koellreutter estética

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  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    1/81

    J7

    ~ O L L R U T T R

    ESTETIC

    tLl K

    Autor. Koellrcuttcr Ha

    Ttulo: A procura de um rrumdo

    :

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    2/81

    BA-00033796-7

    1

    I lustraes:

    F l v io

    ln6eNUl

    Edio

    japonesa:

    Sei y

    :tono

    tAi u a

    Meisei

    University Ed

    Tokio

    1983.

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    3/81

    H.

    J

    ~ O L L R U T T R

    A PROCURA DE UM

    MUN O

    SEM VIS VIS

    CReflexes

    estticas

    em

    torno

    das artes oriental e ocidental>

    t u ~

    ?jr

    aJ.,.

    O re i o

    de

    ; ~

    b

    ~ para Artes L

    tcia

    :

    I

    da

    [ l

    a 1 U . - Sah 510 - 5.

    0

    4ndar

    Ed

    Arclag

    ek t.h

    l

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    4/81

    1mpre :, . a. . of

    c1nas

    da

    - int sJao

    gr.ifica

    editora e

    mpressos escol res ltda

    EXEMPLAR

    . . 1

    +

    ~ _j _ -

    a e

    n:Jbl. 74

    cep

    04052

    7 ;J136 sao paulo sp

    Brasil

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    5/81

    COLECO ENSAIOS

    Edio

    brasileira

    Direitos

    reservados pela

    EDITORA

    NOV S MET S

    LTDA

    SO

    PAULO

    BR S 1L

    2a.

    edio

    Printed in

    Brazil)

    EDITORA

    NOV S

    MET S

    LTDA

    C.G.C. 50.618.941/0001 61

    INSCRIO 110.049. 156

    Rua

    Alvaro Rodrigues ~ 58

    04582 So Paulo/SP

    BR S 1L

    06

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    6/81

    CIP

    - Brasil.

    Catalogao-na

    -Publicao

    C ma

    ra

    Brasile i

    ra

    do Livro.

    SP

    K82p Koellreutter Hans

    Joachim, 1915-

    procur

    a

    ~ um

    mundo sem

    vis--vis :

    reflexes est t icas

    em torno

    das artes

    oriental

    e ocident

    a l

    / H

    J

    Koellreutter;

    traduo e coordenao Saloma Gandelman.

    So Paul o :

    Ed

    . Novas

    Metas, 1984.

    (Coleo

    ensaios;

    6)

    1. A

    r te

    2. Arte - Filosofia

    3.

    Ar

    te

    oriental

    - Japo

    4. Esttica I

    Titulo.

    I I

    . Ttulo:

    Reflexes

    est t icas

    em torno

    das

    artes oriental

    e ocidental .

    CDD-709.52

    -701

    -701-17

    84-2193

    -709.1821

    ndi

    ces para

    catlogo sistematico :

    1.

    Arte: Filosofia

    701

    2 .

    Art

    ocidental 709.1821

    3.

    Estt ic

    a :

    Artes

    701 . 17

    4.

    Esttica

    compar ada : Artes 701 . 17

    5 Japo: Arte

    oriental

    709.52

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    7/81

    7

    PREFACIO

    O encontro do misticismo oriental com o pensamento cientfico do

    ocidente e suas naturais

    implicaes

    nos campos social ,

    filosfico,

    ar t s t ico e cientfico constituem-se,

    provavelmente,

    noacontecil len

    to

    l'lais

    notvel de nosso sculo.

    m seu ivro The Tao of Physics , o fsico americano Fritjof Capra

    escreve:

    O

    pensamento oriental - e

    de um modo

    mais

    geral

    o

    pen

    samento

    mstico

    -

    prov

    n

    fundo

    filosfico

    consisten

    te

    e

    relevante para as teorias cientficas contempor

    neas; u-na concepo do mundo na qual as descobertas

    c i-

    entficas

    do

    homem

    convivem

    em

    perfeita harmonia

    com

    suas aspiraes espiri tuais

    e

    crenas religiosas. Os

    dois temas bsicos

    dessa

    concepo

    so

    a

    unidade

    e

    in

    ter-relao

    de

    todos os

    fenmenos e a

    natureza intrin

    secamente dinmica

    do

    universo.

    Quanto mais

    penetramos

    no mundo

    sub-microscpico,

    mais nos damos conta de que

    tanto

    o fsico moderno,

    quanto

    o

    mstico

    oriental , per

    cebem o mundo

    como

    um

    sistema

    de componentes

    insepar

    veis, que

    interagem

    e

    esto em

    movimento

    contnuo, com

    o

    homem como

    parte

    integrante desse

    sistema .

    E

    Frit jof continua:

    O paralelo

    entre a

    fsica

    moderna e o mist1c1smo ori -

    ental chocante, frequentemente encontrando-se

    afirma

    es

    a respeito

    das quais quase impossvel dizer se

    foram

    emitidas por

    fsicos ou

    msticos orientais .

    Conscientes

    do

    significado

    e

    alcance

    da

    convergncia entre as cul

    turas em questo, S.

    Tanaka e

    H.

    J

    Koellreutter, nas doze cartas

    que

    se

    escreveram

    entre

    1974 e 1976,

    discutem

    a necessidade e urgncia

    de

    un

    estudo

    cr t ico das culturas, a

    seleo de

    seus valores

    carac

    tersticos,

    com

    vistas

    construo de

    uma cultura planetria, e a

    redescoberta do

    homem como parte integrante de

    um

    todo orgnico.

    Dois

    intelectuais

    que examinam

    os

    aspectos

    predominantes na

    forma do

    ocidental

    e do

    oriental

    elaborarem seu

    pensamento, comas consequen

    tes implicaes

    na apreenso do real , e partem, na

    anlise

    dos pro

    cessos culturais, de diferentes vises quanto sua natureza:

    con

    servadora ( a cultura,

    baseada

    em conservadorismo, parece-me ser a

    terra-1T1ater

    de

    novas idias e

    desenvolvimentos,

    isto ,

    de uMa

    transformao

    cultural criadora -Tanaka,

    quarta carta)

    ou

    renova

    dora { o

    conservadorismo se

    prende

    ao

    j

    ultrapassado

    e

    se

    opoe ao

    criativo -Koellreut ter ,

    terceira

    carta).

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    8/81

    O

    tema,

    atual e polmico,

    da

    preservaao da cultura nacional e

    da

    luta contra sua desfigurao provocada

    pela avalanchedemanifesta

    es

    culturais

    estrangeiras

    que,

    diariamente,

    lanada

    pelos

    ve

    culos de comun i cao

    de

    massa

    ,

    pois, atravs das cartas, ampla

    mente analisado e debatido.

    Ao

    confrontarem valores

    estticos

    e ticos das culturas ocidental e

    oriental

    -Koellreut ter enfatiza a complementaridade (e no a

    ex

    cludncia) como

    fator de enriquecimento cultural e harmonizao en

    tre os

    homens -ambos

    discutem

    suas apreenses e esperanas quanto

    ao futuro da humanidade.

    Movido

    pela idia da

    complementaridade e do

    jogo

    dinmico

    entre

    in

    tuio

    mstica

    e anlise cientfica, Koellreutter prope, atravs

    da

    redescoberta

    do

    originrio,

    a

    transcendncia

    do positivismo ra

    cionalista

    e excludente, a ser

    alcanada,

    no campo

    art s t ico brasi

    leiro

    da

    a t u a l i d a d e ~ quem s a b e ~

    pelo

    aproveitamento e integra

    o

    de

    valores, ainda

    vivos

    nas culturas indgenas

    de nosso pas

    (que ainda conservam uma cosmogonia

    global

    e unitria),

    em

    busca de

    uma identidade est i l s t ic que tenda ao universal.

    S9toshi Tanaka, nascido

    em

    1935,

    em

    Hae Bashi,

    Japo,

    professor de

    alemo na

    Universidade de Heisei, Tokio.

    Fez

    seus estudos

    de

    lngua

    e cultura

    germnicas

    na Universidade de Keio e na Academia Keio de

    lnguas

    estrangeiras,

    ambas

    em

    Tokio, posteriormente

    aperfeioando

    -se na matria,

    como bolsista

    do

    Instituto

    Goethe em Hun ich.

    H J .

    Koellreutter

    nasceu em

    Freiburg,

    Alemanha, em 1915. Discpulo

    de Hindemith, Kurt

    Thomas

    e Herman Scherchen,

    entre

    outros, proce

    de esteticamente, pelo menos

    em parte,

    do

    expressionismo

    centro-eu

    ropeu,

    e tecnicamente, do prprio HindemitheSchoenberg , segundo o

    compositor

    argentino

    Juan

    Carlos

    Paz.

    Forado

    pelo

    regime nazista, deixou

    em

    1937,

    seu pas

    de origem, ra

    dicando-se no Brasil, no tempo de Getlio Vargas e do Estado Novo.

    Nesse momento, a criao

    musical

    se apresentava

    multo

    pouco diver

    sificada: a formao

    de

    instrumentistas e

    professores,

    incipiente e

    inadequada, e o meio art s t ico, carente

    de

    informao e impregnado

    de

    preconceitos estticos.

    Dentro

    dessa

    moldura,

    em

    que

    at

    mesmo

    um

    Vil

    la-Lobos

    servia

    cau

    sa pol t ica, Koellreutter deu

    incio

    sua intensa e longa carreira

    de

    flautista, r ~ g e n t e compositor e pedagogo.

    Na revis ta argentina Lact i tud (Buenos Aires, 1944) , Juan Carlos

    Paz escreveu:

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    9/81

    Com

    a chegada

    ao

    Bras i 1 ,

    em

    1937,

    de H. J. Koe 11 reut ter ,

    pode-se afirmar

    que

    se

    iniciou, naquele pas, uma nova

    etapa

    de

    sua evoluo

    musical:

    a que une

    um

    sentido

    de

    renovao

    substancial da criao

    a

    urna posio de

    maior

    responsabilidade

    do que a

    at ento

    assumida

    pelo

    com

    positor brasileiro

    .

    Dando-se conta de

    que,

    do ponto de vista

    scio-cultural,

    seria no

    campo

    do

    ensino

    que

    sua

    atuao

    se

    faria

    mais

    urgente

    e

    necessria,

    desenvolveu o melhor de seus

    esforos

    no exerccio do magistrio,

    fundando, com a

    Pro-Arte, os

    Cursos

    Internacionais de Frias em

    Te

    respol

    is, Seminrios de

    Ksica de So

    Paulo,

    Rio

    de Janeiro,

    Bahia

    e

    Piracicaba, centros

    livres

    de

    experimentao

    e

    debate

    que,

    embora

    tenham mudado de nome e orientao, continuam

    atuando, at

    hoje, nos

    cenrios arts t ico

    e

    educacional

    brasileiros.

