década de

1960, por meio dos incentivos e da atuação da SUDENE. A inclusão do Norte de Minas

na área de atuação da SUDENE foi, talvez, o fato positivo para esta região no período.

Saliente-se, no entanto, que a mobilização das elites regionais, principalmente de Montes

Claros, precederam à criação da superintendência (1959).

De qualquer forma, as possibilidades abertas pela SUDENE podem ter determinado

uma mudança de rumo nas atitudes e estratégias da imprensa e elites montesclarenses.

Assim, ao invés de se insistir na produção e difusão das imagens de uma cidade “operosa”,

“próspera” e “grandiosa”, os grupos dominantes teriam passado a projetar a situação de

miséria social e econômica do município e da região para justificar sua presença na área de

incentivos fiscais e assim exigir do poder público – Estado e União – efetivos

investimentos. As matérias divulgadas pela imprensa no início da década de 1960,

denunciando as mazelas sociais da região, apontam para essa possibilidade. Contudo, isso

é apenas uma hipótese e está a merecer um trabalho de pesquisa específico que elucide um

possível processo de “fabricação” da pobreza do Norte de Minas.

Para viabilizar seus projetos econômicos, os grupos dominantes utilizaram-se do

“controle” sobre o voto da população como um bem a ser negociado com os governos

constituídos em troca da liberação de recursos para o município.

Para tanto, “controlar os votos”, um conjunto de estratégias foi engendrado. As

fontes do poder das lideranças, dos coronéis, compunham-se de medidas “não-práticas”,

como a propaganda ideológica pela imprensa e a teatralização dos eventos políticos e

medidas “práticas”, como a prestação de favores, a violência e as fraudes eleitorais.

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Não obstante ter se constatado a hegemonia das elites e a existência de um sistema

político autoritário e violento, viu-se também que a dominação não foi exercida sem

questionamentos ou obstáculos. Estes eram impostos pelo papel ativo desempenhado pela

população na relação travada com os coronéis, atores principais da política local. Assim,

rechaçamos a idéia de uma hegemonia absoluta e sem limites, na medida em que

verificamos o caráter recíproco da dependência eleitor-coronel e confrontamos as imagens

de um povo sertanejo ignorante, trabalhador e ordeiro com as práticas de uma população

consciente, subordinada, mas ativa.

Limitada pela exigência do sistema eleitoral, que impunha às elites a conquista do

voto da população, e pelas estratégias de participação desta, a dominação não chegou,

contudo, a ser colocada em perigo concreto. As reivindicações e ações populares existiram

dentro do limite da própria condição de dependência e dos valores sociais e políticos

compartilhados por ambos os pólos da relação, especificamente a prática do favor pessoal,

costume engendrado ao longo de séculos de história.

A efetiva participação popular no sistema político, individual ou coletivamente,

mesmo que subordinada, contribuiu para lhe dar legitimidade, perpetuando, dessa forma,

relações autoritárias, mascaradas pelo paternalismo e pelo favor.

O predomínio deste sistema político no município e na região parece ter se

prolongado pelas décadas seguintes e ainda na atualidade apresenta forte condicionamento

sobre as noções da população e da classe política acerca dos deveres do poder público e,

fundamentalmente, na distinção entre os seus interesses e os interesses privados. A mais

viva demonstração disso é a vitalidade com que o favor se manifesta nos processos

políticos e sociais ainda hoje, funcionando como um obstáculo direto ao surgimento de

práticas políticas efetivamente democráticas.

