kazadi wa mukuna - a contribuição bantu na musica barsileira

Upload: ratavil

Post on 21-Feb-2018

237 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/24/2019 KAZADI WA MUKUNA - A Contribuio Bantu Na Musica Barsileira

    1/5

    frica; Revista do Centro de

    Estudos

    Afric-..anos

    da

    USP. 1 1). 1978

    RESUMO DE TESES

    O CONTATO MUSICAL TRANSATLNTICO:

    CONTRIBUIO BANTU NA MSICA POPULAR :BRASILEIRA.

    Kazad wa Mukuna

    Universidade acional do Zaire

    Durante os trs sculos de atvidade escravocratas, dos meados do

    sculo XVI at a ltima metade do sculo XIX, exercida principalmente

    pela coroa portuguesa e pela monarquia holandesa, inmeros membros de

    diferentes tribos

    da

    frica ocidental foram introduzidos no Brasil para

    satisfazer a necessidade de mo-Oe-obra em exploraes agrcolas e de minera

    o. Entre eles h: a o grupo sudnes, composto pelos escravos vindos dos

    pases africanos ocupando o cinto sudnico abaixo do deserto Sahara, notada

    mente Senegal, Guin, Gana, Nigria, Benlln, etc.; b a familia bantu, incluin

    do todos os escravos vindos do espao geogrfico iniciado ao sul do (;abo

    e tenninando ao sul de Angola; e alguns outros, vindos de Moambique e

    de certas partes da frica

    do

    Sul.

    Com cada grupo tnico foram transplantados para o Novo Mundo

    e l e n ~ n t o s

    da respectiva prtica cultural. Alguns desses elementos inseridos

    no estilo de vida brasileira variam desde os hbitos domsticos e sincretismos

    de culto, literaf11ra e manifestaes artsticas, dentre as quais o patrhnnio

    musical, que constitui o cerne da nossa dissertao. Esta ltima, em forma

    de

    mise au po nt

    sobre a contribuio africana na msica brasileira, trata dos

    elementos rnuscais bantus, oriundos da zona Zaire-Angola, aqui definida

    como a zona de interao cultural, detectveis na msica popular brasileira.

    Eles so, basican1ente, de duas naturezas:

    l)

    instrumentos tais como a cuca,

    o berimbau, o cax.ixi, o agog, comumente utilizados no Brasil; e a j desa

    parecida sanza e a raramente encontrada .. a r i m b a ~ 2 padres rtmicos.

    principalmente os de 4 e l 6 pulsaes, todos eles relacionados com suas res

    pectivas origens entre os bantus do Zaire e de Angola, revelando tambm

    suas funes tradicionais nessas tribos. Esses elementos so analisados e n

    tennos de

    n1utao

    e persistncia, conseqncia das vrias aes de fen

    menos culturas, psicolgicos e sociolgicos sobre seus portadores, e em

    tennos de sua continuidade no Novo Mundo.

    97

  • 7/24/2019 KAZADI WA MUKUNA - A Contribuio Bantu Na Musica Barsileira

    2/5

    O primeiro

    captulo

    dedicado

    definio do grupo de escravos

    bantus, para o interesse da dissertao, aborda o probleina de diversos pontos

    ~ d e - v i s t a histrico e antropolgico, alcanando a concluso de que este grupo

    poderia

    ser

    concebido como sendo

    co1nposto

    basica1nente pelos 1nembros

    das tribos que constituiram o prhneiro e o segundo Reinos

    do

    Kongo; o

    prneiro de.stcs alcanou o seu apogeu no sculo XVI> e o ltin10, foi per

    meado pelos n1igrantes das regies do interior da bacia do Zaire.

    Alm da origem

    comum

    partilhada pelas tribos bantus espalhadas,

    p o d e ~ s e

    postular que a unidade cultural dos povos da bacia do ~ a i r e foi

    alcanada, pelos vrios processos. acompanhando o percurso das nligraes

    _das tribos

    do

    Jnterior,

    e

    pelos outros contatos (campos de batalhas, reunies

    temporrias

    de

    comrcio. assirnilalfo, etc.),

    antes das atividades

    escravo

    c.ratas e/ou

    durante

    o trfico hurnano. Estes

    contatos

    so responsveis pela

    fransmisso dos elementos tradicionais das reas do interior para as

    reas"

    ;Costeiras, ao alcance dos comerciantes de escravos. Entre

    os

    elementos r a n s ~

    (plantados do interior para a costa, h aqueles cuja presena no Brasil pode

    explicada sem, necessariamente, haver participao fsica dos membros

  • 7/24/2019 KAZADI WA MUKUNA - A Contribuio Bantu Na Musica Barsileira

    3/5

    ele1nentos

    1nusicais

    presentes

    na

    expresso tnusical brasileira (salientando

    o fundo cultural das forn1as entre as quais eles aparece1n) colocada no

    prin1ciro plano: no segundo plano vem a detenuinao das origens tribais

    dos cle1ncntos 1nusicais identificados entre os bantus no Zaire e na zona

    de interao cultural, pelo n1todo co1uparativo.