    Aps

    25 anos

    de

    trabalho no

    Brasil, um

    prmio concedido

    pela

    Ford

    Foundation,

    em

    1962,

    permitiu

    -

    lhe

    passar um

    ano em Berlim,

    como ar

    t is ta residente. Nesta

    ocasio,

    foi convidado

    pelo

    Instituto Goethe

    para organizar seu

    setor

    de

    programao

    internacional,

    partindo,

    em

    1965 ,

    para

    a

    ndia, onde,

    na

    qualidade de diretor daquele Insti tu

    to,

    permaneceu

    at

    1969, mantendo,

    paralelamente,

    sua

    atividade

    pe

    daggica,

    na Escola

    de

    Msica

    Ocidental, Nova Dlhi.

    m

    1970,

    em

    funo do

    cargo,

    mudou-se

    para Tokio,

    tambm l

    atuando

    no magistrio (Insti tuto

    de Msica

    Crist, Christo

    Kykai Ongaku

    Gakko) e na

    regncia

    do Madrigal

    Heinrich

    Schtz

    .

    m

    1975, aps

    13

    anos de

    ausncia retornou

    ao

    Brasil, designado para

    a

    direo

    do

    Instituto

    Goethe no Rio de

    Janeiro,

    funo que

    exerceu

    at

    1981.

    Ir ao encontro daquilo

    que

    os

    alunos

    buscam,

    conscientiz-losares

    peito

    do que

    esto

    fazendo,

    estimular

    e

    desenvolver

    o que

    apresen

    tam de mais

    pessoal

    -

    para Koellreutter,

    o

    es t i lo pessoal

    um

    dos

    critrios de

    valor

    na

    obra

    de

    arte

    - foram sempre os

    princpios que

    nortearam sua

    atividade

    de

    professor.

    Da

    apreciao

    cr t ica

    de um

    dos

    trabalhos

    de

    Cludio

    Santoro,

    quan

    do seu

    aluno,

    no qual

    uma

    nova ordem gramatical j despontava, re

    sultou a introduo do serial ismo no

    Brasil.

    Oprprio

    Koellreutter,

    at ento

    escrevendo

    dentro

    de

    uma

    linguagem tonal, em

    decorrncia

    de

    sua atividade didtica,

    comeou a explorar a tcnica

    dodecafni

    ca,

    embo ra sem

    rigor

    pois,

    segundo

    sua

    maneira

    de

    entender,

    orto

    doxia

    anti-art st ica

    e incompatvel com a vanguarda .

    m Msica 1941 j despontam algumas das

    questes

    que sero obje

    tos de sua

    constante

    preocupao:

    delineiam-se

    tentativas de

    supe-

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    10/81

    1

    rao do contraste entre

    sons

    e espao

    em

    que

    esses

    ocorrem, pelo

    emprego de

    uma

    srie que, presente em todas as partes da obra, atua

    como

    continuum,

    igualando

    em

    nvel

    e

    unificando

    as

    unidades

    estru

    turais (gestalten).

    Nas

    palavras do autor, tudo diferente e, ao

    mesmo tempo, i gua 1 .

    A linguagem empregada tende a um elementarismo - que

    v1r1a

    a ca

    racterizar seus

    trabalhos posteriores - tendo sido evitada, inten

    cionalmente, a individualizao

    de

    qualquer das gestalten .

    m 1953, ao viajar pela primeira vez para o oriente, Koel l reutter

    entrou

    em

    contato com a

    esttica

    de outras culturas musicais, o que

    lhe

    permitiu corroborar

    algumas de

    suas

    idias,

    at

    ento

    timida

    mente manifestas. t. preciso considerar que sua

    formaomusical se

    deu na Alemanha sob opresso do nazismo, conservador e avesso a

    qualquer f o r ~ de expresso no convencional, e mais tarde, sob o

    impacto - resultante do choque entre sua

    naneira

    de pensar e a da

    queles entre os quais atuava - de suas prprias experincias.

    Os anos compreendidos entre 1953 e 1960 -

    perodo

    em que

    H. J .

    Koellreutter ensinou na Bahia - foram, pois, de

    crise

    intelectual

    e ideolgica, da qual

    tambm

    participaram seus alunos, atravs de

    discusses

    constantes

    a

    respeito

    da

    relatividade

    das

    idias estt i -

    cas e das potencialidades

    composicionais

    do Material sonoro. Nessa

    fase, deixou de escrever obras , para compor ensaios , entre os

    quais

    Concretion 1960 ,

    decisivo

    no futuro

    desenrolar

    dos traba

    lhos do

    autor,

    por sua

    estrutura

    planiMtrica.

    Koel

    reutter

    define planimetria -

    etimologicamente, levantamento

    to

    pogrf co -

    como

    uma tcnica

    composicional

    que funde, em uma estru

    tura mae, o

    princpio

    serial e a

    ordenao

    particularizada e fun

    damental

    dos

    signos musicais; ou seja, os

    elementos

    conjuntivos

    e

    disjuntivos

    da composio so

    gerados apenas por

    um mdulo

    bsi

    co, segundo as relaes

    caractersticas

    da

    unidade estrutural . O

    processo l inear, direcional, substitudo

    pelo

    multi-direcional -

    os signos musicais no mais

    se

    apresentam no

    pentagrama,

    ~ s dis

    postos no plano - o que gera

    um

    alto grau de aleatorismo; no mais

    ocorrem eventos

    musicais de

    ordem causal (dominante e tnica,

    por

    exemplo), dual

    idades dialeticamente

    opostas (dissonncia e

    consonn

    cias, tempos forte e

    fraco,

    primeiro e segundo temas, etc . , melo

    dia,

    harmonia ou

    pontos

    fixos de referncia.

    A pa1avra Concret i on (concreo) no se

    refere

    ao de

    tornar

    concreto,

    isto ,

    ao

    ooosto

    da abstrao, ou

    ao processo

    de sol idi

    ficao, mas a

    uma

    nova forma, concreta , de apreenso do tempo,

    no mais

    dividido

    nas trs

    fases, passado,

    presente e

    futuro.

    A durao de

    Concretion

    1960 varia

    entre

    oi to e vinte

    minutos,

    no

    tendo comeo ou fim. O incio

    parece

    ocorrer por acaso e o trmino

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    11/81

    J

    se

    d por simples

    interrupo. Sente-se

    a sugesto de pontos, -

    nhas e campos, dentro de uma ordem cr-estabelecida de proporoes.

    O

    som

    silncio

    e o

    silncio

    sem, formando-se

    um

    todo

    i l imita

    do que leva o ouvinte a

    perder

    o

    senso

    da forma , segundo as pala

    vras do autor.

    O encontro com a musica

    clssica

    da ndia e com o Gagaku do Japo,

    bem como seus estudos no

    campo

    da

    fsica

    moderna - com as conse

    quentes

    implicaes

    para

    a

    filosofia

    e a esttica - significaram,

    para

    Koellreutter,

    uma experincia

    libertadora e a abertura

    para

    a

    formulao de

    idias

    condensadas

    posteriormente, em uma

    esttica do

    impreciso (tendncias

    substituem ocorrncias

    definidas) e do

    para

    doxal (fundem-se

    conceitos

    estticos

    aparentemente

    contraditrios).

    Acronon (1

    ivre

    do tel'lpo medido, do tempo relgio, do metrnomo;

    transpondo para a msica: l ivre da mtrica racional, da durao de

    finida e determinada, e do compasso) um ensaio no sentido de

    uma

    realizao musical que

    ocorre

    em um tempo

    qualitativo

    -

    tel'llpo como

    forma de percepo -

    cuja vivncia resulta

    da relao

    deu deter

    minado

    estado

    emocional

    com as

    diversas

    ocorrncias

    musicais. A

    for

    ma da

    pea

    ternria, varivel,

    assimtrica,

    de equilbrio

    dinmi

    co,

    semelhante do

    ten-chi-jin japons (traduo l i teral : cu,

    terra,

    homem), forma mvel

    de

    ordenao

    e

    relacionamento

    assimtri

    cos, porm

    harmnicos,

    de trs elementos diferentes.

    A partitura do piano - Acronon ,

    planimetricamente estruturado,

    foi composto

    para piano solista

    e orquestra

    (sopros

    e

    percusso)

    -

    escrita

    em

    uma esfera

    difana e transparente, permite ao pianista

    ter

    uma

    viso

    de

    todos os

    signos musicais, possibilitando-lhe a se

    leo das

    unidades

    estruturais a serem

    tocadas,

    segundo seu carter

    complementar.

    O

    examedasobrascitadasealeituradascartasevidenciam

    a preocupa

    o

    de Koe 11 reutter

    com

    as

    re

    1aes entre ar te e soei edade - arte como

    cri ao funciona 1, engajada,

    experimenta

    1 e transitria, que

    se materi

    a 1 i za atravsdeestudoseensaios

    (ponto

    de vista,

    alis ,

    coincidente

    com

    a i d ia de ar

    te-ao expressa por

    Kr iode Andrade

    em

    O Banquete )

    - sendo a arte concebida como fa tors ign i f icativo na construo de um

    mundosem vis--vis , integradora,

    portanto,

    aproximando oriente e

    ocidente , e CO llO campo experimenta1 em que novos conce i

    tos

    e len

    t

    icos e

    consequentemente tambm estticos, ta is

    como os

    de tempo, espao, causa

    e

    efeito

    podem

    ser

    investigados,

    percebidos

    e

    vivenciados.

    ma

    viso,

    pois, quetendeaaproximarexpresses ar t s t icasecient f icas , nesse

    momento

    em

    que se constata uma convergncia, i

    nveross

    mi 1

    ao

    olhar ct i

    co do

    oci

    denta1,

    entre

    conceitos f i 1

    osf

    i

    cos

    da i ca moderna e o mi

    s

    t i cismo de

    culturas milenares

    e de

    outros

    povos.

    Na

    nossa era tecnolgica,

    o

    homem, produto da

    cultura mas, simulta

    neamente

    seu

    construtor , no

    pode, inevitavelmente,

    escapar pres-

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    12/81

    2

    so dos veculos

    de

    comunicao

    de massa,

    ao mesmo tempo em

    que,

    exercendo

    sua

    capacidade

    cr t ica e

    seletiva, influi

    e imprime dire-

    tr izes

    aos mesmos.

    Se,

    nas

    palavras

    do

    fsico

    Werner

    Heisenberg,

    compreender significa reconhecer relaes e

    ver

    o dist into

    como

    ca-

    so

    particular

    de algo

    mais

    geral , seguramente

    a

    construo

    de

    um

    mundo sem fronteiras requer uma descoberta contnua da prpria

    dentidade,

    redescoberta que l iberta de preconceitos

    nacionalistas,

    de

    opinies

    infundadas

    e da

    reflexo.parcial (Koellreutter, sexta

    carta) .