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Anexos Anexo A

Região Mineira do Nordeste – RMNe/Área Mineira da SUDENE *

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Legeda :

1- Águas Vermelhas 2 – Bocaiúva 3 – Botumirim 4 – Brasília de Minas 5 – Buritizeiro 6 – Capitão Enéas 7 – Claro dos Poções 8 – Coração de Jesus 9 – Cristália 10– Engº Navarro 11 – Espinosa 12 – Francisco Sá 13 – Francisco Dumont 14 – Grão Mogol 15 – Ibiaí 16 – Itambicabira 17 – Itacarambi

18 – Icaraí de Minas 19 – Jaíba 20 – Janaúba 21 – Januária 22 – Jequitaí 23 – Juramento 24 – Lagos dos Patos 25 – Lassance 26 – Lontra 27 - Manga 28 – Mamonas 29 – Matias Cardoso 30 – Mato Verde 31 – Mirabela 32 – Monte Azul 33 – Montes Claros 34 – Montalvânia

35 – Montezuma 36 – Pedras de Maria da Cruz 37 – Porteirinha 38 – Pirapora 39 – Riacho dos Machados 40 – Rio Pardo de Minas 41- Rubelita 42- Salinas 43 – São Francisco 44 – São João do Paraíso 45 – São João da Ponte 46 – Taiobeiras 47 – Ubaí 48 – Urucuia 49 – Várzea da Palma 50 - Varzelândia

* Não inclui os municípios emancipados em 1996.

Fonte: OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins. O processo de desenvolvimento de Montes Claros (MG) sob a orientação da SUDENE (1960-1980).São Paulo: USP, 1996. (Dissertação de Mestrado), pp.72-73.

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Anexo B

Território de Montes Claros em sua emancipação

Fonte: OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins. O processo de desenvolvimento de Montes Claros (MG) sob a orientação da SUDENE (1960-1980).São Paulo: USP, 1996. (Dissertação de Mestrado), p.81.

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Anexo C

Comissão de Honra das Comemorações do Centenário de Montes Claros.

Juscelino Kubitschek de Oliveira – Presidente da República

João Marques Belchior Goulart – Vice-Presidente da República

Ulisses Guimarães – Presidente da Câmara Federal

Apolonio Sales – Vice-Presidente do Senado Federal

Orozimbo Nonato da Silva – Presidente do Supremo Tribunal Federal

José Francisco Bias Fortes – Governador do Estado de Minas Gerais

Artur Bernardes Filho – Vice-Governador do Estado de Minas Gerais

Nisio Batista de Oliveira – Presidente do Tribunal de Justiça

José Augusto Ferreira Filho – Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Minas

Gerais

General da Brigada Américo Braga – Comandante da 4ª Região Militar

Assis Chateaubriand – Representante da Imprensa Nacional

Tenente Coronel Geraldo Batista – Comandante do 10º Batalhão de Infantaria da Polícia

Militar

D. José Alves Trindade – Bispo Diocesano de Montes Claros

Otávio Vieira Machado – Juiz de Direito da Comarca

Abilio Leite Barbosa Filho – Juiz Municipal

Jair Renault de Castro – Promotor de Justiça

Tenente Coronel José Coelho de Araújo – Delegado Especial de Polícia

(A comissão foi nomeada pelo Prefeito em exercício João Ferreira Pimenta pelo Decreto

Nº 31 de 25 de junho de 1956. )

Fonte: Revista Montes Claros em Foco. Montes Claros, agosto de 1956, n. 1, p. 6.

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Anexo D

Montes Claros Centenária

Canção do Centenário

(Letra e música de Luiz de Paula) Montes Claros, vovó centenária,

tú estás tão bonita, de vestido novo,

vê tuas ruas, tuas igrejas,

olha só a alegria do povo !

Eu relembro teu nobre passado

de lutas e glórias e tantas belezas,

teu luar, tuas serenatas

e o labor de teus filhos criando riquezas.

E os Morrinhos, com a capelinha

Onde minha mãezinha

rezava orações

e onde à noite os teus cantores

falavam de amores

em ternas canções.

Montes Claros, e esta imensa saudade

que a minh’alma invade

nos últimos refolhos,

minha terra, escuta o meu canto

e perdoa este pranto

que cai dos meus olhos

Fonte: Gazeta do Norte. Montes Claros, 20, dez. de 1959.

