kusnet, eugênio - o ator e o método

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COLEÇÃO ENSAIOS ATOR E MÉTODO EUGSNIO KUSNET MEC - SERViÇO NACIONAL DE TEATRO

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KUSNET, Eugênio - O Ator e o Método

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  • COLEO ENSAIOS

    ATOR EMTODOEUGSNIO KUSNET

    MEC - SERViO NACIONAL DE TEATRO

  • capa desalvador monteiro

  • HIO(iRAFIA DO AUTOR

    I'IJ( ir.NJO SHAMANSKI KUSNET-SO!'J ,' (EtJ(if.NIO KUSNET), nasceu naMII"I. em 29 de dezembro de 1898. Iniciou~II. rurrelrll de ator em 1920 nos teatros rus-.... 11 ... chamados " Pa ses Limtrofes Blti-r ...... FmilUOu para o Brasil em 1926, comIlIlul"lIu de. depois de aprender a lngua, tra -h.lhar nos teatros brasileiros, porm no en-I'IIlItr..U nenhum teatro em condies derorrespunder s suas tendncias artsticas.":m vonseq ncia disso. abandonou o seutr.h.Jho teatral por mais de vinte anos.

    !'ol o contato com o primeiro teatro de1"luIJlIl. "Os Comediantes", dirigido porI.'",nhlnski. que lhe despertou novamente oIntcrllllC' C' 11 vontade de ingressar na vida dolcutro bruslleiro.

    Durante vinte e cinco anos tomou partecorno ator e diretor em vrios elencos, tendoplrtldpado nas representaes das peas:"Alnlll boa de Se-Tsuan" de B. Brecht, "Ospoqullnos burgueses" de M. Grki, "Marat/S.dc" de P. Weiss, "O canto da cotovia" deJ, AnuuUh, " Andorra" de Max Frisch , " Avl.ltu Ilu velha senhora" de F. Durrenrnatt, emultus outras,

    Fui premiado em 1954 com o "Prmio(;uvornador do Estado" pelo papel de Frei

    Jo~. no fllme "Sinh Moa" ; em 1958 como "Saci" pela pea" Alma boa de Se-Tsuan" ;tom 19M com o "Globo de Ouro " em PortoAlo,ro, pela pea "Os pequenos burgueses" ;em II)fl4 premiado como melhor ator no 1.0' .... lIvuJ Lutino- Americano, no Uruguai , pelap""a "Os pequenos burgueses" e. finalmen-lI'. em 19f16 com o prmio "Mol re" pelam".mu pea,

    1'.01 19f1I, por iniciativa do " Teatro Ofi-I'In.", comeou a lecionar arte dramtica,lomlo orllllnizado cursos para principiantes e.Imll. profissionais. Lecionou tambm nasI/nlvcr.ldades Catlica e Mackenzie.

    I""" viailem de estudos pelos pases da1':urupI, durante a qual, a convite do Minis-

    I~rlll li. ('ulturu da Unio Sovitica, teve a.."urlllnhludc de freqentar as aulas nasdual maluroM escolas teatrais de Moscou, a"1',I\'lIluF.tdio do Teatro de Arte" e a"1"'1'111. 'I'rutruJ de Stchukin", anexa ao1'... lrtllll' Vakhtongov.

    1..1'loIIIIU nll Escola de Teatro da Fun-,1~.1l ,I Artes de So Caetano do Sul.

    I

  • 21 em (Coleo Ensaios n.o 3.)

    COLEO ENSAIOS - N.o 3

    Kusnet , Eugnio, 1898 - 1975Ator e mtodo. Rio de Janeiro, Servio nacional de teatro,

    1975.(20) 151 p. (inel. ret o ms.)

    1. Teatro - Estudos. r. Ttulo.

    792

    o

  • EUGNIO KUSNET

    ATOR E MTODO

    SERVIO NACIONAL DE TEATROMINISTRIO DA EDUCAO E CULTURA

    RIO DE JANEIRO - 1975

  • Para poder sempre conferir as leisobjetivas da criatividade artstica, de-vemos manter ininterrupto o desen-volvimento da nossa prpria expe-rincia subjetiva.

    K. S. STANISLAVSKI

    Kusnet,Ndo sei se o livro bom. Sei que

    aprendi muito.Gratssimo!

    MIROEL SILVEIRA

    Colaborao: CARMINHA FVERO

  • NOTA DO AUTOR

    Este livro resultado da rejormulao de todo o material contido nosmeus livros : "Iniciado Arte Dramtica" e "In trodudo ao Mtodo daAa Inconsciente".

    Ao rel-los ultimamente constatei que os dois, em muitos pontos, torna-ram-se desatualizados e, por isso, pouco claros para o leitor de hoje, interes-sado nos destinos do teatro atual.

    Passaram apenas seis anos desde o lanamento do meu primeiro livro.Durante esse tempo surgiram muitas informaes novas, tanto de ordemcientfica, no campo de psicologia e sociologia, como as resultantes dasexperincias feitas em teatros.

    O prprio Mtodo de Stanislavski deve ser apreciado hoje sob a luzdessas informaes. Isto me obrigou a rever todo o material informativo,bem como a prpria metodologia por mim proposta enta.

    EUGNIO KUSNET

  • NDICE

    Nota do Autor ' .' .O Ator e a Verdade Cnica ou Estar Ardendo, para InflamarIntroduo .

    PRIMEIRA PARTE - Iniciao Arte Dramtica

    1.o Captulo Pg. 3Trabalho de teatro trabalho de equipe - Verdadesda Cincia - Verdades da Arte - Ator, elementoindispensvel ao teatro - Teatro, capacidade de re-presentar a vida do Esprito Humano - F Cnica -Obteno da F Cnica.

    2.o Captulo Pg. 13Objetivos do Personagem - Objetivos do Ator -Lgica da Ao - Ao Contnua e Ininterrupta -Ao Exterior e Ao Interior - No existe Aosem objetivo.

    3.o Captulo .......... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Pg. 35Circunstncias Propostas - O mgico SE FOSSE -Visualizao.

    4.o Captulo Pg. 48Meios de Contato e Comunicao: Fsicos e Mentais- Ateno cnica - Crculos de Ateno - AoInstaladora - Dualidade do Ator.

    5.o Captulo Pg. 62Visualizao das Falas - Origem da linguagemhumana - O sentido e o valor sonoro das palavras -Inflexo e nfase nas palavras - Leitura lgica.

    6. 0 Captulo Pg. 71Monlogo Interior e Sub-texto - O raciocnio eao do Personagem - Improvisao e Espontanei-dade do Ator - Falas Internas - Temperamento eEstrutura Psquica do Ator.

  • SEGUNDA PARTE - Meios de Comunicao Emocional

    7.0 Captulo . ...... .. . .... . ... ... .... . . ...... ... . .. Pg. 83Tempo-Ritmo - Efeito emocional do Tempo-Ritmo- Tempo-Ritmo Simples - Tempo-Ritmo Compos-to - Tempo-Ritmo Exterior - Tempo-Ritmo Inte-rior.

    8.o Captulo Pg. 97Anlise Ativa - Improvisao Objetivada - Receptivi-dade do Ator para trabalho de equipe - Roteiro dosacontecimentos - "fatores ativantes" - Como de-senvolver a "Anlise Ativa" numa pea - Diretor eElenco - A Imaginao e Espontaneidade, faculda-des exercitveis - Como fixar resultados obtidosnos "laborat6rios" - Anlise fria da Improvisao -Improvisao dentro das Circunstncias Propostas -Seleo dos Elementos da Ao - Assimilao gra-dativa do texto teatral: co-autoria do texto - Bomsenso e Prtica do Diretor para a escolha das etapasda "Anlise Ativa".

    9.0 Captulo Pg. 118Escrever cartas: preparao mental e fsica para aocnica (concrentraa) - Improvisao livre dentrodas "Circunstncias Propostas" - Meio de fixar ma-terialmente os pensamentos do ator para racionaliza-o e seleo dos resultados obtidos espontanea-mente.

    10.0 Captulo Pg. 133Comunicao Essencialmente Emocional - Meiosdo Ator ampliar o contato com o subconsciente -Psicologia Reflexol6gica esclarece e confirma essemtodo de trabalho no Teatro - Temperatura Limi-te das Emoes: Processo de Excitao e Inibioconscientes - " Laborat6rios" : Equilbrio entre Rea-lidade Objetiva e Realidade Subjetiva - Necessidadede constantes experincias para resultar concreta-mente o trabalho em Teatro.

  • o A TOR E A VERDADE CNICAou

    ESTAR ARDENDO, PARA INFLAMAR

    -1-

    Atlntida, Uruguai, dezembro de 1964, festival latino-americano deteatro: num palco quase vazio , preenchido apenas por algumas cadeiras euma mesa, um sof e um piano, espao cercado por uma rotunda preta, umhomem de 66 anos, calvo, usando culos e denunciando um pequeno defei-to numa das pernas, caminha sem parar, falando baixo e com rapidez, esbo-ando gestos e movimentos, olhando para os lados como se falasse comalgum, como se estivesse cercado de personagens invisveis, senta-se numacadeira mais alta que as demais, levanta-se em seguida, s vezes furioso e svezes tranqilo, concentrado profundamente em alguma coisa de indefi-nvel. Na platia vazia Renato Borghi e eu estamos silenciosos: sabemos queKusnet est certo, mas a vontade de rir difcil de controlar - um de nsdiz ao outro: " o velho parece que ficou louco!". Poucas horas depois oteatro Oficina de S. Paulo apresentava no festival " Pequenos Burgueses" deMximo Grki. Um inevitvel atraso na montagem do dispositivo cnico eda iluminao tomou impossvel realizar um ensaio completo (e pela pri-meira vez o espetculo, originalmente montado em S. Paulo no antigo palcodo Oficina, que tinha duas platias, uma diante da outra, com o espaocnico no meio, era encenado em palco italiano). Naquela noite, que nosvaleu o primeiro prmio do festival, Eugenio Kusnet conferiu, mais do quenunca extraordinria dimenso humana e social a seu personagem, o velhoBessemenov, que procura apegar-se desesperadamente a seus valores noinstante histrico em que as contradies scio-econmicas j anunciam aprxima e inevitvel queda da burguesia russa: seu desempenho, que lhevaleu o prmio de melhor ator do festival, foi vigoroso. No tendo possibili-dades de passar por um ensaio completo do espetculo, Kusnet ensaiousozinho. Aparentemente alucinado, mas exercendo, naquele instante, comgrande pressa mas exemplar conscincia profissional, um ato de extremalucidez e dignidade. Tenho certeza de que naquele "reconhecimento" dopalco, passando por todas ou quase todas as aes de seu personagem,Kusnet colocou em prtica, com xito, tudo que, em sua vida de ator eprofessor de interpretao, aprendeu e assimilou do clebre " mtodo" de

  • Stanislavski. Hoje Kusnet est morto. Faleceu com 77 anos. Uma existnciaquase que inteiramente dedicada ao teatro, que para ele foi no apenas umaprofisso, que assumiu integralmente sem nunca perder uma inquietaopermanente que transformava cada personagem num momento de pesquisa edvida, mas sobretudo uma grande paixo, que despertou nele o professor ea necessidade de transmitir seus conhecimentos e suas experincias, suascertezas e incertezas.