    Uma cultura universal,

    longe,

    pois,

    de

    representar uma

    per-

    da de

    identidade - que

    tanto atemoriza os

    homens

    de todas as l t -

    tudes

    - demanda

    uma

    tomada

    de conscincia

    das prprias

    peculiari-

    dades,

    o

    dist into , pois,

    c

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    13/81

    3

    Toquio, 2/9/74

    Prezado professor Koellreutter:

    Acabo

    de

    ouvir seu novo

    trabalho

    intitulado

    Y

    ume no naka no hito ,

    (poema concreto do

    poeta

    japons

    SHUTARO MUK I

    que sugere a rea

    l

    idade

    como

    criao

    onrica do homem)

    )escr i ta para Koto ,

    ins

    trumento

    tradicional do Japo, e voz falada, sobre um

    texto em

    l n

    gua japonesa. Ouvindo

    essa

    composio, sente-se a

    influncia

    da sen

    sibilidade e da esttica japonesas. No se tem a

    impresso,

    no en

    tanto,

    e

    isto

    me

    surpreendeu,

    de

    se

    t ra tar

    de

    niponizao .

    Admi

    ro-lhe

    a

    capacidade

    de ter mantido

    sua identidade

    e

    individualidade,

    apesar da

    influncia

    japonesa.

    Seguramente,

    o

    senhor sabe muito

    bem

    quo distante est da msica

    tradicional

    japonesa;

    sabe

    tambm, e

    eu

    estou convencido disto, distanciar-se do objeto

    alheio

    e contem

    pl-lo

    objetivamente.

    Assim,

    consegue

    domin-lo,

    faculdade

    que os

    ar t is tas japoneses geralmente

    no

    possuem quando

    se

    defrontam com

    culturas

    aliengenas.

    Procurarei elucidar o

    que acabo de

    dizer

    por

    meio

    de

    um exemplo:

    h,

    na

    pintura

    japonesa

    moderna, duas

    tendncias

    dist intas;

    uma, chama

    -se nihon-ga ; seus

    representantes

    visam

    pintar

    em

    est i lo

    tradi

    cional do Japo. A outra, chama-se ' 'y-ga ; seus representantes vi

    sam imitar as tendncias

    est i l s t icas

    do

    ocidente.

    E

    estranho

    que

    os

    pintores

    japoneses nunca tivessem tido a

    idia

    de

    integrar

    a

    tc

    nica e o

    contedo

    esttico da arte ocidental ao modo

    de

    pintar da

    tradio japonesa.

    Nos ltimos tempos, no entanto, alguns

    pintores

    de ni

    hon-ga

    procuram faz-lo.

    Devo

    confessar que,

    se

    de um lado

    admiro,

    o individualismo

    egocn

    tr ico

    ocidental,

    por

    outro,

    como

    oriental ,

    no

    posso

    evitar sent

    lo como

    arrogante.

    Por

    isso, prezado

    Sr. Koellreutter,

    gostaria

    que discutssemos um pouco a respeito

    das coisas

    que distinguem os

    europeus dos japoneses.

    Desde sempre,

    tive

    a

    impresso de

    que a

    diferena

    principal entre

    ocidentais e japoneses tem suas razes no Cristianismo. Em

    todo

    o

    mundo

    ocidental, pela maneira de

    viver

    e

    pensar, sente-se, at ho

    je ,

    a

    sua influncia.

    Parece-me

    essencial

    o

    fato

    de

    ter

    o

    Cristia

    nismo

    um nico Deus

    que

    simboliza

    o

    Absoluto, com

    o

    qual

    o

    Cristo

    relaciona

    tudo.

    Para ns,

    o

    Absoluto

    no

    existe.

    Aos

    nossos

    olhos,

    tudo

    relativo,

    os conceitos

    de

    Bem

    e Mal, de

    CertoeErrado. Acre

    ditamos que, neste

    mundo, nada existe que

    possa ser considerado

    como

    Absoluto. Por outro lado,

    compreendemos

    que, num mundo

    de

    re

    latividade, um

    mundo

    infinito ,

    o

    Divino-Absoluto

    poderia vir

    a

    () nota

    dos

    tradutores

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    14/81

    4

    tornar-se uma

    necessidade.

    t

    fcil

    compreender que o povo

    judeu, a

    trs

    do qual

    havia uma

    longa

    histria trgica

    de

    sofrimento

    e

    t rai

    o,

    ansiasse

    por um

    Salvador.

    No

    se

    lhes

    apresentava

    outra sada

    seno procurar proteo

    no

    Sobrenatural-Absoluto,

    em

    Deus.

    Em um

    l ll.lndo em

    que tudo pode

    falhar, resta

    apenas ao

    homem recorrer que

    le

    que,

    na

    Terra,

    no pode

    ser

    encontrado. Os

    europeus

    devem

    ao

    CristianisrTX> o

    ter transformado

    a negao e o

    desespero em esperan

    a

    e

    redeno,

    processo

    ao qual

    os

    japoneses

    no

    precisam

    recorrer,

    uma

    vez

    que,

    segundo

    sua opinio, em sociedade, os conflitos podem

    ser solucionados por

    "compreenso mtua".

    Esta idia se explica pe

    lo fato

    de

    ser

    o

    Japo

    um

    pas

    de unidade

    scio-cultural

    incomum.

    Nele, praticamente,

    quase no

    se observa

    influncia

    de outros

    po

    vos.

    Por

    isso, os japoneses,

    congregados

    em

    torno

    de

    uma nica

    tra

    dio

    cultural , sentem-se identificados

    em um

    pensamento

    co1T1Jm Em

    nossa

    sociedade,

    vontade

    de

    conservar

    essa harmonia desempenha um

    papel

    muito

    importante. Confiar, evitar conflitos

    e

    procurar

    a com

    preenso

    Mtua

    entre

    os

    homens

    constituem, por isso, princpios fun

    damentais da

    convivncia japonesa.

    Assim, o japons

    nonecessitado

    apoio

    do Divino-Absoluto.

    Perm

    ita-me

    um exemplo: imaginerios

    uma superfcie

    que deve

    represen

    tar

    o

    nosso

    rrundo da

    relatividade.

    lmaginerTX>s

    um

    ponto

    colocado

    a

    cima

    dessa superfcie,

    sem

    ter com ela

    qualquer

    ligao direta. Es

    se

    ponto

    representa

    o

    Absoluto.

    Enquanto o

    ocidental,

    de alguma

    ma-

    neira, tende

    a

    ligar

    a

    superfcie com esse ponto,

    o

    japons pres

    cinde disso.

    Por

    esse processo,

    o

    ocidental cria um mundo em trs

    dimenses. O

    japons,

    no

    entanto, contenta-se com

    a

    superfcie bi

    -dimensional.

    Ele no capaz de estabelecer relaes

    espaciais em

    forma de sistemas

    imutveis. Em

    sua maneira de sentir , as

    relaes

    mudam de acordo com o ngulo do

    observador.

    Tudo simplesmente re

    lativo.

    E, em

    verdade,

    o

    japons carece

    do

    senso

    de dimenso.

    Sen

    timo-lo

    em

    todos

    os

    terrenos

    de

    sua

    arte

    e

    cultura.

    Assim,

    por

    exem

    plo, falta

    msica

    japonesa

    a harmonia, e

    pintura

    -

    at

    o

    pe

    rodo Edo (1598 a 1867) - a perspectiva,

    ou

    seja, a representao

    racionalista

    do

    espao

    tridimensional. Mas ao japons faltam, no

    apenas, senso de dimenso (ri t tai-kn),

    mas

    tambm o de

    separao

    (bumri-kn) e o de

    distncia

    (kyori-kn). A

    ausncia

    desses

    trs

    fatores

    na conscincia do japons chave da compreenso de sua

    cultura. No podemos

    esquecer

    esse

    fato,

    se

    quisernos e n t ~ n e r ver

    dadeiramente

    a arte e cultura do Japo. Por

    isso mesmo,

    nao separa

    mos vida

    e

    arte,

    a

    qual

    faz

    parte

    integrante do

    dia

    a

    dia.

    O japo

    ns

    no

    considera

    Sa-d

    {em

    portugues

    erroneamente

    traduzido

    como

    cerimnia

    do

    ch )

    e "Ka-d" {arranjo de

    flores) como arte, mas sim

    como "D"

    (ca' li

    nho),

    ou seja, caminho da vi

    da,

    uma

    forma de f i

    loso

    fi

    a e

    vida.

    Da

    ser

    a arte

    japonesa

    amena,

    sensvel, mas simples,

    faltando-lhe,

    frequentemente,

    fora, profundidade e elevao.

    Da rnesma

    maneira que as

    relaes

    do ocidental com a

    arte

    no

    so

    mediatas

    porque ocorrem atravs do

    Absoluto

    - o

    ponto

    queseencon-

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    15/81

    JS

    tra fora da superfcie tambm as relaes

    entre

    os homens no o

    ~ o eles

    se encontram numa superfcie, isolados uns dos outros. Ca

    da

    um

    protegido

    por seu

    Deus no

    se

    sente

    soli trio.

    Assim o

    oci

    dental v,

    na personalidade, na liberdade do

    indivduo,

    seu

    ideal.

    Bem

    diferente

    o

    japons; ele

    no se liga ao ponto

    fora

    da super

    fcie. O elo que

    estabelece aquele

    que

    cria

    com seus

    pares

    . Quan

    do esse

    se

    rompe

    ento

    sim,

    ele se

    sente

    soli trio

    e

    isolado. m

    seu ambiente mais

    ntimo, cultiva

    uma ligao

    indissolvel ,

    maior

    do que a amizade e que no respeita,

    necessariamente,

    a liberdade do

    outro. Ele

    se

    sente,

    em

    primeiro lugar, como

    parte

    dependente da

    sociedade.

    Aquilo que

    resta

    uma liberdade cujos

    limites

    so

    t ra

    ados

    pelos

    interesses

    sociais.

    Talvez

    se

    possa

    explicar,

    ento,

    por

    que o

    japons

    encontra dificuldade

    em se

    distanciar

    de

    objetos es

    tranhos sua cultura e

    em c o n t e ~ l l o s

    objetivamente, isto

    , de

    frontar-se

    verdadeiramente

    com outras culturas; se

    falta

    o

    senso

    de

    distncia,

    fal tar tambm a

    capacidade

    de

    defrontar-se

    com

    elas

    e question -

    las.