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Anexo E

Prefeitos de Montes Claros - 1930-1970

Nome Sigla Período Profissão Observação Alfredo Souza Coutinho 1928-1931 Advogado/juiz Pres.Câmara Orlando Ferreira Pinto 1931-1932 Engenheiro Cel. João Martins da Silva Maia

1932-1933 Fazendeiro

Carlos Pereira dos Santos 1933-1934 Prefeito interino Mário Versiani Veloso 03/34-

05/34 Farmacêutico Filho de Antônio

A.Veloso Floriano N.Siqueira Torres

1934-1935 Eng./Func.DER

Dr.José Antônio Saraiva 1935-1936 Dr.Antônio Teixeira Carvalho

1937-1942 Médico Vulgo Dr.Santos.

Dr.Alfeu Gonçalves de Quadros

PP 1942-1947 Fazendeiro/ Médico Nomeado pelo Gov. Benedito Valadares.

Dr. Demóstenes Rocket 1947 Engenheiro Dr.Alfeu Gonçalves de Quadros

PR 1947-1950 Fazendeiro / Médico 1º Prefeito eleito

Vice: Atos Braga PR 1947-1950 Prof./Contador/Jornalista

Diretor do Jornal o “O Operário” em 1948. Exerceu o mandato de Prefeito em 1948.

Enéas Mineiro de Souza PSD 1951-1954 Fazendeiro/Industrial Vice: João Lopes Martins PR 1951-1954 Fazendeiro vulgo “Cel.Lopinho” Alpheu Gonçalves de Quadros

PSD 1955-1958 Fazendeiro / Médico renuncia durante o mandato para cumprir acordo interno do PSD, só governando último semestre de 1958.

Vice:. João F.Pimenta PSD 1955-1956 Fazendeiro/Engenheiro Foi Prefeito de 1955-1956

Geraldo Athayde 1957-1958 Fazendeiro/Advogado Pres.da Câmara. Foi Prefeito em substituição a João F. Pimenta 1957-1958.

Simeão Ribeiro Pires PR 1959-1962 Fazendeiro/Engenheiro Vice: Pedro Santos PTR 1959-1962 Fazendeiro/Médico Pedro Santos 1963-1966 Fazendeiro / Médico Vice: Luis de Paula PSP 1963-1966 Antônio Lafetá Rebello ARENA 1967-1970 Fazendeiro Vice: Alfeu G. de Quadros

ARENA 1967-1970 Fazendeiro/Médico

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Anexo E (cont.)

Vereadores - 1947-1970

Legislatura 1947 – 1950 - Eleição: 23/11/1947 Nome Partido Profissão Observação João Lopes Martins PR Fazendeiro vulgo “Cel. Lopinho” Mauro de Araújo Moreira PR Fazendeiro /

Bancário

Antônio Augusto Veloso PR Fazendeiro / Médico

Antônio de Oliveira Fraga PR Industrial José Joaquim Pereira Dé PR Comerciante Hildeberto Alves de Freitas PR Fazendeiro vulgo “Cel. Deba” Gorgônio Mendes Cardoso PR Fazendeiro Alvino Pereira de Souza PR Fazendeiro Domingos Lopes da Silva PR Fazendeiro Carlos Gomes da Mota PR Fazendeiro / Adv. João Ferreira Pimenta PSD Fazendeiro / Eng. José Dias da Silva PSD Comerciante Philomeno Ribeiro Santos PSD Fazendeiro/Industr

ial

João Soares de Carvalho PSD Comerciante Pedro Santos UDN Fazendeiro /

Médico

Legislatura 1951 – 1954 - Eleição: 03/10/1950 Nome Sigla Profissão Observação Cel. Filomeno Ribeiro dos Santos

PSD Fazendeiro

João Antonio Pimenta Carvalho

PTN Fazend./Eng.Civil

José Maia Sobrinho PR Fazendeiro Aleixo Pereira Lopes PR Fazendeiro Pedro Santos PTN Fazendeiro João F. Pimenta PSD Fazendeiro / Eng. Sebastião Almério Borges PR Contador José Xavier Guimarães PTB Construtor Antônio Augusto Veloso PTN Fazendeiro / Méd José Nunes Mourão PTN Fazen./Prof./Adv Hildeberto Alves de Freitas PTN Fazendeiro Adhemar Dias de Figueiredo PTN Fazendeiro Ricardinho Francisco Tófani PTN Agrimensor Gorgônio Mendes Cardoso PTN Fazendeiro Mário Antônio Rabelo PSD Comerciante

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Anexo E (cont.)

