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'/1 lIeitura Kosovo e os gafanhotos D esgraças nunca chegam sozinhas. No seio do drama vivido pela popu- lação de Kosovo, geram-se outras tragédias, inclusive ecológicas. Como nas pragas do Egito, os gafanhotos também preparam suas tropas para intervir no conflito. Trata-se do terrível gafanhoto- italiano. Seu nome científico é Calliptamus italicus, fácil de reconhecer por suas enormes patas traseiras. Da Albânia ao Casaquistão, passando por países como a Geórgia, ele tem cobrado preços elevados por seus ataques: destrói lavouras, arruina camponeses, dese- quilibra o balanço alimentar e as economias locais, além de causar muito impacto ambien- tal, devido aos tratamentos com pesticidas. Nos Bálcãs, os ovos desses gafanhotos, co- locados aos milhões nos campos cultivados durante o verão passado, deveriam estar sen- do destruídos agora pelo trabalho de aração da terra. Isso significa um equilíbrio secular entre o homem, a agricultura e o meio am- biente. Normalmente, apenas uma pequena parte desses ovos chega a dar origem a grupos de gafanhotos. Algo parecido ocorre na re- gião da Chapada dos Parecis, no Mato Gros- so, com um outro gafanhoto-praga, o Rham- matocerus schistocercoides. Pessoas mal in- formadas acreditavam que os ataques desse gafanhoto eram fruto da expansão da frontei- ra agrícola. Porém, a pesquisa científica veri- ficou uma realidade bem mais complexa, em que as queimadas favorecem a praga e um dos seus maiores inimigos ainda é a agricultura, sobretudo a mecanizada. Este ano, tudo está sendo diferente nos Bálcãs. O silêncio reina na, até então, densa- mente povoada zona rural de Kosovo. Nem os animais nem os tratores estão arando. Eles transportam pessoas aos milhares e são dei- xados estacionados na fronteira. O solo, que deveria cobrir-se de plantações de cereais e 98 GLOBO RURALJULHO99 EVARISTO EDUARDO DE MIRANDA, doutor em ecologia, pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite e coordenador do projeto Meio Ambiente e Gafanhotos-Praga no Mato Grosso leguminosas, repousa, sacudido por explo- sões esporádicas. Nesse ambiente favorável ao inseto, a eclosão dos ovos do gafanhoto- italiano será muito grande. Ao nascer, eles encontrarão fartura em ervas daninhas para comer. Os inseticidas, que também reduziam sua população, não estarão sendo aplicados em culturas hoje inexistentes. Se o clima aju- dar, será um verão de alta fertilidade para as fêmeas, e o número de ovos e posturas vai crescer exponencialmente, prenunciando tra- gédias ainda maiores. Em conflito ou em paz, a primavera do ano 2000 chegará com muitos problemas para as populações de Kosovo de qualquer etnia, inclusive para os sérvios que por lá permane- cem. Para quem estuda a biologia e a ecologia de gafanhotos, não é difícil prever uma explo- são de bandos e nuvens desses insetos-praga, com todo seu arsenal de destruição. Os inimi- gos naturais não estarão em medida para enfrentar um crescimento de gafanhotos des- sa magnitude. Não será a primeira vez. Tudo isso já ocor- reu na Albânia, há alguns anos, quando o fim da ditadura de Ever Roxa e a guerra civil levaram ao abandono temporário das áreas agrícolas e à redução das superfícies planta- das. Tudo indica que a história vai se repetir, como um castigo dos deuses à irracionalidade dos humanos. _ t, 11 '. s Co alta ord etc. Co vei incl 16 Cri ma alim raçê Fr cre

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Kosovo e osgafanhotos

Desgraças nunca chegam sozinhas.No seio do drama vivido pela popu-lação de Kosovo, geram-se outrastragédias, inclusive ecológicas.

Como nas pragas do Egito, os gafanhotostambém preparam suas tropas para intervirno conflito. Trata-se do terrível gafanhoto-italiano. Seu nome científico é Calliptamusitalicus, fácil de reconhecer por suas enormespatas traseiras. Da Albânia ao Casaquistão,passando por países como a Geórgia, ele temcobrado preços elevados por seus ataques:destrói lavouras, arruina camponeses, dese-quilibra o balanço alimentar e as economiaslocais, além de causar muito impacto ambien-tal, devido aos tratamentos com pesticidas.

Nos Bálcãs, os ovos desses gafanhotos, co-locados aos milhões nos campos cultivadosdurante o verão passado, deveriam estar sen-do destruídos agora pelo trabalho de araçãoda terra. Isso significa um equilíbrio secularentre o homem, a agricultura e o meio am-biente. Normalmente, apenas uma pequenaparte desses ovos chega a dar origem a gruposde gafanhotos. Algo parecido ocorre na re-gião da Chapada dos Parecis, no Mato Gros-so, com um outro gafanhoto-praga, o Rham-matocerus schistocercoides. Pessoas mal in-formadas acreditavam que os ataques dessegafanhoto eram fruto da expansão da frontei-ra agrícola. Porém, a pesquisa científica veri-ficou uma realidade bem mais complexa, emque as queimadas favorecem a praga e um dosseus maiores inimigos ainda é a agricultura,sobretudo a mecanizada.

Este ano, tudo está sendo diferente nosBálcãs. O silêncio reina na, até então, densa-mente povoada zona rural de Kosovo. Nemos animais nem os tratores estão arando. Elestransportam pessoas aos milhares e são dei-xados estacionados na fronteira. O solo, quedeveria cobrir-se de plantações de cereais e

98 GLOBO RURALJULHO 99

EVARISTO EDUARDO DE MIRANDA,doutor em ecologia, pesquisadorda Embrapa Monitoramento porSatélite e coordenador do projetoMeio Ambiente e Gafanhotos-Pragano Mato Grosso

leguminosas, repousa, sacudido por explo-sões esporádicas. Nesse ambiente favorávelao inseto, a eclosão dos ovos do gafanhoto-italiano será muito grande. Ao nascer, elesencontrarão fartura em ervas daninhas paracomer. Os inseticidas, que também reduziamsua população, não estarão sendo aplicadosem culturas hoje inexistentes. Se o clima aju-dar, será um verão de alta fertilidade para asfêmeas, e o número de ovos e posturas vaicrescer exponencialmente, prenunciando tra-gédias ainda maiores.

Em conflito ou em paz, a primavera do ano2000 chegará com muitos problemas para aspopulações de Kosovo de qualquer etnia,inclusive para os sérvios que por lá permane-cem. Para quem estuda a biologia e a ecologiade gafanhotos, não é difícil prever uma explo-são de bandos e nuvens desses insetos-praga,com todo seu arsenal de destruição. Os inimi-gos naturais não estarão em medida paraenfrentar um crescimento de gafanhotos des-sa magnitude.

Não será a primeira vez. Tudo isso já ocor-reu na Albânia, há alguns anos, quando o fimda ditadura de Ever Roxa e a guerra civillevaram ao abandono temporário das áreasagrícolas e à redução das superfícies planta-das. Tudo indica que a história vai se repetir,como um castigo dos deuses à irracionalidadedos humanos. _

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