    A

    falta

    de conscincia de s i

    mesmo

    e a consequente

    tendncia

    do

    japons

    de

    se orientar pelos

    outros e

    imit

    -

    los,

    so

    as razes

    pelas

    quais ele aceita, to facilmente e sem cr t ica, a

    cultura ocidental. Ao

    tentar

    entregar-

    se

    inteiramente a ela,

    no

    percebe o quanto essa cultura

    estranha a seu

    prprio

    ser.

    No

    con

    segue

    pois,

    conhecer

    verdadeiramente

    o

    outro

    e,

    portanto,

    a

    si

    mes

    mo.

    Ficaria

    111.Jito grato

    se o senhor

    respondesse

    a

    essa

    carta.

    Atenciosamente,

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    16/81

    H.

    J.

    KOELLREUTTER

    - Tanka 1

    Yume no

    naka no

    hito

    (Shutaro Mukai

    partitura (dois

    mdulos

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    17/81

    7

    Toquio, 27 de novembro de 1974

    Prezado professor

    Tanaka:

    Foi com

    grande

    interesse que l sua

    carta. Ela

    revela

    u 'la problem

    t ica com a qual

    tambm eu

    -

    talvez possa

    dizer -

    me preocupo

    qua

    se

    que diariamente.

    Como

    homem e como ar t is ta .

    Como home

    m,

    ar t is ta

    e diretor e u ~ Insti tuto

    Cultural

    da

    Repblica Federal

    da Alemanha

    no

    exterior.

    O Senhor ouviu meu trabalho Yume no naka no

    hito

    .

    Em

    sua opinio,

    nessa pea , sente-se a i nfluncia da esttica japonesa . l'\as sente

    se, tambm que estou consciente da distncia que me separa da msi

    ca tradicional de seu pas.

    Sem dvida, estou.

    e

    fato, nunca tentei imitar msica

    japonesa,

    muito menos

    COfll

    -

    la,

    mas admito, sem acanhamento que a experincia

    musical

    e emocional

    ~

    vivi

    no ano de 1953 - quando, pela primeira vez ,

    estive

    no

    Ja

    pao ~ ao entrar em contacto com a msica da corte japonesa, exer

    ceu

    influncia decisiva

    em

    minha

    atividade

    cr iadoraear t s t ica .

    No

    no sentido de uma riudana provocada por essa experincia , mas sim no

    de uma confirmao de ideais

    estticos

    que f o r ~

    os

    meus, desde a

    juventude.

    Tais

    ideais

    so,

    por exemplo: concentrao extrema da

    expresso, eco

    norii ia de meios, renncia ao pr

    azer

    exc l us i vamen

    te

    sensor ia 1 , c 1a

    reza

    e

    preciso,

    1

    iberao de um conceito de

    tempo racionalmente

    estabele

    cido,

    assimetria,

    forma aberta e

    varivel

    e outros conceitos mais . Sem

    pre

    rejei teiaidiadosom pelo

    som.Arneu

    ve

    r

    ,osom

    sempre o polo

    complementar

    daquele elemento

    fundamental da

    msica,

    sem o

    qual,

    a

    vivncia

    art s t ica no

    possvel:

    o

    silncio.

    E

    ta

    r

    efa

    do composi

    tor anul

    - lo, para

    depois rest i tu- lo.

    O som tem por funo produ

    zir enfatizar, intensificar e

    conscientizar

    o silncio . No

    me re

    firo ao silncio

    no sentido

    da no-

    existncia

    do som,

    mas sim no

    sentido

    de

    seijaku , ou seja, calma interior e

    equi

    1brio,

    coro

    fundo originrio da vivncia espir i tual ,

    condio de

    ordenao e

    cr i tr io de

    contedo

    e

    valor.

    De fato

    ,

    prezado professor, para mim

    , msica arte somente quando

    - e isto sempre foi assim - permite esquecer o

    som

    e

    causar

    um

    es

    tado de equil

    brio

    interior . Po r tanto, quando a msica

    se

    torna

    si

    lncio

    ativo ,

    por assi'll

    dizer .

    Foram esses os ideais que, em 1953,

    encontrei

    confirmados

    no Japo .

    Sem a

    vivncia

    da msica Gagaku do

    Japo

    e a an 1 i se da mesma , no

    teria tido, talvez, a coragem de empregar e

    prosseguir

    desenvolven

    do os

    princp

    i

    os

    estticos acima mencionados, parcialmente contr

    rios aos da msica tradicional do ocidente.

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    18/81

    8

    Estou convencido de

    que a l Isica ocidental

    perdeu certos valores hu

    manos no decorrer

    de sua evoluo

    histrica

    em direo

    a um

    indivi

    dualismo

    voltado

    para

    o

    ego

    e

    um

    racionalismo

    que

    se

    acentua

    pro

    gressivamente. Assim, certos valores humanos

    ainda

    vigentes no

    Ori

    ente tero

    que

    ser

    resgatados,

    se pretendemos

    sobreviver corno

    socie

    dade tecnolgica de massa

    ora

    em marcha. Porque simplicidade, pre

    ciso, clareza

    e inteligibil idade,

    oor

    exemplo,

    so

    caractersticas

    essenciais comunicao

    inter-humana.

    Por outro

    lado, justamente esta s o c i e d d ~

    tecnolqica

    de r

    assa,

    ainda

    em

    fase inicial ,

    que obriga os

    japoneses

    a

    s apropriarem

    de

    valores da cultura ocidental, inexistentes na

    sua

    prpria

    lradio.

    Sem

    esses,

    a

    incluso

    dos

    japoneses

    ou

    de

    outras culturas

    na

    socie

    dade de massa seria

    impossvel.

    Refiro-me a caractersticas

    CO l'K) re

    flexo

    objetiva

    quantificadora,

    liberdade

    de

    deciso independente

    de

    grupos,

    coragem de experirientar,

    cr i t icar questionar, etc.

    Entendo

    por sociedade

    de massa a

    constituda por uma pluralidade

    de

    Indivduos,

    cuja

    conscincia do eu e sentimento de

    responsabili

    dade

    individual

    vn

    sendo reduzidos ao

    mniMO,

    uma sociedade

    sem

    conscincia

    de unidade, tradies

    e

    est i los ,

    no pensar e atuar.

    Disso

    resulta,

    prezado

    professor,

    que

    ocidente

    e

    oriente no

    podem

    evi tar

    o

    questionamento

    de um em relao ao

    outro.

    A mim no entan

    to,

    parece

    ser indiferente

    a maneira

    pela

    qual

    ocorre

    esse

    tipo

    de

    processo

    de assimilao ou

    convergncia. Eu

    at

    diria

    queoquestio

    namento de valores culturais

    aliengenos,

    isto ,

    daquilo

    que nos

    separa, e a

    aceitao

    de outros que, embora estranhos

    cultura, te

    nham validade

    universal,

    se tornam, hoje, uma necessidade urgente.

    Porque a

    sociedade

    tecnolgica de massa

    ser, sem

    dvida, planet

    r ia

    e

    universal;

    poder surgir somente quando houver a compreenso

    de

    valores

    diferentes,

    estranhos,

    mesmo

    que

    opostos

    aos nossos

    ideais. Refiro-me

    co,.,..,reenso, no

    tolerncia.

    Tolerncia pode

    ser

    uma

    plida substituio para a falta de

    esforo

    em

    alcanar

    a

    compreenso, fuga que em nada

    contribui para modificar falsas in

    terpretaes

    ou

    superar

    a incompreenso entre

    os povos.

    Estou

    consciente, porm, de que a tolerncia representa um estgio

    inicial

    indispensvel

    possibilidade

    de reflexo

    neste sentido.

    Na

    sociedade

    planetria trata-se, antes de mais

    nada,

    de valorizar

    as

    caractersticas

    culturais

    que nos

    diferenciam

    e,

    ao

    rresmo

    tempo,

    redescobrir o homem

    como

    parte

    integrante

    de um todo.

    O

    senhor, caro

    professor,

    de op1n1ao que a

    distino

    essencial

    en

    t re europeus

    e japoneses

    reside

    no

    fato

    de

    terem os primeiros

    in

    troduzido em

    seu

    pensamento o

    conceito

    o

    Absoluto

    - do

    Eternamente

    Vlido

    -enquanto

    que

    os ltimos

    no o

    fizeram.

    Concordo, sem

    dvi

    da.

    O

    conceito

    do

    Absoluto nasce

    do modo

    racional

    e

    anal t ico

    de

    pensar

    - o Eternamente

    Vlido o

    parte

    de

    um

    todo em

    constante

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    19/81

    9

    transformao

    e

    estranho ao mundo da vivncia emocional e f t i-

    va do Oriente. O

    Absoluto

    se >re

    parte dist inta,

    e

    por isso, di

    flcl

    lmente

    c o ~ r e e n s v e l

    ao

    modo

    de

    pensar

    globalizante

    oriental.

    Nno

    creio, porm, que este fato

    seja

    decorrente do

    Cristianismo.

    O

    pensar cristo, referindo-se a

    um

    Absoluto, , a meu ver,

    sintoma

    consequente

    de

    um

    e um mesmo fenmeno: de uma forma que tende a a

    preender o homem e o meio ambiente

    racionalmente,

    o que o

    coloca,

    por fora, em posio

    antagnica ao alm-mundo. E essa forria o

    resultado de um processo de mutao da conscincia,

    iniciado com

    o

    homeM

    europeu da antiguidade. A busca de uma apreenso racional do

    homem

    e de seu meio ani>iente

    determinou toda

    a

    histria

    ocidental.

    Por

    ela

    pode-se

    explicar,

    em

    ltima

    anlise,

    todas

    as

    diferenas

    en

    tre

    o pensar oriental e ocidental.

    Entendo

    por

    conscincia a

    capacidade

    do homem em apreender os s is

    tenas

    de

    relao

    que o determinam e

    as

    funes de um dado

    objeto

    a

    ser

    conscientizado com

    o meio ani>iente e o "eu" que o apreende.

    Portanto,

    no

    me refiro

    conscincia

    como

    conhecimento formal,

    nem

    como mero reconhecimento, ou

    qualquer processo

    de pensamento,

    mas

    a

    uma

    forma de

    inter-relacionamento

    constante,

    um

    ato

    criativo

    de

    in

    tegrao.

    Caractersticas dessa

    forma de conscincia do

    ocidental,

    j obser

    vveis na

    cultura

    europia do

    perodo

    final da antiguidade, ve

    ja-se, por exemplo, o conceito do

    Belo em

    l a t o irrompem deci

    sivamente

    no primeiro perodo da Renascena,

    em um modo

    de pensar

    acentuadamente racional

    a n a l t i c o

    e individualizante.