Legislatura 1955 – 1958 - Eleição: 03/10/1954 Nome Sigla Profissão Observação Dr. Geraldo Athayde PSD Fazendeiro/ Adv. José Nunes Mourão PSD Fazen./Prof./Adv Hildeberto Alves de Freitas PSD Fazendeiro Jader Dias de Figueiredo PSD Fazendeiro Ricardinho Francisco Tófani PSD Agrimensor Cândido Simões Canela PSD Tabelião Benone Gomes da Mota PSD Comerciante José Avelino Pereira PSD Fazendeiro José Xavier Guimarães PTB Construtor Ubaldino Assis Oliveira PR Artur Fagundes de Oliveira PR Fazendeiro/Adv. Benedito Pereira Gomes PR Fazendeiro/Com José Antônio Veloso PR Fazendeiro José Maia Sobrinho PR Fazendeiro Pedro Martins de Sant’ana PR Prof./Advogado

Legislatura: 1959-1962 - Eleição: 03/10/1958 Nome Sigla Profissão Observação João Valle Maurício PR Fazendeiro / Med Benone Gomes da Mota PSD Comerciante José Nunes Mourão PSD Fazen./Prof/Adv. José Laércio Peres de Oliveira

PR Func.Público

Mário Ribeiro da Silveira UPI Fazendeiro /Med. Artur Fagundes de Oliveira PR Fazendeiro /Adv. Ubaldino Assis Oliveira PR Adv/Comerc. Robson Crusoé Loures de Macedo Moura

PR Adv./Bancário

Oldemar Santos UPI Adv./Industrial José Maia Sobrinho PR Fazendeiro Geraldo Rodrigues dos Santos

PSD Fazendeiro

Dr.Geraldo Corrêa Machado PSD Fazendeiro / Med Áfilo Mendes de Aguiar PSD Médico Manoel José de Souza PSD Fazendeiro José Geraldo Alkimim PSD

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Anexo E (cont.)

Legislatura 1963 – 1966 - Eleição: 07/10/1962 Nome Sigla Profissão Observação Cândido Simões Canela PSD Tabelião Gentil Freire Alkimim PSD Fazendeiro/Com. Geraldo Athayde PSD Fazendeiro /Adv. Humberto Guimarães Souto PSD Advogado João Luiz de Almeida Filho PSP Advogado Jonas Alves de Almeida UDN José Coelho de Araújo PSD Fazen./Med./Del. José Gomes Ribeiro PR José Linhares Frota Machado PR Advogado José Rodrigues Souto PR Fazendeiro Manoel José de Souza PSD Fazendeiro Orlando Ferreira Lima UDN Func.Público Simeão Ribeiro Pires PR Fazendeiro/Eng. Virgílio Gonçalves Pereira PSD Fazendeiro Ubaldino Assis de Oliveira PR Advogdo/Comer.

Legislatura 1967 – 1970 - Eleição: 15/11/1966 Nome Sigla Profissão Observação Aroldo da Costa Tourinho MDB Médico Francisco José Pereira ARENA Fazendeiro/Adv. João Henrique Dutra ARENA Radialista/Banc. João Lopes de Melo ARENA Comerciante Jonas Alves de Almeida ARENA José Coelho de Araújo ARENA Fazend./Med.Del. José da Conceição Santos MDB José Sidney Figueiredo Chaves

ARENA Fazendeiro/Adv.