    No ramo dos instrumentos musicais, ambos os captulos

    (li

    e lll)

    so ilustrados com vrias fotografias de instrumentos, s vezes revelando

    suas tcnicas de execuo. Slfo elas: "agog" na escola de samba, um e,p

    cin1e africano dosl ashantis de Gana; caxixf' relacionado com o conjunto

    de capoeira; a Hmarimba encontrada

    e1n

    Sfo Paulo; o berimbau'\ da

    Bahia; ~ c p o e i r dana"luta, com seus instrumentos de acompanhamento,

    tamb1n

    da

    Bahia; e a cuca brasileira usada nas escolas de samba.

    Vrias situaes so encontradas em relacionamento com cada

    e l e ~

    mento musical detectado. O agog,

    por

    exemplo, encontrado com uma

    maior difuso na frica,

    com

    funes no

    tanto

    diferentes daquelas que

    desempenha

    no

    Brasil. Numa posio oposta, a cnca encontrada na frica

    numa rea mais restrita e ainda com funes inteira1nente diferentes das que

    desempenha no Brasil.

    Quanto ao

    berimbau,

    embora sua origem africana

    n'o

    possa ser determinada neste trabalho, parece-nos

    que

    o modelo brasileiro

    tirou sua estrutura do modelo 1encontrado entre os kungs em Angola. Sua

    associao com caxxi no uma prtica africana,; mas da capoeira bras"

    leira.

    Considerando os padres rtmicos, o cabula e o congo encontrados

    no

    candombl de Angola e Ketu em Salvador (Bahia), tm suas contrapar

    tidas africana. O primeiro encontrado com suas variantes entre os b k o n ~

    gos no Zaire e nas tribos das regies no norte e Angola. O segundo ritmo,

    chamado congo, muito difundido na frica.

    Dois padr 'es rtmicos bsicos do samba brasileiro so estudados. O

    primeiro destes, o mais antigo, composto pela seqncia de colcheia, du

    pla colcheia e uma colcheia, seguido

    por

    duas colcheias. Embora no

    se

    possa chegar a nenhuma conclus"o sobre a origem deste padr'o, baseada

    sobre seu primeiro motivo,

    por

    ser detenninado pela parte potica das ln

    guas africanas, o padro inteiro encontrado cono bsico para a mioria

    de msica tribal na regifo de Kasai

    no

    Zaire.

    O segundo padro rtmico, que tambm o mais recente a ser -

    corporado

    no

    painel rtmico

    do

    samba, o ciclo rtmico de 16-pulsos divi

    sveis em dois segmentos (motivos) de sete e nove pulsos, e variante. Este

    padro

    encontrado entre o luluwas, em Kasai, em ambas as formas. Devido

    sua grande difuso entre as tribos desta regio, este padro no pode ser

    atribudo a uma tribo especfica, mas

    rea bantu em geral, e

    zona de

    interao cultural entre Zaire e Angola, em particular. Mesmo assim, h

    99

  • 7/24/2019 KAZADI WA MUKUNA - A Contribuio Bantu Na Musica Barsileira

    4/5

    suficientes cvidCncias para ser at.ribuido 1cgio

    de

    Kasai, de

    onde

    aJcan

    ou a regio costeira e o Novo Mundo

    A parte llJ, tarnb1n dividida

    Cin

    dois captulos,

    basicamente te-

    rica, aprofundando os aspectos sociolgicos relativos transferncia dos

    elerncntos culturais de um cosrno cultural para

    um

    outro,

    atravs da muta+

    o no nvel conceituai de indivduo ou grupo, resultando de u1na crise ou

    de uma ruptura.

    O

    ponto de

    partida para a observao a realizao do fenmeno con

    Creta1nente detectado com a persistncia da estrutura organolgica dos lns

    trumentos musicais e dos ciclos rtmicos, unto

    com

    a obliteratro de seus

    Valores tnicos. Pa.ra que os elementos musicais, cujos valores tra.dicionaiS

    (nas tribos

    b a ~ 1 t u s

    so de importncia proeminente na construo Ida e x ~

    presso total

    de

    invocao (ritual/religioso). viessen1

    a ser

    elementos de

    yxpresso popular

    (profana).

    no Brasil devem ter ocorrido algumas crises

    ho ncleo da existncia do

    jndivduo

    ou do grupo (nos termos bantus),

    afetando assim o nvel concituaJ dos portadores. face a estes elementos.