    Modo

    que,

    finalmente, conduz a uma estranha situao cultural , aparentemente

    paradoxal

    porque, se

    por

    um

    lado atua

    individualizando

    e abstrain

    do,

    por

    outro,

    quantifica

    e

    concretiza.

    ma

    situao,

    no

    entanto,

    que talvez nen seja

    to

    estranha porque os

    contrrios,

    no fundo,

    nunca se excluem

    m u t u m e n t e ~

    quando muito se manifestam mais ou

    menos acentuadamente mas

    se

    complementam. Por isso ,

    certas

    mani

    festa es da polmica econmica, cultural e pol t ica,

    em

    nosso tem

    po, sao tanto

    individualizantes

    (descentralizaao, isolamentoeato

    mizao como quantificantes (nivelamento, fabricao em massa, su

    per-produo e inflao), tanto abstrao conceituai como quantifi

    cao (atravs das teorias cientf icas); so

    especializao

    e in

    vestigao inter

    - disciplinar, sistemas sociais democrtico-burgue

    ses

    e

    democrtico

    -

    socialistas,

    mercado

    l ivre

    e economia

    planificada

    e assim

    por diante.

    A mudana da forma de

    consc1encia

    qual

    acabo de me

    referir ,

    e o

    desenvolvimento que resulta da mesma, me parecem, em primeiro lugar

    responsveis

    pelo que

    nos

    distingue dos orientais.

    m

    fenmeno de

    ordem

    psicolgica

    e sociolgica

    muito

    complexo, do

    qual

    o Cristia

    nismo um entre muitos sintomas.

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    20/81

    2

    O

    senhor,

    prezado

    professor,

    de opinio que, ao japons, fal ta o

    senso

    de dimenso.

    Pode

    ser .

    Porque dimenses atuam

    dividindo

    em

    grego,

    i

    ou c a si

    gn

    i fica dividir ) , ndi vi dua 1

    zando,

    e , portan

    to,

    racionalizando,

    medindo,

    processo estranho

    ao pensar do Oriente,

    que visa o

    todo

    e relativiza tudo.

    O

    senhor tambm

    tem

    razo

    quando

    escreve:

    O homem que pensa e

    sente

    globalmente topoucodivide vida

    e

    arte. arte,

    na vida

    cotidiana,

    , para o

    japons,

    mais

    importante

    - e por isso cr i tr io - do que a

    auto-representao individualista e a assim chamada

    profundidade

    e

    elevao da obra ar t s t ica

    Toda cultura

    estabelece seus

    valores

    especficos.

    eles

    acrescenta

    valores novos, em suas fases criativas de

    desenvolvimento.

    Errado

    , no entanto,

    julgar

    os valores de uma determinada cultura

    com cri

    trios de valor de outra. Fenmenos

    culturais,

    qualquer que seja

    nossa posio diante

    deles,

    s podem

    ser

    explicados e compreendidos

    a

    part i r

    da

    situao

    psicolgica e social que

    os

    engendrou.

    Eis o que devemos aprender,

    se

    pretendemos construir

    um

    futuro em

    comum

    m abrao atencioso,

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    21/81

    2

    Toquio, 2 de fevereiro de

    975

    Prezado professor Koellreutter:

    Venho agradecer sua resposta na

    qual aborda

    uma srie de

    pontos

    de

    vista

    que, para

    mim so muito interessantes. O fim de sua exposi

    c ao

    me

    fez pensar. O senhor escreve: "toda cu tura apresenta va o

    res especficos". Se

    eu

    o compreendo bem, sua opinio de que esses

    valores

    devem

    ser

    respeitados, pois escreve: "errado

    julgar

    os va

    lores de uma determinada cultura com os critrios de outra".

    Por outro lado, tendo em vista uma cultura universal em formao,

    considera

    urgente

    e necessar1a, en

    nosso

    tempo, a aceitao e va

    lores universais. Ser que isto no

    urna

    contradio?

    Alm do mais

    o senhor enfatiza que, para

    s i

    indiferente a forma pela qual o

    corre o processo de assimilaao de valores aliengenos. Creio que

    posso COlll>reender porque sente de

    tal

    maneira:

    o ocidental,

    possuin

    do uma narcante conscincia de si riesrro, capaz de decidir se deve

    ou no

    adaptar-se

    a

    outras

    culturas. O japons, no entanto, a quem

    falta

    esta

    conscincia,

    e cujo

    ideal

    a adaptao ao que o cerca,

    no pode

    ficar

    indiferente

    ante

    a

    questo

    de

    como

    ocorre

    esse

    pro

    cesso

    de assimilao, para que conserve a autenticidade e

    credibi

    -

    1idade de sua cultura.

    m

    ninha maneira de compreender, o cos,

    francamente grotesco, na cultura e

    est i lo

    de vida do japons moder

    no o resultado do

    entrelaamento

    de posies incompatveis. As

    sim,

    ele

    mistura o ideal de

    convvio

    harmnico, ao qual

    se

    dispe a

    sacrificar

    qualquer coisa, com o

    individualisno ocidental, rararen

    te propenso a

    abrir mo

    de algo

    em favor

    da comunidade; mistura

    tambm conceitos

    morais

    baseados

    em sua

    sensibi

    idade

    estt ica

    com

    princpios morais

    do Cristianismo.

    Ficar- lhe - ia ~ t o grato, professor

    Koellreutter,

    serie explicasse

    porque pensa que a cultura japonesa no deve ser medida com cri t

    rios de

    outra cultura.

    Como

    europeu,

    o

    senhor no

    pode evitar de

    servir -

    se

    de critrios prprios, estranhos a

    ns.

    Gostaria

    de

    dar prosseguimento ao

    nosso

    dilogo,

    agora

    j no terre

    no da esttica . Em seu prefcio"Kana-

    jo"

    do

    Koki

    nsh KI Tsurayuk i

    7- 945)

    explica

    o que a arte

    significa

    para o japons, e

    mostra

    o que

    distingue

    a

    estt ica

    japonesa

    da

    ocidental: "o

    poema

    japons

    tem

    sua raiz no corao

    humano e

    suas

    folhas, em

    milhares

    de

    pala

    vras. O fazer dos homens que vivem nesse mundo variado, e aqui lo

    que sentem no corao kokoro)

    expressam

    at ravs de

    objetos

    pe rce

    bidos pelos olhos e

    ouvidos

    . A voz do

    rouxinol

    nas flo r

    es

    ou a dos

    sapos

    nas guas . . . qua desses seres vi vos no

    estar

    se exp ressando

    atravs de um canto Tudo que move cu e

    terra

    sem o enprego da for

    a e

    causa

    compaixo

    aos

    espri tos e deuses invisveis, que torna

    a relao ent re o

    homem

    e a mulher mais afetuosa e ameniza o corao

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    22/81

    do guerreiro inpetuoso poema, poema nascido no tempo

    em

    que, pela

    primeira vez,

    cu

    e

    terra se abriram .

    Nesse prefcio, Tsurayuki

    afirma

    que o

    poeta

    possui a capacidade de

    influenciar

    at espritos

    e

    deuses . Esta afirmao se encontra em

    oposio

    id

    ia,

    ainda presente

    na esttica

    oci denta

    I,

    de que Deus,

    como ser

    sobrenatural,

    se

    comunica

    atravs

    do

    poeta, sendo este um

    instrumento por ele

    inspirado. O poeta

    japons,

    no entanto,

    no

    ne

    cessita de Deus ou de musa para sua arte. Oito em poucas palavras:

    a esttica

    japonesa

    uma teoria que desconhece o Divino; a

    ociden

    tal ,

    no

    exist i r ia

    sem

    tal

    conceito. Tsurayuki

    coloca-se,

    portanto,

    em

    oposio

    tradio esttica

    ocidental.

    Corao e alma do

    poeta

    so , em sua concepao, a fonte exclusiva

    da

    criao potica. Natu

    ralmente, tambm hoje,

    os ocidentais COl preendem que

    Deus no

    in

    fluencia

    a

    criao ar t s t ica

    do

    poeta.

    Apesar

    disso,

    pode acontecer

    que as idias de Tsurayuki causem incocnpreenso,

    pois,

    na esttica

    ocidental, de Aristteles e Ploti no, as

    artes

    fundam-se no

    logos

    de

    um

    Deus e na idia

    do

    cosmos. A

    esttica

    estico-crist nega,

    conforme

    sabenos,

    o corao

    do

    homem

    como

    fonte da

    criao

    r t s t -

    ca. Kesmo

    na Renascena , quando o gn o ou a

    persona

    l

    idade

    eram

    considerados a

    fora

    propulsora

    da

    atividade

    criadora,

    havia a con

    vico

    de que

    as obras

    de

    arte,

    em

    ltima

    anlise,

    seriam

    influen

    ciadas por um ideal de beleza

    absoluto.

    Para Leibnitz e Descartes, a sensibilidade estt ica razao obscu

    reci da. Os

    raciona

    1is tas franceses

    vem

    na forma do

    poema

    um

    que

    bra-mar

    contra os caprichos do sentimental ismo humano; Kant repre

    senta, at certo ponto,

    uma exceo.

    Hegel, por seu lado, interpre

    ta a histria das artes col lO histria da expresso da idia absolu

    ta , atravs do poeta. Parece que a idia de que o homem

    poderia

    se

    defrontar com o mundo

    sem

    o auxlio de

    um

    ser divino noexist iaat

    a segunda metade do

    sculo

    XIX.

    Para

    o

    japons,

    no

    entanto,

    a

    arte

    sempre foi, exclusivamente,

    expresso

    e produto do homem. Por

    isso,

    o

    transmitir

    a

    expresso

    subjetiva, em sua esttica, tornou-

    se

    o

    ponto de partida da criao art st ica. A esttica

    ocidental,

    porm,

    d a esse problema uma

    importncia

    relativamente pequena .

    Para

    ela,

    no parece essencial a questo,

    se,

    ou como, a

    obra

    de arte com

    preendida

    pelo

    observador, ouvinte ou leitor; para o

    ocidental, em

    ltima anlise

    ,

    ela ainda continua

    sendo,

    sobretudo, expresso de

    um

    ideal

    de beleza que tem validade universa l .

    Viver

    exp r

    essar

    -

    se.

    O

    homem

    vive se

    cOl'lllnicando.

    Na

    maneira

    de

    se

    comunicar,

    bem como

    na

    expresso

    art st ica, o japons se distingue

    do

    homem ocidental.

    Este,

    em ltima instncia,

    sempre se expr

    essa

    levando em

    conta

    uma idia

    do

    Absoluto, uma

    filosofia

    de

    vida

    ou

    deologia

    , enquanto que o

    primeiro torna

    aquilo que

    pretende

    expres

    sar, dependente

    das relaes

    com seus pares.