Manoel José de Souza ARENA Fazendeiro Manoel Messias Machado MDB Nivaldo Maciel de Araújo ARENA Radialista Pedro Narciso MDB Fazendeiro/Adv. Simeão Ribeiro Pires ARENA Fazendeiro/Eng. Valdemiro Fagundes de Oliveira

ARENA

Wanderlino Arruda ARENA Fonte: GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Faces do Legislativo. Montes Claros: Sociedade Editorial Arapuim, 1997.

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Anexo F

Fins e Princípios da União Operária e Patriótica de Montes Claros

“Foi criada com o objetivo de agregar a classe operária e coordenar a atividade de seus

associados dentro de uma organização forte e perfeita, com os seguintes fins:

1º) - Prestar- lhes todo o gênero de benefício e defesa a saber:

a) – cultura moral, intelectual, social e física pela fundação e adesão de escolas, pela

realização de conferências, pela são imprensa, pelo rádio, cinema educativo, teatro,

esportes, escotismo, etc.

b) – proteção social, por uma assistência carinhosa e eficiente nas oficinas, escolas e lares,

advogando os interesses legítimos da classe.

c) – auxílio jurídico, médico, farmacêutico, dentário e material, pelas várias formas de

beneficências e mútuo socorro.

Para colimar êstes ideais, a União Operária firma suas bases nos seguintes princípios:

1º) – A doutrina moral do Evangelho de Cristo, o respeito mútuo, amor e harmonia entre os

homens.

2º) – Repúdio à luta sistemática e violenta de classes.

3º) – A fórmula de Toniolo: O trabalho cada vez mais dominante, a natureza cada vez mais

dominada, o capital cada vez mais proporcionado.

4º) – A necessidade da intervenção moderada do Estado na questão social no sentido de

controlar e regular o justo salário, a justa produção e o justo preço.

5º) – Conserva-se acima e fora da política partidária.”

Fonte: Revista Montes Claros em Foco. Montes Claros, agosto de 1956, n. 1, p. 40.

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Anexo G Discurso de Hermes de Paula nas comemorações do Centenário de Camilo Prates em 29 de dezembro de 1959.

“Não estou aqui cumprindo uma ordem, vim até a praça pública de bom grado, embora cumprindo mal uma tarefa honrosa, quando me é oferecida a oportunidade de comentar a vida de uma figura marcante no cenário político de nossa comunidade e principalmente sobre o homem que meu pai tinha como um de seus maiores amigos. Camilo Prates foi, por excelência, político. A política encheu sua vida desde os 20 até os 80 anos. Viveu intensamente. Na política encontrou seus grandes amigos e experimentou as maiores emoções. Com a política êle amou e serviu Montes Claros. E Montes Claros durante 50 anos vibrou um (sic) torno de sua figura extraordinária. Liberal de raça, abolicionista, tribuno ardoroso, defensor intransigente da justiça e do direito Camilo Prates foi o grande líder do Norte de Minas. Ele sentia as reivindicações de sua gente. Seus atos, suas causas traduziam sempre os desejos, as esperanças, os sentimentos e os anseios daqueles que o apoiavam e que acompanhavam vivamente emocionados, mas absolutamente confiantes a marcha de seus argumentos até o desfecho final sempre vitorioso. Da política, como já falei, Camilo Prates tirou quase tudo. Só não tirou dinheiro. Camilo Prates, que ocupou posições as mais destacadas, deputado federal durante vários anos, quase irmão de Francisco Sá – duas vezes ministro da viação – ele teve as melhores oportunidades para exercer funções meramente remuneradas ou conseguir empresas altamente lucrativas. Entrento sua estatura moral o traço predominante de seu carater faziam-no voltar as vistas para as causas do povo. Suas atitudes, sempre bem definidas, não constituiam artigos de negocio, pois a riqueza em dinheiro não estava entre os objetivos de sua vida. E era por isso, que seus amigos políticos de Montes Claros, ainda que, ás vezes, derrotado no ambito municipal, mantinham sempre acesa e crepitante a fogueira do entusiasmo; êles tinham um chefe a altura de qualquer situação, êles tinham um chefe de mãos limpas, imune ás vicissitudes tão comuns aos detentores do poder. Era assim que meu pai sentia Camilo Prates – amigo de de toda a prova. Honestio cento por cento, inteligente, culto e sobretudo amigos dos amigos. Eu cito meu pai, porque foi com êle que aprendi a admirar Camilo Prates. Mas, os amigos de Camilo Prates eram todos assim. Eram numerosíssimos. Francisco Augusto de Andrade (Chico Nené). Ainda o vejo a frente de seus eleitores, a cavalo. A banda Euterpe tocava um dobrado marcial. Os foguetes pipocando no ar. Os cavalos inquietos, fogosos.