    Nos anos em que trabalhou junto ao Oficina, Kusnet foi mais que uminteligente e talentoso ator contratado, mais que um dedicado e generosocompanheiro de ' trabalho. Sua presena est em todos os espetculos nosquais participou: inteligncia viva nas anlises de textos, vigiando com rigora lgica das aes e dos comportamentos, auxiliando seus colegas de traba-lho a elucidar as contradies e os problemas, Kusnet marcou sensivelmenteaspectos da prpria concepo de alguns dos principais espetculos dirigidospor Jos Celso Martinez Correa, como "Pequenos Burgueses" e "Os Inimi-gos" de Grki, "Andorra" de Max Frisch ou "A Vida Impressa em Dlar"de clifford Odetts, E no momento em que o fascinante e complexo trabalhode pesquisa e violentao que precedeu a montagem de "Na Selva das Cida-des" de Brecht pelo Oficina conduziu encenador e intrpretes a um certodescontrole irracional, Kusnet foi chamado para indicar os caminhos dadisciplina e recolocar o carro nos trilhos. Paradoxalmente, no foi nunca umencenador criativo. Mas como professor sua atividade foi febril . Iniciou amuitos nas noes bsicas do trabalho do ator como atividade consciente,responsvel, criadora, liberta da magia e da inspirao, controlada por umtreinamento dirio, sistemtico. Fiel discpulo de Stanislavski, defendeucomo suas as teses de seu mestre. Aceitou e assumiu seus pontos de vista.Explica as noes mais elementares de seu ensinamento. Muitas vezes nofoi fcil convencer Kusnet a interpretar um papel: para ele o mais importan-te eram as aulas e seus alunos. Quando aceitou fazer o mdico de " Andorra"colocou condies: tinha alguns de seus alunos nos bastidores - fazia umacena, aproveitava os intervalos para trabalhar com os alunos no camarim,depois voltava para o palco. Estava dividido: ator ou professor - ou melhor,ator e professor, pois ambas as atividades nele -j eram inseparveis: suaprtica na cena se transformava em tema de aula e o que descobria com seusalunos, pois aprendia ensinando, engravidava seu trabalho como ator.

    -II-

    Ator e Mtodo recoloca, ampliando alguns aspectos, o que Kusnet jhavia escrito em seus dois livros anteriores: "Iniciao Arte Dramtica" e"Introduo ao Mtodo da Ao Inconsciente". O ttulo j define seus

  • objetivos: o ator corno centro do espetculo teatral (Kusnet afirma quesem o ator, como sem o espectador, o teatro no teatro ; a definioideolgica de seu projeto parte da clebre definio de Stanislavsky, " aarte dramtica a capacidade de representar a vida do esprito humano,em pblico e em forma art stica", mas Kusnet, no prefcio, cita Brecht e,trabalhador preocupado com a vida social e com a responsabilidade pol-tica do homem de teatro, diz que "o nico critrio para avaliar um espe-tculo e a sua influncia sobre os espectadores no dia de hoje") e omtodo como sistema de estudo e pesquisa, exerccio de recursos fsicos eemocionais que o ator pode desenvolver e dominar para transformar seutrabalho num processo racional e lgico, passvel de ser dominado e con-duzido, elementos conscientes que consigam inclusive provocar o que est aprisionado no inconsciente (para que, segundo seu pensamento, imponha-sea qualidade fundamental do ator: "convencer o espectador da realidade doque se imaginou", ou seja , cumprir a misso proposta por Stanislavski).Ator e Mtodo efetivamente supera os livros anteriores. Kusnet afirma quesentiu a necessidade de incorporar novas informaes que auxiliem o tra-balho do ator na construo de seus personagens: neste sentido, freqente-mente apela a colocaes cientficas, sobretudo vinculadas psicologia e reflexologia, Este livro no mais uma exposio de exerccios e regras (eele insiste em que, na arte, no existem leis inviolveis): realizando o quechama de reviso da "prpria metodologia", Kusnet mostra os ensinamentosde Stanislavski como um conjunto de noes bsicas que podero seradaptadas ou modificadas em funo do trabalho prtico, do tipo de pea aser encenada, do tipo de proposta do espetculo a ser realizada, etc. Nestesentido o livro se torna mais aberto que os anteriores. E mesmo aqueles queno aceitem integralmente as proposies de Stanislavski, considerando-asantes em seu significado histrico preciso (ou seja, uma gigantesca contri-buio ao estudo do trabalho do ator, primeira tentativa extraordinria desistematizar este estudo em bases racionais e quase cientficas, mas natu-ralmente enunciando valores e objetivos que esto demasiadamente presosa uma concepo de teatro e de trabalho artstico que em inmerosaspectos no mais corresponde s tarefas da produo artstica em nossosdias) encontraro em Ator e Mtodo uma tentativa de apanhar o que omtodo tem de imperecvel e indispensvel para qualquer tipo de traba-lho. Atento para no cair numa espcie de leitura "mstica" de certas afir-maes de Stanislavski, Kusnet alerta o leitor para a necessidade decompreender alguns conceitos primordiais. Sobretudo insistindo em que asafirmaes de Stanislavsky no sentido de que o ator necessita ter f refe-rem-se a uma f especfica: ou seja, a f cnica, no a f real (ou seja,espiritual). necessrio buscar, portanto, a verdade cnica , no a verdadereal.

  • Aprofundando este aspecto do problema da interpretao, um dos tre-chos mais .estimulantes do livro de Kusnet a discusso sobre a natureza e osignificado da chamada dualidade do ator. O ator nunca poder, em cena,deixar de ser de prprio para ser integralmente um outro ("viver um perso-nagem"). Consciente da batalha travada por Brecht contra um teatro quetem por objetivo mximo a identificao do ator com o personagem que,como conseqncia, provoque a identificao do pblico com o personagem(o que, segundo Brecht, reduz o espectador a um ser passivo, objeto aneste-siado, dopado, condicionado a abdicar totalmente da poss ibilidade de re-flexo, condenado a emocionar-se de forma mistificadora), Kusnet afirmaque a escolha do teatro atual a "coexistncia em cena do ator-cidado como personagem". E diz que quando o ator "encarna" um personagem, isto"no significa substituio mstica do ator pelo personagem, pois, neste casoo mundo objetivo deixaria de existir para o ator". O ator aceita e assume osproblemas do personagem, "adquirindo a f cnica na realidade da sua exis-tncia, vive como se fosse o personagem com a mxima sinceridade, mas , aomesmo tempo, no perde a capacidade de observar e criticar a sua obraartstica - o personagem".

    O estudo da "dualidade do ator" ampliado pela citao de trechos depesquisas cientficas mais recentes (Stanislavski em 1938, ano de sua morte,ainda afirmava no possuir condies de expor uma comprovao cientficado processo psquico que permite a " dualidade" ), sobretudo descries dosovitico R. G. Natadze, datadas de 1972, sobre o chamado processo deinstalao, que Kusnet mostra ser til tanto para o campons (atividadesutilitrias) como para o ator (atividades artsticas) . Isto porque ele parte deuma premissa certa: quem se comunica com a platia o 'ator - "O perso-nagem, como um ser humano criado pelo dramaturgo, vive a sua vida dentrodas circunstncias propostas, independente do espectador, pois este ltimonormalmente no faz parte das situaes em que vive o personagem, salvo seo autor da obra deliberadamente inclui os espectadores como participantesda ao dramtica. A no ser nesses casos especficos, o personagem temcontato e comunicao apenas com o ambiente e os outros personagens dapea". E conclui que o ator deve estar permanentemente em contato ecomunicao com o espectador "como, alis, com todos os elementos domundo objetivo que o cerca".

    - 111-

    Ator e Mtodo rene assim regras e exerccios, relato de experinciaspessoais de Kusnet e de pessoas que com ele trabalharam, alunos ou atoresprofissionais. Ele faz inclusive uma espcie de reviso de momentos do

  • personagem mais completo que realizou em seus 55 anos de teatro, oBessemenov de "Os Pequenos Burgueses". Outros exemplos, que ele no can-sava de repetir em suas aulas, partem de trabalhos de Fernanda Montenegroou Greta Garbo, Laurence Olivier ou Renato Borghi. Kusnet estava semprede olhos atentos, buscando num filme ou num disco, num ensaio ou numespetculo, matria para elaborar seu pensamento. Defende suas idias comfirmeza. Neste sentido curioso examinar, no ltimo captulo, com extremaateno, pois quase um resumo de sua viso do trabalho do ator, seudilogo com I. M. Smoktunovski, do elenco do Grande Teatro Dramtico deLeningrado. . um dos mais vigorosos atores do teatro contemporneo (seufascinante e meticuloso trabalho em "O Idiota" de Dostoiewski umaespcie de sntese extrema do processo stanislavskiano de trabalho, realizadonos dias de hoje): Kusnet defende, como "ponto culminante de todos osanseios de qualquer ator que se preze e que seja digno de exercer a sua arte",o que define como comunicaa essencialmente emocional. Srnoktunovskiconcorda e cita o poeta sovitico Iessenin: "Se voc no estiver ardendo, nopoder inflamar ningum", mas insiste: "a comunicao em teatro no deveser apenas emocional. Em teatro deve estar sempre presente uma idiaapaixonada". Kusnet concorda mas ressalta que "idia apaixonada" pres-supe " a alta emocionalidade da idia e, portanto, a obrigatoriedade dapresena de emoes extremamente agudas na comunicao com o espec -tador", ao que o ator sovitico tambm insiste: "Claro, mas nunca comausncia da idia, do pensamento". Talvez seja este um dos grandes debatesdo teatro atual: a dosagem entre a transmisso de idias e de emoes oucomo atingir o espectador, no sentido de mant-lo vivo, desperto, capaz dereflexo e crtica, diante de um espetculo, sem que isto implique em des-prezar o vigor da emoo verdadeira. Toda a problemtica da verdade cnicase insere neste debate. E um livro como Ator e Mtodo um estmulo e umaaula. Num pas onde o teatro uma aventura diria, onde os atores seformam improvisando no palco mesmo, onde as capengas ou retrgradasescolas de teatro no cumprem uma funo mais efetiva, onde a formaodo ator uma espcie de mgica, A tor e Mtodo, mais do que os dois livrosanteriores de Kusnet, um convite a um mergulho mais aprofundado nosindispensveis livros de Stanislavski, para que o leitor tome conhecimentocom uma das profisses mais contraditrias e fascinantes, uma necessidadequase atvica do homem em sua nsia de expresso e criao de valores, emseu desejo de situar-se dentro da sociedade como elemento transformador.E, sobretudo para os atores, ou os que pretendem ser atores, um convitepara a aquisio de uma conscincia mais ntida de sua profisso, atual oufutura, de seus recursos, sua disciplina, seus problemas e suas responsabili-dades. E ainda o testemunho eloqente de uma paixo: um ato de f noteatro e no homem, escrito por um ator que no se contentou em ocupar o

  • palco para si mesmo, no aceitou aprisionar sua experincia pessoal em smesmo, escolhendo, como necessidade vital e (sobretudo no final de suavida como necessidade primordial) transmitir seus conhecimentos, refor-mular suas idias, pesquisar cada vez mais adiante, sem medo ou precon-ceito, ainda que sempre fiel aos valores que assumiu desde cedo. De tantascitaes clebres de Stanislavski, Kusnet escolheu para esta edio de Ator eMtodo, que infelizmente aparece pstuma, justamente a que define commaior preciso no apenas o livro mas a ele mesmo, como ator e professor: aconscincia de que necessrio sempre conferir as leis objetivas, e elasexistem, da criatividade; e para isso necessrio manter ininterrupto odesenvolvimento da prpria experincia subjetiva. Pois teatro se aprendefazendo, mas no se aprende, nem se realiza alguma coisa de conseqente. sea prtica no for acompanhada, no cotidiano, de uma reflexo rigorosa,exigente e intransigente.

    FERNANDO PEIXOTO

  • INTRODUO

    Entre todas as artes, a arte dramtica talvez seja a nica que s em casosde absoluta exceo poderia ser exercida por a?enas uma pessoa. Ela essencialmente sujeita ao resultado do trabalho de conjunto, de equipe.Quanto maior for a harmonia existente entre os elementos da equipe, sejaem teatro, em cinema ou em televiso, quanto maior for o ESPIRITO DECOLETIVIDADE no trabalho, tanto melhor ser o resultado. Entre parn-teses: a palavra "elenco" na Unio Sovitica traduzida por "coletivo".