    Para

    o

    japons,

    da

    mxima importncia ser collllreendido pelo

    mundo

    que o cerca; para o

    ocidental

    is to no

    to relevante. Porisso,

    o japons se torna

    com

    -

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    23/81

    3

    plctamente dependente

    de

    seus pares.

    Essa

    dependncia

    no

    entanto

    he causa sensao

    de segurana; o

    fato

    de

    ter sido

    compreendido

    representa para ele apenas uma conquista

    ocasional.

    esse

    o

    fato

    poder-se-ia

    dizer

    que enriquece

    consideravelrrente

    sua vida tor

    nando-a palpitante.

    l\Lenc

    osairente

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    24/81

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    25/81

    5

    Toquio, 7 de abril de 1975

    Prezado

    professor

    Tanaka:

    O senhor tem razao:

    sou

    realmente

    da opinio de que o exame cr t ico

    d o ~ valores de culturas aliengenas e a

    aceitao

    dos mesmos na

    medida em

    que

    tenhaM ou possam ter validade

    universal

    tornaram

    se, em nosso tempo absolutamente imprescindveis. Porque o desen

    volvimento i ~ p r e v i s v e l da

    tecnologia

    deve fazer-se acompanhar por

    reformas

    sociais e morais amplas e universais, reformas

    que

    ficaro

    incompletas

    sem

    o exame cr t ico dos

    valores

    de

    outras

    culturas.

    A-

    credito que

    deveramos

    estar

    p r o ~ t o s

    e

    no

    receiosos, para receber

    valores de culturas alheias. A unidade a que SO OS

    exortados

    a as

    pirar,

    requer de ns a c o ~ r e e n s o e o reconhecimento de todos os

    valores culturais que

    a hurianidade

    j

    criou e continua criando, e

    nos obriga a integr- los e compreend-los como partes de um todo .

    Essa tese, caro professor, de maneira alguma encontra-se em

    contra

    dio com a minha constatao de

    que

    seria errneo julgar os valores

    de determinada cultura, com

    os

    cri trios de valor de uma outra. Mui

    to

    pelo

    contrrio . A discusso dos valores de culturas alheias

    s

    possvel

    se

    formos

    capazes

    de

    reconhecer

    e compreender

    suas

    leis

    e

    qualidades

    especficas, independentemente

    de sua validade em nossa

    prpria cultura. Porque c o m o j comentei em minha

    ltima

    carta -

    valores

    culturais

    so

    o produto de

    uma

    determinada situao social

    e

    s

    podem ser compreendidos a part i r dela .

    O

    senhor,

    no entanto, tem razo quando

    pensa

    que, para mim indi

    fe

    rente a forma pela qual se realiza esse exame cr t ico. Mas no o

    compreendo quando v um

    cos

    na multiplicidade das manifestaes

    culturais que caracterizam

    a cultura do Japo de hoje. Se,

    como

    re

    petidamente

    tem

    acentuado,

    a harmonia da

    convivncia

    human

    a

    ,

    para

    o

    japons,

    lei suprema, o

    Japo,

    a meu

    ver,

    mais do que outras na

    es est predestinado a assimilar e integrar

    valores

    culturais a

    lheios,

    contribuindo, dessa

    maneira,

    para a harmonizao de todas

    as culturas,

    om vistas

    a uma

    cultura

    universal futura .

    Trata

    -

    se, hoje, de

    criar

    uma conscincia

    que

    seja capaz

    de

    perceber

    e o ~ r e e n d e r o mundo

    como

    um

    todo

    e de adaptar- se a ele criativa

    mente.

    Tarefa custosa para

    o

    h o m e ~ ocidental que,

    por seu desenvol

    vimento histrico, ter no s que reaprender a pensar globalmente,

    como

    tambm e

    principalmente,

    a

    sentir

    como

    tal

    Ho

    se

    trata

    de

    c r iar uma cultura

    tediosamente uniforme,

    mas sim, de desenvolver um

    organismo scio-cultural que se baseie na elaborao e integrao

    criativas

    de todos os valores culturais da humanidade .

    O

    Japo,

    eu acredito,

    capaz

    de contribuir consideravelmente

    nessa

    direo j que, por

    tradio, possui

    a capacidade de

    reconhecer

    o

    homem

    em sua totalidade e de

    aproveitar suas

    caracterst icas e po-

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    26/81

    6

    tencialidades num

    desenvolvimento ordenado.A tradio

    e

    experincia

    do

    Japo

    podem desempenhar um papel 111.1ito importante nesse processo

    de

    amlgal'll que hoje

    se

    realiza

    por todo

    o planeta, contribuindo,

    atravs

    da comunicao

    esttica, para

    a

    modificao das

    relaes

    entre arte

    e

    sociedade,

    e

    apontando, por essa via, para um

    caminho

    de humanizao do mundo industrializado.

    C0 '1preende-se a

    observao

    considerando

    -

    se seu ponto

    de vista

    segundo a

    qual

    a

    esttica o c i d e ~ t l

    atr;bui

    uma importncia relat i

    vamente pequena

    ao

    problema da

    expresso.

    Permita-me porm chamar

    sua

    ateno

    para

    o

    fato

    de

    que a

    histria

    da

    arte ocidental, desde

    a Renascena, pode

    ser interpretada como um

    processo contnuo

    de

    transformar e intensificar a expresso,

    processo

    que

    culmina

    num est i lo expressivo eMinentemente

    subjetivo,

    como

    o Expressionismo. O fato de que o "Absoluto", a "ldia Univer

    sa

    I

    ' '

    e o

    ' 'Ser

    Sobrena

    tu

    ra

    I

    ' , at nossos dias,

    desempenhem

    um papel

    ligado

    a

    uma certa tradio, j deveria ter

    se

    tornado irrelevante

    para a esttica

    11Dderna

    e a concepo da

    arte.

    A

    esttica,

    em

    nossos

    dias, deixa

    de

    ser a doutrina

    subjetivadobe

    lo,

    tornando

    -

    se

    uma

    teoria

    racional

    e

    objetiva

    da

    percepo

    (do

    gre

    go

    "aisthetiks" =sensvel , sensit ivo),

    devendo-

    se levar

    em consi

    derao

    a

    inexistncia

    da

    objetividade

    em

    sentido absoluto,

    mas

    a

    penas

    como um

    mnimo

    de subjetividade uma estt ica

    que

    tambm se

    relaciona com

    o

    "consumidor"

    ou seja, o espectador ,

    ouvinte, lei

    tor,

    etc . u na teoria que

    descreve

    fennenos de comunicao e

    de

    informao estticas

    na

    sociedade em

    que

    tiveraM origem

    ou

    qual

    se

    d i r i g e m

    c o ~ referncia ao homem, portanto

    Ao se an

    a

    l isar, de imediato, as diferenas entre

    o pensar

    eosent i r

    japons

    e

    ocidental

    preciso

    levar-se

    em

    considerao

    o

    fato

    de que

    a ar te e a esttica, no

    Japo

    e no

    ocidente, se

    fundam

    em duas

    for

    mas

    de conscincia completaMente diferentes

    que,

    primeira vista,

    parecem

    diamet

    r

    almente opostas, mas que,

    no

    futuro, podero

    vir

    a

    se

    complementar ,

    enriquecendo-se

    mutuamente .

    Eu

    chamaria

    de

    "intui

    tiva",

    no senti

    do de

    urna capacidade

    de

    percepo

    g 1oba1 i

    zante,

    a

    forma de conscincia em que esto

    baseadas

    a arte e

    esttica tradi

    cionais

    do Japo, assin

    como de

    "racionalista", aquela

    sobre

    a

    qual

    se

    baseia a

    arte estabelecida,

    t r

    adicional

    do

    ocidente

    ,

    e1:1particular

    as

    tendncias

    est i l s t ic s surgidas entre os sculos

    X e XX.

    A forma de conscincia que

    super-acentua

    o

    racional,

    e que tem

    como

    veio

    mais i111>ortante o pensar analt ico, a postura espiritual res

    ponsvel

    pela

    tradio

    judaico-

    cris t ,

    cuja

    importncia

    para a

    cor l-

    preenso do ocidente o senhor, repetidaMente, tem

    enfatizado

    . O t i -

    po "in t uitivo" de conscincia do japons gera uma arte em que ele

    mentos

    temporais

    e

    espaciais se correlacionam com uma experincia

    intuitiva e afetiva,

    para

    a qual o

    contraste,

    indispensvel

    forma,

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    27/81

    7

    consiste numa correspondncia ambivalente do tanto quanto .

    O

    tipo racionalista

    do

    homem ocidental, produz, por

    sua

    vez,

    uma

    ~ r t

    cujos

    elementos temporais e espaciais esto sujeitos a uma or

    dem

    mensurvel, a um processo de abstrao cujo germe o contraste

    dualista, dialtico e excludente do ou isto, ou aquilo .

    Realisticamente falando, parece

    importante

    para ns que,

    como

    con

    sequncia de

    uma

    sociedade planetria em construo, se inicie

    um

    desenvolvimento que pressuponha, forosamente, a

    assimilao

    dos va

    lores

    culturais

    orientais

    pelo

    ocidente, e dos ocidentais, pelo o

    riente.

    Porque,

    caso

    nos recusemos a

    realizar

    a

    tarefa

    de

    acultura

    o, receio

    que,

    inevitavelmente,

    estaremos

    escolhendo o caminho da

    autodestruio

    . Porque ns homens, no futuro, s poderemos

    viver co

    mo coounidade.

    Ainda no sabemos

    quais

    dos valores

    da

    herana do homem, numa

    cul

    tura universal, sero definitivar.-ente integrados. Isto depende dos

    ideais e dos objetivos que o homem colocar

    para

    o futuro. Certo

    ,

    no entanto, que uma futura cultura universal fundir valores

    cultu

    rais

    do oriente e do

    ocidente,

    num jogo dinmico: a

    introverso

    se

    r

    compensada

    pela

    extroverso

    e

    vice-versa,

    a

    subjetividade

    pela

    objetividade e a automao pela frutificao das foras

    criativas.

    Dessa maneira, aproximar-nos-emos de uma

    estrutura

    de pensamento

    cuja essncia poder ser o paradoxo integrante. Encontramo- nos di

    ante do

    fato

    paradoxal de sermos obrigados a

    levar

    adiante o proces

    so que, sabemos, poder no s

    destruir

    a humanidade do homem, como

    tambm ele mesmo.

    Na histria

    da humanidade no se eliminam parado

    xos passando por cima

    deles

    ou negando-os; preciso

    aceit-los

    e

    penetrar neles ,

    escreve o

    filsofo

    Georg Picht

    em

    O Futuro da

    hu

    manidade .