Os aboiados ... Era véspera de eleição e, justamente nesta praça passavam todos eleitores numa

demonstração de força e como que uma visita de apoio ao chefe. Atrás de Chico Nené, vêm João Dias, Olimpio Dias, Rochano. Trazem os eleitores

de Brejo das Almas. Que entusiasmo ! Que galhardia ! E a confiança que Olimpio Dias

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Anexo G (cont.)

inspirava em todos ... Sem querer a gente recitava a quadrinha popular e buliçosa, que constituia uma resposta e um aviso a certas ameaças veladas: ‘Olímpio Dias quando soube deu grito no terreiro; se matar Camilo Prates, morre gente o ano inteiro’.

De Juramento chega Luis Maia, dono do distrito. Calmo, caladão, mas firme e decidido.

Agora, há um reboliço maior, chegam trezentos e tantos cavaleiros com violas e violões. Vem cantando e dando ‘vivas’ a Camilo Prates. Todos já esperavam por eles, vém do Mandacarú. São eleitores de Juca Souto – o Neco Santa Maria do passado.

A praça enche de cavaleiros e pedestres. E um estado de euforia incerteza de vitoria invade o coração dos ‘estrepes’.

Durante toda a noite há ‘comes e bebes’a fartar. Musicas, cantos, Batucadas. Vespera de eleição – festa para o estomago e para o espirito ...

Seu Camilo não dorme. De rancharia em rancharia visita durante a noite seus eleitores, conversando e auscultando. Ao lado de seu Camilo podem ver-se os camilistas vermelhos, chamados naquele tempo de ‘estrepes laportes’ – Basilio de Paula, Chico Souto, Augusto Dias de Abru, Olimpio Dias de Abreu, Antonio Lucrecio, Jacinto Ataide, Sebastião Tupinambá Quincas Costa João Figueiredo, José de Cacau, Americo Pio, Antonio Narciso Soares, Antonio Emidio, Etelvino Teixeira, Manoel Crispim, Professor Pedro Guimarães, Joaquim Mangabeira, Justino Guimarães, Antonio Francelino Lafetá, major Antonio Prates Sobrinho, Jorge de Souza Santos, Teodomiro Paulino, Olimpio Quintino, João Chaves, Juca Prates, Niquinho Teixeira.

Camilo Prates sabia fazer amigos. De tal maneira eram ligados a ele, que não se pode falar em Camilo Prates isoladamente. Seria uma amputação.

É por isto que estou citando aqui alguns de seus líderes, apenas os que a minha memória poude recolher de relance. Muitos já fizeram, como ele, a última viagem. Outros, porém estão aí, estão aqui presentes.

Não houve convite nominal para esta festa de gratidão. Os que aqui estão, vieram espontaneamente.

É comovedor este espetáculo de amizade demonstrado por João Vovô, Mestra Bila e Adeodato Cunha. Leram a notícia das festividades do centenário do nascimento de Camilo Prates e sem medir sacrifícios transportaram de Brasilia e aqui se acham abrilhantando esta homenagem ao grande e saudoso amigo. De mais longe veio João de Faria – outro fiel amigo de Camilo Prates.