    Por isso as palavras do escritor Anton Tchekov sobre coletividade emgeral, podem ser perfeitamente aplicadas ao trabalho de equipe teatral: "Secada um de ns aplicasse o mximo de sua capacidade no cultivo de seuterreno, em que belo jardim se transformaria a nossa terra!"

    E isso s possvel quando se trabalha com muito amor. Esse amor pelotrabalho coletivo em teatro nunca deve ser superado pelos anseios e vaidadespessoais. Ns , gente de teatro, somos vaidosos por excelncia, pela prprianatureza de nossa arte que exibicionista, mas o essencial que a nossavaidade seja construtiva e no prejudicial ao trabalho coletivo. " Ame a arteem voc , mas no a voc na arte". Essa frase de Stanislavski tambm nuncadeve ser esquecida pela gente de teatro.

    Mas o amor que todos ns temos nossa arte, ao teatro, no pode serabstrato. A famosa frase: "Arte pela arte!" no passa de um absurdo e deuma mentira. O ator que durante o processo de sua criao artstica, oespetculo, tem a sua frente seres humanos, os espectadores, que apreciam,que julgam e que at participam da sua criao, esse ator no pode igno-r-los, pois espectadores fazem parte orgnica da sua arte. Como entopoderia o artista de teatro fazer "arte pela arte? "

    No, a nossa arte realizada, como disse Stanislavski, "para o homem,pelo homem e sobre o homem!"

    No se pode "existir em cena", realizar um espetculo teatral s peloprazer do prprio processo de criao. Sim, devemos amar a nossa arte, masno apenas pelos triunfos e pelo prazer que ela nos proporciona, mas princi-palmente pelo direito de nos comunicar com o espectador, com o nossosemelhante.

    Essa comunicao s possvel quando os pensamentos, as preocupa-es, enfim tudo de que vive o espectador, preocupe profundamente o ator,e quando simultaneamente, tudo de que vive o ator em cena possa interessar

  • e preocupar o espectador, porque o nico critrio para avaliar um espetculo a sua influncia sobre os espectadores no dia de hoje. Bertolt Brecht disse:" preciso criar espetculos para o espectador que hoje come carne dehoje". E assim - em todos os espetculos, da estria ao ltimo espetculo.

    Por isso necessrio que o ator responda a duas perguntas: "Por quevoc faz teatro? " e " Por que voc faz hoje esse espetculo? "

    E agora que j encaramos com toda a seriedade o problema mximo danossa profisso, podemos "relaxar" falando de coisas menos graves.

    O espectador no vai ao teatro s para "encontrar resposta a seusproblemas" (isto muito raro), ele vai l principalmente para se divertir. Elese sente constrangido quando nota que o teatro tem tendncia de o cate-quizar, de lhe "dar uma aula". Ele no gosta de se sentir numa escolinha.

    Alis, sabem vocs que nas escolas modernas procura-se atualmente,evitar imposies de ensinamentos? Recomendam aos professores fazer com

    .que o aluno tenha impresso de que foi ele prprio que descobriu a soluopara um problema. Com isso consegue-se a participao do aluno no pro-cesso de ensino.

    O mesmo deve se fazer em teatro: se ~oc conseguir dar forma atraente,excitante ou divertida aos problemas serssimos que voc apresenta em cena,o espectador ter vontade de participar do espetculo - ao menos mental-mente - e assim absorver suas idias imperceptivelmente para ele prprio.

    raro que o espectador, atrado pela ao forte do espetculo, consigaraciocinar sobre o que v e ouve . Basta que ele sinta a ao. As emoesadquiridas, mais tarde, em casa, pouco a pouco sero transformadas empensamentos e concluses.

    Assim o teatro ENSINA DIVERTINDO E, S VEZES, BRINCANDO.Por isso, a meu ver, um dos problemas importantes nos estudos para ofuturo ator paradoxalmente, a capacidade de "brincar seriamente", isto , 'nunca perder o extremo prazer de exercer a sua arte, enquanto vive em cenaos mais graves problemas da vida humana.

    Como conseguir isso? Por onde devemos comear? A fonte mxima deestudos para um artista , sempre foi e sempre ser a prpria vida, a natu-reza.

    por isso que , ao comear as nossas palestras sobre a iniciao artedramtica, tomaremos por base o Mtodo de Stanislavski. No por consi-der-lo o melhor, mas por ser o nico baseado nos estudos da prprianatureza humana.

    Todos vocs conhecem esse nome e no h necessidade de contar aquisua biografia (embora nela encontremos pontos de enorme importncia paragen te de teatro ), mas bom relembrar como esse homem comeou os traba-lhos que nos interessam.

    Ele comeou a sua vida de teatro no amadorismo. Acho importante

  • sublinhar esse fato para frisar que Stanislavski no partiu de uma determi-nada escola, no foi influenciado por determinadas tendncias. claro queele leu muito sobre teatro, viu muitos teatros, conheceu muita gente deteatro, mas nunca foi pressionado por ,uma determinada idia.

    Filho de uma famlia rica, ele dispunha de meios para "brincar" deteatro. Tendo encontrado jovens entusiastas como ele prprio, formou umgrupo de teatro amador. Essas experincias e o seu trabalho posterior noteatro profissional deram-lhe o material que pouco a pouco, se transformouno que hoje conhecemos como o "Mtodo de Stanislavski",

    No tempo em que eu comecei a trabalhar em teatro profissional, isto ,em 1920, no existia o Mtodo por escrito. Ns conhecamos as tendnciasdo Mestre atravs de alguns artigos escritos por ele e, principalmente, atravsde suas realizaes no "Teatro de Arte de Moscou", que sempre forammuito comentadas tanto pelos crticos, como pelos pesquisadores de teatro.

    A influncia de Stanislavski sobre todos os teatros russos era enorme jnaquela poca, mas ningum, a no ser seus discpulos e colaboradoresdiretos, chegou a usar os elementos do seu Mtodo conscientemente. Seuspoucos ensinamentos conhecidos e seus espetculos, apenas despertavam emtodos os atores e diretores a vontade de exercer o seu "metier" melhor,pensar mais no seu trabalho, procurar pessoalmente os meios de se aproxi-mar mais dos resultados obtidos por Stanislavski.

    S muito mais tarde, aqui no Brasil, quando pela primeira vez tive aoportunidade de ler suas obras, cheguei a reconhecer nos elementos de seuMtodo alguns detalhes do meu trabalho, quase instintivo, daquele tempo.Comparando as experincias . concretas de Stanislavski com as minhas,embora muito tmidas e vagas, mas que surgiram sob a influncia dele,naquela poca, que eu concebi a idia de lecionar a Arte Dramtica na basedo Mtodo.

    Portanto, no sou nenhum "especialista em Stanislavski", nunca fui seualuno, nem tive a honra de contato pessoal com o Mestre. Sou apenas umdos muitos pesquisadores que procura, na medida do possvel, ser til aosque se interessam pelo trabalho de teatro. Lecionando eu 'continuo a apren-der. Durante todos esses longos anos meus alunos me ensinaram muitodaquilo que sozinho nunca conseguiria descobrir.

    E agora vamos ao que interessa.

    EUGNIO KUSNET

  • PRIMEIRA PARTE

    INICIAO ARTE DRAMTICA

  • PRIMEIRO CAPITULO

    Antes de entrar nos assuntos desta Iniciao Arte Dramtica, achomuito til estabelecer certas normas que possam reger nossas relaes, isto ,relaes entre o que ensina e os que estudam. Para isso preciso tornar bemclaros os nossos objetivos.

    Se vocs esto lendo este trabalho porque se interessam pelo teatro. Omesmo poderia dizer a seus ouvintes um professor de fsica ao iniciar suasaulas: " Se vocs esto aqui, porque se interessam pela fsica" .. . At aquia situao idntica: o interesse pela matria a ser estudada.

    Mas a primeira matria uma arte, ao passo que a segunda umacincia. As verdades da cincia so inviolveis, indiscutveis, pelo menos at omomento em que a prpria cincia as refute. As verdades da arte podem sersubmetidas a dvidas a qualquer momento, basta para isso submet-las anovas experincias e oferecer o seu resultado apreciao dos homens. Emresultado final (mas na realidade sempre temporrio!) dessa apreciaopoder surgir nova verdade, cuja durao depender da apreciao da maio-ria.

    Ao comear a estudar uma arte, todos tem o direito de duvidar e deaplicar sua prpria concepo sobre a essncia da arte em questo. Mas nosestudos de uma cincia o aluno deve respeitar rigorosamente as normasestabelecidas. Seria um absurdo inconcebvel se algum, ao comear a estu-dar fsica nuclear ainda duvidasse da lei da gravidade. Mas no seria nenhumabsurdo duvidar das leis que devem reger a Arte Dramtica. Ningum podeprovar a inviolabilidade de certas normas da arte que , no momento, soreconhecidas pela maioria como universais: para alguns elas so inviolveis,para outros, apenas uma das formas de expresso teatral.

    Isso me faz lembrar a conversa que tive com um dos nossos homens deteatro. Ele me disse : "Kusnet, no est longe o tempo em que o ator noser mais necessrio em teatro !" Eu desviei a conversa exatamente porquenada podia provar em contrrio; eu sabia que a idia dele no era nada nova:um diretor usa todos os meios fsicos que encontra ao seu alcance - formas,linhas, luzes, sons - para transmitir a idia da obra dramtica e, nessascondies, qualquer pessoa viva serve no lugar de um ator; basta coloc-la naatitude desejada, ilumin-la convenientemente, etc. E no duvido que usan-do esses meios, o diretor poder conseguir muitos efeitos de emoo ou deraciocnio, mas ser isso teatro? Eu respondo categoricamente: No! Mas

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    nada posso provar. S posso dizer que, a meu ver teatro outra coisa, que oteatro sem ator para mim no existe. Stanislavski no fim de sua vida, que elededicou totalmente s pesquisas sobre todas as possibilidades do teatro,disse: "Cheguei concluso de que os meios materiais de encenao solimitados e que o mais importante elemento de teatro o ator, o homem,porque seus meios, suas possibilidades no tem limite, como no tem limitea combinao das sete notas da gama musical: ela nunca foi nem ser esgo-tada pelos compositores".

    Procuremos chegar essncia do teatro por eliminao progressiva dosseus elementos. Sem qual deles o teatro no poderia existir? Sem prdio,sem palco? Claro que pode! Basta que se faam espetculos ao ar livre. Semcenrio, sem iluminao? Pode ! A natureza nos d, s vezes, esses elementosem forma mais rica do que a que pode ser conseguida em teatro. Semmsica? Claro. Ela nunca foi essencial no teatro falado; ela til mas noindispensvel. Sem texto fixo? Por que no? As falas podem ser impro-visadas como em teatro "happening". Sem diretor? O ator pode auto-dirigir-se. E sem ator? O que poderia substitu-lo? Vejamos.

    A tecnologia moderna chegou a descobertas com que nossos avs nopoderiam nem sonhar; os robs-computadores substituem o homem emvrios setores de atividade executando tarefas que aparentemente no esta-riam ao alcance do prprio homem; a ciberntica tenta fabricar obras dearte. Tudo isso verdade, mas ningum poderia imaginar que o "Crebroeletrnico", um dia pudesse igualar-se ao crebro humano.

    Num rpido programa de informaes tcnicas no Canal 2 (T V Cul-tura), em So Paulo, um cientista - lamento no ter tomado nota do seunome - me impressionou sobremaneira quando disse que as informaesque chegam ao crebro humano, s vezes, vem dos genes . Com todos osaperfeioamentos imaginveis, ningum poder em s conscincia, sonharcom a hereditariedade dos robs. E eu acrescentaria: nenhum computadorser capaz de se apaixonar por uma computadora.