    Acredito

    firmemente, caro professor, que nos e as geraoes vindou

    ras seremos

    exortados

    a criar essa cultura

    planetria

    universal,

    mas, somente se cada um de ns

    for

    capaz

    de

    se

    identificar

    com

    to

    dos

    os

    seus

    aspec

    tos, consegui remos

    cumprir

    essa misso: se tudo que

    pensarmos, sentirmos ou fizermos for

    pensado,

    sentido ou

    feito COl ll

    referncia

    ao todo, a um

    equilbrio scio-cultural,

    como meio

    para

    um crescimento

    maior.

    m

    ab

    rao .

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    28/81

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    29/81

    Toquio, 20/05/75

    Caro professor Koel lreutter;

    Sua idia de una

    cultura

    planetria universal

    soa,

    de fato, muito

    sedutora. Como japons,

    ela

    me

    parece

    ilusria, o pensamento i lus

    rio

    de

    um

    europeu que

    considera

    o futuro da cultura e civil izao

    ocidentais

    com

    ceticismo e procura uma

    soluo

    no

    oriente.

    O senhor

    da opinio de que ainda no sabemos quais

    valores

    da herana do

    homem

    sero integrados

    em uma

    cultura

    universal, e que

    isto

    depen

    der

    dos

    ideais

    e

    objetivos

    que o

    homem

    se

    propuser para

    o

    futuro.

    Quanto a mim,

    creio

    que ser novamente o mundo ocidental, e no o

    indivduo, a

    determinar

    os ideais e objetivos futuros. a m b ~ estou

    convencido de que o

    japons,

    mais uma

    vez, estar

    disposto a seguir

    as propostas do ocidente.

    Mas

    essa cultura, em

    ltima

    instncia,

    se

    r novamente ocidental e no universal . . . Dizem, com

    razo,

    que a

    cultura japonesa do

    tipo

    lunar porque o luar, como

    ta l

    no

    e

    xiste; a lua, ela mesl \l, no brilha, mas brilha apenas con o aux

    l io

    de uma estrela. Assim acontece com a cultura do

    Japo;

    esta

    tam-

    bm, na origem, no

    existiu

    como tal . Tornou-se

    importante

    apenas

    por_

    ter aceito, em

    tempos

    passados,

    a

    cultura

    chinesa, assimilando

    -a a sua.

    Um exeriplo

    caracterstico

    deste fato a simplificao, levada a

    cabo pelos

    japoneses,

    dos ideogramas chineses, processodoqual sur

    giu a escrita dos primeiros (escrita Kana .

    Eu

    diria, por isso, que

    a cultura japonesa fundamentalmente um

    produto

    de

    adaptao

    muito

    sensvel aos

    estmulos do mundo

    exterior,

    reagindo fcil

    e persis

    tentemente

    s

    influncias

    estrangeiras.

    Esse processo

    de adaptao

    ocorre sem planejamento, no se

    iq>ortando,

    o japons, com contra

    dies

    aparentemente

    lgicas.

    Da a

    sensao

    de

    falta

    de

    unidade

    no

    desenvolvimento da

    arte japonesa.

    No se pode

    fugir

    impresso de

    ter sido influenciada,

    em

    vrios

    perodos

    da histria, por todo t i -

    po de tendncias

    externas

    ou at . mesmo de ter surgido por

    acaso.

    O

    crtico de arte brasileiro Mario Pedrosa

    diz

    que

    os

    esti los da arte

    japonesa

    so

    determinados por

    situaes.

    At se

    poderia

    afirmar que

    a

    arte

    do Japo desconhece

    estilos

    propriamente ditos e se consti

    tui, cada vez, segundo a influncia que

    sofre.

    O senhor, caro

    pro

    fessor, parece ser da

    opinio

    de que o

    Japo est

    predestinadoa as

    similar valores

    culturais de outros povos, a

    transform-los

    e a con

    tr ibuir

    assim,

    essencialmente, para

    a

    harmonizao

    de

    todas as

    culturas,

    tendo

    em vista

    uma

    c u l t u r ~ planetria

    universal

    futura.

    COllD

    j disse, destino da cultura

    japonesa

    desenvolver-se sempre

    sob influncia de

    outras.

    m tempos imemoriais de

    sua

    histria, o

    japons

    ta

    1vez teria consegui do a harmonizao de

    todas as

    cu1 u

    r

    as,

    porque ento, ele

    tinha

    tempo suficiente para

    assimilar os

    -

    lores culturais

    de outros povos que chegavam

    ao

    Japo com grandes

    lapsos de

    tempo. O

    japons,

    que sempre

    se esforou

    por alcanar e

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    30/81

    3

    at

    ultrapassar

    a

    cultura

    ocidental,

    cometeu, aps a

    restaurao

    Meiji, em minha opinio, um grande

    erro.

    Este, talvez, possa ser

    e

    lucidado

    por

    um

    exemplo mencionado

    por Tsuneari

    fukuda

    em

    seu

    livro

    Nihon o omou : imaginem que

    se faa

    o

    prprio

    nariz,

    tomando

    co

    mo fllOdelo

    um

    outro, s

    porque

    este

    agrada

    especialmente. Escolhe

    se,

    de todos

    os homens, o melhor

    de cada

    um

    olhos amveis,

    boca

    expressiva, etc, e se junta tudo como uma foto-montagem, na suposi

    o

    de

    que, desta

    maneira, se

    conseguir

    criar beleza. Assim, o

    ja

    pons

    rene,

    de culturas

    estrangeiras

    que

    lhe

    agradam,

    partes

    dif i

    cilmente reunveis,

    na

    inteno

    de

    criar

    o melhor e o mais

    extraor

    dinrio .

    Receio,

    caro professor,

    que a

    cultura

    universal

    que o

    senhor

    vis

    lumbra ser

    uma

    foto-l'IOlltagem

    casualmente

    construda que lembra o

    Japo do

    perodo

    Meiji (1868

    -1912).

    A

    situao hodierna em nosso

    pas,

    no

    entanto,

    parece-me

    ainda

    mais

    extrema.

    Tenho a

    impresso

    de

    que,

    atualmente, antes

    que o estmago

    sinta

    fome,

    coloca-se

    na mesa, ininterruptamente, todo tipo de l -

    mentos novos. O

    japons, precipitado

    e

    assduo, esfora-se por co

    mer tudo, numa grande

    desordem.

    As consequncias so os

    problemas

    crnicos de digesto

    que

    hoje

    o

    afligem.

    No

    se

    poderia

    considerar

    essa

    situao um

    cos?

    Cultura

    um

    organismo

    que,

    como

    um

    todo,

    representa

    uma

    unidade que

    s pode

    exist i r

    quando se

    tende,

    mais ou menos, a

    excluir

    o que

    vem

    de fora.

    Porisso,

    parece-me

    necessria uma atitude conservadora.

    Li com

    interesse sua afirmao de

    que o

    japons sente

    e pensa

    glo

    balmente.

    Isto,

    sem

    dvida,

    certo.

    O

    senhor tambm

    tem

    ra

    zio

    quando

    designa

    como

    intuitivo , no senti

    do de

    uma capacidade

    de

    percepio

    global,

    o

    t ipo

    de

    conscincia

    que

    preside

    esttica

    da

    arte tradicional

    do

    Japo.

    Lembro-me, no momento, de

    uma exper1en

    cia

    que

    tive

    no

    Instituto

    Goethe,

    em

    Hunich: o professor

    frequente

    mente nos mandava descrever ou

    interpretar

    um determinado quadro.

    Falando

    sinceramente, isso

    me

    chocou; a ns

    japoneses,

    praticamen

    te

    impossvel

    descrever uma obra

    de

    ar te em palavras,

    ou

    seja, a

    travs de

    um processo analtico.

    Pouco

    inclinados ao pensar plani

    ficador-analtico,

    no temos,

    em

    geral,

    tendncia

    a

    analisar

    qua

    dros

    e

    obras

    de

    ar te objetivando

    e

    procurando aprend-los global

    mente. Lembro-me do episdio

    em

    que o famoso

    pintor

    Statsu (?-1643)

    e o no menos famoso

    calgrafo

    Ketsu (1558 a 1637)

    criaramumaobra

    de ar te em comum. Statsu pintou um quadro

    com

    toda

    a

    liberdade.

    Ketsu,

    com seu

    pincel,

    acrescentou-lhe um verso.

    Isto ocorreu

    sem

    que

    tivessem

    discutido o assunto anteriormente. Assi

    m

    ambos

    os ar

    t istas, adaptando-se

    1111tu

    amente, sem renunciar sua liberdade in

    dividual e colocando

    suas

    respiraes

    em um mesmo r;tmo,

    criaram

    u

    ma obra

    de arte

    comum

    de

    perfeita

    harmonia.

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    31/81

    3

    O

    xllogravurista Shik

    Munakata 1903-1975)

    afirma

    a

    respeito

    de

    eu

    prpria

    atividade

    que

    em

    seu

    processo

    de

    criao

    art st ica

    no

    h

    malogros.

    Eis uma maneira de

    pensar tipicamente japonesa.

    Considerando

    como um

    novo ponto de

    partida

    o malogro

    transforma-se

    m

    algo

    de

    positivo

    e

    portanto

    o fracasso

    como

    ta l

    no

    existe.

    o

    contrrio algo

    de

    mais transcendente e interessante surgir

    ultrapassando aquilo que

    originariamente

    se

    pretendeu.

    im certa

    ocasio

    l que

    na

    entrada

    do

    Museu Rietberg em

    Zurich

    ncontra-se a seguinte

    classificao

    de obras art st icas:

    representao

    impressionista

    representao

    construtivista

    representao expressionista

    o que quer

    dizer que todas

    as

    obras

    de

    arte em ltima anlise po

    deriam

    ser classificadas

    segundo essas

    trs categorias.

    Ns,

    japo

    n ses no entanto ainda poderamos

    acrescentar

    uma quarta: a

    de

    lineativa.

    Quando

    estive

    na Europa,

    v

    e ouvi numerosas

    obras

    de

    arte

    que

    me

    causa ram

    a impresso de que nelas tudo

    descrito

    e

    expresso at

    o

    ltimo detalhe. Esta arte parece-me demasiadamente

    eloquente

    e at

    tagarela

    sem

    espao

    para

    o

    vazio

    e o

    silncio. No existe

    o

    incon

    ceb

    vel

    o vago, o

    velado

    to pouco a

    expresso indecisa

    amb

    gua) ,

    discreta

    ou

    oculta.

    Tudo

    claro brilhante

    macio

    forte

    e

    extrovertido. Tudo

    repleto

    e abundante.