Neste momento de ternura quando queremos perpetuar em praça pública a grande figura de Camilo Prates, é de justiça que se rendam também homenagens aqueles montesclarenses, sob todos os aspectos dignos de nossa admiração, aos quais Montes Claros muito deve e que, na política, estavam situados do outro lado.

Dr. Honorato José Alves, primeiro cirurgião de Montes Claros, professor catedrático de oftalmologia da faculdade de Medicina de Minas Gerais, deputado federal por Minas de dois decênios.

Desembargador Antonio, Augusto Veloso, que era nosso representante na Assembléia provincial, íntegro defensor da Justiça e profundo conhecedor do direito.

Dr. João José Alves, que disputava o poder municipal, médico humanitário e incansável, que devido a sua dedicação durante a gripe espanhola, apesar de uma crise política e de ser político militante, foi alvo de uma homenagem publica por todas as correntes políticas.

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Anexo G (cont.)

Eu não fui eleitor de Camilo Prates, minha idade não me permitia. Mas, estava

integrado no partido camilista, pois como muitos outros meninos de minha idade, fazia parte da ‘soldadesca de baixo’. E tive até o meu ‘batismo’, quando, em um encontro com a ‘soldadesca de cima’. No outro dia eu exibia, orgulhosamente, um grande hematoma na testa, sinal certo de luta.” Fonte: Gazeta do Norte. Montes Claros, 24 jan. 1960, p. 1

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Fontes

a) Jornais - Gazeta do Norte. Montes Claros - 1940-1962 (exceto 1941 e 1961) - O Jornal de Montes Claros. Montes Claros - setembro a dezembro de 1951

b) Revistas

-- Encontro. Montes Claros, fevereiro de 1962, n. 9.

- Montes Claros em Foco. Montes Claros - 1956-1962

- Montes Claros. Montes Claros – 1941.

- Nossa História. Montes Claros – 1999.

c) IBGE

- Censo Demográfico de 1940. Série Regional. Parte III- Minas Gerais. Tomo I. Rio de

Janeiro: Fundação IBGE, 1950.

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Estatística. Órgão Regional do IBGE, 1952.

- Anuário Estatístico do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1956.

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- Censo Demográfico de 1960 - Minas Gerais - V.I. Tomo IV. Rio de Janeiro: IBGE, 1960.

- Censo Demográfico de 1970. Minas Gerais. Série Regional. Vol. I. Tomo XIV. 2ª parte.

Rio de Janeiro: IBGE, 1970.

- Censo Demográfico de 1980. V. I, Tomo XVI. Rio de Janeiro: IBGE, 1980.

d) Câmara Municipal de Montes Claros:

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169

- Atas das reuniões de vereadores – 1959-1960.

- Correspondências Diversas de entidades e moradores – 1947-1962.

e) Memorialistas

GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Faces do Legislativo. Montes Claros: Sociedade Educacional

Arapuim, 1997.

PAULA, Hermes de. Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes. Montes

Claros: Pongetti, 1979.

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Academia Montesclarense de Letras, 1995.

VIANNA, Nelson. Efemérides montesclarenses 1707-1962. Rio de Janeiro: Pongetti, 1964.

f) Entrevistas

Ana Dias Lima

Dia: 20/06/2000

Nasceu em Juramento, distrito de Montes Claros até o ano de 1953, em 1918. Teve quatro

filhos em dois casamentos, viveu alguns anos em São Paulo, na década de 1940 e 1950,

mas passou grande parte da vida na zona rural de Montes Claros onde, além de trabalhos

domésticos auxiliava o marido nas atividades agrícolas. Atualmente é viúva, aposentada e

reside na casa dos filhos.

Ana Dias do Carmo

Dia: 17/06/2000

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Nasceu em Juramento em 1935 onde viveu até os 5 anos de idade. Mudou-se para o

povoado Cabeceiras, também no município de Montes Claros, onde reside até a atualidade.