    O ator, o homem que vive, que pensa, que sente o nico elemento deteatro absolutamente indispensvel. Todos os outros elerri-ntos, emborasejam de imensa utilidade, no so mais que satlites desse " sol" do teatroque o ator.

    E finalmente; podemos perguntar: poder o teatro existir sem especta-dor? No! A razo da existncia do teatro exatamente a sua comunicaocom o espectador.

    assim, e s assim que eu entendo o teatro.Mas imaginemos que entre vocs, meus leitores, se encontrem pessoas

    cuja opinio seja contrria minha concepo de teatro. Que faramos ns,eu que escrevo na base da minha concepo e vocs, com idia diametral-mente oposta. claro que nessas condies ns nunca chegaramos a qual -

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    quer resultado til. Da a absoluta necessidade de estabelecermos basescomuns para os nossos estudos. No se assustem, no pretendo impornenhum determinado estilo de teatro. Trata-se apenas de estabelecer opnto de vista comum sobre o que "bom teatro" e o que "mau teatro" .

    H uns anos se dizia, alis, s vezes ainda se diz, para qualificarmos ummau espetculo: "ruim como rdio-novela". Procurem lembrar-se de algunsexemplos de rdio-novela daquele tempo e vero que realmente havia razopara essa comparao. E notem: em muitos casos no era culpa dos atores esim das condies em que eles trabalhavam, pois os "scripts" eram entreguess vezes, poucos minutos antes da irradiao e a novela ia "pro ar" sem umaleitura sequer.

    E o resultado naturalmente, era bem triste, tudo era estandardizado;aqueles viles sanguinrios com suas vozes roucas e suas risadas "sinistras",aquelas mes "sofredoras" que, logo no incio da novela, ainda sem razoalguma para sofrer j falavam com um n na garganta, aqueles maridosinfiis que ao mentir esposa, gaguejavam tanto que nenhuma pessoanormal poderia acreditar na sua inocncia, etc.

    Creio que no pode haver duas opinies a respeito da qualidade dessetipo de teatro.

    E agora procurem exemplos do contrrio, daquilo que vocs pudessemchamar de bom teatro. Procurem lembrar-se de algum bom trabalho doteatro nacional ou dos teatros estrangeiros, que visitam o Brasil, ou dostrabalhos de cinema. Pensem e procurem compreender por que os atoresdesses exemplos os impressionaram? Qual a diferena entre um bom e ummau ator? Uns diro que o bom ator sempre natural ao passo que o mau artificial; outros diro que o bom ator " vibra" e o mau "fica frio"; maisoutros diro que o bom ator "vive o papel" e, com isso, chega a nos fazeracreditar na realidade da existncia do personagem, ao passo que o mau"representa".

    Resumindo todas essas opinies e possivelmente, muitas outras, pode-mos dizer que os maus atores na nos convencem da realidade do querepresentam e os bons convencem. Por conseguinte, o objetivo do ator quepretende fazer "bom teatro" conseguir essa capacidade de convencer oespectador da realidade do que se imaginou para a realizao do espetculo,o que, no fundo, sempre redunda na transmisso da idia do autor aoespectador.

    No demais frisar aqui outra vez que para mim um axioma: o artistano pode criar sem ter vontade de convencer. Leon Tolstoi disse : " Uma obrade arte s autntica quando a pessoa que a aprecia no pode imaginaroutra coisa a no ser aquilo que aprecia." Tal deve ser a fora de convicode um artista.

    Mas voltando ao assunto, j que se trata da transmisso de uma idia, o

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    principal objetivo do ator no pode ser o de convencer o espectador darealidade material da vida, mostrar-lhe como o personagem dorme, anda,come, etc, mas sim mostrar-lhe o que o personagem quer, o que pensa, paraque vive.

    O ator atravs de seu comportamento fsico, exterior - mostrandocomo o personagem come, dorme, anda, fala - convence o espectador darealidade da vida interior do personagem: do que ele pensa, do que ele quer,do que ele sente, o que vale dizer: convence-o da realidade da vida doesprito humano. "As pessoas esto jantando, apenas esto jantando, masexatamente nessa hora se forma a sua felicidade ou se arruinam as suasvidas" . (Anton Tchekov)

    Assim chegamos a concretizar o principal objetivo do teatro que setoma to claro na definio de Stanislavski:

    A ARTE DRAMTICA A CAPACIDADE DE REPRESENTAR AVIDA 00 ESPRITO HUMANO, EM PBLICO E EM FORMA ESTTICA.

    Como podem constatar, no h nisso a mnima limitao; todo e qual-quer estilo de teatro aceitvel, contanto que contenha a vida do espritohumano.

    Em conversa com um dos nossos diretores - e por sinal , um excelentediretor -, esse problema surgiu da seguinte forma. Ele me perguntou: "E seeu lhe propusesse o papel de um simples objeto e no de um ser humano,por exemplo, o papel de uma cadeira - voc o aceitaria? " Eu respondi: "Seessa cadeira tem amor por uma outra cadeira; se nutre a esperana de um diase tornar uma poltrona; se essa cadeira tem medo de morrer queimada numincndio, ento eu aceito o papel porque, nesse caso, a sua cadeira ter avida do esprito humano. Do contrrio, voc no precisa de um ator -ponha uma cadeira verdadeira e que os seus atores falem com ela" . . .

    Stanislavski e seus verdadeiros adeptos nunca fizeram objeo a nenhumestilo de teatro. Um dos maiores diretores do Teatro Sovitico, NicolaiOkhlpkov, quando duramente criticado pelos seus colegas da camada con-servadora que o acusavam de estilizao e modernismo exagerados, respon-deu as acusaes num artigo: "Que cada diretor use o que achar convenientee de acordo com seus princpios artsticos, contanto que isso no somenteno prejudique, como tambm ajude, coopere na realizao do mais impor-tante: a revelao ,do rico e complicado mundo interior do homem. Docontrrio, o ator no ter nada que fazer e o diretor nada que procurar". Edepois: "O espetculo s se realiza quando se consegue revelar esse mar deidias, emoes e desejos ; e um mundo inteiro em cada gota desse mar".

    Apesar do seu modernismo, Okhlpkov se enquadrava perfeitamentedentro dos princpios do Mtodo.

    interessante notar que os mais extremados "esquerdistas" de Teatrono fogem desse fator - a vida do esprito humano. Eugne Ionesco, num

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    artigo em que ele explica como a seu ver, deve ser o teatro de hoje, escreve:"Le Thatre est dans l'xageration des sentiments, l'xageration qui disloquele rel". Portanto, embora extremamente exagerados, os sentimentos conti-nuam a existir no seu teatro; portanto existe nele a vida do esprito humano.

    Assim se apresenta a primeira parte da definio de Stanislavski: "Acapacidade de representar a vida do esprito humano".

    Quanto 'aos outros dois detalhes da definio, eles so bvios: "Repre-sentar ... em pblico . . ." No se pode conceber o teatro sem espectador,- ele faz parte da prpria natureza desta arte.

    E finalmente: " ... em forma esttica". A ao teatral no deve ser feia.Com isso eu no quero dizer que ela deve ser "bonita", ela pode ser horro-rosa, horripilante mas ao mesmo tempo, bela como bela a cena da mortede Desdmona, apesar do horror que ela causa ao espectador. Sabemos que avida humana est cheia de detalhes feios e que esses detalhes talvez tenhamque fazer parte da ao teatral, mas cabe aos criadores do espetculo dar-lhes, na medida do possvel, um aspecto que no prejudique o belo da ao.Uivos prolongados de um homem submetido tortura, excesso de sangue euma ferida aberta numa cena de assassinato, detalhes de vmito numa cenade doena, todos esses detalhes, embora representem aspectos de um sofri-mento real, em teatro causam ao espectador apenas uma nusea e lhes tirama ateno do mais importante: do "rico e complicado mundo interior dohomem".

    Ento repetimos: o objetivo do ator convencer o espectador da reali-dade da vida do esprito humano. Os que conseguem isso chegam a realizarverdadeiros milagres. Vocs talvez conheam casos em que grandes intr-pretes de personagens histricos conseguiam convencer os espectadores dascaractersticas totalmente contrrias concepo histrica, cientfica. Emais ainda, dois intrpretes do mesmo papel histrico conseguiam convenceros espectadores, embora suas idias sobre o personagem fossem completa-mente diferentes.

    A fora de convico do teatro to grande que ele capaz de conven-cer - embora provisoriamente - um espectador que vem com uma idiapreconcebida sobre o espetculo e baseada numa convico pessoal profun-da. Tive ocasio de sentir isso quando assisti a "Os Pequenos Burgueses" deM Gorki no Grande Teatro Dramtico de Leningrado. Eu, ator que chegoua uma determinada concepo da obra depois de cem ensaios e quase oito-centas representaes dessa pea no Teatro Oficina, eu me senti to preso ao do espetculo de Leningrado, que perdi totalmente a capacidade deraciocinar e de comparar. O espetculo me absorveu, me envolveu totalmen-te, embora a concepo daquele teatro fosse quase diametralmente oposta do Teatro Oficina. S depois de oito horas de raciocnio calmo conseguivoltar minha concepo original que, alis, at agora considero mais certa.

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    Como eles conseguem esse resultado? Que usam esses grandes atorespara cheg~r a esse verdadeiro mila$re de persuaso? A resposta, geralmente esta: "E um grande talento! E um gnio! "Mas essa resposta no nossatisfaz a ns, atores. A cincia moderna procura defmir o que talento, oque intuio. Um psiclogo russo, Aleksandr Kron, diz que "freqente-mente uma imagem precede um pensamento lgico" e mais adiante: "euentendo o conceito de 'intuio' como experincias no conscientizadasadquiridas pelo homem em vrias etapas de seu desenvolvimento e, talvezmesmo, depositadas parcialmente em seus genes ..." (portanto, experin-cias hereditrias).

    Acreditando que esse cientista tenha toda a razo, ainda assim nosaberamos como usar esses ensinamentos no trabalho prtico da nossa pro-fisso. Ah, se a cincia pudesse explicar-me quais os processos qumicos efsicos que eu deveria provocar no meu organismo para igualar o meu olharao de Laurence Olivier no filme "Ricardo 111". (Lembram-se aquela cenamuda no porta do castelo? ) Mas a cincia ainda est muito longe dessaspossibilidades.

    Embora tenha feito milhares de experincias de modelagem de obras dearte, algumas bem sucedidas, a cincia ainda no sabe explicar, como disseA Kron, qual a diferena de ondas sonoras (vibraes) entre as do violon-celo de Pablo Casals e as de um violoncelista medocre quando os doisinterpretam a mesma msica.

    O que nos resta procurar compreender o que fazem os artistas geniaispara conseguir esses resultados espantosos! Se ns pudssemos compreendero que se passa na mente deles, quais so os processos que regem o seutrabalho! No poderamos, usando os mesmos mecanismos, chegar pelomenos a uma parte do que eles conseguem intuitivamente?

    Foi esse o objetivo de Stanislavski quando comeou as pesquisas quemais tarde se transformaram no Mtodo.

    Pois bem, raciocinemos com ele. Convencer! possvel convenceralgum de alguma coisa em que ns mesmos no acreditamos? muitodifcil. Um vendedor que sente nusea s de pensar no vinho que oferece aocomprador, dificilmente poder vender uma garrafa. Mas aquele que durantea conversa se baba todo ao descrever o paladar do vinho, este sim, convenceo comprador com facilidade. Ento o que deve fazer o vendedor que nogosta do vinho que oferece? Ele deve chegar a acreditar que o vinho formidvel, adquirir essa f na obstante suas sensaes pessoais.