    Jardim de Pedras no

    Te

    mp lo de

    Ryoan-ji

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    32/81

    3

    Til lberg,

    As

    pedras , Sucia

    Frequentando museus e

    concertos

    na Europa,

    senti que

    minha

    sensi

    bilidade

    enfraquecia paulatinariente

    embora

    me

    opusesse a

    esse tipo

    de

    arte. Nada me

    impressionou

    verdadeiramente.

    Lembrei-me, por

    e

    xemplo, da

    superfcie

    vazia da

    aquarela

    japonesa

    que,

    a

    meus olhos,

    causa uma

    impresso bem mais

    forte

    do que

    um

    quadro densamente pin

    tado.

    Lembrei-me da msica

    japonesa,

    na qual ~ c i t n d o o

    s e n h o r ~

    no

    existe

    o som

    pelo

    som,

    mas

    sim como meio

    para

    produzir,

    inten

    sificar

    e conscientizar o

    silncio.

    Tal

    arte, pinturaoumsica,

    no

    impressionista, construtivista

    ou

    expressionista.

    Ela se funda

    em

    princpio completamente

    diferente,

    ou seja, no

    princpio

    da

    suges

    to.

    No Japo,

    a

    arte

    que apenas delineia se desenvolveu muito. Ne

    la, o

    artis ta

    se

    concentra e ~

    U nico objeto

    concreto, ou ocorrn

    ci

    a,

    como

    smbolo que

    sugere algo

    que est

    oculto em

    algum

    lugar,

    na

    profundidade.

    A ns,

    japoneses, parece

    que somente

    essa arte

    possibilita

    expressar

    o que no pode ser

    expresso

    . A

    concentrao

    de meios,

    naturalmente, decisiva. Uri

    exemplo

    explcito

    o Haiku,

    poema

    curto, que consiste em trs versos de 5, 7 e novaC'lente 5

    labas. Ele apresenta

    um contedo

    bem

    mais profundo

    do

    que muitos

    romances

    verborrgicos.

    O

    poeta

    Bash Hatsuo (1664

    -1694 ,

    por exemplo,

    no seguinte

    Haiku

    descreve

    a

    infinitude

    do nundo,

    colocando

    no

    centro

    de

    seu

    poema, a

    ocorrncia concreta,

    ou

    seja,

    o

    m u r ~ u r r

    da

    gua.

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    33/81

    ru-ru-i-ke 1) -ya 2)

    kewa-su 3) - to-bi

    - ko-

    mu 4)

    ml-zu-no- o -

    to

    5)

    1) um

    velho

    tanque 2)

    t rata-se

    de uma part cula

    emocional)

    3) um

    sapo

    4) sal ta para dentro

    5) murmrio da gua

    O seu,

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    34/81

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    35/81

    5

    Hunich,

    11/07/75

    prof.

    Tanaka:

    \li tura

    planetria

    universal

    um

    acontecimento que se im-

    ~

    Ela surge da

    necessidade

    de

    oposio

    aos

    perigos

    do

    r ~ c l m

    nto

    tecnolgico e da automao extremas, atravs de medidas

    locducativas essenciais e de uma espcie de revoluo

    cultural.

    111

    qu-;ncia

    natural

    de

    um

    desenvolvimento social ao qual no pode

    11111ls

    escapar.

    Se pretendemos

    ampliar

    as potencialidades

    do

    ho

    c brir novos campos para seu desenvolvimento - e tambm

    isto

    Imperativo, porque a natureza nos obriqa a controlar e aperfeio

    n

    civilizao por ns

    mesmos

    criada - teremos que delimitar o

    rr no da cooperao pol t ica, econmica e cultural que

    correspon

    I os princpios e s

    exiqncias

    de um mundo uno. A infra-estrutu

    t t dessa cultura

    universal

    ser

    uma

    sociedade

    aberta, uma sociedade

    1 ~ c o l h e seres humanos de toda a espcie, independente de oriqem,

    n ~

    ou

    reliqio. A

    solidariedade entre os homens ser consequida

    atravs

    da concentrao em

    objetivos

    c01T1Uns

    portanto, atravs da

    ~

    trans-nacional.

    t1ln sociedade

    qerar

    uma

    cultura que se encaminha -

    ainda

    no o

    brmos - para

    uma fuso de

    caractersticas

    raciais

    e nacionais

    ou

    Mra

    uma

    juno

    e

    nfase

    de valores tradicionais. Certo , no entan

    to, que esta

    cultura ser de

    integrao. No

    uma

    colcha

    de retalhos,

    um 1 foto-montagem

    como

    o

    senhor

    receia, mas uma unidade

    orqnica,

    b 1eada na avaliao plena de todos os meios disponveis ao homem

    dcrno.

    h

    cultura,

    caro

    professor,

    que

    exclua,

    por

    princpio

    o que

    ve

    n

    d

    fora.

    E

    a posio conservadora hostil

    ao desenvolvimento cul

    tura 1. Porque

    conservadorismo se

    prende

    ao ui

    trapassado e

    se

    ope ao

    criativo.

    mim

    parece

    que

    hoje,

    mais do que

    nunca,

    importa que

    as culturas se

    vltalizen mutuamente.

    E isso dentro

    de um

    intercnbio de

    idiasede

    experinci as que

    se

    amplie

    constantemente

    e na liberdade

    de

    um mun-

    do aberto. No devemos

    estar

    somente

    dispostos

    a dar, mas taMbm a

    receber e a aprender com os

    outros.

    (natural

    que,

    em tal

    processo

    de

    intercmbio

    e

    interao

    cultural,

    cometam

    -se erros;

    a

    obra

    mal

    fei ta

    inevitvel. No h processo

    histr

    ico

    amalgamador l ivre de

    falhas.

    A

    histria,

    no entanto, anula as imperfeies e separa

    trigo.

    ~ ~

    o joio do

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    36/81

    6

    Se quisermos sobreviver, teremos que

    estabelecer

    contactos humanos

    mui to es t rei tos. No poderemos nos dar ao 1uxo de nos om i t i rmos. Se

    r

    preciso nos unir

    com

    o

    objetivo

    de

    criarmos uma

    cultura

    comum

    acima

    das nacionalidades.

    Uma tal cultura, naturalmente,

    no

    siqni

    fica a

    mistura

    indiscriminada de tudo que

    l

    ou

    c,

    foi

    criado

    em perodos de transio, no entanto, difcil evitar

    uma

    mistura

    deste tioo - mas uma inteqrao planejada e consciente.

    Perounto-me porm em que medida cada um de ns - portanto, tam

    bm

    o senhor e eu -

    ser

    capaz de

    solucionar, isto , dejulqar ob

    jetivamente o valor

    ou

    desvalor dos fatores culturais para a

    prpria

    cultura e a cultura comum.

    No ser possvel,

    tampouco

    evitar

    que

    as

    chamadas

    conquistas

    da

    c i vi

    1

    izao , os computadores robs e todas

    as

    esoci

    es de mqu inas

    cibernticas

    -

    tambm aquelas

    que a muitos

    dentre

    ns parecem hos

    tfs cultura

    - sejam aperfeioadas.

    Mas

    se

    aperfeioamos

    a

    tecno

    loqia e a sociedade que

    lhe corresoonde,

    segundo valores e objetivos

    prprios mesmo

    assim,

    os valores

    huma no6 -

    e isto o mais impor

    tante -

    podem

    e devem

    ser preservados.

    Ns

    no

    ocidente, temos que

    reaprender

    o

    pensar globalizante.

    Desde

    h

    muito nossos

    cientistas

    mais avanados

    tm

    nos

    alertado

    para

    a

    perda da

    faculdade

    do pensamento

    globalizante, como um

    dos fatores

    que contribui

    para

    privar o homem de uma parte essencial de sua ca

    pacidade cognitiva. m seu livro Fsica e Filosofia ,

    escreveof

    sico Werner Heisenberg: a grande

    contribuio

    cientfica feita

    pe

    los japoneses, a

    partir

    da ltima guerra, fsica

    terica, ~ o e

    ser

    interpretada

    como

    sintoma de certas relaes entre as idias trad i

    cionais

    do extremo

    oriente

    e a substncia

    filosfica

    da

    Teoria

    Qun

    t ica.

    O

    homem

    se acostumar

    talvez,

    mais

    facilmente

    ao conceito

    quntico da realidade, se no passar pelo pensamento materialista

    ingnuo

    ainda vigente

    na

    Europa das

    primeiras

    dcadas

    deste

    scu

    lo.

    Aprendamos ento, com o

    Oriente,

    o que

    uma tradioracionalistade

    aproximadamente

    400

    anos nos fez

    esquecer.

    Tradio

    cujo

    desenvol

    vimento em

    direo

    a

    uma

    forma

    materialista

    de pensamento - que re

    duz a realidade, e portanto,

    tambm

    a alma e o esprito, condio

    de matria -

    trouxe

    como consequncia

    ltima

    a atrofia dos

    valores

    psico-espirituais.

    Perda que no pode ser compensada por

    atividades

    que se ocupam

    com

    o

    pensar

    oriental,

    to em

    moda

    entre ns, ociden

    tais,

    na Europa e nas Amricas.

    Manifestaes,

    talvez

    de

    reao

    ao

    desenvolvimento

    materialista,

    ou melhor,

    ao nosso passado

    materia

    l ista, em que os excessos, sob forma de exaltao, fanatismo, falta

    de senso cr t ico, exagero e deformao lembram sintomas que o se

    nhor

    caro

    professor,

    tambm

    observa no Japo e

    to

    veementemente

    crit ica.

  • 8/21/2019 Koellreutter Esttica

    37/81

    7

    a economl a e con

    Ot nrtl\ tas do Ocidente tero ainda que

    r e a p r e n J e ~ t e

    de

    delinear,

    111rnao

    de

    meios,

    aquilo

    q u e ~

    s7nhor

    : h ~ m a

    de'

    eu

    designo

    por

    a

    hci11r, insinuar, aludir. tendenc 1

    es

    tet 1 ~ qve rflnnc ia

    repre

    lu lnn l smo arts t ico. Porque a alusao, Isto

    e,

    '

    refere

    tambm

    11

    1,.c,.io

    realista,

    afirmao

    clara - e isto

    ~ ~ f l um fator

    ar

    H1unlu1, linguagem

    sem

    referente externo - consP

    francs

    Pierre

    . . ,,r

    LIBtlco Importante. A

    esse

    r e ~ p e 1 t o ,

    o compos1tv CJe

    se

    revela pau-

    inulel escreve: amo a dimensao apenas esboada, rfl que

    se

    perpetua.

    l1tln,1mente;

    nela,

    no h a pretenso da

    obra p(

    1

    -

    . .

    Apr nde-se,

    por assim dizer, a

    viver

    na

    musica.

    f rma de expresso

    o

    v ramos,

    talvez,

    cada vez