Estudou até a 3ª série primária, casou-se no ano de 1956 com Manoel Ribeiro da Silva com

quem tem 11 filhos.

Augusta Maria de Jesus

Dia: 19/06/2000

Nasceu em São José do Gorutuba, atual cidade de Janaúba (MG), em 1915. Nunca

frequentou a escola, casou-se na década de 1930 e teve 14 filhos. Reside em Montes Claros

há várias décadas onde sempre trabalhou como lavadeira. É viúva, aposentada e reside em

casa própria.

Francisco Vieira da Silva

Dia: 23/06/2000

Nasceu em 1935 no município de Brasília de Minas (MG). Mudou-se para Montes Claros

em 1952 a procura de trabalho. Trabalhou em chácaras próximas a cidade e na Fábrica de

Óleo Mariflor recolhendo sementes de algodão. É portador de deficiência física,

aposentado e reside em casa dos irmãos.

João Barbosa Ribeiro

Dia: 20/06/2000

Nasceu em São José do Gurutuba em 1921. Mudou-se para Francisco Sá (MG) e para

Montes Claros na década de 1930. Trabalhou na construção civil até ser admitido como

trabalhador braçal da Rede Ferroviária Central do Brasil. Foi dispensado da Central do

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Brasil na década de 1950 quando foi concluída a ligação ferroviária Central do Brasil-

Leste Brasileiro (Minas Gerais-Bahia). Morou cerca de um ano no Paraná e foi readmitido

pela Central no final dos anso 50. Casou-se em 1950 e teve seis filhos, nunca frequentou a

escola. É aposentado, reside na casa de seus filhos.

José Santos

Dia: 20/06/2000

Nasceu em Calculé (BA) na década de 1910. Mudou-se para Montes Claros na década de

1930. Trabalhou como relojoeiro, ourives e seleiro até aposentar-se. Cursou até a 4ª série

primária. Casou-se na década de 1930 e teve 10 filhos. Reside em casa própria.

Maria Neuzália Ruas Silva

Dia: 16/06/2000

Nasceu em 1938 em Mirabela, distrito de Montes Claros até o ano de 1962, cursou até a 4ª

primária. Casou-se em 1956. Mudou-se para Montes Claros em 1978. Reside em casa

própria.

Manoel Ribeiro da Silva

Dia: 17/06/2000

Nasceu em 1927 no distrito de Cabeceiras, município de Montes Claros, onde casou-se na

década de 1950 e reside até hoje. Estudou até a 3ª série primária, teve onze filhos. Reside

na atualidade na mesma Cabeceiras onde é proprietário de um sítio.

Manoel Rodrigues da Silva

Dia: 16/06/2000

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172

Nasceu em 1926 em Nova Esperança, distrito de Montes Claros. Casou-se em 1945,

mudou-se para Montes Claros em 1978, trabalhou como agricultor e vigia. É aposentado,

casado, pai de oito filhos e reside em casa própria.

Osmar Reis Lopes Ribeiro

Dia: 15/06/2000

Nasceu em 1931 em Miralta, distrito de Montes Claros onde trabalhou como agricultor até

o ano de 1971 para a zona urbana de Montes Claros. Casou-se em 1940, teve dez filhos.

Trabalhou como carpinteiro prara a Prefeitura de Montes Claros nas décadas de 1970 e

1980. É aposentado e reside em casa própria.

Rita Xavier Costa

Dia: 16/06/2000

Nasceu em Curral Velho, Município de Montes Claros. sempre trabalhou em serviços

rurais. Mudou-se para Montes Claros na década de 1970. Nunca freqüentou escola, é

casada, aposentada, mãe de oito filhos.

Wanda Pereira Dias

Dia: 24/04/2000.

Nasceu na década de 1930. Casou-se com José Souto, tem cinco filhos. É doméstica

aposentada. Reside em Montes Claros em casa própria. Estudou até a 4ª série primária.

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