    Agora torna-se necessrio abrir parntese para desfazer uma antiga con-fuso criada em torno do Mtodo. O que entendia Stanislavski sob o termo"f"? Exigia ele do ator uma f na realidade do imaginrio?

    Realmente, o prprio Mestre deu margem interpretao errnea doseu mtodo, pois nos seus livros encontramos expresses como: "o ator deve

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    sinceramente acreditar nas circunstncias propostas, ter f na sua reali-dade . .."

    Mas se realmente fosse essa a inteno de Stanislavski, ele induziria oator a perder o senso da realidade, a perder o contato com a realidade domundo objetivo que o cerca no palco. Ora, isso s possvel em estadopatolgico, pois as doenas mentais so caracterizadas exatamente pela"perda do senso do real".

    Mais tarde Stanislavski tornou claras suas verdadeiras intenes quandoescreveu: "Chamamos de 'verdade cnica' aquilo que no existe, mas poderiaexistir". E quando percebeu que deram um significado literal sua exignciada "f", ele escreveu: "Isso no quer dizer que o ator deve entregar-se nopalco a uma espcie de alucinao, e que ao representar o seu papel ele deveperder a noo da realidade, tomando, por exemplo, peas do cenrio porrvores verdadeiras, etc." ...

    Mais tarde falaremos detalhadamente sobre esse assunto to impor-tante na nossa arte. Por enquanto convenhamos simplesmente que a f aqual o Mestre se referia, embora tenha que ser absolutamente sincera, uma f especfica. Toda vez que voltarmos a usar esse termo, como ofazia Stanislavski, ficar bem entendido que subentendemos a "f cnica" eno a f real.

    O nosso hipottico vendedor de vinhos tambm "representava" para ocomprador e, por isso, tambm podemos chamar a sua f de "f cnica".

    Um mentiroso, para enganar uma pessoa no poder deixar de acreditarna realidade do qu e inventou, seno o seu interlocutor perceber a mentira;mas, simultaneamente, o mentiroso no perder de vista a realidade dasituao - a necessidade de enganar. A sua f nesse caso tambm tercaractersticas da "f cnica".

    Se na vida real, para convencer algum da realidade do que inventamos,temos que chegar a acreditar nessa realidade, imaginem como isso deve serimportante no trabalho de ator: adquirir a f no que irreal, inexistente !

    Ento aquele espantoso dom de certos atores de convencer s pode serbaseado nessa outra capacidade, no menos espantosa: a de adquirir a f noque eles representam.

    Mas como que os grandes atores conseguem essa f? H para isso umaexplicao que pouco explica: a inspirao! Baixou o santo e o ator repre-senta maravilhosamente ! O santo dos atores geniais muito simptico - elebaixa sempre. O santo dos atores simplesmente talentosos j um tantopreguioso, mais instvel e esses atores ficam merc dos caprichos do seusanto: hoje eles representam bem, amanh mal.

    Por que ento no procurar os meios para fazer " o santo baixar" nossa vontade? Por que no estudar a mecnica da inspirao? Pois no ela que rege o trabalho dos atores geniais?

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    Stanislavski tinha amizade com um desses atores geniais, Tomaso Sal-vini, clebre ator trgico italiano, o famoso intrprete de Otelo. Procurandocompreender a natureza desse gnio, Stanislavski deparou, por analogia, commais um exemplo de inspirao: as crianas com seus jogos e brincadeiras.Ele constatou que, tanto um ator genial, como uma criana usavam a mesmaarma: a f cnica.

    O comportamento das crianas durante suas brincadeiras, s vezes noscausa a impresso de que elas tm uma f absoluta na realidade do queescolhem para brincar. Assim, por exemplo, uma menina capaz de chorarcom lgrimas verdadeiras se algum bater na sua "filha", mesmo se essa"filha" for uma boneca de trapos fabricada pela prpria "me".

    Parece um exemplo convincente de uma f real. Mas, apesar de suaslgrimas verdadeiras, apesar da sinceridade de seus sentimentos, devemosdizer que a sua f no real, e sim uma "f cnica" porque naquelesmomentos a menina no est tendo alucinaes, ela no perde o contatocom a realidade. Ela ser capaz de jogar ao cho "a sua filhinha ofendida" senaquela hora o ofensor lhe oferecer uma boneca nova mais bonita.

    Um exemplo disso nos d um psiclogo sovitico, R. Nastadze: "Ummenino, "galopando" montado num pauzinho, nos d a impresso de acre-ditar piamente nos seus "exerccios de equitao" - ele at pra, s vezes,para deixar o seu "cavalo" beliscar um pouco de grama. Mas imaginem osusto do menino se o seu "cavalo" de repente relinchasse! Ele morreria demedo" ...

    Portanto o senso da realidade objetiva no impede a sinceridade dossentimentos criados pela "f cnica".

    Num dos seus livros, Stanislavski cita um caso que eu acho to ilustra-tivo que prefiro repeti-lo mesmo para aqueles que o conhecem.

    No seu teatro, para uma pea, ele precisava de uma criana de 4-5 anospara fazer parte de uma cena em que um casal (os pais da menina) que estem vias de se separar, discute os ltimos detalhes da separao. Nessemomento sua filha, com uma boneca na mo entra e pergunta ao seu pai queremdio ela deve dar sua "filhinha doente". O pai lhe aconselha umaaspirina e ela sai. Com essa interferncia da menina modifica tudo na vida docasal - eles se reconciliam.

    A menina que devia fazer esse papel chegou ao teatro em companhia desua me, na hora do ensaio. O contra-regra, por falta de uma boneca, impro-visou uma com um pedao de lenha enrolado em seda vermelha e, ao entre-g-lo menina, disse: "Esta aqui sua filha, ela est doentinha". Stanislavskiconta que "ao receber a boneca to grosseiramente improvisada, a menina atomou nos braos com o mesmo cuidado com que s uma verdadeira metomaria sua filha doente".

    O contra-regra, indicando os dois atores em cena, continuou: "Aqueles

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    dois so teu pai e tua me". Apesar da presena de sua me verdadeira, amenina no fez a mnima objeo e aceitou incontinente seus novos pais.

    "V l", disse o contra-regra, e "diga ao seu pai que a sua filhinha estdoente. Ele vai te aconselhar um remdio e a voc volta para c".

    A menina entrou em cena, puxou a manga do ator e disse: "papai, elaest doente". O ator respondeu de acordo com o texto: "D uma aspirinapara ela". Mas ento, em vez de sair, a menina disse: "No!" O ator insistiusorrindo: "Pode dar aspirina que bom!" Mas a menina teimou novamente:"No!!!" - "Mas por que?" Ento a menina disse confidencialmente:"Precisa fazer lavagem!"

    Stanislavski foi obrigado a incluir isso no texto porque a menina nomudava a sua convico de que sua filha estava com dor de barriga.

    No um exemplo maravilhoso de inspirao desses melhores atores domundo, as crianas?

    Quanto s suas observaes no trabalho de Tomaso Salvini, Stanislavskiconstatou que, apesar de sua capacidade de obter instantaneamente a inspi-rao desejada, Salvini no se limitava a esperar " o santo baixar". Ele che-gava ao teatro, duas, trs horas antes do incio do espetculo. Lentamentevestia, pea por pea, a roupa do personagem; a sua maquilagem tambmlevava muito tempo: ele observava como, pouco a pouco, surgia no espelhoo rosto do personagem; e depois disso, j vestido e maquilado, ele subia aopalco deserto e andava sozinho pelos cenrios da pea. E s depois comeavao espetculo.

    Por que Salvini fazia isso? Pois se ele podia conseguir a inspirao aqualquer momento, no incio do espetculo, na sua primeira entrada emcena! Perfeitamente, podia!

    Mas ento de se .supor que o resultado conseguido nessas condiesno o satisfazia, e que foi por isso que ele passou a procurar os efeitos dainspirao trs horas antes do espetculo e, depois, pouco a pouco, punhaessa inspirao a funcionar materialmente, isto , transformando-a em ao,comeando a agir como se fosse o personagem.

    Dessa maneira Salvini tornava sua ao nao casual como muitas vezesacontece sob o efeito da inspirao e sim costumeira, exercitada, que elepodia repetir a qualquer momento.

    Assim constatamos que a f obtida atravs da inspirado se transformaem aao. Tanto um ator genial, como uma criana, sob o efeito da inspira-o adquirem a vontade de agir, e ento agem com todo o contedo da vidado esprito humano do personagem.

    Portanto, o termo "f cnica" pode ser traduzido como "estado psico-fsico que nos possibilita a aceitaa espontnea de uma situaa-o e de obje-tivos alheios como se fossem nossos ". Se o ator conseguir tomar atitude

  • pessoal perante essa situao e esses objetivos imaginrios, ele sentir von-tade de agir no lugar do personagem.

    Naquele exemplo do trabalho de um ator genial verificamos que otermo "f cnica" pode se tornar bastante claro para ns, teoricamente. Mastodo o problema consiste em descobrir como aquele "estado psicofsico", aque nos referimos acima, poderia ser conseguido na prtica.

    Em vez de tentar o impossvel - penetrar no subconsciente de Salviniou de um outro ator genial, nosso contemporneo, para descobrir a mec-nica de sua "f cnica" - no seria mais prtico estudar e compreendercomo e por que agia Otelo que Salvini representava? E j que Otelo, emboraimaginado por Shakespeare, um ser humano com toda a complexidade desua vida interior, no seria necessrio, antes de mais nada, procurar conhecertodos os aspectos da complicada ao humana na vida real? E depois,armados com esses conhecimentos, no poderamos usar o caminho inversodo que os gnios usam, isto , em vez de procurar usar o nosso talento e anossa intuio, comear simplesmente por agir no lugar do personagem nabase da simples lgica da sua situao e dos seus objetivos? E ento, jagindo, no conseguiramos chegar a acreditar na realidade dessa ao? Noconseguiramos, atravs disto, obter ao menos uma parte da "f cnica" queos gnios obtm intuitivamente?

    Foi na base dessa hiptese que Stanislavski comeou suas pesquisas:estudar os processos naturais que regem a ao na vida real para depoistranspor os conhecimentos adquiridos para o trabalho de teatro.

    Nos prximos captulos procuraremos estudar os resultados dessas pes-quisas e a sua aplicao no nosso trabalho.

    12 EUGNIO KUSNET

    IJI

  • SEGUNDO CAPITULO

    Antes de comear a leitura deste captulo, procurem lembrar-se do queleram anteriormente:

    o trabalho de teatro um trabalho de equipe.A comunicao do ator com o espectador.Nossos estudos sero feitos na base do Mtodo de Stanislavski. necessrio estabelecer bases comuns para esses nossos estudos: o

    objetivo do teatro a revelao da vida do esprito humano, e o objetivo doator - convencer o espectador da realidade dessa vida.

    - A origem do Mtodo o estudo dos processos que regem a atuaodos atores geniais (ou das crianas): atravs da inspirao eles adquirem a fno que imaginrio.

    - A natureza dessa f em teatro especfica e deve ser chamada de "fcnica".

    - A "f cnica" induz o ator a agir e, conseqentemente, ele age noque imaginrio, ou seja, age como personagem.

    - O problema da obteno da "f cnica": escolher um caminho dife-rente daquele que usado pelos atores geniais, isto , em vez de usar aintuio, estudar os processos que regem a ao na vida real, para que agindodentro da lgica da vida do personagem, conseguir acreditar no que imagi-nrio, isto , obter a "f cnica".