    ' No captulo

    IV,

    mutao defmida como sendo sinnimo de ruptura.

    Esta ltima por sua vez definida con10 um condicionaJnento conceituai

    resultando de uma crise, da qual resulta

    u1na

    srie

    de

    mudanas. afetando

    ~ i f r n t m n t a sociedade em questo. Aceitando qi.:.:. a sociedade com

    posta de indivduos que define1n o conjunto de relaes (normas, valores,

    etc.) pelo qual seu coinportamento regido, deveria tambm ser penniti

    do

    olhar este condicionamento como ocorrendo no nvel formal do indi

    lvduo, do qual concebido o conjunto de relaes que esto na base da

    sociedade em que ele vive, ao invs de diretamente sobre a prpria socie

    dade.

    Ao empregarmos tradicional . referimo-nos

    ao

    que pertence a

    uma continuidade bem definida. cuja mera existncia

    vitalizada pelos

    Conceitos ideolgicos regulados pelas normas e valores, pertencendo a um

    ~ r u p o

    fixo, uma famlia, uma tribo, um grupo tnico, etc.

    Popular ,

    por

    outro lado designa o novo estado do tradicional tirado do seu contexto

    yital, perdendo, sobretudo, o que tinha de oficial ou pertencendo a uma

    Puitura

    especfica

    de

    onde tira sua identificao

    Co1n

    um grupo determinado.

    fm outras palavras, o popular seria o tradicional cujo conceito ou

    bonceitos so dissociados do que lhes d significado e existncia, e que n o

    est em conformidade com as regras prescritas de comportamento sancio

    nadas pela sociedade. Ainda, o

    popular

    o tradicional que se tornou

    lugar-comum entre e/ou dentro de sociedades, naes, etc.

    O

    capitulo

    V investiga a persistncia e a continuidade dos elemenl.os

    musicais bantus sob considerao. Para que estes elen1entos possarr1 sobre

    viver

    na

    situao de despersonalizao a que seus portadores foram subrn

  • 7/24/2019 KAZADI WA MUKUNA - A Contribuio Bantu Na Musica Barsileira

    5/5

    tidos, deveria haver, priori valores rnais profundos: e

    a estes pri neiros

    valores que eventualn1ente, outros

    valores do

    novo a1nbicnte silo junta

    dos.

    Os elementos

    1nusicais

    en1

    considerao so partes do ncleo

    existncia dos membros das

    s o c i e d d e ~

    bantus, e esta pode ser unia das

    razes capitais

    da

    sua persistncia na 1ne1n6ria dos indivduos. o nucleo

    de existncia que sobrevive

    ruptura e percorre a trajetria nlio-existente.

    Ele alimenta a cristalizao dos elementos na

    men1ria

    individual, fica

    mais evidente quando analisado com o conjunto de fatores sociais, cujo

    efeito

    tambm de uma Importncia capital na preservalfo e especialmente,

    na continuidade dos elementos culturais dentro da nova sociedade.

    A persistncia de certos traos musicais pode, ter remltado da mera

    nposio de um grupo sobre outro. devido a uma grande concer.traytro dos

    ele1nentos numa dada rea. No Brasil, a rea do samba coincide com as-

    regies agrcolas

    onde

    houve tambm uma concentrao marcante dos

    es-

    cravos oriundos do estoque bantu. ~ o caso do caxixi, do berimbau, e da

    capoeira, que podem ser considerados como denominadores comuns nazona

    de

    interao cultural, sendo encontrados

    na Bahia,

    onde a concentrao

    dos bantus oriundos de Angola foi marcante no sculo XVII. Outras formas

    de expresso popular brasileira, tais como o b u m b a - m e u ~ b o i maculel,

    maracatu, congada, ta1nbor de crioula, etc., que constituram expresso

    loco-regional, atestam

    o

    fato e que deveriam ter alguns tipos caractersticos

    de concentra o regional das etnias, para justificar a criao das formas

    e/ou para atestar persistncia dos elementos culturais africanos que podiam

    ter subsistido se estes traos rpresentassem denominadores comuns entre

    os membros da comunidade.

    a:

    Tese de

    doutoramento

    em

    Sociologia Departamento

    de

    Cincias Sociais

    da

    Faculdade de

    Filosofia

    Lettas e Cincia$ Humanas

    da Universidade

    de So

    Paulo.

    1 1