    Assim, atravs de vrias consideraes, chegamos concluso de que ofator mais importante na nossa arte o fator AO.

    interessante notar que a palavra AO e o verbo "AGIR" fazemparte da terminologia teatral desde os tempos mais remotos. A palavra"DRAMA" em grego significa ao. A palavra "PERA", usada em todas aslnguas com o significado de "DRAMA MUSICADO", vem do verbo operar,ou seja, agir. A palavra "ATOR" que nos dicionrios consta como signifi-cando simplesmente "agente do ato, o que age", usado em quase todas aslnguas como sendo "homem que representa em teatro, cinema, etc.".Enquanto aos outros artistas se d uma definio mais concreta (escultor: oque esculpe; pintor: o que pinta; violinista: o que toca violino, etc.) aoartista de teatro ningum chama de "teatralista" ou coisa que o valha, massim de ator; a uma parte de pea teatral no chamam de "captulo" e sim deato.

  • 14 EUGNIO KUSNET

    claro que no se trata de uma casualidade, O uso dessa raiz etimol-gica nos prova que a idia da AO preocupava os homens de teatro desdemilnios e milnios.

    . Vamos pois analisar como AO se processa na vida real e como eladeve se processar em teatro.

    Durante uma aula para um grupo de atores profissionais, eu pedi a umaatriz, Carmen Montero, que contasse algum fato impressionante de sua vida.Sua narrao foi por mim gravada.

    Ela contou um caso que realmente impressionou muito seus colegas. sdez horas da noite ela foi atacada numa das principais ruas de So Paulo, porum indivduo que queria lev-la para dentro do seu carro. E como elaresistiu decididamente, foi espancada e atirada no meio da rua, quase incons-ciente.

    Em seguida ela contou o que se passou uns dias mais tarde: quando elaestava passando numa outra rua bastante escura, desceram de um carro doisrapazes, ficando ainda mais um dentro do carro, e se dirigiram a ela. Apesarde se ver num perigo muito maior do que na primeira vez (ou talvez exata-mente por causa disso), ela inesperadamente criou coragem porque imaginouque estava armada com um revlver, e pensou: "agora eu mato um!" Com asmos nos bolsos do casaco, ela passou calmamente entre os dois rapazes queno tiveram coragem de atac-la. Logo em seguida ela se viu correndo comouma louca por uma das ruas adjacentes. Essa ltima parte foi contada comtanto humor que ela mesma e os ouvin tes riram s gargalhadas.

    Ouvindo a gravao em casa eu fiquei muito impressionado Com aexpressividade da narrao e com a complexidade das emoes da moa.Achei que o material era digno de ser estudado como uma boa cena deteatro. Transcrevi a narrao e, na prxima aula, propus mesma atriz que,depois de ouvir vrias vezes a gravao, estudasse o texto escrito como sefosse cena de uma pea e, em seguida, a interpretasse novamente. Notemque se tratava de uma moa que eu considero uma jovem atriz de grandetalento e muito estudiosa.

    Ela concordou e, depois de uma rpida preparao, interpretou a cenaque foi gravada novamente.

    Surpreendentemente para todos, inclusive para a prpria intrprete,todo o valor da narrao espontnea desapareceu. O que era brilhante tor-nou-se montono; o que provocclU nos ouvintes uma compaixo na primeiranarrao, provocou sorrisos na segunda; o que causou risos alegres na pri-meira vez, causou uma espcie de estranheza.

    Que aconteceu ento? Como se pode explicar esse inesperado fra-casso?

    Para compreender isso preciso analisar como transcorreu a AO nosdois casos. Quem estava agindo na primeira vez? Foi Carmen Montero que

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    narrou espontaneamente um caso interessante. Sua ao era espontnea,criada pela prpria vida : " Eu, Carmen Montero, vou contar a meus amigosum caso muito interessante". O resto foi 'completado e realizado pela pr-pria natureza, e Carmen Montero no precisou procurar conseguir a f noque ela contou - ela a tinha!

    Que aconteceu na segunda vez? Um texto dramtico, um texto deteatro (embora criado por ela mesma, na importa!) foi-lhe imposto comoobrigatrio. A atriz Carmen Montero teve que interpretar um papel (emboraidntico a ela, na importa!) e agir como se fosse o personagem. Para isso omnimo necessrio seria estudar e compreender a lgica da aa do perso-nagem (embora fosse ela mesma, na importa!): 1) Qual a situao?Durante uma aula num curso de teatro, uma atriz ("na eu, Carmen Mon-tero, e sim uma atriz idntica a mim "), a pedido do professor, conta umcaso impressionante de um assalto de que ela foi vtima. 2) Qual o obje-tivo dessa ao? O personagem acha que o caso muito interessante e querimpressionar os seus colegas com a complexidade do acontecido. 3) Qualseria a atitude da atriz Carmen Montero diante da situao e dos objetivosdo personagem? Que faria Carmen Montero se fosse aquela atriz?

    S depois de responder essas perguntas que Carmen Montero poderiacomear a narrao na segunda vez. E ento, agindo dentro da lgica dasituao e dos objetivos do personagem, ela obteria a " f cnica". S nessas

    - condies a atriz estaria agindo na segunda narraa como se fosse pelaprimeira vez.

    Que fez Carmen Montero em vez disso? Depois de ouvir vrias vezes agravao, - que ela certamente achou magnfica (o que alis, era verdade!)- procurou simplesmente reproduzir suas prprias inflexes.

    O que mudou em comparao com o que devia ter sido feito, conformeexplicamos acima? Vamos ver isso em detalhes :

    1) Qual foi a situao desta vez? A atriz Carmen Montero interpre-tando um papel (e ndo uma atriz contando um caso interessante'[:

    2) E o objetivo? Carmen Montero querendo provar que ela umaexcelente atriz (e na uma atriz querendo impressionar os seus colegas comos acontecimentos narrados).

    3) E a sua atitude? Essa foi pu ramente exibicionista, no tendo nadaque ver com a situao e os objetivos do personagem.

    Como, atravs dessa ao completamente desligada do personagem,poderia Carmen Montero obter a "f cnica"?

    claro que nessas condies, a sua ao tornou-se fraca , inspida e atfalsa.

    Atravs desse exemplo verificamos como a AO se processa na vidareal e como ela deve processar-se em teatro.

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    Em cena ns, atores, agimos em nome de uma outra pessoa, agimoscomo se fssemos outra pessoa. Isso no quer dizer que a pessoa do atordeva desaparecer deixando seu lugar ao personagem. Nada disso. Isso signi -fica apenas que o ator aceita a situaa e todos os problemas do personagemcomo se fossem dele prprio e enta, para solucion-los, age como tal. evidente que os problemas do ator - executar com brilho (como compete aum bom ator, que ) o seu trabalho, transmitir corretamente a idia doautor, manter permanentemente o interesse e a ateno do espectador, etc.- tudo isso permanece nele, mas em estado subconsciente, porque, durantea ao devem prevalecer esmagadoramente os problemas do personagem.

    Quando o ator no consegue agir no sentido dos objetivos do persona-gem, ficam apenas os objetivos do ator: brilhar, ser admirado, ser "o tal",etc. Mas, durante o espetculo, ao ator em si no pode interessar o especta-dor. Ele vem ao teatro para ver a vida do personaJ(em na interpretaa-o doator.

    A predominncia dos objetivos do ator sobre os objetivos do persona-gem, ou mesmo quase-ausncia desses ltimos, foi admiravelmente demons-trada pelos atores do " Teat ro dos Sete;' em "Cimes do Pedestre", deMartins Pena.

    Os intrpretes desse espetculo no pretendiam representar os papisdos personagens da pea e sim os papis dos atores contemporneos deMartins Pena, representando os papis da sua pea naquele tempo. Porconseguinte, os objetivos dos personagens no eram levados em conside-rao, o problema era mostrar os objetivos dos atores canastres daqueletempo.

    Assim, Srgio Brito fez o papel de um ator-trgico que, por sua vez,fazia o papel de marido ciumento. O objetivo principal do ator-trgico erademonstrar a sua formidvel voz e a sua capacidade interpretativa. As excla-maes "Ah" e "oh" eram feitas na base de voz superimpostada e numa dascenas, o timbre da voz mudava conforme o animal com que o personagem secomparava: houve um "Oooh ! ..." especial para tigre e leo e um"Aaaah! ..." para elefante. claro que os problemas do "marido trado"sumiam atrs dos problemas do ator-trgico.

    Fernanda Montenegro fazia o papel de "Primeira Dama" da companhia,que interpretava o papel de "Esposa Adltera". A preocupao da "PrimeiraDama" era demonstrar ao pblico o seu virtuosismo. Quando, "enfrentandoa morte", dizia ao marido: "Agora que te ouvi, ouve-me tambm! ..." etc.,sua voz era de um timbre quase masculino, de tanto herosmo e coragemque a atriz queria demonstrar. Mas quando passava a narrar sua infncia:"Minha me, Deus a perdoe ..." etc., a sua voz adquiria o timbre infantil.Preocupada com esses problemas, poderia a "Primeira Dama" agir como opersonagem?

    I,

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    o mesmo acontecia com os outros intrpretes da pea: todos eles esta-vam preocupados em "brilhar" nos seus papis. . "

    Os que assistiram quele espetculo devem se lembrar que no se tratavade uma simples caricatura dos atores antiquados, havia uma certa sinceri-dade na sua interpretao, eles se sentiam realmente comovidos, mas nocorno personagens e sim como "atores formidveis que eram". E o querealmente acontece com muitos atores: fcil confundir suas prprias emo-es com as do personagem.

    O sentimentalismo prprjo do ator. Epreciso que haja muitavigilncia paraque o ator no seja sua vtima. E to tentador fazer uma cena que provoque lagri-mas na platia! Ao fazer essa cena o ator admira a si prprio, e fica comovidocom suainterpretao, aponto de chorarlgrimasdeverdade. Maso que essas l-grimas tem a ver com os problemas do personagem? "Nada! O ator sai comple-tamente da ao do personagem, mesmo sem perceb-lo. Mas o espectador per-cebe! Ele percebe que naquele momento presenciaum melodramabarato em vez.deum profundo dramahumano em que aslgimas talvez nem devessem ter lugar." Eu tenho o prazer de confessar um "crime" desses e espero"que a minhaconfisso sirva de prova de que toda a vigilncia pouca para salvar o atorde um dos seus maiores inimigos: o sentimentalismo.

    Eu traduzi com meu amigo, o falecido Brutus Pedreira, uma das peasdo dramaturgo russo, Leonid Andriev, "Aquele que leva bofetadas".Quando recebi os primeiros exemplares mimeografados, fiquei muitoemocionado pelas recordaes que surgiram naquele momento. E que eu fizaquela pea em russo, em 1924, com um dos geniais atores russos, I.Pevtsov. A idia de poder representar esse texto em portugus e mais ainda,representar no o papel que fiz, o do Conde Mancini, mas o papel feito porPevtsov, o papel principal. Essa idia me deu vontade de experimentarimediatamente uma cena da pea. Eu liguei meu gravador de som e li a cenaao microfone. Durante a leitura, as lgrimas me sufocaram!!! Ento, penseieu, a cena deve ter sado maravilhosa! Liguei o gravador, fiquei ouvindoe ... chorei novamente. Era uma prova cabal: o meu primeiro ouvinte - euprprio - tambm ficou comovido! Para completar o meu "triunfo", pedique minha mulher ouvisse a gravao. Desde os primeiros momentos estra-nhei uma certa surpresa no rosto dela e, em seguida, uma espcie de dureza eno sei o qu mais - tudo menos a admirao que eu esperava. Quando,depois de um longo silncio, insisti que ela me dissesse sua opinio, ela"prorrompeu em uma torrente de insultos", chamando-me de canastro, deator de rdio-novelas, e saiu correndo. No primeiro momento atribui tudoisso a alguma outra razo. Procurei adivinhar"que foi que eu lhe fiz? " Masno houve nada. Passado meia hora nessas consideraes, fiquei um tantodesconfiado: "e se ela em parte tem razo? " Voltei a ouvir a gravao ... elogo tive a terrvel confirmao: no era em "parte", - ela tinha razo

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    completamente, era pior do que qualquer rdio-novela!Como aconteceu isso? A explicao no difcil. Ao comear a

    gravao, eu nem me dei ao trabalho de pensar na situao e nos objetivosdo personagem, limpei a garganta e me dediquei unicamente a meu prprioobjetivo: experimentar o meu talento! Provar que eu era um ator formi-dvel! ... E vejam a que resultado lamentvel cheguei! ...

    Assim chegamos concluso de que os problemas e os objetivos do atorno podem interessar ao espectador, porque eles no tm nada a ver com ascircunstncias em que se passa a ao da pea. Certo. Mas no se deveentender isso ao p da letra: "o ator nunca deve pr seus problemas pessoaisdentro da ao cnica". No isso. Lembrem-se de que no prefcio destelivro, levantamos o problema da comunicao do ator com o espectador.Essa comunicao pode ter formas variadas, a comear pela tendncia "daquarta parede" (hoje considerada completamente arcaica), isto , de isolar oator como se a platia no existisse, conforme se fazia no teatro realista (oumais exato: naturalista) do incio do sculo, e a terminar pela comunicaoaberta que chega a transformar-se em dilogo entre ator e a platia conformeacontece freqentemente no teatro atual.

    De maneira geral, o teatro atual escolheu a "coexistncia em cena doator-cidado com o personagem". O que varia a "dosagem" dessa coexis-tncia: em muitos casos ela ostensivamente fsica, exterior, e em muitosoutros, quase puramente emocional, espiritual.

    O exemplo tpico da coexistncia o teatro pico de Bertolt Brecht. Aprpria estrutura de suas peas exige que o ator, enquanto representa opapel, comente, apresente e julgue o seu personagem.

    Mais tarde falaremos da natureza e da tcnica dessa coexistncia queStanislavski chamava no seu Mtodo de "dualidade do ator", o que alis,prova que contrariamente ao que se afirma at agora, no havia divergncia,nesse sentido, entre os dois grandes homens do teatro contemporneo.

    Mas voltemos ao que dissemos a respeito da necessidade de estudar ascaractersticas da ao na vida real para, depois, aplicar os conhecimentosadquiridos no nosso trabalho em teatro.

    A primeira particularidade a ser notada que, na vida real a aasempre obedece lgica. Essa afirmativa de incio, parece errada. Porexemplo, quem pode considerar lgica a ao de um louco? Realmente, donosso ponto de vista - do ponto de vista de gente mentalmente s - noexiste lgica na ao de um demente. Mas e do ponto de vista dele, dolouco? Pois para ele tudo o que ele faz deve ser perfeitamente lgico!Portanto, se ns fazemos o papel de um louco, a lgica de quem deveinteressar ao espectador? A nossa ou a do louco?

    Isso me faz lembrar o caso de um dos nossos excelentes atores, SrgioBrito. O caso se passou h mais de 20 anos, praticamente quase no incio de

    I

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    sua carreira, numa pea dirigida por mim, em que ele fazia o papel de umneurtico. Havia uma cena em que ele, no momento de uma crise aguda dadoena, beijava um manequim de matria plstica, convencido de que setratava de uma moa viva. Numa certa altura do trabalho, num dos ensaios,o ator comeou a cena com uma poro de gestos, movimentos e entonaesde absoluta incoerncia. Quando lhe perguntei a razo disso, ele respondeu:" Mas o personagem um louco!" Ento, analisando com ele a situaologicamente, chegamos a concluso de que o personagem no poderia acharnada de estranho no fato de estar beijando uma moa de quem gosta muito.Pois, naquele momento, para ele existia uma pes~oa viva, e no um mane-quim artificial. Bastava que o ator agisse com essa lgica e nada mais. Oefeito de loucura era seguro, porque os espectadores viam que com toda essasinceridade e naturalidade, ele beijava um manequim, e no uma moa viva.Depois de constatar isso, o ator sempre procurava tanto nos ensaios comonos espetculos, acreditar na realidade da vida do manequim, sentir atravsdo contato de sua mo, o calor, a maciez daquele corpo. Em resultado, essacena , sempre provocava um calafrio na platia.

    H um outro excelente exemplo de uso da lgica, em "O dirio de umlouco", de N. Gogol, interpretado por Rubens Correa e dirigido por Ivan deAlbuquerque. Quando o personagem dizia: "A Espanha tem um rei . ..Finalmente o descobriram . .. Sou eu! " no se sentia nem a mnima tendn-cia do ator de dar a essa frase um aspecto de loucura, no havia nele mais doque a humildade de um monarca real que assumia a sua grande responsabili-dade . E era exatamente essa simples lgica que tornava a fala tragicamentelouca e muito comovente.

    E quando, o pobre "rei da Espanha", ao falar de seus trabalhos noplano da poltica internacional, dizia: "descobri que a China e a Espanhaformam um nico e mesmo pas ... A prova est que quando se escreveEspanha, d China!" ns sentiamos a sua loucura exatamente nessa "lgicaesmagadora".

    O uso da lgica deve comear logo nos primeiros estudos gerais dasituao e dos objetivos e continuar necessria e obrigatoriamente at omnimo detalhe. Basta errar na lgica de um pequeno ponto para arruinar acena inteira.

    Vejam como o uso da lgica pode ajudar o ator para solucionar pro-blemas bem difceis. Digamos que o problema seja o papel de um cego. Oque um cego? uma pessoa que no enxerga. Ento muito simples: eufecho os olhos e fao o papel! Mas essa lgica simplista no suficiente. Odiabo que o cego anda de olhos abertos e mesmo assim no v. Comoposso conseguir essa expresso do olhar " co" de um cego? Todos nsconhecemos o vazio assustador desse olhar quando encontramos um cego narua. Portanto, preciso que eu, o intrprete desse papel, consiga a "f

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    cnica" de na estar enxergando. Seno no poderei .convencer ningum darealidade da minha cegueira. O que devo fazer? .

    Pois bem, em primeiro lugar, vou procurar compreender o que se passacom os sentidos de um cego. Sei que a natureza compensa a falha ou oenfraquecimento de um determinado sentido, aguando os outros. A viso,por exemplo, substituida pela audio e pelo tato. Esses dois sentidos numcego se transformam em visa mental. Por exemplo, na rua, o cego anda"tateando" o cho com os ps ou com uma bengala, para ver mentalmenteos possveis obstculos; ele procura ouvir todos os ruidos da rua para vermentalmente o que possa amea-lo, por exemplo, um automvel que seaproxima enquanto ele atravessa a rua.

    J que eu vou fazer o papel de um cego, vou procurar agir dentro dascircunstncias as quais cheguei refletindo logicamente e a ttulo de ensaio,vou andar sem olhar para o cha procurando imagin-lo, ou seja, procurandov-lo mentalmente.

    Experimente isso , leitor, da seguinte maneira: pea para algum colocarvrios objetos, livros, caixas, tbuas, etc. Em seguida, atravesse o quarto deolhos abertos, porm impedindo-se de ver o cho, por exemplo, segurandona altura do seu queixo um livro ou um caderno. Ao atravessar o quarto,pense nos obstculos cuja posio voc ignora e quando chegar a tocar nelescom o p, procure v-los mentalmente porque, com um pequeno descuidode sua parte, eles podem lev-lo a um tombo.

    Ao terminar a travessia, voc constatar que apesar de ter andado comos olhos abertos, deixou de ver (ou quase) o que se achava do outro lado doquarto.

    Para maior clareza, faa um colega seu fazer esse exerccio na sua pre-sena e observe seus olhos enquanto ele estiver andando: se ele realmenteconseguir imaginar os objetos colocados no cho, vendo-os mentalmente,voc ver o olhar de um cego. Portanto, no se trata de procurar acreditar nasua cegueira, - isso seria impossvel - e sim, de agir dentro de uma situaoem que agiria um cego precisando atravessar um espao desconhecido. Quemse lembra do filme "Belinda", na magnfica interpretao de Jane Wyman,certamente se lembrar do olhar cego, completamente co, do personagem.Acredito que esse milagre da arte dramtica no foi conseguido por inspi-rao e sim atravs de muito trabalho em que predominou a lgica e, confor-me veremos mais tarde, provavelmente atravs do uso dos outros elementosdo Mtodo.

    Da mesma maneira podem ser resolvidas outras situaes difceis : umparaltico que procura andar, o comportamento de uma pessoa que acorda,etc.

    Lembro-me que uma outra aluna daquele curso para os atores profissio-nais me perguntou durante uma aula: "Estou ensaiando na televiso uma

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    cena em que meu personagem age sob hipnose. Como devo encarar esseproblema? " Respondi que sendo a hipnose um estado semelhante a sono, -embora haja nele alguns pontos de "viglia" que possibilitam o contato dohipnotizado com o hipnotizador - o primeiro problema seria "sentir-sedormindo" e que para isso, seria lgico procurar conseguir um estado demxima abstrao porque a pessoa est mentalmente fora do ambiente emque se encontra fisicamente. Para conseguir esse estado de abstrao serianecessrio encontrar uma preocupado tdo grande que todos os cinco senti-dos do personagem fossem absorvidos por ela. lgico que, nessas con-dies, o ambiente fsico deixaria de existir para o personagem.

    Essa minha explicao no foi suficiente: embora concordasse comigoteoricamente, a atriz no conseguiu ver nela uma soluo prtica.

    - "Como fazer funcionar os cinco sentidos numa preocupao imagi-nria? "

    - "Como na vida real", respondi eu.- "E como que isso acontece na vida real? "

    Compreendi que estava faltando um exemplo prtico, mas uma felizcoincidncia ajudou a explicao. O conhecido psiquiatra, Dr. BernardoBlay, que assistia a aula por pura curiosidade, dirigiu-se a uma das alunas: "Oque que a senhora est fazendo?" A moa em questo olhou para eleliteralmente como se estivesse acordando naquele momento, e disse: "Nada"E o dilogo continuou assim:

    "A senhora ouviu o que ns estavamos dizendo? ""No. ""Por que? ""Eu estava pensando.""Em qu? ""No exerccio de improvisao que vou fazer agora".

    Como vocs vem, no houve necessidade de uma preocupao "togrande" para que a atriz ficasse completamente abstraida, bastou uma preo-cupaao pequena, mas real.

    A atriz que levantou o problema disse que compreendeu essa lgica e,mais tarde contou que aplicou com sucesso no seu trabalho.

    Vocs devem ter notado que nos exemplos que eu dei acima, a lgicano muito simples. porque, na vida real ela muito mais complicada econtraditria do que aquela que freqentemente usamos em teatro. A meuver, um dos grandes perigos para o ator atual - que vive no meio dos seuscontemporneos to psiquicamente complicados - simplificar a lgica davida, torn-la bvia e linear. Em teatro ns representamos "O Amor", "Odio", "A Alegria", mas raramente mostramos o amor do Fulano, o dio do

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    Beltrano, a alegria do Cicrano. Mas como so diversos, na vida real, asmanifestaes de alegria ou de tristeza em pessoas diferentes! Como soinesperados, por exemplo, uma risada estridente no momento de um grandesofrimento, ou imobilidade e silncio, prprios de um estado de pnico, nomomento de extrema felicidade!

    Por que eu digo isso? porque ja 'vi isso nos muitos contatos humanosdurante a minha vida, porque j me acostumei com o inesperado e contra-ditrio comportamento dos meus semelhantes.

    Por isso, mesmo quando numa pea no encontro nenhuma complexi-dade, eu procuro e, se for preciso, crio as contradies humanas porque seique meus espectadores tambm so seres contraditrios, que, h muito noaceitam em teatro a frmula "po-po, queijo-queijo".

    Mas passemos agora a mais uma caracterstica da ao na vida real: aaao sempre contnua e ininterrupta. Nunca deixamos de agir, nem mesmoquando dormimos: os nossos sonhos s vezes so forma de ao mais intensado que na nossa realidade. E os bons cristos dizem que nem a .morteinterrompe a ao. '

    Cada momento de nossa ao na vida real tem seu passado e seu futuro.Quero dizer que cada momento presente tem suas origens no passado e seusobjetivos no futuro. A frase de Stanislavski: "O nosso 'hoje' apenas oresultado do movimento do nosso 'ontem' em direo ao nosso 'amanh' ",define bem a mecnica da ao contnua tanto na vida real, como em cena.

    Os atores deveriam preocupar-se muito menos com a ao do momentodo que com a ao anterior e posterior porque a ao do momento se realizaautomaticamente se o ator realmente exerce a aa contnua.

    Para ilustrar isso escolhemos um tema muito banal, mas suficientementeclaro e lgico, que foi realizado por minha aluna e colaboradora, CarminhaFvero.

    No submundo do crime, uma mulher que faz parte de uma "gang"sofreu vrias ofensas graves - mortes de muita gente querida - e nuncaconseguiu descobrir os autores dos crimes. Na realidade todos eles foramcometidos pelo "chefo" que, posteriormente, sempre aparecia comodefensor e protetor da mulher, mas que , " infelizmente" , sempre por umtriz, no conseguia salvar as vtimas. O seu objetivo evidentemente era fazercom que ela se lhe entregasse " por amor" e no fora - o que seria fcildemais!

    Um dia ela foi prevenida por um velho membro da " gang" , - quetambm estava apaixonado por ela, - que o " chefo" tinha planejado oassassinato do seu pai para o dia seguinte . Desta vez, ele tomaria parte nocrime pessoalmente. Como sempre, ele seria encontrado no local como setivesse chegado no ltimo momento para defender o pai, mas .. . que azar !Tarde demais ! . . .

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    A mulher sabia que no podia recorrer polcia e que a nica maneirade salvar o pai seria matar o "chefo". Sob o pretexto de tratar de umnegcio, ela vai at o apartamento dele, provoca-o, excita-o e, durante umbeijo mata-o com um punhal.

    Na primeira tentativa para a realizao dessa cena, Carminha s6 se preo-cupou com o dio mortal que tinha pelo "chefo". Assim munida, chegouat o apartamento dele e claro que, dessa maneira, nunca seria recebidaporque o dio transparecia distncia, como vemos na fotografia n.O 1.

    Carminha procurou interpretar unicamente a ao do momento, omitin-do por completo os dados da ao contnua, com o passado e o futuro daao, porque conforme o tema proposto o problema do personagem no erasomente matar o "chefo" por 6dio, mas sim fmgir uma paixo, envolv-lo,iludi-lo e s ento mat-lo, vingando as mortes "ontem" cometidas por ele esalvando "amanh" a vida de seu pai.

    Passamos para a segunda tentativa e o resultado foi o oposto, emborano se perdesse de vista o primeiro objetivo, o de matar o "chefo", o 6dioficou diludo e o que vemos na fotografia n.O 2 uma grande sensualidade,uma volpia. Observamos que at o punhal foi quase esquecido pelo perso-nagem - vejam como ficaram relaxados os dedos da mo!

    S quando Carminha conseguiu reunir dentro da sua ao os dois obje-tivos, isto , dirigir o seu "ontem" (o dio - fotografia n.o 1) no sentido dechegar ao seu "amanh" (salvar o pai atravs do fingimento de amor -fotografia n.P 3), foi que ela chegou ao resultado satisfatrio, espontanea-mente.

    Em teatro a ao cnica freqentemente sofre interrupes: intervalosentre os atos ou quadros, sadas do ator de cena, grandes pausas em que oator, embora presente em cena, fica aparentemente inativo.

    Que deve fazer o ator para eliminar o efeito nocivo dessas interrupes?Deve manter o seu "estado cnico", isto , continuar agindo como o perso-nagem, mesmo quando est fora de cena? H atores que procuram fazer issona medida do possvel, mas no literalmente, claro, pois muitas coisas queeles tm que fazer nos intervalos no podem ser feitas como se fossempersonagens: melhorar a maquilagem, rever o texto, consultar o diretor arespeito de algum detalhe importante, etc. Outros atores acham - e talvezcom razo - que nos intervalos eles no devem cansar demais a sua imagina-o, e por isso "se desligam do papel". Mas o mnimo que se deve exigir detodo e qualquer ator que, antes de entrar novamente em cena, ele recorra ao anterior (o "ontem") e posterior (o "amanh") do personagem, comovimos no exemplo acima.

    Infelizmente nem todos os atores correspondem a essa exigncia mni-ma. So capazes de contar uma piada exatamente no momento de entrarpara fazer uma cena trgica. H atores que para demonstrar aos colegas sua

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    Fotografia n.? 1

  • \ ATOR E MTODO 25"tcnica", ficam de co tas para a platia, fazendo caretas cmicas procuran-do provocar riso nos s~us colegas, para logo em seguida encarar a platiacom suas "mscaras trgicas". E nem passa pelas suas cabeas a idia de quenaqueles breves momentos, eles cometem um erro gravssimo: eles cortam oseu contato emocional com a platia. Basta um instante para que o especta-dor mesmo sem perceber os seus truques "to engraados", sinta que algumacoisa interrompeu a sua tenso de espectador, que se formou um vcuo noseu contato com a cena.

    E agora vamos ver a terceira caracterstica da ao : ela tem sempre esimultaneamente dois aspectos - aao interior e aa exterior, ou seja, aomental e ao fsica.

    Essas duas formas de ao no podem existir em separado, elas seprocessam sempre simultaneamente, mesmo quando uma delas aparente-mente est ausente. Por exemplo: a imobilidade total de uma pessoa (aaoexterior nula) simultaneamente com uma srie de pensamentos frenticos(aa-o interior int ensa) . Para compreender como isso funciona, faa umaexperincia na base de uma ao imaginria: voc acompanha com um olharde longe, o enterro de uma pessoa muito querida. Por uma ou outra razo (importante que essa razao seja bem clara para voc), voc no pode acompa-nhar o enterro de perto. Complete com sua imaginao os detalhes faltantes:quem o falecido ? Em que circunstncias ele morreu ? O que impede vocchegar mais perto? Quem so as pessoas que acompanham o enterro? etc. Eagora v agindo, ou seja : apenas acompanhe com o olhar o enterro que vocv na sua imaginao, pensando tudo o que pensaria o personagem nessascircunstncias. Se voc no cometer nenhum erro de lgica e no esquecer o"ontem" e o "amanh" dessa ao, ns, espectadores, certamente sentire-mos a intensidade da sua ao interior apesar da sua imobilidade.

    fcil imaginar e experimentar a ttulo de exerccio, um exemplo docontrrio: voc est extremamente cansado mas por uma ou outra razo, obrigado a divertir algum contando-lhe uma estria muito engraada. Nesseexerdcio voc ter que executar uma ao exterior muito intensa junto auma ao interior quase nula, conseqente do seu estado de desnimo! Ecomo no exemplo anterior, ns, espectadores, sentiremos ou ao menossuspeitaremos do seu desnimo, apesar de sua aparente alegri a.

    Se voc tiver a vontade de repetir esses dois exerdcios com o mesmoresultado to animador, preciso que voc antes de mais nada restabelea efixe o seguinte :

    1) o que voc "viu" mentalmente antes, durante e depois da ao cnica?2) o que voc pensou antes, durante e depois da ao cnica?No correr da repetio da experincia voc ter que exercer fielmente

    todos esses detalhes.

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    !

    (I

    Fotografia n. o 2

  • 27ATOR E MTODO\As duas formas ~aO' a fsica e a mental, so ligadas entre si to

    intimamente que o at dificilmente poder estabelecer como e onde umainflui sobre a outra. S' uma experincia ou um acaso podem indicar-lhe ocaminho que ele deve colher no uso desse elemento do Mtodo, pois hsempre dois caminhos: uln - de dentro para fora, e o outro - de fora paradentro. Quero dizer co~ isso que, por exemplo, uma emoo adquiridaespontaneamente pode produzir um gesto muito adequado, mas tambm umgesto encontrado pelo ator atravs de um raciodnio lgico, pode provocaruma emoo desejada.

    A ttulo de maior esclarecimento, quero contar-lhes um caso que acon-teceu comigo durante as representaes de "Canto da Cotovia" de JeanAnouilh, no Teatro Maria Della Costa.

    Na cena em que o Bispo Cauchon - cujo papel eu fazia - procuraconvencer Joana D' Arc a abjurar, eu fazia um gesto em direo a Joana, coma palma da mo virada para cima, um gesto de splica, que surgiu esponta-neamente quando senti a nsia de convenc-la. Mas ao mesmo tempo, essegesto no sei exatamente porque, provocava em mim a sensao de maiorharmonia com a roupa de Cauchon e o magnfico cenrio de Gianni Ratto.Este foi o "caminho de dentro para fora" que eu usei e que me levou a umresultado, a meu ver, satisfatrio.

    Depois de um dos espetculos, o cineasta Lima Barreto que acabava deassistir a representao, me disse que no sentiu naquele meu gesto "umhomem de igreja" e que o gesto deveria ser feito de maneira inversa, isto ,com a palma da mo virada para Joana, como numa bno: "No umhomem qualquer - um bispo que suplica, e ele suplica como tal."

    Achei que sua observao era muito lgica e, depois de voltar para casa,procurei ensaiar sozinho o trecho da cena, incluindo o gesto aconselhadoe ... de repente me senti muito mais bispo, senti a enorme responsabilidadeperante a igreja, senti o medo de no conseguir convencer Joana. A com-plexidade dessas emoes e pensamentos me levou a ansiedade ainda maiordo que nos espetculos anteriores.

    Desta vez, como vocs podem constatar, o caminho escolhido foi "defora para dentro".

    Resumindo, podemos dizer que ao construir seu papel, o ator nuncadeve perder de vista a coexistncia natural desses dois aspectos da ao,porque s assim o seu personagem ser realmente um ser humano.

    E agora estamos chegando a ltima caractedstica da ao na vida real:nao existe aa-o sem objetivo. Quando agimos sempre para conseguiralguma coisa, porque sempre desejamos alguma coisa. primeira vista issono parece lgico. H quem possa perguntar: "E a apatia? E a prostrao?Que pode desejar uma pessoa nesse estado? Ento deve haver na nossa vidamomentos em que no desejamos nada?" Eu afirmo que no: mesmo

  • 28EUGNIO KUSNET

    Fotografia n. O 3

  • ATOR E MTODO 29

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    quando temos a cert a de nada querer, provavelmente, l no fundo, quere-mos no querer, isto , rejeitamos qualquer vontade. Mas, nesse caso, a nossainteno de no ter vo tade torna-se um objetivo. Ou ainda como o mximoda falta de objetivo n vida, seria a vontade de morrer, mas a morte nessecaso seria o nosso objetivo. Portanto, convenhamos que em teatro nopossamos admitir que a \ao cnica seja desprovida de objetivos. Como navida real, a necessidade! estimula a atividade do homem dentro de umadeterminada situao, assim tambm em teatro o objetivo do personagemestimula a imaginao do ator e o induz a agir dentro das circunstncias daobra dramtica.

    Vejamos um exemplo de como a presena de um objetivo ou ausnciado mesmo, se reflete no trabalho do ator. Tirei esse exemplo da minhaprpria experincia, comparando duas fotografias minhas tiradas em doispayis diferentes. Vejamos as duas: a primeira, de "Mister Pitchum" da"Opera dos trs vintns", (foto n.04), e a segunda, de "Maneco Terra", dofilme "Ana Terra" (foto n, o 5), - filme que nunca foi realizado porque aCompanhia Vera Cruz, naquela poca, tinha quase entrado